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52 ensaio \ Processos de Ensino e Aprendizagem Musical para Alunos com Deficiência Visual Shirlei Escobar Tudissaki* [email protected] Mestranda em Música – Educação Musical – pela Universidade Estadual Paulista (Unesp); Especialista em Educação Especial – Deficiência Visual – pela UnioRio; Bacharel em Piano pela Universidade do Sagrado Coração (USC). É coordenadora do Setor de Educação Musical, professora de Prática Vocal e Teoria e Percepção do Conservatório de Tatuí; professora tutora da Licenciatura em Educação Musical da UFSCar e docente da Pós-Graduação em Metodologia do Ensino da Música do IBPEX/UNINTER. Resumo: A inclusão de alunos com deciência visual nos processos de ensino-aprendizagem tem sido amplamente discutida pelas políticas públicas brasileiras. Apesar disso, ao que diz respeito ao ensino musical, grande parte das pesquisas não referendam o tema e pouco se sabe a respeito dos processos de ensino e aprendizagem aplicados. Prova disto é que grande parte dos professores de música desconhece o sistema de notação musical utilizado pelas pessoas com deciência visual severa – a musicograa braille. Tal realidade levou-nos a realizar uma pesquisa de caráter bibliográco com o objetivo de conceituar a terminologia utilizada e vericar quais metodologias de ensino de música são comumente empregadas para tal situação. É válido ressaltar que este artigo é parte da pesquisa desenvolvida pela autora no Mestrado em Música – Educação Musical, na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Unesp.

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Page 1: Processos de Ensino e Aprendizagem Musical para Alunos com ... · acuidade visual, na visão de cores, no campo visual, na sensibilidade ao contraste ou na adaptação à luz. A seguir,

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ensaio

Processos de Ensino e Aprendizagem Musical para Alunos com Deficiência Visual

Shirlei Escobar Tudissaki*[email protected]

Mestranda em Música – Educação Musical – pela Universidade Estadual

Paulista (Unesp); Especialista em Educação Especial – Deficiência Visual

– pela UnioRio; Bacharel em Piano pela Universidade do Sagrado Coração (USC).

É coordenadora do Setor de Educação Musical, professora de Prática Vocal e

Teoria e Percepção do Conservatório de Tatuí; professora tutora da Licenciatura

em Educação Musical da UFSCar e docente da Pós-Graduação em Metodologia do

Ensino da Música do IBPEX/UNINTER.

Resumo: A inclusão de alunos com deÞ ciência visual nos processos de

ensino-aprendizagem tem sido amplamente discutida pelas políticas

públicas brasileiras. Apesar disso, ao que diz respeito ao ensino

musical, grande parte das pesquisas não referendam o tema e pouco

se sabe a respeito dos processos de ensino e aprendizagem aplicados.

Prova disto é que grande parte dos professores de música desconhece

o sistema de notação musical utilizado pelas pessoas com deÞ ciência

visual severa – a musicograÞ a braille. Tal realidade levou-nos a realizar

uma pesquisa de caráter bibliográÞ co com o objetivo de conceituar

a terminologia utilizada e veriÞ car quais metodologias de ensino

de música são comumente empregadas para tal situação. É válido

ressaltar que este artigo é parte da pesquisa desenvolvida pela autora

no Mestrado em Música – Educação Musical, na Universidade Estadual

Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Unesp.

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Introdução

As políticas públicas do país asseguram os direitos

das pessoas com deÞ ciência de qualquer natureza.

São várias leis, decretos e acordos Þ rmados a Þ m de

promover a inclusão destes indivíduos nos diversos

contextos, especialmente no ambiente da sala de

aula. No campo especíÞ co da música, que será o

ambiente tratado no presente artigo, existem poucas

instituições que promovem um ensino adaptado e

compatível com as possibilidades de pessoas com

deÞ ciência. Tratando da deÞ ciência visual, em breve

pesquisa constatou-se que na cidade de São Paulo há

apenas duas instituições com cursos dirigidos para

tal público – a Associação Brasileira de Assistência à

Pessoa com DeÞ ciência Visual (Laramara) e a Escola de

Música do Estado de São Paulo – Tom Jobim (Emesp).

Iniciativas como a criação de cursos dedicados ao

ensino da notação musical especíÞ ca para as pessoas

com deÞ ciência visual, a chamada musicograÞ a

braille, presente na grade de cursos oferecidos pelo

Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de

Campos”, de Tatuí, são totalmente pertinentes e

urgentes, tanto pela legislação vigente quanto pelo

apelo social de tal proposta, já que, segundo o Censo

20101, aproximadamente 19% da população brasileira

possui diÞ culdades para enxergar ou com algum tipo

de deÞ ciência visual severa.

Gardner (1994) aponta que, em princípio, todos são

capazes de aprender música, pois ela é inerente

ao ser humano. O respeito às possibilidades de

cada indivíduo e adaptação para os que possuem

diÞ culdades são questões atuais, que necessitam de

tratamento adequado pelos professores de música

que, desta forma, poderão incluir em seu contexto

pedagógico pessoas que diferem do padrão.

Ao reß etir sobre a citação de Gardner surgiram as

seguintes problemáticas: Como o professor de música

promoverá a inclusão do aluno com deÞ ciência visual

sem conhecer metodologias já existentes para o

ensino destes indivíduos? Como trabalhar com um

aluno com deÞ ciência visual severa sem conhecer

como se dá a escrita de partituras musicais em braille?

Conforme dito anteriormente, o objetivo central

deste artigo foi o de obter um conceito amplo do que

vem a ser a deÞ ciência visual, além de veriÞ car quais

processos de ensino e aprendizagem são utilizados

para tal Þ nalidade.

Ordenamentos legais

É comum a aÞ rmação de que as pessoas com

deÞ ciência visual aprendem música ‘de ouvido’,

como se diz geralmente. Apenas uma parcela muito

pequena destes indivíduos consegue ler uma

partitura musical, pois a musicograÞ a braille ainda

não está difundida e poucos são os professores de

música que conseguem adaptar as metodologias

que aplicam em sala de aula.

O Ministério da Educação em parceria com a

Secretaria de Educação Especial no documento

Estratégias e orientações sobre artes: Respondendo com arte

às necessidades especiais admite que:

Cada pessoa é única, com características físicas,

mentais, sensoriais, afetivas e cognitivas diferenciadas

[...]. Cai o ‘mito’ da constituição de uma turma

homogênea e surge o desaÞ o de uma ‘práxis’ pedagógica

que respeite e considere as diferenças (BRASIL, MEC,

2002, p. 13).

A legislação brasileira tem como linha condutora a

perspectiva de um Sistema Educacional Inclusivo,

tomando por base as convicções estabelecidas pela

Conferência Mundial de Educação para Todos, de

1990, Þ rmada em Jomtien, na Tailândia, resultante

na Declaração Mundial de Educação para Todos; e

pela Conferência Mundial sobre Necessidades

Educativas Especiais, de 1994, Þ rmada na cidade

de Salamanca, Espanha, resultante na Declaração de

Salamanca sobre princípios, políticas e práticas na área das

Necessidades Educativas Especiais.

A respeito dos ordenamentos legais que garantem

o acesso ao ensino de qualidade para todos os

indivíduos, citamos:

a) Inciso III do artigo 208 da Constituição Federal

de 1988, que atribui como dever do Estado, o

atendimento educacional especializado aos

deÞ cientes, preferencialmente na rede regular de

ensino;

b) Artigos 4, 58, 59 e 60 da Lei n. 9.394, de 20 de

dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e

bases da educação nacional;

c) Lei n. 10.172, de 09 de janeiro de 2001, que

aprovou o Plano Nacional de Educação, que, por

sua vez, estabelece vinte e sete objetivos e metas

para a educação das pessoas com ‘necessidades

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ensaio

educacionais especiais’;

d) Portaria do Ministério da Educação (MEC) n.

3.284, de 07 de novembro de 2003, que dispõe

sobre os requisitos de acessibilidade para pessoas

com deÞ ciência, bem como aqueles para instruir

os processos de autorização e de reconhecimento

de cursos, e de credenciamento de instituições. No

Artigo 2º consta o compromisso quanto aos alunos

com deÞ ciência visual:

II - no que concerne a alunos portadores de deÞ ciência

visual, compromisso formal da instituição, no caso de

vir a ser solicitada e até que o aluno conclua o curso:

a) de manter sala de apoio equipada como máquina

de datilograÞ a braile, impressora braile acoplada

ao computador, sistema de síntese de voz, gravador e

fotocopiadora que amplie textos, software de ampliação

de tela, equipamento para ampliação de textos para

atendimento a aluno com visão subnormal, lupas, réguas

de leitura, scanner acoplado a computador;

b) de adotar um plano de aquisição gradual de acervo

bibliográÞ co em braile e de Þ tas sonoras para uso

didático (BRASIL, 2003).

Além dos ordenamentos relatados, convém dizer

que o Brasil incorporou à legislação brasileira o

documento Convenção sobre os Direitos das Pessoas com

DeÞ ciência e seu Protocolo Facultativo, assinados em

Nova Iorque, em 30 de março de 2007.

Alguns aspectos da deÞ ciência visual: a cegueira e

a baixa visão

O termo deÞ ciência visual é empregado para todos

os indivíduos com problemas visuais irreversíveis,

mesmo após tratamento cirúrgico ou uso de óculos

especíÞ cos. Dentre os déÞ cits na visão, encontram-

se a baixa visão e a cegueira.

No caso da cegueira, há perda total da visão ou

pequena capacidade de enxergar, levando a pessoa

a necessitar do braille para leitura e escrita. Os

cegos utilizam os sentidos remanescentes para

percepção, análise e compreensão do ambiente, ou

seja: a audição, o tato, o paladar e o olfato. Lopes e

Serfaty (2008, p. 113) classiÞ cam a cegueira em:

1) Cegueira parcial - os indivíduos só veem vultos e

distinguem claro e escuro;

2) Próximo da cegueira total - os indivíduos só

tem percepção da luminosidade, sendo capazes de

identiÞ car a direção da luz;

3) Cegueira total (amaurose) - pressupõe completa perda

de visão.

Já no caso da baixa visão (também chamada

de visão subnormal) a pessoa possui

comprometimento visual mesmo após tratamento

ou correção óptica. Cada pessoa com baixa visão

enxerga de forma diferenciada, de acordo com as

alterações que podem ocorrer, desde prejuízos na

acuidade visual, na visão de cores, no campo visual,

na sensibilidade ao contraste ou na adaptação à luz.

A seguir, o quadro apresenta as principais

diferenças entre a pessoa cega e a pessoa com baixa

visão, sob o ponto de vista educacional:

Apesar de necessitarem de algumas adaptações, as

pessoas com deÞ ciência visual podem participar

das atividades diárias, desde que bem auxiliados

pela família e proÞ ssionais da saúde e educação.

Compartilhamos dos escritos de Masini (2007)

CEGO BAIXA VISÃO

Quando houver ausência total de visão até perda

da projeção de luz (localização de um foco de luz

projetada)

Quando a percepção visual for desde condições de

indicação da projeção de luz até o grau em que a

A.V. interÞ ra ou limite o desempenho

Quando a aprendizagem ocorrer através da

integração dos sentidos remanescentes (sentidos

preservados)

Quando a aprendizagem puder ser através de meios

visuais, com adoção de recursos especiais sempre

que necessário (ópticos, não ópticos e tecnológicos)

Quando for necessária a utilização do método

braille como principal meio de leitura e escrita

Tabela 1 – Diferenças entre pessoa com baixa visão e cega sob o ponto de vista educacional

Fonte: VIANNA, RODRIGUES, 2008, p. 150.

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que aÞ rma que além dos professores, a família

e os proÞ ssionais envolvidos com o processo de

ensino e aprendizagem destes alunos também

serão educadores, responsáveis pelas condições

indispensáveis e às transformações deste ser

humano em desenvolvimento.

De acordo com o estímulo recebido pelo aluno com

deÞ ciência visual, seu desenvolvimento poderá ser

maior ou menor, em decorrência da plasticidade

cerebral, intimamente ligada ao sistema nervoso:

As células do sistema nervoso são dotadas de

plasticidade, ou seja, podem transformar sua forma

e/ou função em resposta a modiÞ cações do ambiente.

A capacidade plástica do sistema nervoso é maior

em fases precoces do desenvolvimento, mas pode ser

observada durante toda a vida adulta [...] (LOPES;

SERFATY, 2008, p. 101).

Antes da década de 1960, acreditava-se que o

sistema nervoso estava praticamente pronto

após o nascimento da criança. Porém, estudos

comprovaram que através de estimulação adequada

o sistema nervoso poderia sofrer modiÞ cações.

A plasticidade cerebral – também chamada

neuroplasticidade ou plasticidade neural – nada

mais é do que a comunicação entre os neurônios,

ou seja, a transmissão sináptica. Os neurônios,

através de conexões passam a responder e se

comportar como os outros, aos quais se conectaram

através da transmissão sináptica. A plasticidade

neural é ativada graças aos estímulos externos da

família e professores.

Esta capacidade de conexão entre os neurônios é maior

em idades precoces do desenvolvimento, porém pode

ser também observada em adultos. É importante

que a educação pré-escolar da criança deÞ ciente

visual contemple vários aspectos que auxiliem seu

desenvolvimento. As atividades em sala de aula devem

contemplar e proporcionar ao deÞ ciente visual total

compreensão e possibilidade de interação (TUDISSAKI,

2010, p. 34).

Além das adaptações necessárias para que os

aspectos educativos se processem de fato, existem

as adaptações que visam promover facilidades nas

atividades diárias das pessoas com deÞ ciência de

qualquer natureza, como a Tecnologia Assistiva

– TA, que é um ramo da Terapia Ocupacional.

Hopkins (1998) deÞ ne a TA como qualquer

elemento, peça de equipamento, ou sistema, que

seja adquirido comercialmente sem modiÞ cações,

modiÞ cado ou feito sob medida, utilizado para

aumentar, manter ou melhorar as capacidades

funcionais de indivíduos com deÞ ciências. Vale

dizer que estas adaptações se estendem também

para os instrumentos musicais – por exemplo,

ß autas e pandeiros para pessoas que não possuem

um dos braços. No caso das pessoas com deÞ ciência

visual, as adaptações arquitetônicas também são de

grande importância, já que pisos antiderrapantes

facilitam o uso da bengala pelos cegos e, quando

coloridos adequadamente, facilitam a locomoção

de pessoas com baixa visão.

Os materiais didáticos para pessoas com

deÞ ciência visual também devem seguir alguns

critérios de modo a facilitar o entendimento destes

alunos. Cerqueira e Ferreira (2000) apontam a

necessidade de que os materiais didáticos atendam

a alguns critérios: tamanho, signiÞ cação tátil,

aceitação, estimulação visual, Þ delidade, facilidade

de manuseio, resistência e segurança. Ou seja, o

professor de música talvez necessita adaptar alguns

dos materiais didáticos comumente utilizados em

suas aulas.

O Ministério da Educação e a Secretaria de

Educação Especial nas publicações disponibilizadas

gratuitamente em seu site elencam várias

modalidades de adaptações curriculares que

podem ser promovidas em prol da aprendizagem

desses alunos em particular. Vale ressaltar que

este documento trata do ensino formal, mas isso

pode se estender para o ensino de música em geral.

Tais adaptações facilitam o processo cognitivo

de alunos com deÞ ciências de qualquer natureza,

inserindo-os no contexto da sala de aula.

Ensino de música para alunos com deÞ ciência

visual

É comum a aÞ rmação de que pessoas cegas têm

uma relação especial com a música. Como é uma

arte em que a intervenção do ouvido é essencial,

e a visão considerada um sentido secundário,

funciona como uma atividade prazerosa para estes

sujeitos, auxiliando na socialização, autoestima e

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compreensão de outras áreas do conhecimento.

O ensino de música pode ser responsável pelo

desenvolvimento de várias faculdades humanas,

como o desenvolvimento de movimentos,

da destreza vocal e de imagens auditivas –

imaginação e interiorização de sons. De acordo

com Peter Wills e Melanie Peter (2000) o ensino

de música será importante para que o aluno com

deÞ ciência visual:

Desfrute da sensação de realização individual e coletivo;

realize apreciação e discriminação estéticas; tenha

destreza de escuta e sensibilidade aos sons; imaginação

e criação; destreza intelectual e artística; capacidade

de analisar e resolver problemas; técnicas de estudo:

atenção aos detalhes, aumento da atenção, preocupação

pela precisão, memorização e interpretação de sons

e símbolos; técnicas de comunicação (não verbais

e verbais); destrezas sociais, como a cooperação, a

perseverança, a tolerância e a conÞ ança em si mesmo;

motivação pessoal, autodisciplina, autoanálise;

consciência e apreciação de diversas tradições culturais

(WILLS; PETER, 2000, p. 11, tradução nossa).

No caso dos alunos com baixa visão, é necessário

que o professor amplie as partituras para que os

alunos consigam realizam a leitura do material

apresentado. Em geral, os alunos com baixa visão

conhecem o tamanho da fonte de texto necessária

para a ampliação de seus textos, e o mesmo

raciocínio poderá ser aplicado para a ampliação das

partituras musicais.

Já a respeito do sistema utilizado para a leitura

e escrita de partituras musicais, no caso de

alunos cegos, temos a musicograÞ a braille, criada

pelo francês Louis Braille, que foi também o

responsável pela criação do sistema de leitura e

escrita de textos, o braille. O esquema para leitura

e compreensão da musicograÞ a braille é o mesmo

do braille: são seis pontos em relevo, dispostos em

duas colunas verticais e paralelas de três pontos

cada uma, a chamada cela braille. Estes seis

pontos em relevo podem formar 64 combinações

diferentes, que são utilizados para a designar

todos os símbolos utilizados em nosso dia a

dia: letras, números, notas musicais, símbolos

matemáticos, etc.

Figura 1 – Cela braille.

Fonte: GIL, 2000, p. 43.

No Brasil, em 2004, tivemos a publicação do

Novo Manual Internacional de MusicograÞ a Braille,

obra de referência para os interessados no tema

e disponível gratuitamente no site do Ministério

da Educação. Este manual é a tradução do manual

espanhol Nuevo Manual Internacional de MusicograÞ a

Braille, escrito após muitos anos de pesquisa.

Para que seja possível a leitura dos símbolos da

MusicograÞ a, há materiais especíÞ cos, como a

reglete e o punção (Figura 2), a máquina de escrever

braille (Figura 3), a impressora Braille (Figura 4) e o

computador.

Figura 2 – Reglete e punção

Fonte: Portal Bengala Branca. Disponível em: <www.bengalabranca.com.br>.

Figura 3 – Máquina de escrever braille

Fonte: Portal Laratec. Disponível em: <www.laratec.org.br>.

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Figura 4 – Impressora braille

Fonte: Portal Laratec. Disponível em: <www.laratec.org.br>.

EspeciÞ camente para o computador foram criados

programas que auxiliam as pessoas com deÞ ciência

visual como, por exemplo, o software brasileiro

DOSVOX. No caso da musicograÞ a braille, temos

um programa brasileiro, o software Musibraille,

criado após anos de pesquisa de professores de

música especialistas no ensino de música para

pessoas com deÞ ciência visual e disponível

gratuitamente.

Com a criação do software Musibraille, professores que

desconhecem a musicograÞ a braille, podem interagir

com seus alunos, de forma muito simples: enquanto

estes escrevem o texto musical em Braille o professor,

imediatamente, visualiza o que eles estão escrevendo em

uma pauta musical abaixo do que seus alunos escrevem.

Isto permite que o professor veja o que está sendo

escrito, por seu aluno em musicograÞ a braille, as notas

escritas na musicograÞ a convencional (CUCCHI, 2001,

p. 02).

A respeito das atividades ligadas à percepção

musical, serão as mesmas, tanto para alunos

com ou sem deÞ ciência visual, englobando

metodologias modernas e atualizadas. Segundo

Isidro Vallés,

Ao reß etir sobre qual seria o planejamento adequado

aos alunos e alunas cegas ou alunos e alunas com baixa

visão, nos demos conta que, essencialmente, seria a

mesma e contemplaria os mesmos aspectos que os

englobados na maioria dos métodos atuais, ativos e

vivenciais, derivados da pedagogia moderna, que se

encontram em uma linha de pensamento que observa

o conceito de educação musical diferenciado do simples

adestramento musical, conceito que entende a música

como uma atividade alheia ao ser humano (VALLÉS,

2001, p. 30-31, tradução nossa).

Sendo assim, Þ ca claro que os alunos com deÞ ciência

visual poderão alcançar o mesmo desenvolvimento

intelectual, perceptivo e musical dos alunos

videntes, pois eles são capazes de construir suas

conexões, partindo do reconhecimento do mundo

que os cerca. Mas para tanto, é imprescindível

estímulo por parte dos professores, família e também

proÞ ssionais da saúde.

Considerações Þ nais

A revisão bibliográÞ ca apresentada pretendeu

apresentar subsídios de auxílio ao professor de música

frente a alunos com deÞ ciência visual. Considerou-se de

suma importância a conceituação do termo deÞ ciência

visual para que o professor saiba como lidar com

esses indivíduos de acordo com suas especiÞ cidades.

Concluiu-se, através do levantamento realizado, que

o professor de música necessitará lançar mão de

ferramentas pedagógicas modernas que, em conjunto

com o conhecimento da musicograÞ a braille, poderão

oferecer ao aluno um aprendizado musical completo.

Neste caso, considera-se a ação interdisciplinar como

fundamental, proporcionando maior prazer na prática

musical e, consequentemente, um aprendizado

verdadeiramente eÞ caz. Além disso, a inclusão da pessoa

com deÞ ciência visual no ambiente musical fortalecerá

sua autoestima, propiciando um melhor convívio social,

além de estimular o aluno a transcender sua performance

musical. Prova disto são os muitos exemplos de

indivíduos com deÞ ciência visual que obtiveram grande

êxito na carreira musical: Stevie Wonder, Ray Charles,

Sivuca, Hermeto Pascoal, entre outros.

Espera-se que com a leitura deste artigo os

professores de música possam obter parâmetros para

compreender as possibilidades e, consequentemente,

melhor atender os alunos com deÞ ciência visual.

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(1) Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de GeograÞ a e Estatística (IBGE), em 26 de junho de 2012. Para maiores informações,

link: <http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5866225-EI306,00-Censo+quase+da+populacao+tem+algum+tipo+de+deÞ

ciencia.html>.

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