processos criativos na velhice num contexto de … · desenvolvem os processos criativos na...

13
Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011 1 PROCESSOS CRIATIVOS NA VELHICE NUM CONTEXTO DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL: O DESENHO COMO EXPERIÊNCIA ESTÉTICA E ARTÍSTICA ROSSETTO, Tania Regina (UEM) TAAM, Regina (Orientadora/UEM) Conversas iniciais Como inconsciente, a arte é apenas um problema; como solução social do inconsciente, é a resposta mais provável a este problema. (VIGOTSKI, 2009, p.99,) Quando criança adorava ouvir as histórias de meu avô, dizia-me do tempo em que era jovem, das aventuras vividas em incríveis mundos imaginários, dos bichos que falavam, das montanhas que floresciam diante dos olhos, dos rios que se negavam a correr, das florestas enfeitiçadas, das festas no céu, da lua encantada e das assombrações, isso parecia transportá-lo para mundos distantes, mundos estes que preservavam intactos toda a sua força e vigor juvenil. Ele não envelhecera, continuava jovem, um velho homem jovem com uma cabeça cheia de imaginação transbordante, e ao guardar segredos era denunciado pelo brilho de seus olhos. As imagens iam se formando em minha mente, de vagarinho, a cada história, a cada risada, a cada encontro e depois se materializavam em meus desenhos de criança. Os desenhos eram o toque final de nossas aventuras imaginárias, meu avô participava dessas sessões de rabiscos de forma efetiva e os desenhos se tornavam coletivos, uma mistura de traços trêmulos e firmes de ambas as partes. Lembro-me que não tínhamos cadernos como suporte para desenhar, naquele tempo caderno era coisa rara e seu destino era o estudo na escola, nem tínhamos lápis de cor, esses tinham o mesmo propósito dos cadernos – a educação formal. Mas isso não representava um problema sem solução, preparávamos um arsenal de pedaços de tijolos, argila colorida e pedaços

Upload: hoangkhue

Post on 02-Dec-2018

226 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: PROCESSOS CRIATIVOS NA VELHICE NUM CONTEXTO DE … · desenvolvem os processos criativos na velhice, ... aprendizagem prevalecem. Mas de forma geral conceitua ambas as modalidades

Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011

1

PROCESSOS CRIATIVOS NA VELHICE NUM CONTEXTO DE

EDUCAÇÃO NÃO FORMAL: O DESENHO COMO EXPERIÊNCIA

ESTÉTICA E ARTÍSTICA

ROSSETTO, Tania Regina (UEM)

TAAM, Regina (Orientadora/UEM)

Conversas iniciais

Como inconsciente, a arte é apenas um problema;

como solução social do inconsciente, é a resposta mais provável a este problema.

(VIGOTSKI, 2009, p.99,)

Quando criança adorava ouvir as histórias de meu avô, dizia-me do tempo em

que era jovem, das aventuras vividas em incríveis mundos imaginários, dos bichos que

falavam, das montanhas que floresciam diante dos olhos, dos rios que se negavam a

correr, das florestas enfeitiçadas, das festas no céu, da lua encantada e das

assombrações, isso parecia transportá-lo para mundos distantes, mundos estes que

preservavam intactos toda a sua força e vigor juvenil. Ele não envelhecera, continuava

jovem, um velho homem jovem com uma cabeça cheia de imaginação transbordante, e

ao guardar segredos era denunciado pelo brilho de seus olhos.

As imagens iam se formando em minha mente, de vagarinho, a cada história, a

cada risada, a cada encontro e depois se materializavam em meus desenhos de criança.

Os desenhos eram o toque final de nossas aventuras imaginárias, meu avô participava

dessas sessões de rabiscos de forma efetiva e os desenhos se tornavam coletivos, uma

mistura de traços trêmulos e firmes de ambas as partes. Lembro-me que não tínhamos

cadernos como suporte para desenhar, naquele tempo caderno era coisa rara e seu

destino era o estudo na escola, nem tínhamos lápis de cor, esses tinham o mesmo

propósito dos cadernos – a educação formal. Mas isso não representava um problema

sem solução, preparávamos um arsenal de pedaços de tijolos, argila colorida e pedaços

Page 2: PROCESSOS CRIATIVOS NA VELHICE NUM CONTEXTO DE … · desenvolvem os processos criativos na velhice, ... aprendizagem prevalecem. Mas de forma geral conceitua ambas as modalidades

Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011

2

de carvão, meu avô cortava e secava ao sol fatias de mandioca, elas ficavam parecidas

com giz de professor, uma maravilha. Esses materiais eram ótimos para desenhar no

terreiro de secar café.

Desenhávamos com o anoitecer, quando o céu se cobria de estrelas e a lua se

mostrava tímida ou em plena força de acordo com cada uma de suas fases.

São boas lembranças, e o gosto pela arte que hoje trago em mim com certeza

tem suas raízes firmadas no terreiro de café em meio aos rabiscos de giz de mandioca,

borrões de carvão, manchas coloridas de argila e sóis desenhados com pedaços de

tijolos a quatro mãos.

Hoje, falamos e ouvimos falar de imaginação e criação na infância, vários

estudos foram e são realizados, isso em diversas áreas do conhecimento - psicologia,

sociologia, educação, arte – várias pesquisas demonstram como é importante dar vazão

a criatividade das crianças, como esse processo se desenvolve e o que fazer para que

isso seja potencializado. Mas, pouco falamos ou ouvimos falar de imaginação e criação

na velhice.

Tais conhecimentos humanos serão coisas de criança e de pessoas mais jovens?

Com o passar da idade o potencial criativo vai também envelhecendo e perdendo

seu vigor e importância?

Afirmando tais questões, a pessoa idosa parece impedida de imaginar e criar

novas formas de vida que podem ser, em parte, possibilitadas pela apreciação e criação

artística. Apontamos a retomada deste desenvolvimento como sendo possível e

necessário à vida humana em todas as suas fases – da infância à velhice, pois, ao

contrário do que parece, a imaginação e a criação “não desaparece por completo em

ninguém, ela apenas transforma-se em casualidade”. (VIGOTSKI, 2009, p. 48)

Sendo assim, a problemática desta pesquisa consiste em investigar como se

desenvolvem os processos criativos na velhice, num contexto de Educação Não Formal,

por meio do desenho como experiência estética e artística.

O objetivo é situar o tema no mundo contemporâneo efetuando uma leitura

sistematizada em relação a organização dos processos criativos na velhice, seguido pela

produção de subsídios didáticos para o ensino da arte à pessoas idosas.

Page 3: PROCESSOS CRIATIVOS NA VELHICE NUM CONTEXTO DE … · desenvolvem os processos criativos na velhice, ... aprendizagem prevalecem. Mas de forma geral conceitua ambas as modalidades

Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011

3

Fragmentos Reflexivos

O século 20 foi dedicado ao estudo das crianças e adolescentes e a pessoa idosa

permaneceu de certa forma, à margem desse processo. No entanto, observa-se um

interesse maior em relação a essa fase da vida inerente a toda pessoa humana. A

pesquisadora Regina Taam conduz tais questões como desafios e aponta algumas

reflexões a este respeito:

“No século 21, o envelhecimento populacional se apresenta como um desafio a ser enfrentado por diferentes campos do saber. A Pedagogia, de forma ainda tímida, desconcertada com a ausência de respostas para as indagações que orientam seus esforços no século que se findou, ensaia alguns passos e apresenta os primeiros resultados de estudos e de práticas que podem contribuir com a Gerontologia.“ (TAAM, p. 39. In: PARK e GROPPO, 2009).

Se hoje, vemos um crescente interesse de pesquisadores na área de Gerontologia,

vale refletir que, um dos fatos que deve ter impulsionado o interesse pela pessoa idosa é

justamente o grande número de estudos em relação às crianças e adolescentes, pois os

velhos de hoje foram as crianças e os jovens de ontem. Dessa forma, cogitamos a idéia

de que primeiro foi necessário estudar as crianças e os mais jovens para depois, no

decorrer desse processo, preocupar-se com os velhos, pois “a vida humana é um

processo contínuo e dinâmico de mudanças e transformações. Viver e envelhecer são

dois lados da mesma moeda: para viver é preciso envelhecer, para envelhecer se

necessita viver.” (SANTOS, LOPES E TEIXEIRA, p. 265. In: PARK e GROPPO,

2009).

Nesse sentido “a Terceira Idade não é caracteristicamente um declínio na vida.

Ela pode sim ser entendida como plenitude, dependendo do ponto de vista da

abordagem.” (MEASSI, p.147. In: PARK e GROPPO, 2009).

Mas quem são os velhos? E quais os segredos da velhice?

Pela cronologia convencionou-se que as pessoas passam a ser consideradas

idosas a partir dos 60 anos de idade.

Neste processo não há como negar a existência de um medo de envelhecer, pois

essa fase da vida erroneamente é associada a “feiúra, decrepitude, dependência física,

Page 4: PROCESSOS CRIATIVOS NA VELHICE NUM CONTEXTO DE … · desenvolvem os processos criativos na velhice, ... aprendizagem prevalecem. Mas de forma geral conceitua ambas as modalidades

Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011

4

econômica ou emocional de outras pessoas”, como se essas características fossem

inerentes à velhice e não se apresentassem nas demais fases da vida. (VILLANI, p. 192.

In: PARK e GROPPO, 2009).

O Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento de 2002 alerta para “a

necessidade de promover uma abordagem positiva do envelhecimento e de superar os

estereótipos que estão associados aos idosos”. Este documento preconiza uma sociedade

para todas as idades, pois, segundo cálculos, nos próximos 50 anos o número de pessoas

acima de 60 anos passará de 600 milhões para 2 bilhões de pessoas.

Ao destacarmos as pesquisas em relação à Terceira Idade, observamos que a

educação possui um importante papel nesse processo de transformação social, pois

sempre é chamada a dar respostas aos problemas sociais. Gadotti destaca essa

importância com as seguintes palavras:

“A educação é um dos requisitos fundamentais para que os indivíduos tenham acesso ao conjunto de bens e serviços disponíveis na sociedade. Ela é um direito de todo ser humano como condição necessária para ele usufruir de outros direitos constituídos numa sociedade democrática.” (...) “Esse direito tem-se restringido ao ensino obrigatório e gratuito, mas ele não cessa na chamada “idade própria” do ensino fundamental. É um direito que deve estender-se ao longo de toda a vida, como a própria educação.” (GADOTTI, 2005, p.1).

A Educação Não Formal contribui efetivamente no que se refere ao atendimento

pedagógico a pessoas idosas ao longo de toda a vida. Lembramos que não temos a

intenção de negar a importância da Educação Não Formal nas demais faixas etárias,

apenas destaca-se com maior ênfase a linha da pesquisa, ou seja, a pessoa idosa. Mas,

por que precisamos tanto da Educação Não Formal no atendimento à população idosa?

A Educação Não Formal tem grande contribuição, pois nos “força a estender suas

reflexões para além da escola e do ensino regular.” (TAAM, p. 39. In: PARK e

GROPPO, 2009).

Mas o que vem a ser a Educação Não Formal?

A utilização da nomenclatura “não formal” tem início em 1970 em referência a

educação de adultos em países de economia periférica. A partir desses primeiros

movimentos educacionais o “não formal” antecede a educação em várias áreas do

Page 5: PROCESSOS CRIATIVOS NA VELHICE NUM CONTEXTO DE … · desenvolvem os processos criativos na velhice, ... aprendizagem prevalecem. Mas de forma geral conceitua ambas as modalidades

Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011

5

conhecimento, englobando: capacitação para o trabalho, educação comunitária,

educação complementar ou supletiva, educação sistemática. Os espaços e a formas são

diferenciados: associações, organizações não governamentais, Poder Público. (WILD, p.

108. In: PARK e GROPPO, 2009).

Segundo este mesmo autor, a modalidade de Educação Não Formal teve sua

origem por volta do ano de 1968, como proposta diferenciada à “pedagogia autoritária”.

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

(INEP), órgão integrante do Ministério da Educação do governo brasileiro conceitua a

Educação Não Formal de maneira ampla:

“1. Atividades ou programas organizados fora do sistema regular de ensino, sem objetivos educacionais bem definidos. 2. Qualquer atividade educacional organizada e estruturada que não corresponda exatamente à definição de educação formal. 3. Processos de formação que acontecem fora do sistema de ensino (das escolas às universidades). 5. Tipo de educação administrada sem se ater a uma seqüência gradual, não leva a graus nem títulos e se realiza fora do sistema de Educação Formal e em forma complementar. 6. Programa contínuo e predeterminado de tempo. Nota: 1. A educação não-formal pode ocorrer dentro de instituições educacionais, ou fora delas, e pode atender as pessoas de todas as idades.” (INEP, 2001ª). (FERRIGNO, p. 271-272. In: PARK e GROPPO, 2009).

Gadotti (2005), apesar das visíveis diferenças entre a Educação Formal e a

Educação Não Formal, destaca que de certa maneira toda educação pode ser

considerada como educação formal, desde que tenha a intenção de ensinar - os cenários

da educação Não Formal podem ser diferentes, o tempo flexível, mas o foco no ensino e

aprendizagem prevalecem. Mas de forma geral conceitua ambas as modalidades

“formal” e “não formal” da seguinte maneira:

“A educação formal tem objetivos claros e específicos e é representada principalmente pelas escolas e universidades. Ela depende de uma diretriz educacional centralizada como o currículo, com estruturas hierárquicas e burocráticas, determinadas em nível nacional, com órgãos fiscalizadores dosministérios da educação. A educação não-formal é mais difusa, menos hierárquica e menos burocrática. Os programas de educação não-formal não precisam necessariamente seguir um sistema seqüencial e hierárquico de “progressão”. Podem ter duração variável, e podem, ou não, conceder certificados de aprendizagem.” (GADOTTI, 2005, p. 2).

Page 6: PROCESSOS CRIATIVOS NA VELHICE NUM CONTEXTO DE … · desenvolvem os processos criativos na velhice, ... aprendizagem prevalecem. Mas de forma geral conceitua ambas as modalidades

Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011

6

Taam (2009), aponta as possibilidades da Educação Não Formal:

“A Educação Não Formal se orienta por uma racionalidade que a distância da educação formal, na medida em que não se deixa direcionar por diretrizes curriculares – a Educação Não Formal não está amarrada a conteúdos disciplinares padronizados, representantes da fragmentação do saber. Toda a herança civilizatória, todo o conhecimento produzido por todos os homens, de todas as regiões do mundo, através dos séculos, tudo tem lugar nas possibilidades da Educação Não Formal.” (TAAM, p. 42. In: PARK e GROPPO, 2009)

O ensino regular nem sempre dá conta de questões particulares inerentes a

Terceira Idade, mas a Educação Não Formal deve apresenta-se como um fator de

contribuição e não de substituição da Educação Formal. Gadotti (2005) diz da

importância em não contrapor tais modalidades educacionais e demonstra preocupação

na desvalorização da escola, destacando a sua indignação quanto a certo “sentimento

anti-escola” observado na atualidade. Gadotti (2005, p.10-11), destaca que “a educação

não-formal pode dar uma grande contribuição à educação pública, mas não pode

substituí-la”. O autor defende a integração do formal e do não-formal na escola e

destaca as idéias de Paulo Freire dizendo que a educação popular pode servir de grande

ensinamento, ampliando as possibilidades de exercício da cidadania.

Afonso (2001, In: Simon, Park e Fernandes), traz reflexões que se aproximam as

de Gadotti, dizendo que a educação não-escolar não deve firmar suas bases na

degradação da educação escolar, mas preocupar-se para que suas práticas e reflexões

sejam críticas e emancipatórias.

Entendemos que “a Educação Não Formal do adulto idoso não pode deixá-lo à

margem da vida econômica, social e política do país”, a dignidade e o respeito devem

ser mantidos junto a todos os direitos e responsabilidades sociais conquistados ao longo

da história. (TAAM, p. 48. In: PARK e GROPPO, 2009).

Park e Groppo (2009, p.32), primam por esta “educação permanente, ancorada

em uma práxis transformadora, emancipatória, e que oferece ao velho a possibilidade de

conhecer”, refletindo “sobre seu papel de cidadão na sociedade, exercendo-o

ativamente”.

Page 7: PROCESSOS CRIATIVOS NA VELHICE NUM CONTEXTO DE … · desenvolvem os processos criativos na velhice, ... aprendizagem prevalecem. Mas de forma geral conceitua ambas as modalidades

Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011

7

Marx & Engels (2007, p.102), apontam como essência do homem a vida em

sociedade, e afirmam que “toda vida social é essencialmente prática”, ou seja, é na

práxis que o homem, seja ele jovem ou idoso, pode refletir e modificar em função de

suas necessidades sociais, a sua realidade.

Pensar a velhice é pensar o homem no processo natural da vida e “se a juventude

se caracteriza socialmente como período real ou potencial de experimentação – de

ensaio, aposta, risco e vivência -, a velhice é condição marcada, entre outros aspectos,

por um conjunto de experiências acumuladas.” (PARK e GROPPO, 2009, p.25).

Dessa forma, a educação voltada às pessoas idosas “não pode deixar de levar em

conta esse conjunto de experiências vividas, referentes não apenas à construção

paulativa de identidades e à ocupação de papéis sociais, mas também à vivência, de

fato, destas identidades e papéis.” (PARK e GROPPO, 2009, p.27).

Processos criativos: o desenho como experiência estética e artística

Taam (2004), chama-nos a atenção para o fato de as pessoas mais velhas,

estarem de certo modo desconfortáveis em relação a livre expressão dos sentimentos e

das emoções em atividades lúdicas e criativas.

“O adulto desaprendeu o gosto pelo desenho e a espontaneidade do gesto; é rígido nos movimentos corporais e tem vergonha de brincar. Além disso, acredita demais nas possibilidades da linguagem discursiva, é desatento na leitura do corpo e, muitas vezes, angustia-se com o silêncio, como se estivesse diante do nada. Talvez esteja, mas de um nada criativo, pois do silêncio origina-se o sentido.” (TAAM, 2004, p.144,).

A falta de espontaneidade, a rigidez dos movimentos, a vergonha de brincar, o

palavrório em detrimento do silêncio, o não saber ouvir, ver, sentir, tocar são

características de uma preocupante deseducação dos sentidos, ou seja, um sentido

desumanizado. Peixoto (2003, p. 55), ressalta que por meio da arte “o homem poderá

apreender a realidade, não para suportá-la, mas para transformá-la, ou seja, para

humanizá-la e, dialeticamente, humanizar-se.”

Page 8: PROCESSOS CRIATIVOS NA VELHICE NUM CONTEXTO DE … · desenvolvem os processos criativos na velhice, ... aprendizagem prevalecem. Mas de forma geral conceitua ambas as modalidades

Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011

8

A arte traz à tona uma nova realidade social “são visões de mundo que se

concretizam na forma estética, nesse modo de conhecer a realidade que não é

discursivo, não é científico, mas é um conhecimento sensível de uma realidade

intensificada na obra.” (PEIXOTO, 2003, p. 64).

Tal “sensibilidade só existe” para o homem “enquanto sensibilidade humana,

através dos outros homens”. (MARX & ENGELS, 2007, p.146).

Dessa forma, a arte como práxis aflora a sensibilidade humana “como produto

do trabalho humano, como criação humana, torna-se uma certeza manifesta que o objeto

da arte esteja comprometido com a realidade histórica e que contenha ou transpareça

posições de seu criador.” (PEIXOTO, 2003, p. 60).

Marx entende a arte como práxis, uma concepção materialista da arte apontada

atenção por Lukács, Bakhtin, Fischer, Goldmann, Kosík, Meszáros e outros. A práxis é

a categoria central da filosofia materialista “é na práxis que o homem tem que

comprovar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno do pensamento”

(MARX E ENGELS, pp 107-108. In: PEIXOTO, 2003, p. 41).

O materialismo histórico, segundo Vigotski (1999, p.9), enfoca a arte como uma

das formas de ideologia “forma essa que, a semelhança de todas as outras, surge como

superestrutura na base das relações econômicas e de produção.”

Nesse sentido, a verdadeira natureza da arte, para Vigotski (1999, p.307),

“sempre implica algo que transforma, que supera o sentimento comum, e aquele mesmo

medo, aquela mesma dor, aquela mesma inquietação, quando suscitadas pela arte,

implicam o algo a mais acima daquilo que nelas está contido.”

A arte é resultado da atividade do psiquismo social, mesmo produzida por um

ser individual projeta o universal, pois não se cria de forma isolada, é necessário que se

tenha anteriormente condições materiais a esta criação.

Assim, a capacidade criadora na velhice pode ser potencializada pelas

experiências da vida, descobrindo novas formas de agir e produzir, num processo de

construção histórica.

Para Peixoto (2003, p. 39), “criar é fazer existir algo inédito, um objeto novo e

singular que expressa o sujeito criador e, simultaneamente, o transcende, enquanto

objeto portador de um conteúdo de cunho social e histórico e enquanto objeto concreto,

Page 9: PROCESSOS CRIATIVOS NA VELHICE NUM CONTEXTO DE … · desenvolvem os processos criativos na velhice, ... aprendizagem prevalecem. Mas de forma geral conceitua ambas as modalidades

Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011

9

como uma nova realidade social.” Vigotski (2009), assim como, Peixoto, afirma que a

atividade criadora é a que cria algo novo.

Vigotski lembra ainda, que normalmente temos como pessoas criativas aquelas

capazes de elaborar coisas extraordinárias e nem cogitamos a idéia de que pessoas

comuns possam ser criativas. A criação “não existe apenas quando se criam obras

históricas, mas por toda a parte em que homem imagina, combina, modifica e cria algo

novo, mesmo que esse novo pareça a um grãozinho se comparado às criações dos

gênios.” (VIGOTSKI, p.15-16, 2009).

A atividade criadora é condicionada ao acúmulo de experiência, isto explica, por

exemplo, o motivo de não terem inventado a lâmpada antes que fosse possível produzir

energia elétrica, pois as condições materiais para tal criação ainda não estavam dadas. A

criação provém sempre de elementos advindos da realidade, estes são modificados,

reelaborados, dando origem a algo novo. E por mais fantasiosos que sejam, foram

embasados na experiência humana real.

Vigotski (2009) esclarece que, quanto mais ricas e variadas forem as

experiências maior serão as possibilidades criativas. Sendo assim, o potencial criador da

criança é bem mais pobre que a do adulto – isto é contrário ao que geralmente se pensa,

pois atribuímos a criança um maior potencial criador e não a pessoa adulta.

O autor destaca como relação entre imaginação e realidade, a experiência

pessoal, a experiência histórica e social alheia, o caráter emocional como expressão

interna de nossos sentimentos e pelo novo, ou seja, experiência nunca antes vivida.

Sendo assim, a atividade criativa toma elementos de experiências reais,

modifica-as, reelabora-as e as devolvem à realidade como algo novo – fruto da criação

humana materializada em um objeto ou em uma imagem. O processo criativo é

desencadeado, segundo o autor, pela necessidade do homem em adaptar-se ao meio que

o cerca. A atividade criadora para Vigotski

“... depende também da capacidade combinatória e do seu exercício, isto é, da encarnação dos frutos da imaginação em forma de material; que depende ainda, de conhecimento técnico e das tradições, ou seja, dos modelos de criação que influenciam a pessoa. A criação é um processo de herança histórica em que cada forma que sucede é determinada pela anterior.” (VIGOTSKI, 2009, p. 42).

Page 10: PROCESSOS CRIATIVOS NA VELHICE NUM CONTEXTO DE … · desenvolvem os processos criativos na velhice, ... aprendizagem prevalecem. Mas de forma geral conceitua ambas as modalidades

Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011

10

Os processos criativos com base na experiência estética e artística despertam o ser

sensível em nós, e, como destacam Santos e Park (p. 83. In: Park e Groppo, 2009), é a

aprendizagem que faz emergir com novos pensamentos, novas maneiras de ser e estar no

mundo. Isso é de grande importância não apenas a pessoa idosa, mas a todas as pessoas.

Fundamentação Metodológica – Investigando Processos Criativos

O presente estudo será de caráter qualitativo, fundamentado na concepção do

materialismo histórico dialético, tendo como recurso metodológico a pesquisa

participante por meio da realização de um curso de desenho estruturado segundo a

metodologia histórico-crítica proposta por Gasparin (2009).

Serão realizados 16 encontros semanais num período de quatro meses (05/08 a

18/11 de 2011), com um grupo de 20 idosos da Universidade Aberta à Terceira Idade -

UNATI – da Universidade Estadual de Maringá - UEM. Nestes encontros serão

mediados conhecimentos estéticos e artísticos em relação ao desenho. Os encontros se

constituirão atividades mediadas por cada participante, pelo grupo e por mim como

organizadora dos encontros.

Participaram deste estudo 20 idosos, todos integrantes da Universidade Aberta à

Terceira Idade – UNATI, na Universidade Estadual de Maringá – UEM. A opção pela

faixa etária acima dos 60 anos de idade baseia-se na linha de pesquisa ao qual o estudo

se integra e nos fatos de ser esse um período em que os processos criativos são

relegados ao quase esquecimento, como se o idoso não fosse mais capaz de criar novas

realidades, neste caso, por meio do desenho como conhecimento estético e artístico.

A pesquisa será realizada na própria UNATI em que os idosos freqüentam. Os

equipamentos utilizados para registro e observação dos dados serão uma câmera

filmadora, um tripé, videocassete e televisão. Os materiais utilizados para as atividades

de desenho serão: lápis HB, borracha, apontador, cola branca, pasta com sacos plásticos,

régua, canetas coloridas, fita adesiva, tesoura, giz de cera, tinta guache, pincéis, papel

sulfite tamanho A4 e cartolina branca e colorida, papel Kraft.

O projeto será submetido à apreciação do Comitê de Ética da Universidade

Estadual de Maringá. Com a aprovação da instituição, os possíveis integrantes do grupo

Page 11: PROCESSOS CRIATIVOS NA VELHICE NUM CONTEXTO DE … · desenvolvem os processos criativos na velhice, ... aprendizagem prevalecem. Mas de forma geral conceitua ambas as modalidades

Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011

11

serão contatados para devida inscrição na qual assinarão um Termo de Cessão de Uso

de Imagem para finalidades pedagógicas, nas quais estarão incluídos a divulgação dos

encontros, trabalhos ou atividades que serão filmados, fotografados e/ou copiados total

ou parcialmente pelos responsáveis do presente estudo ou por terceiros por eles

contatados ou autorizados.

Para registro das atividades será utilizada uma câmera filmadora focalizando

todas as atividades do grupo de forma simultânea. As atividades também serão

registradas por máquina fotográfica, as fotografias poderão servir de base para possíveis

discussões relativas ao objeto da pesquisa.

Durante os encontros os participantes terão além das atividades práticas de

desenho, algumas explanações teóricas básicas para a atividade do desenho e diversos

momentos de apreciação de desenhos na obra de vários artistas, entendendo como

necessário para o aumento de repertórios que podem eventualmente desencadear os

processos criativos. Como propostas iniciais para os encontros serão utilizadas

adaptações das atividades descritas no livro “Gramática da Fantasia” do autor Gianni

Rodari como forma de desencadear o processo criativo dos participantes. A cada

encontro serão efetuadas rodas de conversa expondo a experiência estética e artística

dos participantes, externando, dúvidas, descobertas, avanços, objetivando a

compreensão da realidade materializada nos desenhos. Os materiais ficarão disponíveis

sobre as mesas de modo que todos possam, de acordo com cada proposta, manuseá-los

livremente durante todo o processo de investigação.

Para a análise serão estabelecidas relações entre os dados obtidos nos encontros

e a fundamentação teórica. Assim, o desenvolvimento dos processos criativos na velhice

serão entendidos como a ação efetiva de cada participante não apenas no fazer artístico,

mas na compreensão e na elaboração desse fazer, possibilitando, dessa forma, a

construção de novos conhecimentos, novas realidades entendidas como movimentos de

transformação social, materializadas em subsídios didáticos para o ensino da arte a

pessoas idosas num contexto de Educação Não Formal.

Page 12: PROCESSOS CRIATIVOS NA VELHICE NUM CONTEXTO DE … · desenvolvem os processos criativos na velhice, ... aprendizagem prevalecem. Mas de forma geral conceitua ambas as modalidades

Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011

12

REFERÊNCIAS

AFONSO, Almerindo Janela. Os lugares da educação. (p.29-38). In: SIMON, Olga Rodrigues de Moraes von, PARK, Margareth Brandini, FERNANDES, Renata Sieiro, (org.). Educação não-formal: cenários da criação. Campinas, SP: Editora da UNICAMP/centro de Memória, 2001. BAKHTIN, Mikahil. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. FISCHER, Ernst. A necessidade da arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. FERRIGNO, José Carlos. Educação para os velhos, educação pelos velhos e a coeducação entre gerações: processos de educação não formal e informal. (271 – 287). In: PARK, Margareth Brandini, GROPPO, Luís Antonio. (org.). Educação e Velhice. Holambra, SP: Editora Setembro, 2009. GADOTTI, Moacir. A Questão da Educação Formal/Não-Formal - In: <http://www.paulofreire.org/pub/Institu/SubInstitucional1203023491It003Ps002/Educacao_formal_nao_formal_2005.pdf> Acesso: 08/04/11 GASPARIN, João Luiz. Uma didática para a pedagogia histórico-crítica. Campinas, SP: Autores Associados, 2009. MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2007. _____ . Textos sobre educação e ensino. São Paulo: Centauro, 2004. MARX, Karl. Manuscritos econômicos filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2006. _____ . A origem do capital: a acumulação primitiva. São paulo: Centauro, 2004. MEASSI, Carla Grandelli. Envelhecimento e cidadania: a educação da sociedade através da mídia. (p.143 – 167). In: PARK, Margareth Brandini, GROPPO, Luís Antonio. (org.). Educação e Velhice. Holambra, SP: Editora Setembro, 2009. MORI, N. N. N. R. Metodologia da pesquisa. Maringá: EDUEM, 2011. NOVAES, Maria Helena. Psicologia na terceira idade: conquistas possíveis e rupturas necessárias. Paulo de Frontin. RJ: Grypho, 1995. PARK, Margareth Brandini, GROPPO, Luís Antonio. (org.). Educação e Velhice. Holambra, SP: Editora Setembro, 2009. PEIXOTO, Maria Inês Hamann. Arte e grande público: a distância a ser extinta. Campinas, São Paulo, SP: Autores Associados, 2003.

Page 13: PROCESSOS CRIATIVOS NA VELHICE NUM CONTEXTO DE … · desenvolvem os processos criativos na velhice, ... aprendizagem prevalecem. Mas de forma geral conceitua ambas as modalidades

Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011

13

Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, 2002 /Organização das Nações Unidas. Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2007. RODARI, Gianni. Gramática da fantasia. São Paulo: Summus, 1982. SANTOS, Kátia Ricci dos, PARK, Margareth Brandini. Atividades educativas no asilo: o que pensam os moradores, os gestores e os voluntários. (p. 51-91). In: PARK, Margareth Brandini, GROPPO, Luís Antonio. (org.). Educação e Velhice. Holambra, SP: Editora Setembro, 2009. SANTOS, Divina de Fátima, LOPES, Ruth Gelehrter da Costa, TEIXEIRA, Ricardo Roberto. Coeducação entre gerações na obra “O Sorriso Etrusco” (p. 247 – 269). In: PARK, Margareth Brandini, GROPPO, Luís Antonio. (org.). Educação e Velhice. Holambra, SP: Editora Setembro, 2009. TAAM, Regina. Pelas trilhas da emoção: a educação no espaço da saúde. Maringá: Eduem, 2004. _____ . A Educação Não Formal do Idoso em Universidade da Terceira Idade e Centros de Convivência (p. 34 – 49). In: PARK, Margareth Brandini, GROPPO, Luís Antonio. (org.). Educação e Velhice. Holambra, SP: Editora Setembro, 2009. VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. As idéias estéticas de Marx. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. VILLANI, Fabio Luiz. A busca dos idosos pela formação educacional continuada: uma necessidade do século 21. (p. 191 – 219). In: PARK, Margareth Brandini, GROPPO, Luís Antonio. (org.). Educação e Velhice. Holambra, SP: Editora Setembro, 2009. VYGOTSKY, Lev S. Imaginação e criação na infância. São Paulo: Ática, 2009. _____ . Psicologia da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1999.