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PROCESSOS CRIATIVOS NO ENSINO DO PIANO Berenice de Almeida PPGMUS - ECA-USP [email protected] Resumo: Esse artigo apresenta reflexões sobre os processos criativos no ensino de piano, a partir da experiência da própria pesquisadora como aluna e professora, assim como da pesquisa dos principais parâmetros que compunham a formação pianística brasileira do século XX, ainda calcada nos paradigmas do modelo europeu do século XIX. Pretende abordar, também, o processo de criação de uma composição de um aluno de oito anos a partir de explorações sonoras do instrumento. Palavras-chave: Educação Musical, Pedagogia do Piano, Criatividade The Creative Process on Teaching Piano Abstract: This article presents some reflections over creative processes in piano teaching, using the experience of the researcher as a piano student and as a teacher, plus the investigation over the Brazilian´s piano training main parameters of 20th century, still founded on the European model paradigms of 19 th century. It also intends to approach the creative process of a piece composed by an eight-year-student exploring freely the piano sounds. “Processos criativos no ensino do piano” constituem um assunto de pesquisa que engloba a experiência de décadas desta pesquisadora no ensino de piano e em grupos de musicalização. É impossível pensar as relações entre o ensino-aprendizagem do piano e a criatividade sem acessar a minha própria história como aprendiz e professora de piano. A minha iniciação musical formal iniciou-se com aulas tradicionais de piano, realidade da grande maioria das meninas de classe média de São Paulo, na década de 70. A famosa “pianolatria” da elite paulistana do início do século XX, apontada por Mário de Andrade i , ainda se fazia presente cinquenta anos depois, difundida também na classe média da época. As aulas de piano eram compostas pelo repertório centro-europeu, o desenvolvimento técnico, a aquisição do conhecimento musical pela compreensão intelectual e a valorização da aquisição da leitura e escrita tradicional. A música popular, seja ela brasileira ou internacional, assim como a improvisação, a criação e mesmo o “tirar de ouvido” não fizeram parte das aulas de piano, durante os nove anos de curso dos dois conservatórios que frequentei, a saber: Conservatório Alexandre Levy e no tradicional Instituto Musical de São Paulo.

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PROCESSOS CRIATIVOS NO ENSINO DO PIANO

Berenice de Almeida

PPGMUS - ECA-USP – [email protected]

Resumo: Esse artigo apresenta reflexões sobre os processos criativos no ensino de piano, a

partir da experiência da própria pesquisadora como aluna e professora, assim como da

pesquisa dos principais parâmetros que compunham a formação pianística brasileira do

século XX, ainda calcada nos paradigmas do modelo europeu do século XIX. Pretende

abordar, também, o processo de criação de uma composição de um aluno de oito anos a

partir de explorações sonoras do instrumento.

Palavras-chave: Educação Musical, Pedagogia do Piano, Criatividade

The Creative Process on Teaching Piano

Abstract: This article presents some reflections over creative processes in piano teaching,

using the experience of the researcher as a piano student and as a teacher, plus the

investigation over the Brazilian´s piano training main parameters of 20th century, still

founded on the European model paradigms of 19th

century. It also intends to approach the

creative process of a piece composed by an eight-year-student exploring freely the piano

sounds.

“Processos criativos no ensino do piano” constituem um assunto de pesquisa

que engloba a experiência de décadas desta pesquisadora no ensino de piano e em grupos de

musicalização. É impossível pensar as relações entre o ensino-aprendizagem do piano e a

criatividade sem acessar a minha própria história como aprendiz e professora de piano.

A minha iniciação musical formal iniciou-se com aulas tradicionais de piano,

realidade da grande maioria das meninas de classe média de São Paulo, na década de 70. A

famosa “pianolatria” da elite paulistana do início do século XX, apontada por Mário de

Andradei, ainda se fazia presente cinquenta anos depois, difundida também na classe média

da época.

As aulas de piano eram compostas pelo repertório centro-europeu, o

desenvolvimento técnico, a aquisição do conhecimento musical pela compreensão

intelectual e a valorização da aquisição da leitura e escrita tradicional. A música popular,

seja ela brasileira ou internacional, assim como a improvisação, a criação e mesmo o “tirar

de ouvido” não fizeram parte das aulas de piano, durante os nove anos de curso dos dois

conservatórios que frequentei, a saber: Conservatório Alexandre Levy e no tradicional

Instituto Musical de São Paulo.

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Essa orientação pedagógico-musical não era exclusiva dos dois

conservatórios citados acima, mas sim de todas as Escolas de Música e Conservatórios do

estado de São Paulo. De acordo com ESPERIDIÃO (2003,p.185), todos os conservatórios

de São Paulo eram padronizados e fiscalizados pelo COA - Conselho de Orientação

Artística de São Paulo e os currículos dessas instituições seguiam, obrigatoriamente, o

modelo do Plano Padrão, que foi elaborado por Samuel Archanjo dos Santos. AMATO

(2006, s/p), ressalta também que o Plano Padrão, exceto por poucas adaptações, tinha como

referência direta o programa do Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro ( 1890 ) que,

por sua vez, pouco se diferenciava do currículo adotado na sua inauguração como

Conservatório Imperial, em 1848!

Apesar da distância de tempo, ainda podemos observar ressonâncias dessa

orientação pedagógico-musical até os dias de hoje. CAMPOS ( 2000, p.59 ), nos lembra que

o programa curricular das instituições de ensino musical tem como único foco a

interpretação do repertório europeu e o desenvolvimento técnico, esquecendo-se de

propiciar um espaço para a música da realidade do aluno.

Enfocar o estudo de um instrumento apenas no repertório centro-europeu dos

século XVII ao início do XX pode ser considerado uma redução diante do universo das

“muitas músicas da música”ii, ainda mais se considerarmos que o acesso às mais variadas

manifestações musicais ampliou-se expressivamente, a partir das novas tecnologias das

últimas décadas do século XX e XXI. O foco nesse repertório tão específico chama mais

atenção ainda, quando observamos que dentro do universo da música erudita, a maioria dos

estudantes de piano não são estimulados a conhecerem e ouvirem a obra dos compositores

do século XX, quanto mais com os do século XXI, configurando-se, deste modo, como uma

redução a um determinado período histórico. AMATO ( 2006, s/p ), em seu artigo sobre o

rigor pedagógico dos conservatórios, aponta a “falta de interesse ou desconhecimento pela

produção musical contemporânea”, já que o repertório padrão destes estabelecimentos era a

música européia do Barroco ao Romantismo.

Outro aspecto importante a destacar dessa orientação pedagógico-musical é

referente à criação. A formação musical disponível nos conservatórios regidos pelo COA na

década de 30, assim como nas instituições da década de 70, ainda ressoa nos dias de hoje

em muitas escolas de música e mesmo em aulas particulares de piano. Essa formação era e

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ainda é centrada na interpretação, tendo pouco espaço para a criação. Como ressalta

CAMPOS:

“Na verdade, o ensino tradicional de piano tem-se direcionado apenas à

interpretação musical de repertório. Há no ar um sentimento de frustação

nos estudantes de piano, quando, após longos anos de trabalho no

instrumento, sentem-se incapazes de tocar uma canção popular “tirada e

ouvido, acompanhar o canto dos amigos numa reunião informal ou se

soltar numa improvisação musical.”. ( 2000, p. xxiii )

Ao lado dessa experiência como aluna, desde o princípio da minha atuação

profissional, muitos questionamentos em relação à forma de ensinar piano foram se

somando e produzindo inquietações pedagógicas. A primeira delas surgiu da observação das

crianças quando tocavam piano em momentos espontâneos, antes ou depois da aula de

piano. Já com o meu primeiro aluno, comecei a perceber que a forma que havia aprendido

piano não era a mais interessante para uma criança de seis anos. Por que meu aluno, que era

uma criança musical e que demonstrava gostar muito de música, não conseguia se interessar,

por mais de dez minutos, pela pauta, onde estava o dó, como devia colocar os dedos no

teclado e outras informações que eu, dedicadamente, preparava para a aula? Em

contrapartida, por que ele e tantos outros alunos, que mais tarde também pude observar,

demonstravam envolvimento, vivacidade e alegria quando brincavam espontaneamente,

passando de uma tecla a outra por todo o teclado do piano, antes ou depois da aula?

Segundo ALVES (2008, p.54 ) “quando o conhecimento é vivo, ele se torna

parte do nosso corpo: a gente brinca com ele e sente-se feliz ao brincar..”. Essa alegria e

inteireza estavam presentes naqueles momentos de puro jogo. Como enfatiza Brito ( 2003, p.

35): “A criança é um ser “brincante” e, brincando, faz música, pois assim se relaciona com

o mundo que descobre a cada dia. Fazendo música ela metaforicamente, “transforma-se em

sons”...” .

Muitas vezes, as crianças traziam para a aula de piano suas “brincadeiras”

repletas de explorações sonoras e descobertas musicais. Gradualmente, fui aprendendo a

ouví-las, pois essa postura exigia um novo aprendizado, uma nova forma de ensinar que era

diferente da qual eu aprendi com meus professores. CAMPOS (2000,p.3) aponta a

importância de uma postura atenta às necessidades do aluno e, para enriquecer a experiência

de aprendizagem, indica a experimentação dirigida. Essa nova forma de ensinar piano, e que

prescindia um novo olhar para a música e para o aluno, foi sendo construída ao longo da

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minha trajetória profissional a partir de experiências marcantes na Teca-Oficina de Música

e na EMIA – Escola Municipal de Iniciação Artística. Na primeira, tive contato com uma

forma diferente de conceber a relação da criança com a música, na qual a criança com seu

modo de sentir-agir-pensar é respeitada e, por consequência, o seu modo de fazer música

também. BRITO ( 2007,p.70) nos chama a atenção para as abordagens de ensino de música

que se apóiam sobre uma única ideia de música e a partir daí buscam desenvolver

habilidades e competências nas crianças para realizá-la, sem considerar a criança em

primeiro plano. Na segunda, a EMIA, tive a oportunidade por muitos anos de conviver

dentro da sala de aula com profissionais de outras linguagens artísticas, o que enriqueceu

profundamente a minha percepção do fazer artístico e, por consequência, do fazer musical

da criança. Um dos mais instigantes questionamentos surgiu da observação do grande

espaço para a criação dado às crianças, desde a primeira aula. Por que o contato com os

materiais nas artes visuais, por exemplo, é sempre realizado através de atividades de criação

e não de pura reprodução, como acontecia nas aulas de música? Este convívio ampliou e

instigou, mais ainda, as minhas inquietações sobre os limites do ensino tradicional de

música e, em especial, de piano, circunscritos somente à interpretação.

Por outro lado, interpretar e o desfrutar da música erudita, que fizeram parte

da minha formação musical desde o princípio até a graduação no Departamento de música

da ECA-USP, continuava a me encantar e a encantar meus alunos. Fato este que apontava

para a possibilidade de um “caminho do meio” no ensino de piano, onde a interpretação e a

criação acontecessem com o mesmo grau de importância e as diferentes músicas fizessem

parte de um único repertório. O que principiou como simples intuição, ao longo do caminho,

transformou-se em uma nova concepção do ensino e aprendizagem de piano, construída pela

prática e por referenciais na educação musical e na própria educação pianística. CAMPOS

(2000,p.63 ) nos alerta para a nova realidade de nossos alunos de piano, rodeados por novas

tecnologias e envoltos em um mundo cada vez mais amplo enquanto os professores

continuam a ensinar de forma desatualizada e “fechada à realidade do momento”. A mesma

autora também indica a possibilidade de um aprendizado que proporcione ao aluno a tanto a

“informação do “patrimônio musical” ( poderíamos assim chamar a tradição pianística? )

quanto as inovações da época, atendendo portanto seus interesses quanto à música popular e

erudita, aberto também aos recursos tecnológicos atuais”( CAMPOS, 200, p. 63).

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À medida que sigo com a pesquisa, ainda em fase inicial, sobre os processos

criativos no aprendizado do piano, vou deslumbrando caminhos possíveis na busca desse

equilíbrio entre interpretação e criação, assim como entre as diversas possibilidades de

repertório no ensino de piano. Tomarei de empréstimo as ideias de Brito (2007) permeadas

pelos conceitos deleuzianos, ao discorrer sobre a relação da criança, sua produção sonora e

musical com os propósitos da educação musical:

“É importante conhecer planos do “funcionamento musical”, assim como

interagir com as forças da cultura – planos da territorialização, mas é

essencial, outrossim, considerar e permitir o desterritorializar, os vôos e

linhas de fuga que, a um só tempo, reafirmam as condições de interação e

de pertencimento, criando devires e abrindo brechas agenciadores de

novos planos de composição de seres, mais do que de músicas, até.”.

( 2007,p.72 )

O som remete à uma imagem, que faz nascer uma história e que norteia uma

composição.

Apresentarei, a seguir, uma composição de um aluno de piano e o respectivo

processos de criação. Pretendo também apontar a intencionalidade musical desse aluno

presente nesta pequena invenção, assim como a importância da exploração sonora do

instrumento como recurso para a expressão musical.

Explorar, conhecer e utilizar os mais variados recursos do instrumento para a

própria expressão musical deveria ser a primeira das metas a serem alcançadas por qualquer

instrumentista. Essa ideia pode parecer óbvia, mas na história do ensino de piano não se

apresentou assim, pois de acordo com CAMPOS (2000,p. 4), “no aspecto geral da educação

musical através do piano, tocar sem errar, passa a ser o objetivo maior do estudante-pianista.

A oportunidade de livre expressão, de observação e percepção é comumente deixada de lado

ou para segundo plano”.

Considero de fundamental importância que o aluno deve se apropriar do

piano todo, isto é, explorar a harpa do piano, as cravelhas, o funcionamento dos pedais, a

madeira, enfim, todas as possibilidades sonoras do instrumento e não se restringir somente

ao teclado.Portanto, estimular e propor a exploração das possibilidades timbrísticas do piano

e a utilização musical da riqueza de seus recursos, através da improvisação e mesmo da

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composição, têm ocupado um grande espaço nas minhas aulas de piano, desde o primeiro

contato com o instrumento. Soma-se a isso, a preocupação de ampliar as ideias de música

de nossos alunos para além das melodias, ritmos e harmonia. Incorporar, nas performances,

o ruído, as técnicas estendidas do instrumento, o tempo amétrico. Incorporar e não restringir,

somar e não excluir. São “muitas as músicas da música” como defende Brito (2003) e fazer

música com crianças a partir de outros parâmetros pode produzir instrumentistas mais

abertos à diversidade musical do mundo, como também à própria produção musical da

música erudita desde Pierre Schaeffer, Stockhausen, John Cage entre outros. Mas, para que

essa postura seja significativa para os alunos, o professor formado no ensino tradicional de

piano, também tem que se abrir ao novo e imbuir-se do desejo de desenvolver em si próprio

a curiosidade, um novo fazer e uma nova escuta, na qual o foco esteja no som e seus

atributos, como a “escuta reduzida” proposta por Schaefferiii

.

Insere-se neste contexto de criação musical a partir da exploração sonora do

piano, “O Gigante”, composição de Arthuriv

, aluno da EMIA - Escola Municipal de

Iniciação Artística. Arthur tinha oito anos quando inventou essa música, em uma de suas

primeiras aulas de pianov. A proposta teve início quando perguntei a Arthur onde ele

imaginava que o som do piano era produzido. A partir desta pergunta, começamos a

conversar e algumas etapas de trabalho foram desenvolvidas: olhar o piano fechado e

imaginar o que teria dentro dele; “tirar a roupa do piano”, isto é, desmontar o piano de

armário, deixando todas as cordas e mecanismos internos expostos; tocar, explorar,

perceber, observar, nomear; relacionar as descobertas acústicas com os parâmetros sonoros;

desenhar o piano aberto e fazer música.

Neste tipo de processo é fundamental ter tranquilidade e acompanhar as

descobertas do aluno instigando-o e ajudando-o a organizar as percepções e as próprias

ideias sonoras que possam surgir. O processo de criação começa no encantamento pelo

som, na pesquisa das possibilidades sonoras que mais agradam e a partir dessa exploração

que, gradativamente, vai se transformando em improvisação, as ideias musicais vão

surgindo. A nossa prática junto à crianças nos aponta que existe uma intencionalidade nessas

pequenas invenções. As crianças inventam a partir do fazer, mas escolhem, organizam os

sons que querem manter. De acordo com a ideia de música criativa, presente no texto de

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CAMPOS (2000 ), “O Gigante”, composto por Arthur, abarcou a exploração, a intuição e a

organização do material sonoro selecionado, elementos característicos deste tipo de música.

O processo de criação

Após um tempo razoável de exploração, Arthur realizou um glissando

ascendente na harpa do piano, iniciando na corda mais grave e finalizando na última corda

desse grupo. Ao observá-lo, percebi que o resultado sonoro o encantou. Ele repetiu o

movimento várias vezes, alterando a velocidade, a intensidade e a duração do último som.

Após um determinado tempo de pesquisa sonora, interferi com a seguinte

proposta: “Já que gostou tanto desse som, que tal fazer uma música com ele?”.

Rapidamente, Arthur aceitou a ideia e definiu que queria tocar três glissandos mais rápidos e

um mais longo, estendendo a duração com a colocação do pedal 3C ( tomando-se a

semínima como pulso, três semínimas e uma mínima ). Ao ouvir a sua própria execução,

falou que eram “os passos do gigante” e o último glissando era um “prédio sendo pisoteado

por ele”. Logo em seguida, tocou este motivo e acrescentou mais três glissandos, mas agora

utilizando metade do bloco das cordas e disse: “são os passos do gigante de novo, mas

agora em cima de casas e não de prédios”. Perguntei a ele o porquê estava tocando o

glissando somente até a metade do grupo de cordas e ele me respondeu: “ué, eu já não falei

que eram casas e não prédios?”.

Observei que o glissando nas cordas graves remeteu-lhe a imagem dos passos

do gigante, e isso desencadeou o resto da pequena história que Arthur elaborou. Ele

procurava no piano os sons para completá-la. Momentos depois, seguiu para o teclado, na

região bem aguda e fez alguns ‘testes’, aprovando uma segunda ascendente com as notas sol

e la mais agudas do piano ( duas colcheias, tomando os passos do gigante como semínimas )

para a chegada “de um porquinho muito pequeno, que se assustou com o gigante que tentou

esmagá-lo, mas correu muito depressa”. Para esta parte da história, Arthur selecionou,

depois de algumas explorações, um cluster na região grave, seguido de um glissando

ascendente por todo o teclado do piano. Para finalizar, a volta aos três passos do gigante

( três semínimas, tomando-a como pulso ).

É importante ressaltar que Arthur, apesar dos oito anos, possui uma

imaginação muito grande e adora inventar e contar histórias, demonstrando uma verdadeira

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necessidade de fazê-lo. Ele ficou imensamente feliz com a sua criação repetindo-a muitas e

muitas vezes, ao longo daquele ano. Respeitar essa característica de Arthur e propor um

primeiro contato com o instrumento que permitisse o espaço da criação conectado com

outras formas de expressão foi uma decisão que tomei já na primeira aula, quando

identifiquei essas características tão marcantes nele.

Gainza (s/d ) considera que o objetivo principal de todo professor deva ser,

através da música, a conexão com a “natureza profunda e com as necessidades de

desenvolvimento de seus alunos” e Brito aponta uma educação musical que considere a

criança em primeiro plano e não a música:

“Mais do que meramente pretender ensinar música, nosso

propósito é escutar e respeitar o processo de reinvenção de

cada criança, caminhando juntos com ela e, assim

redimensionando e ampliando as experiências e os

conhecimento.” (2007,p.70)

Conclusão

Nessa primeira fase da pesquisa, tenho encontrado ideias e conceitos de diversos autores

que vêm validando algumas premissas advindas da minha prática em sala de aula, como a

importância de propiciar às crianças um contato inicial com o instrumento que transite pelo

prazer de tocar, pela exploração, pela criação e interpretação a partir de um repertório

diversificado e que também atenda aos desejos do aluno e possam tornar-se aprendizados

significativos.

Como me encontro na fase inicial da pesquisa, ainda só posso perceber possíveis caminhos

que, com certeza, ampliarão a minha reflexão sobre a relação da criança com a música a

partir de um possíveis processos criativos no aprendizado de piano.

Referências

ALVES, R. Ensinar, Cantar, Aprender. Campinas, SP: Papirus, 2008

AMATO, R. C. F. Educação pianística: o rigor pedagógico dos conservatórios.2006.

Disponível em < www.revistas.ufg.br/index.php/musica/article/view/1866>. 27/07/2012

BRITO, M.T. A. Música na Educação Infantil: propostas para a formação integral da

criança. São Paulo: Peirópolis,2003.

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BRITO, M.T. A. Por uma Educação Musical do Pensamento: novas estratégias de

comunicação. São Paulo, 2007. 288f. Tese ( Doutorado em Comunicação e Semiótica ).

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

CAMPOS, M.C. A Educação Musical e o Novo Paradigma.Rio de Janeiro: Enelivros, 2000.

ESPERIDIÃO, N. Conservatórios: currículos e programas sob novas diretrizes. São Paulo,

2003. 439f. Dissertação (Mestrado em Música). Universidade Estadual Paulista Júlio de

Mesquita Filho.

GAINZA,V.H. A Improvisação Musical como Técnica Pedagógica. s/d. Disponível em

< http://www.atravez.org.br/ceem_1/improvisacao_musical.htm>. 24/07/2012

i Mário de Andrade usou este termo em uma crônica, publicada na revista Klaxon em maio de 1922, como uma crítica à elite paulistana do início do século XX, que via o piano como uma forma de status, aproximando-se da realidade européia da época. ii Essa é uma expressão muito utilizada por Maria Teresa Alencar de Brito em diversas publicações

iii Pierre Schaeffer discorre sobre as quatro escutas em seu “Tratado dos objetos musicais” ( Tratado de los

objetos musicales. tradução espanhola Araceli Cabezón de Diego. Madrid: Alianza Música.) iv Com o objetivo de preservar a identidade do aluno, este nome é fictício.

v Na EMIA – Escola Municipal de Iniciação Artística, o curso de instrumento musical é paralelo ao curso de

iniciação artística. Para ter direito a cursá-lo é necessário uma inscrição no instrumento desejado e ser selecionado de acordo com a faixa etária e o tempo de estudo na instituição.