processo n.º 649/2006 - court.gov.mo · a, casado, chefe de primeira n.º xxxxxx do corpo de...

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649/2006 1/32 Processo n.º 649/2006 (Recurso Contencioso) Data: 21/Julho/2011 Assuntos : - Processo disciplinar; - Audição do arguido em fase de inquérito; direito de defesa SUMÁ RIO : 1. No processo disciplinar, nomeadamente na fase de instrução há diligências que são obrigatoriamente impostas por lei, como é o caso da audição do arguido (art.º 329º, n.º 3), já que é ele o protagonista principal do procedimento, aquele sobre quem recai a responsabilidade pela prática do facto ou factos, razão pela qual há todo o interesse em ouvir a sua verdade. 2. A audição do arguido numa primeira fase do processo disciplinar configura-se assim como uma garantia do seu direito de defesa, que no caso de não se observar, não deixará de inquinar fatalmente todo o procedimento. O Relator, João A. G. Gil de Oliveira

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649/2006 1/32

Processo n.º 649/2006

(Recurso Contencioso)

Data: 21/Julho/2011

Assuntos:

- Processo disciplinar;

- Audição do arguido em fase de inquérito; direito de defesa

SUMÁ RIO :

1. No processo disciplinar, nomeadamente na fase de instrução há

diligências que são obrigatoriamente impostas por lei, como é o caso da

audição do arguido (art.º 329º, n.º 3), já que é ele o protagonista principal do

procedimento, aquele sobre quem recai a responsabilidade pela prática do facto

ou factos, razão pela qual há todo o interesse em ouvir a sua verdade.

2. A audição do arguido numa primeira fase do processo disciplinar

configura-se assim como uma garantia do seu direito de defesa, que no caso de

não se observar, não deixará de inquinar fatalmente todo o procedimento.

O Relator,

João A. G. Gil de Oliveira

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Processo n.º 649/2006

(Recurso Contencioso)

Data : 21 de Julho de 2011

Recorrente: A

Recorrido: Secretário para a Segurança

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA

INSTÂ NCIA DA R.A.E.M.:

I - RELATÓ RIO

A, casado, Chefe de Primeira n.º XXXXXX do Corpo de Bombeiros,

devidamente identificado nos autos, vem impugnar o despacho de 7/11/06 do

Exmo Senhor Secretário para a Segurança que, em sede disciplinar, o puniu

com a pena de 150 dias de suspensão, assacando-lhe afronta dos artigos 338°,

n.° 3 ETAPM e 114°, n.º 1 e 115°, n.º 1, 1ª parte do CPA, invocando, para o

efeito, vícios reportados ao acto propriamente dito (caso da assacada falta de

fundamentação e inconformismo quanto à dosimetria disciplinar usada), e a

cada um dos processos disciplinares que foram apensados.

Para tanto alega, fundamentalmente e em síntese:

O despacho recorrido é, nos termos legais, contenciosamente recorrível para o

Venerando Tribunal de Segunda Instância e o presente recurso tempestivo é fundado em

interesse legítimo.

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Não existe prova nos autos que possa alicerçar a conclusão de que o recorrente

haja tido qualquer influência no facto de a sua mulher ter dirigido cartas a várias entidades,

superiores hierárquicos do recorrente, denunciando factos de que o recorrente estava a ser

vítima no serviço.

Os elementos probatórios em que se funda tal imputação passam pelas declarações

prestadas nos autos pelo recorrente e por sua mulher, as quais não oferecem qualquer base de

sustentação de tal conclusão.

O acto recorrido padece de nulidade idêntica à da acusação, visto que não reflectiu

qualquer circunstância que tenha permitido ajuizar as circunstâncias de tempo, lugar e modo

em que o recorrente, através da sua mulher, haja escrito tais cartas.

O recorrente nunca foi ouvido como arguido no processo relativamente às cartas

escritas pela sua mulher.

Desconhece os factos concretos descritos nas cartas que a entidade recorrida

entendeu que não correspondem à verdade e consubstanciam os elementos típicos das

infracções disciplinares por que foi condenado.

Quer no acto recorrido quer na acusação não consta a indicação discriminada e

articulada dos factos integrantes da infracção, nomeadamente, a indicação das datas, modo e

lugares da/s infracção/ões cometida/s.

Desse facto resulta a nulidade do acto por violação do conteúdo essencial de um

direito fundamental.

A nulidade da acusação foi arguida e solicitada a sua declaração pelo recorrente,

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sem que quer o instrutor quer a entidade recorrida se tenham pronunciado sobre ela.

Tal omissão de pronúncia faz incorrer o acto recorrido, uma vez mais, na violação

de lei.

Não há nos autos prova de que o ora recorrente tenha infringido os deveres gerais

de obediência, de correcção e de aprumo.

Nunca praticou qualquer facto demonstrativo de incumprimento dos deveres que a

lei impõe ou omissão da prevenção da violação da mesma.

Não incumpriu as leis, regulamentos e instruções relativas ao serviço nem mostrou

falta de moderação na linguagem.

A acusação, bem como o acto recorrido, não descreveram qualquer facto

demonstrativo de que o recorrente não adoptou procedimentos justos e ponderados,

linguagem correcta e atitudes firmes e serenas.

Não praticou acções contrárias à ética, à deontologia funcional, ao brio ou ao

decoro das FSM.

O recorrente deu, em tempo oportuno, o devido andamento às solicitações,

pretensões e reclamações que lhe foram apresentadas, informando-as, quando necessário,

com vista à solução justa que devam merecer.

No caso de incêndio ocorrido no dia 12/10/04, o recorrente informou de imediato,

de forma pronta e com toda a verdade, o seu superior directo, Chefe Principal XXX e o Chefe

do Departamento Operacional das Ilhas, Chefe Principal XXX.

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O recorrente foi ferido, no acto de controlo da situação e foi transportado ao

Hospital Conde S. Januário, havendo, após alta, elaborado de imediato o respectivo relatório,

no qual constam todos os elementos necessários ao conhecimento da ocorrência.

Tendo-lhe sido ordenado que elaborasse de novo um outro relatório mais

pormenorizado, procedeu à elaboração de novo relatório, no qual constam todos os dados da

ocorrência.

De acordo com o juízo duma pessoa média, não é exigível que uma comunicação

telefónica feita no local duma ocorrência de incêndio, homicídio e avaria de escada mecânica

dos bombeiros, situação altamente complexa, seja perfeita e sem qualquer esquecimento.

A comunicação feita no local depende da posição, tempo, ponto de vista em que o

agente se encontrava, indispensável às informações oportunamente dirigidas.

A conservação e manutenção das instalações, viaturas e todos os equipamentos da

corporação é da competência da Divisão de Serviços e da unidade subordinada da mesma,

Unidade de Reparações e Conservações.

Não é da responsabilidade do recorrente a negligência ou falha da conservação e

manutenção da escada mecânica colocada na viatura V.54 do Corpo de Bombeiros.

De acordo com o relatório divulgado ao público pela referida comissão de

investigação, não foi atingida uma conclusão clara no sentido da verificação de erro ou

negligência, mas, antes, dados pareceres no sentido da necessidade de melhorar o serviço de

combate aos incêndios em circunstâncias idênticas.

Nessa medida, o recorrente não violou os deveres de zelo e de lealdade, porque já

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dera todas as informações necessárias, com a maior prontidão e veracidade, aos seus

superiores hierárquicos.

O recorrente também não foi ouvido como arguido neste processo referente ao

mencionado incêndio, o que consubstancia, uma vez mais, a nulidade resultante da falta de

audiência do arguido.

Não praticou qualquer acto de desrespeito para com o seu colega, Chefe de

Primeira XXX, antes o tratando com o respeito devido, por ser ele mais antigo na mesma

categoria do recorrente.

Houve um desentendimento entre o recorrente e o Chefe de Primeira XXX, em

virtude de que o recorrente ter recebido uma ordem do Chefe Principal XXX para elaborar o

relatório da Corrida do Grande Prémio e o mencionado Chefe de Primeira ter entendido que

na competência para tal acto era sua.

O recorrente não violou as disposições nos n.ºs 1 e 2, alínea c) do art. 11º do

EMFSM.

De acordo com o parecer da Junta de Saúde lançado no registo da inspecção feita

ao recorrente, em sessão ordinária de 17/6/05, foi-lhe recomendada uma transferência para

um ambiente de trabalho diferente.

Mau grado com conhecimento desse facto, o superior hierárquico do recorrente não

tomou qualquer medida no sentido da implementação do referido parecer.

Não é punível o acto de almoçar do recorrente, antes de tomar um medicamento

que lhe fora medicamente prescrito, porque é legal e compreensível, mal se compreendendo

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que tenha sido objecto de participação superior.

Verifica-se, em consequência, no caso, uma circunstância dirimente da

responsabilidade disciplinar, pois, porque é paciente do foro psiquiátrico, limitara-se a

exercer um direito fundamental e vital.

Também não foi ouvido como arguido no correspondente processo, o que

consubstancia nulidade do processo por falta de audiência do arguido.

Naquele dia, o recorrente não saiu do seu local de serviço, antes ali havendo

permanecido até às 17H45, embora estivesse escalado em serviço dentro do horário de

expediente.

Constitui um facto notório que os agentes de serviço escalados nos serviços de

rotina à hora de expediente não são obrigados a prévia autorização superior para tomar o

almoço.

Não infringiu o dever de assiduidade previsto na alínea b) do n.º 2 do art. 13° do

EMFSM.

Para haver actuação culposa é preciso que, pelo lado positivo, o agente disponha

de capacidade para ser objecto de censura e, pelo lado negativo, que não concorra qualquer

circunstância que exclua essa mesma culpa.

Os superiores do recorrente não só não mostraram interesse pela saúde do

recorrente, antes, e pelo contrário, o pressionaram intensamente, através dos sucessivos

processos de averiguações e disciplinares.

O recorrente ficou surpreendido e receoso por lhe terem sido instaurados tantos

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processos disciplinares.

Algumas das alegadas infracções foram praticadas um ano antes da instauração do

procedimento disciplinar, sem que tenha participado e promovido a instauração do respectivo

procedimento de imediato.

O recorrente chegou a requerer a sua transferência para outro ambiente de trabalho,

mas foi impedido pelo Chefe do Departamento Operacional de Macau, Chefe Principal XXX,

de o fazer, havendo este indeferido o seu pedido.

O que é demonstrativo de que a instauração de processos disciplinares contra o

recorrente violou os princípios da boa convivência, da solidariedade e da camaradagem entre

os elementos das Forças de Segurança Pública de Macau.

Não se verificam as circunstâncias agravantes do n.º 2, alíneas d), f) e h) e no n.º

4 do art. 201.° do EMFSM.

A acusação não descreve quais os factos que integram a alegada premeditação.

Verificam-se as circunstâncias dirimentes da sua responsabilidade disciplinar

previstas nas alíneas b) e e) do art. 202° do EMFSM.

Beneficiaria, aliás e sempre, da circunstância atenuante prevista pela alínea f) do

art. 200º do EMFSM, a inexistência de intenção dolosa.

O acto recorrido não contém qualquer fundamentação para a decisão sancionatória

aplicada.

O acto recorrido violou o art. 338°, n.º 3 do ETAPM) e os art. 114.° n.º 1, alínea a)

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e 115.°, n.ºs 1, 1ª parte e 2, ambos do CPA, enfermando da nulidade prevista na alínea d) do

n.° 2 do art. 122° do C.P.M.

Sofrendo, ainda, da nulidade resultante da nulidade da acusação, conforme se

deixou referido, a qual se projecta na decisão disciplinar.

Termos em que, conclui, deve o presente recurso ser julgado

procedente, anulando-se, pelas apontadas ilegalidades resultantes dos vícios de

violação de lei, o acto recorrido, com todas as consequências legais.

O Exmo Senhor Secretário para a Segurança da RAEM, vem, nos

termos do art. 53.° n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso,

apresentar a sua contestação, alegando em sede conclusiva:

O recorrente não é um bombeiro comum, mas um chefe dos bombeiros da categoria

superior, sabendo melhor que o pessoal comum o mecanismo para apresentação de queixa e o

respectivo procedimento no exército militar.

O recorrente, pretextando que fosse tratado de forma injusta, desrespeitando as leis

e disciplinas, depreciou, a nome do terceiro, a dignidade das pessoas de que ele desgostou.

O recorrente não observou os deveres restritivos, nem exercitou devidamente o seu

direito fundamental à queixa que lhe é atribuído pela Lei, chegando a perder vista do

mecanismo para funcionamento eficaz do exército militar.

Neste caso, quem presta o serviço não é departamento da administração pública

ordinário, mas é exército militar bem hierarquizada e rigorosamente disciplinada, é esquadra

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de bombeiro exclusivamente destinada ao socorro ao desastre e acidente público.

O arguido faz o que quer sem ter em conta o regime, sabe apenas como se esquiva

da responsabilidade.

Embora o recorrente negasse o acto que lhe foi imputado, isto não impede que o

titular do poder de castigo disciplinar forme sua convicção sobre a culpa do arguido em

concordância com os diversos indícios fortes racionais.

É verdade que a acusação não explicitou quando e onde o agente praticou os actos imputados,

não quer isto dizer que a infracção disciplinar imputada não foi concretizada, e na realidade,

o recorrente conheceu-o bem. Não se vê o prejuízo aos seus direitos de defesa e audiência.

O recorrente, na sua contestação subida nos autos, formulou várias reclamações na

prospectiva jurídica em face aos factos imputados.

Como não é invocável o art. 262.° n.º 1 do Estatuto dos Militarizados das Forças de

Segurança de Macau, nomeadamente não conduz à nulidade insuprível resultante da falta de

audiência do arguido sobre a acusação ou de omissão de quaisquer diligências essenciais

para a descoberta da verdade.

O despacho de punição determinou a infracção imputada ao arguido como violação

do deveres disciplinares, não deixando de ser correcto.

O que foi apurado é que o arguido, ao tratar esse incêndio, obviamente não

comunicou de imediato ao seu superior a situação do local sobretudo não informou sobre a

situação dos veículos danificados, de tal forma que obsta o socorro.

Então, ao tratar uma situação crítica, a comunicação poderá ser não oportuna e

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posterior ao caso? A razão alegada para reclamação é obviamente irracional.

De acordo com os dados dos autos, o arguido em 15 de Novembro de 2004, pelas

17h55, cobrou ao outro colega materiais, sem sucesso, a seguir interpelou-lhe no tom

grosseiro e desrespeitador: se tens ódio comigo ou não, venha aqui a prejudicar me !

É o facto irrefutável, sendo suportado pelo depoimento da testemunha em causa.

Segundo os dados dos autos, foi provado que o arguido, em 25 de Julho de 2005,

pelas 13h12, ao tratar o incêndio ocorrido no Bloco ...°, Edif. Kin Wa, da Areia Preta,

enquanto administrador do centro de controlo, ausentou-se do posto para almoçar, deixando

os feridos esperados de tratamento.

Após o caso, o recorrente pretextou que precisava tomar comprimidos por instrução

do médico e que só deixou o local depois de o incêndio ser apago e os feridos salvados,

Da sua maneira de ser, pode-se considerá-lo como um bombeiro egoísta,

irresponsável e desprovido do espírito de sacrifício.

É de salientar que os últimos três fundamentos de factos imputados citaram o

relatório final do auto disciplinar cujo teor bem explicou os factos imputados e fundamentos

de direito.

Face ao exposto, considera-se que o acto recorrido não enfermou de nenhum vício

referido pelo recorrente nem dos outros vícios que originam a anulabilidade.

Pelo que pede se julgue improcedente o recurso e se mantenha,

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na íntegra, a eficácia do acto recorrido.

O Digno Magistrado do MP emite o seguinte douto parecer:

Vem A , chefe de 1ª do Corpo de Bombeiros, impugnar o despacho de 7/11/06 do

Secretário para a Segurança que, em sede disciplinar, o puniu com a pena de 150 dias de

suspensão, assacando-lhe afronta dos artigos 338°, n.° 3 ETAPM e 114°, n.º 1 e 115°, n.º 1, 1ª

parte do CPA, invocando, para o efeito, vícios reportados ao acto propriamente dito (caso da

assacada falta de fundamentação e inconformismo quanto à dosimetria disciplinar usada), e

a cada um dos processos disciplinares que foram apensados.

Seguindo precisamente a ordem adoptada pelo recorrente, teremos que o mesmo, no

âmbito do proc. Disciplinar D/07/05/FEV detecta a falta de constituição e audição como

arguido, bem como o facto de na acusação contra si deduzida não constar a indicação

discriminada e articulada dos factos integrantes das infracções, nomeadamente a indicação

das datas, modo e lugar das mesmas, bem como falta de resposta à arguição dessa nulidade

em sede do procedimento disciplinar, ao que acrescenta inexistir, de todo o modo, nos autos

comprovativo factual de tais infracções.

Cremos assistir-lhe alguma razão.

Se alguma dúvida pode existir no que concerne à alegada falta de audição do

recorrente relativamente às infracções imputadas no âmbito deste processo disciplinar, pois o

próprio admite e reproduz o constante de fls. 188 do instrutor onde, além do mais, expressa

que "não sabia e não concordava com a sua mulher em escrever carta a Sua Excelência!

Chefe do Executivo ...", o que, por si só, demonstra o conhecimento da imputação e a sua

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perspectiva sobre a mesma, o mesmo não se poderá dizer relativamente à existência do

preenchimento dos requisitos mínimos exigíveis do libelo acusatório.

No âmbito do proc. disciplinar em questão, foi o recorrente punido, entre o mais,

por “... no período entre 27 de Agosto de 2004 e 19 de Novembro de 2004, através do seu

cônjuge XXX, mandou 4 vezes cartas aos gabinetes do Chefe do Executivo e do Secretário

para a Segurança, pela síntese do conteúdo das cartas pode-se verificar a intenção da

apresentação de queixa contra os dirigentes do Corpo de Bombeiros, dizendo que os mesmos

praticavam vários actos injustos contra o arguido, indicando também o próprio Comandante

do Corpo de Bombeiros como tendo praticado vários factos que consubstanciam infracções

disciplinares de falta de respeito e de arbitrariedade ...”.

Ora bem : imputando-se ao recorrente o facto de ter impulsionado e

instrumentalizado intencionalmente a sua mulher no sentido da elaboração e envio daquelas

cartas, importava que, na verdade, na acusação referente a essa imputação se concretizasse,

no mínimo, o meio, lugar e modo em que tal "instrumentalização" foi levada a cabo, não

bastando, como é óbvio, a mera imputação do juízo conclusivo "instrumentalizou", sob pena

de o visado ficar, como ficou, impossibilitado de exercer cabal e eficaz direito de defesa, à

míngua de factos precisos e individualizados donde aquele juízo de valor possa ter sido

extraído.

E, a verdade é que a falta do exercício de defesa, designadamente em sede

disciplinar, corresponde à falta de audiência do arguido, a qual, por sua vez, constitui

nulidade insuprível, por preterição de formalidade essencial, prevendo-se, aliás,

expressamente tal forma de invalidade nos termos do n.º 1 do art. 262° DO EMFSM.

Mas, mesmo a assim se não entender, a verdade é que, no escrutínio do acervo

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probatório constante dos autos e respectivo instrutor, não se alcança o comprovativo daquela

"instrumentalização intencional" por parte do recorrente relativamente ao seu cônjuge no que

tange à elaboração e envio das cartas em questão, sendo certo que não basta, pela análise do

conteúdo dessas cartas, a dedução que terá sido, forçosamente, o recorrente a fornecer a

informação nelas contida à sua mulher : mesmo partindo desse juízo de valor, o mesmo não

habilita, por si, à conclusão de que terá sido o recorrente quem a impulsionou e

instrumentalizou à elaboração e envio de tais missivas - e, essa é a imputação por que viria a

ser punido - , tomando-se inócua, por gratuita a expressão da entidade recorrida no sentido

de que "de acordo com grande volume de provas existentes no processo, faz a gente acreditar

profundamente que o arguido impulsionou, por várias vezes, sob forma consciente, o seu

cônjuge para a apresentar as queixas acima mencionadas".

Sem a concretização, consubstanciação e especificação de tal "grande volume de

provas", a "convicção" não passa disso mesmo : mera convicção, não estribada, não

fundamentada, sem relevância para o efeito.

Donde, desta feita, a ocorrência de erro nos pressupostos subjacentes à decisão

sancionatória, a determinar a respectiva anulação.

Sendo certo que a ocorrência de qualquer dos assinalados vícios e consequentes

formas de invalidade necessariamente contaminarão todo o acto, independentemente da

apreciação da matéria atinente aos restantes processos disciplinares apensos e por se nos não

afigurar, num juízo apriorístico, que do conhecimento respectivo resulte necessariamente

melhor tutela dos interesses e interesses legítimos do recorrente (n.º 6 do art. 74°, CPAC),

somos a dispensar-nos a dos mesmos conhecermos e, pelo motivos expostos, a pugnar pelo

provimento do presente recurso.

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Oportunamente, foram colhidos os vistos legais.

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e

hierarquia.

O processo é o próprio e não há nulidades.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas

de legitimidade ad causam.

Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao

conhecimento do recurso.

III - FACTOS

Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:

O acto ora recorrido foi notificado ao recorrente nos seguintes termos:

“Processo disciplinar: Processo n.º D/07/05/FEV

Arguido: Chefe de 1.ª classe do Corpo de Bombeiros, n.º XXXXXX, A (A)

Foi plenamente provado neste processo que o arguido A (A), chefe de 1.ª classe do Corpo de

Bombeiros, n.º XXXXXX, realizou as infracções disciplinares que lhe são imputadas na Acusação que

está constante das fls. 420 a 433 dos autos, em suma:

O arguido, chefe de 1.ª classe do Corpo de Bombeiros A, enviou cartas, por quatro vezes

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durante o período de 27 de Agosto de 2004 a 19 de Novembro de 2004, através da sua esposa XXX

(XXX), ao Gabinete do Chefe do Executivo e Gabinete do Secretário para a Segurança. Pelo conteúdo

dessas cartas, concluiu-se que as suas finalidades são dedução de queixas contra os dirigentes do Corpo de

Bombeiros que tinham feito ao arguido vários tratamentos injustos e contra o chefe-mor que tinha feito

várias infracções disciplinares indelicadas e autoritárias. As 4 cartas já estão respectivamente constantes

das fls. 171 a 181 dos autos e das fls. 201 a 210, cujos teores aqui se dão por reproduzidos

integralmente.

A fim de provar a veracidade das 4 cartas mencionadas, procedeu-se investigações nas quais

todos os respectivos envolventes foram questionados, em consequência, objectivamente, não houve quaisquer

fundamentos que comprovam os factos referidos.

No entanto, a grande quantidade de provas constante dos autos revela que o arguido

conduziu deliberadamente a sua esposa a deduzir por várias vezes as queixas supramencionadas; para

além disso, o mesmo efectuou ainda as condutas semelhantes por mesmo meio enquanto o serviço estava a

processar as respectivas investigações, com o objectivo óbvio de eximir o processo de queixa constante do

art.º 253.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau vigente.

Quanto às queixa e contestação acima expostas, é difícil para os queixosos honestos comuns a

entender porque é que não deduziu as queixas referidas neste processo por via formal mas através de

terceiro se forem verdadeiras as alegações, por outro lado, é de salientar que as ditas queixas compreendem

subjectivamente difamação e injúria, conduta essa mostra a finalidade óbvia de se furtar de

responsabilidade criminal eventual.

O arguido deve entender bem, sobretudo no Corpo em que presta serviços, os limites de

execução dos direitos de queixa e excepção que as leis básicas lhe atribuem. Entretanto, o arguido, bem

sabendo que as queixas ofenderam a personalidade e dignidade do dirigente que a lei protege, conduziu

ainda, deliberadamente e por várias vezes, a esposa a fazer as tais condutas, facto esse mostra a sua má

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personalidade e carácter irresponsável.

As condutas efectuadas à margem referenciadas violaram os deveres constantes da alínea a)

do n.º 3 do art.º 5.º, alíneas a) e d) do n.º 2 do art.º 6.º, alínea d do n.º 2 do art.º 11.º e alínea f) do n.º

2 do art.º 12.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau vigente.

Para além disso, o arguido sujeita-se ainda à imputação de 3 infracções disciplinares referidas

na Acusação, como são fundados os factos da imputação, ora vem se confirmar o teor constante das fls.

566 a 578 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido integralmente e serve como parte integrante do

presente despacho. As infracções disciplinares revelam principalmente em falta de dedicação na prestação

de serviço e destruição do funcionamento efectivo da Forças, é confirmada ainda a violação aos deveres

constantes da alínea b) do n.º 2 do art.º 8.º, alíneas a) e d) do n.º 2 do art.º 9.º, alínea c) do n.º 1 do

art.º 11.º e alínea b) do n.º 2 do art.º 13.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de

Macau vigente.

A conduta do arguido é agravada por força das alíneas d), f) e h) do n.º 2 do art.º 201.º do

mesmo Estatuto.

Pelo exposto, tomando em consideração a gravidade das infracções disciplinares mencionadas e

usando da faculdade conferida pela alínea 7 do Anexo IV referido no n.º 2 do art.º 4.º do Regulamento

Administrativo n.º 6/1999 previsto no n.º 1 da Ordem Executiva n.º 13/2000 e rectificado pelo

Regulamento Administrativo n.º 35/2001, decide-se, ao abrigo do art.º 237.º do Estatuto dos

Militarizados das Forças de Segurança de Macau vigente, aplicar a pena de suspensão por 150 dias ao

arguido A (A) - chefe de 1.ª classe do Corpo de Bombeiros.

Notifique que o arguido pode intentar recurso contencioso para o TSI dentro do prazo de 30

dias quanto ao presente despacho (incluindo os documentos citados do presente despacho).

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Gabinete do Secretário para a Segurança, aos 7 de Novembro de 2006

Secretário para a Segurança “

IV - FUNDAMENTOS

1. Nulidade resultante da falta de fundamentação do acto

sancionatório

Ao incorporar o relatório de fls. 566 a 578, relativo às três infracções

disciplinares que lhe foram imputadas, o acto recorrido contém a

fundamentação indispensável para a decisão sancionatória aplicada.

Pelo facto desse relatório integrado pela decisão sancionatória não ter

sido levado ao conhecimento do arguido tal não significa que ele não se

pudesse aperceber totalmente das razões e fundamentos da sanção que lhe foi

aplicada.

É certo que a fundamentação (exigível porque se trata de acto que

afecta direitos ou interesses legalmente protegidos ou que pode impor sanções -

art. 114.°, n.° 1, al. a), do Código de Procedimento Administrativo, deve ser

expressa, bastando sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da

decisão (art. 115º, n.º 1, 1.ª parte, ainda daquele Código). 1

Não deixamos até de concordar com uma boa prática para que aponta

1 - Cfr Leal-Henriques,, Manual de Direito Disciplinar, CFJJ, 2005, 258

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o mesmo autor acima citado quando entende que quando se trate de decisão

sancionatória a fundamentação não deve circunscrever-se a uma mera

declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres,

informações ou propostas, como o permite a parte final do n.º 1 do art. 115º do

CPA, a notificação ao arguido deva levar ao conhecimento do arguido o teor

desses textos, como parte integrante do respectivo acto decisório, para que o

destinatário possa apreender, sem limitações ou reservas, a razão de ser da sua

punição e ajuizar sobre se a decisão peca por algum vício que justifique uma

eventual impugnação pela via do recurso.

Mas também não é menos certo que a lei permite esse tipo de

fundamentação por referência e não se vê que o princípio seja limitado em

alguns tipos de processos.

Tanto mais e isto é o mais importante é que por essa via o arguido tem

possibilidade de saber do alcance da fundamentação do acto ou de solicitar o

seu cabal esclarecimento nos termos do art. 70º do CPA.

Neste sentido aponta a Jurisprudência de Macau.2

Donde, não ocorrer o apontado vício de insuficiência de

fundamentação não se mostrando violado simultaneamente o art. 338.°, n.º 3 do

Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, ex vi art. 256.°

2 Fundamentação jurídica por remissão, Acs. do TUI, n.º 21/2004, de 14/07/2004; n.º

22/2006, de 13/09/2006; n.º 28/2006, de 18/07/2007.

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do EMFSM e os art. 114.° n.º 1, alínea a) e 115.°, n.ºs 1, 1.ª parte e 2, ambos do

CPA.

2. Da falta de constituição e audição como arguido, bem como o

facto de na acusação contra si deduzida não constar a indicação

discriminada e articulada dos factos integrantes das infracções e respectivo

circunstancialismo de tempo e lugar

Tem razão o recorrente.

A falta de audição do arguido em processo disciplinar - referimo-nos ao

processo relativo às cartas escritas pela mulher do recorrente - constitui violação do

direito de defesa e gera a nulidade do acto sancionatório por preterição desse

direito fundamental como é sobejamente consabido.

No âmbito dos procedimentos sancionatórios, mais do que um direito

de audiência dos interessados, está em causa um direito de audiência e defesa.

Por este motivo, e na medida em que o direito de defesa em procedimentos

sancionatórios constitui um direito, liberdade e garantia, a não realização deste

trâmite naqueles procedimentos conduz à nulidade do acto administrativo, por

violação do conteúdo essencial de um direito fundamental.

E se tal não resultasse dos princípios gerais sempre importa atentar no

artigo 262º, n.º 1 do Estatuto Militarizado das FSM que determina:

“É insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido sobre os

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artigos de acusação nos quais as infracções sejam suficientemente individualizadas e

referidas aos correspondentes preceitos legais, bem como a que resulte de omissão de

quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade.”

Princípio reforçado como facto de mesmo na fase do Inquérito a lei

prever que o instrutor deva ouvir o arguido sobre os factos que são objecto do

Inquérito.

Não é, pois, somente, depois da acusação que alei prevê o direito de

audição, mas ainda numa fase prévia, como resulta do artigo 329º, n.º3 do

ETAPM:

“1. A instrução compreende todo o conjunto de averiguações e diligências

destinadas a apurar a existência de uma infracção disciplinar e a determinar os seus

agentes e a responsabilidade deles, recolhendo todas as provas em ordem a proferir

uma decisão fundamentada.

2. O instrutor procederá oficiosamente a todas as diligências necessárias às

averiguações a que se refere o número anterior, ouvindo para tanto o participante, as

testemunhas por este indicadas até um máximo de três por cada facto e, sem

limitação de número, as demais que julgar necessárias, procedendo a exames e outras

diligências de prova e fazendo juntar aos autos o certificado do registo disciplinar do

arguido.

3. O instrutor deverá obrigatoriamente ouvir o arguido em declarações,

até, ao termo da instrução e poderá acareá-lo com as testemunhas ou com o

participante, podendo ele fazer-se assistir do seu defensor sempre que assim o

pretender.

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4. O arguido pode requerer ao instrutor que promova as diligências que

considere essenciais para a descoberta da verdade e este requerimento apenas pode ser

indeferido quando o instrutor, em despacho fundamentado, o declarar dilatório por

considerar suficiente a prova já produzida.

(...)”

(Sublinhado nosso)

Da redacção desta norma e comparativamente até com o regime

anterior e em relação àquilo que em termos de Direito Comparado se passa em

Portugal3, em que a audição do arguido é facultativa, tal audição é obrigatória,

assumindo-se como uma formalidade essencial.

Nem se diga que o seu direito de defesa está garantido em sede de

contestação, pois que o arguido tem todo o direito a evitar que seja formalizada

acusação contra ele, bem podendo numa fase anterior pronunciar-se, juntar e

arrolar prova que evitem a formalização da acusação, já por si estigmatizante,

reconhecendo-se ser legítimo pugnar pela sua não dedução quando infundada.

Para além de que mesma na óptica da verdade material e

transparência da Administração essa diligência não deixa de se reputar

objectivamente como de grande relevância ainda nessa fase procedimental.

3 - cfr. art. 46º da Lei 58/2008, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas.

E daí que não seja fácil encontrar Jurisprudência Comparada sob o tema, ou a encontrada vai em

sentido diverso visto carácter facultativo expresso de tal audição

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Sob pena até de perderem sentido as palavras do legislador quando se

impõe como obrigatória essa diligência.

Este mesmo cunho de obrigatoriedade flui das palavras da Doutrina

produzida em Macau sobre o regime aqui vigente pela pena do Conselheiro

Leal-Henriques, enquanto diz “... há diligências que são obrigatoriamente

impostas por lei, como é o caso da audição do arguido (art.º 329º, n.º 3), já que

é ele o protagonista principal do procedimento, aquele sobre quem recai a

responsabilidade pela prática do facto ou factos, razão pela qual há todo o

interesse em ouvir a sua verdade.” 4

A audição do arguido numa primeira fase do processo disciplinar

configura-se assim como uma garantia do seu direito de defesa, que no caso de

não se observar, não deixará de inquinar fatalmente todo o procedimento.

Nem se diga que a referência ao facto de aludir a um conhecimento

das cartas, como transparece de fls 188 (em sede de processo de averiguações)

invalida essa afirmação, porquanto se trata de uma sede procedimental

completamente diferente, por um lado, e, por outro, daí não resulta que

estivesse inteirado da imputação que lhe era feita e responsabilidade assacada.

Aliás essa questão foi suscitada no âmbito do processo disciplinar,

aquando da contestação, e dela não foi conhecida

Assim, não já pela não constituição formal do arguido como decorre

do Processo Penal, mas sim por não ter sido ouvido o arguido quando a lei a tal

4 - Manual de Direito Disciplinar, CFJJ, 2005, 232

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o impunha, sobrevindo dessa forma uma limitação do exercício de defesa,

designadamente em fase da instrução, ainda em momento antes da dedução da

acusação, em processo disciplinar, tal omissão não deixa de corresponder a uma

falta de audiência do arguido, a qual, por sua vez, constitui nulidade insuprível,

por preterição de formalidade essencial.

3. Da instrumentalização da mulher do recorrente por parte deste

no sentido de a incentivar a escrever as referidas cartas.

No âmbito do proc. disciplinar n.º D/07/05/FEV, foi o recorrente

punido, entre o mais, por “... no período entre 27 de Agosto de 2004 e 19 de

Novembro de 2004, através do seu cônjuge XXX, mandou 4 vezes cartas aos

gabinetes do Chefe do Executivo e do Secretário para a Segurança, pela síntese

do conteúdo das cartas pode-se verificar a intenção da apresentação de queixa

contra os dirigentes do Corpo de Bombeiros, dizendo que os mesmos

praticavam vários actos injustos contra o arguido, indicando também o próprio

Comandante do Corpo de Bombeiros como tendo praticado vários factos que

consubstanciam infracções disciplinares de falta de respeito e de

arbitrariedade ...”.

Ora, não há elementos que permitam concluir no sentido daquela

instrumentalização, que o recorrente tenha sido o mentor ou sequer que

soubesse atempadamente do envio daquelas cartas.

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E essa falta de prova é corroborada com a análise da prova produzida

já em Tribunal, resultando até que a esposa do recorrente estava muito

preocupada com o seu estado de saúde e foi de sua iniciativa que enviou as

ditas cartas.

Responsabilizar o recorrente por actos praticados pela sua mulher

viola as regras mais básicas derivadas do princípio da culpa.

Sempre importaria, na verdade, em todo o caso, concretizar os

elementos de facto, em que a entidade recorrida se baseou para chegar àquela

imputação, ficando-se sem saber ainda o circunstancialismo em que tal se terá

verificado.

Não basta emitir um juízo conclusivo, baseado numa suspeita, num

raciocínio a partir de uma presunção, o que para além do mais limita, se não

mesmo, impossibilita mesmo a cabal defesa do arguido.

Assim, ainda aqui se conclui pela verificação de erro nos pressupostos

de facto, o que determina a anulação do acto sancionatório.

Não obstante a ocorrência de qualquer dos assinalados vícios

determinarem a nulidade do acto, contaminando-o na sua totalidade, não

deixaremos ainda de tecer algumas considerações concernentes aos restantes

processos, visto disposto no artigo 74º, n.º 5 do CPAC.

4. Quanto ao processo disciplinar n.ºD/83/04/NOV

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Alega-se uma divergência entre as declarações oralmente prestadas e

a comunicação escrita, na sequência de um incêndio e uma actuação muito

complicada, na decorrência da qual o recorrente foi ferido e levado para o

Hospital.

Estando a descrição da ocorrência feita em sucessivos relatórios

elaborados pelo recorrente, pretende-se sancionar o agente a partir de uma

divergência numa informação verbal dada no teatro das operações, sem avaliar

a relevância dessa divergência e sem levar em linha de conta com o facto de os

relatórios elaborados por escrito conterem um acervo de informações

globalmente consideradas.

E sem levar em linha de conta a comunicação ao Chefe Operacional

das Ilhas em cumprimento das instruções existentes, não obstante o incêndio se

ter verificado em Macau.

Acresce que a alegada insatisfação dos cidadãos ter-se-á ficado a

dever, como resulta dos elementos dos autos e da prova testemunhal produzida

neste Tribunal de uma avaria numa viatura, não sendo de imputar erro ou

negligência ao recorrente.

Não obstante este quadro e circunstancialismo a falha do recorrente e

se traduziu na não comunicação da avaria dos veículos parece ser merecedora

de alguma censura, perspectivando-se uma falta de informação que faça

diminuir a operacionalidade na resposta a uma situação de emergência, para

mais no seio de um Corpo de intervenção que actua em situações que impõem

uma resposta pronta, decidida e adequada às proporções do flagelo.

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Uma actuação zelosa passaria opor informar daquelas avarias de

forma a suprir essas baixas.

Quanto à pretensa falta de constituição de arguido, não se deixa ainda

aqui de observar que não foi observado o 329º, n.º 3 do ETAPM, valendo aqui

as considerações acima tecidas quanto a tal omissão.

Donde sermos a concluir pela verificação tão somente de violação

dos deveres de zelo que lhe foi assacada, o que, contudo, não deixa de ficar

prejudicado pela referida nulidade decorrente da violação do direito de defesa

por falta da sua audição em fase procedimental anterior à acusação.

5. Quanto ao processo disciplinar n.ºº D/02/05/JAN

Da alegada falta de respeito ao Chefe XXX

Defende o recorrente que o imputado acto não consubstanciou mais

do que um mero desentendimento entre o recorrente e o Chefe de Primeira

XXX, em virtude do facto do recorrente ter recebido uma ordem do Chefe

Principal XXX para elaborar o relatório da Corrida do Grande Prémio, o que

criou uma colisão entre ambos, por uma razão que lhe foi totalmente alheia.

Todavia, todos os dados necessários para elaborar o tal relatório

estavam com o Chefe de Primeira XXX.

As palavras concretamente proferidas, naquele quadro, - “se tens ódio

comigo ou não, não venhas aqui prejudicar-me” - não se afiguram como

integrantes da violação das disposições nos n.ºs 1 e 2, alínea c) do art. 11.° do

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EMFSM.

6. PROCESSO DISCIPLINAR N.º AS/47/05/AGO - D/05/SET:

DO INCÊ NDIO OCORRIDO NO EDIFÍCIO KIN WA DO BAIRRO DA

AREIA PRETA EM 25 DE JULHO DE 2005

6.1. QUESTÃ O PRÉ VIA

Diz o recorrente, Chefe do Centro de Controlo/DOM, que foi

investido naquele cargo em 07 de Fevereiro de 2005 (cfr. fls. 347 dos autos do

processo disciplinar).

E de acordo com o parecer da Junta de Saúde lançado no registo da

inspecção feita ao recorrente pela Junta de Saúde, em sua sessão ordinária de 17

de Junho de 2005: "Os membros da junta de Saúde acham. unanimamente

aquele agente deve ser transferido do ambiente de trabalho actual para o outro e

colocado no trabalho de 2.ª Linha" (cfr. fls. 294 dos autos do processo

disciplinar).

Curiosamente, mau grado o superior hierárquico do recorrente bem

soubesse o conteúdo do parecer médico, emitido por uma comissão específica e

competente, e a gravidade da situação, não tomou qualquer medida no sentido

da implementação do referido parecer, a fim de evitar consequências que

pudessem ocorrer; a referida inspecção foi requerida pelo Chefe do

Departamento Operacional de Macau, Chefe Principal XXX, através da

Proposta n.º 381/DOM/2005, datada de 10/05/2005 (cfr. fls. 289 a 290 dos

autos do processo disciplinar).

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O facto ocorreu em 25 de Julho de 2005 (cfr. fls. 312 dos autos do

processo disciplinar), i.e, após ter conhecimento do parecer da Junta de Saúde.

E conclui pela não punição do acto de almoçar do recorrente, antes de

tomar um medicamento que lhe fora medicamente prescrito, porque é legal e

compreensível, mal se compreendendo que tenha sido objecto de participação

superior.

Pensamos não assistir razão ao recorrente, pois que não há uma

relação de causa e efeito entre o acto de almoçar, nas circunstâncias concretas e

não se comprova a necessidade de tomar os medicamentos.

Se o recorrente estava impossibilitado de desempenhar cabalmente as

suas funções teria de colocar a questão, nomeadamente em termos de baixa

médica e tomar posição oportuna quanto a eventual indeferimento de pedido de

transferência.

Na verdade, segundo os dados dos autos, comprovou-se que o arguido,

em 25 de Julho de 2005, pelas 13h12, ao tratar o incêndio ocorrido no Bloco ...°,

Edif. Kin Wa, da Areia Preta, enquanto administrador do centro de controlo,

ausentou-se do posto para almoçar, deixando os feridos à espera de tratamento.

O recorrente veio a pretextar que precisava de tomar comprimidos por

instrução do médico e que só deixou o local depois de o incêndio ser apagado e

os feridos salvos, mas como se disse, trata-se de matéria que acabou por não se

comprovar, mesmo face â prova produzida já em Tribunal.

6.2. Como parece falecer-lhe razão no que tange ao facto de invocar

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que a instauração de processos disciplinares contra o recorrente violou os

princípios da boa convivência, da solidariedade e da camaradagem entre os

elementos das Forças de Segurança Pública de Macau, consagrados pela alínea

h) do n.º 2 do art. 12.° (dever de aprumo) do EMFSM, ao longo de vários anos,

para mais quando padecia de doença do for psicológico.

Com todo o respeito pela personalidade e doença de cada indivíduo,

estamos em crer que esta alegação não a conduz a nada. Trata-se apenas de um

processo de intenções, não baseada em factos de forma a convencer da injustiça

de tal instauração e a convencer de uma pretensa vitimização e perseguição por

parte da Instituição.

6.3. Alega ainda o recorrido que não foi ouvido como arguido o

recorrente e mais uma vez valem as razões acima expendidas quanto a esta

matéria.

7. Das circunstâncias agravantes, dirimentes e atenuantes

Como está bem de ver se concluímos pela inexistência de infracção

no concernente ao envio das cartas, prejudicada está a apreciação sobre a

existência das referidas circunstâncias agravantes.

8. Como incomprovadas de forma manifesta se mostram as

circunstâncias dirimentes da sua responsabilidade disciplinar previstas nas

alíneas b) e e) do art. 202.º do EMFSM, - porque sofreu doença do foro

psicológico e tem recebido tratamento médico daquela especialidade médica,

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doença essa que, bem como o medicamento que toma, o priva acidental e

involuntariamente do exercício das faculdades intelectuais no momento da

prática dos actos -, sendo que quanto à inexigibilidade alegada - de que não

podia impedir outra pessoa, ou, neste caso concreto, a sua mulher de escrever

uma carta - tal até parece contrariar a sua tese de que a actuação daquela se

processou à sua margem.

9. Como não ocorre a circunstância atenuante prevista pela alínea f)

do art. 200º do EMFSM, a inexistência de intenção dolosa.

10. Em todo o caso, como se disse, a falta de audiência do arguido e o

erro nos pressupostos de facto subjacentes à decisão sancionatória em relação a

parte do procedimento não deixarão de invalidar o acto na sua totalidade.

V - DECISÃ O

Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao

presente recurso contencioso, anulando o acto em vista da nulidade

decorrente da violação do direito de audiência e defesa plasmado, desde

logo no artigo 329º, n.º3 do ETAPM e sempre em vista da anulabilidade do

acto por erro nos pressupostos de facto, como acima referido.

Sem custas por delas estar isenta a entidade recorrida.

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Macau, 21 de Julho de 2011,

João A. G. Gil de Oliveira Presente

(Relator) Vítor Manuel Carvalho Coelho

Ho Wai Neng

(Primeiro Juiz-Adjunto)

José Cândido de Pinho

(Segundo Juiz-Adjunto)