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1 Processo n.º 5 715/04.1TVLSB.L1-6 Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO P... instaurou, no dia 6.10.2004, na 10.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, contra o Estado Português, acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que o Réu fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 598 474,90, acrescida de juros legais a contar da citação, e ainda as quantias que se veja obrigado a desembolsar para pagamento de despesas e honorários devidos pela actividade desenvolvida em prol da sua defesa, designadamente para a impugnação da legalidade da sua detenção e prisão, entretanto liquidadas ou a liquidar. Para tanto, alegou, em síntese, ter sido detido e preso por ordem de Juiz funcionalmente incompetente para a prática de tais actos, por força de decisões que não foram posteriormente confirmadas, pelo que teria sofrido detenção e prisão manifestamente ilegais, nos termos do disposto pelo art. 225.º, n.º 1, do CPP; aquando do primeiro interrogatório, não lhe foi dado conhecimento de todos os factos incriminatórios que no essencial alicerçaram as decisões da sua detenção e prisão e que, apesar de requerimentos nesse sentido, designadamente para a instrução de recursos, o Juiz de Instrução indeferiu o fornecimento da maior parte dos elementos solicitados, vindo posteriormente o Tribunal Constitucional a declarar a inconstitucionalidade material do art. 141.º, n.º 4, do CPP, na interpretação que os despachos de indeferimento lhe haviam dado, pelo que também por isso a sua detenção e prisão preventiva foram ilegalmente decretadas e esta última ilegalmente mantida, estando também preenchida a previsão do art. 225.º, n.º 1, do CPP; dependendo os crimes em causa de queixa e não tendo esta sido apresentada pelos titulares do respectivo direito, o MP teria de dar satisfação ao disposto no art. 178.º, n.º 4, do Código Penal, para assegurar a sua legitimidade na promoção da acção penal e devê-lo-ia ter feito previamente à decisão de decretamento da prisão preventiva, de cuja fundamentação devia constar o juízo valorativo do MP sobre a existência do interesse da vítima e consequente decisão de instauração do procedimento criminal, pelo que também por essas razões foram ilegais as medidas de

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Processo n.º 5 715/04.1TVLSB.L1-6

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO

P... instaurou, no dia 6.10.2004, na 10.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, contra

o Estado Português, acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que o Réu

fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 598 474,90, acrescida de juros legais a contar da

citação, e ainda as quantias que se veja obrigado a desembolsar para pagamento de despesas e

honorários devidos pela actividade desenvolvida em prol da sua defesa, designadamente para

a impugnação da legalidade da sua detenção e prisão, entretanto liquidadas ou a liquidar.

Para tanto, alegou, em síntese, ter sido detido e preso por ordem de Juiz

funcionalmente incompetente para a prática de tais actos, por força de decisões que não foram

posteriormente confirmadas, pelo que teria sofrido detenção e prisão manifestamente ilegais,

nos termos do disposto pelo art. 225.º, n.º 1, do CPP; aquando do primeiro interrogatório, não

lhe foi dado conhecimento de todos os factos incriminatórios que no essencial alicerçaram as

decisões da sua detenção e prisão e que, apesar de requerimentos nesse sentido,

designadamente para a instrução de recursos, o Juiz de Instrução indeferiu o fornecimento da

maior parte dos elementos solicitados, vindo posteriormente o Tribunal Constitucional a

declarar a inconstitucionalidade material do art. 141.º, n.º 4, do CPP, na interpretação que os

despachos de indeferimento lhe haviam dado, pelo que também por isso a sua detenção e

prisão preventiva foram ilegalmente decretadas e esta última ilegalmente mantida, estando

também preenchida a previsão do art. 225.º, n.º 1, do CPP; dependendo os crimes em causa de

queixa e não tendo esta sido apresentada pelos titulares do respectivo direito, o MP teria de

dar satisfação ao disposto no art. 178.º, n.º 4, do Código Penal, para assegurar a sua

legitimidade na promoção da acção penal e devê-lo-ia ter feito previamente à decisão de

decretamento da prisão preventiva, de cuja fundamentação devia constar o juízo valorativo do

MP sobre a existência do interesse da vítima e consequente decisão de instauração do

procedimento criminal, pelo que também por essas razões foram ilegais as medidas de

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detenção e prisão preventiva decididas; mesmo que a prisão não enfermasse de ilegalidade,

sempre a mesma seria injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto

de que dependia, integrando a previsão do art. 225º, n.º 2, do CPP, porquanto à data da

detenção, do decretamento da prisão preventiva e da sua manutenção não se verificavam os

pressupostos de facto indiciadores da prática dos crimes, como igualmente não se verificavam

os pressupostos de aplicação da medida de coação de prisão preventiva; a prisão preventiva

causou-lhe danos não patrimoniais irreparáveis, quer na vida pessoal, quer profissional, quer

na vida pública, designadamente na vertente política, e danos patrimoniais resultantes dos

proventos de que se viu privado, bem como do valor das despesas já realizadas ou a realizar

com a defesa dos seus direitos, designadamente com advogados.

Citado o Réu, contestou este, impugnando o essencial dos factos alegados e,

invocando outros, defendeu a existência de indícios da prática dos crimes imputados e a

verificação dos pressupostos de aplicação da prisão preventiva, para concluir que todos os

actos jurisdicionais foram lícitos, não ofendendo quaisquer normas legais ou constitucionais,

designadamente as respeitantes a direitos, liberdades e garantias do A. Concluindo pela

improcedência da acção, pediu a sua absolvição do pedido.

O A. replicou nos termos de fls. 4167 a 4195, concluindo que a acção devia ser

julgada inteiramente procedente.

O R., apresentando então requerimento a defender a inadmissibilidade da réplica,

requereu o seu desentranhamento dos autos.

Respondeu o A., no sentido de ser indeferido tal requerimento.

Por despacho de fls. 5738 a 5739, foi a réplica admitida, com fundamento,

essencialmente, em que “atentas as particularidades da factualidade em causa,

entendemos que quando o R. faz apelo a elementos constantes do processo, crimes diversos

daqueles que o A. trouxera aos autos na petição para, com fundamento neles e ainda na

conjugação desses com os alegados na petição, concluir pela legalidade da decisão de

decretamento e manutenção da prisão preventiva do A., lança mão de factos impeditivos ou

extintivos do direito que o A. pretende fazer valer com a presente acção, pelo que tem de se

admitir que o A. os possa contraditar”.

Inconformado com este despacho, agravou o Réu, o qual, alegando, formulou as

seguintes conclusões:

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1.° - No caso em apreço o Estado defendeu-se na contestação apenas por

impugnação.

2.° - O Estado no articulado em apreço admite a exactidão de parte dos factos

invocados pelo Autor, nega a veracidade de outros e apresenta outros aspectos fácticos

relacionados com o objecto do processo e que o Autor omitiu.

3.° - Deste modo, socorreu-se o Réu de toda a matéria que entendeu pertinente para

fundamentar a sua defesa e contrapôs a sua própria versão dos mesmos factos relativamente

à matéria da Petição Inicial.

4.° - Completou a contestação com a sua própria interpretação do direito aplicável e

concluiu pela afirmação de que tais factos conduzem a regime jurídico diverso, isto é, à

improcedência da acção e absolvição do pedido.

5.° - Nos termos do art. 487º n.° 2, do Código de Processo Civil, o réu defende-se

por impugnação quando se limita a contradizer os factos articulados na petição ou quando

afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor.

6.º - E defende-se por excepção quando alega factos que obstam à apreciação do

mérito da causa, ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito

invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido.

7.° - Assim, a impugnação exprime a defesa directa e a excepção exprime a defesa

indirecta.

8.° - Deste modo, no caso em apreço, o Réu limitou-se na referida peça processual a

apresentar uma mera interpretação factual e jurídica diversa da apresentada pelo Autor.

9.° - Não invocou quaisquer factos que pudessem obstar ao conhecimento do mérito

da causa ou factos novos que extinguissem ou impedissem o efeito jurídico por ele

pretendido.

10.º - Igualmente a matéria de direito invocada também não constitui defesa por

excepção.

11.º - Pelo que o Réu não se defende no articulado em apreço por excepção, como

resulta do douto despacho recorrido, isto é com invocação de factos impeditivos ou extintivos

do direito invocado pelo Autor e que obstem à apreciação do mérito da causa

12.° - O Autor veio apresentar Réplica, aproveitando não só para impugnar e

apresentar a sua interpretação dos factos alegados na contestação, como também para

introduzir nova matéria de facto na discussão da causa.

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13.° - Todavia, e em face do exposto, não podia replicar no caso em apreço, o que

lhe era vedado pelo art. 502.° nº 1 “a contrario” do Código de Processo Civil.

14.° - Nos termos do art. 201.°, n.°s 1 e 2, do mesmo diploma legal, praticando-se

acto processual que a lei não admite, esta conduta constituiu uma nulidade cujas

consequências consistem necessariamente no desentranhamento da referida peça processual.

15.° - O douto despacho recorrido violou os referidos preceitos legais, pelo que deve

ser revogado e substituído por outro que decida em conformidade com o exposto.

Pretende, com o seu provimento, a revogação do despacho recorrido, com o

desentranhamento da réplica.

O A. contra-alegou, no sentido de ser negado provimento ao agravo, essencialmente

porque o R., na contestação, ao alegar factos novos para justificar a legalidade da detenção e

prisão preventiva, invocou factos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do A.,

cabendo-lhe o direito de replicar.

O despacho recorrido foi, tabelarmente, sustentado.

Prosseguindo os autos, foi realizada a audiência preliminar e organizada a base

instrutória, da qual reclamaram ambas as partes, reclamações que foram parcialmente

atendidas.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 22 de Agosto de

2008, a sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou o Réu a

pagar ao Autor a quantia de € 31 133,26, a título de danos patrimoniais, e € 100 000,00, a

título de danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros a contar da citação, às taxas

sucessivamente aplicáveis, e absolveu do demais pedido.

Inconformados com a sentença, apelaram o Autor e o Réu.

O Réu alegou e formulou, depois de convite para sintetizar as primitivamente

apresentadas, as seguintes conclusões:

1. O despacho que, a fls. 5909, mandou aditar na alínea L) a frase «na sequência da carta referida na alínea

J) (…)», por se reportar a factos que não foram alegados pelo Autor na petição inicial, contraria o

princípio do dispositivo (art.ºs 467º, nº 1, al. d), e 264º citado, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil) e

ofende também o princípio do contraditório por ter dado como assente matéria de facto relativamente à

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qual não foi concedida ao Réu a possibilidade de impugnação e que só veio a ser invocada pelo Autor em

sede de reclamação, pelo que deve ser eliminada da referida alínea (artº 3º do Código de Processo Civil).

2. Foi igualmente incluída na matéria assente a alínea CP) que interpreta e desvirtua o conteúdo do

depoimento dado como reproduzido através da alínea S), constituindo uma redundância desrespeitadora e

desgarrada da integralidade do referido depoimento, respeitante à testemunha L……, o que implica um

juízo de valor ou conclusivo sobre o mesmo, pelo que não deve constar do despacho saneador, devendo

ser eliminada – artº 511º., nºs. 1, a contrario, do Código do Processo Civil.

3. Na alínea DB) da matéria assente foi inserida matéria controvertida que não podia ser dada como assente,

visto que o Estado Português a impugnou na contestação, como resulta da conjugação dos artº.s 25º, 35º,

42º, 51º, 56º, 57º, 58º, 73º,265º a 268º, 429º, 468º e 496º do referido articulado.

4. Para além de que se pode concluir da matéria já assente (demonstrado através das alíneas S), T), CV), DL

e GQ), conjugadas com o conteúdo das alíneas GD), GC) e HR) e pelas respostas ao nº 188º da Base

Instrutória) que os ofendidos declararam desejar procedimento criminal contra os seus abusadores, dentro

do prazo de 6 meses após terem completado os 16 anos de idade, factos estes que equivalem à

apresentação da queixa.

5. Não sendo eliminada a alínea DB) verificar-se-ia a existência de uma contradição com a conclusão a

extrair da matéria supra referida, fazendo apelo à sensibilidade do jurista a matéria contida nesta alínea

(cfr. artºs 113º,114º e 115º, nºs. 1 e 2, do Código Penal, na redacção então vigente).

6. Envolve uma conclusão ou interpretação do direito aplicável o afirmar-se que foi ou não apresentada

queixa contra o ora Autor no inquérito em apreço, não devendo constar do despacho saneador, do qual só

devem constar factos e factos controvertidos, pelo que dele deve ser eliminada a referida alínea DB) –

artº 511º, nºs 1, a contrario, do Código de Processo Civil.

7. A alínea EJ) contendo a frase: «O Juiz de Instrução foi acompanhado a entrar no Parlamento, por uma

porta lateral do edifício principal, por uma equipa de reportagem da televisão», é ambígua ou obscura, na

medida em que a expressão «foi acompanhado» se apresenta com uma conotação ambígua e com duplo

sentido, podendo significar que o Juiz de Instrução entrou no Parlamento por uma porta lateral do

edifício, no mesmo momento em que o fazia uma equipe de reportagem da televisão, ou pelo contrário,

que o Juiz ali entrou acompanhado e a seu convite ou iniciativa por uma equipe de reportagem da

televisão.

8. Não é verdade que o Estado Português tenha confessado a factualidade ínsita no art. 421º da petição

inicial, uma vez que tal factualidade, com o segundo sentido acima exposto, foi objecto de impugnação

especificada nos artºs 526º e 568º da contestação, com referência aos artºs. 421º a 426º da petição inicial,

pelo que não pode dar-se como assente tal matéria, havendo que eliminar a expressão «foi

acompanhado», da referida alínea do despacho saneador, por ser passível de suscitar interpretações ou

juízos de valor não consentidos por lei, devendo o despacho saneador ser expurgado de matéria

conclusiva – artº 511º, nº 1 do Código de Processo Civil, a contrario.

9. A matéria contida nas alíneas HP) e HQ) e nos nºs 208 e 211 a 215, inclusive, da Base Instrutória não foi

alegada na Petição Inicial, tendo apenas sido inserida na réplica, articulado que foi admitido pelo

Tribunal, apesar de ter sido apresentado abusiva e ilegalmente pelo Autor e contrariando o estatuído no

artº 502º, nº 1, do Código Processo Civil.

10. Tendo sido interposto recurso do despacho que admitiu a réplica, e sendo considerada como não escrita e

desentranhada dos autos a referida peça processual, como se espera que venha a ser decidido por esse

douto Tribunal Superior, as respostas aos nºs supra referidos da Base Instrutória e as alíneas em apreço

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devem ser eliminadas e ser consideradas como não escritas – artºs 467º, nº 1, al. d), 646º, nº 4, 664º e

264º, todos do Código Processo Civil e doutrina supra citada.

11. A matéria contida no nº 151º da Base Instrutória corresponde ao artº 420º da Petição Inicial, contendo

uma expressão conclusiva, isto é, a palavra “ameaçadora” que deve ser eliminada, porquanto não

especifica o conteúdo da ameaça, sendo matéria vaga, imprecisa e conclusiva, não constituindo

concretização do afirmado nos três números anteriores da B.I., pelo que a respectiva resposta deverá, por

irrespondível, ser considerada como não escrita ( arts. 511º, nº 1, nº 1, a contrario, e 646º, nº 4, do Código

de Processo Civil), aliás, de acordo com a oposição e reclamação tempestivamente apresentadas pelo

Estado Português.

12. O Código de Processo Penal não regula o caso julgado penal, a não ser nos artºs 84º e 467º,

respectivamente, quanto ao seu reflexo no pedido cível e ao efeito das decisões penais condenatórias,

pelo que a regulamentação e o seu reflexo na presente acção devem ser analisados no âmbito das regras

do processo civil (art. 4º do CPP), de harmonia com o preceituado nos arts 497º, nº 1 e 498º do Código do

Processo Civil, tendo a excepção do caso julgado como pressupostos a repetição de uma causa decidida

por sentença que já não admite recurso ordinário.

13. Ora, sendo certo que se repete uma causa quando se propõe acção idêntica quanto aos sujeitos, ao pedido

e à causa de pedir (quando se verifica a tríplice identidade), e não sendo possível criar duas figuras

distintas – o caso julgado excepção e a autoridade de caso julgado – o caso julgado não pode impor a sua

força e autoridade, independentemente das três identidades mencionadas no artº 498º do Código de

Processo Civil (cfr. doutrina do Prof. Alberto dos Reis e jurisprudência citadas).

14. E o entendimento não pode seguramente deixar de ser este, face ao que preceitua o artº 671º, nº 1, do

Código de Processo Civil (redacção vigente à data do Acórdão), norma que expressamente estabelece

como limites para o caso julgado as regras dos artºs 497º e 498º do Código de Processo Civil.

15. Entre os preceitos citados pelo legislador encontra-se, portanto, o artº 498º citado que contém e

salvaguarda os limites de aplicação da autoridade do caso julgado, exigindo os três requisitos enunciados,

ou tríplice identidade, para a sua verificação.

16. No âmbito do inquérito penal a que se reporta a presente acção interveio apenas o Ministério Público e

não o Estado Português, actuando no primeiro por direito próprio, como órgão de justiça e sem

representar qualquer parte, enquanto que no âmbito da presente acção quem é parte é o Estado Português,

actuando o Ministério Público apenas como mero representante daquele.

17. Deste modo, apesar de o Ministério Público ter intervindo nos dois processos, fê-lo em qualidades

jurídicas distintas – artºs 3º, nº 1, al. a) e 5º, nº 1, al. a) do Estatuto do MP e 20º, nº 1, do Código Processo

Civil.

18. E também não existe identidade dos pedidos, já que, enquanto no recurso penal, o pedido do arguido, ora

Autor, consistia na revogação do despacho que lhe aplicara a medida de prisão preventiva (e,

posteriormente do que lha mantivera) e a sua libertação, enquanto na presente acção o pedido consiste na

condenação do Estado Português a pagar-lhe uma indemnização, alegadamente decorrente de

responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito.

19. No tocante à causa de pedir também não há total coincidência, sendo certo que se verifica um mais no

que respeita à invocação de danos, enquanto facto jurídico em que o Autor fundamenta o pedido de

indemnização, matéria que não foi submetida à apreciação do tribunal criminal no âmbito do citado

Acórdão.

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20. Deste modo, não se verificam os requisitos necessários a concluir-se que se verifica a autoridade de caso

julgado decorrente da decisão proferida através do Acórdão da Relação de Lisboa, de 08/10/2003, o qual

procedeu à libertação do ora Autor no âmbito do processo de inquérito a que se reporta a presente acção.

21. Sem nada conceder, ainda que o contrário se pudesse remotamente defender, a doutrina citada na douta

sentença nunca poderia valer no caso sub judicio, na medida em que se trata de uma decisão proferida no

âmbito de jurisdição diversa, a jurisdição penal, e fora das duas situações expressamente previstas no

Código de Processo Penal, atrás citadas.

22. Aplicando-se ao Acórdão em causa o regime dos arts. 671º e segs. do CPC, na redacção anterior, por

força do art. 4º do CPP citado, constata-se que só produz caso julgado material a decisão que versa sobre

o fundo da causa (ou do mérito) o que não é o caso.

23. Ora, estando perante um Acórdão penal que tem apenas efeitos de caso julgado formal, visto que não

conheceu de mérito (não absolveu ou condenou) mas simplesmente apreciou os pressupostos da

aplicação da prisão preventiva ao ora Autor, trata-se de uma decisão que só tem força obrigatória dentro

do próprio processo crime, e no qual apenas vincula a decisão e não os respectivos fundamentos (art. 672º

do CPC).

24. E, dado que se tratou de um Acórdão interlocutório, destinado a avaliar a subsistência da prisão

preventiva do Autor em face dos requisitos legais exigidos pelo CPP, não se tratando de uma decisão de

fundo (absolvição), é meramente transitória e a sua aplicação extra-processo esgotou-se com a libertação

do arguido, ora Autor.

25. Por outro lado, se o legislador só atribuiu à sentença penal absolutória no processo civil o valor de uma

presunção iuris tantum ilidível (art. 674º-B do CPC), por maioria de razão, a uma mera decisão de

natureza processual penal e interlocutória, não pode ser atribuída uma força vinculativa superior àquela.

26. De qualquer forma, sem nada conceder, a autoridade de caso julgado só se forma em princípio sobre a

decisão contida na sentença, não abrangendo a sua motivação, isto é, as razões que determinaram o juiz,

nem as soluções dadas aos vários problemas que teve que resolver para chegar àquela conclusão, pois que

sobre os factos instrumentais se não forma caso julgado (artº 673º do Código Processo Civil, doutrina e

jurisp. citadas).

27. E, ainda que se aceitasse que a fundamentação do referido Acórdão faz caso julgado material nunca se

poderia aceitar que meras opiniões infundadas ou juízos de valor conclusivos nele emitidos acerca da

prova o possam formar, tendo a douta sentença sub judicio aderido em parte a tais juízos de valor sem os

questionar.

28. Pelo exposto, a referida decisão contida no Acórdão e respectivos fundamentos não são vinculativos na

presente acção e não têm força e autoridade de caso julgado, pelo que a análise e avaliação da prova e

bem assim dos elementos factuais e jurídicos que conduziram à aplicação da prisão preventiva ao ora

Autor no âmbito do inquérito podem e devem ser reapreciados na presente acção.

29. Deste modo, o Tribunal deveria ter procedido à apreciação e ter considerado toda a matéria de facto

assente e dada como provada e que resulta da discussão da causa, analisando-a, e ter valorado o

mencionado Acórdão apenas como mais um elemento de prova.

30. E, uma vez que os fundamentos e a decisão proferida no Acórdão penal não são sufragadas por todos os

Srs. Juízes Desembargadores que constituíram o colectivo, não é legítimo concluir que ocorreu um acto

temerário, ou um erro grosseiro e com manifesta evidência, por parte do Sr. Juiz de Instrução, a tal

acrescendo o facto de ter havido um outro Acórdão penal do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa no

qual, por unanimidade, os Senhores Desembargadores propugnaram um entendimento oposto ao

veiculado no aresto em que se alicerçou a decisão recorrida.

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31. No Acórdão citado pela decisão recorrida, segundo a declaração de voto de vencido do Ex.mo Sr. Juiz

Desembargador que o proferiu (assente também através da alínea DX), entendeu que a conjugação dos

depoimentos da 1ª, 2.ª, 3.ª e 4.ª testemunhas permitia concluir existirem fortes indícios da prática por

parte do arguido, ora Autor, de crime(s) doloso(s) punível com pena de prisão de máximo superior a três

anos.

32. No mesmo voto de vencido, considerou o Sr. Juiz Desembargador que dos autos emergia de forma clara e

repetida a intervenção de terceiros que actuaram no interesse do arguido, e ora Autor, por forma a criar

perigo de perturbação do decurso do inquérito, nos termos do art.°. 204.°, al. b), do Código de Processo

Penal, na redacção então vigente e verificarem-se também os requisitos previstos nas ais. a) e c) do

mesmo preceito, bem como as condições gerais de aplicação das medidas previstas no art. 192º do CPP,

pelo que entendia razoável a aplicação de uma medida de coacção privativa de liberdade, designada e

concretamente, a da permanência na habitação que equivale a uma prisão preventiva, mas no domicílio.

33. O Acórdão citado na douta sentença em apreço tem unicamente como objectivo apreciar a subsistência da

prisão preventiva do ora Autor, não se podendo concluir na presente acção cível que o mesmo conduz

necessariamente à afirmação de que o Sr. Juiz de Instrução decidiu contra manifesta evidência e

temerariamente, tanto mais que nem sequer logrou obter o consenso de todos os Srs. Juízes

Desembargadores que se pronunciaram sobre a situação.

34. Acresce que, em 9 de Outubro de 2003 foi proferido, por unanimidade, um segundo Acórdão sobre a

mesma matéria, este pela 9ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, no recurso n.° 7000/03- 9, o qual

igualmente transitou em julgado e no qual foi decidido que o despacho de 17.7.03 do Sr. Juiz de

Instrução a manter a prisão preventiva do ora Autor, se encontrava suficientemente alicerçado e não

resultava fundamentada uma eventual atenuação das exigências cautelares, confirmando o referido

despacho (alíneas CO e DZ).

35. O mencionado Acórdão aderiu aos fundamentos do despacho impugnado e considerou, assim, o Tribunal

da Relação de Lisboa, através deste aresto que se justificava a prisão preventiva do ora Autor perante os

indícios existentes e, à data, reforçados no processo.

36. Este último Acórdão, contrariando o Acórdão anterior relativamente aos indícios existentes no inquérito,

invalida-o completamente na sua argumentação ao manter o despacho em apreço de reavaliação da prisão

preventiva do ora Autor, afastando qualquer hipótese de os actos em questão poderem enfermar de

qualquer ilegalidade, irregularidade, falta de fundamentação ou erro na avaliação nos pressupostos de

facto para aplicação da prisão preventiva ao arguido, ora Autor.

37. A argumentação e premissas em que aqueles Srs. Juízes Desembargadores fundamentaram as suas

posições e a decisão unânime de concordância com a medida aplicada pelo Sr. Juiz de Instrução no

inquérito em apreço e de manterem o ora Autor em prisão preventiva, é tão ou mais válida do que a

emitida pelos Srs. Juízes Desembargadores que revogaram a medida aplicada, dado que são todos da

mesma categoria e grau de jurisdição e exercem todos funções na mesma instância de recurso, sendo

certo que o primeiro Acórdão só prevaleceu por ter transitado em data anterior.

38. E até mesmo o despacho de não pronúncia se fundamenta manifestamente na aplicação do princípio in

dubio pro reo, correspondendo ao anteriormente designado despacho de melhor prova que passou a ser

designado como de arquivamento (art.°s 277.°, n.° 2, e 308.° do Código do Processo Penal, na versão

aplicável à data) e foi proferido já depois de ter sido exercido o contraditório através da instrução.

39. Assim, a douta sentença sub judicio deveria ter atentado e decidido que os despachos em apreço,

proferidos, respectivamente, nos dias 22 de Maio de 2003 e 17 de Julho de 2003, se fundamentaram num

conjunto de depoimentos e de diligências exaustivamente neles citados e dos quais era possível concluir

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pela existência de fortes indícios da prática por parte do ora Autor dos crimes neles indicados - cfr.

alíneas BE a CB, S, T, U , V, Z, ES, CO, DF a DM, e respostas aos n.°s 186.°, 200.°, 201.° e 216.° da B.

Inst.).

40. Os referidos despachos baseiam-se também em conversas telefónicas para concluir pela existência de

riscos de perturbação do inquérito e da ordem e tranquilidade públicas, o que igualmente era defensável

face à posição consentânea com tais decisões assumida pelos Srs. Juízes Desembargadores supra

mencionados – cfr., nomeadamente, as alíneas AP e AR a BD, BI e DN e EU a FJ.

41. As actuações nos meios de comunicação social e contactos com entidades públicas influentes a que se

reportavam as referidas conversas podiam objectivamente pressionar e atemorizar testemunhas,

pressionar, desacreditar e desestabilizar os Magistrados do Ministério Público e Juízes que intervinham

no processo e desmotivá-los, causando, assim, os riscos apontados nos despachos em apreço.

42. A matéria de facto em que se alicerçou o Sr. Juiz de Instrução não foi posta em causa por qualquer outra

que tivesse sido dada como assente e também não alegou o Autor, nem demonstrou, ou sequer provou na

presente acção, que os depoimentos e identificação efectuados, e a que aludem os dois despachos em

questão, fossem inexistentes ou que tivessem sido apoiados em diligências falsas, ou que as conclusões

periciais não correspondessem à realidade.

43. Independentemente do propósito que motivou os intervenientes na escuta telefónica n.° 78, a

interpretação que sobre a mesma foi efectuada é consentânea com a actuação posterior do ora Autor que

procurou por todos os meios jurídicos ao seu alcance que se considerasse ter havido violação das

garantias de imunidade parlamentar e que a aplicação da medida de prisão preventiva não tinha

obedecido aos requisitos legais, apesar da autorização concedida pela Assembleia da República (o que

não diria se se tem dispensado o pedido formulado à Assembleia da República! — ver recurso assente na

al. DV e cfr. também al. EA —).

44. Também não provou o Autor a matéria do artigo 1.° da Base Instrutória, único que poderia conduzir à

conclusão de que os inquiridores poderiam ter induzido uma das testemunhas a identificá-lo.

45. Dada a matéria provada nesta acção, nunca o Tribunal poderia ter concluído, por mera adesão aos

fundamentos do mencionado Acórdão, que os reconhecimentos não têm qualquer valor probatório e que a

segunda testemunha (segundo a ordem de identificação no Acórdão citado trata-se de L………) procedeu

ao reconhecimento do ora Autor, através de apenas uma fotografia, a mais pequena e menos clara, sendo

certo que esta testemunha procedeu à identificação do ora Autor através das duas fotografias actualmente

constantes do álbum.

46. Para além do exposto, a fotografia em questão, embora a preto e branco, é de boa qualidade e nítida e

nela as feições do ora Autor são perfeitamente reconhecíveis por quem o conheça da comunicação social,

pessoalmente ou o tenha visto repetidamente, sugerindo-se a consulta do álbum original para se poderem

avaliar estas conclusões.

47. Também não conseguiu o ora Autor demonstrar existir qualquer falsidade na sua identificação efectuada

através do álbum fotográfico, ou que as vítimas e ou testemunhas se enganaram na identificação da sua

pessoa, tendo-se comprovado que o seu nome só foi mencionado publicamente através dos meios de

comunicação social, associado ao processo de inquérito, no dia em que foi apresentado no TIC para

primeiro interrogatório, altura em que, devido à conferência de imprensa que foi pública e notória,

inviabilizou a realização de uma diligência de reconhecimento pessoal (cfr. alínea EH).

48. E, como resulta da matéria assente, apontaram a fotografia n.° 8 do Autor, segundo resulta dos autos de

depoimentos assentes e citados no referido despacho judicial, como sendo um dos adultos que participava

em encontros sexuais com menores, F……….., L………., J………, L…….., R…….. e N…….., sendo

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tais identificações posteriormente confirmadas através da fotografia nº 81 do Apenso AJ, pelas

testemunhas L……… (em 22.7.03 e 3.11.03), L……….. (em 18.11.03) e N………. (em 21.11.03) – cfr.

alíneas GV, GX, HA e GQ.

49. Também estes factos não podem ser inferidos pela mera adesão e transcrição dos fundamentos do

Acórdão penal para que remete a douta sentença sub judicio que fez uma interpretação incorrecta do

material probatório assente e comprovado nesta acção.

50. Pelo que a fundamentação exposta no decretamento da prisão preventiva se não pode considerar

injustificada e infundada e de forma a permitir concluir que não se verificaram os pressupostos de facto

que conduziram à decisão em apreço, ou que o Ex.mo Sr. Juiz de Instrução actuou com uma falsa

representação da realidade, podendo-se concluir haver consistência no conjunto de elementos probatórios

enunciados nos despachos em apreço, uma vez conjugados e relacionados entre si.

51. Foi através da ponderação dos condicionalismos expostos nos referidos despachos e na firme convicção

de que o ora Autor havia praticado os factos que lhe eram imputados pelos ofendidos, embora sem a tal

segurança absoluta que só no flagrante delito é possível alcançar, que o Ex.mo Sr. Juiz de Instrução

Criminal concluiu que devido aos ilícitos atribuídos ao mesmo, que considerou fortemente indiciados, a

única medida que acautelava os enunciados riscos era a de prisão preventiva.

52. Por outro lado, tal como o considerou o Ex.mo Sr. Juiz Desembargador que votou vencido, não se pode

deixar de salientar que objectivamente é de atentar na extrema gravidade de tais ilícitos do ponto de vista

da segurança da população em geral, no que respeita aos perigos que se sabem existir na manutenção em

liberdade de quem se suspeitava dedicar-se a tais práticas com crianças e adolescentes, sendo públicos e

notórios face à natureza do crime.

53. Para além do exposto, é de registar que foram bem patentes e notórios a indignação, o sentimento de

insegurança e o alarme social que se instalaram no nosso país em consequência da divulgação do

sucedido na Casa Pia de Lisboa, especialmente resultantes do facto de estarem em causa condutas

relacionadas com menores e crianças desprotegidas, acolhidas em Instituição que devia ter zelado pelos

seus direitos, sem ter logrado fazê-lo.

54. O índice de perigosidade que revela a prática dos referidos crimes torna incompreensível para o cidadão

comum que os Tribunais não resguardem a comunidade da presença e do convívio dos suspeitos, para

proteger a paz social, pelo receio que se instala no seio da população em geral devido aos perigos daí

decorrentes para a segurança da integridade física, mental e sexual dos seus filhos menores.

55. Reconhecendo que a pacificação da sociedade exige nestes casos um cuidado acrescido, compatível legal

e objectivamente com a aplicação da prisão preventiva com base nos indícios relatados e até aí existentes

no inquérito, resulta lógico sufragar-se, tal como fizeram o Ex.mo Sr. Juiz de Instrução e os Ex.mos

Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa citados que tais indícios eram então

bastante fortes e permitiam e impunham aplicar a prisão preventiva ao ora Autor.

56. E como resulta da prova abundantemente produzida e assente nos autos, foi um facto público e notório

que os menores identificados no processo crime não mantinham anteriormente um contacto regular com a

sua família e a Instituição não conseguia assegurar a sua protecção convenientemente, tendo dali sido

retirados e colocados isoladamente noutras instituições, sendo também de salientar nesse âmbito a

matéria que consta da alínea GI).

57. No caso em análise, a prisão preventiva foi decretada, por forma clara, concisa e perceptível pelo mais

mediano dos cidadãos, como se impõe em despachos que aplicam medidas de coacção, e com base na

imputação de crimes punidos com penas de prisão de máximo superior a 3 anos e que admitiam a medida

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de coacção de prisão preventiva, nos termos do art. 202°, n° 1, ais. a) e b) do C.P Penal, na redacção

então vigente.

58. Deste modo, a medida de coacção aplicada e posteriormente mantida não o foi fora das condições legais,

tendo sido devidamente alicerçada em abundantes e consistentes elementos probatórios retirados do

inquérito, relacionados entre si e com recurso às regras da experiência que normalmente são aplicadas ao

material probatório existente e que incluem, obviamente, as deduções e induções que o julgador realiza a

partir dos factos probatórios, sendo que tal juízo foi confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa,

primeiro no voto de vencido constante do Acórdão em que se estriba a decisão ora recorrida, e

posteriormente, no segundo Acórdão proferido, no qual, por unanimidade, se julgaram reforçados os

pressupostos legais já anteriormente existentes e, por isso, manteve o arguido, ora Autor, em prisão

preventiva.

59. Criar-se-iam amplos e perigosos espaços de impunidade se a prova indiciária não tivesse a virtualidade

de ilidir o princípio da presunção de inocência, previsto no art.° 32.°, n.° 2, da Constituição da República

Portuguesa.

60. No caso vertente, contrariamente ao que se conclui na douta sentença em apreço, mas sem qualquer apoio

no material probatório, não se colocava ao Juiz uma situação de ambiguidade, nem a factualidade era

duplamente significante, de forma a que se lhe impusesse prudência na aplicação da medida residual,

antes esta era necessária, sob pena de ninguém poder ser preso preventivamente, por, no limite, toda e

qualquer prisão preventiva, não confirmada posteriormente, poder constituir o Estado na obrigação de

indemnizar.

61. O direito à liberdade encontra-se constitucionalmente garantido, entre outros preceitos, no art.° 27.°, da

Constituição da República Portuguesa, o qual no seu n.° 5, remete para a lei ordinária os termos em que

deve ser efectivado o direito de indemnização de pessoa lesada em virtude de privação ilegal da

liberdade.

62. Concretamente, é para o art.° 225.° do Código de Processo Penal que a nossa Lei Fundamental remete,

preceito no qual se concretizam os termos em que o lesado preso ilegalmente poderá ver ressarcido o seu

direito a uma indemnização.

63. Ora, segundo a referida norma, na redacção introduzida pela Lei 59/98, de 25/4, só se verificam os

pressupostos desse direito de indemnização quando a detenção ou prisão sejam manifestamente ilegais ou

se verifique prisão preventiva injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de

que dependia.

64. Encontramo-nos, assim, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado por acto ilícito da

função jurisdicional, em resultado de prisão manifestamente ilegal ou prisão injustificada em

determinadas circunstâncias, ou em que ocorre um erro grosseiro sobre a matéria de facto, isto é, absurdo

ou contra manifesta evidência, patente, evidente em si mesmo e notório.

65. Como resulta da lei processual penal em vigor à data, a prisão só pode ser considerada manifestamente

ilegal, quando seja manifestamente evidente na situação, isto é, quando efectuada com violação dos art.°s

254° a 257°, 202°, n.° 1 e 215°, do C. P. Penal (na redacção então vigente), o que não é o caso.

66. O erro grosseiro é aquele que jamais seria cometido por um juiz minimamente cuidadoso, dotado dos

conhecimentos e cuidados técnico-deontológicos médios, tratando-se de um erro crasso ou supino, que

procede de culpa grave do errante (cfr. jurip.cit).

67. Abrangendo-se em tais conceitos, tão só, a negligência indesculpável ou culpa grave, na apreciação dos

elementos de facto que antecederam a decisão determinativa da sujeição a prisão preventiva.

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68. Assim, está apenas em causa sindicar se, perante os factos constantes do inquérito, qualquer Magistrado

diligente, dotado de inteligência mediana e colocado na posição dos Magistrados do Ministério Público

que dirigiram o inquérito e do Sr. Juiz de Instrução que nele interveio, considerariam ser manifesta a

inexistência de indícios e de falta de pressupostos para determinar a prisão preventiva in casu.

69. E relativamente a essa questão tem que se responder negativamente, face às evidências, pois que, como já

demonstrado, houve também outros Juízes (quatro Desembargadores) e, pelo menos outro Magistrado do

Ministério Público, colocados no Tribunal da Relação, que, na mesma fase processual, entenderam

também existirem fortes indícios relativamente à conduta criminosa imputada ao ora Autor e não

hesitaram em considerar que se impunha aplicar-lhe a medida de coacção de prisão preventiva.

70. Está, pois, demonstrado que a fundamentação e as conclusões expostas e retiradas dos factos em apreço

pelo Sr. Juiz de Instrução e, posteriormente confirmadas e sufragadas por quatro Senhores Juízes

Desembargadores, são defensáveis, não se mostram arbitrárias e estão expurgadas de qualquer violação

directa ou indirecta, imediata, patente, clamorosa e grosseira da análise dos pressupostos ou das

condições de aplicação da medida de prisão preventiva.

71. Aliás, no caso em apreço, nunca se poderia concluir ser manifesta a inexistência dos «fortes indícios»

aquando da apreciação feita nos referidos despachos, bastando para tanto atentar-se no abundante

material indiciário descrito em que o Sr. Juiz de Instrução se fundamentou, que foi dado como assente e

que resulta das respostas dadas sobre a matéria de facto, e cuja veracidade e existência nunca foram

questionadas (cfr. o mais recente Ac. do STJ sobre a matéria).

72. E não é o facto – acolhido na decisão ora impugnada - de, inicialmente, um tribunal hierarquicamente

superior ter tido um entendimento diverso (sem unanimidade) que pode por em causa a legalidade da

medida de coacção aplicada ao ora Autor.

73. Aliás, nada justifica que a decisão recorrida se tenha fundamentado incondicionalmente naquele primeiro

Acórdão, apesar do teor do voto de vencido, e não tenha atentado no Acórdão posterior do mesmo

Tribunal da Relação, em que, por unanimidade, se decidiu manter o Autor em prisão preventiva,

confirmando os fundamentos e subsequente despacho proferido pelo Sr. Juiz de Instrução Criminal.

74. A entender-se de forma diversa no caso sub judicio e perante os indícios existentes no inquérito, colidir-

se-ia com o princípio da independência dos Tribunais e dos Juízes e a Justiça paralisaria com receio de

tomar decisões que pudessem contender com a liberdade dos cidadãos.

75. Como também a despronúncia posterior com base no princípio in dubio pro reo, não significa que o juízo

efectuado ex ante esteja errado, apenas se podendo concluir que a apreciação da questão foi deferida a um

Juiz diferente e que este, após realização de novas diligências de prova e repetição de outras, perante si e

em exercício do contraditório, interpretou os indícios de forma diferente.

76. Do factualismo assente conclui-se que a prisão preventiva sofrida pelo Autor não enferma dos vícios que

este lhe atribui e não preenche os requisitos previstos no art.° 225.° do Código do Processo Penal, ou

seja, não se verifica ter existido prisão preventiva manifestamente ilegal ou sequer injustificada por terem

sido erroneamente avaliados os pressupostos que a fundamentaram.

77. Pelo que, não se mostram reunidos os requisitos do direito de indemnização pedida e atribuída ao Autor,

devendo o Estado Português ter sido absolvido da totalidade do pedido, por não se ter verificado a prática

de acto ilícito ou lícito que possa enquadrar e motivar a decisão no referido preceito da prisão preventiva.

78. Ainda assim, apesar de se entender que o Estado Português não deve ser condenado ao pagamento de

qualquer indemnização por danos patrimoniais ou não patrimoniais, não deixa de assinalar-se a

exorbitância do montante indemnizatório que foi atribuído ao Autor, designadamente, a título de danos

morais.

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79. É que o sofrimento e ansiedade íntimos que o Autor haja sofrido com a privação da liberdade e do

contacto com os familiares próximos, não serão seguramente superiores aos de qualquer outro cidadão

arguido que tenha estado preso preventivamente e depois tenha sido libertado por não se verificarem ou

por não subsistirem os requisitos da prisão preventiva ou por ter havido posterior despronúncia ou

absolvição.

80. Também não se pode comparar tal sofrimento com o da perda de uma vida humana, designadamente, de

um filho, do cônjuge ou dos pais relativamente a filhos menores, perdas essas que podem resultar num

sofrimento latente que perdura uma vida inteira.

81. Acresce que não é pelo facto de o Autor ter exercido funções politicamente relevantes que o seu

sofrimento se deve valorar de forma diversa do sofrimento a que porventura foram sujeitos, nas mesmas

circunstâncias, outros cidadãos anónimos, cujos danos são valorados por uma fasquia bem mais baixa.

82. Também o autor, enquanto arguido, não esteve sujeito a maior risco de vida do que a maioria dos presos,

sendo certo que até ficou provado que foi atendida especialmente a notoriedade do seu caso, tendo ficado

alojado, para sua própria segurança, numa Ala especial e com um número mais restrito de presos do que

estaria noutras Alas, fazendo recreio separadamente de presos de delito comum (cfr. matéria provada

através dos quesitos 127.° e 192.° e conjunta aos artigos 137.°, 138.°, 141.° e 195.°, da Base Instrutória).

83. A alta mediatização do seu caso surgiu não só devido aos seus cargos partidários e ao seu percurso

político, mas também devido ao facto de o seu nome ter sido associado a um crime que gera repulsa nos

cidadãos comuns.

84. Ora, não se ponderaram nem foram indicados na douta sentença em apreço os factos assentes sob as

alíneas GH), HJ), HM) e HN) que podiam afastar e atenuar a alegada responsabilidade do Estado

Português e minimizar os danos.

85. Da matéria provada resulta unicamente que as notícias foram publicadas nos limites do dever de

informação por parte dos órgãos de comunicação social que casos desta natureza revestem para o público

em geral e também veiculadas devido a um interesse lucrativo por parte de quem as publica.

86. Pelo que, os danos resultantes da publicação de notícias ou imagens sobre a prisão do Autor e dos

motivos que a determinaram são da responsabilidade de quem as divulga e não do Estado Português que

não as mandou publicar, não estando provada matéria de facto suficiente que permita alicerçar tal

conclusão.

87. As consequências decorrentes da informação veiculada são aquelas que resultam necessariamente, do

confronto entre o exercício de um dever das autoridades judiciárias em investigar e prevenir a prática de

crimes, aliado à gravidade destes e da impossibilidade de conter a voracidade da comunicação social,

tudo conjugado com a circunstância de se tratar de arguido que exercia publicamente um cargo político,

Deputado, Ex-Ministro e com funções de relevo no partido socialista.

88. O recebimento apoteótico do ora Autor na Assembleia da República, por parte de políticos de renome, do

seu partido e de outros, a que o país assistiu em directo na televisão e o reatar das suas funções na

Assembleia da República, minoraram os danos eventualmente sofridos na sua imagem por via da sua

prisão preventiva, podendo-se considerar que ficou, no mínimo, reabilitado aos olhos dos seus pares e

companheiros de partido.

89. Não se pode deixar de registar, dado que foi público e notório e objecto de sucessivas notícias publicadas

na comunicação social recentemente, que após o conhecimento da douta sentença em apreço, como é seu

legitimo direito, retomou igualmente o Autor as suas funções no Parlamento, o que demonstra que a sua

imagem já estava reabilitada e esquecido o seu envolvimento no inquérito penal.

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90. A descida nas sondagens que sofreu o partido socialista na sua relação com o Autor enquanto militante e

as emoções associadas a tal facto não são de relevar e não devem ser indemnizadas, visto que não

revestem uma especial gravidade para que mereçam a tutela do direito e também ainda à luz da teoria da

causalidade adequada a que se refere o art.° 563.° do C. Civil.

91. Pois que, como ressalvou o Tribunal nada permitia afirmar com segurança que os factos a que alude o n.°

115.° da Base Instrutória se ficaram a dever exclusivamente à sua prisão já que a opinião pública,

relativamente aos partidos políticos e aos seus líderes, é condicionada por inúmeros factores quer de

ordem objectiva quer subjectiva (cfr. justificação das respostas sobre a matéria de facto a respeito do art.°

n.° 116.° e resposta restritiva ao mesmo).

92. Por outro lado, não alegou o Autor, nem consta da matéria de facto dada como provada que «desde jovem

se dedicou à coisa pública», matéria que não pode ser considerada pelo Tribunal na avaliação dos danos,

desconhecendo-se quais os fundamentos em que se alicerçou para a consignar na sentença.

93. No cálculo da indemnização por danos não patrimoniais, os critérios legais a que se deve atender

resultam dos art.°s 494.° e 496.°, n.° 3, do C. Civil, entendendo a jurisprudência e a doutrina que se deve

ter em consideração os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência e as flutuações

do valor da moeda, não se podendo confundir equidade com arbitrariedade ou com a total entrega da

solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador.

94. Tendo o ora Autor estado preso preventivamente 135 dias, a quantia indemnizatória que lhe foi arbitrada

é excessiva, manifestamente desproporcionada e desajustada ao período de tempo indicado e aos danos

sofridos que se devem considerar mitigados face ao acima exposto e atendendo a que o valor a atribuir à

liberdade individual dos cidadãos, que se preza e respeita, não dever ser compensado como se tivesse

ocorrido a perda de uma vida humana, essa sim, prejuízo supremo, irreparável e que não pode ser

subavaliado (cfr. os valores atribuídos aos familiares das vítimas do acidente de Entre-os-Rios, publ. em

DR cit. e jur. cit.).

95. Deste modo, e sem nada conceder, deveriam os danos não patrimoniais ter sido fixados equitativamente,

isto é, proporcionadamente ao caso concreto a que respeitam e à gravidade do dano e ajustados à

realidade, mediante uma criteriosa ponderação da situação em apreço, de acordo com as regras da boa

prudência e atentando noutros casos concretos, quer semelhantes quer de maior gravidade, em que foram

atribuídas indemnizações comparativamente muito inferiores à concedida na presente acção,

indemnização que, além do mais, só pode ter natureza meramente compensatória, não podendo resultar

num enriquecimento despropositado do lesado.

96. Não deve, pois, o Estado Português ser condenado ao pagamento de qualquer indemnização, por não se

ter verificado a prática de qualquer acto ilícito ou lícito susceptível de gerar responsabilidade civil,

devendo a acção ser julgada improcedente e não provada e o Réu absolvido do pedido, ou caso assim se

não entenda.

97. Os despachos de fls. 5909 e 7320 a 7345 que deferiram e indeferiram, respectivamente, a inclusão de

factos ou a não modificação do despacho saneador e respectiva Base Instrutória, apesar da oposição e

reclamação do Estado Português, ofenderam o disposto nos arts. 511.°, n.° 1, 264.°, 467.°, n.° 1, al. d) e

664.°, todos do Código de Processo Civil, devendo ser revogados e alterados nos termos expostos.

98. A douta sentença em apreço fez errada interpretação da matéria de facto e aplicou incorrectamente as

normas contidas nos preceitos citados, entre os quais os arts. 264°, 467.°, n.° 1, al. d), 664.°, 497º, n.° 1,

498.°, 646.°, n.° 4, 671.°, n.° 1, 672.° e 673.°, todos do Código de Processo Civil, o art.° 225.°, n.° 2, do

C. P. Penal, na sua redacção anterior, e os arts. 494.° e 496.°, n.° 3, do C. Civil.

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Pretende o Réu, com o provimento do recurso, a revogação da sentença

recorrida e a sua substituição por decisão que o absolva do pedido.

Por sua vez, o Autor alegou e formulou as seguintes conclusões:

1.ª As verbas correspondentes às despesas efectuadas pelo A. com pareceres de jurisconsultos e especialistas de

psiquiatria, pedopsiquiatria e psicologia clínica, dados como provados nas respostas aos quesitos 175.° e 176.° da Base

Instrutória, constituem danos indemnizáveis, por consequência adequada da actuação ilegal dos órgãos jurisdicionais do R.

Estado (art. 563 do Código Civil);

2.ª Na verdade, elas constituem despesas para pagamento de serviços necessários para o A. poder demonstrar a

ilegalidade grosseira da sua prisão -- como de facto, também com base neles, pôde demonstrar — e, consequentemente,

constituem gastos que o A. não faria, se não fora a prática do acto ilícito do agente (art.° 563 do Código Civil e ANTUNES

VARELA, "Das Obrigações em geral", vol. 1, pág. 478);

3.ª Do mesmo modo constitui dano indemnizável a verba líquida apurada nas respostas aos quesitos 177.° a 179.°

da Base Instrutória, que constituiu despesa voluntariamente efectuada pelo A. mas que este não faria se não fosse a actuação

ilícita do R., como se vê do apuramento da matéria de facto nas respostas referidas, que deu como provado tratar-se de

despesa essencial para o A. tentar perceber e demonstrar que estava sendo alvo de uma urdidura, como — no plano objectivo

— conseguiu demonstrar;

4.ª Constituem também dano indemnizável, com direito ao respectivo ressarcimento por parte do A., as verbas a

liquidar respeitantes aos honorários e despesas dos seus mandatários forenses, que ele se viu obrigado a constituir para o

defender no processo crime e impugnar a legalidade da sua situação de privação da liberdade, cuja liquidação se operará

ulteriormente;

5.ª E que, em relação ao processo crime às ordens do qual o A. se encontrou preso, a constituição de mandatário

era obrigatória e a impugnação da legalidade da sua situação de prisão só por advogado podia ser feita, como aliás o foi, com

êxito absoluto, isto é, com obtenção de decisão final transitada que reconheceu a ilegalidade total e absoluta da prisão do A.

(art.° 61, n.° 1, alínea e) e 64.°, n.° 1, alíneas a), b), d), e), f) e g) do CPP);

6.ª Também em relação às despesas da mesma natureza com a tramitação e o patrocínio da presente acção, se

deve entender que elas constituem danos indemnizáveis com direito de ressarcimento do respectivo montante por parte do A.,

pois visam a demonstração da ilegalidade da prisão preventiva a que esteve sujeito e a qualificação do erro (grosseiro) que

esteve na base do seu decretamento, constituindo pois também despesa voluntariamente efectuada pelo lesado, mas que esta

nunca faria nem poderia fazer não fora a actuação ilícita do lesante, a qual constitui até pressuposto da instauração da

presente acção;

7.ª Temos pois que tanto as despesas e honorários respeitantes aos mandatários do A., que em representação dele

actuaram no processo crime e na presente acção cível, tal aliás como as despesas referidas nas conclusões 1.a e 2.a,

constituem danos a indemnizar por via autónoma sem se encontrarem contidos ou limitados nas situações previstas nos art.'

40.°, n.° 1 e 33.0, n.° 1, alínea c) do Código das Custas Judiciais e nos art. 456, 457 e 662, n." 3, do CPC, sendo que tais

preceitos não têm sequer aplicação no âmbito do direito processual penal;

8.ª E no que à esfera cível se refere – instauração e tramitação da presente acção – o benefício de isenção de

custas por parte do R. Estado inutilizaria até os magros tostões que por via da regra de custas pudessem advir;

9.ª Conforme doutrina e jurisprudência atrás citada, de que, por analogia com o caso vertente, se destacam o

Acórdão da Relação de Lisboa de 25.09.01 (CJ, XXVI, tomo IV, 94 e segs.) e o Acórdão do Pleno da l.ª Secção do STA de

6.06.02 (Acs. STA, XLI, 491, 1491 e segs.), mesmo quando as custas de parte podem entrar em regras de custas, tal constitui

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um expediente prático da lei, a qual não pode nem quer retirar à parte vencedora o direito de peticionar o ressarcimento de

todos os danos sofridos;

10.ª Obviamente que a norma que se pretende retirar da interpretação conjugada do disposto nos art.s 33, n.° 1,

alínea c) e art.° 40°, n.° 1, ambas do Código das Custas Judiciais, com o disposto nos art.s 456, 457 e 662, n.° 3, do Código

de Processo Civil e ainda com o disposto nos art.s 483, n.° 1, 562.°, 564.°, n.° 1 e 566, n.° 2, todos do Código Civil, no

sentido de concluir que as despesas e honorários suportados por arguido em processo crime, designadamente com peritos

médicos, jurisconsultos e advogados, com vista a defendê-lo em processo crime e impugnar, em todas as instâncias, a

legalidade das medidas de detenção e prisão preventiva que lhe foram aplicadas – para pagamento de serviços e prestações

que lhe possibilitaram demonstrar erro jurisdicional de que fora vítima – não integram o conceito de danos indemnizáveis a

favor do lesado fora das específicas situações previstas naqueles preceitos (art. 33, n.° 1, alínea c) e 40, n.° 1, do CCJ e art.s

456, 457 e 662, n.° 3, do CPC), torna estes preceitos, por referência ao disposto nos art.s 483º, n.° 1, 562.°, 563.°, 564.°, n.° 1

e 566, n.° 2 do Código Civil, materialmente inconstitucionais, por violação do princípio constitucional da legalidade

consagrado nos art. 22.° e 27.°, n.° 5, da Constituição da República Portuguesa.

11.ª Também com base na matéria de facto dada como provada nos pontos 122 a 133 da sentença, que atrás se

transcrevem nas presentes alegações, e que sumariamente informam que a actuação ilícita do lesante teve como consequência

directa, necessária e adequada a destruição integral da vida pública do A., impõe-se que, em juízo de equidade, o dano não

patrimonial sofrido não seja fixado em quantia inferior à peticionada de quinhentos mil euros (art. 496, n.° 3, do Código

Civil);

12.ª Na verdade trata-se de uma situação – dada a extensão dos danos, remetemos para o teor dos pontos 222 a

333 da sentença, transcritos nestas alegações – nunca vista no mundo, pela sua extrema gravidade e intensa publicitação à

escala planetária, que torna irrisória a verba atribuída a esse título pela douta sentença recorrida, para mais se comparada com

decisões de Tribunais portugueses (Relações do Porto e de Lisboa) tiradas na mesma hora;

13.ª Mostram-se assim violados na douta sentença recorrida, por errada interpretação e aplicação, os preceitos

legais citados nas conclusões 1ª, 2ª, 5ª, 7ª, 10ª e 11ª das presentes alegações.

Pretende o Autor, com o provimento do recurso, a revogação parcial da

sentença recorrida e a sua substituição por outra que condene o R. no pagamento ao A.

das quantias apuradas nas respostas aos quesitos 175.°, 176.° e 178.° da Base Instrutória,

nas despesas e honorários a liquidar referenciados à resposta ao quesito 180.° da Base

Instrutória e da quantia quinhentos mil euros, a título de dano não patrimonial sofrido.

O A. contra-alegou, no sentido de ser negado provimento ao recurso do R., e,

subsidiariamente, ampliou o objecto do recurso, nos termos do art. 684.º-A do CPC.

Também o R. contra-alegou, concluindo que não deveria ser concedido provimento

ao recurso do A.

Corridos os vistos legais e após mudança de relator, cumpre apreciar e decidir.

17

Nos recursos interpostos, está em causa, essencialmente, a admissibilidade da

réplica, a selecção da matéria de facto e o direito à indemnização por privação da

liberdade ilegal ou injustificada, bem como o valor da indemnização.

II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. A 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:

1. Em 21-05-03, foi recebido na Assembleia da República o ofício n.º 1523

emanado do 1.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, referente ao inquérito n.º

1718/02.9JDLSB e assinado pelo Juiz de Instrução, o qual se encontra em certidão a folhas

2663 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais

[al. A) da matéria assente];

2. Através daquele documento, dirigido ao Senhor Presidente da Assembleia da

República, solicitava-se autorização para que o Autor, deputado P..., fosse detido, constituído

arguido e presente a primeiro interrogatório judicial e, caso se mostrasse necessário face à

matéria a apurar, mais se pedia fosse aquele Tribunal autorizado a optar pela aplicação da

prisão preventiva [al. B) da matéria assente];

3. Em 12-05-03, o Autor havia enviado ao Senhor Procurador-Geral da República

o requerimento constante de fls. 4630 daqueles autos de inquérito (que se encontra a folhas

539 e seguintes destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os

efeitos legais) através do qual dava conta de que, face à informação que lhe havia chegado,

segundo a qual o seu nome era referenciado no processo, se encontrava “disponível para de

imediato se deslocar onde lhe for indicado para ser ouvido sobre os factos sobre os quais o

entenderem questionar, de modo a contribuir para a descoberta da verdade” [al. C) da matéria

assente];

4. Isso mesmo tinha já sido comunicado nessa manhã ao Senhor Procurador-Geral

da República através do Presidente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, conforme

consta da certidão emitida pelo Senhor Presidente daquele Grupo Parlamentar,

designadamente no seu ponto 1, a qual se encontra a folhas 2702 e seguintes destes autos,

cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [al. D) da matéria

assente];

18

5. Nessa comunicação efectuada ao Senhor Procurador-Geral da República, o

Senhor Presidente do Grupo Parlamentar Socialista transmitiu a decisão do Autor de se

disponibilizar para ser ouvido de imediato, sem autorização sequer da Assembleia da

República [al. E) da matéria assente];

6. Mais comunicou então que, se houvesse dúvidas sobre a validade da prova

assim recolhida, o Autor estava disponível para suspender o seu mandato, de modo a libertar-

se da necessidade de autorização da Assembleia da República [al. F) da matéria assente];

7. Face à posição do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata defendida

em caso de um dos seus deputados, havia a possibilidade de a Assembleia da República não

aprovar o levantamento da imunidade parlamentar do Autor [al. G) da matéria assente];

8. Havendo suspensão do mandato, o Autor ficaria de imediato na disposição da

Justiça [al. H) da matéria assente];

9. Da certidão do Senhor Presidente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista,

consta que “Confirmei o desejo, que entretanto me fora reafirmado, do deputado P... obter o

imediato levantamento integral da imunidade para todos os fins requeridos, ou se maioria não

o aceitasse, a imediata suspensão do mandato" [al. I) da matéria assente];

10. O Autor dirigiu ao Senhor Presidente da Comissão Parlamentar de Ética, carta

datada de 21-05-03, a qual se encontra a folhas 518 destes autos, cujo teor se dá por

integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [al. J) da matéria assente];

11. Na sequência da carta referida na alínea J), da reunião Plenária da Assembleia

da República do dia 21-05-03, e relativamente ao período de antes da ordem do dia, foi

elaborada a acta que se encontra a folhas 519 e seguintes destes autos, cujo teor se dá por

integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [al. L) da matéria assente];

12. O Tribunal informou que a inquirição do Autor seria marcada para data

posterior [al. M) da matéria assente];

13. O Autor tomou providências para que tal diligência se pudesse processar de

imediato [al. N) da matéria assente];

14. O ofício nº 1523 de 21-05-03 era acompanhado do despacho do Senhor Juiz de

Instrução datado de 20-05-03, para o qual expressamente remetia, despacho este que se

encontra a folhas 2664 e seguintes destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido

para todos os efeitos legais [al. O) da matéria assente];

15. O referido despacho de 20-05-03 refere o depoimento de duas testemunhas e a

propósito desses depoimentos referencia folhas 567, 568, 113, 2384 e 4005 a 4013 dos autos

19

de inquérito [folhas 113 indicada certamente por lapso, uma vez que a transcrição parcial

constante do próprio despacho se reporta ao depoimento de folhas 1113 dos autos de

inquérito] [al. P) da matéria assente];

16. Desse mesmo despacho consta que os depoimentos a que alude a alínea P)

coincidem com os constantes de folhas 307 a 327, 1499 a 1501, 1117, 1466, 1508, 1515 e

2533 dos autos de inquérito [al. Q) da matéria assente];

17. Naquele mesmo despacho de 20-05-03 são referidas escutas telefónicas

relativas ao alvo 20445, concretamente as sessões 83, 308, 325, 330 e 485 [al. R) da matéria

assente];

18. Folhas 567 e 568 dos autos de inquérito respeitam a parte do depoimento de

L……… prestado na Polícia Judiciária em 16-01-03, que se encontra integralmente de folhas

796 a 803 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos

legais [al. S) da matéria assente];

19. Folhas 1113 dos autos de inquérito respeitam a parte do depoimento de L……..

prestado na Polícia Judiciária em 03-02-03, que se encontra integralmente de folhas 816 a 817

destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [al. T)

da matéria assente];

20. Folhas 2384 dos autos de inquérito respeitam a parte do depoimento de L…….

prestado na Polícia Judiciária em 10-03-03, que se encontra integralmente de folhas 852 a 854

destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [al. U)

da matéria assente];

21. Folhas 4005 a 4013 dos autos de inquérito respeitam ao depoimento de L…….

prestado na Polícia Judiciária em 28-04-03, que se encontra integralmente de folhas 893 a 901

destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [al. V)

da matéria assente];

22. Folhas 307 a 327 dos autos de inquérito integram o depoimento de F………

prestado na Polícia Judiciária em 06-01-03, que se encontra de folhas 772 a 786 destes autos e

cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, integrando ainda os

demais elementos referidos na al. BJ [al. X) da matéria assente];

23. Folhas 1499 a 1501 dos autos de inquérito respeitam ao depoimento de J……

prestado na Polícia Judiciária em 13-02-03, que se encontra integralmente de folhas 832 a 834

destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [al. Z)

da matéria assente];

20

24. Folhas 1117 dos autos de inquérito respeitam a um auto de reconhecimento de

local efectuado em 03-02-03, por L……, que se encontra a folhas 821 destes autos, cujo teor

se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [al. AA) da matéria assente];

25. Folhas 1466 dos autos de inquérito respeitam a um auto de reconhecimento de

local realizado em 12-02-03, por F…….., que se encontra a folhas 829 destes autos, cujo teor

se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [al. AB) da matéria assente];

26. Folhas 1508 dos autos de inquérito respeitam a um auto de reconhecimento

pessoal de M……., realizado em 13-02-03, que se encontra a folhas 5305 destes autos, cujo

teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [al. AC) da matéria

assente];

27. Folhas 1515 dos autos de inquérito respeitam a um auto de reconhecimento de

local efectuado em 13-02-03, por J……., que se encontra a folhas 838 destes autos, cujo teor

se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [al. AD) da matéria assente];

28. Folhas 2533 dos autos de inquérito respeitam a um auto de reconhecimento de

local efectuado em 11-03-03, por I……, que se encontra a folhas 5306 e verso destes autos,

cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [al. AE) da matéria

assente];

29. A sessão 83 relativa a escuta telefónica ao alvo 20445 encontra-se a folhas

3166 e 3167 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos

legais [al. AF) da matéria assente];

30. A sessão 308 relativa a escuta telefónica ao alvo 20445 encontra-se de folhas

3168 a 3171 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos

legais [al. AG) da matéria assente];

31. A sessão 325 relativa a escuta telefónica ao alvo 20445 encontra-se de folhas

3172 a 3178 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos

legais [al. AH) da matéria assente];

32. A sessão 330 relativa a escuta telefónica ao alvo 20445 encontra-se de folhas

3178 a 3182 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos

legais [al. AI) da matéria assente];

33. A sessão 485 relativa a escuta telefónica ao alvo 20445 encontra-se de folhas

3182 a 3187 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos

legais [al. AJ) da matéria assente];

21

34. Obtida a autorização da Assembleia da República, o Autor prescindiu do

formalismo do levantamento da imunidade parlamentar e apresentou-se no TIC na tarde de

21-05-2003 [al. AL) da matéria assente];

35. O Autor foi constituído arguido e procedeu-se ao 1.º interrogatório judicial de

arguido detido [al. AM) da matéria assente];

36. Em sede de 1.º interrogatório o Autor negou a sua participação em todo e

qualquer acto de abuso sexual [al. AN) da matéria assente];

37. O auto do 1.º interrogatório, realizado em 21 e 22 de Maio de 2003, que

constitui folhas 4588 a 4607 dos autos de inquérito encontra-se de folhas 950 a 969 destes

autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [al. AO) da

matéria assente];

38. Durante o 1.º interrogatório judicial o Autor foi confrontado com o teor das

escutas telefónicas ao alvo 20445 sessões 83, 330, 485, 3512 e 3568 [al. AP) da matéria

assente];

39. As sessões 83, 330 e 485 são as que aludem as alíneas AF), AI) e AJ) da

matéria assente [al. AQ) da matéria assente];

40. A escuta telefónica respeitante à sessão 3512 do alvo 20445 encontra-se a

folhas 3346 e 3347 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os

efeitos legais [al. AR) da matéria assente];

41. A escuta telefónica respeitante à sessão 3568 do alvo 20445 encontra-se a

folhas 3352 e 3353 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os

efeitos legais [al. AS) da matéria assente];

42. Suspenso o 1.º interrogatório com vista à audição e eventual validação de

escutas aos alvos 21379 e 20445 viriam a ser validadas, por despacho de folhas 4597 dos

autos de inquérito, que se encontra a folhas 959 destes autos, cujo teor se dá por integralmente

reproduzido para todos os efeitos legais, respeitantes ao alvo 20445, as sessões 3675, 3690,

3695, 3698, 3706, 3711, 3712, 3717, 3721, 3740, 3743, 3748, 3750, 3751, 3754, 3759, 3760,

3762, 3764, 3766, 3767, 3779, 3787, 3794 e 3998 [al. AT) da matéria assente];

43. Foram ainda validadas relativamente ao alvo 21379 as sessões 2, 22, 23, 43,

46, 56, 57, 62, 67, 74, 76, 78, 94, 107, 126, 127, 129, 143, 148, 155, 156, 160, 163, 165, 169,

171, 176, 177, 180, 183, 184, 188 e 198 [al. AU) da matéria assente];

22

44. Retomado o 1.º interrogatório às 4:50 do dia 22-05-2003, com a concordância

do arguido, foi o mesmo confrontado com o teor das escutas telefónicas respeitantes ao alvo

21379 sessões 143, 148, 156, 188, 160 e 184 [al. AV) da matéria assente];

45. A escuta telefónica relativa ao alvo 21379 sessão 143 encontra-se a folhas 2683

e 2684 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais

[al. AX) da matéria assente];

46. A escuta telefónica relativa ao alvo 21379 sessão 148 encontra-se a folhas 2685

e 2686 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais

[al. AZ) da matéria assente];

47. A escuta telefónica relativa ao alvo 21379 sessão 156 encontra-se a folhas 2687

e 2688 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais

[al. BA) da matéria assente];

48. A escuta telefónica relativa ao alvo 21379 sessão 160 encontra-se a folhas 2689

e 2690 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais

[al. BB) da matéria assente];

49. A escuta telefónica relativa ao alvo 21379 sessão 184 encontra-se de folhas

2691 a 2694 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos

legais [al. BC) da matéria assente];

50. A escuta telefónica relativa ao alvo 21379 sessão 188 encontra-se de folhas

2695 a 2697 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos

legais [al. BD) da matéria assente];

51. Foi proferido despacho que validou a detenção e, julgando haver fortes indícios

da prática pelo arguido de cinco crimes p.p. pelo artigo 172.º, n.º 1, do C.P., e de dez crimes

p.p. pelo artigo 172.º, n.º s 1 e 2, do C.P, bem como a existência dos perigos referidos nas

alíneas b) e c) do artigo 204º do C.P.P., determinou a prisão preventiva do Autor [al. BE) da

matéria assente];

52. O despacho determinativo da prisão preventiva encontra-se de folhas 4603 a

4607 dos autos de inquérito, que correspondem a folhas 965 a 969 destes autos, cujo teor se

dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [al. BF) da matéria assente];

53. A foto n.º 8 do apenso AJ, referida no despacho determinativo da prisão

preventiva, encontra-se em certidão a folhas 2679 destes autos, cujo teor se dá por

integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [al. BG) da matéria assente];

23

54. O despacho determinativo da prisão preventiva estriba-se no teor de folhas 307

a 327, 564 a 571, 1112 e 1113, 2383 a 2385, 3490 a 3494, 3999 e 4000, 4005 a 4013, 1499 a

1501, 1117, 1466, 1508, 1515, 2533, 4439 e 4543 a 4550, bem como em exames médicos

realizados às vitimas, em especial os de folhas 3200 e seguintes e 4543 e seguintes, todas do

processo de inquérito [al. BH) da matéria assente];

55. O despacho determinativo da prisão preventiva refere expressamente a escuta

telefónica relativa ao alvo 21379, sessão 78, a qual se encontra de folhas 2680 a 2682 destes

autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [al. BI) da

matéria assente];

56. Folhas 307 a 321 dos autos de inquérito correspondem ao depoimento integral

de F…… prestado na Polícia Judiciária em 6-01-2003, que se encontra de folhas 772 a 786

destes autos; folhas 322 e 323 dos autos de inquérito respeitam a um fax da directoria da

Polícia Judiciária, o qual foi dirigido à Europol, solicitando informações sobre I……., que se

encontra a folhas 787 e 788 destes autos; folhas 324 a 326 respeitam ao depoimento de

F……, prestado na Polícia Judiciária em 7-01-2003, que se encontra de folhas 789 a 791

destes autos; folhas 327 dos autos de inquérito respeitam a um ofício remetido pela Casa Pia a

uma senhora inspectora da Polícia Judiciária e que se encontra a folhas 792 destes autos,

documentos esses cujos teores se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos

legais [al. BJ) da matéria assente];

57. Folhas 564 a 571 respeitam ao depoimento integral de L……. a que alude a

alínea S) da matéria assente [al. BL) da matéria assente];

58. Folhas 1112 e 1113 dos autos de inquérito respeitam ao depoimento integral de

L…… ao qual alude a alínea T) da matéria assente [al. BM) da matéria assente];

59. Folhas 2383 a 2385 respeitam ao depoimento integral de L….. a que alude a

alínea U) da matéria assente [al. BN) da matéria assente];

60. Folhas 3490 a 3494 dos autos de inquérito respeitam ao depoimento de L…..

prestado na polícia judiciária em 9-04-2003 e que se encontra integralmente de folhas 886 a

890 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais

[al. BO) da matéria assente];

61. Folhas 3999 e 4000 dos autos de inquérito respeitam ao depoimento de L…….

prestado na Polícia Judiciária em 24-04-2003 que se encontra a folhas 891 e 892 destes autos,

cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [al. BP) da matéria

assente];

24

62. Folhas 4005 a 4013 dos autos de inquérito respeitam ao depoimento a que se

alude na alínea V) da matéria assente [al. BQ) da matéria assente];

63. Folhas 1499 a 1501 dos autos de inquérito corresponde ao depoimento a que

alude a alínea Z) da matéria assente [al. BR) da matéria assente];

64. Folhas 1117 dos autos de inquérito respeitam ao auto a que alude a alínea AA)

da matéria assente [al. BS) da matéria assente];

65. Folhas 1466 dos autos de inquérito respeitam ao auto a que alude a alínea AB)

da matéria assente [al. BT) da matéria assente];

66. Folhas 1508 dos autos de inquérito respeitam ao auto a que alude a alínea AC)

da matéria assente [al. BU) da matéria assente];

67. Folhas 1515 dos autos de inquérito respeitam ao auto a que alude a alínea AD)

da matéria assente [al. BV) da matéria assente];

68. Folhas 2533 dos autos de inquérito respeitam ao auto a que alude a alínea AE)

da matéria assente [al. BX) da matéria assente];

69. Folhas 4439 dos autos de inquérito corresponde a uma informação interna da

Polícia Judiciária acerca de uma conversa informal com um perito médico-legal, que se

encontra a folhas 4102 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos

os efeitos legais [al. BZ) da matéria assente];

70. Folhas 4543 a 4550 dos autos de inquérito respeitam ao relatório de exame

sexual realizado na pessoa de L….., em 10-03-2003, no IML, e que se encontra de folhas 933

a 940 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais

[al. CA) da matéria assente];

71. O exame médico que se encontra a folhas 3200 e seguintes dos autos de

inquérito corresponde ao exame médico legal de natureza sexual realizado, em 25-03-2003,

na pessoa de F……, e que se encontra de folhas 874 a 882 destes autos, cujo teor se dá por

integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [al. CB) da matéria assente];

72. No momento de realização do 1.º interrogatório, o arguido tinha conhecimento

do conteúdo integral do despacho de 20-05-2003 [al. CC) da matéria assente];

73. No momento do 1.º interrogatório, não foi dado a conhecer ao arguido os

exames médico legais de natureza sexual, aos quais aludem as alíneas CA) e CB) [al. CD) da

matéria assente];

74. Aquando da realização do 1.º interrogatório, não foi dado a conhecer ao

arguido o teor das folhas do inquérito referidas na alínea BH), bem como os autos de

25

reconhecimento de local a que aludem as alíneas AA), AB), AD), e AE) e o auto de

reconhecimento a que alude a alínea AC) [al. CE) da matéria assente];

75. Não foi utilizado o mecanismo previsto no artigo 147.º, n.º s 1 a 3, do C.P.P.

[al. CF) da matéria assente];

76. Com vista a instruir recurso de interposição do despacho determinativo da

prisão preventiva, o Autor apresentou requerimento em 26-05-2003, a folhas 4702 e 4703 dos

autos de inquérito e que se encontra de folhas 1029 a 1030 destes autos, cujo teor se dá por

integralmente reproduzido, requerendo a emissão de certidão das peças processuais para as

quais a fundamentação daquele despacho remetia [al. CG) da matéria assente];

77. Esse requerimento foi objecto de despacho datado de 26-05-2003, de folhas

4783 e seguintes dos autos de inquérito e que se encontra a folhas 1106 e seguintes destes

autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, o qual determinou a entrega de cópia, a

cores, da fotografia n.º 8 do apenso AJ, das transcrições das escutas telefónicas das sessões do

alvo 21379 referidas no despacho que ordenou a prisão preventiva, a entrega de cópia do

requerido em e) de folhas 4703 dos autos de inquérito, e indeferiu a entrega de outras peças

[al. CH) da matéria assente];

78. Desse despacho, o Autor interpôs recurso, cuja motivação se encontra a folhas

4525 e seguintes destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [al. CI) da

matéria assente];

79. Esse recurso foi admitido e mandado subir à final, por despacho de 12-06-2003

[al. CJ) da matéria assente];

80. O Autor apresentou reclamação quanto ao regime de subida do recurso dirigida

ao Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, a qual se encontra a folhas 5408

destes autos [al. CL) da matéria assente];

81. Essa reclamação foi indeferida, por decisão de 15-07-2003, que se encontra a

folhas 5412 e seguintes destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [al. CM)

da matéria assente];

82. O Autor interpôs recurso do despacho determinativo da prisão preventiva em

5-06-2003, o qual com a respectiva fundamentação e motivação se encontra a folhas 4360 e

seguintes destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [al. CN) da matéria

assente];

83. Na pendência dos recursos referidos nas alíneas CI) e CN), foi proferido, em

15-07-2003, despacho de reavaliação dos pressupostos da prisão preventiva, o qual se

26

encontra a folhas 6621 e seguintes dos autos de inquérito, cujo teor se dá por integralmente

reproduzido, tendo aquela medida sido mantida (despacho que se encontra a folhas 1241 e

1242 destes autos) [al. CO) da matéria assente];

84. A menção ao nome P..., existente no texto do auto do depoimento prestado por

L….. em 16-01-2003, foi aposta pelo agente que o redigiu [al. CP) da matéria assente];

85. L….. prestou depoimento na fase de instrução, em 22-04-2004, que se encontra

de fls. 1764 a 1766 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [al. CQ) da

matéria assente];

86. L…. prestou depoimento na Polícia Judiciária em 22-07-03, que se encontra a

fls. 1254 a 1256 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [al. CR) da

matéria assente];

87. A notícia da prisão preventiva do A. foi noticiada, em Portugal, pelos órgãos de

comunicação social [al. CS) da matéria assente];

88. Em 06-02-2003, F….. prestou depoimento da Polícia Judiciária, que se

encontra de fls. 822 e 823 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [al. CT)

da matéria assente];

89. Na fase de instrução, J……. prestou depoimento em 22-04-2004, que se

encontra de fls. 1753 a 1756 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [al.

CU) da matéria assente];

90. L……… prestou depoimentos na Polícia Judiciária em 20-01-2003, 18-02-

2003, 25-03-2003 e 26-03-2003, os quais se encontram, respectivamente, de fls. 804 a 806,

839 a 841, 859 a 862 e 4096 a 4099 destes autos, cujos teores se dão por integralmente

reproduzidos [al. CV) da matéria assente];

91. Em 20-01-2003, J……… prestou depoimento na Polícia Judiciária, o qual se

encontra a fls. 809 a 813 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [al. CX)

da matéria assente];

92. Em 31-03-2003, foi realizado pelo IML exame médico-legal de natureza

sexual, na pessoa de J…….., cujo relatório datado de 29-07-2003 se encontra de fls. 2497 a

2507 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [al. CZ) da matéria assente];

93. Não foi apresentada queixa contra P..., pela prática dos crimes por cujos indícios

foi determinada a sua prisão preventiva [al. DB) da matéria assente];

94. O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-03-04 (que se encontra de fls.

3662 a 3682 destes autos e que se dá por integralmente reproduzido), transitado em julgado

27

em 02-11-2004, tendo julgado não ser aquele concreto Sr. Juiz de Instrução nem o juízo a que

presidia competentes para a tramitação do inquérito 1718/02.9JDLSB, por ter havido violação

das regras da distribuição, decidiu declarar nulo o despacho proferido em 07-01-2003, em

sede de inquérito, pelo Sr. Juiz do 5.º Juízo-A do TIC, que determinara o averbamento dos

autos ao 1.º juízo do TIC, e ordenar o cumprimento do disposto pelos arts. 33.º, 120.º, 122.º e

266.º CPP pelo Tribunal competente [al. DC) da matéria assente];

95. O A. invocou tal nulidade no seu requerimento de abertura de instrução, na

motivação do recurso por ele interposto do despacho que declarou aberta a instrução, e

também na resposta à motivação do recurso interposto pelo MP contra o despacho de não

pronúncia [al. DD) da matéria assente];

96. Em Março de 2001, o A. foi empossado como Ministro do Trabalho e da

Solidariedade, sem a tutela concreta da Casa Pia [al. DE) da matéria assente];

97. O despacho de 15-07-2003, que decidiu manter a prisão preventiva do A.,

entendeu estarem reforçados os indícios de perigo de perturbação do inquérito, estribando-se

em fls. 6076 a 6081, 6082 a 6088 e 6303 a 6306 dos autos de inquérito, e ainda na escuta

telefónica relativa à sessão 1892 do alvo 21379 [al. DF) da matéria assente];

98. Esse despacho, entendeu ainda que os indícios da prática dos crimes pelo A.

saíam reforçados pelo teor de fls. 6184 a 6186 e 6152 a 6159 dos autos de inquérito [al. DG)

da matéria assente];

99. Fls. 6076 a 6081 dos autos de inquérito respeitam à inquirição do Dr. A…… no

DIAP, em 24-06-03, que se encontra de fls. 1138 a 1143 destes autos e cujo teor se dá por

integralmente reproduzido [al. DH) da matéria assente];

100. Fls. 6082 a 6088 dos autos de inquérito respeitam à inquirição do Dr. M….. no

DIAP, em 25-06-03, que se encontra de fls. 4104 a 4110 destes autos e cujo teor se dá por

integralmente reproduzido [al. DI) da matéria assente];

101. Fls. 6303 a 6306 dos autos de inquérito respeitam à inquirição do Dr. S….. no

DIAP, em 03-07-03, que se encontra de fls. 1186 a 1189 destes autos e cujo teor se dá por

integralmente reproduzido [al. DJ) da matéria assente];

102. Fls. 6184 a 6186 dos autos de inquérito respeitam à inquirição de N….. na PJ,

em 24-06-03, que se encontra de fls. 1180 a 1182 destes autos e cujo teor se dá por

integralmente reproduzido [al. DL) da matéria assente];

28

103. Fls. 6152 a 6159 dos autos de inquérito respeitam à inquirição de R….. na PJ,

em 18-06-03, que se encontra de fls. 1148 a 1155 destes autos e cujo teor se dá por

integralmente reproduzido [al. DM) da matéria assente];

104. A escuta telefónica relativa à sessão 1892 do alvo 21379 encontra-se de fls.

2761 a 2762 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [al. DN) da matéria

assente];

105. O psiquiatra Á….. prestou depoimento no DIAP, em 11 de Julho de 2003, o

qual se encontra a fls. 1223 e 1224 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido

[al. DO) da matéria assente];

106. Em 18-07-03, o A. requereu a emissão de certidão de todas as peças

processuais que serviram de fundamento à decisão de manutenção da prisão preventiva do A.,

por requerimento que se encontra a fls. 5406 ss. destes autos, cujo teor se dá por reproduzido

[al. DP) da matéria assente];

107. Sobre tal requerimento veio a recair o despacho de 21-07-2003, o qual deferiu

a emissão de certidão apenas relativamente à transcrição da escuta telefónica da sessão 1892

do alvo 21379, despacho esse que se encontra de fls. 2758 a 2760 destes autos, cujo teor se dá

por reproduzido [al. DQ) da matéria assente];

108. Deste despacho, o A. interpôs recurso, o qual foi admitido com subida a final

[al. DR) da matéria assente];

109. O A. interpôs recurso do despacho que reavaliou os pressupostos da medida de

coação e decidiu manter a prisão preventiva do A., através de requerimento de 01-08-2003, o

qual acompanhado da respectiva motivação se encontra de fls. 2621 a 2659 v.º destes autos,

cujo teor se dá por integralmente reproduzido [al. DS) da matéria assente];

110. O recurso interposto pelo arguido do despacho que lhe aplicou a prisão

preventiva foi objecto de acórdão de 17-07-03, do Tribunal da Relação de Lisboa, que decidiu

dele não conhecer, por inutilidade superveniente decorrente de, entretanto, ter sido prolatado o

despacho de 15-07-03, que decidiu manter a prisão preventiva do A. [al. DT) da matéria

assente];

111. Desse acórdão, o A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional [al. DU)

da matéria assente];

112. Tal recurso obteve provimento, tendo o Tribunal Constitucional, pelo acórdão

n.º 418/2003, de 24-09-03, decidido «julgar inconstitucional, por violação do art. 32.º, n.º 1,

da Constituição, a norma segundo a qual, em caso de manutenção superveniente da prisão

29

preventiva por nova decisão do juiz de instrução antes de decorrido o prazo a que se refere o

art. 213.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na pendência de recurso da primeira decisão, se

torna inútil o conhecimento deste recurso», tendo determinado, em consequência, «a reforma

do acórdão recorrido em consonância com o anterior julgamento de inconstitucionalidade»,

acórdão esse que em certidão se encontra a fls. 5475 destes autos, e cujo teor integral se dá

por reproduzido [al. DV) da matéria assente];

113. Antes de tais autos baixarem ao Tribunal da Relação para que este tomasse

conhecimento daquele recurso, na 3.ª Secção do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, foi

proferido, em 08-10-03, acórdão já transitado em julgado que, com um voto de vencido,

decidiu revogar o despacho determinativo da prisão preventiva do arguido, determinando a

sua restituição à liberdade, acórdão e voto esses que se encontram de fls. 3554 a 3585 destes

autos e cujos teores se dão por integralmente reproduzidos [al. DX) da matéria assente];

114. Em 09-10-2003, foi proferido acórdão pela 9.ª Secção do Tribunal da Relação

de Lisboa, no recurso n.º 7000/03-9, o qual se encontra de fls. 2601 a 2614 destes autos, e

cujo teor se dá por integralmente reproduzido [al. DZ) da matéria assente];

115. Posteriormente e na sequência do acórdão n.º 418/2003 do Tribunal

Constitucional, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão em 20-11-2003, tendo então

julgado o recurso interposto da decisão determinativa da prisão preventiva extinto, por

inutilidade, quanto aos pontos I a VI da motivação, e rejeitou-o quanto ao ponto VII da

motivação (acórdão que se encontra de fls. 5415 a 5425 destes autos e cujo teor se dá por

integralmente reproduzido) [al. EA) da matéria assente];

116. Em 29-12-2003, o Ministério Público deduziu acusação, entre outros, contra o

A., imputando-lhe a prática de doze crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º,

n.º s 1 e 2, do Código Penal; oito crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º, n.º 1,

do Código Penal; e três crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo art. 172.º, n.º 3, alínea

b), do Código Penal, que se encontra de fls. 1402 a 1656 destes autos e cujo teor se dá por

integralmente reproduzido [al. EB) da matéria assente];

117. Em 13-02-2004, o A. requereu a abertura da instrução, mediante articulado que

se encontra a fls. 4593 ss. destes autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido [al.

EC) da matéria assente];

118. Em 31-05-2004, foi proferida decisão instrutória já transitada em julgado, que

decidiu não pronunciar o A. pelos crimes de que ia acusado, decisão que se encontra de fls.

30

1879 a 2155 destes autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido [al. ED) da matéria

assente];

119. Em 15-06-2004, o Ministério Público recorreu da decisão instrutória,

designadamente na parte em que a mesma não pronunciou o A., requerimento e motivação

que se encontram de fls. 2156 a 2297 destes autos e cujo teor se dá por integralmente

reproduzido [al. EE) da matéria assente];

120. O A. respondeu ao recurso interposto pelo MP da decisão instrutória, nos

termos que constam de fls. 4967 a 5196 destes autos, cujo teor se dá por integralmente

reproduzido [al. EE) da matéria assente];

121. Em 09-11-2005, o Tribunal da Relação de Lisboa (3.ª Secção) proferiu

acórdão, já transitado em julgado, que julgou improcedente o recurso interposto pelo

Ministério Público da decisão de não pronúncia do A., acórdão que se encontra a fls. 5606 a

5729 destes autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido [al. EF) da matéria assente];

122. O A. esteve preso preventivamente durante 135 dias [al. EG) da matéria

assente];

123. O nome do Autor só foi mencionado publicamente através dos meios de

comunicação social, associado ao processo de inquérito, no dia em que foi apresentado no

TIC [al. EH) da matéria assente];

124. A notícia da detenção e prisão preventiva do A. teve impacto nos órgãos de

comunicação social nacionais [al. EI) da matéria assente];

125. O Juiz de Instrução foi acompanhado a entrar no Parlamento, por uma porta

lateral do edifício principal, por uma equipa de reportagem de televisão [al. EJ) da matéria

assente];

126. (…) O que foi noticiado em tempo real, em directo para todo o país, com

indicação da identidade da pessoa que ia ser recebida em audiência pelo Senhor Presidente da

Assembleia da República e o motivo da sua deslocação [al. EL) da matéria assente];

127. Também a saída do A. do DIAP, na Rua Gomes Freire, em direcção à prisão,

foi filmada e fotografada pelos repórteres que se encontravam no local [al. EM) da matéria

assente];

128. Essas imagens foram repetidas pelos canais de televisão e pelos jornais, em

diversas ocasiões [al. EN) da matéria assente];

31

129. À data da prisão, o A. era deputado à Assembleia da República, tendo como

profissão ser docente universitário (assistente) no ISCTE, cujo contrato se encontrava

suspenso [al. EO) da matéria assente];

130. Ao ser decretada a prisão preventiva, o A. solicitou a suspensão do mandato de

deputado, reassumindo a função de funcionário público (assistente do ISCTE) [al. EP) da

matéria assente];

131. Como deputado, o A. tinha a remuneração base mensal de € 3 448,97 [al. EQ)

da matéria assente];

132. O A. deixou de receber despesas de deslocação, pagas pela Assembleia da

República, por ser deputado pelo círculo eleitoral de Setúbal, de 22 de Maio a 8 de Outubro

de 2003, no valor, pelo menos, de € 2 507,93 € [al. ER) da matéria assente];

133. No depoimento prestado por F…., em 06-01-2003, a que alude a alínea X), foi

o Autor pela primeira vez referenciado no processo-crime [al. ES) da matéria assente];

134. Em 13-01-2003, F…., prestou depoimento na Polícia Judiciária, o qual se

encontra a fls. 4094 e 4095 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [al.

ET) da matéria assente];

135. A escuta telefónica respeitante à sessão n.º 3690, em 20-05-2003, ao alvo n.º

20445 (referida na alínea AT)), encontra-se a fls. 3798 e 3799 destes autos, dando-se por

integralmente reproduzido o seu teor [al. EU) da matéria assente];

136. A escuta telefónica respeitante à sessão n.º 2, ao alvo n.º 21379 (referida na

alínea AU)), encontra-se de fls. 3043 a 3045 destes autos, dando-se por integralmente

reproduzido o seu teor [al. EV) da matéria assente];

137. A escuta telefónica respeitante à sessão n.º 46, ao alvo n.º 21379 (referida na

alínea AU)), encontra-se a fls. 3050 e 3051 destes autos, dando-se por integralmente

reproduzido o seu teor [al. EX) da matéria assente];

138. A escuta telefónica respeitante à sessão n.º 56, ao alvo n.º 21379 (referida na

alínea AU)), encontra-se a fls. 3052 destes autos, dando-se por integralmente reproduzido o

seu teor [al. EZ) da matéria assente];

139. A escuta telefónica respeitante à sessão n.º 62, ao alvo n.º 21379 (referida na

alínea AU)), encontra-se a fls. 3053 e 3054 destes autos, dando-se por integralmente

reproduzido o seu teor [al. FA) da matéria assente];

32

140. A escuta telefónica respeitante à sessão n.º 74, ao alvo n.º 21379 (referida na

alínea AU)), encontra-se a fls. 3055 destes autos, dando-se por integralmente reproduzido o

seu teor [al. FB) da matéria assente];

141. A escuta telefónica respeitante à sessão n.º 78, ao alvo n.º 21379 (referida na

alínea AU)), encontra-se de fls. 3056 e 3058 destes autos, dando-se por integralmente

reproduzido o seu teor [al. FC) da matéria assente];

142. A escuta telefónica respeitante à sessão n.º 94, ao alvo n.º 21379 (referida na

alínea AU)), encontra-se a fls. 3058 e 3059 destes autos, dando-se por integralmente

reproduzido o seu teor [al. FD) da matéria assente];

143. A escuta telefónica respeitante à sessão n.º 107, ao alvo n.º 21379 (referida na

alínea AU)), encontra-se a fls. 3059 e 3060 destes autos, dando-se por integralmente

reproduzido o seu teor [al. FE) da matéria assente];

144. A escuta telefónica respeitante à sessão n.º 155, ao alvo n.º 21379 (referida na

alínea AU)), encontra-se a fls. 3066 e 3067 destes autos, dando-se por integralmente

reproduzido o seu teor [al. FF) da matéria assente];

145. A escuta telefónica respeitante à sessão n.º 165, ao alvo n.º 21379 (referida na

alínea AU)), encontra-se a fls. 3072 destes autos, dando-se por integralmente reproduzido o

seu teor [al. FG) da matéria assente];

146. A escuta telefónica respeitante à sessão n.º 180, ao alvo n.º 21379 (referida na

alínea AU)), encontra-se a fls. 3078 destes autos, dando-se por integralmente reproduzido o

seu teor [al. FH) da matéria assente];

147. A escuta telefónica respeitante à sessão n.º 183, ao alvo n.º 21379 (referida na

alínea AU)), encontra-se de fls. 3078 a 3080 destes autos, dando-se por integralmente

reproduzido o seu teor [al. FI) da matéria assente];

148. A escuta telefónica respeitante à sessão n.º 198, ao alvo n.º 21379 (referida na

alínea AU)), encontra-se a fls. 3086 e 3087 destes autos, dando-se por integralmente

reproduzido o seu teor [al. FJ) da matéria assente];

149. Foi realizada pelo IML perícia sobre a personalidade de L….., cujo relatório

datado de 07-07-2003 se encontra de fls. 2343 a 2357 destes autos, e cujo teor se dá por

integralmente reproduzido [al. FL) da matéria assente];

150. Foi realizada pelo IML perícia sobre a personalidade de F….., cujo relatório

datado de 29-08-2003 se encontra de fls. 2386 a 2400 destes autos, e cujo teor se dá por

integralmente reproduzido [al. FM) da matéria assente];

33

151. Foi realizada pelo IML perícia sobre a personalidade de J……, cujo relatório

datado de 23-07-2003 se encontra de fls. 2368 a 2381 destes autos, e cujo teor se dá por

integralmente reproduzido [al. FN) da matéria assente];

152. Foi realizada pelo IML perícia sobre a personalidade de L….., cujo relatório

datado de 25-07-2003 se encontra de fls. 2319 a 2332 destes autos, e cujo teor se dá por

integralmente reproduzido [al. FO) da matéria assente];

153. Foi realizada pelo IML perícia sobre a personalidade de N…., cujo relatório

datado de 20-08-2003 se encontra de fls. 2300 a 2314 destes autos, e cujo teor se dá por

integralmente reproduzido [al. FP) da matéria assente];

154. Foi realizada pelo IML perícia sobre a personalidade de R…., cujo relatório

datado de 17-07-2003 se encontra de fls. 2417 a 2433 destes autos, e cujo teor se dá por

integralmente reproduzido [al. FQ) da matéria assente];

155. Nas perícias sobre a personalidade intervieram a psicóloga Dr.ª A….. e o

Professor Dr. M…., os quais subscreveram a “resposta aos quesitos”, datada de 18-12-2003,

que se encontra de fls. 4116 a 4122 destes autos, cujo teor se dá por integralmente

reproduzido [al. FR) da matéria assente];

156. Todos os menores foram submetidos a uma avaliação psicológica e a um

exame de natureza sexual, tendo em vista a procura de sinais físicos compatíveis com os

abusos de que se diziam vítimas, através da realização de uma entrevista clínica ao

examinado, um exame mental e um exame físico [al. FS) da matéria assente];

157. A solicitação do TIC, foi elaborado parecer pelo Colégio de Psiquiatria da

Ordem dos Médicos, o qual se encontra de fls. 5398 a 5405 destes autos, cujo teor se dá por

reproduzido [al. FT) da matéria assente];

158. Em 20-04-2004, o A. juntou ao processo-crime um relatório intitulado “Análise

Crítica dos Exames Periciais Realizados nas Pessoas de (…)”, que ali passou a constituir fls.

18.926 a 18.986, o qual se encontra de fls. 5337 a fls. 5397 destes autos, cujo teor se dá por

integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [al. FT´) da matéria assente];

159. À data da prolação do despacho determinativo da prisão preventiva do A. o

processo era composto por 22 volumes [al. FU) da matéria assente];

160. O inquérito foi instaurado na sequência de notícias divulgadas pela

comunicação social que davam conta da existência de uma rede de “pedofilia” com ligações à

Casa Pia [al. FV) da matéria assente];

34

161. Na base da investigação estiveram factos integradores de crimes públicos [al.

FX) da matéria assente];

162. O universo das potenciais vítimas de tais crimes estava à partida delimitado aos

alunos e ex-alunos da Casa Pia de Lisboa [al. FZ) da matéria assente];

163. Foram inquiridos no decurso do inquérito centenas de alunos ligados à Casa

Pia de Lisboa, que foram indicados como estando próximos do referenciado S... desde o

início, como angariador de menores para a prática de crimes contra a autodeterminação sexual

de crianças e adolescentes [al. GA) da matéria assente];

164. Foram também inquiridos directores de Colégios, professores, educadores,

monitores, funcionários da referida Instituição [al. GB) da matéria assente];

165. No processo-crime não houve oposição ao prosseguimento da intervenção do

Ministério Público, por parte dos menores ou dos seus representantes [al. GC) da matéria

assente];

166. Os abusos sexuais imputados ao Autor reportam-se a períodos de tempo em

que os ofendidos tinham entre 13 a 16 anos de idade [al. GD) da matéria assente];

167. A fls. 13449 e seguintes do processo de inquérito, o Ministério Público

proferiu, em 29-12-2003, despacho que antecedeu a acusação, que se encontra a fls. 1297 e

seguintes destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [al. GE) da matéria

assente e resposta ao artº 19º da base instrutória];

168. A 09-04-2003, foi proferido pelo Sr. Juiz de Instrução despacho autorizando a

recolha de imagens do A. (dentre outras pessoas), na via pública ou em locais livremente

acessíveis ao público, o qual se encontra a fls. 885 destes autos e cujo teor se dá por

integralmente reproduzido [al. GF) da matéria assente];

169. Na sequência desse despacho, o A. foi continuamente vigiado, por som e

imagem, até 22-05-2003, vigilância da qual não resultaram elementos com relevância criminal

[al. GF) da matéria assente];

170. A actividade imputada ao Autor no referido inquérito estende-se até princípios

de 2001 [al. GG) da matéria assente];

171. Verificaram-se apelos, por parte de diversas entidades do Estado e Órgãos de

Soberania, à contenção da actuação da comunicação social relativamente ao processo-crime e

aos arguidos do mesmo [al. GH) da matéria assente];

35

172. Em 27-5-03, foi lavrada uma informação pela Polícia Judiciária, tendo por

objecto afirmações de L…….., a qual se encontra a fls. 4103 destes autos, cujo teor se dá por

integralmente reproduzido [al. GI) da matéria assente];

173. M…… prestou depoimento no DIAP, em 16 de Junho de 2003, o qual se

encontra de fls. 1132 a 1136 destes autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido [al.

GJ) da matéria assente];

174. R….. prestou depoimento na Polícia Judiciária, em 18 de Junho de 2003, que

se encontra de fls. 1148 a 1155 destes autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido [al.

GL) da matéria assente];

175. N……. prestou depoimentos na Polícia Judiciária, em 24 de Junho de 2003 e

em 26 de Junho de 2003, os quais se encontram, respectivamente, de fls. 1180 a 1182 e a fls.

1184 e 1185 destes autos, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos [al. GM) da

matéria assente];

176. O pedo-psiquiatra P……. prestou depoimento no DIAP, em 4 de Julho de 2003

e em 09 de Julho de 2003, os quais se encontram, respectivamente, de fls. 1216 a 1219 e de

fls. 4111 a 4114 destes autos, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos [al. GN) da

matéria assente];

177. S... foi detido em Novembro de 2002 [al. GO) da matéria assente];

178. Em 25-06-2003 foi realizado pelo IML exame médico-legal de natureza sexual,

na pessoa de R……., cujo relatório se encontra de fls. 1190 a 1201 destes autos, cujo teor se

dá por integralmente reproduzido [al. GP) da matéria assente];

179. N…….. prestou depoimento na Polícia Judiciária, em 14 de Julho de 2003 e

em 21 de Novembro de 2003, os quais se encontram, respectivamente, de fls. 1243 a 1246 e

de fls. 1274 a 1277 destes autos, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos [al. GQ)

da matéria assente];

180. F……. prestou depoimento no DIAP, em 17 de Julho de 2003, o qual se

encontra de fls. 1248 a 1253 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [al.

GR) da matéria assente];

181. Em 26 de Novembro de 2003 foi realizado, pelo IML, exame directo de clínica

médico-legal na pessoa do A., cujo relatório, datado de 03-12-2003, se encontra de fls. 1278 a

1291 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [al. GS) da matéria assente];

36

182. Em 26-12-2003 foi elaborado um aditamento ao relatório médico-legal do

exame feito ao A., o qual se encontra a fls. 4123 e 4124 destes autos, cujo teor se dá por

integralmente reproduzido [al. GT) da matéria assente];

183. C……, ex-mulher do A., prestou depoimento em sede de instrução, em 23-03-

2004, o qual se encontra de fls. 1667 a 1671 destes autos, cujo teor se dá por integralmente

reproduzido [al. GU) da matéria assente];

184. L…… prestou depoimento na Polícia Judiciária, em 22 de Julho de 2003, o

qual se encontra de fls. 1254 a 1256 destes autos, cujo teor se dá por integralmente

reproduzido [al. GV) da matéria assente];

185. L…….. prestou depoimento no DIAP, em 03-11-2003, o qual se encontra de

fls. 1261 a 1263 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [al. GX) da

matéria assente];

186. L……. prestou depoimento na Polícia Judiciária, em 19-11-2003, o qual se

encontra de fls. 1264 a 1267 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [al.

GZ) da matéria assente];

187. L…….. prestou depoimentos na Polícia Judiciária, em 18-11-2003 e em 19-12-

2003, os quais se encontram de fls. 1270 a 1273 e a fls. 1295 e 1296 destes autos, cujos teores

se dão por integralmente reproduzidos [al. HA) da matéria assente];

188. A Sr.ª perita A……. prestou declarações em fase de instrução, em 31 de Março

de 2004, que se encontram de fls. 1717 a 1725 destes autos, cujo teor se dá por integralmente

reproduzido [al. HB) da matéria assente];

189. F…….. prestou depoimento em fase de instrução, em 22-04-2004, o qual se

encontra de fls. 1750 a 1752 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [al.

HC) da matéria assente];

190. J……. prestou depoimento em fase de instrução, em 22-04-2004, o qual se

encontra de fls. 1753 a 1756 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [al.

HD) da matéria assente];

191. L……… prestou depoimento em fase de instrução, em 22-04-2004, o qual se

encontra de fls. 1761 a 1763 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [al.

HE) da matéria assente];

192. S... foi interrogado em fase de instrução, em 19 de Março de 2004, auto que em

certidão se encontra de fls. 4125 a 4133 destes autos, cujo teor se dá por integralmente

reproduzido [al. HG) da matéria assente];

37

193. Em 29 de Abril de 2004, no decurso da instrução, S... foi acareado com o

Autor, auto que em certidão se encontra de fls. 1874 a 1878 destes autos, cujo teor se dá por

integralmente reproduzido [al. HH) da matéria assente];

194. A investigação respeitou os prazos legais [al. HI) da matéria assente];

195. A comunicação social tem interesse comercial na divulgação de notícias da

natureza das que estão em causa nos autos, devido ao impacto que a sua publicação tem nas

vendas [al. HJ) da matéria assente];

196. A actividade do A. depende do reconhecimento dos cidadãos [al. HL) da

matéria assente];

197. Após a sua libertação, o A. retomou as suas funções de docente universitário e

de deputado à Assembleia da República [al. HM) da matéria assente];

198. Imediatamente a seguir à sua libertação, o A. foi recebido na Assembleia da

República por vários membros do seu partido e outros políticos [al. HN) da matéria assente];

199. À data da sua detenção, o Autor não recebia, da Assembleia da Republica,

abono para despesas de representação [al. HO) da matéria assente];

200. M…….., assistente social da Casa Pia, prestou depoimento em 23-03-2004, em

sede de instrução, que se encontra de fls. 1661 a 1666 destes autos, cujo teor se dá por

reproduzido [al. HP) da matéria assente];

201. N…….. prestou depoimento em 27-04-2004, em sede de instrução, que se

encontra de fls. 1831 a 16834 destes autos, cujo teor se dá por reproduzido [al. HQ) da

matéria assente];

202. Os menores considerados como ofendidos na acusação estavam confiados à

guarda da Casa Pia de Lisboa [al. HR) da matéria assente];

203. Do processo comum n.º 1718/02.9JDLSB, que corre termos na 3.ª Secção da

8.ª Vara Criminal de Lisboa, fazem parte o apenso BX, constituído em 29-08-2003, do qual

consta o registo biográfico de F…….; o apenso CJ, constituído em 19-11-2003, do qual

consta o registo biográfico de I……; o apenso DA, constituído em 19-11-2003, do qual consta

o registo biográfico de J……….; o apenso DD, constituído em 19-11-2003, do qual consta o

registo biográfico de L………; o apenso DG, constituído em 19-11-2003, do qual consta o

processo individual de N……., não constando dele o registo biográfico do mesmo; o apenso I,

constituído em 09-01-2003, do qual consta o registo biográfico de R……. e o apenso CB,

constituído em 19-08-2003, composto apenas pelas certidões de nascimento de alunos da

Casa Pia, identificados como vítimas naquele processo [al. HS) da matéria assente];

38

204. Aquando da audição da escuta telefónica, respeitante à sessão 485 do alvo

20445, a palavra "russo" a seguir à palavra "embaixador" era perceptível [resposta ao artº 2º

da base instrutória];

205. A foto n.º 8 do apenso AJ foi colocada em dossier, composto de várias folhas,

do qual constavam várias fotografias a cores, as quais começaram por ser mostradas folha a

folha [resposta ao artº 4º da base instrutória];

206. Em 06-02-2003, o dossier de fotografias era composto, pelo menos, por três

folhas, identificadas pelas letras A, B e C [resposta ao artº 5º da base instrutória];

207. Até 17-07-2003, o dossier era composto de 80 fotos [resposta ao artº 6º da base

instrutória];

208. Em 3-12-2003, o álbum era composto por 127 fotos [resposta ao artº 7º da base

instrutória];

209. O álbum de fotografias foi objecto dos aditamentos a que aludem os quesitos

anteriores sem que para tal tenha sido dada qualquer explicação nos autos [resposta ao artº 7º-

A da base instrutória];

210. Nesse dossier, as fotografias, desde a sua colocação no mesmo, ocupam sempre

a mesma posição em todas as exibições, com excepção das fotos n.º s 12 e 32 [resposta ao artº

8º da base instrutória];

211. (...) Estão identificadas sempre pelo mesmo número, com excepção das fotos

n.º s 12 e 32 [resposta ao artº 9º da base instrutória];

212. (...) As fotografias não estão alinhadas com outras fotografias de pessoas com

que tenham semelhanças [resposta ao artº 11º da base instrutória];

213. (...) O formato, a cor, o tamanho e a visibilidade de cada uma das fotografias

são muito diferentes [resposta ao artº 12º da base instrutória];

214. O almoço que teve lugar no Colégio Pina Manique, referido no depoimento

prestado por J……. em 22-04-2004, ocorreu em 07-04-2001 [resposta ao artº 13º da base

instrutória];

215. Em 07-04-2001, à hora de almoço, S... encontrava-se de serviço no Barreiro

[resposta ao artº 14º da base instrutória];

216. A notícia da prisão preventiva do A. foi manchete diária e permanente em

todos os noticiários da comunicação social durante vários meses [resposta ao artº 15º da base

instrutória];

39

217. Em 22-07-2003, a imagem do arguido ainda passava diariamente em todos os

órgãos da comunicação social portuguesa [resposta ao artº 16º da base instrutória];

218. Em 16-12-02, F……. declarou que pertenciam ao seu Lar J……., L………. e

L……. [resposta ao artº 17º da base instrutória];

219. Em 04-02-03, F……… disse em inquérito ser conhecido do L……., embora

falasse menos com ele do que com o J……. [resposta ao artº 18º da base instrutória];

220. No âmbito dos autos de inquérito, havia sido solicitado à Casa Pia, até ao dia

22-05-2003, os processos individuais, pelo menos, de R……., F……. e L…… [resposta ao

artº 21º da base instrutória];

221. A conversa a que respeita a sessão n.º 78 do alvo n.º 21379 destinava-se a

prescindir do pedido de levantamento da imunidade parlamentar do A. [resposta ao artº 22º da

base instrutória];

222. R……. só referiu o nome do A., na televisão, na noite em que este foi preso

[resposta ao artº 23º da base instrutória];

223. Só em 18-06-03, R….. fez, nos autos de inquérito, imputações ao A. [resposta

ao artº 24º da base instrutória];

224. A prisão preventiva do A. foi do conhecimento da opinião pública e mundial

[resposta ao artº 25º da base instrutória];

225. Durante cerca de meio ano houve noticiários quotidianos, à escala mundial,

sobre a sua prisão [resposta ao artº 26º da base instrutória];

226. Todas as pessoas no País e as que no estrangeiro se encontram a par dos

acontecimentos ocorridos noutros países ficaram a conhecer a situação do arguido, a prisão a

que foi sujeito e a acusação de “pedófilo” que sobre ele impendia [resposta ao artº 27º da base

instrutória];

227. A acusação de “pedófilo” relativamente ao A. foi difundida por todo o mundo

[resposta ao artº 28º da base instrutória];

228. O A. sofreu angústia pela definição do seu futuro [resposta ao artº 29º da base

instrutória];

229. (…) E por se ter visto arredado durante quatro meses e meio do seu ambiente

pessoal, familiar e profissional e da própria liberdade de viver [resposta ao artº 30º da base

instrutória];

230. Esse estado de angústia ainda hoje subsiste [resposta ao artº 31º da base

instrutória];

40

231. O A., em cada pessoa que contacta, pressente sempre a hipótese de, no espírito

de cada uma delas, se aventar a dúvida sobre a justeza da sua prisão [resposta ao artº 32º da

base instrutória];

232. (…) O que lhe causa angústias, sofrimentos, pesadelos e depressões que lhe

destroem a alegria de viver e o entusiasmo com que sempre, antes de tal acontecer, encarava o

presente e o futuro [resposta ao artº 33º da base instrutória];

233. A notícia da detenção e da prisão do A. foi amplamente divulgada em todo o

mundo, por televisões, rádios e jornais, de impacte global [resposta ao artº 34º da base

instrutória];

234. (…) Associando o A., aos olhos da opinião pública mundial, à prática de

crimes que merecem particular censura social [resposta ao artº 35º da base instrutória];

235. (…) O que os órgãos de comunicação fizeram apenas porque a notícia se

alicerçava na credibilidade que lhe era conferida pela decisão judicial de valorização dos

indícios e pela aplicação da medida de coacção máxima por um juiz de instrução [resposta ao

artº 36º da base instrutória];

236. As notícias difundidas lançaram uma dúvida nos cidadãos [resposta ao artº 37º

da base instrutória];

237. Dúvida que prejudica o A. por exercer uma actividade totalmente dependente

do reconhecimento da sua probidade e integridade pelos cidadãos [resposta ao artº 38º da base

instrutória];

238. As notícias na comunicação social internacional faziam sistematicamente

referência à condição do A. de figura pública, ex ministro, deputado e número dois do Partido

Socialista [resposta ao artº 39º da base instrutória];

239. Muitas delas referiam que o A. seria um delfim e/ou um possível sucessor do

secretário-geral, dado ser ainda jovem e ter tido um desempenho assinalado em funções

políticas e partidárias [resposta ao artº 40º da base instrutória];

240. Mais de 15 meses passados sobre a decisão judicial de 22-05-03, continuavam

activas na Internet páginas de órgãos de comunicação social de todo o mundo, reproduzidas

das versões impressas, áudio e vídeo de tais órgãos, noticiando a detenção do A. [resposta ao

artº 41º da base instrutória];

241. Tais notícias foram divulgadas por BBC (Reino Unido), Times (EUA), Agência

France Press (França), Interpress Service/Global Information Network (Itália) [resposta ao

artº 42º da base instrutória];

41

242. (…) E também em órgãos da comunicação social, pelo menos, da Alemanha,

Austrália, Brasil, Espanha, EUA, França, Itália, Reino Unido e Bélgica [resposta ao artº 43º

da base instrutória];

243. Na semana de 18 a 25 de Maio de 2003, foram produzidas inúmeras notícias

televisivas, cujo número em concreto não foi possível apurar, envolvendo o nome do A.

[resposta ao artº 44º da base instrutória];

244. No período de 21 de Julho a 12 de Outubro de 2003, o A. foi visado em

inúmeras notícias televisivas, cujo número em concreto não foi possível apurar [resposta ao

artº 45º da base instrutória];

245. Desde a detenção do A. e até 12 de Setembro de 2004, sobre ele foram feitas

inúmeras notícias televisivas, cujo número em concreto não foi possível apurar [resposta ao

artº 46º da base instrutória];

246. Nos dias seguintes à sua detenção o A. foi também alvo de manchetes

jornalísticas diárias e de uma publicação especial da revista Visão [resposta ao artº 47º da base

instrutória];

247. O nome do A. continuou a surgir em inúmeras notícias de todos os órgãos de

comunicação social portuguesa, cujo número em concreto não foi possível apurar [resposta ao

artº 48º da base instrutória];

248. O “Center for Public Integrity”, inseriu a notícia da prisão do A. numa

“Corruption timeline” [resposta ao artº 49º da base instrutória];

249. Em muitas notícias da comunicação social sobre a situação de prisão do A.

invocavam-se fontes da investigação e fontes do MP [resposta ao artº 50º da base instrutória];

250. O A. é pai de uma filha que tinha, à altura dos factos, cinco anos de idade

[resposta ao artº 51º da base instrutória];

251. O A. tem um sobrinho que, à época, tinha quatro anos de idade [resposta ao artº

52º da base instrutória];

252. A filha e o sobrinho do A. frequentavam à data um jardim-escola que lecciona

também o 1.º ciclo do ensino básico [resposta ao artº 53º da base instrutória];

253. A filha e o sobrinho do A. tinham, pelas regras da escola, que usar nos bibes o

nome próprio e o de família [resposta ao artº 54º da base instrutória];

254. Dada a notoriedade pública do seu pai e tio, sobre as crianças incidiu um

perigo emocional, que teve que ser combatido com a sua retirada da escola nas semanas

subsequentes à detenção do A. [resposta ao artº 55º da base instrutória];

42

255. (…) E também com o apoio familiar necessário a poderem suportar os “nomes

feios” que, na linguagem de crianças, alguns colegas lhes dirigiram [resposta ao artº 56º da

base instrutória];

256. (…) E de que a filha do A. se lhe queixava [resposta ao artº 57º da base

instrutória];

257. (…) Situação que agravou ao A. o sofrimento provocado pela reclusão

[resposta ao artº 58º da base instrutória];

258. O A. tem a guarda e tutela conjunta da sua filha [resposta ao artº 59º da base

instrutória];

259. No período de 21 de Maio a 8 de Outubro de 2003, o A. foi materialmente

impedido de exercer a guarda e tutela conjunta da sua filha [resposta ao artº 60º da base

instrutória];

260. A presença do A. junto da filha era necessária naquela altura [resposta ao artº

61º da base instrutória];

261. A mãe da filha do A. encontrava-se então grávida [resposta ao artº 62º da base

instrutória];

262. A filha do A., em Setembro, entraria na 1.ª classe [resposta ao artº 63º da base

instrutória];

263. A filha do A. questionava-o sobre se estaria em liberdade quando fosse para a

1.ª classe [resposta ao artº 64º da base instrutória];

264. A filha do A. faz anos a ... de ... [resposta ao artº 65º da base instrutória];

265. O A. e a mãe de sua filha tinham acordado que, em virtude da gravidez

daquela, caberia ao A. organizar a festa do 6.º aniversário da filha [resposta ao artº 66º da base

instrutória];

266. O A. não pôde estar presente no 6.º aniversário da filha [resposta ao artº 67º da

base instrutória];

267. O A. não viu a filha no dia do seu 6.º aniversário, para não associar o seu

aniversário ao facto traumático de ver o pai na prisão [resposta ao artº 68º da base instrutória];

268. (…) O que causou ao A. grande sofrimento [resposta ao artº 69º da base

instrutória];

269. O A. viu-se forçado a explicar à filha os crimes que lhe eram imputados, que

estava preso e porquê [resposta ao artº 70º da base instrutória];

270. (…) O que lhe foi muito penoso [resposta ao artº 71º da base instrutória];

43

271. No decurso do mês de Junho, a filha do A., nos telefonemas diários que lhe

fazia, começou a perguntar-lhe, recorrentemente, «quando sais daí?» [resposta ao artº 72º da

base instrutória];

272. Com a prolação do acórdão da Relação de Lisboa de 17-07-03, tornou-se

indispensável preparar a filha para o visitar, dado o previsível prolongamento da situação

[resposta ao artº 73º da base instrutória];

273. A 29 de Julho, à pergunta “quando sais daí?”, o A. teve que responder que não

sabia, mas que a filha poderia ir vê-lo [resposta ao artº 74º da base instrutória];

274. A 31 de Julho, o A. recebeu uma carta da filha que diz: “Pai, já comprei as

coisas para a escola. Só quero que saias daí depressa. Beijinhos da tua filha” e tem um

desenho de uma menina sozinha e uma árvore [resposta ao artº 75º da base instrutória];

275. Por essa altura, já o A. lhe tinha enviado uma primeira história, inventada para

a mãe lhe ler ao adormecer e substituir as que inventava e lhe contava todas as noites em que

estava em sua casa [resposta ao artº 76º da base instrutória];

276. (…) O que continuou a fazer e, para minimizar o sofrimento de ambos,

estabeleceu uma troca em que o pai escrevia histórias, que contava à filha na visita, e esta

levava para casa e ela fazia desenhos para a ilustrar [resposta ao artº 77º da base instrutória];

277. A 10 de Agosto de 2003, o A. recebeu a primeira visita da filha [resposta ao

artº 78º da base instrutória];

278. (…) Rodeando-se de todas as cautelas para preservar a imagem da filha

[resposta ao artº 79º da base instrutória];

279. (…) Visita que, como todas as subsequentes, termina um pouco antes da hora,

para ela não o ver ser levado pelos guardas, mas ser ele a despedir-se dela e a vê-la sair

[resposta ao artº 80º da base instrutória];

280. A 12 de Agosto, o A. viu-se impossibilitado de estar presente no 5.º aniversário

do único sobrinho [resposta ao artº 81º da base instrutória];

281. A 18 de Agosto, a filha leu-lhe ao telefone um excerto de “Sindbad, o

marinheiro”, para que possa saber como progrediu na leitura [resposta ao artº 82º da base

instrutória];

282. Sempre que tem que passar junto ao Estabelecimento Prisional de Lisboa, a

filha do A. exterioriza os seus sentimentos, virando o rosto para o edifício e colocando a

língua de fora [resposta ao artº 83º da base instrutória];

44

283. Os factos referidos a 254 a 257, a 259 a 263, de 266 a 279 e a 281 causaram

danos afectivos ao A., na sua relação com a sua filha [resposta ao artº 84º da base instrutória];

284. O Autor tem uma relação afectiva com uma companheira de cuja proximidade

foi privado de 21 de Maio a 8 de Outubro de 2003 [resposta ao artº 85º da base instrutória];

285. O A. ficou extremamente preocupado com o sofrimento da sua companheira, a

que assistia nas visitas [resposta ao artº 86º da base instrutória];

286. (…) E pela perseguição que as televisões lhe faziam quando entrava e saía do

EPL, para o visitar [resposta ao artº 87º da base instrutória];

287. Visita após visita, o A. notava o cansaço e debilitação física e afectiva da

companheira [resposta ao artº 88º da base instrutória];

288. Nos telefonemas e na correspondência que trocavam sentia o enorme esforço

que esta fazia para ser o pilar do equilíbrio possível de toda a família [resposta ao artº 89º da

base instrutória];

289. (…) E sentia que a intensidade do desgaste da companheira lhe tornava penoso

o cumprimento dos deveres profissionais e políticos [resposta ao artº 90º da base instrutória];

290. Tal desgaste da companheira do A. reflectiu-se, pelo menos, em perda de peso,

insónias e num grande esforço para ocultar ao A. o seu sofrimento [resposta ao artº 91º da

base instrutória];

291. O A. sofreu com o sofrimento que via na sua companheira [resposta ao artº 92º

da base instrutória];

292. (…) E por sentir ser a sua situação de prisão a causa daquele sofrimento e

desgaste e ao mesmo tempo o obstáculo para que ele a pudesse socorrer [resposta ao artº 93º

da base instrutória];

293. Sabendo que a companheira fez o possível por minorar o sofrimento da sua

filha e do seu sobrinho, levando-os a acampar em casa de um amigo, o A. sofreu por não os

poder acompanhar [resposta ao artº 94º da base instrutória];

294. Foram retirados à companheira do A. dossiers políticos que acompanhava,

apenas por ser sua companheira [resposta ao artº 95º da base instrutória];

295. O A. sofreu por não poder impedir, nem contrariar, tais consequências da sua

prisão [resposta ao artº 96º da base instrutória];

296. Tais factos provocaram ao A. um sofrimento enorme [resposta ao artº 97º da

base instrutória];

45

297. Os pais do A. tinham à data dos factos 72 e 66 anos de idade [resposta ao artº

98º da base instrutória];

298. O A. tem uma relação de grande intensidade afectiva com os pais, com o seu

único irmão e a sua cunhada [resposta ao artº 99º da base instrutória];

299. O choque sofrido pelos pais por verem, de repente, um filho preso, perturbou o

A. muito fortemente [resposta ao artº 100º da base instrutória];

300. (…) O que foi reforçado pela notícia de que os pais foram perseguidos pelas

televisões, quer na sua residência habitual, quer numa residência secundária [resposta ao artº

101º da base instrutória];

301. (…) E pelo sofrimento de os ver, cidadão anónimos, filmados, quando o

visitavam, indefesos e impossibilitados de fugir a tal perseguição mediática, sob pena de não

o verem [resposta ao artº 102º da base instrutória];

302. (…) E também pela exposição sucessiva dos pais às notícias produzidas

diariamente em todos os órgãos da comunicação social [resposta ao artº 103º da base

instrutória];

303. Entristeceu-o profundamente saber que o irmão decidira suspender a sua

participação no Conselho Superior da Magistratura em função da sua prisão [resposta ao artº

105º da base instrutória];

304. O A. não pôde passar com a família o aniversário da mãe, a ... de ... [resposta

ao artº 106º da base instrutória];

305. (…) Nem o do irmão, a ... de ... [resposta ao artº 107º da base instrutória];

306. Visita após visita, o A. notava o emagrecimento drástico dos pais e o seu

abatimento [resposta ao artº 108º da base instrutória];

307. (…) O que o fez sofrer enormemente, por saber ser a sua situação de prisão a

causa de tudo isso [resposta ao artº 109º da base instrutória];

308. O A., por causa da detenção e prisão, teve que se demitir de presidente do

conselho de gestão do PS, com efeitos a partir de 21 de Maio [resposta ao artº 110º da base

instrutória];

309. (…) E que se suspender das funções de secretário nacional para a Organização,

com efeitos também a partir de 21 de Maio [resposta ao artº 111º da base instrutória];

310. (…) E que optar entre solicitar a suspensão de mandato entre 21 de Maio e 8 de

Outubro de 2003 ou a perda do mandato por “faltas injustificadas”, pelo período da sua

detenção [resposta ao artº 112º da base instrutória];

46

311. (…) E que solicitar a sua saída da direcção do grupo parlamentar do PS, em

Setembro de 2003, dada a impossibilidade material de exercer funções [resposta ao artº 113º

da base instrutória];

312. O A. sentiu que a sua detenção e prisão prejudicavam o PS e o seu secretário-

geral [resposta ao artº 114º da base instrutória];

313. O barómetro de opinião, do DN de Maio de 2003, revelou uma forte descida

eleitoral ao PS e uma quebra de popularidade de F... de 10 % [resposta ao artº 115º da base

instrutória];

314. (…) Ocasionado, pelo menos, pela situação de prisão do A. [resposta ao artº

116º da base instrutória];

315. (…) O que muito o fez sofrer emocionalmente [resposta ao artº 117º da base

instrutória];

316. A acusação deduzida pelo Ministério Público contra o A. abalou uma das suas

convicções mais profundas, a do bom funcionamento da justiça como pilar da democracia

[resposta ao artº 118º da base instrutória];

317. Em virtude da sua prisão, o A. sofreu uma tensão nervosa [resposta ao artº 119º

da base instrutória];

318. (…) E uma elevação da tensão arterial, que o obrigou a duplicar a dosagem de

“C...”, um medicamento que já tomava, de 5 mg para 10 mg [resposta ao artº 120º da base

instrutória];

319. O A. tomou mais cedo um medicamento que habitualmente toma em Agosto,

“O...”, para proteger o estômago do desgaste nervoso [resposta ao artº 121º da base

instrutória];

320. Teve crises de ansiedade, que lhe provocaram tremores das mãos, notados

pelas suas visitas [resposta ao artº 122º da base instrutória];

321. Passou a necessitar de acompanhamento psiquiátrico regular pelo Dr. R…

[resposta ao artº 123º da base instrutória];

322. (…) Que se mantém desde o dia 2 de Julho de 2003 até à presente data

[resposta ao artº 124º da base instrutória];

323. Que lhe receitou, logo na primeira consulta, uma medicação anti-depressiva

[resposta ao artº 125º da base instrutória];

324. O A. teve, também, acompanhamento psiquiátrico regular pela psiquiatra do

EPL, Dra. L…., durante todo o período de reclusão [resposta ao artº 126º da base instrutória];

47

325. O A. encontrou-se preso, conjuntamente com outros reclusos do denominado

“processo Casa Pia”, num espaço isolado existente na Ala F do EPL [resposta aos artºs 127º e

192º da base instrutória];

326. Ocasiões houve em que as cabines estavam avariadas no período em que ao A.

era permitido telefonar [resposta ao artº 132º da base instrutória];

327. (…) Impossibilitando-o de contactar com a família e isolando-o [resposta ao

artº 133º da base instrutória];

328. (…) Provocando-lhe uma enorme ansiedade sobre o que se passaria com os

seus familiares mais próximos [resposta ao artº 134º da base instrutória];

329. Se o A. estivesse em contacto com outros reclusos correria perigo de vida e por

razões de segurança foi colocado, ao fim de alguns dias de prisão, no espaço isolado existente

na Ala F e a fazer o recreio separadamente [resposta conjunta aos artºs 137º, 138º e 141º e

resposta ao artº 195º da base instrutória];

330. (…) O que o fez temer pela sua vida [resposta ao artº 139º da base instrutória];

331. No primeiro dia de reclusão, quando utilizava o tempo ao ar livre, que os

regulamentos prisionais estabelecem, o A. recebeu de vozes anónimas, das celas, o

incitamento ao suicídio “mete a corda” [resposta ao artº 140º da base instrutória];

332. (…) O A. foi alvo de ameaças, quando se encontrava a falar com o seu

advogado, no espaço próprio para o efeito [resposta ao artº 142º da base instrutória];

333. O choque provocado pela sua prisão e pela intensidade pública da sua notícia

foi de tal intensidade que o A. ficou sem conseguir ouvir ou ler notícias [resposta ao artº 143º

da base instrutória];

334. O A. tinha o hábito de ouvir a TSF de manhã [resposta ao artº 144º da base

instrutória];

335. Apenas conseguiu voltar a sintonizar este posto a 8 de Junho de 2003 [resposta

ao artº 145º da base instrutória];

336. A 11 de Junho de 2003, foi-lhe dada por outros reclusos a notícia de que um

programa interactivo da SIC-Notícias tinha sido dedicado à sua reclusão, nele tendo havido

telefonemas do público que o ofendiam [resposta ao artº 146º da base instrutória];

337. Apenas a 21 de Junho de 2003, o A. conseguiu retomar o hábito de ler jornais

[resposta ao artº 147º da base instrutória];

338. O A. recebeu cartas anónimas [resposta ao artº 148º da base instrutória];

48

339. O recebimento de cartas anónimas aumentou no A. o temor de que lhe tirassem

a vida [resposta ao artº 150º da base instrutória];

340. Logo a seguir à libertação, voltou a receber, bem como a companheira,

correspondência anónima ameaçadora [resposta ao artº 151º da base instrutória];

341. As imagens a que alude a alínea EM) correram mundo [resposta ao artº 152º da

base instrutória];

342. Essas imagens fizeram parte de um spot promocional da RTP, durante um

período de 2003 [resposta ao artº 153º da base instrutória];

343. Imagens que o A. viu quando estava no EPL [resposta ao artº 154º da base

instrutória];

344. (…) A cada passagem das mesmas se adensando o seu sofrimento [resposta ao

artº 155º da base instrutória];

345. Ao ser decretada a prisão preventiva do A., o seu vencimento de funcionário

público (assistente do ISCTE) ficou reduzido em um sexto, correspondente à remuneração de

exercício [resposta ao artº 156º da base instrutória];

346. O vencimento mensal, como assistente do ISCTE, era de € 1 274,31 [resposta

ao artº 157º da base instrutória];

347. Em virtude da sua prisão, perdeu o A. a remuneração de 10 dias do mês de

Maio de 2003, relativamente à remuneração de exercício do ISCTE, e de 9 dias desse mês,

relativamente à remuneração base de deputado, parcela esta no valor líquido de € 761,53

[resposta ao artº 158º da base instrutória];

348. Em virtude da sua prisão, o A. perdeu a remuneração dos meses de Junho,

Julho, Agosto e Setembro de 2003, relativamente à remuneração de exercício do ISCTE e à

remuneração base de deputado, esta no valor mensal líquido de € 2 090,09 [resposta ao artº

159º da base instrutória];

349. Em virtude da sua prisão, o A. perdeu a remuneração de oito dias do mês de

Outubro de 2003, relativamente à remuneração de exercício do ISCTE e à remuneração base

de deputado, parcela esta no valor líquido de € 686,12 [resposta ao artº 160º da base

instrutória];

350. O A. deixou de receber despesas de deslocação, pagas pela Assembleia da

República, por ser deputado pelo círculo eleitoral de Setúbal, de 22 de Maio a 8 de Outubro

de 2003, no valor de € 2 507,93 [resposta ao artº 164º da base instrutória];

49

351. O A. perdeu parte do subsídio de férias em Junho de 2003, no valor de líquido

de € 846,16 [resposta ao artº 165º da base instrutória];

352. E parte do subsídio de Natal, em Novembro de 2003, no valor líquido de

€ 846,16 [resposta ao artº 166º da base instrutória];

353. O A., desde meses antes de ser detido, escrevia semanalmente um artigo no

Jornal Notícias [resposta ao artº 167º da base instrutória];

354. Actividade em que auferia a remuneração semanal de cerca de € 200,00

[resposta ao artº 168º da base instrutória];

355. O A., em virtude da sua prisão, não publicou artigos [resposta ao artº 169º da

base instrutória];

356. O A. era comentador semanal da SIC Notícias (programa Frente a Frente)

[resposta ao artº 170º da base instrutória];

357. Auferindo por cada participação semanal € 250,00 [resposta ao artº 171º da

base instrutória];

358. O A. participaria nesse programa, previsivelmente, pelo menos até ao fim da

legislatura, duas a três vezes por mês [resposta ao artº 172º da base instrutória];

359. O A. tinha sido convidado a prestar em Moçambique, no Verão de 2003,

assistência técnica sobre reforma dos partidos políticos [resposta ao artº 173º da base

instrutória];

360. O A. despendeu em pareceres de jurisconsultos, tendentes a demonstrar a

ilegalidade da sua prisão, pelo menos, o valor de € 17 850,00 [resposta ao artº 175º da base

instrutória];

361. O A. despendeu o valor de € 5 000,00, em parecer elaborado por especialistas

de psiquiatria, pedopsiquiatria e psicologia clínica [resposta ao artº 176º da base instrutória];

362. O A. encarregou o seu irmão e a sua companheira de se deslocarem à Bélgica,

a fim de se avistarem com o ex-vice-1.º Ministro da Bélgica, E..., no sentido de tentarem

perceber e demonstrar que o A. estava sendo alvo de uma urdidura [resposta ao artº 177º da

base instrutória];

363. Nessa viagem, efectuada a expensas do A., gastou este a quantia de, pelo

menos, € 1 000,00 [resposta ao artº 178º da base instrutória];

364. Para os fins pretendidos, era essencial o contacto pessoal com o Sr. E...

[resposta ao artº 179º da base instrutória];

50

365. Para o defender no processo-crime e impugnar a legalidade da sua situação de

privação de liberdade, contratou o A. os serviços jurídicos das sociedades de advogados

“C……”, com sede em Aveiro, e “P….”, com sede em Lisboa [resposta ao artº 180º da base

instrutória];

366. O álbum de fotografias do Apenso AJ, em 28-4-03 era composto, pelo menos,

de 32 fotografias [resposta ao artº 181º da base instrutória];

367. Dentre essas fotografias contavam-se algumas que retratavam pessoas não

arguidas ou suspeitas no processo-crime [resposta ao artº 182º da base instrutória];

368. Nesse álbum existiam outras fotografias de dimensões idênticas àquela que

retrata o Autor e outras de dimensões mais reduzidas [resposta ao artº 183º da base

instrutória];

369. A autorização da Assembleia da República para comparência em juízo de um

deputado pode demorar cerca de um mês a ser concedida [resposta ao artº 184º da base

instrutória];

370. A fotografia n.º 81 do Apenso AJ, que também retrata o A., só foi aditada ao

processo em 17-7-2003 [resposta ao artº 185º da base instrutória];

371. O depoimento prestado em 06-01-2003 por F…. serviu para dar início à

investigação no que respeita ao Autor [resposta ao artº 186º da base instrutória];

372. Algumas das testemunhas inquiridas no inquérito até à data da prolação do

despacho determinativo da prisão preventiva do A. não se conheciam umas às outras por não

residirem nos mesmos Lares ou Colégios da Casa Pia, por não terem estado ao mesmo tempo

nesta instituição, ou porque não tinham sido objecto de abusos sexuais na mesma altura

[resposta ao artº 187º da base instrutória];

373. Relativamente a N….., nascido em 28-04-1987, do depoimento prestado em

24-06-2003 consta “(…) manifestar o seu desejo de proceder criminalmente contra todos os

indivíduos que de si abusaram sexualmente, não só os mencionados nesta data, como também

aqueles de quem venha a recordar-se posteriormente e cujo comportamento seja passível de

procedimento criminal” e do depoimento de 21-11-2003 consta “reitera o desejo de

procedimento criminal contra todos os indivíduos que de si abusaram sexualmente”; no que

respeita a I……., nascido em 25-11-1986, do depoimento prestado em 11-03-2003 consta

“(…) deseja procedimento criminal contra o B..., aliás S..., o individuo da foto n.º 7 (H...) e o

F...”, do seu depoimento prestado em 08-04-2003 consta “continua a desejar procedimento

criminal contra todos os autores de todos os crimes de que foi vítima, nomeadamente S..., F...

51

e H...”; no que concerne a L……, nascido em 28-09-1986, do depoimento prestado em 16-01-

2003 consta “deseja procedimento criminal contra o “B...”, o C..., o médico da Casa Pia que

referiu e todos os outros que praticaram actos sexuais consigo”, do depoimento prestado em

03-02-2003 consta “(…) deseja procedimento criminal contra o “B...”, o C..., o F..., o

individuo de óculos (P...) e o individuo que referiu amigo deste último, desconhecendo o

nome dele”, do seu depoimento de 10-03-2003 consta “continua a desejar procedimento

criminal contra o B..., o C..., o médico, F..., o individuo de óculos (P...) e o amigo deste”, no

depoimento prestado em 09-04-2003 consta “continua a desejar procedimento criminal contra

todos os indivíduos já mencionados que de si abusaram sexualmente”, e no depoimento

prestado em 24-04-2003 consta “continua a desejar procedimento criminal contra S..., C...,

F..., P..., bem como contra os outros indivíduos com quem manteve relações sexuais e cuja

identidade desconhece”; relativamente a L……., nascido em 26-09-1986, do depoimento

prestado em 25-03-2003 consta “(…) desejar procedimento criminal contra todos e quaisquer

homens que de si tenham abusado sexualmente, incluindo até alguns dos quais se possa vir a

recordar com mais pormenor.”; do depoimento prestado em 28-04-2003 consta “continua a

desejar procedimento criminal contra os autores dos crimes dos quais foi vítima,

nomeadamente, o médico F..., o Dr. A... e o individuo constante da fotografia n.º 8 do álbum

de fotografias constante do processo, cuja identidade desconhece”, no seu depoimento

prestado em 22-07-2003 consta “continua a desejar procedimento criminal contra os

indivíduos com quem manteve actos sexuais já referidos e também o deseja contra o C...” e no

depoimento de 19-11-2003 consta “reitera o desejo de procedimento criminal contra todos os

indivíduos que de si abusaram sexualmente” [resposta ao artº 188º da base instrutória];

374. Ninguém, com poderes de representação relativamente aos menores, havia

exercido anteriormente o direito de queixa relativamente aos factos descritos, por

desconhecerem a verificação dos factos e a identidade dos seus autores e por os menores não

se encontrarem a viver com os progenitores ou a eles entregues [resposta ao artº 189º da base

instrutória];

375. A Casa Pia de Lisboa também não participou as situações descritas por, quem

tinha poder para tanto, as desconhecer [resposta ao artº 190º da base instrutória];

376. A fotografia do A., constante do álbum do apenso AJ, foi comparada pelo

menos com as demais fotos constantes do mesmo [resposta ao artº 191º da base instrutória];

377. O Autor não apresentou qualquer reclamação de que as cabines telefónicas

públicas se encontravam avariadas [resposta ao artº 194º da base instrutória];

52

378. A correspondência é aberta por um dos guardas na presença dos reclusos

apenas para efeito de impedimento da entrada de objectos não consentidos [resposta ao artº

196º da base instrutória];

379. Nunca é fiscalizado ou lido o texto das cartas [resposta ao artº 197º da base

instrutória];

380. Aquando da prolação do despacho de 15-07-2003, que reavaliou os

pressupostos da medida de coação e decidiu manter a aplicada prisão preventiva, o Sr. Juiz de

Instrução considerou o depoimento de R…… prestado na PJ em 18-06-2003 (fls. 1148 a 1155

destes autos) [resposta ao artº 200º da base instrutória];

381. Aquando da prolação do despacho de 15-07-2003, que reavaliou os

pressupostos da medida de coação e decidiu manter a aplicada prisão preventiva, o Sr. Juiz de

Instrução considerou o depoimento de N…….. prestado na PJ em 24-06-2003 (fls. 1180 a

1182 destes autos) [resposta ao artº 201º da base instrutória];

382. A investigação cuidou de confirmar as listagens das chamadas telefónicas

efectuadas/recebidas para os telemóveis de S... [resposta ao artº 208º da base instrutória];

383. A equipa técnico-educativa do Lar Martins Correia, em 09-01-2003, elaborou

um relatório relativo a F……. do qual consta “este jovem, pelo conhecimento que fomos

adquirindo da sua personalidade, possui traços que demonstram uma instabilidade emocional

e afectiva, com características de conflituosidade, quer com adultos quer com pares, desafio

da autoridade, mentira e fabulação” [resposta ao artº 211º da base instrutória];

384. Do apenso I do processo-crime, respeitante ao processo individual de R…..,

consta um relatório elaborado, em 25-05-2001, pela equipa técnico-educativa do internato da

Casa Pia, do qual consta “(…) perante a sua vontade expressa de sair do Lar e a forma como

infringiu as regras estabelecidas pela equipa educativa, o R…… veio a sair do Colégio no

final do mês de Dezembro de 1999, passando a residir numa casa arrendada, sendo de perto

apoiado pela filha da ama, que juntamente com a equipa Técnico-Educativa se disponibilizou

para tentar orientá-lo. (…)” [resposta conjunta aos artºs 212º e 213º da base instrutória];

385. R….. teve baixa definitiva da Casa Pia em 20-06-2001 [resposta ao artº 214º da

base instrutória];

386. F…… foi admitido na Casa Pia em 04-05-1998 [resposta ao artº 215º da base

instrutória];

387. L….. prestou declarações na fase de instrução, a fls. 19.045 a 19.047 dos autos

de inquérito, às quais respeita a alínea CQ) da matéria assente e das quais consta “o declarante

53

reconheceu o P... pela primeira vez nas fotografias que lhe foram mostradas na PJ porque se

lembrava muito bem da sua cara; foi também a primeira vez que soube o nome dele” [resposta

ao artº 216º da base instrutória].

***

2.2. Descrita a dinâmica processual e os factos considerados provados, importa então

conhecer do objecto dos recursos interpostos, delimitado pelas respectivas conclusões, e cujas

questões jurídicas emergentes foram já especificadas.

De harmonia com a prioridade estabelecida no art. 710.º, n.º 1, do Código de

Processo Civil (CPC), começa-se pelo recurso de agravo, interposto pelo Réu do despacho

que admitiu a réplica.

Decorre do disposto no n.º 1 do art. 502.º do CPC que à contestação pode o autor

responder na réplica, designadamente se for deduzida alguma excepção e somente quanto à

matéria desta.

A questão da admissibilidade da réplica coloca-se somente neste âmbito, porquanto

está fora de causa a dedução de reconvenção.

Na contestação cabe tanto a defesa por impugnação como por excepção.

Nos termos do n.º 2 do art. 487.º do CPC, o réu defende-se por impugnação quando

contradiz os factos articulados na petição ou quando afirma que esses factos não podem

produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor. O réu defende-se por excepção quando alega

factos que obstam à apreciação do mérito da causa ou que, servindo de causa impeditiva,

modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou

parcial do pedido. Atento o disposto no art. 488.º do CPC, a defesa por excepção deve ser

especificada separadamente, por “razões de clareza e em concretização do princípio da boa fé

processual”, como se proclama no preâmbulo do DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro.

Assim, na defesa por impugnação, o réu nega os factos ou o efeito jurídico

pretendido pelo autor. A negação dos factos pode ser directa, quando são contrariados

frontalmente, ou indirecta se o réu, aceitando parte dos factos invocados, alega outros que

contrariam a verificação do facto constitutivo do direito do autor. Na impugnação indirecta,

motivada ou qualificada como também é apelidada, o réu alega uma versão diferente dos

factos que contraria ou é incompatível com a causa de pedir invocada, negando o respectivo

facto constitutivo (ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA,

54

Manual de Processo Civil, 2.ª edição, 1985, pág. 288, ANSELMO DE CASTRO, Direito

Processual Civil Declaratório, Vol. III, 1982, pág. 213, e LEBRE DE FREITAS, Código de

Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2001, pág. 288).

Na defesa por excepção, por sua vez, o réu alega factos que obstam ao conhecimento

do mérito da causa ou importam a sua absolvição total ou parcial do pedido. Nesta última

situação, correspondente à da excepção peremptória, os factos alegados, embora não

afectando o facto constitutivo do direito do autor, são impeditivos, modificativos ou extintivos

desse direito.

Esta última defesa por excepção aproxima-se bastante da defesa por impugnação

indirecta, mas, todavia, não são confundíveis. Na primeira, o facto constitutivo não é negado,

apenas se alegam outros factos que infirmam os seus efeitos. Na segunda, na impugnação

indirecta, o facto constitutivo é negado, mediante a alegação de factos diversos (ANSELMO

DE CASTRO, ibidem, pág. 216, e M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo

Processo Civil, 2.ª edição, 1997, págs. 288 e 289).

No caso vertente, o Autor fundamentou o direito à indemnização na detenção e

prisão preventiva ilegal ou injustificada. O Réu, embora aceitando alguns dos factos alegados

pelo Autor, invocou outros na contestação, para afirmar a detenção e a prisão preventiva

como sendo legal ou justificada, negando sempre que aqueles actos tivessem sido ilegais ou

injustificados. Deste modo, é claro que o direito à indemnização, com o fundamento constante

da petição inicial, foi sempre negado pelo Réu, nunca tendo reconhecido o facto constitutivo

do direito invocado pelo Autor.

Por isso, os factos deduzidos na contestação pelo Réu não podiam ser qualificados

como sendo factos impeditivos, modificativos ou extintivos do efeito jurídico dos factos

articulados pelo Autor, representando antes uma versão diversa dos factos, que se insere no

âmbito da defesa por impugnação indirecta ou impugnação motivada.

Neste contexto, afastada da contestação do Réu a defesa por excepção, não assistia ao

Autor o direito de responder por réplica, por tal não ser permitido pelo disposto no n.º 1 do

art. 502.º do CPC.

Assim sendo, justifica-se o provimento do agravo, com a consequente revogação

do despacho recorrido, devendo a réplica ser desentranhada do processo, com a

desconsideração ainda dos factos que emergiram do mesmo articulado.

55

2.3. Entrando no conhecimento da apelação interposta pelo Réu, interessa referir,

preliminarmente, que, não sendo já aceite, pela jurisprudência, o modo como se consideraram

provados certos factos, dando como integralmente reproduzido o teor dos documentos para os

quais se remete, entende-se não retirar consequências dessa circunstância, sem prejuízo da

extratação que se entenda vir a ser necessária, quer porque tal resultou da sugestão das partes

aceite pelo Tribunal, e que por economia processual não se justifica agora questionar, quer

porque a matéria de facto não vem impugnada, sendo certo ainda que muitos desses factos

pouco ou nada relevam para a decisão (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de

Outubro de 1995, Colectânea de Jurisprudência (STJ), Ano III, T. 3, pág. 65, em especial,

pág. 67).

No âmbito da selecção da matéria de facto (art. 511.º do CPC), pretende o R., quanto

à alínea L) da matéria assente (facto n.º 11), a supressão da expressão “na sequência”.

Embora tal expressão não resulte de alegação expressa na petição inicial (art. 10.º), a

mesma está aí compreendida, sem ter sido impugnada pelo R., nomeadamente no art. 6.º da

contestação que àquele se refere, não se justificando a sua modificação.

Pretende também a eliminação da matéria assente na alínea CP) (n.º 84), por

constituir uma redundância desrespeitadora e desgarrada da integralidade do depoimento

referido na alínea S) (n.º 18).

Esta matéria emerge da alegação feita no art. 14.º da petição inicial, que não foi

especificamente impugnada na contestação, e resulta do texto do depoimento da respectiva

testemunha que afirmou não saber o nome, identificando o Autor pela indicação na fotografia

e como o “indivíduo de óculos”. Tratando-se de um mero facto, não há motivo para a sua

exclusão da matéria assente.

O R. pretende ainda a eliminação da matéria assente na alínea DB) (n.º 93), por

envolver uma conclusão ou interpretação do direito aplicável, para além de estar

controvertida.

A questão da queixa, para efeitos de legitimidade para o procedimento criminal,

encontra-se controvertida (quesito 188.º), podendo ainda enquadrar-se como uma questão de

direito, face ao disposto nos arts. 48.º e segs. do Código de Processo Penal (CPP). Seja qual

for a perspectiva, tal matéria não podia ter sido assente, devendo por isso ser daí eliminada.

O R. pretende ainda também a supressão da expressão “foi acompanhado” constante

da alínea EJ) (n.º125), por a considerar ambígua ou obscura.

56

A materialidade, com tal expressão, foi alegada no art. 421.º da petição inicial e foi

reconhecida como verdadeira no art. 564.º da contestação, e por isso deve ser mantida, sendo

certo ainda que da mesma não resulta a expressão de qualquer vontade do Juiz de Instrução.

O R. pretende também ainda a eliminação da matéria assente nas alíneas HP) (n.º

200) e HQ) (n.º 201), bem como a dos quesitos 208.º e 211.º a 215.º da base instrutória, por

respeitar a matéria inserida na réplica, ilegalmente admitida.

Efectivamente, tendo sido decidido antes que a réplica era inadmissível, nos termos

do art. 502.º, n.º 1, do CPC, não podem ser atendidos na acção os factos alegados nesse

articulado, como são os referidos, devendo os mesmos considerar-se como não escritos, nos

termos dos arts. 264.º, 467.º, n.º 1, alínea d), 646.º e 664.º, todos do CPC.

Por fim, pretende o R. que seja considerada como não escrita a expressão

“ameaçadora” contida no quesito 151.º da base instrutória, que obteve uma resposta positiva

(facto n.º 340), por ser sobretudo conclusiva.

Consta desse facto que “logo a seguir à libertação, voltou a receber, bem como a

companheira, correspondência anónima ameaçadora”. Esta expressão, podendo embora ter

algo de conclusivo, também tem de factual, porquanto é possível na mesma incluir-se a

percepção de uma situação de perigo, com o anúncio de um mal, nomeadamente para a vida,

sendo aliás num contexto de temor pela vida que a matéria foi alegada (arts. 418.º a 420.º da

petição inicial). Assim, deve manter-se a expressão referida no quesito.

Em conclusão do que antecede, da matéria de facto descrita, são excluídos os

factos com os n.º s 93, 200, 201 e 382 a 386 (destacados com sublinhado).

2.4. Delimitada a matéria de facto dos autos, interessa então conhecer da questão de

saber se ao Autor assiste o direito à indemnização por privação da liberdade ilegal ou

injustificada, reconhecido pela sentença recorrida, mas impugnado pelo Réu.

Segundo o art. 27.º, n.º 5, da Constituição, “a privação da liberdade contra o

disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos

termos que a lei estabelecer”.

Trata-se de uma norma especial relativamente ao princípio geral de responsabilidade

civil do Estado, estabelecido no art. 22.º da Constituição, nos termos do qual o Estado e as

demais entidades públicas são civilmente responsáveis por acções ou omissões praticadas no

exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos,

liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.

57

A norma do n.º 5 do art. 27.º da Constituição corresponde, assim, a um alargamento

da responsabilidade civil do Estado a factos ligados ao exercício da função jurisdicional, indo

além do clássico erro judiciário (GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição

da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição, 2007, pág. 485).

A aplicação específica do disposto no n.º 5 do art. 27.º da Constituição, com o

afastamento do princípio geral do art. 22.º da Constituição, constitui também uma firme

posição seguida pela jurisprudência, designadamente, nos acórdãos do Supremo Tribunal de

Justiça, de 1 de Junho de 2004 (Colectânea de Jurisprudência, STJ, Ano XII, T. 2, pág. 80),

de 19 Outubro de 2004 (Colectânea de Jurisprudência, STJ, Ano XII, T. 3, pág. 74), de 22 de

Janeiro de 2008 (processo n.º 07A2381) e de 11 de Setembro de 2008 (processo n.º 08B1747)

estes últimos acessíveis em www.dgsi.pt.

Dando exequibilidade ao respectivo comando constitucional, o art. 225.º do Código

de Processo Penal regula e define as situações determinantes da indemnização por privação da

liberdade ilegal ou injustificada, que, embora inseridas num diploma adjectivo, têm uma

natureza substantiva, com influência na sua aplicação no tempo.

Reportando-se a situação dos autos da detenção e prisão preventiva de 21 de Maio de

2003 a 8 de Outubro de 2003, é aplicável aquela norma na redacção anterior à introduzida

pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, já que a lei nova só dispõe para o futuro, nos termos do

disposto no art. 12.º, n.º 1, do Código Civil.

Assim, dispunha então o art. 225.º do CPP:

“1. Quem tiver sofrido detenção ou prisão preventiva manifestamente ilegal pode

requerer, perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos com a privação da

liberdade.

2. O disposto no número anterior aplica-se a quem tiver sofrido prisão preventiva

que, não sendo ilegal, venha a revelar-se injustificada por erro grosseiro na apreciação dos

pressupostos de facto de que dependia. Ressalva-se o caso de o preso ter concorrido, por

dolo ou negligência, para aquele erro.”

Segundo MAIA GONÇALVES, o disposto aqui sobre a indemnização por privação

da liberdade ilegal ou injustificada resulta de Convenções a que Portugal aderiu,

designadamente da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada pela Lei n.º

65/78, de 13 de Outubro, que, no seu art. 5.º, n.º 5, confere direito a qualquer pessoa vítima de

58

prisão ou detenção em condições contrárias às que nesse artigo se estabelecem, e que a nossa

lei interna perfilhou (Código de Processo Penal Anotado, 14.ª edição, 2004, pág. 485).

Como decorre expressamente dos termos do n.º 1 do art. 225.º do CPP, para o direito

à indemnização não basta que a detenção ou a prisão preventiva seja ilegal, é necessário ainda

que seja manifestamente ilegal. A simples ilegalidade pode justificar o recurso, mas não é

suficiente para fundamentar a indemnização. Esta exige mais, nomeadamente uma situação de

manifesta ilegalidade da detenção ou da prisão preventiva, correspondente àquela situação

que não deixa dúvidas a ninguém, pela evidência e clareza que, objectivamente, apresenta.

Esta exigência legal justifica-se, como refere o já citado acórdão do Supremo

Tribunal de Justiça de 22 de Janeiro de 2008, por o legislador ter pretendido “tornar

admissível um certo grau de discricionariedade vinculada na aplicação da lei pelos juízes,

quando aplicam a prisão preventiva, cuja consequência pode traduzir-se numa ilegalidade.

“Dando-se a estes uma margem (…) de liberdade que lhes permita, quando decidem,

ter opiniões porventura divergentes sobre os fundamentos da prisão preventiva, não se coarcta

o direito fundamental a decidir com liberdade e sujeito a critérios de legalidade. É ainda aqui

a preservação da independência dos juízes na administração da justiça que está em causa,

sendo certo que, no exercício da sua competência funcional aqueles apenas se encontram

limitados pelo dever de obediência à lei e à Constituição, não podendo ser responsabilizados

pelos juízos técnicos emitidos nas respectivas decisões, ainda que estas possam ser alteradas

por via de recurso”.

É corrente indicar-se, na jurisprudência e na doutrina, como situações de detenção ou

prisão preventiva manifestamente ilegais previstas no n.º 1 do art. 225.º do CPP, aquelas em

que a detenção ou prisão é efectuada ou ordenada por entidade incompetente, motivada por

facto pelo qual a lei a não permite ou é mantida para além dos prazos legais. Assim, é

manifestamente ilegal a detenção baseada na indiciação de uma infracção criminal punível

apenas com a pena de multa, assim como é manifestamente ilegal a prisão preventiva

fundamentada na indiciação da prática de um crime punível com a pena de prisão máxima

inferior a três anos (tomando como referência as normas legais anteriores à Lei n.º 48/2007,

de 29 de Agosto).

Aliás, importa realçar que este último diploma legal, tendo abandonado o emprego

do conceito aberto que vinha sendo usado, tipificou concretamente as situações, como

algumas das que se mencionaram, na nova redacção conferida ao art. 225.º do CPP, como

causas do direito à indemnização por privação da liberdade ilegal.

59

Por outro lado, a constitucionalidade da norma do n.º 1 do art. 225.º do CPP,

nomeadamente no sentido do legislador ordinário ter cumprido a directiva constitucional

inscrita no n.º 5 do art. 27.º da Constituição, que tem sido questionada por alguns, foi

eloquentemente reconhecida pelo Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 160/95, de 15 de

Março de 1995 (BMJ n.º 446 (Suplemento), pág. 446), constituindo também jurisprudência

largamente seguida pelo Supremo Tribunal de Justiça, como sucedeu, entre outros, nos

acórdãos de 1 de Junho de 2004, 22 de Janeiro de 2008 e 11 de Setembro de 2008, já

anteriormente citados.

Por sua vez, o n.º 2 do art. 225.º do CPP contempla ainda outra situação que atribui o

direito à indemnização, por privação da liberdade injustificada, a quem tiver sofrido prisão

preventiva que, não sendo ilegal, venha a revelar-se injustificada por erro grosseiro na

apreciação dos pressupostos de facto de que dependia.

Esta disposição legal limita a indemnização, por privação da liberdade, apenas

quando a mesma assenta na prisão preventiva. O erro respeita aos factos invocados para

fundamentar a decisão determinativa ou de manutenção da prisão preventiva, por não

existirem ou não corresponderem à verdade. O erro de facto incide sobre qualquer

circunstância que não a existência ou o conteúdo de uma norma jurídica, excluindo por isso

tanto o erro da sua interpretação como da aplicação.

No entanto, não é suficiente qualquer erro de facto. Exige-se que o erro seja

grosseiro, isto é, que seja indesculpável, crasso ou palmar, resultante de uma manifesta falta

de conhecimento ou de diligência por parte de quem o pratica (MANUEL DE ANDRADE,

Teoria Geral da Relação Jurídica, VOL. II, 1974, pág. 239, CARVALHO FERNANDES,

Teoria Geral do Direito Civil, II, 3.ª edição, 2001, pág. 155, e FERNANDES CADILHA,

Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas,

2008, pág. 206).

No âmbito do erro grosseiro, a jurisprudência tem vindo também a incluir o chamado

acto temerário, isto é, “aquele que – perante a factualidade exposta aos olhos do jurista e

contendo uma duplicidade tão grande no seu significado, uma ambiguidade tão saliente no

lastro probatório indiciário – não justificava uma medida gravosa de privação de liberdade

mas sim uma outra mais consentânea com aquela duplicidade ambígua” (acórdão do Supremo

Tribunal de Justiça de 12 de Outubro de 2000, Colectânea de Jurisprudência (STJ), Ano VIII,

T. 3, pág. 64).

60

O acto temerário corresponde àquele que as circunstâncias claramente aconselhavam

que tivesse sido substituído por outro e que, ao ser praticado, lesou gravemente os direitos de

personalidade, em especial quando essa lesão é notoriamente desproporcionada em confronto

com as vantagens ou desvantagens que o acto proporcionou.

Também a exigência do erro grosseiro, prevista no n.º 2 do art. 225.º do CPP, está em

conformidade com o disposto no art. 27.º, n.º 5, da Constituição, como foi repetidamente

reconhecido pelo Tribunal Constitucional, nos acórdãos n.º s 12/05 e 13/05, de 12 de Janeiro

de 2005 (ambos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

A apreciação e qualificação do erro grosseiro, de que resultou a prisão preventiva que

depois veio a revelar-se injustificada, deve ser realizada com base nos factos, elementos e

circunstâncias reportados ao momento do decretamento ou manutenção da prisão preventiva,

sendo irrelevantes, por regra, os factos posteriores do processo, designadamente a absolvição

ou mesmo a não pronúncia, como foi realçado nos já mencionados acórdãos do Supremo

Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2004, 22 de Janeiro de 2008 e 11 de Setembro de

2008.

Definido o enquadramento normativo que envolve a pretensão jurídica formulada na

acção e efectuando o reporte ao caso dos autos, nomeadamente nos seus aspectos essenciais e

relevantes, interessa começar por referir, divergindo do entendimento seguido na sentença

recorrida, que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Outubro de 2003, com a

respectiva decisão a revogar a prisão preventiva, não goza, nestes autos, da autoridade do caso

julgado material.

Com efeito, o Código de Processo Penal, com excepção do disposto no seu art. 84.º,

não regula o caso julgado penal, legitimando por isso o recurso ao processo civil, para

suprimento das respectivas omissões, nos termos do art. 4.º do CPP.

De acordo com o art. 672.º do CPC, as decisões que recaem sobre a relação

processual têm força obrigatória apenas dentro do processo, formando-se então o caso julgado

formal (MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 138).

No caso do referido acórdão trata-se de uma decisão que, não conhecendo de mérito

(absolvição ou condenação), apenas forma caso julgado formal no âmbito do respectivo

processo-crime, não se reflectindo fora deste.

Nem, aliás, podia ser de outro modo, pois se, nos termos do disposto no art. 674.º-B

do CPC, a decisão penal absolutória apenas confere eficácia probatória, não estando em causa

61

a eficácia do caso julgado (LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado,

Volume 2.º, 2001, pág. 693), não faria sentido atribuir-se um efeito superior a uma decisão

penal de natureza processual, como aquela que está em causa.

No caso vertente, a prisão preventiva do A. foi decretada por um juiz competente

com fundamento em fortes indícios do mesmo ter praticado vários crimes de abuso sexual de

crianças previstos e punidos pelo art. 172.º, n.º 1, do Código Penal, bem como pelo art. 172.º,

n.º s 1 e 2, do mesmo Código (facto 51). Sendo esses crimes puníveis com pena de prisão de

máximo superior a três anos e levando em conta o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 202.º

do CPP, pode afirmar-se ser legal a prisão preventiva.

A circunstância do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de Março de

2004, ter anulado o despacho que determinara o averbamento do respectivo inquérito ao 1.º

Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, por violação das regras da distribuição

(facto 94), não era susceptível de afectar a eficácia da medida de coacção decretada, como

resulta do disposto no n.º 3 do art. 33.º do CPP, embora ficando sujeita a convalidação, não

fosse a prisão preventiva ter sido antes revogada. Por isso, não pode tal situação subsumir-se

no âmbito do disposto no n.º 1 do art. 225.º do CPP, como sustenta o A., em sede de

ampliação do objecto da apelação do R., para além de que o alcance daquele dispositivo legal

é bastante mais restritivo, como se referiu, do que aquele que o A. lhe pretende atribuir.

Dada ainda essa restrição, também a omissão do conhecimento ao A., no respectivo

interrogatório, dos fundamentos incriminatórios referidos nos factos n.º s 24 a 28, 54, 70 e 71,

não atingindo claramente o direito à liberdade, em cuja violação se apoia a causa de pedir da

acção, apresenta-se como irrelevante para os efeitos do disposto no n.º 1 do art. 225.º do CPP.

Por outro lado, ainda, independentemente da questão da legitimidade do Ministério

Público para o exercício do respectivo procedimento criminal e embora a sua falta pudesse

provocar a ilegalidade da detenção e da prisão preventiva, o certo é que não seria

“manifestamente ilegal”, com o sentido que antes se especificou, e, por isso, não poderia

justificar a sua inclusão no disposto no n.º 1 do art. 225.º do CPP.

Aliás, não obstante o art. 225.º, n.º 1, do CPP, na actual redacção, tivesse alargado os

casos de indemnização, uma situação como aquela que acaba de se mencionar continua a não

estar contemplada na previsão legal.

Assim, porque a materialidade dos autos não é susceptível de consubstanciar a

detenção ou prisão preventiva “manifestamente ilegal”, não pode o pedido de indemnização

62

basear-se no n.º 1 do art. 225.º do CPP, fundamento que a sentença recorrida também não

adoptou.

Não colhendo aquele fundamento, interessa ponderar, por sua vez, se a indemnização

pode ser devida, nos termos do n.º 2 do art. 225.º do CPP, por ter sobrevindo prisão

preventiva injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que

dependia. Este fundamento foi acolhido pela sentença recorrida, depois de concluir que a

prisão preventiva do A. foi motivada por acto temerário enquadrável na figura do erro

grosseiro.

O despacho determinativo da prisão preventiva, constante de fls. 965 a 969, para

além de mencionar os fortes indícios da prática de vários crimes dolosos puníveis com pena

de prisão de máximo superior a três anos, enunciou também “a perturbação séria do inquérito”

e “um sentimento de insegurança e de intranquilidade públicas”, com expressa referência,

designadamente, ao disposto nos arts. 202.º, n.º 1, alínea a), e 204.º, alíneas b) e c), do Código

de Processo Penal.

É certo que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Outubro de 2003,

nos autos a fls. 3555 a 3585, por maioria, veio a revogar a prisão preventiva decretada, com

fundamento quer na insuficiência dos indícios para a imputação ao A. da prática de qualquer

crime, quer na falta de perigo de perturbação do inquérito e de perturbação da ordem e

tranquilidade públicas.

Todavia, a revogação de uma decisão judicial, por efeito do provimento do

respectivo recurso, não equivale a que a decisão recorrida, objecto de reapreciação, estivesse

errada. O que apenas significa é que o julgamento da respectiva questão foi deferido a um

tribunal hierarquicamente superior que, sobrepondo-se ao que proferiu a decisão recorrida,

decidiu de modo diverso (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1997,

publicado no BMJ n.º 469, pág. 395, e 31 de Março de 2004, publicado na Colectânea de

Jurisprudência (STJ), Ano XII, T. 1, pág. 157).

No entanto, o erro também pode estar presente na decisão revogada, e com particular

relevância jurídica, nomeadamente quando resulte de uma situação de manifesta e evidente

falta de conhecimento ou de diligência e, também, de uma situação de enorme ambiguidade,

ou seja, quando se confronta um caso de erro grosseiro, incluindo o acto temerário.

63

Como antes se realçou, a apreciação e qualificação do erro grosseiro deve realizar-se

com referência aos factos, elementos e circunstâncias vigentes no momento do decretamento

ou manutenção da prisão preventiva.

Ora, nesta perspectiva, levando em conta os fundamentos expressos no despacho

determinativo da prisão preventiva, não se alcança a existência de erro grosseiro ou temerário

na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.

Efectivamente, numa matéria em que a prova pessoal se reveste de grande

importância, por razões bem compreensíveis, depoimentos existiam no sentido da indiciação

da prática dos crimes, em especial aqueles que foram prestados por L….., L…… e J…….

O primeiro, que prestou declarações, por cinco vezes, entre 16 de Janeiro de 2003 e

24 de Abril de 2003, identificou o Autor através das fotografias que lhe foram exibidas e

referiu os contactos sexuais, nomeadamente com o próprio, indicando o local e o tempo em

que os mesmos se concretizaram. A consistência indiciária do conjunto do depoimento não

ficou diminuída com uma ou outra incoerência, que poderá ter resultado da dificuldade em

depor em matéria de especial melindre pessoal, emergindo ainda dos autos que, até 17 de

Julho de 2003, apenas existia no inquérito uma fotografia do A. (facto n.º 370). Por outro

lado, o respectivo relatório do exame médico-legal de natureza sexual, realizado em 10 de

Março de 2003, confirma que o examinado “apresenta sinais a nível do ânus compatíveis com

a prática repetida de coito anal” e que “o relato fornecido pelo próprio revela-se, no

essencial, pela sua consistência e congruência afectiva, compatível com as práticas sexuais

descritas” (facto n.º 70 e fls. 940). Acresce ainda que tal testemunha efectuou também o

reconhecimento ao local, designadamente da casa localizada em Elvas (factos n.º 24 e 64 e fls.

821).

Por sua vez, L……, que prestou depoimento a 28 de Abril de 2003, identificou

também o A. por fotografia e descreveu com pormenor os contactos sexuais, com o próprio,

referindo o local e o tempo da sua ocorrência. A consistência indiciária deste depoimento não

é sequer questionada por qualquer circunstância verificada ao tempo. Em relação ao mesmo

existe ainda uma informação policial de 19 de Maio de 2003, segundo a qual fora presente a

exame pericial, apresentando “lesões compatíveis com a prática de relações sexuais anais, de

forma continuada”e tendo corroborado ao perito as declarações anteriormente prestadas à

Polícia Judiciária (facto n.º 69 e fls. 4102). Esta informação, aliás, é depois confirmada pelo

relatório do exame, realizado a 8 de Maio de 2003, no qual se conclui que o examinado

“apresenta sinais a nível do ânus compatíveis com a prática repetida de coito anal” e que “o

64

relato fornecido pelo próprio revela-se, pela sua linearidade, coerência e congruência

afectiva, consistente e compatível com as práticas sexuais em que teria estado envolvido”

(fls. 2521).

O terceiro depoimento é de J……., prestado em 13 de Fevereiro de 2003, que

reconheceu igualmente o A. por fotografias que lhe foram exibidas, “o indivíduo de óculos

(que sabe chamar-se P...)”, e que, entre outros, o vira na casa de Elvas (facto n.º 23 e fls.

832/3). Apesar dos termos usados, a utilização do parêntesis não deixa de sugerir a ideia do

desconhecimento do nome A., em coerência com o depoimento que prestara antes, em 20 de

Janeiro de 2003, quando, confrontado com as fotografias, afirmou ter visto no local referido

“um indivíduo, também de óculos, mais novo que o anterior (que se sabe chamar-se P...)” e

que reiteraria no mesmo depoimento (facto n.º 91 e fls. 811). A consistência indiciária do

depoimento não é excluída por qualquer circunstância contemporânea, pois o respectivo

relatório do exame médico-legal, realizado a 31 de Março de 2003, para além de não ser

conclusivo no sentido defendido pelo A., dada a identificação das pessoas supostamente

envolvidas não ser completa (fls. 2500), é já de 29 de Julho de 2003 (facto n.º 92). E o

depoimento de 22 de Abril de 2004 (facto n.º 190), conjugado com a resposta ao quesito 13.º

(facto n.º 214), sendo igualmente posterior, também não releva. Acresce ainda o seu

reconhecimento do local (factos n.º 27 e 67 e fls. 838).

A consistência do conjunto desta prova, incluindo a identificação por fotografia, e

sem necessidade de apreciar, por inútil, a que foi acrescentada no despacho de 15 de Julho de

2003, afasta quer a inexistência dos factos quer a manifesta falta de provas, no momento em

que foi decretada ou mantida a prisão preventiva, não se surpreendendo, por isso, uma

desconformidade entre a realidade processual e a realidade decorrente da apreciação do

resultado da prova, causada por erro em que um juiz minimamente cuidadoso não incorreria.

Aliás, como se infere do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9 de Novembro de

2005, que confirmou a não pronúncia do A., depois de se proceder à instrução, aquela sempre

se ficou a dever à aplicação do princípio in dubio pro reo, dada a “dupla e insanável dúvida:

quanto à veracidade das imputações feitas ao arguido e quanto à pretendida inocência

deste”.

Nesta sede, importa deixar bem claro, na decorrência aliás do disposto no art. 127.º

do CPP, que não está em causa a convicção do juiz na valoração da prova confrontada, pois

aquela não é passível de ser sindicada, como enfatizaram os acórdãos do Supremo Tribunal de

65

Justiça de 13 de Janeiro de 2000, publicado na Colectânea de Jurisprudência (STJ), Ano

VIII, T. 1, pág. 23, e 19 de Outubro de 2004, já citado.

Por outro lado, relativamente aos restantes pressupostos de facto da prisão

preventiva, também aqui não se depara com qualquer erro grosseiro.

Com efeito, os autos dão conta, nomeadamente no despacho determinativo da prisão

preventiva, que terceiros, a pedido do A., realizaram diligências junto de instituições

(judiciais e políticas) ou pessoas socialmente relevantes, tidas por susceptíveis de criarem um

perigo de perturbação do inquérito e de gerarem um sentimento de insegurança e

intranquilidade públicas, com consequências a nível da prova.

Na verdade, esse sentimento de insegurança e intranquilidade teria tendência a

reflectir-se em especial junto das testemunhas que foram vítimas dos abusos sexuais

investigados, as quais podiam, perdendo a confiança, vir a contrair-se, ou mesmo, a inibir-se

de continuar a colaborar com a administração da Justiça, o que causaria a irremediável perda

da prova, com prejuízo para a descoberta da verdade – alínea b) do art. 204.º do CPP. De

resto, não se pode ignorar, pois emerge dos autos, nomeadamente dos depoimentos e dos

exames médico-legais, que tais testemunhas sentem-se traumatizadas, perturbadas e receosas.

Para além disso, é sabido que os crimes de abuso sexual de crianças provocam na

sociedade um forte sentimento de repulsa e reprovação, agravado ainda quando as vítimas são

crianças particularmente vulneráveis.

Nessa medida, a natureza do crime obriga a acautelar a perturbação da ordem e da

tranquilidade públicas, para garantia da paz social, circunstância em relação à qual a

jurisprudência é sensível, justificando, nesses casos, a efectivação da prisão preventiva. Nesse

sentido, podem referir-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de Junho de

2002 (Processo n.º 48 595), 2 de Julho de 2002 (Processo n.º 46 335), 17 de Março de 2004

(Processo n.º 1 426/2004-3) e 8 de Julho de 2004 (Processo n.º 5 872/2004-9), todos

acessíveis em www.dgsi.pt.

Imputando-se ao A. a prática de vários crimes de abuso sexual de crianças, existia

então o perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas – alínea c) do art. 204.º do

CPP.

Neste contexto, não é detectável qualquer erro grosseiro sobre os pressupostos de

facto mencionados nas alíneas b) e c) do art. 204.º do CPP.

66

Excluída, pois, a situação de erro grosseiro sobre os pressupostos de facto que

determinaram e mantiveram a prisão preventiva, também não pode o pedido de indemnização

basear-se no disposto no n.º 2 do art. 225.º do CPP, tornando consequentemente insubsistente

a decisão recorrida.

2.5. Não se reconhecendo o direito à indemnização, fica naturalmente prejudicado o

recurso de apelação do Autor, que tinha por objecto o valor da indemnização, improcedendo

o mesmo.

2.6. Em conclusão da exposição que antecede, pode extrair-se de mais relevante:

I. A negação dos factos pode ser directa, quando são contrariados frontalmente,

ou indirecta, se o réu, aceitando parte dos factos invocados, alega outros que

contrariam a verificação do facto constitutivo do direito do autor.

II. Os factos deduzidos na contestação, não podendo ser qualificados como

factos impeditivos, modificativos ou extintivos do efeito jurídico dos factos

articulados na petição inicial, representam uma versão diferente dos factos,

que se insere no âmbito da defesa por impugnação indirecta ou impugnação

motivada.

III. Afastada assim da contestação a defesa por excepção, não assiste o direito de

responder por réplica (art. 502.º, n.º 1, do CPC).

IV. O art. 27.º, n.º 5, da Constituição corresponde a uma norma especial

relativamente ao princípio geral da responsabilidade civil do Estado

estabelecido no art. 22.º da Constituição.

V. Dando exequibilidade ao comando constitucional, o art. 225.º do Código de

Processo Penal regula e define as situações determinantes do direito à

indemnização por privação da liberdade ilegal ou injustificada.

VI. O n.º 1 do art. 225.º do CPP, na versão anterior à da lei n.º 48/2007, de 29 de

Agosto, para esse efeito, exige uma situação de manifesta ilegalidade da

detenção ou da prisão preventiva.

VII. Essa situação corresponde àquela que não deixa dúvidas a ninguém, pela

evidência e clareza que, objectivamente, apresenta.

67

VIII. O n.º 2 do art. 225.º do CPP, na mesma versão, atribui o direito à

indemnização, quando a prisão preventiva venha a revelar-se injustificada por

erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia.

IX. O erro grosseiro é aquele que é indesculpável, crasso ou palmar, resultante de

uma manifesta falta de conhecimento ou de diligência por parte de quem o

pratica.

X. No erro grosseiro inclui-se também o acto temerário.

XI. A apreciação e qualificação do erro grosseiro deve ser realizada com base nos

factos, elementos e circunstâncias reportados ao momento do decretamento

ou manutenção da prisão preventiva, sendo irrelevantes, por regra, os factos

posteriores do processo, designadamente a absolvição ou a não pronúncia.

XII. O acórdão penal, que não conhece do mérito (absolvição ou condenação),

apenas forma caso julgado formal no âmbito do respectivo processo-crime,

não se reflectindo fora deste.

XIII. Não há erro grosseiro, quando a consistência do conjunto da prova afasta quer

a inexistência dos factos, quer a manifesta falta de provas.

2.7. O Autor, ao ficar vencido por decaimento, é responsável pelo pagamento das

custas, em ambas as instâncias, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no

art. 446.º, n.º s 1 e 2, do CPC.

III – DECISÃO

Pelo exposto, decide-se:

1) Conceder provimento ao agravo, revogando o despacho recorrido.

2) Conceder provimento à apelação do Réu, revogando nessa parte a

sentença recorrida e, consequentemente, absolvendo o Réu do

pedido.

3) Negar provimento à apelação do Autor, confirmando nessa parte a

sentença recorrida.

68

4) Condenar o Autor no pagamento das custas da acção e dos

recursos.

Lisboa, 17 de Junho de 2010.

Olindo dos Santos Geraldes (Relator por vencimento)

Fátima Galante

Maria Manuela B. Santos G. Gomes (vencida conforme declaração junta)

Declaração de voto

Fiquei vencida pelas razões constantes do projecto de acórdão que elaborei e, por ser

exaustiva a sua junção in totum, vou destacar os pontos que se me afiguram de maior relevo

por incompatíveis com a tese que fez vencimento.

Desde já direi que só subscrevo a primeira parte - referente ao agravo e à

consequente alteração da matéria de facto - por, no essencial, corresponder ao meu projecto e

não incluir aspectos Inovadores.

Irei salientar as razões do meu afastamento.

Antes, porém, devo transcrever do meu projecto várias considerações doutrinárias,

úteis para melhor enquadramento da questão.

1. Não tendo necessidade de ir mais longe em termos de exercício histórico, basta-me

dizer que, no Código Civil de 1867, não se consagrou a responsabilidade do Estado, mas

apenas a responsabilidade dos seus agentes e funcionários (e mesmo esta acautelada por

prévia autorização do Governo - a depois denominada garantia administrativa) - nos termos

dos arts. 2399° e 2400°.

Entendia-se, então, que a responsabilidade do Estado era "corolário directo da ideia

de soberania e de uma inerente ausência de responsabilidade do Rei".

69

Posteriormente, o Decreto n° 19 126, de 16 de Dezembro de 1930 (revisão do Código

de Seabra), determinou que o Estado passasse a responder solidariamente com os seus

agentes, embora apenas pelos danos resultantes de actos de gestão pública.

No Código Administrativo (1936-1940), veio a ser regulada a responsabilidade civil

das autarquias se os seus funcionários, ou agentes, tivessem uma actuação ilícita, por ofensa

de lei, no âmbito das respectivas atribuições e competências, para a realização de fins legais e

essa actividade fosse causadora de danos.

Até então, nunca se pôs a questão da responsabilidade dos juizes, aliás não

equiparados a funcionários da Administração Central ou Local.

A afirmação firme dessa irresponsabilidade, mesmo do Estado, no exercício da

função jurisdicional, veio a constar do art. 120° da Constituição Política de 1933 e da alínea

h) do art. 141° do Estatuto Judiciário, apenas ressalvadas as apertadas excepções da lei

adjectiva civil e os casos de erro judiciário, mas mesmo este a ser verificado em recurso

extraordinário de revisão, como dispunham o art. 8° da citada Constituição e o Código de

Processo Penal de 1929.

Imediatamente após o Código Civil de 1966, foi publicado o Decreto-Lei n° 48 051,

de 21 de Novembro de 1967, cuja vigência, mais tarde, veio a ser posta em causa pela

Constituição da República, designadamente pelo art. 22° deste texto fundamental.

Aquele Decreto-Lei consagrou a responsabilidade civil extracontratual do Estado nas

seguintes situações: “a) responsabilidade exclusiva da Administração (actos praticados com

culpa leve); b) responsabilidade exclusiva da Administração com direito de regresso (actos

praticados com negligência grave); c) responsabilidade solidária da Administração (actos

praticados com dolo); d) responsabilidade exclusiva dos titulares dos órgãos, funcionários ou

agentes (actos que excedam os limites da função)" (veja-se Carlos Cadilha, "A

Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado", Ed. MJ, p. 238).

Porém, este regime vinha sendo considerado supervenientemente inconstitucional,

por a Constituição ter passado a impor a responsabilidade directa do lesante (Acórdãos do STJ

de 6 de Maio de 1986, BMJ 357, p. 392 e do STA de 3 de Maio de 2001 - Proc. n° 47 084),

embora vária jurisprudência a tal se opusesse, afirmando que a Constituição não fez caducar o

regime em causa (Acórdãos do STA de 22.05.1990 - Proc. 28 120; de 29.10.1992 - Proc. 29

994; de 29.04.1999 - Proc, 40 503).

O art. 22° da Constituição da República dispõe: “O Estado e as demais entidades

públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária, com os titulares dos seus órgãos/

70

funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e

por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou

prejuízos para outrem". Gomes Canotilho e Vital Moreira “Constituição da República

Portuguesa Anotada", I, 4a Ed., p. 423 e ss.) sugerem certa incompatibilidade entre este

preceito e aquele Decreto-Lei; opinião mais enfática é a de Freitas do Amaral (Conferência

sobre a "Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado", p. 44 e ss.)- Admitindo, embora,

que se mantenha "um sistema de responsabilidade exclusiva do agente em certos casos de

responsabilidade solidária com todos os demais (...) e uma responsabilidade exclusiva do

Estado em casos de culpa leve, apenas com responsabilidade solidária propriamente dita para

os casos de culpa grave e dolo", reconhece, porém, que tal pode não resultar do art. 22º da

Constituição, mas sim do seu art. 271°.

Jorge Miranda afirma a vigência do Decreto-Lei n° 48 051 "salvo, porventura, na

parte caducada por inconstitucionalidade superveniente, por não estender a todas as formas de

actuação ilícita com culpa a regra da solidariedade (“A Constituição e a Responsabilidade

Civil do Estado", in "Estudo em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares", p. 932); no

mesmo sentido, opinou Fausto Quadros (Conferência citada, p. 59-60).

Para Paulo Otero ("Responsabilidade Civil Penal dos Titulares dos Órgãos,

Funcionários e Agentes da Administração do Estado", p. 489 e ss.) é de defender sempre o

princípio da solidariedade.

Enfim, toda a polémica em volta do art. 22° da CRP, no seu cotejo com o diploma de

1967, vem sendo construída com base no segmento “em forma solidária".

Adere-se, para resolver esta questão, à interpretação de Sinde Monteiro ("Aspectos

Particulares da Responsabilidade Médica" in "Direito da Saúde e Bioética", p. 142) que diz:

"Faz pois sentido ler o texto do artigo 22° da Constituição deste modo: "O Estado e as demais

entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares (...),

desde que sobre estes recaia a obrigação de indemnizar".

Mas sendo o art. 22° da Constituição omisso quanto aos pressupostos dessa

obrigação, será à legislação ordinária - in casu ao Decreto-Lei n° 48 051 (arts. 2° e 3°) - que

se deve apelar para saber em que condições respondem directamente os funcionários e agentes

por actos ilícitos e culposos praticados no, e por causa, do exercício das suas funções.

Esta conclusão não é alterada com o art. 271° n°2 da CRP ("Responsabilidade dos

Funcionários e Agentes").

71

Em primeira linha, foi objectivo do legislador constitucional deste preceito pôr termo

à "garantia administrativa". No mais, é uma norma que se limita a estabelecer a

responsabilidade civil, criminal e disciplinar dos funcionários e agentes do Estado e demais

entidades públicas, mas que continua a deixar em aberto o saber o quais os pressupostos do

dever de indemnizar e perante quem é efectivada a responsabilidade, e as vias de regresso, o

que continua explícito no Decreto-Lei n° 48 051 (veja-se, a propósito, Ac. do Tribunal

Constitucional de 13.04.2004 - Proc. 92/03).

1.1. Deste ponto partiremos para a afirmação de que o art. 22° da CRP, embora

interpretado em consonância com as regras do Decreto-Lei n° 48 051, abrange não só a

responsabilidade do Estado por danos resultantes da função administrativa, mas igualmente as

funções legislativa e jurisdicional, já que não contém quaisquer distinções (Gomes Canotilho

e Vital Moreira, ob. cit., I, p. 430; Fausto Quadros, "Omissões Legislativas sobre Direitos

Fundamentais", "Nos Dez Anos da Constituição", p. 6O e ss.; Dímas de Lacerda,

"Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado (alguns aspectos)", in "Revista do

Ministério Público", 6°, p. 21, 44 e 74), sendo uma norma directamente aplicável, cumprindo

aos tribunais a sua implementação "'tendente a assegurar a reparação dos danos resultantes de

actos lesivos de direitos, liberdades e garantias ou dos interesses juridicamente protegidos dos

cidadãos" (ainda Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. e loc. cit.).

Mas, há que afirmar, muito clara e firmemente, o seguinte:

O art. 216°, n°2, da CRP dispõe que "Os juizes não podem ser responsabilizados

pelas suas decisões, salvo as excepções consignadas na lei".

O art. 203° do mesmo diploma estabelece que:

"Os tribunais são Independentes e apenas estão sujeitos à lei" e o art. 5° do Estatuto

dos Magistrados Judiciais (aprovado pela Lei n° 21/85, de 31 de Julho, com a alteração da Lei

n° 143/99, de 31 de Agosto) enfatiza:

"I - Os magistrados judiciais não podem ser responsabilizados pelas suas decisões;

2- Só nos casos excepcionalmente previstos na lei, os magistrados

judiciais podem ser sujeitos, em razão do exercício das suas funções, a

responsabilidade civil, criminal ou disciplinar;

3- Fora dos casos em que a falta constitua crime, a responsabilidade civil

apenas pode ser efectuada mediante acção de regresso do Estado contra o

respectivo magistrado, com fundamento em dolo ou culpa grave.".

72

1.1.1. A propósito da privação de liberdade releva, no entanto, o art. 27°, n°5, da

CRP (nA privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado

no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer"), segmento normativo

acrescentado à versão original pela Lei n° l/82, de 30 de Setembro.

Mas acentuam Gomes Canotilho e Vital Moreira (ob. cit., I, p. 485) que “O facto da

Constituição remeter para a lei a regulamentação da indemnização não tolhe a aplicabilidade

directa e imediata [cfr. art. 18°-1] deste preceito, devendo os órgãos aplicadores do direito

dar-lhe eficácia, mesmo na falta de lei. (...) Na falta de lei específica deve aplicar-se o DL n°

48 051, de 27.11.1967, com as devidas adaptações".

1.2. Chegamos, então, ao momento de verificar qual a lei aplicável (lei específica)

para a qual remete o número 5 do art. 27» do diploma fundamental.

Antes, porém, uma observação prévia: os instrumentos de direito internacional que

Portugal acolheu, por ratificação ou adesão, passaram a integrar o seu direito interno,

sendo de considerar "lei", nos termos e para os efeitos do n°5, do art. 27° da CRP, que tem um

âmbito mais amplo que o art. 290º nº 6, do mesmo diploma, restrito ao erro judiciário.

Assim, a Declaração Universal dos Direitos do Homem - adoptada pela Resolução da

Assembleia-Geral das Nações Unidas, n° 217-A (III) de 10 de Dezembro de 1948 e publicado

no Diária da República, I-A, de 9 de Março de 1978, mediante aviso do Ministério dos

Negócios Estrangeiros - proíbe a prisão ou detenção arbitrárias.

O n°5 do art. 9° do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos -assinado

por Portugal a 7 de Outubro de 1976 e aprovado para ratificação pela Lei n° 29/78, de 29 de

Junho [D.R. I-A, n°133/78] - estabelece o "direito a compensação" de "todo o indivíduo

vítima de prisão ou detenção ilegal".

Finalmente, a Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades

Fundamentais - adoptada em Roma, em 4 de Novembro de 1950, e assinada por Portugal em

22 de Setembro de 1976 [aprovada para ratificação pela Lei n° 65/78 de 13 de Outubro - D,R.,

I, e rectificada por Declaração da A.R. publicada no D.R. I de 14 de Dezembro de 1978 -

dispõe no n° 5 do art. 5a que "qualquer pessoa vítima de prisão ou detenção em condições

contrárias às disposições deste artigo (...) tem direito a indemnização", sendo que aquele

preceito elenca as condições de legalidade da prisão e detenção).

Como multo recentemente julgou o STJ - acórdão de 20.05.2010 - Proc. 11683/06-

8TBOER.A.L.1 - os instrumentos de direito internacional integram, por recepção (art. 8° n°2

da Constituição a Republica) o nosso direito interno "sendo, porém, que esta Lei Fundamental

73

não hierarquiza, rigorosamente, as normas do direito Internacional no seu confronto com

aquele direito (cf. Prof. G. Canotilho e V. Moreira, In "Constituição da República Portuguesa

Anotada", 2007,1, 251 ss).

Mas, o que não pode ser feito - por o Estado Português se ter vinculado

internacionalmente, e enquanto assim se mantiver, - é a criação de normas que lhes sejam

contrárias, quer por revogação unilateral, quer por restrições ou ampliações injustificadas e,

como tal, violadoras do seu espírito.

Portugal só pode subverter ou revogar essas normas se delas se desvincular

externamente.

Tanto assim é que o artigo 70.°, n.° l, alínea 1) da Lei de Organização,

Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.° 28/82 de 15 de Novembro) diz

caber recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos Tribunais "que recusem a

aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua contrariedade com

uma convenção internacional..."

E não vemos razão para interpretar restritivamente este preceito, como o fazem os

Profs. G. Canotitho e V. Moreira (ob. e vol. cit,) e, na sua esteira, o Conselheiro Lopes do

Rego (in "Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal

Constitucional", 210, 154 ss) no sentido de este recurso se limitar à questão de natureza

jurídico-constitucional, como, e por exemplo, verificar se a norma convencional ainda é

vigente ou se deixou de vincular o Estado Português pela ocorrência da cláusula "rebus sic

stantibus".

E, com o merecido respeito, não se adere ao defendido por este Autor na afirmação

de que "no actual panorama jurídico constitucional, o Tribunal Constitucional não tem

poderes para ao abrigo do disposto na alínea b) fiscalizar uma eventual 'inconstitucionalidade

indirecta' (por violação do artigo 8.° da Constituição) de uma norma de direito ordinário, com

fundamento na sua contrariedade ao direito convencional."

Parece-nos claro que quando o Estado Português se vincula internacionalmente

perante outro(s) Estado(s) com quem acorda o exercício, conjunto ou partilhado de um dos

seus poderes soberanos (o de legislar) e acolhe esse instrumento no seu direito interno, cria

uma norma que passa a Integrar um núcleo fundamental normativo de natureza qualificada,

nos termos, e para os efeitos, da sua inserção no elenco hierárquico das fontes de direito

(artigo 119.°, nº l, alínea b) da Constituição da República).

74

Nesta mesma linha, o Acórdão do Tribunal Constitucional de 10 de Julho de 1985 -

ACT00000288 - assim julgou: “O artigo 8º nº 2 da Constituição da República consagra uma

regra de recepção automática do direito Internacional convencional, condicionada apenas ao

facto de a eficácia interna depender da sua publicação no Diário da República. Como os

requisitos constitucionais de ratificação ou aprovação são requisitos da validade do Tratado,

pode dizer-se que a ideia do legislador constituinte foi a de aceitar a vigência das normas

internacionais como tais, pelo que essas normas não podem ser alterados por actos internos,

deixando de vigorar na ordem Interna (apenas) quando o tratado, por qualquer motivo, deixar

de vincular o Estado Português."

Conclui de seguida pela "plena afirmação da superioridade do direito internacional

convencional sobre a lei ordinária, apresentando-se, assim, as normas de direito convencional

com uma eficácia supra legal, detendo primazia na escala hierárquica sobre o direito interno

anterior e posterior."

1.3 Considerando a data da prisão preventiva invocada, que aqui integra a causa de

pedir, e a data da propositura da acção - 6 de Outubro de 2004 - não é de aplicar a Lei

n°62/2007. de 31 de Dezembro, que só entrou em vigor 30 dias após a sua publicação, que

regula o "Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, por Actos Cometidos

no Exercício da Função Jurisdicional", nos artºs 12° a 14° do Anexo, e que, além do mais, e

nesta parte, remete para o "regime especial" aplicável aos casos de "privação injustificada da

liberdade" e ainda para os "danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente

Inconstitucionais ou Ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos

pressupostos de facto (art. 13°, n° 1), tratando ainda do direito de regresso, quando os

magistrados tenham agido com "dolo ou culpa grave" (art. 14°, n° l).

Também, e pelas mesmas razões de aplicação da lei no tempo, não se aplica a

redacção do art. 225° do CPP, introduzida pela Lei n°48/2007, uma vez que (e prescindindo

de exaurir o art. 5° daquele diploma) se entende que, embora inserido num código adjectivo, o

citado art. 225° é uma norma de direito substantivo, valendo, portanto, o art. 12° do C. Civil

(cfr. v.g. os Acs. do STJ de 19.03.2009 - Proc. 09A0065 - e do T. Constitucional n° 160/95).

Assim, é de aplicar ín casu a primitiva redacção do mesmo artigo 225°.

Aí se dispunha:

"1. Quem tiver sofrido detenção ou prisão manifestamente ilegal pode requerer,

perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos com a privação da liberdade,

75

2. O disposto no número anterior aplicasse a quem tiver sofrido prisão preventiva,

que, não sendo ilegal, venha a revelar-se injustificada por erro grosseiro na apreciação dos

pressupostos de facto de que dependia, se a privação da liberdade lhe tiver causado prejuízos

anómalos e de particular gravidade.

Ressalva-se o caso de o preso ter concorrido, por dolo ou negligência, para aquele

erro."

Por este preceito ter surgido na esteira do n°5, do art. 27° da CRP, o T.

Constitucional tem sido chamado a pronunciar-se pela sua inconstitucionalidade, tendo-o

feito, algumas vezes, em sentido negativo (v.g. Acs. n°s 160/95, 12/2005, 13/2005, dizendo-se

neste que a intervenção do legislador ordinário limita-se a concretizar um direito fundamental

"no exercício de uma liberdade que a Constituição quis deixar às opções da política

legislativa").

O certo é que, se a Constituição confere o direito de indemnização

independentemente de culpa, o legislador ordinário não pode limitar a responsabilidade do

Estado aos casos de prisão legal ou injustificada (neste sentido, Luís Guilherme Catarino, M

Responsabilidade do Estado pela Administração da Justiça", p. 355 e 380; Rui Medeiros,

"Ensaio sobre a Responsabilidade Civil do Estado por Actos Legislativos", p. 105; e João

Aveiro Pereira, "Responsabilidade Civil por Actos Jurisdicionais", p. 215 e os votos de

vencido dos Conselheiros Mário Torres e Fernanda Palma nos Acórdãos do T. Constitucional

n° 12/2005 e 13/2005).

Do último transcrevem-se, com o nosso inteiro apoio, essas doutas declarações de

voto (sendo meus os sublinhados).

Escreveu a Conselheira Fernanda Palma:

"Voto a inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 225° do Código

de Processo Penal questionada.

Reconheço que a Constituição não pode limitar o legislador ordinário quanto ao que

ele venha a entender por prisão preventiva manifestamente ilegal e injustificada, na medida

em que tais qualificativos dependem dos pressupostos legais da prisão preventiva que são

definidos, com alguma amplitude, pelo legislador ordinário. Nesse sentido, do artigo 27°, n°

5, da Constituição, bem como dos preceitos constitucionais que regulam a prisão preventiva,

não resulta, esgotantemente, um conceito de prisão preventiva manifestamente ilegal ou

injustificada, pelo que não se extrai de tais normas uma exigência absoluta quanto aos limites

76

de tais conceitos, mas apenas, quando muito, um núcleo essencial da ilegalidade ou da

"injustificabilidade" da prisão preventiva de acordo com os parâmetros constitucionais.

Daqui resulta que não é óbvio, no plano do sentido das palavras, que uma prisão

preventiva seja injustificada ou passe a ser manifestamente ilegal se, apesar de ser ex ante

absolutamente legal e fundamentada, o arguido venha a ser absolvido.

Não há uma exigência constitucional do conteúdo de tais conceitos que se imponha

ao legislador ordinário. Aliás, o sentido das palavras não é regulável, em absoluto, pela

Constituição, mas há-de resultar da definição dos fundamentos da prisão preventiva pelo

próprio legislador ordinário.

Assim, também no plano da constitucionalidade não surge como vinculativa uma

interpretação lata do teor do artigo 225° do Código de Processo Penal pela via de um conceito

pré-estabelecido constitucional mente de ilegalidade ou de "injustificabilidade".

É já, porém, uma opção constitucional indiscutível a que se relaciona com a resposta

à questão de saber se o artigo 225° do Código de Processo Penal seria inconstitucional por

não contemplar todos os casos possíveis em que o arguido venha a ser absolvido (da

ínjustificabilidade da prisão preventiva constatada a posteriori) restringindo, por isso, as

hipóteses de indemnização a certas situações determinadas segundo critérios ex ante,

independentemente da futura absolvição do arguido.

Deste modo, só também na medida em que a prisão preventiva ilegal ou injustificada

seja, exclusivamente, o pressuposto da obrigação de indemnização por parte do Estado é que

haverá Interferência das exigências constitucionais em tais conceitos.

A constitucionalidade de uma interpretação da norma em causa que não contemple

senão a ilegalidade e "injustificabilidade" segundo um juízo prognóstico e técnico é, em

primeira linha, sustentada por argumentos extraídos do texto constitucional.

Segundo tais argumentos, o artigo 27°, n° 5, da Constituição, não imporia uma

obrigação de indemnização do Estado relativamente à prisão preventiva derivada de factos

lícitos, quando o arguido viesse a ser absolvido, remetendo antes para os termos da lei os

casos de privação da liberdade contra o disposto na Constituição [artigos 27°, n° 5, alínea b),

e 28°]. Por outro lado, a indemnização pela prisão preventiva não poderia ser assimilada pela

responsabilidade civil por factos lícitos do Estado que flui do artigo 22° da Constituição, não

só porque tal preceito apenas se refere a entidades públicas e seus funcionários ou agentes, o

que não abrangeria o exercício da função jurisdicional, mas também porque o artigo 27°, n° 5,

77

é uma norma que especificamente regula a privação da liberdade contra a Constituição e, por

isso, regularia em especial esse tipo de situações.

Assim, seguindo esta lógica argumentativa, o artigo 225° do Código de Processo

Penal seria a concretização no direito ordinário do artigo 27°, n° 5, desenvolvendo os seus

pressupostos, nomeadamente através da figura da prisão preventiva injustificada, que apenas

pressuporia uma ponderação deficiente da aplicação de uma medida de coacção excepcional

(artigo 28°, n° 2, da Constituição).

A questão de atribuição de indemnização sobretudo em função da absolvição do

arguido estaria, assim, num nível diferente do relativo ao pressuposto da contrariedade da

prisão preventiva à Constituição, em que o referido artigo 27°, n° 5, se apoia.

A toda esta argumentação subjaz, porém, um enclasuramento da questão em apreço

no preceito constitucional sobre a prisão preventiva.

A questão que este Tribunal, como intérprete dos valores constitucionais, cabe

dilucidar é. todavia, a de saber se os danos pelo risco de uma inutilidade da prisão preventiva

revelada ex post não deverão ser suportados pelo Estado em vez de onerarem,

exclusivamente, o arguido. Tal questão não é apenas atinente ao regime dos pressupostos da

prisão preventiva e à sua legitimidade mas antes um problema de justiça, no relacionamento

entre o Estado e os cidadãos, função de justiça que cabe ao Estado assegurar.

Estamos, sem dúvida, perante um problema de ponderação de valores em que se

questiona em que medida e com que consequências é que a privação da liberdade (em prisão

preventiva de quem veio a ser absolvido é justificada pelo interesse geral em realizar a justiça

e prevenir a criminalidade. Num outro modo de abordagem, a pergunta fundamental será a de

saber se é legítimo exigir-se, em absoluto e sem condições, a cada cidadão o sacrifício da sua

liberdade em nome da necessidade de realizar a justiça penal, quando tal cidadão venha a. ser

absolvido.

Ora, à colocação da questão neste ponto extremo terá que se responder

negativamente, isto é, pela não exigência, sem limites, de um tal dever, pelo menos em, todos

os casos em que a pessoa em questão não tenha dado causa a uma suspeita sobre si própria,

mas surja como vítima de uma inexorável lógica investigatória.

Não se tratará porém de um problema de verificação dos pressupostos ex ante da

prisão preventiva e de uma avaliação da sua justificação mas sim, num plano objectivo (e

necessariamente ex post) da contemplação da "vitimização" do agente pelo próprio juízo de

prognose correcto realizado pelo órgão de justiça penal.

78

Se o agente não foi ele mesmo, fonte do risco da aparência de indícios da prática de

um facto criminoso não poderá recair sobre si o ónus de suportar todos os custos à privação da

liberdade sem qualquer posterior reparação.

Na tradição jurídica portuguesa esta lógica subjaz ao princípio da indemnização pelo

erro judiciário que foi consagrado no Código de Seabra e no artigo 126°, §§ 5°, 6° e 7°, do

Código Penal de 1886 (em consequência de revisão de sentença condenatória) e que a

Constituição de 1933 manteve (cf. Maria da Glória Garcia, A responsabilidade civil do Estado

e demais pessoas colectivas públicas, 1997, p. 24).

Mas é também um afloramento da mesma ideia de ressarcibilidade o que subjaz à

exigência da reparação de prejuízos característica do conflito de interesses manifestada

no estado de necessidade (artigo 339°, n° 2, do Código Civil) e que preside,

obviamente, à responsabilidade civil do Estado por factos lícitos (artigos 22° da Constituição

e 8° do Decreto-Lei n" 48.051, de 21 de Novembro de 1967).

Tal contrapartida de uma ponderação de interesses que exige um dever de

solidariedade manifesta-se na ordem jurídica como princípio geral, tanto pela exigência de

reparação de danos como pelas limitações da própria justificação pelo estado de necessidade

aos casos em que seja razoável exigir do terceiro Inocente o sacrifício dos seus interesses

(artigo 34° do Código Penal).

Esta ponderação não pode deixar de ter raiz constitucional inserir-se numa ordem

constitucional de valores e exprimir uma tarefa do Estado Constitucional. Com efeito, se a

Constituição admite em certos casos a sobreposição do interesse público ao individual,

também tal princípio tem como geral contrapartida a ressarcibilidade da lesão dos interesses e

direitos individuais. Assim acontece, de modo muito claro, na expropriação por utilidade

pública (artigo 22», n° 2, da Constituição) e se revela, igualmente, no âmbito da

responsabilidade por actos lícitos das entidades públicas (artigo 62°, n° 2, e 22°,

respectivamente, da Constituição). Manifestações deste princípio surgem, aliás, na

jurisprudência dos tribunais superiores relativamente à própria função jurisdicional (cf. o

acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Abril de 1998).

Tal principio de reparação das lesões dos direitos individuais sacrificados num

conflito de interesses em que o agente sacrificado não provocou a situação de conflito terá de

valer inteiramente, por igualdade ou maioria de razão, quando o interesse sacrificado é o

direito à liberdade.

79

São os fundamentos do Estado de Direito baseado na dignidade da pessoa humana

que justificarão esta solução - artigos 1°, 2°, e 18°, nºs 2 e 3 da Constituição (cf. sobre a

questão no sentido da inconstitucionalidade do artigo 253° do Código de Processo Penal, Rui

Medeiros, Ensaio sobre a responsabilidade civil do Estado por actos legislativos, 1992, p. 105

e Luís Catarino, A responsabilidade do Estado pela administração da justiça, 1995, p. 350 e

ss.).

Analisada a questão sub judicio nesta perspectiva não poderá ser aceitável um

sistema de responsabilidade civil pela prisão preventiva, revelada injustificada ex post, devido

à absolvição do arguido, que se baseie apenas na legalidade ex ante da sua aplicação em face

dos elementos então disponíveis.

Mesmo a mais perfeita justificabilidade da prisão preventiva numa perspectiva ex

ante não pode, em nome do carácter absoluto de uma necessidade processual, sobrepor-se ao

direito do arguido - .que não deu causa a essa situação por qualquer comportamento doloso ou

negligente - a ser reparado dos prejuízos sofridos nos seus direitos fundamentais. Mas, muito

menos será aceitável uma restrição da relevância, ao erro grosseiro, deixando-se sem

qualquer indemnização todos os casos do erro constatável ex ante (eventualmente por um

jurista mais sagaz) mas que não atingem uma manifesta evidência.

Não deve, assim, em geral, um juízo provisório sobre a culpabilidade do arguido ser

mais valioso do que um juízo definitivo de absolvição, e em particular quando haja erro

susceptível de ser ex ante configurado, Justificando, em absoluto, os danos sofridos nos seus

direitos.

Isso limitaria, do ponto de vista das consequências, o valor da presunção de

Inocência (artigo 32°, n° l, da Constituição; cf., nesse sentido, Delmas Marty, Procédures

Pénales d'Europe, 1995, p. 499 e, sobretudo, as decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do

Homem, nos casos Brogan, Ciulla e Sekanlna, respectivamente de 29 de Novembro de 1988,

Série A, n° 145-B, de 22 de Fevereiro de 1989, Série A, n° 181, e de 22 de Agosto de 1993,

Série A, n° 266-A).

Não há, portanto, uma pura opção de sistema constitucional na reparação dos danos

da prisão preventiva pelo legislador ordinário (note-se que o sistema de reparação abrangente

é dominante no Direito europeu - cf. Luís Catarino, ob. cit., p. 350 e ss. e Delmas-Marty,

ob.cit., p. 498 ss.) sobre aquilo que constituí uma prevalência de interesses de ordem

constitucional e aquilo que constitui a expressão de uma função de justiça do Estado de

Direito.

80

Não é, apenas, a interpretação literal do artigo 27°, n° 5, que se equaciona neste

problema, mas um conjunto mais amplo de princípios que formam a coerência global do

Estado de Direito democrático baseado na dignidade da pessoa humana.

A esta razão de fundo acresce a da inexplicável desigualdade entre aquele que, sendo

condenado, viria a ser compensado pelo período em que cumpriu a prisão preventiva, mesmo

em caso de perfeita justificabilidade ex ante de tal medida, através do desconto na pena de

prisão em que seja condenado, e o arguido absolvido que não obteria qualquer compensação

pela privação da liberdade se revelada ex post injustificada".

Foi exemplar o Conselheiro Mário Torres ao escrever:

"Votei vencido por entender que é inconstitucional, por violação dos artigos 27.°, n.°

5, e 18.°, n.°s 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), a norma constante do n.°

2 do artigo 22S.° do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 78/87, de 17 de

Fevereiro (CPP), quer enquanto só prevê a concessão de indemnização pelos danos sofridos

com a privação de liberdade "a quem tiver sofrido prisão preventiva que, não sendo ilegal,

venha a revelar-se injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de

que dependia", quer enquanto restringe a concessão da indemnização aos casos em que a

privação da liberdade tiver causado ao lesado "prejuízos anómalos e de particular gravidade",

de acordo com a redacção do citado preceito anterior às alterações introduzidas pela Lei n°

59/98, de 25 de Agosto, constituindo estas duas dimensões objecto do presente recurso,

diversamente do que sucede no processo nº 3/00, sobre que recaiu o Acórdão n° 12/2005,

desta mesma data, em que apenas estava em causa a primeira restrição.

Entendo que o artigo 27º, n° 5, da CRP, ao proclamar que "a privação da liberdade

contra o disposto na Constituição e na lê! constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado

nos termos que a lei estabelecer" não reservou ao legislador ordinário a liberdade de optar

entre a concessão ou não de indemnização pela privação ilegal da liberdade, mas tão só a de

concretizar os requisitos e condicionamentos da concessão da indemnização

constitucionalmente garantida, sempre subordinado ao principio da proporcionalidade (na

tripla perspectiva de proporcionalidade em sentido estrito, adequação e necessidade) e jamais

diminuindo a extensão e o alcance do conteúdo essencial do preceito constitucional (artigo

18.°, nºs 2 e 3, da CRP).

Ora, como o demonstrou Rui Medeiros (Ensaio sobre a Responsabilidade Civil do

Estado por Actos Legislativos, Coimbra, 1992, págs. 105 e 106), "nada, nem na mens legis

nem nos trabalhos preparatórios, permite concluir que o preceito constitucional faça depender

81

a responsabilidade do Estado da existência de culpa", referindo-se o artigo 27º, nº 5, da CRP

"apenas à privação de liberdade contra o disposto na Constituição e na lei e, por

consequência, conferindo o direito à indemnização independentemente da culpa", pelo que "o

artigo 225º do CPP não pode restringir a obrigação de indemnizar aos casos de privação ilícita

e gravemente culposa da liberdade".

"Não cumpre, neste contexto, tomar posição sobre a questão, discutida no âmbito do

direito administrativo, de saber se o "erro sobre os pressupostos de facto" é um vício do acto

enquadrável na categoria do vício de "violação de lei", com o argumento de que "a ideia falsa

sobre os factos em que se fundamenta a decisão traduz violação da lei" na medida em que esta

conferiu os poderes para serem exercidos verificada a existência de certas circunstâncias, que

na realidade não ocorrem (neste sentido, Marcello Caetano, Manual de Direito

Administrativo, vol. I, 10. a edição, Coimbra, 1982, pág. 504; contra, Diogo Freitas do

Amaral, Direito Administrativo, vol. III, Lisboa, 1989, págs. 316 e 317). Mas é seguro que

uma privação de liberdade é contrária à Constituição e à lei sempre que for imposta em

situações em que a Constituição e a lei a não permitem, seja por "erro de direito" de quem a

decretou (por directa infracção de prescrições constitucionais e legais vigentes), seja por "erro

de facto" (erro na apreciação dos pressupostos de facto) pois também nesta última hipótese a

privação da liberdade acabou por ser decretada numa situação em que a Constituição e a lei a

não permitiam. Nesta perspectiva, surge como não inteiramente rigorosa a diferenciação, feita

nos dois números do artigo 225° do CPP, entre prisão "ilegal" (no n° l) e prisão "não ilegal"

(no n° 2), já que uma prisão preventiva decretada com base em errada representação dos

pressupostos de facto acaba por ser também uma prisão preventiva decretada em situação não

permitida por lei e, por isso, neste sentido, "ilegal".

O fundamento do juízo de inconstitucionalidade que formulo radica em que

considero não existir, no caso de danos causados pela privação ilegal (ou injustificada da

liberdade nenhuma razão constitucionalmente válida para negar o direito de indemnização que

seria devido de acordo com o regime geral de responsabilidade do Estado e demais entes

públicos por acções ou omissões praticadas pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou

agentes, no exercício das suas funções e por causa desse exercício de que resulte violação dos

direitos, liberdades e garantias ou prejuízos para outrem (artigo 22.° da CRP e Decreto-Lei n°

48 051, de 21 de Novembro de 1967), regime geral que não restringe esse direito

indemnizatório aos casos em que o agente tenha actuado com erro grosseiro.

82

"Não existe nenhuma razão válida para que a indemnização por privação

injustificada da liberdade fique condicionada à natureza grosseira do erro cometido pelo

agente do Estado, e limitada à ocorrência de prejuízos anómalos e de particular gravidade,

quando essas restrições não existem na indemnização por condenação injusta (condenação

que pode não ser em pena privativa de liberdade), como resulta do artigo 462º do CPP, em

execução do artigo 29°, n° 6, da CRP, e, mais injustificadamente ainda, quando essas

restrições não existe no caso de danos patrimoniais, como sucede na indemnização por

requisição ou expropriação por utilidade pública (artigo 62º nº2 da CRP) ou na intervenção e

apropriação pública dos meios de produção (artº 83º da CRP).

É incompreensível que a ofensa de um bem intimamente ligado à dignidade da

pessoa humana em que se baseia o Estaco de direito (artigo 1º) como é o direito à liberdade

(artigo 27° n° 1 da CRP) tenha uma tutela mais débil que a ofensa a bens materiais.

O argumento, por vezes usado para justificar estas restrições do direito à

indemnização, da existência de um dever de cidadania, a cargo de todos os cidadãos, que os

levaria a ter de suportar privações da sua liberdade e só em casos muito excepcionais teriam

direito a ser ressarcidos, "para que não surgissem pedidos de indemnização

indiscriminadamente, com o consequente enfraquecimento do instituto da prisão preventiva e

o desgaste das respectivas decisões judiciais", foi proficientemente rebatido por João Aveiro

Pereira (A Responsabilidade Civil por Actos Jurisdicionais, Coimbra, 2001, págs. 215 a 219),

que justamente salientou a iniquidade de "fazer suportar a um indivíduo, sem qualquer

contrapartida, uma prisão sem fundamento válido geradora de danos graves - mas irrelevantes

face ao disposto no artº 225° nº 2 do CPP - ainda que em benefício da realização do interesse

público geral de eficácia da instrução criminal" rematando:

“O princípio da repartição dos encargos públicos com a administração da justiça,

aflorada neste último preceito da lei penal adjectiva, e o princípio da proporcionalidade na

restrição de direitos, liberdades e garantias, consagrado no artigo 18.° da Constituição,

impõem que ao lesado seja atribuído um direito de reparação dos danos causados por

detenção ou prisão preventiva Injusta, quer seja grosseiro ou não o erro verificado na

apreciação dos pressupostos da sua aplicação ou manutenção. É certo que, como

judiciosamente refere Maia Gonçalves, «os órgãos de polícia criminal e as autoridades

judiciárias, por mais zelosos que procurem ser no cumprimento dos seus deveres, estão

sempre sujeitos a alguma margem de erro». Porém, desde que para tal desacerto o preso não

83

tenha contribuído (artº 225° nº 2 in fine) afigura-se-nos excessivo que seja ele a suportar

definitivamente as consequências gravosas de actuações erróneas alheias.

O Estado não deverá, pois, nestas situações, deixar de indemnizar o lesado, nos

termos dos artigos 22.° e 27.°, nº 5, da Constituição. Basta, para o efeito, que a privação da

liberdade tenha causado danos que, segundo os critérios civilísticos gerais, mereçam ser

ressarcidos. Importa, sobretudo, ter presente que a circunstância de a Constituição deixar ao

legislador ordinário a tarefa de estabelecer os termos da atribuição do direito de

indemnização, por danos causados com prisão ou condenação injustas, não legitima a

imposição de restrições tais que signifiquem, na prática, a negação desse direito."

"Subscrevo inteiramente as precedentes considerações, que, aliás, correspondem às

soluções legislativas consagradas na generalidade dos países da nossa área civilizacional e se

conformam à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (cf. Luís

Guilherme Catarino, A Responsabilidade do Estado pela Administração da Justiça - O Erro

Judiciário e o Anormal Funcionamento, Coimbra, 1999, pág. 341 e seguintes; e Catarina

Veiga, "Prisão preventiva, absolvição e responsabilidade do Estado", Revista do Ministério

Público, ano 25°, n° 97, Janeiro/Março 2004, págs. 31/ 59).

Aliás, no que ao segundo requisito concerne, nem sequer se vislumbra bem que

penosidades acrescidas teriam de se verificar para que os prejuízos causados pela privação de

um bem tão relevante como a liberdade física houvessem de ser qualificados como "anómalos

e de especial gravidade".

Pelas razões sumariamente expostas votei no sentido de ser julgada inconstitucional a

norma do artigo 225° nº 2 do CPP quer enquanto só prevê a indemnização por prisão

preventiva injustificada quando o erro na apreciação dos pressupostos de facto de que

dependia, erro para cuja ocorrência o preso não concorre, nem por dolo nem por negligência,

seja de qualificar como grosseiro, quer enquanto condicionava, na redacção anterior á Lei nº

59/98 aplicada ao caso, o direito à indemnização aos casos em que a privação da liberdade

tiver causado ao lesado prejuízos anómalos e de especial gravidade"

Convencida e aderindo, sem quaisquer reservas, às citadas doutas argumentações e

por violação do disposto no art. 27°, n°5, da Constituição -violando, outrossim, e também, os

instrumentos de Direito Internacional acima referidos - recusaria a aplicação do nº l (no seu

segmento "manifestamente") e do n°2, ao exigir "erro grosseiro", do artº 225° do CPP, na sua

redacção primitiva, aqui ainda aplicável.

84

Além do mais, a expressão "manifestamente" desapareceu na nova redacção do n° l

do art. 225°do CPP e, ao contrário do que se diz no acórdão ora votado, o conceito de ilegal

(reportado ao n° l do artº 220° e ao n° 2 do art. 2220 do CPP) inclui a ilegalidade resultante da

prisão que, como é aqui o caso, tenha sido motivada por facto ou circunstâncias que a lei não

permitia.

(Não se desconhece, porém, que o STJ vem aplicando o preceito (e os idênticos

conceitos constantes da nova redacção introduzida pela Lei n° 48/2007) - v., entre outros:

Acórdãos de 3.12.1998 - Proc. 864/98-2; de 11.11.1999 - Proc. 743/92-2; de 27,11.2003 -

Proc. 3341/03-7; de 1.06.2004 -Proc. 04A1572; de 22.01.2008 - Proc. 07A2381; e de

11.09.2008 - Proc. 08B1747).

Só que, situando-nos no âmbito dos direitos, liberdades e garantias, como valores

supremos e intangíveis, devem privilegiar-se os preceitos constitucionais, deles fazendo uma

leitura estrita e muito cuidadosa.

A liberdade individual (e a sua não privação injustificada) é de garantir a todo o

custo, pois representa um elemento essencial da dignidade da pessoa humana e integra um

acervo de direitos intocável.

Tratando-se de um direito inerente ao Homem, deve ser assegurado pelo Estado, que

terá de dotar o cidadão de meios para reagir contra a sua indevida violação.

E quando em sede própria - os Tribunais - se conclui que o Estado privou

indevidamente alguém da sua liberdade, deve, sem mais, ressarci-lo dos danos que lhe causou,

não sendo necessário que o tenha feito ao arrepio da legalidade estrita ou por comissão de erro

grosseiro,

Basta que tenha agido à revelia do disposto na Constituição e na lei, isto é, tenha

cometido um erro na aplicação do direito ou na subsuncão fáctica, mesmo que apenas se

indicie uma leve negligência.

O Estado suportará, como consequência do exercício do seu poder soberano, em

matéria de segurança, prevenção e investigação criminal, os riscos do dano que causa,

compensando o lesado pela privação não justificada da sua liberdade.

1.4. Resulta da matéria de facto que o Autor foi sujeito a prisão preventiva desde 22

de Maio até 8 de Outubro de 2003, sendo-lhe imputada a prática de cinco crimes do art. 172°,

n°l, do C. Penal e de dez crimes do art. 172, n°s l e 2, do mesmo diploma.

Por Acórdão da Relação de Lisboa, de 8 de Outubro de 2003, foi ordenada a sua

imediata restituição à liberdade, por se entender não existirem fortes indícios das práticas dos

85

crimes, mas que, e ainda que tal não se concedesse, nunca seria caso de aplicação daquela

medida de coacção, considerando que a moldura penal abstracta tal não permitiria.

Também se julgou inexistir perigo de perturbação do inquérito ou da instrução,

"nomeadamente perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova - alínea b) do

artigo 204° do CPP" - ou, sequer, “o perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do

crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas -

1a parte da alínea c) do artigo 204°".

Concluiu esse Acórdão, nestes termos; "Porque não existe este, nem qualquer outro

dos perigos de que depende a aplicação de uma medida de |coacção (excepção feita, como se

disse, ao termo de identidade e residência) nunca poderia ser aplicada ao arguido outra

medida que não a prevista no artigo 196° do Código de Processo Penal".

Mais tarde, o Acórdão desta mesma Relação, de 9 de Novembro de 2005, julgou

improcedente o recurso do Ministério Público do despacho que não pronunciou o Autor, pela

prática dos crimes referidos, e, por ausência de elementos de prova bastantes, geradores de

"dupla e insanável dúvida", afastou-o da lide penal e isentou-o da única medida de coacção a

que ainda estava sujeito (TIR).

O despacho que decretara a sua prisão preventiva - proferido no termo de um

interrogatório que se prolongou até às 5h59m da manhã, tendo havido uma interrupção à

meia-noite e 54 minutos, para que .fossem requisitados à PJ, e ouvidos, registos audio de

escutas, e continuado às 4h50m da madrugada, do dia 22 de Maio de 2003 - e depois de

referir a existência de indícios, assim decide (sendo meus os sublinhados):

"Dito isto, é bom relembrar que a simples existência de fortes indícios da prática de

um crime punido com pena superior a três anos, não basta para que seja aplicada medida de

coacção diferente do TIR. Necessário se torna que, em concreto, se verifiquem quaisquer dos

perigos referidos no art. 204° do CPP, singular ou cumulativamente.

Parece-nos óbvio que está excluído qualquer perigo de fuga. Na verdade, para além

do facto de o arguido ser deputado e ter uma vida estruturada, não se poderá deixar de realçar

que este se apresentou voluntariamente neste Tribunal quando tal lhe foi solicitado, sendo a

sua detenção um mero pró forma que permite a aplicação do art. 141° nº 1 do CPP já que um

primeiro interrogatório judicial pressupõe sempre a existência de um arguido detido.

No que respeita à verificação do perigo referido na alínea b) do art. 204° do CPP.

Com o devido respeito pelas posições expressas, afigura-se-nos que, quer a defesa, quer o

Ministério Público, não têm a totalidade da razão. Efectivamente, quanto a nós, a razão assiste

86

à defesa no que respeita ao facto do arguido ter dado uma explicação minimamente plausível

para o teor das sessões constantes, nesta data, do Apenso AZ-T. Na verdade e no que respeita

à sessão n° 83, o assunto mediático poderá efectivamente ser o assessor de imprensa. A

questão de ser uma voz feminina ou masculina é para efeitos do teor da escuta irrelevante já

que o que conta na sessão em questão é o teor da conversa e não a qualidade ou género dos

intervenientes. Na sessão n° 308 é efectivamente o jornalista que fala em escandaleiras

pessoais e não é o arguido. Na sessão n° 330, poder-se-á entender que o arguido mencionou

um rumor mas a verdade é que a ter afirmado um facto não se incrimina, pois não terá sido ele

o seu autor. Por fim, na sessão n° 485, a história do alerta amarelo está minimamente

explicada e, na verdade, toda a conversa girava à volta de um tema de política e uma inflexão

de discurso, no final, não parece curial. Se o embaixador era o russo ou não, temos algumas

dúvidas, mas o que é certo é que tal pode ser uma das percepções que resulta do discurso e

nesse caso a conversa faz sentido.

O que a defesa olvidou e o Ministério Público não, é que para além dessas escutas

foram validadas e apresentadas ao arguido outras, designadamente as do alvo 21379 e são

essas escutas que denotam de sobre maneira, quanto a nós, não o perigo mas a perturbação

séria do inquérito. Dir-se-á que o arguido não foi interveniente em nenhuma das chamadas,

com excepção de uma, mas a verdade é que o próprio arguido admite uma relação de amizade

profunda com F…... e aparentemente também a tem com S…... Admite ainda o arguido e tal é

compreensível que terá sido esta amizade e será esta amizade que move F…….. e outros

dirigentes do PS. O que é certo é que esta ligação é inequívoca, que os demais trabalham em

prol do arguido. Ora, o arguido antes da sua comparência neste TIC também tentou ele

próprio perturbar o inquérito e designadamente contactou, por si ou por interposta pessoa, o

Presidente da República, por si ou por interposta pessoa, com o Presidente da Assembleia da

República, sendo que neste último caso até pretendeu que a Assembleia da República não

proferisse uma decisão de levantamento da imunidade com a celeridade que podia, a pretexto

de suspender o mandato.

Dir-se-á quiçá que a prisão preventiva não obsta a que outros, designadamente os

referidos, prossigam os seus desígnios de entorpecimento das investigações,

designadamente, andando "à porrada para cima deles" ou tentando que outros façam

pressões sobre a Magistratura, ou ainda que estabeleçam a dúvida, designadamente no seio da

população, assim gerando um sentimento de insegurança e de intranquilidade públicas,

designadamente para com as instituições da Justiça, mas o que é certo, o que é inegável, é que

87

com tudo isto o arguido foi e é conivente e em tudo isto, enquanto esteve em liberdade,

participou nas conversas, nos disse que disse. nas comunicações ao Sr. Presidente da

República, ao Sr. Conselheiro Procurador-Geral da República e afinal que outra intenção

tinha o arguido que não a de perturbar este inquérito, quando na sessão n° 78 do alvo 21379,

A……… refere que falou com o Procurador-Geral da República a pedido do arguido P... para

que este intercedesse junto do Procurador titular deste inquérito no sentido do pedido de

levantamento de imunidade não dar entrada na Assembleia da República.

Esta perturbação do inquérito, conforme foi referido não só tem consequência

nefastas a nível intra-processual como a nível extra-processual na medida em que,

prevalecendo-se de uma posição social, o arguido, por si, por interpostas pessoas ou por

instituições, gera a confusão e o descrédito das e nas instituições do Estado.

Existem, quanto a nós, os perigos referidos na alíneas b) e c) do art. 204° do CPP e a

medida proposta pela defesa não acautela tais perigos, já que os contactos se mantêm sendo

até certo que muitos deles, conforme resulta das escutas são feitos pela via telefónica. Vamos

até mais longe e diremos que este perigo não fica totalmente acautelado com a própria prisão

preventiva, já que não sendo esta medida cumulável com outra para além do TIR, o Tribunal

não pode impedir os contactos nos termos definidos pelos regulamentos prisionais.

A provarem-se em julgamento os indícios coligidos, o arguido será seguramente

condenado em pena de prisão efectiva considerando o disposto nos art. 71° e 77° do C Penal.

Face a todo o exposto, é entendimento deste Tribunal que só a prisão preventiva do

arguido é adequada, suficiente e proporcional às necessidades cautelares dos autos e à pena

previsivelmente aplicável, pelo que a determinamos ao abrigo do disposto nos arts. 191°,

193°, 202° n°l al. a) e 204° als b) e c) todos do CPPenal.

Tal medida será cumulada com TIR já prestado. Passe os competentes Mandados de

condução.

Cumpra o disposto no artigo 194° n. ° 3 do CPPenal.

Nos termos do art. 178 n. l do CPPenal, por ser susceptível de servir a prova,

determino a imediata apreensão de todos os telemóveis e agendas em posse do arguido,

procedendo-se, se necessário, a revista.

Notifique.

Do despacho que antecede foram os presentes devidamente notificados.

O auto foi encerrado pelas 08H17m do dia 22 de Maio de 2003,"

Que dizer perante todo este quadro?

88

1.5. A Secção Criminal da Relação de Lisboa julgou no sentido de não estarem

presentes quaisquer dos requisitos da prisão preventiva.

E, como instância criminal que é, cumpre-lhe julgar e valorar os factos nos processos

penais, sendo duvidosa a competência de uma instância cível, como esta, para tal sindicar.

Mas é o próprio Juiz de Instrução Criminal que reconhece não estar presente o perigo

de fuga; que o arguido foi detido só para poder ser interrogado; de a perturbação da instrução

poder resultar de contactos do arguido (que, depois, admite não poderem ser evitados) e de

seus amigos (que não são sequer intervenientes nos autos) afirmando: "Diremos que esse

perigo não fica totalmente acautelado com a própria prisão preventiva (...) já que o Tribunal

não pode impedir os contactos".

E buscando a noção de perturbação da tranquilidade pública na possibilidade de

"outros", designadamente os referidos prossigam os seus desígnios "de influenciar e

entorpecer as investigações", estabelecendo a dúvida, designadamente, no seio da população,

assim gerando um sentimento de insegurança e de intranquilidade públicas".

Seria caso de perguntar se, afinal, ao Autor foi aplicada a medida de prisão

preventiva por verificados os requisitos do art. 204° do CPP ou se o que se pretendeu foi

evitar, embora reconhecendo a impossibilidade de o fazer por essa via, a conduta de terceiros

não arguidos.

Escreveu-se também no mesmo despacho que a detenção do autor fora "um mero

proforme" para permitir “a aplicação" do art. 141° n° l do CPP, já que um 1º interrogatório

judicial pressupõe sempre a existência de um arguido detido".

Se tal não bastasse, poderia, desde já, concluir-se pela não legalidade da prisão

preventiva.

Mas à mesma conclusão se chega da análise, neste sede processual, dos elementos

fácticos aqui trazidos e demonstrados, que analisámos detalhadamente, tal como os acórdãos

da Secção criminal desta Relação haviam já feito.

E não fosse a desaplicação do segmento "manifestamente", do n° l do art. 225° do

CPC, na sua primitiva redacção e agora desaparecido, não teríamos dúvidas em, perante o

despacho que a determinou, e os indícios até aí colhidos, considerar ser manifesta a não

legalidade da medida de coacção em apreço.

1.6. Se a douta sentença apelada não tivesse sido estruturada, no essencial, com base

no caso julgado que constituiriam os Acórdãos da Relação sobre a situação do Autor e o réu

tal não tivesse questionado, prescindiríamos de abordar este instituto.

89

No entanto, iremos fazê-lo apenas para lograr uma pronúncia isenta de omissões.

Perfilam-se as duas decisões penais acima citadas.

A primeira, que mais aqui releva, pôs termos à prisão preventiva por entender

inverifícarem-se os respectivos pressupostos.

A segunda pôs termo ao processo, quanto ao Autor, mantendo-se a sua não

pronúncia, por julgar não indiciados os crimes.

Não repugnaria tratar qualquer delas como decisões penais absolutórias, já que foram

favoráveis ao arguido, em termos de o isentarem das "sanções" de natureza processual penal,

sendo certo que ambas transitaram em julgado.

Dispõe o art. 674°-B do CPC:

"1. A decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com

fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer

acções de natureza cível, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível

mediante prova em contrário.

2. A presunção referida no número anterior prevalece sobre quaisquer presunções de

culpa estabelecidas na lei civil".

Este preceito foi aditado pelo Decreto-Lei n° 329-A/95, de 12 de Dezembro, e pelo

Decreto-Lei n° 180/96, de 25 de Setembro, considerando que, ao contrário do CPP de 1929, a

actual lei processual penal não trata da eficácia para terceiros da decisão penal absolutória nas

acções civis com ela conexas.

No essencial, retoma-se o regime daquele diploma, mas, agora, não consagrando a

eficácia erga omnes da decisão penal condenatória (no art. 674°-A) que transformou em mera

presunção ilidível por terceiros.

No que nos interessa, por termos equiparado a absolutórias as decisões da instância

criminal, verifica-se que se a ilibação se tivesse fundado na circunstância de o arguido não ter

praticado os factos que lhe eram imputados, ter-se-ia constituído uma presunção juris tantum

da inexistência desses factos, a qual não podia ser ilidida por qualquer outra presunção.

Mas tal não acontece, já que a decisão só relevaria, neste processo e nos termos do

art. 674°-B do CPC, se a "absolvição" ocorresse por provada a não prática dos factos, que não

por falta de prova (como com base no in dubio pró reo).

Esta não gera qualquer presunção, a qual só ocorre pela afirmação da certeza de que

tais actos não foram praticados pelo arguido (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 10.02.2004

- Proc. 04A4284 - e de 17.06.2004 - Proc. 04B1967).

90

O explanado significa que o disposto no art. 674°-B do CPC não tem que ver com o

instituto/excepção do caso julgado, mas, e apenas, com regras direito probatório, ou seja, a

eficácia probatória extraprocessual da sentença penal.

É certo que, no preâmbulo do citado Decreto-Lei 329-A/95, se refere assumir-se "a

regulamentação dos efeitos do caso Julgado penal, quer condenatório, quer absolutório, por

acções civis conexas com as penais, retomando um regime que, constando originariamente do

Código de Processo Penal de 1929, não figura no actualmente em vigor".

Mas, o que realmente se conseguiu, foi afirmar que a simples falta de prova de uma

acusação penal não permite, sequer, fundar qualquer presunção, antes só valendo no âmbito

do processo penal, mas como presunção de inocência do arguido.

De todo o modo, o âmbito dos arts. 674°-B e 674°-A da lei adjectiva civil só relevam

para lides civis em que se discutam relações jurídicas dependentes ou relacionadas com a

prática de um crime.

Deve, então, concluir-se não estarmos perante uma situação de caso julgado material

penal com reflexos nesta lide.

1.7. Pode, então, concluir-se pela não razão do apelante Estado, o que sempre se

lograria, quer defendendo, como acontece, a inconstitucionalidade material, por violação do

n°5 do art. 27° da CRP, do segmento constituído pelo advérbio "manifestamente" do nº l do

art. 225º do CPP ou do segmento "grosseiro" do n° 2, na sua primeira redacção.

Mas, se assim não fosse entendido, e se se concluísse pela inconstitucionalidade de

todo o número l, então seria de aplicar o Decreto-Lei 48 051, de 21 de Novembro de 1967,

responsabilizando o Réu, por culpa leve.

Finalmente, e já no limite, mas se afirmada a conformidade do art. 225° do CPP com

o art. 27°, n°5, da CRP, de igual modo a apelação do Estado teria de improceder, pois dos

próprios termos do despacho que decretou a prisão preventiva resulta a manifesta ilegalidade

da medida de coacção que privou o Autor da sua liberdade.

E nem se diga, como o douto acórdão que fez vencimento, que “a revogação de uma

decisão judicial, por efeito de provimento do respectivo recurso, não equivale a que a decisão

recorrida, objecto de reapreciação estivesse errada".

Claro que só são revogadas as decisões que erraram, quer nos pressupostos de facto,

quer nos de direito, quer em ambos.

91

Ao reapreciarem o julgado, os Tribunais de recurso fazem-no para corrigir eventuais

erros de julgamento cometidos pelo julgador “a quo". Não alteram decisões por mero

exercício intelectual ou de afirmação doutrinária.

Devem afirmar, não sendo admissível o nnon liquidet", que a decisão recorrida está

certa, e então mantêm-na, ou que errou, e então revogam-na, total ou parcialmente, consoante

a dimensão do desacerto.

É claro que há erros não notórios, não manifestos, flagrantes ou exuberantes, mas se

há revogação do julgado é, porque o Tribunal superior considerou que se errou.

Também de, modo algum, se acompanha o acórdão ora votado quando refere a

verificação dos requisitos das alíneas b) (perturbação da instrução) e c) (perturbação da ordem

e tranquilidade públicas) do art. 204° do CPP, fazendo um primeiro apelo à prova indiciaria,

com transcrição de depoimentos, aliás desvalorizados nos acórdãos da secção criminal desta

Relação e que no caso que se aprecia só relevariam nos termos e para os efeitos da alínea a)

do n° l do art. 202º do CPP, na insuficiência de outras medidas e se verificado qualquer dos

pressupostos do citado art. 204°.

Diz-se que "terceiros a pedido do A. realizaram diligências junto de instituições

(judiciais e políticas) ou pessoas socialmente relevantes, tidas por susceptíveis de criarem um

perigo de perturbação do inquérito e de gerarem um sentimento de insegurança e de

intranquilidade públicas com consequências a nível da prova".

Sobre esta visão, deixei dito que a intervenção de terceiros (e mesmo o despacho

determinativo da prisão diz que a medida de coacção não as evitaria, sendo portanto inútil e

ineficaz) não integra perturbação do inquérito nem põe em causa a ordem e tranquilidade

públicas.

Como bem se acentua, no douto parecer junto, "o perigo de perturbação do decurso

ao inquérito, que pode justificar a imposição de urna medida de coacção, tem de concretizar-

se num comportamento do arguido que faça recear, fundadamente, prejuízos para a

investigação do crime — para a actividade que consiste em saber se houve crime, quem foram

os seus agentes e qual a sua responsabilidade, descobrindo e recolhendo as provas

correspondentes - nomeadamente prejuízos para a aquisição, conservação ou veracidade da

prova. Numa palavra, prejuízos para a descoberta da verdade e para a realização da justiça, a

finalidade do processo penal que justifica uma limitação da liberdade de alguém que, embora

constituído arguido, se presume inocente até ao trânsito em julgado da decisão.".

92

Também Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, 2, 1999, p.245)

ensina que "os abundantes meios de que dispõem hoje as autoridades judiciarias e os órgãos

de polícia criminal para Investigar os crimes e sobretudo a sua utilização diligente e

inteligente são em geral bastantes para obstar a que o arguido possa por si perturbar o decurso

do inquérito ou a Instrução do processo. A falta de diligência das autoridades e órgãos de

polícia criminal ou a sua comodidade não serão por si mesmas nunca causa de justificação da

necessidade de aplicação de uma medida de coacção ao arguido".

Quanto ao perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas deve entender-se

que só releva para aplicação de uma medida de coacção quando conectado com o

restabelecimento da paz comunitária, o que se irá aferir pela personalidade do arguido e pelas

circunstâncias concretas do crime.

Mas nada dos autos constava em desabono da personalidade do arguido, pois até o

próprio JIC se lhe refere como pessoa “com vida estruturada" que "se apresentou

voluntariamente neste Tribunal quando tal lhe foi solicitado, sendo a sua detenção um mero

pró forme.".

O que a lei pretende acautelar é a paz pública posta em causa pela prática de um

crime pelo qual o arguido é indiciado e que faz recear, de forma fundada, a prática de outros

crimes.

É a ideia que subjaz às incriminações prevista no Capítulo V, do Título V, do Livro

II do Código Penal (Dos Crimes contra a Ordem e Tranquilidade Públicas), incriminações que

privilegiam uma vida comunitária livre da prática de crimes (cfr. Figueiredo Dias, Comentário

Conimbricense do Código Penal, tomo 2, 1999, comentário ao art. 299, 4).

Ora, por muito que o crime de abuso sexual de menores provoque “na sociedade

sentimento de repulsa e reprovação”, tal não basta para integrar sem mais o conceito da parte

final da al. c) do art. 204°do CPP, sob pena de, nestes casos, se retornar ao conceito de crimes

incaucionáveis, que previstos no DL n° 477/82, de 22 de Dezembro, e desapareceram com o

DL n 78/87, de 17 de Fevereiro e, definitivamente na revisão do processo penal da Lei n°

59/98, de 25 de Agosto.

Ao tempo, a natureza e a gravidade abstracta de um crime já não justificavam (como

agora) a prisão preventiva sem possibilidade de qualquer outra medida de coacção.

Também por isso, a interpretação que o acórdão ora votado fez da alínea c) do art.

204° do CPP viola os artºs. 18°n° 2, 28° n°2 e 32° n° 2 da Constituição da Republica.

Do exposto resulta que negaria provimento ao recurso do réu Estado.

93

1.8. Certo que também projectei a apelação do autor, que ora foi considerada

prejudicada, e cujo projecto, mantinha, no essencial a sentença apelada.

Não incorporo aqui o projecto dessa decisão, uma vez que não tendo esse recurso

sido decidido, tal transcenderia os limites do presente voto de vencido.

Lisboa, 17 de Junho de 2010.

Maria Manuela Santos G. Gomes