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1 Processo de seleção de materiais em uma construção sustentável em estrutura metálica - estudo de caso: a ampliação do Cenpes Roberta Carvalho Machado (1), Henor Artur de Souza (2) e Cláudia Barroso-Krause (3) (1) Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil Construção Metálica, Escola de Minas -UFOP, Brasil. E-mail: [email protected] (2) Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil Construção Metálica, Escola de Minas -UFOP, Brasil. E-mail: [email protected] (3) Programa de Pós-Graduação em Arquitetura - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo- UFRJ, Brasil. E-mail: [email protected] Resumo: O novo centro de pesquisas da Petrobrás (Cenpes II), no Rio de Janeiro, destaca-se, entre as construções nacionais que buscam a certificação LEED-NC®, como um complexo sustentável com a maioria das edificações em estruturas metálicas. Um dos maiores desafios encontrados ao longo de seu projeto e construção foi o processo de escolha dos materiais e de gestão dos resíduos durante a fase de construção. Para atendimento ao máximo de critérios da categoria ‘Materiais e Recursos’ da mencionada certificação, foram necessárias mudanças de hábitos e práticas vigentes desde a etapa da concepção do projeto, durante a investigação das características para posterior seleção dos materiais, até a fase de organização e logística do canteiro de obras, para uma eficiente gestão dos resíduos. Propõe-se nesse artigo, considerando um recorte no estudo de caso do Cenpes II, a investigação dos procedimentos administrativos e técnicos realizados durante a seleção e gestão dos materiais usados na construção do Cenpes II para o alcance da certificaçao (LEED) e mais sustentabilidade do projeto e da obra, tendo como foco os painéis verticais industrializados e a estrutura metálica. Para suporte da análise foram realizadas: visitas técnicas ao Cenpes II; entrevista com o arquiteto Siegbert Zanettini, autor do projeto arquitetônico; acompanhamento dos procedimentos realizados durante o projeto e a construção do Cenpes II e análise de documentos e relatórios fornecidos pela Petrobrás. Por meio das observações coletadas observou-se que ocorreram dificuldades na seleção de materiais adequados e na obtenção das informações técnicas e declarações ambientais dos produtos, que deveriam ser fornecidas pelos fabricantes. A gestão dos resíduos também foi um grande desafio, apesar da adoção de materiais industrializados e do conceito de obra racionalizada. Evidenciou-se que, no Brasil, mesmo com o auxílio de equipes multidisciplinares e centros de pesquisa avançados, existem ainda grandes obstáculos a serem superados no processo de construção mais sustentável, principalmente no que se refere à adequação da cadeia de produtores dos materiais da construção civil às necessidades atuais relativas às construções com menor impacto ambiental. Este estudo de caso contribui para a socialização de algumas particularidades do trabalho excedente necessário para a obtenção da certificação de edificações LEED, no que se refere à escolha de materiais. Palavras-chave: Seleção de materiais; construção metálica, painéis de fechamento vertical; Cenpes II. 1. INTRODUÇÃO Quando se trata da Construção Civil as questões ambientais são extremamente graves e urgentes. O setor provoca impactos ambientais expressivos em toda a cadeia produtiva envolvida, desde a extração dos recursos naturais para a fabricação dos materiais até a demolição dos edifícios, já no fim da vida útil. Os impactos ambientais decorrentes dos fluxos de materiais na produção do ambiente construído são evidentes. Estima-se que a indústria da construção e seus produtos consomem aproximadamente 40% da energia e dos recursos naturais (exceto petróleo e água) e geram 40% dos resíduos produzidos por todo o conjunto de atividades humanas, variando a porcentagem de acordo com o país (SJÖSTROM 1 , 2000, apud JOHN; SILVA; AGOPYAN, 2001). A geração de resíduos de construção e demolição no Brasil se encontra em torno de 500kg/hab ao ano (JOHN; PRADO, 2010). 1 SJÖSTROM, C. Durability of Building Materials and Components. In: CIB Symposium on Construction and Environment: theory into practice. 23-24 de novembro de 2000. São Paulo, 2000.

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Processo de seleção de materiais em uma construção sustentável em

estrutura metálica - estudo de caso: a ampliação do Cenpes

Roberta Carvalho Machado (1), Henor Artur de Souza (2) e Cláudia Barroso-Krause (3)

(1) Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil – Construção Metálica, Escola de Minas -UFOP,

Brasil. E-mail: [email protected]

(2) Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil – Construção Metálica, Escola de Minas -UFOP,

Brasil. E-mail: [email protected]

(3) Programa de Pós-Graduação em Arquitetura - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo- UFRJ,

Brasil. E-mail: [email protected]

Resumo: O novo centro de pesquisas da Petrobrás (Cenpes II), no Rio de Janeiro, destaca-se, entre as

construções nacionais que buscam a certificação LEED-NC®, como um complexo sustentável com a

maioria das edificações em estruturas metálicas. Um dos maiores desafios encontrados ao longo de seu

projeto e construção foi o processo de escolha dos materiais e de gestão dos resíduos durante a fase de

construção. Para atendimento ao máximo de critérios da categoria ‘Materiais e Recursos’ da

mencionada certificação, foram necessárias mudanças de hábitos e práticas vigentes desde a etapa da

concepção do projeto, durante a investigação das características para posterior seleção dos materiais,

até a fase de organização e logística do canteiro de obras, para uma eficiente gestão dos resíduos.

Propõe-se nesse artigo, considerando um recorte no estudo de caso do Cenpes II, a investigação dos

procedimentos administrativos e técnicos realizados durante a seleção e gestão dos materiais usados na

construção do Cenpes II para o alcance da certificaçao (LEED) e mais sustentabilidade do projeto e da

obra, tendo como foco os painéis verticais industrializados e a estrutura metálica. Para suporte da

análise foram realizadas: visitas técnicas ao Cenpes II; entrevista com o arquiteto Siegbert Zanettini,

autor do projeto arquitetônico; acompanhamento dos procedimentos realizados durante o projeto e a

construção do Cenpes II e análise de documentos e relatórios fornecidos pela Petrobrás. Por meio das

observações coletadas observou-se que ocorreram dificuldades na seleção de materiais adequados e na

obtenção das informações técnicas e declarações ambientais dos produtos, que deveriam ser fornecidas

pelos fabricantes. A gestão dos resíduos também foi um grande desafio, apesar da adoção de materiais

industrializados e do conceito de obra racionalizada. Evidenciou-se que, no Brasil, mesmo com o

auxílio de equipes multidisciplinares e centros de pesquisa avançados, existem ainda grandes

obstáculos a serem superados no processo de construção mais sustentável, principalmente no que se

refere à adequação da cadeia de produtores dos materiais da construção civil às necessidades atuais

relativas às construções com menor impacto ambiental. Este estudo de caso contribui para a

socialização de algumas particularidades do trabalho excedente necessário para a obtenção da

certificação de edificações LEED, no que se refere à escolha de materiais.

Palavras-chave: Seleção de materiais; construção metálica, painéis de fechamento vertical; Cenpes II.

1. INTRODUÇÃO

Quando se trata da Construção Civil as questões ambientais são extremamente graves e urgentes. O

setor provoca impactos ambientais expressivos em toda a cadeia produtiva envolvida, desde a extração

dos recursos naturais para a fabricação dos materiais até a demolição dos edifícios, já no fim da vida

útil. Os impactos ambientais decorrentes dos fluxos de materiais na produção do ambiente construído

são evidentes. Estima-se que a indústria da construção e seus produtos consomem aproximadamente

40% da energia e dos recursos naturais (exceto petróleo e água) e geram 40% dos resíduos produzidos

por todo o conjunto de atividades humanas, variando a porcentagem de acordo com o país

(SJÖSTROM1, 2000, apud JOHN; SILVA; AGOPYAN, 2001). A geração de resíduos de construção e

demolição no Brasil se encontra em torno de 500kg/hab ao ano (JOHN; PRADO, 2010).

1 SJÖSTROM, C. Durability of Building Materials and Components. In: CIB Symposium on Construction and

Environment: theory into practice. 23-24 de novembro de 2000. São Paulo, 2000.

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Visando formular propostas de menor impacto ambiental na arquitetura e no ambiente construído

como um todo, várias iniciativas começaram a surgir a partir da década de 90. Observa-se neste

período, o desenvolvimento de instrumentos capazes de: apoiar e avaliar o projeto, medir e avaliar a

qualidade final das edificações, bem como atestar seu desempenho (ZAMBRANO, 2008). Um

exemplo desses instrumentos, que ganha cada vez mais popularidade, é a chamada certificação

ambiental de edifícios.

As certificações ambientais de edifícios consistem em sistemas de certificação nos quais geralmente é

avaliado o grau de sustentabilidade de um projeto ou edifício, de acordo com o atendimento às

legislações vigentes e a determinados critérios de desempenho estabelecidos pelas organizações.

A metodologia pioneira de avaliação ambiental de edifícios foi desenvolvida em 1990 no Reino

Unido, com o lançamento do BREEAM - Building Research Establishment Environmental Assessment

Method. Posteriormente outros sistemas de certificação foram desenvolvidos para atender às

especificidades de determinados países (MACHADO, 2010).

Atualmente o Brasil possui sistemas nacionais de certificação como: o Processo AQUA - Alta

Qualidade Ambiental, coordenado pela Fundação Vanzolini; o selo PROCEL EDIFICA introduzido

pela Eletrobrás; e o selo Casa Azul de Construção Sustentável, lançado pela Caixa Econômica Federal

(AGOPYAN; JOHN, 2011). Contudo, um dos modelos de certificação mais adotados e reconhecidos

no país é o sistema norte americano LEED - Leadership in Energy and Environmental Design, lançado

em 1996 pela entidade não-governamental USGBC - United States Green Building Council.

A certificação LEED varia com o tipo de empreendimento e suas finalidades. Para a certificação de

novas construções utiliza-se o LEED®NC - New Construction. A certificação de uma edificação pelo

LEED depende do atendimento a pré-requisitos (mínimos a serem atendidos) e a créditos estabelecidos

pela metodologia. A cada um dos créditos atendidos são atribuídos pontos e quanto maior a pontuação,

maior valor terá a certificação, desde que se atinja ao mínimo exigido2. A atual versão LEED® NC

(USGBC, 2009) distribui o total de créditos em sete áreas de atuação: espaço sustentável; eficiência do

uso da água; energia e atmosfera; materiais e recursos; qualidade ambiental interna; inovação no

design e prioridade regional.

Dentre as construções nacionais que almejam a certificação ambiental LEED-NC® destaca-se o

empreendimento de ampliação do centro de pesquisas da Petróleo Brasileiro (PETROBRAS), o

Cenpes II, situado no Rio de Janeiro, às margens da Baía de Guanabara, na Ilha do Fundão. Em 2004,

a Petrobras promoveu um concurso envolvendo quatro escritórios de arquitetura do país para a criação

do Cenpes II. Na época, a contratante impôs dez tópicos no edital como conceitos norteadores de

ecoeficiência a serem considerados na solução arquitetônica. O projeto que ganhou a concorrência, de

autoria do arquiteto Siegbert Zanettini e coautoria de José Wagner Garcia, contou com várias

pesquisas para seu desenvolvimento, envolvendo também as faculdades de arquitetura da USP, UFSC

e UNICAMP, além de uma grande equipe de profissionais de apoio (MACHADO, 2010).

Durante as fases de concepção do projeto e de execução do Cenpes II a preocupação com os impactos

ambientais decorrentes do uso de materiais foram evidentes. A área “Materiais e recursos” do LEED

aborda um dos temas mais presentes nas discussões sobre arquitetura sustentável. De acordo com

Agopyan e John (2011), a cadeia produtiva de materiais e componentes de construção, isoladamente,

tem um impacto significativo que precisa ser mitigado, pois influi decisivamente no impacto ambiental

de edifícios e obras ao longo do seu ciclo de vida. Por isso, o LEED, assim como a maioria dos

sistemas de certificação, possui requisitos que ultrapassam a abordagem de desempenho do produto,

considerando a diminuição dos impactos ambientais na extração; no canteiro de obras e na destinação

de resíduos.

2 Categorias de certificação LEED NC 2009: Certificado: 40-49 pontos; Prata: 50-59 pontos; Ouro: 60-79 pontos; Platinum:

80 pontos ou mais (USGBC, 2009).

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Como alternativa para a redução desses impactos adotou-se na concepção e na construção da maior

parte do complexo Cenpes II o conceito de obra racionalizada e industrializada, com a utilização de

estruturas em aço e de componentes industrializados, como os painéis de fechamentos verticais.

Concluído, em parte, em 2010, o Cenpes II destaca-se em termos de sustentabilidade, inovações

tecnológicas e construção planejada, limpa e industrializada.

Na expectativa de contribuir para a socialização de parte do trabalho excedente necessário, em uma

construção sustentável, na obtenção da certificação ambiental LEED com relação à área “materiais e

recursos”, propõe-se, nesse artigo, uma investigação dos procedimentos técnicos e administrativos

realizados durante a seleção e gestão dos materiais do Cenpes II, tendo como foco a estrutura metálica

e os painéis industrializados, que foram especificados como fechamentos verticais para a maioria das

edificações do complexo. Cabe ressaltar que não está no escopo do artigo analisar e discutir o sistema

de certificação em si e demais tecnologias e estratégias sustentáveis adotadas no Cenpes II.

Constituem-se como limite da pesquisa algumas particularidades nos aspectos relativos ao processo de

escolha do sistema estrutural e dos materiais de fechamentos verticais e à gestão de seus resíduos no

canteiro de obras.

2. Construções industrializadas e vantagens

Inicialmente, é essencial compreender as vantagens do emprego de sistemas industrializados e das

estruturas metálicas em uma edificação sustentável.

Segundo Campari (2006), no Brasil, 98% das obras utilizam métodos tradicionais de construção,

predominantemente marcados pelo uso do concreto armado como sistema estrutural e da alvenaria

tradicional como fechamento vertical. Esses métodos de construção, quando não aliados à prática de

uma gestão eficiente da obra, contribuem para o aumento dos impactos ambientais negativos. A

utilização de alvenaria tradicional, como os blocos de concreto ou tijolos cerâmicos vazados ou

maciços, para o fechamento vertical implica um processo de assentamento artesanal e lento, que abre

espaço para improvisações, além de comumente gerar poluição no canteiro de obras e desperdício de

recursos, pela falta de gestão eficiente na construção e perda de materiais como areia, brita e cimento

(MACHADO, 2010).

À medida que o setor vai se modernizando, com frequência cada vez maior são incorporadas ao

cenário brasileiro construções que empregam estruturas metálicas. As principais vantagens da

utilização de estruturas em aço são destacadas nas seguintes etapas do ciclo de vida da construção

(GERVÁSIO, 2008; LEMOINE, 2002):

no processo de construção: menor prazo de execução; diminuição de recursos e desperdício no

canteiro de obras; diminuição da poluição e de resíduos e consequentemente menores impactos

socioambientais;

na obra: alívio de cargas na fundação possibilitando redução de dimensões e custos; geralmente

possui conteúdo reciclado na composição; proporciona uma obra de melhor qualidade, mais

precisa e com facilidade em vencer grandes vãos; possui longa durabilidade; possibilita a

desmontagem, adaptação e reutilização da estrutura em outra obra ou em outro lugar (mais viável

em construções totalmente industrializadas);

na demolição: possibilidade de reciclagem dos componentes da estrutura no fim da vida útil sem

diminuição das propriedades e ausência de incômodos decorrentes do processo tais como ruídos

elevados, poeira e poluição.

O aumento na oferta de produtos complementares pré-fabricados compatíveis com o sistema estrutural

em aço alia-se a essas vantagens, contribuindo para fortalecer e consolidar a industrialização das

construções e para obtenção de um melhor aproveitamento das vantagens que a estrutura em aço

oferece em uma obra. Recomenda-se que sejam utilizados componentes complementares padronizados

e modulados para uma industrialização completa da construção, o que inclui o uso dos painéis de

fechamento industrializados. A utilização de componentes industrializados em construções vem

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surgindo como alternativa para diminuição dos impactos negativos de uma edificação, pois as

construtoras podem planejar a obra como se fossem montadoras, agrupando os fornecedores de peças

dentro do canteiro de obra e minimizando os desperdícios gerados pela acumulação e mistura de

matérias-primas.

A utilização de painéis de fechamento industrializados em uma obra apresenta, no geral, benefícios

como: racionalização e agilidade das linhas de montagem; praticidade na execução das diversas

instalações; canteiro de obras mais limpos e organizados; redução do tempo da construção e economia

de recursos. Geralmente esses painéis também permitem o emprego conjunto de materiais isolantes

aumentando-se as possibilidades de desempenho térmico e acústico das paredes e divisórias.

Segundo Silva e Silva (2004), a racionalização construtiva só pode ser alcançada quando as ações são

planejadas desde o momento da concepção do empreendimento onde cada passo do processo de

construção é determinado na fase de projeto, de modo a evitar qualquer alteração na obra em

andamento.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O método de pesquisa consistiu na adoção dos seguintes procedimentos: a) entrevista com o arquiteto

Siegbert Zanettini, autor do projeto; b) acompanhamento dos procedimentos técnicos e administrativos

realizados para a seleção e gestão dos materiais usados na construção do Cenpes II, c)

acompanhamento da fase de instalação dos painéis com visitas técnicas ao empreendimento; d)

entrevistas com a equipe responsável por documentar e fiscalizar os procedimentos para certificação

LEED; e) análise de documentos e de relatórios elaborados durante todas as fases do empreendimento,

desde o projeto até a etapa de execução da obra.

Dentre os diversos documentos de acesso restrito, foram analisados: relatórios de acompanhamento

para adequação ao padrão LEED (PETROBRAS, 2006b); relatórios de parâmetros utilizados nos

relatórios de ecoeficiência (PETROBRAS, 2006a); relatórios mensais de ecoeficiência

(PETROBRAS, 2009c) e Declarações Ambientais dos produtos utilizados (PETROBRAS, 2009b) e

Manual técnico de Implementação de Empreendimentos para o CENPES (PETROBRAS, 2009a).

4. RESULTADOS

Durante o processo de projeto e a execução da construção foram necessárias mudanças nos hábitos e

nas práticas vigentes para a concepção de um empreendimento sustentável. Como resultado desse

trabalho expõe-se os procedimentos técnicos e administrativos relativos à seleção e gestão dos

materiais adotados durante o projeto e a construção do Cenpes II, com foco na estrutura em aço e nos

de fechamentos verticais.

4.1. Conceito de projeto

O Cenpes II possui um partido horizontal composto por 20 edifícios, totalizando mais de 100.000 m2

de área construída, que incluem: prédio central, novos laboratórios, Centro de Convenções, Centro de

Realidade Virtual (CRV), Empreiterópolis, oficina, orquidário, restaurante, planta piloto, Centro

Integrado de Processamento de Dados/Rio de Janeiro (CIPD-RIO) e Central de Utilidades.

Segundo Zanettini (2009), o empreendimento teve como conceito e premissa de projeto a busca por

uma arquitetura contemporânea, que integrasse arquitetura, estrutura, instalações, ecoeficiência,

paisagismo, planejamento e organização da obra e ao mesmo tempo atendesse aos requisitos do edital.

Assim, uma série de estratégias ecoeficientes foi adotada e testada, em todas as etapas do projeto.

Outros conceitos fundamentais adotados foram: flexibilidade dos ambientes, possibilidade de

expansão e planejamento da obra em fases, aplicação de conceitos inovadores do ponto de vista de

instalações e criação de ambientes de trabalho que estimulem a criação científica.

O escritório Zanettini Arquitetura contou com a colaboração de cerca de 140 profissionais, entre

técnicos e consultores, e de três laboratórios para o desenvolvimento do projeto, que necessitou de

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cerca de cem mil documentos, entre desenhos e memoriais de especificações. Os aspectos de

sustentabilidade do projeto levaram a empresa investidora do novo complexo ao interesse pela

certificação ambiental do CENPES II, sendo escolhido para essa avaliação o sistema LEED-NC®

versão 2.1, vigente na época.

4.2. Seleção de materiais e adequação aos padrões LEED

Para fins de certificação, uma série de pré-requisitos e critérios da metodologia de certificação LEED

teve de ser analisada e atendida. Por isso, foi necessária a contratação de equipes responsáveis por

orientar e fornecer informações para adequação do projeto aos padrões LEED durante o processo de

concepção da construção.

A equipe do LABAUT3, com o apoio de revisão da equipe Zanettini Arquitetura, elaborou relatórios

de acompanhamento para adequação ao padrão LEED, inicialmente analisando a metodologia de

certificação e avaliando a possibilidade de atendimento aos pré-requisitos e critérios. O relatório final4

apresentou resultados que forneceram pareceres e recomendações para o projeto do empreendimento e

a fase de execução da obra, visando alcançar a maior quantidade de créditos possíveis. Dado o exposto

no decorrer do documento e as estimativas quanto aos pontos obtidos, chega-se a um resultado

potencial total entre 33 e 38 pontos, o que é suficiente para uma certificação LEED “Silver”5 na versão

2.1 do LEED. Pelo menos quatro desses pontos foram previstos pelo atendimento aos seguintes

critérios da área “Materiais e Recursos”: 4.4.1. Pré-Requisito 1: Armazenagem e coleta de recicláveis;

4.4.7. Reuso de recursos. 5%; 4.4.9. Conteúdo reciclado 5% pós-consumo ou 10% pós-consumo+pós-

industrial; 4.4.13. Materiais rapidamente renováveis e 4.4.14. Madeira certificada. Mesmo nos casos

previstos de não atendimento aos créditos, o relatório apresenta recomendações de projeto para que

seja feito um esforço no sentido de atendimento. A título de exemplificação, optou-se por apresentar,

no quadro 1, as informações contidas no relatório, elaborado à época do projeto, referente a quatro dos

créditos da categoria “Materiais e Recursos”.

O documento presume que cumprir as metas necessárias para a obtenção dos demais pontos da área

“Materiais e recursos” representa grandes desafios. Por isso, considera que os pontos relativos aos

créditos apresentados no quadro 2 não serão obtidos.

Quadro 1 - Exemplo de análise da possibilidade de obtenção dos pontos LEED na área Materiais e Recursos

ITEM: 4.4. MATERIAIS E RECURSOS - TOTAL DE PONTOS POSSÍVEIS: 13 PONTOS

4.4.5. Gestão de resíduos de obra. Redirecionamento de 50% do material destinado a aterro – 1 ponto

4.4.6. Gestão de resíduos de obra. Redirecionamento de 75% do material destinado a aterro – 1 ponto

Descrição Estes dois créditos visam evitar o envio de restos de materiais de construção e

terraplenagem para o aterro, por meio do redirecionamento de materiais recicláveis

recolhidos de volta para o processo produtivo.

Recomendação Devem-se estabelecer objetivos de redirecionamento de materiais e adotar um plano de

gerenciamento de resíduos para atingir estes objetivos, designando, também, uma área

específica no canteiro de obras para materiais recicláveis.

Projeto Tentar atingir a meta de 50% de redirecionamento, lembrando que o redirecionamento

inclui destinar material à doação, reciclagem e/ou reutilização.

Consideração Ainda que se possa fazer o cálculo de redirecionamento, tanto por volume quanto por peso,

acredita-se ser um grande desafio atingir qualquer uma das duas metas estabelecidas.

Possibilidade Por esta razão consideram-se os créditos como não cumpridos e os pontos não obtidos.

Continua

3 LABAUT - Laboratório de Conforto Ambiental e Eficiência Energética do Departamento de Tecnologia, da Faculdade de

Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, (FAUUSP).

4 Foram desenvolvidas e revisadas quatro versões até concluir a versão final liberada em janeiro de 2006. 5 Categorias de certificação LEED NC versão 2.1: Certified (26-32 pontos); Silver (33-38 pontos); Gold (39-51 pontos) e

Platinum (52-69 pontos).

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Continuação

ITEM: 4.4. MATERIAIS E RECURSOS - TOTAL DE PONTOS POSSÍVEIS: 13 PONTOS

4.4.7. Reuso de recursos. 5% – 1 ponto

4.4.8. Reuso de recursos. 10% – 1 ponto

Descrição Estes dois créditos visam incentivar a reutilização de materiais de construção de modo a

reduzir a demanda por materiais virgens.

Recomendação Recomenda-se que se tente identificar, dentro dos limites impostos pela construção de um

edifício novo, oportunidades de incorporação de materiais reciclados na construção.

Consideração Como se trata justamente de um edifício novo vê-se com algum ceticismo o uso de 10% de

materiais reciclados.

Possibilidade Estima-se que seja possível cumprir um dos créditos, obtendo um dos pontos disponíveis.

Fonte: PETROBRAS, 2006b.

O relatório também apresenta previsão de obtenção de 14 pontos na categoria “Qualidade do

Ambiente Interno”, dos quais quatro estão diretamente relacionados com a seleção de materiais pelos

itens 4.5. Materiais com baixa liberação de Compostos Orgânicos Voláteis (COV): 4.5.7. Adesivos e

selantes; 4.5.8. Tintas e revestimentos; 4.5.9. Carpetes e 4.5.10. Madeiras compostas e fibras.

4.3. Seleção de materiais do CENPES II

Os materiais especificados pelo escritório Zanettini Arquitetura foram selecionados tendo em vista,

não só os créditos LEED, mas o compromisso com a sustentabilidade. Optou-se pela utilização do aço

como elemento estrutural na maioria das edificações do complexo por considerá-lo um material que

facilita a adoção de medidas como controle de desperdício e gestão da qualidade da obra. Além disso,

o aço possui materiais reciclados em sua composição, o que contribui para o critério 4.4.9 do LEED,

referente ao conteúdo reciclado pós-consumo. Para o arquiteto Siegbert Zanettini, a solução para uma

obra limpa e sustentável deve começar pela especificação de materiais industrializados, por

proporcionar um canteiro como um lugar de montagem, limpo, organizado e com segurança. Essa

Quadro 2 - CENPES II – Itens da área Materiais e Recursos do LEED com previsão de não atendimento Itens com previsão de não atendimento Considerações

Reutilização do edifício

4.4.2. Mantendo 75% da estrutura original

4.4.3. Mantendo 100% da estrutura original

4.4.4. Mantendo 100% da estrutura original e 50% do

restante dos componentes

Estes créditos tratam de reutilização de

estruturas e edifícios previamente existentes

no terreno, caso que não se aplica ao

empreendimento em análise.

Gestão de resíduos de obra.

4.4.5. Redirecionamento de 50% do material destinado a

aterro

4.4.6. Redirecionamento de 75% do material destinado a

aterro

Ainda que se possa fazer o cálculo de

redirecionamento, tanto por volume quanto

por peso, acredita-se ser um grande desafio

atingir qualquer uma das duas metas

estabelecidas.

4.4.8. Reuso de recursos. 10% Estima-se que seja possível cumprir o uso de

5% de materiais reciclados.

4.4.10. Conteúdo reciclado. 10% pós-consumo ou 20% pós-

consumo+pós-industrial

Estima-se que seja possível cumprir o uso de

5% do conteúdo reciclado pós-consumo ou

10% pós-consumo+pós-industrial

Materiais regionais/ locais.

4. 4.11. 20% manufaturados localmente

4.4.12. 50% colhidos na região

Estima-se que pode haver dificuldades no

cumprimento destes créditos, posto que nem

sempre haverá fornecedores locais dentre os

quais se possa alcançar o trinômio

conformidade/preço/disponibilidade.

Fonte: PETROBRAS, 2006b.

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convicção também justificou a opção dos painéis industrializados como fechamentos verticais

(ZANETTINI, 2009).

Os tipos de fechamentos verticais utilizados nas edificações do CENPES II foram especificados de

acordo com o ambiente, o uso e suas necessidades de desempenho térmico e acústico. Para a grande

maioria dos fechamentos verticais internos foram utilizados painéis de gesso acartonado6 com

estrutura metálica de sustentação (sistema Drywall). Esse fechamento permite montagem e

desmontagem simples, sem desperdício de materiais, conferindo maior flexibilidade à edificação.

Alguns ambientes receberam fechamentos internos com placas duplas de gesso acartonado e material

isolante térmico tipo lã de rocha no interior do sistema. Como alternativa ao uso de lã de rocha, foram

aplicados em alguns ambientes um material isolante fabricado com 50% de conteúdo reciclado de

garrafas Pet. Os acabamentos, na maioria das vezes, consistiam na aplicação de tinta. Em

determinados ambientes os fechamentos receberam outros acabamentos, como revestimento cerâmico,

por exemplo. Os painéis dos laboratórios foram revestidos com fórmica, por questão de praticidade na

limpeza do ambiente e pelo tipo de uso.

Para os fechamentos externos foram especificados painéis em concreto armado7 de quatro fabricantes

distintos, com acabamento claro e agregados expostos incorporados de fábrica e com 15% de conteúdo

reciclado. A fim de melhorar o desempenho térmico e ambiental, os painéis externos de alguns

ambientes receberam acabamento interno no sistema Drywall, juntamente com uma camada de ar e

painel de gesso na superfície. Também foram aplicados materiais isolantes no interior do sistema,

quando necessário. O fechamento externo de painéis de concreto armado foi especificado devido à

possibilidade de menor resíduo possível em obra, pois até mesmo outros fechamentos industrializados,

como os painéis leves (cimentício, OSB, etc.) com Light Steel Framing, invariavelmente necessitam

de alguns cortes para a montagem, podendo gerar alguns pedaços residuais. A geração de entulho,

mesmo que em pequena quantidade, não era interessante visto que um dos critérios LEED refere-se à

gestão de resíduos na obra. Portanto, os painéis em concreto armado foram feitos sob medida para o

empreendimento e entregues prontos para montagem, conferindo maior agilidade de execução.

Ressalta-se que na fase de projeto tentou-se reduzir ao máximo a variação de tamanhos de painéis a

serem utilizados, objetivando garantir maior padronização na produção, reduzir custos operacionais,

aumentar a velocidade de fabricação e aproveitar as fôrmas de moldes.

4.3.1. Ecoeficiência

O processo de projeto e a seleção dos materiais também foram guiados por avaliações de desempenho

ambiental executadas pelo LABAUT. Foram elaborados relatórios de Ecoeficiência para o CENPES II

contendo estudos de desempenho térmico, luminoso e acústico. Sempre que possível, foram adotados

meios passivos para o conforto ambiental dos ambientes internos, como: estratégias de sombreamento,

ventilação, iluminação natural e isolamento térmico dos edifícios. Os estudos de ecoeficiência foram

realizados utilizando softwares como recursos para: análises de desempenho, simulações, testes de

modelagem e conseqüentes ajustes e aprimoramentos da arquitetura. Durante a fase de projeto

avaliaram-se a adequação dos materiais e sua contribuição para o alcance do desempenho almejado

das edificações. Na fase de testes algumas alterações foram propostas na arquitetura, substituindo

componentes de paredes externas e internas para atingir o isolamento térmico e acústico adequado.

O software Radiance foi utilizado para a avaliação de insolação e do desempenho luminoso das

edificações, auxiliando na tomada de decisões arquitetônicas e permitindo explorar: geometrias e

aberturas, layouts, materiais empregados, refletividade das superfícies, obstruções externas e uso dos

6 Painéis leves, delgados (de 9,5 a 15 mm) e 100% recicláveis. São fabricados industrialmente em série, com medidas padrão,

mediante um processo de laminação contínua de uma mistura de sulfato de cálcio (gipsita), água e aditivos (liquificante,

amido, espumante etc.) e revestidos, em ambos os lados, com lâminas de papel cartão reciclado. O conteúdo reciclado

corresponde a 0,5% do peso total do produto. 7 Painéis pesados, geralmente indicados para fechamentos externos e com 10 cm de espessura, produzidos por encomenda em

dimensões variadas. São compostos por: areia, brita, cimento, aço de armadura, aditivos não tóxicos (reagentes químicos

neutros), pedras (no caso de painéis com agregados expostos) e, em alguns casos, pigmentação.

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ambientes. A determinação do desempenho térmico dos edifícios, incluindo o potencial de ventilação

natural e a carga térmica nos períodos condicionados artificialmente, foi feita a partir de simulações

computacionais no software TAS. Antes da adoção definitiva do programa foram realizados estudos

com os softwares Energy Plus e Ecotect. Os estudos foram complementados por simulações do

potencial de ventilação natural pelo uso do aplicativo de mecânica dos fluidos CFX 5.7. Com o auxílio

desses recursos foi possível testar a eficiência dos painéis de fechamento e das estratégias projetuais de

conforto ambiental, ainda na fase de projeto (PETROBRAS, 2006a).

4.3.2. Imprevistos durante a obra na especificação e instalação dos painéis

A equipe de seleção de materiais não encontrou um material aderente com baixa liberação de COVs

para a aplicação da fórmica nos painéis dos laboratórios, um dos critérios LEED8. Diante da requisição

feita para o Cenpes II, uma empresa nacional conseguiu fabricar um produto adequado, entretanto o

produto encontrava-se ainda na fase de testes durante a fase de acabamento dos painéis do laboratório.

Por isso o novo produto foi aplicado em apenas um dos laboratórios, para avaliação de sua eficiência.

Foi especificado em projeto que todos os painéis de concreto armado deveriam ser fabricados a partir

do cimento CP III, que apresenta cerca de 60% de material reciclado em sua composição. No entanto,

os painéis utilizados foram fabricados com cimento CP V, cujo tempo de cura é menor e não apresenta

tanto material reciclado, a fim de evitar atrasos no cronograma da obra. Outro imprevisto ocorreu

durante a instalação dos painéis de concreto armado nas fachadas laterais dos laboratórios. Faltava

espaço entre as edificações de laboratórios para posicionamento dos equipamentos de içamento dos

painéis. Optou-se por especificar os painéis GFRC (Glass Fiber Reinforced Concrete)9 para essas

áreas, por serem mais leves e demandarem equipamentos menores para montagem. Esses painéis

foram instalados da mesma forma que os de concreto armado, com estrutura Drywall e acabamento

interno com painéis de gesso acartonado.

4.4. Gestão de resíduos da obra

Durante a fase de execução, outra equipe ficou responsável por organizar a documentação

comprobatória necessária e fiscalizar os procedimentos empregados. Nesse período, algumas

iniciativas foram adotadas de forma a garantir uma gestão eficiente e a sustentabilidade ambiental do

complexo. Para a documentação e comprovação da destinação final dos materiais residuais, um

sistema de gestão dos resíduos foi implementado. Além disso, vários programas foram adotados

contendo medidas para o aumento da eficiência no uso de recursos e o controle de poeira, ruídos e

erosão. Essas atividades exigiram treinamento da mão de obra e constante fiscalização. Foram

elaborados relatórios mensais de ecoeficiência da construção descrevendo as atividades realizadas para

desenvolver a conscientização dos funcionários, a melhoria contínua dos processos e produtos, o

atendimento aos requisitos legais e contratuais e o controle dos resíduos de materiais e poluentes.

Dentre os vários programas desenvolvidos para o Cenpes II, destacam-se alguns diretamente

relacionados com a gestão de resíduos e a seleção dos materiais: 1) Programa de resíduos e efluentes,

que busca minimizar a geração de resíduos na fonte e estabelecer o controle efetivo até a disposição

final, promovendo redução, reutilização e reciclagem; 2) Programa do Projeto Bolsa de Resíduos, que

orienta para o gerenciamento adequado dos resíduos da construção, evitando o encaminhamento para

aterros e incentivando o sistema de doação; 3) Programa de controle de desperdício, que visa à

otimização no uso racional dos materiais, energia e recursos hídricos e 4) Programa de procedência

dos materiais, que estabelece diretrizes e procedimentos de controle dos materiais, de forma a preferir

os considerados regionais10, compostos por conteúdos reciclados, com baixo teor de COVs ou

8 Critério LEED da área “Qualidade do Ambiente Interno”, item 4.5- Materiais com baixa liberação de COVs. 9 Os painéis GFRC são painéis mais leves e menos espessos do que os painéis em concreto armado, o que proporciona uma

montagem mais prática e que utiliza equipamentos menores e mais baratos. São compostos por: cimento, areia, plastificantes,

polímeros, fibras de vidro, água e estrutura metálica incorporadas durante a sua fabricação. 10 Materiais de construção ou produtos que tenham sido extraídos, colhidos ou recuperados, bem como os fabricados, a

distância máxima de 500 milhas (aproximadamente 800 km) do local de construção (USGBC, 2009).

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madeiras certificadas.

Os relatórios mensais também destacam as ações de boas práticas executadas no período, como:

treinamento de operários visando aumentar o nível de conscientização das frentes de trabalho na obra e

realização de testes e estudos com alguns materiais residuais da obra para reaproveitamento.

4.4.1. Gestão de resíduos dos painéis

Medidas específicas foram adotadas com relação ao processo de instalação dos painéis, a fim de

diminuir a produção de resíduos e gerenciar adequadamente seus resíduos. Foram desenvolvidos

manuais para a instalação eficiente dos painéis contendo: os procedimentos para cada etapa de

montagem (retirada do estoque, içamento e posicionamento para a área de montagem, soldagem, etc.);

estimativa de tempo gasto para cada unidade e sugestões para evitar imprevistos, quebra de peças,

atrasos e outras dificuldades que poderiam ocorrem durante essa etapa (PETROBRAS, 2009a).

Recomendações técnicas para reaproveitamento de eventuais resíduos dos painéis de concreto (caso

algum quebre antes de instalado, por exemplo) e para os pedaços residuais provenientes de cortes nos

painéis de gesso acartonado foram elaboradas. Os resíduos de concreto, como eram em menor

quantidade, deviam ser reutilizados como material para acerto de piso da área externa. Já os resíduos

de gesso deviam ser separados dos outros materiais e armazenados em local específico no canteiro,

protegido da chuva e de outros possíveis contatos com água, para posteriormente serem encaminhados

para as Áreas de Transbordo e Triagem, onde eram preparados para o reaproveitamento, geralmente

nas indústrias de cimento11.

Os resíduos de construção foram reaproveitados, quando possível, ou encaminhados para a reciclagem

ou para disposição final em local seguro. Todas as entradas e saídas de materiais foram devidamente

monitoradas. Ao final de cada relatório mensal de ecoeficiência apresentam-se tabelas de

gerenciamento dos resíduos contendo as seguintes informações: a identificação de cada tipo de resíduo

gerado durante o período; seu estado físico e classificação; as formas de acondicionamento; o

transportador e o receptor do resíduo; o tratamento e a destinação final (geralmente feito por

empresas); a quantidade (em volume e em peso) de resíduos estocados temporariamente na obra; o

total de saída de resíduos no mês e o total gerado no ano (PETROBRAS, 2009c).

4.5. Declarações Ambientais dos produtos utilizados

Declarações Ambientais dos produtos, cujos princípios para o desenvolvimento estão estabelecidos na

norma ISO 14025:2006, são documentos contendo informações sobre seus aspectos ambientais e de

composição que devem ser fornecidos pelos fabricantes visando garantir aos consumidores a

veracidade das informações. Para fins de certificação de uma edificação, geralmente são exigidas

Declarações Ambientais dos materiais utilizados na construção. Como forma de garantir o

cumprimento do estabelecido no Programa de procedência dos materiais e também para fins de

obtenção da documentação exigida para a certificação LEED, foram solicitadas aos fabricantes as

Declarações Ambientais de todos os produtos utilizados na construção do CENPES II. No entanto, a

maioria dos fabricantes não possuía esse tipo de Declaração. Para solucionar essa limitação, foram

elaborados três modelos de Autodeclaração Ambiental de produtos e enviados aos fabricantes para

preenchimento e devolução, dependendo do tipo de material.

O primeiro modelo de declaração se refere às informações necessárias para classificar o produto

quanto material regional e quanto ao seu conteúdo reciclado. Nesta declaração os fabricantes deveriam

informar: 1) o custo total dos materiais12; 2) a composição básica do produto final; 3) se o material foi

produzido com conteúdo reciclado e a especificação, em massa, desse conteúdo incorporado ao

produto no pré e no pós-consumo13; 4) se o local de extração das matérias-primas da natureza está

11 Para a fabricação de cimento é necessário adicionar de 3 % a 7 % de gesso. 12 O LEED utiliza essa variável para calcular a porcentagem de produtos em vários critérios. 13 Reciclado pré-consumo: é definido como material desviado da corrente de resíduos durante o processo de fabricação.

Reciclado pós-consumo: é definido como os resíduos gerados por usuários finais do produto que não pode mais ser usado

para a finalidade pretendida (USGBC, 2009).

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num raio de até 800 km; 5) o local de extração de cada matéria-prima, sua porcentagem em massa no

produto e distância até o empreendimento; 6) se o produto é fabricado num raio de até 800 km

(aproximadamente 500 milhas); 7) o local onde é produzido e a distância em linha reta ou raio até o

Cenpes II (PETROBRAS, 2009b).

O segundo modelo refere-se à classificação da madeira utilizada, mesmo quando componente de um

produto. Os dados requisitados foram: 1) se é certificada FSC (Forest Stewardship Council); 2) se o

produto utiliza resina à base de uréia-formaldéido para a fabricação ou montagem; 3) a origem (local

de extração) da madeira certificada e a distância até empreendimento. No terceiro modelo de

declaração deviam constar as informações para classificação do produto com baixa emissão de COV.

Nesta declaração os fabricantes deveriam informar os dados quantitativos de COV (em g/l); o tipo de

produto; a utilização; o local; o fabricante e teor de COV (PETROBRAS, 2009b).

Os responsáveis por recolher essas declarações relataram muitas dificuldades na obtenção desses

documentos completa e corretamente preenchidos. Vários fabricantes não os preenchiam por inteiro,

demoravam a devolvê-los ou não sabiam responder algumas das informações solicitadas. O atraso na

devolução implicava, muitas vezes, em atrasos na aquisição dos materiais e consequentemente na

construção. Dificuldades ainda maiores foram encontradas na obtenção das Declarações dos produtos

que têm em sua composição materiais já processados por outra empresa, como foi o caso dos painéis

de concreto armado, que utilizam cimento e aço na fabricação. Nesses casos, além de responderem

pelo próprio produto, os fabricantes deviam solicitar de seus fornecedores de componentes não

primários uma mesma declaração.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebeu-se com essa pesquisa a importância da especificação dos materiais em uma obra

comprometida com as questões ambientais e as variáveis que devem ser conhecidas sobre todo o ciclo

de vida do produto para orientar essa decisão.

A dificuldade em encontrar materiais mais adequados revelou-se um problema crucial no projeto e

construção do novo Cenpes, uma vez que a grande maioria dos fornecedores nacionais não

disponibilizava informações essenciais para promover a competitividade baseada na eficiência

ambiental. A inclusão do aspecto ambiental na comparação entre materiais cria uma etapa extra na

fase de seleção, que, apesar de agregar complexidade ao processo, é fundamental para promover o

desempenho ambiental da construção. No caso do CENPES II, os fornecedores foram surpreendidos

quando solicitados a disponibilizarem informações específicas, até então não muito importantes para o

mercado consumidor, mas que tendem a se tornar cada vez mais essenciais, principalmente quando se

trata de construções em processo de certificação. A facilitação nas condições de comparação entre

materiais para uma seleção mais apropriada em construções sustentáveis, baseada também no

desempenho ambiental, dependerá da adequação da cadeia de produtores dos materiais e dos produtos

da construção civil às necessidades atuais referentes à sustentabilidade. Informações específicas dos

materiais de construção deveriam ser disponibilizadas pelos fabricantes seguindo uma padronização

nacional que deve ser estabelecida para a otimização do processo de seleção dos materiais.

A gestão dos resíduos também foi um grande desafio. Apesar da adoção conceito de obra

racionalizada e de produtos industrializados, foram necessários treinamentos e conscientização dos

operários que atuavam na frente de trabalho das obras. Além disso, percebeu-se que algumas

informações, como a quantidade de resíduos gerados no fim da construção e as possibilidades de sua

destinação final, podem ser irrelevantes em edificações não sustentáveis, no entanto, tornam-se

essenciais em projetos sustentáveis e devem ser consideradas ainda na fase inicial do processo de

concepção, pois devem fazer parte dos critérios adotados na seleção dos materiais.

A utilização do aço como sistema estrutural atendeu bem aos requisitos para uma construção mais

sustentável, pois proporcionou um canteiro de obras mais organizado; evitou o desperdício de

materiais, por não apresentar resíduos; e contribuiu para diminuir os impactos gerados pela extração de

novos materiais, por conter componentes reciclados na composição. Além do exposto, há que se

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considerar a longa vida útil do material e a possibilidade de reutilização ou de reciclagem da estrutura

no fim da vida útil da edificação. Assim, os requisitos referentes ao conteúdo reciclável, à reutilização

do edifício, à gestão de resíduos da obra, ao reuso de recursos e ao conteúdo reciclável podem ser

atendidos num futuro distante, quando for necessário reformar ou demolir o complexo.

Evidenciou-se que, quando se trata de construções mais sustentáveis no Brasil, mesmo com o auxílio

de equipes multidisciplinares e centros de pesquisa avançados, existem ainda grandes obstáculos a

serem superados. A efetiva utilização de sistemas de certificação ambiental de edificações requer

mudanças metodológicas e práticas no processo de projeto e na fase de execução da obra, além da

contratação de profissionais especificamente dedicados a buscar soluções, orientar e controlar

processos; exercer fiscalização em obra e preparar uma série de relatórios, memoriais e documentos

comprobatórios. Com o estudo de caso do Cenpes II pode-se ter uma ideia do nível de complexidade

de procedimentos e trabalhos extras demandados no que se refere à seleção de materiais e à gestão de

resíduos em uma edficação mais sustentável.

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