procedimentos especiais: entre o novo cÓdigo de processo...

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1 PROCEDIMENTOS ESPECIAIS: ENTRE O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) E O PROCESSO DO TRABALHO MARCUS DE OLIVEIRA KAUFMANN Doutor (2012) e Mestre (2004) em Direito das Relações Sociais (Direito do Trabalho) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Bacharel (1998) em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Professor em cursos de graduação e de pós-graduação “lato sensu”, lecionou Legislação Social, Direito Material (Individual e Coletivo) e Processual do Trabalho na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), no Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb), no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), na unidade de Brasília da Universidade Presbiteriana Mackenzie, na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), no Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter), na Escola da Associação dos Magistrados do Trabalho da Décima Região (Ematra X), na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas/PUC- Camp) e na Escola de Direito de São Paulo (FGV Direito SP) da Fundação Getúlio Vargas. Membro Efetivo do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior (IBDSCJ) e da Associação dos Advogados Trabalhistas do Distrito Federal (AAT/DF). Advogado. SUMÁRIO: 1. Inspirações e novas topografias do Novo Código de Processo Civil (NCPC); - 2. A relativização dos procedimentos especiais; - 3. Procedimentos especiais típicos e atípicos no processo do trabalho: 3.1. Procedimentos especiais típicos: 3.1.1. Do inquérito judicial para a apuração de falta grave; 3.1.2. Do dissídio coletivo; 3.1.3. Da ação de cumprimento; 3.2. Procedimentos especiais atípicos: 3.2.1. Uma breve análise da oposição; - 4. Considerações finais 1. Inspirações e novas topografias do Novo Código de Processo Civil (NCPC) O Novo Código de Processo Civil (NCPC) 1 , produto humano e histórico, é um grande bálsamo das experiências vividas pela ciência processual nos últimos anos. Tendo, em conformidade com a sua “Exposição de Motivos”, o grande intento de 1 Lei n° 13.105, de 16 de março de 2015 (publicada no Diário Oficial da União – DOU de 17 de março de 2015 e com vacatio legis de um ano estabelecida em seu artigo 1.045).

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PROCEDIMENTOS ESPECIAIS: ENTRE O NOVO CÓDIGO DE

PROCESSO CIVIL (NCPC) E O PROCESSO DO TRABALHO

MARCUS DE OLIVEIRA KAUFMANN

Doutor (2012) e Mestre (2004) em Direito das Relações Sociais (Direito do Trabalho) pela

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Bacharel (1998) em Direito pela

Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Professor em cursos de graduação

e de pós-graduação “lato sensu”, lecionou Legislação Social, Direito Material (Individual e

Coletivo) e Processual do Trabalho na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília

(UnB), no Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb), no Instituto Brasiliense de

Direito Público (IDP), na unidade de Brasília da Universidade Presbiteriana Mackenzie, na

Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), no Centro Universitário Ritter dos

Reis (UniRitter), na Escola da Associação dos Magistrados do Trabalho da Décima Região

(Ematra X), na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas/PUC-

Camp) e na Escola de Direito de São Paulo (FGV Direito SP) da Fundação Getúlio Vargas.

Membro Efetivo do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior (IBDSCJ) e da

Associação dos Advogados Trabalhistas do Distrito Federal (AAT/DF). Advogado.

SUMÁRIO : 1. Inspirações e novas topografias do Novo Código de Processo Civil (NCPC); - 2. A relativização dos procedimentos especiais; - 3. Procedimentos especiais típicos e atípicos no processo do trabalho: 3.1. Procedimentos especiais típicos: 3.1.1. Do inquérito judicial para a apuração de falta grave; 3.1.2. Do dissídio coletivo; 3.1.3. Da ação de cumprimento; 3.2. Procedimentos especiais atípicos: 3.2.1. Uma breve análise da oposição; - 4. Considerações finais

1. Inspirações e novas topografias do Novo Código de Processo Civil (NCPC)

O Novo Código de Processo Civil (NCPC)1, produto humano e histórico, é

um grande bálsamo das experiências vividas pela ciência processual nos últimos anos.

Tendo, em conformidade com a sua “Exposição de Motivos”, o grande intento de

1 Lei n° 13.105, de 16 de março de 2015 (publicada no Diário Oficial da União – DOU de 17 de março de 2015 e com vacatio legis de um ano estabelecida em seu artigo 1.045).

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proporcionar, à sociedade, o reconhecimento e a realização dos direitos ameaçados ou

violados, mediante um instrumental normativo organizado, orgânico, funcional, simples,

razoável, expedito, tudo para que a pretensão de direito material deduzida por quem de

direito deixasse de ser uma ficção apropriada pelo tempo para ser esgarçada e distorcida

segundo a legislação adjetiva cuja vigência já se expira, o NCPC, a um só tempo, manteve

e aperfeiçoou os institutos processuais novos advindos das reformas iniciadas na década de

90 para ensejar, na expressão da Comissão de Juristas que o projetou, um “Código novo,

que não significa, todavia, uma ruptura com o passado, mas um passo à frente. Assim, além

de conservados os institutos cujos resultados foram positivos, incluíram-se no sistema

outros tantos que visam a atribuir-lhe alto grau de eficiência”.

Nesse sentido, o NCPC se abeberou das várias inovações que, a partir de

1990, a legislação extravagante foi apresentando, como as atinentes, principalmente: (i) à

possibilidade de que a tutela específica das obrigações de fazer e de não fazer pudesse ser,

em ação coletiva, efetivada mesmo antes da sentença, nos moldes do artigo 84 da Lei n°

8.078/1990 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor – CPDC); (ii) à possibilidade de

que a tutela específica das obrigações de fazer e de não fazer também pudesse ser efetivada

antes da sentença em ações individuais, nos moldes do artigo 461 da Lei n° 5.869/1973

(Código de Processo Civil de 1973 - CPC), na alteração promovida pela Lei n° 8.952/1994,

bem como à possibilidade de que, também por provocação e obra da Lei n° 8.952/1994, a

própria tutela pudesse ser antecipada antes da sentença desde que houvesse prova

inequívoca e a demonstração da verossimilhança da alegação, nos moldes do artigo 273 do

CPC; (iii) à possibilidade de que, nos meandros da competência dos Juizados Especiais, a

sentença pudesse ser cumprida no mesmo processo na qual prolatada, em fase processual

logicamente conectada à fase decisória e dela decorrente, sem a necessidade de a parte

exequente instaurar nova relação jurídica-processual com uma nova ação em um outro

processo, o da execução, tudo com fundamento nos artigos 52 e 53 da Lei n° 9.099/1995;

(iv) à possibilidade de que a tutela atinente à entrega de coisa também pudesse se efetivar

antes de prolatada a sentença, nos moldes do artigo 461-A do CPC, na alteração promovida

pela Lei n° 10.444/2002; e (v) à possibilidade de que a execução de sentença se processasse

em uma mera fase procedimental após a fase de reconhecimento ou de acertamento do

direito, a partir de mera petição incidental para o início de uma denominada fase de

cumprimento de sentença, tudo em um só processo, nos moldes das alterações promovidas

pela Lei n° 11.232/2005 nos artigos 475-I e seguintes do CPC.

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Essas inspirações, reconhecidas e experimentadas pelo NCPC para a criação

de normas adjetivas que pudessem enfrentar as exigências da modernidade e concretizar os

intentos constitucionais, com destaque à instrumentalidade, de modo que o foco saísse do

desenvolvimento do processo, como se reconhece era a hipótese antes do NCPC, e recaísse

sobre o resultado do processo, com a entrega do bem da vida a quem de direito, orientaram

todo o processo civil a um sincretismo, de natureza horizontal e vertical, já detectado como

horizonte desde as reformas processuais da década de 90.

Um sincretismo processual horizontal, de um processo mais enxuto (com o

surgimento de tutelas executivas lato sensu independentes de processo de execução) e

menos preso a filigranas procedimentais para a concretização do comando sentencial, é

notável na estrutura da nova codificação.

De três processos, hoje se tem apenas dois e, ainda assim, sem que se possa

sustentar haver, entre eles, zonas estanques e incomunicáveis. Da tríade formada pelo

processo de conhecimento, pelo processo de execução e pelo processo cautelar2, o NCPC

encampa, agora, apenas o processo de conhecimento “e de cumprimento de sentença”

(apenas para um reforço à fase de cumprimento de sentença e da teleológica disposição

normativa à realização e à concretização de direitos materiais) e o processo de execução.

Dentro da estrutura do processo de conhecimento, o NCPC dispõe apenas de

dois procedimentos: o procedimento comum (tratado no Título I “DO PROCEDIMENTO

COMUM” do Livro I “DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO

DE SENTENÇA” da Parte Especial do NCPC – artigos 318 a 512 do NCPC) e os

procedimentos especiais (tratados no Título III “DOS PROCEDIMENTOS ESPECIAIS”

do Livro I “DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E DO CUMPRIMENTO DE

SENTENÇA” da Parte Especial do NCPC – artigos 539 a 770 do CPC)3.

2 A clássica doutrina processual atribuía a classificação tripartite de tipos de processo (de conhecimento, de execução e cautelar) a uma conservadora postura que limitava o entendimento quanto a uma das classes de ações, e de suas respectivas sentenças: as condenatórias. Além das ações e sentenças condenatórias, outras classes de sentenças (e/ou de eficácias) eram concebidas, como as sentenças declaratórias e as sentenças constitutivas, mas a tripartição dos processos se conciliava a uma visão, hoje tida por míope, da sentença condenatória. Segundo o saudoso Ovídio Araújo Baptista da Silva, a concepção limitada da sentença condenatória explica, muito, a “teoria que divide o fenômeno jurisdicional em processo de conhecimento e processo de execução, quanto afasta do primeiro desses dois compartimentos qualquer ato específico de realização da sanção, definido como ato executório”, uma vez que enquanto “o juiz condena, apenas emite um enunciado lógico de cunho valorativo, sem descer, contudo, ao mundo dos fatos, ao mundo dos fenômenos, para transformar a realidade física; ao passo que, pela execução, o juiz realiza o que devera ter sido feito pelo demandado e não o foi” (Sentença e Coisa Julgada. 3ª ed. rev. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1995, p. 100). 3 Os procedimentos especiais, no CPC de 1973 são versados no Livro IV, ao lado do processo de conhecimento (no Livro I), do processo de execução (no Livro II) e do processo cautelar (no Livro III), em

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Com isso, o NCPC acabou com o procedimento sumário (tratado dos artigos

275 a 281 do CPC) e extinguiu a expressão “procedimento ordinário” do CPC, hoje

denominado, no NCPC, de “procedimento comum”, exatamente para traçar um paralelo

para com os “procedimentos especiais”, ambos inseridos no processo de conhecimento,

ainda que, pelo artigo 318 do NCPC, o procedimento comum seja de aplicação subsidiária

aos procedimentos especiais e, também, ao processo de execução.

O NCPC, em outra grande inovação, eliminou de sua estrutura o anterior

processo cautelar (do Livro III do CPC), substituindo-o ou inserindo-o pelas e nas novas

técnicas de tutelas provisórias de urgência (do Livro V da Parte Geral do NCPC), que

podem ser de natureza cautelar ou antecipada, concedidas em caráter antecedente ou

incidental (artigo 294, parágrafo único, do NCPC), a se efetivarem primordialmente no

procedimento comum do processo de conhecimento.

Essa nova estruturação formal e topográfica do NCPC ilustra o, agora,

sincretismo vertical, detectado a partir do incremento, no NCPC, de técnicas de

modificação e de efetivação de cognição sumárias, antes da cognição exauriente necessária

à prolação da sentença.

Os procedimentos especiais do processo de conhecimento, igualmente,

sofreram importantes modificações.

Do CPC, o NCPC excluiu, de seu rol de procedimentos especiais de

jurisdição contenciosa, a ação de depósito (artigo 901 do CPC), a ação de anulação e

substituição de títulos ao portador (artigo 907 do CPC), a ação de nunciação de obra nova

(artigo 934 do CPC), a ação de usucapião de terras particulares (artigo 941 do CPC) e as

vendas a crédito com reserva de domínio (artigo 1.070 do CPC).

O NCPC, de toda a sorte, inseriu, em seu rol de procedimentos especiais de

jurisdição contenciosa, a nova ação de exigir contas (artigos 550 a 553 do NCPC) em

substituição à ação de prestação de contas do artigo 914 do CPC; a ação de dissolução

uma composição mais fragmentada, rígida, e deficiente do ponto de vista dogmático, uma vez que ilustra falha científica porque, ao alojar os procedimentos especiais em livro específico, desconsidera o fato de que, também nos procedimentos especiais, constituem-se processos de conhecimento (CHAVES, Luciano Athayde. Os Procedimentos Especiais no Processo Comum e sua Aplicação no Processo do Trabalho: Um Olhar a Partir do Novo Código de Processo Civil. In: BRANDÃO, Cláudio; MALLET, Estevão (coord.). Processo do Trabalho. Salvador. JusPodivm, p. 383-448, 2015, p. 387), não havendo processo especial, nos procedimentos especiais, “cujos contornos, sob a perspectiva da tutela jurisdicional, sejam diferentes do processo de conhecimento, cautelar ou de execução” (CASTRO, Daniel Penteado de. Considerações sobre a Sobrevivência dos Procedimentos Especiais no NCPC. In: MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (org.). Procedimentos Especiais, Tutela Provisória e Direito Transitório . Salvador: JusPodivm, p. 257-287, 2015, p. 263).

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parcial da sociedade (artigo 599 do NCPC); a ação de oposição (artigo 682 do NCPC),

antes prevista como modalidade de intervenção de terceiros (artigos 56 a 61 do CPC)4; as

várias ações de família (processos contenciosos de divórcio, separação, reconhecimento e

extinção de união estável, guarda, visitação e filiação); e a ação de regulação de avaria

grossa (artigos 707 a 711 do NCPC), relacionada ao direito marítimo.

No que diz respeito aos procedimentos especiais de jurisdição voluntária,

além das hipóteses previstas nos incisos I a VIII do artigo 725, o NCPC inseriu, como

novos procedimentos, a notificação e a interpelação (artigo 726 do NCPC), antes tratadas

como medidas cautelares típicas ou nominadas; o divórcio; a separação consensual; a

extinção da união estável; e a alteração do regime de bens do matrimônio (artigos 731 a 734

do NCPC), ampliando a possibilidade do procedimento, antes restrito ao artigo 1.120 do

CPC para a separação consensual.

As ações de consignação em pagamento (artigo 539 do NCPC), possessórias

(artigo 554 do NCPC), de divisão e demarcação de terras particulares (artigo 569 do

NCPC), de inventário e partilha (artigo 610 do NCPC), de embargos de terceiro (artigo 674

do NCPC), monitória (artigo 700 do NCPC), de homologação de penhor legal (artigo 703

do NCPC) e de restauração de autos já estavam previstas no CPC e agora continuam

disciplinadas no NCPC como procedimentos especiais, mas apenas com algumas alterações

pontuais, sem muitas repercussões substanciais.

2. A relativização dos procedimentos especiais

A despeito das modificações sofridas pela ciência processual nos últimos

tempos, com o advento e a consolidação do sincretismo processual horizontal, tornando

regra a execução de tutelas provisórias e de sentenças em um mesmo processo sem

necessidade de um processo de execução apartado, e do sincretismo processual vertical,

com o advento e a consolidação de técnicas de efetivação de tutelas antes da prolação da

4 O NCPC excluiu, das modalidades de intervenção de terceiros, ainda, a nomeação à autoria, que continua a existir, mas sem classificação ou destaque maior, no artigo 338 do NCPC, e manteve, nas modalidades de intervenção de terceiros, as figuras da assistência simples e litisconsorcial (artigo 119 do NCPC), da denunciação à lide (artigo 125 do NCPC), do chamamento ao processo (artigo 130 do NCPC), adicionadas, de forma original, agora, pelo incidente de desconsideração da personalidade jurídica (artigo 133 do NCPC) e da figura do amicus curiae (artigo 138 do NCPC), “contrariando o entendimento consolidado do STF de que é mero auxiliar eventual do juízo” (CASSAR, Vólia Bomfim. O Novo Código de Processo Civil e o Processo do Trabalho: Uma Visão Panorâmica e Superficial de Alguns dos Artigos Aplicáveis e Inaplicáveis. In: MARTINS, Sérgio Pinto (coord.). O Novo CPC e o Processo do Trabalho: Estudos em Homenagem ao Ministro Walmir Oliveira da Costa. São Paulo: Atlas, p. 21-35, 2015, p. 26).

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sentença mediante a valorização de cognições sumárias concretizáveis em curto tempo, ao

invés de se valorizar cognições exaurientes que demandam longos períodos de maturação, o

NCPC revela a tradição em prol da manutenção dos procedimentos especiais, como uma

preservação histórica da necessidade de se destacar o direito material, substantivo, “para a

conformação do formalismo processual”5.

Lembram, nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e

Daniel Mitidiero, que, no CPC, a especialidade do procedimento estava ligada à “previsão

tópica de técnicas processuais diferenciadas para organização do processo para

determinadas espécies de litígios”6 e que escapavam, em certa medida, ao natural

processamento perante o procedimento comum, ou dito ordinário, de outrora. Os

procedimentos especiais, no CPC, no mais, eram versados e regrados apenas pelo legislador

quando do exercício da adequação daquelas “técnicas processuais diferenciadas” ao direito

em litígio.

Aqueles mesmos autores, constatando o fato de que “técnicas processuais

diferenciadas”, próprias do sincretismo processual horizontal e vertical, foram

incorporadas, como técnicas provisórias, de urgência ou de evidência, ou como fases de

processamento de uma pretensão executória (fase de cumprimento de sentença), ao agora

dito procedimento comum (em cláusulas gerais inscritas, por exemplo, nos artigos 300, 536

a 538 do NCPC), “a fim de que possam servir para a tutela de todos os direitos para os

quais se mostrem adequadas e efetivas”7, concluíram, perante o NCPC, que o exercício da

adequação de “técnicas processuais diferenciadas” ao direito em litígio é, de forma

compartilhada, feito entre o legislador, no texto da lei, e o julgador, no processamento da

demanda.

Tratam-se, os procedimentos especiais, mesmo diante desse cenário de

desenvolvimento do que antes era o procedimento ordinário e hoje é o procedimento

comum, de procedimentos que apresentam uma interseção de elementos oriundos de várias

técnicas de tutela jurisdicional (do processo de conhecimento, do processo de execução e

do processo cautelar), de questões de conveniência local ou histórica e de peculiaridades

próprias de certas relações jurídicas e de certos tipos de cognição específica.

5 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 587. 6 Ibidem, p. 587. 7 Ibidem, p. 587.

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Um procedimento pode ser tido por especial por conter apenas um acréscimo

de um ato inicial, mas depois se submetendo ao rito comum ou ao rito cautelar (enquanto

ainda vigente o CPC), bem como pode ser “irredutivelmente especial”8, a manter uma

especialidade do início ao fim do procedimento, bem diversa da do procedimento comum.

As peculiaridades marcantes dos procedimentos especiais, tais quais antes

versados no CPC, se aperfeiçoavam, na lição de Antonio Carlos Marcato, (i) na alteração

do prazo para resposta se comparado com o prazo do procedimento comum; (ii) na natureza

dúplice da ação, quando autor e réu ocupam simultâneas e concomitantes posições

subjetivas na relação processual, tendo um acesso ao bem da vida em litígio naturalmente a

partir do indeferimento da pretensão do outro; (iii) na limitação horizontal das fases do

processo ou das matérias objeto de cognição; (iv) na fusão de providências vindas dos

processos de conhecimento, de execução e cautelar; (v) na inclusão de atos processuais

novos; (vi) na diferença atinente à legitimação ativa e passiva; e (vi) nas regras de

competência9.

Atualmente, e a despeito dessa manutenção, dir-se-ia, residual dos

procedimentos especiais, o NCPC acabou com o regramento previsto no artigo 295, inciso

V, do CPC, segundo o qual, quando o tipo de procedimento escolhido pelo autor não

corresponder à natureza da causa ou ao valor da ação, e salvo na hipótese de adaptação ao

procedimento legal, a petição inicial será indeferida. Essa pequena, mas enorme, mudança é

sensível porque a teleologia do que se pretendeu é a de que não é porque o NCPC acabou,

como apontado, com determinados procedimentos especiais que a pretensão embasada de

semelhante pedido e causa de pedir, antes prevista para dados procedimentos especiais, não

possa ser deduzida no procedimento comum, ainda mais diante de seu leque de tutelas

provisórias e de tutelas executivas lato sensu, relativizando a obrigatoriedade de

determinado procedimento especial. Não sem razão, José Joaquim Calmon de Passos

pontuava que a “especialidade do procedimento deve ser, portanto, uma exceção, só

justificável em face da absoluta necessidade de se atender a algo tão específico que seria

disfuncional e até lesivo adotar-se em sua inteireza o procedimento ordinário”10.

8 CASTRO, Daniel Penteado de. Considerações sobre a Sobrevivência dos Procedimentos Especiais no NCPC. Ob. cit., p. 265. 9 Procedimentos Especiais. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 62 e seguintes. 10 Teoria Geral dos Procedimentos Especiais. In: FARIAS, Cristiano Chaves de; DIDIER JR., Fredie (coord.). Procedimentos Especiais Cíveis, Legislação Extravagante. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 1-10, 2002, p. 3.

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Com o NCPC, o que se deve preservar é a possibilidade de se atingir uma

certa tutela jurisdicional de forma simples, rápida e racional, independentemente do

procedimento, observados, obviamente, os princípios constitucionais do contraditório e da

ampla defesa, bem como os novos princípios processuais da adaptabilidade e da

flexibilização procedimental versados, por exemplo, no artigo 139, inciso V, do NCPC,

segundo o qual o juiz dirigirá o processo conforme as disposições do código, incumbindo-

lhe, ainda, dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova,

adequando-as às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do

direito material em testilha, com o que se relativiza o destaque a procedimentos especiais e

se acarreta, para os dogmáticos, o início do fim do que seria uma teoria geral dos

procedimentos especiais.

Segundo Daniel Penteado de Castro, o NCPC absorve os princípios da

adaptabilidade e da flexibilização procedimental para permitir que boa parte das tutelas

jurisdicionais antes requeridas mediante procedimentos especiais possa ser naturalmente

examinada e julgada no procedimento comum11, até porque os procedimentos especiais não

são formalidades legais tidas por essenciais para a prestação da tutela.

É por isso que se sustenta que o NCPC relativizou os procedimentos

especiais em prol do procedimento comum, jungido que está à celeridade e à efetividade,

ainda que se possa admitir, em tempos atuais, que o aumento da duração do procedimento

ordinário do CPC seja uma das causas da eclosão de procedimentos especiais aqui e acolá e

um dos motivos pelos quais, a despeito do avanço técnico e qualitativo do procedimento

ordinário ou comum, há uma contínua tendência de preservação dos procedimentos

especiais.

3. Procedimentos especiais típicos e atípicos no processo do trabalho

Como já se demonstrou, o CPC se organizava, ou ainda se organiza, em três

processos distintos (processos de conhecimento, de execução e cautelar), com uma série de

ritos que foram cedendo lugar, no NCPC e com os cortes efetuados no processo cautelar e

no rito sumário, à primazia da ordinariedade de rito, agora denominado “comum” e que se

coloca ao lado dos procedimentos especiais.

11 Considerações sobre a Sobrevivência dos Procedimentos Especiais no NCPC. Ob. cit., p. 282.

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Paralelamente ao sistema do NCPC, a Consolidação das Leis do Trabalho

(Decreto-lei n° 5.452/1943 – CLT), por sua vez, e por não ser um código propriamente dito

de normas adjetivas, quer porque contém normas de direito material e de direito processual,

quer porque sua organização, em termos de complexidade, ultrapassa a das leis esparsas,

mas não chega ao patamar de a de uma codificação12, não se organizou, de maneira efetiva,

para tratar de forma sistêmica de seus rituais, como já fez o CPC e faz o NCPC, tanto é que

deixa de regrar um procedimento em razão de já o ser por lei esparsa.

Nem seria o caso, portanto, nessas circunstâncias, de se estudar a CLT em

comparação com as mudanças ensejadas pelo NCPC, a fim de se identificar seus ritos e se

explorar análises comparativas. A partir do advento do NCPC, a reflexão importante que se

coloca é a de, com primordial atenção à CLT, se identificar os procedimentos mais comuns

no processo do trabalho, nessa comparação com o NCPC, e destacar, quando houver, as

eventuais especialidades.

O resultado desse empreendimento de identificação dos procedimentos

processuais, para o processo do trabalho como um todo, é: (i) regrado dos artigos 837 a 852

da CLT, tem-se o rito ainda tido e considerado como o “ordinário” para os dissídios

individuais de trabalho, o mais comum submetido à Justiça do Trabalho; (ii) regrado pelo

artigo 2° da Lei n° 5.584/1970, tem-se o rito dito “sumário” ou “de alçada”, cuja tutela

buscada é a que normalmente se busca pelo procedimento ordinário; (iii) regrado nos

artigos 852-A à 852-I da CLT, tem-se o rito sumaríssimo, cuja tutela buscada também é a

que normalmente se busca no procedimento ordinário13; (iv) regrado nos artigos 494 a 496

da CLT, e com passagem no artigo 821 da CLT, tem-se o rito especial dedicado ao

inquérito para a apuração de falta grave; (v) regrado nos artigos 856 a 871 da CLT, tem-se

o rito especial dedicado ao dissídio coletivo; e (vi) regrado no artigo 872 da CLT, tem-se o

rito especial dedicado à ação de cumprimento.

12 TUPINAMBÁ, Carolina. O Processo do Trabalho: Seu Perfil, Sua Autonomia, Seus Procedimentos e Um Pouco de seu Charme. In: TUPINAMBÁ, Carolina (coord.). Procedimentos Especiais na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, p. 11-23, 2015 p. 15. 13 Em conformidade com o que é pontuado por Alexandre Agra Belmonte, os “procedimentos especiais não são, como o sumário e o sumaríssimo, abreviados em relação ao ordinário, que seguem todas as etapas processuais, com cognição exauriente. São apenas diferentes, a exemplo do Mandado de Segurança, em que não cabe realização de audiência. A decisão será sobre o alegado direito líquido e certo, comprovado mediante prova documental.” (Inquérito para Apuração de Falta Grave. In: TUPINAMBÁ, Carolina (coord.). Procedimentos Especiais na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, p. 62-70, 2015, p. 64).

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Ao contrário do NCPC, em que um procedimento dito comum se coloca ao

lado dos procedimentos especiais, na CLT não é possível traçar um plano quanto a um

procedimento comum que se estabelece ao lado dos procedimentos especiais.

Em verdade, o processo do trabalho, orientado, precipuamente (porque não

se desconsidera o artigo 2° da Lei n° 5.584/1970), pela CLT, apresenta três procedimentos

específicos para o processo de conhecimento (o ordinário, o sumário e o sumaríssimo) e

três procedimentos especiais assim valorados em razão do especial destaque a tutelas

jurisdicionais específicas passíveis de obtenção e entrega pela Justiça do Trabalho,

relacionadas a causas pontuais oriundas de relações coletivas de trabalho, da ação sindical e

de normas coletivas de trabalho: a do inquérito judicial para a apuração de falta grave, a do

dissídio coletivo e a da ação de cumprimento.

Os procedimentos especiais relacionados ao inquérito judicial para a

apuração de falta grave, ao dissídio coletivo e à ação de cumprimento são, para os fins aqui

estabelecidos, denominados de “procedimentos especiais típicos” do processo do trabalho.

A contrario sensu, portanto, “procedimentos especiais atípicos” são aqueles

simplesmente não relacionados na CLT, sujeitos a regras próprias quanto ao rito e quanto à

diferenciação de tutelas diferenciadas tais quais constantes nas leis esparsas de origem ou

se submetendo, em maior ou menor largueza, ao rito ordinário do processo do trabalho

enquanto se perfazem perante a Justiça do Trabalho.

Nessa concepção, integram o rol de “procedimentos especiais atípicos” do

processo do trabalho as ações regradas nos procedimentos especiais do NCPC que possam,

de alguma maneira, ser objeto, eventualmente, da competência da Justiça do Trabalho, bem

como os procedimentos especiais previstos para ações específicas como as do mandado de

segurança.

Deixando de lado os procedimentos ordinário, sumário e sumaríssimo, que

se destacam dos demais procedimentos, esses, sim, especiais, pela brevidade com que

tratam de certos atos processuais e pela importância conferida a certas tutelas específicas

que possam ser buscadas e concedidas pela Justiça do Trabalho, um exame específico

quanto às suas principais particularidades e idiossincrasias se impõe, ainda que de forma

breve para apenas ilustrar a especialidade do procedimento.

3.1. Procedimentos especiais típicos

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3.1.1. Do inquérito judicial para a apuração de falta grave

Curiosamente, embora seja ilustrativo de um procedimento especial típico do

processo do trabalho, sua especialidade se concentra no fato de se iniciar por petição escrita

do empregador (artigo 853 da CLT) e de regrar a previsão de oitiva de até seis testemunhas

por litigante (artigo 821 da CLT)14. Tem-se, para o inquérito judicial para a apuração de

falta grave, logo no início, um destaque ao procedimento, e a sua inclusão no rol de

procedimentos especiais, por conta da diferença (se tomado o procedimento ordinário como

base de comparação) atinente à legitimidade ativa ad causam.

De toda a sorte, a especialidade do procedimento se alastra para algumas

providências iniciais reveladoras de pressuposto de constituição e de desenvolvimento

válido e regular do processo, caso o empregado detentor de estabilidade no emprego, réu no

inquérito, seja acusado de falta grave15. É que o artigo 494 da CLT dispõe que o empregado

acusado de falta grave poderá ser suspenso de suas funções, mas a sua despedida só se

tornará efetiva após a propositura do inquérito (embora a suspensão do contrato individual

de trabalho perdure até a decisão final do processo), que, nessa situação, deverá se dar no

prazo – que é decadencial segundo a Súmula n° 403 do Supremo Tribunal Federal – de 30

(trinta) dias da data do início da suspensão. Se não houver a suspensão prévia do contrato

do empregado estável, e nos termos do artigo 7°, inciso XXIX, da Constituição Federal, o

prazo para a propositura do inquérito, por integração normativa, deverá ser o de cinco anos.

A especialidade do procedimento, aqui, se dá, também, pela inclusão de

obrigatoriedade prévia de uma providência extrajudicial (a suspensão do contrato individual

do trabalho), no caso de o empregador resolver suspender o contrato individual de trabalho

antes da propositura do inquérito judicial.

Quanto ao mais, o inquérito judicial para a apuração de falta grave, alheio e

infenso ao NCPC, segue o rito ordinário trabalhista.

3.1.2. Do dissídio coletivo

14 BELMONTE, Alexandre Agra. Inquérito para Apuração de Falta Grave. Ob. cit., p. 64. 15 Somente os empregados estáveis que admitam, por lei, a resilição contratual por falta grave é que podem figurar como réus em inquéritos judiciais. São eles os dirigentes sindicais titulares ou suplentes (artigo 543, § 3º, da CLT e Súmula n° 197 do Supremo Tribunal Federal); os representantes de trabalhadores em atividade titulares ou suplentes, membros do Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) (artigo 3º, § 7º, da Lei

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A especialidade do dissídio coletivo se ilustra, em um primeiro momento,

por regras de competência distintas e pelas diferentes tutelas jurisdicionais pretendidas.

Por regras de competência, porque o dissídio coletivo, quer seja o de

natureza econômica (ou de interesse), quer seja o jurídico (ou de direito), deve ser proposto,

originariamente, e a depender da extensão do conflito coletivo do trabalho, ou perante

Tribunal Regional do Trabalho ou perante o Tribunal Superior do Trabalho.

A tutela jurisdicional possível para dissídios coletivos de natureza

econômica é constitutiva e dispositiva pela doutrina de mais vanguarda16, fugindo à clássica

tripartição de classes de eficácias de sentença em declaratórias, condenatórias e

constitutivas. Embora, pelo direito comum, as sentenças constitutivas dependam de

autorização de lei prévia para criar, modificar ou extinguir relações jurídicas, o produto

judicial em dissídio coletivo, a sentença normativa, inova na ordem jurídica, constituindo

novas relações coletivas de trabalho graças ao poder normativo da Justiça do Trabalho, que

detém competência constitucional para instituir normas e condições de trabalho por

critérios de equidade, dispondo originariamente acerca de normas que sujeitarão os

contratos individuais de trabalho a ela vinculados pelo conflito coletivo.

Para dissídios coletivos de natureza jurídica, a sentença normativa deterá

eficácia declaratória ou interpretativa. Para dissídios coletivos de greve, a sentença

normativa deterá eficácia mista por comportar a declaração sobre a abusividade, ou não, da

greve e por comportar a constituição de novas relações jurídicas quanto ao acatamento, ou

não, das reivindicações obreiras subjacentes à deflagração da greve.

Em um segundo momento, o dissídio coletivo se demonstra especial por

conta da inclusão de ato processual novo caracterizável como pressuposto processual (e,

pelo TST, de natureza diferida17) para o processamento da pretensão coletiva, que é a

exigência do comum acordo oriunda do artigo 114, § 2°, da Constituição Federal.

n° 8.213/1991); os empregados eleitos membros de comissão de conciliação prévia (artigo 625-B, § 1º, da CLT); e, se ainda existirem, os estáveis decenais (artigo 492 da CLT). 16 MELO, Raimundo Simão de. Processo Coletivo do Trabalho: Dissídio Coletivo, Ação de Cumprimento, Ação Anulatória. São Paulo: LTr, 2009, p. 67. Em sentido contrário, e na defesa, nos dissídios coletivos de natureza econômica, da eficácia apenas constitutiva da sentença normativa, em razão de o artigo 114, § 2°, da Constituição Federal ter abolido, após promulgação da Emenda Constitucional (EC) n ° 45/2014, a expressão anterior “estabelecer normas e condições”, RIPPER, Walter William. O Poder Normativo da Justiça do Trabalho após a EC 45/2014. São Paulo: LTr, 2007, p. 110. 17 Porque, na conciliação do princípio da inafastabilidade da jurisdição com o comum acordo, o Tribunal Superior do Trabalho concluiu que caberá, à parte suscitada, e quando de sua defesa, apresentar preliminar de extinção do processo sem resolução de mérito por ausência de pressuposto processual objetivo da ação coletiva, para que o dissídio coletivo seja extinto sem resolução de mérito. Caso contrário, o dissídio coletivo terá prosseguimento.

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Em agosto de 2015, e sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio, o Supremo

Tribunal Federal admitiu, no Tema 841 da lista de processos com repercussão geral – não

obstante processar ao menos 5 (cinco) ações diretas de inconstitucionalidade sobre o tema

sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes –, a apreciação, por aquela repercussão geral da

matéria constitucional, do Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) n° 679.137-RJ em que

se discute a (in)constitucionalidade do comum acordo previsto no artigo 114, § 2°, da

Constituição Federal por afronta ao artigo 5°, incisos XXXV e XXXVI; e 60, § 4°, da

Constituição Federal. O Plenário Virtual aprovou, em 28 de agosto de 2015, a repercussão

geral da questão constitucional, seguindo a manifestação do Ministro Marco Aurélio.

Em um terceiro momento, a especialidade do dissídio coletivo também se

apresenta na legitimação ad causam multifacetada. Legitimados ativos e passivos são os

sindicatos patronal e profissional ou sindicato profissional e as empresas, sendo que, nas

greves em atividades essenciais, também o Ministério Público do Trabalho em legitimidade

concorrente com os demais legitimados interessados.

A especialidade do dissídio coletivo, em outra vereda, ultrapassa as questões

objetivas acima tratadas para enveredar em considerações estruturais acerca das eficácias

pretendidas e queridas pelo procedimento especial.

Como já se teve a oportunidade de se sustentar no passado18, controversa ou

não a assunção de uma tal postura, é possível, hoje, sustentar que, a despeito dos grandes

avanços empreendidos na jurisprudência, principalmente da oriunda da Seção Especializada

em Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho (SDC/TST) nos últimos anos19, o

Tribunal Superior do Trabalho vivencia uma fase de adaptação ou de convivência, dir-se-ia

até teimosa, com o declínio natural do poder normativo da Justiça do Trabalho após a

promulgação da EC nº 45/2004.

O Tribunal Superior do Trabalho vivenciaria uma fase de maturação

referente aos caminhos a trilhar quando do julgamento de dissídios coletivos de trabalho,

naturalmente levado a sustentar alguma tutela coletiva excepcional, e mais específica e

18 KAUFMANN, Marcus de Oliveira. Despedida Coletiva: Preocupações a Partir do “Precedente Embraer”. In: LEITE, Carlos Henrique Bezerra; COLNAGO, Lorena de Mello Rezende; GUNTHER, Luiz Eduardo (coord.); COLNAGO, Lorena de Mello Rezende (org.). Execução Trabalhista: Uma Homenagem ao Professor Wagner Giglio. São Paulo: LTr, p. 212-228, 2015, p. 212-214. 19 Relatos objetivos acerca de decisões paradigmáticas da SDC/TST podem ser examinados em ARRUDA, Kátia Magalhães. Decisões Inovadoras em Dissídios Coletivos. In: ARRUDA, Kátia Magalhães; COSTA, Walmir Oliveira da (coord.). Direitos Coletivos do Trabalho na Visão do TST: Homenagem ao Ministro Rider Nogueira de Brito. São Paulo: LTr, p. 90-104, 2011.

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eficaz do que a normalmente esperada, pela via do dissídio coletivo do trabalho, ainda que

não se trate de um dissídio coletivo de natureza econômica.

É curiosa essa observação, que não deixa de ser verdadeira, mormente ao

contextualizá-la para o ambiente da teoria geral do processo, do processo coletivo, em que

o sistema das tutelas coletivas se expande não para ritos e instrumentais clássicos, como é o

caso do procedimento especial de dissídio coletivo do trabalho, mas para o âmbito da tutela

coletiva comum e, por conseguinte, para os ritos e instrumentos comuns ou ordinários

regrados pela legislação adjetiva ordinária.

Na expressão de Leonardo Greco, constata-se, atualmente, o paradoxo que

se verifica “no esvaziamento do instituto do dissídio coletivo de natureza econômica, como

consequência da alteração do disposto no art. 114 da Constituição, enquanto se expande a

tutela coletiva no âmbito da jurisdição civil comum” 20, a ponto de, por densa pesquisa,

Paulo Américo Maia Filho já ter concluído que, não sendo, a jurisdição normativa,

decorrente de atividade essencialmente legislativa, tal jurisdição poderia ser exercida fora

do ambiente de um dissídio coletivo de trabalho, como seria o caso de uma ação civil

pública para substituir o dissídio coletivo de trabalho de interesse21, que permitiria o

julgamento conjunto de reivindicações sociais e econômicas dos trabalhadores, além da

tutela destinada a coibir abuso do exercício do direito de greve ou a prática de atos

antissindicais pela tutela inibitória coletiva, sem afastar a possibilidade, também, de a ação

civil pública ser utilizada para a atividade interpretativa de adaptação da norma legal ou

convencional ao caso concreto22.

Paulo Américo Maia Filho prossegue destacando as seguintes razões para a

prevalência crescente da ação civil pública para a tutela coletiva, inclusive para aquela que

sempre foi regrada pelo dissídio coletivo de trabalho:

“..................................................................................................................................... 9. A sentença de conteúdo normativo, proferida na ação civil pública, tanto quanto a proferida no dissídio coletivo, é fonte formal do direito, e pode ser derrogada por norma legal, convencional ou outra judicial-normativa, além de se submeter às regras de direito intertemporal, previstas na Lei de Introdução ao Código Civil. 10. Quanto à exequibilidade dos provimentos, destacam-se as vantagens da ação civil pública frente ao dissídio coletivo, pois, enquanto neste o provimento é,

20 Prefácio. MAIA FILHO, Paulo Américo. Ação Civil Pública como Via Alternativa ao Dissídio Coletivo. São Paulo: LTr: 13-14, 2011, p. 13. 21 Em uma lembrança, quando se estudam os procedimentos especiais, à tendência de relativização dos procedimentos especiais em prol de procedimentos comuns, em prol da ordinariedade. 22 Ação Civil Pública como Via Alternativa ao Dissídio Coletivo, p. 210.

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apenas, em cognição exauriente, e só se encontrará apto à execução após o julgamento colegiado de um tribunal do trabalho, naquele, pelas possibilidades de cognição sumária, mediante provimentos antecipatórios, admite-se a execução imediata. 11. No plano da competência, é mais legítima e adequada a tutela jurisdicional coletiva dos conflitos trabalhistas pelos órgãos jurisdicionais de primeira instância, mediante o controle revisional dos tribunais, como ocorre na ação civil pública.”23

Já antes do advento da nova redação do artigo 114 da Constituição Federal, o

Tribunal Superior do Trabalho, em jurisprudência capitaneada pelo então Ministro Almir

Pazzianotto Pinto, editara a Instrução Normativa nº 04/1993 para restringir, ao máximo, o

recurso aos dissídios coletivos como meio de estimular a negociação coletiva (com

previsões detalhistas, formais e procedimentais para regrar o processamento do dissídio).

Quando da recomposição da SDC/TST, após o preenchimento dos 10 (dez) novos cargos de

ministro criados pela EC nº 45/2004, passaram a integrá-la, além dos integrantes da

administração da Corte, os Ministros mais novos, o que ilustraria algo perceptível como

uma paulatina, mas às vezes agressiva, modificação jurisprudencial em prol de algum

destaque a um novo protagonismo do dissídio coletivo de trabalho24.

A verdade é que parece que a SDC/TST tem examinado caso a caso a

deterioração e o declínio natural do poder normativo da Justiça do Trabalho, com

manutenção, em certas ocasiões de forma mais rígida, e em outras não, dos critérios

vigentes para a apreciação de dissídios coletivos de trabalho. Essa postura um tanto quanto

pusilânime se fez apresentar no que se convencionou denominar de o “Precedente

Embraer”, ou seja, na decisão paradigmática levada a efeito pela SDC/TST para o

julgamento do Processo (RODC) nº 0030900-12.2009.5.15.0000.

A SDC/TST, em setembro de 2009, ainda que reconhecendo se tratar de um

dissídio coletivo de natureza jurídica, ou de direito, estabeleceu, em conformidade com o

voto do Ministro relator, Mauricio Godinho Delgado, que a “hipótese dos autos, no

entanto, é excepcionalíssima, não se enquadrando inteiramente na figura clássica do

dissídio coletivo de natureza jurídica”, ainda que tenha asseverado que “a matéria central

aqui enfocada é eminentemente jurídica, envolvendo a interpretação quanto a aspecto

fundamental da ordem jurídica: se as dispensas massivas são, ou não, regidas do mesmo

modo normativo do que as dispensas meramente individuais e, não o sendo, quais as

23 Ibidem, pp. 210-211. 24 MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. O Dissídio Coletivo à Luz da Emenda Constitucional n. 45/04. In: MELO FILHO, Hugo Cavalcanti; AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de (coord.). Temas de Direito Coletivo do Trabalho. São Paulo: LTr, p. 144-150, 2010, p. 145.

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consequências jurídicas de sua regência normativa específica. Nesta medida, o presente

dissídio é fundamental e preponderantemente jurídico, embora se reconheça sua natureza

algo mista, quer dizer, é dissídio coletivo preponderantemente jurídico, mas também com

dimensões econômicas”.

Mais adiante no voto, o Ministro Mauricio Godinho Delgado asseverou que

o dissídio coletivo deveria ser tido como um “dissídio coletivo genericamente considerado,

já que este é o instrumento adequado para análise de questões envolvendo entes coletivos

normativamente especificados”.

Do ponto de vista processual, o grande impacto notado do julgamento do

“Precedente Embraer” é de natureza formal-processual: a natureza eventualmente

excepcional da matéria e do objeto de toda a discussão coletiva pode automaticamente

transformar um dissídio coletivo de trabalho, inapropriadamente proposto, em via adequada

para que o Tribunal do Trabalho adote a tutela jurisdicional que entenda por bem aplicar,

ainda que a parte suscitante dispusesse, e com muito mais eficiência, da ação civil pública

ou da ação civil coletiva.

A excepcionalidade da matéria em discussão pode transformar o Tribunal do

Trabalho no receptáculo maior de toda a ditadura judicial a partir do uso tergiversado do

dissídio coletivo para corrigir qualquer deslize processual em termos de conflitos coletivos

de trabalho, a ponto de, para um dissídio de natureza jurídica, o Tribunal vir a dar tutela

dispositivo-constitutiva e, para dissídio de natureza econômica, declaratória!

Do ponto de vista processual, a postura sugerida pelo TST é avançada, é

arriscada nos arredores dogmáticos da disciplina processual e causa certa insegurança

processual pela forma como apresentou, de súbito, a mudança de atitude causada pela

suposta excepcionalidade da matéria em discussão.

A postura adotada pelo TST nesse precedente rompe a tranquilidade

mediante a qual se convivia com o dissídio coletivo de trabalho25; rompe com a tendência,

25 Merece consternação a linha de raciocínio adotada pela SDC/TST quanto a tratar o dissídio coletivo de trabalho de maneira genérica para enfrentar qualquer tipo de conflito coletivo de trabalho, não obstante as especificidades das classificações de dissídios coletivos em dissídios de natureza econômica (subdivididos em originários, de revisão e de extensão), de natureza jurídica e de greve porque já se tem notícia de que certos sindicatos, visando driblar o pressuposto processual do comum acordo para a instauração da instância coletiva em dissídios coletivos de natureza econômica, acabam provocando ou deflagrando, artificialmente, greves ou outros entraves para as relações coletivas de trabalho a fim de que o dissídio coletivo de natureza econômica instaurado anteriormente se transforme, pela benevolência como são considerados os tipos de dissídios pela SDC/TST, automaticamente em dissídio coletivo de greve e assim possa, pela urgência e complexidade que suscita, diante de uma suposta relevância da matéria, ser normalmente apreciado pelo competente Tribunal do Trabalho, independentemente do pressuposto processual previsto no artigo 114, § 2º, da Constituição Federal.

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saudável, de declínio do poder normativo (em prol da provocação, ainda que forçada, por

uma cultura de negociação coletiva necessária, constante e independentemente de tribunais,

ou de uma cultura, no máximo, de arbitragem coletiva, ainda que pela via “judicial”); e

inova, no mundo jurídico, a estabilização, por anos consolidada, de uma teoria do processo

coletivo do trabalho que começava a se sedimentar, exatamente quando se construíam

alternativas processuais melhores – e mais democráticas (pelo alargamento do rol de

pedidos possíveis e da concorrência de legitimados ativos para a propositura da ação

coletiva) – para a tutela coletiva (como o da ação civil pública ou, ainda, de uma

reclamação trabalhista plúrima), fora do âmbito do dissídio coletivo do trabalho, fora do

âmbito da retroalimentação da unicidade e de todos os institutos que, com ela, se alojaram

no sistema jurídico (como o do poder normativo e de seu instrumento, o dissídio coletivo

do trabalho). Isso porque, dada a dita excepcionalidade, o dissídio coletivo de trabalho

“genericamente considerado” é o instrumento, do poder normativo, apto para a “análise de

questões envolvendo entes coletivos normativamente especificados”.

Essa inovação processual ainda está a merecer uma exploração, elogios e/ou

críticas mais densas por parte da doutrina, que não se dedique a sustentar o que todos os

glosadores sempre sustentam ou a repetir o que a SDC/TST lá firmou no “Precedente

Embraer”, como um mantra, como uma verdade incontestável e impassível de avanço

diante da “coragem” judicante que a decisão encampou.

3.1.3. Da ação de cumprimento

Essa é uma hipótese de procedimento especial calcado no tipo de tutela

buscada, oriunda de uma norma autônoma ou de uma sentença normativa. A ação de

cumprimento, que tem por legitimados ativos o sindicato profissional ou os empregados, se

destina a compelir o devedor a cumprir26 uma sentença normativa ou acordo homologado

judicialmente em sede de dissídio coletivo de trabalho, bem como a fazê-lo cumprir normas

coletivas (convenções ou acordos coletivos de trabalho) tidas por descumpridas27 conforme

a jurisprudência vem admitindo pela Súmula n° 286 do Tribunal Superior do Trabalho,

26 “O conteúdo da sentença normativo não é executado, e sim cumprido, tal como acontece com a eficácia das normas jurídicas de caráter geral e abstrato” (LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Direito Processual Coletivo do Trabalho na Perspectiva dos Direitos Humanos. São Paulo: LTr, 2015, p. 357). 27 LOBATO, Márcia Regina. Dissídio Coletivo. São Paulo: LTr, 2014, p. 108.

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ampliando a disposição permissiva da ação de cumprimento tal qual disposta,

originariamente, no artigo 872, caput, da CLT. E a especialidade do rito se esvai aqui.

Quanto ao mais, o rito adotado para a ação de cumprimento é o ordinário

trabalhista (ou, eventualmente, até mesmo o sumaríssimo se o objeto da condenação não

ultrapassar quarenta vezes o valor do salário mínimo), uma vez que a sentença buscada pelo

procedimento é de natureza condenatória comum, que pode ser buscada pelas etapas

comuns do rito ordinário ou do rito sumaríssimo trabalhista.

Uma particularidade da ação de cumprimento, que merece destaque e que

talvez realce, também, a especialidade de seu procedimento, é a de que, nos termos da

Súmula n° 246 do Tribunal Superior do Trabalho, a ação de cumprimento independe, para

o seu ajuizamento, do trânsito em julgado, formal, da sentença normativa, podendo,

inclusive, segundo o disposto no artigo 7°, §§ 6° e 7°, da Lei n ° 7.701/1988, ser ajuizada

tão somente com base no acórdão ou na certidão de julgamento do dissídio coletivo, salvo

na eventualidade de o Tribunal Superior do Trabalho conferir efeito suspensivo a recurso

ordinário em dissídio coletivo.

3.2. Procedimentos especiais atípicos

Muitos procedimentos especiais versados, originariamente, em leis esparsas,

por vezes continuam a ser denominados procedimentos especiais, embora atípicos, no

processo do trabalho por conta da origem alheia à CLT, ainda que adotem, na Justiça do

Trabalho, no processo do trabalho, o rito ordinário ou o rito sumaríssimo.

Essa situação está explicitada na Instrução Normativa n° 27/2005 do

Tribunal Superior do Trabalho, editada pela Resolução n° 126/2005 e publicada pouco

depois da promulgação da EC n° 45/2004, segundo a qual, por seu artigo 1°, as ações

ajuizadas na Justiça do Trabalho tramitarão pelo rito ordinário ou pelo rito sumaríssimo,

excepcionando-se, apenas, as que, por disciplina legal expressa, sejam sujeitas a rito

especial, tais como o mandado de segurança, o habeas corpus, a ação rescisória, a ação

cautelar e a ação de consignação em pagamento.

O que se tem identificado, nos foros trabalhistas, de qualquer maneira, é que

cada vez mais os procedimentos especiais previstos em leis esparsas, inclusive o do rol

exemplificativo da parte final do artigo 1° da Instrução Normativa n° 27/2005, quando

vindos para a Justiça do Trabalho a partir do momento em que houve o alargamento de sua

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competência, são adaptados ao rito ordinário (ou mesmo ao rito sumaríssimo) trabalhista,

com pequenas modificações pontuais.

Se se retirar, dessa regra geral, as normas atinentes à legitimidade ativa e/ou

passiva, a certos traços da eficácia da sentença, a certos tipos de pedidos, ou a certos tipos

de direito material em testilha, que, pela origem adversa, qualificariam a existência de um

“procedimento especial”, o resto atinente à dinâmica do processo se ajusta à ordinariedade

processual trabalhista.

De toda a sorte, um especial destaque revela a ação civil pública, quando, em

seu artigo 12, § 2°, da Lei n° 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública – LACP), e a despeito

da inexistência de efeito suspensivo natural aos recursos trabalhistas, salvo concessão

extraordinária pela via da medida cautelar incidental28, se prevê que a multa cominatória

deferida liminarmente como medida acessória de uma antecipação dos efeitos da tutela

específica por exemplo, só será exigível após o trânsito em julgado da decisão favorável ao

autor, ainda que seja devida desde o dia em que tiver sido configurado o descumprimento.

Sustentam, Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier, que, em sede de

ação civil pública, dúvidas não podem persistir quanto ao disposto na norma especial

porque só possuem pertinência “no plano das ações individuais, em que a questão não está

definida por lei”, uma vez que, no plano da ação civil pública e do processo coletivo, a lei

“é clara ao disciplinar” a matéria29.

Afora essa regra especial que destoa, por completo, da ordinariedade

trabalhista, comuns são os casos, ainda na vigência do CPC, que suscitam alguma discussão

quanto à especialidade do procedimento da ação civil pública não observada na tendência

costumeira de submeter procedimentos especiais atípicos ao procedimento ordinário

trabalhista.

Trata-se da aplicação, ao rito especial da ação civil pública, da conjunção

dos artigos 19 da LACP com o 191 do CPC, a fim de que vários réus, com procuradores

distintos, tenham o prazo em dobro para a contestação. Mesmo diante da eventual

complexidade da causa e da eventual insuficiência do lapso temporal disposto na parte final

do artigo 841, caput, da CLT, juízes do trabalho tem afastado aquelas disposições ao

argumento de que a ação civil pública se inseriria na ordinariedade trabalhista ou de que o

28 Item I da Súmula n° 414 do Tribunal Superior do Trabalho. 29 Tratado Jurisprudencial e Doutrinário : Direito Processual Civil. Volume 1. Processo de conhecimento – Poderes do juiz – Terceiros – Fazenda Pública em juízo – Tutela específica – Tutela de urgência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 777.

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rito especial causaria delongas injustificáveis para o processo do trabalho, muitas vezes

com fundamento no Precedente Jurisprudencial n ° 310 da Orientação Jurisprudencial da

Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, não

obstante a garantia prevista quanto à observância do procedimento especial no artigo 1° da

Instrução Normativa nº 27/2005 do Tribunal Superior do Trabalho30.

Diante dos limites do estudo e da diversidade de procedimentos especiais

tutelados em leis esparsas (mandado de segurança, habeas corpus, ação civil pública, etc.),

o NCPC, de toda a sorte, apresentou, no seu novo rol de ações sujeitas ao procedimento

especial de jurisdição contenciosa, alguns procedimentos que, em exame perfunctório, são

compatíveis com o processo do trabalho, entre os quais a ação de consignação em

pagamento (artigos 539 a 549 do NCPC), a ação de exigir contas (artigos 550 a 553 do

NCPC), as ações possessórias (artigos 554 a 568 do NCPC), os embargos de terceiro

(artigos 674 a 681 do NCPC), a oposição (artigos 682 a 686 do NCPC), a habilitação

(artigos 687 a 692 do NCPC), a ação monitória (artigos 700 a 702 do NCPC) e a

restauração de autos (artigos 712 a 718 do NCPC)31.

De todos esses procedimentos especiais atípicos, a oposição parece ter sido a

“nova ação” cujos influxos do NCPC trazem reflexos importantes no processo do trabalho,

em relação à forma como a figura era tratada e discutida sob a égide do CPC e de como

fora aceita pela jurisprudência.

3.2.1. Uma breve análise da oposição

Como já se destacou alhures, o NCPC retirou a oposição de seu lugar de

figura de intervenção de terceiros tratada dos artigos 56 a 61 do CPC para o âmbito de ação

típica de procedimentos especiais de jurisdição contenciosa (artigos 682 a 686 do NCPC),

uma demanda autônoma movida pela parte opoente contra o autor e réu de processo já

instaurado, em hipótese de cumulação objetiva de lides. A nova natureza jurídica da

oposição é a de uma ação autônoma e, por ela, o opoente formula pretensão sobre coisa ou

30 A doutrina não deixou de detectar esse conflito entre procedimento especial e procedimento ordinário, como dá nota ZANETTI, Fátima; MONTEIRO, Carlos Augusto M. de O. O Procedimento Quanto ao Prazo para Defesa na Ação Civil Pública no Processo do Trabalho. Revista Legislação do Trabalho (Revista LTr 75-01). São Paulo: LTr, vol. 75, n° 1, janeiro: 55-65, 2011, pp. . 31 Para um estudo complete e detalhado de cada procedimento especial, incluindo os de jurisdição voluntária compatíveis com o processo do trabalho, ver CHAVES, Luciano Athayde. Os Procedimentos Especiais no Processo Comum e sua Aplicação no Processo do Trabalho: Um Olhar a Partir do Novo Código de Processo Civil. Ob. cit., pp. 394-446.

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direito sobre o qual controvertem autor e réu, desde que o faça até a prolação da sentença

no processo originário.

Distribuída a ação por dependência ao processo no qual litigam autor e réu,

os opostos, agora, são citados/notificados, na pessoa de seus advogados, para contestarem a

oposição. Os autos dos processos são apensados e o Juízo competente prolatará uma mesma

sentença para resolver a oposição e o processo originário. A despeito de o artigo 685,

parágrafo único, do NCPC, prever a situação em que a oposição é ajuizada após o início da

audiência de instrução, hipótese em que o Juízo suspenderá o curso do processo a fim da

produção das provas, salvo se concluir que a unidade da instrução atenderá melhor ao

princípio da duração razoável do processo, aplica-se o rito ordinário trabalhista à oposição,

nada mais sendo especial aqui.

Sabe-se que a ocorrência de oposição no processo do trabalho era e é muito

rara em dissídios individuais, mesmo porque, contra a oposição individual, a incompetência

absoluta da Justiça do Trabalho se mostra palmar em casos em que o opoente empregado

ou trabalhador (ou mesmo empregador ou tomador de serviços) pretendesse a mesma coisa

ou direito litigada/o entre um outro empregado ou trabalhador, oposto, e o empregador ou

tomador de serviços, também oposto, formando-se uma relação jurídica processual,

cumulada com a originária, em que se colocam em conflito dois trabalhadores, empregados,

empregadores ou dois tomadores de serviço, o que, nem de longe, se subsume a qualquer

dos incisos do artigo 114 da Constituição Federal32.

Não obstante essa situação, a Justiça do Trabalho naturalmente encampou a

possibilidade da oposição para os conflitos de representação sindical33 deduzidos

incidentalmente a dissídios coletivos, a fim de que o conflito de representação sindical

versado na oposição fosse recepcionado como uma preliminar de representação34 e, assim,

solucionada incidenter tantum como pressuposto necessário para posterior e imediato

julgamento do dissídio coletivo35.

A despeito dessa autorização jurisprudencial à oposição em dissídio coletivo,

a discussão sempre foi calorosa quanto à sua conveniência, uma vez que muitos sustentam

32 GARCIA, Gustavo Felipe Barbosa. Novo CPC: Oposição como Procedimento Especial no Processo do Trabalho. In: MIESSA, Elisson (org.). O Novo Código de Processo Civil e seus Reflexos no Processo do Trabalho. Salvador: JusPodivm, p. 273-282, 2015, p. 277. 33 BILHALVA, Vilson Antonio Rodrigues. Dois Estudos: I – Oposição em Dissídio Coletivo; II – Greve. Arquivos do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior. Vol. 23. São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior (IBDSCJ), p. 43-50, 1995, p. 43. 34 MELO, Raimundo Simão de. Ob cit., p. 117-118. 35 DALAZEN, João Oreste. Competência Material Trabalhista. São Paulo: LTr, 1994, p. 163.

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que a oposição, mesmo incidentalmente a um dissídio coletivo, forçaria um Tribunal

Regional do Trabalho ou o Tribunal Superior do Trabalho a avaliar, mesmo que sem

formação de coisa julgada, matéria sobre a qual não teriam competência originária para

tratar.

Com a nova topografia da oposição no NCPC, as discussões a respeito de

competência, quando em debate o dissídio coletivo, se dissipam de vez. A partir da

vigência do NCPC, estará proibida a oposição em dissídio coletivo, e pela simples

incompatibilidade instrumental de se apensarem (artigo 685 do NCPC) autos de dissídio

coletivo com autos de ação autônoma de competência originária do primeiro grau de

jurisdição.

De toda a sorte, a doutrina tem sustentado a possibilidade da oposição em

autos em que litigam uma dada entidade sindical e uma empresa, na qual a entidade deduz

pedido de pagamento da contribuição sindical em desfavor da empresa36. Nessa situação,

uma outra entidade sindical poderia apresentar oposição para pretender a representação

categorial e, assim, o pagamento, pela empresa, da contribuição sindical.

4. Considerações finais

Em matéria de procedimentos especiais, e salvo a hipótese da oposição agora

transformada em ação autônoma capaz de inviabilizar a sobrevivência da oposição no

processo do trabalho quando apresentada incidentalmente a dissídio coletivo, o processo do

trabalho, com o advento do NCPC, se mantém infenso a grandes modificações. Salvo

modificações mínimas e ritualísticas de certos procedimentos especiais de jurisdição

contenciosa versados no NCPC que podem ser objeto da competência da Justiça do

Trabalho, os procedimentos especiais do processo do trabalho se mantém intactos e

independentes do NCPC.

Nessas circunstâncias, e a despeito das profundas modificações de conceito e

topográficas operadas pelo NCPC, o processo do trabalho, sob a égide principal da CLT,

mantém, como procedimentos típicos de seu processo de conhecimento, os ritos ordinário,

sumário e sumaríssimo, além de manter, inteiriços, seus procedimentos especiais típicos de

jurisdição contenciosa, relacionados ao inquérito judicial para a apuração de falta grave, ao

36 GARCIA, Gustavo Felipe Barbosa. Novo CPC: Oposição como Procedimento Especial no Processo do Trabalho. Ob. cit., p. 280.

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dissídio coletivo e à ação de cumprimento. Quanto aos procedimentos especiais atípicos, já

era de rigor, no processo do trabalho, a recepção de ritos especiais previstos para certos

objetos e tutelas jurisdicionais distintas, sob o império da prevalência do procedimento

ordinário trabalhista, tendência que se confirma com o advento do NCPC. Isso porque o

NCPC encampa, como uns de seus novos princípios, os que enaltecem a adaptabilidade e a

flexibilização procedimental para permitir que boa parte das tutelas jurisdicionais antes

requeridas mediante procedimentos especiais de jurisdição contenciosa possa ser

naturalmente examinada e julgada no procedimento ordinário, o que se aplica, e com,

quiçá, mais verve, no processo do trabalho.