procedimento especial de despejo - estudo geral: …...o “vinculismo” pode ser entendido como o...

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Procedimento Especial de Despejo

Reflexo sobre uma nova figura processual

Por

Ricardo Andr Fernandes Alves

Coimbra/2015

Dissertao apresentada Faculdade de Direito da

Universidade de Coimbra no mbito do 2 ciclo de

Estudos em Direito, na rea de Especializao em

Cincias Jurdico-Forenses, sob a Orientao da

Professora Doutora Maria Olinda da Silva

Nunes Garcia

"No desista, v em frente. Sempre h uma chance de voc tropear em algo maravilhoso.

Nunca ouvi falar em ningum que tivesse tropeado em algo enquanto estava sentado".

Charles F. Kettering

Ao meu pai pelo encorajamento,

minha me por sempre acreditar em mim,

Ao meu irmo pelas interminveis horas de companhia,

Rita pela pacincia e pelo auxlio neste desafio,

minha orientadora, Professora Doutora Maria Olinda Garcia, pela orientao, pelos conselhos e

pela dedicao.

A toda a minha famlia e amigos, por serem um grande suporte.

ABREVIATURAS

Ac. Acrdo

Art.(s) Artigo(s)

BNA Balco Nacional de Arrendamento

CC Cdigo Civil

CIS Cdigo do Imposto de Selo

CPC Cdigo de Processo Civil

CRP Constituio da Repblica Portuguesa

RAU Regime do Arrendamento Urbano

NRAU Novo Regime do Arrendamento Urbano

NRAU/2012 Novo Regime do Arrendamento Urbano, institudo pela Lei n.31/2012

DL Decreto-Lei

TRP - Tribunal da Relao do Porto

TRL Tribunal da Relao de Lisboa

TRE Tribunal da Relao de vora

TRC Tribunal da Relao de Coimbra

TRG Tribunal da Relao de Guimares

STJ Supremo Tribunal de Justia

TEDH Tribunal Europeu dos Direitos do Homem

p.(pp.) pgina (s)

PED Procedimento Especial de Despejo

Proc. Processo

s. (ss.) Seguinte(s)

UC- Unidades de Conta Processuais

CP - Cdigo Penal

NDICE

INTRODUO ......................................................................................................................... 7

1. DIFICULDADES DO MERCADO DE ARRENDAMENTO E A NECESSIDADE

DE UMA NOVA REFORMA ................................................................................................ 10

2. PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO .............................................................. 14

2.1. Breve caracterizao ................................................................................................... 14

2.2. Funo secundria do PED ......................................................................................... 15

3. NATUREZA JURDICA ................................................................................................... 18

4. MBITO DE APLICAO .............................................................................................. 21

4.1. Documentos necessrios para a interposio do PED ................................................ 23

4.2. Aplicabilidade do PED: meio optativo ou de carcter obrigatrio ............................. 25

5. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO PED ......................................................... 29

6. TRAMITAO PROCESSUAL ...................................................................................... 34

6.1. Princpios estruturantes do PED ................................................................................. 34

6.2. Fases integrantes da tramitao do PED ..................................................................... 37

6.2.1 Fase Injuntria ........................................................................................................ 38

6.2.1.1 Requerimento de despejo ................................................................................ 38

6.2.1.2 Notificao do requerido ................................................................................ 41

6.2.1.3 Converso em ttulo de desocupao ............................................................. 43

6.2.1.4 Oposio pretenso de despejo .................................................................... 44

6.2.1.5 Pedido de diferimento da desocupao........................................................... 46

6.2.2 Fase Contenciosa .................................................................................................... 49

6.2.3 Fase Executiva ........................................................................................................ 52

6.2.3.1 Desocupao do locado ................................................................................... 52

6.2.3.2 Suspenso da desocupao ............................................................................. 57

6.2.3.3 Impugnao do ttulo de desocupao do locado ............................................ 61

6.3. Recursos das decises judiciais .................................................................................. 63

6.4. Responsabilidade por uso indevido ou abusivo do PED ............................................ 65

6.5. Extino do PED......................................................................................................... 68

6.6. Tramitao da execuo para pagamento de rendas, encargos ou despesas em

mora ................................................................................................................................. 68

CONCLUSO ......................................................................................................................... 70

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 74

JURISPRUDNCIA ............................................................................................................... 79

LEGISLAO E DEMAIS DOCUMENTAO ............................................................... 81

7

INTRODUO

O tema central deste trabalho o Procedimento Especial de Despejo, por ser algo

relativamente recente e uma novidade para o regime de arrendamento.

O regime legal do arrendamento foi alvo de uma reforma, em 2012, pela

introduo da Lei n. 31/2012, de 14 de agosto (com entrada em vigor 120 dias aps a sua

publicao). Esta lei, para alm das alteraes Lei n.6/2006, de 27 de fevereiro,

respeitante ao regime do arrendamento urbano, vem tambm alterar o regime substantivo

presente no Cdigo Civil e o regime processual do Cdigo de Processo Civil.

No entanto, de entre as vrias alteraes resultantes desta lei a mais representativa

deve-se criao do Procedimento Especial de Despejo. Trata-se de um mecanismo

processual de carcter extrajudicial (porque funciona fora dos tribunais) destinado a obter o

despejo de uma forma clere e eficaz.

Conforme afirmado na Proposta de Lei n.38/XII, a finalidade da reviso do

regime do arrendamento sobretudo tornar o mercado de arrendamento mais atrativo e

numa opo mais segura. J h muito que se ansiava uma reforma no arrendamento capaz

de solucionar os diversos problemas, advindos do regime vinculista, que resultavam na

escassez de imveis e, consequentemente, nos preos excessivos praticados no mercado de

arrendamento.

Assim, com a implementao do Procedimento Especial de Despejo, o senhorio

passa a ter ao par da via judicial (ao executiva para entrega de coisa imvel arrendada,

prevista nos arts. 862. e ss. CPC) dois meios processuais para recuperar o seu imvel.

No entanto, com a entrada do NRAU/2012, a ao executiva para entrega de coisa

imvel arrendada viu o seu mbito de aplicao reduzido, j que os documentos que

constituam ttulo executivo deixaram de o ser. Nesta senda, a escolha do meio processual

destinado recuperao do imvel ir ficar condicionada pela forma como o contrato se

extinguiu, ou seja, se o senhorio cessou o contrato recorrendo ao de despejo, ter

obrigatoriamente que lanar mo da ao executiva, uma vez que com o NRAU/2012

apenas as sentenas condenatrias que servem de base s aes executivas. Assim sendo,

o mbito de aplicao do PED fica circunscrito a todos os contratos de arrendamento

extintos no resultantes da ao de despejo.

A grande caracterstica que destaca este procedimento encontra-se, essencialmente,

8

na possibilidade de se formar um ttulo para desocupao do locado na ausncia de um

rgo de controlo judicial, sempre que o requerido no deduza oposio. No entanto,

poder questionar-se a verdadeira natureza jurdica deste ato levado a cabo pelo secretrio

judicial converso do requerimento de despejo em ttulo de desocupao pelo que, no

descuremos a abordagem desta questo neste estudo.

No que diz respeito ao funcionamento deste mecanismo processual este apresenta,

de certa forma, um retrocesso ao de despejo que era prevista em sede do revogado

RAU. Assim, dentro do mesmo procedimento rene-se a fase destinada a formar um ttulo

ou sentena de desocupao do locado e a respetiva fase executiva destinada a recuperar o

imvel e entreg-lo ao respetivo senhorio, ao contrrio do que acontece na via judicial,

onde a fase executiva autnoma da fase declarativa.

A respetiva tramitao composta por trs fases distintas: fase injuntria, fase

judicial e fase executiva. A fase injuntria caracteriza-se pela formao de um ttulo para

desocupao do locado na ausncia do controlo de um rgo judicial, enquanto que na fase

judicial ocorre uma ao declarativa pura perante um juiz, cabendo-lhe tomar uma deciso

acerca da procedncia ou improcedncia do pedido do senhorio. A fase executiva destina-

se a realizar todas as diligncias necessrias para investir o senhorio na posse do imvel.

No entanto, mesmo na hiptese de se ter formado um ttulo para desocupao por

ausncia de deduo de oposio ao requerimento de despejo, isso no implica uma

diminuio dos meios de defesa do requerido.

Desde logo, semelhana do que acontece na EPECIA, so admitidos os incidentes

do diferimento da desocupao do locado e suspenso precria da desocupao, embora

condicionados verificao de certos requisitos. Poder ainda o requerido, na fase

executiva, defender-se do ttulo para desocupao do locado mediante o incidente da

impugnao.

Estes incidentes demonstram, de certa forma, a pretenso do legislador em abdicar

da celeridade processual de forma a assegurar a posio do arrendatrio, principalmente

quando esteja em causa um imvel para habitao permanente.

Ainda no mbito do PED, permitido o recurso de apelao da deciso que decrete

a desocupao do locado, pese embora com efeito meramente devolutivo.

Por considerarmos de enorme importncia, o facto de ser permitido neste

procedimento o pedido de rendas, encargos ou despesas em mora cumulativamente com o

9

pedido de despejo, terminaremos a nossa reflexo com os trmites necessrios para que o

senhorio possa recuperar os seus crditos vencidos e no pagos.

10

1. DIFICULDADES DO MERCADO DE ARRENDAMENTO E A

NECESSIDADE DE UMA NOVA REFORMA

O mercado de arrendamento portugus tem vindo a crescer nos ltimos anos fruto

da grave crise econmica que o nosso pas atravessa, contudo, 73% da populao

portuguesa continua a preferir a propriedade no que respeita, principalmente, habitao

permanente1.

Grande parte da explicao para este descontentamento, deve-se ao chamado

regime vinculista que durante os ltimos 90 anos tem assombrado o mercado de

arrendamento2. O vinculismo pode ser entendido como o conjunto de regras da

disciplina do arrendamento urbano que, tendo-se vindo, historicamente, a acentuar, visa

proteger os inquilinos3, sobretudo em quatro frentes: impedindo a cessao do contrato de

arrendamento por livre iniciativa do senhorio; limitar severamente as situaes em que o

senhorio pode despejar o inquilino; prolongar e alongar o processo de despejo, mesmo

justificado perante comportamentos ilcitos do inquilino; e, por ltimo, congelar as

atualizaes das rendas ou submet-las a atualizaes modestas4.

Perante toda esta situao, os senhorios no investem, no melhoram e no

transacionam5. Por outro lado, os poucos senhorios que ainda arriscam colocar os seus

imveis no mercado de arrendamento exigem rendas elevadas para compensar o risco que

correm, o que origina, inevitavelmente, um total desinteresse da maioria dos cidados pelo

arrendamento. Esta a realidade que tem definido a grave situao que o mercado de

arrendamento tem atravessado no nosso pas.

Ainda hoje sentimos o excesso de burocratizao concentrado no nosso sistema

processual fruto dos excessos vinculistas. Veja-se que ainda recentemente (2011) o TEDH

condenou o Estado portugus ao pagamento de 7,400 devido excessiva morosidade de

1 INSTITUTO NACIONAL DE ESTATSTICA, Censos 2011, Lisboa: INE, 2012, p.235.

2 ANTNIO MENEZES CORDEIRO, A aprovao do NRAU (Lei n.6/2006, de 27 de Fevereiro): primeiras

notas, in O Direito, 2006 (ano 138, n.2), p.235. 3 ALBERTO BALTAZAR COELHO, O art.1068. do Cdigo Civil segundo o NRAU, in Scientia Juridica-

tomo 58, Universidade do Minho, 2009 (n.317, Jan-Mar), p.66. 4 ANTNIO MENEZES CORDEIRO, A modernizao do Direito portugus do arrendamento urbano, in O

Direito, 2004 (ano 136, n. 2-3), p.236. 5 ANTNIO MENEZES CORDEIRO, O novo regime do arrendamento urbano: dezasseis meses depois, a

ineficincia econmica no Direito, in O Direito, 2007 (ano 139, n. 5), p.951.

11

um processo que se arrastou durante mais de oito anos para que a senhoria pudesse receber

o valor das rendas em atraso6.

No estudo de PAULO DUARTE TEIXEIRA7, relativo morosidade do sistema

processual, uma das principais causas da ineficcia do aparelho judicial deve-se ao ndice

de formalismo, ou seja, ao nmero de atos processuais por determinado tipo de processo

necessrios a obter o escopo final visado pelas partes. Segundo este autor, numa ao de

despejo em Portugal so praticados (em mdia) 4,54 atos, enquanto que num pas da

common law so praticados 2,20 atos. Isto significa que para obter idntico resultado, o

aparelho judicial nacional obrigado a realizar o dobro dos atos processuais do

ordenamento de common law.

Ainda no mesmo estudo so apresentadas algumas solues para o problema aqui

retratado. Desde logo, o nosso ordenamento necessita de uma flexibilizao dos

mecanismos processuais, da simplificao das formas processuais e da concentrao dos

atos processuais8. Para tal, necessitamos de regras e procedimentos reduzidos, rpidos e

simples. Assim, enquanto no solucionarmos o problema da burocratizao para a

obteno de maior eficcia e celeridade da atuao jurdica, muitos proprietrios iro

recusar colocar as suas casas no mercado de arrendamento, com receio de no as

conseguirem recuperar em tempo til9.

Apesar disto, temos de reconhecer que nos ltimos anos tem sido adotado um

verdadeiro movimento de desjudicializao da justia 10

com o recurso a mecanismos

extrajudiciais para a resoluo de litgios11

. Tambm no mbito do arrendamento tm sido

adotadas medidas no sentido de combater a morosidade processual. Foi o caso do

surgimento, com o NRAU, da ao executiva para entrega de coisa imvel arrendada. No

entanto, as expectativas tm ficado aqum das que se esperavam, sobretudo nas aes

6 Ac. TEDH de 20/12/2011 (proc. n. 20493/10), disponvel em www.echr.coe.int/ECHR/Homepage_FR.

7 PAULO DUARTE TEIXEIRA, Os pressupostos objetivos e subjetivos do procedimento de injuno, in

Themis - Revista da Faculdade de Direito da UNL, Coimbra, 2006 (ano 7, n.13), pp. 169-173. 8 Idem., p.172.

9 MIGUEL SERRA, O despejo no novo regime do arrendamento urbano, tramitao a utilizar quando est

em causa a falta de pagamento das rendas, in Gestin, 2010 (ano 8, n.8), pp.169-170. 10

JOS MANUEL GONALVES MACHADO, Questes polmicas da resoluo do contrato de

arrendamento urbano por falta de pagamento da renda nas vsperas da aprovao da Proposta de Lei n.

38/XII, in O Direito, 2012 (ano 144, n.2), p.326. 11

Pense-se no surgimento do processo de injuno e da ao especial para o cumprimento de obrigaes

pecunirias, institudo pelo DL n. 269/98, de 1 de setembro.

http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx#{"appno":["20493/10"]}

12

destinadas a desocupar o locado12

. Veja-se que, ainda hoje, o senhorio que recorra via

judicial ter de aguardar cerca de dezasseis meses para reaver o seu imvel13

. Isto significa

apenas uma coisa: o regime do arrendamento continua entregue merc de um vinculismo

encapotado em teias burocrticas ou judiciais14

.

Embora as dificuldades do mercado de arrendamento proclamassem uma nova

reforma capaz de suprimir as razes vinculistas, esta no foi a causa que levou ao recente

aparecimento da Lei n.31/2012, de 14 de agosto, destinada a dinamizar o mercado de

arrendamento. Tal acontecimento deveu-se interveno do Fundo Monetrio

Internacional, do Banco Central Europeu e da Comisso Europeia (conjunto designado por

troika), que impuseram ao pas um conjunto de condies gerais de poltica econmica que

este deveria de adotar, de forma a beneficiar de ajuda financeira. De entre as vrias

condies impostas pela troika destaca-se a criao de um procedimento de despejo

extrajudicial, com objetivo de encurtar o prazo de despejo para trs meses15

. Diga-se, em

boa verdade, que esta era j uma soluo h muito reclamada por alguns autores para

resolver alguns dos problemas resultantes do contrato de arrendamento16

.

Recorde-se que esta foi a primeira vez na histria da legislao do arrendamento

que o regime desta matria foi diretamente alterado por imposio de instituies

internacionais.17

Talvez ainda no seja altura para tecer consideraes acerca desta nova

lei, no entanto, a promessa encontra-se feita: a nova lei pretende tornar o arrendamento

num contrato mais seguro, nomeadamente atravs de mecanismos que permitem reagir

com eficcia ao incumprimento por parte do arrendatrio, de forma a devolver confiana

12

PEDRO ROMANO MARTINEZ, Celebrao e execuo do contrato de arrendamento segundo o Novo

Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), in O Direito, 2005 (ano 137, n. 2), p.339; PINTO FURTADO,

Perspectivas do arrendamento urbano, in Themis-Revista da Faculdade de Direito UNL, 2008 (ano 8, n.15),

p.15; ANTNIO MENEZES CORDEIRO, O novo regime do arrendamento urbano: dezasseis meses depois,

a ineficincia econmica no Direito, op.cit, p.964. 13

Vide Proposta de Lei n.38/XII, aprovada na especialidade em 1 de Junho de 2012, disponvel em

http://www.parlamento.pt/. 14

ANTNIO MENEZES CORDEIRO, O novo regime do arrendamento urbano: dezasseis meses depois, a

ineficincia econmica no Direito, op.cit, p.962. 15

Vide Primeiro Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Poltica Econmica, de 17 de

Maio de 2011, disponvel em www.portugal.gov.pt. 16

J PINTO FURTADO, in Perspectivas do arrendamento urbano, op.cit., p.14, defendia que deveria ser

introduzido pelo legislador, em sede do NRAU, o recurso a tribunais arbitrais para dirimir conflitos

resultantes do arrendamento. No mesmo sentido ANTNIO MENEZES CORDEIRO, O novo regime do

arrendamento urbano, in O Direito, 2005 (ano 137, n.2), p.319, sustentava que deveriam ser criados centros

de arbitragem para resoluo de conflitos relacionados com o contrato de arrendamento. 17

MARIA OLINDA GARCIA, Arrendamento Urbano Anotado, Regime Substantivo e Processual

(Alteraes introduzidas pela Lei n.31/2012), 2.edio, Coimbra Editora, 2013, pp. 9-10.

13

ao senhorio no funcionamento gil do mercado de arrendamento18

.

18

Cfr. Proposta de Lei n.38/XII, aprovada na especialidade em 1 de Junho de 2012.

14

2. PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO

2.1 Breve caracterizao

Conforme observado no captulo anterior, a alterao mais significativa

implementada pelo NRAU/2012 deve-se criao do Procedimento Especial de Despejo19

.

O PED , segundo o art.15., n.1 do NRAU/2012, um meio processual que se

destina a efetivar a cessao do arrendamento, independentemente do fim a que este se

destina, quando o arrendatrio no desocupe o locado na data prevista na lei ou na data

fixada por conveno entre as partes.

Assim, tal como a ao executiva para entrega de coisa imvel arrendada, este

procedimento visa entregar ao senhorio o seu imvel que se encontrava arrendado, mas

cujo contrato, entretanto, se extinguiu. Essa obrigao de desocupao do imvel findo o

contrato, resulta dos arts.1038., alnea i), e 1081., n.1, ambos do CC.

Quando o arrendatrio no cumpra com o dever que sobre ele impende, e uma vez

que o senhorio no pode, pelas suas prprias mos, realizar o dito despejo (vide art.1. do

CPC), este constitui mais uma forma paralelamente com a EPECIA20

- de realizar o

chamado despejo material que, de acordo com ALBERTO DOS REIS21

, significa colocar o

imvel livre e desembaraado, para que o senhorio o possa ocupar e entrar no seu uso e

fruio.

Assim sendo, este procedimento no se destina a fazer cessar um contrato de

arrendamento (pelo contrrio, quando se recorre ao PED pressupe-se que o contrato de

arrendamento j tenha cessado), nem to-pouco a apreciar a validade de um contrato de

arrendamento.

Conforme resulta do prprio preceito legal, este procedimento aplica-se a qualquer

modalidade do contrato de arrendamento, isto , seja ao arrendamento rural, seja ao

19

Doravante abreviadamente designado por PED. 20

Doravante utilizarei a sigla usada pela autora MARIA OLINDA GARCIA, Execuo para entrega de

coisa imvel arrendada - segundo a lei 6/2006 de 27 de Fevereiro, Coimbra editora, 2006, p.11, para

designar a ao executiva para entrega coisa imvel arrendada. 21

In Processos Especiais vol.1., Coimbra, Coimbra Editora, 1982, p. 248.

15

arrendamento urbano. No entanto, apenas pode requerer a desocupao do seu imvel no

mbito do PED todo aquele que revista qualidade de senhorio de um contrato de

arrendamento, entretanto extinto, e j no o legitimo proprietrio. Isto deve-se a um dos

requisitos obrigatrios para iniciar o PED22

: a apresentao de um contrato de

arrendamento, pelo que, quem no revestir a qualidade de senhorio ficar automaticamente

excludo da aplicao deste mecanismo, como o caso do senhorio que seja usufruturio

do imvel, ele quem apresenta legitimidade para requerer a restituio do imvel, por

meio do PED, e no o proprietrio radicirio. Nesta senda, ocorrendo a extino do

usufruto caducar o contrato de arrendamento levando a que, em caso de incumprimento

do arrendatrio, o legtimo proprietrio tenha de recorrer via contenciosa para recuperar o

seu imvel23

.

No que respeita ao funcionamento deste procedimento, poderemos classific-lo em:

injuntivo, hbrido e evolutivo. Injuntivo porque se destina a criar ttulos executivos para

entrega de uma coisa certa, quando e se o arrendatrio no se pronunciar no prazo que lhe

dado para o efeito; hbrido e evolutivo, pois comea por ser uma injuno para poder ser

no mbito do mesmo procedimento e depois de formado o titulo executivo, uma execuo

(no judicial) para entrega de coisa certa, ou seja, para a efetivao do despejo 24

. Ainda

a propsito do funcionamento deste procedimento, ser responsvel por toda a sua

tramitao o Balco Nacional de Arrendamento25

, enquanto secretaria judicial com

competncia em todo o territrio nacional26

.

2.2 Funo secundria do PED

A funo principal do PED formar um ttulo para desocupao do locado, por

incumprimento do arrendatrio. Contudo, o PED apresenta uma funcionalidade acessria e

facultativa da sua funo principal, isto , neste procedimento possvel deduzir

cumulativamente com o pedido de despejo, o pedido de pagamento de rendas, encargos ou

22

Cfr. art.15., n.2, do NRAU/2012. 23

MARIA OLINDA GARCIA, Execuo para entrega de coisa imvel arrendada - segundo a lei 6/2006, de

27 de Fevereiro, op.cit., p.18. 24

ELIZABETH FERNANDEZ, O procedimento especial de despejo, in JULGAR, 2013 (n.19), p.77. 25

Doravante abreviadamente designado por BNA. 26

As regras relativas instalao e funcionamento do BNA encontram-se previstas no DL n.1/2013.

16

despesas em mora, conforme art.15., n.5 do NRAU/2012.

Assim, uma vez resolvido o contrato de arrendamento por falta de pagamento das

rendas ou outros valores em mora, assistem ao senhorio, em princpio, duas pretenses: o

direito de usufruir do imvel e o direito de ser ressarcido dos crditos vencidos e no

pagos. Se tais direitos no forem satisfeitos voluntariamente pelo arrendatrio, cabe ao

senhorio forar esse cumprimento27

.

Ora, enquanto que pela via judicial o senhorio teria que instaurar duas aes

executivas - uma ao para entrega de coisa imvel arrendada e outra para pagamento de

quantia certa -, j que o art. 709., n.1, alnea b), do CPC probe a cumulao de aes

com fins diferentes, com o PED permitido ao senhorio deduzir cumulativamente ambos

os pedidos.

No entanto, esta possibilidade apresenta-se como uma pretenso acessria28

, uma

vez que o senhorio no poder recorrer ao PED apenas para efetuar o pedido de pagamento

de valores em mora, tendo, necessariamente, que ter deduzido um pedido de despejo. Para

alm disso, o art.15., n.6 do NRAU/2012 estipula que no caso de desistncia do pedido

de pagamento de rendas, encargos ou despesas, o procedimento especial de despejo segue

os demais trmites legalmente previstos quanto ao pedido de desocupao do locado29

.

Esta pretenso tambm apresenta um carcter facultativo, j que o senhorio no est

obrigado a efetuar o pedido de rendas e outras despesas no mbito do PED, podendo optar

por fazer o pedido de despejo neste procedimento e, simultaneamente, efetuar o pedido de

rendas e outras despesas vencidas e no pagas por meio de uma ao executiva, nos termos

do art.14.A, do NRAU/2012.

Contudo, o senhorio para se socorrer desta faculdade ter de cumprir dois requisitos

cumulativos:

i) Ter, previamente instaurao do requerimento de despejo, de comunicar ao

27

JOS MANUEL GONALVES MACHADO, Questes polmicas da resoluo do contrato de

arrendamento urbano por falta de pagamento da renda nas vsperas da aprovao da Proposta de Lei n.

38/XII, op.cit., p.341. 28

RUI PINTO, O novo regime processual do despejo, 2. edio, Coimbra Editora, 2013, p.132. 29

No entanto, se o arrendatrio proceder desocupao voluntria do imvel j depois de se ter constitudo

ttulo ou deciso judicial para desocupao do locado, o senhorio no fica impedido de recorrer ao para

pagamento de quantia certa, conforme resulta do art.15.J, n.5 do NRAU/2012.

17

arrendatrio o montante em dvida;

ii) No poder ter intentado, em momento algum, uma ao executiva para

pagamento de quantia certa relativa a esses valores em dvida.

Porm esta pretenso apenas poder ser deduzida contra o arrendatrio(s) e, tendo o

arrendamento por objeto casa de morada de famlia, poder ser deduzida contra os

respetivos cnjuges, conforme art.7. do DL n.1/2013. Resulta desta mesmo artigo que no

mbito do PED no se formar ttulo executivo para pagamento de quantia certa contra

devedores subsidirios (ou seja, fiadores).30

30

Resulta de uma forma inequvoca, esta inteno de limitar a formao do ttulo apenas aos arrendatrios,

no prembulo do DL n.1/2013.

18

3. NATUREZA JURDICA

Na vigncia do NRAU, o art.15. previa um conjunto de documentos dotados de

fora executiva capazes, por si s, de desencadear uma ao executiva para entrega de

coisa imvel arrendada, nos termos dos arts.862. e ss. do CPC, uma vez que eram

documentos que por disposio especial tinham fora executiva e, por isso, subsumiam-se

no art.703., n.1, alnea d), do CPC.

Com a entrada em vigor do NRAU/2012, esses documentos perderam a sua

natureza executiva passando apenas a constituir documentos justificativos de iniciao do

PED. Isto significa que, para ocorrer uma efetiva desocupao do locado, esses

documentos tero agora que passar pelo BNA para que este os possa converter em ttulo de

desocupao de locado ou, caso o requerido deduza oposio, serem submetidos ao

tribunal para que este tome uma deciso de desocupao.

Se a desocupao do locado tem por base uma deciso judicial, grandes

dificuldades no se levantaro no que respeita definio da natureza jurdica dos atos que

originaram essa deciso. No entanto, quando h uma desocupao de um imvel

fundamentada num ttulo formado na ausncia, em todos os momentos, de um rgo de

controlo jurisdicional, poder colocar-se a questo de saber qual a natureza jurdica que

este ato de converso, levado a cabo por um secretrio judicial, poder assumir.

No existe, atualmente, nenhuma referncia, quer na Doutrina, quer na

Jurisprudncia, no que concerne definio da natureza jurdica do PED. No entanto,

recorde-se que esta questo foi alvo de alguma controvrsia no procedimento de injuno.

Assim sendo, e tendo em conta que os atos praticados no mbito do BNA apresentam

semelhanas com os praticados pelo Balco de Injunes31

, torna-se de todo relevante

referir algumas posies relativas a esta questo32

.

31

O Balco de Injunes foi criado pela Portaria n.220-A/2008, de 4 de maro. 32

So vrios ou autores que referem que o PED foi inspirado no Procedimento de Injuno, neste sentido:

MARIA OLINDA GARCIA, Arrendamento Urbano Anotado, Regime Substantivo e Processual (Alteraes

introduzidas pela Lei n.31/2012),op.cit., p.200; RUI PINTO, O novo regime processual do despejo,

op.cit.,p.44; ELIZABETH FERNANDEZ, O procedimento especial de despejo, op.cit., p.72; DIAS

GONALVES, O novo procedimento especial de despejo (PED), in FYI SLCM, 2012; MARIANA

PESSOA E COSTA, Balco nacional de arrendamento e procedimento especial de despejo, in FALM

Newsletter, 2013 (n. 9).

19

No que concerne Doutrina no parece haver unanimidade relativamente

natureza jurdica do procedimento de Injuno. Existem autores que sustentam que a

aposio da frmula executria por parte do secretrio judicial constitui um ato meramente

instrumental, no revestindo nem natureza jurisdicional nem administrativa33

. Por outro

lado, h quem atribua natureza declarativa, j que com a aposio de frmula executria

no se permite a satisfao de nenhum crdito, mas apenas a concesso de natureza

executiva ao documento34

. H, ainda, quem sustente que o procedimento de injuno

constitui um particular processo de condenao35

.

Contrariamente a estas posies existe na Doutrina36

e, maioritariamente na

Jurisprudncia37

, uma certa tendncia para qualificar o procedimento de Injuno como

administrativo38

.

Com todas estas consideraes cabe-nos agora fazer uma pequena reflexo acerca

desta problemtica, com as devidas adaptaes ao procedimento aqui em estudo. De forma

semelhante ao que acontece com o procedimento de injuno, o secretrio judicial do BNA

o responsvel pela prtica dos atos inerentes tramitao do PED. a este que cabe a

verificao dos requisitos do requerimento de despejo (exigidos pelo art.15.B do

NRAU/2012) e, se necessrio, recusar o requerimento, podendo, ainda, convidar o

requerente a apresentar uma nova pea processual. Contudo, importa ter em ateno que

no o secretrio judicial que vai aferir da legitimidade material do procedimento, nem

verificar se o contrato de arrendamento padece de algum vcio contratual, ou se a

comunicao operada pelo senhorio respeitou em concreto todos os trmites legais

exigidos pelos arts.9. a 12. do NRAU/2012. Cabe-lhe, antes, notificar o requerido para

que este deduza oposio. No entanto, apenas na inexistncia de oposio (dentro do prazo

33

REMDIO MARQUES, Curso de Processo Executivo Comum face do Cdigo Revisto, Almedina, 2000,

p.81. 34

EDGAR VALLES, Cobrana Judicial de Dvida, Injunes e respetivas execues, 4ediao, Almedina,

2011, pp.45-46. 35

FERNANDO AMNCIO FERREIRA, Curso de processo de execuo, 12. edio, Lisboa, Almedina,

2010, p.54 36

MARIA RITA MONIZ, Notas Terico-Prticas em torno do Regime Jurdico da Injuno, in Revista da

Ordem dos Advogados, Lisboa, 2001 (ano 61), pp.451-452. 37

Neste sentido o Ac. STJ de 26/04/2001; Ac. TRL de 02/07/2009; Ac. TRP de 14/01/2003; Ac. TRP de

26/11/2001; Ac. TRP de 04/12/2001; Ac. TRP de 11/03/2013. 38

No entanto, existe certos tribunais que qualificam este procedimento como pr-judicial, neste sentido o

Ac.TRE de 22/11/2012. Tambm partilha desta posio SALVADOR COSTA, in A injuno e as conexas

aco e execuo,6edio, Almedina, 2008, p.164.

20

estabelecido pela lei), que o secretrio judicial adquire poderes para converter o

requerimento de despejo, mediante aposio de frmula de ttulo para desocupao do

locado. Note-se que este requerimento, ao qual foi convertido em ttulo de desocupao,

formado completamente margem da interveno do juiz, por ocorrncia do chamado do

chamado efeito cominatrio pleno extrajudicial. Ou seja, o legislador autoriza a proceder

converso do requerimento porque o silncio do requerido faz presumir, com um razovel

grau de certeza, a existncia do direito na titularidade do requerente39

. No entanto, o

secretrio judicial no um substituto de um juiz, j que todos os atos praticados por este

so de ndole administrativo.

Com o que ficou aqui exposto, temos para ns que nunca poderamos partilhar das

posies que atribuem natureza pr-judicial, declarativa ou at mesmo condenatria a um

procedimento com estas caractersticas. Nesta senda, somos da opinio de que este

procedimento revestir natureza extrajudicial e apenas com a distribuio (nos termos do

art.15.F do NRAU/2012) que este adquire natureza judicial40

.

Aps todas estas consideraes levanta-se inevitavelmente uma outra questo, a de

saber qual a natureza que assume um ttulo formado por converso do BNA. Para RUI

PINTO41

estes ttulos assumem natureza de ttulo judicial imprprio42

. Para ELIZABETH

FERNANDEZ estes apresentam inequivocamente uma natureza completamente

extrajudicial. Inclinmo-nos para esta segunda posio, no partilhando da opinio que

classifica de ttulo judicial imprprio, um ttulo que se forma fora de um processo judicial e

que no traduz uma apreciao ou deciso judicial43

. Conforme foi referido no Ac. do TRL

de 16/09/2010 no basta, para serem classificados de ttulos judiciais imprprios, que estes

brotem de um auto que no contenha uma deciso judicial em sentido prprio.

tambm necessrio que surjam no curso de um processo que ter de ser jurisdicional, ou

seja, aquele em que se verifica a interveno de magistrado judicial, conclui assim o

tribunal.

39

REMDIO MARQUES, Curso de Processo Executivo Comum face do Cdigo Revisto, op.cit., p.80 40

Cfr. ELIZABETH FERNANDEZ, O procedimento especial de despejo, op.cit., p.75. 41

In O novo regime processual do despejo, op.cit., p.153. 42

Recorde-se que ttulo judicial imprprio todo aquele formado num processo mas no resultante de uma

deciso judicial, JOS LEBRE DE FREITAS, A ao executiva luz do cdigo revisto, 2 edio,

Coimbra editora, 1997, p.55. 43

Cfr. MARIA OLINDA GARCIA, Execuo para entrega de coisa imvel arrendada - segundo a lei

6/2006, de 27 de Fevereiro, op.cit., p.44.

21

4. MBITO DE APLICAO DO PED

Conforme j referido, o PED no se destina a fazer cessar a relao de

arrendamento, antes pressupe que essa relao j esteja extinta e que o arrendatrio no

cumpra com a obrigao de desocupar o imvel.

No entanto, o facto do contrato de arrendamento ter cessado no implica que a

desocupao tenha de ocorrer imediatamente (embora seja regra geral no regime do

arrendamento urbano, vide art.1081., n.1 do CC). Para alm das partes poderem acordar

um prazo, a lei estabelece, em algumas situaes, que a desocupao no tenha de ocorrer

no imediato, assim acontece quando o contrato tenha cessado por resoluo onde s

exigvel que o arrendatrio desocupe o imvel ao fim de um ms (art.1087. do CC).

Tambm no arrendamento rural, regra geral, findo o contrato, s exigvel ao arrendatrio

que desocupe o imvel no fim do ano agrcola em curso, independentemente da forma

como este tenha cessado (vide art.15., n.2 do RAR).

Assim sendo, enquanto no tiver decorrido o prazo exigvel para desocupao do

locado, o acesso a este procedimento ficar vedado.

O mbito de aplicao do PED encontra-se tambm condicionado forma de

cessao do contrato de arrendamento. Embora o arrendamento constitua uma das

modalidades da locao44

, ficando assim sujeito s regras gerais da extino dos contratos

(Cfr., para o arrendamento urbano, o art.1079. do CC, para o arrendamento rural, art.15.,

n.1, do RAR)45

, apenas tem aplicao a este mecanismo os contrato de arrendamento que

tenham cessado por revogao, caducidade por decurso do prazo46

, oposio renovao,

denncia47

pelo senhorio ou arrendatrio e em todos os casos de resoluo48

que no

resultem do art.1083., n.2 do CC49

.

44

Vide art. 1023. do CC. 45

LUS MENEZES LEITO, Direito das Obrigaes - volume III, 7ediao, Almedina, 2010, p.349. 46

Para maiores desenvolvimentos sobre esta forma de cessao, cfr. PEDRO ROMANO MARTINEZ,

Celebrao e execuo do contrato de arrendamento segundo o Novo Regime do Arrendamento Urbano

(NRAU),op.cit., p.327 e ss. 47

Cfr., detalhadamente, LUS MENEZES LEITO, Arrendamento Urbano, 5 edio, Almedina, 2012,

p.167. 48

Acerca desta forma de cessao cfr. FERNANDO BAPTISTA OLIVEIRA, A Resoluo do Contrato no

Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), Coimbra, 2007. 49

Cfr. art.1084., n.1 do CC.

22

Porm, duas observaes se impem:

i) A cessao por caducidade opera ipso iure, ou seja, sem qualquer manifestao

de vontade das partes tendente a esse resultado50

. No entanto, das vrias causas

de caducidade previstas no art.1051. do CC, para o arrendamento urbano, e

art.18., n.1 do RAR, apenas os contratos de arrendamento que tenham

caducado por decurso do prazo estipulado ou previsto na lei, e que no estejam

sujeitos a renovao51

, que podero ser aplicveis em sede do PED. No

entanto, todas as restantes hipteses de caducidade para alm de ficarem

excludas da aplicabilidade do PED, tambm ficaro de fora da ao de

despejo, j que esta apenas destina-se a fazer cessar a situao jurdica do

arrendamento, o que impedir a sua aplicao aos casos de caducidade, onde

essa cessao j operou52

. Apenas restar ao senhorio, nestes casos, o recurso

ao de reivindicao, nos termos do art.1311. e ss. do CC.

ii) Quando estejamos perante um caso de extino do contrato por resoluo h

que ter em conta que no so todas as hipteses de resoluo do contrato de

arrendamento que podem ser admitidas pelo PED, j que no arrendamento

urbano existem certas hipteses de resoluo por iniciativa do senhorio que

tero de ser decretadas nos termos da lei do processo53

. Posto isto, os

fundamentos de resoluo admissveis no PED so os seguintes:

a) Quando o arrendatrio se constitua em mora igual ou superior a

dois meses no pagamento da renda, encargos ou despesas (art.1083, n.3, 1

parte, do CC). Neste fundamento basta que se complete dois meses sobre o

momento em que ao arrendatrio era exigvel o pagamento da renda,

encargos ou despesas para que a lei reconhea o direito do senhorio em

invocar a resoluo54

.

b) Quando o arrendatrio se oponha realizao de obra ordenada 50

ANTNIO PINTO MONTEIRO/PAULO VIDEIRA HENRIQUES, A cessao do contrato no Regime

dos Novos Arrendamentos Urbanos, in O Direito, 2004 (ano 136, n. 2-3), p.300. 51

Relativamente renovao automtica do contrato de arrendamento ver art.1096. do CC, para o

arrendamento urbano, e art. 9., n.3 e n.6, do RAR, para o arrendamento rural. 52

LUS MENEZES LEITO, Arrendamento Urbano, op.cit., p.163. 53

Cfr. art.1083., n.1 e n.2 e art.1084., n.1 ambos do CC. 54

No obstante da lei permitir ao arrendatrio que coloque fim mora no prazo de um ms, conforme

art.1084., n.3 do CC.

23

por autoridade pblica55

(art.1083., n.3, 2. parte, do CC), ou seja, quando

ocorra uma intimao pelo Municpio para a realizao de obras56

.

c) Quando o arrendatrio se constitua em mora superior a oito dias, no

pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas,

num perodo de 12 meses, com referncia a cada contrato (art.1083., n.4,

do CC)57

. Esta soluo penaliza, assim, a repetida violao do princpio

da pontualidade e da confiana a que deve obedecer o cumprimento de

qualquer contrato58

.

Todas as outras hipteses de resoluo59

do contrato de arrendamento urbano,

no podero aqui ser aplicadas. Diferentemente acontece com o arrendamento rural,

ou seja, independentemente do fundamento de resoluo, quer o senhorio, quer o

arrendatrio, podero resolver o contrato sem recurso a um tribunal60

.

4.1 Documentos necessrios para a interposio do PED

Os documentos a entregar pelo requerente para dar incio ao PED, para alm do

requerimento de despejo, variam em conformidade com a forma pela qual o contrato de

arrendamento foi extinto. Estes documentos assumem uma enorme importncia, uma vez

que so estes que vo permitir criar uma aparncia de titularidade de direito do senhorio e,

consequentemente permitir que o BNA notifique o inquilino, para que este desocupe o

locado, sem sequer ainda existir um ttulo executivo61

. Assim sendo, nos termos do art.15.

do NRAU/2012, os documentos a entregar sero os seguintes:

i) Em caso de revogao, o contrato de arrendamento, acompanhado do acordo

(redigido a escrito) celebrado entre as partes. Note-se que a revogao do

arrendamento que tenho por objeto a casa de morada de famlia necessita

55

O regime das obras em prdios arrendados encontra-se previsto no DL n.157/2006.

56 A forma de forar o arrendatrio a respeitar a tal intimao consiste precisamente na faculdade que a

lei atribui ao proprietrio de resolver o contrato de arrendamento com fundamento na oposio do

arrendatrio execuo dessas obras, Ac.TRL de 14/02/2013. 57

Para efeitos de compreenso da contagem do prazo para constituio em mora vide MARIA OLINDA

GARCIA, Arrendamento Urbano Anotado, Regime Substantivo e Processual (Alteraes introduzidas pela

Lei n.31/2012), op.cit., p.35-36. 58

Ibidem. 59

Nomeadamente as previstas no art.1083., n.2 do CC, ainda que apresentem carcter exemplificativo. 60

Vide art.17., n.5 do RAR. 61

RUI PINTO, O novo regime processual do despejo, op.cit., p.131.

24

sempre do consentimento de ambos os cnjuges, nos termos do art.1682.B do

CC e art.12., n.3, do NRAU/2012;

ii) Em caso de caducidade por decurso do prazo e no sendo este renovvel, o

contrato escrito do qual conste a fixao desse prazo;

iii) Em caso de oposio renovao, o contrato de arrendamento e o respetivo

comprovativo da comunicao (ou a comunicao original quando a cessao

tenha sido de iniciativa do arrendatrio, nos termos do art.1098., n.1 do CC);

iv) Em caso de denncia pelo senhorio, o contrato de arrendamento e o

comprovativo da comunicao prevista no art.1101., alnea c)62

, ou do

art.1103., n.1 do CC63

, quando se trate de arrendamento urbano, e arts.19.,

n.1 e 30.do RAR, quando se trate de arrendamento rural. Atendendo

simplicidade que este procedimento apresenta e ao prejuzo que a desocupao

do locado acarreta para o arrendatrio o legislador quis, nomeadamente na

cessao por denncia fundamentada na hiptese do art.1101., alnea b) do

CC64

, reforar a segurana da cessao do contrato. Assim o art.15, n.3 do

NRAU/2012, impe ao senhorio que este junte, para alm da j referida

comunicao, os documentos referidos no n.2 do art.1103. do CC e, se for o

caso, da cpia da certido a que se refere o n.7, do art.8. do DL n.157/2006,

de 8 de agosto;

v) No caso de denncia por iniciativa do arrendatrio, se esta corresponder a uma

das hipteses previstas no art.1098., n.3 ou n.4 do CC ou do art.31., n.3,

alnea d) do NRAU/2012, deve o senhorio apresentar comprovativo da sua

comunicao e ainda o documento de resposta do arrendatrio a manifestar a

sua vontade de denunciar o contrato. Nas restantes hipteses de denncia por

iniciativa do arrendatrio, parece bastar ao senhorio juntar ao requerimento de

despejo o comprovativo de comunicao da pretenso do inquilino em cessar o

contrato;

vi) Nos casos de cessao do contrato por resoluo, serve de base ao PED o

contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicao ao

62

Quando se trate de denncia livre. 63

Nos casos de denncia fundamentada nos termos do art.1101., alnea a) ou b), do CC. 64

Quando se trate de uma denncia para demolio ou realizao de obra de remodelao ou restauro

profundos que obriguem desocupao do locado.

25

arrendatrio e, sendo o caso, comprovativo emitido por autoridade competente,

da oposio do arrendatrio realizao da obra65

. Na resoluo por iniciativa

do arrendatrio suficiente o contrato de arrendamento e a respetiva

comunicao.

4.2 Aplicabilidade do PED: meio optativo ou de carcter obrigatrio?

Com a entrada em vigor do NRAU, levantava-se a questo de saber se o senhorio

poderia optar por constituir um ttulo extrajudicialmente quando a lei assim o permitia

ou constituir um ttulo por meio de uma sentena de condenao na entrega do imvel

arrendado.

Dito de outro modo, o problema aqui subjacente era de saber se tendo o senhorio ao

seu dispor um meio no judicial para cessar o contrato de arrendamento (ou seja, por

comunicao ao arrendatrio) teria, ainda assim, interesse processual caso optasse pela via

judicial para cessar o contrato de arrendamento.

No tem havido um consenso quer na Doutrina, quer na Jurisprudncia, no entanto,

deixaremos aqui algumas posies alusivas a esta problemtica.

Por um lado, encontramos defensores66

da doutrina de MARIA OLINDA

GARCIA67

. Para estes, a via extrajudicial no se apresenta como uma pura alternativa

ao de despejo.

Para alm disto, a autora defende ainda que o senhorio que recorra via judicial

quando poderia faz-lo por via extrajudicial no teria interesse processual, pelo que o juiz

deveria abster-se de conhecer o pedido e o ru (arrendatrio) deveria ser absolvido da

instncia, nos termos dos arts. 278., 577. e 578. do CPC.

65

Vide art.15., n.2, alnea e) do NRAU/2012. 66

Neste sentido tambm RUI PINTO, O novo regime processual do despejo, op.cit., p.42; ELIZABETH

FERNANDEZ, O procedimento especial de despejo, op.cit.,p.74; LUS MENEZES LEITO, Arrendamento

Urbano, op.cit., p.151; FERNANDO BAPTISTA DE OLIVEIRA, A resoluo do contrato no novo regime

do arrendamento urbano causas de resoluo e questes conexas (em especial a clausula geral resolutiva

do n.2 do art.1083. do CC), op.cit., p.129; JORGE HENRIQUE DA CRUZ PINTO FURTADO, Manual do

Arrendamento Urbano Volume II,5edio, Almedina, 2011, p.1058. 67

MARIA OLINDA GARCIA, Resoluo do contrato de arrendamento urbano por falta de pagamento de

rendas-vias processuais Ac. Do TRC de 15.4.2008, in Cadernos de Direito Privado, 2008 (n.24), pp.72-

74.

26

De igual modo na Jurisprudncia, embora minoritria, encontramos algumas

decises defensoras da no alternatividade de meios para cessao do contrato de

arrendamento68

.

Por outro lado, maioritariamente encontramos quer na Doutrina69

, quer na

Jurisprudncia70

, defensores da liberdade de escolha do senhorio na cessao do contrato

por via judicial ou extrajudicialmente, sem necessidade de demonstrar o interesse em agir.

Para os defensores desta posio, o simples facto de se impor ao senhorio o uso da via

extrajudicial para cessar o contrato, consubstanciaria numa privao do direito ao acesso

aos tribunais nos termos do art.20. da CRP.

Com a reviso do regime do arrendamento urbano, aprovado pelo NRAU/2012, o

legislador deveria se ter pronunciado sobre esta questo, nomeadamente introduzindo uma

subsidiariedade entre os meios processuais71

. No entanto, para alm de no o ter feito, a

implementao do PED agravou toda esta problemtica. Ora, com a alterao da natureza

jurdica dos documentos previstos no art.15., por virtude da implementao do

NRAU/2012, o senhorio quando munido com esses mesmos documentos apenas poder

dar incio ao PED, j que estes no padecem de fora legal para servir de base a uma ao

executiva. No entanto, poder acontecer que, ainda assim, o senhorio prefira recorrer

ao de despejo para obter um ttulo executivo, pelo que, embora mais moroso, ter toda a

legitimidade para o fazer, no havendo qualquer impedimento legal nesse sentido. Deste

modo, encontrar duas formas para constituir um ttulo que o permita reaver coativamente

o seu imvel.

No entanto, e tendo em conta que o legislador deixou mais uma vez passar

inclume o regime de exclusividade de utilizao dos meios desta vez em relao ao

meio como o senhorio poder reaver o seu imvel -, apenas podemos afirmar com alguma

segurana que a forma como o senhorio faz cessar o contrato de arrendamento ir

condicionar a via pelo qual este poder obter o ttulo para desocupao do locado. Seno

68

Ac.TRC de 15/04/2008; Ac.TRL de 08/11/2007. 69

FERNANDO GRAVATO MORAIS, Ao de despejo por falta de pagamento da renda, in Cadernos de

Direito Privado, 2008 (n. 22), p.65; FERNANDO GRAVATO MORAIS, Novo regime do arrendamento

comercial, 2edio, Almedina, 2007, pp. 219-221; LAURINDA GEMAS/ALBERTINA PEDROSO/JOO

CALDEIRA JORGE, Arrendamento Urbano- Novo regime anotado e legislao complementar, 3edio,

Quid Iuris, 2009, p.408. 70

Ac. STJ de 06/05/2010; Ac. TRL de 13/03/2008; Ac. TRG de 10/07/2008. 71

Neste sentido ELIZABETH FERNANDEZ, O procedimento especial de despejo, op.cit.,p.71.

27

vejamos: se o senhorio recorre via judicial para cessar o contrato de arrendamento, este

obter uma sentena judicial; se por outro lado, faz cessar o contrato de arrendamento por

via extrajudicial (por comunicao contraparte) obter um documento comprovativo

dessa mesma cessao. Logo, encontrando-se munido de um ttulo resultante de uma

deciso judicial ficar impedido de recorrer ao PED, uma vez que as decises judiciais no

servem de base a este procedimento. Por sua vez, o recurso ao executiva para entrega

de coisa imvel arrendada s admissvel tendo por base uma deciso judicial, nos termos

do art.703., n.1, alnea a) do CPC, logo se o contrato cessou por via extrajudicial o

senhorio ver vedado o acesso EPECIA.

No entanto, para RUI PINTO72

, a soluo a aplicar para esta nova problemtica que

se adivinha dever passar por fazer recair sobre o senhorio o nus de fazer uso do PED73

.

O autor defende ainda que como consequncia desta falta de interesse em agir, o senhorio

que recorra via judicial, quando tinha o nus de fazer o uso do PED, dever responder

pelas custas da ao comum de despejo, que se reger, por analogia, o art. 535., n2, alnea

c), do CPC74

.

Na mesma linha, ELIZABETH FERNANDEZ75

, defende que desde que o

exerccio extrajudicial do direito no apresente diferenas dos efeitos resultantes do

exerccio judicial do mesmo () atrevemo-nos a defender que o recurso esprio e, por

isso, indevido aos tribunais nestes casos deveria ser inibido (pela absolvio do ru da

instncia ().

Pelo contrrio, continuamos a ter ainda Doutrina e Jurisprudncia que, mesmo com

a introduo do PED, defendem a liberdade de escolha do senhorio, quer na forma de

cessao do contrato, quer na forma como pretendem reaver o seu imvel, cabendo assim

ao senhorio escolher o meio processual que considere mais eficaz face aos seus objetivos76

.

Questo que levanta menos controvrsia, ser a hiptese do senhorio possuir em

72

In O novo regime processual do despejo, op.cit., p.44. 73

Tambm neste sentido ELIZABETH FERNANDEZ, O procedimento especial de despejo, op.cit., p.72. 74

RUI PINTO, O novo regime processual do despejo, op.cit., p.44. 75

In O procedimento especial de despejo, op.cit., p.73 76

ALBERTINA MARIA GOMES PEDROSO, A resoluo do contrato de arrendamento no novo e

novssimo regime do arrendamento urbano, in JULGAR, 2013 (n.19), p.61; MANTEIGAS

MARTINS/CARLOS NABAIS/CARLA FREIRE/JOS RAIMUNDO, Novo regime do arrendamento

urbano anotado e comentado, 3edio, Vida Econmica, 2013, p.28. Neste sentido tambm o Ac. TRG de

10/11/2014.

28

mo um documento exarado ou autenticado77

, por notrio ou por outras entidades ou

profissionais com competncia para tal, no qual o arrendatrio se obriga a entregar o

imvel dentro de um determinado prazo. Assim, este documento constituir um ttulo

executivo para efeitos do art.703., n.1, alnea b) do CPC. Devemos, portanto, reconhecer

que o senhorio nesta situao ter ao seu alcance uma pura alternatividade de meios, visto

que se encontra na posse de documentos com fora legal capazes de desencadear uma ao

executiva para entrega de coisa imvel arrendada, nos termos do art.862 do CPC, mas

tambm ter todas as condies reunidas para desencadear o PED78

.

77

Tomemos como exemplo, o facto de haver uma revogao do contrato de arrendamento e ambas as partes

celebrarem um acordo sobre o qual o arrendatrio compromete-se a abandonar o imvel em determinada

data. 78

ELIZABETH FERNANDEZ, O procedimento especial de despejo, op.cit.,p.64.

29

5. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO PED

Atendendo s especificidades deste procedimento, nomeadamente pelo facto de que

poder ocorrer a formao de um ttulo para desocupao do locado baseado numa

sumariedade probatria, pelo menos num primeiro momento, e sem prvio controlo de um

rgo judicial, o legislador pretendeu consagrar alguns requisitos que condicionam o

acesso ao PED, como forma de reforar a segurana e a eficcia no funcionamento deste

procedimento. Assim sendo, os requisitos que o senhorio ter de cumprir para utilizao

deste procedimento so os seguintes:

i) Pagamento do imposto de selo

Estabelece o art.15., n.4 do NRAU/2012 que o procedimento especial de despejo

previsto na presente subseco apenas pode ser utilizado relativamente a contratos de

arrendamento cujo imposto de selo tenha sido liquidado. Se data da entrega do

requerimento o senhorio no mostrar pago o respetivo imposto v o seu requerimento de

despejo recusado pelo BNA, conforme resulta do art.15.C, n.1, alnea h) do NRAU/2012.

Este requisito estabelecido pelo legislador pretende condicionar um direito de

exerccio do senhorio ao cumprimento das suas obrigaes tributrias e fiscais registo do

contrato junto da administrao fiscal e pagamento de imposto do selo do mesmo -

resultante do art.60. do CIS.

Este requisito de admissibilidade do requerimento de despejo pelo BNA tem o

propsito de combater a informalidade e a economia paralela, conforme admitido na

Proposta de Lei n.38-XII. O legislador atribui, assim, ao BNA uma funo de controlo

prvio do cumprimento de uma obrigao fiscal e no apenas um dever de comunicao

autoridade tributria da constatao do eventual incumprimento dessa obrigao79

.

Pese embora o legislador tenha encontrado aqui uma frmula para conseguir a

regularizao de impostos, para ELIZABETH FERNANDEZ80

este parece desprezar a

79

MARIA OLINDA GARCIA, Arrendamento Urbano Anotado, Regime Substantivo e Processual

(Alteraes introduzidas pela Lei n.31/2012), op.cit., p.197. 80

In O procedimento especial de despejo, op.cit.,pp.81-82.

30

existncia do art.20. da CRP, isto porque j h muito que o Tribunal Constitucional julgou

serem inconstitucionais, por restrio desproporcionada ao art.20. da CRP, as normas que

fazem depender a entrada ou a prossecuo de um processo judicial ao cumprimento de

uma obrigao desta natureza. Alis, foi por essa mesma razo que a reforma do cdigo de

processo civil operada pelo DL n.329-A/95 alterou a redao do art.280. do CPC

(correspondente ao atual art.274. do CPC), ao estatuir claramente, no n.1 desse mesmo

artigo, que nenhuma ao, incidente ou procedimento cautelar pendente em tribunal

judicial possa deixar de ser recebido ou ser suspenso, por falta de prova do cumprimento

de qualquer obrigao de natureza tributria.

Ainda a propsito desta questo, LEBRE DE FREITAS/JOO REDINHA/RUI

PINTO81

, consideravam que a doutrina subjaz a este novo preceito do CPC deveria ser

estendida para fora do puro mbito desses tribunais. ELIZABETH FERNANDEZ82

segue este entendimento ao defender que a redao atribuda ao atual art.274. do CPC

deveria ser estendida a todas as situaes em que os cidados exeram direitos de ao,

ainda que o faam em contexto no judicializado (como o caso do PED). Se assim no

for, este pressuposto de admisso ao PED dever estar conferido inconstitucionalidade.

Apesar disto, o senhorio que data de entrega do requerimento no tenha cumprido

com as suas obrigaes tributrias no fica totalmente excludo do acesso ao PED, uma vez

que o legislador oferece oportunidade ao requerente, que veja o seu requerimento recusado,

de proceder ao pagamento, no prazo de 10 dias, podendo, assim, preencher este

pressuposto de admisso ao procedimento, conforme art.15.C, n.2 do NRAU/2012. Por

outro lado, o senhorio poder sempre socorrer-se de uma ao declarativa para condenar o

arrendatrio a desocupar o locado e, posteriormente, caso no cumpra com a sua obrigao

de desocupao, intentar uma ao executiva para entrega de coisa imvel arrendada, j

que o exerccio de um direito pela via judicial no est condicionada demonstrao da

regularizao tributaria por parte do senhorio.

No entanto, tem surgido nos nossos tribunais a questo de saber se o senhorio que

pague o imposto de selo, inerente ao contrato de arrendamento extinto, fora do prazo legal

81

In O Cdigo de Processo Civil-Anotado vol.1, 2ediao, Coimbra Editora, 2008, p.547-548. Tambm a

este propsito vide JOS LEBRE DE FREITAS, Inconstitucionalidades do Cdigo de Processo Civil, in

Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, 1992 (ano. 52), p.30. 82

In O procedimento especial de despejo, op.cit.,p.82.

31

estabelecido, poder fazer uso do PED83

.

Recentemente, o Tribunal da Relao de Coimbra84

julgou improcedente o recurso

de apelao, no qual os recorrentes/arrendatrios invocavam a inadmissibilidade da

utilizao do PED em virtude do senhorio ter procedido devida liquidao do imposto de

selo do contrato de arrendamento no dia anterior da entrega do requerimento de despejo no

BNA o que, na opinio dos recorrentes consubstanciaria no incumprimento do prazo

estipulado no CIS e, consequentemente, no incumprimento dos arts.15., n.4 e 15.B, n.2,

alnea h), ambos do NRAU/2012.

O tribunal no concordou com estes fundamentos proclamados pelos recorrentes, j

que o facto de o senhorio no ter cumprido tempestivamente com a obrigao do

pagamento do respetivo imposto de selo, isso no significa que o procedimento tenha que

ficar necessariamente afastado, uma vez que a consequncia que decorre legalmente pelo

no pagamento do imposto e/ou comunicao do contrato de arrendamento atempado ser

o pagamento de uma coima relativa contraordenao fiscal devida. Conclui ainda o

tribunal que o BNA no poderia recusar o requerimento apresentado pelos recorridos

(senhorio), uma vez que os recorridos demonstraram, por um lado, a comunicao do

contrato de arrendamento e o pagamento do respetivo imposto de selo em data anterior

da instaurao do procedimento especial de despejo em anlise, ou seja, temos por

verificada a exigncia do (prvio) pagamento do aludido imposto () .

Neste seguimento, podemos concluir que para dar incio ao PED bastar

apresentao de prova de pagamento do imposto de selo, no importando para isso se esse

pagamento foi ou no pago dentro do prazo estabelecido por lei85

, pois nessa situao no

cabe ao BNA a verificao do pagamento tempestivo do imposto de selo, alis se assim

fosse, temos para ns que o BNA estaria a invadir a esfera da competncia das autoridades

tributrias.

ii) Desocupao de um imvel no PED

83

Acerca do prazo para pagamento do imposto de selo vide art.44. do CIS. 84

Ac. TRC de 10/12/2013. 85

Tambm neste sentido o Ac. TRL de 10/04/2014.

32

Como forma de garantir a celeridade e segurana da desocupao do locado,

define-se que cada processo que corre no BNA apenas tem como objeto a desocupao de

um imvel, afirma o legislador no prembulo do DL n.1/2013, de 7 de janeiro.

Este parece representar um segundo requisito que o legislador pretendeu colocar no

mbito do acesso ao PED. Tendo este mecanismo como linhas gerais a celeridade e

simplificao do processo, faz sentido que no PED apenas possa ser requerida a

desocupao de um imvel, caso contrrio, a celeridade que se pretende na recuperao do

locado ficaria comprometida se estivesse em causa um conjunto de imveis.

Contudo, o art.8., n.2 do DL n.1/2013 vem determinar uma exceo, na medida

em que poder ser requerida a desocupao de um conjunto de bens imveis86

, quando se

verifiquem os seguintes requisitos cumulativos:

i) Os bens imveis tm de se encontrar no mesmo concelho;

ii) Existir uma dependncia funcional entre eles, designadamente quando a

garagem, lugar de garagem e/ou arrecadao constarem de fraes autnomas

distintas;

iii) As partes contratuais forem as mesmas.

iii) Existncia de contrato de arrendamento escrito

Resulta da leitura do art.15., n.2 do NRAU/2012 que para dar incio ao PED,

independentemente da forma como foi extinta a relao contratual, torna-se sempre

necessria a obrigao de apresentao do contrato de arrendamento, para alm dos demais

documentos previstos na lei.

Assim, o contrato de arrendamento torna-se um elemento crucial para que o

senhorio possa recorrer ao PED, o que se compreende, j que atravs deste que o BNA

comprova a identidade das partes integrantes do procedimento e do respetivo imvel que

86

Para tal, deve o requerente identificar no requerimento de despejo apenas o imvel principal e, de forma a

demonstrar a existncia dos demais imveis, deve juntar os contratos de arrendamento relativos aos mesmos.

No entanto, o montante da renda indicada no requerimento deve corresponder soma das rendas dos diversos

imveis, conforme art. 8., n.3 do DL n.1/2013.

33

ir ser objeto de despejo, assim como, nos casos que o contrato tenha cessado por

caducidade, a partir deste que se demonstra o facto extintivo do arrendamento.

Por contrato de arrendamento deve-se entender o documento escrito relativo ao

acordo de vontade para arrendamento celebrado entre senhorio e arrendatrio, no

equivalendo a tal a exibio da cpia de recibo de renda 87

, pelo que, se este for

celebrado oralmente, o que frequente nos contratos mais antigos, o senhorio, mesmo

munido do comprovativo de comunicao da cessao do contrato de arrendamento (nos

casos que lhe permitido cessar por via extrajudicial), no ter interesse em recorrer ao

PED, porque a comunicao por si s no permite a formao do ttulo para desocupao

do locado. Restar, ento, ao senhorio recorrer ao de despejo para cessar o contrato de

arrendamento para da obter um ttulo executivo que lho permita reaver o seu imvel em

sede da EPECIA.

Assim, podemos concluir que para iniciao do PED, necessrio no s um

contrato de arrendamento materialmente perfeito, mas tambm formalmente constitudo88

.

87

Ac. TRG de 06/11/2008. 88

Ac. TRL de 16/01/2014.

34

6. TRAMITAO PROCESSUAL

6.1 Princpios estruturantes do PED

Embora apresente uma natureza extrajudicial, o PED dever respeitar os princpios

gerais do processo civil. Estes constituem verdadeiras traves mestras do sistema jurdico-

processual dos Estados democrticos contemporneos89

. Assim, o Estado apenas pode

reconhecer que as decises de um meio extrajudicial, como o PED, sejam vinculativas se

estas apresentarem conformidade com os princpios bsicos que compem a nossa justia

processual90

.

No entanto, e tendo em conta a natureza ajurisdicionada que este procedimento

apresenta, necessrio ter algumas cautelas na aplicao e transposio das regras que

atualmente suportam estes princpios. Cabe-nos, por isso, fazer uma breve reflexo acerca

dos princpios basilares que definiro os limites que este procedimento deve obedecer.

Desde logo, o PED dever proceder a uma atuao dentro dos limites estabelecidos

pelos dois princpios constitucionais de maior envergadura: princpio do acesso ao

Direito e tutela jurisdicional efetiva (art.20. da CRP) e princpio da igualdade das

partes (art.13. da CRP). Estes princpios pretendem que sejam assegurados a todos os

cidados o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e,

simultaneamente, que todos sejam tratados com o mesmo padro de igualdade.

Relacionado com o princpio da igualdade est o princpio do contraditrio. Este

reflete a ideia de que o juiz no pode decidir sobre quaisquer questes de facto ou de

direito, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem91

.

Este princpio encontra-se espelhado no art.15.D do NRAU/2012, segundo o qual o BNA

encontra-se obrigado a notificar o requerido para que este se possa pronunciar acerca da

pretenso do senhorio.

89

JOS LEBRE DE FREITAS, Introduo ao Processo Civil Conceito e Princpios Gerais, 2 edio,

Coimbra editora, 2009, p.82 90

MARIANA FRANA GOUVEIA, Curso de resoluo alternativa de litgios, 2ediao, Almedina, 2012,

p.209. 91

Vide art. 3., n.3 do CPC.

35

Para alm destes princpios com dignidade constitucional92

existem, tambm, os

princpios instrumentais.

Temos, assim, o princpio do dispositivo93

, que implica a observao de trs

questes essenciais94

: a ao s existir a partir do momento em que apresentada a pea

processual; as partes que devero delimitar o objeto do litgio; o tribunal jamais poder

condenar em objeto diverso do pedido ou em quantidade superior peticionada pelo autor.

Este princpio dever envolver de uma forma plena o PED. Assim, no deve o BNA, em

nenhum momento, alterar os fundamentos do despejo nem, quando deduzido pelo

requerente, o valor relativo mora nos pagamentos de rendas, encargos ou despesas. O

PED s se iniciar aps propositura do requerimento de despejo.

O princpio da legalidade da deciso95

assume tambm importncia no PED. Tal

como nos demais procedimentos, tambm este encontra-se condicionado aplicao de

regras consagradas em diplomas prprios, destinadas a regular, sobretudo, o seu modo de

funcionamento e o seu mbito de aplicao. Assim sendo, todos os atos praticados pelo

BNA no exerccio das suas funes, para alm de ficarem subordinados aos princpios,

devem tambm de estar de acordo com as normas jurdicas correspondentes.

Segundo o princpio da precluso, as partes tero que praticar os atos processuais

dentro de um certo prazo, sob pena de extinguir o direito de praticar tal ato, conforme

demonstra o art.139., n.3 do CPC. No PED notrio a projeo deste princpio, j que na

ausncia de oposio do requerido formar-se- um ttulo para desocupao, extinguindo-se

assim o seu direito de defesa. Este princpio de enorme relevncia, sobretudo neste

procedimento, j que contribui para que o litgio entre as partes se desenvolva com

lealdade e celeridade, impedindo, assim, que as partes o prolonguem a partir de um bem

92

Designao atribuda por JOS LEBRE DE FREITAS, A ao executiva luz do cdigo revisto, 2

edio, Coimbra editora, 1997, p.82. Tambm neste sentido RUI PINTO, Manual da execuo e do despejo,

1edio, Coimbra Editora, 2013, p.28. 93

Em geral sobe este princpio, cfr. JOS LEBRE DE FREITAS, Introduo ao Processo Civil Conceito e

Princpios Gerais, op.cit., p.136. 94

ANTNIO MONTALVO MACHADO/PAULO PIMENTA, O novo processo civil, 11edio, Porto,

Almedina, 200, p.29 95

Previsto no art.607., n.3 do CPC. Para maior desenvolvimento acerca deste princpio vide RUI PINTO,

Manual da execuo e do despejo, op.cit., p.30.

36

doseado estilicdio de dedues sucessivas96

.

Ainda no PED, pretende-se o cumprimento do princpio do inquisitrio. Pese

embora este procedimento funcione, num primeiro momento, sob a competncia de um

secretrio judicial, nada impede que, posteriormente, seja remetido todo o processo para o

tribunal sempre que se suscite questo sujeita a deciso judicial, de forma a realizar-se

oficiosamente as diligncias necessrias ao apuramento da verdade e justa composio do

litgio97

.

Os princpios da cooperao e da boa-f encontram-se previstos nos arts.7. e 8.

do CPC e traduzem a ideia de que as partes devem agir de boa-f e observar os deveres de

cooperao para se obter, com brevidade e eficcia, a justa composio do litgio. Tambm

no PED, o no cumprimento pelos ditames da boa-f poder levar a uma responsabilidade

nos termos do art.15.R do NRAU/2012.

Num procedimento que marcado no seu todo pela celeridade, no poderemos

abster-nos de referir ainda o princpio da economia processual. Este visa proibir a

realizao no processo de atos inteis, devendo, por isso, o resultado processual ser

atingido com a maior economia de meios, conforme decorre do art.130. do CPC. Este

princpio encontra maior expresso neste procedimento no art.15., n.7 do NRAU/2012,

onde, por uma questo de economia processual, sempre que os autos sejam sujeitos a

distribuio, deve o juiz pronunciar-se acerca da autorizao para entrada em domiclio

independentemente de ter sido requerida.

No art.15.B, n.4 do NRAU/2012 vem ainda consagrado o princpio da

estabilidade da instncia, segundo o qual no permitida a alterao dos elementos

constantes no requerimento de despejo, nomeadamente do pedido formulado.

Os princpios do nosso sistema jurdico no se esgotam nos aqui abordados,

contudo limitmo-nos a enunciar apenas aqueles que, para ns, maior relevncia

apresentam para o PED tendo em conta as suas concretas especificidades.

Conclumos esta nossa exposio com uma citao de EDGAR VALLES o

96

MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE, Noes elementares de processo civil, Coimbra, Coimbra

Editora, 1979, p.381. 97

Este princpio tem consagrao legal no art.411. do CPC.

37

intrprete necessita dos princpios gerais do processo civil para interpretar normas e

pautar a sua atuao de forma adequada98

.

6.2 Fases integrantes da tramitao do PED

Depois de conhecermos as caractersticas e os pressupostos que caracterizam o

PED, segue-se conhecer o modo de funcionamento deste mecanismo.

As regras relativas tramitao do PED encontram-se previstas nos arts.15.B a

15.R do NRAU/2012, em conjunto com as disposies legais constantes no DL n.1/2013,

de 7 de janeiro e Portaria n.9/2013, de 10 de janeiro.

A tramitao do PED pode desdobrar-se em trs fases99

, a saber:

i) Fase Injuntria;

ii) Fase Contenciosa;

iii) Fase Executiva.

A denominada fase injuntria caracteriza-se, essencialmente, pela criao de um

ttulo de desocupao na ausncia de um rgo de controlo judicial. A fase contenciosa

representa um processo judicial propriamente dito, cabendo ao BNA remeter os autos ao

juiz para que este se pronuncie acerca do requerimento e tome uma deciso de mrito. J a

fase executiva fica marcada pela desocupao efetiva do locado, seja de uma forma

voluntria ou de uma forma coagida.

Todos os atos praticados pelo juiz no mbito do PED assumem carcter urgente,

conforme resulta do art.15.S, n.8 do NRAU/2012. Para alm disso, aos prazos do PED

aplicam-se as regras do CPC, no havendo lugar a suspenso de prazos durante as frias

judiciais nem a qualquer dilao (cfr. art.15.S, n.5 do NRAU/2012).

Toda a tramitao do PED ocorre eletronicamente, nos termos definidos pelo

art.16. da Portaria 9/2013100

.

98

EDGAR VALLES, Prtica Processual Civil com o novo CPC, 7ediao, Pangim, Almedina, 2013, p.75. 99

RUI PINTO, O novo regime processual do despejo, op.cit., p.133. 100

Vide art.17., n.1 do DL n.1/2013.

38

Iremos de seguida abordar as diversas fases que caracterizam o PED, no entanto,

para uma melhor sistematizao, iremos tomar um seguimento cronolgico da prtica dos

diversos atos e incidentes que compem este procedimento.

Como iremos constatar, nem todas as fases e incidentes que iremos desenvolver ao

longo deste captulo apresentam carter obrigatrio, ou seja, nem sempre tm lugar ao

longo da tramitao do PED. Isso acontece porque este procedimento, tal como no

processo declarativo ou executivo do CPC, pode terminar espontaneamente por acordo das

partes, por desistncia do pedido ou at mesmo por morte do requerente/requerido.

Tambm poder acontecer que alguma das partes se abstenha de praticar determinados atos

(por exemplo, a no deduo de oposio ou pedido de diferimento).

6.2.1 Fase Injuntria

6.2.1.1 Requerimento de despejo

Tal como na ao declarativa ou executiva, o PED inicia-se mediante a

apresentao de uma pea processual, denominada de requerimento de despejo, no rgo

competente, neste caso o BNA, e em modelo legalmente aprovado para o efeito101

.

O PED caracteriza-se, desde logo, por no ser necessrio constituio de

mandatrio para apresentao de requerimento de despejo102

, podendo o mesmo ser

entregue por via eletrnica ou em suporte de papel103

pelo requerente.

Independentemente da forma como foi entregue ou por quem efetuou a referida

entrega, o PED s se considerar iniciado quando104

:

i) Na data em que for efetuado o pagamento da taxa de justia devida, sendo que 101

Modelo aprovado pelo DL n.1/2013, que se encontra anexado na Portaria n. 9/2013. O requerimento

encontra-se ainda divulgado na pgina eletrnica www.bna.mj.pt e no Portal Citius, www.citius.mj.pt. 102

Vide art.15.S, n.3 e n.4 do NRAU/2012. 103

Todas as disposies relativas forma e envio do requerimento de despejo encontram-se previstas nos

arts. 4. e 5. da Portaria n.9/2013. Todavia, se o requerimento for apresentado em suporte de papel, por

mandatrio ou por requerente representado por advogado ou solicitador, este fica sujeito ao pagamento de

uma multa no valor de 2 UC, conforme resulta do art.4., n.2 da Portaria n.9/2013 e art.15.B, n.6 do

NRAU/2012 (tambm se considera entrega em papel, o preenchimento do requerimento de despejo por via

eletrnica mas sem recurso assinatura digital, conforme art.5, n.1, alnea b), da Portaria n.9/2013). 104

Vide art.7. da Portaria n.9/2013 e art.15.B, n.8 do NRAU/2012.

39

o prazo para a realizao do pagamento de 10 dias aps a emisso dos dados

para pagamento pelo BNA (cfr. art.8., n.3 da Portaria n.9/2013);

ii) Ou na data que foi entregue o documento comprovativo do pedido ou da

concesso de apoio judicirio, na modalidade de dispensa ou pagamento

faseado da taxa de justia e dos demais encargos com o processo105

.

No que diz respeito ao preenchimento do requerimento, este dever obedecer a um

conjunto de requisitos que se encontram elencados no art.15.B, n.2 do NRAU/2012, sob

pena de vir a ser recusado, a saber:

a) Identificar as partes, indicando os seus nomes e domiclios, bem como os

respetivos nmeros de identificao civil106

;

b) Indicar o seu endereo de correio eletrnico se pretender receber

comunicaes por meios eletrnicos;

c) Indicar o tribunal competente para apreciao dos autos se forem

apresentados distribuio107

;

d) Indiciar o lugar onde deve ser feita a notificao, o qual, na falta de domiclio

convencionado por escrito, deve ser o local arrendado;

e) Indicar o fundamento do despejo108 e juntar os documentos previstos no n.2

do artigo 15.109;

f) Indicar o valor da renda;

105

Relativamente ao pedido de concesso de apoio judicirio, o NRAU/2012 remete para o regime de acesso

ao direito e aos tribunais previsto na Lei n.34/2004, de 29 de Julho, no entanto com as devidas adaptaes

que constam no art.15.S, n., do NRAU/2012. 106

Conforme art.15B, n.3 do NRAU/2012 e o art.6., n.1 do DL n.1/2013, caso haja pluralidade de

arrendatrios ou constituindo o local arrendado casa de morada de famlia, deve o requerente indicar no

requerimento o nome e domiclios de todos os arrendatrios, incluindo o do cnjuge que no seja parte do

contrato de arrendamento. 107

competente o tribunal da situao do locado, segundo art. 15.S, n.7 do NRAU/2012. 108

O legislador quer referir-se ao fundamento da cessao do contrato. 109

Para alm destes documentos, tambm no devero ficar excludos, sob pena de recusa, os documentos a

que se refere o art.15., n.3 e n.5 do NRAU/2012.

40

g) Formular o pedido e, no caso de pedido para pagamento de rendas, encargos

ou despesas, discriminar o valor do capital, juros vencidos e outras quantias

devidas;

h) Juntar comprovativo do pagamento de imposto do selo110;

i) Indicar que pretende proceder ao pagamento da taxa devida111 ou, sendo o

caso, indicar a modalidade de apoio judicirio concedido, bem como juntar

documento comprovativo da respetiva concesso, sem prejuzo do disposto no

n.7112

;

j) Designar o agente de execuo ou notrio competente para proceder

desocupao do locado113

;

k) Designar agente de execuo para proceder execuo para pagamento das

rendas, encargos ou despesas em atraso, nos casos em que seja designado

notrio para proceder desocupao do locado ou este venha a ser

competente;

l) Assinar o requerimento;

Aps receo do requerimento, o BNA dever proceder verificao do

preenchimento do requerimento. O requerimento s poder ser recusado se no respeitar

algumas das exigncias previstas no art.15.C, n.1 do NRAU/2012, j que resulta do teor

da prpria lei que essa enumerao de carter taxativo.

Embora da recusa no caiba reclamao judicial, esta no uma deciso definitiva,

uma vez que o requerente poder apresentar novo requerimento no prazo de 10 dias

110

Vide art.15., n.4 e art.15., n.2, alnea h), do NRAU/2012. 111

Quanto aos modos como efetuar o pagamento da taxa de justia, estes encontram-se previstos no art.8. da

Portaria n.9/2013. 112

No caso de, data de apresentao do requerimento, faltarem menos de 30 dias para o termo do prazo de

prescrio ou de caducidade, ou ocorrendo outra causa de urgncia, deve o requerente apresentar documento

comprovativo do pedido de apoio judicirio requerido, mas ainda no concedido, conforme resulta do

art.15.B, n.7 do NRAU/2012. 113

O regime de designao, substituio, destituio e honorrios de agentes de execuo ou notrios

competentes para o PED, encontra-se regulado nos arts. 22. a 32. da Portaria n.9/2013.

41

subsequentes notificao da recusa114

.

6.2.1.2 Notificao do requerido

No havendo motivo de recusa do requerimento pelo BNA, deve este expedir

imediatamente, para o local indicado no requerimento de despejo115

, a notificao para o

requerido/s116

, por carta registada com aviso de receo, para em 15 dias, este/s:

i) Desocupar o locado e, sendo caso disso, pagar ao requerente a quantia pedida,

acrescida da taxa por ele liquidada;

ii) Deduzir oposio pretenso e/ou requerer o adiamento da desocupao do

imvel, nos termos do disposto nos arts. 15.N e 15.O do NRAU/2012.

O ato de notificao deve conter ainda, segundo o art.15.D, n.4 do NRAU/2012,

os seguintes elementos:

i) Todas as informaes relativas ao requerimento de despejo, desde a

identificao dos requerentes, indicao do tribunal competente para

apreciao dos autos se estes forem apresentados distribuio, indicao do

fundamento do despejo e respetivos documentos, valor da renda, indicao, se

for o caso, do pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas em atraso,

comprovativo do pagamento de imposto de selo;

ii) Indicao do prazo para oposio e a respetiva forma de contagem;

iii) Advertir o requerido de que ser constitudo ttulo para desocupao se este:

no proceder desocupao do locado, no se opuser dentro do prazo legal ou

no efetuar o pagamento da taxa ou depsito das rendas que se vencerem na

pendncia do PED117

;

iv) Nos casos de pedido de pagamento das rendas, encargos ou despesas em atraso,

deve a notificao ainda indicar de que, na falta de pagamento da quantia

pedida e da taxa liquidada pelo requerente, passa o requerido tambm a estar

114

Vide art.15.C, n.2 do NRAU/2012. 115

Relativamente s regras da notificao do requerido vide art.15.D, n.3 do NRAU/2012. 116

Havendo vrios requeridos, a notificao expedida para todos eles, conforme art.15.D, n.2 do

NRAU/2012. 117

Vide art.15., n.8 do NRAU/2012.

42

sujeito aos juros de mora devidos desde a data da apresentao do

requerimento;

v) Indicao de que a deduo de oposio cuja falta de fundamento o requerido

no deva ignorar o responsabiliza pelos danos que causar ao requerente e

determina a condenao em multa de valor no inferior a 10 vezes a taxa

devida.

Com a notificao, como pudemos constatar, so efetuadas algumas advertncias

cominatrias118

, ou seja, o no cumprimento do dever de desocupar, a no oposio

atempada ao requerimento de despejo ou a omisso de impulso processual que tenha o

mesmo efeito (como a no juno, aps 5 dias da notificao de indeferimento do apoio

judicirio, do comprovativo do pagamento da taxa devida ou o no pagamento das rendas

vencidas na pendncia da ao ou prestao de cauo sobre as rendas em dvida119

)

determina a formao do ttulo para desocupao, nos termos do art.15E, n.1 do

NRAU/2012.

Para alm das j referidas advertncias que so realizadas pela notificao, esta

tambm d lugar a alguns efeitos importantes do PED. Desde logo, com a notificao

que o prazo de prescrio interrompido, nos termos do art.323. do CC.

Notificado o requerido, poder ocorrer uma das trs hipteses:

i) Este no se ope ao requerimento e d-se a converso deste em ttulo para

desocupao do locado;

ii) Este deduz oposio ao requerimento, cabendo ao BNA remeter todo o

processo para o tribunal competente, deixando assim de ter qualquer contato

com o processo de despejo;

iii) Poder ainda, juntamente ou no com a oposio, o requerido pedir o

diferimento da desocupao, caso esta constitua casa de morada de famlia;

118

ELIZABETH FERNANDEZ, O proced