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PROBLEMATIZAÇÃO DA PSICOTERAPIA TRADICIONAL E FUNDAMENTAÇÃO DA LOGOTERAPIA
Antonio Wardison C. Silva Herivelton Breitenbach
Lins – SP 2009
PROBLEMATIZAÇÃO DA PSICOTERAPIA TRADICIONAL E
FUNDAMENTAÇÃO DA LOGOTERAPIA
RESUMO
O presente texto explicita o itinerário formativo percorrido por Viktor E. Frankl na tentativa de estruturar uma psicoterapia humanista, denominada logoterapia, a fim de buscar o sentido da existência do homem e sua saúde psíquica. Nesta perspectiva, esta pesquisa, de caráter bibliográfico-explorativa, procurar sublinhar que o homem, diferente da psicoterapia tradicional, é entendido na sua dimensão espiritual, transcendente, como ser responsável, atuante na sua existência e capaz de se interrogar pela própria existência e de encontrar sentido na sua vida. Ele não é mais entendido como um aparelho psíquico movido por impulsos, mas consciente da sua pessoa, isto é, de si mesmo, do seu eu. Dessa forma, o texto apresenta a problematização e a superação da psicoterapia tradicional, fundada em Freud, e propõe, a partir de Victor Frankl, uma análise existencial do inconsciente espiritual, que contempla o homem na sua unidade. Palavras-chave: psicoterapia, logoterapia, indivíduo, sentido, existência.
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INTRODUÇÃO
Victor E. Frankl foi contemporâneo de Freud, um insigne amigo que o
introduziu no diálogo científico. Logo aos dezesseis anos, teve um artigo publicado
por Freud, que demonstrara apreço pelo jovem pesquisador. A sua célebre frase:
“ao lado de Freud, eu não sou mais que um anão, mas se um anão trepa aos
ombros dum gigante, vê até muito mais longe do que ele” (FRANKL, 1973, p. VII),
talvez demonstre a majestade da sua audácia em construir um “sistema” de
psicoterapia.
Este ensaio pretende traçar um diálogo entre a psicoterapia tradicional,
fundamentalmente a psicanálise de Freud, e a logoterapia de Viktor E. Frankl. Nesta
perspectiva, pretende discutir os principais pontos teóricos que marcam a crítica de
Frankl a todo patrimônio da psicoterapia tradicional e, com isso, demonstrar as
diferenças e tentativas de construção de uma psicoterapia, segundo Frankl,
humanista, fundada na pessoa concreta.
O presente texto, de caráter bibliográfico-explicativo, inicia sua análise
traçando o emblemático problema entre a Frankl e as raízes epistemológicas da
psicoterapia tradicional, herdada do modelo científico do século XX. Em
contrapartida, Frankl postula um novo modelo psicoterápico capaz de contemplar o
homem na sua unidade. Na segunda parte, procura fazer uma análise sobre o
inconsciente instintivo de Freud e o inconsciente espiritual, fundado na logoterapia.
Depois, preconiza a existência do homem como um ser espiritual e, ao mesmo
tempo, psíquico-físico. E desenvolve uma meditação sobre a significação da análise
existencial. Na terceira Parte, o texto explicita a análise de Frankl sobre a
consciência moral, a fim compreender a existência o ato moralizante do homem.
Em suma, o texto apresenta a problematização e superação da
psicanálise, que tem sua máxima em Freud. Frankl desconstrói uma doutrina
fundada na dimensão impulsiva e inconsciente do homem, que fragmenta a sua
estrutura humana, e propõe uma análise existencial unificadora do homem, fundada
no inconsciente espiritual, na responsabilidade e na transcendência.
Viktor E. Frankl construiu uma “doutrina” psicoterápica fundamentada em
bases sólidas da filosofia, da psiquiatria existencial e da psicologia humanista, que
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se denominou logoterapia, a fim de conhecer e ajudar o homem a encontrar o
sentido da sua existência e de todos os entraves que nela se apresentam.
1.1 O CONFRONTO DE FRANKL COM A PSICOTERAPIA TRADICIONAL
A psicologia do século XX teve seus precedentes numa ciência
experimental. No século XIX, W. Wuundt construiu uma psicologia fisiológica, dada
pelo método experimental. Watson desenvolveu o sistema behaviorista
fundamentado pelo método da organização dos fenômenos com fins pragmáticos de
análises animal e humano. Logo depois, Skinner enfatizou a análise experimental do
comportamento dado pelo ambiente em detrimento da interioridade humana
(GOULART, 1993, p. 33-49).
Frankl procurou demonstrar que a psicoterapia tradicional e a psicanálise
não contemplavam o homem na sua unidade e, por isso, construiu a prática da
logoterapia, fundada no homem concreto. Para ele, a psicanálise de Freud direciona
todo o campo investigativo da estrutura humana para a via de inconscientização, no
qual o paciente reprime os atos de sua vida. Nesta perspectiva, o conteúdo se
manifesta na inconsciência e somente através dela é possível desvendar a
experiência humana: ocorre uma inconsciência do id e limitação do ego consciente.
Isto quer dizer: na neurose, o ego limitado se caracteriza pelo grau de consciência. E
o processo analítico é devolver o conteúdo, da inconsciência para a consciência no
ego (FRANKL, 1973, p. 15-17).
A psicanálise entende a psique do homem como um agregado de partes
separadas dada por impulsos. Para Frankl, isso gera, além de um repartimento da
integralidade humana, uma entidade conflitiva regida por impulsos variados: assim é
o id, o ego, e o superego. Vê-se que os fenômenos psíquicos são determinados
pelos impulsos. Dessa forma, “a psicanálise destrói o todo unificado que é a pessoa
humana, para depois encontrar-se diante da tarefa de reconstruir a pessoa a partir
dos fragmentos” (FRANKL, 2007, p. 15). Isto vem a dizer: “a psicanálise interpreta o
ser humano a priori como ser dirigido ou impulsionado. Esta é também a razão
última pela qual o ego, uma vez desmembrado, tem que ser reconstruído a partir dos
impulsos” (FRANKL, 2007, p. 16).
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Para Frankl, “é preciso olhar a pessoa humana não apenas de baixo
(instintos), mas também do alto (as atividades psíquicas mais elevadas), sendo
preciso considerar um Eu que decide e cuja decisão dá sentido àquela vida, que
normalmente o neurótico percebe como privada de sentido” (REALE, 1991, p. 625).
Ao contrário, a psicanálise parte de suas teorias para formular as análises acerca do
homem, pois sua estrutura conjectural é dada como incontestável e base de toda
conceituação da existência humana (ANGERAMI, 2002, p. 79). Frankl afastou-se da
concepção freudiana da sexualidade e da religião. Ele não acreditava que a neurose
fosse uma expressão de frustração, causada por fatores sexuais. Ao contrário de
Freud, Frankl “considera o homem uma totalidade trinária e tridimensional, a saber:
psico-físico-espiritual. Pois segundo Frankl, Freud teria negligenciado a terceira
dimensão”. (http://pt.wikipedia.org)
Também a psicologia individual contempla o homem nas atribuições dos
seus objetivos em detrimento da dimensão dos seus impulsos. Como os objetivos
não podem transcender o “eu”, acontece uma regressão da estrutura humana: “em
última análise, os esforços do homem são vistos como simples estratagemas para
um acordo com seus próprios sentimentos de inferioridade e de insegurança”
(FRANKL, 1989, p. 55). Ao contrário, a logoterapia sustenta que o ser humano se
caracteriza por ser “consciente e responsável. A Psicanálise quanto a Psicologia
Individual, se tomadas isoladamente, acabam apenas vendo uma parte do homem”
(FRANKL, 1988, p. 40). A psicologia individual procura imprimir o grau de
responsabilidade ao indivíduo neurótico. Assim, o homem individual se caracteriza
como ser responsável.
O fato é, indaga Frankl, que o ser consciente, assim como o ser
responsável, constitui a estrutura fundamental do homem. E disso não há do que se
questionar: o ser consciente tem presença de si e o ser responsável mantém uma
relação entre seus diversos estados.
No entanto, a psicanálise fica determinada ao seu estado de
inconsciência, procurando agregar faculdades instintivas do homem à realidade, e
isso nem sempre é possível. Como também a psicologia individual, além de provocar
esta agregação, causa um confronto entre a criatividade do id e a consciência do
ego.
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Ao contrário, o que Frankl pretende é uma psicoterapia que restitua a
condição fragmentada do homem neurótico a fim de considerar a sua unicidade no
espírito. Mapear sua condição existencial para descobrir todos os fatores que estão
além dos seus sintomas patológicos, dos seus afetos, para atingir a sua
psicogênese. É neste sentido que se propõe uma terapia capaz de dialogar com o
homem e contemplar toda sua dimensão espiritual a fim de encontrar o sentido
último da sua existência. E não instrumentalizá-lo nas suas faculdades isoladas ou
por uma cosmovisão pessoal (FRANKL, 1973, p. 24).
Para Frankl, a psicanálise – através da objetividade – instrumentalizou o
ser humano e reduziu sua capacidade a procedimentos funcionais. Nela, o médico
opera mecanismos científicos de alcance imediatos ao paciente e cabe a ele
responder aos estímulos provocados. Dessa forma, observa Frankl, que o médico é
identificado como um técnico e o paciente como uma máquina (FRANKL, 2007, p.
14).
A psicanálise de Freud tem sua base na dimensão introspectiva e
retrospectiva; e parte do princípio que o homem está sempre em busca de uma
gratificação para si. Ao contrário, a logoterapia parte sempre do presente para
verificar o significado, o sentido da existência do homem, e, por isso, tem sua base
numa dimensão prospectiva (RODRIGUES, 1991, p. 56), como também, a
logoterapia, “assegura que a principal meta é a compreensão e a aceitação das
realidades da vida; e que, mesmo adversas, essas realidades representam um
destino existencial ao qual o homem é ‘carregado’ e do qual não pode escapar”
(RODRIGUES, 1991, p. 58). Todas essas discordâncias conduzem Frankl a dizer:
“Penso que devemos parar de divinizar a psiquiatria – e começar a humanizá-la”
(FRANKL, 1989, p. 80).
O homem não é um ser determinado pelos instintos. Ele não age como os
animais. Para Frankl, a psicanálise – através do seu método analítico – somente
consegue fazer com que o paciente esqueça-se da sua neurose. Ao passo que a
ciência da logoterapia parte do estado de sofrimento do indivíduo, indo além de
meras interpretações conceituais da psicanálise. Utiliza-se do diálogo para
aproximar-se do paciente e diagnosticar seu estado de espírito. Como também
procura contradizê-lo, na tentativa de extinguir seu problema cômodo e encorajá-lo a
lutar pela sua harmonia. Segundo Frankl, “o que temos que fazer é refutar sua
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cosmovisão [a do paciente], - e só então passaremos a ocupar-nos com a
‘psicogênese’ da sua ‘ideologia’, para a entendermos na perspectiva da sua história
de vida pessoal” (FRANKL, 1973, P. 31).
O homem, aqui, deve ser entendido na sua singularidade, o que significa
dizer que ele é um ser concreto, presente na história e protagonista da sua
existência. Recusa-se qualquer dimensão abstrativo-conceitual de análise humana,
isto é, se elimina o psicologismo científico (que julga a condição espiritual do
indivíduo), reduz a dados fenomênicos e toda abordagem que não situe o homem na
sua dimensão concreta.
1.2 ANÁLISE EXISTENCIAL DO INCONSCIENTE ESPIRITUAL E A SUPERAÇÃO
DA PSICANÁLISE
Em Freud, o inconsciente é matéria instintiva. Lugar onde se localiza o
conteúdo reprimido do indivíduo. Para Frankl, o inconsciente freudiano está reduzido
a uma propriedade única que rege o conteúdo da análise psicanalítica. Pois somente
um inconsciente espiritual pode atuar de forma ampliada e necessária (FRANKL,
2007, p. 19).
Para a concepção freudiana, no inconsciente (que também é entendido
como a manifestação dos impulsos inatos) está dada a responsabilidade dos atos.
Para Frankl, aqui consiste a contradição freudiana da psicanálise: quando se nega o
conteúdo de existência impresso no inconsciente, também se nega o processo de
desenvolvimento da pessoa (ANGERAMI, 2002, p. 81).
Do impulso sexual, ao ser controlado, surge o ofício do superego: conter
os impulsos. Nesta medida, acontece a introjeção das experiências e, com isso, a
culpa. O outro, nesta perspectiva, não existe para Freud. Diferente desta concepção
freudiana, o outro, para Frankl, não pode ser instrumento utilizável do eu, mas o “tu”
existencial que se apresenta diante do “eu”, com toda sua singularidade: o homem
aberto ao mundo e ao outro que, na sua dimensão transcendente, superará a
agressividade originada do impulso (MOREIRA, 2006, p.629).
Dado este passo inicial em demonstrar a problemática da psicanálise,
Frankl sublinha os limites e a diferença que existem entre o inconsciente instintivo e
o inconsciente espiritual. Primeiramente, a relação entre consciência e inconsciência
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é flexível. Estão contidas, assim com Freud anotou, em movimentos constantes (em
que o conteúdo inconsciente tornou-se consciente e vice-versa), relativos e, que por
isso, não se designam como critérios para a avaliação da existência humana. O
consciente e o inconsciente não apresentam um conteúdo de especificidade da
existência humana (FRANKL, 2007, p. 20).
Somente é possível identificar a especificidade da existência humana na
dimensão espiritual ou instintiva. Elas estão além do dado de consciência ou
inconsciência do indivíduo e designam o ser humano, assim como Heidegger, como
“ser aí”, presente. Esta diferença da psicanálise tradicional vem a dizer que:
O ser humano pode, assim ser, “verdadeiramente ele próprio” também nos seus aspectos inconscientes. Por outro lado, ele é “verdadeiramente ele próprio” somente quando não é impulsionado, mas responsável. O ser humano propriamente dito começa quando, onde deixa de ser impelido e cessa, quando cessa de ser responsável. O homem propriamente dito se manifesta onde não houver um id a impulsioná-lo, mas onde houver um eu que decide (Frankl, 2007, p. 21).
Agora, já superado a dimensão do inconsciente instintivo e demonstrado
que a psicanálise “coisificou” o ser humano, surge uma nova incógnita da estrutura
existencial do homem: a existência (espiritual) e a facticidade (ordenado pelos
aspectos psicológicos e fisiológicos). Como considerar o ser humano espiritual e ao
mesmo tempo um ente integrado de fatores psíquicos e físicos?
Frankl começa sua análise especificando o ser humano como: indivíduo,
aquilo que o diferencia e o que faz ser singular. Esta sua condição de ser indivíduo
traz consigo uma realidade centralizadora, que o torna sempre o centro de si
mesmo. Tal realidade se manifesta pela sua condição espiritual e, ao mesmo tempo,
psicofísica. A partir daí é possível falar do ser humano integrado, completo na sua
totalidade: ele contém a dimensão espiritual, característica mais específica da sua
existência, e a dimensão psicofísica. O espiritual e o psicofísico podem atuar tanto
no nível consciente, pré-consciente ou inconsciente (FRANKL, 2007, p. 22-23).
Para Frankl, somente nesta condição da totalidade do ser humano
(espiritual e psicofísico) pode-se falar de uma psicologia profunda. Ao contrário da
visão dualista de corpo e mente e do id freudiano! A pessoa profunda será aquela
revestida pela dimensão inconsciente, “isto decorre do fato de a execução espiritual
dos atos e, conseqüentemente, a entidade pessoal como centro espiritual de tais
atos, constituir uma pura ‘realidade de execução’” (FRANKL, 2007, p. 25), quer
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dizer: o ser humano, no ato de uma execução, age de forma inconsciente, pois ele
não é capaz de refletir, na sua essência, a natureza de tal ato. Isto é fruto de seu
impressionar-se diante dos atos espirituais. Frankl aqui explica que a “análise
existencial” significa “análise dirigida à existência” e não “análise da existência".
A análise existencial consiste em procurar abordar o ser humano na sua
unidade: como ser ôntico, que se institui pela sua dimensão bio-psico-social. Para
isso, utiliza-se da psicologia, da antropologia, da biologia e da filosofia “na
compreensão do ser ontológico e multidimensional, considerando-o, nessa
totalidade integrada, como uma unidade, como uma expressão única, singular,
insubstituível e irrecolocável no espaço, da existência de cada um” (RODRIGUES,
1991, p. 91). Vê-se, então, que a análise existencial abrange o ser humano na sua
totalidade e se distancia de toda e qualquer teoria reducionista que instrumentalize o
homem espiritual.
É necessário sublinhar que a existência, em si, não poder ser analisada,
pois ela é por si mesma. O que se pressupõe é uma via de acesso para “facilitar
uma reflexão regressiva sobre o espírito, sobre os atributos noéticos, tanto
conscientes, inconscientes como transcendentes” (RODRIGUES, 1991, p. 92). Em
suma, Frankl conclui que a pessoa profunda,
É irreflexível por não ser passível de reflexão e, neste sentido, pode ser chamada também de inconsciente. Desta forma, enquanto a pessoa espiritual pode, basicamente, ser tanto consciente quanto inconsciente, podemos dizer que a pessoa profunda espiritual é obrigatoriamente inconsciente, não apenas facultamente. Em outras palavras, na sua profundeza, “no fundo”, o espiritual é necessário, por ser essencialmente inconsciente (FRANKL, 2007, p. 27).
O espiritual é inconsciente em qualquer condição de existência do ser
humano e é esta especificidade que o denomina como indivíduo profundo.
1.3 A ANÁLISE EXISTENCIAL DA CONSCIÊNCIA MORAL
O fenômeno da consciência parece indicar uma mera compreensão
daquilo que se entende por “ser responsável” ou por adquirir capacidades de
decisão. No entanto, ainda que seja notável tal estado de “consciência”, ela não está
isenta de ser irracional, isto é, ela está imersa na dimensão da inconsciência. A
racionalização de um ato decisivo acontece no plano secundário e sempre se mostra
inatingível para o indivíduo. Toda e qualquer ação foge do controle “consciente” do
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ser humano. Mas o fato de a consciência ser irracional parece indicar para Frankl
uma reflexão extensa e fundamental para compreender a existência do ser humano
na sua dimensão moral (FRANKL, 2007, p. 29).
Frankl parte de uma premissa que a consciência revela um ser, aquele
que é e que tem a presença de si. Já a consciência moral revela ou projeta um ser
que vem a ser, que deve ser, ou seja, um ser que ainda não é e que deve ser. Este
ser irreal que procura atingir o real somente poderá ser pela antecipação espiritual,
que se realiza através da intuição. A intuição antecipada é um indicativo da
consciência moral. É nesta perspectiva que Frankl denomina a consciência moral
como irracional, isto quer dizer, somente depois da intuição é possível dirigir-se à
racionalidade. (Frankl, 2007, p. 30)
A moral está fundamentada na dimensão interna do indivíduo e não se
prescreve pela sua universalidade. A moral somente terá êxito quando for capaz de
revelar a concepção de mundo da pessoa, na sua concretude e identificada pela sua
consciência moral. Esta será “ativada” em uma situação de decisão.
As “leis morais” constituídas universalmente revelam-se dessemelhantes da moralidade concebida por Frankl, porque possuem um caráter secundário, segundo o autor, uma vez que são processos racionalizáveis, enquanto a moralidade, em sua ótica, é concebida como um processo primário, inconsciente e pré-lógico - portanto, impossível de ser apreendida por uma racionalização apriorística (MOREIRA, 2006, p. 631).
Diferente da concepção freudiana, em que a moral é regida pelo
determinismo psíquico, para Frankl, ela é dada pela intencionalidade humana. Ela
vai além de uma mera intencionalidade singular, não se reduz numa observação de
conduta particular, mas transcende a própria existência. É por isso que a moral para
Frankl está fundamentada na auto-transcendência da existência humana
(MOREIRA, 2006, p.632).
Frankl elimina a tentativa de reduzir a moral à atividade cultural e ao
princípio de prazer. Ao contrário, a moral não vem de fora, mas parte das
necessidades espirituais do indivíduo e rompe a sua individualidade. Dessa forma,
entende-se que “a eficácia do instinto ético é garantida justamente por seu alvo não
ser algo geral, mas sempre algo individual; dirige-se, conforme já dissemos, ao
concreto” (FRANKL, 2007, p. 32).
Na dimensão do sentido, a consciência desenvolve uma função
fundamental para sua descoberta. É ela que interpreta e faz decodificar os sentidos
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presentes numa pessoa concreta. “Assim, uma vida a partir da consciência é sempre
uma vida absolutamente pessoal dirigida a uma situação absolutamente concreta”
(FRANKL, 2007, p. 32).
Enquanto os sentidos predizem uma condição individual, concreta, outros
sentidos estão relacionados à universalidade, formando um quadro de valores. Aqui
se revela um conflito: os valores rompem com a esfera individual, localizam-se
sempre diante das situações e passam a existir como valores únicos. Em caso de
decisão extrema, o indivíduo pode está de frente a uma situação equívoca. Neste
caso, ele, novamente, dependerá da sua consciência a fim de que possa tomar uma
decisão livre e, com isso, responsável.
Os valores para Frankl estão estruturados em: 1. Criativos – dar algo ao
mundo, uma tarefa, uma obra, um trabalho; 2. Vivenciais – receber algo do mundo, a
experiência do amor, por exemplo; 3. De atitude – posicionar-se diante de
sofrimentos inevitáveis.
O valor da atitude refere-se à capacidade da pessoa colocar-se
positivamente diante das dificuldades, na tentativa de sempre atribuir sentido às
suas frustrações, quaisquer que sejam elas. Nesta perspectiva, Frankl propõe que a
pessoa adote um otimismo trágico, isto é, uma postura criativa diante das tragédias.
Esta atitude deverá levar o indivíduo a transformar o seu sofrimento numa
oportunidade de estímulo e crescimento pessoal, “assim como encontrar no
sentimento de culpa motivos para mudar a si próprio para melhor e, por fim, fazer da
finitude da existência um incentivo para a realização de ações responsáveis”.
(ROEHE, 2005, p. 313).
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CONCLUSÃO
O texto procurou mapear os principais elementos de discordância entre a
psicoterapia tradicional e a fundamentação da logoterapia de Viktor Frankl. Como foi
exposto, Frankl dialoga e, ao mesmo tempo, ataca a fundamentação da psicanálise
Freudiana: nela, a investigação da estrutura humana se dá no inconsciente; a psique
humana é entendida como um agregado de partes separadas dadas por impulsos
(id, ego, superego).
Ao contrário, Frankl abnega a condição fragmentada do homem a fim de
considerar a sua unicidade no espírito. Procura mapear a condição existencial do
homem para descobrir o que está além do seu sintoma patológico, a fim de atingir a
sua psicogênese.
Também, a psicanálise interpreta o homem a priori como ser dirigido ou
impulsionado. Parte de suas teorias para formular as análises acerca do homem.
Tem sua base na dimensão introspectiva e retrospectiva. Imprime um método
terapêutico que provoque o esquecimento da neurose do homem. E sustenta que no
inconsciente está dada a responsabilidade dos atos.
Ao contrário, Frankl elimina qualquer dimensão abstrativo-conceitual. O
homem deve ser entendido na sua singularidade; ser concreto e presente na
história. É preciso olhar a pessoa humana não apenas dos instintos, mas também
das atividades psíquicas mais elevadas. A logoterapia parte sempre do presente
para identificar o sentido da existência do homem, é prospectiva, como também
parte do estado de sofrimento do indivíduo. Vai além de meras interpretações
pessoais. Para Frankl, somente através da dimensão espiritual que se torna possível
identificar a especificidade da existência humana. Dessa forma ele designa o ser
humano, assim como Heidegger, como “ser aí”, presente.
Ainda mais, segundo Freud, o superego tem o ofício de conter os
impulsos. E, ao acontecer a introjeção das experiências, gera-se a culpa. Dessa
forma, o outro passa a não existir. A moral é regida pelo determinismo psíquico.
Para Frankl, o outro não pode ser instrumento utilizável do eu, mas o “tu” existencial:
o homem aberto ao mundo e ao outro: superação da agressividade originada do
impulso. A moral é dada pela intencionalidade humana e transcende a própria
existência. Em suma, Frankl especifica o ser humano como indivíduo: aquilo que o
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diferencia e o que faz ser singular. Ele está integrado pela dimensão espiritual e
psicofísica.
A relevância desta análise está em promover uma discussão com a
psicoterapia tradicional e, a partir desta abordagem, traçar novas perspectivas de
entendimento do ser humano e fundamentação teórica para o tratamento
terapêutico. Tal reflexão, ainda que percorridos os principais elementos de
contraposição entre a psicoterapia e a logoterapia, não aprofundou a problemática
na sua completude, mas procurou sublinhar o itinerário percorrido por Frankl na
tentativa de fundamentação da logoterapia.
Dessa forma, esta pesquisa provoca uma vasta discussão para muitas
outras análises acerca do caminho de construção da logoterapia em Frankl. Ainda,
tal pesquisa cumpre a função de gerar uma ampla discussão entre a herança dada
por Freud e as novas concepções psicoterápicas existentes na Modernidade.
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TRADITIONAL PROBLEMATICAL PSYCHOTHERAPY’S AND
LOGOTHERAPY PRINCIPLES (FUNDAMENTAL)
ABSTRACT
The essay explains the formative ways of Viktor E. Frankl trying to create a humanist psychotherapy, named logotherapy in order to reach the man’s existence and his psychiatric health. Under this perspective, this bibliographic and explorative survey, tries to underline that man, out of the traditional psychotherapy, is transcendentally acceptable in his dimension, as a responsible being, acting on his own existence and able to question himself and to find a meaning to his life. He is not understood as a psychic gadget moved by impulses, but plenty conscious of the person he is, or of himself. This way the essay introduces a problematic and surpasses of the traditional psychotherapy, founded by Freud, and proposes, based on Victor Frankl, an existential analysis on spiritual unconscious, which considers “the” man as unique being.
Key-words: Psychotherapy, logotherapy, individual, feeling, existence.
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REFERÊNCIAS
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FRANKL, Viktor E. A presença ignorada de Deus. 10 Ed. Trad. Walter O. Sclupp e Helga H. Reinhold. São Leopoldo, RS: Sinodal; Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
________Psicoterapia e sentido da vida. Trad. Alípio M. de Castro. São Paulo: Quadrante, 1973.
________Um sentido para vida. Trad. Pe. Victor H. S. Lapenta. Aparecida, SP: Santuário, 1989.
GOMES, José Carlos Vitor. A prática da psicoterapia existencial – logoterapia. Petrópolis: Vozes, 1988.
GOULART, Iris Barbosa. Psicologia da Educação – Fundamentos teóricos e aplicações à prática pedagógica. Ed. 3. Petrópoles: Vozes, 1993.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Viktor_Frankl em 13/08/2009
MOREIRA, Jacqueline de Oliveira et al. Moralidade e sociabilidade em Frankl: Um norte para superação da violência. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 11, n. 3, p. 627-635, set./dez. 2006.
REALE, Giovanni e ANTISERI, Dário. História da Filosofia. Vol. 1. São Paulo: Paulus, 1990.
RODRIGUES, Roberto. Fundamentos da Logoterapia – na clínica psiquiátrica e psicoterapêutica. Vol 1. Petrópolis: Vozes, 1991.
ROEHE, Marcelo V. Revendo idéias de Viktor Frankl no centenário de seu nascimento. PSICO, Porto Alegre, PUCRS, v. 36, n. 3, pp. 311-314, set./dez. 2005.
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Autores:
Antonio Wardison C. Silva – Graduando em Teologia pelo Centro Universitário
Salesiano de São Paulo e Pós-graduado em Filosofia Existencial
Fone: (11) 3649-0200
Herivelton Breitenbach – Pós-graduando em MBA em Gestão Empresarial -
UNISALESIANO – Lins – e mestrando em Administração Profissional - UNIMEP
Fone: (14) 3533-6200