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Problemas respiratórios versus padrões facial e dentário em crianças brasileiras da região Nordeste Influence of respiratory tract diseases in facial pattern and dental occlusion in brazilian children Marcela Kutras Fonseca*, Lívia Maria Andrade de Freitas**, Matheus Melo Pithon***, Ricardo Alves de Souza****, Raildo da Silva Coqueiro***** RESUMO – Introdução: a influência dos problemas respiratórios no crescimento e no desenvolvimento das estruturas craniofaciais tem sido amplamente discutida na atualidade. Objetivo: avaliar indivíduos portadores de problemas respiratórios quanto ao padrão facial e a presença de má-oclusão, em crianças brasileiras da região Nordeste. Material e Métodos: a amostra constituiu-se de 40 indivíduos, com idades entre sete e dez anos, com média de 8,6 anos (desvio-padrão ± 1,2). Foram submetidos à avaliação do padrão respiratório, por meio do teste de vapor de Glatzel e teste da água. Em seguida, avaliou-se a oclusão (classificando-os como Classe I, Classe II Divisão 1, Classe II Divisão 2 ou Classe III de Angle) e o padrão facial (classificando-os como Padrão I, II, III, face curta ou face longa). Para fins de análise estatística, foi utilizado o teste qui-quadrado, seguido do teste exato de Fisher. Para a avaliação da concordância aplicou-se o índice de concordância Kappa. Resultados: no grupo dos respiradores bucais, 38,9% dos indivíduos apresentaram má-oclusão de Classe II Divisão 1. No grupo dos respiradores nasais, 63,6% apresentaram Classe I. Os respiradores nasais e bucais apresen- taram, respectivamente, 72,7% e 66,7% de face normal. Conclusão: na amostra estudada, para a classificação de Angle e a classificação do padrão, não foram encontradas diferenças estatísticas, de acordo com o tipo de respiração. Entretanto, cabe ressaltar que houve uma tendência de associação entre respiração bucal e o tipo facial longo. Unitermos – Doenças respiratórias; Criança; Má-oclusão. Trabalho original ABSTRACT – Introduction: the influence of respiratory function on the growth and development of craniofacial structures has been widely discussed. Objective: Evaluate individuals with respiratory tract diseases and investigate the relationship between these diseases, facial pattern and Angle malocclusion. Material and Method: the sample comprised 40 Brazilian subjects aged between seven and ten years, mean age 8.6 years (Standard Deviation ±1.2). The individuals were submitted for evaluation of breathing pattern, trough realization of Glatzel mirror test and water test. Then, each one was subjected to evaluation of Angle malocclusion, being classified as Class I, Class II Division 1, Class II Division 2 or Class III, and evaluation of facial pattern, being classified as Pattern I, Pattern II, Pattern III, short face or long face. For statistical analysis, were applied chi-squared test and Fisher’s test. To assess the agreement between the examiners was used the Kappa concordance index. Results: in the mouth breathing group, 38.9% of the individuals presented Class II Division 1 malocclusion. In the nasal breathing group, 63.6% presented Class I. Nasal breathing and mouth breathing individuals presented, respectively, 72.7% and 66.7% of normal face. Conclusion: in the present sample, there were no associations statistically significant, according to the type of breathing, in relation to Angle classification and classification of the facial pattern. However, it is important to notice that there was a tendency of association between mouth breathing and facial long type. Key Words – Respiratory tract diseases; Child; Malocclusion. *Acadêmica do curso de Odontologia – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. **Doutora em Ortodontia – Faculdade de Odontologia de Bauru – Universidade de São Paulo; Professora assistente – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. ***Doutor em Ortodontia – Universidade Federal do Rio de Janeiro; Professor auxiliar – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. ****Mestre em Ortodontia – Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Unicamp; Professor assistente – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. *****Mestre – Universidade Federal de Santa Catarina; Professor assistente – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Recebido em dez/2011 – Aprovado em jan/2012 136 OrtodontiaSPO | 2012;45(2):136-42

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Problemas respiratórios versus padrões facial e dentário em crianças brasileiras da região Nordeste

Infl uence of respiratory tract diseases in facial pattern and dental occlusion in brazilian children

Marcela Kutras Fonseca*, Lívia Maria Andrade de Freitas**, Matheus Melo Pithon***, Ricardo Alves de Souza****, Raildo da Silva Coqueiro*****

RESUMO – Introdução: a infl uência dos problemas respiratórios no crescimento e no desenvolvimento das estruturas craniofaciais tem sido amplamente discutida na atualidade. Objetivo: avaliar indivíduos portadores de problemas respiratórios quanto ao padrão facial e a presença de má-oclusão, em crianças brasileiras da região Nordeste. Material e Métodos: a amostra constituiu-se de 40 indivíduos, com idades entre sete e dez anos, com média de 8,6 anos (desvio-padrão ± 1,2). Foram submetidos à avaliação do padrão respiratório, por meio do teste de vapor de Glatzel e teste da água. Em seguida, avaliou-se a oclusão (classifi cando-os como Classe I, Classe II Divisão 1, Classe II Divisão 2 ou Classe III de Angle) e o padrão facial (classifi cando-os como Padrão I, II, III, face curta ou face longa). Para fi ns de análise estatística, foi utilizado o teste qui-quadrado, seguido do teste exato de Fisher. Para a avaliação da concordância aplicou-se o índice de concordância Kappa. Resultados: no grupo dos respiradores bucais, 38,9% dos indivíduos apresentaram má-oclusão de Classe II Divisão 1. No grupo dos respiradores nasais, 63,6% apresentaram Classe I. Os respiradores nasais e bucais apresen-taram, respectivamente, 72,7% e 66,7% de face normal. Conclusão: na amostra estudada, para a classifi cação de Angle e a classifi cação do padrão, não foram encontradas diferenças estatísticas, de acordo com o tipo de respiração. Entretanto, cabe ressaltar que houve uma tendência de associação entre respiração bucal e o tipo facial longo.Unitermos – Doenças respiratórias; Criança; Má-oclusão.

Trabalho original

ABSTRACT – Introduction: the infl uence of respiratory function on the growth and development of craniofacial structures has been widely discussed. Objective: Evaluate individuals with respiratory tract diseases and investigate the relationship between these diseases, facial pattern and Angle malocclusion. Material and Method: the sample comprised 40 Brazilian subjects aged between seven and ten years, mean age 8.6 years (Standard Deviation ±1.2). The individuals were submitted for evaluation of breathing pattern, trough realization of Glatzel mirror test and water test. Then, each one was subjected to evaluation of Angle malocclusion, being classifi ed as Class I, Class II Division 1, Class II Division 2 or Class III, and evaluation of facial pattern, being classifi ed as Pattern I, Pattern II, Pattern III, short face or long face. For statistical analysis, were applied chi-squared test and Fisher’s test. To assess the agreement between the examiners was used the Kappa concordance index. Results: in the mouth breathing group, 38.9% of the individuals presented Class II Division 1 malocclusion. In the nasal breathing group, 63.6% presented Class I. Nasal breathing and mouth breathing individuals presented, respectively, 72.7% and 66.7% of normal face. Conclusion: in the present sample, there were no associations statistically signifi cant, according to the type of breathing, in relation to Angle classifi cation and classifi cation of the facial pattern. However, it is important to notice that there was a tendency of association between mouth breathing and facial long type.Key Words – Respiratory tract diseases; Child; Malocclusion.

*Acadêm ica do curso de Odontologia – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.**Doutora em Ortodontia – Faculdade de Odontologia de Bauru – Universidade de São Paulo; Professora assistente – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.***Doutor em Ortodontia – Universidade Federal do Rio de Janeiro; Professor auxiliar – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.****Mestre em Ortodontia – Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Unicamp; Professor assistente – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.*****Mestre – Universidade Federal de Santa Catarina; Professor assistente – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.

Recebido em dez/2011 – Aprovado em jan/2012

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Ortopesquisa

| Introdução

A infl uência da função respiratória no crescimento e no desenvolvimento das estruturas craniofaciais tem sido am-plamente discutida. A respiração por via nasal predominante pode ser observada na normalidade fi siológica1. Nos indivíduos respiradores bucais ocorre uma mudança na anatomia das vias aéreas superiores2.

O equilíbrio facial é caracterizado pela presença de sela-mento labial passivo, oclusão dentária adequada, normalidade na musculatura peribucal e intrabucal. A respiração nasal favorece este equilíbrio. Em compensação, a respiração bucal deprecia o desenvolvimento da musculatura facial e de suas funções, além dos respiradores bucais apresentarem maior tendência ao crescimento anormal esquelético e dentário3.

Diversas pesquisas identifi caram os respiradores bucais como portadores de selamento labial inadequado, lábio inferior evertido, palato atrésico e mordida cruzada posterior; estes indivíduos apresentaram sensação de boca seca, desordens do sono, difi culdade de concentração e aprendizado2,4-5.

A avaliação da relação entre a presença de funções anormais, como a respiração bucal, e a presença de má-oclusão se mostra indispen-sável6. Estudos realizados em indivíduos portadores de respiração bucal relataram que esta interfere no posi-cionamento maxilar antero-posterior, proporcionando o aparecimento de má-oclusão de Classe II de Angle4-5,7-9.

As alterações do padrão facial observadas nos res-piradores bucais têm sido amplamente verifi cadas. Os resultados encontrados são controversos. Alguns autores

relataram predominância de excesso vertical facial nesses in-divíduos, caracterizando-os como portadores de face longa4,7. Em contrapartida, outros estudos não localizaram a existência de relação entre respiração bucal e predomínio vertical, não encontrando diferenças signifi cativas em relação a dimensão vertical entre respiradores nasais e bucais10-11.

Na atualidade, se faz necessário o controle das doenças

respiratórias. Estas têm um grande impacto em todo o mundo e a melhor forma de preveni-las e tratá-las é controlar os fatores de risco associados. Estas doenças devem ser vistas com prioridade em níveis nacionais e globais e a prevenção deve ser integrada com controle, por meio de políticas de saúde em todos os departamentos governamentais12.

| Proposição

Com o intuito de contribuir para o estudo dos problemas respiratórios, a presente pesquisa objetivou verifi car a existên-cia de uma relação entre o tipo respiratório e o desenvolvimento de má-oclusão de Angle e do padrão facial, em crianças brasi-leiras da região Nordeste.

| Material e Métodos

A amostra do presente estudo foi constituída por 40 indi-víduos brasileiros, feodermas, sendo 18 do gênero masculino e 22 do gênero feminino. A idade variou de sete a dez anos, com idade média de 8,6 anos (desvio-padrão [DP] ± 1,2). A idade média para o gênero masculino foi de 8,4 anos (DP ± 1,3) e 8,8 anos (DP ± 1,1) para o gênero feminino. Encontrou-se a amostra utilizada através de cálculo e análise estatística. A população amostral foi selecionada de forma aleatória, com os seguintes critérios de inclusão: crianças na faixa etária de sete a dez anos de idade, fase de dentadura mista, matriculadas no Centro de Ação Integral a Criança, na cidade de Jequié (região Sudoeste, situada a 365 km de Salvador, capital da Bahia, região Nordeste do Brasil), com a presença do responsável na reunião para abordagem e esclarecimento sobre o assunto e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os procedimentos de coleta de informações foram instituídos após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – Protocolo nº 054/2010 –, obedecendo à Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que trata das pesquisas envolvendo seres humanos.

O diagnóstico clínico do padrão de respiração, indicado por um fonoaudiólogo e realizado por dois ortodontistas devi-damente calibrados, foi considerado por meio de dois testes – teste 1, placa metálica de Glatzel para verifi car a presença de vapor (superior/inferior/ambos) decorrente da respiração13; teste 2, para avaliar o tempo de permanência de água na boca com os lábios em contato e sem deglutição por três minutos cronometrados, observando através da comissura labial se houve esforço no decorrer deste período. Cabe ressaltar

Na atualidade, se faz necessário o

controle das doenças respiratórias.

Estas têm um grande impacto em

todo o mundo e a melhor forma de

preveni-las e tratá-las é controlar

os fatores de risco associados.

Estas doenças devem ser vistas

com prioridade em níveis nacionais

e globais e a prevenção deve ser

integrada com controle, por meio

de políticas de saúde em todos os

departamentos governamentais12.

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que os respiradores nasais foram considerados aqueles que respiravam exclusivamente pelo nariz e os respiradores bucais foram considerados aqueles que respiravam pela boca e con-comitantemente pelo nariz e boca, ou seja, com respiração mista. Para fi ns de análise estatística foram considerados como respiradores bucais aqueles classifi cados como tal nos dois testes realizados, ou seja, apresentaram vapor na parte inferior ou inferior/superior da placa metálica de Glatzel e per-maneceram por menos de três minutos com água na boca14.

Para complementação do diagnóstico foi utilizada uma fi cha clínica com as alterações comportamentais do portador de problemas respiratórios acerca de alterações faciais obser-vadas ao exame visual e anamnese minuciosa. Para análise das alterações faciais foram avaliadas presença ou ausência dos seguintes sinais clínicos: face alongada, selamento labial, lábios ressecados, lábio superior estreito, olheiras, olhos caídos e narinas estreitas. Para avaliação desses critérios, as crianças foram observadas em seu estado natural, sem que tivesse conhecimento sobre o assunto.

Todos os exames de avaliação do padrão respiratório, assim como o exame da oclusão dentária e do padrão facial, foram realizados por dois examinadores devidamente calibra-dos, em momentos distintos. A oclusão dentária foi classifi cada de acordo com os critérios de Angle15, que divide os pacientes em portadores de má-oclusão Classe I, II, ou III.

A análise morfológica da face é um método prático e facilmente aplicável para determinação do padrão facial. A

classifi cação do padrão foi realizada pela avaliação da face nas visões frontal e lateral, por meio de fotografi as da face padronizadas. As fotografi as foram realizadas com o posicio-namento dos indivíduos em um cefalostato, utilizando-se um suporte fi xo com distância de 1,20 m e máquina fotográfi ca da marca Nikon modelo D40. A análise morfológica foi realizada por dois examinadores experientes e considerou as característi-cas dos padrões descritas por um autor16. Os indivíduos foram classifi cados como Padrão I, II, III, face longa ou face curta:• Padrão I: é identifi cado pela normalidade facial. Este padrão

é caracterizado por um grau moderado de convexidade, presença de projeção zigomática e depressão infraorbitá-ria e linha de inclinação do nariz levemente inclinada para anterior.

• Padrão II: é identifi cado pela presença de convexidade facial aumentada, presença de maxila expressiva, terço inferior defi ciente e linha queixo/pescoço curta.

• Padrão III: é identifi cado pela presença de perfi l reto ou côncavo, presença de excesso mandibular anterior e terço médio facial defi ciente (Figuras 1).

• Os padrões face longa e face curta apresentam discrepância vertical. Estas são visíveis nas avaliações de frente e de per-fi l. O padrão face longa é identifi cado pelo excesso na altura facial e o padrão face curta é identifi cado pela defi ciência na altura facial. Os indivíduos que não obtiveram classifi cação da face como longa ou curta foram considerados como portadores de face normal (Figuras 2)16.

Figuras 1Indivíduos classifi cados como Padrão I, Padrão II e Padrão III, respectivamente.

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Ortopesquisa

Para a avaliação da concordância entre os examinadores do estudo foram calculadas a concordância bruta, o índice de concordância Kappa e os respectivos intervalos de confi ança de 95% (IC95%), de acordo com as características avaliadas.

As frequências das características avaliadas foram com-paradas, segundo gênero e tipo de respiração, por meio do teste qui-quadrado. Nos casos em que a frequência esperada foi menor que cinco, utilizou-se o teste exato de Fisher. Em todas as análises, o nível de signifi cância adotado foi de 5% (p < 0,05). Os dados foram tabulados e analisados no The Statistical Package for Social Sciences Windows (SPSS, versão 11.5, 2002).

| Resultados

Na Tabela 1 apresenta-se a concordância entre os exa-minadores do estudo por características avaliadas. Nota-se diferença nas concordâncias, pela análise dos intervalos de confi ança do índice Kappa, entre as características para clas-sifi cação da má-oclusão de Angle e classifi cação da face, com a primeira apresentando maior percentual de concordância. Os

níveis de concordância observados entre os dois examinadores foram excelentes, para a classifi cação de Angle, e bom para a classifi cação do padrão e da face.

As características gerais da amostra, de acordo com o gênero, estão apresentadas na Tabela 2. Os dados mostram que a maioria dos indivíduos apresentou respiração nasal, classifi cação de má-oclusão de Angle Classe I, Padrão I e face normal. Não foram observadas diferenças estatisticamente signifi cativas nas variáveis em relação ao gênero.

A Tabela 3 apresenta a distribuição dos indivíduos, de acor-do com as características avaliadas e o tipo de respiração. Os dados mostraram que um maior número de indivíduos com face normal e curta foi observado no grupo dos que apresentaram respiração nasal, enquanto que maior frequência de face longa foi verifi cada naqueles com respiração bucal. O valor de p da variável classifi cação da face encontra-se no limite da signifi -cância (p = 0,052), sugerindo uma tendência de associação entre essa e o tipo de respiração. Para a classifi cação de má-oclusão de Angle e a classifi cação do padrão facial, não foram encontradas diferenças estatísticas signifi cativas, de acordo com o tipo de respiração.

Figuras 2Indivíduos portadores de face normal, face curta e face longa, respectivamente.

Características avaliadas Concordância (%) Kappa IC95%

Classifi cação de Angle 97,5 0,96 0,88 – 1,00

Classifi cação do padrão 87,5 0,73 0,50 – 0,96

Classifi cação da face 82,5 0,63 0,38 – 0,87

TABELA 1 – RESULTADOS DA CONCORDÂNCIA ENTRE EXAMINADORES POR CARACTERÍSTICAS AVALIADAS NO ESTUDO

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Fonseca MK | de Freitas LMA | Pithon MM | de Souza RA | Coqueiro RS

*Estatisticamente signifi cante p < 0,05.

Variáveis Total Masculino Feminino p-valor

Tipo de respiração

Nasal 22 (55,0%) 11 (61,1%) 11 (50,0%)0,701*

Bucal 18 (45,0%) 7 (38,9%) 11 (50,0%)

Classifi cação de Angle

Classe I 19 (47,5%) 9 (50,0%) 10 (45,5%)

0,453**Classe II Divisão 1 12 (30,0%) 5 (27,8%) 7 (31,8%)

Classe II Divisão 2 2 (5,0%) 2 (11,1%) 0 (0,0%)

Classe III 7 (17,5%) 2 (11,1%) 5 (22,7%)

Padrão facial

Padrão I 27 (67,5%) 10 (55,6%) 17 (77,3%)

0,228**Padrão II 10 (25,0%) 7 (38,9%) 3 (13,6%)

Padrão IIII 3 (7,5%) 1 (5,6%) 2 (9,1%)

Classifi cação da face

Face normal 28 (70,0%) 12 (66,7%) 16 (72,7%)

0,541**Face longa 4 (10,0%) 3 (16,7%) 1 (4,5%)

Face curta 8 (20,0%) 3 (16,7%) 5 (22,7%)

Características avaliadasTipo de respiração

p-valor*Nasal Bucal

Classifi cação de Angle

Classe I 14 (63,6%) 5 (27,8%)

0,084Classe II Divisão 1 5 (22,7%) 7 (38,9%)

Classe II Divisão 2 0 (0,0%) 2 (11,1%)

Classe III 3 (13,6%) 4 (22,2%)

Padrão facial

Padrão I 13 (59,1%) 14 (77,8%)

0,298Padrão II 6 (27,3%) 4 (22,2%)

Padrão III 3 (13,6%) 0 (0,0%)

Classifi cação da face

Face normal 16 (72,7%) 12 (66,7%)

0,052Face longa 0 (0,0%) 4 (22,2%)

Face curta 6 (27,3%) 2 (11,1%)

TABELA 2 – CARACTERÍSTICAS DESCRITIVAS DA AMOSTRA

*Teste qui-quadrado. **Teste exato de Fisher.

TABELA 3 – CLASSIFICAÇÕES DE ANGLE, DO PADRÃO E DA FACE, SEGUNDO TIPO DE RESPIRAÇÃO (TESTE EXATO DE FISHER)

| Discussão

Na literatura há uma ausência de consen-so acerca das modifi cações ocorridas na face e na oclusão em decorrência da respiração bucal3,5,8-11,17-20. Este artigo apresentou um estudo com proposta de examinar as modi-fi cações craniofaciais ocorridas em função da respiração bucal e ajudar a diminuir as dúvidas existentes sobre o tema.

O estudo comparativo da literatura é difi cultado por diversas questões metodoló-gicas. Os sintomas subjetivos da respiração nem sempre provêm de uma indicação acu-rada sobre o modo respiratório21. Em acrés-cimo a este fato, a incidência de respiração bucal varia devido a alterações climáticas, ambientais, econômicas e culturais existen-tes entre as diferentes regiões22. A população amostral foi caracterizada por indivíduos com baixa condição socioeconômica, verifi cando-se alta prevalência da doença cárie e esta situação foi condizente com a apresentada em estudo de análise da doença no Brasil23.

A composição racial observada na amostra foi um fator relevante para o re-sultado do estudo, haja vista que a região Nordeste é caracterizada pela presença de miscigenação racial entre diversos grupos étnicos. Esta miscigenação ocorre desde a época colonial do Brasil e a maioria dos indivíduos de diferentes regiões do País tem características raciais típicas das mesmas. Em acréscimo a este fator, a região Nordeste está localizada na zona intertropical do globo terrestre e, devido a este fato, a temperatura mostra-se elevada em todas as estações. O clima apresenta-se seco e as chuvas não são bem distribuídas durante o ano. Estes fatores se mostraram infl uentes na prevalência e no grau de interferência dos problemas respira-tórios no crescimento do indivíduo.

Observou-se, no presente estudo, uma prevalência de 45,0% de indivíduos respi-radores bucais (Tabela 2). Este resultado encontra-se próximo ao apresentado por

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Ortopesquisa

diversas pesquisas4,14,24. Contudo, o resultado foi divergente do apresentado em outros estudos25-26, que verifi caram baixa prevalência. Esta falta de concordância pode-se justifi car pela existência de diferenças geográfi cas e populacionais nas pes-quisas. Em acréscimo a este fato, as doenças respiratórias têm prevalências maiores em países com economias emergentes e subdesenvolvidas e em populações desfavorecidas econo-micamente22. Estudos complementares devem ser realizados, observando a infl uência de fatores extrínsecos no desenvolvi-mento de diferentes tipos de problemas respiratórios.

No estudo de frequência de ocorrência da má-oclusão de Angle não foram encontradas diferenças estatísticas sig-nifi cantes, quando comparado ao tipo respiratório (Tabela 3). Contudo, observou-se maior proporção de indivíduos portado-res de má-oclusão de Classe II de Angle, quando considerado o grupo de respiradores bucais. Os resultados do presente artigo corroboram diversas pesquisas encontradas na literatura, que verifi caram maior prevalência de má-oclusão de Classe II entre estes indivíduos3,5,8-9,17. A respiração bucal interfere no posicionamento maxilar anteroposterior, em decorrência da redução do fl uxo aéreo na cavidade nasal, interferindo assim no processo de crescimento e desenvolvimento craniofacial9.

Mostra-se importante ressaltar que durante o processo de coleta de dados, foi verifi cada alta prevalência de desenvolvi-mento de doença cárie nos indivíduos. Em muitos casos, houve perda precoce de dentes decíduos, difi cultando a classifi cação da má-oclusão.

Segundo a classifi cação do padrão facial, não foram encontradas diferenças estatisticamente signifi cativas entre os dois grupos (Tabela 3), confi rmando que não existe um padrão específi co que seja diretamente relacionado à respira-ção bucal27. Para ratifi cação dos resultados apresentados por este artigo, estudos recentes afi rmam que a respiração bucal surge através de uma combinação de predisposição genética com fatores ambientais, atuando sobre a estrutura óssea e promovendo alterações craniofaciais. Este é um fator agravante

para o desenvolvimento de modifi cações no crescimento facial em indivíduos predispostos geneticamente. Porém, esta não se mostra sufi ciente para afetar a morfologia, quando considerada individualmente11,19.

Considerando-se a correlação de classifi cação da face (Tabela 3), não foram encontradas diferenças estatisticamente signifi cantes entre os grupos de respiradores bucais e nasais, ratifi cando o descrito por diversos autores10-11,17-18. Porém, vale ressaltar que todos os indivíduos portadores de face longa foram classifi cados como respiradores bucais, o que pode su-gerir uma tendência de associação entre esse tipo de face e a respiração bucal, como ressaltado por estudos na literatura3,7,20. Segundo a afi rmação de alguns autores, é o padrão facial longo que predispõe os indivíduos a desenvolverem respiração bucal, e não o contrário1,11,27-28.

Apesar dos resultados supracitados, a amostra desta pesquisa constituiu-se de indivíduos na fase de dentadura mis-ta, em período de crescimento ósseo e a maioria apresentou características faciais equilibradas e padrão facial favorável, justifi cando a homogeneidade apresentada na Tabela 3, em relação ao Padrão I (59,1% para respiradores nasais e 77,8% para respiradores bucais) e a face normal (72,7% para respira-dores nasais e 66,7% para respiradores bucais). O tamanho da amostra mostrou-se sufi ciente para fi ns de análise estatística, porém, recomenda-se a realização de pesquisas complemen-tares sobre o tema, com amostras maiores.

Ainda que não tenham sido verifi cadas alterações oclusais e de desenvolvimento notáveis, a relação destas característi-cas demonstrou sinais de existência pela presente pesquisa, além de ter sido comprovada pela literatura existente sobre o assunto. Porém, para ocorrência de uma efetiva instalação do problema, é de suma importância a combinação de fatores indi-viduais, genéticos e ambientais em um determinado indivíduo29. Dessa forma, torna-se necessária a análise de todos os fatores citados para diagnóstico e tratamento preciso, evidenciando, desta forma, a necessidade da realização de um tratamento

Os resultados do presente artigo corroboram diversas pesquisas encontradas

na literatura, que verifi caram maior prevalência de má-oclusão de Classe II entre

estes indivíduos3,5,8-9,17. A respiração bucal interfere no posicionamento maxilar

anteroposterior, em decorrência da redução do fl uxo aéreo na cavidade nasal,

interferindo assim no processo de crescimento e desenvolvimento craniofacial9.

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Fonseca MK | de Freitas LMA | Pithon MM | de Souza RA | Coqueiro RS

multidisciplinar em indivíduos com problemas respiratórios, envolvendo profi ssionais das áreas de Otorrinolaringologia, Ortodontia, Fonoaudiologia, Fisioterapia, entre outras.

| Conclusão

A partir da análise dos dados concluiu-se que não houve diferenças estatisticamente signifi cantes entre o tipo respira-tório e a presença de má-oclusão e entre o tipo respiratório e o padrão facial em crianças brasileiras da região Nordeste. Porém, verifi cou-se uma tendência de associação entre a pre-sença de face longa e a presença de respiração bucal.

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Nota de esclarecimentoNós, os autores deste trabalho, não recebemos apoio fi nanceiro para pesquisa dado por organizações que possam ter ganho ou perda com a publicação deste trabalho. Nós, ou os membros de nossas famílias, não recebemos honorários de consultoria ou fomos pagos como avaliadores por organizações que possam ter ganho ou perda com a publicação deste trabalho, não possuímos ações ou investimentos em organizações que também possam ter ganho ou perda com a publicação deste trabalho. Não recebemos honorários de apresentações vindos de organizações que com fi ns lucrativos possam ter ganho ou perda com a publicação deste trabalho, não estamos empregados pela entidade comercial que patrocinou o estudo e também não possuímos patentes ou royalties, nem trabalhamos como testemunha especializada, ou realizamos atividades para uma entidade com interesse fi nanceiro nesta área.

Endereço para correspondência:Marcela Kutras FonsecaAlameda das Quaresmeiras, 12 – Quadra QG – Village II45810-000 – Porto Seguro – [email protected]

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