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Prisioneiros do Ódio

Margarete c Santos e Lucio Auster

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Se a tristeza, fraqueza e a injúria, Envolver seu espírito!Levanta a cabeça perdoa e segue, Crê, trabalha, luta e seve!Farás então uma boa colheita.

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Capitulo 1

ra uma manhã de setembro iluminada pelo sol que logo cedinho, obrigava a quem saísse de casa, a usar chapéu. O ar

banhado por perfumes de várias espécies de flores, vindo do imenso jardim, do pomar e mais além, de gigantesco cafezal que se perdia de vista.

EA casa grande estava em grande

agitação. Escravas corriam do quarto dos senhores para a cozinha com bacias de água. O grande fogão a lenha estava a todo vapor.

Na sala de estar, ricamente mobiliada em estilo Luiz XV, encontrava-se um homem com aproximadamente quarenta anos. Extremamente apreensivo, torcia as mãos, andando de um lado para outro. Perfilado à porta, um negro de grande estatura, mantinha-se em posição de guarda.

No quarto espaçoso, encontrava-se uma bela mulher em trabalho de parto.

Duas negras de meia idade e uma senhora branca, de ar carrancudo, auxiliavam a senhora, que se mostrava

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corajosa apesar das longas horas de espera e sofrimento. Uma das negras, pelo carinho que demonstrava a ela, era Bálbina sua mucama.

A escrava contava seus cinquenta e nove anos. Cuidara de sua sinhá desde o seu nascimento. Preocupada com a demora do parto, indagou para a mulher branca.

_ Justina! Não será melhor buscar o doutor? A minha sinhá esta sofrendo muito!

_ De jeito maneira! Eu já fiz tanto parto que perdi as contas! Não vai ser o primeiro filho do sinhô Felício que vai falhar, não é mesmo? – retrucou a parteira carrancuda, à velha negra.

_ Então use a banha de carneiro, é o ultimo recurso Justina! _ Ordenou Bálbina.

_ Pois que seja Bá! E me ajude fazer a massagem. _ exclamou Justina se dando por vencida.

E meia garrafa de banha de carneiro foi derramada na barriga de Marta, a parturiente.

Uma massagem rigorosa foi feita em seu ventre, e em poucos minutos nasceu um lindo menino. Eram dez horas da manhã.

Guilherme nasce forte, com tez clara, vasta cabeleira encaracolada, de olhos negros e atentos.

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As três mulheres cuidaram de arrumar tudo rapidamente para que o senhor entra-se para conhecer o primogênito

Bá chamou-o. Com passadas rápidas ele entrou no quarto. Abeirando-se da cama, muito emocionado, olhou para a esposa e o bebê ao seu lado.

_ Marta! Estais bem? Fiquei quase louco com a demora.

_ Felício! Estou bem! É demorado mesmo! Mas veja como valeu a pena à espera. Olhe que meninão é o nosso filho.

Felício pegou o menino como se fosse um cristal, colocou-o no colo, e com olhos umedecidos, solenemente disse.

_ Aqui esta meu príncipe. Haverás de ser um grande homem.

_ Guilherme Marcondes Nogueira! Concordas que seja o nome de nosso príncipe, meu esposo? – perguntou Marta ao marido.

_ De acordo! Não vejo a hora de ele crescer! Que achas Bá?

Bálbina enxugando os olhos na manga do vestido respondeu:

_É um anjo de bonito! E vai crescer logo sinhô! Deixa comigo!

_Bá, não vai fazer o menino ficar guloso hein?

_ Pode deixar sinhô! Criei a sinhá e não dei barda nenhuma.

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_ Sim Bá! Quem não te conhece que te compre! Conheço as manhas de minha esposa, tanto quanto você. _ respondeu Felício gracejando.

Permaneceram ali por um tempo, envolvidos na alegria da chegada do filho.

Naquela noite, Felício deu ordens para que seus escravos fizessem sua festa.

Poderiam comer e beber a vontade em homenagem a Guilherme.

Tal ordem causou espanto tanto nos capatazes quanto nos escravos, que no dia a dia eram tratados com extrema severidade.

Felício herdara a fazenda de seu falecido pai, Manoel Nogueira que viera de Portugal ao saber que poderia fazer fortuna na terra de Santa Cruz.

Ao chegar ao Brasil, trabalhou com afinco na corte de D. Pedro I, na área das finanças. Após fazer fortuna rápida, e apossar-se de grande extensão de terra fundou a fazenda de nome Boa Vista, muitas léguas distantes da corte.

Manoel após anos de trabalho árduo, aproximadamente aos quarenta anos de idade, conheceu Hortência de origem francesa. O casamento se deu em seis meses, e um ano depois nascia Felício.

Sendo ele filho único, foi criado com esmero. Estudou em Lisboa e ao retornar,

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casou-se com Marta aos trinta anos, pois de tempera forte, tinha dificuldades em fazer a corte para donzelas mimadas.

Após dois anos de seu casamento, a súbita morte de Manoel, o fez assumir a administração da fazenda.

Hortência com a morte do marido tornou-se irritadiça, morrendo um ano depois de enfarto. Ficando a sós o casal ansiava terem vários filhos, para preencher o vazio, e o silencio da casa.

Assim como seu falecido pai, Felício era implacável com os escravos, os comprava, e vendia como a qualquer mercadoria. A única exceção era Bálbina, e Francisca que não quiseram deixar de servir Marta, após se casar.

As duas negras foram compradas por Juvenal Marcondes pai de Marta, que tratava bem seus escravos, deixando-os livres das correntes, e nunca separava os que fossem parentes.

Era tão querido pelos negros que de vez em quando, apareciam alguns fugitivos pedindo guarida em sua prospera fazenda.

Marta herdara a bondade do pai. E quando o marido quis engrossar com Bá, e Francisca, ela chegou ameaçar de

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deixá-lo, dizendo-lhe furiosa que _ elas não eram propriedade dele.

Na época a discussão foi tão acirrada, que por pouco o casamento não se desfez. Porém desde então as duas mucamas passaram a receber a atenção, e respeito da parte dele.

A noite era de festa. Os escravos sentiam-se felizes, podendo comer, beber, cantar, e dançar a vontade.

Porém envoltos pela penumbra em um canto da senzala, sob um monte de palha, uma escrava paria com a ajuda de um forte negro, em absoluto silencio.

Era Semires e Teba que unidos estavam sendo pais pela primeira vez.

Um sentimento mesclado de alegria, e medo dominava o casal ao verem o filho homem, ainda unido à mãe pelo cordão umbilical.

_ Semires! Vou buscar Inácia para ajudar. _disse Teba preocupado.

_ Vá homem! Peça que ela traga uns panos para o menino, e as folhas para o banho. _ sussurrou a jovem negra cansada pelo esforço do parto.

Téba saiu pelos fundos da senzala indo à direção de uma pequena casa feita de barro.

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_ Mãe Inácia! Sou eu Teba, abra.A porta feita de taquara abriu-se, e

uma negra idosa apareceu com uma lamparina na mão.

_ Que foi menino? Esta nervoso? _ inquiriu a velha senhora.

_ Mãe acabou de nascer o menino, esta unido, a Semires ainda, vem ajudar nós.

A velha senhora criou energia, entregou a lamparina nas mãos do rapaz.

Correndo de um lado para o outro foi pegando o necessário e em segundos, já estava ao lado da jovem. Cortou o cordão umbilical, banhou, e vestiu o bebê colocando-o para mamar. Tudo foi feito tão rápido que Teba confuso exclamou.

_ Mãe Inácia! Acho que tem menos idade que demonstra!

_ Deixe de bobagem menino! Já pensou que nome vai dar para seu filho?

_ Sim senhora! Isidoro, na língua dos brancos. Gosta Semires?

_ Sim, Teba, mas estou com medo do sinhô Felício tirar nosso filho para vender!

Ao ouvir essas palavras o jovem negro estremeceu, fechando o semblante, sob os olhares atentos de Inácia, que veio em socorro.

_ Parem de falar coisas ruins! Sinhô Felício esta feliz porque também é pai, e

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há de compreender esse sentimento, e não vai tirar Isidoro de vocês.

_ Não será melhor agente fugir para um quilombo? – falou Semires chorando.

_ É muito arriscado. Se o cão do mato pega vocês, o primeiro que ele mata é o nenê, ele é o demo em vida. – disse Inácia se referindo ao capataz da fazenda.

_ Eu passo o facão no pescoço dele, mãe! – retrucou Teba.

_ Se acalmem! Eu vou cuidar do pequeno de vocês. O sinhô não vai bulir comigo. Ele sabe que é com minhas beberagens que os nossos são curados por isso me deixa em paz.

_ Tomara que esse maldito um dia precise dos seus remédios, daí quem sabe ele valoriza.

_ Chega de prosa triste! Vamos Semires lá pra casa!

Teba ajudou levá-las para a palhoça, e em seguida voltou para a senzala, pondo-se a observar a festa dos seus.

Uma saudade dolorida apertava seu peito. Sentia falta dos pais que ficaram aos gritos ao vê-lo ser laçado como um animal, e jogado num navio imundo.

Desde aquele dia não os vira mais. Após a longa viagem, preso por correntes, com fome, e sede chegou finalmente a um porto. O lugar, e as

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pessoas eram estranhos, falavam uma linguagem incompreensível.

Atemorizado, viu os companheiros de viagem ser levados por homens brancos a troco de saquinhos de ouro, ou moedas.

Jamais esqueceria os gritos de homens, e mulheres sendo levados e separados. E quando chegou sua vez, dois homens falavam ao seu lado, um era velho, o outro jovem. Por fim depois de muito discutirem, foi o mais jovem que o levou, a troco de dois saquinhos de ouro.

Foi levado para a fazenda sem saber o que estava acontecendo. Contava apenas dezessete anos. Jogado no meio de outros negros na senzala, encostou-se a um canto e chorou. Horas depois, escutou uma voz mansa perguntar seu nome, sentiu esperança ao ver Inácia que falava sua língua.

Ela então explicou o significado de tudo aquilo. E daquele instante o protegeu até ele completar vinte e quatro anos.

Na época ela pedira a Felício que deixasse o menino para ajudá-la na lida de infusões, garrafadas, e na busca de folhas, e raízes nas matas.

Foram sete anos de aprendizado. Ela o iniciou, e fez de tudo para que ele compreendesse a grande lei. Explicara

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que apesar do sofrimento, eles estavam aonde deveriam estar, que algo de muito sério fizeram no passado para merecer tanto martírio.

Mas ele não alcançava a luz daqueles fundamentos. Revoltava-se a cada dia quando um irmão era colocado no tronco, e chicoteado por um tirano, que como eles, nada possuía.

E o ódio fazia seu sangue ferver nas veias. Sabia que com força bruta não venceria seus senhores, mas conhecia outra força invisível que poderia ser usada.

Inácia ensinara a ele o lado positivo da magia. Mas por viver inconformado, e remoendo ódio, optou pelo lado negativo, entregando-se a práticas, acertos, e convivência com entidades nada agradáveis.

Porém seu temperamento intempestivo amenizou quando conheceu Semires, uma negra de rara beleza que comprada pelo senhor, fora tratada com condescendência.

Nunca apanhara, nem posta a ferros. Desde que chegara foi mantida solta. Seu trabalho era o de cuidar das roupas dos senhores.

Inácia fora designada a ensiná-la bordar, costurar, passar, e em uma tarde enquanto bordavam juntas, Teba a

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conheceu, e o romance não tardou a acontecer.

Um ano transcorreu serenamente para os jovens apaixonados, porém um fato viria mudar o rumo de suas vidas.

Certa manha Teba foi ao encontro de Semires na beira do rio, encontrando-a desmaiada. Colocando-a nos ombros correu para a casa de Inácia, que com ervas a fez recobrar os sentidos.

Após exame rápido, e algumas perguntas, a boa velha, deu o diagnóstico; a jovem escrava estava grávida.

Uma semana após o nascimento de Guilherme, Marta começou a entrar em desespero, não havia o que calasse o menino.

A pobre, senhora exaurida, com grandes olheiras causadas pelas noites em claro desabafava com Bá.

_ Esse menino não para de chorar! Será doente, Bá?

A amorosa negra examinou a criança cuidadosamente. Após apertar aqui, e ali concluiu rindo:

_ Qual nada, sinhá! O menino tem saúde. Esta faltando é leite mais forte!

_ Acho que tem razão. Parece que o meu leite é pouco e ralo. – falou Marta preocupada.

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_ Vou fazer bastante canja e canjica para a sinhá! O leite haverá de aumentar!

Porém uma semana se passou, e nada mudou; apesar de Marta ter comido tudo o que supostamente ajudaria a aumentar o leite.

Felício colocado a par do problema, através de Bá, ficou irritado com a sugestão de ter que se arrumar uma ama de leite.

Não poderia aceitar o filho ser amamentado por uma negra, fato comum na época que ele discordava com veemência.

_ De a ele leite de cabra, de vaca, até de jumenta se preciso.

_ Já tentei sinhô, mas o menino não aceita. Tem que ser de gente mesmo.

_ Mas que inferno, Bá! Porque Marta não produz leite?

_ Sei não sinhô! Mas tem que arrumar alguém rápido. – disse a negra temerosa.

_ Não posso deixar meu filho perecer de fome. Vá logo procurar uma mulher com leite, e traga-a aqui agora mesmo.

Bá saiu correndo em direção à senzala. Lá chegando, perguntou se alguma escrava havia parido. Informada que a única fora Semires, partiu as carreiras para a casa de Inácia, que se surpreendeu com a visita inesperada.

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Devido à pressa, Bá contou rapidamente do apuro que estava passando sua sinhá, e que Semires deveria ir para a casa grande imediatamente amamentar Guilherme.

Teba, que assoprava o fogo do pequeno fogão a lenha, engasgou-se, e uma risada sarcástica, e sonora saiu de sua boca.

_ Do que esta rindo, Teba? – inquiriu Bá surpresa.

_ Da ironia do destino! Então o leite de uma escrava serve para matar a fome desse miserável?

_ É uma criança que esta precisando, e não o sinhô Felício. –respondeu a mucama contrariada.

_ Pois que morra de fome o menino. Não permitirei que roube o leite do meu filho! – respondeu Teba aos gritos.

Inácia interferiu, e calmamente fez o rapaz voltar à razão, dizendo-lhe que em suas condições não poderiam se dar ao luxo de dizer não. Desde que foram tirados de sua terra natal, a palavra Não deixara de existir para eles. Caso quisessem continuar vivos, teriam que obedecer. Abatido pela raiva o rapaz se calou, encolhendo-se num canto com a cabeça entre as mãos.

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Semires acompanhou Bá ate a casa grande. Parada na cozinha foi examinada por Felício que rispidamente perguntou.

_ Tem bastante leite, mulher?_ Sim! Sinhô. Respondeu quase que

num sussurro a negra._ Então vá banhar-se, e vestir roupas

limpas. A partir de agora, ficaras morando aqui, e cuidara de meu filho.

_ Semires tem um filho, sinhô. Nasceu no mesmo dia que o sinhozinho Guilherme. –atalhou Bá preocupada com o pequeno Isidoro.

_Quem é o pai, Semires?- perguntou ele secamente.

_ Teba, sinhô._ Quem diria! Teba é? O protegido de

Inácia..._ Sim, sinhô. – respondeu Semires

tremendo de medo._ Teba tornou-se um dos negros mais

fortes que já comprei e com certeza o filho também o será. Traga o menino com você, mas alimente bem o meu filho.

Dando a conversa por encerrada, dando as costas, saiu imponente Felício em passos rápidos. As duas escravas respiraram aliviadas.

_ Bá! O sinhô não vai tirar de mim Isidoro, mas Teba não vai concordar com a mudança nossa para cá.

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_ Você tem que ver o lado bom. Morando aqui na casa grande, estará segura. Vai ter roupas boas, comida a vontade, um canto só para você e não vai faltar nada para seu filho.

_ Olhando por esse lado você tem razão; aqui Isidoro não passara necessidade, e isso é o mais importante para mim agora. Não é justo que Inácia com a idade avançada tenha que preocupar-se em criar uma criança.

_ Pois então faça o melhor que puder e garanto que logo até o sinhô vai estar te tratando bem.

A jovem mãe sorriu olhando a sua volta os moveis maciços, e em sua mente juvenil sonhava ter um dia também uma casa, tornar-se livre e ser feliz ao lado de Teba e do filho. Mas logo dissipou aquelas cogitações, pois a realidade era dura, e o trabalho árduo.

Após tomar banho e vestir roupas limpas ofertadas por marta, parecia outra mulher.

Em seguida amamentou Guilherme, que logo adormeceu tranquilamente.

Marta agradecida mandou a jovem buscar Isidoro. Na palhoça Inácia encontrava-se envolvida com suas efusões.

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O menino dormia tranquilo num cesto de cipó, sob o olhar atento de Teba.

A jovem negra ao entrar dirigiu-se diretamente ao cesto, porém foi barrada pelas mãos férreas do rapaz. À vela transformada, vestida com roupas de tecido fino, cabelos penteados, presos, e chinelos nos pés ficou transtornado de ciúmes, inquirindo-a ferozmente.

_ Que roupa é essa? Já passou para o lado dos brancos?

Ela assustada com aquele comportamento inesperado perfilou-se na defensiva, e ríspida disse.

_ Tire suas mãos de mim. A roupa foi à sinhá quem deu. Os sinhôs ordenaram que eu fosse morar na casa grande, e que buscasse Isidoro.

_ Você vai morar lá com o menino? E eu? Vou ter que ficar sem vocês?

Inácia interferiu pressentindo a tempestade que se formava naqueles corações.

_ Teba! Semires ficara lá até o sinhozinho começar comer comida. Daqui noventa dias ela estará de volta.

_ É muito tempo, mãe! Como vou ver meu filho?

_ Eu o pego dia sim, dia não para você, meu filho! Agora deixe Semires ir. É bom não provocar o sinhô Felício.

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Mortificado por dentro, Teba entregou o cesto para a jovem que chorava. Após olhá-la de alto a baixo inconformado, saiu da casa a passos rápidos.

_ Vá, filha! Faça seu trabalho, eu cuido de Teba. – disse Inácia tentando consolá-la.

Abraçaram-se em despedida, e a bela negra partiu com o pequeno filho para uma nova etapa de sua vida.

Bá encarregara-se de arrumar um pequeno quarto nos fundos da casa, ao lado do seu, com uma cama, um baú, uma pequena mesa, e um lampião. Acomodada a jovem passou há dedicar seu tempo para os dois meninos.

Bem alimentado Guilherme crescia a olhos vistos, engordando dia, a dia.

Felício aos poucos foi se acostumando ver o pequeno filho nos braços da ama de leite, passando a tratá-la igual à Bá, e Francisca. E sem incidentes seis meses se passaram. Os dois meninos já se alimentavam com comida, e frutas. Marta em uma tarde ao observar a escrava banhar Guilherme, perguntou-lhe curiosa.

_ Notei que há seis meses, não saíste daqui Semires! Não sentes falta do pai de seu filho?

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_ Sinhá! As crianças, agora, são mais importantes.

_ Você acostumou-se aqui?_ Sim, sinhá! A casa é bonita. Eu

nunca tive roupas como estas, nem dormia em cama, e nunca tinha visto tanta comida.

_ Mas, em sua terra como vivia?_ Lá eu nasci em uma aldeia, às

casas são de barro coberto por sapé. É diferente daqui. Só que lá somos livres.

Oprimiu-se o peito de Marta ao ouvir aquelas palavras da escrava ditas com tanta resignação. Como sonhava aquela senhora com uma mudança. Sentia-se mau em ver o marido comprando, e vendendo gente.

Maltratá-los, fazendo-os trabalhar de sol, a sol sem direito a nada. Pensava consigo – que época horrível vivia.

Não queria ver o filho seguir os mesmos passos do pai, quando crescesse.

Ensimesmava-se, procurava uma saída, para o termino da triste escravidão.

Mas desistia, desconsolada.

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Capítulo 2

A velha Inácia cumprira como prometera dia sim, dia não, levar Isidoro para Teba. Porém ele não vira mais Semires. Ela desde que fora para a casa grande, não colocara os pés para fora, nem para ir ao rio.

Essa situação o deixava enlouquecido de desespero, e saudades.

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Nem um recado ela mandava, então furioso ele chorava. Naquela tarde depois de abraçar o filho, interrogou Bá.

_ Mãe, a senhora disse que ela voltaria em noventa dias! Já se passaram cento e noventa, e nem sinal dela. O que esta acontecendo?

_ Meu filho! Tenha paciência! Ela esta cuidando dos meninos, por isso não tem tempo para mais nada.

_ Mas eles já estão grandes. O filho do sinhô não precisa mais ser amamentado.

_ Mas o seu precisa de comida. Lá não falta nada para ele.

_ Então é por isso que ela esta lá ainda? Para poder dar do melhor para o filho? E eu? Não sirvo para nada é?

_ Você deveria entender os cuidados dela para Isidoro.

_ Estou começando a entender, mãe! Ela gosta mais dele do que de mim.

_ O que você esta dizendo? Vou ter que rezar muito para Oxalá clarear seus pensamentos. Como é possível ser tão possessivo?

_ Não perca seu tempo, mãe; a partir de hoje não precisa ir buscar o menino, não quero mais vê-lo.

E antes que Inácia dissesse algo, saiu sem olhar para o filho que brincava no chão batido.

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Naquela noite, o capitão do mato ao fazer a contagem dos negros notou a falta de Teba. Procuro-o na palhoça de Inácia, e ameaçou de colocá-la no tronco caso ele não aparecesse antes da aurora.A pobre senhora se pôs a rezar, e durante sua concentração viu o rapaz correndo mata adentro acompanhado por um grande cachorro.

Bem distante da fazenda em uma área de difícil acesso, morava um negro, muito bem escondido. Em uma caverna construída pelo tempo. Seu nome era Belarmino. Quando jovem recém-chegado de sua terra natal, não aceitou tornar-se escravo. Aproveitando um descuido dos capitães fugiu indo parar ali. Sua intenção era descansar, e seguir adiante, todavia ao examinar o local, notou que seria ideal para viver. A caverna tinha repartições, e nos fundos uma cachoeira de água cristalina. Ao redor na mata muitas frutas.

Então quase como os primeiros homens primitivos, ele ali foi ficando. Os anos escoaram, e como companhia, ele tinha os animais, o qual não temia, pois viera de uma terra onde seu povo era acostumado a conviver com leões, tigres, chitas, etc.

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Porém apesar de não lhe faltar comida, e acomodação à solidão, e o medo constante de ser capturado foram transformando sua personalidade.

A rotina tornara-se maçante. Durante o dia ele caçava, colhia raízes, frutas, e lenha para o fogo que ascendia no fundo da caverna, onde a fumaça, e a luz do fogo não poderiam ser vistos caso passa-se alguém por perto.

Durante as noites insones, sentava-se na entrada da grande rocha para admirar a lua, e o céu como um tapete negro pontilhado de diamantes.

Entregava-se então ao choro dolorido, pela saudade da família, da aldeia, que ficara tão distante. E finalmente pela vida tão estranha que vivia quase como um animal, coberto por peles, e sozinho. Com o passar do tempo uma revolta crescente foi tomando conta de seus sentidos.

Perdia a fé no criador, que segundo seu desequilíbrio, acreditava telo esquecido. E todo respeito, amor que sentira, foi emudecendo em seu ser, dando lugar ao ódio.

Certa noite deitado em sua esteira, envolto em pensamentos tortuosos, notou uma sombra se formando ao seu lado.

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A principio achou que seria uma sombra ocasionada pelas chamas do fogo, mas, estarrecido viu que se tratava de um homem, que aos poucos se materializou, e aproximando-se lhe disse:

_ Belarmino! Faz vinte anos que mora nesta caverna como um animal, achas justo esta situação?

Mesmo sentindo-se paralisado pelo medo, após grande esforço respondeu:

_ Justo não pode ser! Mas não tenho outro lugar para ir. Não aceito ser escravo de ninguém.

O estranho homem soltou uma sonora gargalhada, e com olhar fixo nele, continuou.

_ Gostaria de ir a qualquer lugar sem ser visto meu amigo?

Mas como senhor? Isso seria possível?

_ Por acaso você não sonha, amigo? E nesses sonhos não vê lugares, e pessoas?

_ Sim, mas são apenas sonhos._ É o que pensas. Posso ajudá-lo a

sair da solidão sem que corra risco. Quer?_ Mas quem é o senhor? Como me

conhece?_ Sou um amigo que você passou a

chamar há alguns anos, nas horas de desespero. Mas só pude chegar depois

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que outro que se dizia seu guia, se sentiu exaurido ao seu lado, e foi embora.

_ Que outro? Vivo só, aqui._ Era um velho, envolto em uma luz

amarela, que o abraçava todas as vezes que se desesperava. Mas isso não tem mais importância. Eu estou aqui agora.

_ O senhor parece uma alma do outro mundo! Como se chama?

_ Leôncio! E olha amigo, que nas condições que se encontra, é só uma alma do outro mundo que poderá ajudá-lo, concordas?

_ Começo achar que sim. Sinto um desgosto da vida que levo! Creio que fui abandonado pelo criador, pelos meus antepassados, por todos.

_ Sentes desgosto, raiva é? Isso é bom! Porém não ficara mais sozinho. Conte comigo. Vou ensiná-lo a visitar quem quiser até mesmo se vingar dos culpados pela vida que tens hoje.

_ Culpado é aquele sinhô Manoel, o maldito que me comprou.

O estranho homem ouvia com atenção, e sorriso sinistro brotava de seus lábios ao dizer.

_ Encontra-se por muito tempo isolado, amigo, sem noticias. Esse ao qual se refere, está morto. Eu, e uns amigos demos fim nele, e na mulher.

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_ Então posso sair daqui! Se o sinhô morreu, estou livre!

_ Engana-se, pois o filho dele continua tocando a fazenda, e nada mudou. Mas quero saber se você quer minha ajuda, Belarmino?

_ Sim, é só o senhor dizer, que farei. Quero ter o prazer de judiar um pouco desses malditos.

_ Trato feito! A partir de hoje, te ensinarei como agir.

_Mas a troco de que o senhor vai me ajudar? Eu não tenho como pagá-lo!

_ Ah! Tem sim! Com o tempo você saberá como retribuir. E assim, Belarmino, aprendeu a usar a magia do lado negativo. Os anos se passaram e todo o dia, em desdobramento, visitava a fazenda.

Observava Felício e procurava um meio de atingi-lo, a mando de Leôncio.

Aos poucos descobriu que a maneira de agir seria influenciar o sinhô a maltratar cada vez mais os escravos.

Assim, cedo ou tarde, o desentendimento aconteceria em seu relacionamento com Marta. Então a conclusão da vingança seria fácil.

Foi em uma dessas visitas que Teba foi notado através de seus pensamentos, e sentimentos de revolta. Imediatamente foi analisado como um instrumento, e

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mais um para engrossar o plano tenebroso.

Conexão foi estabelecida entre Belarmino, e Téba através do pensamento, até fazê-lo fugir correndo pela mata.

Raivoso, desgostoso, envolvido por sentimento de ódio por tudo, e todos. O cachorro que corria ao seu lado era Leôncio que transmutado em forma de animal mostrava o caminho para o covil de Belarmino.

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Capítulo 3

Uma noite, e um dia Teba correu pela mata. Parando vez, ou outra por minutos para descansar. Quando o sol se punha no horizonte, ele avistou a certa distância o rochedo.

O cão que o acompanhava, bateu em retirada na direção da gigantesca pedra.

E olhava para ele como a dizer: _ siga-me!

Em sua mente naquele momento vislumbrou Inácia como que acenando para que ele volta-se. Mas o latido do cão, e a surpresa de ver, a poucos passos um negro idoso ali, o fez arrepiar-se.

_ Aproxime-se Teba! Não tema. Sou amigo, estava lhe esperando.

O velho homem falava com tanta mansuetude que Teba sentiu-se seguro.

Sem atinar de quem se tratava, e de como poderia saber, que ele ali chegaria.

Porém como que hipnotizado, seguiu Belarmino para o interior da caverna. Encontrava-se cansado, com fome, e ao ver sobre uma esteira, carne assada, frutas, e água fresca, as quais o velho lhe ofereceu. Não hesitou e aceitou agradecido.

Após a refeição, ele olhou curioso para o velho, perguntando-lhe:

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_ O senhor mora aqui? Sozinho? É um fugitivo?

_ Sim! Fugi como você! Há anos do mesmo inferno, com a diferença que o sinhô era outro.

_ Foi escravo da Fazenda Boa vista também?

_ Sim! No tempo do sinhô Manoel, mas um dia fugi, e passei a viver aqui.

_ Mas como o senhor aguentou ficar aqui isolado desse jeito?

Com um sorriso, o velho disse:_ Hoje tenho amigos e agora, você.

Meu nome é Belarmino. Este é Leôncio que mandei mostrar-lhe o caminho. É um cão muito inteligente!

Só então o rapaz caiu em si notando algo estranho. Lembrou-se de ter sonhado muitas vezes com aquele cachorro, e de telo visto perambulando pelo cafezal.

Sentiu perigo. Seria uma armadilha? E sem delongas, mudando o humor,

inquiriu:_ Mas como isso é possível? O senhor

me esperava, mandou o cachorro e sabe o meu nome? Como sabia que eu fugiria?

_ Você não vem pedindo ajuda? Todas as vezes que faz oferendas? Finalmente foi ouvido e atendido, Teba.

A principio o rapaz foi tomado por um medo glacial. Lembrou-se dos

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trabalhos que fizera escondido de Inácia, dos pedidos de vingança, e das alianças que propôs. Mas seu lado incrédulo fez com que o medo passasse.

Ficaria ali até o dia amanhecer, então seguiria em frente, procuraria o Quilombo.

Uma esteira, e uma manta de pele de animal lhe foram oferecidas pelo estranho velho, e convidado ao repouso. Aceitou agradecendo, já um pouco mais calmo.

Mas antes de adormecer viu o cão deitar-se ao seu lado, como a vigiá-lo.

Teba ao acordar, o sol encontrava-se alto no céu. Procurou em volta pelo velho e o cão, porém não os viu. Comeu algumas frutas, e quando caminhava para a saída da gruta se deparou com Belarmino que sorridente foi dizendo:

_ Bom dia Teba! Por acaso pensava em ir embora sem se despedir?

Um tanto envergonhado forçou um sorriso amarelo ao responder.

_ Não, senhor! Estava só olhando o lugar.

_ Bem, meu amigo! É hora de conversarmos sério! Vamos entrar.

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Retornaram ambos para o interior da gruta, agora acompanhados por dois cães.

Após se sentarem, Teba esperou o velho tomar a palavra. De olho nos cachorros que se puseram em posição de guarda.

_ Teba, por mais estranho que possa achar, eu sei muito sobre você.

_ É mesmo senhor? O que, por exemplo?

_ Neste momento supõe que sou um lunático, não é? – disse-lhe o velho em tom severo, e olhando-o nos olhos continuou.

_ Sei que você foi iniciado no culto de nossos ancestrais, pela velha Inácia, e tenho certeza que ela lhe ensinou como curar doentes do corpo, e da alma, e suportar com fé, e tolerância às vicissitudes da vida.

_ Sim senhor! – respondeu o rapaz descontente com o rumo da conversa.

_ Todavia você preferiu se rebelar, e fazer tudo ao contrario, não é?

Ficando cada vez mais nervoso Teba, concordava com um aceno de cabeça.

_ Durante um longo tempo fez pedidos e consórcios com seres que nunca viu, e muito menos sabe, na verdade, como agem. Na sua ignorância, achou que o fato de ser um iniciado lhe

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colocaria num lugar acima das demais criaturas, no desmando do mal. E foi convocando, a olho, os quais achava que eram seus escravos. Foi pedindo, mandando que fizessem todo tipo de maldade para quem você achasse conveniente. Não foi?

_ Sim! Fiz e não me arrependo. – rosnou o rapaz, saturado com o palavrório do velho.

_ Pois bem, como disse ontem, você foi ouvido.

_ Como ouvido? Se tudo o que fiz, e pedi não deu resultado?

_ Porque até sair porta fora, da casa de Inácia, você tinha a proteção de seres que só queriam seu bem. Foram eles que não permitiram que seus feitiços funcionassem. Seguraram a multidão de pândegos das trevas que você acionou. Por ter se transformado em um ciumento, invejoso, inseguro, inconformado, estúpido, bruto, desinformado, e atrasado espiritualmente.

Tais palavras caíram como um raio sobre o rapaz, que ao tentar levantar-se com a intenção de esganar o velho, foi impedido pelos cães que juntos investiram ameaçadores sobre ele, forçando-o a sentar-se.

Furioso perguntou entre dentes:

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_ Afinal, quem é o senhor para falar assim comigo?

Tranquilamente Belarmino, respondeu:

_ Eu sou um dos demônios que você convocou. Leôncio o cão que o trouxe aqui, foi quem veio ao meu encontro, quando há anos como você fui insensato.

_ Não acredito no que diz, o senhor é um louco! – vociferou Teba.

_ Porque eu mentiria para um imbecil como você? Verás então! Leôncio mostre a ele.

A este pedido, o cão se levantou, e assombrado Teba viu-o tomando a forma humana, e em poucos minutos postava-se ao seu lado, fitando-o com olhar maquiavélico. Tremulo, tomado por medo incontrolável, sem compreender tudo aquilo, manteve-se em silêncio.

_ Então, conhecedor dos mistérios! Esta com medo dos amigos, o qual se vangloriava em chamar, para serem seus aliados? E com isso ser temido pelas pessoas? – perguntou Belarmino em tom mordas.

Sem coragem para abrir a boca ele recordou de Inácia, Semires, e seu pequeno filho. Arrependendo-se em seguida, ao ouvir as gargalhadas do velho que continuou dizendo:

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_ Ora, Ora! Veja só, Leôncio! Agora ele esta pensando nos seus, naqueles que só queriam o seu bem! Agora é tarde meu rapaz! A aliança foi feita por você mesmo, agora terá que usá-la. Ficaras aqui conosco, e vai aprender o que é o outro lado da moeda.

_ Eu não quero! Eu me nego! – gritou Teba, sobressaltado.

_ É tarde demais, meu amigo! Você teve varias chances para mudar. Quantas vezes Inácia lhe aconselhou para fazer bom uso dos fundamentos, que ela pacientemente lhe ensinou? Entretanto, destituído de fé, e humildade, nos últimos tempos você começou a chamá-la de velha pobre, e ignorante. Chegou a ponto de duvidar dos conhecimentos dela, que para você não resultava em nada. Pois eu digo, que você é o único responsável pela sua infelicidade.

Notava-se que ao pronunciar essas palavras Belarmino, possuía pleno conhecimento das leis, porém as transgredia por também estar sob o efeito da hipnose deletéria daquelas entidades.

_ O que vocês vão fazer comigo? Quero ir embora, e prometo não contar sobre vocês para ninguém. – disse o negro com olhos marejados.

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_ Vamos ensiná-lo. E vai trabalhar para nós. Logo partirei e você ficara aqui no meu lugar.

_ Não! Eu quero voltar! Tenho mulher e filho.

_ Hum! Mas não virou a costa para eles? Se voltar, sabe que o capitão do mato vai matá-lo no tronco. Ou acha que ele perdera a chance de mandar mais um idiota como você para nós?

Nesse momento, não suportando a pressão daquelas palavras, com o rosto entre as mãos, chorou.

Belarmino e Leôncio se retiraram para o fundo da caverna deixando apenas o cachorro de guarda. As horas se arrastaram, e ele não via como sair.

Parecia preso em tenebroso pesadelo, tentou rezar mentalmente para seus Orixás, mas era obrigado a parar, porque o cachorro latia ferozmente.

Foram varias tentativas, porém todas em vão. A noite chegou, e o velho trouxe-lhe comida farta, e com voz mansa disse:

_ Coma amigo! Queremos você bem forte, porque o trabalho será extenuante.

_ Mas que trabalho é esse? Do que o senhor esta falando?

_ Já esqueceu? Você pediu para matarmos o seu senhor e toda sua família, dois capitães do mato, seis iniciados que trabalham sem ostentação

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para os irmãos em desequilíbrio. Esqueci algum?

_ Mas o que vão fazer?_ Você fará! Nós o ajudaremos. Ou

achou que por migalhas faríamos tudo sozinhos, só para fazê-lo feliz?

_ Mas eu não entendo! Fiz as oferendas, não devo nada.

_ Não é a nós que você deve, mas sim à lei que rege o Universo.

_ Mas que lei é essa? Nunca ouvi falar?

_ Como não? A lei de ação e reação. Inácia a explicou. Quantas vezes ela lhe disse que fizesse o bem? Por acaso se plantar feijão, nascera café? Você fez as oferendas só pedindo maldades. Foi aceito. Agora recebe o que merece. Se tivesse feito pedidos para boas coisas, estaria falando agora com outros amigos, entendeu?

_ Mas fui caçado com um animal, em nossa terra natal, colocado a ferros, trazido para uma terra estranha, obrigado a trabalhar de sol, a sol, debaixo de ameaças, e mesmo assim acha que estou errado em querer matar o sinhô Felício, aquele branco maldito? – redarguiu o rapaz com voz estrepitosa.

_ Meu rapaz! Fala como se fosse o único infeliz retirado de sua Pátria! Você apesar de tudo teve muita sorte desde

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que chegou a fazenda, deveria agradecer ao criador isso sim!

_ O senhor só pode estar brincando! Como agradecer por uma vida tão miserável?

_ O que tanto diferencia a sua vida aqui, ou na sua aldeia? Somente a liberdade. E com a proteção de Inácia você não passou nem a metade dos sofrimentos dos demais irmãos. Eu não sou juiz, apenas tento explicar-lhe o porquê de estar aqui.

Subjugado, e sem argumento Teba calou-se. Sua situação não era boa, e tornou-se pior com a chegada de nove pessoas, sendo que quatro eram mulheres, todos negros. Tão angustiado não sabia identificá-los se vivos, ou mortos.

Recebidos com cerimônia por Leôncio, foram encaminhados para o fundo da caverna.

Belarmino manteve-se sentado em silêncio como se aguardasse alguém.

Passado alguns momentos naquele silêncio torturador, passos foram ouvidos, e logo Teba divisou um homem de grande estatura. O velho negro levantou-se, fazendo longa reverência indagou:

_ Senhor! Fez boa viagem?

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_ Sim, meu caro. – respondeu o estranho olhando para Teba, e em seguida inquiriu.

_ É esse o infeliz?_ Sim, senhor! Encontra-se tudo

pronto Somente o aguardávamos._ Comecemos logo, antes que haja

alguma interferência. Aos poucos estou reunindo todos.

Dizendo estas palavras o recém-chegado pegou Teba pelo braço, e aos safanões o levou para um salão onde estavam os que haviam chegado antes.

A cena era dantesca. Havia ali um altar de pedra, um pouco abaixo, uma mesa, também de pedra e um pequeno banco. Do lado esquerdo, esculpido na rocha, um trono. Logo abaixo, outros menores. Iluminado o lugar por tochas, o tornava mais lúgubre.

Leôncio e os noves visitantes ocupavam os tronos menores. Teba ao ver aquilo, perguntou quase num sussurro:

_ O que vão fazer comigo?_ Será iniciado por nós. –respondeu o

recém-chegado._ Como? Se já sou iniciado?_ Você foi iniciado para fazer uma

coisa, mas optou por outra. Outrora os símbolos que traz gravado em si, emitiam luminosidade, que nos mantinha

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afastados, todavia espectadores neutros. Porém quando os símbolos perderam a luz, nós o acolhemos. Portanto inverteremos os polos. É a lei da afinidade rapaz! Hán, hán, hán! –concluiu o estranho rindo.

_ Não acredito nisso! Vocês não podem mais que Orixá! Eu tenho o meu!

_ Hum! Agora você começou a se lembrar de seu Orixá? Contudo na hora de fazer as maldades para os outros, não se lembrou dele, não é? Esqueceu que Orixá é luz, é vida, é saúde? Você o distanciou com suas maldades, por isso estou aqui.

E após essas palavras Teba foi posto sentado no pequeno banco, e durante horas passou entre consciente, e inconsciente por tenebrosa ação magnetizadora.

A reunião tétrica só acabou com a aproximação do amanhecer. Teba foi jogado em uma esteira exaurido, sozinho, e no escuro. Quando voltou a si com a luz do dia, não passava de uma marionete, um como que sonâmbulo. E plano desumano e descabido começou a ser arquitetado por ele, Belarmino e Leôncio, contra Felício e sua família.

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Capítulo 4

Na fazenda o trabalho era incessante, com o café em alta. Felício aumentava dia a dia a extensão de sua plantação, fazendo seus escravos trabalhar dobrado.

Marta começou a preocupar-se em saber que em duas semanas, quatro negros haviam morrido. Sem saber a causa, certa noite perguntou ao marido:

_ Meu esposo! Fiquei sabendo da morte de alguns escravos... Terá sido doença?

_ Certamente não, os quatros eram fortes como touros. Segundo Barbosa eles caíram fulminados repentinamente.

_ Terá sido fome? Inanição? – perguntou Marta aflita.

_ Não, Marta! Que bobagem! Como disse os quatros eram jovens fortes. E de acordo com a sua vontade, todos os escravos são bem alimentados.

_ O excesso de trabalho, querido, pode ser uma das causas.

_ Onde queres chegar com esse assunto? Estas me acusando? Achas que tenho culpa pela infeliz morte dos quatro?- perguntou Felício agastado.

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_ Não Felício! Mas peço-vos que não sejas tão implacável com eles. E ponha limites em Barbosa.

_ Vejo que vais começar a brigar comigo por causa dessa paria.

_ É gente, com sentimentos como nós.

_ Como podes pensar assim? Isso é o que da criar filha mulher dando a mesma educação de um homem. Seu pai errou...

Mas antes que ele terminasse, ela levantou-se da poltrona, chegando face, a face com ele, e com o semblante esfogueado disse:

_ Não se atreva, Felício, a falar mal de meu pai! Não me forces a esquecer de que somos casados!

Felício ruborizado levantou a mão com a intenção de esbofeteá-la, mas o choro de Guilherme, que brincava a seus pés, o fez recuar. Nervoso, sentou-se na poltrona que estava a sua frente, e viu a esposa sair do aposento com o filho no colo, sem olhar para traz.

A partir desse episódio o casamento de Felício e Marta ficou estremecido. Balbina notando sua sinhá descontente, perguntou-lhe a causa. Após ouvir Marta contar o ocorrido entre lagrimas de revolta, achou conveniente procurar por Inácia, indo até a palhoça.

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Passado a troca de comprimentos, e comentários sem importância que antecedem assuntos delicados, Bá disse:

_ Inácia! Estou ficando preocupada com minha sinhá, acho que o amor dela pelo sinhô esta acabando. Logo agora que nasceu o sinhozinho, os dois estão brigando feito cão e gato!

_ Sinhá Marta foi criada com amor pelo pai, que como você diz, é um homem bom. Ai casa com outro de instinto ruim, da nisso. – respondeu Inácia rindo.

_ Mas você pode ajudar os dois se entender novamente.

_ O que eu posso fazer é rezar para Oxalá fazer reinar a paz entre eles, e dar as folhas para o banho da sinhá.

_ Eu sabia que você ajudaria Inácia! Mas estou te achando meio triste. Por quê?

_ Ando sentindo umas coisas estranhas, Bá. Já fiz de tudo para saber o paradeiro de Teba, e nada.

_ Será que na fuga ele morreu?_ Não! Morto ele não esta, disso eu

tenho certeza; agora que Isidoro esta crescendo era para Teba estar aqui, e ver as travessuras do filho. É uma beleza o danado! Dá um trabalhão quando Semires o traz aqui, mexe em tudo.

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_ Lá na casa grande, Semires corre o dia inteiro atrás dos dois. O sinhozinho Guilherme também é esperto.

_Coitada de Semires, não se conforma de ter sido abandonada, por Teba sem nem despedida. – respondeu Inácia pensativa.

_ Pois é, tenho visto que ela esta emagrecendo muito. Acho bom você fazer alguma coisa por ela, Inácia. As duas senhoras ainda falaram sobre outros conhecidos, e depois de Bá se retirar com uma sacola cheia de folhas, Inácia fechou a palhoça, e com passos apressados dirigiu-se para a mata.

Caminhou um quarto de hora, só parando em frente à magnífica cachoeira.

Sentando-se em uma pedra, após saudar a água, elevou sua voz em cantigas de louvor a natureza. Saudou os dirigentes das matas, das águas, do ar, da terra e do fogo. Só se calou quando viu entre as folhas um índio de rara beleza que sorria para ela.

_ Salve Flecha de Ouro! Agradeço por ter vindo responder o chamado de uma velha quase inútil.

O índio olha-a com ternura, e aproximando-se disse:

_ Porque se acha inútil, minha filha? Por ser idosa? O corpo envelhecido não importa, mas sim seu espírito que se

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mantém jovem, e belo pelos atos de sabedoria, e de amor que tem praticado.

_ É bondade sua essas palavras de conforto. Porque na verdade eu nada sei, e nada sou sem vocês para me guiar.

_ Sei o porquê de sua tristeza, Inácia. Esta pressentindo que seu filho não esta bem, não é mesmo? E é verdade, ele se desviou de tudo o que você lhe ensinou. Inverteu a posição, e encontra-se hoje sob o domínio das trevas.

_ Meu Deus! O que devo fazer fecha de Ouro, para socorrer meu filho?

_ No momento nada, só rezar. Nós o observamos de longe.

_ Mas porque não o resgatam?_ Para isso, Inácia, ele tem que

querer. E você sabe que não podemos interferir no livre arbítrio de ninguém. Todavia mesmo sob o domínio do mal, ele não esta abandonado pela luz.

Após jogar no colo de Inácia um lindo ramo de flores amarelas, o encantado índio sumiu por entre as folhagens da mata. A pobre negra chorou de amargura, porém força repentina a fez levantar-se. Saldando e agradecendo a Deus, Orixá, e seus encantados, voltou quase correndo para a casa grande. Pediu para Bá que chamasse Semires. Era urgente. A jovem não tardou pálida aproximou-se estranhando o chamado. Mesmo receosa

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da resposta que poderia ouvir, inquiriu Inácia.

_ O que aconteceu Inácia?_ Você vai ter que inventar um jeito

de passar uns dias lá em casa. Tem que dizer para os sinhôs que esta doente.

_ Mas por quê?_ Vou ter que fazer umas coisas para

você, e o menino por medida de segurança. Tem que ser logo antes que sejam atingidos.

Semires assustada, mesmo sem saber o porquê da preocupação da velha negra, concordou. Com a ajuda de Bá e Francisca, a moça convenceu Marta que estava ficando doente, e precisava dos cuidados de Inácia. Tão logo sarasse, voltaria ao trabalho.

No dia seguinte Semires e Isidoro começaram a receber os cuidados de Inácia. Sete escravos trabalharam sem descanso auxiliando na obrigação.

Passados os dias, após os preceitos serem concluídos, a jovem escrava estava renovada. O filho acalmara-se. Voltaram para a casa grande com as recomendações de avisar, caso notasse algo fora do normal com qualquer um da casa. Semires deveria ficar atenta.

Assim seguiu o curso da vida daquela gente. Porém ao cabo de um ano, que passara sem grandes incidentes,

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a paz que reinara estava com os dias contados, pois uma fase difícil caminhava ao encontro deles.

Os banhos, chás e as rezas de Inácia acalmavam Marta sempre que era preciso.

Assim a convivência com Felício tornava-se mais amena. Um incidente, porém, mudaria a situação de maneira drástica.

Em uma tarde de verão, onde não havia lugar fresco na casa, nem nos jardins. Marta resolveu banhar-se na cachoeira. Levaria Bá como companhia.

Francisca ficaria cuidando de Guilherme e Isidoro enquanto Semires fora para o rio lavar as roupas como de costume. Felício estava na lida. Mandou selar dois cavalos e alegremente, ela e Bá, seguiram para o lugar desejado.

Mas repentinamente surgiu do mato um cachorro, que obrigou as duas pararem os cavalos, que ficaram agitados.

Bá ralhou com o animal, tocando-o, mas foi em vão.

_ De quem será esse cão teimoso, sinhá?

_ Não sei, deve ser de algum vizinho. Mas já que ele não sai da frente, nós passaremos ao lado, oras! – disse Marta rindo.

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Ao tentarem passar, o animal correu na direção do rio, parando em seguida.

_ Bá! Será que tem alguém ferido por ai? Por isso o cachorro chama nossa atenção?

_ Pode ser sinhá!_ Vamos segui-lo para ver.Instigando os cavalos seguiram o cão

que corria na frente em direção ao rio. Ao chegarem perto de um amontoado de arvores, Marta estacou o cavalo, estarrecida com a cena a sua frente. A poucos passos atrás de um pé de manga, Felício abusava à força de uma negra que não tinha mais que quatorze anos, enquanto mais à frente Semires lutava ferozmente para escapar de Barbosa que tentava possuí-la de qualquer maneira.

Ódio vulcânico dominou aquela mulher que sem pensar em nada instigou seu cavalo para cima do marido, e com o chicote o atacou sem piedade. Caído no chão, ela passou com o cavalo por cima dele pisoteando-o.

Em seguida, foi na direção de Barbosa que ficara estático com a cena tão rápida. Marta, cega e fora de si, arrancou da cintura imenso punhal, fincando-o no peito do capataz. Bá desesperada gritou:

_ Sinhá pare! Olhe o que fez!

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O cavalo empinava como se também sentisse a ira de sua dona. Mas Semires pegou as rédeas, e com firmeza fez com que parasse, ajudando sua sinhá desmontar que com olhar vítreo disse:

_ Semires veja se esse maldito capataz esta morto. E você Bá examine esse animal que ousa abusar de uma criança.

As duas escravas mal podiam acreditar que aquela era sua sinhá. Nunca a haviam visto sequer levantar a voz. Com medo correram para verificar o estrago.

Barbosa morrera instantaneamente. Felício estava muito ferido e inconsciente.

_ Bá! Leve essa menina para Inácia cuidar, porque esse porco a machucou. Antes me ajude a colocá-lo no lombo do cavalo.

_ E quanto ao morto, sinhá? – arriscou Bá.

_ Deixe-o ai para alimento dos animais. Vamos para casa.

Assim saíram dali as quatro mulheres levando Felício quase morto.

Sem notarem que eram observadas pelo cachorro escondido nos arbustos.

Ajudado pelos escravos Felício foi posto no leito. Inácia acolheu a jovem escrava, ministrou-lhe chás calmantes e

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em seguida correu com sua sacola de ervas para socorrer seu senhor.

Examinou os ferimentos dele, usou as ervas, mas foi sincera com Balbina.

_ O caso do sinhô é grave. Vai precisar de um doutor.

_ Mas neste fim de mundo onde vamos achar um?

_ Mande alguém buscar o padre de Morro Alto, ele é preparado para cuidar de casos graves.

_ Até ir e vir com o padre vai demorar uns três dias. Será que o sinhô resiste?

_ Vou cuidando com o que tenho, mas não sei se ele vai aguentar.

_ E a sinhá Marta? Parece que perdeu a noção das coisas. Você terá que cuidar dela também.

_ É bom avisar o sinhô, pai dela, Bá.

Balbina escolheu alguns escravos de confiança que foram buscar o padre, e outros Seu Juvenal Marcondes.

Inácia que conhecia bem as erva fez Marta passar a maior parte do tempo adormecida através de chás. Para Felício a velha negra usou cataplasmas, infusões, e fortes doses de ervas misturadas, porque nos momentos que voltava a si, gritava de dor.

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Foram três dias de agonia. Enfim chegaram o padre e sinhô Juvenal que correram para os doentes.

Padre José foi posto a par da situação por Inácia. E ao examinar o ferido viu que ela fizera um excelente trabalho. Apesar das costelas quebradas, o que preocupava era um ferimento na bacia.

_ Fez um bom trabalho, Inácia. Agora deixe comigo. Vá descansar.

_ O sinhô vai cuidar da sinhá também?

_ Sim! Se eu precisar mando chamá-la. Fique tranquila.

Juvenal ficou perplexo ao ver o estado da filha, e saber o motivo da tragédia. Seu primeiro impulso foi tirá-la dali com o neto, mas conteve-se. Pensou na fazenda, e na quantidade de escravos que estavam sem comando.

Então deixou a filha sob os cuidados do padre, e no dia seguinte, bem cedo assumiu a direção do trabalho. Como era conhecido por ser indulgente, sua presença foi aclamada pelos escravos.

Mudanças foram feitas de imediato. Ele mesmo tirou as correntes dos pés de todos. Ordenou aos mais velhos que a senzala deveria ficar aberta. O trabalho teria hora para começar, uma hora e meia para alimentarem-se, e no por do sol parariam a lida. Só não permitiu que

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fizessem festa com o toque de tambores, em respeito aos senhores doentes.

Mandou buscar dois homens de sua fazenda para ajudá-lo. E assim rapidamente aplicou o sistema que usava em suas terras. E deu certo.

Os dias foram passando, e Felício aos poucos foi recobrando a consciência.

Porém quando quis levantar-se, veio a grande prova. Estava paralisado da cintura para baixo. Padre José disse-lhe que poderia ser passageira a paralisia, mas no intimo algo lhe dizia o contrário. A princípio entrou em crise nervosa, para depois cair em estranho mutismo. Não aceitava as orações, nem palavras de consolo. Não perguntava da esposa, apenas do filho.

Marta emagrecera a olhos vistos, só dormia à base de remédios. Falara com o pai sobre a tragédia uma única vez. Não visitara o marido desde o dia infeliz, e não dava importância a Guilherme. Mudara completamente, vivia isolada no quarto.

Por vezes, padre José tentou falar-lhe, ou fazê-la desabafar, mas sem sucesso.

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Capítulo 5

Dois meses se passaram desde então, e padre José concluiu que Felício ficara paralítico. Tal noticia ocasionou uma reviravolta na vida de todos os moradores daquela fazenda.

Para os escravos foi motivo de alegria, que comentavam entre si:

_ Agora o orgulhoso sinhô vai pagar o que fez de ruim para nós!

Bá, Francisca e Semires ficaram apreensivas com a partida de padre José.

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Com os senhores doentes, o sinhô Juvenal comandava os trabalhos externos, mas e a casa? Guilherme quem cuidaria?

Preocupadas, pois não viam melhoras em sinhá Marta, foram falar com Inácia.

_ Inácia! Achamos que a sinhá esta louca, e o sinhô aleijado. O que vamos fazer?

A velha negra com cenho carregado falou:

_ Mas tem o sinhô Juvenal para tocar a fazenda!

_ É, mas ele tem a dele, e cedo ou tarde vai ter que ir embora. – respondeu Bá.

_ Isso é verdade! Vocês têm que falar com ele sobre o menino Guilherme que não pode ficar sem atenção. Enquanto eu verei no que posso ajudar.

Voltaram as três mulheres para casa sem saber o que fazer. Enquanto Inácia recolheu-se em oração, pedindo orientação. Foi com surpresa que viu a casa dos senhores envolta em uma névoa escura. Um entra, e sai de sombras desfiguradas. Viu com assombro Felício envolvido num emaranhado de fios, e na sua coluna um ferro atravessado em seus pontos de força, descontrolados.

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Á sua volta espíritos deformados, e um cachorro que mantinha guarda na porta do quarto.

Então a velha Inácia procurou ver sua sinhá, que tal qual o marido estava sob o domínio de forte obsessão. Ao aproximar-se viu que ao lado de Marta, deitado na larga cama encontrava-se um espírito, que através de fio tênue ligava-se á cabeça dela. Transformando seus pensamentos em um turbilhão. Por vezes de culpa, remorso, ódio, e toda má sorte de ideias negativas.

Mas ao notar Inácia desdobrada, o espírito levantou-se com a intenção de fugir, porém não teve forças, e com a cabeça baixa disse:

_ Inácia quanto tempo! Como vai?_ Graças a nosso senhor Jesus Cristo

esta tudo bem! Mas me entristeço em velo como vampiro, e perseguidor.

_ Você não muda hein Inácia! O que tem ganhado com essa mania de ajudar, os outros?

_ Paz! Belarmino! Satisfação em ser útil, em fazer o bem. Em ser livre.

_ Livre? Esqueceu que não passa de uma velha escrava?

_ Sou livre na alma. Essa que ninguém pode escravizar, quando cumpre seu dever, sob as ordens do Criador.

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Diferente de você que vive sob o domínio de seres piores que o sinhô Felício.

_ Como se atreve a comparar meu chefe com esse miserável?

_ Seu chefe não passa de um mendigo da espiritualidade. Doente ignorante, contraventor e fora da lei. Admiro-me você se submeter a ser escravo dele!

_ Não sou escravo de ninguém. Deixei de sê-lo, quando fugi desta maldita fazenda.

_ Deixou de ser escravo do velho sinhô Manoel, para tornar-se de Leôncio, e Basílio, que por sua vez são escravos de outro pior.

Nessa altura da conversa, fora da influência de Belarmino, Marta começa a pensar com clareza. Sentindo-se melhor, levanta-se da cama, e ajoelha em frente uma imagem de Jesus, em pequeno oratório, e faz uma sentida oração.

_ Senhor!Tende piedade de mim.Pequei contrariando seus

ensinamentos.Fui movida por ódio incontido, me fiz

cega, me esqueci dos seus ensinamentos.Mas lhe peço uma chance para, pelo

menos remediar o estrago que fiz por fraqueza, e ignorância.

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Dê-me força, Mestre para que eu conclua minha missão abençoada de mãe.

Permita Senhor que eu sare.Meu marido, e meu filho precisam de

mim, me ajude!Prometo seguir seus ensinamentos,

sem transgressões, suportando com resignação as provas, que vierem para meu aprimoramento. Liberta-me Mestre do mal. Amém.

Ao termino dessa oração feita com fé, e um firme propósito de reforma intima. Uma luz dourada a envolveu, cortando o cordão que a ligava a Belarmino. Em seguida sentiu-se reanimada, abrindo a porta do quarto saiu chamando por Bá.

Belarmino sentiu-se enfraquecido, e indeciso permaneceu extático. Inácia aproveitando o momento deu sequência mentalmente à oração, pedindo socorro para libertação daquele espírito, que quando em vida, na juventude fora seu grande amor.

Em segundos surgiram três espíritos no quarto, um guardião, um índio, e um preto velho. O guardião segurou fortemente Belarmino que tentava fugir.

Todavia dominado não resistiu ao toque suave das mãos do preto velho que

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o fez adormecer. E virando-se para Inácia disse carinhosamente:

_ Pronto minha filha! Vamos levá-lo para tratamento, e esperemos que ele se renove em breve.

_ Agradeço! Que nosso Pai criador os abençoe.

Assim foi recolhido Belarmino para tratamento, após oito meses do seu desencarne.

Inácia acoplando a matéria plenamente consciente, de joelhos agradeceu pela dádiva. Após a oração foi correndo para a casa grande, queria ver Marta. Lá chegando a encontrou na cozinha com Guilherme no colo.

_ Sinhá! Posso entrar?_ Sim Inácia! Venha comer um

pedaço de bolo comigo!_ Agradecida! Que bom que a sinhá

esta de pé, e o sinhozinho esta um anjo de bonito!

_ Obrigada Inácia! Foi bom você ter vindo aqui! Quero que me ajude a cuidar da saúde de Felício.

_ Sim sinhá! Vou separar todas as ervas que conheço para ajudar.

_ Faça também suas rezas. Sei que tem curado muitos doentes do seu povo, durante esses anos, e agora somos nós que precisamos.

_ Vou ajudar no que eu puder sinhá!

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Ficou resolvido que começariam os cuidados na manha seguinte. Enquanto conversavam chegou Juvenal que ao ver a filha, abraço-a com carinho dizendo:

_ Filha, enfim saiu do quarto! Como se sente?

_ Estou me sentindo bem papai! Perdoe-me por tanto trabalho.

_ Filha querida! Aqui ou lá em casa, o trabalho é o mesmo. A diferença é a alegria de estar ao seu lado, e do meu neto.

_ E como vão os negócios? Tem tido problemas para tocar a fazenda?

_ Tudo caminha bem. Implantei o mesmo sistema usado em minha fazenda, e deu certo.

_ Felício esta a par disso?_ Ainda não. Preferi não irritá-lo,

mais ainda._ Cedo, ou tarde teremos que contar

papai!_ Sim! E ele terá que aceitar

gostando, ou não, porque não haverá um escravo que aceite novamente o velho sistema.

_ O senhor os soltou das correntes?_ Sim! E trouxe de casa dois dos

meus homens, que supervisionam o trabalho sem gritos, nem chicotes.

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_ Graças a Deus! Acabou aquele horror, era desesperador vê-los amarrados, e surrados toda hora.

_ É bom que se fortaleça Marta! Ensinar-lhe-ei como administrar a fazenda, pois sabe que seu marido não poderá mais fazê-lo.

_ Tenho fé papai, que Felício sare._ Não duvido do poder do criador,

mas talvez para Felício, esta será uma chance de rever o modo de viver, e ver a vida.

E virando-se para Inácia, Juvenal prossegue.

_ O que achas Inácia? Você que vem a vida inteira cuidando de doentes.

_ Sinhô, eu acho que às vezes nosso Criador permite que aconteça coisa em nossa vida, que a nosso ver é trágico. Mas no fundo é o que vai nos beneficiar, ou estacar nossas ações injustas.

_ Sim! Também penso assim, por isso só faço o que não aborreça meu sono à noite.

Juvenal disse estas ultimas palavras em tom de brincadeira, ao notar o semblante da filha, que pelo acontecido se mortificava dia, e noite. Na manha seguinte Marta juntamente com Bá, foi levar o café para o marido. Ao

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entrar no quarto sentiu um choque, que quase a fez recuar.

Felício envelhecera drasticamente, estava magro, tomado de palidez cadavérica e envolto em mutismo tumular. Perante tal cena ela não conteve o planto, e aproximando-se se ajoelhou ao lado do leito, e com a voz embargada disse:

_ Felício me perdoe! Pelo amor de Deus.

Ele olhou para ela, esticando a destra emagrecida afagando seus cabelos, respondeu com voz fraca.

_ Me ajude Marta! Quero sair desta cama. Perdoe-me, eu não sei onde estava com a cabeça, em praticar aquele ato criminoso.

_ Não vamos tocar nesse assunto, que é passado, Felício!

_ Tenho que sair desta cama! Temos que criar nosso filho. Vocês dois são as coisas que mais amo nesta vida!

_ Farei o que puder para que sare, e começarmos uma vida nova.

Enquanto ela lhe servia o café, Inácia chegou batendo levemente na porta entre aberta.

_ Entre Inácia! Seja bem vinda._ Bom dia! Eu trouxe o banho pronto,

a garrafada, e os unguentos para o sinhô.

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Felício olhou para a velha negra, e o passado brotou impertinente em sua memória. Conhecia aquela mulher há tantos anos, desde o tempo de criança.

Ela fora uma jovem forte, e bonita.Lembrou-se da primeira vez que a

vira. Ela fora trazida por seu pai, para cuidar dele, por ocasião de uma forte dor de garganta. Doença preocupante na época, chamada de Crupe. Porém ela corajosamente cuidou dele durante dias a fio com suas ervas, até vê-lo são.

E agora ali estava ela alquebrada pelo tempo, mas com a mesma dedicação.

Lembrou-se também quando seu pai certa vez discutiu com sua mãe, que tentava convencê-lo a permitir que Inácia se unisse com Belarmino. Mas categórico seu pai disse:

_ Belarmino é topetudo demais. Nem na base do chicote aceita trabalhar. E você acha que lhe darei a satisfação de viver com uma negra, forte, bonita como, Inácia? Não permitirei, assunto encerrado.

Ao lembrar-se desses fatos, ele foi tomado por um sentimento que desconhecia. Seria dó?

Mas como poderia sentir dó de uma escrava? Tentando entender seus sentimentos disse:

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_ Inácia! Lembra-se de quando cuidou de mim? Eu usava calças curtas ainda.

A negra aproximando-se sorrindo respondeu:

_ Sim sinhô! Foi à única vez que adoeceu.

_ Você me curou naquela ocasião. Vai tentar de novo, mesmo depois de tantos anos passados, que deixei de ser o menino frágil?

_ Sinhô! Doente, é doente. Doença não escolhe idade. Se o sinhô me permitir vou cuidar, do mesmo jeito como da outra vez.

_ Lembro-me que cochilava na beira da minha cama, e foram muitas noites, mas eras moça forte, e hoje...

_ Não se preocupe sinhô! O tempo passou para mim, mas nosso senhor Jesus tem me dado força. Se for preciso ficarei em sua cabeceira. – atalhou a velha, não o deixando terminar.

Marta que acompanhava a conversa em silêncio interveio.

_ Felício! Quem cuidou de você ate o reverendo chegar foi Inácia. Durante quatro dias ela esteve ao seu lado, e agora a meu pedido voltou para continuarmos com o tratamento.

Ao saber que fora a negra que o tratara nas horas mais difíceis, achou

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melhor se calar. Sentiu-se envergonhado. Devia o alivio de suas dores a ela. E uma vontade de recompensá-la brotou do seu intimo. Foi então que ele fez a pergunta mais inesperada que Marta poderia esperar.

_ Inácia! Do que você mais precisa nesta altura da vida? Responda sem medo. Seja o que for eu lhe darei.

Sem pensar nem um segundo, ela respondeu:

_ Sinhozinho eu agradeço! Mas não careço de nada.

Aquela resposta caiu como um raio sobre ele, que não podia aceitar, nem entender a resignação daquela mulher. Mesmo fraco ordenou:

_ Marta! Mande imediatamente construir uma casa, nos fundos da nossa. Que faça um jardim, uma extensão para plantar, e cerque. Assim que ficar pronta, coloque moveis, e que Inácia se mude para lá, e que faça o que lhe convier. Vai morar nessa casa, e a partir de hoje serás livre, como qualquer branco.

Emoção gigantesca tomou conta daqueles corações. A velha escrava agradeceu ao Criador em muda oração, a dádiva de tornar-se merecedora da liberdade total. E humildemente beijou as mãos dos senhores em forma de agradecimento.

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Passado os primeiros momentos de emoção, ela começou a aplicação de seus remédios, notando fios ligados no corpo de Felício. Eram condutores que roubavam suas energias, e concentrando-se observou para onde iam, porém não tomou atitude por hora. Veria mais tarde de sua casa.

Assim após o banho, a massagem com pomadas a base de ervas, e a dose da garrafada ingerida, Felício adormeceu.

As duas mulheres o deixaram, e Inácia antes de retirar-se, recomendou para Marta e Guilherme alguns banhos.

Capítulo 6

Meses antes distante dali, na caverna Teba encontrava-se descontente. Sentado na entrada, observava a lua. Estava só.

Para seu desgosto Belarmino morrera repentinamente, logo depois da noite horrível, a qual foi referida. Após três dias que havia enterrado o corpo do velho na mata, surpreso viu certa noite Leôncio chegar trazendo-o nas costas.

A principio achou que era o corpo, porém ao aproximar-se viu que se tratava do espírito do velho negro.

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Leôncio notando seu temor disse-lhe rindo:

_ O que foi Teba? Esta ficando mole? Vamos lá temos que acordá-lo, trate de doar sua energia, para ele.

_ Mas como? Não sei como fazer isso!

_ Seu idiota! Esqueci que na verdade não conhece nada. Era acostumado a mandar que fizessem para você, sem ao menos se dar ao trabalho de saber o funcionamento das coisas.

E investindo sobre ele, quase o exauriu com a retirada excessiva de energia. Logo em seguida aplicou em Belarmino, que acordou notando que algo estava diferente.

_ O que houve comigo Leôncio? Lembro-me de ter sentido uma forte dor no peito, e em seguida tudo escureceu.

_ Simplesmente você deixou aquele corpo feio, e velho, meu amigo!

_ Eu morri? – inquiriu assustado Belarmino.

_ O que achas? Vaia-me dizer que vai sentir falta da gaiola? Agora esta livre, pode ir onde quiser. Olhe como esta forte de novo.

Ao olhar-se o velho negro sorriu, e Leôncio continuou dizendo.

_ Agora sim vai ser mais fácil amigo! Vamos acabar com aqueles malditos.

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Quanto a você Teba deve alegrar-se, pois a vingança vai pegar fogo.

_ Vou para a fazenda, quero deitar na cama dos senhores, quem sabe me divertir um pouco com a sinhá, há, há, há.

Disse as gargalhadas Belarmino. Enquanto Leôncio mantinha-se concentrado.

_ Temos que agir rápido. Tenho o plano pronto. Vamos fazer a sinhá Marta fraga o marido praticando uma traição. Duvido que ela não revide. Vamos meu amigo. E você Teba fique ai torcendo para dar tudo certo, há, há.

E desde então se encontrava ali sozinho. Cansado resolveu deitar-se, era bom dormir assim esquecia-se da vida miserável que levava.

Porém foi despertado por Leôncio que com aspecto feroz gritou:

_ Aquela maldita da Inácia! Você nem imagina o que ela fez.

Teba assustou-se ao ouvir o nome da mulher que tinha na conta de mãe. E criando energia inquiriu:

_ Fale logo Leôncio! O que houve?_ Ela resgatou Belarmino. Logo agora

que tudo caminhava bem. O plano seguia de vento em polpa. Mas vou buscar ajuda. Ela vai me pagar, a se vai.

E antes que Teba responde-se aquele ser tenebroso sumiu.

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Uma semana depois ele retornou, acompanhado de vinte espíritos mal encarados. Reunidos começaram a montar outro plano.

_ Quem esta pondo as coisas no lugar é aquela velha Inácia. Ela libertou de nossa influência a sinhá, que agora esta fazendo de tudo para o marido sarar. A idiota já perdoou o coitadinho. – disse Leôncio com desdém.

_ Deixe! Eu vou buscar o Barbosa, que ficou pregado nos ossos, lá na beira do rio, ai ela vai ver uma coisa. – disse um deles.

_ Bem pensado Jair! Vá agora buscá-lo. – concluiu Leôncio animado.

Em poucas horas chegou o raivoso Barbosa amparado por Jair, inquirindo.

_ Leôncio! Quem é?_ Sou eu Barbosa, enfim estamos do

mesmo lado._ Folgo em conhecê-lo pessoalmente,

e aproveito para agradecê-lo, pelos serviços a mim prestados. E coloco-me a sua disposição.

_ Pois bem! Saiba que ao concluir os trabalhos que você me pediu, desci mais um degrau. Mas a paga foi boa. Porém fique ciente que mesmo eu tendo feito o trabalho de livre, e espontânea vontade, não o isenta da queda, e da divida criada.

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Dita essas palavras Barbosa sentiu-se confuso, mas seu orgulho, não deixou recuar, ou pensar. E se entregou cegamente aos planos ardilosos, e macabros daqueles seres.

_ Barbosa! Você sabe que foi Marta que deu cabo de sua vida. Queremos saber se vai tomar alguma atitude? – comentou Leôncio sutilmente.

_ Aquela maldita? Claro que quero vela sentir muita dor. E acho que sei por onde feri-la! Vou acabar com o pai dela primeiro.

Teba que a um canto tudo ouvia, passou a sentir forte apreensão. Uma duvida crescente, se sua vida na fazenda, fora tão ruim. Afinal crescera sob os cuidados de Inácia. Nunca levara uma chicotada, não carregara grilhões. Nunca passou frio, ou fome, pois vivia na palhoça, e não na senzala.

Conhecera Semires que o amava, que lhe dera um filho. O menino foi aceito na casa grande, onde crescia ao lado do filho dos senhores com toda regalia. Afinal o que o desgostara tanto?

E uma vontade imensa de voltar o dominou. Porém sob os olhares atentos dos mal feitores, foi notada sua intenção.

Imediatamente foi repreendido por Leôncio, que o ameaçou dizendo aos gritos.

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_ Se tentar fugir Teba! Eu o mato antes de chegar à fazenda. Você ficara aqui tal qual, ficou Belarmino sob nossas ordens.

Em seguida o pobre rapaz, foi sugado por cada um que ali estavam através de cordões ligados em seus centros de força.

Exaurido acabou adormecendo, enquanto os pândegos fora da lei davam continuidade aos seus crimes.

Capítulo 7

Nessa mesma noite Inácia recebeu a visita de seus amigos espirituais. Abeirando-se de sua cama, pai Pedro carinhosamente disse:

_ Inácia! Tempos difíceis estão chegando. Você terá que redobrar sua fé, orar muito, e vigiar. São muitos que dependem dos seus cuidados. Nós á

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ajudaremos, mas a partir de hoje fique atenta, dia e noite. Um grupo de encantados da mata ficara a postos para ajudá-la.

Ao termino destas palavras, os três amigos espirituais se retiraram. Enquanto a velha se, pois em oração até adormecer. Liberta da matéria através do sono, viu o grupo de encantados que guardavam sua palhoça. Pai Pedro que se encontrava na porta deu-lhe a destra dizendo:

_ Vamos Inácia, temos trabalho a fazer.

Alçaram no ar, e rapidamente chegaram a uma pequena cidade, rodeada por muros altos. Um guardião abriu o grande portão, reverenciando-os, dando passagem.

Caminharam por uma alameda, circundada por frondosas arvores, parando na frente de uma construção grande e fortemente iluminada.

Um homem vestido de azul claro os aguardava na porta, e gentilmente disse:

_ Caro Pedro! Que alegria! Sinto em revê-lo. Seja bem vindo!

_ Soares meu irmão, que a paz esteja contigo! E faço suas palavras, as minha.

Após as saudações pai Pedro apresentou Inácia.

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_ Esta é a pupila que lhe falei. Tem comprido regiamente o acordo feito. E hoje acredito estará auxiliando mais um a enxergar o amanhecer.

_ Então vamos, não percamos tempo.

Seguiram por longo corredor, ladeado por portas, e na penúltima, Soares dando leve batida, abriu. No interior do quarto havia uma cama, um criado mudo, uma pequena mesa com um vaso de flores, as paredes brancas, e uma janela ampla. Era um quarto de hospital.

Recolhido ali estava Belarmino, que ao ver os visitantes, se aproximarem da cama. Não conteve o choro, ao dizer:

_ Inácia me perdoe! Pensei que nunca mais a veria. Quero voltar.

Amparada por pai Pedro, ela respondeu:

_ Não há o que perdoar Belarmino, para mim nada deve.

_Mas se não fosse você, eu não estaria aqui. Nunca tinha estado num lugar como este, onde agente é bem tratado tudo é limpo e calmo.

_ Este é um hospital. Você esta sendo tratado, porque ficou durante anos doente.

_ Me tornei um bicho. Fico lembrando, e só agora entendo como fui insensato, jogando minha felicidade fora,

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perdendo você. Agora não consigo te alcançar, não sei o que fazer.

_ Quero que você faça tudo o que for recomendado por aqueles, que cuidam de você aqui. Eu estarei rezando pelo seu pleno restabelecimento, e sempre que puder virei visitá-lo.

_ Farei tudo direito Inácia! Quem sabe terei permissão para estar ao seu lado mais uma vez. E como prova da minha vontade de mudar, vou lhe contar uma coisa importante.

E narrou toda a situação de Teba. Se não fosse o apoio de pai Pedro, a pobre senhora teria fugido dali, voltando para o corpo, e após acordar pensar que fora um pesadelo aquela história horrível.

Belarmino viu o quanto a sua narrativa fez sofrer aquele coração amoroso, e num repente tomou uma decisão. Faria até o impossível para se regenerar, aprenderia qualquer lição por mais complicada que fosse. Enfrentaria qualquer coisa para ajudar Inácia, e Teba.

_ Eu sou um culpado. Mas juro que de hoje em diante vou concertar tudo, e fazer o bem. Que Deus me ajude!

Levantando-se da cama, ajoelhou-se no chão sob o olhar dos visitantes, e orou.

_ Criador de todas as coisas! Sou um mau filho, mas atrevo-me a pedir seu

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perdão. Perdi-me do caminho que me levaria de volta para seus braços.

Desci me tornei a mais reles das criaturas, bruta, animalizada, suja.

Mas senhor me de mais uma chance, para que eu possa pagar minha divida, trabalhando dia, e noite no socorro dos que se perderam na jornada, desviando do seu caminho de luz, optando pelas trevas.

Permita senhor, que eu seja um trabalhador incansável. Coloque-me no pior, e mais difícil trabalho, mas que seja para o bem. Trabalharei senhor, para merecer um dia um pouco de paz, pois eu a joguei fora, e agora só eu posso achá-la.

Sufocado pelo choro que brotava do mais intimo do seu eu, Belarmino foi amparado por pai Pedro, e Soares, que o colocaram na cama. Enquanto Inácia mantinha-se de joelhos, agradecendo pelo começo árduo da reforma daquele que lhe era caro ao coração.

Serenadas as emoções. Pai Pedro sugeriu a despedida. Levando Inácia de volta para seu corpo. Assim que foi acoplada a velha senhora acordou sobressaltada, ao lembrar-se do que considerava sonho real. Sabia que fora verdade tudo o que vira, e ouvira. E preocupação gigantesca tomou conta de

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sua alma. Teria que tomar providência rápida.

Assim que o dia amanheceu, foi para a casa grande. Queria ver se os moradores estavam sendo vitimas de obsessões.

Recebida na cozinha por Bá, e Francisca, tratou de examiná-las, mas felizmente estavam em paz. Procurou então por Semires, e após meia dúzia de conversa constatou que a moça estava sendo alvo. Mas assustadora era a situação de Felício, que estava sendo exaurido diariamente. Ela fez o trabalho como sempre, sem nada comentar.

No final daquele dia ela esperou o retorno dos escravos da lida, na porta da senzala. Entre eles encontravam-se os seis iniciados, que a pedido dela ao feitor, os deixou acompanhá-la até sua palhoça.

Na segurança do interior da casa, ela narrou os acontecimentos, pedindo ajuda para fazer os trabalhos necessários para libertação dos senhores, e se possível de Teba. Os seis escravos concordaram em ajudá-la, e foi marcado o primeiro trabalho para dali dois dias, seria o tempo para se organizarem fazendo os preceitos necessários.

E no dia aprazado a noite reunira-se na palhoça. Em todo o trabalho foi usada à linguagem de sua terra natal, e durante

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os ritos, guardiões, caboclos, pretos velhos foram chegando para prestarem auxilio.

Sob o comando de pai Pedro, os caboclos cercaram a casa grande, juntamente com os guardiões que valentes e ágeis entraram casa adentro, pegando tudo o que tinha de magia negativa. Dos doze obsessos, prenderam oito que atuavam na casa naquela noite. Sobe escolta foram levados para regeneração.

Os caboclos fizeram a limpeza com suas folhas dos detritos pestilentos da casa, e de seus ocupantes.

E ao termino do trabalho a velha Inácia agradeceu por mais uma etapa vencida.

Passada aquela noite, Felício começou a revigorar-se a olhos vistos. Aceitava pacificamente os cuidados de Marta, e Inácia, que o forçava ao exercício.

E com tanto empenho, sete meses depois, ele finalmente ficou de pé, dando

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pequenos passos apoiado pelas mulheres que o incentivava, como a uma criança ao aprender andar. Redobrado o tratamento e mais três meses, ele estava curado, e totalmente mudado.

Nascia um novo homem, que ao rever suas terras, e seus escravos, mal podia crer na prosperidade, e harmonia que reinava sob seus olhos.

Acompanhado pelo sogro eram saudados alegremente pelos negros, que trabalhavam tranquilos sem as chibatadas do passado.

Juvenal, após colocá-lo a par de toda situação financeira, que era admirável, pois em um ano e meio redobrara os lucros. Fez questão de deixar claro que só havia conseguido êxito, graças à mudança no trato dos escravos. Aconselhava que ele mantivesse as mudanças feitas, assim todos viveriam em paz.

E para alivio de todos, ele aceitou.

Um dia antes de Juvenal partir para sua fazenda, à noite os escravos fizeram uma festa em sua homenagem. E pela primeira vez Felício misturou-se a eles, comendo e bebendo, pois mandara matar um boi para o festejo.

Nessa mesma noite Inácia, e os seis iniciados, antes do amanhecer foram à

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cachoeira agradecer os caboclos, entregando um grande cesto de frutas, e flores. Todavia os mesmos permaneciam fazendo a guarda de sua palhoça, e da casa dos senhores.

Com harmonia, e prosperidade se passaram quinze anos.

Em uma tarde quente, a casa grande estava em festa. Na cozinha Semires, e mais duas jovens trabalhavam no preparo de doces, e um grande bolo.

Guilherme completara dezessete anos. Os pais insistiram em fazer uma festa, pois seria também uma despedida.

Ele viajaria para Portugal, para terminar os estudos. À noite com a chegada dos convidados, na hora dos tradicionais parabéns, Guilherme ausentou-se por instantes. Ao retornar ao salão trouxe com ele Isidoro, para surpresa dos convivas, que engoliram a seco, o filho do senhor comemorar seu aniversário com um escravo. Muitos dos antigos amigos de Felício viam sua mudança. Como uma falha no caráter, antes tão severo, e só porque sofrera um acidente durante uma cavalgada, pois foi essa a história contada de boca em boca na época da tragédia. Após curar-se se tornou um molenga.

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Na época os senhores já enfrentavam assustados os rumores da abolição.

E sem dar importância aos olhares de desaprovação, Felício abraçou Guilherme e Isidoro que juntos apagaram as velas do bolo.

No dia seguinte Guilherme se despediu, sob as lagrimas de todos os escravos. O abraço em sua ama de leite fez com que a emoção toma-se conta dos presentes.

Isidoro tentava disfarçar o choro, seria a primeira vez que ficariam longe um do outro. Criaram-se juntos, eram amigos, tratavam-se como irmãos.

Inácia, com oitenta e cinco anos de idade, porém lúcida observava sentada em uma cadeira de palha, e quando os dois rapazes se abraçaram na despedida, ela sentiu um forte aperto no peito. Porém não deu importância, imaginou ser emoção pela cena comovente.

Felício que amava o filho demais sentiu vontade de impedi-lo de partir, mas amparado por Marta, despediu-se acenando até não ver mais a carruagem na curva da estrada.

Todos estavam envolvidos pela emoção, desarmados, frágeis. Motivo pelo qual, nem mesmo Inácia viu atrás de um

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pé de Ipê um cão negro que os observava.

Quinze anos atrás na noite em que Inácia, e os iniciados fizeram o trabalho de resgate dos oito infelizes.

Leôncio, e mais dois ficaram tão assustados com a ação dos guardiões, e dos caboclos que fugiram para as regiões umbralinas procurando refugio junto ao chefe.

Enquanto Teba ficou sozinho na caverna vivendo como o antigo morador.

Passava horas pensando em sua família. Uma saudade corrosiva, o martirizava. E a vontade de voltar para a fazenda era crescente. Durante todos aqueles anos tentou praticar os ensinamentos de Belarmino, e Leôncio, mas não conseguia. O único consolo que tinha era sonhar, que caminhava pela fazenda, e podia ver os seus ao longe, sem conseguir aproximar-se.

Certa noite em que foi atacado por dores, e febre, achou que chegara seu fim apesar dos seus trinta e nove anos. Pensou em Inácia, que se estive ali cuidaria dele, e com certeza rapidamente sararia. Estaria ainda viva?

Porém repentinamente ouviu ao seu lado a voz que tão bem conhecia dizendo-lhe:

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_ Aquela velha esta viva! Mas por pouco tempo. Logo daremos um jeito de pegá-la, e fazê-la pagar pela afronta que nos fez.

Arrepiado o rapaz viu Leôncio que voltara. E sarcástico como outrora continuou dizendo:

_ Assustou-se Teba? Achou que tínhamos te esquecido?

_ Achei! Faz tantos anos que sumiram!

_ Mas enfim voltamos para dar continuidade ao plano, e desta vez finalizá-lo. Ante de vir para cá, passei na fazenda dar uma olhadinha!

_ Verdade? E como estão todos lá? – perguntou o pobre Teba, quase com desespero, querendo noticias.

_ Fizeram uma festa para o filho de Felício, e Isidoro estava lá.

_ Meu filho! Como ele esta?_ Um homem forte! Porém

humilhado. Enquanto o filho de Felício tem tudo do melhor, e neste momento viaja para a Europa para frequentar uma universidade. O seu vai para o cafezal, abatido pelo açoite.

Aquelas palavras caíram como um raio sobre Teba, fazendo-o levantar-se quase refeito das dores.

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O verdugo notando que suas palavras mentirosas, surtiram o efeito desejado, continuou destilando veneno.

_ Vi também sua mulher, ao lado de José, um daqueles iniciados. Pareciam bem felizes, e com a benção da velha Inácia, que se dizia sua mãe amorosa.

Nessa altura da conversa o rapaz, foi completamente envenenado pelo ciúme, e ódio. Fora de si gritou:

_ Malditos!_ Tem mais meu amigo! Felício esta

pensando em vender Isidoro._ Mas por quê? O menino não é forte

para o trabalho? – inquiriu Teba ruído por dentro.

_ Sim! Mas durante esses anos ele foi obrigado a servir Guilherme, de todas as maneiras, se é que me entende!

_ Não posso acreditar nisso! Se for verdade eu volto na fazenda só para matar o sinhô Felício, e o filho dele. Maldito sinhozinho, com que direito abusou de meu filho, porque não de uma escrava?

_ É uma boa ideia matá-los! Porém terá que esperar o regresso dele. Mas por enquanto, temos que fazer algo pelo seu filho. Antes que seja vendido.

_ Leôncio! Estou enlouquecido, não sei o que fazer.

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_ É simples! Vamos induzi-lo a vir para cá. Aqui com você ele estará livre.

_ Sim é verdade! Vou buscá-lo amanha. Darei um jeito de entrar na fazenda sem ser notado.

_ Acalme-se amigo! Seu filho não o conhece. Você não sabe o que foi dito a ele, sobre você. Portanto deixe comigo, garanto que em poucos dias ele estará aqui. Sem que você corra riscos.

A ideia de ter o filho perto, de protegê-lo após uma infância de abusos, segundo Leôncio, deu-lhe novo alento. Era como tivesse esquecido tudo o que passara sob o domínio de Belarmino, e daquelas entidades hediondas. As quais ele tinha na conta de amigos, e vivos. Acreditou em tudo que ouvira cegamente, sem raciocinar.

Passou aquela noite conversando com Leôncio, que em cada palavra aplicava doses de discórdia. E para fortalecer o contingente das iniquidades, chegou o chefe acompanhado de mais dois asseclas.

Posto a par das novidades achou excelente a ideia de buscarem mais uma vitima. Concordando com Leôncio, ordenou que começasse o assédio a Isidoro.

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Capítulo 8

Na fazenda Felício que há muitos anos tornara-se outro homem, com a viagem do filho, sentia a casa silenciosa vazia.

Marta notando sua tristeza aduziu._ Felício! Não fique assim, nosso filho

logo voltara formado. E quem sabe casa-se cedo, para nos dar netos.

_ Afligi-me ficar longe dele. Somente agora entendo o que sentiam os negros, quando eu vendia seus filhos. –respondeu Felício com amargura.

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_ Esqueça aquela época! Hoje você não faz mais aquelas loucuras, isso que importa.

_ Estive pensando em Isidoro! Que desenvolveu junto com nosso filho, essa habilidade de pintar. Acho que deveríamos incentivá-lo. Estou pensando em mandá-lo para uma escola de artes, o que achas?

_ Sim querido! Isidoro merece essa oportunidade, é muito inteligente. Acredito que Semires ficará feliz com a sua ideia.

Entusiasmado Felício mandou encomendar tintas, pincéis e telas.

Quando o empregado retornou com o material, Isidoro foi chamado à sala de estar da casa. Polidamente apresentou-se.

_ Estou a seu dispor sinhô!_ Quero que pegue aquele embrulho,

e leve para seu quarto. Mas antes o abra aqui.

O jovem mesmo acostumado desde pequenino com os senhores mantinha-se sempre no lugar que sabia ocupar. Um tanto receoso abriu o grande pacote.

_ Então menino? Esse montante de material é suficiente para pintar por um ano? Nessa tela maior quero que pinte o retrato de Marta, se ficar do meu agrado vou mandá-lo para uma escola de artes.

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Semires passava naquele momento pela porta, ao ouvir as ultimas palavras de Felício, pediu permissão para entrar.

_ Entre Semires! Estou falando com seu filho da possibilidade de enviá-lo para uma escola, para que aperfeiçoe seu dom.

_ Sinhô! Não mande meu filho para longe daqui. Nunca iram aceitá-lo. Negro não tem direito a estudar, o sinhô sabe disso. Os brancos são capazes de matá-lo.

_ Acalme-se mulher! Não deixarei que nada de mal aconteça a Isidoro. Antes de mandá-lo para a escola, ele terá que passar no teste. Temos muito tempo pela frente. Agora vá Isidoro, comece a pintar.

Educadamente o jovem agradeceu, levando todo o material de pintura, como se fosse um tesouro.

Ocupou-se Isidoro em retratar sua senhora, passando dias pintando.

Felício examinava as telas que retratavam cenas do dia, a dia da fazenda.

E a cada dia ficava mais orgulhoso do jovem pintor. Sentava-se muitas vezes ao seu lado para admirar aquele dom, e assim foram fortalecendo laços de admiração, de carinho, um sentimento como de pai para filho.

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As telas prontas iam decorando as paredes da casa grande. E antes que acabassem pincéis, ou tintas, Felício comprava.

Após alguns meses o retrato de marta foi terminado, e colocado em destaque na sala principal, ficará perfeito.

Semires ao velo, uma tarde jogou-se aos pés de Felício que atarantado a segurou pelos braços, inquirindo-a:

_ O que se passa Semires?_ Sinhô! Vi o retrato de sinhá, e sei

que foi o teste. Sei que Isidoro passou, mas não mande ele para longe. O sinhô é bom, mas os outros brancos não. Tenho medo que façam mal ao meu filho.

_ Mas Semires eu prometi, que o mandaria para a escola. O retrato de Marta ficou perfeito, ele é um artista. Não quero decepcioná-lo. Você esta exagerando. Nada vai acontecer a ele.

_ Não sinhô! Pelo amor que o senhor tem pelo sinhozinho Guilherme, não mande meu filho para longe. – dizia a negra aos prantos.

Diante de todo aquele desespero era impossível argumentar, então calmamente ele aduziu:

_ Entendo seus temores de mãe. Fique tranquila, não mandarei o menino para a escola. Vamos esperar Guilherme voltar, então veremos o que fazer.

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A partir desse dia não se tocou mais no assunto. Com o passar dos meses uma tristeza misturada com rancor começou a nascer no intimo do jovem pintor, por seu senhor que lhe fizera uma promessa, porém esquecera.

Sua arte no principio poética, foi tomando uma direção escura. Já não pintava paisagens floridas, e iluminadas.

Os traços delicados deram lugar a riscos agressivos. Em suas telas agora eram retratados seres estranhos, lugares lúgubres, cenas de angustia, dor, solidão e ódio.

No final de um ano, ele perdera totalmente o interesse, pela pintura. Tornando-se arredio, foi adquirindo o habito de caminhar pelas matas, sem paradeiro. Semires notando a mudança, certa vez perguntou-lhe:

_ Filho o que sente? Parece triste, sem interesse por nada.

_ Estive pensando em como seria bom ter um pai! Estou enjoado desta vidinha.

_Como pode dizer isso, se tem de tudo. Não é tratado como escravo...

_ Pouco importa tudo aqui, queria mesmo era ter um pai. – atalhou Isidoro.

_ Seu pai na fuga deve ter morrido. Você deve se conformar.

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_ Qualquer hora eu faço o mesmo que ele fez.

_ Nunca mais diga isso! Procuro entender o motivo que levou seu pai a fugir. Naquela época era difícil viver nesta fazenda. Mas você leva a vida quase de branco. O sinhô Felício lhe trata quase como se fosse também filho dele. Nunca lhe mandou para a lida, para não machucar as mãos, que ele considera iluminadas.

Isidoro sem ter argumento, saiu correndo para o jardim. Dando de frente com Felício que o parando interrogou:

_ Aonde vai com tanta pressa Isidoro?

_ Há lugar algum sinhô!Felício notara há tempos que o rapaz

andava estranho. E com paciência procurou assunto.

_ Guilherme mandou uma carta, contando que se transferiu para a França! Gostaria de lê-la?

_ A carta é para o sinhô, e a sinhá, não acho correto lê-la.

_ Deixe disso! Ele pergunta de você, das suas telas. Diz que assim que voltar, ira vendê-las para você, e transformá-lo num artista conhecido.

_ Não quero mais isso sinhô! Perdi a vontade.

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Aquelas palavras de desinteresse soaram mal nos ouvidos de Felício, que também tinha planos para o jovem.

_ Como perdeu o interesse? E o que pretende fazer, então?

_ Se eu fosse livre, sairia pelo mundo, para procurar meu pai.

_ O que esta dizendo? Que esta infeliz aqui? Que preferia estar, vivendo pelos matos como fugitivo?

_ Queria estar com meu pai, sinhô! Só isso.

_ Como se você nem o conheceu? Quando ele fugiu, você era só um bebê. Por acaso já prestou atenção na vida dos outros que trabalham nesta fazenda. Entre todos quais sabe ler como você?

_ Nem um sinhô!_ Por acaso se vestem de linho,

moram em casa confortável, e recebem minha atenção, como você?

_ Não! Mas não aguento mais, tudo me irrita.

Por mais mudado que Felício se tornara, as palavras do jovem o irritou. E pela primeira vez após anos tornou-se áspero ao dizer.

_ Chega Isidoro! Esta passando dos limites. Como pode ser tão mal agradecido?

Marta que se aproximara interferiu.

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_ Acalme-se Felício! Sabes que não podes passar nervoso. Isidoro deixe-me a só com meu marido, logo mais conversaremos.

O jovem saiu em desabalada carreira se dirigindo para as matas, sob os olhares dos senhores estupefatos com tal atitude.

Caminhando pela mata Isidoro não conseguia colocar os pensamentos em ordem. Pensava nas palavras da mãe, e de Felício. Sabia que tinha uma vida cheia de privilégios. Porém algo que não sabia definir mudava seu humor.

Sentando-se sob o pé de uma mangueira, notou caminhando em sua direção um grande cão. Temeu ser atacado pelo animal, permanecendo parado. Mas em seguida tranquilizou-se ao ver o cachorro deitar-se nos seus pés mansamente.

Com cuidado acariciou o animal dizendo:

_ Você é um belo cachorro! De onde veio? Caso não tenha dono, cuidarei de você.

O cão pareceu entender o que ele disse, pois rolou em seus pés como forma de agradecimento, e o acompanhou até próximo da casa, sentando-se atrás de um arbusto negando-se a seguir em frente.

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_ Você não quer ir até a casa, porque tem medo dos donos dela? Fique ai! Eu vou buscar comida, e água para você, e seremos amigos.

Dias depois ele e o cão andavam por horas pela mata. Certa tarde ele se viu perdido, sem saber voltar, porém o cão o levou de volta para casa. A partir desse dia Isidoro depositou toda confiança, e carinho ao animal, que demonstrava inteligência fora do comum.

Enquanto isso a vida na caverna para Teba tornara-se cada dia mais insuportável.

Os pândegos além de minarem suas energias, o irritavam cada vez mais com palavras sarcásticas.

_ Teba anda pensando em dar cabo da vida? Mas logo agora que tudo começa a dar certo!

_ Não vejo resultado em nada, você só promete Leôncio!

_ Não se precipite amigo! Estou trabalhando dia, após dia, logo veras a surpresa.

_ Quero saber de meu filho? O que foi feito dele?

_ Foi enganado por Felício, e Guilherme com promessas falsas. Mas não se preocupe o acerto virá.

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Capítulo 9

Mais um longo ano se passou, e em uma manha, Semires chorosa anunciou a Marta, que Inácia morrera nas primeiras horas.

Felício deu ordens para que fosse guardado aquele dia. Ninguém trabalharia. E durante o dia, todos os escravos prestaram as ultimas homenagem à velha que tanto bem lhes fizera.

À tardinha o caixão coberto por flores, foi levado sob muitas lagrimas, e orações, não só dos negros, mas também dos senhores, que seguiram o cortejo.

Uma semana depois outra passagem se deu. A de Balbina, fazendo com que os nervos de Marta ficassem a flor da pele.

Assustada dizia para Semires:_ Quem cuidará de nós agora?_ Sinhá! Chegou à hora delas, agora

nós temos somente os iniciados para nos socorrer.

_ Mas quem são eles? Eu confiava na sabedoria, e bondade de Inácia.

_ A sinhá fique em paz. Se precisar de ervas, eu falo com eles.

_ Será que eles saberão as que são certas?_ Claro que sim Sinhá! Tudo o que eles sabem, aprenderam com Inácia.

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Mas marta não teve mais paz. Começou a sentir insônia, medo,

calafrios. Ervas foram colhidas, e os banhos tomados, mas não surtiram efeito.

Felício começou a preocupar-se com o estado da esposa. Chamou um médico para vê-la, que constatou anemia.

Medicamentos foram ministrados, causando uma pequena melhora. Porém a senhora antes disposta passou a permanecer mais em seu quarto, com medo de algo que não sabia explicar.

O marido ficava horas ao seu lado, tentando animá-la com as noticias que chegavam dos fazendeiros vizinhos. Era 1887.

_ Marta! Acredito estar próximo de acontecer o que você tanto queria. Floriano nosso vizinho contou-me que está acontecendo uma revolução intensa conta à escravidão. Do jeito que vão as coisas, é bem capaz de a abolição acontecer logo.

_ Graças a Deus! Que seja o mais breve.

_ Também sou a favor querida! Só não sei como tocarei a fazenda, se tal se der.

_ Liberte todos Felício. Comece a pagar pelo trabalho deles, que tudo ficará bem. Papai fez isso, e deu certo.

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_ Sim! Acho que tens razão. E falta pouco tempo para nosso filho voltar, ele me ajudará.

Após alguns dias, era fim de tarde, e Semires, se sentia angústia. Onde estaria Isidoro que não voltara desde manha? A noite caíra. As horas avançaram. Ao amanhecer ela fora de si, avisou o sinhô do sumiço do filho.

Imediatamente vários negros saíram à procura do rapaz. Mas retornaram sem nem uma pista. No dia seguinte novas buscas, porém sem resultado.

Felício ficou inconformado, e tentava manter Semires, com esperança do filho voltar.

Enquanto a mãe chorava desconsolada. Isidoro seguia o cão, mata adentro. Em dois dias de caminhada avistou a rocha, e na entrada um negro vestido com peles de animais.

Cansado, e com fome dirigiu-se para lá com a esperança de receber socorro, direção, pois perdera o caminho da casa.

Teba ao avistar o rapaz, e o cão, emocionou-se profundamente. Sabia quem eram os forasteiros.

Aproximou-se Isidoro dizendo educadamente:

_ Boa tarde! Perdi-me nas matas, será que pode me ajudar?

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Com dificuldade em responder, pela emoção que o sufocava Teba, sob o olhar frio do cão, tentava ser natural.

_ Claro meu jovem! Entre descanse primeiro.

_ Obrigado senhor! Parece que o cachorro o conhece? Por acaso é seu?

_ Sim! Ele esteve sumido, durante dias.

_ Ele estava na fazenda onde moro. Apareceu um dia, e foi ficando. Admiro-me que tenha ido tão longe.

_ Ele volta, e meia faz dessas, é um cão caçador, por isso.

Isidoro se sentiu seguro ao lado do estranho. Depois de comer algumas frutas, se pôs a fazer perguntas cuidadosas, pois o anfitrião o examinava atento.

_ Senhor! Meu nome é Isidoro. Moro na fazenda Boa Vista. Meu senhor é Sinhô Felício Nogueira, por acaso o senhor sabe onde fica?

Teba engolia seco. Ali estava seu filho. À vontade de abraçá-lo, de gritar quem era, porém tinha que ser prudente, sem revelar-se.

_ Pode me chamar de Belarmino! Quanto à fazenda eu a conheci. Mas o que o fez sair de lá? Acaso fugiu do seu sinhô?

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_ Não fugi! Porque sempre vivi solto, sai andar nas matas, e me perdi. Todavia esteja cansado de tudo por lá. Acho que nesse sentido, sou parecido com meu pai.

_ Como assim? – inquiriu Teba curioso.

_ O gosto pela liberdade foi o que fez meu pai, me deixar muito pequeno. Fugiu, desaparecendo. Hoje o que eu mais queria era encontrá-lo, mesmo gostando, e respeitando sinhô Felício como a um pai.

Tais palavras exaltaram os nervos de Teba. Como seu filho poderia considerar o maldito sinhô como pai? Contendo-se, continuou ouvindo o filho.

_ O sinhô me deixou estudar. Depois que o filho dele foi para a Europa, ele comprou muitas telas, pinceis e tintas para eu continuar desenvolvendo minha arte.

_ Então você é um artista? Sua mãe deve orgulhar-se disso.

_ Não senhor! Ela não deixou ir para a escola de arte, com medo que os brancos me matassem.

_ Pareci-me que sua mãe agiu bem. Somos negros, escravos, e sem direito a nada.

_ Eu não me considero escravo senhor! O sinhô Felício nunca me obrigou a trabalhar.

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_ Mas a troco do que menino?_ Por gostar de mim. Fui criado com

o filho dele._ Acha mesmo que é só por isso?

Nunca parou para pensar que possa haver alguma razão oculta?

Nesse momento Teba estava sendo intuído pelos viperinos a envenenar a alma do jovem. E para isso a mentira seria o combustível.

_ Sabe Isidoro! Há alguns anos, passou por aqui um escravo desse seu sinhô, e me contou muitas coisas. Como exemplo a própria história dele, que vou lhe contar.

Capítulo 10

E mudando de expressão Teba disse ao rapaz, de modo frio e calculista a seguinte história:

O escravo que aqui chegou com a costa cortada pelo chicote.

Chamava o sinhô Felício de o maldito que o comprara como a um animal, colocando-o a ferros, fazendo-o trabalhar além das forças, muitas vezes com sede, e fome. Mas o maior desgosto desse escravo foi quando conheceu uma negra, que amou, a primeira vista. E após um ano de romance onde faziam planos de viverem juntos para sempre, ela engravidou. Porém assim que o maldito

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sinhô descobriu a gravidez, começou abusar dela na beira do rio, todas as manhas quando a infeliz era obrigada a lavar as roupas da casa grande. Sob a ameaça de morte caso contasse para alguém.

Na época a sinhá, mulher do maldito estava grávida também, e no mesmo dia em que nasceu o sinhozinho entre lençóis de seda. O filho da escrava nasceu sobre palhas na senzala. Uma semana depois, o sinhô mandou buscar a negra para amamentar o sinhozinho, e satisfazer os desejos dele, porque a sinhá estava de quarentena.

O pequeno escravo que nascera foi condenado à morte, para que não fosse dividido o leite da negra entre ele e o sinhozinho.

Um capataz arrancou-o dos braços da mãe, que procurava mantê-lo vivo com um pouco de leite de cabra, que roubava vez, ou outra. Sem piedade o capataz levou-o para rio para ser jogado nas águas.

Tudo a mando o tal sinhô Felício.Mas uma escrava respeitada pelos

conhecimentos de cura que possuía interferiu pegando o menino das mãos do capataz, que a tinha na conta de feiticeira. Levando-o para sua palhoça. Depois sem temor foi falar com o sinhô,

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pedindo que deixasse o menino vivo, e com a mãe, porque ela teria leite suficiente para amamentar os dois. Caso ele se negasse, um desgosto poderia abalar sua família. Ele então aceitou. No intimo temia aquela escrava que sabia manipular segredos.

Mas foi amamentado somente o sinhozinho. Tratado como um príncipe.

Enquanto o escravo como um animalzinho de estimação.

Quanto ao pobre pai escravo após ter suportado bravamente o tronco durante dias. Foi vendido para um fazendeiro vizinho. Inconformado ele fugiu, vindo parar aqui quase morrendo.

Eu o tratei, ouvi seu choro durante muitas noites, ate o dia que não suportando a tristeza, sem que eu visse, ele matou-se. Eu com muito pesar o enterrei no fundo desta caverna. Seu nome era Teba.

O jovem artista ao final da narrativa caiu desfalecido.

Aproximou-se então Leôncio rindo:_ Então Teba! Agiu com audácia. É

prudente ficar oculto por enquanto._ Obrigado Leôncio! Estou feliz em

ver meu filho. O único problema é esse amor que ele nutre pelo maldito Felício.

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_ Mas sua narrativa foi providencial, e astuciosa. Duvido que ao acordar ele continue nutrindo o tal do amor.

_ Não entendo porque Isidoro não foi obrigado a trabalhar! O que você acha disso?

Leôncio como um demônio, que só sentia prazer em promover discórdia, mesmo sabendo da verdade, que Isidoro nascera livre, devida a lei do ventre livre.

Lei essa que Teba desconhecia, procurou inflamar mais o rancor que o pobre sentia, inventando inverdades.

_ Talvez para poupá-lo, para continuar sendo brinquedo do sinhozinho.

_ Não pode ser! Eu mato aqueles malditos.

Leôncio percebendo que conseguira seu intento despediu-se dizendo que voltaria para a fazenda, adiantar o serviço.

Antes recomendou a Teba fazer o menino voltar a si, esfregando erva em seus pulsos, e narinas.

Isidoro quando recobrou os sentidos, encontrava-se como em estado de choque, tremulo, sem forças. Preocupado Teba o colocou em uma cama feita de madeira.

_ Fique aqui filho! Descanse, vou buscar comida, e um chá que te fará bem.

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O menino não respondeu. Enrolou-se nas peles, que serviam de coberta, adormecendo um tanto febril.

Na fazenda as coisas haviam mudado visivelmente. Mesmo Felício tratando os escravos com humanidade.

Respeitando as leis que vigoravam em relação aos idosos, e crianças. Muitos escravos estavam fugindo. A maioria estava a par dos acontecimentos, por intermédio dos que viviam na cidade. Sabiam que homens brancos de influência estavam lutando pela abolição.

A ânsia pela liberdade fazia-os fugir, sem pensar de como poderiam viver.

Na vigilância enfraquecida por Felício, muitos se foram, deixando uma falha enorme na mão de obra do café. E as perdas começaram a esvaziar o cofre.

Marta adoecera novamente, passara a ter alucinações. O passado voltou a assombrá-la. E entre lagrimas falava com o marido.

_ Talvez eu devesse confessar a policia, que matei Barbosa. Isso me daria um pouco de paz.

_ Não seja tola! Jamais permitirei que faças isso. Você precisa viajar distrair-se, isso sim.

_ Você não entende! Eu o vejo todas as noites, me acusando de telo matado. Vejo-o com o punhal enterrado no peito.

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_ Pare Marta! Isso é imaginação sua. Vou escrever para nosso filho, pedindo que volte o mais breve possível. Com ele aqui esta casa voltara a ter alegria.

_ Não querido! Deixe-o aproveitar, um pouco a vida, agora que terminou os estudos. Você sabe o quanto ele ficará triste com o sumiço de Isidoro.

_ Esta bem! Mas esta na hora de Guilherme voltar, eu preciso dele aqui.

Mas as crises noturnas da pobre senhora foram piorando. Um médico foi chamado e diagnosticou sérios problemas de nervos. Calmantes foram ministrados.

Semires e Francisca alternavam na vigília, para que a sinhá não ficasse sozinha, pois temiam que ela tentasse suicídio, por causa do medo que sentia.

Nas festas de natal, e ano novo, Felício achou conveniente viajar para a casa do sogro, com a esperança que ela se sentisse melhor com a presença do pai.

E realmente na casa do pai, houve uma pausa nas crises. O contato com o velho Juvenal foi benéfico. Porém no começo de marco quando voltaram para a fazenda, logo os problemas recomeçaram.

Felício então escreveu uma longa carta para Guilherme, colocando-o a par

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de tudo que estava acontecendo, com a fazenda, e com sua mãe.

Semires certa noite sonhou com Inácia. E o tal sonho a fez pensar em tudo o que estava acontecendo.

A saudosa negra aparecera para ela na beira do rio, acompanhada por um senhor de semblante iluminado. E carinhosamente disse:

_ Minha filha! Grandes mudanças estão por vir. Você terá que ser forte. Seu filho vive, o meu também. Peça ajuda aos iniciados, eles poderão amenizar as dores de todos nesta fazenda. Não tenha medo, nós estaremos lhe amparando sempre.

E sem tempo para falar, acordou, deduzindo tratar-se o sonho de um aviso.

Foi então falar com os iniciados, porém uma surpresa a aguardava. Havia ficado na fazenda somente um, os demais tinham fugido. Preocupada contou o sonho para José, o único que sobrara.

Após ouvi-la ele retirou da cintura um saquinho, onde continha uma espécie de colar. Concentrando-se ele jogou em uma esteira, em seguida confirmou para Semires tudo o que lhe dissera Inacia.

_ Seu filho vive. Esta sobe domínio do mau, e o pai dele também. A sinhá marta sofre perseguição ferrenha de espíritos das trevas. Esta fazenda pode vir a acabar em nada.

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_ Mas José! Como vamos lutar contra tudo isso?

_ Eu vou tentar ajudar, mas não garanto conseguir sozinho.

_ Quero meu filho de volta, faço qualquer coisa.

_ No momento só a fé dele, poderá salvá-lo. Mas tentarei Semires! Para o bem de todos. Sem mais o que dizer, a pobre escrava foi para casa com o coração apertado.

Capítulo 11

Voltando no tempo vamos encontrar Isidoro febril, após ter ouvido a terrível narrativa de Téba. Durante aquela noite delirou. Mas medicado pelo pai com ervas, ao amanhecer estava refeito. E com um sentimento duplo por aquele estranho.

_ Senhor Belarmino! Como poderei agradecê-lo pelo que fez por Téba, e por mim?

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_ Do que esta falando meu jovem?_ Téba, o homem que o senhor

acolheu era meu pai! Minha mãe nunca contou a verdade e agora me sinto perdido, sem saber o que fazer.

_ Perdido, não esta. Aqui comigo ficara em segurança.

_ Mas e minha mãe? Nunca pude imaginar que sinhô Felício fosse tão cruel.

Nesse ínterim, o desespero tomou conta de sua alma juvenil, fazendo-o chorar. Porém Teba continuou inflamando.

_ Esse maldito sinhô tem que pagar por tudo isso. O que acha Isidoro?

_ Sim! Pobre do meu pai. E minha mãe será que ele abusa dela até hoje?

_ Disso eu não duvido. A única coisa que importa e é respeitada pelos brancos, são seus iguais. Nós para eles somos como animais.

_ Mas tem homens brancos que lutam pela nossa liberdade! O senhor não sabia?

Teba estranhou aquela pergunta. Como poderia saber de algo, se vivia ali há tantos anos isolado? Porém querendo mostrar-se superior aduziu:

_ Sim ouvi falar!E mudando de assunto continuou.

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_ Mas o que importa agora é sua mãe, se quiser podemos trazê-la para cá. Vamos libertá-la do sofrimento.

_ Mas não podemos ficar morando aqui! Como vamos viver? Agora que sei que meu pai morreu, quero continuar estudando e ser alguém. Não posso viver escondido, fugindo como ele fez.

O mundo interior de Teba desabou, ao ouvir aquelas palavras, e em silêncio afastou-se para o fundo da caverna.

Leôncio lá estava, e sarcasticamente aduziu:

_ Para mantê-lo ao seu lado e conformado, só o iniciando.

_ Não Leôncio! Ele não será escravo de vocês.

_ Então se conforme em perdê-lo. E também a sua mulher. Eu se fosse você pensava bem, já que Basílio vira hoje à noite.

Confuso, e contra feito Teba no final daquele dia deu ao filho um chá que o fez dormir profundamente. À noite após a chegada de Basílio o mesmo que outrora o iniciara. Entregou o filho para aqueles seres maligno.

Na manha seguinte Isidoro mudara, passando a aceitar por verdade tudo o que ouvia. E aos poucos foi contaminado de energias negativas de todo tipo.

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Alguns meses se passaram e ele tornou-se mais um revoltado contra tudo, e todos. Certa noite, sentado, ao lado da fogueira exclamou:

_ Senhor Belarmino! Acho que devemos ir à fazenda o mais breve, quero ver minha mãe.

_ Sim iremos! Antes, porém tenho algumas providências, a tomar.

Nessa mesma noite, Leôncio retornou de madrugada. Chamando Teba para a sala infernal exclamou feliz:

_ Meu amigo! Tenho ótima noticia, lembra-se de José?

_ Sim! Por quê?_ O metido estava na beira da

cachoeira, fazendo um trabalho para resgatar seu filho. Só que antes que chegassem os encantados dele, eu dei um jeito para que caísse nas pedras. Pela queda morreu com certeza.

_ Mas como acha? Não esperou para ter certeza?

_ Claro que não! Você sabe que é arriscado. Não posso deixar que me capturasse como aconteceu com os outros.

_ O que mais está acontecendo por lá?

_ A casa grande parece um tumulo. Marta, conforme me disse Barbosa esta por um fio, para se matar.

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Teba observava o prazer que Leôncio sentia ao contar as más noticias. E eufórico o perturbado continuou:

_ Felício desesperado por causa do estado perturbador da mulher, largou o trabalho, e os poucos escravos que restam não dão conta do serviço.

_ Então ele esta ficando pobre! Quem sabe agora vai sentir o que é não ter nada.

_ É mais um pouco, e ele ficara arruinado. Só que não podemos esquecer-nos de Guilherme, que esta para retornar.

_ Você acha que vai fazer diferença?_ Claro! Guilherme é jovem, forte,

estudado. Com certeza colocara tudo no lugar novamente, e o chicote votara a estalar.

_ Será o filho a copia do pai, Leôncio?_ Sim! E hoje Guilherme é mais

importante para Felício, que a própria esposa.

Teba se pôs a pensar silencioso.

Capítulo 12

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A noticia que José morrera deixou Semires apavorada. No intimo sentia que não fora acidente. Agora só restava-lhe rezar. Deu a noticia para Felício que abatido respondeu:

_ Semires prepare o quarto de Guilherme! Ele chegara há dois dias, então tudo aqui voltara para o lugar.

_ Que boa noticia sinhô! Meu menino vai chegar.

_ Quem sabe ele consegue achar Isidoro, e trazê-lo para casa.

_ Sim sinhô! Se meu filho souber que o sinhozinho voltou, quem sabe ele aparece. Vou rezar, o sinhô verá que tudo há de ficar bem.

E uma nova esperança nasceu na casa, que foi tomando ares de alegria.

Vasos de flores foram colocados, em lugares estratégicos, o quarto limpo.

Os escravos ao saberem que o sinhozinho voltaria, alegremente pediram permissão para festejar a sua chegada.

Balaios de frutos foram colhidos, pães e bolos assados. Carnes preparadas com esmero. E com toda essa movimentação Marta animou-se, mudando o padrão dos pensamentos, afastando com isso Barbosa que a sugava constantemente. Cortada a sintonia o verdugo revoltado voltou para a caverna.

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Colocando a par Leôncio das novidades, e este a Teba que teve a infeliz ideia. Chamando Isidoro ordenou:

_ Prepare-se! Iremos buscar sua mãe, sairemos hoje. Em dois dias chegaremos lá.

Saíram pela madrugada, guiados por Leôncio transmutado em cão. Caminharam sem parar, chegando à fazenda por volta de quinze horas.

Mantiveram-se escondidos na mata, observando o movimento. Em certo instante Teba viu um capataz, que portava na cintura uma garrucha. Virando-se para Leôncio exclamou:

_ Leôncio meu cão amigo! De um jeito de trazer para cá aquele infeliz. Quero a arma dele.

Imediatamente o cão se distanciou passando ao lado do capataz, e voltando para o lugar anterior. Seguido pelo homem que entrou na mata como que hipnotizado. Teba com rapidez felina agarrou de surpresa, quebrando-lhe o pescoço. Deixando o corpo escondido entre as folhagens, e de posse da arma mudaram de lugar.

A uns vinte metros da porteira existia uma gigantesca figueira na beira da estrada. Era um ponto estratégico, dali poderia se ver quem entrasse ou saísse

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da fazenda. E ali se esconderam a esperar as sombras noturnas.

Isidoro estava espantado com a movimentação.

_ Esta sendo preparada uma festa! Mas qual será o motivo?

_ Estamos com sorte! Seja lá qual for o motivo, vai facilitar nosso intento.

As horas foram passando, e uma tempestade se formando. Nuvens negras cobriam o céu, e quando a noite caiu relâmpagos clareavam a estrada.

Notava-se que os escravos na frente da casa grande, faziam de tudo para manter acessas as tochas que iluminavam o ambiente.

Teba ao longe reconheceu Felício, e Marta que vez ou outra saiam na varanda, como que apreensivos. Porém seu coração disparou quando Isidoro em certo momento exclamou entusiasmado.

_ Olhe! Aquela é minha mãe.Lá estava ela, esbelta, vestida de

branco, exatamente como a vira anos atrás, ao deixá-la sem nem despedida.

_ Tudo esta nos favorecendo, Isidoro! Até a fúria da natureza. Vamos esperar.

A festa era para Guilherme, que naquele momento voltava na carruagem da família abarrotada de presentes, livros, obras de arte. Aos vinte e um anos era um jovem alto, magro, pele clara,

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cabelos pretos compridos, que mantinha amarrados como um rabo de cavalo, com uma fita negra de veludo.

Os anos que passou em Portugal, e depois na França o tornaram polido, de gosto refinado. Tornou-se amante da musica, da arte, da filosofia, da poesia, da literatura e da política.

Na metade do caminho a chuva caiu, obrigando-os a parar.

Tião o velho negro condutor sugeriu:_ Sinhozinho! Vamos esperar a chuva

amansar. Se insistirmos, ficaremos atolados.

A principio Guilherme concordou, porém a demora o deixou impaciente.

Queria chegar logo, tinha tantas coisas para contar para os pais. Tantas ideias para dar continuidade aos negócios.

Talvez o pai não soubesse que a libertação dos escravos aconteceria em breve, e teriam que se preparar para as transformações. Ele torcia para que essa mudança ocorresse, era abolicionista.

Não se conformava de sua terra natal ser uma das poucas que mantinham aquele vergonhoso sistema.

Resolveu então seguir na frente a cavalo.

_ Tião! Desatrele um cavalo, vou à frente. Você siga assim que for possível.

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_ Não vá sinhozinho! O tempo esta ruim. Vamos esperar.

_ A chuva já afinou. Vou a cavalo, é mais rápido. Ao chegar a casa tomarei um banho quente, e um copo de vinho. – disse Guilherme rindo.

O velho negro aquiesceu. Desatrelou o melhor cavalo, entregando ao rapaz, que montando seguiu em disparada para casa.

Ao avistá-la emocionou-se ao ver acessas as tochas na frente da casa em que nascera. A distância divisou os genitores, a esperá-lo, na varanda.

Chicoteou o cavalo. Estava perto.Porém ao passar pela gigantesca

figueira um relâmpago riscou o céu clareando ao redor. Então ele viu algo brilhante sair de traz da arvore, atingindo-o no peito. Tentou dominar o cavalo que empinou, mas a dor lancinante o derrubou ao chão, e tudo escureceu.

O cavalo assustado voltou para traz em disparada, sem ser notado por ninguém.

Teba, eufórico disse para o filho, que olhava assustado para o corpo inerte no chão, sem saber ao certo de quem se tratava.

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_ Acertei em cheio! Esse não dará continuidade às maldades do avo, nem do pai.

_ A quem se refere? – inquiriu Isidoro tremulo.

_ Esse ai é o filho do sinhô Felício. Fiquei sabendo que ele chegaria hoje.

_ Meu Deus! Guilherme. O senhor o matou, mas ele não merecia.

E chorando desesperado o jovem artista correu para junto do corpo inerte, o abraçando, dizendo:

_ Guilherme acorde irmão! Não morra.

_ Cale-se Isidoro, quer por tudo a perder? Chamar a atenção de alguém?

Porém o sentimento de irmão, de amor que sentia pelo jovem ali abatido covardemente, o libertou da cegueira que o dominava. Auxiliado energeticamente por pai Pedro, Inácia e Bá, que ali estavam amparando Guilherme. Foi desfeito o campo energético enegrecido que o envolvia, trazendo-o a razão.

_ Vou pedir socorro! Não posso deixar meu irmão morrer, sem ter feito nada de mal.

Teba sentia-se pequeno, contrariado, sem condições de raciocinar, com aquela atitude do menino. E ao ver Inácia amparando em seu colo o espírito adormecido daquele que ele tratara de

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expulsar da matéria, ficou paralisado. E não viu o filho correr para a porteira gritando por socorro.

Vários negros correram com tochas na direção dos gritos, reconhecendo Isidoro o acompanharam até o corpo.

Um dos negros pegou Guilherme no colo, e ao ver o sangue no peito, gritou para os outros.

_ Atiraram no sinhozinho! Peguem o assassino.

Dois deles agarraram Isidoro, mas ele disse;

_ Não fui eu. Jamais faria mal ao meu irmão. Foi Belarmino! Ele esta ali atrás da figueira.

Com rapidez de felinos quatro negros pegaram Teba, o arrastando para o pátio da casa.

Ubaldo o forte escravo que carregava Guilherme, entrou casa adentro, gritando que socorressem o sinhozinho.

Colocado num sofá, foi examinado por Felício que ao constatar a morte do filho amado, caiu de joelhos aos gritos.

_ Marta! Assassinaram nosso filho Por quê?

A pobre mulher deu alguns passos na direção do filho, mas tombou pesadamente desmaiada.

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Semires estarrecida, não saia do lugar. Ubaldo então criando coragem pegou Marta no colo deitando-a num outro sofá ao lado do filho.

Aproximando-se de Felício disse timidamente:

_ Sinhô tente ser forte! Diga o que eu faço para ajudar. O assassino, esta lá fora.

A voz firme, porém suave do escravo, soou como de um amigo, que ele nunca tivera. Criando animo respondeu:

_ Tem razão Ubaldo! Amarre aquele maldito no tronco, depois me ajude a cuidar do corpo de Guilherme. E traga Isidoro.

Rapidamente as ordens foram compridas. Teba foi colocado a ferros no tronco. Isidoro levado à presença de Semires, e Felício que com titânica amargura inquiriu:

_ Este é o pior momento de minha vida, por isso espero que me fale a verdade. Não me faça perder o pouco de sanidade que me resta. Conte-me o que sabe.

Isidoro então contou o que acontecera desde o dia em que sumira, até aquele momento. Semires estava horrorizada, e antes que Felício falasse,

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partiu para cima do filho esbofeteando-o aos gritos.

_ Ingrato, como teve coragem de acreditar em um louco, que não sabe quem é? Seu pai fugiu daqui porque era covarde, ignorante, mal agradecido. E você? Se hoje é forte saudável, letrado foi graças aos sinhôs, que permitiram você ser criado com o filho deles, e tratado como um branco. Como pode Isidoro?

_ Semires, seu filho ficara preso na senzala, até se esclarecer essa desgraça. – ordenou Felício.

Francisca com sais fez Marta recobrar os sentidos. Porém era como se sua mente tivesse apagado. Olhos vidrados fitos no vazio, não se moviam.

Com a ajuda de Ubaldo foi levada para o quarto, e acamada.

Enquanto Felício começou a triste empreitada de cuidar do corpo do filho.

Ao retirar as roupas molhadas, observou o quanto ele crescera, tornara-se um homem. Ao tirar a camisa branca manchada pelo sangue, notou o medalhão de ouro, que mandara fazer quando ele nascera. Abriu o pingente imaginando encontrar o retrato de alguma moça.

Mas surpreso ficou ao encontrar retratado ali, ele e Marta, era o retrato deles que Guilherme carregava no peito.

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_ Ubaldo veja! Meu filho tão jovem, tão belo, não teve tempo de conhecer o amor de uma mulher. – falava Felício com a voz embargada.

_ Nunca pude imaginar sentir tanta dor. Se arrancar meu coração com as mãos trouxesse a vida a meu filho, eu o faria sem pestanejar.

_ Sinhô eu sei o que sente! Mas não há jeito, o sinhozinho não sofreu. E tenho certeza que foi recolhido por um anjo.

_ Acredita mesmo nisso Ubaldo?_ Sinhô olhe para o rosto dele! É

como se dormisse. Ele esta nos braços de algum anjo, disso eu tenho certeza.

Felício alisou a vasta cabeleira, e o rosto pálido de Guilherme. E pela primeira vez orou do fundo do coração.

"Senhor de todas as coisas!".Deu-me de tudo nesta vida, riqueza,

poder, inteligência, amor.Hoje sei que ultrapassei os limites,

contrariando sua vontade.Sei que não sou merecedor de sua

misericórdia, mas tenho um ultimo pedido a fazer.

Não para mim, pois nada quero.Peço pelo maior tesouro que o

senhor meu deu. Guilherme meu filho amado. Acolhe-o senhor, que um enviado seu possa levá-lo para um lugar de paz.

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E se for verdade que as almas se encontram, permita que eu possa estar um dia com ele novamente.

Agradeço por tudo o que o senhor permitiu eu adquirir nesta vida, mas daqui para frente nada mais eu quero.

Pode o senhor retirar tudo de mim, se for essa uma maneira de aliviar meu coração, e minhas penas.

Mas cuide do meu menino.Nessa altura não pode prosseguir. Pai Pedro notando o risco de um

enfarte aplicou energia calmante fazendo-o se equilibrar.

_ Ubaldo! É testemunha do meu pedido.

_ Sei o quanto é difícil! Mas o tempo ameniza tudo, sinhô. Deus nosso senhor lhe dará forças, e ouviu sua prece com certeza. – exclamou o negro emocionado.

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Capítulo 13

Semires revoltada esperou todos saírem de perto do tronco, e sorrateira dirigiu-se para lá. Queria saber quem era o maldito assassino, e porque enredara seu filho para tamanha desgraça.

Aproximando-se a principio não reconheceu Teba, e com rancor exclamou:

_ Negro maldito! Se fosse há outros tempos, já estaria morto. Quem é você cão dos infernos?

Uma punhalada teria doido menos em Teba, do que aquelas palavras pronunciadas pela mulher que amava.

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E quase num sussurro ele falou:_ Semires como pode falar assim?

Sou eu Teba!Ela olhou com mais atenção, e ao

reconhecer os traços envelhecidos, cobriu-o de impropérios.

_ Então é você desgraçado feiticeiro! Entregou-se para o diabo, e quis levar meu filho junto. Porque se o abandonou? Porque não lhe contou a verdade? É um covarde que só voltou para trazer a desgraça.

_ Tenha piedade, Semires, você não imagina como sofri nesses anos!

_ Sofreu por quê? Você fugiu sem motivo. Por mais que Inácia fez protegendo-o. Mas sua ingratidão, e ignorância foram maiores.

Teba chorava de raiva, não conseguia admitir que erara. Enquanto Semires continuava dizendo-lhe as verdades.

_ Se tivesse sofrido e tirado lição, não teria matado Guilherme. E posto uma corda no pescoço de Isidoro.

_ Fiquei louco quando percebi que nosso filho gosta mais do sinhô Felício, do que de mim que sou pai.

_ Ele o amou sim! Mesmo sem telo conhecido. Tanto que saiu de casa a sua procura. Quanto ao sinhô Felício, ele só foi generoso.

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_ Mas com que intenção? Deram até estudo para um escravo.

_ Nosso filho nasceu livre. Ele nunca foi escravo. Sinhá Marta me explicou a lei do ventre livre.

_ Mas como? Eu não sabia._ Eu ia te contar no dia que fui

buscar Isidoro na casa de Inácia. Mas você como se fosse um animal raivoso, não deu chance, pondo tudo a perder. Agora vejo que se tornou um animal de verdade.

_ Eu só queria viver novamente com você, e nosso filho.

_ Agora depois de tantos anos? O que fez nesse tempo todo sumido? Ficou enfiado num buraco remoendo maldades? Pobre Inácia, não merecia um filho como você.

_ Estou com frio! Arrume-me um pano para cobrir minhas costas.

_ Este frio é pouco, perto do que sentira. Parece que não entendeu a gravidade do que fez.

_ Quer saber Semires? Fiz, e faria tudo de novo. Agora o sinhô vai pagar pelo sofrimento que causou.

_ Olhe em volta Teba! Vê alguns escravos com ferros, esfarrapados? São todos praticamente livres. O sinhô mudou, tornou-se bom com todos.

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_ Não acredito! Aqui estou eu no tronco, o que mudou?

_ Você matou o filho do sinhô! Se fosse há anos atrás estaria sendo chicoteado até a morte.

_ Matei o moleque antes que desse inicio a compra, de levas dos nossos, igual fazia o avo, e o pai dele. Agora acaba aqui a maldição.

_ Você está perdido Teba! Eu não posso lhe perdoar pela morte do sinhozinho que para mim era um filho. O que será feito de você, eu não sei. Só quero salvar meu Isidoro. Tudo poderia ter sido diferente, mas a escolha foi sua. Que deus tenha piedade de você. Adeus.

E retirou-se Semires com o coração aos pedaços.

A tempestade passou, dando lugar à lua cheia, e um tapete de estrelas no céu.

O que animou os convidados de Felício ir para a festa. Porém conforme iam chegando e tomando conhecimento da tragédia, ao invés de sorrisos, eram lagrimas a rolar dos rostos ao verem o jovem inerte.

Tião quando chegou com a carruagem, entrou desesperado, por causa do cavalo que voltara. E ao deparar-se com a triste sena do velório, jogou-se no chão em forte crise nervosa.

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Foi socorrido o pobre velho, e descarregada a bagagem que foi amontoada em um dos quartos.

A noite foi longa. No pátio os negros cantavam suas rezas. E o dia nasceu com o astro rei aquecendo mais que o normal, naquele mês de maio de 1888.

Guilherme foi sepultado às dezessete horas, do dia que ele mais sonhara ver.

A regente assinara há poucas horas a Abolição dos escravos.

Felício, arrasado procurava manter-se de pé. Porém restava-lhe mais uma dura prova. Momentos antes de sair o funeral de Guilherme, Marta demonstrou um pouco de lucidez, despedindo-se do filho sem uma palavra. Apenas beijou a face fria, e acariciou os cabelos do jovem, e em seguida recolheu-se ao quarto.

Com a saída do cortejo, ficou na casa Francisca, Tião, e mais dois negros jovens.

Os restantes acompanharam o funeral. Marta então saiu do quarto, indo até a cozinha armou-se de um punhal, e sem que ninguém vise foi até o tronco, onde Teba fortemente amarrado mantinha-se firme. Ela olhou-o inquirindo.

_ Como se chama?_ Sou Teba, sinhá! Não me

reconhece?

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_ Sim! É você mesmo que Barbosa mandou-me matar.

E arrancando o punhal da dobra do vestido, fincou no peito de Teba, que entre a surpresa, e agonia viu Barbosa rindo ao lado de Marta.

Ela então como uma sonâmbula voltou para casa. Francisca ao vê-la manchada de sangue inquiriu assustada.

_ O que aconteceu sinhá? Esta ferida?

Sem responder ela foi para o quarto, e deitou-se. Tião com os demais foram os primeiros a verem a nova tragédia.

Felício ao chegar desolado, recebeu o novo golpe. Desnorteado, com as mãos na cabeça inquiria.

_ Porque tanta tragédia? O que eu faço?

Tião aproximando-se com uma xícara de café, o fez tomar, então lhe disse.

_ Sinhô! Devemos levar a sinhá para casa do sinhô Juvenal, é o melhor a fazer. O sinhô também deve ir. Eu volto, e com a ajuda de Ubaldo, cuidamos da fazenda, até que voltem.

_ Será Tião essa a melhor solução?_ É melhor sinhô! Do que chamar a

policia. Teba foi morto pela sinhá. A vingança foi feita, agora nos enterramos ele, e o assunto fica encerrado. Se

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perguntarem diga que o assassino do sinhozinho fugiu.

_ Tem razão Tião! Marta não pode responder por esse crime, perante a justiça. Providencie tudo para a viagem. Partiremos ainda hoje. Pobre Juvenal terá que ser forte.

Tudo foi ajeitado rapidamente, para a viagem. Teba foi enterrado em cova rasa na beira do rio, por apenas dois negros, que nem o conheceram em vida. Semires negou-se a presenciar o final do homem que outrora amara.

Foi entregue nas mãos de Ubaldo grande quantia em dinheiro para que fosse administrada a fazenda, e as necessidades da casa. E quando já na hora da partida, Felício lembrou-se de Semires.

Chamando-a pela casa, sem obter resposta. Foi à senzala, encontrando-a abraçada ao filho preso por grilhões.

A sena deixou, chocado. Ver o menino que crescera sob sua tutela, e carregara no braço junto com Guilherme.

Ali preso a ferros, sendo que nunca fora escravo. Angustiado aproximou-se retirando as correntes, e olhando firmemente nos inchados olhos de Isidoro inquiriu.

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_ Jura por Deus, e pela vida de sua mãe, que não sabia que aquele maldito tinha intenção de matar meu filho?

O jovem ajoelhou-se, e chorando copiosamente exclamou.

_ Juro sinhô! Se eu soubesse que ele ia matar Guilherme, eu o teria matado antes.

_ Pois então vamos embora. Vou levá-los para a fazenda do meu sogro, lá tem perto cidade grande, e você continuara seus estudos. E trate de viver muito, pois não aguentarei perder mais um filho. Vamos Semires, corra, tenho pressa!

Partiram levando Marta ensandecida. Ao chegarem ao destino, Felício relatou toda a tragédia ao sogro, que não conseguiu conter o pranto.

Foi decidido internar Marta em um sanatório na cidade próxima, com a esperança de que sobe cuidados médicos se recuperasse. Porém não houve resultado satisfatório.

Os dias foram passando, e mesmo sob os melhores cuidados do sogro, Felício adoeceu, perdendo o interesse por tudo.

Não se importando quando Ubaldo foi visitá-lo preocupado com a fazenda, que ficara sob os cuidados dele, Tião, e mais quatro negros. Os restantes

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partiram, não só pela liberdade, mas porque diziam que o lugar tornara-se mal assombrado.

_ Faça o que puder Ubaldo! Por agora não voltarei lá.

Com tal resposta o forte negro recorreu a Juvenal, que apesar da idade avançada mantinha-se com a mente em perfeito estado. Ele tomou providências para manter as despesas dos que ficaram na fazenda.

Oito meses após a morte de Guilherme, Felício que se encontrava muito debilitado recebeu a noticia do falecimento de Marta.

Semires em conversa com Juvenal propôs a volta para a fazenda Boa Vista, mas ele achou prudente ficarem ao seu lado, até Felício recuperar-se. Porém nada o animava. No final de um ano, ele pediu para falar com Isidoro, que o atendeu prontamente.

_ Isidoro! Sabe que nasceu livre. E hoje todos os negros o são, então não há o porquê de ficar pelos cantos.

_ Sim sinhô! O que quer que eu faça?_ Quero que lute para ser alguém,

você tem vocação. Vá menino sem medo mostrar sua arte para o mundo. Faça o que meu filho, não pode.

E entregou ao jovem um envelope com uma quantia em dinheiro.

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_ Pegue sua mãe, e vão para a cidade. Compre uma casa, vá seja um grande homem.

Isidoro emocionado o agradeceu com um longo abraço dizendo.

_ Obrigado! O sinhô é o pai que eu não tive, e Guilherme foi meu irmão branco. Jamais vou esquecê-los.

_ É pena que só aprendi a lição tão tarde, depois de tudo perdido.

_ Mas sinhô! A vida tem que continuar.

_ Já não me importo. Mas aprendi, pois ao adoecer foi uma negra escrava que me curou. Meu filho viveu graças ao leite de outra. Nos momentos mais difíceis, foram outros escravos que me apoiaram. E hoje minha fazenda esta nas mãos de um negro para que não seja saqueada.

Secando as lagrimas que teimava em rolar pela face, Felício concluiu.

_ Minha família acabou. Só restou você para contar toda essa história.

E estas foram suas ultimas palavras, pois naquela noite sob os cuidados de Semires, e Francisca, ele desencarnou.

O velho Juvenal desnorteado mandou buscar um sobrinho recém-casado e sem posses, num vilarejo de Minas Gerais, e entregou-lhe a fazenda Boa Vista com alguns empregados. Com o juramento de

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nunca mais pisar naquelas terras, que para ele era de má sorte.

Capítulo 14

Isidoro e a mãe compraram uma casa na cidade de Recife.

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Semires logo arrumou trabalho como bordadeira, pois aprendera com Inácia o oficio tão delicado.

Enquanto Isidoro voltou a pintar, o que chamou a atenção de ricos, e pobres pela beleza e perfeição de seu trabalho.

Um dia recebeu o chamado de um padre que precisava de um artista para restaurar as pinturas do teto da igreja.

Depois de concluído o trabalho, as portas se abriram, e rapidamente tornou-se conhecido. Trabalho e dinheiro não lhe faltaram, o que proporcionou a volta aos estudos. E o fez com afinco, formando-se em literatura e artes.

No final de dez anos seu nome correra a Europa em telas, onde retratava sempre a beleza. Tornou-se um homem, respeitado, honesto e bom.

Porém certa noite em que lia ao pé da lareira, cochilou, e foi sacudido por Semires apavorada.

_ Filho acorde! Por favor._ Mãe acalmasse! Estou acordado. O

que aconteceu?_ Enquanto cochilava vi um homem

atrás de você._ Imagine mamãe! Estamos a sós

aqui._ Eu vi! Não estou brincando. Será

que vai começar?_ Do que a senhora esta falando?

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_ Vou rezar filho! Deus a de nos guardar.

Semires relembrou o passado tenebroso, e sentiu medo. Pensou em Inácia, e em oração pediu a Deus pela velha negra que fosse abençoada, e proteção para seu filho.

E naquela noite recebeu uma revelação que daria um novo rumo a sua vida, e do filho. Deitada em sua cama, viu uma luminosidade que aos poucos se definiu. Era Inácia, e pai Pedro. Com um sorriso amoroso, ela exclamou.

_ Inácia, seu Pedro! São vocês? Como fico feliz em poder velos.

Aproximando-se Inácia afagou seu rosto dizendo.

_ Filha! Obrigada por pedir ao criador por mim. Suas orações chegam até nós como uma chuva de luzes.

E pausadamente continuou._ Estamos aqui em serviço há muito

tempo, acompanhamos todos os momentos difíceis que você, e Isidoro passaram. O que você viu ao lado dele, a momentos atrás é ainda resquício da atitude impensada de Teba. Mas tranquilize-se, tudo será resolvido, pois é chegada a hora. Porém queremos fazer um relato do que aconteceu naquela noite tenebrosa.

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“Teba sob o domínio dos espíritos das trevas, os quais se uniram em forte aliança naquela ocasião, sujou as mãos de sangue por duas vezes naquela noite”.

Selando assim a coragem para fazer dali para frente qualquer tipo de maldade.

Tirando a vida de duas criaturas que nunca haviam feito nada para ele, afrontou a Lei Maior piorando seus débitos. O capataz foi recolhido após uma semana do desencarne, por ter sido um descrente, não permitindo nossa aproximação. Mas com a decomposição do corpo em processo acelerado acabou cedendo. Quanto a Guilherme foi adormecido na hora que foi alvejado, e recolhido imediatamente por méritos adquiridos em varias vidas passadas.

Muitos amigos o aguardavam, e quando acordou em Cidade Nova, colônia de socorro espiritual, próxima à crosta, foi cercado de muito carinho.

Atualmente encontra-se estudando, e trabalhando com uma equipe de médicos.

Felício e Marta estão internados nessa mesma colônia, sob o afeto, e carinho do filho, e de Juvenal, que por merecimento ao desencarnar foi removido para uma colônia mais avançada. Porém por amor a família

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pediu para ficar trabalhando em Cidade Nova.

Como você sabe Marta também cometeu dois homicídios. Infelizmente isso aconteceu como uma prova a qual ela falhou mais uma vez, pois ela, Barbosa, e Teba são inimigos de longas datas. Ela já os abortou por duas vezes.

Teba ao deixar o corpo naquela tarde saiu em desabalada carreira voltando para a caverna junto de Leôncio.

E por ordens superiores na época não pudemos interferir. O mesmo aconteceu com Barbosa que após o desencarne de Marta, também voltou para o covil sinistro.

O espírito que viu hoje ao lado de seu filho é Basílio Arruda Medeiros. O chefe como é chamado por comandar uma tropa de espíritos devedores, covardes e ignorantes, que hipnotizados por ele vivem sob seu domínio, de olho nos encarnados desavisados.

Esse espírito tem vasto conhecimento sobre a magia. Conhece a lei, não nega a existência, nem o poder do criador. Porém há milênios optou pelas sombras, e hoje acha que se encontra devedor demais, sem coragem de enfrentar suas dividas, para mudar.

O interesse dele por Isidoro é antigo.

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Em outras épocas tentou desviá-lo do bom caminho, mas sem sucesso. Pois Guilherme sempre interferia.

Mas o tempo não espera, porém passa, e por decisão do alto todos se reuniram para o acerto. Infelizmente mais uma vez alguns falharam.

Aconselho que procure uma casa onde nosso povo trabalha em nome dos Encantados, e Orixás, e leve seu filho. Ele é um médium, e como tal tem que trabalhar fazer o bem. Ajudar tantos necessitados de luz, de conhecimento da grande Lei, que circulam por todos os cantos do mundo.

Essa será a maneira dele ficar forte e suportar os ataques de inimigos, e espíritos atrasados. Nós faremos nossa parte, portanto confie.

Que Deus esteja sempre em seu coração. “Até breve.”

Sumiram então as duas entidades, deixando Semires temerosa.

No dia seguinte logo cedo, ela dirigiu-se ao mercado. E lá conseguiu o endereço de uma casa onde se cultuava os Orixás. Os trabalhos eram feitos uma vez por semana. E no dia imediato ela foi conhecer. Ao chegar foi bem recebida, notou que a casa era dirigida por mulheres execravas, mas o culto era

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diferente do que conhecera em sua terra natal.

Era tocada ali a Umbanda, e com o passar dos meses ela adaptou-se. Certa noite levou Isidoro que ao assistir o trabalho identificou-se tanto, que quis dar continuidade, desenvolvendo com facilidade suas faculdades mediúnicas.

E tornou-se com o tempo devido, um dos melhores médiuns de cura da casa.

Enquanto Isidoro era assistido, protegido e evoluía.

Teba que fora seu pai, afundava cada dia mais. Sob o domínio de Basílio, e do seu próprio inconformismo, teimosia e falta de fé, apesar de ter entendido muitas coisas após seu desencarne, continuou renitente.

Certa ocasião uma equipe de guardiões, e caboclos dirigida por pai Pedro aproximaram-se da caverna, no intuito de resgatá-los. Mas ao pressentirem a chegada da equipe, fugiram, optando em irem para regiões umbralinas viver com Basílio.

Inácia nessa noite retornou para Cidade Nova um tanto triste.

Pai Pedro notando a confortou dizendo.

_" Inácia minha filha! Não se entristeça. Lembre-se que todos nós temos o livre arbítrio. Eles fizeram sua

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escolha, e só o tempo para mostrar-lhes que foi a mais conturbada. A lei agira cedo ou tarde, trazendo-os a luz da razão, e entenderam que não se pode fugir para sempre. Que são filhos do Criador, e terão que recomeçar o caminho de ascensão quantas vezes forem necessárias.

Pois a Lei impele a todos evoluírem, é a vontade suprema. “Agora olhe para traz, e veja quem te observa esperando sua atenção.”

Ao terminar essas palavras afastou-se pai Pedro sorrindo, com a aproximação de Belarmino. Que meio constrangido exclamou.

_ Inácia! Não deram permissão para te acompanhar. Fico a pensar que talvez pudesse ter ajudado a trazê-los, afinal me sinto responsável por toda essa tragédia.

_ Não seja tolo Belarmino! Você sabe que no passado foi quem os iniciou para trabalharem para o bem, porém eles optaram por seguir seu oponente Basílio, mais uma vez.

_ Sim! E cheguei a cair nos domínios dele. Mas graças a Deus, e a você, voltei à razão. Mas sinto por eles.

_ Nós haveremos de resgatá-los. Creio que o conselho nos permitira reencarnar logo, então receberemos todos eles como nossos filhos, e trabalharemos para que tudo de certo.

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_ Sim minha querida Inácia! Devemos aproveitar que Isidoro é jovem, e se casara em breve, e nos recebera com muito amor. Só temo por Guilherme.

_ Você é medroso homem! O sinhô Felício já voltou para a carne, filho de uma moça sem condição de criá-lo. Ele será adotado por uma família rica, que o criará com muito carinho, e no tempo certo, ele se casara com Marta. Guilherme voltará para tornar-se médico dos pobres, porém, o aguarda uma grande prova, que espero velo vencer. E todos nós nos encontraremos novamente, e novamente.

Até que todos se tornem amigos, irmãos.

E de mãos dadas seguiram pelas alamedas floridas de Cidade Nova.

Aquelas duas almas unidas pelo amor, à fé, e a vontade férrea de serem úteis e servirem a grande lei. O Criador. Fim.

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