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academic work is carried out for the discipline of editorial College Graphic Design UFPR

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Page 1: Priori
Page 2: Priori

Aquilo que vem antes

Imaginando e Criando

Dicionário de lugares imagináriasAlberto Manguel e Gianni Guadalupi

Criação

Imaginação

ReflexãoFlexionando o Imaginário

François JullienUm sábio não tem idéia

TeocnologiaRuben Alves

KoanCachorro verde

SenhasJean Baudrillard

Penso! Logo escrevoDesassossegoFernando Pessoa

Contando AreiaJulio Cortázar

Instruções para subir uma escada

Page 3: Priori

Miolo-Mole

com: Eduardo Recife

Criação

Page 4: Priori

Ed

itori

al

Page 5: Priori

O mundo muda um pouco a cada dia, mas

muda nos detalhes, tecnologias que apa-recem, pessoas que desaparecem, e o ser humano está em constante mudança, acompanhando e tam-bém geranto tais mu-danças. A proposta da revista Priori é instigar o seu pensamento, fazer com que o leitor busque outras infor-mações através

do que é mostrado. A priori, do latin que significa “partindo da-quilo que vem antes” e esta é a minha pro-posta, fazer com que através de uma idéia gerada pela matéria aqui contida o leitor “Busque conhecimen-to” [by: ET Bilu].Espero que fique con-tente com a revista e saiba que queimamos muitos neurônios para produzi-la.

Grato Ítalo Vieira GonsalvesRedator Entrevistador Fotógrafo Designer Diretor de Arte Ilustrador [resumindo, tudo]

Ed

itori

al

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Teocnologia

KOANRubem Alves

Page 7: Priori

Os mestres Zen eram educadores estran-hos. Não pretendiam

ensinar coisa alguma. O que desejavam era “desen-sinar”. Avaliações de apren-dizagem? Nem pensar. Mas estavam constantemente avaliando a desaprendiza-gem dos seus discípulos. E quando percebiam que a desaprendizagem acon-tecera, eles riam de felici-dade... Loucos? Há uma razão na loucura. “Desensina-vam” para que os discípulos pudessem ver como nunca

tinham visto. Nietzsche dizia

que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. Ver é coisa complicada, não é função natural. Precisa ser aprendida. Os olhos são órgãos anatômicos que fun-cionam segundo as leis da física ótica. Mas a visão não obedece às leis da física óti-ca. Bernardo Soares: “O que vemos não é o que vemos, senão o que somos”. É pre-ciso ser diferente para ver diferente. Mas, e o “Ser”? Ele é feito de quê? “Os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo”, dizia Wittgenstein.

O “Ser” é feito de palavras. Prisioneiros da linguagem, só vemos aquilo que a lin-guagem permite e ordena ver. A visão é um processo pelo qual construímos nos-sas impressões óticas se-gundo o modelo que a lin-guagem impõe. Então, para se ver diferente, é inútil refinar a linguagem, refinar as teor-ias. O refinamento das teo-rias só aumenta a clareza da mesmice. A pedagogia dos mestres Zen tinha por objetivo desarticular a lin-guagem, quebrar o seu “feitiço”.

KOAN

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Com o que concordaria Wittengstein, que definia a filosofia como uma luta com o feitiço da linguagem. Que-brado o feitiço, os olhos são libertados dos “saberes” e ganham a condição de ol-hos de criança: vêem como nunca haviam visto. Está lá em Alberto Caeiro, que fazia

poesia para que os seus leitores ganhassem olhos de criança... A psicanálise é uma versão moderna da pedago-gia Zen. Freud sugeriu que os neuróticos são pessoas “possuídas” pela memória, memória que as obriga a viver vendo um mundo da

forma como o viram num dia passado. A memória nos torna prisioneiros do passa-do, não nos deixa perceber a “eterna novidade do Mun-do”. Os neuróticos são pri-sioneiros da sua mesmice. Por isso, são confiáveis: serão hoje e amanhã o que foram ontem. A psicanálise

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é uma pedagogia da desa-prendizagem. É preciso es-quecer o que se sabe a fim de ver o que não se via. Se a terapia for bem-sucedida, se o paciente conseguir de-saprender suas memórias, então ele estará livre para ver o mundo que nunca ha-via imaginado. Roland Barthes teve uma iluminação Zen na sua velhice. Na sua famosa “Aula”, ele diz, como “últi-mas palavras”: Empreendo, pois, o deixar-me levar pela força de toda vida viva: o esquec-

imento. Há uma idade em que se ensina o que se sabe; vem, em seguida out-ra, em que se ensina o que não se sabe: isso se chama pesquisar. Vem talvez agora a idade de uma outra ex-periência, a de desaprender. E ele concluiu: “Essa experiência tem, creio eu, um nome ilustre e fora de moda, que ousarei tomar aqui sem complexo, na própria encruzilhada de sua etimologia: Sapientia...” Os mestres Zen nada ensinavam. O seu obje-tivo era levar os seus dis-cípulos a “desaprender” o que sabiam, a ficar livres de qualquer filosofia. Para isso eles se valiam de um artifício pedagógico a que davam nome de koan. Ko-ans são “rasteiras” que os mestres aplicam na lin-guagem dos discípulos: é preciso que eles caiam nas rachaduras de seus próprios saberes. A psicanálise repete a mesma coisa: a verdade aparece inesperadamente quando acontece o lapsus, a queda, uma fratura do dis-curso lógico. Aí, nesse mo-mento, a iluminação acon-tece. Abre-se um terceiro olho que estava fechado. Acontece o satori: o discí-pulo fica iluminado... Isso que estou di-zendo os poetas sempre souberam. Poemas são koans, violências à lógica da linguagem para que o leitor veja um mundo que nunca havia visto. É por isso que a experiência poética é sem-pre um evento místico,

de euforia. Não resisto à

tentação de transcrever um

trecho do poema de Vinícius

de Moraes, “O operário em

construção”. Tenho medo

desse poema porque choro

todas as vezes que o leio.

Ele começa descrevendo a

mesmice do mundo que o

operário via no seu cotidi-

ano, os pensamentos que

ele pensava, as palavras

que ele falava. Mas, de re-

pente...

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Á realidade virtual, a que seria perfeitamente homo-geneizada, colocada em números, “operacionalizada”, substitui a outra porque ela é perfeita, con¬trolável e não-contraditória.

Jean Baudrillard

CachorroVerde

SENHAS

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O Vírus

Em sua acepção

mais usual, o vir-

tual se opõe ao real,

mas sua subita emergência,

pelo viés das novas tecno-

logias, dá a impressão de

que, a partir de então, ele

marca a eliminação, o fim

des¬se real. Do meu ponto

de vista, como já disse,

fazer acontecer um mundo

real é já produzi-lo, e o real

jamais foi outra coisa senão

uma forma de simulação.

Podemos, certamente, pre-

tender que exista um

efeito de real, um efeito de

verdade, um efeito de ob-

jetividade, mas o real, em

si, não exis¬te. O virtual

não é, então, mais que uma

hipérbo¬le dessa tendência

a passar do simbólico para o

real - que é o seu grau zero.

Neste sentido, o vir¬tual

coincide com a noção de

hiper-realidade. Á realidade

virtual, a que seria per-

feitamente homogeneizada,

colocada em números, “op-

eracionalizada”, substitui a

outra porque ela é perfeita,

con¬trolável e não-contra-

ditória. Por conseguinte,

como ela é mais “acabada”,

ela é mais real do que o que

construímos como simula-

cro.

Não estamos mais na boa

e velha acepção filosó¬fica

em que o virtual era o que

estava destinado a tornar-se

ato, e em que se instaurava

uma dialética entre as duas

noções. Agora, o virtual é o

que está no lugar do real, é

mesmo sua solução final na

medida em que efetiva o

SENHAS

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mundo em sua realidade

definitiva e, ao mesmo tem-

po, assinala sua dissolução.

Chegando a esse ponto, é o

virtual que nos pensa: não

há mais necessidade de um

sujeito do pensamento, de

um sujeito da ação, tudo se

passa pelo viés de media-

ções tecnológicas. Mas será

que o virtual é o que põe

fim, definitivamente, a um

mundo do real e do jogo,

ou ele faz parte de uma

experimentação com a qual

estamos jogando? Será que

não estamos representando

a comédia do virtual, com

um toque de ironia, como

na comé¬dia do poder?

Essa imensa instalação da

virtuali¬dade, essa perfor-

mance no sentido artístico,

não é ela, no fundo, uma

nova cena, em que opera-

dores substituíram os

atores? Ela não deveria,

então, ser mais digna de

crença que qualquer outra

organiza¬ção ideológica.

Hipótese que não deixa de

ser tranqüilizante: no final

das contas tudo isso não

seria muito sério, e a exter-

minação da realidade não

seria, em absoluto, algo

incontestável.

Mas, no momento em que

nosso mundo efetivamente

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inventa para si mesmo seu

duplo vir¬tual, é preciso

ver que isto é a realização

de uma tendência que se

iniciou há bastante tempo.

A realidade, como sabemos,

não existiu desde sem-pre.

No virtual, não se trata mais

de valor; trata-se, pura e

simplesmente, de gerar

informação, de efetuar cál-

culos, de uma computação

generaliza¬da em que os

efeitos de real de

saparecem. Mas podemos

igualmente pen¬sar que

tudo isso não passa de

um caminho mais curto

para uma jogada que não

podemos ainda discernir

qual seja.

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Flexionandoo Imaginário

IDÉIAUm sábio não tem

François Jullien

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IDÉIA

Um sábio, estabelecer-emos de saída, não tem idéia.

“Não ter idéia” significa que ele evita pôr uma idéia à frente das outras- em det-rimento das outras: não há idéia que ele ponha em primeiro lugar, posta em princípio, servindo de fun-damento ou simplesmente de início, a partir do qual seu pensamento poderia se deduzir ou, pelo menos, se desenvolver. Princípio, arché: ao mesmo tempo o que começa e o que coman

da, aquilo por que o pensa-mento pode começar. Uma vez ele colocado, o resto segue. Mas, justamente, aí está a cilada, o sábio teme essa direção imediatamente tomada e a hegemonia que ela instaura. Porque a idéia assim que é proposta faz as outras refluírem, nem que para vir depois a associá-las a si, ou antes, ela já as jugulou por baixo do pano. O sábio teme esse poder or-denador do primeiro. Assim, essas “idéias”, ele tratará de mantê-las no mesmo plano – e está nisso

sua sabedoria: mantê-las igualmente possíveis, igualmente acessíveis, sem que nenhuma, passando a frente, venha a ocultar a outra, lance sombra sobre a outra, em suma, sem que nenhuma seja privilegiada.“Não ter idéia” significa que o sábio não está de posse de nenhuma, não é prisio-neiro de nenhuma. Sejamos mais rigorosos, literais: ele não avança nenhuma. Mas é possível evitar isso? Como poderíamos pensar sem nada propor? No entanto, assim que começamos

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a avançar uma idéia, diz-nos a sabedoria, é todo o real (ou todo o pensável) que, de repente, recua: ou antes, ei-lo perdido atrás, será necessário tanto es-forço e mediação, daí em diante, para se aproximar dele. Essa primeira idéia proposta rompeu o fundo de evidência que nos rodeava; apontando de um lado, este em vez daquele, ela nos fez pender para o arbitrário, nós fomos para este lado e o outro fica perdido, a queda é irremediável: ainda que depois reconstruamos todas as cadeias de razões possíveis, nunca escapa-remos – aprofundaremos sempre mais, enterrare-mos sempre mais, sempre presos nas anfractuosidades e nas entranhas do pensa-mento, sem nunca mais voltar à superfície, plana, a da evidência. Por isso, se você desejar que o mundo continue a se oferecer a você, diz-nos a sabedoria, e que, para tanto, ele possa permanecer indefinidam-ente igual, absolutamente estacionário, você tem de renunciar à arbitrariedade de uma primeira idéia (de uma idéia posta em primei-ro; inclusive aquela pela qual acabo de começar). Porque toda primeira idéia já é sectária: ela começou a monopolizar e, com isso, a deixar de lado. Já o sábio não deixa nada de lado, não deixa nada de mão. Ora, ele sabe que, ao se propor uma idéia, já se toma, nem que temporariamente, certo par-tido em relação à realidade:

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quem se põe a puxar um fio da meada das coerên-cias, este em vez daquele, começa a preguear (plisser) o pensamento em certo sentido. Por isso, propor uma idéia seria perder de saída o que você queria começar a esclarecer, por

mais prudente e metodica-mente que o faça: você fica condenado a um ângulo de visão particular, por mais que se esforce depois para reconquistar a totalidade; e, daí em diante, não parará de depender dessa prega (plí), a prega formada pela

primeira idéia proposta, de passar por ela; não parará mais, tampouco, de voltar a ela, querendo suprimi-la, e por isso de amarrotar de outro modo o campo do pensável – mas perde para sempre o sem pregas do pensamento.

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Miolo-Mole

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Entrevista com Eduardo Recife

Eduardo Recife é um artista/ Ilustrador / tipógrafo e Designer gráfico.Considerado um dos expoentes do design brasileiro, o artista, design-er, ilustrador e tipógrafo Eduardo Recife faz um trabalho que consiste

em colagens de imagens antigas, pinturas, rabiscos, e uso do computa-dor onde cria um efeito vintage em sua obras. Trabalhando como designer desde 1998, o artista tem grandes clientes como The New York Times, En-tertainment Weekly e HBO. Muito conhecido por suas colagens digitais, ele tem um SITE vasto e seus trabalhos são de cair o queixo, alem disso ele disponibiliza várias fontes (criadas por ele) para download gratuito.Segue a entrevista que ele nos concedeu:

Priori: você alguma vez

já se sentiu inseguro ao

fazer um job? Interpretar

um brefing? Se sim, voce

acha que isso passa com

o tempo?

Eduardo Recife: Sim,

muitas vezes percebo que

nem sou a pessoa ideal

para aquele projeto. E passo

esta informação para o

cliente. Prefiro perder um

trabalho do que entregar

algo que nao satisfaça nem

a mim nem ao cliente.

Nao acho que isto passe

com o tempo, dificuldades

vãoo sempre aparecer. Acho

que com o passar do tempo

você amadurece e percebe

quando é hora de dizer nao.

Priori: Voce já trabal-

hou para agências, ou

sempre teve seu próprio

escritório?

Eduardo Recife: Trab-

alhei em um escritório de

design por 2 anos em 2000-

2001. E apesar de ter sido

um bom aprendizado, decidi

sair e dedicar ao trabalho

de freelancer… (e é o que

tenho feito desde entao…)

Priori: Como voce vê a

carreira de Design hoje

no Brasil?

Eduardo Recife: Acho

que hoje me afastei muito

do design e acredito que

trabalho hoje mais como um

ilustrador. Nem me lembro

da ultima vez que usei o

Indesign ou fui acompanhar

um trabalho na gráfica…

Mas acho que o mercado

tem crescido e a sua aceita-

ção também

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Priori: Quais dos de-

signers e tipógrafos con-

temporâneos ele mais

admira (Brasil e exte-

rior)?

Eduardo Recife:

Nao tenho pesquisado

muito sobre

design ultima-

mente… Mas

gosto muito do

trabalho da

Marian Bantjes.

Priori: Peça a ele para

falar sobre processo

criativo. Ele segue algum

modelo ou varia de trab-

alho para trabalho?

Eduardo Recife: Nao

tenho um modelo e varia

sim de trabalho para tra-

balho. Mas normalmente

penso em um conceito e

uma estética que tenha a

ver com o projeto e começo

a pesquisa por imagens…

Priori: Que hábitos ele

considera fundamentais

para o estudante e

profissional da área de

design/ artes visiuais?

Eduardo Recife: Acho

que a pratica e a experi-

mentação são muito impor-

tantes. Hoje em dia todo

mundo se interessa mais

por ganhar dinheiro ou ser

reconhecido, o que nao é

ruim, mas nao devia ser a

principal preocupação de

quem trabalha com isto.

Acho que o desenvolvim-

ento e amadurecimento de

uma linguagem própria e do

trabalho em si, deveria ser

a principal preocupação.

Priori: Como ele trata a

questão do direito auto-

ral e onde ele consegue

as imagens que ele usa

nos seus trabalhos?

Eduardo Recife: O di-

reito autoral é um questão

delicada…

Logo quando

comecei eu

nao me preo-

cupava com

isto… Mas hoje em dia tomo

mais cuidado; principal-

mente quando sao trabal-

hos que vao ter uma grande

circulação e visibilidade…

Tive problemas uma vez

com uma ilustração para o

new york times, tinha usado

uma imagem de um padrão

de um livro e após ser pub-

licada a ilustração a autora

entrou em contato comigo

dizendo que precisava

pagar $250 pelos direito au-

torais… Podia ter sido pior.

Mas enfim… acho que uma

regra boa é usar o bom sen-

so… também nao adianta

nao adianta tentar usar somente imagens com permissão dos au-tores. Se fosse desta forma a cola-gem ja teria morrido a muito tem-po…

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tentar usar somente imagens

com permissão dos autores. Se

fosse desta forma a colagem ja

teria morrido a muito tempo…

Priori: Se o trabalho dele

foi influenciado pelo Scott

Makela e a geração Emigre?

Eduardo Recife: Minha

maior influencia naquela época

nao foi da Emigre… Mas de

um coletivo que se chamava

swanky... eram vários tipó-

grafos jovens, que seguiam a

linguagem da tipografia grunge

dos anos 90… Foi meu primeiro

contato com esta estética…

Nem conhecia David Carson

naquela época… Mas fui influ-

enciado por aquela

estética… Acho que hoje as coi-

sas perderam um pouco o val-

or… naquela época quem fazia

fontes era por amor mesmo…

nao tinha muito reconhecimen-

to e nem era algo lucrativo…

Fui começar a vender algumas

fontes quase 10 anos depois…

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Imaginando e Criando

Dicionário de Lugares imaginárias é uma compilação feita por Alberto Manguel e Gianni Guadalupi. O Dicionário de Lugar-

es Imaginários contém diversas que existem somente no imaginário das pessoas, cidades ficticias, criadas dentro da literatura mundial.

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Centrum TerraeRegião situada a cerca de 1500 quilômetros abaixo da superfície da Terra, cujo acesso é feito por vários lagos. Uma das entradas mais conhecidas é pelo MUMMELSEE, mas diz-se que há tantas entradas por lagos quanto dias no ano. Todas as passagens se encontram no palácio do rei que governa Centrum Terrae à maneira de uma abelha rainha. Seus súditos são espíritos da água mortais, mas vivem até trezentos anos e não sofrem de doenças nem podem ser mortos: eles simplesmente desaparecem. Os es-píritos são imcapazes de pecar e portanto, não são atingi-dos pela ira de Deus.Cada um dos lagos que dão acesso a Centrum Terrae é dirigido por um príncipe que se veste à maneira do povo do país onde se situa o lago, mas sem a pompa normalmente associada aos soberanos terrenos. Os lagos fora, criados por quatro motivos principais: oferecer aos espíritos da água uma janela para o mundo; ancorar os mares e ocean-os do mundo, funcionando um pouco como pregos que os mantém no lugar; oferecer uma rede de reservas de água; exprimir a vontade de Deus. A função dos espíritos que vivem neles é manter a terra úmida. Eles cultivam pérolas que ainda estão moles e se parecem com ovos cozidos.

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Cuttenclip Aldeia de Quadling, em OZ, cercada por muros altos pintados com ornamentos Azuis e rosa. A única en-trada é uma porta pequena na qual se lês este aviso: “Roga-se aos visitantes que andem com lentidão e cuidado e evitem tossir ou provocar qualquer cor-rente de ar”. A advertencia é necessária porque toda a população da aldeia é de bonecos de papel.Cuttenclip (que poderia ser traduzido por Corte-Recorte) consiste de casas e ruas cortadas de papel colorido. A exceção é uma casa de madeira no centro da aldeia de papel. Trata-se da casa da governante e criadora da comunidade, Srta. Cuttenclip, que vivia originalmente perto do castelo de Glinda, a Boa, no extremo sul de OZ; ela fazua bonecos de papel tão lindos que era uma pena que não tivessem vida. Glin-da deu-lhes então papel vivo e todos seus recortes passaram a falar. O problema é que esses bonecos eram carregados pela menor brisa. Glinda instalou então a Srta. Cuttenclip numa área abrigada e con-struiu um muro em volta. Também protegeu a aldeia da chuva, para que o povo de papel não se danifi-casse ou dissolvesse. A Srta. Cuttenclip é obviamente adorada por seus súditos; quando a vêem, ficam fe-lizes de acenar seus lenços de papel e cantam o hino nacional, A bandeira de nossa terra natal

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Eudóxia.Cidade da Ásia, que se estende para cima e para baixo, com vielas tortuosas, escadas, becos e casebres. Em Eudóxia con-serva-se um tapete no qual se pode contemplar a verdadeira forma da cidade. à primeira vista, nada é tão pouco parecido com Eudóxia quanto o desenho do tapete, ordenado em figuras simétricas que repetem os próprios motivos com linhas retas e circulares, entrelaçado por agulhadas de cores resplandecen-tes, cujo alternar de tramas pode ser acompanhado ao longo de da urdidura. Mas ao se deter para observá-lo com atenção, percebe-se que cada ponto do tapete corresponde a um ponto da cidade estão compreendidas no desenho, dispostas se-gundo as suas verdadeiras intenções, as quais se evadem aos olhos distraídos pelo vaivém, pelos enxames, pela multidão. A confusão de Eudóxia, os zurros das mulas, as manchas negro-de-cumo, os odores de peixe é tudo o que aparece na perspec-tiva parcial que se colhe; mas o tapete prova que existe um ponto a qual a cidade mostra as suas verdadeiras proporções, o esquema geométrico implícito nos mínimos detalhes. É fácil perder-se em Eudóxia; mas, quando se olha atenta-mente para o tapete, reconhece-se o caminho perdido num fio de marcesi ou anil ou vermelh-amaranto que, após um longo giro, faz com que se entre num recinto de cor púrpura que é o verdadeiro ponto de chegada. Cada habitante de eudóxia com-para a ordem imóvel do tapete a uma imagem sua da cidade, uma angústia sua, e todos podem encontrar, escondidas entre os arabescos, uma resposta, a história de suas vidas, as vicis-situdes do destino. Sobre as relações misteriosas de dois objetos tão diferentes entre si como o tapete e a sua cidade foi interrogado um orá-culo. Um dos dois objetos – essa foi a resposta – tem a forma que os deuses deram ao céu estrelado e às órbitas nas quais os mundos giram; o outro é um reflexo aproximado do primei-ro, como todas as obras humanas.Há muito tempo os profetas tinham certeza de que o harmôni-co desenho do tapete era feitura divina; interpretou-se o orá-culo nesse sentido, sem dar espaço para controvérsias. Mas da mesma maneira pode-se chegar à conclusão oposta: que o verdadeiro mapa do universo seja a cidade de Eudóxia assim como é, uma mancha que se estende sem forma, com ruas em ziguezague, casas que na grande poeira desabam umas sobre as outras, incêndios, gritos na escuridão.

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ContandoAreia

Ninguém terá deixado de observar que freqüentemente o chão se dobra de tal maneira que uma parte sobe em ângulo reto com o plano do chão,

e logo a parte seguinte se coloca paralela a esse plano, para dar passagem a uma perpendicular, comportamento que se repete em espiral ou em linha quebrada até alturas extremamente variáveis. Abaixando-se e pondo a mão esquerda numa das partes verticais, e a direita na horizontal correspondente, fica-se na posse momentânea de um degrau ou escalão. Cada um desses de-graus, formados, como se vê, por dois elementos, situa-se um pouco mais acima e mais adiante do anterior, princípio que dá sentido à escada, já que qualquer outra combinação produziria formas talvez mais bonitas ou pitores-cas, mas incapazes de transportar as pessoas do térreo ao primeiro andar.

Instruções para subir uma escadaJulio Cortázar

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As escadas se sobem de frente, pois de costas ou de lado tor-nam-se particularmente incômodas. A atitude natural consiste em manter-se em pé, os braços dependurados sem esforço, a cabeça erguida, embora não tanto que os olhos deixem de ver os degraus imediatamente superiores ao que se está pisando, a respiração lenta e regular. Para subir uma escada começa-se por levantar aquela parte do corpo situada em baixo à direta, quase sempre envolvida em couro ou camurça e que salvo algumas exceções cabe exatamente no degrau. Colocando no primeiro degrau essa parte, que para simplificar chamaremos pé, recolhe-se a parte correspondente do lado esquerdo (também chamada pé, mas que não se deve confundir com o pé já mencionado), e levando-a à altura do pé faz-se que ela continue até colocá-la no segundo degrau, com o que neste descansará o pé, e no primeiro descansará o pé. (Os primeiros degraus são os mais difíceis, até se adquirir a coordenação necessária. A coincidência de nomes entre o pé e o pé torna difícil a explicação. Deve-se ter um cui-dado especial em não levantar ao mesmo tempo o pé e o pé.) Chegando dessa maneira ao segundo degrau, será suficiente repetir alternadamente os movimentos até chegar ao fim da escada. Pode-se sair dela com facilidade, com um ligeiro golpe de calcanhar que fixa em seu lugar, do qual não se moverá até o memento da descida.

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Desa§O§ego

Penso! Logo Escrevo

Fernando PessoaÉ considerado um dos maiores poetas da Língua Portuguesa, e da Literatura Universal, mui-tas vezes comparado com Luís de Camões. Com sei anos foi morar na África do Sul, lugar onde aprendeu com perfeição o inglês. Com 17 retorna para Lisboa dando início à sua carreira literária Foi também empresário, editor, crítico literário, jornalista, comentador político, tradutor, inventor, astrólogo e publicitário, ao mesmo tempo que produzia a sua obra literária em verso e em prosa. Como poeta, desdobrou-se em múltiplas personalidades conhecidas como heterónimos, objeto da maior parte dos estu-dos sobre sua vida e sua obra. Centro irradiador da heteronímia, auto-denominou-se um “drama em gente”.

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Nunca durmo: vivo e sonho, ou antes, sonho em vida e a dormir, que também é vida.Não há interrupção em minha consciência: sinto o que me cerca e não durmo ainda, ou se não durmo bem; entro logo a sonhar desde que deveras durmo. Assim, o que sou é um perpétuo desenrolamento de imagens, conexas ou desconexas, fingindo sempre de exteri-ores, umas postas entre os homens e a luz, se estou desperto, outras postas en-tre os fantasmas e a sem luz que se vê, se estou dormin-do. Verdadeiramente, não sei como distinguir uma coisa da outra, nem ouso afirmar se não durmo quando estou desperto, se não estou a despertar quando durmo.A vida é um novelo que alguém emaranhou. Há um sentido nela, se estiver de-senrolada e posta ao com-prido, ou enrolada bem. Mas, tal como está, se estiver en-rolada é um problema sem novelo próprio, um embrul-har-se sem onde.

Sinto isso, e depois escrever-ei, pois que já vou sonhando as frases a dizer, quando, através da noite de meio-dormir, sinto, junto com as paisagens de sonhos vagos, o ruído da chuva lá fora, a tornarmos mais vagos ainda.Era sem dúvida, nas alame-das do parque que se passou a tragédia de que resultou a vida. Eram dois e belos e desejavam ser outra coisa; o amor tardava-lhes no tédio do futuro.Não sei o que é o tempo. Não sei qual a verdadeira medida que ele tem, se tem alguma.A do relógio sei que é falsa: divide o tempo especial-mente, por fora. A das emoções sei que também é falsa: divide, não o tempo, mas a sensação dele. A dos

sonhos é errada; nele roça-mos o tempo, um na vez prolongadamente, outra vez depressa, e o que vivemos é apressado ou lento conforme qualquer coisa do decorrer cuja natureza ignoro.Julgo, às vezes, que tudo é falso, e que o tempo não é mais do que uma moldura para enquadrar o que lhe é estranho. Na recordação que tenho de minha vida, os tempos estão dispostos em níveis e planos absurdos, sendo eu mais jovem em certo episódio dos quinze anos solenes.Chegam-me então, pensa-mentos absurdos, que não consigo todavia repelir. Penso se um homem medita devagar dentro de um carro que segue depressa, penso se serão iguais as velo-cidades identicas com que caem no mar o suicida ou o que se desiquilibrou na esplanada. Penso se real-mente não são sincrônicos os movimentos, que ocupam o mesmo tempo, entre os quais fumo, escrevo e penso obscuramente.

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