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ISSN 2177-8892 2074 PRIMEIRO GRUPO ESCOLAR DO MUNICÍPIO DE GADO BRAVO/PB: DESBRAVANDO A SUA HISTÓRIA Ana Maria Henrique de Souza (UFCG) Niédja Maria Ferreira de Lima (UFCG) 1 Introdução Estudos historiográficos da educação brasileira que tratam da origem, organização e expansão dos primeiros grupos escolares no país, revelam que esse novo modelo de organização de ensino primário surgiu, primeiramente, no estado de São Paulo, no ano de 1894. Foi introduzido pelos republicanos e decorreu da organização do sistema público de ensino, sendo adotado aos poucos por outros estados brasileiros. Na Paraíba, o primeiro grupo escolar foi inaugurado no ano de 1916, marcando um lento processo de substituição das cadeiras isoladas pelos grupos escolares (PINHEIRO, 2002). A intenção deste estudo foi o de propiciar conhecimentos acerca da conjuntura histórica, política e educacional que culminaram no processo de criação deste modelo escolar, nos contextos brasileiro e paraibano, no componente curricular Fundamentos Históricos da Educação II, do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), ofertada aos alunos do período 2013.2. Para isso, tomamos como base autores que tratam da história da educação brasileira e paraibana, mais especificamente, os que abordam a temática das primeiras instituições escolares da Paraíba (ARANHA, 2006; SAVIANI, 2011; PINHEIRO, 2002; PINHEIRO E CURY, 2012; MELO, 1996; SILVA, 2009;VEIGA, 2007; RODRIGUES, 2012). Assim, pretendemos neste texto relatar a experiência vivenciada na referida disciplina que abordou, dentre os conteúdos, a história da educação brasileira e paraibana com os objetivos de discutir a construção histórica do trabalho docente na escola pública paraibana e implementar um processo de articulação entre ensino e pesquisa. Nossas pretensões aqui são as de buscar os vestígios da primeira instituição de

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ISSN 2177-8892 2074

PRIMEIRO GRUPO ESCOLAR DO MUNICÍPIO DE GADO BRAVO/PB:

DESBRAVANDO A SUA HISTÓRIA

Ana Maria Henrique de Souza (UFCG)

Niédja Maria Ferreira de Lima (UFCG)

1 Introdução

Estudos historiográficos da educação brasileira que tratam da origem,

organização e expansão dos primeiros grupos escolares no país, revelam que esse novo

modelo de organização de ensino primário surgiu, primeiramente, no estado de São

Paulo, no ano de 1894. Foi introduzido pelos republicanos e decorreu da organização do

sistema público de ensino, sendo adotado aos poucos por outros estados brasileiros. Na

Paraíba, o primeiro grupo escolar foi inaugurado no ano de 1916, marcando um lento

processo de substituição das cadeiras isoladas pelos grupos escolares (PINHEIRO,

2002). A intenção deste estudo foi o de propiciar conhecimentos acerca da conjuntura

histórica, política e educacional que culminaram no processo de criação deste modelo

escolar, nos contextos brasileiro e paraibano, no componente curricular Fundamentos

Históricos da Educação II, do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia da

Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), ofertada aos alunos do período

2013.2. Para isso, tomamos como base autores que tratam da história da educação

brasileira e paraibana, mais especificamente, os que abordam a temática das primeiras

instituições escolares da Paraíba (ARANHA, 2006; SAVIANI, 2011; PINHEIRO, 2002;

PINHEIRO E CURY, 2012; MELO, 1996; SILVA, 2009;VEIGA, 2007; RODRIGUES,

2012).

Assim, pretendemos neste texto relatar a experiência vivenciada na referida

disciplina que abordou, dentre os conteúdos, a história da educação brasileira e

paraibana com os objetivos de discutir a construção histórica do trabalho docente na

escola pública paraibana e implementar um processo de articulação entre ensino e

pesquisa. Nossas pretensões aqui são as de buscar os vestígios da primeira instituição de

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ensino primário, o Grupo Escolar Municipal São José de Gado Bravo/PB, município

onde nascemos e moramos.

2 Origem dos grupos escolares na Paraíba: apontamentos teóricos

O novo modelo de organização escolar na Paraíba, data do ano de 1916, quando

foi inaugurado o primeiro grupo escolar marcando, assim, o princípio de um lento

processo de substituição da era das cadeiras isoladas para era dos grupos escolares

(PINHEIRO, 2002). Conforme o autor, esse novo modelo de instituição escolar surgiu

no estado de São Paulo em 1894 e passou a ser adotado como modelo para outras

unidades da Federação. No entanto,

o processo de implantação e expansão desse novo tipo de instituição

escolar ocorreu de forma desigual e atendeu as necessidades sociais e

culturais condicionadas a particularidades políticas e econômicas e no

nível de organização escolar existente ema cada estado[...] (

PINHEIRO, 2002,p.125).

Ainda conforme o autor, no estado da Parahyba do Norte, no transcorrer de

1916 a 1929, foram criados 14 grupos escolares, cinco localizados na capital João

Pessoa e os demais nas maiores cidades do interior, quais sejam: Umbuzeiro, Itabaiana,

Guarabira, Campina Grande, Ingá, Princesa Isabel, Areia e Sousa. Com efeito, a

implantação desses grupos escolares seguiu ritmos e especificidades próprias das

municipalidades e situou-se entre o fim do Império e a primeira metade da República,

inaugurando o novo modelo de ensino primário no Brasil. O projeto político e

educacional republicano difundido nas ideias de Benjamin Constant, Manoel Bomfim e

Rui Barbosa, refere-se ao ideário de uma educação que tinha o propósito de ser

disseminada a todo povo brasileiro como forma de assegurar uma transformação que,

grosso modo, na visão desses e outros pensadores da época, propiciaria o progresso.

Portanto, a ideia era civilizar, moralizar, educar e regenerar a sociedade para assim

formar uma nação adiantada. Nesse contexto, a ideia de construção e transformação da

nação brasileira como projeto eminentemente educacional, se consubstancia no objetivo

de difundir o ensino a toda população.

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[...] Por todas as regiões do país verificam-se semelhanças nas

representações e nas práticas discursivas em torno da importância

política e social da instrução pública vinculada às expectativas de

desenvolvimento econômico, de progresso, de modernização e de

manutenção do regime republicano [...]. (SOUZA; FARIA FILHO,

2006, p.29)

Convém registrarmos ainda as características físicas dos grupos escolares, pois

os projetos arquitetônicos da época acompanharam o processo de modernização da

sociedade brasileira nas décadas de 1920 a 1930, particularmente, aqueles construídos

nos bairro de elite ou nos grandes centros das cidades. Assim, como esclarecem

Pinheiro (2002) e Veiga (2007), de uma maneira geral, os grupos escolares

apresentavam como características físicas: prédios escolares, projetados com base na

racionalização do espaço interno, com várias salas de aula, sala de direção, sala de

professores, secretaria, laboratórios didáticos, museu, biblioteca, áreas de recreação,

refeitório e/ou cantina, quadra para jogos, etc.

Foi nesse contexto, que os primeiros grupos escolares paraibanos foram alocados

em suntuosas edificações. Pinheiro (2002) cita o caso específico do Grupo Escolar Dr.

Thomaz Mindello, criado em 1916 e localizado no centro da capital João Pessoa, e do

Grupo Escolar Solon de Lucena, fundado no ano de 1924, situado na principal Avenida

de Campina Grande. O referido autor ainda esclarece que os grupos escolares não

apenas atenderam às exigências estéticas da elite, mas também se prestaram a

modernizar e embelezar a capital paraibana.

Compartilhando desse posicionamento, Veiga (2007, p.247) ressalta que:

À medida que se disseminaram, os grupos escolares marcaram de

forma significativa a paisagem urbana, especialmente nos grandes

centros, que devido ao estilo arquitetônico neoclássico e à importância

dos prédios, quer pela presença dos estudantes nos desfiles e

festividades cívicas. Essa visibilidade não implicou, porém, a

democratização efetiva do acesso à escola. Amplos setores da

população brasileira continuavam excluídos do processo educacional.

Outro aspecto a ser considerado na passagem do modelo de organização escolar

das cadeiras isoladas para o dos grupos escolares é o contexto político e econômico em

que foram construídos: o das oligarquias cafeeiras, dos produtores de leite -“política

café-com-leite”- aliados aos produtores de açúcar nordestinos, cujo clientelismo se

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manifestava em todos os níveis da administração pública. Estas forças conservadores,

segundo Pinheiro (2002), passaram a utilizar nomes das lideranças (dos coronéis) para

denominar esse novo tipo de instituição escolar –os grupos escolares. Com efeito, as

escolas públicas serviram para marcar o poder das oligarquias, cujos nomes seriam

sempre lembrados, portanto, passaram a ser utilizadas como veículo de propaganda

política.

Esse perfil oligárquico da sociedade paraibana repercutiu na elaboração dos

dispositivos legais que definiram, conforme Rodrigues (2012), tanto as modalidades e

procedimentos de contratação de professores quanto os requisitos necessários, de cunho

moralizante, a serem preenchidos pelos aspirantes ao cargo de professor primário, na

Paraíba oitocentista. Esta autora também constatou em seus estudos que

as prescrições legais findam por se constituírem como exemplos de

peças de retórica, uma vez que, ao longo do período estudado,

persistem formas clientelistas, patrimonialistas, de tutela e favor, na

escolha de pessoas para o cargo de professores primários, em

consonância com o perfil da sociedade paraibana da época, sujeita ao

“mandonismo dos coronéis” (RODRIGUES, 2012,p.33).

3 Grupo Escolar São José: apontamentos históricos

Antes de apresentarmos os primeiros apontamentos sobre a primeira instituição

escolar de Gado Bravo/PB, cabe conhecermos um pouco de sua história: é um pequeno

município do cariri paraibano, que conta com 8.236 habitantes1, a grande maioria

residente na zona rural, e tem como principal atividade econômica a agricultura e a

pecuária como fonte de subsistência. Teve seu povoamento iniciado no fim do século

XIX e início do século XX, com migrações de origem endógena e exógena,

principalmente do estado de Pernambuco, não se sabe por que, talvez pela proximidade

da fronteira interestadual. Já foi distrito de Umbuzeiro e de Aroeiras, e se emancipou em

29 de abril de 1994. A principal festa gado-bravense é a homenagem ao santo padroeiro

1 IBGE, 2010. Disponível em http://cidades.ibge.gov.br/

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da cidade "São José”, que recebe turistas da região. No âmbito cultural, a vaquejada,

realizada no Parque Sem Boi, é um evento muito importante para a cidade. Ainda tem

uma banda marcial cujo nome é “Banda Marcial 29 de abril de 1994”, e que no mês de

setembro viaja por várias cidades circunvizinhas para puxar os desfiles cívicos. No

âmbito educacional, apesar de o município contar com escolas de Ensino Fundamental e

Ensino Médio, uma Escola Específica Bilíngue para Surdos, e com programas

educacionais do MEC, ainda tem um percentual relevante de analfabetos.

Para desenvolvermos o estudo, recorremos às fontes documentais e colhemos

depoimentos de profissionais que trabalharam na instituição. Nessa etapa, nos

deparamos com a carência de material documental oficial (Decreto de criação) dos anos

iniciais dessas escolas, mas tivemos acesso à fotografias que retratavam momentos

importantes do grupo escolar.

Gado Bravo ainda era distrito de Aroeiras quando foi construído o Grupo

Escolar Municipal São José. Não encontramos registros documentais oficias da data de

criação deste grupo escolar, mas segundo relato da antiga diretora, Dona Maria Eliete

Oliveira Barbosa, sua fundação data de aproximadamente do ano de 1972. Ainda

segundo a diretora, a instituição recebeu esse nome em homenagem ao Santo Padroeiro

do local São José. Em relação à arquitetura do prédio verificamos que, apesar de

encontrar-se instalado no mesmo endereço, na Rua José Mariano Barbosa no centro da

cidade, houve mudanças na construção original, pois de um estilo arquitetônico simples

com número inferior de salas de aula- duas-; teve sua estrutura ampliada para atender às

novas demandas educacionais da população gado-bravense. Portanto, o prédio original

(Foto 1) era composto apenas por duas salas de aulas e um banheiro. Nos primeiros

anos de funcionamento não havia cantina nem secretaria. O corpo docente e

administrativo, contava com oito professores, uma secretaria, um vigia, duas

merendeiras e uma diretora. A direção do grupo escolar, durante os anos de 1979 a

1990, coube a professora Maria Eliete Oliveira Barbosa. Portanto, foram 11 anos à

frente da gestão escolar.

Conforme podemos observar na foto 1, a estrutura arquitetônica do grupo escolar

era muito simples, um padrão inferior de construção desprovido de outros ambientes

didático-pedagógicos, não correspondendo ao padrão de arquitetura pedagógica

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projetado para grupos escolares de outras médias e pequenas cidades do interior

paraibano (João Pessoa, Campina Grande, Umbuzeiro, Areia, Bananeiras, Pombal,

Guarabira, entre outras), adotadas desde os anos de 1930, quando o modelo de

organização escolar caracterizado pelos grupos escolares passou a predominar na

Paraíba. Inferimos que o fato de o Grupo Escolar São José ter sido planejado para

atender a um número pequeno de alunos da classe popular gado-bravense contribuiu

para que não houvesse um investimento maior no projeto arquitetônico, pois Gado

bravo ainda era distrito de Aroeiras.

Como vimos nos apontamentos teóricos, particularmente, nos estudos realizados

por Pinheiro (2002), o caráter permanente de expansão dos grupos escolares no “estado

da Parahyba do Norte”, no período que se estendeu de 1916 a 1929, os primeiros grupos

escolares foram alocados em suntuosas edificações, adaptadas ou construídas em bairros

de elite ou nos centros da cidade, á exemplo do Grupo Escolar Dr. Thomaz Mindello,

criado em 1916 e localizado no centro da capital João Pessoa, e do Grupo Escolar Solon

de Lucena, fundado no ano de 1924, situado na principal avenida de Campina Grande,

que assegurou a implantação desse modelo de escola primária no interior do estado.

No ano de 1988, o grupo escolar mudou o nome para Escola Municipal de

Ensino Fundamental Pe. Godofredo Joosten em homenagem ao Padre holandês que por

muitos anos permaneceu na cidade e fundou a Igreja local. Sua estrutura física atual é

composta por vinte e nove ambientes, sendo dezenove salas de aula e dez de apoio:

biblioteca, sala de vídeo, sala de informática além, de sala de professores, secretaria,

coordenação de área, coordenação da equipe técnica, sala de arquivo, cozinha e

almoxarifado. Possui ainda, uma quadra poliesportiva, dois pátios um coberto e outro ao

ar livre (Foto 2).

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Nas informações contidas nos documentos oficias, bem como nos depoimentos

do corpo técnico-pedagógico, foi possível identificar alguns aspectos relativos à

organização de ensino no Grupo Escolar São José e a atuação e formação das

professoras e da diretora. O primeiro aspecto, diz respeito às turmas que eram ofertadas:

uma turma de preliminar; a que antecedia a alfabetização A, B e C; uma turma de 1ª, 2ª,

3ª e 4ª séries, e quatro professoras atuando em cada turno. Quanto ao número se alunos

matriculados nos primeiros anos de funcionamento do grupo escolar, pudemos ver nos

registros de matrícula que perfazia uma média de 30 alunos por turma, do sexo feminino

e masculino. Dona Elite, revelou que, no ano em que ela foi designada para administrar

o grupo escolar, as dificultadas eram imensas, desde a vinda de alunos que tinham que

se descolavam de várias formas dos sítios para virem estudar no então distrito de Gado

Bravo; até a falta de espaços para secretaria e cozinha onde as merendeiras deveriam

cuidar da merenda dos alunos. Por isso, as merendeiras da época Dona Ana Andrade e

Dona Josefa Boaventura, faziam a comida em suas respectivas casas e levavam a panela

na cabeça para a escola. Também o grupo escolar não dispunha de recursos materiais

para as professores trabalharem com os alunos, tendo muitas vezes que se deslocarem à

Aroeiras, sede do município, para pegá-los. Em relação aos materiais em que eram

feitas as matrículas dos alunos, Dona Eliete nos mostrou folhas de cadernos avulsas

com a lista de matriculados, pois, naquela época, não tinha ficha de matrícula oficial

disponível no distrito. Vejamos o depoimento da diretora:

Foto 1- Grupo Escolar Municipal São José,

prédio original.

Fonte: Profa Maria Eliete Oliveira Barbosa

Foto 2: Escola Municipal de Ensino

Fundamental Pe. Godofredo Joosten após a

reforma e ampliação nos anos 1990.

Fonte: Profa Maria Eliete Oliveira Barbosa

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Quando eu cheguei a esse grupo escolar, funcionava as séries

preliminar, alfabetização, turmas A, B e C; 1ª, 2ª, 3ª e 4ª series, com

quatro professoras em cada turno. Depois de um ano, foi que eu

reorganizei por turno, aí passou a funcionar umas séries na parte da

manha e outras na parte da tarde, só não me lembro exatamente quais

ficaram de manhã e quais ficaram a tarde. Como eu havia solicitado a

secretaria de educação a construção de mais uma sala de aula e uma

cantina e meu pedido foi atendido aí sim as coisas na escola ficaram

melhor, porque como eu não tinha espaço para a secretaria eu coloquei

uma cortina em uma sala de aula para dividir e fiz a minha secretaria.

(Profa Maria Eliete Oliveira Barbosa)

Como se pode observar, o funcionamento do Grupo Escolar São José foi

marcado por muitas dificuldades, dando a impressão de um abandono por parte dos

poderes púbicos que administravam aquele distrito. Tal fato pode estar relacionado ás

condições locais já que se tratava de uma comunidade localizada no meio rural,

economicamente pobre, subordinada ao poder municipal. Assim, embora a proposta de

criação de uma instituição escolar visasse atender às demandas da população

gadobravense e manter as crianças no campo, não provinha a instituição das reais

condições pedagógicas e matérias que pudessem favorecer o efetivo funcionamento do

Grupo Escolar Municipal São José.

Quanto ao aspecto da formação dos profissionais que trabalharam no grupo

escolar, obtivemos informações de Dona Eliete sobre sua formação. Ela nos disse que

quando assumiu a direção do grupo havia concluído apenas a 4ª serie do ensino básico e

só depois que já estava na direção foi que cursou o Logos I e II, conforme mostra seu

depoimento:

No tempo em que fui designada a ser diretora do São José pelo

Prefeito Gilberto Bezerra tinha apenas a 4ª serie e já era professora no

sitio onde morava, [...] não imaginava que fosse tão complicado e

trabalhoso, porque além de ser a diretora do São José, o único grupo

do município, era ainda a coordenadora de todas as escolas da região.

Essas escolas funcionavam em casas normais, e tinha que todo mês

fazer planejamento com essas professoras; fazia reuniões com

professores, pais e responsáveis. Posso dizer que aceitar a direção foi

aceitar mais trabalho e continuar ganhando o mesmo. (Profa. Maria

Eliete Oliveira Barbosa)

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Como podemos constatar a nomeação da referida professora para responder pela

direção do grupo escolar não se deu por concurso público, nem tampouco a exigência de

formação específica para atuar no magistério. Além disso, o próprio governo pagava

mal aos professores e não oferecia condições adequadas para o funcionamento do grupo

escolar. Esses elementos dão indícios de que nesta região “prevalecia a tradição

pragmática de acolher professores sem formação a partir do pressuposto de qeu não

havia necessidade de nenhum método pedagógico específico” (ARANHA, 2006, p.227).

A discussão em torno da formação de professores para o magistério foi questão

central no Brasil republicano (1889). Segundo Aranha (2006), com a descentralização

do ensino fundamental, a criação das escolas normais dependia da iniciativa pioneira de

alguns estados, como o de São Paulo e também do Rio de Janeiro, que serviram de

modelo para a instalação dos cursos nos demais estados brasileiros. Na Paraíba, Araújo

(2010) afirma que a criação da Escola Normal

[foi atravessada] pelo ideário da modernidade, do fortalecimento do

clientelismo e do sistema oligárquico, por disputas políticas diversas,

dificuldades econômicas e reclamações sobre as condições precárias

da instrução pública e sobre o despreparo dos professores primários na

realidade educacional paraibana (ARAÚJO, 2010, p. 151).

Nesse contexto, merece destaque ainda o espaço privilegiado ocupado pelas

comemorações cívicas no período de gestão do grupo escolar de Dona Eliete (1979 a

1990).

Na semana do dia da Independência era trabalhado com as crianças o

sentido de se comemorar a Independência do país, na qual os alunos

faziam o hasteamento da bandeira e fazia o desfile cívico, uma vez

que estavam vivendo o período da Ditadura Militar, e a escola era a

grande responsável na perpetuação da ordem no país.

(Profa Maria Eliete Oliveira Barbosa)

Visualizamos no depoimento acima aspectos de um processo de elaboração do

imaginário da república no chão da escola primária. O fato de a escola deter, naquela

época, a credibilidade social, escolarizou práticas como, por exemplo, as festas cívicas

Essas festas escolares permitiam a interação não apenas dos alunos, mas de toda a

comunidade a partir e de dentro da escola como centro formativo à vida pública

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(FARIA FILHO, 2005, apud CIAMPI & GODOY, 2014). Nos anos de 1964 a 1985, os

brasileiros viveram os “anos de chumbo”, que foram danosos à cultura, à educação, e a

economia-política do país. Portanto, a intenção explícita da ditadura militar, segundo

Aranha (2006, p.314) era “educar politicamente a juventude revelou-se no decreto de lei

baixado pela Junta Militar em 1969, que tornou obrigatório o ensino de Educação Moral

e Cívica”. Essa concepção é reforçada em outro depoimento em que a Profa Eliete

relata os preparativos para o dia do evento.

Eu fazia convites para os pais, para as autoridades da região, para o

prefeito, convidando para o estiramento da bandeira, e depois para os

Desfiles Cívicos. Os alunos cantavam o Hino Nacional com a mão no

peito, enquanto os soldados hasteavam a bandeira. Eu formava uma

fila com os alunos de um lado, pais de outro lado, professores também

em posição para poder cantar e os soldados estiarem a bandeira. Só

descansava quando eles dissessem que podia. Assim, realizávamos

esse momento cívico todos os anos, ás 8:00 horas da manhã, e depois

do hasteamento eu sendo a diretora do grupo escolar, discursava a

respeito da importância da Independência para o nosso país.

(Profa Maria Eliete Oliveira Barbosa)

As fotografias que seguem são reveladoras da finalidade educativa das festas e

comemorações cívicas para a vida da sociedade gadobravense.

Foto 3: A diretora Profa Eliete e os

alunos do Grupo Escolar São José no

desfile cívico de 7 de Setembro de 1990.

Foto 4: Alunos do grupo escolar

participando de outros desfile cívico

de 07 de Setembro de 1990.

Fonte: Arquivo da Profa Eliete

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4 Considerações finais

Mediante os estudos realizados na disciplina de Fundamentos Históricos da

Educação II, consideramos que a proposta de desbravarmos e conhecermos a trajetória

histórica das primeiras escolas implantadas na Paraíba e, particularmente, no município

onde moramos (Gado Bravo) nos possibilitou revelar traços singulares da história do

Grupo Escolar São José de Gado Bravo/PB. Reconhecemos os grandes desafios

enfrentados pela gestão para manter a instituição funcionando, e o grupo escolar como

espaço formativo à vida dos estudantes desta comunidade escolar e, por consequência,

de assimilação de princípios voltados ao espírito cívico e morais. Enfim, nos permitiu

ainda uma imersão em nossas raízes educacionais, pois compartilhamos do

entendimento de Aranha (2006, p.19) de que é no “passado que se fundam as raízes do

presente”.

5 Referências

ARANHA, Maria Lúcia Arruda. História da educação e da pedagogia. São Paulo:

Moderna, 2006.

ARAÚJO, Rosy Mary de Souza. Escola Normal na Parahyba do Norte: movimento e

constituição da formação de professores no século XIX. Tese. Programa Pós-Graduação

em Educação, UFPB, João Pessoa, 2010. 320 f. Digitada.

PINHEIRO, Antonio Carlos Pereira. Da era das cadeiras isoladas à era dos grupos

escolares na Paraíba. Campinas-SP: Universidade São Francisco, 2002. (Coleção

educação contemporânea).

PINHEIRO, Antônio Carlos Ferreira; CURY, Cláudia Engler (orgs.). Histórias da

educação da Paraíba: rememorar e comemorar. João Pessoa: Editora

Universitária/UFPB, 2012.

RODRIGUES, Melânia Mendonça. Traços da profissionalização docente na província

da Parahyba do Norte (1830-1886). In: PINHEIRO, Antônio Carlos Ferreira; CURY,

Cláudia Engler (orgs.). Histórias da educação da Paraíba: rememorar e comemorar.

João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2012.

SAVIANI, Dermeval et. al. O legado educacional do século XX no Brasil. Campinas,

SP: Autores Associados, 2004.

ISSN 2177-8892 2085

SILVA, Vivia de Melo. Grupo escolar Sólon de Lucena: um novo modelo de

escolarização primária para a cidade de Campina Grande- Pb(1924-1937). – João

Pessoa, 2009. Disponível: http://www.ce.ufpb.br/ppge/Dissertações.

SOUZA, Rosa Fátima de. FARIA FILHO, Luciano Mendes de. A contribuição dos

estudos sobre grupos escolares para a renovação da História do Ensino Primário no

Brasil. In: VIDAL, Diana Gonçalves (org.). Grupos escolares: cultura escolar primária

e escolarização da infância no Brasil (1893-1971). Campinas, SP: Mercado de letras,

2006, p.21-56.

VEIGA, Cynthia Greive. História da Educação. São Paulo: Ática, 2007.

Site consultado

http://sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe7/pdf/historiadasinstituicoesepraticaseducativas/

emnomedaordem-asescolasmunicipaisdeprimeirograu.pdf. Data de acesso: 14 de

setembro de 2014.