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FAZENDA SERRA NEGRA F UNDEC D EPARTAMENTO DE P ATRIMÔNIO N ATURAL E Poemas Escolhidos (Gregório de Matos) Que falta nesta cidade? . . .Verdade. Que mais por sua desonra? . . . Honra. Falta mais que lhe ponha? . . . Vergonha. O demo a viver se exponha, Por mais que a fama a exalta. Numa cidade onde falta Verdade, Honra , Vergonha . Quem a pôs neste rocrócio ? . . . Negócio. Quem causa tal perdição ? . . . Ambição. E a maior dessa loucura? . . . Usura . Notável desaventura De um povo néscio e sandeu

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F A Z E N D A S E R R A N E G R A

F U N D E C D E P A R T A M E N T O D E P A T R I M Ô N I O N A T U R A L E

Poemas Escolhidos(Gregório de Matos)

Que falta nesta cidade? . . .Verdade.Que mais por sua desonra? . . . Honra.

Falta mais que lhe ponha? . . . Vergonha.

O demo a viver se exponha,Por mais que a fama a exalta.

Numa cidade onde falta Verdade, Honra , Vergonha .

Quem a pôs neste rocrócio ? . . . Negócio.

Quem causa tal perdição ? . . . Ambição.E a maior dessa loucura? . . . Usura .

Notável desaventura De um povo néscio e sandeuQuem não sabe que o perdeu

Negócio , Ambição , Usura.

Quem são seus doces objetos ? . . . Pretos.

Tem outros bens mais maciços ? . . . Mestiços .

Quais destes lhe são mais gratos ? . . . Mulatos .

F A Z E N D A S E R R A N E G R A

F U N D E C D E P A R T A M E N T O D E P A T R I M Ô N I O N A T U R A L E

Dou ao demo os insensatos,Dou ao demo a gente asnal,

Que estima por cabedalPretos, Mestiços, Mulatos.

EQUIPE TÉCNICA

Pesquisa Histórica

Ana Clélia B.Correia Nascimento

Jacionira Coelho Silva

Patrícia Mendes dos Santos

Análise Arquitetônica

Janaina Moura Lima

Patrícia Mendes dos Santos

Levantamento Arquitetônico/ Desenhos

Olavo Pereira da Silva

Fotografias

Acervo IPHAN

Digitação

Clarissa BorgesPatrícia Mendes dos Santos

Revisão

Patrícia Mendes dos Santos

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ÍNDICE

Introdução

1. Identificação do Imóvel

2. Informações sobre o local

3. Histórico

4. Arquitetura

5. Justificativa

6. Plantas

7. Roteiro Fotográfico

8. Bibliografia

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F A Z E N D A S E R R A N E G R A

F U N D E C D E P A R T A M E N T O D E P A T R I M Ô N I O N A T U R A L E

Introdução

F A Z E N D A S E R R A N E G R A

F U N D E C D E P A R T A M E N T O D E P A T R I M Ô N I O N A T U R A L E

A instrução do presente trabalho tem por finalidade submeter à apreciação do

Conselho Estadual de Cultura a Proposta de Tombamento da Fazenda Serra Negra,

localizada no município de Aroazes – PI.

A Fazenda Serra Negra é um exemplo vivo da arquitetura piauiense, sendo

localizada na divisa de Aroazes e Santa Cruz dos Milagres, à 181 km de Teresina.

O entorno e a própria edificação devem ser preservados a fim de que, as

pessoas sintam, aprendam e conservem a identidade cultural da nossa região.

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Identificação do Imóvel

IDENTIFICAÇÃO DO IMÓVEL

Designação: Fazenda Serra Negra

Município: Aroazes

Estado: Piauí

Data de Construção: Séc. XVIII

Proprietário: Iolanda Queiroz

Área construída: 438,00 m2

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Informações sobre o local

O MUNICÍPIO DE AROAZES

Data de 1730 o início do povoamento, quando os jesuítas fundaram a Missão de

Aroazes, com a finalidade de catequisar os habitantes da região. Ainda hoje, existe no

centro da cidade uma coluna de pedra, construída pelos jesuítas com o auxílio dos

indígenas.

Em 1740, D.Manoel da Cruz, Bispo do Maranhão, criou a Freguesia de Nossa

Senhora da Conceição, com sede no Povoado. Formaram-se três grandes fazendas que

utilizavam escravos para seus serviços, sendo a fazenda Serra Negra a mais

importante.

LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA

Situado na Mesorregião do Norte Piauiense e na Microrregião de Valença do

Piauí, Aroazes, com área de 1.767km2, é limitado ao norte pelos municípios de Prata

do Piauí e São Miguel do Tapuio; ao sul, pelo de Valença do Piauí; a leste, pelos de

São Félix do Piauí, Elesbão Veloso e Valença do Piauí. A sede municipal, 225m de

altitude, tem sua posição geográfica determinada pelo paralelo de 6º6´42” de latitude

sul em sua interseção com o meridiano de 41º47´12” de longitude oeste.

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HIDROGRAFIA

A rede hidrográfica, de caráter temporário, pertence à bacia do rio Parnaíba. É

constituída pelos rios Sambito e São Nicolau e por uma série de riachos, destacando-se

os das Carnaíbas, Salitre, da Serra Negra e da Tábua, este atravessando a Sede

Municipal.

CLIMA

Tropical megatérmico, muito quente, e semi-árido. As temperaturas são

normalmente elevadas durante todo o ano e os totais pluviométricos anuais são

inferiores às necessidades ambientais. As chuvas são, entretanto, muito mal

distribuídas ao longo do ano e irregulares no decorrer dos anos. A estação chuvosa

inicia-se normalmente em dezembro e se concentra sobretudo de janeiro a abril, com

cerca de 77% do total anual.

VEGETAÇÃO

A fitofisionomia do Município é representada pelo cerrado, nas formas de

campo limpo de cerrado e campo cerrado. Na parte leste, em revelo tabular o campo

cerrado é caracterizado pelos paus-terra, murici e lixeira e a oeste em áreas

aplainadas , ocorrem os campos limpos de cerrado, com elementos arbóreos da

caatinga e do cerrado, destacando-se espécies características como a lixeira e a

carnaúba. A pecuária extensiva, bem como as lavouras, foram responsáveis pela

alteração da cobertura vegetal primitiva.

POPULAÇÃO

Aproximadamente 9.582 hab

DENSIDADE DEMOGRÁFICA

5,42 hab/km2

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Histórico

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Aspectos Naturais e Econômicos

A fazenda Serra Negra, localizada a 181 km de Teresina, ocupa grande extensão

de terra dos municípios de Aroazes, Santa Cruz dos Milagres, Pimenteiras, dentre

outros. No seu terrritório encontramos diversos riachos, o Serra Negra, o Almoço, o

Carnaúbas, Salitre e Tábua, e os rios São Nicolau e Sambito. Estendendo – se pelos

contra – fortes da serra homônima, pertence à zona fisiográfica da Ibiapaba. Seu solo é

formado por rochas sedimentares das Formações Cabeças e Longa, parcialmente

recobertas por sedimentos das Formações Piauí e Itapecuru, respectivamente

sedimentos carboníferos e cretáceos.

A vegetação nativa é constituída por espécies de campo cerrado, bastante

alterada pelas centenas de anos de utilização da terra na criação de gado e cultivo,

resultando na formação vegetal de campo limpo de cerrado. Além da pecuária e da

agricultura, pratica – se na região a extração do tucum, babaçu e carnaúba e na área

da fazenda planta – se o caju em larga escala.

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Aspectos Sociais, Etnográficos e Religiosos

A fazenda Serra Negra era a mais importante das três grandes fazendas que

utilizavam escravos para seus serviços, quando em 31 de março de 1739, o bispo do

Maranhão D. Manoel da Cruz criou a Freguesia de Nossa Senhora da Conceição, com

sede no povoado da Missão dos Aroazes, implantada desde 1730. A sede da Freguesia

criada foi erigida sobre as bases da Capela da Missão estabelecida em data anterior a

1725, pelo padre Gabriel Malagrida. Não é sem motivo , portanto, que a serra onde se

encontram as nascentes do riacho Serra Negra é chamada Serra das Missões.

Reza a tradição que o templo – sede dessa freguesia comportava em torno de

1200 fiéis. Testemunha ocular conta que os vestígios das colunas de sua portada

apresentavam um espaço de 50m, aproximadamente . Esse templo gigantesco ainda

estava por se concluir em 1883.

Em BASTOS (1994) há referência de que os jesuítas construíram à margem

esquerda do riacho Tábua, antes de 1730, “... algumas choupanas de palha e

iniciaram a construção de um gigantesco templo de pedras, do qual restava, em 1952

uma coluna no centro da cidade de Aroazes .” As ruínas do templo foram totalmente

depredadas com a retirada de material para construção de habitações.

Deduz – se que os primeiros habitantes da região – os Aroazes – ainda se

encontravam no local por ocasião da chegada dos primeiros colonos. A convivência

entre as duas etnias durou algumas dezenas de anos, possivelmente uma centena. Em

fins do século XVIII o Ouvidor Durão relata que “... o sítio dos Aroazes onde há a

freguesia ( N. S. da Conceição dos Aroazes ) e donde há um templo de pedra que tem

custado mais de 16 mil cruzados ...” apresentava ótimas condições para se estabelecer

uma grande povoação . No entanto, “... lá já não estavam os índios que lhe deram o

nome ” ( MOTT). Esse abandono deve ter sido o motivo da transferência da sede da

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freguesia para a vila de Valença a 05/09/1936, distante oito léguas. Segundo Durão, os

Aroazes já não eram os senhores da zona central do território piauiense, as Catingas

Gerais.

Vestígios da ocupação dessa região pelo homem pré – histórico são encontrados

às margens do riacho do Almoço, nas esplanadas, nos “pés –de- morro”, nos

boqueirões. No boqueirão do Buriti Grande, em terras da fazenda Serra Negra, por

exemplo, pinturas e gravuras foram realizadas em paredões e abrigo, com técnicas

diferenciadas. Dessas primeiras populações só restam traços, os quais se encontram em

risco de completa destruição.

Quanto às populações atuais, estas têm relações comunitárias reguladas por

atos de fé, crenças e costumes interpenetrados de crendices, lendas e mitos: parte de

um mundo mágico – religioso, no qual, num passado não muito distante, sua

ancestralidade se movia na sua vida cotidiana. O profundo e arraigado sentimento de

religiosidade, que tão bem as caracteriza, abriga lado a lado crenças e crendices,

verdades e mitos, que se confundem, enquanto vão enriquecendo o imaginário que suas

mentes alimentam.

Um dos fenômenos do imaginário do povo das Catingas Gerais é a lenda da

Santa Cruz dos Milagres, uma cruz natural de aroeira, encontrada por um vaqueiro de

uma fazenda local, nos idos de 1876, que a colocou no alto de um morro. Logo depois,

decidiu transferi –lá para um outro lugar, e, por diversas vezes, misteriosamente, a cruz

voltava a aparecer no alto do morro. Assim, construiu – se, primeiramente no local,

uma casa de palha e um cemitério. Na segunda década deste século, elevou – se a

primeira capela, de taipa. Após 1924, foi erigida a igreja atual , onde acontece a maior

manifestação de religiosidade popular do Piauí , com rituais próprios, ditados pela fé

dos devotos, como as procissões que se deslocam por quilômetros, a pé , de distantes

pontos do Estado.

Ressalta – se que a devoção à Santa Cruz, na região, teve início entre o fim do

século XVIII e o início do XIX, na fazenda Jatobá, na margem esquerda do rio São

Nicolau, festejada a 03 de maio.

Outra lenda que povoa a mente dos habitantes locais é a que procura justificar

o nome da fazenda Serra Negra com o ato de serrar uma escrava ao meio, praticado

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por um de seus mais lendários proprietários, Luis Carlos Pereira Abreu Bacelar,

também conhecido como Luis Carlos Ferraz, pelos moradores da região.

Contam ainda os habitantes que Luis Carlos decidira casar – se e encomendou

uma noiva de Portugal, como era de costume na época, de família notadamente

abastada e aristocrática. Para impressioná-la, mandou construir um corredor de prata

ligando o cruzeiro, no pátio da frente da sede da fazenda, até a capelinha no interior do

casarão, a 80 metros. Logo que a donzela chegou, desdenhou do feito, pois segundo

ela, na residência de seus pais, o caminho entre o cruzeiro e a capela, era moldado por

placas de ouro. Cada dia mais triste e infeliz por estar vivendo num local distante e

selvagem, a nova esposa não correspondeu às expectativas do grande proprietário.

Luis Carlos, então, decidiu enviá - la de volta a Portugal, mergulhando na solidão até o

final de seus dias.

A morte desse personagem também está envolta em mistério. Conta – se que

fora assassinado por desafetos, em decorrência de Luis Carlos ter mandado matar um

importante habitante de Oeiras, primeira capital do Piauí, para assumir o poder. Todos

os finais de tardes, o fazendeiro sentava – se numa bancada debruçando – se sobre a

janela para ver o gado entrar no curral. Numa dessas ocasiões, foi alvejado por um

franco atirador situado numa pequena elevação disposta a 150 metros, em frente ao

grande casarão. Como de costume, organizou – se um cortejo fúnebre, composto por

negros, rezadeiras e vaqueiros tendo à frente o morto transladado numa rede. O

destino era a cidade de Valença, no meio do caminho, o cortejo foi abordado por dois

homens muito bem vestidos, assemelhados à ciganos, que se apresentaram como

íntimos amigos do defunto e pediram para seguir o funeral. Alguns quilômetros

andados, os ciganos se prontificaram a transportar o amigo até a sua última morada.

Sem nada desconfiarem, os negros entregaram – lhes a rede. Algumas horas mais,

entre uma vereda e outra, os ciganos sumiram com o morto sem deixar vestígios. Até

hoje não se têm notícias sobre aonde Luis Carlos foi sepultado.

A fazenda Serra Negra não só testemunha as lendas aterrorizantes que embalam

a imaginação de sua população. Um profundo sentimento de fé é externado pelos

habitantes que gravitam em seu território e à sua volta. Na capela de Sant’Ana,

comemora – se festivamente a data a Ela dedicada (27 de julho) com práticas

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religiosas e profanas, ocasião em que se transforma em importante centro religioso da

região.

Aspectos Históricos

Serra Negra é uma das mais antigas fazendas do Piauí . Ao descrever o sertão do

Piauí, em 1697, o Pe. Miguel Carvalho menciona o assentamento de uma fazenda

localizada à margem do rio Negro ( hoje riacho Serra Negra ), afluente do rio São

Nicolau, com um (1) habitante branco e dois (2) negros, cujo vaqueiro encarregado era

Rodrigo da Costa.

Quando Henrique Antônio Galluzze chegou ao Piauí em 1759, comissionado pelo

Governo e com a incumbência de levantar a carta topográfica da Capitania e demarcar

– lhe os limites, não incluiu a fazenda Serra Negra em seu mapa. Essa falha seria

corrigida por César de Meneses que retificou o Mapa de Galluzze em 1809.

Por volta de 1774, o Ouvidor Morais Durão levantou na fazenda Serra Negra,

até dezembro daquele ano, 90 fogos ( habitações ) e 506 almas, das quais 293 eram

homens e 213 mulheres, distribuídas em 14 fazendas e 18 sítios. Seu senhorio habitava

em Pernambuco, na ocasião.

No início do século XIX, a fazenda pertencia a Luis Carlos Pereira Bacelar,

supracitado, a quem a fantasia dos habitantes locais atribuiu o serrilhamento de uma

escrava para justificar o nome que daria à sua fazenda, e que já a possuía no século

XVII, conforme relação do Pe. Miguel Carvalho. Vale a pena lembrar que o

proprietário da Serra Negra foi comandante militar da Vila de Oeiras e, nessa

qualidade, fez parte da junta governativa do Piauí de 13/07/1811 a 10/01/1814.

No “Índice das Cartas de Sesmarias concedidas no Pará”, a fazenda Serra

Negra é descrita da seguinte forma: “... Data com três léguas de comprido e uma de

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largo, extremando pelo nascente com a fazenda Itaboca e pelo poente com o riacho do

Gado. Pelo sul com o lugar denominado Casas de Barro e pelo norte com o lugar

denominado Chapada das Unhas de Gato, sendo seu comprimento de norte a sul e a

largura do nascente ao poente. Concedida em 9 de setembro de 1779 a Manuel Pereira

Lopes e registrada à Folha 68, página 52” ( MOTT ).

Um documento tão tardio em relação ao primeiro assentamento da fazenda

(anterior a 1697 ), só pode significar a ampliação dos limites da fazenda, que já

possuía, no fim do século XVIII, 32 assentamentos, entre fazendas ( criação de gado) e

sítios (agricultura ).

As constantes anexações de novas áreas de terra, provavelmente, deveriam

provocar conflitos entre vizinhos.

MOTT analisando as dimensões das fazendas de gado piauienses atribui uma

distância entre elas de mais de 2 léguas, ficando a maioria entre 6 a 10 léguas. É quase

certo que, à medida que esses espaços fossem sendo ocupados pelo gado de uma

fazenda ou outra, a disputa pela terra fosse ficando acirrada, sobretudo porque ela ia

rareando. A esse respeito, KOSTER asseverava nas primeiras décadas do século XIX,

sobre o interior do nordeste brasileiro, que “A divisão das propriedades no sertão é

extremamente vaga, e pode ser bem imaginada quando se disser que o modo usual de

descrever uma fazenda é computar sua distância em léguas ou, em muitos casos,

informar quantos mil bezerros anuais, sem a menor referência à quantidade das terras

possuídas” (p. 166).

A primeiro de outubro de 1880, Lisbella Josefa Clementino de Sousa, de Oeiras,

proprietária da fazenda Serra Negra, entrou com requerimento de demarcação dessa

fazenda na comarca de Valença, a fim de dirimir dúvidas levantadas por proprietários

de terras vizinhas às suas, compradas anos antes ao Visconde da Parnaíba. Este é um

exemplo do conflito de terras gerado pela indefinição dos limites, sem uma demarcação

precisa. Quanto à imensidão territorial da fazenda Serra Negra, pode ser comprovada

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ainda na metade do século atual, quando o jornal da Capital ( O Piauí, 21/10/45 ) fazia

referência à seca que se abatia sobre o Piauí e estava a causar danos à fazenda no

município de Castelo do Piauí. O articulista não se limitando ao fato que reportava,

registrou que “... as propriedades do Sr. Pires Gaioso no município de Marvão

pertenceram ao lendário Luis Carlos...” construtor “... de obras que, ainda hoje,

desafiam a natureza como os currrais e a casa da fazenda Serra Negra ..” e lembrado

“... pelas práticas de métodos desumanos como eram tratados os infelizes escravos.” E

finalizava : “ As obras de Luis Carlos travam singular duelo com o tempo,

permanecendo perfeitas.”

O crescimento da fazenda Serra Negra entre os séculos XVIII e XIX, com seus

inúmeros assentamentos, deduz – se, está configurado na magnificência que sua sede

deve ter representado para a época e o local onde se situava. Sobre a data precisa de

sua construção não há informação. A única referência existente é a do ano de 1776,

gravado em uma pedra que compõe a fachada posterior da edificação, colocada em

posição invertida, só visível por não haver reboco. Contudo, uma relação cronológica

com a sede da fazenda só pode ser estabelecida após esse ano, coincidindo com a fase

de expansão da fazenda, conforme os dados fornecidos por Morais Durão.

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Justificativa

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A origem e evolução das chamadas fazendas, remontam ao movimento

português de exploração do território brasileiro, pela necessidade de exploração

econômica.

Nos séculos XVIII e XIX, tivemos nosso desenvolvimento econômico

extremamente ligado às fazendas de criação de gado que moldaram social, cultural e

politicamente a população piauiense.

Sua habitação obedecia às necessidades do homem, às condições de clima, aos

materiais peculiares da região – como a carnaúba – num equilíbrio de aproveitamento

das condições do ambiente.

“Na verdade, como tem enfatizado o arquiteto Amos Rapoport, a forma da casa

é definida primordialmente por fatores sócio-culturais tendo os fatores mesológicos e

climáticos, materiais disponíveis etc., um papel permanente, condicionante e limitador,

a ponto de que as casas produzidas por diferentes culturas em condições mesológicas

semelhantes são inteiramente diversas.”

Num processo iniciado por baianos e pernambucanos, que por intermédio de

doações feitas pelo reino, ou por posse indébita, criaram a figura do “sesmeiro”, sem

mencionar as famílias portuguesas que favoreceram a criação de gado em torno de

outras culturas, as fazendas constituíam um feudo, uma economia primitiva baseada na

exportação de gado e compra de mercadorias ce subsistência. O povoamento das terras

desencadeou o extermínio e a escravização do indígena e o aparecimento do negro,

trazido por portugueses e paulistas.

A Fazenda Serra Negra pela fusão das carcacterísticas funcionais que a

moldaram, solução local para o contexto ambiental, é, portanto, um exemplo ímpar das

construções mais antigas do Piauí.

Além dessas características que vieram ressaltar o valor histórico e

arquitetônico dessa sede de fazenda, vem juntar-se ainda o imaginário popular sobre

alguns acontecimentos ocorridos - o sofrimento dos negros e a maldade do senhor da

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fazenda – criando em torno da fazenda um conjunto de lendas e contos passados de

geração em geração naquela região.

A transferência, ao longo dos tempos, das famílias proprietárias do imóvel para

a cidade, onde fixavam residência, propiciou o lento e contínuo estiolamento do prédio.

Visando manter esse contexto material e também imaterial de um importante

monumento histórico do nosso Estado, vimos, através da proteção legal prevista na Lei

4.515, de 09 de novembro de 1992, requerer o tombamento da casa da Fazenda Serra

Negra, bem como seu entorno, de acordo com o Art. 1º, Parágrafo Único e Art. 2º,

Parágrafo 1º da supra-citada Lei.

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OBS: O entorno a ser protegido encontra-se descrito na planta de locação.

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Plantas

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Relatório Fotográfico

Foto 01 – Vista panorâmica da Fazenda Serra Negra.

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Foto 02 – Vista da Fachada lateral da Fazenda, onde observa-se a predominância de telhado baixo.

Foto 03 – Vista em perspectiva da escadaria e muroem pedra da Fazenda.

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Foto 04 - Vista frontal da escadaria em pedra.

Foto 05 - Vista do antigo cercado em madeira .

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Foto 06 - Detalhe da cruz em madeira .

Foto 07 - Observa-se a Casa das Onças, espaço de cerca de 50 metros,cercado de pedras, destinado aos felinos criados em cativeiro.

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Foto 08 – Observa-se a “gamela” onde os felinos comiam.

Foto 09 – Vista interna da Fazenda, observa-se as esquadrias em madeira e a espessura da parede existente.

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Foto 10 – Observa-se na parede em pedra, a datação da antiga fazenda.

Foto 11 – Imagem de Nossa Senhora Santana.

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Bibliografia

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Publicações :

BAPTISTA, João Gabriel. Mapas geohistóricos . Teresina : Prof. Petrônio Portela/

Fund. Cultural do Piauí, 1986, 180 p. il.

BASTOS, Cláudio A. Dicionário histórico e geográfico do Estado do Piauí . Teresina:

Fund. Cultural Monsenhor Chaves, 1994, 600 p.

KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil . 2ª ed. Recife: Sec. Educ. e Cult. de

Pernambuco / Dep. Cultural, 1978, 477 p. (Coleção Pernambucana, vol. XVII).

MOTT, Luiz R. B. Piauí Colonial, população, economia e sociedade . Teresina: Prof.

Petrônio Portela / Fund. Cultural do Piauí, 1985, 144 p., il. (Diversos documentos)

NUNES, Odilon. Os primeiros Currais . Teresina: COMEPI,

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F U N D E C D E P A R T A M E N T O D E P A T R I M Ô N I O N A T U R A L E

A arquitetura rural piauiense é marcada por construções que utilizam

os materiais existentes na região como a carnaúba, usada tanto na estrutura como na

cobertura das edificações, e também a pedra utilizada principalmente na parte

estrutural.

Nesse sentido, a fazenda Serra Negra é um exemplo vivo da

arquitetura piauiense. A Antiga casa possui quatorze cômodos e estruturalmente

apresenta paredes em pedra com largura de 80 cm. Possui também uma cobertura

bastante característica da região com peças em carnaúba – caibros e linhas – e telhas

largas, típicas da época, com plantas de cobertura em quatro águas.

Além destes aspectos essenciais para a arquitetura rural no Piauí,

merece destaque a implantação diferenciada da Antiga Casa, localizada numa parte

alta do terreno com muro de arrimo em pedra trabalhada e acesso através de escadaria

de pedra.

Ainda sobre os aspectos arquitetônicos externos observamos a linha

suave do desenho da cobertura – característica principal das casas de fazenda no Piauí

– o predomínio do cheio sobre o vazio e especialmente da visão de uma mais área de

cobertura do que área de parede.

As aberturas e esquadrias são em madeira fichada e marcação em

pedra.

Interiormente apresenta pé-direito baixo e cumeeira elevada, cômodos

interligados e distribuição dos espaços internos que se adaptam perfeitamente às

nossas condições climáticas e sociais.

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Arquitetura