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jornal experimental do curso de jornalismo da ufes #123 agosto 2011 Casamento Reciclagem Arco e flecha Consumismo Coletivos Direito Autoral 17 6 10 14 22 20

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Jornal laboratório do 6º Período do curso de Comunicacação Social - Jornalismo, Ufes.

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jornal experimental do curso de jornalismo da ufes

#123agosto 2011

Casamento

Reciclagem

Arco e flecha

Consumismo

Coletivos

Direito Autoral

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Um leitor incomum

A melhor notíciaEnfim chegamos à derradeira edição do semestre, encerran-do um período de intensas atividades e desafios. É verdade que qualquer veículo laboratorial dá trabalho. Mas além do que já era previsível, nós mudamos o formato, aumentamos o número de páginas, elaboramos uma versão para tablet e migramos nosso projeto editorial de jornal para revista.

Nesta edição várias matérias tratam de temas recorrentes - até clichês - mas sempre pertinentes: consumismo, recicla-gem, sacolas plásticas, direito autoral. São questões às quais voltamos com frequência por ainda não estarem resolvidas e constituírem problemas da nossa sociedade.

Pautamos também assuntos menos habituais, como a prática do arco e flecha. As repórteres não apenas apuraram, como

fizeram questão de experimentar o esporte. Experimenta-ram e se apaixonaram, o que está explícito em seu texto. A matéria que trata da disputa de bairros entre Vitória e Serra conseguiu humanizar um assunto burocrático, deixando-o leve e compreensível.

É verdade que esta última edição custou a sair e não conse-guimos, inclusive, finalizá-la antes do término do semestre. Admitimos que falhamos com os prazos. Por outro lado, con-cordamos com Gabriel García Márquez, quando ele diz que “a melhor notícia não é a que se dá primeiro, mas a que se dá melhor”. Além disso, podemos dizer que atingimos o objeti-vo da disciplina: os alunos evoluíram e têm agora uma outra relação com o jornalismo.

Expe

dien

te Ana Elisa Bassi, Angeli dos Anjos, Carlos Scherrer, Cássia

Ramos, Drieli Volponi, Fernanda Batista, Fernanda

Marchesine, Francine Leite, Laio Medeiros, Luana Dalla

Bernardina, Lucas Schuina, Luiza Boulanger, Marcelle

Desteffani, Maria Luiza Damiani, Mariana Gomes, Máyra

Novais, Rochana Canal, Sérgio Rangel, Tamiris Vieira,

Victorhugo Amorim.

Gráfica Universitária

O Primeira Mão é um jornal laboratório, produzido em

caráter experimental pelos alunos do 6º período do curso

de Comunicação Social – Jornalismo, da Universidade

Federal do Espírito Santo. Av. Fernando Ferrari, 514,

Goiabeiras | Vitória - ES CEP 29075-910email: [email protected]

1.000 exemplares

Ana Elisa Bassi, André Cunha, Carlos Scherrer, Cássia Ramos,

Drieli Volponi, Fernanda Batista, Fernanda Marchesine,

Laio Medeiros, Luiza Boulanger, Marcelle Desteffani, Maria

Luiza Damiani, Mariana Gomes, Máyra Novais, Sérgio

Rangel, Tamiris Vieira, Victorhugo Amorim.

Edição e Diagramação

Professora OrientadoraDaniela CaniçaliOrientador da diagramação

Luciano Frizzera

Reportagem

Gráfica

Primeira Mão

Tiragem

Não é de hoje que se diz que a leitura transforma o mundo. Desde peque-nos, muitos de nós ouvimos isso de nossos pais, que ouviram de seus pais. Quando estava descobrindo as palavras, gostava muito de ler pe-quenos livros com histórias infantis: frases curtas, letras enormes e figu-

ras maiores ainda. Foi por aí que comecei a gostar de ler.

Ziraldo escreveu o primeiro livro que li. Peguei “O Menino Maluquinho” na Bi-blioteca Municipal de Linhares. Agora, muito mais tarde, fantasio minha mente na biblioteca da Ufes. Não sei como ex-pressar o que sinto - um desejo muito estranho de ler cada livro que vejo, cada mundo que passa na minha mão.

Mas desde pequeno também venho seguindo por outra vertente da leitu-ra. Uma leitura mais técnica, feita não para entreter, mas para explicar - mas

não resisto: me concentro e forço minha vista para realizar a vontade daquelas preciosidades quase sempre ignoradas.

Os cardápios completam o meu mundo fantástico da leitura. São como livros de mitologia, nos quais a gente pode imaginar o autor escrevendo sua obra prima, ou o protagonista realizando todos os seus grandes feitos. Num desses, consigo imaginar: como título, “Frango com catupiry”. Pequeno resu-mo do enredo: A terra era redonda e achatada, até que choveu muito - mui-to molho de tomate, muita muçarela, frango desfiado, milho, azeitona e orégano. Então as bordas da terra se encheram de catupiry e de repente o grande pizzaiolo levou sua criação di-vina para um forno à lenha... No final, alguém sempre acaba com o bolso mais leve e a barriga mais pesada. Já eu, sempre me divirto imaginando es-sas situações.

Estranho? Incomum? Não sei me colo-car perante essa minha excentricida-de. Mas definitivamente, a leitura me transformou.

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er que para muitas pessoas não explica nada.

Já tentei parar de gostar, deixar de ler; mas cada vez me sinto mais atraído por manuais de instruções, bulas de remé-dios e cardápios. Sempre que meus pais compram algum eletrodoméstico ou eletrônico, me delicio lendo suas descri-ções, as minuciosas diferenças que exis-tem de um modelo para o outro. Acon-teceu isso na semana passada, quando finalmente, depois de muita insistência de minha parte, meus pais compraram uma televisão nova. Quando abri a caixa, vi o pequeno livro ali, no canto, quase im-perceptível diante de tanto isopor, cabos e as 32 polegadas de aparelho. Mas ele estava ali, esperando o grande momen-to. Como um objeto santo, sagrado, into-cável - só eu poderia tocá-lo. E assim foi.

Bulas também me fascinam, mesmo que eu não entenda muito de química ou me-dicina. Aquelas letras sempre tão peque-nas parecem me chamar, me pedir, me implorar quase gritando: “ME LEIA!” E eu

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funciona também para organizar infor-mações sobre outras produções, com links para alguns poemas, resenhas e tra-balhos. E enfatiza: “Macromundo é uma radiografia virtual das minhas andanças físicas e imaginárias”.

Entre essas andanças, aconteceu a des-coberta da literatura de Cordel e o iní-cio de novos trabalhos, tendo em men-te a ideia de retirar da poesia brasileira contemporânea seu ar pedante, com texto difícil, que cada vez mais a afasta dos leitores.

Assim, nasceu “A filha do Imperador que foi morta em Petrolina”, uma fantasia em versos sobre sangue e fé, que se pas-sa no sertão do Nordeste, na época da Proclamação da República.

Daqui pra frente › Daqui a 10 anos, Cazé se vê morando na capital de outro país, fa-lando alguma língua exótica. Perspectiva que muito está de acordo com a maneira como leva sua vida: uma busca constante pelo prazer de novas experiências.

E ele dá a receita: “Saiam de casa, vejam a cidade, conheçam pessoas diferentes do seu meio, viajem para lugares desco-nhecidos. Não é fácil, mas aos poucos se lapida um gosto, um estilo e um perfil profissional”.

Por isso, é importante dizer que no começo do texto houve um equívoco e talvez até uma injustiça ao dizer que Cazé é da litera-tura. Cazé é do mundo, e agora sim não se discute mais.

possibilidades da colagem e da com-binação de sons pré-gravados surgiu como uma opção para se divertir com os amigos na descoberta de um novo universo criativo. Cazé fez-se jornalista com todos os méritos.

Um voo na profissão › Depois de forma-do, trabalhou no jornal Correio da Bahia, nas editorias de cultura e informática, e ficou por um ano no site Veja Salvador.

Lançou voo na Infraero, passando pelas assessorias dos aeroportos de Congonhas e Salvador. Mas o seu maior desafio como profissional da comunicação começou em 2009, quando mudou-se para Vitória para assumir a assessoria do Aeroporto Eurico Salles, com o qual é preciso fazer o resgate constante de uma imagem que já está desgastada jun-to à opinião pública, fazendo circular informações corretas, atualizadas e “simpáticas”, por assim dizer, para receptores já insatisfeitos.

Motivo claro para que aspirantes à ativi-dade e jornalistas o procurem com fre-quência. A proposta de realização de um perfil, saindo do âmbito “infraelístico”, talvez tenha sido a pauta mais leve dos últimos tempos...

A descoberta do Cordel › A literatu-ra hoje atua na vida de Cazé como “um trabalho extraoficial”. Muito prazeroso, isso, sem dúvidas. Sua grande produ-ção literária pode ser conferida no blog Macromundo. Criado há um ano, o blog

A Petrolina dos anos 80 já não era tão rústica, era a cida-de com maior taxa de crescimento do sertão nordestino. O menino Cazé tinha um videogame - “Atari”, ressalta - e uma bicicleta Caloi. Gostava de nadar e jogar futebol, tal-vez mais de nadar, porque não era tão bom no futebol. E lia, lia muito. Quadrinhos Marvel eram os preferidos.

Em casa, vivia rodeado de livros, jornais, revistas, e o que come-çou como diversão despertou um gosto compulsivo pela leitura e escrita. Aos 10 anos, Cazé escreveu “Caquio”, uma história in-fantil que se passa na China.

Uma vida em construção Wladimir Cazé, jornalista apaixonado por literatura, define seu estilo de vida como uma busca sem fronteiras, de grande satisfação pessoal

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FOTOGRAFIA AnA ElIsA BAssI

Nessa mesma época, sem lembrar exa-tamente do dia ou do mês, vendeu a um amigo toda a coleção do “Homem- Aranha”, uns 40 ou 50 gibis, e com o di-nheiro comprou um exemplar de “Dom Casmurro”. O livro foi mais do que um investimento, o menino não sofreu com a escolha, não se arrependeu pela perda do super-herói. Foi-se o Homem-Aranha, abriu-se a porta para Machado, o que re-presentou um divisor de águas.

Adolescente, encontrou poesia nas le-tras de rock brasileiro, em Bandeira e Drummond. E toda a diversidade desse mundo literário em que se entranhava transformou a compulsão em uma ver-dadeira “vontade crônica, uma neces-sidade cotidiana”. Uns nascem para o esporte, ou para os negócios, alguns dão excelentes chefs ou políticos notáveis. Hoje, do alto de seus 34 anos, Wladimir Cazé é da literatura e não se discute.

Jornalismo, aí vou eu › Mudar para Sal-vador, Bahia, o colocou mais próximo das produções do Sudeste, a uma nova gama de colunistas e veículos. Nessa época, sur-giu uma nova descoberta: a crítica.

A Faculdade de Comunicação da Uni-versidade Federal da Bahia (UFBA) foi sua casa entre 1994 e 1998. Uma pes-quisa do Programa de Educação Tuto-rial (PET) sobre estética da música pop abriu as portas para a sua monografia, “Percursos da música eletrônica”, em uma época em que quase ninguém sabia o que era música eletrônica. As

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Esquecimento, pouco dinheiro, des-leixo, falta de tempo. Estes são al-guns dos motivos ou desculpas uti-lizados por quem leva objetos para consertar em uma loja especializada e não volta para buscar.

Com o senhor Acyr Blunck foi um pouco diferente. Há oito meses

ele levou uma televisão da filha Simone Blunck para o conserto, sem falar para ninguém. Pouco tempo depois, teve um problema de saúde e entrou em coma. A família nem imaginava onde a televisão poderia estar.

A esposa de Acyr, Terezinha Blunck, foi quem iniciou as buscas pela TV. Todos os locais possíveis foram revirados: a ga-ragem, o quartinho “guarda-bagulho”, o depósito. Simone chegou a acreditar que a TV tinha sido roubada.

Há um mês, o funcionário de uma loja de eletrônicos foi fazer um serviço na casa de dona Terezinha e comentou que a te-levisão perdida poderia ser a que estava esquecida na loja. Ele também informou que o aparelho não tinha conserto. Simo-ne resolveu deixar a história e a TV pra lá. Assim como faz muita gente...

Falta espaço, sobra roupa › Patrícia Al-ves de Oliveira Martins, proprietária da Consertos da Vovó, trabalha com con-serto e confecção de roupas e lida fre-quentemente com pessoas que deixam seus pertences e não voltam para buscar. Logo no início do funcionamento da loja, uma cliente deixou grande quantidade de peças para serem reparadas. Na época, a loja não possuía computador e os pedidos eram anotados em papel. Com muitas encomendas novas, as informações da cliente se perderam. Mais de um ano de-pois, volta a cliente à loja, contando que não apareceu antes porque ficou muito doente. Tarde demais: tudo já tinha sido doado.

A empresa existe há 18 anos, em três pon-tos de Vitória: Jardim da Penha, Praia do Canto e Jardim Camburi (Shopping Norte Sul). Além de fazer reparos, os 18 funcio-nários também confeccionam peças. As lojas são pequenas e não possuem muito espaço para estoque. Na filial de Jardim da Penha, máquinas de costura, mesas, sacolas de encomendas e prateleiras com linhas, fios e caixas se misturam às cin-co funcionárias num pequeno cômodo. “Com pouco espaço, fica difícil guardar as

Estacionamento do abandono

Lojas de consertos se transformam em “mausoléus” porque muitos nunca voltam

para buscar seus pertences

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tempo. “Uns abandonam por causa do preço das peças, acham que não compen-sa consertar e mandam reciclar. Outros não têm dinheiro para retirar. Alguns ain-da pedem para esperar, pois pretendem doar para um parente ou empregada”, conta Adilson.

O preço é um dos agravantes do “esque-cimento”. Hoje, muitos eletrodomésticos são de fabricação estrangeira e não apre-sentam a mesma qualidade dos nacionais, já que peças fundamentais são trocadas por placas eletrônicas para baratear o produto, conforme explica Adilson.

O micro-ondas é o principal exemplo. Por causa do baixo preço, ele está entre os aparelhos que as pessoas mais esquecem no estabelecimento. Mas em primeiro lu-gar fica o liquidificador, que custa pouco. As máquinas de lavar roupa com peças di-fíceis de serem encontradas no mercado também se juntam aos montes na loja.

Os consertos no estabelecimento de Adilson demoram no máximo 10 dias para ficar prontos. Quando o cliente não volta, ele telefona várias vezes para pe-dir que busque o aparelho. O pagamen-to pelos serviços é feito somente no momento da entrega. Para não sofrer processos e convocações ao juizado de pequenas causas, Adilson espera cerca de um ano até começar a reciclar o equi-pamento. Os micro-ondas e as máquinas de lavar chegam a ficar dois anos na loja esperando por seu dono.

Ainda assim há quem arrume confusão. Uma senhora deixou uma furadeira para consertar na loja de Adilson e logo em seguida foi para os Estados Unidos, sem nem avisar. Voltou um ano e meio depois. Nesse tempo, houve muitas ten-tativas de ligação sem resposta. Descar-taram então a ferramenta. A senhora voltou exigindo o objeto de volta. O jeito foi ressarcir o dinheiro para não ter pro-blemas maiores. “Preferimos perder os anéis para não perder os dedos. Ela esta-va disposta a levar às últimas consequên-cias para recuperar o aparelho”.

A solução › O procedimento é o mesmo com todos os clientes: se demoram a bus-car o aparelho, Adilson telefona. Se o des-

roupas que as pessoas não vêm buscar”, desabafa a proprietária.

Na Consertos da Vovó, cerca de 20% do que é levado pelos clientes fica esqueci-do. Os objetos abandonados na loja são doados para instituições de caridade ou para o bazar de uma igreja católica. An-tes de fazer as doações, o dono da peça é procurado por telefone diversas vezes até o limite de um ano. Como os perten-ces esquecidos não são vendidos, dão muito prejuízo. “Hoje, a maior parte dos pagamentos é feita somente na data da entrega. Quando o cliente não volta para buscar, gastamos energia, tempo, funcio-nários e material em vão. Além do mais, a loja fica com muito entulho”, revela.

A dona da Consertos da Vovó acredita que a maioria das pessoas que não vol-tam para buscar por esquecimento. Ou-tros desistem da roupa, acham que o conserto não vale mais a pena. Na nota fiscal entregue ao cliente no dia em que deixa a peça na loja, há a informação de que ele tem 45 dias para pegar a roupa de volta. “É uma forma de nos resguar-darmos. Depois desse prazo, a pessoa já sabe que pode ir à loja e não encontrar mais o produto. Ainda assim esperamos um ano antes de doar”.

Loja de consertos ou ferro velho? › Na loja de Adilson Mendes Coelho o espaço também é um problema. Ele, que con-serta eletrodomésticos e ferramentas elétricas há mais de 20 anos, já passou por muitas situações em que o cliente “esqueceu” de voltar para buscar o que deixou.

De todos os objetos que conserta, apro-ximadamente 20% ficam esquecidos, ocupando o espaço que a loja não tem. Localizado em Jardim da Penha, o estabe-lecimento se divide em dois cômodos: um para os reparos, e outro onde os clientes são atendidos. Neste, Adilson se espreme entre cinco prateleiras lotadas de ventila-dores, caixas de papelão, torradeiras, se-cadores de cabelo, borrachas de motor, cafeteiras, panelas e muitas peças soltas. No balcão há vários micro-ondas empilha-dos, sobrando somente um pequeno es-paço para o funcionário e o cliente.

Quase todos os aparelhos nas prateleiras estão esperando seus donos há bastante

carte for autorizado, ele procura gravar a conversa ou chama uma testemunha e depois envia uma carta registrada para a pessoa, com a autorização.

Os aparelhos que atingem o prazo máxi-mo de tolerância de espera são reciclados. Uma peça em bom estado é aproveitada no conserto de outro eletrodoméstico. As latas, ferros e fios são doados para insti-tuições que fazem reciclagem e algumas outras peças são entregues nas conces-sionárias das 17 marcas que Adilson traba-lha consertando.

Muitas vezes, Adilson expõe os produ-tos esquecidos na bancada da frente da loja. Ele observa que os donos passam por ali e sempre observando o aparelho. Mas no momento em que ele muda o eletrodoméstico de lugar, colocando-o dentro da loja, o cliente entra para per-guntar pelo aparelho. Às vezes, para ver a reação da pessoa, Adilson diz que já re-ciclou. Mas esclarece logo em seguida e cobra uma atitude.

O mesmo? › “Parece brincadeira”. É assim que Adilson começa a última história que se lembra de contar. Uma pessoa levou a máquina de lavar toda enferrujada e velha para o conserto. Fizeram o orçamento e a moça autorizou o serviço. Por cortesia, limparam toda a ferrugem e pintaram o eletrodoméstico novamente. Quando a cliente voltou para buscar não acreditou que era a sua máquina. A empregada do-méstica dela precisou ir à loja para reco-nhecer o produto. Só assim levou a má-quina de lavar de volta para casa.

Conforme explica Adilson, muita gente não reconhece os aparelhos que deixa na loja, depois do conserto. Durante a en-trevista, um rapaz foi buscar seu ferro de passar roupa e, como o fio foi trocado por um mais escuro, perguntou várias vezes se aquele era mesmo o seu equipamento.

A TV de Simone e as roupas e eletrodo-mésticos dos moradores de Jardim da Pe-nha e região vão parar em mãos comple-tamente diferentes. E você que já deixou algum de seus pertences para trás? Imagi-na aonde foram parar?

FOTOGRAFIA MARcelle DesTeFFAnI

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O acúmulo de lixo nas cidades cons-titui um grave problema ambiental a ser enfrentado. Dentre as alter-nativas para o tratamento do lixo urbano, a reciclagem se configura como um importante elemento, pois além de reduzir a quantidade de resíduos, ela gera renda para mi-lhares de pessoas.

Segundo a Secretaria de Serviços de Vitória, a prefeitura coleta, em mé-dia, 110 toneladas de lixo reciclável

por mês, sendo a maior parte papelão e papel. Todo o material é entregue a duas associações de catadores: Catadores de Materiais Recicláveis de Vitória (Ascama-re) e Catadores de Materiais Recicláveis da Ilha de Vitória (Amariv). Há também os catadores avulsos, conhecidos como carri-nheiros, que trabalham por conta própria e, na maioria das vezes, vendem o mate-rial diretamente empresas de reciclagem e ferros-velhos. Só em Vitória, segundo informações da prefeitura, cerca de 180 pessoas vivem como catadores de mate-rial reciclável.

Nas associações, os resíduos são separa-dos e prensados. Cada material tem seu preço e é vendido separadamente para as indústrias de reciclagem.

Os catadores › Os protagonistas dessa história são os catadores de lixo. Com-plementando a gestão pública de resídu-

os sólidos, eles são os responsáveis por diminuir a quantidade de lixo seco que poderia ser aterrada.

João Antônio de Moraes, 73 anos, co-nhecido por todos como Seu João, é presidente e fundador da Ascamare, que fica no Bairro República. Conhecer o gal-pão da Associação é entrar num mundo de papéis, plásticos, papelão e ferro dis-tribuídos por todo o espaço, separados em grandes blocos prensados. Mais à frente, homens e mulheres trabalham numa grande mesa, onde filtram tudo que chega à Associação. Eles contam que na banca de triagem sempre encon-tram algo útil que não deveria ser jogado fora. “Eu já consegui três televisões”, co-memora o associado da Ascamare, Aval-cir Pereira.

A figura simples e o olhar cansado con-figuram o homem que trabalha há cerca de 33 anos com lixo: 13 em um ferro ve-lho e 20 como catador (carrinheiro). Os anos dedicados a recolher o lixo de Jar-dim da Penha renderam a Seu João mui-tas amizades e a fundação da Ascama-re. “Jardim da Penha é o meu colégio”, orgulha-se. Foi nas ruas do bairro que ele aprendeu a ler.

A Ascamare foi criada em 1999 e hoje tem 27 catadores associados. Possui car-rinheiros, prensadores, coletores, e até uma Kombi, que passa por vários bairros

da capital recolhendo o material reciclá-vel. A Associação recebe também o lixo proveniente da coleta seletiva municipal e de cidadãos comuns, empresas, lojas e escolas.

José Maria da Silva, 70 anos, voluntário da Pastoral Social da Paróquia de São Francisco de Assis, conta que no início era difícil o contato e o diálogo entre os moradores e os catadores. “Eles se sen-tiam tão excluídos que nem encaravam as pessoas. Hoje, com um lugar próprio para desempenhar o seu trabalho, eles conseguem se desenvolver e sabem atender a todos que chegam na Associa-ção”.

Como associado, um catador ganha en-tre R$600 e R$1000 por mês. O salário é o mesmo para todos e oscila conforme o mercado de recicláveis. De janeiro pra cá, por exemplo, o plástico está desva-lorizado devido à diminuição da compra pelas indústrias de reciclagem. Tal fato se deve, principalmente, à nova lei de proibição das sacolas plásticas (Saiba mais na página 9).

Apesar de ganhar mais enquanto asso-ciado e ter todos os seus direitos como trabalhadores reconhecidos (a profissão foi regulamentada em 2002), a maioria dos catadores de recicláveis do Estado trabalha de forma autônoma. A Secreta-ria de Assistência Social de Vitória infor-

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O trabalho deles é quase imperceptível. Mas são os catadores de lixo que ajudam a diminuir os impactos no meio ambiente.

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mou que existem cerca de 120 carrinhei-ros não-associados trabalhando pelas ruas da capital.

José Luiz Fialho trabalha há dois anos como catador de lixo em Vila Velha. Foi as-sociado da Associação de Catadores de Materiais Recicláveis de Vila Velha (Ascin-vive) durante um ano, mas saiu por conta de alguns desentendimentos. “Percebi que trabalhar sozinho na rua é melhor. Ganho entre R$70 e R$80 nos dias bons”. José Luiz percorre alguns bairros e, no final do dia, vende os materiais a uma empresa de Vila Velha. É no depósito dessa empresa que ele mora, em um quarto improvisado.

Para muitos, os catadores são apenas mendigos que ocupam as ruas com seus carrinhos lotados de lixo. No entan-to, muitos fazem disso uma profissão, constroem a própria casa e educam os filhos. É o caso do senhor Alvacir Pereira, prensador da Ascamare, mais conhecido como “Baiano”. Os 15 anos dedicados ao lixo ajudaram a educar os três filhos e a pagar o aluguel da casa no Bairro República. “Só não consegui comprar o barraco ainda”. Baiano já foi vítima da violência nas ruas, quando ainda era car-rinheiro. Um ônibus bateu na traseira do seu carrinho, o que fez o catador cair no chão, perder alguns dentes e passar uma semana no hospital. O motorista o agre-diu verbalmente e não prestou socorro. Foram situações como essas que fizeram Baiano se associar à Ascamare. “É bem melhor ser associado. A gente anda uni-formizado, com a marca da prefeitura na camisa, calçado. As pessoas nos rece-bem melhor”.

Apoio Governamental › A Prefeitura de Vitória repassa a verba de Resíduos Sólidos para as associações, que fazem a primeira parte do processo de reciclagem do lixo. Com esse dinheiro é possível pagar água, luz, telefone e aluguel da entidade. A asso-ciação não recebe mais verba para a pres-tação do serviço.

A Ascinvive existe há 12 anos e não tem o apoio financeiro da PMVV. Com apenas nove catadores associados, o presidente Jenário dos Santos Santana conta que eles vivem em situação precária e que o lugar onde trabalham não é adequado. “O que produzimos só dá pra sustentar seis associados. Não tem como entrar mais ninguém”.

Perguntados sobre o porquê de não apoiar a Ascinvive, a assessoria de comu-nicação da PMVV responde que leva à associação duas vezes por semana todo

o lixo seco recolhido pelas ruas da cida-de. Porém, a prefeitura não contribui ou repassa nenhuma verba, gerando a insa-tisfação dos catadores. Mas a assessoria diz que estão estudando melhores for-mas de ajudar.

Tomando a iniciativa › Em Cachoeiro de Itapemirim, um senhor de 73 anos é um exemplo de solidariedade e consciência ambiental. José Desteffani sempre via lixo espalhado pelas ruas de seu bairro e, como forma de contribuir para a limpe-za, começou uma espécie de coleta sele-tiva autônoma, pois não há coleta sele-tiva na cidade. “Cachoeiro está atrasada em relação ao lixo. As pessoas não são conscientes e a prefeitura só faz a coleta nos bairros três vezes por semana. Tudo vai para o aterro”.

Há três anos, José começou a separar o lixo dentro de casa. Com o aumento de materiais e a vontade de estender a coleta para todo o bairro, ele pediu à Associação de Moradores um local onde pudesse fazer esse trabalho. O antigo campo de bocha do bairro foi cedi-do e é lá que ele trabalha todos os dias pela manhã.

Como sua preocupação é com o meio am-biente, ele vende os recicláveis para atra-vessadores (fazem a mediação entre ca-tadores e indústria de reciclagem). Em um mês ele consegue uma média de R$ 50 a R$ 70. O dinheiro é dividido entre ele, a As-sociação de Moradores do Bairro Teixeira Leite (20%) e a Igreja Católica (20%).

Depois de três anos, a área de atuação da coleta seletiva aumentou para os bairros vizinhos. Seu José já é conhecido na região e pessoas de outros bairros vão procurá-lo para aprender a fazer o mesmo. Recente-mente, o posto de gasolina de Teixeira Lei-te começou a separar o lixo e cerca de 60% das famílias do bairro já contribuem para a reciclagem.

A gestão integrada entre Estado e cida-dãos consegue, aos poucos, minimizar os impactos dos resíduos sólidos no Meio Ambiente e aumentar a vida útil dos ater-ros sanitários - no Espírito Santo são três, onde é despejado o lixo de 26 municípios capixabas. Os outros municípios utilizam os mais de 100 lixões espalhados pelo Estado. Quem trabalha para a diminui-ção desse dado tem orgulho do bem que faz, como o Seu João. “O meio ambiente depende de nós. Aqui nós catamos cerca de 80 toneladas por mês. São 80 tonela-das de lixo que sustentam 27 famílias e não vão parar debaixo da terra, não vão pros rios, nem pros mares.”

A Política Nacional de Resíduos Só-lidos trata da Logística Reversa, um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a facilitar a co-leta e o retorno dos resíduos sóli-dos aos seus geradores para que sejam tratados ou reaproveitados. Ou seja, é o retorno dos resíduos (agrotóxicos, pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes, sacolas plásticas, entre outros) pós-venda e pós-consumo.

Estados e municípios contam com o apoio do Governo Federal para seus planos de desenvolvimento urbano a partir de variáveis am-bientais. Entre elas, a promoção de coleta seletiva, construção de aterros sanitários, eliminação de lixões, manejo de materiais de construção descartados e a rea-lização de consórcios municipais para atuação conjunta nessas áreas.

Política Nacional de

Resíduos Sólidos

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Um só documento › RG, Carteira de Trabalho, CPF, título de eleitor e certi-dão de nascimento ou civil. Essa é a do-cumentação básica que o cidadão bra-sileiro deve ter para estar inserido na sociedade. O Brasil chega a exigir três vezes mais documentos do que países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, por exemplo, o principal documento é o social security. Ele serve como au-torização para trabalhar, como nossa carteira de trabalho; e para fiscalizar o pagamento de impostos, como o CPF.

Na tentativa de amenizar essa situa-ção e facilitar a vida dos cidadãos, o Governo Federal, em 2009, atualizou e sancionou a lei 9454/1997, que insti-tui o Registro Único de Identidade Civil (RIC), uma nova carteira de identida-de totalmente digital. Além de dados como nome, sexo, data de nascimento, foto, filiação, naturalidade e assinatu-ra, conterá o número do RG, do CPF, do título eleitoral e do novo Número de Identificação Social (NIS).

O documento que promete ser a so-lução para problemas como os que dona Anadir, o senhor João e a se-nhora Maria José enfrentaram, come-çará a ser utilizado ainda neste ano. De acordo com o Ministério da De-fesa, as primeiras cidades serão Rio de Janeiro, Brasília e Salvador, onde cerca de cem mil pessoas vão trocar as tradicionais carteiras de identida-de pelo modelo digital. No prazo de nove anos, a substituição total dos documentos será feita gradualmente em todo o país.

Semelhante a um cartão de crédito, o RIC ainda promete dificultar falsifica-ções por conter um chip capaz de reu-nir diversas informações do cidadão, como altura, impressões digitais, entre outros dados, além de trazer novos itens de segurança, como uma marca d’água e a maneira como os dados são escritos no cartão.

O novo documento terá validade de dez anos e o número de certificação digital que ele carrega, de três anos, com prazo prorrogável. Esse número pode funcionar como uma assinatura eletrônica e, no futuro, facilitar a vali-dação de contratos e até outros docu-

mentos.

cessidade de providenciá-los. Há apenas quatro meses ele tirou sua identidade. Mas só porque sua carteira de trabalho, utilizada inclusive para obter um cartão de crédito, encontra-se em mau estado, devido aos muitos anos de uso.

“Certa vez recebi o pagamento de um serviço por depósito bancário, mas qua-se não consegui resgatar o dinheiro por-que precisava do número da identidade. Tive que conversar muito com o bancá-rio, até conseguir. Mas a pior situação foi em uma viagem em que fui barrado no ônibus porque o motorista alegou que meu documento estava muito velho e não serviria para comprovar nada. Após muita conversa, consegui embarcar. Nesse dia resolvi tirar meu RG”.

A facilidade e a gratuidade para obter a Carteira de Trabalho e o CPF também levaram Maria José a viver grande parte de sua vida somente com esses docu-mentos. Isso era suficiente para ter um plano de saúde, conseguir atendimento médico e com uma conversinha ou outra resolver as burocracias do dia a dia. Há menos de um ano dona Maria tirou sua identidade, quando já não aguentava mais arrumar desculpas. “Eu comecei a me envergonhar de toda vez ter que conversar para aceitarem a minha cartei-ra de trabalho como comprovante para tudo”, argumenta.

Dona Anadir Penha Marchesine Batista, 65 anos, e o senhor João Gonçalves Teixeira, 59, ambos mo-radores do município de Vila Velha, possuem algo em comum com a senhora Maria José Nogueira dos Santos, 61 anos, que reside em Vi-tória. Três pessoas com diferentes histórias de vida mas uma mesma experiência: a de viver por mais de trinta anos sem o Registro Geral (RG), mais conhecido como carteira de identidade, principal documento de identificação do brasileiro.

Há sete anos, Anadir percebeu que che-gara a hora de dar entrada ao processo de emissão da sua identidade, mas ainda hoje afirma que é possível tocar a vida sem o documento. Como uma dona de casa dedicada, nunca trabalhou fora e por isso afirma não ter sentido diferença dos anos em que viveu sem o RG para os atuais. “Minha carteira de trabalho e o meu CPF eram aceitos em todos os luga-res. Com eles abri conta em banco e até fiz cartão de crédito”, ressalta.

O pedreiro João começou a trabalhar ainda na adolescência e logo providen-ciou a emissão da Carteira de Trabalho e Previdência Social, onde consta todo o seu histórico profissional. Mas como os demais documentos não lhe foram cobrados, o trabalhador não viu a ne-

A experiência de três cidadãos capixabas que por muitos anos viveram sem o RG

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fotografia fulano de tal FotograFia Fernanda Marchesini

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Os antigos carrinhos de compras, sacolas de feira e até mesmo caixas de papelão voltam a aparecer nos supermercados. Isto porque o termo de compromis-so, que proíbe a distribuição de sacolas plásticas tra-dicionais nos supermercados de Vitória, está mudando os hábitos de muitos capixabas. O termo determinou que os supermercados substituam as sacolas comuns pelas biodegradáveis, que devem ser vendidas e não mais distribuídas gratuitamente. A intenção é reduzir a quantidade de lixo depositada no meio ambiente.

Segundo uma pesquisa realizada pela Associação Brasi-leira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Espe-

ciais (Abrelpe), das 9500 toneladas de lixo recolhidas em Vitória, todos os meses, cerca de 900 são compostas por sacos plásticos. De acordo com a engenheira cartógrafa e especialista em Engenharia Ambiental, Márcia Zenóbia Lima, o grande volume de sacolas utilizadas todos os dias traz como consequência aterros sanitários cada vez mais lotados. “As sacolas plásticas levam centenas de anos para se decompor e, ao contrário do que muitas pessoas acreditam, elas são responsáveis pela grande quantidade de lixo nos aterros”, afirma a engenheira.

Muitas pessoas não sabem, mas os sacos plásticos comuns impedem a degradação do lixo, pois o que seria decom-posto fica protegido dentro dele. O engenheiro químico e professor de Planejamento e Gestão Ambiental da Ufes, Renato Siman, explica as vantagens das sacolas biodegra-dáveis. “Os produtos que compõem as sacolas plásticas têm um tempo muito longo de degradação, o que faz com que resíduos que seriam facilmente decompostos e se en-contram dentro delas fiquem impedidos de se decompor. Já as sacolas biodegradáveis não atrapalham a degrada-ção do lixo”.

Os consumidores › A implantação deste termo na Capital levantou opiniões diversas. A estudante Carolina Bonella Grassi, de 25 anos, afirma que a venda das sacolas tem um lado bom e outro ruim. “Por um lado esta medida trará be-nefícios para o meio ambiente, mas por outro precisamos das sacolas plásticas para guardar o lixo”.

A funcionária pública Iodete Dias Rodrigues, 44 anos, clas-sificou a nova medida como injusta. “Não é o povo que

Sacolas pagas,novos hábitos

Novo termo de compromisso proíbe a distribuição de sacolas plásticas nos supermercados de Vitória visando mudar os costumes dos capixabas

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tem que pagar por isso, já pagamos muita coisa embuti-da nos impostos. Os estabelecimentos deveriam fornecer gratuitamente as sacolas biodegradáveis”, sugere.

Já a contabilista Iracy Miranda Batista, moradora de Jar-dim Camburi, é a favor da troca das sacolas plásticas co-muns pelas biodegradáveis e retornáveis. “Esta nova lei será importante, pois irá ajudar na preservação do meio ambiente. Em relação ao lixo, as sacolas de lixo azuis, por exemplo, continuarão sendo vendidas. Eu concordo com a medida, mesmo perdendo as regalias de sacolas plásticas para uso nas lixeiras, pois o meio ambiente vale mais e precisamos pensar coletivamente, não apenas individual-mente”, ressalta.

A partir da experiência em Vitória, o termo de compromis-so será ampliado para todos os municípios do Estado. De acordo com a Promotora de Justiça e dirigente do Centro de Apoio Operacional de Defesa ao Meio Ambiente do Ministé-rio Público do Espírito Santo, Nícia Sampaio, o termo busca acompanhar o que está acontecendo no Brasil e no mundo, como resposta a uma preocupação geral, comprovada por pesquisa, de que o planeta não suporta mais o modo de agir da população. “É importante salientar que adotamos o lema ‘pensar globalmente e agir localmente’ quando firmamos o termo com os supermercados”, ressaltou.

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Arco e

Não foi fácil acordar cedo num domingo daqueles em que o friozinho te prende na cama, mas valeu a pena. O combinado era acompanhar uma aula de arco e fle-cha - que começa às 8h30 e acaba às 10h30 - e fazer as entrevistas para a matéria. Quando lembramos de olhar o relógio já era quase meio dia. Não é sempre que o tempo passa tão rápido.

Antes de irmos embora, arriscamos algumas flecha-das no alvo para iniciantes. Nós nos munimos dos aparatos de segurança - o protetor de braço e os dedais - para não nos machucarmos com a corda do arco. Contamos com as orientações de Daniel Juvên-cio do Nascimento, presidente da Federação Capixa-ba de Tiro com Arco (FCTARCO). Com a paciência de um professor experiente, ele explicou que o arqueiro

deve manter a postura ereta, o corpo em posição de 90° do alvo e os pés retos e alinhados com os ombros.

A “aula” que tivemos foi diferente da que os alunos ini-ciantes têm. Eles não pegam num arco nos primeiros dias de treinamento. O diretor técnico da FCTARCO e também professor, José Carlos Salviato (Biriba), ensina os movi-mentos de corpo com uma borracha e somente quando o aluno consegue desenvolver certa aptidão é que lhe é en-tregue o arco recurvo - instrumento sem roldanas que re-quer mais força para fazer e manter a puxada das cerdas.

Há também o arco composto, que possui polias, o que aju-da o atirador, pois minimiza o peso empregado na puxada e dá a ele mais tempo para estudar o tiro. Esse tipo de arco é mais potente e requisitado por quem necessita de maior rendimento.

Na aula que acompanhamos, os alunos já estavam treinan-do com arcos: o professor José Carlos dava as instruções e vez ou outra soltava frases de incentivo para os apren-dizes. Alguns familiares dos integrantes da escola assitiam sentados em cadeiras de praia e batiam papo com os ami-gos - pais de outros alunos - embaixo da sombra de uma grande árvore.

Nós, repórteres, podemos falar por experiência própria: aulas de arco e flecha são relaxantes. Fazem o atirador es-quecer da rotina cansativa, de todos os problemas e no momento do disparo sentir que tem o controle de tudo e está em harmonia com o mundo.

E quase todos podem participar da escola. Segundo José Carlos, qualquer pessoa “dos 8 aos 80 anos pode prati-car tiro com arco”. Mas há um aluno que contraria a afir-mação do professor: com seis anos já faz parte da turma e usa um arco infantil. Christian Monteiro Bastos Santos participa das aulas há duas semanas e já atira como gente grande. Ele afirma gostar da prática e seu pai comenta que Christian é quem o acorda nos finais de semana para irem juntos à escola.

Esporte ainda pouco divulgado

no Estado revela ser ótima

terapia e atividade de lazer

FotograFia Mariana goMes e ricardo dobrovosky

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Dificuldades › Com mais de 100 alunos inscritos e, destes, cerca de 15 pratican-tes, a escolinha funciona na Universida-de Federal do Espírito Santo (Ufes), que cede espaço para as aulas. Mas quem fornece todo o material utilizado é a Fe-deração, que cobra R$10 mensais por ar-queiro associado e reverte as contribui-ções em mais arcos e flechas.

A grande dificuldade está em comprar os arcos, pois os melhores são produzidos no exterior e o preço é alto, podendo ul-trapassar R$1.000. Tendo que importar o material para manter a qualidade do tra-balho, a Federação concilia seu orçamen-to com a demanda de arcos e flechas ne-cessária para as aulas.

Outro problema é o baixo número de praticantes ativos. Segundo o professor José Carlos, o horário das aulas - sába-dos e domingos pela manhã - também dificulta o crescimento da prática desse esporte. Ele comenta que muitos alunos começam a fazer o curso mas acabam desistindo nas primeiras aulas, geral-mente por causa do horário. “Quem sai na sexta-feira não consegue chegar aqui no sábado”, brinca.

Mas há alunos que não desistem. O estu-dante Giuliano Scardua Sposito Serrano, 13 anos, já terminou o curso e continua praticando para se preparar para compe-tições. Há dois anos ele participa das au-las e acordar cedo nos finais de semana não é um problema. “É legal para relaxar um pouco, é como um hobby”, comenta.

Competições › Os competidores, mascu-lino e feminino, são divididos em cadete (até 16 anos), juvenil (16 a 18 anos), adul-to (a partir de 19 anos), e master (a partir de 50 anos). As competições podem ser Outdoor - quando são realizadas ao ar livre, em campo aberto e plano; e Indo-or - quando as provas são realizadas em ambientes fechados, como ginásios de esportes.

O alvo, objetivo do arqueiro, possui dois tamanhos, sendo um de 122 cm de diâ-metro e outro de 80 cm. Para efeito de

pontuação, ele é dividido em dez faixas coloridas: amarelo (9, 10 ou mais), ver-melho (8 e 7), azul claro (6 e 5), preto (4 e 3) e branco (2 e 1). O suporte onde se apoia o alvo é feito de almofadas de pa-lha, com camadas sobrepostas.

José Carlos e Daniel definem o tiro com arco como um esporte democrá-tico. “Não existe essa história de quem indica, você tem que ser bom para se classificar”. Os atletas filiados à Con-federação Brasileira de Tiro com Arco (CBTARCO) fazem parte de um ranking que utiliza os pontos alcançados em competições para critério de classifica-ção. A partir desse ranking, a Confede-ração fica de olho nos maiores pontua-dores para convocá-los a participar das seletivas.

A estudante Dalila Machado do Nasci-mento, 18 anos, é a única mulher que pratica o tiro com arco aqui no Estado e diz que consegue conciliar o pré-ves-tibular e as aulas de inglês com a práti-ca do esporte. “Aqui é relaxante, você tira o stress da semana toda”. A jovem planeja participar das Olimpíadas de 2016 e comenta que este é um sonho do pai, o presidente Daniel.

Benefícios › Segundo José Carlos, a prática do arco e flecha é considerada

uma terapia e é até recomendada por psicólogos. “O núcleo de Psicologia da Ufes sugeriu, inclusive, inserir a esco-linha como uma forma de tratamento de pacientes, caso o curso de Educação Física não tenha interesse em apoiar o projeto”.

O tiro com arco, além de ser um espor-te para quase todas as idades e am-bos os sexos, é também possível para pessoas com deficiência. O atleta pa-raolímpico Kevin Evans, por exemplo, não possui um dos braços e é um dos melhores atletas na sua categoria. Ele arma sozinho o arco com a força do seu único braço e solta a flecha com um dispositivo que coloca na boca. Os pontos médios alcançados por ele em competições chegam a ser maiores do que os de atletas sem deficiência física.

Outro ponto positivo do esporte é o respeito ao próximo. “Aqui tem advo-gado, médico, técnico em informática, estudantes. Nesse esporte, não há di-ferença entre um arqueiro e outro. Na hora em que estão lado a lado, são to-dos iguais. Um ajuda o outro”, afirma o professor, que sonha em incluir o arco e flecha na grade curricular do curso de Educação Física e ministrar o esporte em escolas públicas.

A repórter Fernanda

Marchesine arriscou algumas

flechadas

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Edson Souza Fraga já passou por situações inusitadas nos dez anos em que trabalhou como taxista. Segundo ele, é comum os taxistas caírem em golpes ou trotes e o mais aplicado é o da nota de R$50 falsa. “Quem está na profissão tem que tomar muito cuidado. Foi tentando sair de uma nota fal-sa que passei um dos maiores apertos da minha vida”. Numa noite de junho de 2008, Edson pegou um casal com uma criança na Vila Rubim, Vitória. O destino era uma festa no Morro do Romão. Ao chegar ao local e informar que a corrida tinha saído por R$30, o passageiro disse que só tinha uma nota de R$50. Desconfiado, o taxista disse que não tinha troco. O homem, então, pediu que ele o levasse à Jardim da Penha, para fechar o valor. Edson aceitou a proposta. O cliente deixou a família na festa e voltou com um objeto enrolado em uma toalha e o colocou no porta--malas. Ele explicou que na casa havia traficantes, assassinos e o que estava em seu porta-malas era droga. Edson ligou o carro e partiu sem o passageiro. “Eu desci a mil e nem olhei para trás”. Quando chegou ao seu ponto no Shop-ping Vitória, Edson desceu do carro desmaiando, sendo levantado pelos colegas de profissão. Ele pediu que ligassem para a polícia, pois havia droga no carro. “Quando o policial desenrolou a toalha, eu não

acreditei: era um tijolo”, conta a gargalhadas.

*os noMes utilizados na Matéria são Fictícios para proteger a identidade das Fontes.

Benedito morou por mais de quinze anos no município de Afonso Cláudio e durante esse tempo traba-

lhou como taxista. Certa vez, ele levava uma família para um bairro distante do centro e um imprevisto o fez passar por uma das situações mais

vergonhosas da sua vida. Durante a viagem, Benedito sentiu uma forte dor de bar-riga. “Queria parar em qualquer matagal pelo caminho, mas os passageiros estavam

atrasados para um aniversário. Enquanto isso eu ia me apertando e tentando disfarçar”, contou Benedito aos risos. Após deixar os passageiros no local, Benedito acelerou o máximo que pôde até conseguir achar um lugar onde pudesse ‘ir ao banheiro’. “Eu desliguei o carro, corri para o mato, abaixei as calças e fiz o que tinha que fazer”. Entretanto, Benedito não repa-rou que uma viatura da Polícia Federal vinha logo atrás. Ao ver o táxi no acostamento, os poli-ciais resolveram verificar o que estava acontecendo. Benedito foi pego sem calças e em uma

situação desagradável. “Na hora eu não sabia o que falar. Vesti minhas calças às pressas e, segurando um rolo de papel higiênico em uma das mãos, disse que estava tudo

bem”, explica. Os policiais pediram desculpas e saíram rindo disfarçadamente. Benedito ficou muito envergonhado, mas até hoje se diverte quando

conta o que aconteceu.

Dor de barriga Inesperada

Fazer uma matéria sobre taxistas é uma verdadeira corrida. Eles já dizem em primeira instância: “o meu tempo é curto, se aparecer algum cliente terei que atender”. Mas no meio de toda

essa pressa, conseguimos ouvir algumas histórias. Apresentamos agora as ex-periências e fatos engraçados que acontecem durante suas “cor-

ridas”. Entre no carro e boa viagem!

Uma história que aconteceu em 1982 não sai da mente de Admir Lodi Coradi, há trin-

ta anos taxista. Na volta de uma corrida, Admir estava passando pela Avenida Darly Santos, em Vila Velha, quando

um passageiro entrou no carro com destino ao hospital mais próximo. Admir percebeu que o senhor começou a enfartar e acelerou o quanto pôde para socorrê-lo. Mas quando chegou ao Hospital Santa Casa de Misericórdia de Vitória, o passageiro

já estava desacordado. O laudo foi dado dentro do próprio veículo: aquele homem já havia “passado para a outra

vida”. Sem mais o que fazer, Admir deixou o cor-po no hospital.

Os taxistas carregam histórias de passageiros que só eles podem contar

››› Máyra Novais e Tamiris Vieira

Trote

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Há seis meses Joaquim tem uma passa-geira que é, no mínimo, curiosa. Ele conta que a

leva ao motel pelo menos duas vezes por mês. Seria uma situação corriqueira se ela estivesse acompanhada.

Mas a mulher diz que permanece sozinha durante o tem-po pago pelo quarto. Joaquim conta que na primeira vez achou a situação estranha. “Ela me disse que gosta de

ficar no motel sozinha e que lá é um ótimo lugar para relaxar. Depois de ‘descansar’ ela me liga para

buscá-la”.

ilustraÇão andré cunha

Benedito morou por mais de quinze anos no município de Afonso Cláudio e durante esse tempo traba-

lhou como taxista. Certa vez, ele levava uma família para um bairro distante do centro e um imprevisto o fez passar por uma das situações mais

vergonhosas da sua vida. Durante a viagem, Benedito sentiu uma forte dor de bar-riga. “Queria parar em qualquer matagal pelo caminho, mas os passageiros estavam

atrasados para um aniversário. Enquanto isso eu ia me apertando e tentando disfarçar”, contou Benedito aos risos. Após deixar os passageiros no local, Benedito acelerou o máximo que pôde até conseguir achar um lugar onde pudesse ‘ir ao banheiro’. “Eu desliguei o carro, corri para o mato, abaixei as calças e fiz o que tinha que fazer”. Entretanto, Benedito não repa-rou que uma viatura da Polícia Federal vinha logo atrás. Ao ver o táxi no acostamento, os poli-ciais resolveram verificar o que estava acontecendo. Benedito foi pego sem calças e em uma

situação desagradável. “Na hora eu não sabia o que falar. Vesti minhas calças às pressas e, segurando um rolo de papel higiênico em uma das mãos, disse que estava tudo

bem”, explica. Os policiais pediram desculpas e saíram rindo disfarçadamente. Benedito ficou muito envergonhado, mas até hoje se diverte quando

conta o que aconteceu.

Dor de barriga Inesperada

Outra história de Edson é de quando foi atender uma cliente em Coqueiral de Itaparica. O destino? Um motel. Quando che-gou lá, surpreendeu-se ao encontrar uma vizinha. “Fiz de con-ta que não sabia quem era, e ela voltou para trás fingindo não me conhecer. Mas não teve jeito, eu já estava lá e ela teve que entrar no carro. Eu a deixei em casa e levei o rapaz

para onde ele morava. No outro dia a mulher apareceu em minha casa e pediu para que eu não contasse

nada ao seu marido”. Edson não contou.

Uma história que aconteceu em 1982 não sai da mente de Admir Lodi Coradi, há trin-

ta anos taxista. Na volta de uma corrida, Admir estava passando pela Avenida Darly Santos, em Vila Velha, quando

um passageiro entrou no carro com destino ao hospital mais próximo. Admir percebeu que o senhor começou a enfartar e acelerou o quanto pôde para socorrê-lo. Mas quando chegou ao Hospital Santa Casa de Misericórdia de Vitória, o passageiro

já estava desacordado. O laudo foi dado dentro do próprio veículo: aquele homem já havia “passado para a outra

vida”. Sem mais o que fazer, Admir deixou o cor-po no hospital.

Te conheço?

Receita para relaxar

Final Triste

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Consumismo: um mal contemporâneoResistir às tentações tem sido difícil. O consumo é cada vez mais estimulado e comprar nunca foi tão fácil.

Consumo para levantar a autoestima Para levantar a autoestima e ter a sensação de saciedade, leveza e êxtase, a pedagoga Ivanuze Pimenta Barbosa, 42 anos, adquire semanalmente novos sapatos, roupas, perfumes, maquiagem e joias. “Os dias que estou mais ‘deprê’ são os dias que mais com-pro, só pra dar um up no astral”.

Ela admite que já estourou o limite do cartão de crédito, chegou a pedir outros cartões para poder continuar a comprar e fez em-préstimo pessoal para manter o consumo. Uma loucura da qual se arrependeu foi ter pago R$5800 em sete pulseiras indianas de ouro. “Hoje eu vejo que foi por impulso”, afirma.

Ao comprar constantemente em uma mesma loja, você acaba criando laços de amizade e recebe em primeira mão as novida-des, descontos e promoções. Mas isso pode se tornar um perigo aos que amam consumir. “As vendedoras chegam a virar minhas amigas pessoais. Quando não vou à loja, elas me mandam as mercadorias para que eu possa escolher em casa”.

Não conseguir juntar dinheiro, acumular dívidas e deixar de fazer coisas que tem vontade por ter gasto o dinheiro desnecessaria-mente, foram algumas consequências desse consumo desenfre-ado. Hoje ela já se vê bem mais controlada, criou novos hábitos para não comprar. “Deixo de ir às lojas, desativei alguns cartões e passei a tirar o extrato bancário com mais frequência”, diz.

Seu guarda-roupa é amplo: seis portas de armário, um sapateiro e um roupeiro. Mas além de ocupar todos esses espaços, Ivanu-ze guarda parte de suas roupas no armário da filha e já faz planos para usar também o do filho.

Ela ainda faz doações e vende parte de suas aquisições, para reinvestir o dinheiro em novas peças.

Você já parou para contar quantos anúncios viu, leu ou ouviu em apenas um dia? Não importa o que estejamos fazendo, eles nos alcançam e criam necessidades e desejos que nem deveriam existir. A publicidade, aliada às opções de crédito, tem facilitado o ato de comprar. Mas este pode acabar se transformando em um problema.

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Dinheiro na mão é vendavalA estudante de Direito Paula Couto, 22 anos, é muito vaidosa e também compra para melhorar a autoestima. “Fico feliz quando emagreço e consigo comprar uma calça um número menor ou quando compro maquiagens para me produzir mais”.

Mas Paula já se arrependeu de ter comprado muitas coisas. Uma de suas loucuras con-sumistas foi um vestido casual que custou o dobro de seu salário. “Hoje percebo que foi um absurdo. Jamais faria de novo”.

A estudante conta que com o que ganha como estagiária não é possível pagar tudo à vista e sempre recorre ao cartão de crédito, parcelando em “quanto mais vezes melhor”. Dentro de casa, seus pais não dão palpite sobre o que ela deve ou

não fazer com o dinheiro. “Desde que eu não crie dívidas, não tem problema se compro um ou seis pares de sapatos no mesmo dia”. Sapatos e sandálias, aliás, são o ponto fraco de Paula. “Adoro! Compro sobretudo as de uso cotidiano”.

Não existe uma determinada época do mês ou estado de espírito que a faça comprar mais. “Sigo à risca aquele ditado ‘dinheiro na mão é vendaval’, não

consigo guardar de jeito nenhum”, brinca. Mas as tão temidas promoções só lhe afetam quando estão diante dos olhos. “Nem adianta me ligar falando de liquidação. Só fico tentada em comprar quando está na minha frente”.

Houve uma época em que a estudante não sabia de todas as roupas e sapatos que tinha no guarda-roupa. Hoje sabe, mas eventualmente esquece de uma ou outra peça. “Quando o armário não aguenta mais”, Paula doa as peças que já não lhe interessam.

Ajuda em um blogCom a conta no vermelho e nenhum real para comprar o aparta-mento em que morava em São Paulo, a publicitária Joanna Moura, 27 anos, decidiu mudar de vida. Assim, veio a ideia de ficar um tem-po sem comprar roupas. “Mas eu era tão consumista que seria qua-se impossível abraçar esse desafio sozinha”. Foi assim que surgiu, em março de 2011, o blog “Um ano sem Zara”.

O objetivo era dividir com as pessoas o desafio de ficar um ano sem comprar. “Eu sei. Vai ser difícil. Eu vou ter crises. Vou tremer e babar quando passar na frente de uma vitrine. Mas tenham fé em mim”, foi o desabafo do seu primeiro post. A única exceção era a maquia-gem, já que para Jojo - como assina o blog - “não dá pra ficar sem”.

Diariamente Joanna monta um look com peças do seu guarda-rou-pa, fotografa e posta no blog. Toda produção, edição das imagens, texto e publicação, leva cerca de duas horas.

A blogueira declara que já saiu do vermelho e cria expectativas para o fim dos 365 dias. “Espero que eu me torne uma pessoa mais equi-librada com relação ao consumo. Mas vou inventar outra coisa pra não perder o contato com as pessoas que passaram a acompanhar as minhas loucuras”, brinca. Hoje seu blogue tem mais de 12 mil acessos por dia.

A referência à marca Zara representa toda e qualquer loja de gran-de apelo entre as mulheres. São nessas lojas que as pessoas con-somem sem perceber e acabam levando para casa coisas que nem precisavam. Confira: umanosemzara.blogspot.com

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Primeira mão Agosto 201116

A DoençaA compra compulsiva é um distúrbio psicoló-gico capaz de ativar áreas do cérebro relacio-nadas ao prazer. O diagnóstico de compulsão por compras, chamada onemania, ainda é bastante discutido do ponto de vista psico-lógico e psiquiátrico. “Alguns especialistas a consideram uma doença obsessiva-compulsi-va. Nesse caso, a pessoa teria outros atos de compulsão além da compra”, diz a psicóloga Priscila Valverde. Acredita-se que a doença pode estar associada a transtornos de humor e de ansiedade, dependências químicas e até transtornos alimentares. A onemania também surge para aliviar sentimentos de frustração, sendo vista pelo doente como a “solução”

para os piores momentos da vida.

ConsequênciasSegundo a psicóloga Priscila Valverde, o consumo exagerado abala

a vida financeira, o que pode refletir nos relacionamentos fami-liares. Além disso, é comum o surgimento de um sentimento

de frustração ou ainda um aumento da ansiedade. Outra consequência é a de nível ambiental: o consumo ili-

mitado gera um acúmulo de mercadorias sem uso que resulta no aumento do lixo jogado no meio ambiente. Priscila ressalta que a pessoa que sentir que tem esse distúrbio pode procurar apoio psicológico.

As origensO consumismo é um fenômeno contemporâneo, que se coloca como uma forte característica do nosso sistema econômico. Com a Revolução Industrial, houve um au-mento na escala de produção e consequentemente um aumento no número de mercadorias em circulação. Por conta disso, as so-ciedades passaram por uma grande transformação. Estamos mer-gulhados em um mundo do qual recebemos a todo momento uma avalanche de informações sobre produtos que prometem tornar nossas vidas melhores. Infelizmente, em nossa sociedade o “ter” tem se sobressaído ao “ser”. As pessoas mergulham em dívidas com o objetivo de manter seu status e estar sempre em dia com as novas tecnologias, ou com o carro do ano.

“Por conta disso, nossas discussões em torno desse fenômeno não podem ser reduzidas a um distúrbio individual, mas a uma consequência de uma série de fatores, sendo o principal deles a lógica de mercado a que estamos submetidos”, avalia Priscila.

NúmerosNão existe um estudo no Brasil que diga quantas pessoas sofrem dessa doença, mas estima-se que seja 3% da população, em uma proporção de quatro mulheres para cada homem. Especialistas não sabem precisamen-te o porquê de a doença ser mais fre-quente nas mulheres, mas acreditam que o motivo está relacionado a con-dições culturais. O tema é objeto de estudo da equipe do Ambulatório do Jogo Patológico e Outros Transtornos do Impulso (AMJO) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Clientes “especiais”Toda loja tem seus clientes “especiais”, aqueles que sempre passam para ver as novidades e, inevitavelmen-te, acabam levando alguma coisa. Em muitos casos a compra é desnecessária, feita somente pelo prazer de comprar. Danielle Freixo, vendedora de uma loja de roupas femininas de Jardim da Penha, teve uma clien-te assim. “Tudo que ela via queria comprar. Ela pedia todas as cores do mesmo modelo e às vezes, mesmo não sendo do tamanho certo, ela comprava”. Danielle lembra que a cliente ia à loja toda semana e gastava muito. “Cada compra que ela fazia era bem grande. Ela gastava cerca de R$1.000 por semana”, revela. Danielle diz que era nítido que ela era muito solitária. “Acho que isso a fazia comprar mais”, avalia.

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Primeira mão Agosto 2011 17

É comum vermos pessoas famosas casando-se e sepa-rando-se o tempo todo. Sthefany Brito e Alexandre Pato, Ronaldo Fenômeno e Daniela Cicarelli são alguns exemplos. Mas esses casamentos que duram menos até do que um “rolo” não acontecem somente no mundo das estrelas.

É o caso do engenheiro Luiz Henrique Fer-reira, 29 anos. Ele namorou por três anos, mas faltando poucos meses para o casa-mento, pensou em adiá-lo. Só decidiu se-guir em frente porque a família apoiava a união. Apenas seis meses depois da cerimô-nia, veio o divórcio. O motivo? “Falta de com-patibilidade. Nós tínhamos sonhos e planos

muito diferentes, por isso não deu certo”, explica.

A advogada Luciana Ribeiro, 36 anos, também se casou por pressão da família, que considerava o noi-vo o “homem perfeito”. Na época ela tinha 27 anos e já namorava há quatro, mas diz que não teve maturidade suficiente para ir contra seus pais e irmãos. “Eu achava que as coisas pudessem melhorar e o amor poderia surgir após o ca-samento”, lembra. Depois de quase dois anos juntos, ela não suportou mais a convivência e pediu o divórcio.

Pressão Social › Muito casais se unem mais por pressão so-cial do que por amor. Luiz Henrique, que passou por isso, observa que “as pessoas não são bem vistas quando, a partir de certa idade, ainda estão solteiras. A sociedade é precon-ceituosa. Já ouvi muitas mulheres reclamando que estavam passando da hora de casar”.

Essa pressão acaba por levar ao altar muitos casais despre-parados para a vida a dois. É o que conta Larissa Lorenzutti,

dona de uma loja de vestidos de noivas em Vitória: “Eu vejo noivas completamente apaixonadas, mas ou-

tras estão pensando mesmo é na festa, na igreja, no vestido... Muitas gastam mais de cem mil

reais com o casamento, mas não pensam no que vem depois”.

Laços efêmerosNem sempre o final é feliz e às vezes ele chega muito antes do que se espera

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Há casais que agendam a cerimônia sem nem ter certeza de que o casa-

mento vai se realizar. Foi o caso da fi-sioterapeuta Julia Costa, 25 anos. “Eu já na-

morava há quatro anos quando decidimos marcar a data. Passaram-se seis meses e terminamos”, conta.

Novos valores › Para a psicóloga Rafaela Feijó, a menor du-rabilidade dos casamentos está relacionada a diversos fato-res. “A sociedade vende a ideia de que temos de ser felizes o tempo todo, o que não é possível. Se algo da relação conju-gal faz sofrer, acaba levando à separação”. Para ela, também contribui para o fim das relações a independência financeira da mulher. “Com fonte de renda própria, as mulheres agora têm mais liberdade. Por outro lado, elas estão com uma so-brecarga de trabalho, o que pode comprometer a relação a dois”, explica.

Outro fator é a divergência de interesses. “As pessoas estão mais individualistas. Quando o ‘eu’ passa a ser sempre mais importante que o ‘nós’, um casamento não se mantém”. Segundo Rafaela, a facilidade e aceitação social do divórcio também contribui para que os matrimônios sejam menos du-radouros.

Divórcio › Com a promulgação da Emenda Constitu-cional nº 66, de 13 de julho de 2010, o divórcio ficou

mais fácil. Antes, o processo levava o tempo mí-nimo de dois anos, agora dura cerca de uma se-mana. A lei de 1977 exigia que os casais tivessem pelo menos um ano de união para que pudessem propor a separação judicial. Após a separação ju-dicial, era necessário esperar mais um ano para solicitar o divórcio. Outra opção era esperar dois anos de separação para o divórcio direto consen-sual.

A emenda extinguiu o tempo de casamento e a se-paração judicial necessários para dar entrada no

pedido de divórcio. Da mesma forma, não é mais ne-cessária uma decisão judicial: o divórcio agora pode

ser obtido no cartório.

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Um título de cidadão serrano reluz na placa de metal posta na sala da casa de José Teixeira. Ele e sua esposa, Edna Marques Teixeira, chegaram ao Bairro de Fátima em 1975, quando o lugar ainda era pouco mais do que um

inóspito matagal. Ao longo desses 36 anos, o casal ergueu um complexo de cinco residências. José, 66, e Edna, 64, vivem hoje na companhia de dois cachorrinhos, na casa que fica na par-te superior da construção. O casal tem cinco filhos e oito netos.

O problema é que o Bairro de Fátima, a Canaã de José e Edna, não fica na Ser-ra, e sim em Vitória. É o que diz a Lei Estadual nº 1919, que trata da divisão territorial do Espírito Santo. A lei foi publicada em 1963, e naquela época havia pouquíssimas construções pró-ximas à área limítrofe entre Vitória e Serra. Mais tarde, impulsionado pelo aparecimento de grandes empresas, o local foi sendo ocupado sem que hou-vesse uma identificação exata dos limi-tes territoriais. As áreas industriais da ArcelorMittal, do Porto de Tubarão, da Vale e do Porto de Praia Mole foram es-tabelecidas entre as duas cidades.

Com o tempo, a prefeitura da Serra passou a cuidar dos serviços urbanos de bairros constituídos em território pertencente a Vitória. Por isso, em 1978, a Serra passou a contestar a lei nº 1919 na justiça, reivindicando que o limite se estabelecesse na ponte da passagem. Desde então, cerca de 80 ações judiciárias se acumulam.

O ponto mais sensível da questão diz respeito aos impostos. Os tribu-tos dos moradores vão para Serra. A confusão maior, porém, diz res-peito às grandes empresas. Como a situação dos limites territoriais nunca foi resolvida, as companhias e suas prestadoras de serviços aca-bam sendo obrigadas a depositar parte dos tributos em juízo. Foi o que o aconteceu com o Imposto de Trasmissão de Bens Imóveis (ITBI) de um terreno da antiga CST (hoje ArcelorMittal) situado no Porto de Praia Mole. Antigamente, o ITBI era pago ao Governo Estadual, que repassava 50% do valor para o mu-nicípio. Depois da constituição de 1988, o imposto passou a ser pago diretamente ao munícipio. Por isso, a Prefeitura da Serra entrou na jus-

tiça requerendo o valor. Conseguiu depois de anos de disputa, mas a ação foi revertida em março deste ano pelo Superior Tribunal de Jus-tiça (STJ) do Espírito Santo. O STJ considerou a lei nº 1919. Portanto, o terreno situado no Porto de Praia Mole está em Vitória e a prefeitura da Serra deverá devolver os R$8,4 milhões do ITBI.

A decisão deu base para a administra-ção da capital poder incorporar áreas que estão sob a responsabilidade da prefeitura serrana. Cinco bairros his-toricamente ligados à Serra podem entrar em disputa: Hélio Ferraz, Cara-pina I, Bairro de Fátima, Eurico Salles e Jardim Carapina. Conforme cálculos aproximados do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf), 50% das áreas habitadas de Eurico Salles e 70% de Hélio Ferraz estão em Vitória. Nos casos de Ca-rapina I e Bairro de Fátima, esse nú-mero chega a 100%. A área de Jardim Carapina pertencente a Vitória ainda não é habitada. A Prefeitura da Serra, porém, reivindica a manutenção dos bairros alegando que Vitória nunca se preocupou com eles.

REDESENHANDO O MAPA

Há vários anos, as prefeituras de Vitória e Serra brigam na justiça por causa da divisão territorial entre os dois municípios. O assunto voltou à tona depois de uma nova decisão do STJ.

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Diante dessa situação, o deputado estadual Roberto Carlos (PT), ex-ve-reador da Serra, decidiu criar uma co-missão na Assembleia Legislativa do Espírito Santo para tentar resolver a questão de forma conciliada. A co-missão envolve vereadores e procu-radores dos dois municípios, o Idaf, a Procuradoria Geral do Estado e da As-sembleia Legislativa, e também os se-cretários de Desenvolvimento da Ser-ra e Vitória, Ana Márcia Erler e Kleber Frizzera, respectivamente. Reuniões têm ocorrido para se chegar a uma proposta consensual.

Divisão Salomônica › O limite entre Serra e Vitória está definido da se-guinte forma na lei nº 1919:

“Começa no Oceano Atlântico, na ponta de Carapebús; segue por um paralelo até encontrar a baía de Vi-tória; segue por esta até a foz do rio Santa Maria da Vitória, no município de Cariacica”.

Trata-se, portanto, de uma linha reta imaginária cortando os dois municí-pios. O vereador serrano Guto Lo-renzoni (PP) reclama que o texto da lei é confuso e que não dá para dizer com precisão qual seria o trajeto da linha. Provavelmente era mesmo difí-cil definir com exatidão o que seria a linha imaginária estabelecida pela lei em 1963. Atualmente, porém, com os sofisticados aparelhos de GPS, esse trabalho é feito com precisão. O Idaf interpretou a lei e definiu a linha ima-ginária cortando o mapa. Há até de-marcações dentro das empresas.

Existe outro problema. Como defi-ne o secretário de desenvolvimento urbano de Vitória Kleber Frizzera, a lei nº 1919 estabelece uma “divisão ‘salomônica’” dos municípios. O se-cretário faz uma alusão à conhecida narrativa bíblica sobre o episódio em que o Rei Salomão decide partir

ao meio um bebê cuja maternidade é reivindicada por duas mulheres. O Rei Sábio queria apenas saber quem era a mãe verdadeira, ou seja, aquela que se importou com o fato de o filho ser fatiado. No caso da divisão territo-rial entre Serra e Vitória, os “bebês” são realmente partidos ao meio. Há várias construções erguidas bem em cima da linha imaginária. Essa situa-ção tem servido como um dos argu-mentos da Prefeitura da Serra para contestar a legislação vigente.

Para Frizzera, aí está o problema mais complicado de resolver. Os impostos das empresas poderiam ser partilha-dos proporcionalmente. Ele acredita que uma solução prática seria trans-formar a linha reta numa linha sinuo-sa, de forma a contemplar a estrutura das residências.

Segundo o geógrafo do Idaf, Mário Sartori, esse problema também acon-tece em outras cidades do estado. Ele explica que não é incomum definir li-mites territoriais por meio de linhas retas, apesar de não ser o usual em nossa cultura. “Observe o mapa dos Estados Unidos. São várias linhas re-tas. Isso não faz parte da nossa cultu-ra, que é portuguesa. Aqui, o normal é fazer por marcos geográficos”.

Vontade geral › Audiências públicas têm sido realizadas para debater o as-sunto junto aos moradores dos bair-ros envolvidos. A opinião da maioria é de que os bairros devem permane-cer na Serra.

O presidente da associação de morado-res do Bairro de Fátima, Nilton Rossi, diz que já teve vergonha de dizer que morava na Serra. No passado, a cidade tinha fama de “lugar de criminosos e marginais”. Mas atualmente ele se diz muito satisfeito em ser morador serra-no e afirma que a maior parte de seus vizinhos pensa da mesma forma.

Mauro Natalício de Souza, presidente da associação de moradores de Hé-lio Ferraz, afirma que a esmagadora maioria de seus vizinhos quer conti-nuar sendo morador serrano. Para ele, as implicações legais e culturais decorrentes de uma possível mudan-ça para Vitória seriam muito grandes.

A opinião de Fabiano Batista, de 31 anos, destoa do sentimento geral. Morador de Hélio Ferraz desde que nasceu, ele acredita que, caso o bair-ro seja incorporado a Vitória, seria melhor cuidado.

Não se sabe ao certo se Vitória tem interesse nos bairros. O vereador Ser-jão (PSB) acredita que não, e diz que o melhor é fazer a vontade dos mora-dores, desde que haja uma repartição dos impostos das grandes empresas. Porém, o prefeito de Vitória João Co-ser chegou a declarar, em reportagem de A Gazeta, que a prefeitura da ca-pital estaria de “braços abertos para acolher a população dos bairros com nossas obras e serviços”. A procura-dora-gerente da Procuradoria Fiscal de Vitória, Teresa Cristina Pasolini, co-menta que os moradores não precisam recear mudanças em registros legais. A lei determina que isso pode ser refeito gratuitamente, caso seja comprovado que a responsabilidade pelos equívo-cos não é deles. Ela acredita que a ten-dência é que a Lei 1919 seja realmente confirmada.

Em breve deverá sair o resultado de uma ação sobre a constitucionalida-de da Lei 1919 movida pela adminis-tração serrana. Fora dos tribunais, as administrações dos municípios, cada uma a seu modo, estão elaborando propostas para reestruturar a região.

FotograFia victorhugo aMoriM

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Internacionalmente consolidados na convenção de Berna - em 1887, na Suiça - os direitos autorais abrem processos dos mais inusitados em todo o mundo

os curiosos casos de direitos autorais

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Você já pensou que a música que canta em todos os aniversários possui direitos autorais? E que, na Páscoa, um programa infantil corre o risco de ser processado se tocar a música “Coelhinho” sem autorização?

Muitas pessoas não imaginam, mas canções que já fazem parte da cultura popular de diversos países têm direitos autorais. Portanto, sua veiculação sem o devido pagamento de royalties pode gerar um processo judicial – e muita dor de cabeça.

Parabéns a você › A melodia da música “Parabéns a você” foi criada no século XIX pelas irmãs norte-americanas Mildred e Patricia Smith Hill. Em 1875, as duas professoras primárias de Louisville, nos Estados Unidos, resolveram compor uma canção para as crianças cantarem na entrada da escola. O nome da canção era “Good Morning to All” (que significa “Bom dia a todos”), com uma letra bem diferente da atual.

As irmãs registraram a música em 1893, mas em 1924 ela apareceu sem autoriza-ção em um livro editado pelo norte-americano Robert Coleman, que utilizou a melodia e a primeira frase de “Good Morning to All” e no segundo verso alterou para “Happy birthday to you”, o popular “parabéns a você”. Na nova versão, a música ganhou popularidade. Mas, em 1933, Jessica Hill, irmã das criadoras da melodia, venceu na Justiça pelos direitos autorais da música. Desde então, é pre-ciso pagar royalties para tocar o “Parabéns” no rádio, televisão ou cinema.

A música chegou ao Brasil em 1942, quando a rádio Tupi do Rio de Janeiro organi-zou um concurso para escolher uma letra que casasse com a melodia de “Happy Birthday to You”. A vencedora foi a paulista Bertha Celeste Homem de Mello, com a canção “Parabéns a você” como a conhecemos.

Coelhinho › Outra história pouco conhecida do público é a da música “Coelhi-nho”. A canção, que fala de um coelho “de olhos vermelhos e pelo branquinho”, foi composta em 1944 por Duhilia Madeira, professora de canto orfeônico e as-sistente de regência de Villa-Lobos. De acordo com registros da própria composi-tora, a música foi executada pela primeira vez em público em 1948, no Jardim de Infância Maria Guilhermina, em Niterói, onde ela dava aula.

É graças a esses registros que a família Madeira já ganhou inúmeros processos contra importantes empresas, entre elas a Som Livre e a Rede Globo, além da cantora Xuxa. Duhilia faleceu em 2003, e os direitos da música foram parar nas mãos de sua filha Cristina e mais oito familiares. Como uma canção só cai em domínio público sete décadas após a morte do compositor, a família Madeira vai ter direito aos royalties do Coelhinho por mais 64 anos.

Não pode não! › Se ainda restava alguma dúvida de que se deve levar a sério as músicas infantis, um caso recente acabou com ela. No começo do ano passado, a equipe de auditoria do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) identificou um caso de plágio. A situação envolvia o hit do verão “Minha mulher não deixa não”, cantada pelo músico recifense “Reginho”. Segundo o Ecad, o pagamento do direito autoral da obra está bloqueado. A acusação de plágio foi feita em janeiro deste ano em referência a uma canção do álbum infantil Turma do Zé Alegria, de 2006.

Uma artista capixaba › A cantora e compositora capixaba Dorkas Nunes come-çou sua carreira artística aos seis anos na Rádio Espírito Santo. Durante a maior parte de sua carreira, ela cantou em bandas de baile, e hoje se dedica ao samba e ao congo.

A compositora nunca foi acusada de plágio, mas acredita que os processos en-volvendo direitos autorais ocorrem no Estado por falta de informação dada aos músicos e compositores. “A maioria dos artistas tem pouco conhecimento sobre a legislação dos direitos autorais, especialmente nas mídias eletrônicas. Mas há casos em que o plágio ocorre por má fé mesmo”.

De acordo com a cantora, ela só recebeu informações sobre direitos autorais quando entrou para a União Brasileira de Compositores (UBC). Mas, como Vitória não possui filial, ela teve que se cadastrar na de Belo Horizonte.

Uma sociedade sem fins lucrativos, a UBC é regida por autores que têm como objetivo principal a defesa e a distribuição dos rendimentos de direitos autorais e o desenvolvimento cultural.

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No sul da Turquia, uma cidade cha-mada Batman decidiu cobrar direitos autorais do diretor do filme “Batman: O Cavaleiro das Trevas”, Christopher Nolan. O prefeito Huseyin Kalkan disse que o nome Batman “pertence à cidade” e quem o utilizar sem autori-zação prévia pode ser processado.

Pelo mundo

O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) é uma sociedade civil, de natureza privada, instituída pela Lei Federal nº 5.988/73 e mantida pela atual Lei de Direitos Autorais brasileira. É administrado por nove associações de música para realizar a arrecadação e a distribuição de direitos autorais decorrentes da exe-cução pública de músicas nacionais e estrangeiras.

Ecad

Em festas privadas o uso de músicas é livre, pois quando você compra o CD adquire o direito de ouvi-lo. Porém, quando a música é tocada em locais de frequência coletiva, como estabe-lecimentos comerciais, é preciso pa-gar uma remuneração pela execução pública das obras utilizadas.

Música em festas

O Direito Autoral está regulamentado por um conjunto de normas jurídicas que visa proteger as relações entre o criador e a utilização de obras artísticas, literárias ou científicas, tais como tex-tos, livros, pinturas, esculturas, músicas, ilustrações, projetos de arquitetura, gravuras, fotografias, etc. Esses direitos foram internacionalmente consolidados na convenção de Berna de 1887, em vigência até os dias de hoje.

O que é ?

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Lídia Cordeiro Campos, estudante de Biblioteconomia, faz parte do Caos@ção, e defende a presença desses espaços de discussão den-tro da universidade. A jovem de 21 anos percebe a necessidade de se organizar politicamente junto com uma minoria, um segmento que não tem seus direitos civis reconhecidos pela sociedade. “Na universidade ainda existe uma lacuna muito gran-de em relação a diversidade sexual e identidade de gênero. Então, en-quanto lésbica, é primordial que eu me organize, para que eu tenha pos-sibilidade de fazer intervenções po-líticas e acadêmicas nesse espaço”, afirma.

Os coletivos não se limitam à dis-cussão de temas relacionados a lu-tas sociais. Existem espaços para debates e exposições sobre outros assuntos, como cultura, artes, meio ambiente e religião. Um bom exem-plo é o Circuito Fora do Eixo, que existe há seis anos e atua nacional-mente como uma rede de circulação de cultura independente, como ex-plica Carol Ruas, jornalista e articu-ladora do coletivo no Estado. “Mais do que música, audiovisual, teatro ou literatura, nós trocamos tecno-logia social, uma forma de organi-zação que nos permite operar den-tro da cadeia da cultura de forma independente, sem precisar de um grande empresário, de estar numa grande cidade ou mesmo de estar em alta na mídia”.

Ao ser questionada sobre a importân-cia de fazer parte de um coletivo, Ca-rol enfatiza que é uma oportunidade de desenvolver projetos junto a pes-soas que têm objetivos em comum, e com isso viver uma grande expe-riência de troca e desenvolvimento pessoal e coletivo. “Não são as ne-cessidades individuais que pautam o trabalho e as discussões, e sim as do grupo. Essas pessoas têm um projeto em comum e querem executá-lo, por isso a dedicação é autêntica”.

Como se mantêm › Há coletivos que não necessitam de sustento finan-ceiro - são apenas grupos de de-bates que não promovem grandes

Diferente de empresas privadas, au-tarquias ou ONGs, os Coletivos são novas formas de organização do es-paço de discussão pública. “Histori-camente, o modelo dos coletivos está baseado nas comunidades primitivas. É uma forma de organização horizon-tal, onde não há uma hierarquia”, explica Wilson Júnior, pedagogo e formador popular do Núcleo de Edu-cação 13 de Maio. “Dentro de um co-letivo, as pessoas têm direito ao mes-mo espaço de fala, de defender suas ideias. Elas discutem tudo o que o grupo vai seguir e decidir”, assinala.

Wilson também aponta que a dinâmi-ca dos coletivos é mais simplificada. Segundo ele, não há muitas formali-dades e não existe necessariamente um regulamento, como em tantos es-paços na sociedade contemporânea - a ideia é que cada membro possa defender o que acredita.

Sábado de frio na Grande Vitó-ria. Ventos gelados percorrem o campus da Ufes em Goiabeiras. Ainda assim, no Centro de Vi-vência, um grupo de 12 pessoas se reúne ao redor de três mesas colocadas em um corredor. A im-pressão de quem passa pelo lo-

cal pode ser de que eles são apenas amigos tomando um café. Mas quem chega perto ou decide se sentar com eles, descobre que aquele é mais um encontro do Coletivo Caos@ção.

O Caos@ção existe desde outubro do ano passado, é composto principal-mente por estudantes da Ufes e tem como foco a discussão sobre diversi-dade sexual e identidade de gênero no espaço universitário. O grupo é mais um dos chamados Coletivos de Discussão, espaços abertos de deba-tes e exposições sobre determinados temas.

Trocando o “eu” pelo “nós”Baseados em conceitos das sociedades primitivas, os coletivos vêm crescendo e conquistando seus objetivos

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ações fora de seu círculo de reuniões. Mas os que de-senvolvem ações mais elaboradas podem ser mantidos de diversas maneiras. Alguns coletivos são financiados por seus próprios membros, através do estabelecimen-to de mensalidades. Outros elaboram projetos para concorrer a bolsas de programas de financiamento do governo ou de instituições privadas. Muitos mesclam essas duas maneiras.

Existem, ainda, coletivos que também funcionam como empresas, como é o caso do Expurgação. Formado por designers, videomakers, músicos, publicitários e artistas plásticos, o grupo atua na área artística, participando e

criando projetos audiovisuais e eventos culturais, musicais e educativos. Para Raphael Gaspar, estudante de Desenho Industrial, o Expurgação é um espaço que potencializa a capacidade de cada um. “Nossa convivência e ênfase na colaboração coletiva permite que cresçamos uns com os outros na percepção das coisas e na produção artística”.

Apesar se serem pouco divulgados, já existem vários co-letivos por toda a Grande Vitória, no Espírito Santo e no Brasil. “A formação de um coletivo só depende da decisão entre, no mínimo, duas pessoas. A partir do compromisso de participar ativamente do grupo e das discussões, está criado um coletivo”, explica Wilson Júnior.

Coletivo que discute sobre diversidade sexual e identidade de gênero dentro da Universidade. Criado em outubro de 2010, após o VIII ENU-DES (Encontro Nacional Universitário da Diversidade Sexual), realiza diversas ações. Dentre elas, a mais conhecida é o Cine Caos@ção, uma mostra de filmes sobre o tema de discussão do coletivo.

Atualmente, conta com a participação de cerca de 20 pessoas e se reúne no segundo e no quarto sábado de cada mês, no Centro de Vivências da Ufes. “É aqui onde posso formar minha opinião em rela-ção às questões políticas relacionadas ao direito da população LGBT, e também desenvolver ações práticas em relação a isso na tentativa de garantir nossos direitos”, declara o bacharel em Ciências Sociais Felipe Moura, que participa do coletivo.

Formado há 5 anos por designers, tipógrafos, videomakers, editores, músicos, fotógrafos, produtores, poetas e artistas plásticos em busca de desenvolvimento profissional, o coletivo realiza projetos audiovisuais e gráficos, eventos culturais, musicais e educativos, funcionando também como empresa privada.

O escritório do grupo fica num casarão antigo no Centro de Vitória. O coletivo conta, atualmente, com 18 participantes e mais alguns “agrega-dos”, como explica Raphael Gaspar, estudante de Desenho Industrial. “Algumas pessoas não fazem parte do coletivo, mas convivem aqui com a gente, estão sempre em nosso meio. Nosso negócio e trabalhar junto, e se divertir trabalhando”. Saiba mais: www.expurgacao.art.br

O coletivo, que existe há seis anos, é fruto da união de vários pro-dutores independentes que queriam movimentar a cena cultural de cidades que estão fora do eixo Rio-São Paulo, onde há a maior concentração da produção cultural do país. Atualmente o Circuito possui 73 pontos conectados por todo o Brasil e América Latina, movimentando mais de 5 mil shows por ano.

Carol Ruas, jornalista e articuladora do coletivo no estado, conta que o Espírito Santo aderiu ao Circuito há pouco mais de um ano. “O estado tem uma realidade diferente das outras cidades, porque há vários coletivos de cunho cultural por aqui. O Fora do Eixo ES reúne pessoas que são articuladoras de cultura aqui do estado para gerenciar as trocas e a conexão da produção daqui com o resto do circuito”, explica. Saiba mais: foradoeixo.org.br

Fora do Eixo

Caos@ção

Expurgação

FotograFia carlos scherrer e drieli volponi

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Thirteen tales of love and revenge

Quem gosta de música indie não deve deixar de escutar o álbum “Thirteen Tales of Love and Revenge”, da banda The Pierces. Lançado em 2007, o álbum da ban-da formada pelas irmãs Allison e Catherine Pierce, naturais do Alabama, traz 13 faixas com uma pegada sensual e jovem, em composições inusitadas.

As irmãs brincam com as letras das músicas em trechos como “Nós pintaremos a cidade de azul, porque baby, vermelho é tão fora de moda” na canção “Turn on Billy” e “Tudo o que precisamos são estrelas e lua, relógio na parede” na “Sti-cks and Stones”. Graças a este álbum, as meninas que se mudaram para Nova York para investir na carreira conseguiram que suas canções fossem temas de

diversos seriados. “Secret” tocou em Gossip Girl, em Dexter e hoje é tema de Pretty Little Liars. Vale a pena parar um pouco para se deliciar com as canções desse álbum.

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O Diabo, ProvavelmenteSem muito rumo, o jovem Charles passa os dias vagando pela ci-dade de Paris com seu grupo de amigos. A ordem do dia é ditada pelas organizações revolucionárias e pela sensação de que tudo vai mal com o mundo. Charles, porém, não crê em qualquer tipo de mudança na sociedade e nem mesmo se acha capaz de adap-tar-se a ela. Ele acaba por concluir que o suicídio é a única forma de aplacar sua angústia.

O impasse existencial de Charles dá o tom de O Diabo, Provavelmen-te, longa-metragem do diretor Robert Bresson, lançado em 1977. Bresson fala aqui não apenas da diluição da juventude, mas também da possibilidade de alcance da graça num mundo governado por for-ças destrutivas. Marcas do estilo bressoniano, o filme não tem trilha sonora para acentuar as partes dramáticas e tampouco os atores ex-primem emoções fortes, o que contribui para deixar tudo ainda mais angustiante.

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o ano que não terminou

“A nossa história começa com um réveillon e termina com algo pa-recido com uma ressaca – ressaca de uma geração e de uma época”. Assim Zuenir Ventura inicia sua obra, que relata os principais fatos políticos, artísticos e culturais do ano de 1968. Desnudando o com-portamento daquela geração, o livro revela jovens que eram diferen-tes e tinham a subversão ao regime autoritário como um objetivo.

Com detalhes de bastidores, o livro mostra uma geração dona de uma veia cultural inflamada pelos festivais de músicas, aliados à eferves-cência do teatro e do Cinema Novo. Era o ano da pílula anticoncepcio-nal, da discussão aberta sobre sexo e do uso de drogas como forma protesto. Na política destacava-se a repressão em um contexto inter-nacional que ardia em revoluções de Cuba ao Vietnam. Os estudantes são os principais atores do livro.

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