prevencao desastres naturais

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PREVENO DE DESASTRES NATURAISCONCEITOS BSICOS

MASATO KOBIYAMA MAGALY MENDONA DAVIS ANDERSON MORENO ISABELA P. V. DE OLIVEIRA MARCELINO EMERSON V. MARCELINO EDSON F. GONALVES LETICIA LUIZA PENTEADO BRAZETTI ROBERTO FABRIS GOERL GUSTAVO SOUTO FONTES MOLLERI FREDERICO DE MORAES RUDORFF

MASATO KOBIYAMA MAGALY MENDONA DAVIS ANDERSON MORENO SABELA P. V. DE OLIVEIRA MARCELINO I EMERSON V. MARCELINO EDSON F. GONALVES LETICIA LUIZA PENTEADO BRAZETTI ROBERTO FABRIS GOERL GUSTAVO SOUTO FONTES MOLLERI FREDERICO DE MORAES RUDORFF

PREVENO DE DESASTRES NATURAISCONCEITOS BSICOS

Curitiba PR 1 Edio

Capa Davis Anderson Moreno Ilustraes Davis Anderson Moreno 1 edio 1 impresso - 2006

Kobiyama, Masato Preveno de desastres naturais: conceitos bsicos / Masato Kobiyama, Magaly Mendona, Davis Anderson Moreno, Isabela Pena Viana de Oliveira Marcelino, Emerson Vieira Marcelino, Edson Fossatti Gonalves, Letcia Luiza Penteado Brazetti, Roberto Fabris Goerl, Gustavo Souto Fontes Molleri, Frederico de Moraes Rudorff Curitiba: Ed. Organic Trading , 2006. 109p. : il., tabs. Inclui bibliografia ISBN 85-87755-03-X 1. Preveno. 2. Desastres Naturais.

Reservado todos os direitos de reproduo total ou parcial pela Editora Organic Trading

Impresso no Brasil 2006

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AUTORES

Masato Kobiyama Prof. Dr. do Depto. de Engenharia Sanitria e Ambiental Universidade Federal de Santa Catarina UFSC e-mail: [email protected] Magaly Mendona Profa. Dra. do Depto. de Geocincias Universidade Federal de Santa Catarina UFSC e-mail: [email protected] Davis Anderson Moreno Bacharel em Geografia UFSC email:[email protected] Isabela P. V. de Oliveira Marcelino Doutoranda em Geografia Instituto de Geocincias IG/UNICAMP e-mail: [email protected] Emerson V. Marcelino Doutorando em Geografia Instituto de Geocincias IG/UNICAMP e-mail: [email protected] Edson F. Gonalves Gegrafo Msc em. Eng. Ambiental UFSC e-mail: [email protected] Leticia Luiza Penteado Brazetti Bacharel em Geografia UFSC Licenciatura em Geografia UFSC e-mail: [email protected] Roberto Fabris Goerl Secretrio. Executivo IPEDEN Bacharel em Geografia UFSC e-mail: [email protected] Gustavo S. Fontes Molleri Bacharel em Geografia UFSC email: [email protected] Frederico de Moraes Rudorff Diretor Presidente e Pesquisador IPEDEN Msc. em Geografia UFSC e-mail: [email protected]

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AGRADECIMENTOS

Prof. Maria Lcia de Paula Herrmann, ao Prof. Joel Robert Georges Marcel Pellerin do Departamento de Geocincias da UFSC e a Msc. Silvia M. Saito, doutoranda do Programa de Ps-Graduao em Geografia da UFSC, pela discusso geral sobre desastres naturais. Ao Prof. Dr. Eduardo Mario Mendiondo SHS/EESC/USP, pela contribuio da Apresentao do livro. Ao Sr. Pedro F. Caballero, doutorando do Programa de Ps-Graduao em Engenharia Hidrulica e Saneamento da USP/So Carlos, pela leitura e sugestes a presente obra. Ao Ncleo do Meio Ambiente da Associao do Comrcio e Indstria de Rio Negrinho ACIRNE, ao Departamento de Engenharia Sanitria e Ambiental da UFSC, ao Programa de Ps-Graduao em Engenharia Ambiental da UFSC, a Fundao e Ensino e Engenharia de Santa Catarina FEESC/UFSC e a Tractebel Energia, pelo apoio financeiro para a publicao desta obra. A todas as pessoas que atuam na pesquisa e preveno de desastres naturais pelos ensinamentos adquiridos ao longo do desenvolvimento deste livro.

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SUMRIO

APRESENTAO .................................................................................... vii PREFCIO ............................................................................................... ix 1. INTRODUO....................................................................................... 01 2. CONCEITOS BSICOS .......................................................................... 07 2.1. DESASTRES ........................................................................................... 07 2.1.1. Definio ............................................................................................. 07 2.1.2. Classificao....................................................................................... 08 2.1.3. Causas naturais e agravantes antrpicos.......................................... 11 2.2 ALGUMAS CARACTERSTICAS DOS DESASTRES NATURAIS ................... 12 2.2.1 Magnitude............................................................................................ 12 2.2.2. Evoluo ............................................................................................. 13 2.2.3 Irregularidade...................................................................................... 14 2.3. PERIGO (HAZARD) E RISCO (RISK) ......................................................... 17 2.3.1. Definio ............................................................................................. 17 2.4. CLIMA E TEMPO ..................................................................................... 19 2.4.1. Dinmica atmosfrica e sistemas produtores de tempo ..................... 20 2.4.2. Chuva ................................................................................................. 23 2.4.3. Tipos de chuvas e suas formaes ..................................................... 24 2.4.4. Fenmeno ENOS El Nio e La Nia.................................................. 26 2.4.5. O futuro climtico do Brasil: enfoque especial para Santa Catarina.. 27 3. PREVENO DE DESASTRES NATURAIS.............................................. 31 3.1. ZONEAMENTO ........................................................................................ 32 3.2. SISTEMA DE ALERTA ............................................................................. 35 3.3. MONITORAMENTO E MODELAGEM........................................................ 37 3.4. GERENCIAMENTO DE DESASTRES NATURAIS (GDN)............................. 38 4. DESASTRES NATURAIS E MEDIDAS PREVENTIVAS.............................. 45 4.1. INUNDAO ........................................................................................... 45 4.1.1. Conceito .............................................................................................. 45 4.1.2 Medidas Preventivas ........................................................................... 49 4.2. ESCORREGAMENTO............................................................................... 52 4.2.1. Conceito .............................................................................................. 52 4.2.2 Medidas Preventivas ........................................................................... 56 4.3. GRANIZO ................................................................................................ 58 4.3.1 Conceito ............................................................................................... 58 4.3.2 Medidas Preventivas ........................................................................... 59 4.4. VENDAVAL ............................................................................................. 60 4.4.1 Conceito ............................................................................................... 60 4.4.2 Medidas Preventivas ........................................................................... 65

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4.5. TORNADO ............................................................................................... 67 4.5.1 Conceito ............................................................................................... 67 4.5.2 Medidas Preventivas ........................................................................... 70 4.6. FURACO ............................................................................................... 72 4.6.1 Conceito ............................................................................................... 72 4.6.2 Medidas Preventivas ........................................................................... 76 4.7. RESSACA................................................................................................ 76 4.7.1 Conceito ............................................................................................... 76 4.7.2 Medidas Preventivas ........................................................................... 78 4.8. ESTIAGEM .............................................................................................. 80 4.8.1 Conceito ............................................................................................... 80 4.8.2 Medidas Preventivas ........................................................................... 82 4.9. GEADA ................................................................................................... 82 4.9.1 Conceito ............................................................................................... 82 4.9.2 Medidas Preventivas ........................................................................... 83 5. MEDIO DE CHUVA ........................................................................... 89 5.1. IMPORTNCIA DA MEDIO DA CHUVA ................................................ 89 5.2. CARACTERSTICAS DA CHUVA............................................................... 90 5.3. COMO MEDIR A CHUVA?........................................................................ 93 CONSIDERAES FINAIS......................................................................... 97 ANEXOS................................................................................................. 103 POSFCIO.............................................................................................. 109

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APRESENTAO

evento. Os desastres tm magnitudes amplas e variadas, fundamentalmente pela falta de alocao de recursos e pela escassez de textos que orientem para a fase de preveno. Isso um fato, que preocupa rgos nacionais e internacionais e que prega por visar formao, treinamento e preparao pr-evento. As pginas do texto "Preveno de desastres naturais: conceitos bsicos" mostram conceitos e aplicaes para diferentes casos na preveno de desastres, com nfase em recursos hdricos. O texto pode ser abordado de diferentes opes. Primeiro, como atualizao em uma rea de interesse global e impactos regionais, pouco discutida em textos acadmicos. Segundo, o livro detalha conceitos j conhecidos e incorpora novos elementos para gerir um novo patamar de conhecimento na rea. Terceiro, as suas pginas permitem de forma fcil incorporar a didtica na transferncia dos conhecimentos. No texto, a introduo e os conceitos bsicos conformam o ponto de partida para uma viagem generosa em termos de trabalhos na rea e no estado da arte, nacional e internacional. As partes subseqentes, de preveno de desastres naturais e medidas preventivas, trabalham a fundo esses conceitos de maneira de adapt-los para eventos hidrolgicos de interesse e com amplitude: vendavais, tornados, furaes, geadas, granizos, secas, ressacas do mar, deslizamentos de encostas e inundaes, esto no cardpio do livro. parte de medidas de chuva incorpora as questes simples para uma viso participativa da preveno. As consideraes finais incluem processos e levantamentos, na verso cientfica e aplicada dos temas. O texto mostra de forma ordenada e equilibrada os princpios e as aes necessrias para contribuir com a preveno e mitigao. As principais beneficiadas do livro so, sem dvida, as polticas pblicas que recebem definies adequadas, estratgias viveis e as logsticas para as fases de preveno de desastres. Considero "Preveno de desastres naturais: conceitos bsicos" uma publicao apropriada para estudantes, pesquisadores, docentes e tomadores de deciso de vrios nveis, e que pode ser apreciada em salas de aulas do ensino primrio e secundrio. Este tipo de publicao, atravs das experincias de seus

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tualmente na escala mundial, cada R$ 1 investido em preveno equivale, em mdia, entre R$ 25 e 30 de obras de reconstruo ps-

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autores, contribui para que a economia de escala almejada e supracitada, entre preveno e reconstruo, seja possvel e fique ao alcance de muitos. A contribuio ampla traz incluso social e desenvolvimento do capital humano. Dr. Eduardo Mario Mendiondo Professor de Hidrologia e Recursos Hdricos Escola de Engenharia de So Carlos Universidade de So Paulo

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PREFCIO

ocorrendo uma intensificao dos prejuzos causados por estes fenmenos devido ao mau planejamento urbano. Aes integradas entre comunidade e universidade so fundamentais para que os efeitos dos desastres naturais sejam minimizados. A universidade deve contribuir na compreenso dos mecanismos dos desastres naturais atravs do monitoramento, diagnstico e modelagem. Estas informaes devem ser repassadas sociedade, que, de forma organizada, deve agir para minimizar os danos provocados pelos desastres. Num contexto local, sugere-se a criao de grupos comunitrios capacitados para agir antes, durante e depois do evento, auxiliando assim os rgos municipais de defesa civil. Nesse contexto, em setembro de 2003, o Grupo de Estudo de Desastres Naturais (GEDN) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) iniciou o projeto de extenso universitria intitulado Plano de Preveno e Controle de Desastres Naturais nos Municpios do Estado de Santa Catarina Afetados pelas Adversidades Climticas, com o auxlio financeiro do Governo Estadual de Santa Catarina atravs do Departamento Estadual Defesa Civil (DEDC-SC), e com apoio administrativo do Centro Universitrio de Estudos e Pesquisa sobre Desastres (CEPED/UFSC). Este projeto teve como objetivo principal subsidiar o desenvolvimento de um plano de preveno e controle de desastres naturais nos municpios mais afetados pelas adversidades climticas no Estado de Santa Catarina. Alm disso, ele buscou envolver grupos organizados, lideranas comunitrias e pessoas interessadas, especialmente professores e estudantes, na execuo e aperfeioamento de mtodos preventivos, enfatizando as inundaes e os escorregamentos. Uma das metas deste projeto foi elaborao de material didtico para subsidiar cursos de capacitao de professores da rede pblica e membros das Comisses Municipais de Defesa Civil (COMDECs). Assim, foi elaborada uma apostila intitulada Introduo Preveno de Desastres Naturais. Utilizando esta apostila, o Curso de Capacitao Introduo Preveno de Desastres Naturais foi realizado, at o momento, em quatro municpios catarinenses (Rio do Sul, Joaaba, Florianpolis, e Rio Negrinho), tendo como objetivos principais: 1) difundir contedos relacionados educao ambiental e aos desastres naturais para as

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o Brasil, os desastres naturais tm sido tratados de forma segmentada entre os diversos setores da sociedade. Nos ltimos anos vem

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comunidades localizadas em reas de risco, salientando a importncia da participao da sociedade na minimizao dos impactos causados pelos mesmos; 2) promover debates sobre as causas e conseqncias das adversidades climticas, visando a troca de experincias. Nestes aspectos, o Curso de Capacitao obteve grande sucesso e aceitao pelas comunidades envolvidas. Entretanto, ns autores, gostaramos de ressaltar que tem sido um aprendizado continuo, isto , quanto mais realizamos o curso e passamos a conhecer a realidade e as experincias vivenciadas pelos participantes, mais aprendemos sobre a preveno dos desastres naturais. Conseqentemente, tais interaes contriburam significativamente para aperfeioar e enriquecer nossa apostila. A presente obra fruto deste continuo processo de aprendizagem. Como os autores atuam principalmente no Estado de Santa Catarina, neste trabalho foram tomadas como base de estudo s caractersticas dos eventos ocorridos no territrio catarinense. Entretanto, acredita-se que os desastres aqui tratados apresentam caractersticas semelhantes aos ocorridos em todo o Brasil. Portanto, este trabalho pode ser amplamente utilizado para qualquer parte do territrio brasileiro. Como mencionado acima, a presente obra se desenvolveu a partir de uma apostila didtica utilizada para cursos de capacitao sobre preveno de desastres. Caso voc goste deste livro e gostaria de difundir esse conhecimento, entre em contato com um dos autores para realizarmos o curso em seu municpio. Caso voc leitor, tenha alguma sugesto ou crtica, entre em contato conosco. Suas contribuies sero bem-vindas e nos ajudaro no processo de aprimoramento deste livro. Ficaremos satisfeitos se esta obra puder de alguma forma, contribuir para a preveno e mitigao dos desastres naturais no seu municpio.

Florianpolis, Outubro de 2006. Os autores

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Captulo 1

INTRODUO

Desastres naturais voltam quando os esquecemos Torahiko Terada

Os fenmenos naturais que causam desastres podem trazer, alm de prejuzos, benefcios para as sociedades. Por exemplo, as inundaes fornecem grandes quantidades de fertilizantes para os campos agrcolas, e os escorregamentos deixam as terras mais porosas e arveis. s vezes, o homem pode at gerar tais fenmenos com o intuito de compreender e se beneficiar dos mesmos. Por exemplo, na regio do Grand Canyon nos EUA, foram realizados diversos experimentos visando produzir inundaes controladas (USGS, 2003). Os resultados permitem concluir que necessria uma alterao drstica e dinmica do regime fluvial para manuteno da sade do ecossistema fluvial. A inundao retira sedimento antigo e gera uma nova estrutura com sedimentos. De modo geral, os desastres naturais so determinados a partir da relao entre o homem e a natureza. Em outras palavras, desastres naturais resultam das tentativas humanas em dominar a natureza, que, em sua maioria, acabam derrotadas. Alm do que, quando no so aplicadas medidas para a reduo dos efeitos dos desastres, a tendncia aumentar a intensidade, a magnitude e a freqncia dos impactos. Assim, grande parte da histria da humanidade foi influenciada pela ocorrncia de desastres naturais, principalmente os de grande magnitude. Nas ltimas dcadas, o nmero de registro de desastres naturais em vrias partes do mundo vem aumentando consideravelmente. Isto se deve, principalmente, ao aumento da populao, a ocupao desordenada e ao intenso processo de urbanizao e industrializao. Dentre os principais fatores que contribuem para desencadear estes desastres nas reas urbanas destacam-se a impermeabilizao do solo, o adensamento das construes, a conservao de calor e a poluio do ar. Enquanto que nas reas rurais, destaca-se a compactao dos solos, o assoreamento dos rios, os desmatamentos e as queimadas.

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Sendo assim, estes desastres que tanto influenciam as atividades humanas vm historicamente se intensificando devido ao mau gerenciamento das bacias hidrogrficas, especialmente pela falta de planejamento urbano. Alm disso, o aquecimento global tem aumentado a freqncia e a intensidade das adversidades climticas, como precipitaes extremas, vendavais, granizos entre outros, o que acarreta no aumento da incidncia de desastres naturais. A Figura 1.1 mostra a distribuio temporal dos desastres naturais do mundo no sculo XX. Pode-se notar claramente o aumento dramtico dos desastres naturais a partir da dcada de 50 e dos prejuzos econmicos a partir da dcada de 70. Este fato desencadeou a maior iniciativa cientfica internacional at ento desenvolvida para criar estratgias mitigadoras para todo o globo. A US National Academy of Sciences (NAS) apresentou a iniciativa ONU em dezembro de 1987. Aps, a ONU criou junto com a UN Disaster Relief Organization (UNDRO), a Secretaria para a International Decade for Natural Disaster Reduction (IDNDR) em abril de 1989, em Genebra, Sua (ROSENFELD, 1994). As atividades da IDNDR geraram grande sucesso durante o seu perodo de execuo (1990 - 2000) e alguns resultados foram relatados por Alcntara-Ayala (2002).

Figura 1.1 Desastres naturais ocorridos no mundo e seus respectivos prejuzos. Fonte: adaptada de Alcntara-Ayala (2002).

Segundo Alcntara-Ayala (2002), a ocorrncia dos desastres naturais est ligada no somente susceptibilidade dos mesmos, devido s caractersticas geoambientais, mas tambm vulnerabilidade do sistema social sob impacto, isto , o sistema econmico-social-politico-cultural. Normalmente os pases em

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desenvolvimento no possuem boa infra-estrutura, sofrendo muito mais com os desastres do que os pases desenvolvidos, principalmente quando relacionado com o nmero de vtimas. Vanacker et al. (2003) tambm mostraram que em pases em desenvolvimento, o perigo devido a desastres naturais est aumentando. O aumento da presso populacional e o desenvolvimento econmico foram cada vez mais a populao, em especial a de baixa renda, a mudar para as reas de risco, as quais so menos adequadas para agricultura e para o adensamento populacional. BBC BRASIL (2003) relata que o Brasil o pas do continente americano com o maior nmero de pessoas afetadas por desastres naturais. Comparando os dados de nmeros de perda de vidas humanas, registrados pelo Emergency Disasters Data Base (EM-DAT, 2006) e a srie temporal da populao brasileira, obtida do IBGE (2004), Kobiyama et al (2004) mencionam que no Brasil os casos de mortes humanas ocasionadas pelos desastres naturais vm reduzindo, apesar do aumento da populao (Figura 1.2). Isto se deve a presena efetiva de aes preventivas em diversos setores da sociedade brasileira, principalmente associadas a defesa civil. Ressalta-se que, como a estatstica do EM-DAT (2006) de carter global, no deve apresentar uma boa exatido em relao ao nmero de mortes realmente ocorridas no Brasil. Mesmo assim, percebe-se uma ntida diminuio de vtimas fatais no territrio brasileiro.200 180 160 140 Populao (mi) 120 100 80 60 40 20 0 1950 1960 1970 1980 1990 2000 0 1000 500 1500 Pop. Total Pop. Urbana Mortes 2000 N. de mortes 2500 3000

Figura 1.2 - Srie temporal entre populao e nmero de mortes devido a desastres naturais no Brasil (1950-2005). Fonte: adaptada de Kobiyama et al. (2004). Para diminuir a vulnerabilidade e ter uma vida mais segura, deve ser realizada a preveno e a mitigao dos desastres naturais. O ideal seria o3

impedimento total de qualquer tipo de dano e prejuzo, o que acarretaria numa situao perfeita. Entretanto, atualmente o que possvel de ser realizado a mitigao, ou seja, a reduo mxima possvel dos danos e prejuzos causados pelos desastres naturais. Isso porque ns, seres humanos, ainda no adquirimos conhecimentos suficientes para controlar e dominar os fenmenos naturais. Desta forma, devem ser realizadas medidas preventivas, no s para reduzir os prejuzos materiais, mas principalmente para evitar a ocorrncia de vtimas fatais. Sendo assim, o presente trabalho representa uma das medidas no estruturais em direo preveno de desastres naturais. O objetivo no simplesmente divulgar informaes, mas, juntamente com os leitores, desencadear um processo de reflexo e debate sobre esta temtica. atravs deste processo que podero surgir novas propostas e medidas visando sempre diminuir o impacto causado por fenmenos naturais severos. Para isso, no Captulo 2, so apresentados alguns conceitos bsicos e fundamentais relacionados a desastres naturais. Como a maioria dos desastres naturais no Brasil e, conseqentemente, em Santa Catarina ocorrem associados a fenmenos atmosfricos severos, o clima e o tempo tambm so descritos de forma mais detalhada. O Captulo 3 trata de diversos tipos de medidas, especialmente as no-estruturais para preveno dos desastres naturais. Nesse captulo, a organizao voluntria de defesa em comunidades enfatizada. No Captulo 4, so detalhados os mecanismos e aes especficas para atuar em nove tipos de desastres naturais (inundao, escorregamento, granizo, vendaval, tornado, furaco, ressaca, estiagem e geada). Como j mencionado no PREFCIO, os desastres naturais tratados aqui so os que freqentemente ocorrem em Santa Catarina. O Captulo 5 explica detalhadamente a importncia da medio de chuva e seu procedimento. Pois, acredita-se que o ordenamento da rede de medio de chuva possa ser uma das mais importantes aes na preveno de desastres associados a precipitaes extremas. Em fim, no Captulo 6 so apresentadas algumas consideraes finais sobre esta temtica to atual e pertinente.

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REFERNCIAS ALCNTARA-AYALA, I. Geomorphology, natural hazard, vulnerability and prevention of natural disasters developing countries. Geomorphology, v. 47, p.107-124, 2002. BBC BRASIL. Brasil o pas das Amricas mais afetado por desastres. Disponvel em: l Acesso em: 23 de jun. de 2003. EM-DAT. Produce a list of disasters and associated losses. Disponvel em: Acesso em: 23 mar. 2006. IBGE. Populao residente, por situao do domiclio e por sexo. Disponvel em: Acesso em: 20 jun. 2004. KOBIYAMA, M.; CHECCHIA, T.; SILVA, R.V.; SCHRDER, P.H.; GRANDO, .; REGINATTO, G.M.P. Papel da comunidade e da universidade no gerenciamento de desastres naturais. In: Simpsio Brasileiro de Desastres Naturais, 1., 2004, Florianpolis. Anais... Florianpolis: GEDN/UFSC, 2004. p. 834-846 (CDROM). ROSENFELD, C. L. The geomorphological dimensions of natural disasters. Geomorphology, v. 10, p.27-36, 1994. USGS. Controlled Flooding of the Colorado River in Grand Canyon: the Rationale and Data-Collection Planned Disponvel em: Acesso em: 29 de agosto de 2003. VANACKER, V.; VANDERSCHAEGHE, M.; GOVERS, G.; WILLEMS, E.; POESEN, J.; DECKERS, J.; BIEVRE, B. Linking hydrological, infinite slope stability and land-use change models through GIS for assessing the impact of deforestation on slope stability in high Andean watersheds. Geomorphology, v. 52, p.299315, 2003.

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CAPTULO 2

CONCEITOS BSICOS

O Controle da Natureza frase concebida em esprito de arrogncia, nascida da idade ainda neandertalense da Biologia e da Filosofia, quando se pressupunha que a Natureza existia para a convenincia do Homem Rachel Carson (Primavera Silenciosa)

2.1. DESASTRES 2.1.1. Definio Inundaes, escorregamentos, secas, furaces, entre outros, so fenmenos naturais severos, fortemente influenciados pelas caractersticas regionais, tais como, rocha, solo, topografia, vegetao, condies meteorolgicas. Quando estes fenmenos intensos ocorrem em locais onde os seres humanos vivem, resultando em danos (materiais e humanos) e prejuzos (scio-econmico) so considerados como desastres naturais. Segundo Castro (1998), desastre definido como resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem, sobre um ecossistema (vulnervel), causando danos humanos, materiais e/ou ambientais e conseqentes prejuzos econmicos e sociais. Aqui nota-se que o termo adverso significa hostil, inimigo, contrrio, aquele que traz infortnio e infelicidade. Os desastres so normalmente sbitos e inesperados, de uma gravidade e magnitude capaz de produzir danos e prejuzos diversos, resultando em mortos e feridos. Portanto, exigem aes preventivas e restituidoras, que envolvem diversos setores governamentais e privados, visando uma recuperao que no pode ser alcanada por meio de procedimentos rotineiros. White (1974) props cinco itens para estudo de desastres naturais: (1) estimar a rea ocupada pelo ser humano nas reas de perigo; (2) determinar a faixa de ajuste possvel contra eventos extremos; (3) examinar como a populao percebe os desastres naturais; (4) examinar os processos de seleo de medidas adequadas; e (5) estimar os efeitos da poltica sobre essas medidas. Alm desses cinco itens,7

Hewitt (1983) adicionou mais um item, isto , entender como aspectos scioeconmicos da sociedade contribuem gerao de desastres. Para as pesquisas cientficas, Burton et al. (1978) sugeriram sete parmetros relacionados aos eventos naturais que esto diretamente vinculados aos desastres naturais: magnitude (alta baixa); freqncia (freqente rara); durao (longa curta); extenso areal (ampla limitada); velocidade de ataque (rpida lenta); disperso espacial (difusa concentrada); espao temporal (regular irregular). Entretanto, ressalta-se que os desastres naturais tambm possuem aspectos positivos e negativos. Sidle et al. (2004) e Silva et al. (2003) comentaram que fenmenos naturais responsveis pelos desastres podem oferecer algumas vantagens. Por exemplo, o rio que inunda perigoso, mas fornece gua, sedimento e nutrientes. Assim, o perigo tem sido observado como aspecto ocasionalmente desvantajoso, podendo s vezes, ser beneficente atividade humana variando conforme escala temporal. 2.1.2. Classificao Com relao classificao, os desastres podem ser diferenciados entre si quanto intensidade, a evoluo, a origem e a durao. As primeiras trs classificaes so descritas com base em Castro (1999). a) Intensidade A Tabela 2.1 mostra os quatro nveis de desastres em relao intensidade. Tabela 2.1 Classificao dos desastres em relao intensidade.Nvel I Intensidade Desastre de pequeno porte, onde os impactos causados so pouco importantes e os prejuzos pouco vultosos. (Prejuzo 5% PIB municipal) De mdia intensidade, onde os impactos so de alguma importncia e os prejuzos so significativos, embora no sejam vultosos. (5% < Prejuzo 10% PIB) De grande intensidade, com danos importantes e prejuzos vultosos. (10 % < Prejuzo 30% PIB) Com impactos muito significativos e prejuzos muito vultosos. (Prejuzo > 30% PIB) Situao Facilmente supervel com os recursos do municpio.

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Supervel pelo municpio, desde que envolva uma mobilizao e administrao especial. A situao de normalidade pode ser restabelecida com recursos locais, desde que complementados com recursos estaduais e federais. (Situao de Emergncia SE). No supervel pelo municpio, sem que receba ajuda externa. Eventualmente necessita de ajuda internacional (Estado de Calamidade Pblica ECP).

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Segundo Castro (1999), os nveis I e II so desastres facilmente superveis pelo municpio, no havendo necessidade de recursos proveniente do estado ou da unio. O nvel III significa que a situao de funcionalidade pode ser restabelecida com os recursos locais, desde que complementados com recursos estaduais e federais. Neste nvel, o municpio declara Situao de Emergncia (SE). O nvel IV significa que o desastre no supervel pelos municpios, mesmo quando bem informados e preparados. Nesta situao, ocorre a decretao do Estado de Calamidade Pblica (ECP). Quando o municpio necessita de apoio do governo estadual ou federal, o municpio tem que preencher o formulrio AVADAN (Avaliao de Danos) e o envia com os demais documentos exigidos Defesa Civil Estadual que homologa ou no a situao decretada pelo municpio. O preenchimento do formulrio AVADAN o registro oficial de desastres no Brasil. De acordo com a Secretria Nacional de Defesa Civil (SEDEC), os desastres sbitos (agudos) geralmente caracterizam a situao de emergncia e at o estado de calamidade pblica, enquanto os desastres graduais (crnicos) no justificam na maioria dos casos a decretao, pois sua evoluo permite realizar uma preparao e resposta ao desastre, o que pode reduzir os danos e prejuzos. Analisando os formulrios AVADANs preenchidos em Santa Catarina no perodo de 1980 2000, Herrmann (2001) caracterizou espacialmente e temporalmente os desastres naturais para o estado catarinense. Esse trabalho contribuiu efetivamente com os rgos governamentais no planejamento e gerenciamento das atividades de preveno e mitigao de desastres naturais. Entretanto, existe uma possibilidade de erro de caracterizao utilizando os dados do AVADAN que esto associados somente aos desastres mais severos nvel III (SE) e IV (ECP). Caso os desastres naturais dos nveis I e II apresentem freqncias semelhantes s dos nveis III e IV ou pelo menos a mesma proporo, no haver problema na caracterizao. Entretanto, pode ocorrer uma situao onde um municpio sofre com bastante freqncia desastres naturais do nvel I, mas no possui nenhuma experincia com nvel III. Neste caso, em termos de percepo, esse municpio poder ser considerado como municpio seguro, entretanto, no sendo. Observa-se ento, que o AVADAN seria um bom mtodo de registro se ele fosse utilizado de maneira correta, para todo o tipo de ocorrncia de desastre, isto , no importando o nvel. Contudo, alm do AVADAN, cada municpio deveria criar

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um mecanismo para registrar quaisquer nveis de desastre, pois o levantamento (registro) dos desastres pode contribuir significativamente pesquisa cientfica, a preveno e ao gerenciamento dos desastres naturais. b) Evoluo Segundo Castro (1999), h trs tipos de desastres relacionados a evoluo. Os desastres sbitos so aqueles que se caracterizam pela rpida velocidade com que o processo evolui, por exemplo, as inundaes bruscas e os tornados. Ao contrrio do anterior, os graduais caracterizam-se por evolurem em etapas de agravamento progressivo, como as inundaes graduais e as secas. O outro tipo a Somao de efeitos parciais, que se caracteriza pela ocorrncia de numerosos acidentes semelhantes, cujos impactos, quando somados, definem um desastre de grande proporo. Por exemplo, acidentes de trnsito e de trabalho. c) Origem Este critrio tambm se caracteriza por trs tipos (CASTRO, 1999): os naturais, que so aqueles provocados por fenmenos naturais extremos, que independem da ao humana; os humanos, que so aqueles causados pela ao ou omisso humana, como os acidentes de trnsito e a contaminao de rios por produtos qumicos; e os desastres mistos associados s aes ou omisses humanas, que contribuem para intensificar, complicar ou agravar os desastres naturais. muito difcil ocorrer um desastre puramente natural, como definido por Castro (1999). Quase todos os desastres recebem de alguma maneira, uma influncia antrpica. Assim, se olharmos por este prisma, existiriam somente desastres mistos. Entretanto, no presente trabalho adotar-se- como desastre natural todos aqueles que possuem como gnese os fenmenos naturais extremos, agravados ou no pelas atividades humanas. d) Durao Sidle et al (2004) classificaram os desastres naturais em dois tipos: episdicos e crnicos. Geralmente os desastres denominados episdicos tais como terremoto, vulcanismo, tsunami, inundao e fluxo de detrito, chamam mais ateno por causa de sua magnitude. Entretanto, desastres crnicos tais como eroso do solo, geram srios prejuzos ambientais, especialmente em longo prazo. A eroso do solo pode causar desertificao, degradao, assoreamento dos rios, entre outros, podendo resultar na incidncia de mais eventos catastrficos, como escorregamentos e inundaes.

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Schumm (1994) e Gares et al. (1994) tambm mencionaram que, embora a eroso em encosta no represente um perigo aparente por no resultar em mortes, o custo para preveno ou controle pode ser bem elevado. Alm disso, Froehlich et al. (1990) afirmaram que os desastres naturais crnicos so freqentemente subestimados ou ignorados e quando registrados, somente os registros histricos so analisados. 2.1.3. Causas naturais e agravantes antrpicos Os desastres de origem natural podem estar relacionados com a dinmica interna ou externa da Terra, ou seja, eventos ou fenmenos internos causados pela movimentao das placas tectnicas, que tm reflexo na superfcie do planeta (terremotos, maremotos, tsunamis e atividade vulcnica); ou de origem externa gerada pela dinmica atmosfrica (tempestades, tornados, secas, inundaes, ressacas, vendavais, etc) (Figura 2.1).Desastres

Causas Naturais

Dinmica interna da terra

Dinmica externa da terra

Terremotos Maremotos Vulcanismo Tsunamis

Tempestades Tornados Inundao Seca Ressaca

Figura 2.1 Origem dos desastres naturais. Os desastres de causas naturais podem ser agravados pela ao antrpica inadequada, isto , situaes causadas pelo homem que ajudam a intensificar o desastre. Na Tabela 2.2 so apresentados alguns agravantes antrpicos e o tipo de desastre em que os mesmos interferem.

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Tabela 2.2 Principais agravantes antrpicos relacionados com os desastres.Agravantes humanos Emisso de gases nocivos Retirada da mata ciliar e assoreamento dos rios Impermeabilizao do solo (concreto, asfalto...) Ocupao desordenada de encostas ngremes Desastres conseqentes Chuvas cidas Inundaes Inundaes bruscas Escorregamentos

2.2 ALGUMAS CARACTERSTICAS DOS DESASTRES NATURAIS 2.2.1 Magnitude Takahashi (1975) realizou um levantamento de dados em relao a desastres naturais associados a chuvas e ventos fortes no Japo. Os resultados, conforme Tabela 2.3, mostram uma tendncia quanto a rea dos desastres, isto , quanto maior a rea de impacto, maior a quantidade dos prejuzos. Tabela 2.3. Desastres naturais com chuvas e ventos fortes no Japo.rea de impacto (103 km2) Mortes Casas totalmente destrudas Velocidade mxima (m/s) Precipitao total mxima (mm) Presso atmosfrica mnima (mbar) 1-20 25 6 22 160 998 20-40 55 16 24 211 995 40-60 92 130 21 287 994 60-100 43 722 24 273 988 100-160 41 656 27 246 982 160-240 180 3441 35 317 966 > 240 1079 10706 37 367 954

Fonte: Takahashi (1975) Alm disso, o mesmo autor investigou a relao entre o nmero de casas totalmente destrudas e sua freqncia (Tabela 2.4). Embora a freqncia dos desastres que causam pequenos prejuzos bastante alta, o total do prejuzo deste tipo de desastre pequeno quando comparado com os de grande impacto. A ocorrncia de um desastre que causa enormes prejuzos bastante rara. Entretanto, essa ocorrncia altera drasticamente as estatsticas associadas aos desastres e altera a histria das reas impactadas.

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Tabela 2.4. Desastres naturais ocorridos no vero e outono no Japo (1952-1961).Nmero de casas totalmente destrudas 1a3 3a9 10 a 30 31 a 99 100 a 314 315 a 999 1000 a 3149 3150 a 9999 10000 a 31499 31500 a 99999 Freqncia 18 13 23 17 10 4 8 6 1 1 Freqncia acumulada (%) 100,0 82,0 69,1 46,5 29,6 19,6 9,9 7,9 2,0 1,0 Prejuzos acumulados (%) 100 100 100 99 99 97 95 84 49 35

Fonte: Takahashi (1975) Normalmente, a sociedade est mais preparada para os pequenos desastres naturais, em virtude de sua elevada freqncia. Mas, quando ocorrer um desastre que ultrapasse a capacidade de suporte das medidas de preparao e resposta, os danos e prejuzos sero extensivos, podendo tornar-se um evento catastrfico. Isto demonstra a relevncia de continuar pesquisando e preparando-se para os grandes eventos. 2.2.2. Evoluo O fator tempo (histria) em desastres no bem estudado. Mas, pode-se observar dois aspectos distintos. Um a repetitividade, isto , os desastres podem ocorrer diversas vezes em um mesmo lugar. Por exemplo, se no houver alterao na condio climtica e na condio geomorfolgica, a inundao e o escorregamento podem ocorrer vrias vezes no mesmo local. O outro aspecto que um determinado tipo de desastre pode alterar-se ao longo do tempo em um mesmo local. Devido as intervenes humanas, as condies geoambientais normalmente se alteram, por exemplo, atravs das formas de uso do solo. Isto pode facilitar ou diminuir a possibilidade de ocorrncia de um tipo de desastre e at provocar o surgimento de outro tipo. Um bom exemplo sobre a evoluo de desastres encontra-se na Tabela 2.5. Takahashi (1975) investigou os desastres naturais registrados no Japo no perodo de 651 a 1964. Neste caso, os desastres naturais associados a chuvas e ventos fortes foram s inundaes, os escorregamentos, os vendavais, os furaces, entre outros.

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Esses desastres vm aumentando consideravelmente na longa histria do Japo. Isso porque o aumento da populao vem pressionado a sociedade a viver nas reas mais susceptveis aos desastres, como nas regies mais planas, sujeitas s inundaes, e as com elevada declividade, sujeitas aos escorregamentos. Por outro lado, observa-se que os desastres associados s estiagens e as epidemias vm reduzindo. Isto se deve ao avano do sistema de irrigao e sade pblica. Como a ocorrncia dos incndios associada com o clima, nota-se que foi registrado no Japo um clima seco nos sculos VIII e XIV. Tabela 2.5. Alterao da qualidade de desastres ao longo da histria japonesa.Anos 651-700 701-800 801-900 901-1000 1001-1100 1101-1200 1201-1300 1301-1400 1401-1500 1501-1600 1601-1700 1701-1800 1801-1900 1901-1950 1951-1964 Total 21 154 221 168 113 85 128 97 145 159 326 392 383 168 49 Chuvas Ventos 7 8 17 23 8 20 17 17 12 11 26 28 25 27 33 Estiagem 48 56 46 37 31 28 30 31 38 37 21 35 30 13 10 Freqncia (%) Epidemia Vulcanismo 15 22 13 18 19 24 19 25 20 13 6 8 9 11 0 10 6 8 4 4 6 7 10 8 17 14 12 15 25 25 Terremoto 10 6 7 3 6 5 9 10 14 13 14 11 13 10 16 Incndio 10 3 9 16 32 18 18 6 8 8 9 7 7 14 16

Fonte: adaptada de Takahashi (1975). Ressalta-se que extremamente difcil prever a evoluo de um desastre em virtude dos fatores sociais, econmicos e ambientais (climticos, geolgicos e topogrficos). 2.2.3 Irregularidade A ocorrncia anual dos desastres naturais bastante irregular. Os locais onde ocorrem terremotos e/ou furaces, apresentam uma irregularidade maior na ocorrncia (Figura 2.2).

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Figura 2.2 Taxa de mortes devido aos desastres. Fonte: adaptada de Mizutani (2002). Analisando os dados disponveis do EM-DAT: The OFDA/CRED International Disaster Database, sobre todos os tipos de desastres no perodo de 1900 a 2004, procurou-se os desastres naturais que causaram mais de 10 mil mortes no mundo (Tabela 2.6). Assim, o desastre extremamente grande ocorre esporadicamente. Portanto, pode-se dizer que a ocorrncia bem irregular. Tabela 2.6 - Desastres naturais no mundo com mais de 10 mil mortes (1900-2004).Ano 1900 1902 1906 1908 1911 1915 1917 1917 1918 1918 1918 1920 1920 1920 Tipo Estiagem Vulcanismo Furaco Terremoto Inundao Terremoto Terremoto Epidemia Epidemia Epidemia Terremoto Estiagem Estiagem Terremoto Pais (Local) ndia Martinique (Mounte Pelee) Hong Kong Itlia (Siclia) China Itlia (Avezzano) Indonsia (Bali) Unio Sovitica Bangladesh Canad China (Kwangtung) Ilha de Cape Verde China China (Kansu) Mortes 1.250.000 30.000 10.000 75.000 100.000 30.000 15.000 2.500.000 393.000 50.000 10.000 24.000 500.000 180.000

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Tabela 2.6 (Continuao) 1920 Epidemia 1921 Estiagem 1922 Furaco 1923 Terremoto 1923 Epidemia 1924 Epidemia 1926 Epidemia 1927 Terremoto 1928 Estiagem 1931 Fome 1931 Inundao 1932 Terremoto 1932 Fome 1933 Terremoto 1933 Inundao 1935 Inundao 1935 Furaco 1935 Terremoto 1937 Furaco 1939 Terremoto/Tsunami 1939 Inundao 1939 Terremoto 1942 Furaco 1942 Estiagem 1942 Furaco 1943 Fome 1944 Terremoto 1946 Estiagem 1947 Epidemia 1948 Terremoto 1949 Inundao 1949 Inundao 1954 Inundao 1959 Inundao 1960 Inundao 1960 Terremoto 1961 Furaco 1962 Terremoto 1963 Furaco 1965 Furaco 1965 Estiagem 1966 Estiagem 1967 Estiagem 1968 Terremoto 1970 Furaco 1970 Terremoto 1970 Terremoto 1973 Estiagem 1974 Estiagem 1974 Terremoto 1974 Estiagem 1975 Terremoto 1976 Terremoto 1976 Terremoto 1977 Furaco

ndia Unio Sovitica (Volga) China (Swatow) Japo (Tokyo) Niger ndia ndia China (Nanchang) China Niger China China (Kansu) Unio Sovitica China China (Henan, Hebei) China ndia Paquisto (Quetta) Hong Kong Chile (Chillan) China (Honan) Turquia (Erzincan) Bangladesh (Sundarbans) ndia (Calcutta) ndia (Orissa) Bangladesh Argentina (So Juan) Ilha de Cape Verde Egito Unio Sovitica (Ashkabat) China Guatemala China (Hopeh) China Bangladesh Morroco (Agadir) Bangladesh (Megna Eestuary) Ir (Islam) Bangladesh (Chittagong) Bangladesh (Barisal) ndia ndia ndia Ir (Khorasan) Bangladesh (Khulna) Peru (Chimbote) China (Yunnan) Etipia Etipia China (Yunnan) Somlia China (Anshan) China (Tangshan) Guatemala ndia (Tamil)

2.500.000 1.200.000 100.000 143.000 100.000 300.000 423.000 200.000 3.000.000 26.000 3.700.000 70.000 5.000.000 10.000 18.000 142.000 60.000 60.000 11.000 30.000 500.000 33.000 61.000 1.500.000 40.000 1.900.000 10.000 30.000 100.000 110.000 57.000 40.000 30.000 2.000.000 10.000 12.000 11.000 12.000 11.000 36.000 500.000 500.000 500.000 10.000 300.000 67.000 10.000 100.000 200.000 20.000 19.000 10.000 242.000 23.000 14.000

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Tabela 2.6 (Continuao) 1978 Terremoto 1984 Estiagem 1984 Estiagem 1985 Vulcanismo 1988 Terremoto 1990 Terremoto 1991 Furaco 1993 Terremoto 1998 Furaco 1999 Inundao 2000 Fome 2001 Terremoto 2004 Tsunami 2004 Tsunami 2004 Tsunami

Ir (Tabas) Etipia Sudan Colmbia (Armero) Armnia Ir Bangladesh ndia Honduras Venezuela (Vargas) Cora do Norte ndia ndia Indonsia (Aceh) Sri Lanka

25.000 300.000 150.000 22.000 25.000 40.000 140.000 10.000 15.000 30.000 28.000 20.000 16.000 166.000 35.000

2.3. PERIGO (HAZARD) E RISCO (RISK) 2.3.1. Definio No Brasil, dependendo dos profissionais e instituies, traduz-se o termo em ingls hazard como perigo ou ameaa. No presente texto, adotar-se- o termo perigo para a traduo de hazard. Os termos perigo (hazard) e risco (risk) so freqentemente utilizados como sinnimos. Mas, eles no so. O perigo um fenmeno natural que ocorre em pocas e regio conhecidas que podem causar srios danos nas reas sob impacto. Assim, perigos naturais (natural hazards) so processos ou fenmenos naturais que ocorrem na biosfera, podendo constituir um evento danoso e serem modificados pela atividade humana, tais como a degradao do ambiente e urbanizao. Enquanto que o risco a probabilidade de perda esperada para uma rea habitada em um determinado tempo, devido presena iminente de um perigo (UNDP, 2004). Exemplificando tal relao, um fenmeno atmosfrico extremo como um tornado, que costuma ocorrer em uma determinada regio (susceptibilidade) e poca conhecida, gera uma situao de perigo. Se este se deslocar na direo de uma determinada rea povoada, com uma possibilidade real de prejuzos em um determinado perodo (vulnerabilidade), teremos ento uma situao de risco. Se o tornado atingir a rea povoada, provocando danos materiais e vtimas, ser denominado como um desastre natural. Caso o mesmo ocorra no ocasionando danos, ser considerado como um evento natural (OGURA E MACEDO, 2002). Neste sentido, quando se trata de risco, deve-se considerar o perigo e a vulnerabilidade (densidade demogrfica, infra-estrutura, pobreza, etc.) do sistema17

que est preste a ser impactado. Alm disso, dois tipos de perigos geram situaes de risco completamente distintas para uma mesma rea, devido poca de ocorrncia (estao do ano), a tipologia do fenmeno (inundao ou escorregamento), a intensidade e abrangncia dos mesmos (estiagem e tornado). Desta forma, nota-se que a grandeza do perigo no acompanha a do risco. Em outras palavras, o valor de perigo no tem uma relao linear com o do risco. Analisando a literatura, as definies de risco, vulnerabilidade, perigo e susceptibilidade, observa-se que no h um acordo entre os pesquisadores e/ou gerenciadores. Isto aumenta ainda mais a dificuldade no estabelecimento de mtodos comuns. Porm, existem diversas tentativas para quantificar perigo, risco e

vulnerabilidade. Por exemplo, a fim de gerenciar inundaes em uma cidade da frica do Sul, Stephenson (2002) props o ndice de perigo-risco de inundao que se trata de um mltiplo de ndice de perigo e ndice de risco (Figura 2.3).3

ndice de Risco (IR)

2Velocidade 2

1

0

XProfundidade (m/s)

ndice de Perigo e Risco (IPR) = IP X IR

61

3 2IPR = 2 Aceitvel

0 0

ndice de Perigo (IP)

3

40,5

2 1

20 1 10

1100

0

1000

Intervalo de Recorrncia das Inundaes, anos

Figura 2.3 - ndice de perigo e risco. Fonte: adaptada de Stephenson (2002). Outra forma de mensurar os desastres foi proposta por Cardona (2005), atravs do ndice Local de Desastre (LDI). Neste ndice, so identificados os riscos sociais e ambientais, resultantes dos eventos de maior recorrncia de baixo nvel. Este ndice representa a propenso de uma localidade para experimentar desastres de pequena escala e seus impactos acumulados no desenvolvimento dessa comunidade. Cardona (2005) cita que ele o somatrio de trs outros ndices, os

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quais so: ndice de pessoas mortas (LDIM), ndice de pessoas afetadas (LDIA) e o ndice de danos materiais (LDID), conforme demonstrado a seguir: LDI= LDIM + LDIA + LDID A Figura 2.4 demonstra esquematicamente como o LDI pode ser obtido, baseando-se nas informaes dos eventos de cada municpio.Tipo de Evento Concentrao de Efeitos Relativos ao Incidncia de efeitos ndice para cada efeito na localidade

ndice de Persistncia

Escorregamentos Coeficiente Local

Tipo de Evento Mortes Pessoas Afetadas Danos Materiais Cada Municpio

Tipo de Evento Mortes Pessoas Afetadas Danos Materiais Cada Municpio LDI mortes

Terremotos Inundaes e Tempestades

LDI afetados

LDI

Outros tipos

LDI danos

Figura 2.4 Diagrama representativo do LDI. Fonte: adaptada de Cardona (2005).

2.4. CLIMA E TEMPO O tempo definido como o estado das condies atmosfricas em um determinado momento e local, podendo mudar totalmente num momento posterior (VIANELLO e ALVES, 2000). Por exemplo, num determinado dia pode amanhecer com chuva e frio (tempo feio), mas no decorrer do dia o cu pode mudar, ficando sem nuvens, ensolarado e quente (tempo bonito). Cada estao do ano apresenta um conjunto caracterstico de tipos de tempo. Quando mudam as estaes (vero, outono, inverno e primavera), j temos uma idia dos tipos de tempo esperados. Geralmente no inverno predominam as temperaturas mais baixas, no vero as mais altas. Em cada estao dominam certos tipos de tempo, porm podem ocorrer, de forma passageira, condies atmosfricas tpicas de outras estaes. O clima, por sua vez, caracterizado pela sucesso habitual dos tipos de tempo, para um determinado local e poca do ano (VIANELLO e ALVES, 2000). Sua caracterizao baseada na anlise de um grande nmero de dados registrados em estaes meteorolgicas durante longos perodos. A Organizao Mundial de Meteorologia (OMM) recomenda que so necessrios no mnimo 30 anos de dados para estabelecer uma correta caracterizao climtica de uma regio. No Brasil, at a atualidade, a maior parte dos desastres naturais so causados pela dinmica externa da Terra, que conduzida pelos processos19

atmosfricos. Desta forma, entender as configuraes atmosfricas que atuam em nossa regio fundamental para a compreenso dos processos que originam os desastres naturais. Para melhor entender a relao entre fenmenos atmosfricos e desastres naturais, necessrio conhecer os sistemas produtores de tempo como os ciclones, anticiclones, sistemas frontais e reas de instabilidades regionais e locais. 2.4.1. Dinmica atmosfrica e sistemas produtores de tempo A circulao geral da atmosfera desencadeada pela desigual distribuio de energia sobre a superfcie terrestre, iniciando-se pela movimentao da energia acumulada nos trpicos em direo aos plos. Essa movimentao forma trs clulas de circulao em cada hemisfrio: tropical, temperada e polar. Como exemplo, o ar que sobe na linha do equador (0) resfria-se e torna-se pesado em altitude, descendo a 30 de latitude. Nessa faixa, o ar desloca-se na superfcie tanto para norte quanto para sul. Ao retornar para o equador (norte), completa a clula de circulao tropical. Esse mesmo processo tambm ocorre nas latitudes temperadas (30 e 60) e nas latitudes polares (60 e 90), formando as clulas de circulao temperada e polar, respectivamente (HOLTON, 1992). As faixas de altas e baixas presses, decorrentes da divergncia (sada) e convergncia (encontro) do ar, so interrompidas, devido diferena de aquecimento entre terras e guas, formando centros de baixas e altas presses, sobre os continentes e oceanos. Como as terras aquecem e resfriam mais rapidamente que as guas, os centros de presso alternam suas posies em funo das estaes do ano. Ciclone o termo usado para descrever uma baixa presso central, em relao s reas circundantes, com caractersticas de tempo instvel e tempestuoso. Sua circulao d-se no sentido horrio no Hemisfrio Sul e antihorrio no Hemisfrio Norte. J o anticiclone ocorre quando existe uma alta presso central, em relao s reas circundantes, cuja circulao ocorre no sentido inverso ao do ciclone, e o tempo que o acompanha geralmente estvel (cu claro) (HOLTON, 1992; VAREJO-SILVA, 2001). A Figuras 2.5 mostra o desenho esquemtico desses sistemas de presso atmosfrica.

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Figura 2.5 Representao do ciclone e anticiclone.

Os ciclones e anticiclones so centros de ao atmosfrica, nos quais o ar adquire suas caractersticas individualizando-se como massas de ar que podem ser quentes ou frias, midas ou secas. Normalmente o ar que sai das altas presses atrado para as baixas presses, dando origem a uma seqncia de tipos de tempo que vai dos mais estveis aos mais tempestuosos, respectivamente. Este modelo, em escala local, explica a brisa marinha e terrestre. Durante o dia a costa aquece mais rapidamente que o mar. O ar sobe na costa, formando uma baixa presso e desce sobre o mar dando origem a uma alta presso. O ar que se acumula sobre o mar se desloca ento para o continente dando origem brisa marinha. noite as guas mantm-se mais aquecidas do que o continente. O ar sobe sobre o mar e desce sobre a superfcie terrestre. Da alta presso que se forma sobre a terra mais fria ocorre divergncia do ar, ou seja, o ar sai do continente para o oceano originando a brisa terrestre (VIANELLO e ALVES, 2000). So variados os sistemas atmosfricos que causam desastres naturais em Santa Catarina. Um dos mais freqentes o sistema frontal (SF), que so definidos pelo encontro de duas massas de ar com caractersticas distintas, que gera tempo instvel (Figura 2.6). Estas reas de instabilidades produzem muita chuva, que pode desencadear inundaes, inundaes bruscas (enxurradas), alm de vendavais, granizos e tornados. Estes sistemas podem ocorrer o ano inteiro, mas no inverno que a sua atuao mais freqente e intensa (MONTEIRO, 2001).

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Am rica do Sul A m assa tropical (ar quente) sistem a frontal

m assa polar (ar frio)B

A - alta presso B- baixa presso

Figura 2.6 Representao do sistema frontal.

Os ciclones extratropicais (CE) so circulaes atmosfricas de baixa presso que se formam pela convergncia de massas de ar e propagam-se junto com frentes polares (VAREJO-SILVA, 2001). So perturbaes comuns de ocorrerem no Oceano Atlntico, prximos costa catarinense, podendo causar ressacas, chuvas e ventos fortes. Os sistemas convectivos isolados (CI) ocorrem geralmente no vero e tambm podem gerar fenmenos adversos. Estes so formados devido ao aquecimento diurno que causa grande evaporao, ocasionando assim a formao de nuvens profundas (cumulonimbus) atravs de processos convectivos (ascenso de ar quente e mido). Estes podem se associar com os SF e gerar muita chuva, vendavais e granizos. Dentre os sistemas atmosfricos que desencadeiam desastres naturais em Santa Catarina esto tambm os complexos convectivos de mesoescala (CCM). Estes se formam no norte da Argentina e Paraguai (regio do Chaco) e deslocam-se sobre Santa Catarina atingindo principalmente o oeste do estado. So sistemas com intensidade suficiente para gerar chuvas fortes, ventos, tornados, granizos, etc (SILVA DIAS, 1996). A zona de convergncia do Atlntico Sul (ZCAS) uma faixa de instabilidade que se estende da Regio Amaznica para sudoeste do Brasil, atingindo com maior freqncia a mesorregio norte de Santa Catarina. A atuao

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deste sistema atmosfrico tambm pode ocasionar eventos extremos como os gerados pelas frentes frias. A atuao das massas polares (MP), aps a passagem de frentes frias, por vezes ocasiona geada de adveco que podem provocar grande prejuzo agricultura. Alm desse tipo tambm pode ocorrer geada de radiao, em funo do resfriamento da terra no perodo noturno. Entretanto, as geadas provocadas pela passagem de massas polares so capazes de atingir grandes extenses de reas, enquanto a geada de radiao abrange reas mais localizadas (AYOADE, 1998). 2.4.2. Chuva O que se imagina com a palavra chuva? A chuva a gua na atmosfera? O vapor dgua tambm chuva? Qual a diferena entre chuva e nuvem? A chuva faz parte de um dos ciclos mais importante para a vida no planeta: o ciclo da gua. Segundo Silveira (2004), a energia que produz o ciclo da gua vem do Sol, que inicia provocando a evaporao de lagos, mares, rios, etc (Figura 2.7). A gua evaporada (vapor dgua) vai sendo acumulada no ar, que ao subir vai expandindo-se pela diminuio da presso atmosfrica. A expanso causa o resfriamento do ar que vai perdendo a capacidade de conter umidade (vapor dgua), iniciando-se o processo de retorno ao estado lquido (condensao) sob a forma de pequenas gotculas de gua. Deste processo resultam as nuvens, quando ocorre em altitude, e a neblina (cerrao), quando prximo ao solo. Para a formao de uma nica gota de chuva necessita-se, em mdia, de aproximadamente um milho de gotculas de gua formadas pela condensao (processo lento) ou pela captura (processo rpido). (VIANELLO e ALVES, 2000). Com a formao das gotas de chuva, ocorre a precipitao que poder ocorrer no estado lquido (chuva) ou slido (granizo ou neve).

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Figura 2.7 Ciclo hidrolgico. 2.4.3. Tipos de chuvas e suas formaes Existem diferentes processos que desencadeiam as chuvas, variando de acordo com o local, formas de relevo e temperatura do ambiente. De acordo com a maneira que o ar eleva-se, a chuva pode ser classificada em trs tipos principais (AYOADE, 1998): Chuva convectiva: est relacionada com instabilidade convectiva, ou seja, o movimento vertical do ar resulta do processo de aquecimento da superfcie terrestre pelo Sol, ocasionando colunas de ar ascendentes (ar que sobe para a troposfera superior). Este processo resulta na formao de nuvens do tipo cumulunimbus, que possuem um elevado desenvolvimento vertical e formato tpico de um cogumelo. Geralmente essas chuvas so intensas e de curta durao, ocorrendo com mais freqncia no vero, no perodo vespertino (Figura 2.8).

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Figura 2.8 Chuva convectiva. Chuva orogrfica: ocorre quando a elevao do ar mido causada inteira ou principalmente por um terreno elevado, dando incio a um processo de conveco forada (efeito orogrfico). O ar forado a subir, expandindo-se, formando nuvens e na seqncia a chuva orogrfica. Essa precipitao ocorre praticamente barlavento da encosta, enquanto que sotavento geralmente no recebe chuva (Figura 2.9). desse processo que surge a grande incidncia de nebulosidade e chuva prxima s altas encostas das montanhas.

Figura 2.9 Chuva orogrfica.

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Chuva frontal: so precipitaes provenientes da circulao associada aos sistemas frontais. As frentes frias podem ocasionar chuvas intensas, granizos, podendo vendavais ser e acompanhadas tornados. As de trovoadas, quentes frentes

provocam chuva contnua de menor intensidade. A Figura 2.10 mostra um exemplo da nebulosidade tpica de chuva frontal originada de uma frente fria.

Figura 2.10 Chuva frontal. 2.4.4. Fenmeno ENOS El Nio e La Nia O El Nio Oscilao Sul (ENOS) um fenmeno atmosfrico-ocenico, que tanto na sua fase positiva quanto negativa, afeta os padres de circulao atmosfrica a nvel regional e global. Essas mudanas alteram os regimes de chuva em regies tropicais e de latitudes mdias. Normalmente, observam-se guas superficiais relativamente mais frias (ressurgncia1) no Oceano Pacfico Equatorial Leste (costa oeste da Amrica do Sul), enquanto que no Pacfico Equatorial Oeste (costa leste da Austrlia), guas mais aquecidas (VOITURIEZ e JACQUES, 2000). O fenmeno El Nio, que representa a fase positiva do ENOS, caracteriza-se pelo enfraquecimento dos ventos alsios2 e o aumento da temperatura da superfcie do mar (TSM) no Oceano Pacfico Equatorial Leste, resultando em guas mais

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Ressurgncia o movimento vertical da gua, normalmente prximo costa, trazendo a gua fria e carregada de nutrientes do fundo do oceano para as camadas de gua superficiais. 2 Ventos em superfcie que se deslocam dos trpicos para o equador (VIANELLO e ALVES, 2000).

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quentes prximas costa oeste da Amrica do Sul (VOITURIEZ e JACQUES, 2000). As conseqncias deste fenmeno para a Regio Sul do Brasil so chuvas intensas de maio a julho e primavera, alm do aumento da temperatura mdia. O aumento de precipitao no Sul do Brasil est relacionado com a intensificao do jato subtropical associado a uma situao de bloqueio na troposfera superior, estacionando os sistemas frontais nessa regio do pas (VAREJO-SILVA, 2001). Como exemplo, citam-se as inundaes catastrficas ocorridas em 1983, que afetaram praticamente todos os municpios de Santa Catarina (HERRMANN, 2001). O fenmeno oposto La Nia, que representa a fase negativa, caracteriza-se pela intensificao dos ventos alsios e pelo declnio da TSM no Pacfico Equatorial Leste. As guas costeiras no oeste da Amrica do Sul tornam-se ainda mais frias devido intensificao do movimento de ressurgncia (VOITURIEZ e JACQUES, 2000). Alguns impactos do La Nia so opostos aos do El Nio, ou seja, na Regio Sul do Brasil acontecem perodos de estiagem na ocorrncia desse fenmeno (VAREJO-SILVA, 2001). 2.4.5. O futuro climtico do Brasil: enfoque especial para Santa Catarina Muitos pesquisadores tm direcionado seus trabalhos para prever o que poder acontecer com o clima daqui a alguns anos. Como resultado destes estudos, tem sido consenso de que est havendo alteraes na atmosfera terrestre, principalmente no que se refere ao aumento da temperatura mdia da Terra. Este aquecimento global poder gerar diversas conseqncias, sendo que uma delas o aumento dos eventos atmosfricos extremos, como as tempestades severas. Apesar de no haver ainda um consenso sobre a relao direta entre as instabilidades atmosfricas e as mudanas climticas globais (LIGHTHILL, 1994; MCBEAN, 2004), verifica-se que tambm houve um aumento das tempestades nas ltimas dcadas, principalmente em escala regional (EASTERLING et al., 2000; NICHOLLS, 2001). Vrios modelos de previso climtica tm apontado para um aumento de ocorrncia de tempestades severas para as regies Sul e Sudeste do Brasil (SINCLAIR e WATTERSON, 1999; MET. OFFICE, 2004). Dentre esses, o modelo climtico global elaborado pela instituio The Hadley Centre for Climate Prediction and Research, subordinado ao Servio Meteorolgico da Gr-Bretanha, Meteorological Office, teve como objetivo simular a formao de tempestades severas no globo para concentraes dobradas de CO2 na atmosfera (MET. OFFICE, 2004).

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A Figura 2.11 mostra o resultado dessa simulao para uma parte da Amrica do Sul, sendo que os pontos mais escuros indicam as reas em que haver um aumento de tempestades severas3. Nessa mesma figura foi sobreposta a trajetria do Furaco Catarina, coincidindo com a rea em que o modelo prev maior intensidade de tempestades. Este furaco atingiu a regio sul de Santa Catarina nos dias 27 e 28 de maro de 2004, sendo considerado o primeiro furaco do Atlntico Sul, causando srios danos scio-econmicos a vrios municpios catarinenses e gachos (MARCELINO et al, 2005). Para muitos pesquisadores que estudam a relao das mudanas climticas globais com o aumento de tempestades severas, a ocorrncia do furaco Catarina comprova muitas previses climticas realizadas anteriormente. Alm disso, observando a ocorrncia e a intensidade de furaces em diversos locais no mundo, pesquisadores acreditam que o aquecimento global ir favorecer a formao dos furaces, principalmente os de categoria 4 e 5 (WEBSTER et al, 2005; EMANUEL, 2005).

Figura 2.11 Resultado do modelo HadCM3 do Met. Office que prev o aumento de tempestades severas para algumas regies da Amrica do Sul e o trajeto realizado pelo Ciclone Catarina. Fonte: Met Office (2004).

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Lembrese que tempestades severas referem-se a furaces ou a tempestades capazes de gerar tornados, vendavais, granizo, inundaes bruscas, entre outros. Todos esses fenmenos so potenciais para causar desastres naturais de grande magnitude e srios danos scio-econmicos.

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CAPTULO 3

PREVENO DE DESASTRES NATURAIS

" melhor tentar e falhar, que se preocupar a ver a vida passar. melhor tentar, ainda que em vo, que se sentir fazendo nada at o final. Eu prefiro na chuva caminhar, que em dias tristes em casa me esconder. Prefiro ser feliz, embora louco, que em conformidade viver Martin Luther King

Evitar que fenmenos naturais severos ocorram foge da capacidade humana. Entretanto, atravs da preveno, pode-se desenvolver medidas que minimizem os impactos causados pelos mesmos. Segundo Kobiyama et al. (2004), existem dois tipos de medidas preventivas bsicas: as estruturais e as no-estruturais. As medidas estruturais envolvem obras de engenharia, como as realizadas para a conteno de cheias, tais como: barragens, diques, alargamento de rios, reflorestamento, etc. Contudo, tais obras so complexas e caras. As medidas no-estruturais geralmente envolvem aes de planejamento e gerenciamento, como sistemas de alerta e zoneamento ambiental. Neste caso, dois aspectos devem ser considerados: A implantao da infra-estrutura necessria s atividades humanas deve ser orientada por um zoneamento ambiental que considere a possibilidade de riscos ambientais, o que, na prtica, representado por mapas de reas de risco. As restries de uso so dependentes do risco ao qual est submetida uma rea. Por exemplo, em algumas reas de alto risco so permitidas apenas as ocupaes para fins comunitrios (parques, praas etc.); No caso da existncia de atividades humanas j implantadas em reas suscetveis a desastres (centros urbanos onde ocorrem inundaes, edificaes construdas em encostas ngremes, etc.), a criao de um sistema de alerta nestas reas pode auxiliar na reduo dos danos e prejuzos. Para tanto, os principais fatores causadores dos desastres devem ser monitorados continuamente e, paralelamente, os dados devem alimentar um modelo

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capaz de simular os fenmenos em tempo real. Assim, no momento em que o sistema identifica a aproximao de uma condio crtica, inicia-se o processo de alerta e retirada da populao do local de risco. 3.1. ZONEAMENTO Zoneamento uma setorizao territorial, de acordo com as diversas vocaes e finalidades de uma determinada rea, com o objetivo de potencializar o seu uso sem comprometer o meio ambiente, promovendo a qualidade de vida e o desenvolvimento sustentvel. Para a classificao e definio de setores ou zonas e seus respectivos usos, a organizao das informaes espaciais deve considerar fatores de ordem fsica, territorial e cultural. Os fatores de ordem fsica so dentre outros: rocha, solo, relevo, clima, vegetao, hidrografia e infra-estrutura; os fatores de ordem territorial dentre outros so: economia, poltica, organizao social e cultura. Para a realizao de um zoneamento eficaz, prioritrio que as condies bsicas sejam supridas. Em uma rea destinada para uso residencial, por exemplo, importante que esta no oferea riscos aos bens materiais e fsicos dos moradores. Para isto, uma srie de dados deve ser disposta espacialmente e analisada hierarquicamente no sentido de indicar qual a rea mais apropriada para este tipo de ocupao. importante considerar tanto os fatores de ordem cultural e territorial quanto os fsicos, pois os interesses comerciais e polticos influenciam fortemente no processo de ocupao. Em muitos casos estes fatores fazem com que a populao com menor poder aquisitivo ocupe reas com maior suscetibilidade a risco, como encostas ngremes e plancies de inundao (reas planas que margeiam um rio). O zoneamento no somente uma ferramenta para a preveno, mas tambm para a correo de reas j atingidas, nestes casos, ressalta-se que fundamental conhecer a realidade das comunidades normalmente atingidas. Para tanto, a aplicao de questionrios um mtodo que supre a necessidade de conhecer a realidade das mesmas, levantando o nmero de residncias e pessoas localizadas nestas reas, a forma de ocupao, a localizao, a qualidade das construes, a configurao do relevo, alm das informaes sobre os fenmenos e impactos gerados pelos mesmos (Anexo 1).

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Como j mencionado, perigo e risco tm significados diferentes, logo, os mapas de perigo e risco tambm sero distintos. Pelas definies desses termos, fica claro que, a delimitao e classificao das reas de perigo antecedem a criao das reas de risco. No caso do mapeamento de perigo, podem ser utilizadas trs metodologias distintas:

Emprica: Aps a ocorrncia do fenmeno, a rea atingida verificada em trabalho de campo e considerada como rea de perigo;

Semi-emprica: Alm de caracterizar a rea atingida como rea de perigo, os fatores ambientais (topografia, solo, etc.) tambm so analisados, sendo que os valores crticos de fatores que podem causar o mesmo fenmeno so determinados numericamente (peso). Com base nesses valores, as reas que possuem caractersticas semelhantes, tambm sero consideradas como reas de perigo;

Fsica:

Com base nas leis da fsica so analisados os mecanismos de ocorrncia de determinado fenmeno. Depois da realizao de simulaes numrica ou fsica, procura-se onde, teoricamente, o fenmeno poder ocorrer. Desta forma, todas as reas em que as simulaes mostrarem a possibilidade de ocorrncia do fenmeno sero consideradas como rea de perigo.

Cada metodologia possui suas vantagens e desvantagens, de modo que o ideal executar as trs possibilidades para mapear as reas de perigo. Aps a elaborao do mapa de perigo, as reas de risco podero ser mapeadas. Neste caso, todas as variveis (populao, vegetao, animais, propriedades, residncias, infra-estrutura, entre outros) devem ser consideradas e seus valores devem ser computados. Portanto, a classificao de intensidade de risco, elaborada num momento, no necessariamente, servir para outro momento. Por exemplo, se uma rea de risco possui um elevado nmero de habitantes, ento a intensidade do risco alta. Mas se, num segundo momento, a maior parte dessa populao deixar de viver nessa rea, a intensidade do risco diminui. Alm desses exemplos, a modelagem numrica tambm uma ferramenta que pode ser utilizada no mapeamento das reas de perigo e risco. Como exemplo,

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apresenta-se o resultado de um zoneamento para inundaes na bacia do Rio Pequeno, em So Jos dos Pinhais PR. Aplicando o modelo hidrolgico TOPMODEL (BEVEN et al., 1995) a essa bacia, Santos e Kobiyama (2004) realizaram zoneamento de rea de saturao (Figura 3.1) e tambm de rea de preservao permanente (Figura 3.2). Neste caso, a rea de saturao considerada como reas inundadas. As reas de saturao e de preservao permanentes no devem ser ocupadas.

Figura 3.1 - reas inundadas na bacia do Rio Pequeno, Paran. Fonte: Santos e Kobiyama (2004).

Figura 3.2 - rea de preservao permanente estabelecida pelo Cdigo Florestal e reas inundadas na bacia do Rio Pequeno, Paran. Fonte: Santos e Kobiyama (2004). Shidawara (1999) mostrou a situao dos mapas de perigos de inundao no Japo e o que pensa a populao japonesa sobre os mesmos. Este autor concluiu

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que os mapas so muito efetivos como fontes de informaes sobre inundao, principalmente em pequenos municpios. Alm disso, os mapas possuem um grande papel no sistema de preveno de inundao, pois nesses municpios tornase muito difcil implantao de sistemas mais sofisticados, como monitoramento e sistemas de alerta. O mesmo autor comentou que para ter maior eficincia no uso dos mapas, algumas atividades adicionais e contnuas so necessrias, por exemplo, usar mapas em escolas e produzir informativos municipais, com as informaes dos mapas inseridas nos mesmos. A importncia do uso deste tipo de mapa tem sido cada vez mais confirmada em diversos paises. Este tipo de mapeamento tambm visa suprir umas das maiores deficincias relacionadas aos desastres naturais no Brasil, que a ausncia de sistemas de alertas, que so ferramentas fundamentais para a preveno de desastres naturais, especialmente os sbitos. 3.2. SISTEMA DE ALERTA O sistema de alerta um instrumento muito importante, especialmente quando tratamos de sistemas urbanos j implantados, uma vez que permite que a comunidade seja informada da ocorrncia de eventos extremos e minimize os danos materiais e humanos. A Figura 3.3 mostra um esquema de implantao de sistema de alerta em bacia hidrogrfica, com seus principais componentes como: (1) monitoramento; (2) transmisso dos dados; (3) modelagem e simulao; (4) orientao para as instituies responsveis e alerta para a populao localizada nas reas de risco. J na Figura 3.4, apresenta-se um fluxograma demonstrando o papel do monitoramento e modelagem no sistema de alerta. A ocorrncia de desastres sbitos, por exemplo, inundaes bruscas e fluxo de escombros (debris flow), so extremamente rpidos. Isto significa que o sistema de monitoramento e alerta em nvel estadual (regional) pode no ter um bom desempenho contra os desastres sbitos, pois este tipo de sistema lento demais. Por esta razo, pode-se dizer que o sistema de monitoramento e de alerta para os fenmenos sbitos deve ser realizado na escala local, ou seja, em nvel municipal. Essa municipalizao do sistema diminui a logstica envolvida e, conseqentemente, diminui os custos e agiliza seu funcionamento.

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Figura 3.3 Esquema de implantao de um sistema de alerta. Fonte: Kobiyama et al (2004)

Figura 3.4 Papel da modelagem no sistema de alerta. Fonte: Kobiyama et al (2004). A aquisio dos dados em tempo real cada vez mais importante para o sistema de alerta. Al-Sabhan et al. (2003) discutiram o uso de SIG e Internet para a previso de inundao e para o sistema de alerta. Os mesmos autores mencionaram

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trs sistemas para fornecer os dados de precipitao e monitoramento na previso em tempo real: pluvigrafo com telemetria convencional (linha telefnica, rdio e satlite), radar meteorolgico e monitoramento com satlite. Sistema de alerta de escorregamentos em grandes reas durante chuva intensa consiste em: (1) relaes empricas e tericas entre o regime pluviomtrico e a iniciao de movimento de massa; (2) determinao geolgica das reas de perigo; (3) monitoramento em termo real com telemetria; e (4) previso de tempo (KEEFER, et al., 1987). Estudando a relao entre chuva e deslizamento, Wilson e Wieczorek (1995) concluram que tanto a chuva antecedente quanto a intensidade da chuva so igualmente importantes para a deflagrao (iniciar) dos escorregamentos. 3.3. MONITORAMENTO E MODELAGEM O monitoramento um processo contnuo de medio das caractersticas de um determinado fenmeno, visando a compreenso e modelagem dos mesmos. Os fenmenos naturais, em sua maioria, so de grande complexidade, impossibilitando medir e/ou analisar todas as suas partes e/ou etapas. Uma alternativa amplamente utilizada para suprir tais necessidades a modelagem. Tendo identificado as reas mais suscetveis ocorrncia de desastres naturais, os dados do monitoramento vo alimentar o modelo que permitira realizar a simulao dos mesmos. Estas simulaes, por sua vez, fornecem uma magnitude e dimenso provvel do fenmeno (KOBIYAMA et al., 2004). A modelagem o processo de gerar e/ou aplicar modelos. O modelo uma representao simplificada de um sistema (ou objeto) tanto esttico quanto dinmico. Existem trs tipos: (1) modelo fsico, (2) modelo matemtico e (3) modelo analgico. O primeiro utiliza formas fsicas, sendo imitativos de um segmento do mundo real (CHRISTOFOLETTI, 2002); o segundo utiliza linguagens matemticas para representar a natureza dos sistemas; e o terceiro vale-se da analogia das equaes que regem diferentes fenmenos para modelar o sistema mais conveniente (TUCCI, 1998). Qualquer modelo corresponde a uma aproximao da realidade. Para ter um bom modelo fazem-se necessrias observaes do sistema, ou seja, monitoramento. Aqui nota-se que os seres humanos so parte integral da paisagem (ou ecossistema). Portanto, como Philips (1999) sugeriu, aes humanas devem ser incorporadas aos modelos da paisagem fsica, que so utilizados para entender o sistema como um todo.

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A simulao a execuo do modelo. Na execuo, a calibrao do modelo indispensvel. Pela natureza da simulao, quanto mais sofisticado o modelo, mais calibraes so necessrias. A calibrao do modelo sempre feita atravs de comparao dos dados obtidos pelo monitoramento com os dados simulados no modelo (KOBIYAMA et al., 2004). Ento fica claro que, o sucesso da modelagem e da simulao depende da qualidade do monitoramento, e que no h um bom modelo sem o uso de dados obtidos do fenmeno monitorado. Assim, a modelagem e o monitoramento no se confrontam, passando a serem mtodos cientficos mutuamente complementares, efetuados sempre paralelamente (KOBIYAMA e MANFROI, 1999). Como j mencionado, no gerenciamento de desastres naturais existem duas formas para utilizao dos resultados do monitoramento e da modelagem: medidas estruturais e no-estruturais. Ohmori e Shimazu (1994) mencionaram que, como cada tipo de fenmeno requer diferentes tipos de medidas estruturais para sua mitigao, distinguir onde e que tipo de fenmeno ir ocorrer torna-se extremamente importante para o planejamento do uso de solo e para os projetos de engenharia. Neste contexto, o monitoramento e a modelagem so fundamentais. 3.4. GERENCIAMENTO DE DESASTRES NATURAIS (GDN) Para prevenir ou minimizar o prejuzo com desastres naturais, precisa-se executar o Gerenciamento de Desastres Naturais (GDN) (NETO, 2000). O GDN possui duas metas: (1) entender os mecanismos dos fenmenos naturais e (2) aumentar a resistncia da sociedade contra esses fenmenos. Em geral, a primeira meta realizada por universidades e institutos de pesquisas, a segunda pelos governos federal, estadual, municipal, empresas privadas, ONGs e comunidades (Tabela 3.1). Tabela 3.1 Tipos de corpo executor que devem atuar no GDN.rgos governamentais rgos no governamentais = governo federal, estadual e municipal. = ONGs, empresas, associaes comunitrias, etc. Indivduos = pessoas.

Alm disso, a preveno deve ser realizada em todas as etapas de um desastre natural, ou seja, antes, durante e depois de algum evento (Tabela 3.2).

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Essa diviso das etapas coincide com a diviso proposta por Mendiondo (2005). A Poltica Nacional de Defesa Civil apresenta quatro fases ao longo desse processo: (I) preveno; (II) preparao; (III) resposta; e (IV) reconstruo (CASTRO, 1999; NETO, 2000). O item (I) e a maior parte do (II) correspondem a etapa antes; a parte restante do (II) e o item (III) correspondem ao durante; e o item (IV) ao depois. As etapas de pr-evento, evento e ps-evento possuem carter temporal conforme a freqncia dos desastres. Neto (2000) chamou o conjunto destas etapas como o Ciclo de Gerenciamento de Desastres Naturais. Tabela 3.2 - Etapas na preveno de desastres naturais.Etapas Pr-evento Antes Classificao por CASTRO (1999) Preveno e preparao Descrio Antes de ocorrer os desastres, so realizadas atividades para reduzir os futuros possveis prejuzos. Durante e logo depois de ocorrncia de desastres, so realizadas aes emergenciais. Uma das aes fundamentais o levantamento (registro). Aps os desastres, atua-se na restaurao e/ou reconstruo e/ou compensao dos prejuzos.

Evento Durante Ps-Evento Depois

Resposta

Reconstruo

Na prtica, existem (ou devem existir) diferentes aes para cada fase e para cada corpo executor. Estas aes encontram-se na Tabela 3.3.

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40No Governamental (ONGs) Buscar informaes a respeito de reas de perigo e riscos de desastres naturais; Participar no mapeamento e zoneamento das reas de risco; Elaborar e divulgar os resultados e as vulnerabilidades de uma rea ou regio com base na simulao dos danos e prejuzos; Participar no planejamento de medidas emergenciais; Criar rgo voluntrio de defesa contra desastres (OVD) e/ou fortalecer os j existentes; Organizar grupos e/ou associaes comunitrias; Identificar/cobrar a atuao de cada rgo governamental; Divulgar informaes precisas sobre PDN, com base em estudos tcnicos-cientficos; Organizar debates e promover aes para a melhoria da qualidade da vida; Auxiliar no treinamento de pessoas/comunidades para a PDN, visando tambm identificao de possveis lideranas; Auxiliar na fiscalizao de atividades em reas de risco e denunciar aes de degradao ambiental. Individual Buscar informaes a respeito das reas de perigo e riscos de desastres naturais, da simulao dos danos e prejuzos, e da vulnerabilidade da regio; Auxiliar no processo de divulgao de informaes; Participar como membro atuante no OVD; Participar nos treinamentos de PDN e OVD; Evitar a ocupao de reas de risco, cortes em terrenos inclinados e derrubada de rvores nas encostas dos morros; Evitar o depsito de lixo em canais pluviais/fluviais ou encostas; Organizar mutiro para limpeza e participar da coleta seletiva e reciclagem do lixo; Cobrar dos representantes eleitos a limpeza de bueiros e a coleta habitual do lixo; Colaborar na fiscalizao. Divulgar alerta; Aplicar as medidas preventivas do OVD; Fornecer informaes para especialistas em PDN; Identificar as necessidades das comunidades mais afetadas; Participar na coleta e distribuio de alimentos, remdios e roupas. Esperar em casa pelo resgate ou procurar abrigo antes do perigo iminente; Ajudar os vizinhos; Participar das atividades voluntrias do OVD; Buscar informaes e apoiar s atividades emergenciais. Aplicar as medidas do OVD; Auxlio psicolgico s vitimas traumatizadas; Participar no planejamento e execuo do processo de reconstruo das comunidades afetadas. Restaurao e reconstruo das residncias destrudas; Participao no OVD; Modificao das construes e atitudes para a PDN.

Tabela 3.3 Atividades por tipos de rgos e fases do processo de preveno de desastres naturais.

Organizao Fase

Governamental

Pr-evento (Prontido)

Levantar, com base cientfica, perigos e riscos de desastres naturais; Identificar as potencialidades da sociedade para a preveno de desastres naturais (PDN); Realizar o mapeamento e zoneamento de reas de perigos e riscos; Estabelecer uma legislao pertinente para a PDN; Criar rgo fiscalizador, com funcionrios exclusivos e permanentes para a PDN, integrado aos diferentes setores institucionais (secretarias); Elaborar e divulgar os resultados e as vulnerabilidades de uma rea ou regio com base na simulao dos danos e prejuzos; Criar centros para integrao de estaes telemtricas, sistema de previso e de alerta; Planejar medidas emergenciais; Desenvolver tecnologia com baixo custo para reforar a infra-estrutura existente e obras de engenharia para conteno dos desastres; Promover a educao e o desenvolvimento de uma cultura de PDN; Treinar pessoas/comunidades para a PDN; Organizar sistema de seguro de vida, propriedade e atividades; Promover adequaes no setor agrcola; Estabelecer medidas para fixao da populao em sua cidade de origem, evitando o processo de migrao e favelizao; Buscar a integrao entre a populao, os tcnicos e os cientistas para um melhor esclarecimento sobre a PDN e o auxlio nas tomadas de decises. Placas com identificao dos nveis de inundao; Campanha com a populao para no ocupar as reas de risco; Preparar a populao atravs de simulaes.

Ao emergencial

Levantar rapidamente os danos e prejuzos; Fortalecer os sistemas para coleta, processamento e divulgao de dados; Estabelecer rede de informao ( imprensa, radio amadores, lderes comunitrios, etc.); Mobilizar populao a ser retirada das reas de risco; Administrar adequadamente o uso comum dos espaos (abrigos); Distribuio justa dos auxlios (financeiro, material, etc.) as comunidades afetadas; Mobilizar equipes de sade e alimentao, assim como mquinas e caminhes.

Ps-evento (Reconstruo e restaurao)

Identificar a situao anterior e atual das vtimas dos desastres; Orar os prejuzos e a reconstruo; Revisar o Plano Diretor do local destrudo; Execuo flexvel dos projetos; Fortalecer a rede pblica de sade e 86a assistncia social. Orientar processo de limpeza e higienizao.

Contudo, em uma situao real, todos os rgos sempre se apiam entre si. Este esquema se encontra na Figura 3.5.

Figura 3.5 Relao entre trs atores no gerenciamento de desastres naturais

Como exemplo, cita-se o terrvel terremoto que ocorreu na madrugada do dia 17 de janeiro de 1995, na cidade de Kobe (Japo), que causou aproximadamente 6.000 mortes. A investigao sobre os danos e prejuzos demonstrou que, nas comunidades onde era observada a unio entre vizinhos e nas comunidades onde existiam grupos voluntrios de apoio, houve menor nmero de mortes do que nas que no tinham estes tipos de iniciativas comunitrias. J no municpio de Alagoa Grande (PB) ocorreu uma falha na barragem de concreto no dia 17 de junho de 2004. Com esta falha, 60% de sua capacidade mxima de armazenamento (17 milhes de metros cbicos) de gua junto com sedimentos escoou para jusante destruindo vrios municpios (FOLHA ONLINE, 2004). Na reportagem, observam-se diversas reclamaes nas quais no houve ajuda dos rgos pblicos, por exemplo, da Defesa Civil. A populao atingida precisou auto ajudar-se. Quando ocorre um desastre natural em grande escala, realmente muito difcil para esses rgos chegarem at o local do desastre ou mesmo implementarem com sucesso as aes emergenciais.

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A lio aprendida com os exemplos anteriores a importncia da criao destas organizaes voluntrias e a necessidade da existncia de grupos de autodefesa contra desas