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ASTROFÍSICA

O mundo caiu numbrilhante buraco

negro. E agora?Depois da revelação da primeira imagem de um buraco negro,que mora na distante galáxia MB7, os cientistas do projecto do

Telescópio do Horizonte de Eventos já estarão a analisar os dadossobre o "monstro celeste" que está no centro da nossa galáxia

Andrea Cunha Freitas

omundo0

mundo viu ontem, pela pri-meira vez, a imagem de umburaco negro supermaciço.Algumas pessoas só tinhamouvido falar sobre isto emlivros e filmes de ficção cien-

tífica, muitos não sabiam sequer quenunca antes tinha sido revelada umaimagem de um buraco negro, algumascentenas de milhares de cientistas e

fãs da astrofísica aguardavam comenorme expectativa o momento da

revelação e cerca de 200 cientistas

(que fazem parte do projecto) jásabiam como era o buraco negro dadistante galáxia MB7. Todos caímosontem na sombra emoldurada por umanel de luz que assinalou um marcoda astrofísica e confirmou que Einsteinestava certo nos cálculos que apresen-tou há mais de cem anos. O próximoepisódio desta saga sobre o universo

pode passar-se, desta vez, no centroda nossa galáxia, a Via Láctea.

Quando faltavam muito poucosminutos para as 14h de ontem, a trans-missão online da conferência de

imprensa em Bruxelas (apenas umadas seis conferências de imprensaque decorreram simultaneamenteem todo o mundo) para apresentarum "resultado inédito" do projectodo Telescópio do Horizonte de Even-tos (EHT, na sigla em inglês) tinhamais de 100 mil pessoas "em espera" .

Carlos Moedas anunciava que omomento seria histórico para a huma-nidade. "A partir de agora teremos o

'tempo antes da imagem' e o 'tempodepois da imagem'", disse. Poucosminutos depois todos os sites de qua-se todos os meios de comunicação domundo publicavam o anel douradoem fundo negro, todos com o mesmotítulo. Era a revelação da primeira

imagem de um buraco negro super-maciço.

O resultado do avanço tecnológico

que conseguiu a imagem do buraco

negro - o mesmo que nos trouxe fer-ramentas como os exames de PET ouo GPS - é impressionante. Recente-mente já tínhamos conseguido"ouvir" buracos negros com a detec-

ção das ondas gravitacionais. Mas isso

não chegava. Tínhamos de ser capa-zes de os ver. Apesar de sabermos queseria necessário um telescópio dotamanho da Terra para captar algotão distante de nós, insistimos.

Os buracos negros são entidadesextraordinariamente densas e muitosdeles são formados quando as estre-las (maiores do que o nosso Sol)entram em colapso no final do seuciclo de vida. Buracos negros super-maciços são os maiores que existem,devorando matéria e radiação e que

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se pensa que resultam da fusão comoutros buracos negros.

O projecto EHT começou em 2012e apontou vários telescópios disper-sos na Terra (localizados no Arizonae Havai, nos EUA, México, Chile,Espanha e Antárctida, França e Gro-nelândia) para dois buracos negrossupermaciços. Um é o monstro Sagi-tário A, localizado no centro da nossa

galáxia, a Via Láctea. Encontra-se a26.000 anos-luz de distância e cha-mam-lhe "monstro" por causa da

gigantesca quantidade de matéria quepossui, mais precisamente, quatromilhões de vezes a massa do Sol.

O outro alvo do projecto EHT étambém um buraco negro superma-ciço, mas está numa galáxia distante.Está no centro da galáxia MB7 nadirecção da constelação Virgo, comuma massa que terá mais de 6 milmilhões de vezes a do Sol e localizadoa 55 milhões de anos-luz da Terra. Foi

este, o maior, que nos revelou ontema primeira imagem de um buraconegro. "Hoje [ontem] vimos o que se

pensava ser invisível", declarou She-

perd Doeleman, o director do projec-to EHT, a partir de Washington, nosEUA.

0 anel dourado que definitivamen-te compromete o futuro da ciência foi

produzido com uma quantidade ini-

maginável de dados. Foram mais de200 cientistas, com supercomputa-dores, que analisaram a informaçãocaptada em cinco noites de Abril de2017 pela rede de telescópios disper-sa pelo mundo, através do projectoEHT. Uma das pessoas que ajudaramna recolha e tratamento destes dadosfoi o astrofísico português Hugo Mes-

sias. Ontem, no Chile, o investigadordesdobrou-se em entrevistas. Ele e os

outros cientistas envolvidos no pro-jecto EHT já conheciam a imagem quecorreu mundo. "Era um segredo quese guardou com alguma pressão. Só

teríamos acesso ao artigo, se concor-dássemos que não abríamos a boca",confirmou ao PÚBLICO. Hugo Messias

está há já algum tempo a trabalhar noALMA, o enorme radiotelescópio ins-talado em San Pedro de Atacama, noChile. Segundo explicou, começoupor participar num "teste do sistema

para que o telescópio funcionassecomo uma só antena", depois parti-cipou na "calibração de dados" e nadetecção das imperfeições que foramsuneradas.

Ou seja, Hugo Messias ajudou afazer opuzzle. Isto, porque os dadosrecolhidos pelos vários telescópiosespalhados pela Terra tinham espa-ços em branco. Eram como se fossemsilêncios no meio de uma música(feita com comprimentos de ondasde rádio) que foi necessário preen-cher com um algoritmo. A isso cha-ma-se "interferometria". Apesar de

já conhecer a "música" que foi apre-sentada ontem ao mundo, Hugo Mes-sias garantiu que tinha razões paracomemorar. "Vou comemorar. Estoucontente por constatar que existetanto interesse nacional neste assun-to. E quero mostrar que é possívelparticiparmos nestas descobertas e

que é possível, embora seja muito

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Conferência deimprensa em Tóquio(uma das seis quedecorreram emsimultâneo em todo omundo) onde foiapresentada a imagemdo buraco negro

difícil, fazer astrofísica em Portugal",disse. Sobre os próximos passos doprojecto Hugo adiantou apenas quehá muito para fazer. E será que embreve vamos conhecer também a

imagem do buraco negro que morano centro da nossa galáxia? "Esse é

um dos objectivos do projecto", res-

ponde. Mas há dados? Após algumahesitação, Hugo Messias afirma ape-nas: "O que eu posso dizer é queestão a trabalhar nesses dados."

Quanto tempo isso vai demorar?"Não sei dizer."

O astrofísico Vítor Cardoso assistiuà revelação mundial numa sala do

CERN, na Suíça. "Confirma aquilo queesperávamos: o EHT viu a sombra de

um buraco negro com algum - masnão muito - detalhe", refere o cientis-

ta, que coloca algum travão no entu-siasmo. Confirma-se que temos a tec-

nologia para cumprir este feito, masainda há muito por esclarecer. "Faltamuito: os dados publicados não nosdizem muito sobre a rotação do bura-co negro. Os dados são insuficientes

para testar de uma forma razoável a

previsão de Einstein quanto aos deta-lhes da geometria", adianta. Sim, é

claro que não é o fim da estrada.

Para o cientista João Rosa, queinvestiga os processos físicos queocorrem na vizinhança destes objec-tos fascinantes, a imagem reveladaontem é um "marco importantíssimo

na ciência moderna" e, a nível pes-soal, é a confirmação que está "nocaminho certo". "Esta primeira 'foto-

grafia' da silhueta de um buraco negroe do plasma quente que o rodeia cons-titui um feito extraordinário, quer anível da tecnologia empregue paraobservar uma região tão pequena nocéu (um objecto pouco maior que o

nosso sistema solar a 55 milhões deanos-luz de distância!), quer a nívelda sua interpretação física", reage ofísico da Universidade de Aveiro.

A imagem divulgada ontem levouo mundo até um anel brilhante coma sua sombra feita de buraco negro.Confirmou-se que Einstein tinharazão. Estavam certas as equaçõesde Einstein propostas na teoria darelatividade geral e que servirampara que, em 1916, o matemático KarlSchwarzschild fizesse as contas queapontavam para a existência deste

singular ponto no universo a que se

chamou "buraco negro". E agora?Agora há mais. Há sempre mais. Maisburacos negros, jactos e outros fenó-menos à sua volta para decifrar e

mais mistérios para revelar, mais

surpresas. Agora ainda há um uni-verso de perguntas e respostas à

nossa espera.

[email protected]

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PERGUNTASERESPOSTAS

O que são buracos negros?Buracos negros são objectoscósmicos com massas enormes,mas com tamanhosextremamente compactos emtermos astronómicos. "A

presença destes objectos afectao ambiente à sua volta de formaextrema, distorcendo o

espaço-tempoesobreaquecendo qualquermaterial envolvente", lê-se numcomunicado do ObservatórioEuropeu do Sul (ESO).

Um buraco negro forma-sequando a matéria entra emcolapso sobre si própria. Por

definição, este objecto densonão se vê directamente e —

devido à gravidade — nem a luz

(que lá caiu) consegue escapar.Como escreveu Cari Sagan no

seu livro Cosmos: "Quando a

gravidade for suficientementeelevada, nada, nem sequer a luz

consegue sair. A um sítio comoesse chama-se buraco negro."

Os buracos negros estelaresresultam da morte de uma estrela

gigante — geralmente com dezvezes a massa do Sol. Estesburacos negros formam-se

porq ue a matéria ced e à

gravidade e entra em colapsosobre si mesma, dando origem a

estes objectos densos.No coração das galáxias, há os

buracos negros supermaciçosque podem ter milhões de vezesa massa do nosso Sol, sendoassim bem mais densos do queos estelares. E como surgem?Podem ter surgido a partir do

colapso de enormes nuvens de

gases ou de aglomerados demilhões de estrelas, quando oUniverso era mais jovem. Devidoà sua grande quantidade demassa, a sua atracção gravíticatambém é maior do que a dosestelares.

"Os buracos negrossupermaciços podem serrelativamente tranquilos ou

podem flamejar e conduzir a

incríveis e poderosos jactos departículas subatómicas do fundo

espaço interestelar", refere-se nos/te do projecto Telescópio Event

Horizon, projecto que conseguiuobter ontem a primeira imagemdo buraco negro.Que buraco negro foi alvo daprimeira imagem da história?É um buraco negro supermaciçoe situa-se a 54 milhões deanos-luz do nosso planeta, na

direcção da constelação deVirgem. Está no centro da galáxiaMB7 e tem uma massa de cercade 6,5 mil milhões de vezes a

massa do Sol.Há ainda outro buraco negro

alvo do projecto. Também é

supermaciço e está no centro da

nossa galáxia (a Via Láctea). Tem

quatro milhões de vezes a massado nosso e situa-se a 26 mil

anos-luz (tempo que a luz emitidapela estrela na vizinhança doburaco negro demora a chegaraté nós) da Terra na direcção da

constelação de Sagitário. Esteburaco negro monstruoso éconhecido como "Sagitário A".

O que é o projecto doTelescópio Event Horizon(EHT)?É uma rede de oito

radiotelescópios e tem o

objectivo de captar imagens deburacos negros. Há telescópiosno Havai, México, Estados Unidos

(Arizona), Espanha (SerraNevada), Chile (deserto deAtacama) e Antárctida.

As observações deste projectousaram uma técnica chamada"interferometria de longa linha debase (VLBI)", que sincroniza os

telescópios à volta do mundo eusa a rotação do nosso planetapara formar um "telescópiovirtual do tamanho da Terra",como refere o comunicado. Este

projecto permite assim que seestudem os objectos mais"extremos" do Universo previstos

pela teoria da relatividade geralde Einstein.

Porque é que é tão difícil teruma imagem de um buraconegro?Para captar os monstruososburacos negros é necessário teralta resolução. Com a técnica deVLBI consegue-se uma resoluçãoequivalente a um radiotelescópiode muitos milhares de

quilómetros de diâmetro."Contudo, a VLBI também temmuitas áreas que não sãocobertas por qualquer antena",assinala-se no site do EHT. Comotal, estas partes em faltadificultam a reprodução de umaimagem de alta precisão.

No site do EHT também se frisa

uma segunda dificuldade: nas

observações dos

radiotelescópios, a alta-resoluçãonão é a mesmo de uma imagemcom elevada qualidade. Paracontornar este problema, oscientistas do EHT começarampor desenvolver métodos deanálise através de dados desimulação antes de começar as

observações.Além disso, este é um processo

dispendioso e que leva muito

tempo. As observações damaioria dos dados recolhidos

pelo EHT terminaram em 2017 edesde então têm sido analisadas.

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O que se quer perceber sobre osburacos negros?O s/te do Telescópio EventHorizon destaca que os grandesdesafios da física e daastronomia são compreendercomo um buraco negro devoramatéria, acciona jactos departículas e energia e distorce o

espaço-tempo. Como referiaCari Sagan em Cosmos: "Umburaco negro é uma espécie de

poço sem fundo." Teresa SofiaSerafim

A imagem anunciada ontemé tão histórica como a primeirafotografia de sempre tiradahá quase dois séculos

Carlos A. R. HerdeiroAstrofísico

Reacções"Tirámos a primeira fotografiade um buraco negro! Este é umfeito científico extraordináriolevado a cabo por uma equipade mais de 200 cientistas"Sheperd S. DoelemanDirector do projecto TelescópioEvent Horizon (EHT)

"Quando começam as

observações, temos de estartodos a apontar para ummesmo ponto no céu ecoordenados à fracção desegundo. Apesar das diferençasculturais, esta equipa [do EHT]tinha um objectivo comum econseguiu alcançá-lo!"Hugo MessiasColaborador do Institutode Astrofísica e Ciências do

Espaço que esteve envolvidona obtenção de dados do EHT

"O confronto entre a teoria e asobservações é sempre ummomento dramático para osteóricos. Foi um alívio e ummotivo de orgulho ver que as

observações se ajustavam tãobem às nossas previsões"Luciano RezzollaAstrofísico da UniversidadeJohann Wolfgang Goethee representante do EHT

"Há já tanto tempo queestudamos os buracos negrosque às vezes é fácil

esquecermo-nos que nenhumde nós tinha visto nenhum. Istovai deixar uma marca namemória das pessoas"FranceCórdovaDirectora da FundaçãoNacional para a Ciênciados Estados Unidos

"A ficção inspira muitas vezesa ciência e há muito que osburacos negros alimentam

os nossos sonhos. Graças aocontributo de cientistaseuropeus, a existência deburacos negros deixou deser apenas um conceitoteórico"Carlos MoedasComissário europeupara a Investigação,Ciência e Inovação

"Felicito os cientistas que,em vários pontos doplaneta, efectuaram estadescoberta inspiradora edilataram as fronteiras doconhecimento"Jean-Pierre BourguignonPresidente do ConselhoEuropeu de Investigação

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A silhueta de uma atracção fatal

OpiniãoCarlos A. R. Herdeiro

Um

buraco negro é, pordefinição, um abismo no

espaço e no tempo queaprisiona a luz. Exerce umaatracção fatal: matéria ouluz que se aproximem o

suficiente são engolidas. Dado queum buraco negro não emite nemreflecte luz, não o podemos "ver",certo? Errado. Podemos tentar ver asua "silhueta". Havendo uma fontede luz atrás do buraco negro,relativamente ao observador, oburaco negro vai bloquear parte da

luz, originando uma zona desombra. Algo semelhante, e maisfamiliar, acontece com a Luadurante um eclipse do Sol. A Lua

bloqueia parte da luz do Sol e,

apesar de a Lua não emitir luz nemreflectir a luz do Sol na nossa

direcção, durante o eclipse, vemos asua silhueta.

Mas há uma importantediferença. Enquanto a silhueta da

Lua, durante o eclipse do Sol, é umcontorno fiel da superfície da Lua, asilhueta de um buraco negro, vistocontra uma fonte de luz, não é umcontorno fiel da superfície (umafronteira imaterial) do buraco

negro, que se chama "horizonte deacontecimentos". A razão éintuitiva. A luz da fonte nãonecessita de cair directamente noburaco negro para ser bloqueada.Se passar um pouco, mas não

muito, "ao largo", a trajectória dosraios de luz vai encurvar tão

acentuadamente, devido à atracçãogravitacional do buraco negro, quea luz entra numa espiral e acaba porser capturada. Por isso, a silhueta de

um buraco negro é maior do que ocontorno da sua fronteira. De facto,

é o contorno da "superfíciefotónica", uma outra superfícieimaterial em que fotões podemorbitar o buraco negro, como um

planeta orbita o Sol. É esta silhuetada zona de atracção fatal (para os

raios de luz) que é designada por"sombra" de um buraco negro.

Na teoria de buracos negros existe

uma importante conjectura: que os

buracos negros existentes noUniverso são aproximadamentedescritos por um modelomatemático, descoberto por RoyKerr em 1963. Chama-se a essemodelo "buraco negro de Kerr" e à

conjectura a "hipótese de Kerr". Em1973, John Bardeen calculou comoseria o contorno da sombra de umburaco negro de Kerr. Confrontandoeste resultado teórico com a

observação da sombra de buracos

negros astrofísico, poder-se-ásustentar, ou colocar em xeque, a

hipótese de Kerr. Existem, contudo,sérios problemas práticos paratentar observar a sombra de umburaco negro astrofísico. Os buracos

negros estão muito longe. O mais

próximo conhecido a cerca de seis

mil anos-luz. Logo, tal como as

estrelas distantes, são apenas pontosno céu. Para "resolver" a sua sombraé necessário olhar para os buracos

negros com maior tamanho angularno céu. Os melhores candidatos são

dois buracos negros gigantes, ditos

"supermaciços", que habitam o

centro da nossa galáxia (Sagitário A*)

que tem cerca de 4 milhões demassas do Sol e no centro da galáxiaelítica gigante MB7, que, apesar deestar cerca de mil vezes mais

distante, tem cerca de mil vezesmais massa do que Sagitário A*,conduzindo a um tamanho aparenteno céu semelhante. Mesmo assim,este tamanho é equivalente ao de

uma moeda de um curo na Lua vistada Terra!

Um segundo problema é oambiente astrofísico. A fonte de luzestá em redor (e não atrás) dos

buracos negros, que estão, paraalém disso, frequentementeescondidos em regiões obscurecidas

por gás e poeira. Contudo, há duasdécadas percebeu-se que as regiõesonde se encontram estes buracos

negros supermaciços poderiam ser

transparentes num comprimentode onda específico (1,3 mm). Nesta

banda, acessível aos

radiotelescópios, poder-se-ia usaruma rede destes telescópiosespalhados pela Terra, de modo aaumentar a resolução das

observações. Surgiu desta ideia umacolaboração internacional,chamada "Event Horizon

Telescope", que anunciou ontem a

primeira imagem da sombra de umburaco negro: o buraco negro nocentro de MB7.

A imagem é fantástica - com umclaro contraste entre a zona dasombra e o ambiente luminoso queenvolve o buraco negro. Ainterpretação da imagem requermodelação computacional, queintroduz incertezas, mas para játudo parece estar de acordo com a

hipótese de Kerr.A imagem anunciada ontem é tão

histórica como a primeira fotografiade sempre tirada por Joseph Niépcehá quase dois séculos. A sua

interpretação será amplamentediscutida pela comunidadecientífica internacional. Em

Portugal, sombras de buracos negrotêm sido estudadas nos grupos de

gravitação do Centra, no Instituto

Superior Técnico, e CIDMA, naUniversidade de Aveiro, cujotrabalho, aliás, é referenciado emtrês dos seis artigos libertadosontem pelo Event HorizonTelescope. Três anos depois doincrível anúncio da detecção dasondas gravitacionais,metaforicamente denominadas"sons" do Universo, em que"ouvimos" a dança de dois buracos

negros, estamos agora a "ver"directamente buracos negros. É

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extraordinário como os objectosmais misteriosos do Universo, queaté há pouco apenas orbitavamentre a especulação teórica e a

fantasia descomprometida,entraram no catálogo de objectosque compõem a nossa realidade

objectiva, mesmo que a suanatureza esteja longe de estardescodificada.

Investigador do CentroMultidisciplinar de Astrofísica(Centra)