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/' FUNDACÄO OSWALDO CRUZ Presidente Eloi de Souza Garcia Vice-Presidente de Ambiente, Comunicacao e Intbrmacäo Maria Cecilia de Souza Minayo EDITORAFIOCRUZ Coordenadora Maria Cecilia de Souza Minayo Conselho Editorial Carlos E. A. Coimbra .//: Carolina M. Bari Charles Pessanha Hooman Momen Jaime L. Benchimol Jose da Rocha Carvalheiro " Luiz Fernando Ferreira Miriam Struchiner Paulo Amarante Paulo Gadelha Paulo Marchiori ßuss Vanize Macedo Zigman Brener Coordenador Executive Joäo Carlos Canossa P. Me/ulex ,37837 SAÜDE DOEN^A UM OLHAR ANTROPOLÖGICO Primeira reimpressäo Organizadores Paulo Cesar Alves Maria Cecilia de Souza Minayo EDITORA t ( •- W .t FIOC;RUZ

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Page 1: Presidente Vice-Presidente de Ambiente, Comunicacao e … · Professor (Ph.D) dos Programas de Pös-Gradua§äo em Saüde Coletiva e Sociologia da Universidade Federal da Bahia Cap.8

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FUNDACÄO OSWALDO CRUZPresidente

Eloi de Souza Garcia

Vice-Presidente de Ambiente, Comunicacao e IntbrmacäoMaria Cecilia de Souza Minayo

EDITORAFIOCRUZCoordenadora

Maria Cecilia de Souza Minayo

Conselho EditorialCarlos E. A. Coimbra .//:Carolina M. BariCharles PessanhaHooman MomenJaime L. BenchimolJose da Rocha Carvalheiro "Luiz Fernando FerreiraMiriam StruchinerPaulo AmarantePaulo GadelhaPaulo Marchiori ßussVanize MacedoZigman Brener

Coordenador ExecutiveJoäo Carlos Canossa P. Me/ulex

,37837

SAÜDEDOEN^A

UM OLHARANTROPOLÖGICO

Primeira reimpressäo

Organizadores

Paulo Cesar AlvesMaria Cecilia de Souza Minayo

EDITORA

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Cap. 7Paulo Cesar AlvesProfessor (Ph.D) dos Programas de Pös-Gradua§äo em Saüde Coletiva e Sociologia daUniversidade Federal da Bahia

Cap.8Jaqueline FerreiraMedica com Especializa9äo em Medicina Geral e Comunitäria; Mestranda emAntropologia Social-UFRGS; Doutoranda em Antropologia Social-UFRGS

Cap. 9Maria Angelica Motta-Maues ^Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Parä, Professora AdjuntaIV; Mestranda em Antropologia Social pelo Programa de Pos-Graduacäo emAntropologia Social da Universidade de Brasilia

Cap. 10Ondina Fackel LealAntropöloga; Professora Titular junto ao Programa de P6s-Gradua9äo em AntropologiaSocial, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Cap. 11Rubem C. F. AdornoProfessor Doutor do Departamento de Prätica de Saüde Püblica, FSP/USPAna Lücia de CastroMestranda em Antropologia pela Pontiffcia Universidade Catolica, PUC/SPMara Melo FariaMestranda em Saüde Püblica pela Faculdade de Saüde Püblica, USPFabiola ZioniProfessora do Departamento de Prätica de Saüde Püblica, FSP/USP

Cap. 12Marcos S. Queiroz „Ph.D. pela Universidade de Manchester; Pesquisador do NEPP-UNICAMP

Cap. 13Jane A. RussoProfessora Adjunta do Institute de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio deJaneiro; Doutora em Antropologia Social pelo Programa de Pös-Gradua§äo emAntropologia Social do Museu Nacional - UFRJ

SumärioIntrodu?äo

Capi'tulo lNotas sobre a produ$äo academica de antropologia e saüde na decada de 80Ana Maria Canesqui

(^Capi'tulo 2 ~"Entre cientistas e bruxos - ensaios sobre dilemas e perspectivas da anäliseantropolögica da doen9aSergio Carrara

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Religiao, ritual e curaMiriam Cristina M. Rabellö

Capi'tulo 4Representa9öes da cura no catolicismo populärMaria Cecilia de Souza Minayo

CaplituloSMedicinas populäres e "pajelan9a cabocla" na AmazöniaRaymundo Heraldo Maues

Capi'tulo 6A outra saüde: mental, psicossocial, fisico-moral?

iz Fernando Dias Duarte

Capi'tulo 7O discurso sobre a enfermidade mentalPaulo Cesar Alves

Capi'tulo 8O corpo sfgnicoJaqueline Ferreira

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Page 3: Presidente Vice-Presidente de Ambiente, Comunicacao e … · Professor (Ph.D) dos Programas de Pös-Gradua§äo em Saüde Coletiva e Sociologia da Universidade Federal da Bahia Cap.8

Capitulo 9 113"Lugar de mulher": representa$öes sobre os sexos e präticas medicas naAmazönia (Itapuä/Parä)Maria Angelica Motta-Maues

Capitulo 10 127Sangue, fertilidade e präticas contraceptivasOndina Fackel Leal

Capitulo 11 141"Mulher, muler: saüde, trabalho, cotidiano"Rubem C. F. Adorno; Ana Lücia de Castro; Mara Melo Faria; Fabiola Zioni

Capftulol2 153Farmaceuticos e medicos: um enfoque antropolögico sobre o campo deprestagäo de servicos de saüde em PaulfneaMarcos S. Queiroz f

Capftulo 13 t 167Terapeutas corporais no Rio de Janeiro: rela?öes entre trajetöria social eideärio terapeuticoJane A. RUSS o

INTRODUgÄO

O desenvolvimento da Antropologia da Saüde ou Medica e relativamente recenteno mundo academico. No entanto, essa disciplina tem apresentado nas ültimas de"cadas umalto fndice de crescimento. Tem näo apenas despertado interesse por parte dos diversostipos de profissionais da saüde como tambem sido reconhecida em diferentes institui§öesde ensino e pesquisa. Esse fato pode ser evidenciado pela vastaproducäo de livros e revistaspublicados principalmente nos Estados Unidos, Inglaterra, Canadä e Fran£a.

No Brasil, os estudos direcionados para äs crengas, valores e präticas terapeuticas,embora escassos, ja indicam a existencia de pesquisadores e nücleos emergentes deinvestiga9äo que procuram, ainda que isoladamente, contribuir para o desenvolvimento deimportantes aspectos teöricos e metodolögicos dentro dessa ärea especificada da Antropo-logia. Tais estudos säo resultantes de trabalhos elaborados por profissionais que, com rarasexcecöes, obtiveram nesses Ultimos dez anos doutoramento ou especializacöes em insti-tui9öes estrangeiras. Recentemente, alguns centros de ensino e pesquisas comegaram adesenvolver programas de pös-graduacäo que procuram atender a um crescente nümero dealunos interessados pela Antropologia da Saüde. Como e de se esperar, o estudante dessadisciplina enfrenta algumas dificuldades, entre elas a disponibilidade de uma literaturaespecializada que, sendo basicamente circunscrita ä h'ngua inglesa ou francesa, poucorevela sobre a realidade brasileira.

Assim, tendo em vista essa situagäo e acreditando na contribuicäo que os estudosantropolögicos tem a oferecer ä Saüde Püblica e a Medicina, e que apresentamos essacoletänea de textos. Em nivel nacional, e a primeira tentativa, depois do nümero especialdedicado a essa temätica pelos Cadernos de Saüde Püblica, Vol. 9(3), 1993, de se colocarsob forma de livro um conjunto de observagöes elaboradas por pesquisadores diretamenteinteressados pela questäo socioantropolögica da saüde e da doenga.

Os textos aqui reunidos representam uma pequena parcela, embora bastante signi-ficativa, dos estudos atuais desenvolvidos por profissionais dessa ärea. Cada artigo trata,de alguma forma, de problemas especfficos da Antropologia da Saüde e näo guardamnecessariamente entre si identidades teörico-metodolögicas ou doutrinärias estritas. Pode-se observar que, mais que um conjunto acabado sobre um saber determinado, a presentecoletänea cumpre apenas o papel de apresentar um momento da discussäo atual sobre

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Capitulo9 113"Lugar de mulher": representa?öes sobre os sexos e praticas medicas naArnazönia (Itapuä/Parä)Maria Angelica Motta-Maues

Capi'tulo 10 127Sangue, fertilidade e praticas contraceptivasOndina Fackel Leal

Capi'tulo 11 141"Mulher, muler: saüde, trabalho, cotidiano"Rubem C F Adorno; Ana Lücia de Castro; Mara Melo Faria; Fabiola Zioni

/Capi'tulo 12 153Farmaceuticos e medicos: um enfoque antropolögico sobre o campo deprestacäo de servi£os de saiide em PaulfneaMarcos S. Queiroi

Capi'tulo 13 167Terapeutas corporais no Rio de Janeiro: relacöes entre trajetöria social eideärio terapeutico *•Jane A. Russo

INTRODligÄO

O desenvolvimento da Antropologia da Saüde ou Medica e relativamente recenteno mundo academico. No entanto, essa disciplina tem apresentado nas ültimas decadas umalto fndice de crescimento. Tem näo apenas despertado interesse por parte dos diversostipos de proflssionais da saüde como tambem sido reconhecida em diferentes institui§öesde ensino e pesquisa. Esse fato pode ser evidenciado pela vasta produ£äo de livros e revistaspublicados principalmente nos Estados Unidos, Inglaterra, Canadä e Franga.

No Brasil, os estudos direcionados para äs crengas, valores e praticas terapeuticas,embora escassos, ja incjicam a existencia de pesquisadores e nücleos emergentes deinvestiga§äo que procuram, ainda que isoladamente, contribuir para o desenvolvimento deimportantes aspectos teöricos e metodolögicos dentro dessa ärea especificada da Antropo-logia. Tais estudos säo resultantes de trabalhos elaborados por proflssionais que, com rarasexcesöes, obtiveram nesses Ultimos dez anos doutoramento ou especializagöes em insti-tui£öes estrangeiras. Recentemente, alguns centros de ensino e pesquisas comecaram adesenvolver programas de pös-gradua$äo que procuram atender a um crescente nümero dealunos interessados pela Antropologia da Saüde. Como e de se esperar, o estudante dessadisciplina enfrenta algumas dificuldades, entre elas a disponibilidade de uma literaturaespecializada que, sendo basicamente circunscrita ä h'ngua inglesa ou francesa, poucorevela sobre a realidade brasileira.

Assim, tendo em vista essa situacäo e acreditando na contribui9äo que os estudosantropolögicos tem a oferecer ä Saüde Püblica e ä Medicina, e que apresentamos essacoletänea de textos. Em nivel nacional, e a primeira tentativa, depois do nümero especialdedicado a essa temätica pelos Cadernos de Saüde Püblica, Vol. 9(3), 1993, de se colocarsob forma de livro um conjunto de observa§öes elaboradas por pesquisadores diretamenteinteressados pela questäo socioantropolögica da saüde e da doenca.

Os textos aqui reunidos representam uma pequena parcela, embora bastante signi-ficativa, dos estudos atuais desenvolvidos por proflssionais dessa ärea. Cada artigo trata,de alguma forma, de problemas especificos da Antropologia da Saüde e näo guardamnecessariamente entre si identidades teörico-metodolögicas ou doutrinärias estritas. Pode-se observar que, mais que um conjunto acabado sobre um saber determinado, a presentecoletänea cumpre apenas o papel de apresentar um momento da discussäo atual sobre

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questöes socioantropolögicas da saüde e medicina no Brasil. Assim, ao organizar esse livronäo tivemos por objetivo resumir äs diversas tendencias teöricas e metodolögicas contem-poräneas existentes no quadro atual da Antropologia da Saüde no Brasil. O leitor, portanto,näo deixarä de notar lacunas temäticas.

'O conjunto de textos poderia, numa primeira leitura, ser classificado em quatrocategorias. Uma primeira seria de abordagens que articulam o tema da saüde, doenca ecura com a religiosidade populär. Ha tres estudos que abrangem essas dimensöes eapontam para o caräter holfstico da compreensäo da vida e da morte; para o papelorganizador da religiäo em rela§äo aos estados confusos e desordenados dos processos deenfermidade; e ao contexto social amplo e totalizante a que se referem tanto a saüde, adoen9a, como a religiäo. Nesses trabalhos, o papel dos agentes de cura e dos rituais säoressaltados, trazendo contribuigöes e possibilidades de diälogo promissores para a präticamedica oficial.

O segundo grupo de temas que compöe esta coletänea säo äs analises sobre ouniversoda "saüde mental", "nervoso", eproblemaspsicossociais. Trata-se de um recorteprivilegiado para se compreender a cosmologia na quäl se situam tanto "pacientes","medicos", como a pröpria linguagem que faz a media?äo desses sintomas de sofrimentotrazidos por sujeitos que se movem dos servi9os püblicos de saüde äs tendas espfritas, aosterreiros de macumba, aos chäs dos curandeiros, numa combina9äo particular de suasexpectativas com os servi$os ofertados. Esses textos reafirmam premissas antropolögicasde que os processos de saüde-doenga tais co'mo narrados pelos sujeitos säo reais porquevivenciados por eles como frutos de intera9öes e comunica9öes a partir das condi9Öessociais de produ9äo da vida e do conhecimento.

Um terceiro grupo de textos se refere äs relacöes dialeticas entre sujeito-objeto (que esujeito) na configuracäo do campo das terapeuticas e da pröpria producäo da enfermidade.Tres desses estudos trabalham com recorte de generös e sua especificidade nas mudan9asoperadas no campo da subjetividade e das interven9öes medicas a partir da hegemoniza9äo dastecnologias modernas no terreno dos diagnösticos e dos tratamentos das doen9as. Estes estudosapontam para problemas de genero, de transforma9äo do processo produtivo e*da aten9äo äsaüde. A categoria trabalho, nos tres textos, se apresenta ora como produtora de cura, ora comoconstrutora de subjetividade, ora como produtora de enfermidade.

Um quarto grupo coloca uma amostra das questöes hoje presentes no campoprofissional de producäo de agentes e de präticas terapeuticas. Sobretudo o artigo"Medicos e Farmaceuticos" e um inicio de reflexäo muito seria sobre os dilemas dasmudan9as propostas pela "reforma sanitäria" e a distäncia estrutural entre a ideologiamedica a a visäo de necessidades da popula9äo.

O conjunto de trabalhos e precedido por uma revisäo da literatura que aproxima aantropologia do campo da saüde. Nesse texto a autora, Ana Maria Canesqui, retorna ätrajetöria da antropologia no Brasil e seu significado no campo intelectual, percorre osesfor9os internacionais e nacionais de aproxima9äo com a ärea saüde e analisa a contribui-9äo metodolögica para os estudos interdisciplinares biomedicos e etnomedicos. Terminasaudando a promissora aproxima9äo dos dois campos, que floresceu sobretudo na ültimadecada. O texto de Sergio Carrara executa uma leitura crftica do estado da arte enquantoacontecimento no interior do pröprio I Encontro de Antropologia Medica.

Todos os textos convergem para questionar o modelo que se fundamenta apenas natecnica, desconhecendo ou menosprezando o conteüdo de totalidade e abrangencia quecontorna os problemas de saüde.

Os artigos foram elaborados por pesquisadores que participaram do I EncontroNacional de Antropologia Medica, realizado em Salvador entre os dias tres e seis denovembro de 1993. A proposta desse evento partiu justamente da premissa de que ja eratempo de reunir pesquisadores, professores e alunos que pudessem discutir äs diversastendencias da Antropologia da Saüde no Brasil, maximizando o intercämbio entre mültiplasperspectivas e tradi9öes intelectuais dentro desse campo do saber.

OI Encontro Nacional em Antropologia Medica foi inicialmente idealizado durantea realiza9äo da II Conferencia Brasileira de Epidemiologia, em Belo Horizonte (1992),promovida pela Abrasco. O nümero de pessoas atrafdas pelo curso "Metodos Qualitativesem Pesquisas Epidemiolögicas", ministrado pelos Professores Carlos Coimbra Jr. (Ensp-Fiocruz) e Paulo Ccsar Alves (UFBA), evidenciou a necessidade da cria9äo de um espa9oque viabilizasse a comunica9äo e troca de ideias entre os interessados pela Antropologiada Saüde. A proposta se concretizou em reuniäo realizada na Escola Nacional de SaüdePüblica no segundo semestre de 1992, com a participa9äo de Maria Cecflia de SouzaMinayo, Carlos Coimbra Jr., Marcos de Souza Queiroz e Paulo Cesar Alves. Na epoca,pensävamos em um evento, nos moldes de um workshop, com o objetivo de debater apenasum pequeno conjunto de problemas. Foi criada uma comissäo que seria responsävel pelaescolha de oito topicos para discussäo. Sob a coordena9äo do Prof. Paulo Cesar Alves, acomissäo reunia os Professores Maria Cecflia de Souza Minayo, Carlos Coimbra Jr.,Marcos de Souza Queiroz, Ana Maria Canesqui, Mädel Luz, Miriam Cristina Rabelo eNaomar Almeida Filho. Tendo em vista o caräter do encontro, praticamente näo houvegrande divulga9äo. Em fins de junho de 1993, contudo, aproximadamente cinqüentapropostas de comunica9öes ja tinham sido enviadas. Em setembro, esse nümero chegou acerca de noventa. Tal fato fez com que äs vesperas do evento tivessemos que ampliar osnossos objetivos iniciais e, apesar dos escassos recursos financeiros de que dispünhamos,procuramos atender a uma grande parte das solicita9öes remetidas ao Programa de Pös-Gradua9äo em Saüde Coletiva da UFBA, principal institui9äo responsävel pelo encontro.Dessa forma poderfamos ter a oportunidade de conhecer o panorama geral do que estavasendo feito na ärea da Antropologia Medica brasileira. O evento se constituiria em umförum de discussäo no quäl os participantes que apresentassem trabalhos, reclusos em localbastante informal, poderiam obter maior intera9äo social entre si. Durante o encontro,foram apresentadas 82 comunica9Öes e proferidas cinco palestras, estas por convidados deinstitui9öes estrangeiras.

A comissäo cientifica do encontro näo estabeleceu a priori um criterio rigido paraH -faennir o que seria o campo epistemologico da Antropologia da Saüde. Para um primeiroencontro seria um tanto problemätico esse procedimento. Levou-se fundamentalmente emconsidera9äo o caräter processual da Antropologia da Saüde na constru9äo do seu objetode mvestiga9äo. Cabe observar que essa disciplina, mesmo guardando especificidadesenquanto estudo eminentemente disciplinar, situa-se na Interface entre multiples saberescomo a psicologia, a psicanälise, a filosofia, a histöria e a sociologia e intermedia acompreensäo e o significado de outros como a educa9äo, a medicina, o direito e a

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administrasäo. Alem do mais, apesar de desconhecermos no Brasil dados concretos sobreo conjunto de pesquisadores atuantes nessa ärea, sabemos que grande parte deles estäoalocados em hospitais, institutos de medicina social, escolas de saüde püblica e departa-mentos de medicina preventiva. Esses fatores, dentre outros, podem ser responsäveis porlevar a Antropologia da Saüde a Horizontes ampliados, suscitando novas problemäticas eorientacöes metodolögicas que ultrapassam os limites epistemolögicos tradicionais. As-sim, durante o I Encontro Nacional em Antropologia Medica, algumas das comunicasöesapresentadas näo poderiam ser classificadas como pertencentes a um campo estrito daAntropologia. Nesse caso, eram trabalhos que tratavam de assuntos um tanto alheios aosestudos antropolögicos tradicionais mas que se utilizavam em grande medida de algunsrecursos metodolögicos dessa disciplina.

A ideia de publicar os resumos das comunicasöes foi a primeira que nos ocorreu.A concep$äo dos anais foi logo em seguida abandonada, tendo em vista que essa forma depublicagäo atende muito pouco aos interesses editoriais e dos leitores. Optou-se, portanto,pela escolha de alguns textos de caräter mais estritamente antropolögico que seriamreproduzidos integralmente tal como foram apresentados durante o encontro.

Esperamos que este livro possa contribuir näo apenas como material para äsatividades de investigagäo e docencia nas instituicöes de ensino e pesquisa como tambempara abrir caminho a um efetivo fortalecimento do debate entre todos aqueles interessadosna melhoria do quadro de saüde da populacäo brasileira.

Registramos o nosso agradecimento, ao apoio financeiro prestado pelo CNPq,Capes, Cenepi, Secretaria Municipal de Saüde de Salvador, Universidade Federal da Bahia,Secretaria de Desenvolvimento Educacional da Escola Nacional de Saüde Püblica e doSindicato dos Medicos (se?äo Bahia) na realiza?äo do I Encontro Nacional em Antropo-logia Medica. Nosso especial agradecimento e tambem dirigido aos membros da comisfeoorganizadora - Dra. Miriam Cristina Rabelo, Prof. Maria Gabriela Hita, Ana BeatrizD'Anna, Dr. Carlos Alberto Soares e os estudantes Lfvia Alessandra, Antonio Marcos,Stella e Eduarda.

Paulo Cesar Alves (UFBA)Maria Cecilia de Souza Minayo (Ensp-Fiocruz)

NOTAS SOBRE A PRODligÄO ACADEMICA DE^ANTROPOLOGIA E SAÜDE NA DECADA DE 80*

ANA MARIA CANESQUI

Ha um certo consenso quanto ao maior prestfgio alcan§ado pela Antropologia,dentre äs ciencias sociais, nas ültimas duas decadas. Mas os antropölogos, apesar delisonjeados^ estäo sendo cuidadosos na assimila9äo desse prestfgio, motivando-se a mer-gulhar e refletir mais cuidadosamente sobre a produ9äo cientffica de sua disciplina. Estareflexäo assume värias dire?öes e abordagens que se mostram de enorme valia ä anälise dodesenvolvimento da antropologia em nosso pafs, ou da histöria do pensamento antropolö-gico, sobre os quais alguns pesquisadores estäo debru?ados, sem que ainda se disponha deuma verdadeira histöria das ideias desta ärea de conhecimento.

As värias revisöes bibliogräficas, contemplando a produ9äo antropolögica recente,em temas especificos (Durham, 1986; Magnani, 1981; Melatti, 1984; Oliven, 1989;Fernandes, 1990), apontam a sua expressiva quantidade, qualidade e diversidade, atestandoo pröprio sucesso da Antropologia, dentre äs ciencias sociais, como tambem alguns autoresassinalaram os problemas mais preocupantes, os referidos a. heterogeneidade das orienta-?öes teörico-metodolögicas dos estudos, especialmente a ausencia da integragäo dasabordagens e o manejo descompromissado de värios conceitos de suas fontes teöricasfundamentais, comprometedor da qualidade dos resultados (Durham, 1986).

Ajeagäo a_este desconforto teörico näo e o abandono do que a antropologia sempreprezou na formacäo e no offcio antropolögico - o trabalho de campo -, cercado, evidente-mente, dos recursos metodolögicos a ele inerentes e de todas äs questöes que o desvenda-mento e o encontro com o "outro" implicam. Mais do que isto, a reacäo tambem foiaprofundar os problemas de ordern conceitual e repensar o trabalho antropolögico. Enfim,atraves de diferentes caminhos os antropölogos se perguntam - o que e a antropologiabrasileira ou o que fazem ou fizeram os antropölogos?

Texto apresentado na mesa-redonda "Questöes Metodolögicas da Antropologia Mödica". I EncontroNacional de Antropologia Mfidica, Salvador, Bahia, novembro, 1993. Revisto para apresentacäo namesa-redonda Antropologia e Saüde: corpo, pessoa e campo teörico. XIX Reuniäo da ABA. Niteröi, 27 aBOdemarfo, 1994.

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14 Saüde e Doenga Antropologia e Saüde na Decada de 80 15

No bojo destas preocupa9Öes e com uma perspectiva bem mais restrita e circunscrita,revisito nestas notas a produgäo academica produzida no tema antropologia e saüde nadecada de 80, procurando contextualizar algumas condigöes de produgäo de pesquisa e ostemas investigados, bem como sinalizar sua permanencia, continuidades ou rupturas emrelagäo a outros, abordados no passado. Trata-se de uma pesquisa bibliogräfica, emandamento, que reuniu uma quantidade razoävel de teses, artigos publicados em revistas,comunicagöes em eventos cientfficos, sob a forma de resumos ou de papers, livros ecapftulos de livros, resultando num conjunto de cerca de 120 titulos, dos quais para estasnotas fiz uma leitura selecionada.

Ressalte-se que esta produ9äo academica, que excluiu a bibliografia produzida naärea indigena, revela o crescente interesse antropolögico na anälise do fenömeno saüde-doenca, fugindo evidentemente ä visäo naturalizada, dominante no modelo medico biolo-gicista e mecanicista. Configura-se, ainda, a presenga antropolögica na anälise das distintaspräticas de cura, seus aparatos institucionais e especialistas diversos, compondo ummosaico de pensamentos e präticas de cura (oficializados ou näo), sempre crescentes emnossa sociedade urbano-industrial, repleta de contradigöes inerentes ä realizagäo desiguale combinada do capitalismo brasileiro. Näo abordarei tambem os estudos nos seus marcosteörico-metodolögicos.

Evidentemente, a decada de 80 representa apenas um lapso de tempo recortadoarbitrariamente para o estudo, inscrevendo-se no perfodo "burocrätico" (Oliveira, 1987),iniciado na metade dos anos 60 aos dias atuäis, caracterizado pela maior consolidagäo docampo antropolögico. Nesse perfodo inicia-se a reformulacäo, em novos moldes, doscursos de pös-graduagäo, emergindo novas divisöes do trabalho disciplinar pela substitui-gäo das liderangas carismäticas anteriores, com a racionalizagäo na formagäo avangada emantropologia, assumindo a pesquisa cf ndigäo fundamental na capacitagäo dos antropölo-gos.

Foi tambem em fungäo da Reforma Universitäria de 1968 que se impuseram novasestruturas departamentais, diluidoras das antigas cätedras, com impactos nas estruturasinstitucionais concentradoras do poder, refletidas dentre äs condigöes favoräveis ä expan-säo da pesquisa. Do mesmo modo, aquela reforma tambem propiciou a expansäo do ensinosuperior no pafs com suas conhecidas distorcöes, criando um novo mercado de trabalhouniversitärio a ser formado nas diferentes äreas do conhecimento, dentre elas a antropolo-gia, incorporando ainda o ensino superior em expansäo, äs demandas reprimidas dosestratos medios de nossa populacäo, sedentas por um maior nümero de vagas e por ascensäosocial, atraves da formagäo universitäria. Contudo, näo se deve esquecer do desmantela-mento de alguns centros formadores de cientistas sociais, provocado por perseguigöespolftico-ideolögicas do regime militar, äs quais a Antropologia permaneceu mais imune,por seu caräter mais conservador em relagäo äs demais ciencias sociais (Durham, 1980).Com o advento da distensäo do regime militar e da pröpria democracia, qucstöes daquelanatureza deixaram de afetar äs instituigöes academicas.

No decorrer do perfodo tambem oscilaram äs condigöes de financiamento ä pesqui-sa, conforme äs flutuagöes do ciclo econömico e o direcionamento da polftica cientffica etecnolögica em relagäo äs ciencias sociais e especificamente ä Antropologia e a outras äreasafins que incorporaram o conhecimento antropolögico. Se o financiamento, oriundo

das fontes governamentais nacionais, foi mais generoso a partir da metade da decada de70, possibilitando a execugäo em equipe de projetos mais ambiciosos, na decada de 80 osfluxos daqueles recursos oscilaram bastante, tendendo ä escassez e dificultando o desen-volvimento da pesquisa, a näo ser em projetos menos custosos, geralmente realizadosindividualmente. Selecionando determinados temas, um conjunto de organizagöes interna-cionais tambem mostrou-se interessado em financiar pesquisas multidisciplinares emtemas envolvendo abordagens das ciencias sociais como a saüde reprodutiva, ambiental emental, a avaliagäo de servigos de saüde, dentre outros.

Inexiste ainda institucionalizada no Brasil uma subärea especializada do conhecimentoantropolögico dedicada ao tema, nos moldes existentes nos Estados Unidos, Inglaterra ede certa forma na Franga. Nos Estados Unidos, nas decadas de 40 e 50, a Antropologiapenetrou os programas internacionais de saüde püblica, dentre eles os dirigidos ä AmericaLatina e Brasil, sob forte influencia da abordagem do funcionalismo-culturalista e dosestudos de George Forster e Redfield.

Estudos de comunidade foram realizados por antropölogos norte-americanos liga-dos ao setor de Antropologia Social do Instituto Smithsoniano, a partir das influencias deForster e Redfield. Embora esses autores tenham abordado, numa perspectiva integrativa,todos os aspectos da vida social de pequenos centros urbanos, tambem descreveram äsdoengas tradicionais, äs terapias nativas, os tabus e crengas relacionadas ä alimentagäo,gravidez, parto e puerperio. Apenas nos anos 60 apareceu a Antropologia Medica, assimdesignada como ramo aplicado da Antropologia Geral, fortemente associada ä Epidemio-logia e a Qfnica, dedicando-se em linhas gerais ao estudo da incidencia e distribuigäo dasdoengas, aos cuidados em instituigöes medicas, aos estudos dos problemas de saüde emgeral e ji etnomedicina (Buchillet, 1991).

Entre äs contribuigöes mais recentes de autores americanos estä a discussäo teörico-metodolögica de disease, illnessQ sickness, com distingöes entre a manifestagäo patolö-gica ou biolögica da doenga, a percepgäo individual ou subjetiva da doenga e a ordernC4l0!al (Eisemberg, 1977; Kleinmam, 1978; Frankenberg, 1980; Young, 1982), tendoinspirado inumeros estudos.

A Antropologia Medica americana conta com densa rede de especialistas, comvolume significativo de publicagöes e de instituigöes academicas dedicadas aquela forma-9äo_ especializada, envolvendo a colaboragäo dos departamentos de antropologia e äse§£olalJBgdicas. Alem disto, desde.1975 os especialistas estäo organizados em torno daSociety for Medical Anthropology.

Tres_ razöes forarn apontadas por Young (1982) sobre o desenvolvimento daAntropologia Medica nos Estados Unidos: uma delas estä relacionada ä emergencia de umdiscurso antropolögico sobre a enfermidade; a outra, ligada äs novas oportunidades dejrabalho, proporcionadas pelos esforgos dos clfnicos, insatisfeitos com o reducionismobioldgico, tendo propiciado a inclusäo de antropölogos junto ä clfnica e nos programas dea|engäo primäria e familiär; e por Ultimo o alto estfmulo financeiro proporcionado aos

sociais interessados nos temas medicos. Contudo ha correntes crfticas da ässo-äo da antropologia ä.clfnica, por sua_subordinagäo ao modelo medico, propiciando

a sua expansäo.

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16 Saüde e Doenc.a Antropologia e Saüde na Decada de 80 17

Na Inglaterra, clässicas etnogf äfiäs enfocaram äs präticas de cura, teorias da doenga,especialmente os conceitos de mente e corpo; äs acusagöes de feitigaria, os cultos depossessäo, os rituais de cura, notadamente os estudos de Evans-Pritchard (1937) e Turner(1968) por referencia äs sociedades africanas. Alem disso, foram tambem considerados osproblemas relacionados ä saüde mental, aos häbitos diete"ticos, especialmente nas socieda-des orientais e africanas, nos primördios da Antropologia Social inglesa. Importantes foramäs contribui£Öes dos medicos-antropölogos, dentre eles Rivers e Seligman, na decada de20, enfocandQ äs leorias nativas_sGhre a causalidade magica das doen?as (Portes, 1976).

Em 1968, uma avaliasäo da Antropologia Social inglesa, efetuada pelo SocialAnthropology Committee, pertencente ao Social Science Research Council, presidido naocasiäo por Raymond Firth, deixava nitida a incipiencia daquele campo, ainda aberto äinvestigacäo dos problemas de saüde e dieteticos de alguns paises africanos e orientais emprocesso de mudan?a e urbaniza§äo; das rela?öes sexuais; do planejamento familiär e dosfatores afetando a fecundidade feminina, alem das präticas medicas tradicionais, seusespecialistas e suas relagöes com a clientela e a comunidade.

Desde o inicio da decada_deJZ(X-O tema Antropologia Social e Medicina obtevemaior impulso na Inglaterra, especialmente na pesquisa, diante do desenvqlvimento dofuncionalismo estrutural. Meyer Portes via na maior popularidade da investiga9äo emetnomedieina um importante campo para a atividade antropolögica, por abrir o leque tantodo estruturalismo, pela enfase na anälise das ideias, como do funcionalismo, concernente

; aos fatos etnogräficos do comportamento social. A pessoa total, como unidade de referen-\» e a saüde e doen9a, näo como entidades clinicas abstratas, mas como experiencias\s pelos individuos, famflias e comunidades, eram principios bäsicos a serem obser-

vados pelos antropölogos sociais (Portes, 1976).Esta e apenas uma das abordagens da Antropologia Social inglesa, e muitos estudos,

na decada de 70, centraram-se na anälise dos sistemas medicos näo-ocidentais, enfocandocosmologias, teorias das doengas, processos de cura, seus especialistas, e sendo fortementeinfluenciados pelos estudos de Evans-Pritehard e Victor Turner e pelas abordagenshistöricas sobre a formula9äo de teorias e pensamentos sobre äs doen^as. Estes autores näodesenvolveram uma Antropologia Medica, mas a Antropologia da Religiäo e os modos depensar a feiÜ9aria, os rituais, os simbolos e äs estruturas. Alguns autores näo falam de saüdee doen9a, mas dos infortünios e suas preven9öes, uma vez que saüde, doenga, cura incluemtanto o corpo doente como a esfera mental, os problemas sociais, calamidades, conflitos edisputas pessoais e poh'ticas (Evans-Pritchard, 1937; Wartovsky, 1976).

Mais do que uma estreita associa9äo da antropologia com a clinica, a Antropologiainglesa aproximou-se da Medicina Social e Saüde Püblica, com referencia ao planejamentodos servi9os de saüde. Entretanto, nos seus desdobramentos, como ramo da AntropologiaSocial, alguns centros formadores universitärios capacitavam me'dicos e antropölogos emcursos de pos-graduagäo, incluindo disciplinas especificas de Antropologia Medica ouAntropologia Social e Medicina.

Na Franc.a, a Antropologia da Saüde ou da Doen9a, conforme distintos enfoques, e, considerada uma disciplina bastante recente. Tanto uma como outra denomina9äo privile-

giam o significado ou äs representa9öes da doenga, sua causalidade, äs medicinas tradicio-nais e a medicina moderna. A escola francesa critica o pragmatismo americano da

Antropologia Medica, propondo, em contrapartida, uma antropologia da doen9a afinada äteoria antropolögica e capaz de renovä-la (Auge, 1986). De toda forma, aquele campo deinvestigagäo permanece dividido em diversas abordagens e interpreta9öes, que chegam atea ser competitivas entre si (Thomas, 1986). Diante do pluralismo etiolögico e terapeutico,Laplatine propös uma Antropologia da morbidez e da saüde, capaz de analisar äs formaselementares da doen?a e da cura, numa perspectiva metacultural e comparativa. O esfor9odeste autor foi o de encontrar os modelos etiolögico-terapeuticos na sociedade francesacontemporänea, sem excluir a compara9äo com outras sociedades (Laplatine, 1986).

A crescente bibliografia francesa envolvendo o tema Antropologia da Saüde ou daDoen?a, por referencia äquela sociedade e outras "alem mär", dentre elas o Brasil, evidenciaa importancia da pesquisa antropolögica no tema nas ültimas duas decadas, sem que ,disciplinas antropolögicas especificas tenham penetrado o ensino das profissöes de saüde.

Embora esteja em expansäo no Brasil o interesse na pesquisa de temas relacionados r i-a antropologia e saüde, inexiste ainda o consenso dos antropölogos de constituir esta ""subärea do conhecimento. Tanto e que nas ültimas duas decadas a temätica abordada pelos o-''pesquisadores tem assumido diversas denomina9Öes: antropologia da saüde, antropologianutricional, antropologia da ou e saüde e medicina, antropologia medica, o desvio, äsafligöes, perturba9Öes fisico-morais, pessoa, corpo, sob äs quais configuram-se distintosenfoques das relagöes da antropologia com äs ciencias medicas ou interpreta9öes sobre adoenga, ou mesmo influencias originärias dos centros formadores internacionais na ärea,onde alguns especialistas obtiveram capacitagäo pös-graduada ou com os quais pesquisa-dores estabelecem intercämbio, apoiados pelo financiamento de agencias governamentaisnacionais (CAPES, CNPq). De toda forma, o esfor9O antropolögico tem sido sempreassentado no trabalho de investiga9äo, com avan9os e vitalidade no campo de conhe-ci-mento.

Sob estas diferentes designa9Öes reüne-se uma rede ainda restrita de antropölogos.ou de profissionais de saüde (esses Ultimos com formagäo pös-graduada em antropologia),dedicando-se ä pesquisa e ao ensino junto äs institui9Öes academicas, formadoras decientistas sociais ou de profissionais de saüde (medicos, enfermeiras, sanitaristas, odontö-logos e nutricionistas) . Esta rede, ainda pouco orgänica do ponto de vista corporativo, ä

', quäl se associa um conjunto de alunos de pös-graduagäo em antropologia social, concen-,<tra-se em alguns centros formadores (UNB, UFRJ-Museu Nacional, UNICAMP, USP,ÄJFRGS, UFSC, UFBa, UFPa, PUC-SP, UERJ, dentre outros), responsabilizando-se pelapnaior parte da produ9äo antropolögica no tema, juntamente com os especialistas situadosfern algumas instituigöes academicas, pertencentes äs äreas de Saüde Püblica, Medicina-»Social e denominagöes congeneres.

Alem disso, essa produ9äo academica vem a püblico pelos tradicionais vefculos devulgacgo cientifica e nos eventos organizados pelas diferentes associagöes, especificas

PU näo äs äreas de ciencias sociais (Associagäo Brasileira de Antropologia - ABA;dade Brasileira para o Progresso da Ciencia - SBPC; Associagäo Nacional de

ioS 'evantamento recente, ainda incompleto, dos cientistas sociais dedicados ä ärea da saüde (Abrasco,93), identificou apenas seis profissionais, entre 110, mencionando a antropologia e saüde como seu

^"npo de interesse. Do catälogo de antropölogos (ABA, 1988), 13 profissionais identificaram suasPesquisas no tema.

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Saüde e Doenga

Pös-Graduagäo em Ciencias Sociais - ANPOCS; Associa9äo Brasileira de Saüde Coletiva- Abrasco) e mais eventualmente nas pertencentes a algumas associa§öes do campopsiquiätrico.

Vale destacar a organizagäo, na decada de 80, no Brasil, de värios grupos de trabalhoe de mesas-redondas sobre o tema Antropologia e Saüde, por ocasiäo das reuniöes bienaisda ABA, propiciando o intercämbio e a discussäo dos pesquisadores sobre os assuntosinvestigados. Alem disto, ocorreu, no infcio da decada, a criacäo do Centro de Estudos ePesquisas em Antropologia Medica (1982), sob a iniciativa de antropölogos ligados aUniversidade de Brasilia e de medicos epidemiölogos interessados, na ocasiäo, em saüdemental, nutri9äo e saüde indfgena. Apesar da efemera existencia, o Centro chegou adivulgar o Boletim Cepam, contendo informagöes bibliogräficas, notfcias sobre eventos ereuniöes cientfficas do novo campo que se queria estabelecer. Seria mesmo oportunoperguntar se esta ideia näo subjaz ä tendencia de se criar uma antropologia medica no Brasil.

A crescente produgäo academica no tema, como de resto na antropologia em geral,revela o pröprio amadurecimento e consolida?äo do campo antropolögico no Brasil nopiano do conhecimento, moldando-se Por condi9Öes de natureza polftico-institucionais,afetando mais de perto o trabalho antropolögico, suas distintas formas de organizagäo, oconjunto de seus recursos - inserido esse conjunto de elementos na dinämica polftica eeconömica da sociedade num tempo histörico -, que näo so coloca problemas ä reflexäo,como limita ou amplia äs possibilidades de realizagäo da pesquisa antropolögica.

ALGUNS TEMAS PESQUISADOS

A Antropologia feita no Brasil nas ültimas duas decadas, e particularmente nadecada de 80, tem produzido conhecimentos sobre os temas alimentagäo, saüde, doenca,que afligem principalmente äs classes trabalhadoras ou alguns grupos minoritärios. Temtambem estudado os distintos saberes e präticas de cura, suas instituicöes e especialistasem diferentes regiöes do pafs, adentrando os saberes e präticas da medicina oficial e ästentativas de reformulagäo de modelos assistenciais tradicionais e asilares da loucura (aexemplo da reforma dos manicömios), ou äs questöes afeitas ä extensäo dos cuidadosmedicos e seu confronto ou complementaridade com outras präticas de cura, especialmenteaquelas inscritas no campo religioso (umbanda, pentecostalismo, espiritismo kardecista).Na literatura mais recente tambem estäo presentes temas relacionados äs präticas corporais,ä emergencia de novas e antigas epidemias (aids e esquistossomose), ä sexualidade ereprodugäo. ••

Antes de adentrar os temas pesquisados na decada de 80 e preciso mencionar quedesde a metade da decada de 70 revitalizou-se o interesse antropolögico em questöesrelacionadas ä saüde, destacando-se principalmente os estudos dos häbitos e ideologiasalimentares e anälises eventuais sobre äs concepcöes do corpo e äs curas religiosas. O temahäbitos e ideologias alimentares reuniu värios pesquisadores sob um projeto coordenadopor Klass Woortmann, da Universidade de Brasilia, e Otävio Guilherme Velho, do MuseuNacional (UFRJ-Rio de Janeiro), mediante o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos

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alem de outros pesquisadores isolados que se dedicaram ao tema (Peirano, 1975;squi 1976), bem como os estudos de caso valendo-se da anälise antropolögica

C"Tizada no ämbito do Estudo Nacional de Despesas Familiäres (FIBGE, 1974/1975),jambe'm apoiado pela FINEP.

Ale"m do suporte financeiro e do interesse das polfticas governamentais no tematricäo e saüde, no campo da antropologia, tanto crescia a sensibilidade pela dramatici-

A de social, como novas abordagens (dentre elas o estruturalismo frances e ingles) eram• miiadas pela academia, refletindo-se nos estudos realizados. Assim foram estudadas äs

taxonomias populares e dos profissionais de saüde a respeito do corpo humano, conluin-do-se que o universo classificatörio que informa äs concep§öes e os tratamentos relativosä saüde e doenfa encerram explicagöes sobre o universo cultural e o modo de insergäo dossujeitos na sociedade (Ibanez-Noviön, 1978; Ibanez-Noviön e Trindade Serra, 1978).

O projeto häbitos e ideologias alimentares comPortou uma diversidade de enfoquese de situa?öes investigadas. Entre äs situacöes camPonesas, os häbitos articularam-se aosdomfnios da produ9äo e comercializa9äo dos alimentos, desvendando-se o ethos e concep-9Öes de cada grupo (Velho, 1977; Lins e Silva, 1977; Pacheco, 1977; Marcier, 1977; Bastos,1977), äs novas situa9öes de mercado, tanto quanto a prätica, a experiencia e o significadoatribufdos pelos grupos sociais diante dos novos ou antigos häbitos, respondendo aqueleconjunto de elementos por suas modifica9Öes ou permanencias.

Outros estudos no tema enfocaram äs classifica9Öes alimentares, por analogia aototemismo de Levi-Strauss (Peirano, 1976). Estudando a categoria "reima" presente nosistema classificatörio dos alimentos, entre pescadores do Cearä, a autora atribuiu äproibi9äo dos alimentos reimosos (certos peixes) a aproxima9äo simbölica dos dominiosda natureza e cultura: de um lado, äs especies de peixes, de outro, os seres humanos. Estasproibi9öes tambem envolvem pessoas em determinadas situa9öes e estados de saüde edoen9a. A lögica cognitiva e simbölica de categorias alimentares (quente/frio, forte/fraco,reimoso/descarregado), caracterizando um modelo etnocientifico tradicional, presidindoäs prescri9öes, proibigöes e os häbitos foi tambem considerada (Woortmann, 1978).

Maues e Maues (1978; 1980) analisaram äs proibi9Öes alimentares entre pescadoresde Itapuä-Parä, näo chegando a rejeitar äs formula9öes de Levi-Strauss, empregadas porPeirano, para entender o modelo classificatörio da "reima", considerando-o um sistemaparatote'mico, a despeito de se darem conta da insuficiencia desta explicagäo. Agregarama contribui9äo de Douglas (1976) sobre a oposi9äo simbölica "puro e impuro". Desta forma,alimentos impuros (reimosos) devem ser afastados de pessoas impuras ou em situa9öesIiminares, sob pena de agravarem a sua contamina9äo social, com serias conseqüenciasPara a saüde.

Descartando o caräter de um sistema ünico classificatörio presidindo os häbitosalimentares, Velho (1977) admite värios princfpios a serem verificadoS caso a caso. Säoeles os relativos ä rela9äo dos alimentos e o binömio natureza/sociedade nas suas formasconcretizadas, dos alimentos e do organismo humano, comportando concep9öes particu-'ares de saüde e doenga e os princfpios ligados ä prätica social de cada grupo. A pesquisade Brandäo, realizada em 1976, entre lavradores de Mossämedes, Goiäs, enfocou äscondisöes de produgäo dos alimentos e a prätica de consumo alimentar. Esta prätica°bedece a padröes sociais, apresentada sob a forma de häbitos. A ideologia alimentar, por

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sua vez, foi entendida pelo autor como parte do conhecimento social da popula$äo,comportando representagöes das cren$as e dos padröes sociais de uso e das restrigöesalimentares (Brandäo, 1981).

Levando-se em conta os segmentos das classes trabalhadoras urbanas, sejam ässituadas nos contextos metropolitanos, como äs de cidades interioranas, outros estudos(Canesqui, 1976, Marim, 1977; Souto de Oliveira, 1977; Guimaräes, 1979) enfocaram aforma de manutenfäo cotidiana ou äs estrategias de sobrevivencia dessas camadas, suasrepresenta9Öes e präticas relativas ao consumo alimentar, tendo em vista a organizagäo doconsumo familiär, os modos de pensä-lo, tanto quanto a anälise de um conjunto decategorias alimentares e de regras de uso dos alimentos, envolvendo relasöes com otrabalho, organismo humano, estados fisiolögicos, situagöes sociais e distribui?äo dotempo na sociedade urbano-industrial. Ao incorporarem äs dimensöes ideolögica e cultu-ral, articulando-as a outros dominios da estrutura social, em particular ä condi^äo detrabalhadores assalariados, os häbitos e ideologias alimentares daqueles grupos sociais näoapareceram nestes estudos como cre^as irracionais que podem gerar subnutrigäo e doensa.Mas säo como dimensöes mediadoras, presidindo äs präticas e a organizagäo do consumodomestico, ou mesmo äs estrategias de sobrevivencia.

Na decada de 80, o tema alimenta9äo mereceu menor aten?äo dos pesquisadores, anäo ser atraves de reflexöes sobre o seu valor cultural, pela enfase nos aspectos simbölicosenvolvidos na "comida", nos modos de preparo, consumo e sele9äo dos alimentos (Cravoe Daniel, 1989).

Os elos estabelecidos entre o pensamento medico e o antropolögico na constituicäode präticas cientificas e judiciais, cujas origens remontam ao fim do seculo XIX, adentrandoo nosso seculo, foram temas de alguns estudos. Partindo da inquieta^äo com äs präticasque afetam o cotidiano do cidadäo (por exemplo, o sistema de identifica^äo, a reclusäo erepressäo de loucos e criminosos), os estudos associaram a histöria ä antropologia,investigando os discursos e präticas, näo so engendrados nas teorias, mas nas suasarticulacöes com determinadas präticas institucionais, juridicas e com os processos sociaisque Ihes däo origem.

Alguns destes estudos remeteram ä investigagäo das concep9Öes antropolögicaspositivistas e biodeterministas, associadas ao pensamento medico na constitui9äo daMedicina Legal, de präticas classificatörias das pessoas, pela hereditariedade e o caräter,formando outras präticas medico-legais e juridicas (Correa, 1980; 1982). Desvendando äsambigüidades de institui9öes, onde coabitam prisäo e asilo, penitenciäria e hospicio,Carrara (1987) valeu-se da abordagem histörica (a nova histöria de Paul Veine, Legof eFoucault) para compreender o significado do surgimento da institui9äo de tipo manicomial,criada no Rio de Janeiro na passagem do seculo. Analisa o significado das categoriascriminalidade, loucura e degenera9äo, atraves das discussöes intelectuais (os discursoseruditos e cientfficos da psiquiatria e da antropologia criminal) e a prätica judicial dostribunais sobre a quäl incidiam aquelas discussöes.

Desta feita, compreende a ambigüidade da estrutura institucional, refletindo tantoo significado controvertido da degenera9äo, como os embates entre positivistas e liberaisem torno daquela estrutura manicomial, entendida como prisäo por uns e como tratamentode regenera9äo por outros. O autor da mostras da intrincada rela9äo das teorias e a

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stitui9äo j^ präticas judiciais e de institui9Öes de nossa sociedade que encerram eerseguem criminosos e loucos.

Dos värios estudos de Duarte, contemplados restritamente nestas anotagöes, pode-tambem extrair contribui9Öes de natureza "histörica" (äs aspas säo do pröprio autor), na

«enealogia das representa9Öes do "nervoso" nas classes trabalhadoras (Duarte, 1986).Filiado äs preocupa9öes de Dumont, o autor submete a anälise das representa9öes do"nervoso" a uma perspectiva mais global, para entender a constru9äo do mundo e de pessoana sociedade moderna. Assim, por referencia ä genealogia do campo de significa9öes do"nervoso" e de sua constitui9äo no sistema fisico-moral, no Brasil, o autor, a partir dosvärios principios ordenadores da configuracäo daquela categoria nos diferentes discursoseruditos e letrados, demonstra a diversidade de modelos, tipologias, visöes de mundo eestrategias neles contidos.

Atravessando tradi9öes muito antigas, foi particularmente nos seculos XVII e XVIIIque se constituiu o sistema letrado do nervoso, entre outros, que se prestam ä representa9äomoderna do homem. No seculo XIX e que o modelo dos saberes medico-psicolögicos secomprometeram com o individuo, com a ideologia individualista e com a constru9äo depessoa na sociedade moderna.

Ao estudar a configura9äo do "nervoso" nas classes trabalhadoras urbanas, cujacultura e hierärquica e holistica, o autor, enfocando äs mültiplas configura9Öes do "nervo-so", demonstra äs especificidades de pensar o mundo e a pessoa, näo coadunada com omodo individualista e substantivista da ideologia dominante em nossa sociedade.

Instigado com äs caracteristicas daquela cultura, tanto quanto com a anälise antro-polögica, circunscrita äs experiencias etnogräficas, o autor ofereceu uma anälise originale densa, nos parämetros estruturalistas, das categorias e modelos sobre äs perturba9Öesfisico-morais. Para ele, äs categorias e modelos sobre os mal-estares, äs perturba9öesfisico-morais ou äs doen9as säo sempre uma via regia de acesso ä representa9äo de pessoae de mundo vigentes em qualquer cultura (Duarte, 1986,1988).

Abordando o tema institui9öes e präticas psiquiätricas, outros estudos mais circuns-critos e com distintos graus de refinamento teörico-metodolögico se inscreveram nasetnografias que tambem aproximaram os antropölogos da arena medica, como objeto depesquisa. Trata-se de estudos empreendidos nos hospitais psiquiätricos (Lougon, 1987),enfocando äs rela9Öes burocräticas versus äs informais, a implementa9äo de novas moda-lidades psiquiätricas ou äs rela9öes sociais (Venäncio, 1990) e a comunicafäo das equipesterapeuticas com os familiäres (Perelberg, 1980).

Sem adentrar o merito deste estudos, vale observar äs tensöes e conflitos entre o sertecnico e o membro das equipes, e a op9äo de pesquisar a pröpria institui9äo ou, noutraSltua?äo, sendo antropölogo que privilegia o hospital psiquiätrico para efetuar o seutrabalho de campo. No primeiro caso, a confusäo advem da permuta da observa9äoParticipante pela participa9äo observante, como nos lembra Durhamtl986), ou na circuns-cncäo do estudo, ao campo formal da institui9äo, por dificuldades do pesquisador deprornover o descentramento das situa9Öes que Ihe säo familiäres. No segundo caso, äsdificuldades advem do estranhamento do antropölogo em rela9äo aos diversos discursossobre a loucura - que se entrecruzam no espa90 institucional -, quando o pesquisador queranalisar os diälogos estabelecidos com o louco no nfvel das designa9Öes, estigma ou

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acusaföes que permeiam äs relagöes sociais, descartando a produgäo e os significados sobrea loucura pelos distintos saberes medico-eruditos e näo-eruditos. Portanto, em ambas ässituaföes o estranhamento do pesquisador requer maiores cuidados para näo comprometeros resultados da pesquisa.

r> £ Deve-se ressaltar que o crescente Interesse dos antropölogos tanto quanto dosff °diferentes profissionais de saüde mental no estudo das institui9Öes e präticas psiquiätricas

na decada de 80 esteve no bojo dos movimentos reformadores das värias instituigöes dereclusäo da loucura (asilos, manicömios judiciärios, hospitais psiquiätricos) animados peloprocesso democrätico e particularmente pela reforma das präticas tradicionais psiquiätricasquestionadas pela antipsiquiatria e por outras correntes penetradas no Brasil desde o infcioda decada de 70.

A antropologia näo esteve alheia deste debate, näo se limitando cxclusivamente äanälise daquelas reformas, pelo contrario, a indagafäo sobre a constituicäo dos distintossaberes e präticas no campo mental, como noutros, constituiu via de acesso importante aoentendimento da nossa cultura, como tambem näo deixou de oferecer referenciais äconstituigäo de novas präticas, mesmo que essas näo configurassem no Horizonte imediatodas investigacöes.

Na decada de 70 a teoria do cömportamento desviante desindividualizou a doen9amental para situä-la sob a marca do sociocultural (Velho, 1979), como tambem mostrouque a lögica da loucura ou perturbacäo e a da ordern do indivfduo (cultura individualizada)ou das rela9öes entre os individuos (Guedes, 1979). Na decada de 80, esta discussäominimizou o desvio, enfatizando sob novas abordagens a relagäo individuo e sociedade.Dentre essas destacam-se äs contribui9öes de Duarte (1986), que tem discutido a rela9äoda cultura e a psicanälise, cuja literatura e abundante e näo foi contemplada neste trabalho.

O campo psi passou a ser cada vez mais estudado, tanto por antropölogos quantopor psiquiatras, psicölogos e psicanalistas interessados e treinados nos metodos antropo-lögicos. Sem esgotar esta literatura, mesmo por referencia ao perfodo investigado, outrosautores procuraram äs razöes culturais sobre a inoperäncia terapeutica da psicanälise noatendimento äs camadas populäres (D'Amorin, 1984), outros ainda investigaram a lögicaque ordena äs concep9Öes e präticas terapeuticas populäres sobre a loucura (Alves, 1982),bem como a integra9äo do atendimento psiquiätrico ä clinica, num modelo renovadoassistencial a partir do encontro medico-paciente (Cardoso, 1986).

Alem das representa9Öes, dos saberes e präticas referidos ä doen9a mental, väriaspesquisas enfocaram äs representa9öes de saüde e doen9a, em geral ou especificas,especialistas e präticas de cura, mediante pesquisas empfricas realizadas entre äs classestrabalhadoras urbanas, e mais raramente entre segmentos da classe media, engrossando äsinümeras etnografias que, desde a decada de 70, se prcocuparam com äs diferentesmanifesta9öes culturais, com o modo de vida daqueles segmentos sociais urbanos, procu-rando ao mesmo tempo incorporar novas abordagens (o estruturalismo, o marxismogramsciano) que pudessem animar a disciplina.

Se mesmo na decada de 70 ja se reconheciam politicamente outros espa9os que näo3s da fäbrica ou do sindicato onde se faz a classe, na decada de 80, institui9öes, bairros eavelas tornaram-se tambem politicamente relevantes ä militäncia, embora nem todos osistudos realizados tenham se restringido a estas inten9Öes. O fato e que a Antropologia

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oltava-se cada vez mais para a cidade, e äs classes trabalhadoras urbanas, moradoras daeriferia, passaram a ser mais intensamente procuradas pelos pesquisadores, sem que se

constitufsse uma Antropologia urbana (Durham, 1986). Neste contexto, värias investiga-öes privilegiaram o estudo das distintas manifesta9Öes culturais das classes trabalhadoras,

ganhando releväncia os modos de vida e comportamentos a partir de distintos temas eenfoques sobre a cultura ou a ideologia. Por vezes, alguns estudos circunscreveram-se äsfalas dos entrevistados, das quais se extraiam äs representa9Öes (certas imagens significa-tivas) descartando-se qualquer processo analftico. Na pior hipötese o povo sabe e isto basta.E o pesquisador e mero tradutor ou porta-voz dos anseios populäres, conclamando por

participasäo.Esta caricatura aplica-se mais aos desavisados da complexidade da pesquisa antro-

pologica, que creem na transparencia dos discursos ou dos comportamentos, descartando-se compromissos com a anälise teörica. Isto tambem foi exce9äo nos estudos analisados.Mas a diversidade de enfoques teörico-metodolögicos esta presente nos estudos dasrepresenta9Öes de saüde e doen9a, näo cabendo reconstruf-las, o que foi feito por Minayo(1992). Apenas aponto alguns conceitos empregados nos värios estudos: ideias, visäo domundo, formas de pensamento, identidade, significado, cren9as, valores, imaginärio epercep9äo, sem que os autores, por vezes, permane9am fieis aos marcos teöricos que deramorigem äqueles conceitos, dentre eles, a tradi§äo durkheimiana, o marxismo, a psicologiasocial e a filosofia.

Alguns autores enfocaram äs representa9Öes populäres de saüde e doen9a como umcorpo de ideias permanentemente criadas, recriadas e reelaboradas pelas classes trabalha-doras e näo apenas legitimadas pelas classes dominantes (Costa, 1980). Neste sentido, äsconcep9öes dominantes do corpo, saüde e doen9a se constroem na prätica medica oficialdominante, representando o pölo dominado pela cultura somätica, que retraduz, reordena,na sua lögica, os efeitos da difusäo da medicina cientifica. Outros autores, com maiorradicalidade, estabeleceram o caräter de oposigäo das culturas eruditas e populäres,identificando na medicina populär praticada por benzedeiras, na cidade de Campinas(Oliveira, 1983a, 1983b), uma alternativa eficaz para resistir aos dominios da medicinaerudita, a partir dos pressupostos da criatividade e autonomia da cultura populär, ignorandoa interpeneta9äo de ambas.

Loyolla (1984,1987) atenuou o mecanismo da domina9äo da medicina introduzindoäs mediagöes dos diferentes saberes hierarquizados no campo da oferta de servi9os de curaque interferem nas concep9Öes do corpo das doen9as e da saüde das classes trabalhadoras,näo descartando a importäncia da hierarquia social no quantum de capital cultural eeconömico detido tanto pelos especialistas de cura como pela clientela por ela estudadosem Nova Igua9u, Rio de Janeiro. "

Ao im'estigar äs concep9Öes do corpo, origem e classificagäo das doen9as, tentandoesbo9ar um modelo ou representa9äo do funcionamento corporal, endossa a perspectiva deBoltanski (1979), assegurando näo um principio geral causal capaz de estabelecer äsrepresenta9öes, mas um raciocinio de tipo analögico, funcionando com pares de oposicäobinärias simples, onde a realidade e recortada e reconstruida pela inclusäo dos elementosem jogo (doen9a do corpo/doen9a do espfrito; de Deus/dos homens) recobrindo outrascategorias simples ou universais referidas ao espa9o, tempo, ao atributo ou substancialidade

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Saüde e Doenc.a

das coisas. Essas categorias tambem se associam äs categorias sociais; aplicam-se äsdoengas materiais, näo esgotando, contudo, äs concepgöes e a origem das doengas, desdeque essas ainda se classificam de acordo com a intensidade e gravidade do mal, tanto quantopela tradigäo e experiencia do grupo social. Alem disso, a percepgäo de saüde e doengatem a ver com a ideia de forga e o uso social do corpo.

Estabelecendo a compara9äo da visäo de saüde e doenga das clientelas da homeo-patia e da medicina populär, Loyolla (1987) associa-a, em parte, ä posigäo de classe.Enquanto os primeiros, sujeitos ao intenso uso do corpo (profissional e utilitärio) comoelemento imprescindfvel ä provisäo de sua subsistencia, definem saüde e doenga a partirdas categorias forga/fraqueza, a clientela da homeopatia organiza suas representagöes emtorno das categorias equilibrio/desequilibrio, reproduzindo no piano simbölico a posigäoequilibrada e equilibrante entre äs camadas privilegiadas e äs expropriadas. Saüde, paraessa clientela, 6 sinönimo de equilibrio/desequilfbrio orgänico e emocional, tendo emcomum com os clientes da medicina populär a negagäo do dualismo corpo/espirito,corpo/alma, objetivismo/subjetivismo e o pröprio mecanicismo orgänico da medicinaoficial, valorizando äs categorias corpo/cabega. Segundo a autora, a clientela da medicinapopulär, por sua vez, trabalha com äs categorias espirito/materia, negando a existencia dadoenga mental.

Em outros estudos, äs representagöes (ideias) se constroem no confronto, na lutacom a classe dominante, mcdiada pelo Estado, seus aparatos -dentre eles a medicina e seusagentes -, embora näo sejam unfssonas äs concepgöes medicas sobre o corpo, saiide edoenga. Mesmo admitindo que os trabalhadores participam das ideias dominantes, elescriam os seus pröprios cödigos de acordo com o lugar que ocupam na sociedade, traduzidono seu modo de vida. As representagöes tambem remetem äs rafzes tradicionais (crengas,valores) relatives ä morte, vida, ao corpo e äs experiencias de vida. Esta linha de estudosresgata äs representagöes na perspectiva das relagöes de poder e nos movimentos sociaise de participagäo, procurando identificar nas ideias e präticas äs resistencias ä dominagäo(Minayo, 1988, 1989).

As representagöes sociais de saüde/doenga, para Minayo, abarcam miiltiplas dimen-söes, como expressöes social e individual, envolvendo significagöes culturais e relagöessociais, e como manifestagöes das contradigöes sociais e da luta polftica. Säo, portanto,totalizantes äs representagöes de saüde e doenga das classes trabalhadoras, por abrangerconcepgäo do homem como corpo, alma, materia, espirito, e incluir äs relagöes afetivas eäs condigöes de vida e trabalho. E mesmo que elas se subordinem conflitivamente aoprocesso de medicalizagäo, como tambem ao capital enquanto forga de trabalho, elas säocontraditoriamente capazes de aceitar como de resistir ao sistema de dominagäo social.

A questäo da resistencia ä dominagäo medica tambem se faz presente nos estudossobre äs curas nos sistemas religiöses (Montero, 1985), a partir das fontes gramsciaaas.Para a autora, "o discurso da doenga elaborado pelas religiöes populäres se conströi nomterior e a partir dos balizamentos colocados pelo discurso oficial; ele exprime äscontradigöes objetivas queencerram suaprodugäo" (Montero, 1985:10). Conseqüentemen-te, a produgäo ideolögica dos grupos subalternos, na ausencia de um jogo pröprio, e capazde minar, subverter e de improvisar no interior de um sistema de forgas definidos deantemäo. Na reconstrugäo histörica sobre a conquista da hegemonia da medicina sobre äs

Antropologia e Saüde na Decada de 80 25

formas, saberes e präticas de cura, a autora situa a umbanda, que representa umaiposta recriada, no dominio simbölico, tanto äs restrigöes impostas pela medicina oficialdemais präticas de cura, como ao processo de urbanizagäo. A doenga como desordem,

ijo significado e encontrado pela autora, no discurso religioso, como desorganizagäo daioa, da ordern social e da ordern cösmica favorece, nas classes subalternas, a emergen-da consciencia tanto quanto a referencia teörica para a organizagäo do mundo, seus

™J&jnflitos, e da posigäo do individuo.A novidade na decada de 80, no que se refere aos estudos da medicina populär ou

emais sistemas de cura, consolidados ou näo nas diferentes religiöes, foi a superagäodicotomias (tradicional/moderno, sagrado/profano, lögico/ilögico) que estiveram pre-

,-sentes nas anälises influenciadas pelo funcionalismo culturalista americano do passado,,por referencia ä superioridade da medicina alopätica. Tratava-se, agora, de colocä-las emcelagäo de complementaridade e/ou subordinagäo num campo de relagäo de poder. Desde

• fins da decada de 70, em recusa aos pressupostos anteriores da alienagäo das classestrabalhadoras, como produto da interpretagäo marxista mais ortodoxa ou dos pressupostosda exclusäo ou da precäria insergäo daquelas classes no sistema produtivo, algumas leiturasmarxistas passaram a valorizar a questäo da cultura e da ideologia.

Entretanto, essa foi apenas uma, entre outras vertentes incorporadas, tanto na anälise /das representagöes de saüde e doenga das classes trabalhadoras, como na anälise das formas /do pensamento religioso, cosmologias e de outros sistemas de cura que mereceram a makiratengäo dos antropölogos na decada de 80. ,,--•"'"^

_JLJma destas abordagens, oriunda da Antropologia Social inglesä (Gluckman, 1966;^Pürner, 1974) - incluindo a situagäo de transigäo e os valores e a manipulagäo da realidadepelos~ator.es, a resistencia cultural e polftica -, estä presente nos estudos de Queiroz sobreäs concepgöes e präticas de cura do caigara de Iguape (SP), por referencia ä teoria etnolögicada doenga, calcada no quente/frio. Esta teoria envolve causas distintas: o desequilibrio docorpo com o meio exterior ou-o desequilibrio moral em relagäo ao meio social, sendocompartilhada tanto pelo caigara como por alguns especialistas de cura (espiritualistas ecurandeiros do mato). Mas ä medida que penetrava naquela sociedade, o modo de produgäocapitalista, näo so a terra, como a cultura, gradualmente se apropriaram.

O autor estuda äs tensas relagöes dos medicos com os demais agentes de cura e aposigäo intermediäria do farmaceutico (curandeiro da cidade) entre o saber populärtradicional calcado na lögica quente/frio e o saber dos medicos, alem do seu prestigio e douso dos medicamentos modernos. Por tudo isso, o farmaceutico e o agente capaz decompartilhar, ainda que parcialmente, do sistema quente/frio, como tambem agrega novosconhecimentos ä cultura tradicional do caigara, ao contrario dos medicos (Queiroz, 1978,1980a; 1980b).

Noutros textos, o autor aprofunda a lögica do quente/frio como uma lögica que seaplica ä classificagäo alimentos e ervas medicinais, conferindo desempenho terapeuticodiferencial desses elementos no corpo humano, de forma que doengas quentes devem sertratadas com ervas medicinais e alimentos frios, ao contrario das doengas frias (Queiroz,1984). Ao dedicar-se ainda ao modo de percepgäo social da doenga, o autor analisa äscrengas de mau-olhado, quebranto, feitigo e susto que se encontram na origem de muitasdoengas ou dos infortünios.

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26 Saude e Doenca

Seguindo Gluckman (1973), sugere Queiroz que äs crengas e präticas säo dotadasde sentido pela vida social e politica, mesmo diante da implantacäo de novo ethoscapitalista. Ao contrario da lögica do quente/frio, aquelas cren?as näo se mostram enfra-

"quecidas diante dos processos de mudansa social. Alem disso, esse conjunto de crencasnäo provoca doen9as curäveis pela medicina, requerendo a interven9äo especializada deagentes de cura (curandeiros espiritualistas e benzedeiras), capazes de manipular cddigosparticularistas ou moral e politico aplicäveis aos indivfduos e suas idiossincrasias, emoposicäo ao cödigo universalista ou natural-biolögico, que serve äs doen?as em geral e atodos os indivfduos (Queiroz, 1980c).

Outros autores que estudaram äs religiöes ou präticas simultaneamente religiosas eterapeuticas descartaram a sua compara?äo ou oposi9äo em rela§äo äs präticas cientificas,mesmo que, em termos de representagäo destas präticas, haja referencia ä medicina. Oenfoque passa a ser äs instituicöes que realizam aquelas präticas num campo de rela9Öessociais que estruturam e criam seus mecanismos de 3930 (Neves e Seiblitz, 1984), natentativa de estabelecer uma anälise mais totalizante e ao mesmo tempo particularizanteem rela9§o äs institui9Öes religiosas.

Assim compartilhando esse enfoque, äs autoras estudaram a opera9äo flufdica comoprätica terapeutica e religiosa, inscrevendo-a na concep9äo de mundo que orienta okardecismo, onde os sofrimentos humanos säo causados pelo grau de evolu9äo dos espiritosreencarnados ou pelas agressöes oriundas de espiritos desencarnados, que se expressamcomo mal-estar fisico ou psicolögico. A doutrina preve um conjunto de servi9os, odesenvolvimento mediünico, a opera9äo flufdica^visando a purificar o espfrito e minimizaros sofrimentos. Ela opera näo tanto com a doen9a, mas com a consolida9äo do sistema decren9as, diante do indivfduo que se sente inseguro, se inscrevendo tambem no campo derela9öes de for9a das distintas institui9Öes kardecistas.

Os rituais de cura na Assembleia de Deus, investigados em Nova Igua9U (Pessanha,1984) tematizaram a doen9a num sentido positivo, reafirmando a condi9äo de eleito dodiente, tanto para os crentes como para os agentes eclesiästicos. Alem disto, constroemsimbolicamente a pessoa do crente, explicando ainda a etiologia da doen9a. Enfim, osrituais reordenam a ordern idealizada. Outros autores enfocam äs rela9Öes simbölicas esociais implicadas na atividade religiosa, que incluem a prätica de cura divina peloexorcismo dos espiritos malignos. Na articula9äo da experiencia social e religiosa estäopresente os jogos de poder entre äs värias instäncias e, em outro nfvel, esses elementosremetem ä unidade e diversidade, centraliza9äo e multiplicidade presentes na sociedade(Rodrigues, 1984).

Da anälise da cosmologia subjacente a outros sistemas de cura, como a homeopatia,(Musumeci, 1988) remete a um conjunto mais amplo das representa9Öes da doen9a, curae saüde, por referencia ao aspecto moral e ao paradoxe que inscreve a possiblidade de cura(saüde) no terreno da pröpria doen9a, no esfor9o de apreensäo da individualidade, situan-do-se a visäo unicista da homeopatia nas tradi9öes religiosas e filosöficas modernas daexistencia humana.

Ha ainda um volume significativo de estudos que deixei de considerar nestas notasainda preliminares, implicando em novos ou antigos temas aos quais os antropölogos sededicaram na decada de 80, dentre eles outros estudos referidos ä homeopatia, aos sistemas

Antropologia e Saüde na Decada de 80 27

.jigiosos de cura, äs doen9as mentais, ä Aids, ä esquistossomose, ao corpo, a sexualidadej-eprodu9äo, äs estrategias de cura, ä rela§äo da clientela com os servi^os de saüde, äs

nta9Öes dos profissionais de saüde, alem das novas propostas do recurso daitodologia antropolögica na avalia9äo dos servi9os de saüde.

Apesar do caräter preliminar e inacabado deste texto, baseado em pesquisa biblio-ajn(ja em andamento, näo poderia furtar-me de contribuir para o debate sobre

antropologia e saüde, ensejado nesta coletänea.Para concluir, resta afirmar que, inegavelmente, a antropologia na decada de 80

aproximou-se do tema saüde, doen9a e dos distintos sistemas de cura, o que pode significarque ela vem refletindo sobre questöes oferecidas pela sociedade, mesmo quando resiste emlecortar objetos especificos, uma vez que os fenömenos saüde, doen9a e cura ultrapassama dimensäo restrita biolögica, como pode ser visto nos värios estudos. Por tradi9äo, aantropologia opös-se ao modelo medico, mas nessa decada, pelo menos no Brasil, assu-miu-o como objeto de reflexäo, uma vez que o campo dos saberes e präticas ditos"populäres" ou "alternativos" sempre mereceram a aten9äo dos antropölogos. Talvez,mesmo diante dos novos saberes e präticas de cura que se mesclam, recriam ou se impöem,restem ainda desafios ä pesquisa, tanto quanto das multiplicidades - nuances dos distintossaberes e präticas consolidados no sistema medico alopätico - e das novas modalidades decura recriadas em nossa sociedade.

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Levi-Strauss (1976| 1962]:60)

INTRODUCÄO

Rccentcmente, no ämbito do I Encontro Nacional de Antropologia Medica, fuiconvidado a rcflctir sobre a qucstäo do mctodo na analise antropolögica da doenga. Navcrdade, o que me intcrcssava näo era discutir äs propricdadcs ou impropricdadcs, van-tagcns ou perigos deste ou daqucle mctodo particular, utilizado em pesquisa, que poderiaser enquadrado cm uma possivel Antropologia Medica. Muito mais geral, mcu intcressese voltava antes para o modo como tem sido conccbidos ou construidos os objctos dercflexäo que usualmente säo atribuidos a essa especialidade antropolögica. Dcsdc logo,dcvo dizer que, a cla, penso scrcm ainda mais aplicäveis äs criticas que, em 1927, MarcelMauss fazia äs sociologias do Dircito, da Moral, da Religiäo, insatisfatörias mas näo-des-cartäveis naquele momento. Delas, diz Mauss que "correspondcm demais äs divisöes maisatuais, mais efcmcras do que se crc, do trabalho social modcrno, das atividadcs de nossassociedadcs". Que trazcm "profundamcnte a marca do nosso tempo, aqucla de nossasubjctividade" e que, portanto, "quadram-se mal com a vida daquelas socicdadcs quedividiram de outra forma seu trabalho ou que um dia os dividiräo de mancira difcrcntc danossa". Por scrcm, scgundo clc, "dcmasiado empiricas em ccrtos pontos", tais espcciali-

"rctalham, dividcm, e, dividindo demais, isolam demais; no fundo, abstracm e däo