preservaÇÃo do patrimÔnio industrial: as instalações da ... · 22/06/2015 · sobre a teoria...
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PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: As instalações da FATEC e do Poupatempo no Complexo FEPASA de Jundiaí
FALAVIGNA, TALITA. (1); CHAPARIM, MATHEUS. (2); HIRAO, HÉLIO (3).
1. Universidade Estadual Paulista. Campus de Presidente Prudente
Rua Alvares Machado, 999 [email protected]
2. Universidade Estadual Paulista. Campus de Presidente Prudente
Rua Rosa Cavagnoli, 110 [email protected]
3. Universidade Estadual Paulista. Campus de Presidente Prudente
Rua Robertos Simonsen, 305 [email protected]
RESUMO
Esta pesquisa objetivou realizar uma investigação crítica sobre a prática do projeto de intervenção sobre o patrimônio histórico arquitetônico industrial, levantando material documental textual e fotográfico das adaptações dos edifícios localizados no Complexo de Oficinas da antiga Companhia Paulista de Jundiaí (Complexo FEPASA), no estado de São Paulo. Possui como objetos de estudo, as adaptações realizadas nas edificações que hoje são ocupadas pela Faculdade de Tecnologia de Jundiaí, a FATEC-Jundiaí e o Poupatempo. Visando dar subsídios ao debate sobre as intervenções em conjuntos ferroviários industriais de interesse à preservação. Foi feita uma revisão bibliográfica sobre a teoria da restauração e o Patrimônio Industrial, seguido de um levantamento histórico, que forneceu um panorama teórico sobre a temática. Na sequência, um trabalho de campo abrangeu a consulta do acervo do Museu dos Ferroviários da Cia. Paulista e os projetos da Prefeitura de Jundiaí, além da realização de entrevistas. Na etapa final, foi efetuada uma síntese reflexiva, relacionando o conteúdo teórico e os levantamentos, comparando o estado inicial, depois com a adequação para instalações da FATEC e do Poupatempo, suas modificações ao longo do tempo e suas condições atuais. Seus processos de consolidação ligam-se à requalificação do Complexo FEPASA, um grande conjunto arquitetônico do patrimônio industrial que ficou abandonado por muito tempo, e apenas mais recentemente, após ser adquirido pela prefeitura em 2001, passou a ter novos usos, culturais e de serviços, em uma parcela de suas edificações, sendo tombado pelo IPHAN em 2004. Desta forma, com base nos estudos realizados questiona-se até que ponto as implantações da FATEC e do Poupatempo estão adequadas, visto que o grande número de pessoas que eles atraem, ao fazerem uso constante de automóveis, acarretam grandes impactos para infraestrutura do Complexo. De modo geral, as intervenções mantiveram as fachadas externas bem conservadas e, internamente, adequações foram feitas para as novas funções, sendo perceptível uma intenção de manter o caráter industrial do local. A FATEC continuou parcialmente com o uso educacional que ocorria na Escola do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), seu atual prédio administrativo. No caso do Poupatempo, o projeto demonstrou certa preocupação em diferenciar o antigo do novo por meio de cores distintas nas paredes, além de procurar manter os pilares, as treliças metálicas e as aberturas zenitais. Neste sentido, as diretrizes propostas apontam para um trabalho de conscientização, por meio de ações de educação patrimonial, assim como, o desenvolvimento de propostas visando melhor integração da relação do Complexo com a cidade, e a criação de um espaço atrativo para que as pessoas conheçam o local em sua totalidade e permaneçam mais tempo nele.
Palavras-chave: Patrimônio Industrial; Companhia Paulista de Estradas de Ferro; Poupatempo; FATEC; Jundiaí.
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
Introdução
A partir do debate a respeito da Preservação do Patrimônio Urbano e Arquitetônico, passa-
se pela discussão das formas de intervenção sobre a preexistência edificada. Os projetos de
reabilitação das estruturas arquitetônicas, ao utilizarem de práticas de conservação,
manutenção, reconstrução, adições e adaptações, implicam em alterações no Patrimônio a
ser preservado. Tais mudanças, por sua vez, devem se subsidiar em princípios
estabelecidos pelos teóricos da conservação e restauração, como também, pelas diretrizes
das cartas patrimoniais proporcionando ambientes inovadores e adequados às
necessidades atuais.
Diversos projetos de intervenção destroem importantes documentos arquitetônicos e
urbanos com suas propostas de adaptações contemporâneas, dificultando a compreensão
das técnicas construtivas e dos modos de vivência do espaço e, consequentemente,
prejudicando o desenvolvimento de futuras pesquisas científicas.
Todavia, congelar bens patrimoniais, sem as possibilidades de adequações aos usos atuais,
constitui-se em estruturas sem função na cidade contemporânea, o que conduz para sua
deterioração e até a sua demolição.
Desta forma, a adaptação dos espaços arquitetônicos antigos a novos usos do cotidiano e
dentro do contexto econômico, social e político da cidade atual, deve ser realizada sem
descaracterizá-lo, buscando preservar e conservar os vários tempos de sua apropriação
materializados em seu espaço físico, constituindo assim, em um desafio aos projetistas e
planejadores.
É justamente sobre as intervenções realizadas em bens patrimoniais de caráter industrial,
adequadas aos novos usos, que este trabalho se desenvolve, tendo como objeto de estudo
o Complexo das Antigas Oficinas da Companhia Paulista de Jundiaí (Figura 1) e mais
propriamente as adaptações nos edifícios hoje ocupados pela FATEC e pelo Poupatempo.
Fonte: Acervo dos autores, 2015
Figura 1 – Complexo das Antigas Oficinas da Companhia Paulista
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Para uma melhor compreensão sobre a temática foi necessário realizar uma revisão
bibliográfica a respeito do patrimônio industrial, juntamente com a teoria da restauração e as
cartas patrimoniais, assim como conhecer o processo histórico da cidade e o papel da
ferrovia. Em seguida, por meio de visitas ao local, buscou-se o acervo documental e material
sobre o conjunto das Antigas Oficinas da Companhia Paulista e também constatou o estado
atual de conservação das edificações, através de levantamento fotográfico e medições,
assim como a realização de entrevistas com os usuários do Complexo e os moradores de
Jundiaí, para obter um melhor panorama sobre como esse patrimônio industrial é apropriada
e percebida pela população. Por fim, realizou-se uma síntese reflexiva e analítica a respeito
dos projetos de intervenção e das suas modificações ao longo do tempo, comparando-os e
relacionando ao conteúdo teórico.
Assim, essa investigação crítica a respeito da prática do projeto de intervenção sobre o
patrimônio histórico arquitetônico industrial, busca compreender as relações que os projetos
estabelecem com as preexistências, seu entorno e a cidade. Proporcionando contribuições
às reflexões e análises sobre a prática profissional do arquiteto e urbanista e seus caminhos
projetuais possíveis, dentre a pluralidade de soluções nas várias abordagens existentes
nessa temática, tendo a teoria do restauro e as cartas patrimoniais como subsídio científico.
O Patrimônio Industrial Ferroviário na Cidade Contemporânea
O envelhecimento e deterioração natural dos monumentos e complexos arquitetônicos fez
com que fosse necessária a criação de uma nova disciplina autônoma: a restauração. Esta
teria como objetivo principal levar às gerações futuras o máximo de bens em seu melhor
estado de integridade (DVORÁK, 2008, p. 99), e “com toda sua riqueza e autenticidade”
(CARTA DE VENEZA, 1964, p.1).
As noções ligadas ao restauro amadureceram do período que vai do século XV ao XVIII.
Somado a isso, há os “eventos” como o Iluminismo, a Revolução Francesa e a Revolução
Industrial, que mudaram o modo como uma cultura lidava com seu passado, o que fez com
que os movimentos para a preservação e restauração de monumentos surgissem (KÜHL,
1998a, p. 179).
Desde os anos 1960, há a ampliação do que é considerado patrimônio histórico, passando a
englobar não apenas os grandes monumentos isolados de qualidade excepcional, mas
também, ambientes urbanos ou rurais inteiros. O patrimônio histórico, além de testemunho
de gerações passadas, passou a abranger os valores sociais e econômicos da atualidade
(KÜHL, 1998a, p. 208).
O TICCIH – The International Committee for the Conservation of the Industrial Heritage,
(Comissão Internacional para a Conservação do Património Industrial), organização mundial
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consagrada ao patrimônio industrial, consultor especial do ICOMOS para esta categoria de
patrimônio, na sua XV Assembleia Geral, em julho de 2003, definiu que o Patrimônio
Industrial compreende os “vestígios da cultura industrial que possuem valor histórico, social,
arquitetônico ou científico”.
Ressalta-se, que dentre os patrimônios industriais, os bens ferroviários possuem uma
enorme importância, especialmente depois que o debate sobre sua preservação começou
em meados da década de 1950 na Inglaterra, e de forma mais enfática, na década de 1960,
quando importantes bens deste patrimônio foram demolidos (KÜHL, 2008).
Para Kühl (1998a, p. 221), a questão que envolve o patrimônio industrial é um assunto da
contemporaneidade. Suas grandes estruturas, hoje sem função, e as rápidas
transformações urbanas, sociais, econômicas e demográficas das últimas décadas, têm feito
muitos testemunhos desaparecerem:
Desaparecem não apenas os edifícios industriais em si, mas também os vestígios dos produtos ali fabricados, dos métodos de produção, das condições de trabalho e moradia do operariado, das relações sociais e espaciais em uma cidade ou região. (KÜHL, 1998a, p. 221).
A situação da preservação do patrimônio industrial se torna delicada, pois muitas vezes
ocupam vastas áreas dos centros urbanos com falta de rentabilidade. Além disso, há
questões como a ausência de sensibilidade em relação a esses conjuntos arquitetônicos,
vistos apenas como espaços livres e versáteis, que após tomarem novos usos inadequados
perdem suas especificidades (KÜHL, 2008).
Segundo Soukef Jr (2012, p. 22), é possível perceber que em muitos casos, os patrimônios
dos complexos ferroviários encontram-se ameaçados pelo desconhecimento dos seus
valores. Intervenções arquitetônicas são executadas sem considerar os pressupostos
teóricos, ou por fazer uma leitura equivoca deles. Muitas vezes, visam soluções que
contemplam interesses políticos, econômicos e especulativos imediatistas, sem considerar
os valores culturais, prejudicando de forma irreversível estes patrimônios, levando-os à
fragmentação e descaracterização.
Contudo, se realizada uma ativação apropriada, buscando o equilíbrio entre a memória e a
função, não há porque deixar de pensar o patrimônio industrial como um possível recurso
para cidade contemporânea (SANCHIZ, 2015, p. 10-11).
Com relação aos estudos para intervenção projetual, Kühl (1998a, p. 239) ressalta:
Uma edificação não é apenas um objeto estético, mas engloba aspectos materiais e estruturais. Um estudo para sua restauração deveria visar também à preservação de sua tipologia construtiva, procurando conservar o documento autêntico de uma dada técnica de construção. A escolha de uma nova função deveria ser, então compatível com suas características espaciais e estruturais. (KÜHL, 1998a, p. 239).
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Para Oliveira (2011, p. 10), a avaliação e a atuação sobre esses bens, pelas condições
atuais de preservação, tornam-se não apenas uma questão de ordem técnica, sendo
necessário estabelecer diretrizes mínimas para uma política de preservação do patrimônio
industrial brasileiro. O patrimônio ferroviário necessita ser trabalhado em conjunto, tanto na
esfera pública (federal, estadual e municipal e da comunidade), como na privada (das
empresas ferroviárias particulares).
No caso do Complexo FEPASA de Jundiaí, Sanchiz (2015, p. 11) ressalva que há
dificuldades para conciliar as necessidades dos novos usuários com a preservação do
patrimônio. As grandes dimensões do conjunto e seu volume edificado também não facilitam
a gestão para o município. Contudo, existe uma demanda real de espaço por parte de
diversas entidades (como grupos de escolas de danças, companhias de teatro, bandas de
música, etc.) ao mesmo tempo em que a cidade necessita ampliar sua infraestrutura cultural
e seus equipamentos sociais. As antigas Oficinas da Companhia Paulista constituem assim,
um recurso potencialmente aproveitável.
O Conjunto de Oficinas da Companhia Paulista em Jundiaí
A cidade de Jundiaí se localiza no Estado de São Paulo, a 57,7 quilômetros da capital
(Figura 2). Com uma área de, aproximadamente, 431.207 km², sua população possui
401.896 habitantes (IBGE, 2015).
A data de fundação da cidade é muito discutida, mas há um consenso para a data de sua
elevação à categoria de Vila, 14 de dezembro de 1655 (IZAIAS, 2012, p.12).
Em meados do século XVIII, tinha no cultivo de cana-de-açúcar, sua atividade agrícola de
maior destaque. No início do século XIX possuía suma importância para a capitania, tanto
pela sua produção agrícola, e principalmente por seu papel de destaque pelo transporte de
muares, servindo como ponto estratégico para parada das tropas (IZAIAS, 2012, p. 48-49),
pois se situava em uma posição de entroncamentos de rotas que levavam para o sertão ou
para capital (LANNA, 2002, p. 4).
Deste período até a metade do século XIX, devido à concorrência das Antilhas, a produção
canavieira entra em crise. Sendo somente o café, principalmente na segunda metade do
século XIX, que conseguiria novamente enfrentar o competitivo comércio mundial (IZAIAS,
2002, p. 44).
As estradas de ferro vão aparecer em São Paulo logo na segunda metade do século XIX,
quando o café – a principal riqueza do país na época – exigia novos meios de transporte
para sua demanda (SOUKEF JR, 2012, p. 1).
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Jundiaí será elevada à categoria de cidade em 1865, às vésperas da chegada da The São
Paulo Railway Company (SPR) (LANNA, 2002), a primeira ferrovia do estado, que ao
construir o trecho Santos-Jundiaí, monopolizou o acesso do porto de Santos após vencer o
obstáculo da Serra do Mar, e por esse mesmo motivo resolve não mais prolongar seus
trilhos, pois todos que quisessem escoar seus produtos teriam que usar de seus serviços
(SOUKEF JR, 2012, p. 1).
A Companhia Paulista surge por consequência desta postura (BEM, 2014, p.100).
Inaugurada em 1868, seu primeiro trecho ligou as cidades de Campinas à Jundiaí, sendo
concluído em 1872 (MAZZOCO, 2005, p. 36). Inicialmente chamada de Companhia Paulista
de Vias Férreas e Fluviais, logo estendeu seus trilhos até Rio Claro, Araraquara, São Carlos
e outras cidades (SOUKEF JR, 2012, p. 2).
A vinda da São Paulo Railway para a cidade de Jundiaí certamente alterou sua dinâmica
urbana, contudo, seria a Cia. Paulista, que transformaria sua estrutura e cravaria a
identidade ferroviária (BEM, 2014, p. 104), especialmente por trazer suas Oficinas, “[...] A
SPR passava e parava, a Paulista entrou e ficou. O grande progresso urbano foi conhecido
de fato no convívio com a dinâmica das Oficinas da Paulista e, se isto ocorreu no passado
recente, cabe verificar os papéis no presente” (BEM, 2014, p. 162).
Situado na área central da cidade de Jundiaí, o Complexo de oficinas da antiga Companhia
Paulista de Estradas de Ferro conta atualmente em sua extensão com alguns edifícios
abandonados e outros reabilitados (Figura 2).
Figura 2 – Localização do Complexo na Cidade de Jundiaí
Fonte: Mapa da Prefeitura de Jundiaí, 2008, modificado pelos autores, 2015
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As Oficinas da Paulista inicialmente funcionavam em Campinas, contudo, sob a
argumentação de não dispor de área suficiente para suas atividades elas se mudam para
Jundiaí (LANNA, 2002, p. 5). As ocorrências de epidemias de febre amarela e de bexiga em
Campinas em meados do século XIX, também foram responsáveis pela saída de muitas
indústrias da cidade, dentre elas a Arens e as Oficinas da Paulista (BEM, 2014, p. 126).
A obtenção das terras em Jundiaí, e a decisão da instalação das Oficinas da Paulista, datam
de 1890 (BEM, 2014, p. 128). Junto ao trecho inicial da linha férrea, na parte baixa da
cidade, a Companhia Paulista obteve os terrenos quase sem dispêndio. Elas eram o destino
dos materiais ferroviários que seriam reparados. Em 1893 é dado início sua construção,
ocupando-se uma área total de 145.091 m² (LANNA, 2002, p. 5), sendo que os serviços de
pintura e reparação dos carros e vagões, de carpintaria e de fundição já eram realizados em
1895 (BEM, 2014, p. 128).
Kühl (1998b, p. 6) ressalva que na época de sua construção, as oficinas estavam entre as
maiores e mais bem equipadas do país. O Complexo contava com oficinas de reparação e
pintura de carros e vagões, de carpintaria, de mecânica, de fundição, depósitos de
materiais, compartimento para máquina fixa, etc..
A Companhia Paulista também possuía sua “identidade arquitetônica” e apesar do programa
e partido serem semelhantes com as de outras empresas ferroviárias, suas estações
apresentavam interessantes variações obtidas pela composição, da disposição de
ornamentos e da multiplicidade de elementos empregados para a cobertura das plataformas
(KÜHL, 1998b, p.3).
Entretanto, devido à falta de investimentos, e a preferência ao transporte rodoviário pelo
governo do país, após 93 anos sendo uma ferrovia privada, a Companhia Paulista não
consegue suportar a crise e acaba sendo estatizada em 1961 (GRANDI, 2010).
As cinco principais ferrovias paulistas (Companhia Paulista de Estradas de Ferro, Estrada
de Ferro Sorocabana, Estrada de Ferro Araraquara, Companhia Mogiana de Estradas de
Ferro e Estrada de Ferro São Paulo-Minas) formaram uma única em empresa no ano de
1971, a Ferrovia Paulista S/A (FEPASA), após serem incorporadas e tornarem-se posse do
governo estadual (OLIVEIRA, 2011).
Na década de 1990, houve um projeto do governo federal e governo estadual de liquidação
das empresas públicas férreas e de energia. Assim, a FEPASA e todo seu patrimônio são
incorporados à Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), em maio de 1998. A dissolução da
RFFSA, por sua vez, ocorreu entre os anos de 1999 e 2007 (OLIVEIRA, 2011).
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O espólio da antiga FEPASA foi comprado do Governo do Estado de São Paulo pela
Prefeitura do Município de Jundiaí, no dia 20 de janeiro de 2001, e para este patrimônio foi
adotado o nome de Complexo FEPASA (BATISTA, 2013, p. 45).
Dentre os diversos usos que o Complexo FEPASA presentemente abriga estão o Museu da
Cia. Paulista, a Faculdade de Tecnologia de Jundiaí (Fatec), o Poupatempo, o Cadastro
Único, a Fundação Municipal de Ação Social (Fumas), o Centro de Educação e Lazer para a
Melhor Idade (Celmi), a Secretaria Municipal de Transportes, o depósito de alegorias da
Liga das Escolas de samba de Jundiaí, além da Guarda Municipal e, mais recentemente, a
Estação Juventude (Figura 3).
Figura 3 – Usos Atuais do Complexo FEPASA
Fonte: Elaborado pelos autores com base no Google Earth, 2015
No que diz respeito aos processos de tombamento do Complexo, em relação ao IPHAN, a
homologação do tombamento pelo Ministério da Cultura se deu em dezembro de 2002, e em
14/07/2004, o processo foi concluído. Quanto ao processo de tombamento pelo
Condephaat, iniciado em 1996, ainda se encontra em aberto (BARTCUS, 2012).
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Beatriz Mugayar Kuhl, em seu parecer sobre a relevância arquitetônica do conjunto de
Oficinas da Companhia Paulista em Jundiaí, solicitado pela Promotoria de Justiça de
Jundiaí, descreve:
O conjunto de oficinas da Companhia Paulista em Jundiaí é grandioso não apenas por suas dimensões e importância histórica, mas também pela qualidade de sua implantação e inserção no sítio, por sua arquitetura e pela racional e bem sucedida expressão de uma lógica industrial, devendo ser preservado. (KÜHL, 1998b, p. 9).
A autora ressalva que a unidade de linguagem conseguida no Complexo se deu através do:
[...] emprego da alvenaria de tijolos aparente em todas as paredes do complexo e a variedade e dinâmica na composição foi conseguida com algumas variações de altura e de volumes, e no maior ou menor uso, mas sempre discreto, de elementos ornamentais originários do vocabulário clássico para a decoração de certas fachadas. São edifícios compostos com grande coerência, racionalidade e propriedade, resultando em um complexo harmonioso, bem distribuído e bem integrado aos sítios em que foi implantado. (KÜHL, 1998b, p.7).
Em 2003, um Plano de Preservação para o Complexo FEPASA foi solicitado à Prefeitura de
Jundiaí pelo IPHAN. Esse deveria contemplar cuidados quanto à adequação e ao uso das
edificações, pátios, acessos e fechamento da área, assim como diretrizes para seu entorno.
Parcialmente aprovado pelo IPHAN em 2006, este Plano de Preservação é um dos estudos
mais recentes sobre o Complexo Cultural FEPASA, tanto por seu antigo uso, como pelas
possibilidades de ocupação. Na elaboração de tal projeto, foram descartadas funções que
colocassem em risco o patrimônio tombado ou exigissem reformas descaracterizadoras
(BATISTA, 2013).
As Intervenções da FATEC e do Poupatempo
Dentre os diversos usos atuais que acontecem no Complexo FEPASA, escolheram-se como
recorte espacial para a pesquisa os galpões no quais foram implantados a Faculdade de
Tecnologia de Jundiaí - Fatec Jundiaí – Deputado Ary Fossen1, em 2002, e o Poupatempo
de Jundiaí, inaugurado em 2009, dado que são os usos que mais atraem pessoas para o
local, e consequentemente, mais influenciam sua infraestrutura (Figura 4).
1 A Faculdade recebeu a denominação “Fatec Jundiaí – Deputado Ary Fossen”, em homenagem ao ex-prefeito e
deputado Estadual que lutou pela vinda da Fatec para cidade. O ato ocorreu em 11/02/2014. Disponível em: http://www.jundiai.sp.gov.br/noticias/2014/02/10/ary-fossen-denominacao-da-fatec-ocorre-nesta-terca-11/ . Acesso em: 03/11/2015.
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Figura 4 - Localização dos edifícios da FATEC e do Poupatempo no Complexo FEPASA
Fonte: Prefeitura de Jundiaí, 2008, modificada pelos autores, 2015
Buscando ampliar o conhecimento sobre este local procurou-se no decorrer da pesquisa
questionar a maneira como os próprios usuários compreendem este espaço das antigas
oficinas da Companhia Paulista e seus respectivos projetos de intervenção, determinando o
modo como à preexistência é apropriada e percebida. Para isso houve a realização de
entrevistas por meio de perguntas sobre seus antigos usos, a validade dos novos, e a
qualidade de suas adaptações visando obter um melhor panorama do olhar dos citadinos.
Foram aplicadas tanto no centro da cidade, como no próprio Complexo, constatou-se uma
divergência de opiniões com relação a algumas perguntas realizadas.
No centro da cidade, ressalta-se que foi preciso relacionar o local ao qual a pesquisa se
referia (o Complexo) aos seus usos atuais, como a FATEC ou o Poupatempo, pois muitos
dos entrevistados não identificavam os nomes “Complexo de Oficinas da Companhia
Paulista” ou “Complexo FEPASA”. Entretanto, depois de identificados, quase todos
reconheciam que os prédios como registro material da história de Jundiaí.
Percebe-se que para os usuários de modo geral, há uma pretensão por novas funções e
atividades, como usos culturais ou sociais de utilidade pública. No entanto, para os
entrevistados da FATEC, a maior preocupação seria com a melhoria da infraestrutura da
própria faculdade.
Outro fator a ser levado em conta é o fato da difícil identificação dos usos existentes, não
apenas por falta de placas, mas de elementos referenciais dessa nova fase das edificações,
que sem descaracteriza-las, possibilitassem sua valorização e, consequentemente, de todo
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o Complexo. Além disso, nota-se uma clara falta de inter-relação entre os usos existentes,
pois muitos usuários, como os do Poupatempo, direcionam-se ao Complexo buscando
apenas o uso específico do serviço que necessita. Tais usuários, quando questionados,
muitas vezes nem reconhecem os edifícios da FATEC como um uso educacional.
Primeiramente, as análises das adaptações relacionam-se às mudanças dos usos que
aconteceram nos edifícios da FATEC e do Poupatempo, para depois deter-se
especificamente para as intervenções físicas.
Dentre os prédios da FATEC, escolheu-se por aprofundar os estudos do Prédio 1, dado que
ele possui uma relação de uso com o local que se estende à implantação da faculdade. Há
uma continuidade parcial da atividade educacional que ocorria no Complexo, onde se
encontra o atual prédio administrativo da FATEC, pois este edifício antes sediava a Escola
do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI).
A Fatec-Jundiaí (Figura 6) foi à primeira faculdade pública da cidade, resultado de uma
mobilização conjunta entre os setores empresariais e educacionais com o apoio do poder
público (BATISTA; FREIRE, 2012). A instituição oferece cursos de graduação tecnológica,
os quais buscam contribuir para a formação de profissionais que consigam atender às
necessidades dos Arranjos Produtivos Locais (APLs) (CAZZOLATO; COSTA, 2013).
Suas instalações contam atualmente com oito edifícios, sendo ocupados por salas de aula,
laboratórios, refeitório, diretório acadêmico, administração, etc..
Para que as mudanças nas estruturas e na funcionalidade dos prédios fiquem mais claras,
ressalta-se as diferenças entre a planta dos anos de 1964, 1978 e a planta do levantamento
da Prefeitura, de 2008 (Figura 5).
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
Figura 5 – Comparação entre as Plantas do Prédio 1 da FATEC
Fonte: Elaborado pelos autores com base no acervo do Museu dos Ferroviários (1964) e
do levantamento da Prefeitura de Jundiaí, 2015
À priori, percebe-se que houve grandes mudanças. Ocorreu uma ampliação significativa da
área construída e um novo layout das paredes internas foi executado. A expansão lateral,
construída entre as décadas de 1960 e 1970, confunde-se com o restante do edifício.
Contudo, não foi uma adequação feita para a vinda da FATEC para o Complexo, sendo
realizada muito anteriormente (Figura 6).
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Figura 6 – Acréscimo do Prédio 1 da FATEC
Fonte: Acervo dos autores, 2015
Para melhor elucidar a evolução das mudanças no Prédio Administrativo da FATEC,
compara-se o seu estado atual com uma fotografia pertencente ao Museu dos Ferroviários
(Figura 7).
Figura 7 - Comparação do Prédio 1 da FATEC
Fonte: Acervo do Museu dos Ferroviários e acervo dos autores, 2015
No interior as mudanças aconteceram basicamente por conta de colocações de vedações
leves. Estas delimitam os ambientes das salas dos professores, do auditório e da biblioteca.
Seus antigos pisos também foram substituídos por cimento polido, cerâmica, Paviflex, e na
secretaria, assoalho de madeira. O forro de fibra, também é uma intervenção posterior. A
partir de fotografias da época estes pontos podem ser melhores elucidados (Figura 8).
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Figura 8 – Uso Antigo (SENAI) e Uso Atual (Biblioteca)
Fonte: Acervo do Museu dos Ferroviários e acervo dos autores, 2015
No entanto, o caso de intervenção mais discutível é o Poupatempo de Jundiaí (Figura 9),
cujo objetivo é o de agregar variados equipamentos públicos em um mesmo lugar.
Controvérsias aconteceram a respeito de sua implantação no Complexo FEPASA, pois
muitos temiam que isso pudesse levar a descaracterização do local. Entre os que se
opuseram, estão políticos, membros do Compac (Conselho Municipal do Patrimônio
Cultural) e até mesmo os próprios cidadãos, acreditando existir locais mais adequados para
a sua instalação.
Figura 9 – Edifício do Poupatempo
Fonte: Acervo do Museu dos Ferroviários e acervo dos autores, 2015
As alterações que ocorreram no edifício que hoje abriga o Poupatempo ficam claras ao
serem analisadas as plantas do local antes e depois de sua instalação. Desde um dos
primeiros registros verificado nos arquivos do Museu dos Ferroviários no próprio Complexo
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Fepasa, datado de 1953, até o levantamento arquitetônico realizado pela prefeitura em
2008, ano anterior a instalação do Poupatempo, pouca coisa foi alterada na configuração do
edifício em geral. Porém, é notória as alterações internas sofridas para o funcionamento
deste equipamento. Na planta de 2015, observa-se que apesar da estrutura permanecer,
houveram grandes modificações, abriu-se um grande espaço ao centro, e novas seções nas
laterais ficaram concentradas nas laterais. Essa configuração livre e contínua possibilitou
diversas modulações, constituídas por divisórias leves (Figura 10).
Figura 10 – Plantas do edifício ocupado hoje pelo Poupatempo
Fonte: Acervo do Museu dos Ferroviários e da Prefeitura de Jundiaí, modificado pelos autores, 2015
Alterações na disposição dos ambientes assim como mudanças no piso, nas paredes, e na
cobertura foram necessárias para a viabilização das novas atividades (Figura 11).
Figura 11 – Comparação antes e depois da instalação do Poupatempo
Fonte: Acervo da Prefeitura de Jundiaí e acervo dos autores, 2015
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Apesar das intervenções serem representativas, houve certa preocupação em diferenciar o
antigo e as novas construções. As paredes originais, de tijolos aparente, foram pintadas
internamente de amarelo, enquanto que outra parede modificada foi marcada pela cor
vermelha e as novas em branco. Alguns outros elementos da estrutura como os pilares e as
treliças metálicas também permaneceram e ganharam destaque com a cor vermelha (Figura
12).
Figura 12 – Comparação antes e depois da instalação do Poupatempo
Fonte: Acervo dos autores, 2015
A estrutura do telhado ganhou uma nova telha translucida na abertura propiciada pelos
sheds, que são característicos de uma arquitetura industrial e possibilitam a entrada de luz
na edificação. Foram ainda utilizadas telhas de fibrocimento, o madeiramento foi renovado e
a as treliças se mantiveram ganhando uma nova cor. Deste modo, observa-se que apesar
das alterações, o tempo da indústria permanece no ambiente.
Um fator importante a ser levantado é o fato das instalações prediais elétricas e de incêndio
serem feitas externamente, não sendo preciso realizar perfurações desnecessárias nas
paredes, deste modo sua estrutura não é alterada e não provoca descaracterizações.
De modo geral, ao analisar as intervenções que ocorreram nos edifícios que hoje são
ocupados pela FATEC e pelo Poupatempo, constata-se que as intervenções para sua
implantação, mantiveram as fachadas externas bem conservadas e, internamente,
adequações foram feitas para as novas funções, muitas vezes por meio de divisórias, sendo
perceptível uma intenção de manter o caráter industrial do local.
Ao relacionar os princípios estabelecidos pelos teóricos da restauração e pelas as cartas
patrimoniais, procurou-se entender todo o processo que levou às atuais discussões a
respeito dos projetos de intervenção em preexistências. Por meio da análise das
modificações geradas à adaptação de parte dos galpões do Complexo FEPASA, para o
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novo uso do Poupatempo e da Fatec, foi possível verificar em que medidas tais princípios
puderam ser atendidos.
No Complexo FEPASA, a característica de um conjunto de edifícios industriais ainda
permanece com seus aspectos originais, mesmo nos que sofreram adequações para novos
usos. Nota-se que algumas das alterações recentes visaram ser distinguíveis, como é o
caso do Poupatempo, onde suas as intervenções possuem cores diferentes das da
preexistência. Todavia, algumas alterações do passado, passam despercebidas, como o
acréscimo do prédio onde hoje se encontra a administração da FATEC que não é
distingüível, mas não descaracteriza o conjunto industrial.
Como um importante teórico, Camilo Boito, moderando os pensamentos de Ruskin e Le
Duc, já propunha o conceito da mínima intervenção e da distinguibilidade, também
demonstrados na Carta de Veneza. No que se refere a fachada da edificação do
Poupatempo, de fato as intervenções foram mínimas, mas, internamente foram mais
representativas, gerando intervenções evidentes, porém, o conceito de distinguibilidade está
presente na diferenciação das cores das paredes novas e antigas, assim como na técnica
construtiva. Para o caso específico da FATEC, as intervenções aparentam certa
“neutralidade”. Por outro lado, são adaptações respeitosas, lembrando o conceito de
“mínima intervenção” defendido desde Boito, no século XIX.
A partir do “restauro crítico”, contexto no qual nasceu a Carta de Veneza, passou-se a
enxergar a necessidade de uma atuação multifacetada, Brandi como representante, expõe a
necessidade de uma relação dialética entre as “instâncias” estética e histórica da obra. A
restauração não deve ser arbitrária, mas é preciso entendê-la caso a caso. Segundo Kühl
(1998a), para Brandi, a restauração de produtos industriais, deve visar a recuperação da
sua funcionalidade.
Assim, apesar de possuir alguns aspectos questionáveis, as intervenções realizadas no
Poupatempo e na FATEC ainda mantiveram o caráter industrial, por meio dos aspectos
estéticos e históricos, o tempo da indústria permanece na sua ambiência. Além disso,
possibilita um novo uso para a edificação, contribuindo para a preservação do patrimônio no
cotidiano e na memória das pessoas, auxiliando, dessa forma, para sua salvaguarda.
Conclusão
Através das entrevistas foi possível notar que apesar do Complexo ser de grande
importância histórica e cultural para a cidade, grande parcela da população ainda não
reconhece todo o seu conjunto. Apesar dos esforços que vem sendo realizados, seus usos
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mais recentes como a Fatec e, principalmente, o Poupatempo, marcam e identificam o local.
Chega a ser compreensível que tal correspondência ocorra, dado o elevado número de
pessoas atraídas pelos serviços que neles são oferecidos, tanto por moradores de Jundiaí
como das cidades da região.
Contudo, mesmo que os serviços atuais no Complexo FEPASA tragam uma grande massa
de pessoas para o local, e desta forma, amplie o reconhecimento e valorização pela
sociedade de Jundiaí e região em relação a este bem, esses usuários, de fato, conhecem
muito superficialmente a sua história e a importância dele para formação de Jundiaí. Em
alguns casos, não identificam o local pelo nome de “Complexo FEPASA” ou “Complexo das
antigas Oficinas da Companhia Paulista”, sendo necessário associá-lo ao Poupatempo ou a
Fatec.
Neste sentido, as diretrizes propostas apontam para um trabalho de conscientização, por
meio de ações de educação patrimonial, assim como, desenvolvimento de propostas
visando melhor integração da relação do Complexo com a cidade.
Seria importante que novas atividades ocorressem, pois, o tombamento, sozinho, não
garante sua preservação, deste modo seria importante nos usos e apropriações,
preferencialmente culturais ou sociais, de utilidade pública. Somente por meio da utilização
do local que ele poderá ser mantido e apropriado por seus usuários, participando da
dinâmica urbana.
Contudo, é preciso que os projetos de intervenção realizados sejam respeitosos, mantendo
as características históricas e estéticas mais relevantes, ainda que necessite de adaptações.
Tais ações devem levar em conta a teoria da restauração, e se apoiar em conceitos como a
distinguibilidade, a mínima intervenção, a reversibilidade e a compatibilidade de técnicas e
materiais. Valorizando sua história através de um projeto de qualidade e compatível com as
necessidades contemporâneas.
Questiona-se desta forma, até que ponto estes novos usos, especialmente a FATEC e o
Poupatempo, são adequados para terem sido instalados no Complexo FEPASA: em certa
medida eles são viáveis em um patrimônio de extrema relevância para a cidade, mas que
carece de cuidados especiais com sua estrutura e a materialidade de sua infraestrutura
construtiva. Pois, ao mesmo tempo em que é positivo o fato de torná-lo mais conhecido, ao
atrair um grande fluxo de pessoas para o local, o uso constante de automóveis acarreta
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grande impacto na estrutura física do Complexo, “Os carros batem nas muretas, o trilho é
soterrado, o solo cedendo, as grelhas originais afundando, é um impacto muito grande[...]” 2.
É necessário um estudo interdisciplinar aprofundado sobre a questão da inserção desses
bens do patrimônio industrial no espaço, compreendendo a sua passagem no tempo, e suas
relações com a estruturação da cidade ou do território, sua articulação com aspectos
sociais, econômicos, culturais e políticos. Qualquer obra arquitetônica se relaciona com o
espaço e com a sociedade em que está inserida, sendo elemento participante das
transformações ali ocorridas no passar dos anos, por vezes provocando mudanças
profundas, sendo parte integrante da percepção de uma dada realidade (KÜHL, 2010).
É consenso que o Complexo Ferroviário de Jundiaí possuí um forte valor histórico e afetivo
para a cidade, sendo a instalação das Oficinas da Companhia Paulista de grande
importância para transformar a dinâmica e a vida da sociedade jundiaiense da época.
Mesmo que tenha passado por uma fase de abandono, com a desativação das oficinas e o
declínio dos transportes ferroviário no Brasil, boa parte do Complexo ainda permanece bem
conservado. São muitas as vantagens criadas ao se fazer um bom aproveitamento do
espaço disponível no Complexo FEPASA - desde a criação de um novo espaço de lazer
para os citadinos até a própria preservação do bem.
Contudo, é preciso pensar de forma ampla ao tratar do patrimônio industrial, e ter claro que
para sua preservação, um olhar abrangente deve envolver e se relacionar tanto com a sua
história, o seu contexto e a estrutura da cidade.
Referências
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2 Citação de Maria Angélica, Presidente do COMPAC (Conselho Municipal do Patrimônio Cultural) e
administradora do Complexo FEPASA, em entrevista concedida ao pesquisador, ocorrida no dia 30/04/2015, na Sala do Relógio do Complexo.
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