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II CONINTER – Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades
Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013
PRESERVAÇÃO DA HISTÓRIA E DA MEMÓRIA CARBONÍFERA DO RIO GRANDE DO SUL: UM DESAFIO ATUAL
FREITAS, Tassiane Mélo de. (1); RIBEIRO, Maria de Fátima Bento. (2)
1. Universidade Federal de Pelotas. Instituto de Ciências Humanas. Manoel Pacheco, 54 – Centro – Arroio dos Ratos – 96740-000
2. Universidade Federal de Pelotas. Instituto de Ciências Humanas. General Argolo, 1423, Ap. 306, Ed. Núbia – Centro – Pelotas – -
RESUMO Há cerca de duzentos anos o carvão mineral foi descoberto na Região Carbonífera do Baixo Jacuí, no Rio Grande do Sul. Ao longo dos anos esta região passou a ter importância na conjuntura nacional, pelo fato de oferecer meios para o desenvolvimento econômico brasileiro, nos ramos de extração mineral e de geração térmica de energia elétrica. Este estudo abrange a tradicional região carbonífera gaúcha que é constituída pelos municípios de Arroio dos Ratos, Butiá, Charqueadas e Minas do Leão. Tem como delimitação temporal, o processo histórico que se desenvolveu em torno da mineração de carvão no Estado. O objetivo principal é compreender o motivo que levou à falta e/ou pouco empenho da população carbonífera com a preservação de espaços específicos que revelam a história e a memória da mineração de carvão. Foi realizada uma revisão bibliográfica e aplicado um questionário em parte da população dos municípios carboníferos com o propósito de responder ao problema de pesquisa. Como resultado parcial aponta-se que a ausência de um programa educativo sistêmico, que aborde a questão patrimonial, se constitui um dos entraves ao processo de conscientização social acerca da importância do patrimônio e de sua preservação.
Palavras-chave: Região Carbonífera do Baixo Jacuí. Mineração de Carvão. Patrimônio. Preservação.
INTRODUÇÃO
Há cerca de duzentos anos, um mineral poderoso para fazer mover as máquinas
surgidas com a Revolução Industrial, o carvão, foi descoberto numa inóspita região do Brasil.
Tratava-se da Região Carbonífera do Baixo Jacuí, no Rio Grande do Sul, que ao longo dos
anos passou a ter importância na conjuntura nacional, pelo fato de oferecer meios para o
desenvolvimento econômico brasileiro, especialmente nos ramos de extração mineral e de
geração térmica de energia elétrica.
Este estudo abrange a tradicional região carbonífera do Rio Grande do Sul que é
constituída pelos municípios de Arroio dos Ratos, Butiá, Charqueadas e Minas do Leão. Tem
como delimitação temporal o processo histórico que se desenvolveu em torno da mineração
de carvão no Estado entre fins do século XIX até seu período áureo, entre as décadas de 1940
e 1950.
O problema se fundamenta na seguinte questão: por que a população da tradicional
região carbonífera gaúcha não se empenha decisivamente com a preservação da história e da
memória da mineração de carvão representadas através de alguns espaços específicos?
O objetivo geral é identificar uma possível razão que levou à falta e/ou pouco
comprometimento da população carbonífera com a preservação de determinados espaços.
Acrescentam-se como objetivos específicos: relatar o processo de constituição da região
carbonífera tradicional do Rio Grande do Sul e sua relação com o processo de extração
mineral; identificar espaços relacionados com a mineração de carvão; por fim, apresentar uma
iniciativa recente que visa à preservação da história e da memória carbonífera do Rio Grande
do Sul.
Optou-se por realizar uma revisão bibliográfica e apresentar os resultados do
questionário aplicado em parte da população dos municípios carboníferos. Este instrumento
foi aplicado na tentativa de responder ao problema de pesquisa.
2 A SAGA DO CARVÃO NO RIO GRANDE DO SUL: UM BREVE HISTÓRICO
A Microrregião Carbonífera do Baixo Jacuí compreende os municípios de Arroio dos
Ratos, Barão do Triunfo, Butiá, Charqueadas, Eldorado do Sul, General Câmara, Minas do
Leão, São Jerônimo e Triunfo. “Esta área está compreendida entre os paralelos °37’ e
3 °38’ de latitude Sul e os meridianos 51°15’ e 51°14’ de longitude Oeste de Greenwich”
(HASENACK; GUERRA, 2000, p. 15).
Tendo em vista que este estudo pretende delimitar o espaço que compreende a
tradicional região carbonífera, deve-se observar que:
[...] A região por suas determinações técnicas, é mais ampla do que a relação jazidas-áreas residenciais, incorporando outros locais necessários à extração e à circulação do carvão, como portos de embarque, os estabelecimentos insumidores e as vias que materializam esses fluxos. O termo ‘tradicional’ é utilizado para localizar o espaço que deu origem à exploração carbonífera no Rio Grande do Sul, desde o século XIX quando foi descoberto e teve início a sua exploração econômica, a partir do ‘Curral Alto’ nas minas de Arroio dos Ratos e do Butiá [...]. (NEVES; CHAVES, 2000, p. 109).
Partindo para um breve histórico da região, destaca-se inicialmente a obra Monografia
de São Jerônimo (SIMCH, 1961). Escrita pelo ex-médico das minas de carvão, Dr. Carlos
Alfredo Simch, trata-se de um estudo exaustivo acerca da formação da região carbonífera
gaúcha enfatizando principalmente suas características geográficas e históricas. Esta
referência é considerada fundamental, pois além de ser um dos primeiros estudos
estruturados que envolvem o universo da mineração de carvão no Rio Grande do Sul, traz
elementos detalhados acerca da formação dos municípios carboníferos e do complexo
industrial do carvão que se encontrava em seu auge durante os anos 1940. Entretanto,
percebe-se a ausência de uma análise crítica e estruturada em relação às fontes e aos dados
apresentados, o que pode ser explicado pelo fato de ser uma narrativa sem a preocupação de
seguir os ditames da operação historiográfica.
Seguindo a mesma linha de construção da Monografia de São Jerônimo (SIMCH,
1961), surgem mais tarde outras obras que contextualizam a região carbonífera: Arroio dos
Ratos: berço da indústria carbonífera nacional, de autoria do cônego Ervino Lothar Sulzbach
(1985), A Monografia de Charqueadas sua origem, sua história, sua gente do jornalista
Saldino Antonio Pires (198-?) e Butiá em busca de sua história, da historiadora Gertrudes
Novak Hoff (1992). Estas narrativas tratam de aspectos relevantes da formação dos
municípios de Arroio dos Ratos, Charqueadas, Butiá e Minas do Leão associados à atividade
extrativa mineral.
Conforme abordado na obra de Simch (1961), a descoberta do carvão no Rio Grande
do Sul aconteceu, aproximadamente, em fins do século XVIII por um soldado português, que
vagando pela região do Baixo Jacuí, encontrou o carvão de pedra e enviou a amostra a Rafael
Pinto Bandeira, a maior autoridade da Capitania naquele período. Na localidade da
descoberta, atualmente está situado o município de Minas do Leão. Entre a descoberta do
carvão de pedra até a instalação da primeira indústria carbonífera, as amostras do mineral
eram encaminhadas até a sede do Governo Imperial, no Rio de Janeiro.
Em 1853, Luiz Vieira Cansação de Sinimbú, o Visconde de Sinimbú, até então
Presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, entrou em contato com o
experiente mineiro inglês James Johnson, a fim de que pudesse dar início à grande
empreitada da mineração de carvão no Brasil. Após conseguir uma concessão do governo
imperial, Johnson deu início às pesquisas e à extração de carvão no atual município de Arroio
dos Ratos:
O Visconde de Sinimbú com aquela enérgica disposição de atacar de maneira ativa o caso do carvão, S. V. Exa. obteve do Governo Imperial um crédito de 3 contos para auxiliar as obras da Província e, no caso a pesquisa do carvão. Animado deste propósito entrou em contato com o mineiro inglês JAMES JOHNSON, a quem o Presidente encarregou de uma nova exploração de carvão nas margens do Jacuí, James Johnson, com material embora precário, sondas pequenas, começou seus trabalhos em São Jerônimo, povoação do Novo Triunfo, fronteiro à Vila de S. Bom Jesus do Triunfo, situada à margem esquerda do Jacuí, enquanto sondava na margem direita (SIMCH, 1961, p.194).
Somente em 1881 teve início a extração do carvão mineral na região onde,
atualmente, está localizado o município de Butiá. Neste ano o boticário de Jaguarão, Nicácio
Teixeira Machado, conseguiu uma concessão para a exploração do mineral. Diante das
dificuldades enfrentadas e do pouco reconhecimento por parte do Império, Nicácio aproveitou
uma das visitas do político Gaspar Silveira Martins à região de São Jerônimo, para solicitar
“valiosos préstimos” às atividades extrativas. Entretanto, nada foi concedido. Coube então ao
boticário se aventurar na abertura de poços de extração de carvão, juntando os seus parcos
capitais aos de seus amigos Guilherme Krumel, Felipe Steigleder e Luiz Custódio. De forma
insistente buscou a concessão de uma área para estudar as possibilidades de implantação de
uma linha férrea que transportasse o carvão. Este objetivo também foi frustrado. A alternativa
para o escoamento do carvão foi transportá-lo através de carroças até o porto de São
Jerônimo, de onde partia para ser comercializado na capital do Rio Grande do Sul.
O ano de 1932 foi um marco para o desenvolvimento da indústria carbonífera nacional.
Neste ano, o Grupo Capitalista Martinelli capitaneado pelo engenheiro carioca Roberto
Cardoso, iniciou a abertura de um novo poço, o “Poço ” ou “Poço Farroupilha”, que foi assim
denominado devido a sua inauguração ter sido no ano de 1935, ou seja, quando se
comemorava o centenário da Revolução Farroupilha (HOFF, 1992). Este poço foi um plano
inclinado com correia sem fim, sendo o primeiro do gênero no país, uma verdadeira revolução
tecnológica empregada para a atividade extrativa naquele período. Foi também responsável
pelo crescimento urbano que tomou rumo para a área nordeste do município de Butiá. Com o
surgimento do Poço Farroupilha, novos aglomerados de casas geminadas foram aparecendo,
modificando consideravelmente o panorama arquitetônico da cidade, até então formado
basicamente por residências de barro com cobertura de palha. Além do mais, a abertura deste
novo poço trouxe à tona o processo de migração de pessoas vindas da zona da campanha
atraídas pela pseudo propaganda de aquisição de riqueza com o trabalho nas minas de
carvão da região. Por fim, a abertura do Poço Farroupilha foi um dos fatores essenciais que,
posteriormente, deram condições econômicas para que o até então quarto distrito de São
Jerônimo (Butiá), encaminhasse seu processo de emancipação, deixando, assim, de ser um
distrito para se tornar, posterior e oficialmente, um município em nove de outubro de 1963
(HOFF, 1992).
Da implantação da primeira indústria carbonífera no Brasil (1872) até o ano de 1932 o
processo de beneficiamento do carvão para venda e utilização em diversas áreas que dele
necessitava ocorreu de forma lenta, gradual e intermitente.
As primeiras experiências de utilização do carvão gaúcho em caráter industrial foram
realizadas em locomotivas, pelo engenheiro Azevedo Sodré. Utilizando amostras vindas das
minas de Arroio dos Ratos, que eram comparadas com lenha, coque e Cardiff, o carvão
mineral começou a ganhar importância pelo seu alto poder energético.
Com o início da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a extração de carvão atingiu um
índice crescente e volumoso em razão da falta de carvão estrangeiro, pois os países em
guerra não exportavam o mineral por necessidade de manter a reserva deste combustível.
Em 1920, a utilização do carvão nas locomotivas da Viação Férrea, encampada pelo
Governo do Estado, novamente acelerou a produção carbonífera pós Primeira Guerra
Mundial, assim o carvão gaúcho garantiu o transporte ferroviário e hidroviário. O mineral
também manteve o pleno funcionamento da usina termoelétrica de Porto Alegre (Usina do
Gasômetro) (HOFF, 1992). Da mesma forma, durante a Segunda Guerra Mundial (1939 –
1945), continuou abastecendo o mercado interno brasileiro.
Os primeiros aproveitamentos do carvão mineral para a geração de energia elétrica no
Brasil datam de fins dos anos 1950, em decorrência da sua substituição por óleo diesel e
eletricidade no setor do transporte ferroviário. Naquela época, foram iniciados estudos e, em
seguida, a construção das usinas termoelétricas de Charqueadas, no Rio Grande do Sul, com
72 MW de potência instalada, Capivari, em Santa Catarina, com 100 MW, e Figueira, no
Paraná, com 20 MW.
Atualmente o carvão mineral vem sendo utilizado, principalmente, na geração de
energia elétrica, o que representa 81% do seu mercado e, complementarmente, na geração
de vapor para processos industriais. Este recurso mineral está distribuído nos três Estados do
Sul, sendo que o Rio Grande do Sul detém 90% do total dos recursos atualmente conhecidos.
A extração de carvão ao mesmo tempo em que se transformou num sustentáculo
econômico para os municípios formados a partir desta atividade e, consequentemente, para
as famílias de trabalhadores mineiros, por outro lado pode ser encarada como um grande
fardo devido às condições muitas vezes degradantes impostas pelo árduo trabalho nas minas
de carvão.
3 OS ESPAÇOS E A PROBLEMÁTICA DA PRESERVAÇÃO
“Arroio dos Ratos: berço da indústria carbonífera nacional”, assim o Cônego Ervino
Lothar Sulzbach (1985) denominou o pequeno município localizado a 55 km de Porto Alegre.
Ao adentrar a cidade é possível avistar o pórtico constituído por um trilho com vagonetas
enfileiradas acima. Numa das colunas que sustentam o pórtico está afixada a placa em
homenagem ao pioneiro da mineração, James Johnson.
Próximo à estação rodoviária de Arroio dos Ratos está localizado, mais um espaço da
história e memória da mineração de carvão gaúcha: o Museu Estadual do Carvão. Sediado no
local onde funcionou a primeira usina termoelétrica do Brasil, é um marco para a cidade que
inaugurou a indústria do carvão no país.
Criado em 1986 pelo decreto estadual nº 32.211 e vinculado à Secretaria de Cultura
do Estado do Rio Grande do Sul (SEDAC), o Museu do Carvão, como é popularmente
conhecido, localiza-se em uma área verde de aproximadamente 11 hectares e possui em seu
parque os prédios do escritório, almoxarifado e laboratório, além das galerias subterrâneas,
caldeiras, casa de fundição, resfriadores e oficinas pertencentes à usina termoelétrica que
esteve em funcionamento de 1924 a1956. Possui ainda um acervo composto por ferramentas
e utensílios de extração mineral, peças para a eletricidade em porcelana e tijolos refratários
vindos da Europa. Mais impressionante que os objetos vistos de forma isolada, são as
galerias onde dia após dia os mineiros trabalhavam.
Este conjunto de prédios e peças museológicas são parte de um momento histórico,
social e econômico do Brasil, desta maneira, possuem um importante valor documental para a
comunidade local e para o estado do Rio Grande do Sul.
Atualmente o Museu do Carvão está fazendo parte de um projeto de recuperação da
estrutura de seus prédios, buscando assim a funcionalidade dos espaços. Esta ação é uma
parceria entre a Secretaria de Estado da Cultura, Secretaria de Comunicação e Inclusão
Digital, Companhia de Pesquisas e Lavras Minerais (COPELMI Mineração Ltda), Companhia
Rio-Grandense de Mineração (CRM) e Companhia de Processamento de Dados do Estado do
Rio Grande do Sul (Procergs). Como parte deste projeto, foram inaugurados no dia 17 de
janeiro de 2012 o Telecentro e a Praça Digital juntamente com a entrega de um dos prédios
que compõem o parque que sediará o futuro Arquivo Histórico da Mineração.
Fotografia 1: Vista do Museu Estadual do Carvão em Arroio dos Ratos. Fonte: Acervo do Museu Estadual do Carvão.
Ainda na região central da cidade, no Largo do Mineiro, encontra-se o “Monumento ao
Mineiro”. A estátua de bronze de metros de altura foi encomendada pela primeira legislatura
da câmara municipal. A inauguração ocorreu em dezembro de 1974. Seu emblema afirma que
o objetivo é representar os mineiros anônimos que formaram o município. No ano de 2009 o
monumento foi danificado, causando revolta de parte da população arroio-ratense.
O relato feito pela historiadora Gertrudes Novak Hoff em 1992 ao final da obra Butiá
em busca de sua história, transparece sua indignação frente ao descaso com o patrimônio:
O desabafo de uma butiaense: Que progresso é esse que destrói insensivelmente a história e as lembranças de um povo humilde e trabalhador? Se olharmos o Poço 1 e o Poço 2 sentiremos vergonha de viver aqui. Pois que município é esse, que deixa a destruição tomar conta e as teias de aranha contar uma história triste de descaso e acomodação?(HOFF, 1992, p. 269).
A mineração de carvão em Butiá foi capaz de definir a ocupação do solo e nortear o
crescimento urbano. Para tanto, é em torno do Poço Borges de Medeiros (o Poço 1), que
surgiu o primeiro aglomerado de casas, pelos anos de 1906 e 1907. Estas construções eram
ranchos de pau-a-pique com cobertura de palha de Santa Fé (HOFF, 1992). Atualmente
observa-se o péssimo estado de conservação dos antigos prédios das oficinas do Poço 1. Na
torre do resfriador de carvão, por exemplo, foi acoplado um toboágua onde os sócios da sede
campestre do Clube Butiá se divertem nas tardes de verão.
Fotografia 2: Ruínas da torre do antigo resfriador de carvão do Poço Borges de Medeiros em Butiá. Fonte: Acervo da Prefeitura Municipal de Butiá.
Ainda em Butiá, encontramos as ruínas do Poço Farroupilha (Poço 2) ou Esqueleto,
como é conhecido. Como salientado, anteriormente, foi considerado uma referência de alta
tecnologia investida na indústria de extração de carvão no Brasil. A denominação de
Esqueleto para este espaço, sugere o estado dilapidado do prédio onde só restou a base de
sua estrutura.
Em Charqueadas o Poço Otávio Reis destaca-se por seu protagonismo na história da
indústria carbonífera. Inaugurado em 1956, foi considerado o poço mais profundo de
mineração de carvão da América do Sul, contando com cerca de 300 metros de profundidade
(PIRES, [198-?]). Apesar do fechamento do Poço Otávio Reis, sua torre permanece e está
localizada próximo às margens do Rio Jacuí.
Fotografia 3: Vista do antigo Poço Otávio Reis na atualidade. Fonte: http://www.panoramio.com/photo/28795233
A cidade de Minas do Leão possui espaços de mineração de carvão mais recentes. A
Mina Leão I, de propriedade da Companhia Rio-Grandense de Mineração (CRM), está situada
às margens da BR-290. Esta mina iniciou sua operação em 1963, através do poço P1, com
125 metros de profundidade. Os trabalhos no subsolo pararam no ano de 2002 devido,
principalmente, aos altos custos da mineração. A Mina Leão II também pertencente à CRM,
está distante apenas 6 Km ao norte da Mina do Leão I. A infra-estrutura existente no local
constitui-se de: dois túneis inclinados de acesso à camada de carvão; seis quilômetros de
galerias no subsolo; silos subterrâneos para carvão; poço de ventilação com 220 metros de
profundidade; prédios com 10.000 m2 de área útil e equipamentos diversos para a lavra e
beneficiamento do carvão.
Há outros espaços na região carbonífera que não foram contemplados neste artigo,
evidentemente devido à extensão do trabalho proposto. Assim, diante dos espaços
apresentados acima e dos problemas quanto à preservação de alguns deles, pode-se refletir
sobre a relação entre patrimônio e preservação.
É importante destacar que o conceito de patrimônio definido por Néstor García
Canclini como participacionista (CANCLINI, 1999) foi relevante para este estudo. Esta noção
leva à compreensão da relação das disputas de memórias com a preservação do patrimônio
cultural. Nesta abordagem, a preservação do patrimônio cultural deve relacionar-se com as
necessidades sociais presentes e com um processo democrático de seleção do que se
conserva. Também deve estar ligada à participação social com o objetivo de evitar as
desigualdades, monumentalização e a “coisificação” de objetos. Ao investigar a realidade
patrimonial da região carbonífera percebe-se que não há uma participação ativa da população
visando à preservação dos espaços apresentados. A ausência de uma organização capaz de
propiciar uma participação ativa e democrática é evidente. Um exemplo de organização são
os conselhos municipais do patrimônio, que se apresentam como uma forma de oportunizar o
debate e a realização de ações diretas em benefício da preservação patrimonial.
Conforme Zamin ( , p.1 ) “a preservação do patrimônio é um tipo de mediação
entre o presente e o passado sendo cada vez mais vinculada ao conceito de memória
coletiva”. Ainda segundo a autora a preservação de elementos materiais é uma forma de
assegurar a permanência das memórias coletivas, podendo salvar a sociedade do
esquecimento, pois uma sociedade que perde sua memória fica à deriva (ZAMIN, 2006).
As memórias se direcionam a relações de poder. Adentra-se assim no campo das
disputas do que preservar, como preservar e para quem preservar.
Conforme Llorenç Prats (2005) a verdadeira natureza do patrimônio local se baseia na
memória. Assim:
Podemos decir, sin lugar a dudas, que la memoria determina los referentes en que la comunidad va a fijar sus discursos identitarios, con un carácter casi totémico, pero también los contenidos mismos de esos discursos. La memória compartida, antes que colectiva, es, por supuesto, una construcción social, como es una construcción también, de carácter más o menos individual, la memória biográfica. (PRATS, 2005, p. 26).
Colaborando com esta visão, Dominique Poulot ( , p. 18) afirma que: “[...] a
profundidade do patrimônio evoca o que, em primeira análise, poderia ser designado memória
da qual ele depende e é a manifestação”. Já, segundo o historiador Jacques Le Goff ( 3, p.
47 ): “[...] a memória coletiva é não somente uma conquista, é também um instrumento e um
objeto de poder”.
Tendo em vista as políticas patrimoniais como resultados de dinâmicas de lembranças
e esquecimentos nas disputas entre grupos sociais, é importante estar atento à existência de
memórias sociais calcadas no paradoxo que Paul Ricoeur ( 7, p. ) denomina como “[...]
excesso de memória aqui, insuficiência de memória ali [...]”.
As observações de Prats (2005), Le Goff (2003), Ricoeur (2007) e Poulot (2009)
levantam uma problemática maior para a preservação do patrimônio na região carbonífera: a
do posicionamento das práticas de preservação patrimonial e sua relação com a memória
coletiva.
Retornando ao problema da pesquisa, foi elaborado um questionário contendo 14
questões que buscavam responder a questão levantada. Este instrumento foi aplicado nos
municípios de Arroio dos Ratos, Butiá, Charqueadas e Minas do Leão nos seguintes grupos:
secretários de educação e de cultura, professores, mineiros, ex-mineiros e seus respectivos
familiares. A escolha dos grupos obedeceu aos seguintes critérios: segmentos diretamente ou
indiretamente relacionados à atividade extrativa mineral e pessoas relacionadas a áreas da
educação e cultura (educadores e secretários de educação e cultura).
Ao total foram 27 questionários aplicados. A faixa etária dos colaboradores desta
pesquisa foi entre 23 e 86 anos. As mulheres corresponderam 59%, enquanto os homens
40%. Outro dado fundamental de ser analisado é o da escolaridade. Aqueles com ensino
superior completo corresponderam a 44%; 7% ensino superior incompleto; 18% tinham o
ensino médio completo; 3% ensino médio incompleto; 11% ensino fundamental completo;
14% ensino fundamental incompleto. Entre as profissões apresentadas: 44% são professores;
14% aposentados; 7% mineiros aposentados; 7% donas de casa; outras profissões somam:
25%. É importante salientar que entre as profissões apontadas há pessoas no momento
exercendo cargos públicos tais como: de secretário de educação, secretário de cultura e
vereador.
Em relação ao parentesco dos entrevistados com pessoas que trabalharam ou
trabalham na mineração de carvão: 85% apontaram ser parentes de mineiros da ativa, de
ex-mineiros ou mineiros aposentados.
A maioria dos entrevistados considera “bom” o seu grau de conhecimento acerca da
história da mineração de carvão no Rio Grande do Sul. Em segundo lugar está o grau
“regular”. Não houve nenhum entrevistado que considerou ruim o seu grau de conhecimento
sobre a história da região carbonífera. Todos consideraram possuir ao menos um
conhecimento básico.
Todos avaliaram como importante a preservação da história e da memória carbonífera
para o desenvolvimento dos seus municípios e apontaram que a educação escolar e a
educação não formal devem se envolver em ações que visam a preservação do patrimônio. A
maioria acredita que a aplicação de um trabalho envolvendo a comunidade através da
educação pode ser uma iniciativa de êxito para a preservação do patrimônio. Conforme 48%,
as SMEC’s deveriam liderar iniciativas de preservação do patrimônio histórico cultural;
Seguindo esta resposta 44% afirmou que as prefeituras devem estar na liderança de tais
ações.
Em relação às razões que os municípios da região carbonífera não tem preservado
seu patrimônio, a maioria aponta a falta de interesse político como a principal causa, seguida
do desconhecimento de ações que podem levar à preservação do patrimônio, falta de
iniciativas, desinteresse e falta de verbas.
Gráfico 1: Razões apontadas para a não preservação do patrimônio na região carbonífera.
CONCLUSÃO
Baseado nos resultados apontados pelo questionário e na busca pela compreensão
da relação entre memória e preservação patrimonial foi possível perceber que ao mesmo
tempo em que a maior parte da população demonstra um sentimento de pertença e orgulho de
um passado/presente ligado à mineração de carvão, a ausência de um trabalho capitaneado
pela área da educação (especialmente formal) desmotivou um comprometimento decisivo da
população (principalmente os mais jovens) com a preservação do patrimônio.
Foi constatado por meio das respostas do questionário, que um trabalho educativo
sistêmico é uma alternativa na busca pela preservação do patrimônio carbonífero.
A falta de sensibilização e comprometimento da população pode estar relacionada aos
desestimulantes problemas infraestruturais presentes na maioria dos municípios que
compõem a região: os efeitos nefastos da atividade extrativa mineral em relação ao
meio-ambiente, a instabilidade mercadológica do carvão e o desemprego são alguns dos
motivos que levam a esta situação a qual pode ser revertida através de um trabalho
processual que envolva professores e estudantes do ensino fundamental com o auxílio de
material didático- pedagógico.
Por fim, é relevante destacar uma iniciativa que tem como objetivo a busca da
conscientização social acerca da importância do patrimônio e de sua preservação. Trata-se
do projeto Uma luz no fim do túnel. Desenvolvido no ano de 2009 por um grupo voluntário de
universitários gaúchos, tem como objetivo principal a salvaguarda do acervo documental do
antigo CADEM (Consórcio Administrador das Empresas de Mineração). Este acervo–
composto por documentos administrativos e sindicais, jornais, fotografias, plantas, entre
outros – é considerado o maior banco de dados já descoberto sobre as minas de carvão do
país, seu valor histórico é incalculável, todavia seu estado de conservação é precário. Essa
iniciativa propõe reverter tal quadro, esclarecendo estudantes e a população da região a
respeito da importância da preservação do patrimônio. É também uma forma de estreitar o
vínculo dos jovens com a memória da mineração de carvão na região e o trabalho mineiro e
apontar novos horizontes para o desenvolvimento regional. Esta iniciativa, que atualmente
tem suas oficinas ministradas no Museu Estadual do Carvão, está se encaminhando para a
sétima edição e até então ministrou oficinas para cerca de trezentas pessoas.
Concluo esta pesquisa destacando a importância de um trabalho de educação
patrimonial sistêmico que leve em conta a realidade regional carbonífera. Esta é uma
necessidade imprescindível para que a população reafirme definitivamente seu compromisso
com sua história e memória de forma a fomentar o senso preservacionista, capaz de propiciar,
inclusive, alternativas para o desenvolvimento sócio-econômico e cultural da região.
REFERÊNCIAS
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