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Jornal de Psicanálise, São Paulo, 41(75): 75-96, dez. 2008. 75 PRESENÇA SENSÍVEL: A EXPERIÊNCIA DA TRANS- FERÊNCIA EM FREUD, FERENCZI E WINNICOTT Daniel Kupermann * Para Chaim Samuel Katz RESUMO Através de uma análise histórico-crítica das concepções de transferência apresentadas nas obras de S. Freud, S. Ferenczi e D. W. Winnicott, pretende-se demonstrar que o estilo clínico desenvolvido por esses autores não pode ser dissociado do contexto no qual exercem a psicanálise, especialmente das formas de sofrimento psíquico nele predominantes. Tendo a neurose como matriz clínica privilegiada, Freud concebe a transferência como atualização dos complexos inconscientes infantis dos analisandos, seu manejo estando regulado pelo princípio da abstinência e pela interpretação da resistência e do recalcado. Por seu turno, Sándor Ferenczi e D. W. Winnicott lidaram com pacientes severamente traumatizados e comprometidos em seus processos de subjetivação e, baseando seu estilo clínico na regressão à dependência e no brincar compartilhado, indicaram que é a qualidade do encontro afetivo que se estabelece entre analista e analisando o que pode conduzir à produção de sentidos na experiência psicanalítica. Palavras-chave: Psicanálise. Transferência. Sigmund Freud. Sándor Ferenczi. D. W. Winnicott. Introdução Desde os primórdios do emprego do méto- do da associação livre, Freud situa na relação analista-analisando o plano decisivo em que ocor- rem os acontecimentos que definirão os rumos de uma análise. Em “Sobre o início do tratamento” (1913/1980m), ensaio que compõe seus artigos sobre a técnica, Freud compara o percurso psica- nalítico a um jogo de xadrez, do qual só se pode transmitir sistematicamente a abertura e o térmi- no, ficando o intermédio sujeito às variáveis mais inusitadas e indeterminadas. Posteriormente, * Professor Doutor do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psico- logia da Universidade de São Paulo (USP). Psicanalista membro da Formação Freu- diana. Autor dos livros Transferências cruzadas. Uma história da psicanálise e suas instituições (Revan) e Ousar rir. Humor, criação e psicanálise (Civiliza- ção Brasileira).

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PRESENÇA SENSÍVEL: A EXPERIÊNCIA DA TRANS-FERÊNCIA EM FREUD, FERENCZI E WINNICOTT

Daniel Kupermann*

Para Chaim Samuel Katz

RESUMO

Através de uma análise histórico-crítica das concepções de transferência

apresentadas nas obras de S. Freud, S. Ferenczi e D. W. Winnicott, pretende-se

demonstrar que o estilo clínico desenvolvido por esses autores não pode ser dissociado

do contexto no qual exercem a psicanálise, especialmente das formas de sofrimento

psíquico nele predominantes. Tendo a neurose como matriz clínica privilegiada, Freud

concebe a transferência como atualização dos complexos inconscientes infantis dos

analisandos, seu manejo estando regulado pelo princípio da abstinência e pela

interpretação da resistência e do recalcado. Por seu turno, Sándor Ferenczi e D. W.

Winnicott lidaram com pacientes severamente traumatizados e comprometidos em

seus processos de subjetivação e, baseando seu estilo clínico na regressão à

dependência e no brincar compartilhado, indicaram que é a qualidade do encontro

afetivo que se estabelece entre analista e analisando o que pode conduzir à produção

de sentidos na experiência psicanalítica.

Palavras-chave:Psicanálise. Transferência. Sigmund Freud. Sándor Ferenczi. D. W.

Winnicott.

Introdução

Desde os primórdios do emprego do méto-do da associação livre, Freud situa na relaçãoanalista-analisando o plano decisivo em que ocor-rem os acontecimentos que definirão os rumos deuma análise. Em “Sobre o início do tratamento”(1913/1980m), ensaio que compõe seus artigossobre a técnica, Freud compara o percurso psica-nalítico a um jogo de xadrez, do qual só se podetransmitir sistematicamente a abertura e o térmi-no, ficando o intermédio sujeito às variáveis maisinusitadas e indeterminadas. Posteriormente,

* Professor Doutor do Departamento dePsicologia Clínica do Instituto de Psico-logia da Universidade de São Paulo (USP).Psicanalista membro da Formação Freu-diana. Autor dos livros Transferênciascruzadas. Uma história da psicanálise esuas instituições (Revan) e Ousar rir.Humor, criação e psicanálise (Civiliza-ção Brasileira).

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Jacques Lacan explicita que a aberturae o término do xadrez psicanalítico es-tão referidos à instalação e aos desti-nos dados à transferência (Lacan, 1968/2003). Assim, o curso de uma análisepode ser definido como o espaço e otempo do manejo da transferência; istoé, o processo psicanalítico está intima-mente relacionado às vicissitudes daafetividade que circula entre analista eanalisando.

Porém, como é comum se obser-var, apesar de o conceito de transfe-rência ser um dos mais empregados naliteratura psicanalítica, é também aque-le do qual, provavelmente, menos seencontra uma univocidade de sentido(Plon & Roudinesco, 1998). Isso sedeve ao fato de que a transferência –sua instalação, manejo e destino –, sen-do considerada o modus operandi daclínica, e estando referida ao plano deafetação que se estabelece no setting,não nos deixa esquecer que o processoanalítico não pode ser reduzido à meraaplicação de uma técnica ou à aquisi-ção inteligível de um saber sobre opassado e seus efeitos no psiquismo dosujeito, o que impõe uma série de difi-culdades de definição e de entendimen-to dos modos como efetivamente ope-ra, segundo a especificidade de cadaanálise. Nesse sentido, a teorizaçãoacerca da transferência está intima-mente vinculada à qualidade da experi-ência afetiva estabelecida no curso deuma análise, o que implica considerar ocontexto no qual um autor pratica a

psicanálise – sobretudo as formas desofrimento psíquico nele predominan-tes – na composição de seu estilo depsicanalisar. O propósito deste ensaioé, justamente, indicar de que maneira atransferência aponta para a dimensãoestética da clínica, sendo a qualidadedo encontro afetivo o que pode condu-zir à criação de sentidos na experiênciapsicanalítica e a emergência de con-cepções distintas da transferência emmomentos cruciais da história da psica-nálise.

A atualização do inconsciente:a transferência em Freud

O conceito de transferênciaemerge cedo na obra freudiana, aindano século 19, no último dos ensaios quecompõem a coletânea “Estudos sobre ahisteria” (escrita em parceria com Jo-seph Breuer), no qual as duas principaisnoções referentes à clínica são apre-sentadas: resistência e transferência(Freud, 1893-1895/1980d e 1980e).

Freud atribui a descoberta datransferência, ainda que indiretamente,ao “fato inconveniente” que lhe foirevelado por Breuer acerca do caso daFräulein Anna O., atendida segundoos princípios do método catártico (Freud,1914/1980g). A escuta ofertada porBreuer aos sofrimentos e paixões deAnna O. dera origem ao enamoramen-to da paciente pelo seu médico, condu-zindo a um dramático desfecho em queAnna O. “simula” um parto anunciando

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a chegada do filho do Dr. Breuer, levan-do-o a interromper definitivamente o tra-tamento.1 A lição extraída do episódio porFreud, que já dispunha de uma concepçãopsicodinâmica do funcionamento do apa-relho mental – da qual o conflito e a noçãode defesa através do recalque eram aspedras fundamentais –, foi a de que acontrapartida da oferta de escuta sensívelpara a histérica e da circulação da palavraque dela derivava é o advento de umamodalidade específica de apaixonamentopor parte da paciente, dirigida ao terapeu-ta. O passo seguinte foi associar a recém-descoberta resistência ao tratamento aesse mesmo apaixonamento, consideran-do que na sua gênese estava uma trans-ferência dos afetos – originalmente dirigi-dos às imagos parentais e convertidos nosintoma histérico por força do recalquepara a figura do analista. Teríamos, as-sim, uma “falsa-ligação” nessa transfe-rência (Uberträgung) de afetos, quedeveria ser acolhida como parte do trata-mento na forma de uma resistência aomesmo (Freud, 1893-1895/1980e).

Apenas a partir da análise de Dora,com o amadurecimento da teorização docomplexo de Édipo na constituição dasubjetividade, Freud (Freud, 1893-1895/1980e) disporia de elementos para conce-ber a transferência ao analista como umaforma de reedição ou de atualização dasimagos parentais no “aqui e agora” da

sessão analítica. Apesar de confessada-mente equivocado em relação à compre-ensão da bissexualidade de Dora, ao iden-tificar sua posição na transferência àfigura paterna, Freud fazia avançar suaconcepção de transferência na direçãodo conceito de repetição, como se lê em“A dinâmica da transferência”, de 1912.

Nesse ensaio, a transferência já seencontra assimilada à teoria da clínicapsicanalítica, não mais como um meroinconveniente – resistência – que aciden-talmente pode ocorrer nas análises, mascomo uma repetição necessária ao traba-lho de acesso às fantasias recalcadasinfantis e ao complexo de Édipo. Tratar-se-ia, então, da reedição dos clichês este-reotípicos impressos na constituição dopsiquismo do sujeito na primeira infânciae sua manifestação configuraria, na situ-ação clínica, a atualização do inconscien-te necessária ao processo psicanalítico.Afinal, “...é impossível destruir alguém inabsentia ou in effigie” (Freud, 1912/1980c, p. 143).

A transferência poderá se apre-sentar nas versões positiva ou negativa.A transferência positiva terna é conside-rada por Freud a maior aliada do trata-mento. Através dela, o analista pode re-conhecer o investimento do analisando nodoloroso processo terapêutico, bem comoadquirir a influência necessária para aefetividade das suas intervenções. Já a

1 A versão oficiosa desse episódio nos conta que Breuer teria fugido dessa atribuição de paternidade,agendando uma segunda lua-de-mel com a esposa. Nessa viagem, teria concebido sua filha Dora (Forrester,1990, p. 50).

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transferência positiva erótica, bem comoa transferência negativa, composta pelosimpulsos agressivos e hostis, são conside-radas formas de resistência ao trabalhoanalítico, constituindo os maiores obstá-culos ao tratamento. Assim, se a transfe-rência é, efetivamente, o modus operandido processo analítico, sendo no campotransferencial que a “vitória” tem de serconquistada, é também indiscutível que“...controlar os fenômenos da transferên-cia representa para o analista as maioresdificuldades” (idem).

Pode-se desde já perceber que, nopercurso freudiano, apesar de a transfe-rência ter sido assimilada ao processoanalítico, tendo seu manejo se tornado oprincipal desafio, as dificuldades em apre-ender os sentidos das intensidades afeti-vas que invadem o espaço analítico con-duziram Freud a confundi-la ora com arepetição dos complexos infantis edipia-nos, ora com a sugestão – pelo uso porparte do analista da sua forma positivaterna –, ora com a resistência à análise,2

nas suas manifestações eróticas e nega-tivas, o que culminou nos impasses de“Observações sobre o amor transferen-cial” (Freud, 1915/1980j).

De fato, se por um lado Freudreconhecera o primado da afetividade

nas análises, por outro esbarrara nos limi-tes impostos pela sua teoria da clínica. Asituação paradigmática, que tem comoreferência a clínica da histeria, é a doenamoramento de uma analisanda porseu analista – característica da época.3

Postulando que essa situação crítica de-manda um manejo específico, não deven-do a demanda de amor ser atendida,tampouco radicalmente recusada, Freudadverte que as intensidades afetivas sãoarriscadas: “Nosso controle sobre nósmesmos não é tão completo que nãopossamos subitamente, um dia, ir maisalém do que havíamos pretendido (...)portanto, não devemos abandonar a neu-tralidade (...) que adquirimos por mantercontrolada a contratransferência (...) otratamento deve ser levado a cabo naabstinência” (Freud, 1915/1980j, p. 214).

Os termos empregados – controle,neutralidade, abstinência – remetem ine-quivocamente a uma concepção segundoa qual o psicanalista precisa se protegerdas intensidades afetivas suscitadas pelatransferência. Além disso, outra figuracrucial referente à relação analista-anali-sando é retomada, apesar de pouco ex-plorada por Freud: a da contratransferên-cia. Noção surgida alguns anos antes, em“As perspectivas futuras da terapêutica

2 Remeto o leitor ao artigo de Jacques-Alain Miller, “A transferência de Freud a Lacan” (Miller, 2002).Apesar de não acompanharmos o argumento do autor – que pretende que as dificuldades de definição datransferência terminaram desde a formulação, por Lacan, do “sujeito suposto saber” como transfenômenoou pivô em torno do qual os fenômenos da transferência girariam –, contrário aos objetivos do nosso ensaio,suas indicações são valiosas para acompanharmos algumas das dificuldades encontradas por Freud,expostas a seguir.3 Atualmente, nem as analisandas parecem ser tão histéricas, nem os analistas são, em sua maioria, homens.

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psicanalítica” (1910/1980k), em que foraconsiderada uma falha humana possívelde ocorrer como contrapartida ao impac-to dos afetos dirigidos ao analista, a con-tratransferência – seu controle, melhordizendo – passa a ser considerada decisi-va para o sucesso do empreendimentopsicoterapêutico.

No ensaio de 1910, escrito porocasião da fundação da IPA (Interna-tional Psychoanalitical Association),Freud indicara que uma análise só avançaaté o ponto em que avançou a análisepessoal do psicanalista, destacando o pro-blema da qualidade do encontro afetivonas análises e o questionamento acercadas faculdades adquiridas pelo analistapara o exercício da disponibilidade sensí-vel que lhe é exigida pela clínica. Porém,poucos anos depois, em “Observaçõessobre o amor transferencial”, a questãoprivilegiada passa a ser a do controle, porparte do analista, dos seus afetos e da suareação aos afetos do analisando. Assim,a exigência de análise para aquele quequisesse se tornar psicanalista, que, apartir dos anos 20, seria oferecida e regu-lada pela associação internacional re-cém-criada, foi instituída obedecendo aduas motivações principais: para que ocandidato a psicanalista reconhecesse eexperimentasse na carne os efeitos doinconsciente, convencendo-se assim dasua efetividade, o que as curtas análisesdesse período pouco proporcionavam; e,sobretudo, para que pudesse lidar comseus pontos cegos e controlar sua con-tratransferência.

Nesse sentido, uma noção ganha-ria o estatuto de princípio ordenador datécnica freudiana: a abstinência. Se aanálise tem apenas uma regra fundamen-tal, a associação livre, a liberdade associ-ativa precisaria de limites, em virtude dosconstrangimentos impostos pela intensaafetividade que inunda o espaço analítico.É verdade que o estatuto da abstinênciana clínica tem uma referência ética. Afi-nal, há uma tendência, visível na clínica dahisteria, de comprometer o trabalho psí-quico e o luto exigido pelo processo deelaboração, tornando a situação transfe-rencial uma situação de gozo pulsional; oamor transferencial servindo, efetivamen-te, a uma paixão pela ignorância. Mas nãose pode esquecer, também, que há outrofator em jogo nessa problemática: a cons-tatação de que as principais formulaçõestécnicas freudianas foram constituídasantes da chamada “virada dos anos 20”,na qual a pulsão de morte e, posterior-mente, a segunda tópica, seriam concebi-das. O modelo clínico de Freud, ao menoso que é apresentado em seus ensaiosprincipais sobre a transferência, é aindadevedor da primeira tópica e da primaziado recalcado na estruturação subjetiva.Assim, a tarefa principal de uma análiseseria promover a recordação do materialrecalcado, ainda que para isso fosse pre-ciso lidar com as vicissitudes da repeti-ção, cujo palco é o campo transferencial.

O princípio de abstinência foi for-mulado, e fez a sua fama, justamentenesse contexto, no qual o trabalho privile-giado nas análises era o do recordar, e

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para o qual o psicanalista contribui atra-vés do seu instrumento maior, a interpre-tação, ainda que, para formulá-la sejapreciso assistir às repetições e às atua-ções (acting-out) nas análises. Portanto,a técnica freudiana apresentada entre osanos 1910 e 1920 (e é apenas em relaçãoa essa concepção que as críticas e osdesenvolvimentos de outros autores deveser considerada) tem como balizas a re-gra fundamental da associação livre, oprincípio de abstinência regulando econtrolando o campo transferencial, e ainterpretação como instrumento privile-giado do qual dispõe o psicanalista pararemeter as repetições coloridas pela afe-tividade às recordações, ou seja, ao con-teúdo recalcado e à elaboração que lhe ésucedânea, como se pode encontrar em“Recordar, repetir e elaborar” (Freud,1914/1980n).

No entanto, no terceiro capítulo deAlém do princípio do prazer (1920/1980a), encontramos uma confissão queabre espaço para contribuições futuras,através da qual Freud reconhece que aprática psicanalítica, originalmente uma“arte interpretativa”, em frente ao fenô-meno da compulsão à repetição, passariaa privilegiar, lado a lado com a interpreta-ção, os afetos vividos na relação transfe-rencial. A experiência analítica ficaria,assim, menos referida ao seu registrointeligível, e mais atenta ao campo dosensível e do que nele se pode produzircomo sentido. Veremos, primeiramenteacompanhando o percurso clínico deSándor Ferenczi, contemporâneo de Freud

e seu principal interlocutor e colaboradorao longo de quase trinta anos, e depois emalguns desenvolvimentos promovidos porD. W. Winnicott, de que maneira a con-cepção do que é a relação transferencialfoi sofrendo transformações e redes-crições, na esteira dos desafios clínicosimpostos pela segunda tópica e pela emer-gência de quadros de sofrimento psíquicodiferenciados das neuroses que merece-ram os cuidados do criador da psicanálise.

A produção de sentido: a transfe-rência em Ferenczi e em Winnicott

O sentido do percurso teórico-clí-nico de Sándor Ferenczi está condensadono primeiro parágrafo do seu Diário clí-nico, escrito ao longo do ano de 1932 –Ferenczi morreria no ano seguinte –, epublicado apenas em 1985, na França, poróbvias razões políticas, dado o seu caráterperturbador em razão do questionamentoda técnica psicanalítica clássica. A notade 7/1/32 refere-se à insensibilidade dopsicanalista: “...maneira afetada de cum-primentar, exigência formal de ‘contartudo’, a atenção flutuante que, afinal nãoo é e certamente não é a apropriada paraas comunicações dos analisandos, im-pregnadas que estão de sentimentos efreqüentemente trazidas com grandes di-ficuldades” (Ferenczi, 1932/1990, p. 31).Para Ferenczi, essa “insensibilidade” –que acabou se configurando a contrapar-tida do princípio de abstinência – nadamais era do que uma defesa (obsessiva,quando não esquizóide ou perversa) dos

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analistas, uma forma de “hipocrisia” e derecusa dos modos pelos quais o analista éafetado e afeta seu analisando no encon-tro clínico.

Na fase inicial dos seus experi-mentos clínicos, marcada pelo empregoda técnica ativa que mereceu os elogiosde Freud, Ferenczi tentara resolver osproblemas causados pela adesividadetransferencial e pela conseqüente estag-nação das análises nos pacientes maiscomprometidos através do uso de injun-ções e proibições, ou seja, da promoçãode atos – suscitados pela palavra deordem emitida pelo analista – que incidi-am sobre o corpo e sobre o circuitopulsional dos analisandos (Freud, 1919/1980i). Sua idéia fora a de produzir, coma radicalização até o absurdo do princípiode abstinência, um incremento da angús-tia que obrigaria o analisando a “traba-lhar”, isto é, livre associar e, finalmente,recordar (Ferenczi, 1919/1993). Buscan-do ser mais freudiano do que o próprioFreud, Ferenczi rapidamente perceberaque, desse modo, produzia apenas maiorsubmissão nos analisandos, que logo seadaptavam aos sacrifícios da técnica ati-va (Ferenczi, 1926/1993a).

É verdade que os quadros clínicosgraves aos quais atendia não configura-vam, na sua percepção diagnóstica, neu-roses clássicas, o que tendia a compro-meter a eficácia da regra fundamental daassociação livre. A inspiração para oemprego da técnica ativa adveio da expe-riência de Freud com o “Homem doslobos”, na qual Freud estipulara uma data

para o término da análise acreditando,assim, produzir um atalho para certasrecordações – no caso, a cena primitiva(Freud, 1919/1980h). De fato, em umaconferência pronunciada (não por acaso)no Congresso Psicanalítico Internacionalde Budapeste, sob o título “Linhas deprogresso na terapia psicanalítica”, Freud(1919/1980i) reconhecera que, diante decertos quadros – notadamente fobias eobsessões graves –, seria necessário umaoutra “atividade” por parte do psicanalis-ta, o que preparava o solo político nocampo psicanalítico para as inovaçõesque seriam apresentadas por Ferenczi.Mas a experiência se revelou contra-indicada, já que, com o recrudescimentoda abstinência e o excesso de interpreta-ções que lhe sucedia, a técnica ativaproduzia mais efeitos iatrogênicos do queterapêuticos.

Revendo esse posicionamento emum ensaio posterior, que pode ser consi-derado um verdadeiro divisor de águas nocampo psicanalítico,“Elasticidade da téc-nica psicanalítica” (1928/1992d), Feren-czi retoma uma formulação importantíssi-ma de Freud, até então não devidamentevalorizada: a de que uma interpretaçãocometida sem tato é não apenas inócua,mas efetivamente patogênica (Freud,1910/1980l). Justamente, essa categoriasutil – o tato – é resgatada para a criaçãode um estilo clínico diferenciado. Feren-czi remete o tato, cujo sentido Freud nãochegou a aprofundar, à faculdade daempatia (Einfühlung), até então explo-rada apenas no terreno da investigação

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estética, e cuja tradução literal seria “sen-tir dentro”. Mas o fundamental de “Elas-ticidade da técnica...”, ao contrário doque se poderia precipitadamente inferir,não é a proposta de uma identificação doanalista com o analisando, ou mesmo, emais grave, de uma projeção sobre estede conteúdos psíquicos do próprio psica-nalista. O aspecto decisivo apreendido nocurso das formulações de Ferenczi, quereside no recurso a essa categoria empre-gada pelos estetas do século 19 e início doséculo 20 (cf. Pigman, 1997), é a compre-ensão do campo transferencial como umplano de compartilhamento afetivo que,através do encontro lúdico, favorece aprodução de sentidos para as experiênci-as de cada um dos parceiros da análise.Porém, para se apreender o que está emjogo no estilo clínico assim proposto, épreciso avançar mais lentamente.

Na experiência ferencziana, namedida em que a fixidez da técnica torna-va-se mais elástica, os analisados passa-vam a encontrar condições de expressãoafetiva inusitadas, sobretudo pelas mani-festações de hostilidade (transferêncianegativa) agora favorecidas. SegundoFerenczi (1928/1992d), se o analista sedispuser a ser usado como um “joão-

teimoso”,4 e se oferecer como suportedas mais intensas manifestações afetivasprevistas pela transferência, será recom-pensado com o ultrapassamento de mui-tas das “resistências objetivas” impostaspelo tratamento-padrão.5 Assim, a “ino-vação” de Ferenczi, segundo sua própriaavaliação, foi resgatar, da regra funda-mental, a dimensão de liberdade – perdidaem grande parte ao longo do processo deinstitucionalização da psicanálise.

Acompanhando os ensaios clíni-cos de Ferenczi, a surpresa revelada apartir do emprego da sua “técnica elásti-ca” foi a de que seus analisandos passa-ram a se permitir sofrer processos re-gressivos intensos, nos quais as formas deexpressão apresentadas se aproximavamdas de crianças, tanto em sua dimensãolúdica, quanto em sua dimensão de dortraumática. Pode-se contrapor, claro, queas regressões eram provocadas, e nãoespontâneas, crítica merecida, posterior-mente, também por Winnicott. Mesmo otermo utilizado por Ferenczi para nomearo que ocorria em sua clínica, “neocatar-se”, é fértil para provocar equívocos (Fe-renczi, 1930/1992e).

No entanto, é preciso contextuali-zar essas experiências com o que se fazia

4 Ou “joão-bobo”, o boneco que oscila de um lado ao outro ao ser empurrado, mas que, pelo fato de nãoperder o eixo, não tomba definitivamente, retornando sempre à posição vertical.5 Convém notar, mesmo sem desenvolver a questão no espaço deste ensaio, que essas contribuições sãoherdeiras de uma polêmica entre Freud e Ferenczi acerca da transferência negativa que data do período emque Ferenczi foi analisado por Freud, nos anos de 1914 e 1916. Em uma carta tardia, Ferenczi acusara Freudde não ter dado a devida atençãoà sua transferência negativa, ao que Freud respondeu em Análise terminávele interminável (1937/1980b), argumentando que na época da análise não havia sinais dessa transferêncianegativa... (Kupermann, 2003, cap. 5).

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em nome da psicanálise na década de 20:interpretação do complexo de Édipo, ba-sicamente. A referência de Ferenczi àcatarse dos primórdios da psicanálisedetém seu sentido maior no resgate dapalavra encarnada e encorpada proferidapelas histéricas de então. Se o campopsicanalítico havia erigido, sob o álibi téc-nico da abstinência e da regularidade doenquadre, uma série de defesas obsessi-vas para o controle das intensidades narelação transferencial, era preciso re-histericizar a palavra ou, na terminologiade Ferenczi (1933/1992c), “soltar as lín-guas” novamente no campo psicanalítico.Mas, para isso, o analista precisaria evitarcomparecer com seu saber excessivo etraumatizante, ficar quieto novamente,como pedia Frau Emmy Von N. a Freud(Freud, 1893-1895/1980d), e promover um“laissez-faire” ou um relaxamento quepudesse favorecer o encontro através doqual a experiência do inconsciente tem aoportunidade de acontecer (Ferenczi, 1930/1992e). A interpretação excessiva, atravésdo privilégio atribuído ao campo do inteligí-vel, inibia certas manifestações mais re-gressivas. Coube a Ferenczi o mérito deformular a necessidade do acolhimento doinfantil em análise, de maneira que novossentidos pudessem ser criados pelos anali-sandos para suas existências severamentecomprometidas, sobretudo se considerar-mos a configuração subjetiva dos pacientestraumatizados com os quais lidava.

Em “Análises de crianças comadultos”, de 1931, encontra-se uma for-mulação que revela o principal objetivo doestilo clínico ferencziano: em vez de falarda criança que habita o analisando atra-vés do instrumento interpretativo, seriapreciso voltar a falar com a criança que seexpressa em cada paciente em análise.Mas, para falar com ela, era crucial en-contrar uma modalidade clínica para essacomunicação específica, nascendo assima “análise através do jogo”, inspirada naincipiente psicanálise de crianças que vi-nha sendo desenvolvida por von Hug-Hellmuth, Melanie Klein e Anna Freud.Além disso, era também necessário que opsicanalista pudesse produzir enunciadosadequados ao encontro lúdico que assimse estabelecia nas análises, adotando umamodalidade linguageira própria do infantil,a “linguagem da ternura”, bastante distin-ta da dos enunciados interpretativos deoutrora (Ferenczi, 1933/1992c).

No estilo clínico que assim se cons-tituía, as balizas passavam a ser não maisassociação livre, princípio de abstinênciae interpretação, porém associação livre,regressão e jogo (ou brincar – Spielenem alemão; to play, no inglês de Winni-cott), indicando que a aposta principal dotrabalho analítico recaía agora na qualida-de do encontro afetivo que se estabeleciana transferência.6 O problema é que, aose definir o modus operandi da clínicaatravés do encontro sensível entre analis-

6 Tendência presente em sua obra, ainda que em estado latente, desde o pioneiro “Transferência e introjeção”(Ferenczi, 1909/1991).

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ta e analisando, passava-se a exigir umaenorme disponibilidade afetiva do psica-nalista, bem como uma ampliação doslimites estabelecidos para o campo trans-ferencial. Ferenczi (1928/1992d) formu-la, então, a “segunda regra fundamental”da psicanálise: a análise do analista, quenão se confunde com análise didáticainstitucionalizada.7 Ainda nesse sentido,propõe, no Diário clínico (1932/1990), aexpressão da “contratransferência real”– e não de uma “pseudo-contratransfe-rência profissional” asséptica – por partedo analista. Dessa maneira, o psicanalistadeixaria de se defender da sua implicaçãoafetiva no espaço analítico – seja contro-lando de maneira hipócrita “a contra-transferência”, seja buscando dela seapropriar imaginariamente para construiruma interpretação –, sem, contudo, aban-donar a reserva necessária ao seu ofício(Figueiredo, 2000).

*

A obra de D. W. Winnicott, cons-truída ao longo das décadas que sesucederam ao desaparecimento de Fe-renczi, em 1933, desenvolve e mesmoesclarece muitos aspectos do estilo clí-nico ferencziano. Suas contribuiçõesmais originais estão, a nosso ver, justa-mente nos sentidos dados à regressão eao jogo ao lado da associação livre –

como balizas da experiência psicana-lítica.

Em relação à regressão, Winnicottenfatiza que, sobretudo no caso dos paci-entes severamente traumatizados, a pos-sibilidade de regressão ao estado de de-pendência característico da relação pri-mordial entre a mãe e o bebê, é condiçãosine qua non para a instauração de umprocesso psicanalítico. Essa formulação,que só pode ser compreendida em refe-rência às suas concepções acerca dodesenvolvimento emocional primitivo é,no entanto, objeto de sucessivos mal-entendidos, o principal deles o que con-funde a direção da clínica por ele pratica-da e teorizada com uma suposta materna-gem benevolente e complacente, na quala agonística e o ódio não teriam qualquerparticipação.

Em “Aspectos clínicos e metapsi-cológicos da regressão” (1954/2000a),encontram-se duas importantes indica-ções que correspondem à ampliação, jávisível na época, do espectro de atuaçãodos psicanalistas, da qual a clínica comcrianças era apenas uma vertente (bas-tante importante, certamente, a ponto deatrair jovens pediatras como Winnicottpara a formação psicanalítica): a de que o“processo” psicanalítico não pode serreduzido a uma técnica-padrão, cabendoa cada analisando, segundo sua singulari-dade, indicar o “ritmo” e os “rumos” a

7 Problemática herdada por Jacques Lacan (1968/2003), que a tornou o principal desafio ético da sua Escola,nos anos 60: responder acerca dos destinos da transferência no final da análise dos próprios psicanalistas– tarefa que constituiu o procedimento nomeado como “passe”.

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serem seguidos; e a de que, para cada“categoria” de sofrimento psíquico, o psi-canalista é convocado de modo diferen-ciado.

Assim, se para os analisandos queapresentam uma constituição narcísicaintegrada, cujas dificuldades residem nagestão dos relacionamentos interpesso-ais, os princípios estabelecidos por Freudpara a prática psicanalítica persistiamadequados; para os analisandos cujo so-frimento se refere especialmente ao “es-tágio do concernimento” e à aquisição daposição depressiva (recordemos a influ-ência de Melanie Klein sobre a psicaná-lise da época), o laço transferencial semostra bem mais delicado, sendo a “so-brevivência do psicanalista”à hostilidadedo analisando o elemento privilegiado. Jápara a terceira e última categoria descritapor Winnicott – certamente a mais rele-vante para suas elaborações teórico-clí-nicas –, a dos analisandos severamentetraumatizados, cuja integração egóica seencontra comprometida, a análise deverálidar com os estágios iniciais do desenvol-vimento emocional primitivo, e a ênfaserecairá sobre o “manejo”, o “trabalhoanalítico normal deixado de lado por lon-gos períodos”, entendendo-se por traba-lho“normal” aquele fundado no princípiode abstinência e na interpretação do re-calcado (idem). Tratar-se-ia, nesses ca-sos, de criar as condições de confiabilida-de para que a regressão à dependênciaseja possibilitada. O “manejo” winnicot-tiano não equivale, portanto, à concepçãofreudiana de manejo na neurose de trans-

ferência, através do qual o analista buscadosar o quantum ótimo de frustração demaneira a dar prosseguimento à associa-ção livre. Refere-se, ao contrário, à pos-sibilidade de o analista adaptar-se sufici-entemente bem aos modos de subjetiva-ção do analisando, criando um “contextoanalítico” adequado.

É interessante constatar que a te-orização da adaptação ativa do ambi-ente à criança – inaugurada no campopsicanalítico por Ferenczi (1928/1992a),tornando-se a pedra angular da concep-ção winnicottiana do desenvolvimentoemocional primitivo – tem como contra-partida a adaptação do psicanalista aoritmo e aos rumos do processo de subje-tivação do analisando, bem como a adap-tação da própria psicanálise às formasde sofrimento psíquico e às demandas deintervenção clínica impostas pelo contex-to cultural – como no caso da psicanálisede crianças, e do tratamento de pacientestraumatizados, borderlines e psicóticos,matrizes clínicas que cunharam o pensa-mento de Ferenczi e de Winnicott. Asmaiores resistências à análise se encon-trariam, nessa leitura, do lado do psicana-lista incapaz de se adaptar ao analisando,acolhendo as vicissitudes do seu processoterapêutico.

Na teoria winnicottiana do desen-volvimento emocional primitivo (Winni-cott, 1945/2000), a ênfase recai sobre aimportância primordial da adaptação doambiente às necessidades e ao gestocriativo do bebê, condição para a conti-nuidade da sua existência e a sua conse-

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qüente expansão psíquica. Nesse mo-mento do desenvolvimento humano, háuma efetiva dependência absoluta do bebêà mãe que, através das competências“técnicas” adquiridas pelo estado de sen-sibilidade exacerbada característico dopuerpério, nomeado “preocupação ma-terna primária”, possibilita os cuidadosnecessários aos processos de integraçãodo ego e de personalização – a experiên-cia psíquica de habitar um corpo unitário.Posteriormente, no momento próximo dodesmame, a desadaptação gradual damãe possibilitará o processo de realiza-ção, referente à aquisição do sentido derealidade e da dependência relativa, rumoà independência, que será também sem-pre relativa.

A modalidade de funcionamentopsíquico do período da dependência abso-luta caracteriza-se pela “ilusão de onipo-tência”, isto é, não havendo ainda umefetivo destacamento entre o eu e a alte-ridade, o bebê teria a experiência de criaro seu próprio ambiente cuidador. O objetoque desse modo se constitui é nomeadopor Winnicott “objeto subjetivo” e seencontra sob o controle mágico do bebê.Para fins ilustrativos, o seio da mãeseria, em um primeiro momento, umacriação onipotente do bebê, parte de simesmo, e não um objeto autônomo.Para Winnicott (1951/2000e), a experi-ência de onipotência é a base da inte-gração do self, sobre a qual poderãoocorrer as futuras experiências da de-silusão – gradualmente proporcionadaspela mãe, segundo o ritmo do bebê –, do

desmame e da aquisição do sentido derealidade.

A desilusão da onipotência nãoimplica o fim das experiências de ilusão.O bebê que teve a oportunidade de vivera ilusão de onipotência pode, doravante,constituir nas relações com o mundo umespaço de ilusão através do qual a expe-riência da criatividade terá continuidade.Com o início da distinção entre o eu e aalteridade, preserva-se uma terceira áreada experiência– nem mundo interno, nemmundo externo –, o espaço transicional,no qual a experiência do viver criativopoderá ser exercida, seja na forma dobrincar solitário e do brincar compartilha-do, seja na forma da experiência culturalpropriamente dita – arte, religião, inven-ção...

Uma falha desastrosa do ambienteno momento da dependência absolutaprovocada pelo abandono ou pela intru-são perturbadora do gesto espontâneo,caracteriza uma ruptura na continuidadedo ser e a incidência do trauma, ao qual obebê reage defensivamente. A reaçãodefensiva – ao contrário das reaçõesespontâneas às falhas ambientais supor-táveis nas formas da queixa ou mesmo daraiva – está na origem de toda a psicopa-tologia winnicottiana – neurose, psicoseou dissociação egóica –, e expressa oassujeitamento aos imperativos de umambiente precário ou hostil (Winnicott,1952/2000f). O bebê que precisa estaratento demais ao ambiente termina, embusca de controle, mimetizando os adul-tos à sua volta e constituindo um falso self

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protetor com base na submissão – o queFerenczi (1933/1992c), por sua vez, no-meara “progressão traumática” –, com-prometendo seu viver criativo e acarre-tando o sentimento de “inutilidade” ou de“irrealidade” sobre o qual a clínica querintervir.

Nesse sentido, a regressão emanálise seria justamente a contrapartidaclínica de uma progressão traumáticadefensiva. Seria preciso promover umretornoà“situação bem-sucedida originaldo narcisismo primário”, permitindo o“descongelamento” dos pontos do desen-volvimento emocional, nos quais o anali-sando ficou fixado em função da falha doambiente, dando origem a um “novo iní-cio”, agora afinado ao seu gesto criativo,bem como à sua agressividade primária,incapaz de expressão na ocasião dotrauma (Winnicott, 1954/2000a, p. 384).Finalmente, com a retomada do desen-volvimento emocional e da sua consti-tuição egóica, o analisando pode expe-rimentar, muitas vezes pela primeiravez, tanto a alegria do viver criativo,quanto o ódio e a raiva referente àsituação da falha na adaptação ambi-ental originária. Para Winnicott, a ex-pressão da raiva é fundamental para acontinuidade do amadurecimento doanalisando em direção à sua indepen-dência do analista (Winnicott, 1954/2000a; 1955-1956/2000c).

Em Formas clínicas da transfe-rência, Winnicott aponta alguns proble-mas suscitados pela clínica com pacien-tes traumatizados referentes à concep-ção freudiana de neurose de transferên-cia. Se a neurose de transferência secaracteriza pela atualização do inconsci-ente, isto é, “o passado vem ao consultó-rio”, na situação de regressão à depen-dência seria mais adequado dizer que “opresente retorna ao passado, e é o passa-do” (1955-1956, p. 396). A qualidade doencontro promovido pela constituição docontexto ambiente-indivíduo remete, efe-tivamente, à dupla dependência do paramamentante. Justamente por isso, nes-ses casos, a experiência da raiva do ana-lisando seria “objetiva”, dirigida às falhasdo analista, não podendo ser caracteriza-da como a transferência negativa da aná-lise dos neuróticos, na maior parte dasvezes associada por Freud às resistênciasà análise.

Dessa maneira, a concepção deregressão à dependência deve ser enten-dida como a possibilidade de o analisandovivenciar, no seu encontro com o psicana-lista hospitaleiro, experiências afetivascompartilhadas que despertem ou promo-vam impulsos de vitalidade, livrando-o dacompulsão a reagir defensivamente e dasubmissão aos imperativos ditados pelatirania do outro.8 Porém, esse plano deafetação é habitado não apenas por uma

8 No belo ensaio “O anjo necessário: a idealização como um desenvolvimento”, Anne Alvarez (1994) ilustraatravés do relato de um caso clínico o modo pelo qual a regressão à dependência e a experiência da ilusãode onipotência na transferência pode favorecer a constituição das instâncias narcísicas ideais em umanalisando traumatizado.

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dimensão primeva do amor incondicionalmaternal, mas também pela possibilidadede expressão do ódio, condição para aconstituição da sua singularidade e para oamor do concernimento. Para Winnicott(assim como para Ferenczi, como vimos),a autenticidade do encontro clínico é de-terminada pela qualidade da presençasensível do psicanalista, sendo que o ana-lisando não poderá confiar em alguémincapaz de discernir e admitir a sua pró-pria ambivalência e o ódio na contra-transferência. “Quando o paciente estáà procura de um ódio legítimo, objetivo,ele deve ter a possibilidade de encontrá-lo, caso contrário não se sentirá capaz dealcançar o amor objetivo”, escreve Winni-cott (1947/2000d, p. 283).

Em seu processo de realização egradual aquisição de independência, obebê precisa “destruir” seus objetos sub-jetivos, de modo a colocá-los fora do seucontrole onipotente, adquirindo, assim, acapacidade de “uso” dos objetos no espa-ço da realidade compartilhada. Porém, adestruição do objeto subjetivo por partedo bebê tem como condições necessáriasa capacidade de sobrevivência da mãe,sem retaliação. A negação do ódio porparte do adulto denota uma inibição doseu próprio gesto espontâneo, quando nãoa instauração de um masoquismo empo-brecedor do seu viver criativo, o quecompromete sua capacidade de sobrevi-

vência aos ataques da criança. Nessesentido, Winnicott (1947/2000d p. 287)afirma categoricamente que o “sentimen-talismo” não tem nenhuma utilidade paraos pais, já que consiste em uma recusaafetiva, sendo prejudicial para a criança,que se encontra incapaz, em um ambientesentimental, de admitir a intensidade doseu ódio. Do mesmo modo, o analisandosó pode tolerar o ódio pelo analista se asua sensibilidade indicar que o analistasuporta odiá-lo e sobrevive aos seus ata-ques, sem a necessidade de retaliação.9

Assim, no capítulo de O brincar ea realidade, intitulado “O uso de umobjeto e relacionamento através de iden-tificações” (Winnicott, 1971/1975), en-contra-se a idéia de que, no curso doprocesso analítico, o psicanalista compa-rece tanto como presença sensível quan-to como alteridade radical, a experiênciatransferencial configurando um espaçode compartilhamento afetivo no qual acriação é possibilitada. Primeiramente,deve-se proporcionar ao analisando trau-matizado a regressão à dependência e arelação de objeto, esta última equiva-lente à concepção tradicional de relaçãotransferencial – projeção dos afetos doanalisando atualizados sobre a figura doanalista. Porém, com o ganho de indepen-dência do analisando e a percepção deque o psicanalista se encontra fora daárea do seu controle onipotente, há uma

9 Ao longo da história da psicanálise, encontramos inúmeros exemplos nos quais essa situação deixa dese configurar, especialmente no que concerne ao par transferência-contratransferência nas análisesdidáticas, institucionalizadas ou não (Kupermann, 1996).

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passagem da capacidade de relacionar-se com o objeto para a capacidade de usode um objeto com o qual se pode brincare, brincando, produzir sentidos comparti-lhados inéditos para a experiência de si edo campo de objetalidade. Lemos emWinnicott (1971/1975, p. 123): “...o obje-to, se é que tem que ser usado, deve sernecessariamente real, no sentido de fazerparte da realidade compartilhada, e nãoum feixe de projeções”.

A experiência da transferência emWinnicott configura, assim, um arriscadodesafio, sem dúvida, no qual é precisopoder odiar e se deixar odiar/destruir,sobrevivendo a esse movimento emanci-patório do analisando, sem abandono nemretaliação. O desafio consiste em poderdesapegar-se dos sentidos de si já consti-tuídos para habitar junto com o analisandoa “terceira área da experimentação” quefaz, do encontro afetivo, criação (Winni-cott, 1951/2000e). Não se trata, portanto,como se poderia supor, somente de ocu-par, na relação transferencial, um lugarespecífico segundo as imagos inconsci-entes atualizadas do analisando – no caso,de assumir privilegiadamente uma postu-ra materna, em oposição ao que seria umasuposta postura paterna freudiana –, masde poder fazer contato com a criança quehabita também o psicanalista, promoven-do o encontro lúdico e criativo inerente à

concepção da análise através do brin-car.10 “Dessa maneira”, descreve Winni-cott (1971/1975, p.131), “...cria-se ummundo de realidade compartilhada que osujeito pode usar e que pode retroalimen-tar a substância diferente-de-mim dentrodo sujeito”.

É justamente o encontro com aalteridade que está no horizonte do enig-ma que cerca os destinos da transferên-cia no final da análise. De fato, na con-cepção winnicottiana, a dupla dependên-cia do par mãe-bebê não tem como des-tino uma suposta independência absoluta– que poderia sugerir uma cultura denarcisos suficientes e isolados, para osquais o outro não é mais objeto de concer-nimento. Ao contrário, o que se coloca emjogo na aventura psicanalítica é a dissolu-ção da ambição de um ego autônomo ebem-acabado – o mito individual do neu-rótico –, para dar lugar ao self capaz daexperiência da não-integração criadora eda capacidade para ficar só na presençado outro, condição para a amizade ematriz da própria experiência cultural(Winnicott, 1958/1983a).

Há, na concepção winnicottianada constituição subjetiva, a formulação deum núcleo do self ou self central – consi-derado o self verdadeiro – que é essenci-almente secreto e incomunicável, ao qualo sujeito recorre permanentemente, so-

10 Sándor Ferenczi, em seu Diário clínico, já havia indicado que em muitas ocasiões se tem a impressãode que o espaço analítico é habitado por duas crianças – o analisando e seu analista – que compartilhamo mesmo estado de desamparo, ligam-se entre si e estabelecem vínculos de amizade. Sua indagação:“Devea análise acabar sob o signo de tal amizade?” (Ferenczi, 1932/1990, p. 91).

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bretudo nos estados de relaxamento e denão-integração, de modo a preservar aautenticidade do seu gesto no curso doárduo trabalho imposto pelo contato coma alteridade (Winnicott, 1963/1983b). Otrânsito com o núcleo do self é facilitado,no desenvolvimento psíquico do bebê,pela aquisição da capacidade de ficar só,promovida pela presença de um outroacolhedor e não intrusivo. O retraimentodefensivo ou a constituição de graus ex-tremados de falso self revelam, por seuturno, tentativas de proteger o núcleo doself, evitando a comunicação com o queé não-eu. Na experiência transferencial,são muito valorizados, portanto, os mo-mentos silenciosos de comunicação indi-reta (não-verbal) ou mesmo de não-co-municação, nos quais o analisando, po-dendo livrar-se do retraimento, tem aoportunidade de estar em contato comseu verdadeiro self na presença sensí-vel do analista.11

Curioso paradoxo: assim como“...não é possível a um bebê existir sozi-nho” (Winnicott, 1945/2000b), nãoé pos-sível a um analisando criar no isolamentodefensivo que constitui a fonte do seusofrimento; entretanto, o percurso analíti-co indica que, no horizonte do encontroafetivo que ocorre entre analista e anali-sando está a possibilidade de experimen-tação da solidão compartilhada, fonte dogesto criador. É a aquisição da capacida-

de para estar só que permitirá ao anali-sando se manter vivo, bem e desperto:objetivos do processo psicanalítico (Winni-cott, 1962/1983c).

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11 Na clínica com adolescentes, em especial, o analista é convocado em sua sensibilidade para a necessidadede não-comunicação ou de comunicação indireta (Winnicott, 1963/1983b). Sobre a solidão positiva, vertambém Chaim Samuel Katz (1996).

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SUMMARY

Sensitive presence: the experience of transference in

Freud, Ferenczi and Winnicott

Through a historico-critical analysis of the conceptions of transference presented

in the writings of S. Freud, S. Ferenczi and D. W. Winnicott, we intend to show that the

clinical style developed by these authors cannot be dissociated from the context in

which they practice psychoanalysis, especially in regard to the forms of psychic

suffering which are predominant in it. Taking neurosis as the predominant clinical

structure, Freud conceives transference as the up-dating of childish unconscious

complexes of the patients, their handling to be ruled by the principle of abstinence and

the interpretation of the resistance and the repressed. Sándor Ferenczi and D. W.

Winnicott, on the other hand, treated traumatized patients whose subjectivity was

severely damaged, basing their clinical style on regression to the dependence and on

playing together. They thus established that it is the quality of the affectionate encounter

between the analyst and the patient which leads to sense in the psychoanalytical

experience.

Keywords: Psychoanalysis. Transference. Sigmund Freud. Sándor Ferenczi. D. W.

Winnicott.

RESUMEN

Presencia sensible: la experiencia de la transferencia en

Freud, Ferenczi y Winnicott

A través de un análisis histórico-crítico de las concepciones de transferencia

presentada en la obra de S. Freud, S. Ferenczi y D. Winnicott, se intenta demostrar que

el estilo clínico desarrollado por esos autores no puede ser disociado del contexto en

el cual ejercen el psicoanálisis, especialmente de las formas de sufrimiento psíquico

que en él predomina. Considerando la neurosis como matriz clínica privilegiada, Freud

concibe a la transferencia como actualización de los complejos inconscientes

infantiles de los analizandos, siendo que su manejo está regulado por el principio de

abstinencia y por la interpretación de la resistencia y de lo recalcado. Por su vez, Sándor

Ferenczi y D. W. Winnicott trabajaron con pacientes severamente comprometidos en

lo que a sus procesos de subjetivación se refiere y, basando su estilo clínico en la

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regresión a la dependencia y en el juego compartido, indicarán que merced a la calidad

del encuentro afectivo que se establece entre analista y analizando, esto puede

conducir a la producción de sentidos en la experiencia psicoanalítica.

Palabras-clave: Psicoanálisis. Transferencia. Sigmund Freud. Sándor Ferenczi. D. W.

Winnicott.

Daniel KupermannR. Carlos Millan, 22/5101456-030 São Paulo, SPFone: (11) 3034-4986E-mail: [email protected] em: 03/08/2008Aceito em: 12/09/2008