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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO CURSO DE PEDAGOGIA ALESSANDRA NASCIMENTO SILVA PRESENÇA DA MULHER NEGRA NA DOCÊNCIA DO ENSINO SUPERIOR: DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO E RELAÇÕES RACIAIS Orientador: Prof°. Dr. João Maria Valença de Andrade NATAL/RN 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO

CURSO DE PEDAGOGIA

ALESSANDRA NASCIMENTO SILVA

PRESENÇA DA MULHER NEGRA NA DOCÊNCIA DO ENSINO SUPERIOR:

DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO E RELAÇÕES RACIAIS

Orientador: Prof°. Dr. João Maria Valença de Andrade

NATAL/RN

2016

ALESSANDRA NASCIMENTO SILVA

PRESENÇA DA MULHER NEGRA NA DOCÊNCIA DO ENSINO SUPERIOR:

DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO E RELAÇÕES RACIAIS

Monografia apresentada à Universidade Federal do

Rio Grande do Norte, como requisito parcial para

obtenção de título de licenciada em Pedagogia.

Orientador: Prof°. Dr. João Maria Valença de

Andrade

NATAL/RN

2016

ALESSANDRA NASCIMENTO SILVA

PRESENÇA DA MULHER NEGRA NA DOCÊNCIA DO ENSINO SUPERIOR:

DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO E RELAÇÕES RACIAIS

Monografia apresentada à Universidade Federal

do Rio Grande do Norte, como requisito parcial

para obtenção de título de licenciada em

Pedagogia

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. João Maria Valença de Andrade – Orientador

Departamento de Práticas Educacionais e Currículo – UFRN

Primeiro/a Examinador/a

Segundo/a Examinador/a

AGRADECIMENTOS

Á José meu pai, e Sandra minha mãe, por todos os ensinamentos passados durante

toda minha vida, a minha imensa gratidão, pelo amor e força dedicada em minha trajetória.

Aos meus familiares, irmãos e irmã, tias/o, primos e avó, pelo carinho e incentivo nos

desafios corriqueiros.

Á todos/as os/as amigos/as, em especial, à Adryelle Oliveira, Sônia Lopes, Richardson

Lima, Thayanne Érica, Louise Guedes, Gustavo Henrique, Danyelle Oliveira, Fernanda

Fernandes, Kelly Oliveira e Pedro Pierote, por acreditarem e compartilharem de momentos

especiais e angustiantes ao meu lado durante os quatro anos de graduação em pedagogia.

Á Rafael Araújo em especial, por tornar minhas tarde mais alegres e floridas durante

três anos na graduação, por presentear-me com o referencial ponta pé desta monografia, por

torna-se um irmão para todos os momentos em minha vida.

Aos meus companheiros e companheiras do Levante Popular da Juventude que me

permitiram navegar pelas mais diversas formações subjetivas e coletivas, cultivando a tornar-

me educadora do povo, além de me permitirem abrir os olhos na minha formação identitária

de mulher negra e reconhecer e lutar contras barreiras impostas a essa população.

Á professora e coordenadora do curso de pedagogia Marisa Sampaio pelo apoio e

ajuda na conclusão de minha graduação, por sua disponibilidade e empenho nesse momento

tão delicado.

Á todos e todas, professoras, bolsistas, supervisoras e professora colaboradora da

Escola Municipal Professora Emília Ramos por se tornarem nas minhas manhãs motivos de

sorrisos e desafios frente ao papel de professora de uma escola pública. Agradeço, também, ao

PIBID/pedagogia por se fazer presente e possibilitar torna-me educadora durante dois anos de

experiência na E.M.P.E.R.um exemplo de escola transformadora e diversa.

Por fim, ao meu orientador, professor João Maria Valença de Andrade, que me

permitiu compreender de maneira mais ampliada a trajetória da população negra no Brasil,

por aulas dinâmicas e inovadoras, além de topar e contribuir me acompanhando na elaboração

e afirmação da importância e escolha da temática desse trabalho, não foi fácil, mas foi

possível.

E a todas e todos que de forma direta ou indireta contribuíram com palavras,

indicações de leituras, um gesto carinhoso, etc., fazendo parte da minha formação pessoal e

profissional, a minha imensa gratidão. Obrigada!

Me gritaram negra!

Tinha sete anos apenas,

apenas sete anos,

Como sete anos?!

Não chegava nem a cinco!

De repente umas vozes na rua

me gritaram negra!

Negra! Negra! Negra! Negra! Negra!

Negra! Negra!

"Sou por acaso negra?" - me disse

SIM!

"O que é isso, ser negra?"

Negra!

Eu não conhecia a verdade triste que isso

ocultava.

Negra!

E me senti negra,

Negra!

Como eles diziam

Negra!

E retrocedi

Negra!

Como eles queriam

Negra!

E odiei meus cabelos e meus grossos

lábios

e olhei apequenada minha carne tostada

E retrocedi

Negra!

E retrocedi...

Negra! Negra! Negra! Negra!

Negra! Negra! Neeegra!

Negra! Negra! Negra! Negra!

Negra! Negra! Negra! Negra!

E passava o tempo,

e sempre amargurada

Continuava carregando às costas

minha carga pesarosa

E como pesava!

Alisei meu cabelo,

pus pó-de-arroz na cara,

e em minhas entranhas retumbava a

mesma palavra

Negra! Negra! Negra! Negra!

Negra! Negra! Neeegra!

Até que um dia em que retrocedia,

retrocedia e estava prestes a cair

Negra! Negra! Negra! Negra!

Negra! Negra! Negra! Negra!

Negra! Negra! Negra! Negra!

Negra! Negra! Negra!

E daí?

E daí?

Negra!

Sim

Negra!

Sou

Negra!

Negra

Negra!

Sou negra!

De hoje em diante não quero

alisar meu cabelo

Não quero

E vou rir daqueles

que para evitar - segundo eles -

que para evitarmos algum dissabor

Chamam os negros de gente de cor

E de que cor?!

NEGRO

E como soa lindo!

NEGRO

E olha esse ritmo!

NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO

NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO

NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO

NEGRO NEGRO NEGRO

Por fim

Por fim compreendi

POR FIM

Já não retrocedo

POR FIM

Avanço segura

POR FIM

E bendigo os céus porque quis Deus

que negro retinto fosse minha cor

E agora compreendi

POR FIM

Tenho a chave!

NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO

NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO

NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO

NEGRO NEGRO

Negra sou!

(Poema “Me gritaram Negra!” da

compositora Victoria Santa Cruz)

RESUMO

O presente trabalho teve como designío investigar as relações de gênero e as relações raciais

na trajetória de mulheres negras professoras universitárias, de maneira a compreender seu

percurso desde o espaço educativo inicial, a relação familiar, e a sua formação contínua até a

ocupação do espaço de docência do ensino superior. Para esclarecer as ideias desse trabalho, a

pesquisa é realizada, de início, com uma breve abordagem acerca da história das mulheres

negras no Brasil, desde período colonial com a escravidão, e no pós-escravidão, elucidando as

consequências sofridas por essa população através de práticas discriminatórias como o

racismo, na sua maneira brasileira. Ainda, abordando incialmente, as relações raciais e de

gênero vivenciadas por mulheres negras, além das políticas públicas voltadas a promoção e

igualdade deste grupo, como as ações afirmativas, cotas, e políticas no âmbito do debate de

gênero, como Lei Maria da Penha, entre outras. Na sequência, e finalização da pesquisa, uma

breve discussão sobre a trajetória das professoras negras no ensino superior e a perspectiva de

duas professoras da UFRN, com relatos de suas vidas profissionais e pessoais permeadas

pelas relações de gênero e raça. O objetivo é compreender a trajetória dessas mulheres a partir

das relações citadas, destacando o processo histórico, social, cultural e político em que essas

mulheres estiveram e encontram-se no espaço e tempo atual. Para além do referido, espera-se

também, com este projeto, a possibilidade de estimular a inclusão das mulheres negras,

através da intensificação da reflexão acerca das desigualdades vivenciadas pelas professoras

universitárias na sua trajetória e cotidiano. A metodologia aplicada baseia-se na pesquisa

bibliográfica utilizando-se de aporte teórico como Gomes (1995), Oliveira (2006), Reis

(2008), Brasil (2005). Metodologicamente a abordagem se amparou na pesquisa qualitativa,

em que fizeram parte desta construção duas sujeitas interlocutoras, sendo ambas as

professoras negras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Para a construção dos

dados e informações da pesquisa, a técnica utilizada foi à entrevista aberta composta por

perguntas relacionadas ao tema, sendo todas direcionas as professoras da UFRN. A pesquisa

apresentou nas falas das entrevistadas um histórico das relações que afetam a trajetória das

professoras negras em seu processo de formação que perpassam por racismo e sexismo.

Palavras-chave: Professoras negras. Relações de Gênero. Relações Raciais. Trajetórias.

A todas as mulheres negras que a cada dia defrontam-se com

barreiras sociais e lutam pela busca da liberdade e visibilidade.

SUMÁRIO

1INTRODUÇÃO....................................................................................................................09

2 UMA HISTÓRIA DAS MULHERES NEGRAS NO BRASIL.......................................12

2.1 O PERÍODO ESCRAVOCRATA E AS MULHERES NEGRAS................................12

2.2 A POPULAÇÃO NEGRA PÓS-ABOLIÇÃO...............................................................14

2.2.1 O racismo à brasileira............................................................................................19

2.3 MULHER NEGRA: RELAÇÕES DE GÊNERO E RELAÇÕES RACIAIS................20

2.4 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA MULHERES NEGRAS............................................23

2.4.1 Políticas dirigidas ao campo racial (ações afirmativas).....................................24

2.4.2 Políticas voltadas á promoção da igualdade de gênero......................................29

3 TRAJETÓRIA DA MULHER NEGRA PROFESSORA UNIVERSITÁRIA..............31

3.1NARRATIVAS SOBRE EXISTÊNCIAS ATRAVÉS DO TEMPO............................33

4 CONSIDERAÇÕES............................................................................................................53

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................56

APÊNDICE

11

1 INTRODUÇÃO

A presente monografia trata de apresentar uma discussão sobre a importância do

protagonismo das mulheres negras nas instituições de ensino e pesquisa de nível superior,

enquanto docentes universitárias. Dessa forma, buscando observar como as relações de gênero

e raciais interferem em suas trajetórias de vida, abrangendo desde sua formação acadêmica às

relações sociais.

Compreende-se que este tema tem uma dimensão ampla e relevante que abrange diversas

discussões que envolvem aspectos de processos históricos, tanto no contexto brasileiro, como

no contexto mundial. É possível observar que a presença da mulher na sociedade é marcada

por variados conflitos, desafios, desigualdades sociais, opressões, lutas e conquistas, as quais

ainda refletem nos dias atuais e na longa caminhada travada pela busca da paridade de gênero

e da igualdade de direitos.

Discutir a presença da mulher negra na docência universitária é dar visibilidade a conflitos

existentes, que muitas vezes são camuflados, o que nega direitos garantidos

constitucionalmente. Logo, é no espaço de atuação do contexto educativo que as mulheres

encontram a possibilidade de luta e afirmação da identidade negra, além de pautar propostas

de discussão das relações de gênero e raça nas universidades.

A escolha da temática se deu pela relevância de discutir a presença e a garantia das

mulheres negras nos espaços de direção, poder e formação de opinião, como os

estabelecimentos de ensino superior. Salientando também sua escolha como objeto de afeto,

de identificação, de luta diária, individual e coletiva, e do reconhecimento de espaços negados

durante anos às mulheres, principalmente, as negras. Considerou, também, a pertinência para

se problematizar pesquisas que indicam que, o maior número de mulheres vivendo em

situação de pobreza e sem escolarização formal (analfabetas) são as mulheres negras.

Dessa forma, o objetivo deste trabalho é compreender como se deu a caminhada de um

determinado grupo de mulheres negras, as docentes do ensino superior, de maneira a

compreender seu percurso desde espaço educativo inicial, a relação familiar, e a sua formação

contínua até tornarem-se professoras do ensino superior. Assim, foi desenvolvido a partir da

revisão de literatura deste campo, além da construção de dados e informação por meio de

entrevistas que foram realizadas com mulheres docentes e negras da Universidade Federal do

Rio Grande do Norte. Tais professoras foram selecionadas por serem as únicas mulheres

negras do Centro de Educação (CE) na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

12

Buscando, assim, investigar como as relações de gênero e raciais interferiram no seu

processo de formação e chegada à docência do ensino superior.

Como objetivos específicos este trabalho almeja: i) Descrever e analisar o processo de

formação identitária da mulher negra professora universitária; ii) Verificar a questão do

racismo e machismo nos espaços educacionais do ensino superior; iii) Levantar as formas de

enfrentamento das práticas do racismo e machismo na perspectiva das entrevistadas.

Com isso, pretende-se também observar a particularidade da mulher negra numa

perspectiva racial e de gênero. Essas mulheres comparadas às mulheres não negras vivenciam

concepções de vida, família e inserção social opostas e caminhadas de maneira diferenciada.

Essas concepções introduzidas as variáveis de gênero e raça reproduzem uma extensa

exclusão das mulheres negras na sociedade brasileira. Marcadas pela histórica negação de

direitos fundamentais, o que dificulta sua emancipação, pretende-se nesta pesquisa

problematizar: i) como as relações de gênero e as relações raciais interferem na formação da

mulher negra nos espaços de docência do ensino superior?

A metodologia utilizada nessa monografia apoia-se, como procedimento de alcance de

informações, na pesquisa qualitativa, por meio de entrevista aberta e gravada, além de

pesquisas bibliográficas e revisão de literatura referente ao campo discutido, o que inclui

livros, artigos científicos, teses e dissertações, além de documentos que tratam sobre o debate

de mulheres, formação docente, relações raciais e de gênero.

Dessa forma, serão apresentados, nos próximos dois capítulos, algumas considerações

essencialmente relevantes e explicativas ao tema proposto, seguindo uma linha que vai do

passado à atualidade das professoras negras do ensino superior.

No primeiro capítulo será abordada de maneira breve á história das mulheres negras no

Brasil, como e de onde foram trazidas, como estavam inseridas na escravidão no período

colonial, e também como está população vive após a Lei Áurea de 1888, assinada pela

princesa Isabel. Faz-se ainda o destaque na atualidade de quais papeis e lugares em que os

negros e as negras ocupam na sociedade brasileira. Seguido disso, será abordada, brevemente

aspectos relacionados a questões raciais e de gênero, trazendo as concepções de raça e gênero,

e que processos envolvem ambas as relações. Algumas políticas públicas voltadas a esse

grupo também serão verificadas, tanto as políticas voltadas à população negras, ações

afirmativas, cotas, etc., como as políticas voltadas especificadamente as mulheres, como a Lei

Maria da Penha, entre outras.

13

No segundo capítulo, a exposição demostrará a trajetória de mulheres negras no espaço

acadêmico enquanto professoras do Ensino Superior, seguindo dos relatos produzidos por

meio de uma entrevista aberta.

E para as Considerações finais, espera-se que a discussão feita neste trabalho possa

contribuir de maneira significativa, principalmente, a vida de mulheres negras que enfrentam

cotidianamente as barreiras sociais impostas ao seu grupo, além de provocar a reflexão aos

leitores da importância dos grupos diversos na construção de uma sociedade mais justa e

igualitária. Espera-se, também, que essa monografia sensibilize corações e mentes para

construção de uma nova sociedade.

Ainda nas considerações finais serão retomadas as consequências de sistemas de

opressões como o racismo e sexismo no quadro brasileiro, destacando o lugar em que as

mulheres negras ocupam na sociedade e como o percurso para tornassem professora do ensino

superior pode ser uma trajetória marcada por ambas as relações: raciais e de gênero.

14

2 UMA HISTÓRIA DAS MULHERES NEGRAS NO BRASIL

A história brasileira é permeada pelas relações históricas de gênero e mais adiante

constituída pelos debates étnico-raciais. Ao reunir os conhecimentos passados sobre o grupo,

em específico, das mulheres negras, observa-se que a trajetória do grupo dessas mulheres é

atravessada por processos de lutas e reivindicações.

Na particularidade brasileira, recorte o qual fará parte desse trabalho, essas lutas foram

travadas desde a escravidão, a dominação senhorial, e após a Abolição com a Lei Áurea de

1888, até os dias atuais, pela afirmação de uma identidade constituída de maneira diferenciada

das demais mulheres, e contra práticas racistas e sexistas no seu dia a dia.

Compreender a mulher negra dentro da história brasileira requer retomar períodos,

acontecimentos, mudanças, entre outros aspectos, em que essas mulheres foram e encontram-

se inseridas na sociedade. Visto que para Matta (1987), o Brasil “é um todo social altamente

hierarquizado, com muitas camadas ou estados sociais diferenciados e complementares. Tão

hierarquizada que até as formas nominais de tratamento, isto é, o modo de uma pessoa se

dirigir a outra, estavam reguladas em lei [...]” (MATTA, 1987, p. 65).

Para início, far-se-á necessário entender de onde, como, por quem e para que finalidades

essas mulheres foram trazidas e, também, ao que foram submetidas. Assim, será possível

salientar que consequências se concretizaram ao atravessarem seus percursos.

2.1 O PERÍODO ESCRAVOCRATA E AS MULHERES NEGRAS

A mulher negra teve tragicamente um passado de submissão ao trabalho forçado,

ocorrido durante a escravidão no Brasil, nos períodos colonial e imperial. Eram trazidas

forçadamente de países do continente Africano. No Brasil, eram submetidas a ocupações,

como “ama-de- leite”, “mães-pretas”, “mulher reprodutora” e “escrava sexual” (Castro,

1999).

Dessa forma, ao mesmo tempo em que essas mulheres eram forçadas a cumprirem tais

ocupações, como amamentar e cuidar dos filhos (crianças brancas) de seus senhores, servirem

de escravas sexuais, ainda eram subjugadas a castigos e condições subumanas. Para melhor

compreender as consequências de um passado obscuro, Botelho e Reis (2003), compreendem

sobre a escravidão:

15

Relação social caracterizada pela sujeição pessoal de um indivíduo a outro.

Significava dizer que o escravo, além de ser propriedade do senhor, tinha sua

vontade sujeita à autoridade do dono, e seu trabalho poderia ser obtido pela

força. O cativo podia ser comprado, vendido, alugado, doado, leiloado,

hipotecado, etc. Os direitos do senhor, como proprietário do escravo, eram

assegurados por lei, permitindo-lhe explorar o seu trabalho, castiga-lo e até

mata-lo, embora neste caso tivesse prejuízo, pois o trabalho do escravo é que

assegurava sua posição e riqueza (BOTELHO; REIS, 2003).

A partir da metade do século XIX a escravidão no Brasil passou a ser contestada pela

Inglaterra, potência econômica interessada a ampliar seu mercado consumidor. O Parlamento

Inglês aprovou a Lei Bill Aberdeen (1845), que proibia o tráfico de escravos, dando o poder

aos ingleses para abordarem e aprisionarem navios de países que faziam esta prática.

Em 1850, o Brasil cedeu às pressões inglesas e aprovou a Lei Eusébio de Queiróz que

acabou com o tráfico negreiro. Em 28 de setembro de 1871 era aprovada a Lei do Ventre

Livre que dava liberdade aos filhos de escravos nascidos a partir daquela data. E no ano de

1885 era promulgada a Lei dos Sexagenários que garantia liberdade aos escravos com mais de

60 anos de idade.

Porém, é importante ressalvar que essas leis não podem ser compreendidas como uma

dádiva do governo, pois envolveu um longo processo de luta e resistência de negros e negras.

Os escravos foram os próprios protagonistas da superação do sistema escravocrata. Muitas

estratégias foram utilizadas na resistência e combate a esse sistema, como: resistir ao trabalho,

fugas temporárias, colaboração com a compra de alforrias, formação de quilombos, ajuda

mútua entre eles.

O que acontece é que muito do que foi produzido sobre nossa história parte de um

discurso do opressor, do detentor dos meios de comunicação, poder e educação formal.

Assim, ocultando vozes da população negra na mídia e na grande circulação social. Havia

aqui um grande embate entre a disputa da propriedade privada contra a garantia dos direitos

humanos de liberdade.

Embora promulgada a Lei Áurea de 1888, os “ex-detentores” dos escravizados,

ludribiavam os direitos que deviam ser garantidos pela lei e sustentavam suas práticas de

submissão ao trabalho forçado. A Lei do Ventre Livre, por exemplo, mesmo dando liberdade

aos filhos de escravos nascidos a partir daquela data continuavam a viver sob tutela dos

senhores, dessa forma submetendo-se ao domínio e ao cumprimento de “deveres” imposto

pelos senhores de escravos.

16

A escravidão existiu na sociedade brasileira do século XVI ao XIX e só foi legalmente

abolida no ano 1888. Mas é importante problematizar: o projeto de abolição no Brasil foi um

projeto de inclusão racial e social?

Algumas características atualmente presentes na sociedade brasileira podem ser

decorrentes da escravidão e de um processo de abolição que não contava com nenhum tipo de

auxílio ou projeto que facilitasse o grande número de negros libertos a serem devidamente

inseridos na sociedade brasileira.

Se a lei deu a liberdade jurídica aos escravos, a realidade foi cruel com muitos deles,

inclusive com as mulheres. Sem moradia, sem condições econômicas e sem assistência do

Estado, muitos negros passaram por dificuldades após a “liberdade”. Muitos não conseguiam

empregos e sofriam preconceito e discriminação racial. A grande maioria passou a viver em

habitações de péssimas condições e a sobreviver de trabalhos informais e temporários.

Tais acontecimentos durante este período tornaram-se arraigados e criaram estereótipos

de uma figura de mulher negra com características, “comportamentos”, e espaço que eram

determinados, ou seja, eram “impulsionadas” a ocuparem lugares subalternos na sociedade

brasileira.

2.2 A POPULAÇÃO NEGRA PÓS-ABOLIÇÃO

Após a Lei Áurea a população negra passou a se concentrar na busca de moradia em

regiões precárias e afastadas dos bairros centrais das cidades. Esses locais se referiam as

favelas, “vista como um lugar onde reina a pobreza, marcado pelo descaso do poder público,

da violência, da desordem herdada pelas desigualdades sociorraciais sofridas pela população

desde o período da Abolição da escravatura” (REIS, 2008, p. 141).

As consideradas favelas, comunidades, guetos, ou bairros foram/são constantemente

atribuídas a estereótipos e estigmas. Essas nomenclaturas estão diretamente ligadas á

processos históricos de lutas e reivindicações e as relações sociais que foram constituídas e

permeadas na sociedade civil. Elas ainda podem ser atribuídas a uma ampla discussão

política, cultural, social e econômica por trás de suas definições.

O fato de atribuídas a estereótipos e estigmas provavelmente se deve pela ausência do

Estado brasileiro nestas localidades, assim favorecendo a uma violência simbólica desse lugar

e aos seus habitantes que em sua maioria constituem negros e negras.

17

Se utilizar das nomenclaturas “favela” ou “favelado” tem ao longo dos anos criado um

caráter depreciativo, construindo no imaginário brasileiro uma série de mitos ligados à

violência, a criminalidade, a prostituição, a pobreza, a sujeira nesses lugares. Tais

caracterizações refletem a ausência do Estado e de políticas públicas que geram uma

manutenção de processos de exclusão, marginalização, estigmas e estereótipos.

Contudo, mesmo diante dessas considerações, são nesses lugares que boa parte da

identificação da nossa cultura e, cultura que tem grande herança dos povos africanos, se

manifesta. As práticas de jogos de capoeira, o hip-hop, o samba, o funk, o pagode, a

grafitagem, o rep, etc., compõem a produção e herança cultural brasileira.

Diante disso, visto a omissão e ausência governamental a lugares e grupos específicos,

uma questão primordial foi enaltecida em meados de 1964, feita pelo sociólogo Florestan

Fernandes (1920-1995). Em sua obra conhecida como A integração do negro na sociedade de

classes, ele aborda a centralidade do problema:

A desagregação do regime escravocrata e senhorial se operou, no Brasil, sem

que se cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de

assistência e garantias que os protegessem na transição para o sistema de

trabalho livre. Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela

manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer

outra instituição assumisse encargos especiais, que tivessem por objeto

prepará-los para o novo regime de organização da vida e do trabalho. (...)

Essas facetas da situação (...) imprimiram à Abolição o caráter de uma

espoliação extrema e cruel (FERNANDES, 1978, p. 15).

Esse novo regime, apesar de “libertar” os negros, não veio para democratizar a sociedade

ou possibilitar uma maior mobilidade social. A nova estrutura manteve intocada uma

organização elitista e excludente, segregando e marginalizando as populações negras.

Outro fato que também foi observado no pós-abolição: foram formuladas políticas que

visavam à ideologia do branqueamento da população pela eliminação simbólica e material dos

negros. Houve também o fortalecimento de um mito da democracia racial. Esse episódio

contribuiu para que as próprias pessoas negras incorporassem a ideologia do branqueamento,

o que reforçou a impressão de marcas negativas na sua subjetividade, além de também

imprimir tais marcas nas pessoas que os discriminam. A ideologia do branqueamento como

também o mito da democracia racial que tenta transpassar uma relação harmoniosa entre todas

as raças brasileiras “são consideradas armas para ocultar à verdadeira ‘identidade’ negra”

(FRY, 1995/1996, p. 13).

18

Segundo o Censo Demográfico de 2010 (IBGE) tem-se que 51% da população brasileira é

formada por indivíduos negros e pardos, em que mais da metade dessa população habita nas

zonas periféricas, ou seja, nas conhecidas favelas (lugar em que o Estado não se faz presente,

negligenciando e omitindo-se aos direitos desse conjunto), reforçando assim, também para o

censo de 2010.

De acordo com o Dossiê Mulheres Negras: retrato das condições de vida das mulheres

negras no Brasil (2013), a representação de mulheres negras em 2009, respondiam por cerca

de um quarto da população brasileira. Eram quase 50 milhões de mulheres em uma população

total que, naquele ano, alcançou 191,7 milhões de brasileiros(as).

Os dados ainda mostram que os índices de alfabetização e escolaridade menores estão

associados às mulheres negras em comparação as mulheres e homens de cor branca, o que

gera consequentemente os trabalhos de menores rendas, menores posições no mercado de

trabalho, sem assistência alguma, e ainda correndo o risco de serem vítimas do “turismo

sexual”.

Algumas outras características podem ainda ser observadas, como o maior número da

população negra e parda nas classes “D” e “E”, camadas de menores rendas e menores níveis

educacionais, dessa forma agravando a uma situação degradante.

Segundo o Dossiê Mulheres Negras: retrato das condições de vida das mulheres negras

no Brasil (2013) e os Indicadores da Qualidade na Educação: Relações Raciais na Escola

(BRASIL, 2013), em pesquisas realizadas pelas instituições como o IPEA- Instituto de

Pesquisa Econômica Aplicada, o Censo do IBGE (2010) – Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatísticas, e PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2011), as tabelas a

seguir, divididas nos campos de desigualdade social, mercado de trabalho/desemprego e

educação, podem revelar um quadro desigual implementado na estrutura social brasileira.

19

TABELA 1

Distribuição da população por sexo e cor/raça, segundo a situação de pobreza definida

com base no Programa Brasil Sem Miséria – Brasil (1999 e 2009)

(Em %)

População Extremamente pobre Pobres Vulneráveis Não pobres

1999 2009 1999 2009 1999 2009 1999 2009

Brancos 5,7 3,0 10,8 5,6 43,8 38,8 39,7 52,6

Mulheres Negras 16,0 7,4 22,9 13,4 46,6 53,0 14,5 26,3

Mulheres brancas 5,7 3,1 10,9 5,5 43,8 38,9 39,6 52,5

Homens negros 16,1 7,0 23,0 12,9 43,1 52,2 14,9 27,9

Homens brancos 5,6 2,9 10,8 5,6 43,8 38,7 39,8 52,8

Fonte: Ipea et al. (2011). Obs.: a população negra é composta por pretos e pardos.

TABELA 2

Condição da população por sexo e cor/raça, segundo a situação de mercado de trabalho

e desemprego pobreza definida com base no Censo do IBGE/2010.

1) No rendimento médio do trabalho por raça/cor, os homens brancos recebiam o valor mensal

de R$ 1.817,70; as mulheres brancas, R$ 1.251,87; os homens negros, R$ 952,14; e as mulheres

negras, R$ 702,17 (IBGE/2010);

2) Segundo o estudo de 2012 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), na faixa etária de

15 a 24 anos, as jovens mulheres negras expunham os maiores índices de desigualdades, com

taxas de desemprego de 25,3%. O número era 12,2% superior ao grupo de jovens homens

brancos

3) 8,5% da população brasileira é extremamente pobre, sendo 70,8% dela constituída por

famílias negras. Nesse grupo incluem-se sem rendimentos ou as que vivem com renda per capita

de até R$ 70,00 (IBGE/2010).

Fonte: Censo IBGE (2010). Obs.: a população negra é composta por pretos e pardos.

20

TABELA 3

Condição da população por sexo e cor/raça, segundo a situação educacional no Brasil,

definida com base no Censo do IBGE/2010.

1) Das 821.126 crianças de 7 a 14 anos fora da escola, 512.402 são negras

(Censo/IBGE, 2010);

2) Entre os jovens brancos de 15 a17 anos, 58% haviam concluído o Ensino

Fundamental, enquanto que entre os negros esse percentual era de 44%

(Censo/IBGE, 2010);

3) Em 2010, 55% de jovens brancos, de 15 a 17 anos, estavam cursando o Ensino

Médio, enquanto o percentual de negros era de 41% (Censo/IBGE, 2010);

4) Dos jovens brancos de 18 a 19 anos concluíram o Ensino Médio, 47% eram

brancos e apenas 29% eram negros (Censo/IBGE, 2010);

5) O número absoluto de pessoas analfabetas entre jovens negros de 15 a 29 anos é

mais de duas vezes e meia maior do que entre brancos (Censo/IBGE, 2010);

6) A frequência líquida no Ensino Médio é de 49,2% maior entre os jovens brancos

do que entre os negros (IPEA, 2008);

7) A diferença de dois anos de estudo entre brancos negros mante-se praticamente

inalterada desde o início do século XX. A média atual de estudos das pessoas de

25 anos ou mais de idade entre os adultos brancos é de 8,2 anos e dos adultos

negros é de 6,4 anos (PNAD/IBGE, 2011);

8) Do total de pessoas com 10 anos ou mais no país, 8,31% possuem Ensino

Superior completo, sendo 6,09% brancos e 2,04% negros (Censo/IBGE, 2010);

9) Em 30 anos, o percentual de pessoas brancas com diploma universitário aos 30

anos de idade passou de 5% para 18%, sendo que o percentual de pessoas negras

na mesma situação passou de 0,7% para 4,3%. O hiato racial quase triplicou para

13 pontos nas últimas três décadas (IPEA, 2008).

Fonte: Censo IBGE (2010), IPEA (2008) e PNAD (2011). Obs.: a população negra é composta por pretos e pardos.

Esses dados dão conta de uma realidade clara em que está posta uma hierarquia das

oportunidades sociais, quando relacionadas ao gênero, a classe, e a cor, seguindo dessa forma

a lógica de uma pirâmide, em que no seu ápice encontram-se os homens brancos, logo abaixo

as mulheres brancas, em seguidas os homens negros e por fim no mais inferior da pirâmide as

mulheres negras. Essas tripla discriminação, que acontece com as mulheres negras desde a

escravidão, é histórica, perpassa ao social, cultural, econômico e político até nos dias atuais.

Vale considerar também que mesmo os dados apontando a três campos específicos, ao

pesquisarmos a inserção da população negra, em especial as mulheres negras, no meio social,

todos os ângulos irão apontar uma presente desigualdade social. Isso, desde campos da saúde

ou, no espaço doméstico.

Essas condições também podem revelar claramente como os processos sexistas e

racistas estão fortemente arraigados na sociedade. Ambas as ideologias geram frequentemente

um quadro de violência seja em meio familiar, no trabalho, na escola, nas universidades, no

21

dia-a-dia de todo/a brasileiro/a. Dessa forma perpetuando-se numa estrutura desigual, ora

simbólica, ora explícita marcando negativamente o país.

2.2.1 O racismo à brasileira

Diante de todo um cenário formado a partir de consequências históricas, sociais, politicas,

uma das características da sociedade brasileira, decorrente do período escravista na sua forma

de tratamento aos negros, é o racismo, “um sistema que afirma a superioridade de um grupo

racial sobre outros (SANTOS, 1984, p.11)”.

No Brasil, o racismo esse ocorre de forma velada/camuflada, o que muitas vezes parece

não deixar “evidente” sua existência. Dessa forma, o “racismo à brasileira”, contribui e se

apoia no mito da “democracia racial”, que tenta explicitar uma relação harmoniosa entre

brancos e negros no país. Este, por sua vez, pode ser desmistificado com dados que

evidenciam o negro num quadro de desigualdade racial e social, além de violação de direitos

dessa população.

A prática racista no Brasil, na sua forma sutil chega às mulheres negras através de

estereótipos, imposições, até mesmo relacionadas à sua condição de gênero. Para Cardoso

“[...] o preconceito disfarçado ou irrefletido conduz à negação de direitos” (OLIVEIRA, 2004,

p. 85).

De acordo com Oliveira (2006), a idealização da mulher negra, está muitas vezes

associada a estereótipos e concepções, atribuídas a termos do tipo escrava, doméstica,

lavadeira e outros, que evidenciam uma descriminação e afirmação de uma suposta

superioridade de uma classe sobre a outra. Essas atribuições de desqualificação ás mulheres

negras, ofuscam um longo processo de luta e resistência dessas mulheres.

Frente a um cenário de obstáculos posto por uma sociedade machista, patriarcal e racista,

dá-se o destaque das mulheres negras que em especial, constroem sua identidade nadando

entre duas águas profundas: a da relação de gênero e a das relações raciais (OLIVEIRA,

2006).

Portanto, compreender e discutir a trajetória das professoras mulheres negras no espaço

universitário é oportunizar entender seu protagonismo e sua construção identitária permeadas

pelas relações raciais e de gênero. Professoras as quais não deixam dúvidas sobre a aquisição

e oportunidade desiguais tanto do seu capital cultural quanto social por um sistema que tem

por premissa segregar esse segmento social. Isso sendo imposto através de barreiras até a sua

22

chegada à posição de profissionais do ensino superior na Universidades Federal do Rio

Grande do Norte.

Com isso, o educador Paulo Freire (2011, p.68), nos impulsiona a tarefa de “aprender a

construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à

aventura do espirito”.

2.3 MULHER NEGRA: RELAÇÕES DE GÊNERO E RELAÇÕES RACIAIS

Após Lei Áurea (1888), e pós Ditadura Militar (1964-1985), o Brasil viveu mudanças

primordiais na sua trajetória de formação sociocultural, econômica e histórica. Mudanças que

refletiram desde a erradicação do trabalho forçado e escravo, até a reformulação da

Constituição Federal de 1988. Essas transformações podem ser percebidas nas expressões

como a afirmação da identidade negra, na luta e resistência desse grupo, por meio de suas

organizações sociais, como o Movimento Negro.

Nessas construções, conflitos e lutas, estão inseridas as mulheres negras que

mergulham contra duas grandes barreiras decorrentes das relações construídas durante a

história: relações de gênero e relações raciais. Tais conflitos se desenrolam durante a trajetória

dessas mulheres, em que podem influenciar seu perfil e amoldar sua identidade.

É durante a década de 1970, que surge o termo “gênero” com intuito de discutir a

diferença sexual (SOIHET,1997). Dessa forma, é importante salientar que os termos gênero e

sexo estão relacionados, porém não mantém o mesmo significado, sendo essa subdivisão

importante para compreensão das relações construídas culturalmente entre mulheres e

homens.

No interior da população brasileira, mulheres negras enfrentam, desde suas infâncias,

um número considerável de barreiras sociais na busca de melhores condições de vida. Isso

pode ser observado na realização de estatísticas oficiais as quais foram citadas anteriormente

no trabalho. Nos dias atuais, permanecem ainda profundas desigualdades permeadas pelas

relações comparativas entre mulheres negra, não negras e homens, em especifico os brancos,

desigualdades que decorrem, também, da associação do racismo e sexismo na sociedade.

Sexismo é um conjunto de práticas, crenças e valores que defende a

superioridade de pessoa de um determinado sexo (geralmente do homem em

relação à mulher) identidade sexual (em geral a heterossexualidade em

relação à homossexualidade, bissexualidade, etc.) com relação às demais. O

sexismo contra as mulheres é também chamado de machismo (MEC, 2013,

p. 42).

23

Segundo Joan Scott (1990, p. 51 apud LOURO, 1994, p. 32) considera-se: “Gênero:

uma categoria útil para análises históricas”. Para essa autora, a proposta é de que uma

procurar na leitura da história seja realizado, e que realce a esta categoria as condições de raça

e de classe.

Posteriormente, debates foram realizados em que a pauta das condições de gênero,

raça e classe fossem articuladas e levadas em consideração nas relações sociais estabelecidas

nas sociedades como parte da construção do sujeito. No contexto de organização das

mulheres, espaços para discussões, lutas, e afirmação foram se constituindo, movimentos com

temáticas específicas para cada grupo considerado excluído e marginalizado. Nesse sentido

surge o feminismo negro com o intuito e pensamento de defesa que o sexismo, a opressão de

classe, de gênero e racismo estão diretamente ligadas.

Nos últimos cinquenta anos as lutas das mulheres negras se intensificaram e

elas ampliaram sua presença no cenário político nacional; as organizações de

mulheres negras fizeram uma interação entre a luta feminista e as questões

raciais e fortaleceram os movimentos negros, permitindo a incorporação do

racismo como uma variável das desigualdades, inclusive entre mulheres

(BRASIL, S.P.M. 2013, p. 9).

Essa forma de organização leva em consideração que as experiências do ser mulher e

negra não devem ser pensadas de maneira repartida, mas que devem ser pensadas juntas,

levando em consideração que cotidianamente ambas as experiências se reforçam de modo

mútuo. Num sentido mais amplo o movimento feminista é reconhecido como propulsor na

luta para abolir as desigualdades vivenciadas por mulheres.

Nesse processo é importante destacar o que se entende por raça: uma construção social

forjada nas tensas relações entre brancos e negros, muitas vezes simuladas como harmoniosas,

e nada tendo a ver com o conceito biológico de raça cunhado no século XVIII e hoje

totalmente superado. Cabe aqui esclarecer, também, que o termo raça é utilizado com

frequências nas relações sociais para informar como determinadas características físicas,

como cor de pele, tipo de cabelo, entre outras, influenciam, interferem, e até mesmo

determinam o destino e o lugar social dos sujeitos no interior da sociedade.

No entanto, o termo “raça” foi ressignificado pelo Movimento Negro que, em diversas

situações, passa a utiliza-lo com sentido político e de valorização do legado deixados pelos

africanos. Faz-se importante também destacar que o emprego do termo étnico, utilizado na

expressão étnico-racial, é uma forma de marcar essas relações tensas devidas as diferenças na

cor da pele e traços fisionômicos, o são também devido a raiz cultural plantada na

24

ancestralidade africana, que difere em visão de mundo, valores e princípios das de origem

indígena, europeia, asiática. Para Gomes (2011, p. 110), que leva em consideração as

interpretações do Movimento Negro e de vários estudiosos do campo das relações raciais no

Brasil, raça é entendida como:

[...] uma construção social e histórica. Ela é compreendida também no seu

sentido político como uma ressignificação do termo construída na luta

política pela superação do racismo na sociedade brasileira. Nesse sentido,

refere-se ao reconhecimento de uma diferença que nos remete a uma

ancestralidade negra e africana. Trata-se, portanto, de uma forma de

classificação social construída nas relações sociais, culturais e políticas

brasileiras (GOMES, 2011, p. 110).

A possibilidade de agregar as duas categorias de raça e gênero não se trata apenas de

uma escolha, mas de uma realidade constatada, o ser mulher e negra é permear por dupla, por

vezes tripla opressão. Nesse contexto histórico, político e cultural que as mulheres negras

encontram-se na sociedade.

Dessa forma, pensar na liberdade das mulheres negras, implica pensar o fim das

opressões sexistas, raciais, de classe, em que todas as pessoas devem fazer parte nesse

processo. Para alguns estudos (IPEA, IBGE, PNAD), e posicionamentos, dentro das estruturas

de poder, a mulher negra se incluí de maneira diferenciada às mulheres brancas, essas

ocupando melhores espaços e prestígios comparados às mulheres negras.

A história da organização das mulheres negras no Brasil inicia-se a partir do século

XIX com a criação de associações e irmandades. Já durante o século XX, inicia-se a fundação

de organizações desde 1950, ano em que o Conselho Nacional de Mulheres Negras foi criado

no estado do Rio de Janeiro. Tais organizações vêm, durante anos, mantendo um papel

fundamental em combater o racismo e sexismo, além também de reconceitualizar o

significado de democracia e cidadania à nação brasileira.

É nesse contexto do movimento feminista negro (Feminismo negro) em que se podem

destacar duas importantes protagonistas nas causas das mulheres negras no Brasil. Uma delas

Lélias Gonzales, doutora em antropologia, militante, co-fundadora do Movimento Negro

Unificado (MNU). A outra, Maria Beatriz Nascimento, poetisa, ativista, historiadora,

pesquisadora sobre quilombos e ex participante da fundação do Instituto de Pesquisas e

Cultura Negra, no Rio de Janeiro (IPCN). Como afirmam Schumaher e Vital Brasil (2007),

“ambas deixaram como legado o entendimento imprescindível da necessidade de se ancorar

as ações na ‘feminização’ das questões raciais e na ‘racialização’ do ideário feminista”.

25

Atualmente, muitas lutas ainda são travadas pelas mulheres negras, para que consigam

conquistar seu espaço na academia, necessitam estudar mais que homens e mulheres brancas,

visto que a lógica da estrutura social, dos papeis atribuídos às mulheres, como o do cuidado,

do lar e dos filhos, além da disputa de poder e consequências dos processos históricos, criam

barreiras estruturais, reforçando á discriminação de raça e gênero.

A ideia de que as funções essenciais da sociedade vão ser exercidas por homens,

impõe que as mulheres são uma espécie de maioria minoritária, sempre vistas como o

segundo sexo: são pensadas e tratadas como minorias. Segundo Louro (1994, p. 36), a

supremacia social masculina e a subordinação feminina são explicadas como sendo de algum

modo inevitáveis, ou, para alguns intérpretes, como preferíveis.

Há a necessidade de se entender e conhecer os elementos que rodeiam as discussões

acerca de gênero e saber, também, a trajetória de lutas e embates travados pelas mulheres

negras. Em uma sociedade aprendemos que tais comportamentos opressores são “naturais” e

somos levados a aceitar tal desigualdade, inserindo características que nos depreciam e nos

constrangem cotidianamente (ROSADO; LAMPHERE, 1979).

2.4 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA MULHERES NEGRAS

Ao longo dos processos que envolveram a população negra, e nela presente as

mulheres negras, pode-se perceber um curso árduo, subumano e desigual, e nesse sentido

lutas e resistência desta população passaram a se intensificar com o tempo o que resultou em

mudanças significativas a essa população. O Movimento Negro (MN) passou então a buscar

políticas que pudessem suprir as desigualdades e o preconceito racial sofrido por esse povo na

sociedade brasileira.

No campo da educação, algumas conquistas têm sido alcançadas, nas últimas três

décadas. No auge da comemoração dos 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares, em

marcha contra o racismo, pela igualdade e pela vida, têm-se a tomada de algumas medidas

pelo governo. Tais medidas diziam respeito à criação do Grupo de Trabalho Interministerial

(GTI) a fim de se discutir políticas públicas a população negra.

Nos períodos entre 2003 e 2010, no governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva,

foi instituído e implementado “um conjunto de medidas e ações com o objetivo de corrigir

injustiças, eliminar discriminações e promover a inclusão social e a cidadania para todos no

sistema educacional brasileiro”, através do Ministério da Educação (MEC, 2005, p. 5).

26

Neste governo foram fundadas, também, secretarias com o objetivo de promover ações

que contribuíssem com a diversidade, a igualdade e respeito nos espaços educacionais, através

da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD). Trilha-se aqui

a tentativa de se descobrir novos caminhos para uma construção de uma educação com

marcas da igualdade sejam raciais, de gênero etc. Toda criança e adolescente têm direito a

uma educação de qualidade e inclusiva, em que a inclusão de todos os grupos social se façam

presentes nos processos de desenvolvimento do país.

Ainda neste período foi criada a Secretária Especial de Promoção de Igualdade Racial

(SEPPIR), que articula formas de superar o racismo que atinge principalmente as pessoas que

se declaram negras e pardas. Não por coincidência, a fundação da SEPPIR ocorre na mesma

data escolhida (21 de março de 2003) pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o

Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial – referência ao Massacre de

Shaperville, ocorrido em 21 de março de 1960, em Johannesburgo, África do Sul, que teve

papel significativo na mobilização internacional do apartheid.

A SEPPIR elabora e articula, junto a órgãos públicos e outras instituições, políticas de

promoção da igualdade e proteção dos direitos de indivíduos e grupos raciais e étnicos, com

ênfase a população negra, afetados por discriminação racial e demais formas de intolerância.

Atua também no acompanhamento da execução de programas de cooperação com organismos

nacionais e internacionais, públicos e privados, voltados a promoção de igualdade racial.

Esses marcos legais buscam eliminar estigmas e dar visibilidade à contribuição de

homens e mulheres africanos/as e seu descendentes para a formação social brasileira.

2.4.1 Políticas dirigidas ao campo racial (ações afirmativas)

O Movimento Negro brasileiro teve e tem mantido seu importante papel nas lutas e

reinvindicações da população negra, com efeitos de indagar o Estado, partidos políticos,

diante de discussões que deveriam ampliar-se além da raça na formação do país. O

Movimento Negro ativo em suas lutas passou a considerar que a questão racial deveria

compreender uma forma de “opressão e exploração estruturante das relações sociais e

econômicas brasileiras, acirradas pelo capitalismo e pela desigualdade social” (GOMES,

2011, p. 111).

Assim, um marco decisivo para o Brasil no que se refere aos debates raciais e étnicos

foi sua participação na 3° Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação

Racial, Xenofobia e Intolerância, realizado pela ONU em Durban (África do Sul), no ano de

27

2001. Foi este um ponto de grande relevância para se pensar e discutir questões direcionadas à

população negra. Dessa forma as ações afirmativas ganham força para serem implementadas e

pensadas nos meios institucionais na sociedade brasileira.

Após o período da ditadura militar no Brasil, com abertura a redemocratização, há um

início de debate sobre as temáticas das relações raciais na sociedade, visando sua ocupação

em espaços como a educação. A educação no Estado brasileiro é um direito constitucional

conforme o art. 205 da Constituição Federal (BRASIL, 1988). No entanto, mesmo formulada

como direito constitucional pesquisas indicam que o campo educacional tem um papel

considerável na contribuição de um quadro desigual na sociedade brasileira. Conforme

Gomes (2011), a educação no âmbito escolar tornava-se um campo de reprodução da

desigualdade, de práticas racistas, discriminatórias, sexistas etc., passa a ganhar contornos

políticos nacionais e internacionais

Em 26 de abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal, por decisão unânime, reconhece

a constitucionalidade das ações afirmativas, colocando um ponto final em um longo debate

jurídico:

Políticas de reparação e de reconhecimento formarão programas de ações

afirmativas, isto é, conjunto de ações políticas dirigidas à correção de

desigualdades raciais e sociais, orientadas para oferta de tratamento

diferenciado com vistas a corrigir desvantagens e marginalização criadas e

mantidas por estrutura social excludente e discriminatória (BRASIL,

SEPPIR, 2005).

O marco regulatório apresenta como conquistas dessas ações, a Lei 10.639, de janeiro

de 2003, alterando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que torna

obrigatório o estudo da História e Cultura Africana e Afro- brasileira no currículo oficial das

redes de ensino, nos níveis de educação fundamental e média, pública ou privada. Esta lei visa

à incorporação dos conteúdos educacionais da História da África e dos africanos, suas lutas,

cultura e contribuições desses povos na formação da sociedade brasileira, nos campos sociais,

culturais, econômicos e políticos.

Em documento oficial do governo federal sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais

para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de história e Cultura Afro-

Brasileira e Africana, diz respeito à “[...] todos os brasileiros, uma vez que devem educar-se

enquanto cidadãos atuantes no seio de uma sociedade multicultural e pluriétnica, capazes de

construir uma nação democrática [...].” (BRASIL, 2005).

28

A política de inclusão do estudo da história e da cultura africana e afro-brasileira nas

escolas deve ser forjada através de estratégias pedagógicas com vista a garantir a valorização

da diversidade, da promoção da igualdade, do combate ao racismo e qualquer outra forma de

discriminação de cunho racial.

Dessa forma, com intuito de também fomentar um debate para além dos muros da

escola, tomando como primordial uma formação pautada na criticidade e reflexão das relações

de desigualdades, exclusão, preconceito constantes na nossa sociedade.

Ainda sob contexto da Lei n° 10.639, faz-se importante salientar, que neste processo a

formação dos professores é fundamental e deve ser forjada, por meio de incentivos e

investimentos aos educadores, a fim de que seu exercício profissional seja competente e

passível de criação a novas estratégias pedagógicas á educação para as relações étnico-raciais.

Conforme cartilha do MEC/SEPPIR, “A luta pela superação do racismo e da discriminação

racial é, pois, tarefa de todo e qualquer educador, independente do seu pertencimento étnico-

racial, crença religiosa ou posição política” (BRASIL, 2005). Segundo o Artigo 5° da

Constituição Brasileira, o racismo é um crime inafiançável, se aplicando a todo e qualquer

cidadão ou instituição, incluindo à escola.

O racismo, a discriminação racial e qualquer outra forma de intolerância, não tem seu

nascedouro na escola, porém perpassam esse espaço, e a escola como instituição primordial

para o desenvolvimento integral da aprendizagem, da formação de valores, comportamentos,

hábitos e senso crítico, deve forjar práticas pedagógicas que respeitem as diferenças e as

características próprias, no ato de educar visando por uma nova sociedade, justa, igualitária e

democrática.

As ações afirmativas atendem ao determinado pelo Programa Nacional de Direitos

Humanos, bem como a compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, com o objetivo

de combater ao racismo e a discriminação, como, por exemplo, a Convenção da UNESCO de

1960, direcionado à luta contra o racismo em todas as suas formas de ensino, bem como a

Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e

Discriminação Correlatas de 2001.

Outra ação das políticas de reparação e de reconhecimento que compõe as ações

afirmativas foi o Decreto 4886, de 20 de novembro de 2003, instituindo a Política Nacional de

Promoção da Igualdade Racial (PNPIR), com objetivos de reduzir as desigualdades, por meio

da defesa de direitos das ações afirmativas e da articulação das dimensões de gênero e raça. A

29

PNPIR tem como princípios a transversalidade; a descentralização; e a gestão democrática,

que reconhece o papel da sociedade civil no avanço da igualdade racial.

Para além do decreto anterior, foi implementado também o Decreto 6872, de 8 de

junho de 2009, que aprova o Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial que, com base

nas definições da I Conferência de Promoção da Igualdade Racial (I CONAPIR), estabelece

um conjunto de ações vinculadas aos seguintes eixos: trabalho e desenvolvimento econômico;

educação; saúde; diversidade cultural; direitos humanos e segurança pública; povos e

comunidades tradicionais; desenvolvimentos social e segurança alimentar; infraestrutura; e

juventude.

Ainda no âmbito do marco regulatório das ações afirmativas, tem-se a Lei 12.288, de

20 de julho de 2010, que institui o Estatuto da Igualdade Racial, essa lei toma como objetivo a

necessidade de definir as principais áreas a serem reconhecidas pelas instituições públicas

para a superação das desigualdades raciais, campos esses: saúde; educação; cultura; esporte e

lazer; liberdade de consciência e de crença; acesso a terra e moradia; trabalho; e meios de

comunicação. Também estabelece mecanismos institucionais como o SINAPIR (Sistema

Nacional de Promoção da Igualdade Racial) e o FIPIR (Fórum Intergovernamental de

Promoção da Igualdade Racial) e as Ouvidorias Permanentes em Defesa da Igualdade Racial.

Diante de um cenário de políticas de promoção da igualdade racial, foi sancionada no

ano de 2012, uma das leis mais relevantes direcionada as minorias, dentre elas a população

negra. A Lei 12.711, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff em 29 de agosto de 2012,

“Lei das Cotas”, que dispõe sobre a reserva de vagas com critérios para estudantes de escolas

públicas, negros e indígenas, definindo em no mínimo 50% o acesso destes às universidades

federais e instituições federais de ensino técnico de nível médio.

Essas iniciativas se tornaram medidas fundamentais na inclusão de negros, pardos e

indígenas no ensino superior público por meio de políticas públicas. Para além das ações do

marco regulatórios, foram também criados iniciativas de cunho educativo, como, por

exemplo, planos, programas, projetos, cursos, campanhas, editais e mecanismos

intersetoriais, as quais são de primordial relevância na transformação das demandas da

população negra em normas legais e em favor da igualdade racial do país.

Projeto A Cor da Cultura – Plano Juventude Viva – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica

nas Ações Afirmativas (PIBIC – AF) – Campanha Igualdada de Racial é pra valer – Curso Gênero e Diversidade

na Escola – Curso de atualização e especialização em Gestão Pública com foco em Gênero e Raça (GPP-GER) –

Comitê Técnico de Saúde da População Negra.

30

Com isso, faz-se importante destacar entre tais iniciativas, o Projeto de Ação Integrada

Para Mulheres Negras, o qual visa contribuir para o emponderamento da mulher negra e sua

organização política; o enfrentamento ao racismo e ao sexismo institucional; e apoio a ações

que afirmem a imagem positiva de jovens e mulheres negras. Ação implementada no ano de

2013 em parceria com organizações da sociedade civil.

A Secretaria Especial de Promoção a Igualdade Racial (SEPPIR) desenvolve suas

ações no sentido de garantir os direitos e elevar a qualidade de vida desses povos brasileiros,

no sentido de observar a vivência plena de suas identidades e de seu pertencimento racial.

Diante disto, a SEPPIR realizou no ano de 2014, a primeira edição do prêmio Lélia Gonzales

“Protagonismo de Organização de Mulheres Negras e participação ativa do Conselho

Nacional de Direitos da Mulher”.

Tais medidas obtiveram como resultados algumas ações como: o Prêmio Lélia

Gonzalez que premiou, no ano de 2014, treze organizações de mulheres negras de variados

estados do Brasil, sendo três projetos na modalidade nacional, seis na estadual e quatro na

municipal; outra ação foi a realização do Seminário O Feminismo Negro e o Pensamento de

Lélia Gonzalez, realizado em maio de 2013, com os objetivos de difundir e debater a

contribuição teórica de Lélia Gonzalez e oferecer subsídios às organizações para a melhor

execução dos projetos premiados, em linha com as políticas de enfrentamento ao racismo e ao

sexismo e de promoção da igualdade racial e de gênero.

Outro terceiro resultado foi o pré-lançamento do Projeto Memória que, em sua 13°

edição que homenageia Lélia Gonzales. Tal projeto consiste na produção e ampliação de um

Almanaque histórico, um Livro Fotobiográfico, um sítio na Internet, uma exposição itinerante

e um Videodocumento sobre a vida e a obra da antrópologa e ativista afro-brasileira,

elaborado em julho de 2014.

As devidas ações, também resultaram com o apoio ao I Congresso Internacional sobre

o Pensamento das Mulheres Negras no Brasil e na Diáspora Africana e I Workshop Mulheres

Negras Pensando as Práticas Sociais, Culturais e Políticas, realizado em dezembro de 2014

pela Universidade Federal da Bahia, em parceria com a Criola (Organização de Mulheres

negras). Durante a III CONAPIR, no final de 2013, a SEPPIR lançou a publicação intitulada

“A Participação das Mulheres Negras nos Espaços de Poder”.

Avançar rumo a condições de vida de qualidade a população negra, como a educação,

por exemplo, são formas de superação da herança racista e da histórica naturalização para a

31

desigualdade racial e social que ainda marcam o povo brasileiro. São apostas em processos

políticos que efetivem e garantam o direito humano à educação, ao respeito, a diversidade, a

coletividade e ao reconhecimento, pensando também em intensa articulação com os demais

direitos humanos.

Estes marcos legais precisam ser compreendidos como fruto das lutas e reivindicações

do Movimento Negro, e não como algo dado pelo Estado brasileiro. Espera-se que tais

medidas e ações para a compreensão da diversidade étnico-racial não se centralizem apenas

no âmbito educacional, mas que consigam ramificar-se no conjunto de padrões de poder, de

trabalho, de conhecimento, de classificação etc. em nossa sociedade.

2.4.2 Políticas voltadas á promoção da igualdade de gênero

No âmbito da discussão das relações de gênero direcionadas as mulheres, em que

fazem parte também às negras, algumas políticas podem ser consideradas marcos importantes

na conquista de direitos fundamentais á suas vidas. Dentre essas políticas, Reis (2008)

destaca: a criação dos Conselhos de Condição Feminina, objetivando a elaboração de políticas

públicas voltadas para o combate à discriminação das mulheres e a promoção da igualdade de

gênero; as Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAM), inclusive

compostas por abrigos para proteção das mulheres, em caso de violência; e a luta das

mulheres pelo direito de tomar decisões em relação ao seu próprio corpo, como, por exemplo,

decidir se querem ter filhos ou não (REIS, 2008).

Umas das principais conquistas do público feminino no marco regulatório é a Lei

Maria da Penha, Lei 11.340, com vistas ao combate à violência doméstica e familiar que

provoque morte, sofrimento físico, sexual, psicológico, ou dano moral e patrimonial. Tal lei

foi sancionada em agosto de 2006, como resultado da luta dos movimentos de mulheres

brasileiras. No capítulo I da Lei Maria da Penha, constam artigos que abordam a importância

da educação e das escolas na prevenção da violência doméstica e familiar.

Todas as conquistas realizadas têm uma grande importância para o Movimento das

mulheres, pois as desigualdades a esse grupo são preocupantes, excludentes, e seguidas a

outras práticas de desigualdades como as raciais e sociais se intensificam e apresentam de

forma evidente.

Destaca-se ainda entre tais medidas, a criação da Secretaria Especial de Políticas para

Mulheres, que vem contribuindo para efetivação das conquistas das mulheres negras

brasileiras. Para REIS (2008) nesta secretaria, programas foram instituídos como: “Gênero e

32

Diversidade na Escola”, em que mantém parceria com o Ministério da Educação (MEC), com

a finalidade de propor formação aos professores, e propiciar elementos que possam excluir

práticas de desigualdades no espaço formal de educação.

Segundo REIS (2008), foi desenvolvida também no ano de 2003, dentro do Ministério

de Desenvolvimento Agrário (MDA), o Programa de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça

e Etnia, realizado com propósito de promover o acesso de mulheres do campo, populações

quilombolas e indígenas nas políticas de acesso a terra.

Esses marcos e medidas são elaboradas com intuito de discutir, fomentar e fortalecer

políticas e ações que previnam e eliminem práticas discriminatórias com base no gênero, e

assegurar a proteção, a igualdade, justiça as mulheres brasileiras.

O conhecimento sobre as formas pelas quais as desigualdades se produzem e

reproduzem torna-se ferramenta fundamental para que ela seja enfrentada. Nisso

considerando-se essas políticas em diálogo com os Movimentos Feministas e de Mulheres.

Portanto, essas ações são importantes para se considerar a categoria gênero dentro das

relações sociais, problematizando as consequências de uma cultura do patriarcado imposta às

mulheres. Além disso, é importante reconhecer que as desigualdades vivenciadas pelas

mulheres perpassam outros setores os quais podem reforçar a sua condição de mulher. Levar

em consideração as especificidades e variações das mulheres, inclusive a sua condição de cor

e classe.

Assim, observaremos a seguir como as relações raciais e de gênero estão presentes na

trajetória da mulher negra professora universitária, em que seus relatos também podem

evidenciar suas considerações sobras às políticas voltadas para o grupo.

33

3 A TRAJETÓRIA DA MULHER NEGRA PROFESSORA UNIVERSITÁRIA

Diante de diversos indicativos desiguais frente a um cenário permeado por processos

históricos, sociais, culturais, econômicos e políticos, destacam-se as mulheres negras

professoras do ensino superior público que se inserem num âmbito que, tradicionalmente,

sempre foi ocupado por homens brancos, e num passado recente, ocupado por mulheres

brancas.

Atualmente, sabe-se que para as mulheres negras na sociedade brasileira, criou-se o

estigma social que ajuda a provocar a criminalização desse grupo, assim mantendo-as

excluídas na história, em consequência ao período escravocrata e pela cultura do patriarcado

de tempos remotos. Para Adorno (1996), os estigmas parecem pesar de maneira mais intensas

e notadamente sobre populações negras, estigmas que parecem ter sólido lastro no passado.

A quase ausência de mulheres negras em instituições de ensino superior ainda é forte e

compreender sua trajetória até a posição de professoras da universidade requer acionar

memórias de lutas e resistências, as quais foram travadas, mesmo após a democratização do

ensino público na década de 1960, oportunizando a abertura da educação a todas as classes

sociais. Segundo Cláudia Pereira Vianna (2001) “as mulheres são maioria na Educação

Básica, porém exercem atividades bem definidas na carreira. A Educação Infantil arregimenta

mais de 90% das educadoras, enquanto no Ensino Superior as mulheres ainda são uma

minoria, em especial nas carreiras tidas como masculinas” (VIANNA, 2001, p. 92).

Ao longo do século XX, o ensino primário foi tomando como característica um caráter

feminino em sua maioria. Atualmente, principalmente nos ensinos da Educação básica

(formadas pela Educação infantil, o Ensino Fundamental e Médio), há um grande número de

mulheres no exercício da docência, porém quando observamos tal cenário no ensino superior

não ocorre da mesma maneira. Nos espaços universitários o número de mulheres,

principalmente, mulheres negras em alguns cursos, ainda é considerado pequeno.

Como destaca Gomes (1995), a chegada ao magistério para a mulher negra constitui a

culminância de múltiplas rupturas e afirmações, a saber, a luta pelo prosseguimento dos

estudos, uma profissão que dá garantia de ter espaço no mercado de trabalho, uma profissão

que possibilite dar espaço para atuar em outro trabalho e ou conciliar às atividades do lar.

Dessa forma, busca-se aqui através dos relatos feitos em entrevistas, analisar a trajetória

de duas professoras negras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com intuito de

34

perceber como as relações raciais e de gênero estiveram presentes em suas caminhadas, e de

que forma tais relações interferiram e/ou interferem em suas posições profissionais e pessoais.

O interesse em realizar esta pesquisa partiu, principalmente, pela relevância de se discutir

a presença de mulheres negras nos estabelecimentos de ensino superior, visando desmistificar

estigmas, e estimular a inclusão de outras mulheres em espaços que oferecem instrução,

preparação, formação cidadã e crítica para as relações sociais a partir dos relatos das

trajetórias das docentes entrevistadas. As entrevistadas foram selecionadas por serem as

únicas professoras negras do Centro de Educação (CE) da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte. Foi a partir de um roteiro elaborado por mim, e gravação da atividade que

as entrevistas foram realizadas, a estrutura e resultados encontram-se no apêndice do trabalho.

Como forma de preservar a identidade das professoras serão aqui apresentadas como:

entrevista N° 01 e entrevista N° 02. A professora da entrevista N° 01, tem 52 anos, natural do

Rio de Janeiro, pedagoga e mestre me educação pela UFRJ. Doutora em Educação pela

Universidade Federal Fluminense, tendo realizado bolsa sanduíche na Universidade de

Coruña, Espanha. Foi professora e orientadora pedagógica em escola do ensino fundamental

da rede pública no Rio de Janeiro. É, atualmente, professora do curso de pedagogia no Centro

de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Atua nas áreas de formação

continuada, cotidiano escolar e educação de jovens e adultos.

Já a professora da entrevista N°02, tem 46 anos, natural do Rio de Janeiro, formada em

pedagogia na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Mestre em educação pela

Universidade Federal do Rio Grande do Norte e doutora em educação pela mesma

universidade. Possui experiência nas áreas políticas educacionais, nas temáticas de Gestão

educacional, cultura organizacional, projeto político-pedagógico (PPP) e avaliação

institucional. Ambas são atualmente docentes da UFRN e se identificam como mulheres

negras.

Para se chegar aos objetivos propostos, o trabalho seguirá organizado com intuito de

compreender as relações dessas professoras negras, desde aspectos familiares, educacionais, a

construção de suas identidades, a vivência de práticas de desigualdades raciais ou de gênero.

Há considerações também sobre quais os impulsos e motivações na caminhada até o status de

docentes universitárias, os obstáculos e dificuldades para ingresso e permanência na carreira,

as concepções que consideram de machismo e racismo e de que formas tais práticas

interferem ou interferiram em suas trajetórias.

35

Com intuito de dar a devida importância aos processos educacionais nos sistemas de

ensino, também se discutirá conforme relato das professoras a relevância que atribuem a

educação para as relações étnico-raciais e diversidade.

Outro ponto de discussão será a problemática da mulher negra na sociedade e quais os

lugares que ocupam e o porquê consideram, e por fim, que posições tomam frente às políticas

compensatórias, as ações afirmativas, cotas, etc. e que relações fazem diante de um novo

contexto atual que atinge diretamente as políticas e ações da população negra.

É fundamental neste momento refletir criticamente sobre os lugares de poder ocupados

por pessoas negras e pessoas brancas. Dessa forma, questionar-se sobre um retrato de

desigualdade inculcada na sociedade brasileira é necessário. Assim compreender o lugar em

que as mulheres negras estão em sua maioria, à presença de professoras negras no quadro do

espaço acadêmico superior e em geral compreender qual o lugar ocupado pelas mulheres

negras na sociedade civil faz-se necessário.

Muitas vezes, em decorrência do racismo, é considerado natural um quadro desigual em

que a população negra apresenta-se em todas as ocasiões desfavorecidas e desconsideradas.

Assim, atuar nessa realidade, buscando garantir condições efetivas para que pessoas negras e

demais grupos discriminados socialmente tenham oportunidade de acesso as politicas sociais,

torna-se uma tarefa árdua e contínua. Oportunidade de acesso essa considerando os espaços

sociais como educação, saúde, representação política, e até a posição de professores em

Universidades Federais.

Apesar de todos os obstáculos já colocados a essas mulheres histórica e socialmente,

algumas conseguiram subvertê-los, passando a ocupar um lugar que não lhes foi determinado.

Em seguidas, os relatos de ambas as professoras em que os debates de raça e gênero estão

colocados frente a suas trajetórias de vida e profissional.

3.1. NARRATIVAS SOBRE EXISTÊNCIAS ATRAVÉS DO TEMPO

As trajetórias de uma sociedade e para cada ser em sua individualidade iniciam-se nos

primeiros contatos que se dão em meio a suas famílias. Através das interações sociais

passamos a compreender as regras e comportamentos sociais dentro de cada cultura

específica. E nesse processo deve-se também observar a inserção de cada indivíduo dentro de

uma lógica de estrutura social, essa a qual compreenderá seu pertencimento a um grupo ou

sua classe. A família (nos seus vários formatos) aqui cumpre um papel relevante na trajetória

de seus membros que ainda procuram entender as relações estabelecidas na sociedade. Dessa

36

forma, as professoras colaboradoras relatam o papel que suas famílias impulsionaram durante

suas trajetórias, no âmbito escolar:

“Me obrigando a ir pra escola! Desde criança eu entrei na escola aos 3 anos

de idade. Minha mãe trabalhava e meu pai trabalhava, minha mãe era

professora, então eu tinha valorização da educação formal na minha casa né,

meu pai apesar de não ter completado o que, hoje, a agente chama de ensino

fundamental, também era/é uma pessoa que valorizava a educação, a

escolarização, apesar dele ter fugido da escola, ele fugiu literalmente, e

então, assim, desde criança muito pequena eu sabia que eu ia pra escola, eu

ansiava ir pra escola, eu ansiava ir pra escola, especialmente, porque eu

queria muito aprender a ler, então minha mãe sempre brinca quando ela me

levou pra escola pela primeira vez quem chorou foi ela, porque eu

simplesmente dei tchau pra ela e sai correndo [...]” (ENTREVISTA N°1,

19/09/2016)

“Olha, meus pais assim, escola nunca me faltou, mas eles nunca ligaram

muito não, assim a minha trajetória eu fiz, eu sempre gostei de estudar e aí a

minha mãe mandava eu parar de estudar, ao contrário, ‘você se preocupada

demais’[...] Quando eu morava numa cidade do interior pequena era normal

que os jovens saíssem pra continuar os estudos, então quando eu tinha 14

anos, nós voltamos de viagem pro Rio de Janeiro e eu fiquei pra estudar na

casa de uma tia, e aí o baque foi grande de uma escola que não tinha muitas

vezes professores preparados lá no Mato Grosso do Sul, numa escola

pública, e aí eu fui estudar numa escola de freira, e na primeira semana foi

um choque, tudo mudou e eu vi que não tinha base, então nesse ponto passei

morar com minha tia e ela me deu todo apoio, ela era professora e me deu

todo apoio pra que eu tivesse condições, e sempre me esforçando muito pra

conseguir terminar o ensino médio na época [...] e não tive assim grandes

problemas não, nada foi fácil , mas tudo com muito esforço, tive muito apoio

dos meus pais, não assim num sentido de me cobrar, eu sempre fiz o meu

caminho, mas assim, nunca faltou comida, nunca faltou livro, nunca faltou

apoio, mas eu que fiz o meu caminho, e tive muito auxilio desses meus tios

que me deram o suporte, que ali foi o momento mais difícil né que foi a

mudança do estado e da escola” (ENTREVISTA N° 2, 06/10/2016).

Como se percebe, a relação de ambas as entrevistadas com suas famílias tem

concepções diferenciadas na figura do indivíduo propulsor nas suas trajetórias de formação na

educação formal. A primeira professora revela a importância do papel de sua mãe no seu

caminho para ascensão social, sempre incentivada, a figura da mãe passou a representar o

elemento motivador na sua conduta do papel da escola na educação. Já a segunda entrevistada

apesar de não manter a mesma relação que a primeira, teve seus tios como principais figuras

impulsionadoras no seu processo de educação formal.

A educação na família apresenta o que Bourdieu (1983), chama de habitus

transmitidos às professoras negras nas suas primeiras interações sociais, o que as possibilitou

fundamentar e ampliar o capital cultural que teve função primordial nas suas vidas pessoais e

profissionais, abrindo-se caminhos que permitiram atingir seus status de professoras de

37

universidade pública e consideravelmente reconhecida, ou ainda, “algo que mantém uma

enorme potência geradora, em que nela se introduz uma transformação (BOURDIEU,1983, p.

129). Tal habitus, lutas e resistências constituídas na trajetória dessas professoras foi passível

de contrariar um sistema que tem por premissa segregar grupos, como a população negra, as

quais as professoras pertencem.

Ao opor-se ao que a sociedade lhe confere a mulher negra, tem mostrado

entendimento das circunstâncias discriminadoras de que é vítima e busca nos seus cursos de

vida engajar-se em luta, resistência que lhes permitam sobressair às barreiras impostas

socialmente, buscam valor e dignidade a raízes e irmãos e irmãs de etnia e raça.

Durante esses trajetos a identidade passa a ser um elemento importante na formação

das docentes negras ou a qualquer outra mulher que se identifique como negra. Esse elemento

faz parte da realidade subjetiva da cada um, um processo de construção que tende a ser

constantemente transformado e remodelado com o passar do tempo através das interações

sociais e conflitos vivenciados por cada indivíduo com o diverso e diferente. Segundo Peter e

Brigitte Berger (1994, p.212), conforme citado por Oliveira (2006, p.88),

[...] quer a identidade seja atribuída ao individuo, quer seja atribuída por ele,

ela sempre é assimilada através de um processo de interação com outros. São

os outros que o identificam de certa maneira. Só depois que uma identidade

é confirmada pelos outros, é que pode torna-se real para o individuo ao qual

pertence. Em outras palavras, a identidade resulta do intercurso da

identificação com a auto identificação. Isto se aplica até mesmo as

identidades deliberadamente constituídas pelo próprio indivíduo (PETER;

BRIGITTE BERGER, 1994, p.212).

O que se observa é que essa construção da identidade não se faz de maneira individual,

há um processo coletivo, que por meio da socialização vai se concretizando, como também

sendo possível mudar e remodelar as identidades. No caso das colaboradoras nesta pesquisa,

constata-se que é justamente no momento de reconhecimento enquanto mulher e negra, que as

professoras passam a construir suas identidades, frente a conflitos como a discriminação

racial, o racismo, e preconceito de gênero. Com base em Gomes (2003), “a identidade negra

é entendida, aqui, como uma construção social, histórica, cultural e plural. Implica a

construção do olhar de um grupo étnico/racial ou de sujeitos que pertencem a um mesmo

grupo étnico/racial sobre si mesmos, a partir da relação com o outro” (p. 171).

Nesse contexto as professoras em seus relatos não precisaram um momento fixo para

suas identificações como mulheres negras. Esse fato, para elas, acontece já mais tarde,

inseridas no espaço acadêmico enquanto alunas e posteriormente professoras, em que

38

puderam obter oportunidades e acesso ao conhecimento científico, informações, diferentes

ideais, debates etc., relacionados ás questões étnico-raciais, dentre outras. Com isso relatam:

“Então eu não sei precisar assim um momento, um dia né, porque também eu

acho que isso é impossível, porque é uma construção mesmo, que é feita ao

longo da vida, especialmente, por conta do racismo mesmo isso não é dado

né, especialmente, pessoa como nós que não temos o fenótipo tradicional do

negro, to falando nós, eu e você, porque somos mais ou menos iguais. Bom

então, uma construção mesmo, então eu me lembro, assim de coisas que me

falavam, principalmente na minha adolescência, porque criança a gente não

presta muita atenção nessas coisas, mas na adolescência algumas coisas que

me falavam e me deixavam assim em dúvida ou inquieta e porque que

estavam falando essas coisas, por exemplo, uma coisa que eu me lembro é

que as minhas próprias colegas, amigas de escola sempre que diziam que eu

devia namorar alguém essa pessoa era negra, entendeu, então é uma forma

de racismo né, mas eu acho que isso começou a ficar mais claro pra mim na

época da universidade né, porque claro na universidade a gente amplia, eu

sai de uma cidade menor, fui pra uma cidade maior, e a universidade mesmo

né, que tem esse papel na vida da gente eu acho de ampliar a nossa visão de

mundo pelo simples fato de estarmos ali de termos contato com uma serie de

ideais, convergente, divergentes, então isso foi ficando cada vez mais claro

pra mim né, que eu era uma mulher negra, até inclusive, até o doutorado que

eu tinha uma amiga que pesquisava sobre as mulheres negras, uma vez

alguém falou assim pra mim ‘ah vocês duas (eu e ela, eu e essa amiga),

vocês duas tem mais ou menos a mesma cor, mas eu identifico ela como

mulher negra, mas você não’ não sei se era por causa do cabelo, enfim, né,

mas...” (ENTREVISTA N° 1, 19/09/2016).

“Isso foi dolorido! Por que essa questão de ser negro sempre foi muito

complicado, porque o valor, o bonito é o branco. E eu lembro que desde

criancinha eu queria ter os meus cabelos lisos como as minhas coleguinhas e

não era assim e aí eu era criança a primeira vez que alisei o cabelo e saia

com os cabelos balançando, e logo em seguida o cabelo ficou horrível e eu

tive que usar tipo Joãozinho, aquilo foi triste pra mim, e isso na infância

antes dos sete anos quando morava no Rio de Janeiro, ou seja, uma negra

entre vários negros, mas eu acho que essa questão da aceitação da negritude,

não ainda, não havia acontecido, isso só aconteceu muito mais tarde. [...]

Com o tempo foi passando e eu fui percebendo que eu não era menor, que

meu cabelo era bonito, que eu tracei o meu caminho e que a consciência que

eu sou negra hoje eu não abro mão num sentido de que aqui as pessoas tem

medo de falar que são negras né, elas são é moreninhas, ai eu digo ‘não, eu

não sou moreninha eu sou negra’ porque essa identidade ela foi construída

de forma muito difícil e muito dolorosa e esse processo de auto aceitação foi

longo e necessário, e meu marido me deu muito apoio para que eu me visse

como negra e me aceitasse como tal. (ENTREVISTA N° 2, 06/10/2016).

Pode-se considerar pelos relatos de ambas as professoras que suas identidades tiveram

o fator da conflitualidade bastante presente em suas trajetórias. Apesar de ambas não

relatarem ter sofrido discriminação de raça ou gênero de maneira agressiva, degradante ou

humilhante, o racismo esteve presente na sua maneira sutil, o que fez com que inquietudes e

39

dúvidas fossem consideradas por elas. Segundo Barbosa (1987, p.54, apud REIS, 2008, p.

17), não é marcado apenas pela conscientização das diferenças raciais, “mas pelo significado

dessas diferenças e da importância que elas têm para suas futuras relações sociais”.

Para exemplificar a construção permeada por conflitos internos e externos, a

colaboradora da ENTREVISTA N° 2, diz: “e eu lembro que desde criancinha eu queria ter os

meus cabelos lisos como as minhas coleguinhas e não era assim e aí eu era criança a primeira

vez que alisei o cabelo e saia com os cabelos balançando”. Para as mulheres negras o

fenotípico, traços característicos, pode evidenciar uma maior conflitualidade diante de um

padrão considerado superior, um padrão eurocêntrico de beleza, além do reforço da ideologia

do branqueamento que enfatizava a necessidade de se desenvolver características mais

‘convenientes’ da ascendência europeia brasileira.

Logo, para uma mulher negra aceitar-se como tal, necessita quebrar inúmeras barreiras

criadas a sua figura e de sua população. Conforme Maria Clareth Reis (2008), esse processo

torna-se mais difícil, pois carrega uma concentração de herança negativa, por meio da

manifestação de preconceitos e descriminação; comportamentos que se arraigam em nossa

sociedade através de estigmas e estereótipos raciais, e demais formas de inferiorização da

população preta.

Em uma sociedade permeada pelas ideologias racistas, sexistas e de gênero, as

mulheres negras tornam-se vítimas de dupla, por vezes, por tríplice discriminação, nos

campos raciais, de gênero e classe. Diante disso, ao serem questionadas sobre a vivência,

mesmo que silenciosamente, de práticas de reprodução de desigualdades sociais, raciais e/ou

de gênero, relatam:

“Sim! Então eu vou te contar a história do elevador, é que essa foi uma

bastante marcante pra mim, porque eu não tinha a menor ideia do que estava

acontecendo e depois foi a minha professora, minha orientadora, que me

mostrou que naquele momento eu estava sendo vítima de uma prática de

racismo né, pelo porteiro do edifício dela, um edifício elegante em

Copacabana, que me mandou subir pelo elevador de serviço, e quando eu

cheguei ela estranhou o porquê eu estava saindo daquele elevador e quando

eu falei que tinha sido o porteiro quem tinha indicado ela ficou um pouco

chateada e aí conversamos sobre isso. E lugares também que já várias vezes

houve práticas silenciosas de racismo, muitas vezes em lojas, lojas bacanas,

mais caras e tal, que você entra e não é atendida, como se você não estivesse

ali, ignorando sua presença, imagino porque, devem imaginar que eu não

poderia comprar ou que eu não deveria estar ali enfim... [...] Preconceito de

gênero é uma coisa que atravessa a vida de mulheres sempre né, nos

mínimos detalhes eu acho” (ENTREVISTA N°1, 19/09/2016).

40

“Sim! Como mulher negra quem é que não passou por situações dessas. Mas

eu também, percebi que essa relação de, vamos dizer assim, a desvalorização

do negro, está relacionado diretamente com a desvalorização da condição

socioeconômica, porque existem situações, por exemplo, eu fui a uma foto

aqui em Nova Descoberta, tirar foto com meus filhos, estava em casa, saí era

perto de casa, fui andando de chinelo e percebi que não me atendiam, e aí ‘o

que, que está acontecendo? ’ naquele momento pra me sentir valorizada

busquei as palavras mais difíceis que eu sabia pra mostrar ‘Olha! To aqui!

Eu tenho valor’ foi uma forma de defesa, não acho que isso é, não foi a

melhor forma, mas eu percebi que se eu tivesse bem vestida não era assim

me tratavam [...] porque mulher negra e pobre as pessoa pisam e não

reconhecem o seu valor. É como se você fosse menor” (ENTREVISTA N°

2, 06/10/2016).

Por estes relatos, podemos perceber que ambas as professoras tiveram em suas

trajetórias momentos com a presença do racismo, mesmo que de forma camuflada. O que se

percebe é que mesmo antiga essa discussão ainda reflete na sociedade, e por vezes por meio

de marcas carregadas de descriminação contra a população negra. Munanga (1996, p.17)

afirma que as práticas discriminatórias “[...] são fontes de conflitos e de inúmeras

manipulações socioeconômica e político ideológicas. Quanto mais crescem, as diferenças

favorecem a formação dos fenômenos de etnocentrismos [...]”. Dessa forma, tal

etnocentrismo torna-se ponto fundamental para a construção de estereótipos e preconceitos,

inclusive raciais.

Tem-se, no Brasil, uma construção insistente da existência de uma “democracia

racial”. Porém, ao partimos para dados estatísticos percebemos que na verdade temos vivido

o mito da democracia racial, mito este que difunde uma convivência, organização social,

educação etc., sem resquícios de uma lógica que desqualifica e salienta estereótipos

depreciativos, explicitando violência e expressando um sentimento de superioridade de

brancos em relação aos negros. Difunde-se com este mito uma crença que vem

“desconsiderando as desigualdades seculares que a estrutura social hierárquica cria com

prejuízos para os negros” (BRASIL, 2005, p. 12).

As consequências do mito da “democracia racial” têm, até os dias atuais, estado

bastante presente e em bom funcionamento, alimentando o ideário coletivo. Ainda mais

quando diz respeito às práticas racistas e discriminatórias, o que pode ser observado nos

relatos das professoras entrevistadas.

Nesse contexto, em que se manifestam as relações de poder através de formas

discriminatórias e tendo o público negro como um dos principais alvos, as mulheres negras

que ocupam um espaço universitário enquanto docentes, espaço esse de certo forma permeado

41

por privilégios e disputas de poder, ascendem através de uma força interior que pode, de certa

forma, ter sido influenciada pela forma organizada no espaço exterior. Ou seja, os impulsos de

força das mulheres negras ter sido intensificados diante das desigualdades impregnadas na

sociedade, motivadas por cor, gênero, etnia, raça, crença.

As construções sociais são baseadas conforme a representação de uma pirâmide, em

uma estrutura hierárquica de poder que compõe no seu ápice a elite e o Estado, que detém

poder e autoridade dentro dessa estrutura. Em sua base compõem populações marginalizadas,

negros, índios, etc., sem assistência ou subsídios algum de sobrevivência, de igualdade e de

justiça. De acordo com Adorno:

Diferentes clivagens contribuem para este cenário social: situação

ocupacional, carência de profissionalização, baixa escolaridade, gênero,

origem regional, idade e, acima de tudo, cor. Negros - homens e mulheres,

adultos e crianças - encontram-se situados nos degraus mais inferiores das

hierarquias sociais na sociedade brasileira, como vêm demonstrando

inúmeros estudos e pesquisas. A exclusão social é reforçada pelo preconceito

e pela estigmatização (ADORNO, 1996, p. 283).

Dessa forma, nascidas em um meio que tenta lhes impor posições, e presentes nas

estatísticas do grupo que mais sofre desigualdades, as mulheres negras professoras, relatam de

que forma seus caminhos as levaram até a posição de professora do ensino superior público.

“Então, não foi uma caminhada proposital nem intencional que me trouxe

até aqui, eu não queria ser professora, eu fiz o magistério do ensino médio

porque era a única opção na minha escola pública numa época que era

obrigatório fazer um curso profissionalizante e também por uma certa

pressão familiar, porque minha mãe considerava que eu deveria fazer o

magistério, porque terminando o curso de magistério eu teria uma profissão

e poderia trabalhar [...] eu percebi que pra ser professora eu precisaria de

mais formação, e ai eu sai da ciências sociais e fui pra pedagogia, ai terminei

a pedagogia, emendei a pedagogia com o mestrado e quando terminei o

mestrado eu não queria mais saber de fazer vida acadêmica, fui trabalhar,

trabalhei em vários projetos e aí quando eu tive em mãos os relatórios, os

registros diários das práticas pedagógicas das professoras com as quais eu

trabalhava, eu coordenava o trabalho delas a distância, eu comecei a achar

que aquilo era muito interessante e foi oito anos depois de eu ter terminado o

mestrado, ai eu achei que valeria a pena fazer o doutorado [...] e aí eu já

estava meio, não quero dizer uma expressão para ser gravada, mas já estava

meio chateada com meu trabalho naquele momento, porque as relações, eu

gostava muito do trabalho que eu fazia no SESC coordenando o projeto de

alfabetização de Jovens e Adultos, gostava muito das minhas companheiras

de trabalho, do trabalho que eu fazia, mas as relações no SESC eram muitos

ruins, muito difíceis, e ali sim a gente sofria muito preconceito de gênero,

não diretamente dizendo isso né, mas como Dilma sofreu agora né, muitas

coisas contra Dilma eram flagrantemente preconceito de gênero, certas

coisas que falavam, que faziam, que caricaturavam não fariam com um

homem né, embora não existisse um discurso direto ‘você é burra porque

você é mulher [...]ai pensei ah pode ser uma oportunidade e aí me inscrevi

42

em alguns concursos fiz esse primeiro passei e pronto vim pra cá”

(ENTREVISTA N° 1, 19/09/2016).

“Olha, embora eu sempre gostasse de estudar e sempre me esforçasse pra

fazer o meu melhor, não ser melhor do que ninguém, mas o meu melhor eu

nunca acreditei no meu potencial, nunca acreditei que eu pudesse chegar

aqui e se eu estou aqui hoje é por conta do meu marido [...] Eu sempre

achava não, não vai dar certo e ele: ‘não, você vai fazer, agora é a sua vez’, e

foi assim no mestrado, e no doutorado ‘você vai conseguir, faz’, nos

concursos, eu fiz três concursos, fiz um pra UERN, fiz um pra UFPB, porque

Pau dos Ferros era muito longe, e passei seis meses na Paraíba em Rio Tinto,

até que saísse uma vaga pra cá. Nunca eu achava que eu podia e ele sempre

me dando a força ‘não, você vai, você consegue’ ele me dava o estímulo e eu

corria atrás e foi assim que eu cheguei” (ENTREVISTA N° 1, 06/10/2016).

No relato da primeira professora, pode-se observar que apesar de não declarar um

motivo específico e claro, a sua decisão a escolha da docência superior, decorreu também por

motivos de preconceito de gênero o que a fez não ter dúvida alguma na mudança de sua

trajetória. Para a segunda entrevistada, é perceptível que sua construção refletiu um

sentimento de incapacidade de poder ocupar um espaço como a universidade. Esse sentimento

pode ser decorrente das estruturas estabelecidas, da presença do racismo, discriminação de

raça ou gênero muito presente em nossa sociedade. Segundo Pierre Bourdieu (1983, p.129)

citado por Oliveira (2006, p. 41) confere a existência de uma “estrutura estruturada

predisposta a se tornar estruturante”, a partir tanto de um ritmo de interiorização do que está

na exteriorização, por parte do individuo, quando de exteriorização de sua interioridade, reúne

todas as características adquiridas pelo agente em seu processo de relações sociais, o que vai

sendo incorporado e possibilitando a formação de concepções e habilidades para sua vida

individual e coletiva.

Ainda segundo Bourdieu (1983, apud OLIVEIRA, 2006, p. 41), o habitus é algo que

possui uma enorme potência geradora, é o produto dos condicionamentos que tende a

reproduzir a lógica objetiva destes, mas introduzindo neles uma transformação. O habitus, que

pode ser pensado como uma força transformadora, é adquirida pelas mulheres negras

professoras universitárias desde seu processo inicial de relacionar-se socialmente (família), o

que apresentará um esforço passado a próxima geração e permitirá a reestruturação do

habitus, tanto pelo sistema escolar como por outros valores presentes na sociedade.

Permitindo-lhes, dessa forma, ascender socialmente a carreiras disputadas e privilegiadas,

como a docência no ensino superior.

Movidas por uma força transformadora chamada habitus (Bourdieu, 1983), essas

professoras reconhecem a existência, de forma velada, de práticas racistas na sociedade

43

brasileira. Percebem, também, que de certa forma já vivenciaram tais práticas. Sentem a

necessidade de estarem preparadas, de conhecerem a ideologia racista e o que a sustenta, para

lidarem com as situações corriqueiras, no espaço da academia, em sala de aula, vida social e

profissional. Algumas formas de enfrentamento a práticas racistas e machistas são tomadas

pelas professoras ao longo de suas trajetórias formativas e profissionais.

“Então eu acho que é isso, primeiro me colocando como pessoa pra

desconstruir os meus próprios preconceitos né [...] Então, pessoalmente, eu

acho que pra mim é uma luta interna contra isso né, de me impor, é... como

profissional de não deixar que essa discussão seja esquecida, seja colocada

de lado e divulgar, conversar com os alunos de uma maneira geral, é porque

eu não pesquiso essa temática, eu mesma diretamente, mas é não deixar que

isso tenha uma importância menor no meu trabalho, nas minhas relações, e

na minha prática como professora” (ENTREVISTA N° 1, 19/09/2016).

“[...] usando da educação, da gentileza, na escolha das palavras, na forma de

vestir, então são certas formas que não sei se isso é bom ou se isso é ruim,

mas acaba fazendo com que a gente seja aceita, apesar da cor, porque muitas

pessoas nos consideram diferente não numa forma positiva, então nos aceita

nos grupos, mas existe sim uma, eu não digo aqui no meio acadêmico, aqui

no meio acadêmico não senti muitas dificuldades não, mas às vezes em sala

de aula, às vezes, nas próprias relações sociais em diversos âmbitos, nos

quais a gente trabalha, atua, as relações elas são sutis não precisam vir

descaradamente, você pode atenuar até mesmo com um sorriso antes mesmo

de entrar como cartão de visita. Agora, aqui a gente tem que tomar cuidado,

não pode sorrir demais, porque o outro já acha que a gente está dando bola”

(ENTREVISTA N° 2, 06/10/2016).

Para confrontar tais barreiras impostas, as professoras determinam mecanismos como

meios de romper com o estabelecido, em que se faz necessário ter consciência de suas práticas

e tomar-se de saberes necessários a transformação dessa estrutura. Os depoimentos de ambas

as professoras nos trazem reflexões sobre as relações raciais estabelecidas no ensino superior.

Mostram formas distintas de comportamento quando surge a necessidade de se utilizar

mecanismos de combate a práticas de descriminação no espaço acadêmico, social etc., que

tenta impor aos/às negros/as “o lugar que devem ocupar”.

Essas formas, estabelecidas pelas professoras, de enfrentar o racismo ou qualquer

outra discriminação, lhes dão o suporte de confronto e afirmação da sua ocupação enquanto

docente universitária no espaço acadêmico. Contrapondo-se as históricas desvantagens que

elas, mulheres negras, enfrentam nos seus caminhos profissionais, devido as suas condições

de mulher e negra.

Ambas as professoras encontram formas de imposições, uma num caráter mais pessoal

de comportamento, outra num caráter mais amplo no seu campo profissional. É importante

que não só essas professoras, mas também na formação de todo/a educador/a exista uma

44

construção de um trabalho transformador por esses profissionais em que reconheçam e

reflitam criticamente temáticas raciais e de gênero no espaço de ensino. Levando em

consideração suas próprias condições de raça (inclusive a chamada branquitide).

Assim, deve-se considerar a educação básica, o ensino fundamental, o ensino médio,

e o ensino superior, em que os debates reflitam sobre as relações raciais ou de gênero, e como

elas estão presentes em nossas trajetórias de vida, orientando ou dificultando os olhares de

problemas no cotidiano.

A descriminação racista, tão bem elaborada na história, continua sendo muito bem

inserida em nossas mentes por meio das socializações. Seja no meio familiar, no educacional

ou profissional, em áreas como a comunicação, a religião, dentre outras. Mesmo um individuo

considerado negro/a não se abstém de atitudes preconceituosas, racistas ou discriminatórias.

Foi por volta de 1930, que no Brasil, começam a surgir, primeiro em jornais e nas

organizações de luta negras, expressões como “discriminação racial”, “preconceito racial” e

“segregação racial”. Essas práticas racistas só passaram ser conhecidas a partir da necessidade

de uma parcela da sociedade brasileira em “afirma” que negros não disputam lugares com os

brancos. Somando-se a essas tensas relações as disputas acirradas de competições frente ao

sistema capitalista em instauração.

Segundo Joel Rufino dos Santos (1984), existem modalidades do racismo brasileiro.

Para ele as principais modalidades do racismo à brasileira são: primeira, o tratamento de

pessoas como bichos o que impede e existência de democracia, muito menos racial; segunda,

o “achismo” de que os brancos são melhores que os não brancos; terceira, a ideia negativas

que se faz das pessoas negras, e o dizer que em nosso país não existe racismo, mas apenas

“preconceito racial”; quarta, a ideia de que não somos racistas; e quinta, a visualização do

negro como o “outro”, o olhar para os não brancos como não brasileiros.

O racismo ainda é um problema pouco assumido na sociedade brasileira, o que pode

ser observado na definição da terceira modalidade, que divulga a não existência do racismo

pelos brasileiros (SANTOS, 1984). No entanto, os depoimentos dessas professoras, assim

como as estatísticas oficiais citadas no início do trabalho e diversas situações do dia a dia

evidenciam o contrário: o racismo existe, está na sociedade brasileira, na dimensão macro e

micro das relações sociais.

O racismo, compreendido como fenômeno que desumaniza pessoas e marca

estruturalmente a distribuição desigual de acessos a oportunidades, recursos, informações e

45

poder no cotidiano, na sociedade e nas políticas de Estado, é um fenômeno revelado por

diversas estatísticas em pesquisas (citadas anteriormente) de alguns institutos e denunciado

por movimentos de mulheres e homens negros, entre outros movimentos sociais.

Dessa forma, reeducar nossos olhares, nossos ouvidos e atitudes se faz necessário para

reconhecer e agir para superar o racismo, bem como outras formas de descriminação

presentes na sociedade brasileira, contra mulheres, deficientes, pobres, nordestinos,

homossexuais, etc. É necessário garantir o direito humano de vida, saúde, escola, alimentação,

entre outros, a todos os grupos que compõem a nação brasileira.

Ao tratarem sobre concepções e práticas que consideram como racismo e machismo, e

em que medidas tais práticas podem ou tem interferido em suas trajetórias, os depoimentos de

ambas as professoras nos permite considerar elementos fundamentais nesta discussão, como o

“racismo à brasileira” e a predominância das relações de inferioridade impostas às mulheres

desde muito tempo:

“Bom, racismo pra mim é ter um preconceito, ou seja, pré-conceber o que

uma pessoa é, mas fazer um juízo de valor sobre uma pessoa de antemão,

simplesmente por sua aparência física né. E o machismo é quase a mesma

coisa, mas o machismo é... o conceito de racismo é um conceito mais

recente, uma prática mais recente do que a prática machista que nos

acompanha há muito mais tempo e que vemos vencendo ai nesse final de

século XX e início do Século XXI. Mas é ainda muito forte. Aqui no Rio

Grande do Norte, por exemplo, eu sinto uma razoável diferença em relação

ao machismo do que eu sinto no Rio, o machismo no Rio não é tão agressivo

ou tão presente, tão óbvio, quanto é aqui pra mim. Aqui, por exemplo, eu

senti as primeiras vezes que eu vim pra cá e saia sozinha, estava num bar

sozinha, de todos olharem com um olhar de ‘o que, que essa mulher esta

fazendo aqui, que coisa estranha uma mulher sozinha num bar’ entendeu?

É... e eu vejo também, observo às vezes, quando to sozinha num bar, as

relações que eu vejo assim entre as pessoas, entre casais ou família, das

mulheres com uma postura muito subservientes né, tudo que as mulheres

parecem fazer é pra agradar ao homem que está ao seu lado”

(ENTREVISTA N° 1, 19/09/2016).

“[...] o machismo, eu acho que é essa preponderância do homem sobre a

mulher [...]. O racismo no Brasil, por mais que se diga que não existe, ele

existe! É velado e isso se dá de diversas formas até mesmo por um simples

olhar, mas também eu acho que pela minha condição econômica nunca fui

rica, mas assim por não estar fazendo parte da população mais pobre dessa

sociedade, eu acho que também nunca sofri muito com isso, olhares de

menosprezo [...] Não vale a pena eu me expressar, muito pelo contrário

preciso sempre emitir boas energias para essas pessoas, pra que elas possam

se reconhecer como parte dessa sociedade que a diferença é nossa condição

natural, ninguém é igual, nem igual e nem melhor do que ninguém”.

(ENTREVISTA N° 2, 06/10/2016).

46

Na primeira fala, observa-se que foi feita uma relação de comparação entre os estados

do Rio Grande do Norte, em que atualmente mora, e Rio de Janeiro, sua moradia anterior. No

seu entendimento, as relações de descriminação de gênero são mais presentes e intensas no

Rio Grande do Norte, em fato da aparente submissão das mulheres em relação aos homens no

Estado do RN.

Já no relato da segunda professora, a discussão sobre a forma de racismo praticada no

Brasil, conhecido como “racismo à brasileira”, evidencia-se na sua confirmação, mesmo que

de forma velada. De acordo com os relatos, essas professoras não sofreram de forma explícita

estas formas de opressão em suas condições de mulheres negras. Para elas, o racismo existe e

se apresenta de forma sutil. Segundo Oliveira, “a ideologia do racismo permanece forte e

implícita nas práticas sociais e age silenciosamente na reprodução das desigualdades sociais,

raciais e de gênero” (2006, p. 100).

Diante de tal conjuntura, ao serem questionadas sobre a relevância de se discutir as

temáticas raciais e de gênero nos estabelecimento de ensino, reconhecem tal importância tanto

nas escolas como para qualquer espaço e profissão. E afirmam serem estas temáticas

imprescindíveis na formação de qualquer cidadão.

“É vamos dizer assim, não é importante não, é imprescindível! Não se pode

formar ninguém, hoje, sem que essa pessoa tenha oportunidade de fazer essa

discussão, de ouvir e de participar dessa discussão. Seja de qualquer

profissão, de qualquer profissional. Se for professor ainda mais, porque o

professor é o responsável pela formação de outras pessoas. Das pessoas em

geral e pra que elas tenham a possibilidade de refletir sobre sua própria

postura, suas atitudes e talvez superar seus preconceitos, pra suas atitudes,

pra vida em relação a todas as outras pessoas, as suas relações em qualquer

lugar, isso é importante pra todas as pessoas, mas para os professores, além

disso, é fundamental que eles tenham uma discussão um pouco mais

aprofundada, porque o papel do professor é formar outras pessoas. [...] então

não pode ser uma discussão isolada, isso tem que fazer parte mesmo do

nosso currículo transversalmente e obrigatoriamente” (ENTREVISTA N° 1,

19/09/2016).

“E foram anos, séculos de exclusão, de não aceitação, de preconceito com

relação aos meus irmãos de cor e em função disso os movimentos foram

importantíssimos para garantir, durante muito tempo, eu só lembro de um

único professor que tinha no CCSA como negro, professor Elisau. Mas eu

entrava na sala de aula e não tinha negros na minha sala de aula, agora não,

já vejo uma sala mais colorida” (ENTREVISTA N°2, 06/10/2016).

A relevância atribuída pelas professoras na abordagem das temáticas raciais e de gênero

nos espaços institucionais de ensino é considerada fundamental. Incluem, também, a

importância da obrigatoriedade de tais temáticas à formação de todo e qualquer cidadão. A

figura do educador toma destaque por ser a figura de representação na formação cidadã de

47

cada indivíduo que passa pela escola. Para a primeira entrevistada tal formação fornecida pela

escola, contextualizada às situações sociais, culturais, políticas, torna-se passo fundamental na

desconstrução das estruturas dominantes estabelecidas, em que refletem a discriminação, o

racismo e o sexismo.

Ainda na perspectiva da primeira entrevistada a formação dos professores deve ser

pensada de forma a atender as demandas sociais, e pautar-se no respeito às diferenças. Para

ela “[...] formar pessoas que também tenham essa intenção, porque todas essas questões são

culturais, então a gente pra fazer mudanças na cultura, à gente precisa de muito trabalho, isso

esta muito interiorizado, muito arraigado nas pessoas em geral”. Logo, a formação do

professor deve ser elaborada com intuído de atender as diferenças no espaço escolar, como

também contribuir a construção de valores, hábitos e comportamentos isentos de preconceito

racial ou de gênero.

Para além das argumentações citadas pelas professoras, faz-se necessário aqui também,

citar como toda equipe pedagógica dos sistemas de ensino exercem papéis importantes na

implementação dessas discussões na escola. A gestão democrática vem à tona como

primordial, sendo a maneira pela qual a escola, a cidade, um país, funciona valorizando a

opinião e participação de casa cidadão para alcançar o bem comum.

Dessa forma, apenas com uma postura realmente democrática e participativa podem-se

alcançar propósitos mais dinâmicos, concretos, coletivos e diversificados no reconhecimento

da diversidade que há no espaço escolar.

Nesse sentido, a escola que efetiva no seu espaço uma gestão democrática em seu dia a dia

cria diversas oportunidades para formular uma educação que estabelece o respeito à

diversidade e compromete-se á combater e superar o racismo e demais práticas

discriminatórias. Assim, em meio a tais discussões para superação das formas de

descriminação, nos últimos anos, o Ministério da Educação (MEC), comprometido com a

pauta de políticas afirmativas do Governo Federal, vem elaborando e implementando um

conjunto de medidas e ações no intuito de corrigir injustiças, eliminar descriminações e

promover a inclusão social e a cidadania para todos no sistema escolar brasileiro.

A educação constitui-se um dos principais ativos e mecanismos de

transformação de um povo e é papel da escola, de forma democrática e

comprometida com a promoção do ser humano na sua integralidade,

estimular a formação de valores, hábitos, e comportamentos que respeitem

as diferenças e as características próprias de grupos e minorias. Assim, a

educação é essencial no processo de formação de qualquer sociedade e abre

caminhos para a ampliação da cidadania de um povo (BRASIL, 2005, P. 7).

48

A sociedade brasileira, ao longo de sua história, estabeleceu um modelo de organização

excludente, que obteve como consequência o impedimento de milhões de brasileiros a direitos

fundamentais como o acesso à escola e, até mesmo, a permanência nela. Esse fato pode ser

observado na fala da segunda professora entrevistada “foram anos, séculos de exclusão”

denunciando um quadro desigual vivenciado por alguns grupos brasileiros.

Esse quadro de desigualdade vem sendo abordado através de políticas, educação, reflexão,

promoção do respeito, na tentativa de reverter os efeitos desastrosos na sociedade brasileira

decorrentes da escravidão e do sistema patriarcal.

Diante disso, houve a criação de secretarias comprometidas com a educação e

alfabetização, com a educação para relações raciais e aos debates de gênero (mulheres e

homens), tais secretarias com finalidades de garantir o exercício de direito a todo cidadão,

forjando um novo modelo de desenvolvimento pautado na inclusão social, fortalecimento de

políticas, e criação de instrumentos de afirmação cidadã, valorizando a riqueza de nossa

diversidade étnico-racial e cultural.

Em razão disso, as entrevistadas reconhecem a necessidade de implementar mudanças

destinadas a população negra aumentando o acesso dessa população em áreas negadas

historicamente, com intuito de minimizar as desigualdades raciais, sociais e de gênero.

Demonstram perante as propostas de mudanças, como políticas compensatórias, ações

afirmativas, cotas, multiculturalismo e outros:

“Bom sobre isso você deve ter assistido Nilma Lino Gomes, porque na

palestra de Nilma, ela discutiu né essa ideia da importância da

multiculturalidade, da ideia de discutimos, de termos presente na nossa

sociedade essa discussão, e que isso deve atravessar as nossas práticas na

universidade que é importante que a universidade tenha e realize essa

discussão em todos os seus cursos e que atravessando a fala dela estava o

tempo todo, o quando estamos perdendo e podemos perder com esse

governo golpista, que tomou o poder de uma maneira totalmente ilegal e que

vem usando esse poder pra desconstruir e desfazer vários avanços que

tivemos aí nesse pequeno intervalo, pouquíssimos últimos 13 anos [...] o fim

do Ministério que era o Ministério de Nilma Lino Gomes, da diversidade,

das mulheres, etc., então isso já demonstra qual é o pensamento e que

fundamenta as propostas desse governo golpista, então é muito sério o que

estamos vivendo. É isso, então para além, Nilma dizia, para além das cotas

que são uma conquista importante de ter sido universalizada para as

universidades públicas, para, além disso, é preciso mostrar pra quem entra na

universidade com cota ou sem cota, o porquê existem cotas, o porquê é

importante que ela exista e o porquê que essa discussão é importante. [...] As

pesquisas demostram que não há nenhuma diferença em termos de

desempenho em relação a esses alunos cotistas, muito pelo contrário se tiver

diferença é pra melhor [...]” (ENTREVISTA N° 1, 19/09/2016).

49

“[...] eu acho inclusive que as cotas deveriam ser ampliadas, não só para

negros, índios, etc., e tal, mas também para as pessoas pobres que também

são tão excluídas como nós, nos diversos âmbitos dos quais participo. Então,

eu sou a favor considero uma forma de justiça social, me incomodava àquela

questão de estudar numa universidade pública e você saber que as pessoas

que estavam ali não eram da minha classe social, de ser exceção e que nesse

momento você passa por um processo de, vamos dizer assim, de permitir

esse acesso [...] Eu lembro que a primeira vez que eu vi o livro didático dos

meus filhos e tinha a história da África eu me assustei, eu nunca tinha visto

aquilo, no meu tempo não era assim, a gente só estudava que havia índio,

negro e branco, mas a história, toda a trajetória, todos os conteúdos que a

gente trabalhava e estudava não era, era só pra fazer, eu lembro que quando

a gente trabalhava lá na classe de alfabetização, a gente tinha o dia do índio

como ainda hoje existe, coloca lá os menininhos pintados, libertação dos

escravos, eram datas comemorativas, mas a gente não ressignificava nossa

prática até porque éramos também mentes colonizadas que viam as nossas

raízes de forma, vamos dizer assim, a gente acabava por reproduzir muitas

vezes as relações de dominação que nós vivíamos e que se naturalizava e a

gente se repetia e em função disso nos sentido inclusive inferiores, menores,

como muitas vezes eu me vi [...]” (ENTREVISTA N° 2, 06/10/2016).

Foi no governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e, em seguida no governo da

Presidenta Dilma Rousseff, que passou a ser redefinido o papel do Estado como propulsor das

mudanças sociais. Reconhecendo as disparidades entre brancos e negros em nossa sociedade,

além da necessidade de intervir de forma positiva, assumindo o compromisso de eliminar as

desigualdades raciais e de gênero. Assim, dando importantes passos rumo à afirmação dos

direitos humanos básicos e fundamentais da população negra brasileira. Aqui faz-se

necessário destacar que as medidas tomadas e direcionadas a população negra tem o

importante pepal e luta dos Movimentos Sociais, todas as conquistas tiveram participação e

pressão dos Movimentos sociais para sua consolidação.

Na fala da primeira entrevistada, ela cita Nilma Lino Gomes, a qual também faz parte do

referencial na construção deste trabalho. Nilma foi anunciada oficialmente Ministra de Estado

Chefe da Secretaria de Políticas de Promoção à Igualdade Racial. Esta secretaria teve como

objetivo promover políticas de promoção a igualdade e a proteção de grupos raciais e étnicos

afetados por descriminação e demais forma de intolerância, com ênfase a população negra.

Numa nova estrutura estabelecida pelo governo a esse ministério também foi adicionada

novas pastas, juntando a Secretaria Especial de Promoção a Igualdade Racial, a Secretaria de

Políticas para as Mulheres e a Secretaria Especial de Direitos Humanos. Todas, agora,

reunidas numa única secretaria representada por Nilma Lino Gomes.

No entanto, tal secretaria passou a fazer parte do Ministério da Justiça pós reforma

ministerial no atual governo Michel Temer, após o processo de impeachment da presidenta

50

Dilma Rousseff. Esse fato foi avaliado pela primeira professora entrevistada como negativo e

desfavorável à sociedade brasileira, pois tais medidas para ela têm sido posturas ameaçadoras

de desconstruir e desfazer diversos avanços alcançados nos últimos 13 anos. Para ela,

conquistas como as políticas de cotas devem ser discutidas nos espaços educativos,

elucidando reflexões da sua existência, sua configuração, e seus impactos.

A segunda professora entrevistada considera as políticas de cotas como forma de justiça

social, sendo favorável a elas. Além disso, a professora considera que essas políticas deveriam

ser ampliadas as classes menos privilegiadas, ou seja, as minorias pobres que vivem à

margem da sociedade, excluídas, devendo ser consideradas as populações pretas e brancas.

Segundo Oliveira (2004, p. 87) essas medidas devem ser pensadas de forma que se

ramifiquem a todos os espaços sociais “provocar uma mudança nas atitudes dos atores para

que se tornem mais críticos à discriminação e ao filtro da consideração”.

As políticas compensatórias, como as cotas, podem, no seu interior, ser uma forma de

estimulo que visa uma maior preocupação como respeito aos direitos, à cidadania dos negros

e à ampliação das oportunidades de participação no mercado e na vida pública do país.

Ainda no contexto da segunda entrevista, um fato consideravelmente importante são as

mudanças didático-pedagógicas nas escolas e no processo de ensino aprendizagem, com

destaque para o livro didático que já apresenta mudanças primordiais para a educação das

relações étnico raciais. Neste caso, faz-se interessante citar a Lei n. 10.639/2003,

posteriormente reformulada para Lei n. 11.645/2008, que estabelece a obrigatoriedade do

ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira e dos povos indígenas na educação

básica. Fruto da atuação histórica do movimento negro brasileiro, esta legislação foi criada

para que todo o Brasil avance no sentido de transformar suas relações sociais em prol da

igualdade racial e conheça culturas e histórias ainda pouco abordadas em creches, escolas, e

universidades. Histórias essas ainda invisíveis, desconsideradas e desvalorizadas pelo

currículo, currículo que não é “neutro”, mas fundamentado a partir da perspectiva de

determinados grupos sociais.

Por último, neste processo investigativo, com intuito de observar a situação das mulheres

negras no Brasil, questionam-se as entrevistadas em que lugar elas consideram estar essas

mulheres no quadro brasileiro.

“Uma das coisas que me chamou atenção também aqui em Natal é que eu

via poucos negros, aí eu comecei a andar um pouco mais na cidade, os

negros estão na periferia, vai à zona norte. [...] eles estão e onde eles estão

51

nas periferias, sempre nos piores postos de trabalho, nos piores salários, etc.,

com raras exceções, e as mulheres pior ainda, porque é isso estatisticamente,

as mulheres negras, se os negros e negras de forma geral sempre tem um

patamar abaixo de salário, de condição de trabalho, de tipo de trabalho né

pior, nesta faixa de negros e negras as mulheres negras estão pior ainda,

porque tem uma dupla [...] sofrem duplo preconceito de ser negra e ser

mulher” (ENTREVISTA N° 1, 19/09/2016).

“Eu não sei dizer onde elas estão, em grande maioria em casa, em grande

maioria como donas de casa, como empregadas domésticas. Eu sei que a

grande maioria não está aqui dentro da universidade, isso é fato, nem como

aluna e muito menos como professora, então elas, as mulheres negras

continuam ocupando papeis subalternos” (ENTREVISTA N° 2, 06/10/2016).

O Brasil tem apresentado, nos últimos anos, avanços importantes como as políticas

compensatórias, cotas, ações afirmativas, em diversos indicadores sociais. Contudo, esses

avanços pouco têm alterado as desigualdades raciais no país. Dessa forma, alguns dados

podem ilustrar o desafio:

No rendimento médio do trabalho por raça/cor, os homens brancos

recebiam o valor mensal de R$ 1.817,70; as mulheres brancas, R$

1.251,87; os homens negros, R$ 952,14; e as mulheres negras, R$

702,17 (IBGE/2010);

Segundo o estudo de 2012 da Organização Internacional do Trabalho

(OIT), na faixa etária de 15 a 24 anos, as jovens mulheres negras

expunham os maiores índices de desigualdades, com taxas de

desemprego de 25,3%. O número era 12,2% superior ao grupo de jovens

homens brancos

A taxa de analfabetismo de pessoas de 15 anos ou mais de idade, por

raça/cor, era de 13,7% entre os negros, enquanto para os brancos era de

5,9% (IBGE/2010);

8,5% da população brasileira é extremamente pobre, sendo 70,8% dela

constituída por famílias negras. Nesse grupo incluem-se sem

rendimentos ou as que vivem com renda per capita de até R$ 70,00

(IBGE/2010).

Isso demonstra claramente que os relatos das professoras remetem a uma realidade que

manifesta uma lógica perversa envolta em uma ideologia racista, machista, sexista e desigual.

Para a primeira entrevistada, o lugar ocupado pela população negra diz respeito aos espaços

em que há as piores condições de trabalho, os salários mais baixos, e nas ocupações que não

tem valorização alguma. Dessa forma, se para a população negra essa lógica reflete de

maneira tão negativa, para as mulheres negras, tais condições tornam-se mais intensas ainda,

pois, segundo a professora, essas mulheres sofrem duplo preconceito, de ser mulher e ser

negra numa sociedade em que são invisíveis. Segundo Sergio Adorno esse cenário coberto de

preconceito racial “tendem a estreitar sobremodo suas oportunidades de vida, sua integração

ao mercado de trabalho em condições de igualdade de postos e de salários, bem como suas

52

chances sociais de aquisição de graus mais elevados de escolaridade” (ADORNO, 1995, p.

296).

Na disparidade entre homens e mulheres e quando inserido o fator raça/cor, de acordo

com os dados do IBGE (2010), os menores salários, a maior taxa de desemprego, a população

vítima da extrema pobreza, e importante evidenciar, a taxa de analfabetismo está entre os

negros brasileiros, e mais ainda entre as mulheres negras. Neste cenário, dificilmente

mulheres negra conseguem ascender socialmente. Torna-se uma tarefa árdua para elas

ocuparem o chão da escola, mais árduo ainda ocuparam o chão da universidade, imagine

então tornarem-se professoras do ensino superior. Segundo Teixeira (2006, pp 27-28 apud

REIS, 2008, p. 157):

Em torno de 60% das mulheres professoras têm nível médio e atuam no

ensino fundamental, enquanto os homens só atuam nesse nível de ensino em

23%; a maior parte (31,7%) atua no nível médio e em expressivo percentual

(18,3%) trabalha no nível superior de ensino. Ou seja, através desses dados

se pode concluir que o ensino superior é uma categoria masculina (a

participação dos homens é mais de quatro vezes superior à participação das

mulheres), assim como o ensino médio, os cursos de formação profissional e

de educação física, enquanto o ensino fundamental e a educação infantil para

profissionais de nível médio são femininos e mais representativos também

para pretos e pardos (TEIXEIRA, 2006, pp. 27-28).

Isso pode ser observado na fala da segunda professora negra entrevistada: “eu sei que

a grande maioria não está aqui dentro da universidade [...] nem como aluna e muito menos

como professora, então elas, as mulheres negras continuam ocupando papeis subalternos”.

Historicamente, as mulheres negras foram e têm sido marginalizadas cotidianamente,

diante de uma lógica que as segrega a grupos considerados minorias, permeados por

ideologias que as descriminam. Uma sociedade que insiste em determinar que lugares essas

mulheres devam ocupar e que posições, as subalternizando. Para elas todo dia é dia de lutar,

resistir e romper estruturas históricas marcadas com o sofrimento de seu povo.

As particularidades dessas mulheres negras geram consequências concretas em sua

participação na sociedade, o que leva todos/as para um longo caminho rumo à transformação

social. Elas compõem grande parte da classe trabalhado brasileira, as donas de casa,

moradoras das periferias, mas também mesmo que em menor número ocupam universidades e

escolas.

No espaço universitário, seja como aluna ou como professora, ainda é muito forte o

contraste da disparidade entre negros e não negros. No caso de professoras negras o número é

53

ainda menor. O espaço acadêmico consiste num lugar ainda distante para as mulheres negras,

apesar de existirem exceções. Essas mulheres em sua maioria estão nas filas de creches para

seus filhos, nas filas de hospitais públicos, nos presídios, etc.

Mulheres negras correspondem em média cerca de 25% da população carcerária

feminina. A esse fato o Mapa da Violência do ano de 2012 aponta que as taxas de homicídio

para cada 100 mil habitantes entre 1980 e 2010 cresceram de 11,7 para 26,2. Enquanto o

número de homicídios de brancos caiu em 27,1% entre 2002 e 2010, entre os negros houve

aumento de 19,6% no mesmo período. Se em 2002 morriam proporcionalmente 45,8% mais

negros do que brancos, em 2010, o índice chegou a 139%.

Para REIS (2008), as famílias negras em sua maioria estão concentradas massivamente

na classe trabalhadora, “sofrem as consequências oriundas do capitalismo que, no seu

processo de reprodução, gera grandes desigualdades sociais; desemprego, pobreza e miséria,

fome, concentração de renda, degradação da qualidade de vida, violência etc.” (p. 81).

É a partir dessas relações que se pode evidenciar o racismo na sua forma enraizada,

nas instituições, o que chamamos de racismo institucional. Trata-se de um obstáculo muito

concreto para o acesso ao direito à educação e demais direitos humanos. Esse racismo

aumenta consideravelmente as barreiras existentes numa estrutura de dominação

hierarquizada, “o lugar social e historicamente preestabelecido para a população negra; e os

obstáculos que impedem a mobilidade social dessa população” (REIS, 2008, p. 146).

Essa forma de organização social está diretamente ligada às relações de poder

estabelecidas nas relações sociais. Dessa forma, produzindo e reproduzindo uma

hierarquização entre as classes, nelas compostas por dominadores e dominados. A população

negra, assim, compondo um grupo dominado pelas relações de opressão presentes na

sociedade civil. Nesse sentido, sendo separada por espaços físicos e de poder, os quais

refletem na sociedade, na cultura, na representação política e de trabalho, concebendo-se

assim a subalternização desta população.

Logo, as narrativas das professoras negras do ensino superior permeadas pelas

relações raciais e de gênero demostram como suas trajetórias foram e são influenciadas por

uma lógica de marginalização social. Assim, revelando como as suas condições de gênero e

cor fomentam relações conflituosas na sociedade, através das ideologias estruturais racistas e

sexistas.

54

Portanto, os relatos das professoras negras, sujeitas desse estudo, demostram como há

uma desigualdade de gênero e raça presentes nos espaços sociais. Apontam ainda como meios

combativos dessa desigualdade, a importância das políticas públicas voltadas à população

negra, como também a implementação de práticas com base no respeito, na democracia, na

gentileza e ampla disseminação dessas temáticas em toda e qualquer formação profissional.

Assim, construindo um trabalho com vistas à emancipação do povo negro, e

contribuição para novos valores, hábitos e comportamentos na sociedade. Dessa maneira, com

fins de promover a igualdade e o reconhecimento ao povo negro.

55

4 CONSIDERAÇÕES

A análise feita aqui neste trabalho, em que as mulheres negras professoras universitárias

tornaram-se protagonistas essenciais e necessárias para se compreender suas trajetórias

transpassadas pelas ralações de gênero e raça foi uma maneira de apontar as desigualdades de

cunho racista e sexistas ainda protagonizadas nos espaços da sociedade. Compreendendo o

racismo e machismos como gatilhos de processos históricos, sociais, culturais e econômicos

na sociedade brasileira.

As particularidades da discriminação das mulheres negras têm consequências concretas

em sua participação na sociedade brasileira. É nítido que as mulheres, em destaque as negras,

ainda não alcançaram, enquanto sujeito político coletivo, uma posição de poder na sociedade.

Poucas conseguem chegar a esse patamar, como se apresentam as sujeitas da pesquisa. Esta

realidade tem natureza estrutural, derivada, entre outros fatores, da lógica de marginalização

social, o que revela que as dificuldades encontradas pelas mulheres não são decorrentes de sua

situação individual, nem de deficiências particulares.

As representações, mesmo que em número menor no espaço universitário, por mulheres

negras, evidenciam que o racismo tem suas dimensões constatadas mesmo que na sua forma

“mais sutil”. Visto que o espaço superior de ensino pode, talvez, favorecer no acesso a novas

ideais, a diversidade, ao conhecimento. Isso não isenta, de forma alguma, que tal sistema de

afirmação de superioridade não ocorra, ou não exista neste lugar.

Pode-se verificar, nos relatos de ambas as professoras que, em suas formações, a

identificação enquanto mulheres negras que atravessam momentos de discriminação em suas

vidas e como esses acontecimentos provocaram e impulsionaram suas formações pessoal e

profissional. Vê-se também, como atribuem fundamental importância na discussão de gênero,

raça, etnia nos sistemas de ensino como meio de propor e pautar o respeito, a igualdade e

diversidade sociocultural brasileira nas escolas.

Discutir sobre o protagonismo dessas professoras no ensino superior possibilitou a

oportunidade de dar visibilidade as suas lutas e reivindicações, marcadas muitas vezes pelo

silêncio, desvalorização, desrespeito, mas que foram fortes o suficiente para enfrentarem

muitas dessas barreiras em suas trajetórias de vida até ao caminho de docentes do ensino

superior. Resistir tornou-se luta possível e fundamental para elas.

Neste estudo percebeu-se também que o racismo, a discriminação racial e as práticas

machistas estão fortemente impregnadas na sociedade brasileira, contribuindo

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demasiadamente para um quadro de desigualdade social e racial. Sabe-se que tais fatores são

consequências de um passado que cruza a disputa por terras, por capital, por trabalho escravo,

por sofrimento, por sangue, por crueldade. Um passado obscuro da sociedade brasileira, em

que mulheres, negros, indígenas, sofrem até os dias atuais.

Toda essa situação de perseguições à população negra, seja por meio de estereótipos ou

estigmas, foi fortemente acentuada pelas teorias racistas científicas do século XIX que levava

em consideração as heranças “positivas” eram transmitidas geneticamente, e não por

processos educativos/sociais, em que negros/a não compunham tal herança.

Essas imposições também fortaleceram o imaginário do mito da democracia racial e a

ideologia do branqueamento. Essa na tentativa de dizimar povos negros, aquela tentando

ofuscar o injusto cenário social brasileiro.

No caso das mulheres negras, é pertinente reconhecer a relação de gênero como fator de

influência nas suas dificuldades como docentes do ensino superior. Assim, tornam-se

duplamente discriminadas pelas condições de ser mulher e negra.

É importante também constatar a relevância do papel das políticas, mesmo que ainda

vivamos um cenário de desigualdades evidenciadas pelas pesquisas, como medidas de

extrema importância na garantia da ocupação dos espaços da sociedade, principalmente os

espaços de ensino. A escola torna-se aqui um dos campos possível e mais relevantes para as

transformações rumo a uma nova sociedade pautada na justiça social e na igualdada de

direitos para os grupos socialmente excluídos e marginalizados.

Lamentavelmente, as mulheres negras no Brasil ainda ocupam lugares pouco prestigiados,

pouco reconhecidos, com as piores condições de trabalho, as remunerações mais baixas, as

que menos possuem habilidades de escrita e leitura. Dessa forma, pode-se considerar que

professoras, como as que colaboraram com este trabalho, são exceções no espaço acadêmico

superior. Ainda é necessário mudar esse quadro, para que as universidades se pintem de

povo, para que a classe trabalhadora moradora das zonas periféricas do Brasil ocupe a

universidade tornando-a mais democrática e diversa.

Sabemos que as discussões sobre as relações raciais e de gênero estão longe de se

esgotarem, sabemos que muitas outras discussões devem ser realizadas comparadas a esta

pesquisa, que poderão ser respondidas à medida que novos estudos sejam realizados nas

temáticas raciais e de gênero.

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Por fim, por meio das histórias compartilhadas pelas professoras neste trabalho, mesmo

que perpetuados por momentos de discriminação, a esperança é que suas narrativas possam

chegar a outras mulheres negras e as estimulem, lhes deem forças e esperanças para lutarem e

reivindicarem espaços que são direito seus.

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APÊNDICE 1

1. ROTEIRO DE ENTREVISTA

TEMA: A PRESENÇA DA MULHER NEGRA NA DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA: DISCUTINDO RELAÇÕES DE GÊNERO E RELAÇÕES RACIAIS

OBJETIVO: discutir e fomentar a importância do protagonismo das mulheres negras nas instituições de ensino e pesquisa do nível superior enquanto docentes universitárias, além também de observar como ocorre sua trajetória permeada por ambas às relações.

Nome:

Idade:

Formação:

Campus:

1) Como se constituiu a relação entre a sua formação na família e a educação formal? Que papel teve sua família em sua formação?

2) A partir de que momento ocorre a construção da sua identidade de mulher negra? Como ocorre?

3) Já vivenciou, mesmo que silenciosamente, práticas de reprodução de desigualdades sociais, raciais e/ou de gênero?

4) O que a impulsionou na caminhada até a posição de professora do ensino superior público?

5) Que obstáculos e dificuldades você encontrou para ingressar e permanecer na carreira do magistério?

6) O que considera ser racismo e machismo, e em que medidas tais práticas interferiram ou interferem na sua condição de mulher negra professora ?

7) Que relevância atribui à possibilidade de abordar a questão do racismo e do machismo nos espaços institucionais?

8) Que formas de enfrentamento ao racismo e ao machismo tem sido praticadas ao longo da sua trajetória formativa e profissional?

9) Pra você onde estão as mulheres negras e porquê?

10) Qual seu posicionamento perante as propostas de mudanças, como políticas compensatórias, ações afirmativas, cotas, multiculturalismo e outros?

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APÊNDICE 2: ENTREVISTA Nº 01

TEMA: A PRESENÇA DA MULHER NEGRA NA DOCÊNCIA: DISCUTINDO AS RELAÇÕES DE GÊNERO E AS RELAÇÕES RACIAIS

OBJETIVO: discutir e fomentar a importância do protagonismo das mulheres negras nas instituições de ensino e pesquisa do nível superior enquanto docentes, além também de observar como ocorre sua trajetória permeada pelas relações raciais e de gênero.

ROTEIRO DE ENTREVISTA

Nome: ENTREVISTA N° 01 Data: 19/09/2016

Idade: 52 anos

Formação: Graduação em pedagogia e Mestrado em Educação – UFRJ/ Doutorado em Educação – UFF/ Pós –doutorado- Universidade de Coruña

Campus: Natal

1) Como se constituiu a relação entre a sua formação na família e a educação formal? Que papel teve sua família em sua formação?

“Me obrigando a ir pra escola! Desde criança eu entrei na escola aos 3 anos de idade. Minha mãe trabalhava e meu pai trabalhava, minha mãe era professora, então eu tinha valorização da educação formal na minha casa né, meu pai apesar de não ter completado o que, hoje, a agente chama de ensino fundamental, também era/é uma pessoa que valorizava a educação, a escolarização, apesar dele ter fugido da escola, ele fugiu literalmente, e então isso, assim, desde criança muito pequena eu sabia que eu ia pra escola, eu ansiava ir pra escola, eu ansiava ir pra escola, especialmente, porque eu queria muito aprender a ler, então minha mãe sempre brinca quando ela me levou pra escola pela primeira vez quem chorou foi ela, porque eu simplesmente dei tchau pra ela e sai correndo, então, porque eu gostava muito e as minhas lembranças da escola são sempre muito boas, sempre gostei muito do ambiente da escola e sempre fiz coisas que eu gostava”.

2) A partir de que momento ocorre a construção da sua identidade de mulher negra? Como ocorre?

“Então eu não sei precisar assim um momento, um dia né, porque também eu acho que isso é impossível, porque é uma construção mesmo, que é feita ao longo da vida, especialmente, por conta do racismo mesmo isso não é dado né, especialmente, pessoa como nós que não temos o fenótipo tradicional do negro, to falando nós, eu e você, porque somos mais ou menos iguais. Bom então, uma construção mesmo, então eu me lembro, assim de coisas que me falavam, principalmente na minha adolescência, porque criança a gente não presta muita atenção nessas coisas, mas na adolescência algumas coisas que me falavam e me deixavam assim em dúvida ou inquieta e porque que estavam falando essas coisas, por exemplo, uma coisa que eu me lembro é que as minhas próprias colegas, amigas de escola sempre que diziam que eu devia namorar alguém essa pessoa era negra, entendeu, então é uma forma de racismo né, mas eu acho que isso começou a ficar mais claro pra mim na época da universidade né, porque claro na universidade a gente amplia, eu sai de uma cidade menor, fui pra uma cidade maior, e a universidade mesmo né, que tem esse papel na vida da gente eu acho de ampliar a nossa visão de mundo pelo simples fato de estarmos ali de termos contato com uma serie de ideais, convergente, divergentes, então isso foi ficando cada vez mais claro pra mim né, que eu era uma mulher negra, até inclusive, até o doutorado que eu tinha uma amiga que pesquisava sobre as mulheres negras, uma vez alguém falou assim pra mim ‘ah vocês duas (eu e ela, eu e essa amiga), vocês duas tem mais ou menos a mesma cor, mas eu identifico ela como mulher negra, mas você não’ não sei se era por causa do cabelo, enfim, né, mas... e também eu acho que isso acompanhou meu processo de formação, acompanhou também no momento em que esse debate começou a ser feito com mais clareza na sociedade né, então eu pude pensar um pouco mais sobre isso”.

3) Já vivenciou, mesmo que silenciosamente, práticas de reprodução de desigualdades sociais, raciais e/ou de gênero?

“Sim! Então eu vou te contar a história do elevador, é que essa foi uma bastante marcante pra mim, porque eu não tinha a menor ideia do que estava acontecendo e depois foi a minha professora, minha orientadora, que me mostrou que naquele momento eu estava sendo vitima de uma prática de racismo né, pelo porteiro do edifício dela, um edifício elegante em Copa Cabana, que me mandou subir pelo elevador de serviço, e quando eu cheguei ela estranhou o porquê eu estava saindo daquele elevador e quando eu falei que tinha sido o

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porteiro quem tinha indicado ela ficou um pouco chateada e aí conversamos sobre isso. E lugares também que já várias vezes houve práticas silenciosas de racismo, muitas vezes em lojas, lojas bacanas, mais caras e tal, que você entra e não é atendida, como se você não estivesse ali, ignorando sua presença, imagino porque, devem imaginar que eu não poderia comprar ou que eu não deveria estar ali enfim... Mas não, nunca, sofri assim nenhum ataque direto e agressivo nesse campo, nem do racismo nem de machismo, de gênero, preconceito de gênero. Preconceito de gênero é uma coisa que atravessa a vida de mulheres sempre né, nos mínimos detalhes eu acho.

4) O que a impulsionou na caminhada até a posição de professora do ensino superior público?

“Então, não foi uma caminhada proposital nem intencional que me trouxe até aqui, eu não queria ser professora, eu fiz o magistério do ensino médio porque era a única opção na minha escola pública numa época que era obrigatório fazer um curso profissionalizante e também por uma certa pressão familiar, porque minha mãe considerava que eu deveria fazer o magistério, porque terminando o curso de magistério eu teria uma profissão e poderia trabalhar. Então, assim fiz, quis sair disso, fui fazer comunicação social, fiz vestibular pra comunicação social, fiz pra ciências sociais, mas pouco tempo depois que eu terminei o magistério, teve um concurso pra professor do estado e eu tinha a qualificação, fiz o concurso passei e fui ser professora. Nesse momento eu percebi que pra ser professora eu precisaria de mais formação, e ai eu sai da ciências sociais e fui pra pedagogia, ai terminei a pedagogia, emendei a pedagogia com o mestrado e quando terminei o mestrado eu não queria mais saber de fazer vida acadêmica, fui trabalhar, trabalhei em vários projetos e aí quando eu tive em mãos os relatórios, os registros diários das práticas pedagógicas das professoras com as quais eu trabalhava, eu coordenava o trabalho delas a distância, eu comecei a achar que aquilo era muito interessante e foi oito anos depois de eu ter terminado o mestrado, ai eu achei que valeria a pena fazer o doutorado, mas quando eu comecei a fazer o doutora, segundo uma amiga minha era só porque eu não tinha nada pra fazer, é eu não pensava em ser professora, porque também nessa época foi em 2004, a seleção foi em 2003, e em 2004 eu comecei o doutorado, então nessa época ainda era muito restrito, a abertura de vagas pro professor no ensino superior, não existia a quantidade de concursos que existe hoje, isso foi ao longo do meu doutorado crescendo né, porque foi justo também no momento em que com o Governo Lula abriram-se mais, as universidade cresceram muito, abriram-se muitas vagas e já no final do meu doutorado coincidiu mesmo com o REUNI, então a minha vaga aqui na UFRN, é uma vaga proporcionada pelo reuni, e tanta outras. Então, eu fiz o doutorado de 2004 á 2008, neste ano de 2008 é, foi um ano de muitos concursos, muitos, porque eu acho que exatamente estava começando o reuni, então eu recebia praticamente todos os dias ‘concurso para universidade federal de num sei onde Tocantins, Roraima, Rio de Janeiro, São Paulo... e aí eu já estava meio, não quero dizer uma expressão para ser gravada, mas já estava meio chateada com meu trabalho naquele momento, porque as relações, eu gostava muito do trabalho que eu fazia no SESC coordenando o projeto de alfabetização de Jovens e Adultos, gostava muito das minhas companheiras de trabalho, do trabalho que eu fazia, mas as relações no SESC eram muitos ruins, muito difíceis, e ali sim a gente sofria muito preconceito de gênero, não diretamente dizendo isso né, mas como Dilma sofreu agora né, muitas coisas contra Dilma eram fragrantemente preconceito de gênero, certas coisas que falavam, que faziam, que caricaturavam não fariam com um homem né, embora não existisse um discurso direto ‘você é burra porque você é mulher’, mas é, então no SESC também tinha um pouco esse... eu já estava meio me cansando um pouco, e ai pensei ah pode ser uma oportunidade e aí me inscrevi em alguns concursos fiz esse primeiro passei e pronto vim pra cá”.

5) Que obstáculos e dificuldades você encontrou para ingressar e permanecer na carreira do magistério?

“Então, pra ingressar nunca tive nenhum obstáculo porque foram todos por concurso, concurso público, mesmo no SESC foi um concurso público, processo de seleção. Então, é... nunca teve assim um impedimento por conta disso ser mulher ou ser negra, mas, e aqui pra desenvolver o meu trabalho nunca senti isso, ao contrario nem dos colegas, nem da instituição, no SESC tinha isso né, tinha a questão de gênero bastante forte, mas como éramos muitas mulheres a gente também se fortalecia por outo lado né”.

6) O que considera ser racismo e machismo, e em que medidas tais práticas interferiram ou interferem na sua condição de mulher negra professora ?

“Bom, racismo pra mim é ter um preconceito, ou seja, pré-conceber o que uma pessoa é, mas fazer um juízo de valor sobre uma pessoa de antemão, simplesmente por sua aparência física né. E o machismo é quase a mesma coisa, mas o machismo é... o conceito de racismo é um conceito mais recente, uma prática mais recente do que a prática machista que nos acompanha há muito mais tempo e que vemos vencendo ai nesse final de século XX e início do Século XXI. Mas é, ainda muito forte. Aqui no Rio Grande do Norte, por exemplo, eu sinto uma razoável diferença em relação ao machismo do que eu sinto no Rio, o machismo no Rio não é tão agressivo ou

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tão presente, tão óbvio, quanto é aqui pra mim. Aqui, por exemplo, eu senti as primeiras vezes que eu vim pra cá e saia sozinha, estava num bar sozinha, de todos olharem com um olhar de ‘o que, que essa mulher esta fazendo aqui, que coisa estranha uma mulher sozinha num bar’ entendeu? É... e eu vejo também, observo as vezes, quando to sozinha num bar, as relações que eu vejo assim entre as pessoas, entre casais ou família, das mulheres com uma postura muito subservientes né, tudo que as mulheres parecem fazer é pra agradar ao homem que está ao seu lado. Então né, eu acho uma coisa curiosa minha mãe e meu pai, embora tenho um olhar crítico, as vezes, sobre as coisas, mas são pessoas da sua geração né, então difícil de romper com certas coisas. Então, é na prática muitas vezes eu vejo que a minha mãe que toma decisões, mas ela toma decisões para agradar o meu pai, entendeu? E como ela muitas mulheres, digo assim toma decisões pra família, pra casa, pra instituição familiar, para organização doméstica, etc., mas ela só toma essas decisões que são decisões que ela sabe que vão satisfazer ao meu pai, vão deixar ele bem. E eu fico de olho em mim mesma, porque né existe uma tendência minha também a, as vezes, fazer isso com meu marido. Então é complicado, é bom que ele não deixa muito”.

7) Que relevância atribui à possibilidade de abordar a questão do racismo e do machismo nos espaços institucionais?

“É vamos dizer assim, não é importante não, é imprescindível! Não se pode formar ninguém, hoje, sem que essa pessoa tenha oportunidade de fazer essa discussão, de ouvir e de participar dessa discussão. Seja de qualquer profissão, de qualquer profissional. Se for professor ainda mais, porque o professor é o responsável pela formação de outras pessoas. Das pessoas em geral é pra que elas tenham a possibilidade de refletir sobre sua própria postura, suas atitudes e talvez superar seus preconceitos, pra suas atitudes, pra vida em relação a todas as outras pessoas, as suas relações em qualquer lugar, isso é importante pra todas as pessoas, mas para os professores, além disso, é fundamental que eles tenham uma discussão um pouco mais aprofundada, porque o papel do professor é formar outras pessoas. Então esse profissional professor precisa ser formado pra ter atenção às diferenças, pra que ele ajude a formar pessoas que também tenham essa intenção, porque todas essas questões são culturais, então a gente pra fazer mudanças na cultura, à gente precisa de muito trabalho, isso esta muito interiorizado, muito arraigado nas pessoas em geral. Então é preciso muito debate, muita prática também, pra que as pessoas comecem a mudar as suas atitudes e sua postura né, comecem a perceber o preconceito que está dentro delas, de que maneira esse preconceito se manifesta. Então, imprescindível, eu acho, por exemplo, que o nosso curso de pedagogia não discute isso suficiente, acabemos de aprovar uma disciplina optativa pra discutir questões raciais que vai ser oferecida no próximo semestre pelo professor João Valença, temos uma disciplina também optativa que discute questões de gênero, mas considero que além de estar nessas disciplinas optativas deveriam estar também em disciplinas obrigatórias, mas para além disso são questões que precisam atravessar as discussão do curso como um todo, por exemplo, essa temática vai aparecer também na disciplina de Teoria e Práticas Curriculares que vai discutir as diferentes teorias de currículo e aquelas teorias que no bojo dos movimentos sociais foram sendo criadas no âmbito das teorias pós-críticas. Então, o currículo escolar com a preocupação com gênero, com a preocupação racial, indígena, enfim, dessas diferenças, mas são discussões que precisam estar presentes ao longo desse curso, história e filosofia da educação precisam discutir isso, didática e currículo, e atuação do pedagogo em diferentes espaços pra que a gente possa “produzir, formar” pessoas aqui que levem essa preocupação pros seus lugares de trabalho, então não pode ser uma discussão isolada, isso tem que fazer parte mesmo do nosso currículo transversalmente e obrigatoriamente”.

8) Que formas de enfrentamento ao racismo e ao machismo tem sido praticadas ao longo da sua trajetória formativa e profissional?

“Então eu acho que é isso, primeiro me colocando como pessoa pra desconstruir os meus próprios preconceitos né, uma... eu não falei isso, mas aproveito pra falar agora, uma certa baixa autoestima que eu vejo que é assim recorrente entre as mulheres negras, e as mulheres negras são o suprassumo da pior coisa que existe na nossa sociedade né, em termos estatísticos se a gente for pensar né, as mulheres negras são aquelas que recebem o pior salário, são aquelas que têm a pior condição de trabalho, estatisticamente falando né. Pessoas como eu ou como você somos exceção né. Então eu acho que isso gera uma certa... pra nós mesmas, tanto preconceito que a gente percebe nos outros que pra nós mesma gera uma interiorização dessa inferioridade. Eu falo isso por achar, mas por viver, mas também por experiência, de colegas minhas que trabalham com essa temática na universidade, por exemplo, e que fazem e orientam trabalhos de mestrados, doutorado nesta área e é muito comum que as mulheres negras que pesquisam isso terão muita dificuldade de levar o seu trabalho a cabo, porque elas acham que não vão conseguir, entendeu? Então, existe um auto boicote, muitas vezes e muitas vezes é uma atitude de assumir a interiorização que os outros estão nos

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colocando, atribuindo à nós. Então, pessoalmente, eu acho que pra mim é uma luta interna contra isso né, de me impor, é... como profissional de não deixar que essa discussão seja esquecida, seja colocada de lado e divulgar, conversar com os alunos de uma maneira geral, é porque eu não pesquiso essa temática, eu mesma diretamente, mas é não deixar que isso tenha uma importância menor no meu trabalho, nas minhas relações, e na minha prática como professora”.

9) Pra você onde estão as mulheres negras e porquê?

“Uma das coisas que me chamou atenção também aqui em Natal é que eu via poucos negros, aí eu comecei a andar um pouco mais na cidade, os negros estão na periferia, vai à zona norte... Então quando eu transitava, logo que eu cheguei, transitava muito por aqui perto na Universidade, Candelária, foi o primeiro lugar que morei. É diferente da minha cidade que os negros estão em todos os lugares né, claro aqui tem uma diferença, porque aqui não houve uma presença de escravos tão forte como no Rio de Janeiro, por exemplo, como Pernambuco, etc., Mas, eu não sei estaticamente quando é a presença dos negros na população do Rio Grande do Norte, mas eles estão e onde eles estão nas periferias, sempre nos piores postos de trabalho, nos piores salários, etc., com raras exceções, e as mulheres pior ainda, porque é isso estatisticamente, as mulheres negras, se os negros e negras de forma geral sempre tem um patamar abaixo de salário, de condição de trabalho, de tipo de trabalho né pior, nesta faixa de negros e negras as mulheres negras estão pior ainda, porque tem uma dupla que eu acho que é isso que você ta querendo discutir, sofrem duplo preconceito de ser negra e ser mulher”.

10) Qual seu posicionamento perante as propostas de mudanças, como políticas compensatórias, ações afirmativas, cotas, multiculturalismo e outros?

“Bom sobre isso você deve ter assistido Nilma Lino Gomes, porque na palestra de Nilma, ela discutiu né essa ideia da importância da multiculturalidade, da ideia de discutimos, de termos presente na nossa sociedade essa discussão, e que isso deve atravessar as nossas práticas na universidade que é importante que a universidade tenha e realize essa discussão em todos os seus cursos e que atravessando a fala dela estava o tempo todo, o quando estamos perdendo e podemos perder com esse governo golpista, que tomou o poder de uma maneira totalmente ilegal e que vem usando esse poder pra desconstruir e desfazer vários avanços que tivemos aí nesse pequeno intervalo, pouquíssimos últimos 13 anos, tivemos muitos avanços, e primeiro a demonstração de querer desconstruir nessa temática, nesta sua temática, foi à configuração do Ministério do atual presidente, só brancos e homens, o fim do Ministério que era o Ministério de Nilma Lino Gomes, da diversidade, das mulheres, etc., então isso já demonstra qual é o pensamento e que fundamenta as propostas desse governo golpista, então é muito sério o que estamos vivendo. É isso, então para além, Nilma dizia, para além das cotas que são uma conquista importante de ter sido universalizada para as universidades públicas, para, além disso, é preciso mostrar pra quem entra na universidade com cota ou sem cota, o porquê existem cotas, porquê é importante que ela exista e o porquê que essa discussão é importante. A gente já tem agora estudos sobre os alunos que entraram por cota que desmentem totalmente toda a polêmica que aconteceu quando foi aprovada a política de cotas para as universidades. As pesquisas demostram que não há nenhuma diferença em termos de desempenho em relação a esses alunos cotistas, muito pelo contrário se tiver diferença é pra melhor, então esse argumento não precisa mais ser dito pelas pessoa que combatem as cotas, já podem tentar arrumar outro argumento”.

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APÊNDICE 3: ENTREVISTA Nº 02

TEMA: A PRESENÇA DA MULHER NEGRA NA DOCÊNCIA: DISCUTINDO AS RELAÇÕES DE GÊNERO E AS RELAÇÕES RACIAIS

OBJETIVO: discutir e fomentar a importância do protagonismo das mulheres negras nas instituições de ensino e pesquisa do nível superior enquanto docentes, além também de observar como ocorre sua trajetória permeada pelas relações raciais e de gênero.

ROTEIRO DE ENTREVISTA

Nome: ENTREVISTA N° 02 Data: 06/10/2016

Idade: 46

Formação: Graduação em pedagogia – UFRJ/ Mestrado em Educação – UFRN/ Doutorado em educação – UFRN.

Campus: Natal

1) Como se constituiu a relação entre a sua formação na família e a educação formal? Que papel teve sua família em sua formação?

“Olha, meus pais assim, escola nunca me faltou, mas eles nunca ligaram muito não, assim a minha trajetória eu fiz, eu sempre gostei de estudar e aí a minha mãe mandava eu parar de estudar, ao contrário, ‘você se preocupada demais’, também eu fui criada numa cidade do interior do Mato Grosso do Sul e assim, cidade pequena, todo mundo conhecia todo mundo, apesar de ser carioca né, eu sou carioca, mas com oito anos fui pra Iguatemi/Mato Grosso do Sul. Minha mãe nunca foi a escola, nunca precisou se preocupar, eu trazia os boletins as notas eram boas, e as coisas assim se deram normalmente, eu sempre gostei de estudar. Quando eu morava numa cidade do interior pequena era normal que os jovens saíssem pra continuar os estudos, então quando eu tinha 14 anos, nós voltamos de viagem pro Rio de Janeiro e eu fiquei pra estudar na casa de uma tia, e aí o baque foi grande de uma escola que não tinha muitas vezes professores preparados lá no Mato Grosso do Sul, numa escola pública, e aí eu fui estudar numa escola de freira, e na primeira semana foi um choque, tudo mudou e eu vi que não tinha base, então nesse ponto passei morar com minha tia e ela me deu todo apoio, ela era professora e me deu todo apoio pra que eu tivesse condições, e sempre me esforçando muito pra conseguir terminar o ensino médio na época, o normal, terminando o ensino médio eu fiz o vestibular, foi o primeiro vestibular discursivo da UERJ, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, e passei, éramos seis pessoas que tinha passado pro turno da noite, eu trabalhava de dia, trabalhava numa escola, nossa... faz tanto tempo, trabalhava em realengo, morava na zona oeste do Rio, e depois tinha todo o deslocamento de trem pra chegar até a UERJ, no Rio nada é perto tudo com duas horas pra ir, duas horas pra voltar, e assim vai... e aí terminei a faculdade, logo depois casei, durante esse tempo estava com meu marido na mesma universidade, e não tive assim grandes problemas não, nada foi fácil , mas tudo com muito esforço, tive muito apoio dos meus pais, não assim num sentido de me cobrar, eu sempre fiz o meu caminho, mas assim, nunca faltou comida, nunca faltou livro, nunca faltou apoio, mas eu que fiz o meu caminho, e tive muito auxilio desses meus tios que me deram o suporte, que ali foi o momento mais difícil né que foi a mudança do estado e da escola”.

2) A partir de que momento ocorre a construção da sua identidade de mulher negra? Como ocorre?

“Isso foi dolorido! Por que essa questão de ser negro sempre foi muito complicado, porque o valor, o bonito é o branco. E eu lembro que desde criancinha eu queria ter os meus cabelos lisos como as minhas coleguinhas e não era assim e aí eu era criança a primeira vez que alisei o cabelo e saia com os cabelos balançando, e logo em seguida o cabelo ficou horrível e eu tive que usar tipo Joãozinho, aquilo foi triste pra mim, e isso na infância antes dos sete anos quando morava no Rio de Janeiro, ou seja, uma negra entre vários negros, mas eu acho que essa questão da aceitação da negritude, não ainda, não havia acontecido, isso só aconteceu muito mais tarde. Quando fui morar no Mato Grosso do Sul a colonização naquele lugar era pessoas do Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo poucos, mas a grande maioria branca e eu fui morar numa cidade pequena, meu pai era Sargento do Exército, num era lá grande coisas, mas a gente passou a conviver com pessoas que tinham muito dinheiro, mas muito simples, então nós fomos incorporados, vamos dizer assim, na nata, na sociedade daquela cidadezinha pequenininha, não que tivéssemos posses, não tínhamos, morávamos na casa da vila militar, tudo normalmente, mas frequentávamos um meio que eu sabia que não era o meu, então muitas vezes chegavam a nossa casa e perguntavam, batiam palma: ‘a dona da casa está?’ porque quando a gente ia atender né, aquela casa não poderia ser nossa e assim, eram pessoas simples, mas sempre que a gente ia em alguma festa,

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quando não estava conhecida, eu não era conhecida, perguntavam assim: ‘você é baba de quem?’, porque estar naquele meio deveria ser baba do filho de alguém, porque como negra eu não poderia... inclusive meus filhos, irmãos, crianças naquela época, mamãe sempre conta que teve uma vez que ela escutou uma outra criança dizer: ‘você vai brincar com esses neguinhos?’ que aquilo machucava, mas eu nunca dei muita bola pra isso não, isso nunca foi... Agora, tive muita dificuldade de aceitar o meu cabelo. Queria ter cabelo liso como todo mundo e naquela cidade, eu não me sentia valorizada, mas eu acho que esse desprestigio era muito mais meu do que das pessoas, eu que não me aceitava nas minha características de negra. O meu marido foi muito importante na minha história ele me deu muito apoio pra que eu estivesse aqui hoje, e que eu me aceitasse enquanto negra e ele é branco, então nessa questão eu falei: ‘e agora?’ ele é tão branco, será que as pessoas não vão estranhar quando a gente começou a namorar, já de volta ao Rio de Janeiro quando tinha voltado pra estudar. E ele sempre falava: ‘por que você alisa seu cabelo? Deixa ele crescer, o cheiro é ruim, num é bonito, deixa...’ então depois que a gente casou eu fui deixando o cabelo normal, nossa mãe! Mas também sempre ele preso, porque eu acho que eu não aceitava muito e também não tínhamos recursos pra tratarmos do meu cabelo. Com o tempo foi passando e eu fui percebendo que eu não era menor, que meu cabelo era bonito, que eu tracei o meu caminho e que a consciência que eu sou negra hoje eu não abro mão num sentido de que aqui as pessoas tem medo de falar que são negras né, elas são é moreninhas, ai eu digo ‘não, eu não sou moreninha eu sou negra’ porque essa identidade ela foi construída de forma muito difícil e muito dolorosa e esse processo de auto aceitação foi longo e necessário, e meu marido me deu muito apoio para que eu me visse como negra e me aceitasse como tal. Aqui em natal existem muito poucos negros, me acostumei a ser diferente e não abro mão da minha diferença, hoje não passa pela minha cabeça pensar em alisar o meu cabelo, coisa que fiz durante tantos anos né, mas tudo é uma questão de auto aceitação, hoje eu acho tão feio aqueles cabelos esticados. Acho lindo as curvinhas, e eu acho que isso é um processo de auto aceitação não só do cabelo, mas como um todo”.

3) Já vivenciou, mesmo que silenciosamente, práticas de reprodução de desigualdades sociais, raciais e/ou de gênero?

“Sim! Como mulher negra quem é que não passou por situações dessas. Mas eu também, percebi que essa relação de, vamos dizer assim, a desvalorização do negro, está relacionado diretamente com a desvalorização da condição socioeconômica, porque existem situações, por exemplo, eu fui a uma foto aqui em Nova Descoberta, tirar foto com meus filhos, estava em casa, saí era perto de casa, fui andando de chinelo e percebi que não me atendiam, e aí ‘o que, que está acontecendo?’ naquele momento pra me sentir valorizada busquei as palavras mais difíceis que eu sabia pra mostrar ‘Olha! To aqui! Eu tenho valor’ foi uma forma de defesa, não acho que isso é, não foi a melhor forma, mas eu percebi que se eu tivesse bem vestida não era assim me tratavam, eu não sei se isso é uma desculpa para minha vaidade ou se de fato essa relação... mas a partir daí busquei me vestir bem para ser aceita, antes de trabalhar aqui, eu trabalhei na UERN em Pau dos Ferros, então fiquei seis meses na UERN e assim num ligava muito pra roupa, como viajava muito daqui pra lá, quando assumi a função de professora lá, então eu acho que me vestia muito simples, e teve uma vez que eu comprei uma calça jeans e uma blusa e fui com uma roupa diferente né, que eu estava acostumada a ir, e num é que as pessoas olhavam ‘professora a senhora esta de roupa nova’ eu olhei e... mas nossa isso é tão importante assim, ai a partir daí eu busco, principalmente, quando vou ao interior me vestir melhor para não ser desvalorizada, porque mulher negra e pobre as pessoa pisam e não reconhecem o seu valor. É como se você fosse menor.”

4) O que a impulsionou na caminhada até a posição de professora do ensino superior público?

“Olha, embora eu sempre gostasse de estudar e sempre me esforçasse pra fazer o meu melhor, não ser melhor do que ninguém, mas o meu melhor eu nunca acreditei no meu potencial, nunca acreditei que eu pudesse chegar aqui e se eu estou aqui hoje é por conta do meu marido, ele fez... Eu trabalhava pra uma escola do Rio de Janeiro como pedagoga, como coordenadora pedagógica, e quando chegou um determinado momento ele teve a oportunidade de sair do Brasil pra fazer o doutorado. E eu larguei tudo e segui com ele pra fora do Brasil. Passamos dois anos e retornamos. Isso significa: largar trabalho, largar família, e vir me tornar dona de casa. Quando a gente retornou ao Brasil ele disse: ‘agora é sua vez’ e me deu todo apoio pra isso, pra que eu pudesse a partir daí fazer, primeiro descobrir o que se discutia na educação, porque eu estava fora. Então entrei como aluna especial, fiz o projeto e foi nesse momento a gente quando retornou ele foi trabalhar na UNICAMP em São Paulo, Campinas São Paulo, e depois ele fez o concurso pra cá, e foi assim que a gente veio pra cá, foi na época da seleção do mestrado. Eu sempre achava não, não vai dar certo e ele: ‘não, você vai fazer, agora é a sua vez’, e foi assim no mestrado, e no doutorado ‘você vai conseguir, faz’, nos concursos, eu fiz três concursos, fiz um pra UERN, fiz um pra UFPB, porque Pau dos Ferros era muito longe, e passei seis meses na Paraíba em Rio Tinto, até que saísse uma vaga pra cá. Nunca eu achava que eu podia e ele sempre

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me dando a força ‘não, você vai, você consegue’ ele me dava o estimulo e eu corria atrás e foi assim que eu cheguei”.

5) Que obstáculos e dificuldades você encontrou para ingressar e permanecer na carreira do magistério?

“Não tive obstáculos, não que eu não pudesse transpor, os meus obstáculos eram mais internos do não acreditar em mim mesma, mas aí isso de certa forma me impulsionou tentar seguir. ‘Ah eu acho que eu não consigo’, então eu vou me esforçar mais, vou criar os meios para conseguir. Eu não tive nenhum empecilho sempre me foi garantido escola, sempre me foi garantido o apoio, então eu não posso dizer que eu tive. A minha dificuldade na saída do Mato Grosso ao Rio de Janeiro, os meus tios me deram suporte pra que eu continuasse estudando, eu não posso dizer, vamos dizer assim, que eu tive barreiras, são as barreiras naturais que todo mundo tem pra conseguir o que busca”.

6) O que considera ser racismo e machismo, e em que medidas tais práticas interferiram ou interferem na sua condição de mulher negra professora ?

“Eu acho que eu nunca tive problema com essas coisas, porque não deixava isso me abater por muito tempo. Pra mim o machismo, eu nunca tive problema com essa questão do machismo, o que, que é o machismo, eu acho que é essa preponderância do homem sobre a mulher e nunca vivi essa relação nem em casa e nem no meio em que estive até porque as escolas, a maioria é feminina, então nunca tive problema. O racismo no Brasil, por mais que se diga que não existe, ele existe! É velado e isso se da de diversas formas até mesmo por um simples olhar, mas também eu acho que pela minha condição econômica nunca fui rica, mas assim por não estar fazendo parte da população mais pobre dessa sociedade, eu acho que também nunca sofri muito com isso, olhares de menosprezo, olhares, isso sempre vivi e estou acostumada e não me deixo abater por isso, porque eu fico com pena né, coitados. Não vale a pena eu me expressar, muito pelo contrário preciso sempre emitir boas energias para essas pessoas, pra que elas possam se reconhecer como parte dessa sociedade que a diferença é nossa condição natural, ninguém é igual, nem igual e nem melhor do que ninguém. Eu nunca tive problemas fortes com relação ao racismo ou com relação ao machismo”.

7) Que relevância atribui à possibilidade de abordar a questão do racismo e do machismo nos espaços institucionais?

“É importante, nós fomos durante tanto tempo, sou uma exceção, a grande maioria dos meus irmãos de cor não tiveram as chances que eu tive, não são da mesma condição, vamos dizer assim, eu nunca fui rica, mas nunca fui paupérrima, nunca passei por dificuldades que a maioria passam. E foram anos, séculos de exclusão, de não aceitação, de preconceito com relação aos meus irmãos de cor e em função disso os movimentos foram importantíssimos para garantir, durante muito tempo, eu só lembro de um único professor que tinha no CCSA como negro, professor Elisau. Mas eu entrava na sala de aula e não tinha negros na minha sala de aula, agora não, já vejo uma sala mais colorida e cada um mais lindo do que o outo, mas somos minorias. Então, as cotas, ela é, eu a vejo como justiça social é necessária, não eternamente, mas você ser discriminado por não ter, por ser barrado, não ter o recurso, porque não ser discriminado positivamente para conseguir alcançar coisas, porque não existe uma igualdade, estamos todos em busca de uma concorrência por vaga, mas não existe uma igualdade, vamos dizer assim, de partida e em função disso as políticas de cotas como a culminância de um processo que vem de construção de movimentos sociais, de reconhecimento, não só do negro, mas do índio, e vários outros, são importantíssimos para garantir que, eu lembro que quando eu era da UERJ, na graduação, a grande maioria das pessoas eram negras e era notório que aquelas pessoas que você olhava, no estacionamento era cheio de carro, mas a grande maioria negra vinha a pé. A minha sala, embora no Rio fossemos um número muito maior do que aqui, eram poucos os negros em sala de aula e a maioria negra não eram aqueles que lotavam os estacionamentos da UERJ. Aqui não digo nada, porque a população negra é menor, e ela é, eu vejo a questão da exclusão muito mais forte aqui do que no Rio propriamente dito”.

8) Que formas de enfrentamento ao racismo e ao machismo tem sido praticadas ao longo da sua trajetória formativa e profissional?

“Como eu disse eu não sofri muito, eu tento assim me distinguir, não quero ser melhor do que ninguém, mas não sofrer com o racismo tendo em vista, usando da educação, da gentileza, na escolha das palavras, na forma de vestir, então são certas formas que não sei se isso é bom ou se isso é ruim, mas acaba fazendo com que a gente seja aceita, apesar da cor, porque muitas pessoas nos considera diferente não numa forma positiva, então nos aceitam nos grupos, mas existe sim uma, eu não digo aqui no meio acadêmico, aqui no meio acadêmico não senti muitas dificuldades não, mas as vezes em sala de aula, as vezes, nas próprias relações sociais em diversos âmbitos, nos quais a gente trabalha, atua, as relações elas são sutis não precisam vir

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descaradamente, você pode atenuar até mesmo com um sorriso antes mesmo de entrar como cartão de visita. Agora, aqui a gente tem que tomar cuidado, não pode sorrir de mais, porque o outro já acha que a gente está dando bola”.

9) Pra você onde estão as mulheres negras e porquê?

“Eu não sei dizer onde elas estão, em grande maioria em casa, em grande maioria como donas de casa, como empregadas domesticas. Eu sei que a grande maioria não está aqui dentro da universidade, isso é fato, nem como aluna e muito menos como professora, então elas, as mulheres negras continuam ocupando papeis subalternos”.

10) Qual seu posicionamento perante as propostas de mudanças, como políticas compensatórias, ações afirmativas, cotas, multiculturalismo e outros?

“Olha, eu acho importante às cotas, mas acho também, que também tem muitos brancos pobres que não se articulam, até porque o branco supostamente sempre foi hegemônico né, nunca não tem um movimento pra isso, eu acho inclusive que as cotas deveriam ser ampliadas, não só para negros, índios, etc., e tal, mas também para as pessoas pobres que também são tão excluídas como nós, nos diversos âmbitos dos quais participo. Então, eu sou a favor considero uma forma de justiça social, me incomodava aquela questão de estudar numa universidade pública e você saber que as pessoas que estavam ali não eram da minha classe social, de ser exceção e que nesse momento você passa por um processo de, vamos dizer assim, de permitir esse acesso, mas se é para discriminar positivamente é necessário discriminar direito, porque quantos de nós chega aqui e não tem como se manter, então daí a importância de auxilio, e outra coisa, pra sairmos de uma escola pública que muitas vezes não nos da o suporte nem o repertório necessário, para que a gente siga a nossa trajetória. Então, é necessário criar programas que discutam e que possam auxiliar nesse embasamento teórico dos nossos alunos, principalmente, do professor que tem mudado, vamos dizer assim, o seu âmbito no sentido de que antes era de uma elite e agora quem trabalha com o professor já vem das classes populares e não tem , vamos dizer assim, o mesmo repertório que a classe dominante tem. Então, é necessário que a gente tenha um apoio maior para permanência na universidade, não só tendo em vista os recursos que nos permitam chegar aqui transporte, alimentação, mas principalmente para que a gente tenha acesso a um capital cultural que não é nosso e é esse capital cultural que a escola passa, busca democratizar para a população, porque muitas vezes embora a gente tenha, por exemplo, não lembro o número da Lei embora eu seja professora de OEB que trata da importância de você discutir de modo transversal a cultura negra, a arte a história, etc., e tal, isso significa que nem todos os nossos professores estão preparados pra isso e de uma certa forma isso acaba ficando também sem um apoio, sem que a gente possa dar conta dessa demanda. E existe uma, como eu trabalho na sala de aula, ás vezes, a gente sente uma rejeição com relação a isso, mas as mudanças estão ocorrendo aos poucos. Eu lembro que a primeira vez que eu vi o livro didático dos meus filhos e tinha a história da África. Eu me assustei, eu nunca tinha visto aquilo, no meu tempo não era assim, a gente só estudava que havia índio, negro e branco, mas a história, toda a trajetória, todos os conteúdos que a gente trabalhava e estudava não era, era só pra fazer. Eu lembro que quando a gente trabalhava lá na classe de alfabetização, a gente tinha o dia do índio como ainda hoje existe, coloca lá os menininhos pintados, libertação dos escravos, eram datas comemorativas, mas a gente não ressignificava nossa prática até porque éramos também mentes colonizadas que viam as nossas raízes de forma, vamos dizer assim, a gente acabava por reproduzir muitas vezes as relações de dominação que nós vivíamos e que se naturalizava. E a gente se repetia e em função disso nos sentindo, inclusive, inferiores, menores, como muitas vezes eu me vi. Talvez, por introjetar essa visão social que a gente subliminarmente a gente vai aos pouquinhos introjetando, talvez, por isso eu nunca acreditasse que eu tinha possibilidade e precisei de um homem branco pra dizer ‘vai, segue, você consegue’. Então eu não posso reclamar da vida não, porque em tudo mesmo nas dificuldades nunca me faltou auxilio, nunca me faltou ajuda eu sei que chegar aqui não foi fácil, me esforcei muito, mas eu tive ajuda de muita gente, não é um projeto isolado”.

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