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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE DIREITO – CAMPUS SÃO JOSÉ NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA PRESCRIÇÃO ANTECIPADA COM BASE NA PENA EM PERSPECTIVA FELIPE MEDEIROS SCHVEITZER São José, outubro de 2007.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURPS

CURSO DE DIREITO – CAMPUS SÃO JOSÉ NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

PRESCRIÇÃO ANTECIPADA COM BASE NA PENA EM PERSPECTIVA

FELIPE MEDEIROS SCHVEITZER

São José, outubro de 2007.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURPS

CURSO DE DIREITO – CAMPUS SÃO JOSÉ NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

PRESCRIÇÃO ANTECIPADA COM BASE NA PENA EM PERSPECTIVA

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Msc. Rodrigo Mioto dos Santos

São José, outubro de 2007

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DEDICATÓRIA

Dedico o presente trabalho aos meus pais Pedrinho

Gilmar Schveitzer e Bárbara Medeiros Schveitzer que

sempre me incentivaram à conclusão deste curso, bem

como a minha irmã Beatriz Medeiros Schveitzer que

sempre acreditou no meu potencial. Dedico também aos

meus padrinhos Moacir e Simone, minha tia Marta os

quais de uma forma ou de outra sempre estiveram por

perto para apoiar.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus, criador do Universo e

único capaz de alcançar a justiça profícua.

Agradeço aos meus pais queridos pelo estímulo e carinho

ao longo deste trabalho.

Agradeço pelo suporte e convivência ao Doutor Jádel da

Silva Júnior, exemplo de ética e prudência na aplicação

do Direito.

Agradeço ao Doutor Alexandre Wiethorn Lemos detentor

de profundo saber jurídico do qual tive o privilégio de

assimilar pequena porcentagem, inclusive a respeito do

tema deste trabalho.

Agradeço aos meus colegas de ofício, Juliana, Kédma,

Rosana e Alex, os quais pacientemente dividiam minhas

preocupações sobre o trabalho.Também agradeço aos

demais colegas e amigos que apoiaram de algum modo.

Por derradeiro, agradeço ao meu professor orientador

Rodrigo Mioto dos Santos pela confiança e ajuda

prestada na elaboração deste trabalho.

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“Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça

qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos

do julgador contraria o direito das partes, e assim, as lesa

no patrimônio honra e liberdade. Os juízes tardinheiros

são culpados que a lassidão comum vai tolerando. Mas

sua culpa tresdobra com a terrível agravante de que o

lesado não tem meio de reagir contra o delinqüente

poderoso, em cujas mãos jaz a sorte do litígio pendente”

RUI BARBOSA – ORAÇÃO AOS MOÇOS

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí,

a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer

responsabilidade acerca do mesmo.

São José, 2007

Felipe Medeiros Schveitzer Graduando

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FELIPE MEDEIROS SCHVEITZER

PRESCRIÇÃO ANTECIPADA COM BASE NA PENA EM PERSPECTIVA

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Direito da Universidade do Vale do Itajaí.

São José, 05 de novembro de 2007.

______________________________________________________ Professor e Orientador Mestre Rodrigo Mioto dos Santos

Universidade do Vale do Itajaí

______________________________________________________ Professora Mestre Eunice Anisete de Souza Trajano

Universidade do Vale do Itajaí

______________________________________________________ Professor Mestre Jorge Roberto Krieger

Universidade do Vale do Itajaí

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a aplicabilidade da prescrição

antecipada com base na pena em perspectiva, bem como seus fundamentos, seu conceito, e

demais argumentos favoráveis. Trata-se de uma modalidade recente de prescrição, que teve

nascença na jurisprudência, passando a ser abordada por diversos doutrinadores. O Supremo

Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já se manifestaram contrários ao tema,

entretanto, alguns tribunais e grande parte dos órgãos de primeiro grau aplicam a modalidade

sob o tom de política criminal, buscando acelerar a resposta do Poder Judiciário contra o a

morosidade da justiça. Trata-se também de economia processual em prestígio do bom uso do

erário público, evitando-se mover inutilmente processos infrutíferos. Nesta monografia foram

abordadas generalidades acerca do poder-dever de punir do Estado e sua extinção, pelo

instituto da prescrição. Foram examinadas as espécies de prescrição para, em seguida,

entender o mecanismo da prescrição antecipada com base na pena em perspectiva, bem como

seus fundamentos se revelam. Destarte, analisou-se a prescrição antecipada sob a luz dos

princípios constitucionais e norteadores do processo penal atinentes ao tema. Como

conseqüência deste panorama, obteve-se como resultado da pesquisa a conclusão de que essa

espécie de prescrição não fere os princípios analisados e deve ser aplicada de forma segura em

benefício da sociedade. Ainda em sede de conclusão, observou-se que apesar do nome, o

grande argumento da prescrição antecipada é a ausência de interesse de agir do Estado em

processos fadados ao insucesso.

Palavras-chave: prescrição; prescrição virtual; princípios constitucionais; princípios

processuais; prescrição antecipada com base na pena em perspectiva

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................. 9

CAPÍTULO 1.................................................................................................... 12

A PRESCRIÇÃO NO DIREITO PENAL ..................................................... 12 1.1 O PODER-DEVER DE PUNIR DO ESTADO E SUA EXTINÇÃO..........................12 1.2 A PRESCRIÇÃO E SUAS DIRETRIZES ....................................................................16 1.2.1 PRESCRIÇÂO DA PRETENSÂO PUNITIVA .............................................................. 20 1.2.1.1 Prescrição Com Base na Pena em Abstrato.................................................. .... ......22 1.2.1.2 Prescrição Retroativa.................................................................................................24 1.2.1.3 Prescrição Intercorrente ou Superveniente.............................................................26 1.3 CAUSAS INTERRUPTIVAS E SUSPENSIVAS DA PRESCRIÇÃO........................28

CAPÍTULO 2.................................................................................................... 32

FUNDAMENTOS DA PRESCRIÇÃO ANTECIPADA COM BASE NA PENA EM PERSPECTIVA ............................................................................ 32 2.1 O MECANISMO DA PRESCRIÇÃO ANTECIPADA ...............................................32 2.2 A APLICAÇÃO DA PENA E A POSSIBILIDADE DE PREVISÃO ........................36 2.3 O INTERESSE DE AGIR COMO CONDIÇÃO DA AÇÃO......................................38 2.4 O PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO...............................42 2.5 O PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL .......................................................44 2.6 O PRINCÍPIO DA CELERIDADE ...............................................................................46

CAPÍTULO 3.................................................................................................... 49

A PRESCRIÇÃO ANTECIPADA COM BASE NA PENA EM PERPECTIVA SOB A LUZ DO PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E INFORMADORES DO PROCESSO PENAL .............................................. 49 3.1 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE...............................................................................49 3.2 O PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA ............53 3.3 O PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL ....................................................56 3.4 O PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO...................................59 3.5 O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA ..................................................61 3.6 IMPOSSIBILIDADE DE MUTATIO LIBELLI............................................................64

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 67

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ............................................................... 69

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INTRODUÇÃO

Indiscutivelmente, a prescrição antecipada tem tomado relevante espaço nos

meios jurídicos, impondo àqueles que militam na área, principalmente o Poder Judiciário – na

condição de aplicador do direito – a analisar seus fundamentos e preceitos reguladores da

matéria.

Como criação recente, a prescrição antecipada com base na pena em perspectiva

não possui previsão em lei e sequer possui nome definido, sendo também conhecida como:

prescrição projetada, prescrição penal antecipada, prescrição virtual, prescrição em

perspectiva. Neste trabalho preferimos adotar o nome Prescrição Antecipada com Base na

Pena em Perspectiva – introduzindo “com base na pena” – a fim de melhor informar o leitor

novato sobre o que rata o tema, já que a palavra pena é própria do Direito Penal.

A prescrição antecipada com base em perspectiva é um fenômeno criado há

poucos anos no nosso ordenamento jurídico, invocado basicamente em posicionamentos

doutrinários e entendimentos jurisprudenciais, como forma de melhor resolver o problema da

morosidade da justiça. Atrelado a esse fator, tem-se a evolução do Direito como ciência

social, sempre em transformação a fim de melhor atender os anseios da sociedade.

O estudo do tema se revela bastante oportuno diante do colossal número de

processos que abarrotam o Poder Judiciário, fazendo com que a prestação jurisdicional

demore demasiadamente. Em alguns casos, a atuação judicial demora tanto que o Estado

perde o Direito de punir o transgressor, situação que levou os aplicadores do direito a prever a

inutilidade do provimento jurisdicional, e requerer a extinção abrupta destes processos em

detrimento daqueles que terão sentido prático.

Desta forma, o objetivo do trabalho é verificar a possibilidade de aplicação da

prescrição antecipada com base na pena em perspectiva, analisando com acuidade toda a

argumentação favorável e contrária ao tema. Durante o estudo, foram analisados o conceito de

prescrição antecipada, suas conseqüências e fundamentos, sempre verificando a possibilidade

de sua aplicação sem ferir princípios que lastreiam o processo penal e outros constitucionais.

Visando atingir este fim, o presente estudo será analisado em três capítulos

distintos, porém interligados.

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O capítulo primeiro foi destinado à apreciação de generalidades acerca da

prescrição no Direito Penal. Para que o leitor possa entender o tema, inicialmente será

explicado o poder-dever que o Estado tem de punir um infrator, bem como esse poder pode

ser extinto pelo decurso do tempo. Na seqüência será explicado o conceito de prescrição, a

sua origem, natureza jurídica e peculiaridades. Também se faz necessário à compreensão do

estudo, uma análise das variadas modalidades de prescrição, com ênfase às sub-espécies de

prescrição da pretensão punitiva. Para finalizar o capítulo, abordar-se-ão as influências que o

prazo prescricional pode sofrer, bem como os efeitos da prescrição.

No segundo capítulo será tratada a prescrição antecipada com base na pena em

perspectiva, como uma espécie de prescrição da pretensão punitiva ainda não expressamente

amparada por lei. Logo serão trazidos à colação, lições doutrinárias e entendimentos

jurisprudenciais dos mais diversos órgãos julgadores para decifrar o seu funcionamento e

conceituar o tema. À seqüência será analisada a possibilidade que o julgador tem de prever a

futura pena a ser aplicada ao réu, e assim antever a inutilidade do provimento jurisdicional

pela prescrição que ocorrerá. Por fim, serão analisados alguns princípios processuais penais

que confortam a prescrição antecipada. Dentre eles, tem-se a instrumentalidade do processo a

demonstrar a ineficácia da atividade jurisdicional; a economia processual denotando o

desperdício de tempo e materiais favorecendo o desgaste da justiça; e a celeridade processual

que se tem requerido para minorar a morosidade da justiça.

O terceiro e último capítulo tem como escopo estudar como certos princípios

constitucionais se relacionam com a prescrição antecipada com base na pena em perspectiva.

Em cotejo com estes princípios, vozes acirradas voltam-se contrários ao tema, dentre as quais,

a alegação de que a modalidade não possui previsão legal no ordenamento jurídico, portanto

fere o princípio da legalidade, bastante consagrado na nossa Constituição.

Em outro tópico, será abordado o princípio da ampla defesa e contraditório, de

vez que ao reconhecer a prescrição pressupondo a condenação do réu, será tolhido do mesmo

a oportunidade de se defender de acordo com esses princípios assegurados no texto

constitucional. Outro princípio constitucional a ser analisado será o devido processo legal,

pois como se verá, a prescrição aborta prematuramente o regular processamento da ação

penal, sem o esgotamento das etapas processuais. Ainda, realizar-se-á um estudo acerca do

princípio da presunção de inocência, já que a prescrição antecipada pressupõe a condenação

do réu.

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Esgotados os preceitos constitucionais relacionados ao tema, este capítulo ainda

examinará princípios processuais penais como a obrigatoriedade da ação penal pública,

enfocando a obrigação que o Ministério Público tem em propor a ação penal. Por último será

analisado a limitação que a prescrição antecipada impõe, ao impossibilitar nova definição

jurídica do fato apurado na ação penal.

O presente trabalho se encerra com as Considerações Finais, onde serão expostas

impressões pessoais e reflexões sobre a prescrição antecipada com base na pena em

perspectiva.

A produção deste trabalho enfoca a seguinte indagação: a prescrição antecipada

com base na pena em perspectiva é compatível com as normas constitucionais que lastreiam o

direito penal brasileiro? Para tanto, utilizou-se o método indutivo com o intuito de convencer

o leitor sobre o benefício do tema.

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CAPÍTULO 1

A PRESCRIÇÃO NO DIREITO PENAL

A prescrição na seara penal se desenvolveu ao longo do tempo como uma

garantia absoluta do acusado. O instituto revela uma contradição entre punição e

esquecimento, de maneira que o tempo exerce papel importante na mediação desses quesitos.

O decurso do tempo traz conseqüências que deixam de justificar uma punição. A

elucidação do fatos torna-se precária quando as provas que legitimam uma condenação foram

apagadas pela ação do tempo. Da mesma forma, o tempo leva ao esquecimento do fato tido

como criminoso, fazendo cessar o alarma e a necessidade de uma pronta reação estatal.

De outro lado, a função ressocializadora da pena deixa de existir, quando o autor

de uma infração deixa de praticar outra infração, pressupondo-se que o tempo foi capaz de

ensejar a sua regeneração.

Com base nesses fundamentos, busca-se no primeiro capítulo deste trabalho

fazer uma abordagem geral por todo o instituto da prescrição, passando por suas modalidades,

sempre relacionando a inércia do Estado com a perda do direito de punir.

1.1 O PODER-DEVER DE PUNIR DO ESTADO E SUA EXTINÇÃO

No início da civilização humana, quando o Estado ainda era embrionário,

prevalecia o ímpeto individualista de seus componentes em impor a sua vontade perante os

mais fracos. A esse regime chamamos de autotutela, que nem sempre assegurava a justiça,

mas a vitória do mais forte ou esperto.

Com a idéia do convívio em sociedade, o Estado ganhou consistência na medida

em que os conflitos interindiviuais aumentavam. Para regular o convívio social, a solução

encontrada pelo Estado foi a criação de leis, com previsão de sanções para quem as

descumprissem.

Ocorre que, de nada adiantaria a criação de penalidades, se não tem quem as faça

cumprir. Por esta razão, o Estado chamou a si o jus punitionis, caracterizado pela capacidade

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que o Estado tem de decidir imperativamente e impor penalidades como forma punir.

Hodiernamente, o Estado é o detentor único da pena, a qual consiste em uma subespécie de

sanção jurídica, que pode ser cumulada com outras de cunho diverso.

Neste sentido Julio Fabbrini Mirabete colabora: “Nessa hipótese, em que se lesa

ou põe em perigo direito que interessa à própria sociedade, o Estado, cuja finalidade é a

consecução do bem comum, investido por isso no direito de punir (jus puniendi), institui

sanções penais contra o infrator”1.

A punição do autor da lesão social, não se trata de mera faculdade do Estado,

mas em um direito objetivo, que deve se imposto incondicionalmente conforme assegura

Miguel Reale Junior:

O Estado não tem a liberdade de exercer ou não a aplicação e execução da lei penal. Tem o Estado, por meio de seus órgãos dotado de autoridade, Ministério Público e Judiciário, o poder e um dever público de agir contra aquele que deixou de se motivar pela ameaça contida na lei penal. Não há um direito de executar o direito frente ao infrator, mas um dever de exercitar o poder de punir.2

Essa indisponibilidade de punição também é delineada por Julio Fabbrini

Mirabete:

E como os interesses tutelados pelas normas penais são, sempre, eminentemente públicos, sociais, impõe-se a atuação do Estado, não como simples faculdade de impor medidas penais, mas como obrigação funcional de realizar um dos fins essenciais de sua própria constituição, que é a manutenção e reintegração da ordem pública. O Estado não tem, apenas, o direito de punir, mas, sobretudo, o dever de punir.3

O dever de punir do Estado é voltado a toda a sociedade, jamais podendo se

dirigir somente contra uma determinada pessoa como se fazia em alguns períodos negros de

1 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 24. 2 REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de Direito penal. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. v.1. p. 15. 3 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. p. 25.

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nossa história4. No plano legal, essa arbitrariedade esbarra no princípio da reserva legal,

prevista em nossa Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, XXXIX .5

O moderno jurista Fernando Capez, alerta sobre essa inviabilidade:

Seria, aliás, de todo inconstitucional a criação de uma regra, unicamente, para autorizar a punição de determinada pessoa. Trata-se, portanto, de um poder abstrato de punir qualquer um que venha a praticar fato definido como infração penal.6

Ocorre que, essa abstração do direito de punir deixa de existir quando, um

indivíduo, mesmo sabendo que sua atitude periclitará a sociedade, pratica ofensa a valores

sociais relevantes, encarados sob o aspecto de dano à comunidade, e por isso definidos como

infração penal.

A transição da abstração do poder-dever de punir do Estado, para enfim, atingir

o plano concreto e perseguir determinado infrator para puni-lo, é denotada por Julio Fabbrini

Mirabete:

Definindo abstratamente os fatos que devem ser considerados como infrações penais e cominando para o seus autores sanções correspondentes, estabelece o Estado os limites do jus puniendi em um plano abstrato. No instante, porém, em que alguém pratica um fato previsto na lei penal, aquele jus puniendi desce do plano abstrato para o concreto, pois, já agora, o Estado tem o dever de infligir a pena ao autor da conduta proibida.7

O renomado jurista Damásio Evangelista de Jesus também retrata essa concretização:

Cometida a infração penal, o direito de punir, que era abstrato, passa a ser concreto. Antes o Estado tinha o direito de exigir a abstenção da prática criminosa. Realizado o fato delituoso, a relação entre Estado e o delinqüente, que antes era de simples obediência penal, consubstanciada no preceito

4 Referência à ditadura, período em que a ação estatal era nebulosa, cercada de atos arbitrários contra os que se manifestassem contrários aos interesses do regime. 5 Constituição Federal, artigo 5º, inciso XXXIX – “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.” (BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 15 mai. 2007.) 6 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 6ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 1 - 2. 7 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. p. 24.

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primário da lei incriminadora, tem seu suporte legal no preceito secundário, que comina a sanção, denominando-se relação jurídico-punitiva. 8

Daí exsurge um conflito de interesses, no qual o indivíduo oferece resistência à

punição e o Estado exerce o seu poder-dever de punir. Essa repressão no plano concreto é

denominado punibilidade, a qual não faz parte, nem é elemento do crime, mas sua

conseqüência.

Ocorre que, o poder-dever de punir do Estado não permanece vigente pela

eternidade. Uma vez praticada a infração penal, existem atos e fatos jurídicos que ocorrem

após a sua prática, cujos efeitos fazem cessar o poder-dever de punir que o Estado tem sobre o

infrator.

Regra geral, as causas eleitas pelo legislador como extintivas da punibilidade

estão elencadas no art. 107 do Código Penal:

Art. 107 do CP – Extingue-se a punibilidade: I – pela morte do agente; II – pela anistia, graça ou indulto; III – pela retroatividade da lei que não mais considera o fato como criminoso; IV – pela prescrição, decadência ou perempção; V – pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada; VI pela retratação do agente, nos casos em que a lei admite; IX – pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei. (grifei)

Em sua obra clássica, José Frederico Marques elogia o rol de causas extintivas

de punibilidade: “O legislador pátrio soube codificar as diversas figuras que compõe a

extinção do “jus puniendi”, de acordo com os princípios da dogmática jurídico penal, sem

incorrer em deslizes de técnica, nem claudicar na terminologia aplicada”9.

Entretanto, as causas extintivas de punibilidade não se limitam às elencadas no

artigo 107 do Código Penal. Conforme especificação de Julio Fabbrini Mirabete, existem

causas gerais e especiais:

8 JESUS, Damásio Evangelista. Prescrição Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 1. 9 MARQUES, José Frederico, Curso de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1956. v. III, p. 400.

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Há causas de extinção gerais (ou comuns) que podem ocorrer em todos os delitos (prescrição, morte do agente etc.) e as causas especiais (ou particulares), relativas a determinados delitos (retratação do agente nos crimes contra a honra, casamento com a ofendida em certos delitos contra os costumes etc).10

Como se percebe, o rol do artigo 107 do Código penal é apenas exemplificativo,

sendo também extinta a punibilidade por outras causas ali não mencionadas, como é o caso do

ressarcimento no peculato culposo, conciliação nos crimes contra a honra, escoamento do

prazo de suspensão condicional do processo, entre outros.

Dentro desse panorama, a principal causa extintiva de punibilidade é a

prescrição, justamente porque alcança quase todos os crimes previstos no nosso ordenamento

jurídico, excetuando-se os crimes de racismo e ação de grupos armados contra o Estado.11

1.2 A PRESCRIÇÃO E SUAS DIRETRIZES

Para início de pesquisa, cumpre buscar os fundamentos e motivos que levaram

o legislador a criar o instituto. Torna-se imperioso entender como nasceu a prescrição, pois

somente através da necessidade da criação do instituto, poder-se-á averiguar a sua adequação

e utilidade perante a sociedade atual.

De uma forma geral, a doutrina entende que o instituto da prescrição no direito

penal teve origem no Direito Romano, com o objetivo de que os processos não se estendam

excessivamente nos seus prazos.

A palavra prescrição advém do termo latino “praescriptio”, o qual deriva do

verbo prescrever, que significa “escrito antes”12.

Segundo Cristiano José de Andrade, se tem notícias de que a prescrição já era

conhecida no direito grego, porém é nas escrituras romanas que se encontra o documento mais

10 MIRABETE, Júlio Fabbrini, Manual de Direito Penal. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2004. v. 1, p. 384. 11 Art. 5º, inciso XLII da Constituição Federal - XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. 12 FERRARI, Eduardo Reale. Prescrição da Ação Penal: causas suspensivas e interruptivas. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 1.

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antigo sobre o instituto. O referido documento, conhecido por Lex Julia de Adulteriis (1736

ou 1737 A.C.), tratava de crimes de natureza sexual e delimitava o prazo de 5 (cinco) anos

para apuração da culpa do criminoso. Se dentro desse lapso temporal o criminoso não fosse

condenado, a prescrição ocorria em atenção às festas lustrais, já que essas festas, ocorridas

quinquenalmente, estavam ligadas à idéia de perdão e purificação religiosa, portanto

culminavam no perdão do criminoso13. Essa prescrição era relativa à pretensão punitiva, já

que a prescrição da condenação só fora cogitada na França, na época da Revolução Francesa.

Daí em diante, a prescrição do procedimento criminal foi sendo aceita por em

quase todos os ordenamentos jurídicos, passando a sofrer diversas transformações, até se

encontrar nos moldes atuais.

Hodiernamente, a prescrição é amplamente definida na doutrina como a perda do

direito de punir do Estado, ante a sua inércia em punir o autor de determinada infração em um

lapso temporal previamente ajustado. Ou seja, desaparece o direito de punir porque o Estado,

através de seus órgãos, não conseguiu, em tempo hábil, exercer a punição.

No conceito de Luiz Regis Prado, “a prescrição corresponde, portanto, à perda do

direito de punir pela inércia do estado, que não o exercitou dentro do lapso temporal

previamente fixado”14.

Seguindo uma corrente pragmática, Damásio de Jesus define prescrição como

sendo “a perda do poder-dever de punir do Estado pelo não exercício da pretensão punitiva ou

da pretensão executória durante certo tempo”15.

Na mesma linha é o entendimento de Fernando Capez “[...] é a perda do direito-

poder-dever de punir do Estado em face do não-exercício da pretensão punitiva (interesse em

aplicar a pena) ou da pretensão executória (interesse de executá-la) durante certo tempo”16.

Para Damásio, a razão de existir o fenômeno da prescrição está ligada ao

esquecimento do fato:

13 ANDRADE, Christiano José de. Da Prescrição em Matéria Penal. 1º ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979. p. 24. 14 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 730. 15 JESUS, Damásio Evangelista. Prescrição Penal. p. 17. 16 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2000. v.1, p. 555.

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[...] transcurso do tempo incide sobre a conveniência política de ser mantida a persecução criminal contra o autor de uma infração ou de ser executada a sanção em face de lapso temporal minuciosamente determinado pela norma. Com a prescrição o Estado limita o jus puniendi concreto e o jus punitionis a lapsos temporais, cujo decurso faz com que considere inoperante manter a situação criada pela violação da norma de proibição violada pelo sujeito.17

Na mesma esteira, Julio Fabbrini Mirabete, que ainda completa:

Justifica-se o instituto pelo desaparecimento do interesse estatal na repressão do crime, em razão do tempo decorrido, que leva ao esquecimento do delito e à superação do alarma social causado pela infração penal. Além disso, a sanção perde sua finalidade quando o infrator não reincide e se readapta à vida social18.

Com base na doutrina tradicional, Fábio Guedes de Paula Machado entende

que: “[...] o fundamento do tema prescrição repousa na circunstância de que a ação do

tempo faz desaparecer o interesse do Estado não só em constatar a infração, como também,

em executar a pena imposta”19.

Com muita propriedade, Julio Fabbrini Mirabete distingue:

Não se confunde a prescrição, em que o direito de punir é diretamente atingido, com a decadência, em que é atingido o direito de ação e, indiretamente, o direito de punir do Estado. Também não se confunde ela com a perempção que atinge diretamente o direito de prosseguir na ação e, apenas indiretamente, o direito de punir20.

O processualista José Frederico Marques define prescrição explicando os

momentos em que pode ocorrer:

A prescrição pode ocorrer ‘antes de transitar em julgado a sentença final’ (CP, art. 109) ou ‘depois de transitar em julgado a sentença final condenatória’ (CP, art. 110). No primeiro caso, prescreve a pretensão de aplicar o preceito sancionador ainda em abstrato; no segundo caso, prescreve o direito de aplicar a sanção constante, in concreto, do título penal executório21.

17 JESUS, Damásio Evangelista. Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2003, v.1. p. 717. 18 MIRABETE, Júlio Fabbrini, Manual de Direito Penal. p. 403 - 404. 19 MACHADO, Fábio Guedes de Paula. Prescrição Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 75. 20 MIRABETE, Júlio Fabbrini, Manual de Direito Penal. p. 404. 21 MARQUES, José Frederico, Tratado de Direito Penal. São Paulo: Millenium, 1999, vol. III. p. 497 - 498

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19

Alguns doutrinadores enxergam no instituto uma renúncia ao direito de punir,

como é ocaso de Basileu Garcia que define prescrição como “a renúncia do Estado a punir a

infração, em face do decurso do tempo”22.

Para a maioria dos doutrinadores a prescrição tem natureza material, entretanto,

também se tem entendido que possui cunho processual ou até mista, ou seja, penal e

processual ao mesmo tempo.

Para Heleno Cláudio Fragoso, os que afirmam o caráter puramente processual da

prescrição, vêem nela apenas uma suspensão ou impedimento do processo, entendendo que o

decurso do tempo não pode transformar a punibilidade em impunibilidade23.

O jurista José Júlio Lozano Jr entende que “a prescrição penal tem natureza

material, pertencente aos limites do Direito Penal. Isto porque ela extingue o direito de punir

do estado, surgido com a prática do crime; é dizer, aniquila a punibilidade de maneira direta e

imediata”24.

Para Damásio Evangelista de Jesus, só pelo fato do instituto estar disciplinado no

Código Penal, a questão resta solvida. Damásio afirma que “esse é o sistema de nossa

legislação, que a inclui entre as causas extintivas da punibilidade, disciplinando-a em várias

disposições do CP”25.

De fato, a matéria é toda regulada no Código Penal, sendo seus prazos

estipulados minuciosamente no art. 109, de acordo com a pena atribuída ao delito.

Art. 109 – A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto nos §§1º e 2º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: I – em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze; II – em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze; III – em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;

22 GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. 3 ed. São Paulo: Max Limonad, 1956, v. 1. p. 699. 23 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal – A nova parte geral. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 404. 24 LOZANO JUNIOR, José Júlio. Prescrição Penal. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 24. 25 JESUS, Damásio Evangelista. Prescrição Penal. p. 21.

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IV – em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro; V – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano, ou sendo superior, não excede a dois; VI – em dois anos, se o máximo da pena é inferior a um ano.26

A prescrição na seara criminal é de ordem pública, podendo ser argüida, ex

ofício, ou por provocação das partes, em qualquer momento processual, inclusive antes do

processo, quando se verifica sua ocorrência antes da denúncia, ou até após o trânsito em

julgado da ação, em sede de revisão criminal.

Ao longo do tempo, a doutrina criou classificações do instituto de acordo sua

incidência, sendo modalidades precípuas, a prescrição da pretensão punitiva e prescrição da

pretensão executória.

1.2.1 PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA

Trata-se da principal espécie de Prescrição, que ocorre antes do trânsito em

julgado da sentença. Esse tipo de prescrição ataca a expectativa que o Estado tem de provar a

autoria e materialidade de um crime, portanto se estabelece sem a resposta final do Estado

quanto a determinado fato tido como antijurídico.

O doutrinador Damásio Evangelista de Jesus define bem a sua ocorrência:

Na Prescrição da Pretensão Punitiva, o decurso do tempo faz com que o Estado perca o direito de punir no tocante à pretensão de o Poder Judiciário julgar a lide e aplicar a sanção abstrata (aspiração de punição)27.

Segundo Zaffaroni e Pierangeli, a prescrição da pretensão punitiva se verifica

“antes do trânsito em julgado da sentença final condenatória e acarreta a perda, pelo Estado da

pretensão de obter uma decisão acerca do crime que imputa alguém”28.

26 BRASIL, Código Penal. Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 18 Ago. 2007. 27 JESUS, Damásio Evangelista. Direito Penal: Parte Geral. p. 713. 28 ZAFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 754.

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21

Com muita sabedoria, o jurista Cezar Roberto Bitencourt ensina que a

prescrição da pretensão punitiva atinge diretamente o jus puniendi, enquanto que a pretensão

executória refere-se ao jus punitions29.

Sobre os efeitos da prescrição da pretensão punitiva, Julio Fabbrini Mirabete

assevera que, “[...] nessa hipótese, que ocorre sempre antes de transitar em julgado a

sentença condenatória, são totalmente apagados todos seus efeitos, tal como se jamais

tivesse sido praticado o crime ou tivesse existido sentença condenatória”. Na mesma

vertente, Cezar Roberto Bitencourt, “tem como conseqüência a eliminação de todos os

efeitos do crime: é como se este nunca tivesse existido”30.

Pode-se concluir que a prescrição da pretensão punitiva nos traz uma

presunção juris et de jure de que o acusado é inocente, já que a extinção da punibilidade

pelo reconhecimento da prescrição tem os mesmos efeitos de um decreto absolutório,

conforme julgado do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo:

A decretação da extinção da punibilidade do réu, em face da prescrição da pretensão punitiva do Estado, equivale a verdadeira proclamação de inocência, já que, com ela, são apagados todos os efeitos da sentença condenatória, como se jamais tivesse sido praticado o crime, de modo que, após o reconhecimento da efetiva causa extintiva, nenhum outro juízo, sobre qualquer matéria, preliminar ou de mérito, deve ser emitido, não se justificando nem mesmo a interposição de recurso com vista à absolvição31.

Pelo texto legal, a prescrição da pretensão punitiva pode ocorrer em três

momentos processuais, que a doutrina tomou por bem classificá-los como: prescrição com

base na pena em abstrato, prescrição retroativa e prescrição intercorrente ou superveniente. A

prescrição antecipada com base na pena em perspectiva, objeto desta pesquisa, é vista como

uma modalidade de prescrição da pretensão punitiva e será tratada no capítulo seguinte.

No entendimento de Antônio Lopes Baltazar, “[...] a prescrição da pretensão

punitiva propriamente dita é a reconhecida antes de proferida a sentença, regulada pelo

29 BITENCOURT, César Roberto. Manual de Direito Penal – Parte Geral. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v.1. p. 708. 30 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, 1998. v.1. p. 381 - 382. 31 TACRIM-SP – AC – Rel. Roberto Mortari – RJD 26/40. (FRANCO, Alberto Silva. et al. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. 7.ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 1980)

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22

máximo da pena abstrata. O processo deve ser encerrado na fase em que estiver”32. Como

se percebe, Baltazar entende que a prescrição da pretensão punitiva é a própria prescrição

abstrata.

1.2.1.1 Prescrição Com Base na Pena em Abstrato

A prescrição com base na pena em abstrato é a pioneira dentre todas as

modalidades. De forma singela, o legislador definiu que o Estado teria certo lapso de tempo

para processar e condenar um indivíduo, caso contrário perderia esse poder (jus puniendi).

Essa modalidade de prescrição, considerada a prescrição raiz, vem definida no

artigo 109 do Código Penal, e é regulada pelo máximo da pena privativa de liberdade

cominado a uma infração.

Art. 109 – A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto nos §§1º e 2º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: I – em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze; II – em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze; III – em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito; IV – em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro; V – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano, ou sendo superior, não excede a dois; VI – em dois anos, se o máximo da pena é inferior a um ano.

Do referido artigo, Celso Delmanto observa que “é da própria natureza da

prescrição que deve ela ser proporcional ao crime, de maneira que os mais leves prescrevem

em menor lapso e os mais graves em maior espaço de tempo”33.

Na lição de Bastos Júnior, “[...] o artigo 109, estabelece os prazos de prescrição

antes de transitar em julgado a sentença final. Trata-se, por conseguinte, de pretensão

punitiva, que surge para o Estado com a ocorrência do ilícito penal”34.

32 BALTAZAR, Antônio Lopes. Prescrição Penal. São Paulo: Edipro, 2003. p. 35. 33 DELMANTO, Celso; et al. Código Penal Comentado. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 201.

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23

Na prescrição com base na pena em abstrato, o prazo prescricional varia de

acordo com o máximo da sanção privativa de liberdade, com desprezo da pena de multa,

quando cominada cumulativamente ou alternativamente. Portanto, a verificação da prescrição

in abstracto deve levar em conta o limite máximo do preceito sancionador e enquadrá-lo em

um dos incisos do art. 109 do Código Penal.

Para os juristas Alberto Silva Franco e Rui Stoco, essa forma de prescrição é

regulada pelo art. 109 do Código Penal e tem aplicação enquanto não existe decisão

condenatória. O prazo prescricional é calculado conforme a tabela constante do texto legal,

com base no máximo da pena cominada abstratamente ao crime35.

Nos crimes tentados, a análise da prescrição com base na pena em abstrato fica

restrita ao máximo da pena cominada ao delito, subtraído a menor diminuição possível

decorrente da tentativa, ou seja, 1/3 (um terço). Para exemplificar, a prescrição em abstrato de

um furto simples, tentado, seria verificada levando-se em conta a pena de 2 (dois) anos e 8

(oito) meses. Isto porque o crime de furto simples é apenado maximamente com 4 anos de

reclusão, e se subtraímos a fração de 1/3 referente à subtração mínima decorrente da tentativa

a pena seria de dois anos e oito meses. Logo, a prescrição se daria em 8 (oito) anos, conforme

inciso IV do artigo 109 do Código Penal.

Da mesma forma ocorre com crimes qualificados, quando a prescrição é

analisada com base na majoração decorrente da qualificação do crime. Ex: Furto qualificado,

pena máxima de 8 (oito) anos, enquanto o furto simples a pena máxima é de 4 (quatro) anos.

A prescrição com base na pena em abstrato é traçada com base na capitulação

legal do delito, portanto se essa capitulação muda em face de um mutatio libelli ou uma

desclassificação em sede de sentença de pronúncia, toda a análise do prazo prescricional

também se altera.

Com a entrega da prestação jurisdicional de primeiro grau de jurisdição, a

prescrição já não se verifica com base na pena máxima que o acusado poderia ser condenado,

mas efetivamente levando-se em conta a pena que lhe fora outorgada no decreto condenatório.

A essa análise chamamos de prescrição com base na pena em concreto eu será entendida no

tópico seguinte

34 BASTOS JÚNIOR, Edmundo José. Código Penal em exemplos Práticos. 2. ed. Florianópolis: OAB/SC, 2000. p. 278. 35 FRANCO, Alberto Silva. et al. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. p. 1915.

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24

1.2.1.2 Prescrição Retroativa

A prescrição retroativa consiste em uma espécie de prescrição da pretensão

punitiva que se verifica com base na pena em concreto. Como o próprio nome induz, a

contagem do prazo é feita regressivamente, tomando por base a pena fixada na sentença.

O jurista Fernando Capez, explica o porque do nome retroativa da seguinte forma:

O tribunal faz o cálculo da publicação da sentença condenatória para trás, ou seja, da condenação até a pronúncia ou o recebimento da denúncia ou queixa, conforme o crime seja ou não doloso contra a vida, e assim por diante. É como se o tribunal estivesse retrocedendo do presente ao passado, gradativamente36.

A prescrição retroativa advém da súmula 146 do STF37, sendo instituída no

ordenamento pela Lei nº: 7.209/1984, que adicionou ao Código Penal os parágrafos 1º e 2º do

artigo 110:

Art. 110 - A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente. § 1º - A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada § 2º - A prescrição, de que trata o parágrafo anterior, pode ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa.

Segundo Antonio Lopes Baltasar:

Cuidando o dispositivo do artigo 110, §§ 1° e 2°, do Código Penal da prescrição após o trânsito em julgado da sentença, determina que após o trânsito em julgado para a acusação, a prescrição seja regulada pela pena concretizada na sentença e que o lapso prescricional possa se verificar,

36 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. p. 567. 37 Súmula 146 do STF - A prescrição da ação penal regula-se pela pena concretizada na sentença, quando não há recurso da acusação. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 13 Ago. 2007.

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retroativamente, daí até o recebimento da denúncia ou deste ato até a data do crime38.

Como se percebe, o Autor entende que essa modalidade é um misto entre

prescrição da pretensão punitiva com prescrição da pretensão executória, pois se verifica

com base na pena fixada na sentença, antes do trânsito em julgado.

Já Fernando Capez define como sendo “[...] outra modalidade de prescrição

da pretensão punitiva, calculada pela pena concretamente fixada na sentença condenatória,

desde que haja trânsito em julgado para a acusação ou desde que improvido o seu

recurso”39.

Como essa modalidade de prescrição só se consuma com a entrega da

prestação jurisdicional, Zaffaroni e Pierangeli alertam que o seu reconhecimento só deve ser

feito em sede de recurso, visto que é condição da prescrição retroativa o trânsito em julgado

para acusação. Para os autores, nem mesmo com o trânsito em julgado para a acusação o

magistrado a quo poderia reconhecê-la, em virtude de já ter se esgotado a sua jurisdição40.

A exigência da resignação por parte do Ministério Público com a sentença ou

o improvimento de seu recurso se deve ao fato de que assim a pena irrogada na sentença

não poderá ser aumentada, e conseqüentemente o lapso prescricional também não poderá

ser aumentado. Qualquer outro aumento de pena, decorrente de recurso defensivo seria

inadmissível em face do princípio reformatio in pejus.

No entendimento de Damásio Evangelista de Jesus:

Desde que transitada em julgado para a acusação ou improvido o seu recurso, verifica-se o total da pena imposta na sentença condenatória. Encontrado o respectivo período prescricional, procura-se encaixá-lo entre a data da consumação do crime e a do recebimento da denúncia ou da queixa ou a data do recebimento da denúncia ou da queixa e a da publicação da sentença condenatória, nos termos do §2° do artigo 110 do Código Penal41.

Sobre prescrição retroativa, Edmundo José Bastos Júnior assevera que:

38 BALTAZAR, Antônio Lopes. Prescrição Penal. p. 79. 39 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal:Parte Geral. p. 567. 40 ZAFARONI Eugênio Raúl; e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral. p. 769. 41 JESUS, Damásio Evangelista de. Prescrição Penal. p. 130.

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Complementando a regra do §1° do artigo 110, o §2° declara que a prescrição com base na pena aplicada na sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, pode ter por termo inicial data anterior ao recebimento da denúncia ou da queixa. Quer dizer, esse prazo pode ser contado para trás, desde o momento em que a sentença se torna definitiva para a acusação ou depois de improvido o seu recurso, até a última causa interruptiva (art. 177). É a chamada prescrição retroativa, que atinge, também, a pretensão punitiva, rescindindo, portanto, a própria sentença condenatória42.

Desta forma, uma vez aplicada a pena, e não havendo recurso da acusação, a

sanção imposta não poderá ser aumentava, portanto deve ser ela utilizada como base de

cálculo para prescrição, ainda antes do trânsito em julgado para a defesa. A título de

ilustração, suponha-se que o réu esteja sendo acusado por crime de roubo, cuja pena de

reclusão é de quatro a dez anos. Antes da sentença, a prescrição pela pena em abstrato é de

16 anos. Se o juiz, ao sentenciar, fixar a pena em quatro anos, e o Ministério Público não

apelar para aumentá-la, o prazo prescricional passa a ser de oito anos.

Tendo em vista que as reprimendas impostas quase sempre não alcançam o

máximo da pena prevista no tipo penal, a prescrição retroativa ocorre com mais freqüência

do que a prescrição com base na pena em abstrato. Esse fato leva muitos se insurgirem

contra essa modalidade, aduzindo ser a principal causa de impunidade em nosso país.

Inclusive tramita no congresso nacional o projeto de lei nº: 199 de 30 de junho de 2004,

visando a extinção dessa modalidade de prescrição. O referido projeto já fora aprovado pelo

Senado, e hodiernamente aguarda julgamento pelo plenário.

1.2.1.3 Prescrição Intercorrente ou Superveniente

Assim como a prescrição retroativa, a prescrição intercorrente, também

conhecida como superveniente, é verificada com base na pena em concreto e fulmina a

pretensão punitiva do Estado. A diferença reside no fato de que a prescrição retroativa

retrocede à sentença condenatória, enquanto que a prescrição intercorrente ocorre entre a

sentença condenatória e o trânsito em julgado, ou seja, durante o julgamento do recurso.

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Com muita sabedoria, Baltasar alerta que na prescrição intercorrente não se

levam em conta os prazos havidos antes do decreto condenatório, mas tão somente o lapso

temporal transcorrido entre a publicação deste e o trânsito em julgado43.

Apesar de praticamente pacífico entre os doutrinadores que a prescrição

intercorrente ocorre a partir da publicação da sentença condenatória, alguns juristas como

João José leal, entendem que ela pode ocorrer em dois momentos distintos. A primeira

hipótese refere-se à demora que o tribunal levou em apreciar o recurso defensivo, e a segunda

hipótese ocorreria entre a prolação da sentença e a intimação do acusado44.

No entendimento de Paulo José da Costa Júnior, a prescrição intercorrente:

Acha-se prevista no § 1° do artigo 110 do Código Penal. A partir da data da publicação da sentença, começa a correr o prazo prescricional calculado com base na pena concretizada naquela decisão. Se o prazo completar-se antes do trânsito em julgado da sentença para a defesa, ou do julgamento do recurso interposto pelo réu, consuma-se a extinção da punibilidade pela prescrição intercorrente45.

A título de exemplo, Luiz Regis Prado ensina que:

[...]se o réu for condenado a seis meses de detenção – transitada em julgado a sentença para a acusação – e o tribunal vier a julgar a sua apelação após dois anos da publicação da decisão condenatória, verifica-se a prescrição da pretensão punitiva superveniente46.

Apesar de não haver previsão legal, o provimento do recurso de acusação sem

aumento do lapso prescricional não constitui óbice a prescrição superveniente. Tal é o caso de

uma pena de três anos fixada em 1º grau, e que fora aumentada para quatro pelo órgão

colegiado, pois em realidade o prazo prescricional se manteve na casa dos oito anos (art. 109,

IV do Código Penal). Assim é a lição de José Júlio Lozano Júnior: “Não obstante a ausência

42BASTOS JÚNIOR, Edmundo José. Código Penal em exemplos Práticos. p. 282. 43 BALTAZAR, Antônio Lopes. Prescrição Penal. p. 96. 44 LEAL, João José. Direito Penal Geral. 3ª. Ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2004. p. 603. 45 COSTA JUNIOR, Paulo José da. Direito Penal: Curso completo. 6. ed. rev. e consolidada em um único volume. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 235. 46 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. p. 648.

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de previsão legal a respeito, também poderá advir a prescrição em exame no caso de recurso

provido da acusação, desde que não altere o prazo prescricional”47.

1.3 CAUSAS INTERRUPTIVAS E SUSPENSIVAS DA PRESCRIÇÃO

O prazo prescricional esta sujeito a suspensões e interrupções. Conforme

ensinamento de José Frederico Marques, as duas hipóteses são fenômenos distintos, sendo

certo que a interrupção tem por efeito deter o curso da prescrição, bem como tornar inútil o

lapso temporal já decorrido, começando a partir daí novo curso, como se o crime tivesse sido

praticado naquele dia.48

Sobre a razão de existir tais interrupções, Julio Fabbrini Mirabete ensina que “As

causas interruptivas da prescrição são todos os atos demonstrativos de um exercício ativo do

poder punitivo e, como tais, incompatíveis com uma pretensão renúncia, em relação a este

exercício, por parte do Estado.49”

Os marcos interruptivos do prazo prescricional estão insculpidos no art. 117 do

Código Penal, são elas:

O curso da prescrição interrompe-se: I- pelo recebimento da denúncia ou queixa; II- pela pronúncia; III- pela decisão confirmatória da pronúncia; IV- pela sentença condenatória recorrível; V- pelo início ou continuação do cumprimento da pena; VI- pela reincidência.

Como se percebe, o primeiro marco que interrompe a prescrição é o recebimento

da denúncia, justamente porque é através desse ato que se da início a lide. Em caso de

aditamento da denúncia, José Júlio Lozano Júnior alerta que quando ocorre novel imputação

de conduta delituosa ao réu, interrompe-se a prescrição somente em relação a nova infração,

sem atingir o crime já narrado na exordial acusatória.50

47 LOZANO Jr, José Júlio. Prescrição Penal. p. 90. 48 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal p. 505. 49 MIRABETE, Júlio Fabbrini, Manual de Direito Penal. p. 411. 50 LOZANO JR., José Júlio. Prescrição Penal. p. 121.

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Caso a denúncia seja rejeitada, a interrupção ocorre com o julgamento do

recurso em sentido estrito provido, mais precisamente na data da sessão de julgamento, pois

conforme Julio Fabbrini Mirabete é naquela data que o julgamento se tornou público.51

Nos crimes contra a vida que seguem o rito especial do Tribunal do Júri, a

decisão que pronuncia o réu e sua decisão confirmatória tem o condão te interromper o lapso

prescricional.

Nos crimes de competência do juiz singular, a interrupção fica por conta da

sentença condenatória recorrível. Apesar de Julio Fabbrini Mirabete lecionar que o rol do art.

117 é taxativo porque a matéria de prescrição é de direito substantivo, em que não se admite

entendimento ampliativo ou interpretação analógica, no caso de apelação visando a reforma

da sentença absolutória para alcançar a condenação do réu, a interrupção ocorre quando o

acórdão não é unânime, já que será passível de embargos infringentes.

Assim é o entendimento jurisprudencial.

O acórdão que, por decisão não unânime – e, portanto, sujeita a embargos infringentes – condena réu absolvido em 1º grau também interrompe o prazo prescricional da pretensão punitiva. A expressão `sentença condenatória recorrível’, do art. 117, IV, do CP, deve ser entendida em sentido genérico, pois não há razão para que somente a condenação de 1ª Instância tenha efeito interruptivo, e não também a de 2ª, quando reforma absolvição.52

Como dito anteriormente, após o trânsito em julgado, o início ou continuação do

cumprimento da pena também constituem causas de interrupção do prazo prescricional,

sempre calculado com base na pena remanescente. Outra causa interruptiva é a reincidência

do acusado, que conforme Edmundo Oliveira, trata-se de um sinal de sua inclinação para o

crime, portanto necessita de maior severidade, fazendo recomeçar o prazo da estaca zero.53

De outro lado, suspensão do prazo prescricional é definido por José Frederico

Marques como sendo um hiato, ou seja, causas impeditivas de prescrição na qual o curso da

prescrição se suspende para recomeçar a correr depois que cessa a causa impeditiva.

51 MIRABETE, Júlio Fabbrini, Manual de Direito Penal. p. 412. 52 TJSP – AC – Rel. Dante Busana – RT 636/267 (FRANCO, Alberto Silva. et al. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial) 53 OLIVEIRA, Edmundo. Comentários ao Código Penal – Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 489.

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Reiniciando o curso do lapso prescricional, conta-se o tempo anterior para o cômputo final da

prescrição.54

Pelo nosso Código penal, três são as causas da suspensão do prazo

prescricional e elas encontram-se previstas, taxativamente, no art. 116 do Código Penal:

Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre: I- enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime; II- enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro; Parágrafo único. Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo.

Segundo Damásio Evangelista de Jesus, “[...] caracteriza-se a suspensão da

prescrição pela circunstância de que o prazo prescricional não tenha curso durante certo

período, como se tivesse um intervalo, recomeçando a correr quando do seu término.55”

Na mesma trilha, Fernando Capez afirma que: “[...] Causas suspensivas são

aquelas que sustam o prazo prescricional, fazendo com que recomece a correr apenas pelo

que restar, aproveitando o tempo anteriormente decorrido.56”

Em casos específicos também ocorre a suspensão da prescrição da pretensão

punitiva. O Código de Processo Penal, por exemplo, determina em seu art. 366, que uma vez

citado por edital e mesmo assim, o réu não comparece ao interrogatório, suspende-se o curso

do processo e o prazo prescricional.

Em outras leis extravagantes também se verifica tal suspensão, como é o caso do

art. 89, §6º, da lei 9.099/9557, que determina a suspensão da prescrição quando o acusado é

beneficiado com a suspensão condicional do processo.

54 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. p. 504. 55 JESUS, Damásio Evangelista de. Prescrição Penal. p. 67. 56 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. p. 563. 57 Art. 89 - Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal); § 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo. (BRASIL, Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <www.planalto.gov.br> Acesso em 23 junho. 2007.)

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Salienta-se que o parágrafo único do art. 116 do Código Penal, é o único

dispositivo que prevê hipótese de suspensão da prescrição da pretensão executória da pena

corporal, qual seja, quando o condenado está preso por outro motivo. Para Edgar Magalhães

Noronha a razão parece muito óbvia, pois uma vez preso por outro motivo, o apenado não

pode cumprir a pena que lhe foi imposta, donde seria absurdo que esse outro comportamento

ilícito que lhe determinou a prisão, fosse causa para que ele não cumprisse a pena que foi

imposta naquela sentença.58

Assim, restaram abordados neste capítulo todos os aspectos relevantes da

prescrição, e que serão necessários à compreensão do tema objeto desse estudo. No capítulo

seguinte será explicado como funciona a antecipação da prescrição com base na pena em

perspectiva, bem como a doutrina e os tribunais pátrios tem se pautado para aplicar a tese.

58 NORONHA, Edgar Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1999, v. 1. p. 370.

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CAPÍTULO 2

FUNDAMENTOS DA PRESCRIÇÃO ANTECIPADA COM BASE NA

PENA EM PERSPECTIVA

Neste Capítulo serão abordados todos os argumentos favoráveis à antecipação da

prescrição com base na pena em perspectiva, bem como o seu conceito e modo de

funcionamento.

2.1 O MECANISMO DA PRESCRIÇÃO ANTECIPADA

A prescrição antecipada com base na pena em perspectiva é bastante controversa

no meio jurídico. Trata-se de tema recente, iniciado há cerce de 15 (quize) anos na

jurisprudência pátria, portanto não possui previsão legal no nosso Código Penal. Também

conhecida como prescrição virtual, prescrição antecipada, prescrição retroativa antecipada,

prescrição antecipada com base na pena projetada, todos esses nomes se referem à

possibilidade de reconhecer a prescrição mesmo antes da sentença, tendo por parâmetro a

pena que supostamente seria irrogada ao acusado.

Guilherme de Souza Nucci define a prescrição virtual como aquela que se baseia

na pena provavelmente aplicada ao indiciado, caso haja processo e ocorra condenação. Para

tanto, leva-se em conta os requisitos pessoais do agente e também as circunstâncias

componentes da infração penal, devendo o julgador, por sua experiência e pelos inúmeros

julgados semelhantes, a noção de que será produzida uma instrução inútil, visto que, ainda

que seja o acusado condenado, no futuro terá ocorrido a prescrição retroativa pela pena

concretamente fixada. Logo, entende o Autor que a experiência do juiz em processos

semelhantes dá suporte à uma previsão de que a prestação jurisdicional seria ineficaz.59

Segundo José Júlio Lozano Jr., a prescrição antecipada com base na pena em

perspectiva consiste no:

59 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 3 ed. São Paulo: RT, 2007. p. 174.

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[...] reconhecimento da prescrição retroativa antes mesmo do oferecimento da denúncia ou da queixa e, no curso do processo, anteriormente à prolação da sentença, sob o raciocínio de que eventual pena a ser aplicada em caso de hipotética condenação traria a lume um prazo prescricional já decorrido.60

Em outras palavras, Antonio Lopes Baltazar afirma que prescrição antecipada

com base na pena em perspectiva é “o reconhecimento da prescrição retroativa, antes da

sentença, com base na pena a que o réu seria condenado, evitando assim, o desperdício de

tempo na apuração de coisa nenhum, pois já se sabe, antecipadamente, que o resultado será a

extinção da punibilidade”61

Para entender a prescrição antecipada, façamos o seguinte exercício mental:

Fulano comete o crime de furto tentado, qualificado pelo concurso de pessoas no dia 02 de

janeiro de 2002. A denúncia foi recebida no dia 01 de agosto de 2003, sendo que até o dia de

hoje (01 de agosto de 2007) não houve a prolação da sentença. A pena máxima cominada ao

crime de furto qualificado é de 8 anos de reclusão. Diminuído 1/3 (a menor diminuição, pois

se busca a maior pena possível) referente à tentativa, a prescrição da pena em abstrato é

verificada com base na pena de 5 anos e 4 meses, os quais prescrevem em 12 anos (art. 109,

III), logo não houve prescrição em abstrato, visto que transcorreram entre o recebimento da

denuncia até hoje 4 anos sem a sentença condenatória.

A princípio percebe-se que não houve prescrição, entretanto, se analisarmos as

circunstâncias do caso concreto, verifica-se uma expectativa latente da prescrição retroativa

na medida em que, a vista das circunstâncias do fato e das condições pessoais do réu a que

atentam o art. 59 do Código penal, a pena do acusado seria fixada no mínimo legal em face da

sua primariedade e bons antecedentes. Uma vez ausentes agravantes genéricas (art. 61 do CP)

e circunstâncias especiais de aumento de pena, a pena do réu se manteria no mínimo legal, ou

seja, 2 anos de reclusão. Para finalizar a dosimetria, aplica-se a redução referente a tentativa

que suponhamos em 1/3 face uma quase consumação, logo tem-se uma pena final de 1 ano e 4

meses de reclusão. Essa seria a provável pena do réu caso fosse condenado, sendo certo que

se assim fosse, ocorreria a prescrição retroativa, visto que 1 ano e 4 meses prescrevem em 4

anos.

60 LOZANO Jr., José Júlio. Prescrição Penal. p. 181. 61 BALTAZAR, Antônio Lopes. Prescrição Penal. p. 107.

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Esta previsão de que o direito de punir do Estado restará fulminado em breve

pela prescrição retroativa, faz com que muitos promotores de justiça e advogados requeiram a

extinção da punibilidade pela antecipação da prescrição.

Os defensores da prescrição antecipada com base na pena em perspectiva têm

respaldado a sua utilização sob a luz do princípio da economia processual e da ausência de

justa causa para deflagração de uma ação penal, ante a inexistência de interesse de agir.

Entretanto, tantos outros pontos são levantados a favor do tema, como: o desafogo das varas

criminais, abarrotadas de processos, a celeridade da resposta estatal, preservação do prestígio

da justiça e a instrumentalidade do processo.

Para Fernando Capez, o princípio da economia processual é bastante contrariado

com processos prescritos pela pena em concreto. Entende o autor que de nada adianta

movimentar inutilmente a máquina jurisdicional com processos sem futuro, nos quais, após

condenar o réu, reconhece-se que o Estado não tinha mais o direito de puni-lo. Embora não

haja controvérsia sobre o momento de reconhecimento da prescrição antecipada, podendo

ocorrer até a sentença condenatória, o Autor somente visualiza sua ocorrência antes do

oferecimento da denúncia: “Assim, prescrição virtual nada mais é do que o reconhecimento

da prescrição, ainda na fase extrajudicial, com base na provável pena mínima, que será fixada

pelo juiz.”62

O interesse de agir, por sua vez, apesar de fugir ao instituto da prescrição,

evidencia-se nos casos de prescrição antecipada com base na pena em perspectiva, conforme

explicação de Eliane Alfradique:

Ora, qualquer ação que se mostra desnecessária e inútil porque a visada sanção jamais será efetivamente aplicada ou porque este fim não poderá mais ser materialmente realizado porque ao sentenciar e aplicar concretamente a reprimenda, o direito de punir pulverizar-se-á no tempo, carece de interesse de agir uma vez que está execrada a não produzir nada. Logo, deve esta ação ser extinta sem julgamento do mérito por ser carecedora de condição fundamental da ação.63

Ainda que timidamente, muitos autores, consubstanciados na ausência de justa

causa para ação penal, tem-se demonstrado favoráveis à prescrição antecipada. Luiz Antonio

62 CAPEZ, Fernando. Direito Penal. 7ª. ed. São Paulo: Saraiva, vol. 1, 2004. p. 551. 63 ALFRADIQUE, Eliane. Prescrição penal e a atualidade de sua aplicação. Disponível na Internet: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 03 de junho de 2007.

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Guimarães Marrey posiciona-se favorável à idéia de falta de interesse de agir na prescrição

antecipada, pois, embora tendo o acusado direito a uma sentença de mérito, nosso sistema

Processual Penal, inspirado no princípio da economia processual, determina, como regra, o

encerramento do processo, antes mesmo do julgamento do mérito, sempre que ocorrer uma

causa extintiva de punibilidade, ou outra causa que prejudique o exame do mérito da ação,

como, verbi gratia, na hipótese de inutilidade de virtual provimento jurisdicional (art. 43. III,

do CPP)64

Na concepção de Julio Fabbrini Mirabete não é possível falar-se em prescrição

da pretensão punitiva com base na pena em concreto sem que ocorra a sentença condenatória

do réu, mas reconhece que se tem admitido a modalidade com fundamento na ausência de

interesse de agir em razão das circunstâncias do caso concreto em que se antevê uma pena que

com absoluta certeza levaria a prescrição.65

De outro lado, vozes acirradas voltam-se avessos ao reconhecimento antecipado

da prescrição retroativa, sob os mais diversos argumentos, dentre os quais: violação ao

princípio constitucional da presunção de inocência, direito a sentença de mérito, ofensa ao

principio da obrigatoriedade da ação penal, ausência de previsão legal, impossibilidade de se

pré-julgar, direito ao devido processo legal, possibilidade de emendatio e ofensa ao princípio

do contraditório e ampla defesa.

Em que pese a prescrição antecipada com base na pena em perspectiva ver-se

bastante aplicada nas varas criminais, a maioria dos tribunais estaduais já se posicionaram

contrários ao tema, dentre os quais, o Tribunal do Paraná, Minas Gerais, Santa Catarina, Mato

Grosso, Pernambuco e São Paulo.

A propósito, o Supremo Tribunal Federal também já vedou sua prática em razão

da falta de previsão legal:

EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE PECULATO-FURTO (§ 1º DO ART. 312 DO CP). FUNCIONÁRIO PÚBLICO. CONDIÇÃO ELEMENTAR DO TIPO. COMUNICAÇÃO AO PARTICULAR, CO-AUTOR DO DELITO (ART. 30 DO CP). PRESCRIÇÃO ANTECIPADA: IMPOSSIBILIDADE. O particular pode figurar como co-

64 Luiz Antonio Guimarães Marrey, apud, NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. p. 174. 65 MIRABETE, Júlio Fabbrini, Manual de Direito Penal. p. 419.

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autor do crime descrito no § 1º do art. 312 do Código Penal (Peculato-furto). Isto porque, nos termos do artigo 30 do CP, "não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime". Se a condição de funcionário público é elementar do tipo descrito no artigo 312 do Código Penal, esta é de se comunicar ao co-autor (particular), desde que ciente este da condição funcional do autor. Precedentes: HC 74.588, Relator o Ministro Ilmar Galvão; e HC 70.610, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence. A firme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal repele a alegação de prescrição antecipada, por ausência de previsão legal. Precedentes: HC 88.087, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence; HC 82.155, Relatora a Ministra Ellen Gracie; HC 83.458 e RHC 86.950, Relator o Ministro Joaquim Barbosa; RHC 76.153, Relator o Ministro Ilmar Galvão; entre outros. Habeas corpus indeferido.66 (grifei)

A favor da antecipação da prescrição já julgaram os seguintes pretórios: Tribunal

Regional Federal da 4ª Região, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Tribunal de Alçada

Criminal de São Paulo, Tribunal de Justiça do Pernambuco e Tribunal de Justiça do Distrito

Federal.67

2.2 A APLICAÇÃO DA PENA E A POSSIBILIDADE DE PREVISÃO

Como já explicado no início do capítulo, para que se configure a prescrição por

antecipação, deve o julgador vislumbrar qual seria a pena a ser irrogada ao réu caso fosse ele

condenado, e desta forma reconhecer que a possível pena já fora alcançada pela prescrição

retroativa. Eis a origem do nome: prescrição antecipada com base na pena em perspectiva.

No sistema penal brasileiro, a fixação de pena não tem caráter totalmente

subjetivo e de livre apreciação do julgador. Ao proferir um édito punitivo, o juiz deve levar

em consideração dados objetivos acerca do crime, autor e da vítima, de acordo com diretrizes

determinadas pelo próprio Código Penal.

66 STF - 1ª Turma – HC/197265 – São Paulo – Min. Carlos Brito, DJ 06-09-2007. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Acesso em: 17 set. 2007.) 67 Eis alguns dos julgados: TJRS – AC nº 70018365668, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sylvio Baptista Neto, Julgado em 29/03/2007; TRF4, INQ 2000.04.01.117809-7, Quarta Seção, Relator Luiz Fernando Wowk Penteado, DJ 03/09/2003; TJDF - 19990310092186APR, Relator GETULIO PINHEIRO, 2ª Turma Criminal, julgado em 28/10/2004, DJ 03/02/2005 p. 69; TJPE - Recurso Em Sentido Estrito Nº 130114-0 - Relator Acórdão: Dário Rocha - Data Julgamento 21/12/2005 14:00:00.

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Em seu artigo 59, o Código Penal 68 estabelece oito elementos diversos a serem

tomados como parâmetro para o cálculo de uma sentença condenatória. Segundo o artigo, tais

elementos devem ser necessários e suficientes para a reprovação e prevenção do crime.

É certo que há discricionariedade na dosimetria da pena, conforme diz a

Exposição de Motivos do Código de Processo Penal:

A sentença deve ser motivada. Com o sistema do relativo arbítrio judicial na aplicação da pena, consagrado pelo novo Código Penal, e do livre convencimento do juiz, adotado pelo presente projeto, é a motivação da sentença que oferece garantia contra os excessos, os erros de apreciação, as falhas de raciocínio ou de lógica ou os demais vícios de julgamento.

Todavia, conforme Guilherme de Souza Nucci, “O Juiz está preso aos

parâmetros que a lei estabelece”, de maneira que não pode o juiz, ao proferir uma sentença

condenatória, aplicar qualquer pena de forma indistinta, sob pena de cometer abuso e ilegal

discricionariedade.

Dentro do critério de individualização da pena, a evitar a padronização da sanção

penal, para fixar uma pena o julgador tem por limite o mínimo e o máximo da pena cominada

ao crime infringido. Entretanto, conforme leciona Nucci, “tem sido hábito de vários juízes

brasileiros, de qualquer grau de jurisdição, optar, quase sempre, pela aplicação da pena

mínima aos acusados em julgamento.”69

Essa dificuldade da pena de qualquer infração ultrapassar o mínimo legal torna

bastante previsível o seu quantum. A propósito, basicamente quando se trata de réu primário,

com bons antecedentes, tem ele o direito à fixação no mínimo legal, até pela dificuldade de se

apurar os outros elementos, como a personalidade do agente e sua conduta social.

Com dados tão sólidos, seguros e concretos pode-se calcular e balizar qual a

reprimenda, dependendo da existência daqueles dados majorantes e atenuantes, é esperada

quando do proferimento da sentença, ou pelo menos o patamar que a pena possa alcançar. Por

68 Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível (BRASIL, Código Penal. Acesso em: 18 de set. 2007. 69 NUCCI, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado, 4ª ed. Ver., atual. E ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 260.

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exemplo: Pena a ser fixada entre 1 ano e 3 meses à 1 ano e 10 meses, sendo certo que o prazo

prescricional pra ambas as penas é o mesmo.

Assim sendo, por vezes, transparece perfeitamente lúcido e previsível que em

um caso concreto a pena aplicada, quando houver condenação, seja àquela do mínimo legal e

que ao prolatar o decreto condenatório, o juiz declarará extinta a punibilidade do agente por

ter ocorrido a prescrição retroativa. Desta forma, inevitável que no caso de sentença

condenatória, ocorrerá a prescrição retroativa prevista no artigo 110, §, 2º do Código Penal.

2.3 O INTERESSE DE AGIR COMO CONDIÇÃO DA AÇÃO

O interesse de agir constitui o principal fundamento para o reconhecimento da

prescrição antecipada com base na pena em perspectiva. Nos casos em que a pena a ser

futuramente aplicada pelo juiz não atingirá uma quantidade que evite a prescrição, fala-se em

ausência de interesse de agir, pois o processo penal não teria qualquer utilidade.

Ancorado nesse raciocínio, Denílson Feitosa Pacheco trás o entendimento de que

a antecipação da prescrição não encontra embasamento jurídico na extinção da punibilidade,

mas na rejeição da denúncia, por falta de interesse agir.70

O interesse de agir, também conhecido como interesse processual, é amplamente

reconhecido como uma das condições da ação. Trata-se de um requisito imprescindível para

que a ação penal tenha prosseguimento, antes que se chegue ao mérito da causa. Além do

interesse agir, são condições da ação a possibilidade jurídica do pedido e legitimidade da

parte.

No art. 43, inciso III, parte final do Código de Processo Penal71, aparece bastante

clara a conseqüência da falta de alguma condição da ação, consistindo na rejeição da peça

acusatória.

70 PACHECO, Denílson Feitosa. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 4ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006. p. 150. 71 Art. 43. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - o fato narrado evidentemente não constituir crime; II - já estiver extinta a punibilidade, pela prescrição ou outra causa; III - for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal. (BRASIL, Código de Processo Penal. Decreto Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 15 set. 2007.)

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No seguinte aresto, oriundo do extinto Tribunal de Alçada de São Paulo, houve a

rejeição da denúncia, sob a previsão de que o provimento jurisdicional seria inútil,

desaparecendo qualquer interesse do Estado em movimentar um processo.

Prescrição retroativa – Reconhecimento antecipado considerada a pena em perspectiva – Denúncia rejeitada sob tal fundamento. Admissibilidade. Disposições dos arts. 41 e 43 do CPP que não limitam o exame da peça introdutora da ação penal. Interesse de agir inexistente, por falta de utilidade do provimento jurisdicional – As disposições dos arts. 41 e 43 do estatuto processual não limitam, sob exclusividade, o exame da peça introdutora da ação penal. O universo jurídico presente à atividade do juiz, no momento de verificação da admissibilidade da ação penal, leva o juiz ao exame de todos os pressupostos processuais e condições de exercício da ação. Projeta-se evidente que há possibilidade jurídica em torno do pedido, eis que se imputa ao indiciado uma conduta descrita na lei penal, isto é, típica. A legitimação para agir não é posta em dúvida, em face da presença do Ministério Público no pólo ativo da relação que se iniciara. O punctum pruriens envolve o tema do interesse de agir. É evidente que o interesse de agir tem sabor processual. Conquanto se admita que a utilização da via jurisdicional, no ato de acusar, não leva, inexoravelmente, à imposição de pena, cabe averbar-se que o exercício da ação sob indiscutível tom de falência quanto a aplicação concreta da reprimenda revelar-se-ia atividade sem qualquer utilidade, eis que o provimento jurisdicional, se procedente a ação, desembocaria na prescrição da pretensão punitiva estatal, ante a pena concretizada. No exame do interesse de agir não se pode aredar a verificação da utilidade do provimento jurisdicional. Se inútil o provimento jurisdicional, ainda que procedente a ação, é de se reconhecer a ausência do interesse de agir. A máquina estatal, movimentada pelo Autor da ação, busca atingir um objetivo concreto, útil, afastada a idéia de seu uso em mera atmosfera abstrata. O mundo do Direito não pode posturar-se em tom fenomênico inteiramente dissociado do mundo concreto. A vinculação entre o fato da vida e o mundo do Direito, na esfera processual penal, é iniciada, desde logo, pelo princípio da consubstanciação, que exige, no oferecimento da denúncia, a apuração do fato e autoria imputada, através de inquérito policial ou documentos. Mantida a interligação entre os fatos e o mundo jurídico, verifica-se na temática debatida, que não se pode abstrair o resultado concreto de eventual condenação no exame do interesse de agir. Não há interesse de agir se a pena em perspectiva, uma vez concretizada, leva ao reconhecimento da prescrição da ação penal. O denunciado é primário, trata-se de concurso formal entre crimes de lesões corporais culposas. Revela-se indiscutível, no plano do id quod plerumque accidit, que a reprimenda não chegará ao limite máximo de um ano. Situando-se em

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quantum inferior a um ano a pena em perspectiva, a prescrição da pretensão punitiva já se definiu, sob o prazo de dois anos.72 (grifei)

Como se vê, o relator entendeu que o cerne da questão envolve o tema do

interesse de agir ao concluir que a utilização da via jurisdicional não levaria à imposição de

pena, cabendo averbar-se que o exercício da ação sob indiscutível tom de falência quanto a

aplicação concreta da reprimenda revelar-se-ia atividade sem qualquer utilidade, eis que o

provimento jurisdicional, se procedente a ação, desembocaria na prescrição da pretensão

punitiva estatal, ante a pena concretizada.

O interesse de agir no seu mais aprofundado estudo, foi idealizado por Enrico

Tullio Liebman como sendo a “necessidade de se obter através do processo a proteção do

interesse substancial; pressupõe, por isso, a assertiva de lesão desse interesse e a aptidão do

provimento do pedido a protegê-lo e satisfazê-lo.” Segundo o Autor, o interesse de agir é

representado pela relação entre causa de pedir e o pedido, de maneira que essa relação deve

consistir na utilidade do provimento como meio para proporcionar ao interessado lesado a

proteção concedida pelo direito. No plano processual penal, o jurista afirma ser o interesse de

agir “representado pela relação entre a situação antijurídica denunciada e o provimento que se

pede para debelá-la mediante a aplicação do direito, logo deve essa relação consistir na

utilidade do provimento, como meio de proporcionar ao interesse lesado a proteção concebida

pelo direito.” 73

Em princípio, as condições da ação de que trata o processo civil são extensivas

ao processo penal. Este entendimento é explicado por José Frederico Marques a partir do

conceito de processo, que tanto na esfera civil, como na esfera penal, é o instrumento da

atividade jurisdicional do Estado, portanto sem mutações substanciais.74

Baseado nos ensinamentos de Liebman, a doutrina tem entendido pela divisão

do interesse de agir em duas modalidades, que se convencionou chamar de interesse-utilidade

e interesse-necessidade. Há quem diga que ainda existe um terceiro elemento, entendido por

interesse-adequação.

72 TACRIM-SP- 4ª camara – Rel. Walter Theodósio – 12.03.1990. (FRANCO, Alberto Silva. et al. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. p. 1979.) 73 LIEBMAN, Enrico Tullio, Manual de direito processual civil, São Paulo: Saraiva, 1985. p. 155 - 156. 74 MARQUES, José Frederico, apud. JAWSNICKER, Francisco Afonso. Prescrição Penal Antecipada. Curitiba: Juruá, 2006. p. 85.

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A adequação, nos dizeres de Edilson Mougenot Bonfim, emerge da

compatibilidade entre o fato narrado e a conseqüência jurídica que ele pleiteia com

fundamento nesse fato. No processo penal, o Autor entende que será adequado o pedido

quando, narrada uma conduta típica, o acusador pleitear a punição do réu de acordo com o

que estabelece cada tipo penal.75

A necessidade consiste na impossibilidade de se obter a tutela desejada por outro

meio que não seja a via jurisdicional. Assim, o autor de uma infração não pode se dirigir à um

juiz ou policial dizendo que é culpado, querendo que seja punido. No processo penal, esse

requisito aparece invariavelmente, já que o jus puniendi é exclusivo do Estado, devendo ser

satisfeito juridicamente com as cautelas do devido processo legal. Vale complementar que

mesmo que um réu confessando frente a um magistrado a prática de um delito, não quer dizer

que ele será condenado, fato que somente ocorrerá se as provas levarem a esse entendimento.

A despeito do interesse-necessidade, Denílson Feitosa Pacheco contribui

dizendo que:

As ações penais condenatórias necessariamente devem ser propostas para que, após o devido processo penal, se posa impor a pena, e a sentença condenatória transitada em julgado é o meio apto para se executar a pena, fato que leva a crer que o interesse de agir não teria a mesma serventia que n o processo civil.76

A utilidade por sua vez, é o requisito do interesse de agir que parte da doutrina

tem se embasado para reconhecer a prescrição antecipada com base na pena em perspectiva,

uma vez que, a ação penal tem por objetivo precípuo punir o criminoso, logo se ao final da

ação essa punição não pode ser imposta, toda a persecução será inútil.

Edílson Mougenot Bonfim define a utilidade como sendo a expressão de

“idoneidade do processo para ensejar, em seu final, os efeitos que dele deseja.” Entretanto,

para o Autor o interesse de agir não serve de fundamento para a prescrição virtual, de vez que

“implicaria em antecipação de tutela jurisdicional, que, no domínio penal, é inadmissível,

configurando verdadeiro prejulgamento em detrimento do réu, que poderia ser absolvido.”77

75 BONFIM, Edilson Mougenot, Curso de Processo Penal, São Paulo: Saraiva, 2006. p. 139. 76 PACHECO, Denilson Feitosa. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. p. 192. 77 BONFIM, Edilson Mougenot, Curso de Processo Penal. p. 139.

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Para Eliane Alfradique, o prejulgamento referido por Edílson Bonfim, não

serve de justificativa para deixar reconhecer a ausência de utilidade da prestação

jurisdicional, pois “não há como afastar uma certa apreciação subjetiva do mérito de que se

reveste o interesse de agir, caso contrário, não poderíamos nunca conjeturar a

impossibilidade ou a inadequação de uma ação.78”

2.4 O PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO

O reconhecimento da prescrição atinge diretamente o mérito da causa, fazendo

abortar o processo em que pé estiver. Logo, essa detecção vai de encontro ao princípio da

instrumentalidade do processo, se levar em consideração que o processo, nada mais é do que o

meio adequado a se efetivar o direito.

O princípio da instrumentalidade processual penal, ou simplesmente

instrumental, significa, segundo Denílson Feitosa Pacheco, dizer “que o processo penal não é

um fim em si mesmo, mas um procedimento destinado a cumprir sua dupla finalidade de

garantia de liberdade e de instrumento de aplicação do direito penal”79

Em sua dupla finalidade, o reconhecimento da prescrição antecipadamente

encontra respaldo. A submissão do réu ao processo ocorre tão-somente em respeito à suas

garantias constitucionais, sempre com o intuito de proteger o inocente. Nesse sentido,

Denílson Feitosa Pacheco aduz que “se assim não fosse, ainda que o Estado mantivesse os

monopólios estatal e jurisdicional, não precisaria utilizar o processo (acusatório), bastando-lhe

um procedimento inquisitivo, no qual os direitos fundamentais da pessoa humana não seriam

devidamente respeitados.”

Como visto no primeiro capítulo, a prescrição nada mais é do que uma das

maiores garantias processuais do acusado, de modo que a finalidade garantista do processo

estará bem salvaguardada com o reconhecimento da prescrição antecipada com base na pena

em perspectiva.

O entendimento doutrinário dominante segue o norte de que busca-se

provimento jurisdicional de resultado, com a declaração do direito e solução da lide com

78 ALFRADIQUE, Eliane. Prescrição penal e a atualidade de sua aplicação. Acesso em: 03 de jun. 2007. 79 PACHECO, Denílson Feitosa. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. p. 101.

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utilidade no caso concreto. Conforme palavras de Cláudia Ferreira Pacheco, “o processo,

como tal, não é um fim em si mesmo, senão instrumento pelo qual busca-se a aplicação do

direito material invocado para o exercício da ação.”80

Em obra clássica sobre a instrumentalidade do processo, Cândido Rangel

Dinamarco, já disse que o processo nada mais é do que o instrumento para que a jurisdição

alcance os seus diversos escopos, sejam eles sociais, políticos ou meramente jurídicos. Pode

ser vista a instrumentalidade como a negação do processo como valor em si mesmo e repúdio

aos exageros processualísticos que se tem levado para preservar uma garantia, que já estava

garantida.81

Entretanto, em sentido contrário, durante julgamento de recurso em sentido

estrito, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu que o processo, além servir de

instrumento, tem uma finalidade própria. Senão vejamos:

Prescrição Projetada. Inviável a denominada prescrição em perspectiva à luz de provável pena a ser imposta em possível sentença condenatória, porque sequer há pena. O interesse de agir do Estado não se limita a possível sancionamento do réu, mas, buscando o ente público a manutenção da paz social, combate igualmente a criminalidade, ao sujeitar o réu ao processo penal, que tem caráter intimidativo e representa uma satisfação à vítima e à comunidade, além dos reflexos, na área cível, de uma decisão condenatória. Recurso ministerial provido.82

O entendimento esposado no acórdão não parece ser o mais correto, pois

entender que o processo tem cunho penalizador é aumentar a sensação de impunidade.

Cometida a infração, o Estado tem dever de punir o infrator exemplarmente, a demonstrar a

reprovação e prevenção do crime. Se o Estado não pode punir o infrator, seja pela prescrição

ou qualquer outra inutilidade do provimento jurisdicional, a condução do processo até o fim,

apenas para mostrar a população que o Estado está perseguindo o infrator, é senão outra coisa,

enganar a sociedade, que diga-se, já está acostumada com a ineficiência do Estado. Ademais,

entender que o processo gera intimidação, significa um adiantamento da pena, o que é

inconcebível no Estado Democrático de Direito.

80 FERREIRA, Cláudia. Breve análise sobre a prescrição antecipada (a justa causa e o interesse de agir do Ministério Público no Processo penal). Disponível na internet: <http://www.direitopenal.adv.br> Acesso em 10.08.2007. 81 DINAMARCO, Cândido Rangel, A instrumentalidade do processo. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1993. 82 TJRS – 7ª Câmara Criminal – RSE 70000883108 – Rel. Des. Luís Carlos Ávila de Carvalho Leite – Cordão de 04.05.2000. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 24 set. 2007.

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Nos casos em que a paz social realmente encontra-se periclitada pela infração

penal, o processo penal dispõe de meios específicos para manter a ordem, sendo em casos

tais, o acautelamento através da prisão preventiva melhor do que uma perseguição morna e

sem futuro. O combate a criminalidade se dá através métodos efetivos e não intimidativos,

tanto é que cresce assustadoramente o número de reincidentes, a demonstrar a falta de

intimidação com a ação estatal pretérita.

A satisfação da vítima e da comunidade só ocorre com a punição do infrator, não

com a sua mera intimidação. Se o que ocorre é medo do Estado em declarar à vítima, através

de uma sentença de extinção da punibilidade, que não pode punir o infrator em virtude de sua

inércia, está na hora de repensar o instituto da prescrição ao invés de optar por camuflar a sua

ineficiência conduzindo um processo fadado ao insucesso, apenas para dar alguma resposta à

vítima.

Daí decorre a instrumentalidade do processo, que na seara penal tem a função

única de servir de meio à punição do infrator, qualquer outro efeito teria essência civil,

devendo ser apreciado nessa esfera. Portanto, não há que se prosseguir com processo prescrito

para buscar reflexos civis, até mesmo porque a maioria das infrações não trazem efeitos civis,

limitados em geral à crimes patrimoniais. De outro norte, se a vítima deseja o reconhecimento

de um direito civil, como visto anteriormente, ela pode bem fazer, já que se trata de esferas

independentes.

2.5 O PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL

O princípio da economia processual estabelece que o processo deve alcançar o

seu objetivo com o menor gasto possível de recursos humanos e materiais, praticando o menor

número possível de atos e com o menor custo. Este princípio guarda relação com o da

celeridade, tendo em vista que ambos visam o prestígio da justiça.

Neste princípio, a prescrição antecipada com base na pena em perspectiva

vislumbra um importante respaldo, vez que “é de se indagar a razão de movimentar-se

inutilmente a máquina com um processo onde já se sabe de antemão que, após a prolação de

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um édito condenatório, será impossível a imposição da sanção penal, face à ocorrência da

prescrição”.83

No mesmo norte, para Fernando Capez a prescrição antecipada tem seu principal

fundamento no princípio da economia processual, pois segundo o Autor, “de nada adianta

movimentar inutilmente a máquina jurisdicional com processos que já nascem fadados ao

insucesso, nos quais, após condenar o réu, reconhece-se que o Estado não tinha mais o direito

de puni-lo, devido a prescrição.84”

A economia das atividades jurisdicionais em prestígio da boa utilização do

dinheiro público é sempre bem vindo, já que não é barato condenar uma pessoa no Brasil.

Sobre o custo de uma persecução criminal, Denílson Feitosa Pacheco faz um alerta ao dizer

que talvez não se perceba o custo do processo penal brasileiro, em razão de juízes, promotores

e serventuários serem servidores púbicos em geral, e também em virtude do processo penal,

em regra, não ter custas forenses.85

A evitar custos desnecessários, o extinto Tribunal de Alçada Criminal de São

Paulo reconhece a supremacia da economia processual quando a prescrição é certa.

Não há sentido lógico nem jurídico em prosseguir com um processo contaminado pelo vírus da autodestruição. Levá-los às últimas conseqüências apenas para cumprir um formalismo é prevalecer a forma sobre o conteúdo, o que atenta contra o bom senso. A prescrição qualquer que seja a sua modalidade, é matéria de ordem pública. No dizer de Espíndola, perde toda significação a ação, desde que esteja extinta a punibilidade. Daí constituir um princípio de economia do processo o de que, extinta a punibilidade do réu, deve isso ser logo declarado, esteja em que pé estiver a ação penal que assim, tem o seu curso definitivamente paralisado[...]86

Consubstanciado na correta utilização do erário público, a prescrição antecipada

vê no princípio da moralidade administrativa outro notável fundamento, conforme já decidiu o

Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul:

83 Maurício Antonio Ribeiro Lopes, Apud, JAWSNICKER, Francisco Afonso, Prescrição Penal Antecipada. p. 93. 84 CAPEZ, Fernando. Direito Penal. p. 551. 85 PACHECO, Denilson Feitosa. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. p. 102. 86 TACRIM-SP – Rec, nº 824.727-4 – Voto vencido lopes da Silva. (FRANCO, Alberto Silva. et al. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. p. 1981)

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Prescrição pela pena em perspectiva, Princípio de Direito Administrativo, voltado para a necessidade de boa aplicação do dinheiro público, também recomenda que não seja instaurada a ação penal, por falta de interesse, quando, em razão da provável pena, que é uma realidade objetivamente identificável pelo Ministério Público e pelo Juiz, a partir das considerações inerentes ao art. 59 do CP, foi possível perceber que a sentença condenatória não se revestirá de força executória, em face das regras que regulam a prescrição. Doutrina e jurisprudência sobre a matéria. Negaram provimento. Unânime.87

É certo também que a economia processual não pode ser tanta, ao ponto de

suprimir atos processuais importantes em prejuízo as partes, por isso, Antonio Lopes Baltazar

diz que o princípio da economia processual subsiste apenas quando se tem duas alternativas

que levarão ao mesmo fim, devendo ser acolhida aquela que menos onerar o processo.88

2.6 O PRINCÍPIO DA CELERIDADE

A idéia de celeridade está intimamente ligada a prescrição, na medida em que a

prescrição só existe nos casos em que não há celeridade por parte do Estado em punir o autor

de uma infração.

O princípio da celeridade decorre do artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição

Federal, o qual prevê que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a

razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

Outros diplomas legais internacionais ou estrangeiros também fazem referências à celeridade,

como a Convenção Européia dos Direitos Humanos e Pacto de São José da Costa Rica.

Bastante reverenciado nos Juizados Especiais, Edilson Mougenot Bonfim

explica que o princípio não se refere apenas “aos atos processuais, vistos isoladamente como

partículas do procedimento, mas também a concessão da própria tutela requerida, nos casos

em que o requerente tenha razão, sejam providos com celeridade, privilegiando a eficácia da

tutela concedida.”89

87 TARS – 3ª Câmara Criminal – AC nº 295059257 – Rel. Juiz José Paganella Boshi – Acórdão 12.03.1996. (JAWSNICKER, Francisco Afonso. Prescrição Penal Antecipada. p. 95. 88 BALTAZAR, Antônio Lopes. Prescrição Penal. p. 111. 89 BONFIM, Edilson Mougenot, Curso de Processo Penal. p. 71.

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Com tantos processos a serem julgados, a prescrição antecipada com base na

pena em perspectiva enxerga no princípio da celeridade um importante fundamento ao seu

reconhecimento, conforme se extrai do HC 204.272-1, oriundo do Tribunal de Alçada

Criminal de São Paulo:

De nenhum efeito a persecução penal com dispêndio de tempo e desgaste do prestígio da Justiça Pública, se, considerando-se a pena em perspectiva, diante das circunstâncias do caso concreto, se antevê o reconhecimento da prescrição retroativa na eventualidade de futura condenação90

No mesmo sentido, Recurso em Sentido Estrito julgado pelo Tribunal de Justiça

do Rio Grande do Sul:

Recurso em sentido estrito. Prescrição em perspectiva. Possibilidade. Projetada a pena a ser aplicada, em cada caso, examinadas todas as circunstâncias, criteriosamente, e decorrido lapso, sem marco interruptivo, que demonstre a presença de prescrição, deve, desde logo, ser decretada extinção da punibilidade, em tais hipóteses, a persecução penal, daí em diante, torna-se incapaz de gerar qualquer efeito sancionador, havendo, em contrapartida, dispêndio de tempo precioso, desgaste das partes e desprestígio da justiça. À unanimidade, negaram provimento.91

A celeridade, porém, não pode ser tanta a ponto de comprometer as garantias

constitucionais e processuais do acusado, posto que, se assim for, será apenas rápida, podendo

deixar de ser justa. Neste sentido, Denílson Feitosa Pacheco alerta que “uma duração razoável

não é, necessariamente, uma duração célere; aliás, às vezes, a única forma de ser razoável é

não ser célere.”92

Em razão dessa presunção, parte da doutrina tem massificado a idéia de que a

formação da culpa do réu não deve ultrapassar 81 dias. Esse prazo não está inserto em

nenhum dispositivo legal, mas é fruto da soma de todos os prazos processuais estipulados no

Código de Processo Penal.

Como não poderia deixar de ser, nos casos excepcionais em que o acusado

necessita de prisão cautelar, o julgamento deve ter prioridade, seguindo-se, sempre que

90 TACrim-SP – 4ª Câmara Criminal – HC 204.272-1 – Rel. Juiz Sério Carvalhoza – Acórdão de 26.02.1991. (FRANCO, Alberto Silva. et al. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. p. 1981) 91 TJRS – 8ª Câmara Criminal – RSE 70003497922 – Rel. Des. Roque Miguel Fank – Acórdão de 19.12.2001. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 24 set. 2007. 92 PACHECO, Denilson Feitosa. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. p. 125.

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possível, o prazo de 81 dias. Exatamente em função de sua segregação provisória, para que o

réu permaneça o mínimo de tempo possível preso antes da entrega da prestação jurisdicional,

que giza-se, poderá será favorável ao acusado, se absolvido.

De outro lado, as deficiências de recursos humanos e materiais do Poder

Judiciário, o colossal número de processos decorrente do aumento da criminalidade, fazem

crescer o número de réus presos, fazendo com que os processos com réus soltos sejam

examinados e julgados sempre em segundo plano. Em conseqüência, os processos com réu em

liberdade revelam o maior índice de prescrição.

Desta forma, vislumbra-se que a prescrição antecipada com base na pena em

perspectiva revela uma dogmática de política criminal, em que o Poder Público vê na

prescrição antecipada uma saída para debelar a sua ineficiência em julgar o grande número de

processos que assolam o Poder Judiciário.

Em contrapartida, indaga-se até que ponto a prescrição antecipada pode ser

aceita em nosso ordenamento jurídico, pois como veremos a seguir, utilizar deste fenômeno

para resolver o problema da justiça mexe com princípios basilares do nosso sistema penal.

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CAPÍTULO 3

A PRESCRIÇÃO ANTECIPADA COM BASE NA PENA EM

PERSPECTIVA SOB A LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E

INFORMADORES DO PROCESSO PENAL

A temática da antecipação da prescrição auferida com base na reprimenda

hipotética envolve respeitáveis princípios do nosso ordenamento jurídico, sobretudo alguns

preceitos constitucionais. Este capítulo tem como objetivo verificar como estes princípios

constitucionais e norteadores do processo penal se relacionam com o tema, sempre

procurando desenvolver reflexões que tornem possível a aceitação do tema perante os nossos

tribunais.

3.1 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

O princípio da legalidade ou da reserva legal se desenvolveu ao longo dos anos

como uma das maiores garantia dos cidadãos. O jurista italiano Luigi Ferrajoli, em

aprofundado estudo sobre o princípio, diz que a legalidade pode ser vista de duas maneiras: a

mera legalidade e a estrita legalidade.93

A mera legalidade existe desde a era romana quando o Estado ordenava à seus

juízes que punissem, criando eles a norma que faltava. Logo a mera legalidade pode ser

entendida como uma regra de distribuição do da tutela penal que confere ao juiz estabelecer

como sendo infração aquilo está reservado ao legislador estipular como tal. Daí surge o

nome, pois a ação estatal não está vinculada a referências empíricas para punir alguém,

bastando a simples reserva de lei com a sujeição do juiz a essa lei.94

93 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do garantismo penal. 2ª ed. Rev. E atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 343-348. 94 Ob. cit.

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A mera legalidade vigorou com veemência até a alta idade média, quando o

poder do Estado era concentrado nas mãos dos governantes. Entretanto, com o pensamento

iluminista tomando corpo, a legalidade penal passou a ser encarada de forma estrita.

A estrita legalidade, segundo Ferrajoli, “é uma regra metajurídica de formação

da linguagem penal que para tal prescreve ao legislador o uso de termos de extensão

determinada na definição das figuras delituosas, para que seja possível a sua aplicação na

linguagem judicial como predicados verdadeiros dos fatos”. Segundo Ferrajoli, ao contrário

da mera legalidade, a estrita legalidade faz da reserva da lei uma reserva absoluta, sujeitando

o juiz a lei e tão-somente à lei.95

Em nosso país, o princípio da legalidade tem seguido a corrente iluminista,

sendo preceituado na Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XXXIX, que prevê: “não

há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.” O nosso

Código Penal também se refere ao princípio em seu artigo primeiro.96

É certo que a prescrição antecipada com base na pena em perspectiva não

encontra previsão legal no nosso ordenamento, portanto viola, em tese, o principio da

legalidade. Essa tem sido a principal justificativa dos tribunais superiores para rejeitar a tese.

No Supremo Tribunal Federal:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRESCRIÇÃO ANTECIPADA OU PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA. FALTA DE PREVISÃO LEGAL. REJEIÇÃO. A tese dos autos já foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, cuja orientação é no sentido de refutar o instituto ante a falta de previsão legal. Precedentes. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento.97

No Superior Tribunal de Justiça:

Inexiste no nosso ordenamento jurídico a prescrição por antecipação. A extinção da punibilidade pela pena in concreto só poderá ser levada a exame caso ocorra condenação com trânsito em julgado para acusação (art. 110, 1º do CP). A possível extinção da punibilidade pela prescrição, tendo em conta

95 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do garantismo penal. p. 348. 96 Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. (BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil) 97 STF. Recurso Ordinário em Habeas Corpus 86.950-5 de Minas Gerais. Segunda Turma. Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Data da Decisão: 7.2.2006. (Disponível em: <www.stf.gov.br> Acesso em: 1. Set. 2007.)

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a pena a ser concretizada em eventual sentença condenatória, é tese inteiramente desprovida de juridicidade98.

Realmente há que se destacar que a antecipação da prescrição é relativamente

discricionária, tendo em vista que não está prevista diretamente na nossa legislação. Porém,

se nos pautarmos na ausência do interesse de agir, a utilização do princípio para contrariar a

tese parece inadequado, já que o princípio tem essência material, a repelir ação autoritária do

Estado, enquanto que o interesse de agir tem aspecto puramente processual.

O princípio da estrita legalidade, conforme aduz Ferrajoli, veda totalmente a

analogia, na medida em que seja possível afirmar que as figuras típicas penais definidas pela

lei, graças a sua adequação ao princípio da estrita legalidade, são verdadeiras ou falsas em

relação aos fatos que se examinam. Entretanto, o Autor bem salienta que a analogia é proibida

se é in malam partem, sendo admitida caso seja in bonam partem, ao estar sua proibição em

favor do Estado para impedir a extensão por obra da discricionariedade judicial do âmbito

legal da punibilidade.99

Disso ressuma que mesmo diante da faceta estrita do princípio da legalidade, a

antecipação da prescrição não encontra óbice quando fundamentado em raciocínios

analógicos, pois, como vimos, prescrição é uma garantia do acusado.

A exemplo dessa analogia, em julgado do Tribunal de Alçada Criminal de São

Paulo, certa vez se indagou:

Se o Tribunal pode, por construção jurisprudencial, reconhecer a prescrição retroativa com base na pena fixada em sentença anulada, por que não admitir também ao Juiz de primeiro grau a aplicação de semelhante política criminal? Afinal, sentença nula é sentença inexistente, portanto sem pena concretizada.100

Da mesma forma, vale lembrar o histórico da prescrição retroativa. Como visto

no primeiro capítulo, a prescrição retroativa com base na pena em concreto, nada mais é do

que uma construção jurisprudencial que se firmou como súmula, tamanha a força da corrente.

98 STJ – 6ª. T. – RHC/5643 – Rel. Vicente Leal – DJU 17.11.1997. (FRANCO, Alberto Silva. et al. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial.. p. 1980) 99 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do garantismo penal. p. 351. 100 TACRIM – Rec. 824.727-4 – Voto vencido Lopes da Silva (FRANCO, Alberto Silva. et al. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. p. 1980)

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A despeito disso, José Júlio Lozano Jr. relembra que:

Não obstante a autoridade de seus interlocutores, a prescrição retroativa não encontrou eco no STF durante vários anos até que, em meados de 1960, com a alteração no quadro de Ministros, a tese favorável à referida modalidade prescricional passou a ser vencedora, culminando com a edição da Súmula 146, in verbis: `A prescrição da ação penal regula-se pela pena concretizada na sentença, quando não há recurso da acusação`”101

A partir da súmula editada pelo STF, a prescrição passou a ser regulada por lei,

deixando de ferir o princípio da legalidade. Esse histórico parece suficiente para demonstrar

que o princípio da legalidade não serve de empecilho para a prescrição antecipada com base

na pena em perspectiva.

Segundo Luigi Ferrajoli, o “princípio da estrita legalidade está formulado no

nosso ordenamento de maneira sumária e ambígua; e nossa doutrina e jurisprudência

mostram-se incertas no que se refere ao seu caráter constitucional e ao seu alcance

normativo.”102

Vale destacar que não se trata de uma violação à reserva legal, apenas a sua

suavização diante da discricionariedade e criação judicial do Direito, por ser uma ciência

decorrente da cultura, conforme assevera Eliane Alfradique em artigo publicado no site

Mundo Jurídico.

Asseverar que a prescrição antecipada não é contemplada por nossa legislação é o mesmo que não permitir aos operadores do direito uma real e verdadeira busca pela justiça. Seria o mesmo que afirmar que o promotor, o juiz e o advogado estão engessados pelas normas escritas, retirando-lhes o caráter humano e social a que se presta o direito.103

Essa relativização do princípio da mera legalidade é reverberada por Ferrajoli,

que justifica ser em virtude da sua “fragilidade teórica da sua formulação iluminista e

alimentada por diversos impulsos irracionais e autoritários.”104

101 LOZANO JR, José Júlio. Prescrição Penal. p. 164. 102 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do garantismo penal. p. 109. 103 ALFRADIQUE, Eliane. Prescrição penal e a atualidade de sua aplicação. 104 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do garantismo penal. p. 353.

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Após a Segunda Guerra Mundial, tem-se acompanhado uma volúpia crescente

de legislação fragmentária, a ocasionar uma linguagem legal obscura e controversa. Esse

processo fez com que os juízes passassem a interpretar as leis e sopesá-las de acordo com a

sua importância para melhor atender o caso concreto.

De outro lado, como visto no segundo capítulo, a prescrição antecipada encontra

ressonância na ausência do interesse de agir, quando se verifica a inutilidade do provimento

jurisdicional. Se a extinção da punibilidade pela prescrição antecipada com base na em

perspectiva não possui amparo legal em nossa legislação, a temática do interesse de agir, esta

sim, é prevista com todas as letras no Código de Processo Penal.

Por fim, o artigo 43, inciso III, última parte do Código de Processo Penal, prevê

que a denúncia será rejeitada quando faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação

penal. Conforme já estudado, o completo desinteresse em agir do Estado é inerente aos casos

de prescrição antecipada com base na pena em perspectiva. Logo não há que se falar em falta

de previsão legal para dar validade ao tema.

3.2 O PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA

O princípio da obrigatoriedade da ação penal pública nada mais é do que uma

criação oriunda do poder-dever de punir do Estado. Trata-se em realidade, de uma decorrência

do princípio da legalidade, o qual norteia a atuação dos órgãos públicos no Estado

Democrático de Direito.

Do princípio da obrigatoriedade significa dizer que o aparato acusatório não

possui a faculdade de buscar a punição do autor de uma infração, mas o dever de puni-lo.

Desse modo, ocorrido uma infração penal de caráter público, a Autoridade Policial deve

investigar o fato, e se após a conclusão das investigações for colhido elementos suficientes, o

ente encarregado da acusação deve oferecer denúncia contra o transgressor.

Afrânio Silva Jardim compartilha desse entendimento:

O princípio da obrigatoriedade da ação penal pública não é uma opção arbitrária do legislador, mas está inserido dentro de um contexto democrático, no qual ao funcionário do Estado não é dado dispor do interesse coletivo. No momento em que o Estado proibiu a vingança privada,

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assumiu o dever de prestar jurisdição, monopolizando esta atividade pública. 105

No Brasil, o titular da ação penal pública é o Ministério Público, salvando-se raras

exceções legalmente definidas, quando a lesão não afeta interesses socialmente relevantes. O

Direito Penal possui normas de caráter cogente, a serem aplicadas incondicionalmente contra

o infrator como reprovação de sua conduta, logo não se justificaria a discricionariedade da

aplicação da norma, pautando-se nos critérios de oportunidade e conveniência restritos ao

Direito Administrativo. A obrigatoriedade da ação penal é vista tacitamente nos artigos 24106,

42107 e 576108 do Código de Processo Penal.

Este tem sido um dos obstáculos da prescrição antecipada com base na pena em

perspectiva, conforme já julgou o Tribunal de Justiça de São Paulo:

Vigorando entre nós no que diz respeito à ação penal pública, o princípio da obrigatoriedade e não o da oportunidade (CPP, arts. 5º, 6º, 24 e 42), é manifesto o interesse do Estado em exigir uma prestação jurisdicional ainda que fadada ao reconhecimento posterior da prescrição, sempre que haja notícia da ocorrência em tese de um delito.109

Ocorre que remanesce a seguinte indagação: até aonde vai a obrigação do

Ministério Público em mover uma ação penal pública? Afrânio Silva Jardim alerta que a

questão não é bem posta, pois não haveria como reduzir a intensidade do dever de agir que

recai sobre o órgão acusatório, sob pena de se desfigurar o princípio com a sua aplicação

parcial.110

105 JARDIM, Afrânio Silva. Ação penal pública: princípio da obrigatoriedade, 2ª. Ed. Forense: Rio de Janeiro, 1994. p. 12. 106 Art. 24 - Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. (Código de Processo Penal. Decreto Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em: <www.planalto.gov.br> . Acesso em 23 ago. 2007) 107 Art. 42 - O Ministério Público não poderá desistir da ação penal. ( ob. cit.) 108 Art. 576 - O Ministério Público não poderá desistir de recurso que haja interposto. ( ob. cit.) 109 Tribunal de Justiça de São Paulo. 3ª Câmara Criminal de Férias – AC 143.877-3 – Rel. Des. Gonçalves Nogueira – Acórdão de 3. jan. 1995. (FRANCO, Alberto Silva. et al. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. p. 1980.) 110 JARDIM, Afrânio Silva. Ação penal pública: princípio da obrigatoriedade. p. 53.

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É certo que o Código de Processo Penal prevê hipóteses em que o promotor de

justiça poderá abdicar da ação penal diante de condições determinadas pelo legislador. Como

já visto no segundo capítulo deste trabalho, o exercício da ação penal está condicionado aos

pressupostos do art. 43 do Código de Processo Penal, sendo o interesse de agir um desses

pressupostos.

Desta forma, quando a lei expressamente determina que o Ministério Público não

deva agir, não há que se falar em obrigação de agir, mas justamente o contrário, conforme

assevera Claúdio Ferreira Pacheco em artigo:

A afirmação de que o princípio da obrigatoriedade ou legalidade vedaria ao Ministério Público propor o arquivamento do inquérito policial e das peças de informação com base em prescrição hipoteticamente considerada e ainda não verificada, nos parece falível, posto que o Ministério Público, embora dominus litis, não tem permissão legal para exercer a ação penal de forma indiscriminada. Antes, como fiscal da lei, cumpre ao Parquet velar pela estrita observância às condições da ação e preservação dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Destarte, ausente o interesse de agir e a justa causa para a ação penal (diante da antevisão da inutilidade do provimento jurisdicional), cumpre ao Ministério Público requerer o arquivamento dos autos e, se assim não proceder, deverá o magistrado realizar o controle jurisdicional sobre a propositura da ação, velando pela obediência aos fundamentos e princípios inerentes ao Estado de Direito e à instrumentalidade do processo. Assim, cumprirá ao magistrado rejeitar eventual denúncia oferecida com base no art. 43 do Código de Processo Penal.111

Do mesmo modo, Afrânio Silva jardim em obra específica sobre o assunto,

explica que se faltar uma condição para o regular exercício da ação, ou qualquer outro

obstáculo, não obrigação por parte do Ministério Público em manifestar a pretensão punitiva.

Conclui o Autor ainda que sempre restará ao órgão estatal alguma margem para valorar os

elementos fáticos que se encontram nos autos. “Seria ir de encontra a natureza das coisas

sustentar que ao Ministério Público não resta qualquer dose subjetiva na apreciação da

presença ou não das condições para o regular exercício da ação.”112

111 PACHECO, Cláudia Ferreira. Breve análise sobre a prescrição antecipada (a justa causa e o interesse de agir do Ministério Público no Processo penal). Disponível em <http://www.direitopenal.adv.br> Acesso em: 11 set. 2007. 112 JARDIM, Afrânio Silva. Ação penal pública: princípio da obrigatoriedade. p. 54-55.

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Destarte, tomando por base a ausência de interesse de agir, o princípio da

obrigatoriedade da ação penal não é mitigado.

3.3 O PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

O princípio do devido processo legal constitui mais um dos argumentos

suscitados para obstar o reconhecimento da prescrição antecipada com base na pena em

perspectiva. É fundado no fato de que o seu reconhecimento aborta abruptamente a marcha

processual sem os atos previstos em lei que conferem ampla defesa e servem de sustentáculo à

um édito punitivo ao réu.

Assim já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

LESÕES CORPORAIS GRAVES. PRESCRIÇÃO ANTECIPADA. RECURSO DA ACUSAÇÃO Nosso sistema penal não contempla a hipótese de prescrição antecipada, considerando a pena virtual que, na hipótese de condenação, viria a ser definitivamente imposta ao réu. A extinção da punibilidade do fato, decorrente da prescrição retroativa pela pena concretizada, gera efeitos jurídicos penais e extra penais, mostrando-se inadmissível a produção dos aludidos efeitos sem o devido processo legal e sem a indispensável decisão condenatória. Recurso acolhido.113 (grifei)

Cuida-se de mais um princípio inerente ao Estado de Direito, proclamado na

nossa Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LIV, que assegura: “ninguém será privado

da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”114

Para Alexandre Moraes:

O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito a defesa técnica, à publicidade o processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e

113 TJRS - Recurso em Sentido Estrito Nº 70014890917, Terceira Câmara Criminal, Rel. Vladimir Giacomuzzi, Julgado em 24/08/2006. (Disponível em <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em 14 set. 2007.) 114 BRASIL.Constituição da República Federativa do Brasil.

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julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal)115

Logo se percebe a garantia que esse princípio proporciona ao réu, que nos dizeres

da Celso Ribeiro Bastos, visa impedir que leis mal formuladas levem a desnaturação do

processo, com o conseqüente prejuízo dos direitos subjetivos que deve amparar.116

Consubstanciado no princípio, Antônio Lopes Baltazar argumenta que a

prescrição antecipada pressupõe uma condenação que não aconteceu, logo “urge desenvolver

o processo em todas as etapas. Só a sentença gera o status de condenado, por isso, como

afirma José Carlos Marrone, há evidente obstáculo constitucional para se reconhecer a

prescrição antecipada, que toma como referência, dado aleatório”.117

Assim tem fundamentado o Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

A prescrição antecipada toma como referência dado aleatório, ou seja, suposta data de trânsito em julgado de sentença condenatória, ou de hipotética condenação. Há evidente obstáculo constitucional. A condenação não pode ser aceita pela parte. Urge desenvolver o processo em todas as etapas. Só a sentença gera o status de condenado. Impor-se-iam, ademais, todas as conseqüências, de que são exemplos configuração de antecedente penal e título executório no cível. Insista-se, inadmissíveis em nosso quadro constitucional. A condenação reclama o devido processo legal.118

A inviabilizar a antecipação da prescrição, Edison Mougenot Bonfim, assevera

que “o Estado está obrigado, na busca da sua satisfação de pretensão punitiva, a obedecer o

procedimento previamente fixado pelo legislado, vedada a supressão de qualquer fase ou ato

processual ou desrespeito à ordem do processo.” Contudo, o Autor reconhece que o principio

do devido processo legal foi paulatinamente alargado com o tempo, sob o fundamento de

disponibilizar aos seus cidadãos mecanismos eficazes de atuação perante o poder estatal.119

115 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 19ª. ed. Atua. Atlas: São Paulo. 2006. p. 93. 116 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Granda. Comentários à Constituição do Brasil. arts. 5º a 17, volume 2. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 260. 117 BALTAZAR, Antonio Lopes. Prescrição Penal. p. 110. 118 Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Recurso Criminal n. 2003.010383-0, de São Francisco do Sul, Rel. Des. Solon d'Eça Neves, j. em 24.06.2003. Disponível em <www.tj.sc.gov.br>. Acesso em 13. Set. 2007.) 119 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. p. 41.

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A amparar a prescrição antecipada com base na pena em perspectiva, Afrânio

Silva Jardim atenta que o princípio do devido processo legal merece uma modernização.

Segundo o Autor, “hoje importa mais uma perspectiva crítica do fenômeno processual do que

um refinamento ainda maior da dogmática jurídica, que, também neste setor, por vezes, se

apresenta estéril, cunhada que é através de valores ultrapassados pela realidade social”120

Em que pese o entendimento acima, Afrânio denota que não se nega a

importância do princípio, apenas chama a atenção para a revisão dos métodos com o intuito

de levar a uma dogmática que reflita uma melhor prestação jurisdicional, “tornando o

processo penal realmente um bem de utilidade social, apto à contribuição para a realização do

almejado bem comum, escopo do Estado de Direito Democrático”. O Autor critica a corrente

doutrinária que, “influenciada por realidades estranhas à nossa”, vem tentando sobrepor o

interesse da vítima ao interesse social, o que para ele represente um retrocesso, na contramão

da história do direito.121

Dentro dessa corrente moderna suso mencionada, Cláudia Ferreira Pacheco

explica que o devido processo legal não é ferido com a prescrição antecipada com base na

pena em perspectiva:

Não vemos ainda violação ao princípio do devido processo legal, ou do contraditório e ampla defesa, justamente em razão da prescrição antecipada referir-se ao próprio jus puniendi estatal e, portanto, à legitimação da intervenção do Direito Penal, não resultando desta qualquer restrição à liberdade (ou qualquer outro direito) do indivíduo. Lembramos aqui que, cuidando-se de modalidade de prescrição da pretensão punitiva, esta obsta a análise do mérito da imputação, dela não resultando qualquer efeito prejudicial ao suspeito ou acusado (até mesmo porque, caso houvesse, ao final, sentença condenatória, esta – diante do reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva retroativa – não geraria qualquer feito, seja principal, seja acessório).122

Este entendimento se coaduna com de Luigi Ferrajoli, no sentido de que tal

princípio é uma garantia do acusado, sendo possível sua violação quando in bonam partem.

120 JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 11ª ed. Rev. e Atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 317. 121 Ob. Cit. p. 317-318. 122 PACHECO, Cláudia Ferreira. Breve análise sobre a prescrição antecipada (a justa causa e o interesse de agir do Ministério Público no Processo Penal). Acesso em: 14 set. 2007.

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De modo diverso, há quem diga que o princípio é reverenciado com o

reconhecimento da prescrição antecipada. Assim é o escólio de Edilson Aparecido Brandão:

“o reconhecimento da prescrição em perspectiva homenageia o Princípio do Devido Processo

Legal, já que o prosseguimento de um processo em que falta o interesse de agir do Estado é

que violaria tal Princípio” 123

3.4 O PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO

Os princípios do contraditório e da ampla defesa estão intimamente ligados.

Trata-se de princípios contra o arbítrio penal, portanto próprios do Estado de Direito. Estão

previstos no art. 5º, inciso LV da Constituição da República Federativa do Brasil: “aos

litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o

contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”

O princípio do contraditório faz parte da ampla defesa conforme explica Vicente

Greco Filho: “A ampla defesa se traduz, em termos objetivos, englobando a instrução

contraditória, em algumas soluções técnicas dentro do processo, as quais, na verdade, tornam

efetiva a garantia.”

Afrânio Silva Jardim define o contraditório como decorrente da concepção

liberal de que as partes são sujeitos da relação processual, com a bilateralidade dos atos

processuais, a fim de possibilitar o contraste das afirmações e provas produzidas, dando ao

juiz fato material crítico.124

Já a ampla defesa é entendida por Edilson Mougenot Bonfim, como sendo o

direito das partes de oferecer argumentos em seu favor e de demonstrá-los, nos limites em que

seja isso possível, de maneira que não significa uma infinitude de produção defensiva a

qualquer tempo, mas que tais alegações e provas sejam deduzidas no tempo processual

oportunizado em lei.125

Alguns doutrinadores firmam que a prescrição antecipada com base na pena em

perspectiva fere tais princípios, pois para que seja possível a antecipação da prescrição, o

123 BRANDÃO, Edison Aparecido. Prescrição em Perspectiva. Revista dos Tribunais. a. 83. v. 710. p. 391 - 392. dez. 1994. P. 391. 124 JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. p. 40. 125 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. p. 46.

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julgador tem que pré-julgador o réu, a considerar o quantum de sua reprimenda. Esse pré-

julgamento retira a possibilidade do réu se defender e ainda contrariar os argumentos

utilizados para prever a pena.

Neste sentido é a argumentação de Tiago Bockie de Almeida:

[...] o princípio constitucional do contraditório também estaria sendo violado, pois não há como o magistrado (ou o órgão do Ministério Público) prever se a sentença será condenatória e, caso assim o faça, estará prejulgando um fato do qual não se fez prova em juízo. Além de se prever uma sentença condenatória, deve ser prevista, também, uma pena, sanção esta hipotética, fundada em dado aleatório, não condizente com o Direito.126

Na mesma esteira, aresto oriundo do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

É inadmissível a extinção da punibilidade pelo reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva com base na pena hipotética ou em perspectiva, já que se trata de um verdadeiro julgamento antecipado da lide penal, não previsto em lei, e realizado sem a garantia do contraditório. Infringido os arts. 109, 110 e seus parágrafos, e 112, I, do CP, e até o art. 5, LVII, da CF/88, uma vez que, enquanto não ocorrer a prescrição da pena em abstrato, tem o réu direito à sentença de mérito, visando sua absolvição.127

Em sentido contrário, observa-se que na prescrição com base no máximo da

pena em abstrato, o réu também fica sem julgamento, supostamente deixando de exercer o

contraditório e ampla defesa, entretanto nunca se levantou o argumento para contrariar a

modalidade. Isto porque, como visto no primeiro capítulo, a extinção da punibilidade pela

prescrição não deixa qualquer efeito, seja principal ou acessório, logo não se pode conjecturar

que o réu é culpado e teve seus direitos cerceados.

Destaca-se ainda o ensinamento de Ferrajoli, a salientar que os princípios

constitucionais devem ser cumpridos a fim de evitar a ação autoritária do Estado, o que não é

o caso, pois a prescrição é uma garantia do réu que lhe assegura total primariedade.

126 ALMEIDA, Tiago Bockie de. Reflexões acerca da aplicação da prescrição retroativa antecipada. Argumentos pró e contra. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 776, 18 ago. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7166>. Acesso em: 8 set. 2007. 127 TJMG – 2ª Câmara Criminal – RSE 6.812/2 – Rel. Des. Guido de Andrade – Acórdão de 24.09.1992 – RT 697/337. (JAWSNICKER, Francisco Afonso. Prescrição Penal Antecipada. p. 113.)

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Sob outra ótica, Vicente Greco Filho ensina que os princípios da Ampla defesa e

do Contraditório, são próprios ao processo penal128, situação que ocorre com o recebimento da

denúncia. Desta forma, quando rejeitada a denúncia por falta de condição da ação (no caso a

ausência do interesse de agir), não há que se falar em lesão a tais princípios, mesmo que a

inutilidade do provimento jurisdicional seja vislumbrada no decorrer a ação penal.

O mesmo entendimento é compartilhado por Francisco Afonso Jawsnicker, que

aduz existir contraditório e ampla defesa somente quando possível o exercício do direito de

ação.129

3.5 O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

O princípio da presunção de inocência teve origem no século XVIII no auge do

Iluminismo, quando na Europa Continental surgiu a necessidade de se frear o arbítrio do

sistema penal inquisitivo que vigorava na época.130 No Brasil o princípio restou consagrado a

partir da Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU, sendo referido pela

Constituição da República Federativa do Brasil em seu artigo 5º, inciso LVIII, que determina

ser necessário o trânsito em julgado da sentença penal condenatória para que alguém seja

considerado culpado.

Edilson Mougenot Bonfim faz uma crítica à terminologia “presunção”, aduzindo

ser incorreto, pois, em sentido técnico, presunção é o nome da operação lógico dedutiva que

liga um fato provado a outro probando, ou seja, presunção significa o liame entre ambos. Para

o Autor o nome correto seria não-culpabilidade já que o termo não presume uma inocência,

mas sim uma garantia. Também assevera o Autor que este princípio não é absoluto, já que a

presunção é juris tantum.131

A presunção de inocência é mais um dos princípios alegados para freiar a

prescrição antecipada com base na pena em perspectiva, de vez que o tema incorre em

128 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 71 - 72. 129 JAWSNICKER, Francisco Afonso. Prescrição Penal Antecipada. p. 113. 130 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 23. 131 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. p. 44 – 46.

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inarredável formação de juízo condenatório sobre o réu. Para Celso Ribeiro Bastos, “seria um

fardo pesado para o cidadão o poder ver-se colhido por uma situação em que fosse tido

liminarmente por culpado, cabendo-lhe, se conseguisse, fazer demonstração da sua

inocência.”132

Aramis Nassif justifica que a operação mental que o julgador faz considerando o

réu culpado e dosando-lhe uma pena fere o princípio, pois jamais poderia ter se cogitado a

culpabilidade dele:

[...] a prescrição em perspectiva implicaria, inevitavelmente, a formação de juízo condenatório apriorístico, ou seja, sem a construção adequada da (in)formação probatória, pois, se instruído o feito, convencido o juiz pela condenação, a sentença a ser prolatada seria de mérito, com fixação da pena e, se fosse a hipótese, com a extinção da punibilidade. Presume-se, pois, a culpabilidade. Ou promover antecipadamente um cálculo de pena não implica presumir tão-só a viabilidade de condenação? Se o argumento é o do pragmatismo, de duvidosa compatibilidade com os princípios constitucionais do processo, por que não desistir, então, a acusação da prova a ser formada e não se absolver o acusado? Lembra-se, para reflexão, que um dos argumentos para a extinção da punibilidade, seja nesta, seja na hipótese anterior, é o de que ela produz os mesmos efeitos da absolvição. Então, por que não absolver? O princípio constitucional pertinente deve ser, sempre e sempre, o da presunção de inocência133

Nesse sentido é o seguinte aresto do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo:

O prolator da sentença afirmou que não havia mais justa causa para prosseguir com a ação porque a pena a ser fixada, em caso de condenação, estaria prescrita. Reconheceu a prescrição da pena in concreto, pena que não chegou a ser aplicada. Desta forma, presumiu a condenação do denunciado sem examinar as provas e sem proferir um decreto condenatório. Ao admitir a culpa do denunciado sem apreciar as provas, sem examinar o mérito, violou o inc. LVII do art. 5º da Constituição. Desprezou preceito Constitucional, vez que admitiu a culpa do denunciado sem examinar as provas e sem proferir um decreto condenatório.134

132 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Granda. Comentários à Constituição do Brasil. p. 277. 133 NASSIF, Aramis. Prescrição pela pena in concreto e projetada: violações Constitucionais. Revista Jurídica. Porto Alegre: Notadez. a. 51. n. 310. Ago. 2003. p. 82. 134 TACRIM-SP, 2 Câmara Criminal – RSE 26012-0 – Rel. Des. Plínio Cachuba – Acórdão de 01.04.1993 – RT 701/362. (JAWSNICKER, Francisco Afonso. Prescrição Penal Antecipada. p. 114.)

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Celso Ribeiro Bastos explica que o réu tem direito a uma sentença de mérito a

declarar sua inocência:

[...] deve uma sentença de absolvição ter preferência sobre o mero arquivamento do processo. Embora em termos práticos, à primeira vista, pudesse não haver diferença entre uma solução e outra, o fato é que, desencadeada pelo Estado a sua força acusatória, tendo o réu sofrido os efeitos desta acusação, ao cabo de um processo no qual não se conseguiu demonstrar a culpabilidade, faz-se mister uma sentença absolutória de molde a fazer cessar qualquer dúvida levantada durante o transcorrer da acusação.135

Em sentido contrário, Cláudia Ferreira Pacheco aduz que o princípio não é

afetado, porque não se presume a culpabilidade, apenas se cogita.:

[...] ao realizar tal antecipação hipotética de raciocínio, não está o Ministério Público ou magistrado presumindo ser o suspeito (ou acusado) culpado; mas sim apenas reafirmando que a condenação é possível (até porque se ausentes indícios de autoria estaria obviamente obstada a ação penal, por ausência de justa causa). E, sendo possível a condenação, nada de ilegal ou arbitrário vemos na antecipação de raciocínio para verificar-se, de plano, qual a maior pena possível de ser aplicada no caso concreto apresentado, dentro do critério científico de individualização da pena.136

Com efeito, toda a conjectura que se faz a respeito da sentença para reconhecer-

se a prescrição antecipada não implica dizer que houve seu real reconhecimento de

condenação.

A repelir a argumentação contrária a prescrição antecipada, vale lembrar os

efeitos da ausência de justa causa para ação penal, no qual a ação deixa de ser exercida, não se

cogitando o mérito da causa, no caso a culpabilidade.

Neste norte, Eliane Alfradique ensina que não há que se falar em condenação e

posterior extinção da punibilidade. Ao contrário, “não há que se falar nem mesmo em

135 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Granda. Comentários à Constituição do Brasil. p. 278. 136 PACHECO, Cláudia Ferreira. Breve análise sobre a prescrição antecipada (a justa causa e o interesse de agir do Ministério Público no Processo Penal). Acesso em: 14 set. 2007

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sentença, muito menos em sentença condenatória. A carência da ação impossibilita o

ajuizamento de qualquer ação e a realização da persecução penal.137

E a Autora critica a argumentação:

Não se pode exigir o exercício e prosseguimento de uma ação carente de suas condições sob o argumento de que o réu tem direito a uma sentença absolutória, sob pena de eterno desvio ou desnecessidade das condições da ação. Fosse assim, não precisaríamos mais das condições da ação, eis que é interesse do Estado a solução da lide instaurada. No entanto, as condições da ação existem como requisitos mínimos necessários ao exercício deste direito. O princípio então só subsiste quando uma ação é devidamente e validamente instaurada, o que torna lícito o reconhecimento da prescrição virtual.138

Mesmo que a prescrição antecipada com base na pena em perspectiva seja

fundamentada como extinção da punibilidade, cumpre registrar que da sentença que

reconhece a extinção da punibilidade, não persiste qualquer efeito contra o réu, pelo

contrário, é considerado inocente.

Assim já decidiu o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo:

A decretação da extinção da punibilidade do réu, em face da prescrição da pretensão punitiva do Estado, equivale a verdadeira proclamação de inocência, já que, com ela, são apagados todos os efeitos da sentença condenatória, como se jamais tivesse sido praticado o crime, de modo que, após o reconhecimento da referida causa extintiva, nenhum outro juízo, sobre qualquer matéria, preliminar ou de mérito, deve ser emitido, não se justificando nem mesmo a interposição de recurso com vista à absolvição.139

3.6 IMPOSSIBILIDADE DE MUTATIO LIBELLI

Com a antecipação da prescrição, retira-se a possibilidade de ver reconhecida

nova definição jurídica do fato apurado no processo, que eventualmente surjam em virtude de

137 ALFRADIQUE, Eliane. Prescrição penal e a atualidade de sua aplicação. Disponível na Internet: <http://www.mundojuridico.adv.br> Acesso em: 03 de jun. 2007. 138 Ob. Cit. 139 TACRIM-SP – AC – Rel. Roberto Mortari – RJD 26/40 (FRANCO, Alberto Silva. et al. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. p. 1916)

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novos elementos surgidos. Caso isso ocorresse, essa nova definição poderia configurar um

delito com pena maior, conseqüentemente alargando o prazo prescricional.

Essa nova definição jurídica é chamada de mutatio libelli que nos dizeres de

Edilson Mougenot Bonfim significa a “alteração dos próprios fatos sobre os quais versa o

processo, pela inclusão de fato novo, até então não aventado no processo”.140

O mutatio libelli é previsto no artigo 384, parágrafo único do Código de

Processo Penal da seguinte maneira:

Art. 384 - Se o juiz reconhecer a possibilidade de nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de circunstância elementar, não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou na queixa, baixará o processo, a fim de que a defesa, no prazo de 8 (oito) dias, fale e, se quiser, produza prova, podendo ser ouvidas até três testemunhas. Parágrafo único. Se houver possibilidade de nova definição jurídica que importe aplicação de pena mais grave, o juiz baixará o processo, a fim de que o Ministério Público possa aditar a denúncia ou a queixa, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, abrindo-se, em seguida, o prazo de 3 (três) dias à defesa, que poderá oferecer prova, arrolando até três testemunhas.

De fato, a extinção abrupta do processo sem que complete todas as suas etapas

retira a chance de se averiguar a conduta do réu com maior acuidade, e em conseqüência,

retira a chance de se deparar com situação mais grave. Esse tem sido outro argumento

contrário a prescrição antecipada, conforme entendimento do Tribunal de Alçada do Paraná:

E se durante o processo, por qualquer outro motivo viesse a surgir a modificação fática ensejadora da mutatio libelli (art. 384, parágrafo único do CPP)? Conseqüentemente, o prognóstico pretensamente prático, a par de não ter alicerce jurídico (v. arts. 2º, caput e 4º da LICC), conduz a uma situação paradoxal: como é que um julgador pode armar uma convicção própria do iudicium causae, envolvendo as diretrizes do art. 59 do CP, se a própria apuração (ampla reconstituição fática), nem se completou?141

Em sentido contrário, Eliane Alfradique e Francisco Afonso Jawsnicker, dizem

não haver problemas se isso ocorresse. A ausência de justa causa para o exercício da ação

penal tem como conseqüência unicamente o trancamento da ação penal, persistindo o direito.

140 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. p. 418. 141 TAPR – 2ª Câmara Criminal – RSE 70887-8 – Rel. Juiz Fleury Fernandez – Acórdão de 24.11.1994 – RT 716/492.( JAWSNICKER, Francisco Afonso. Prescrição Penal Antecipada. p. 123)

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Logo sobrevindo nova definição jurídica a configurar fato mais grave, e ainda justifique a

ação estatal com a utilidade de um provimento jurisdicional, nada impede uma nova ação

penal.142

Do exposto, pelo estudo contemplado neste capítulo, nota-se que a prescrição

antecipada com base na pena em perspectiva possui relação com alguns dos princípios mais

consagrados do nosso ordenamento jurídico. Percebe-se também que a grande maioria dos

nossos tribunais vem se manifestando contrários a antecipação da prescrição, adotando

princípios constitucionais como forma de proteger o ordenamento jurídico de abusos.

142 JAWSNICKER, Francisco Afonso. Prescrição Penal Antecipada. p. 124 – 125.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Encerrado este estudo acerca da prescrição antecipada com base na pena em

perspectiva, restou evidenciado os benefícios que essa modalidade diferenciada de prescrição

pode trazer à sociedade.

A ineficácia do Poder Público em gerenciar seus cidadãos e órgãos acaba

culminando no aumento da criminalidade e, conseqüentemente, no acréscimo de demandas

penais nas varas criminais do nosso país. Aliado a isso, a deficiência de recursos humanos e

materiais que assolam o Poder Judiciário, são fatores que fortalecem a prescrição antecipada,

como fundamento de Política Criminal.

Fundado no princípio da economia processual, juízes e promotores de justiça

antevendo o fenômeno prescricional, têm se pautado na prescrição antecipada para abortar

abruptamente o regular processamento desses processos, e destinar o seu tempo para os

processos que realmente terão sentido prático algum. Desta forma, vislumbra-se que tanto o

poder público, como o réu são favorecidos com essa espécie de prescrição, que como visto,

não deixa efeito algum no currículo criminal do acusado e ainda lhe priva de um

constrangimento causado por um processo inútil.

Ocorre que, na contramão deste entendimento, a grande parte dos tribunais, bem

como o Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, vêem na prescrição

antecipada com base na pena em perspectiva uma grande ofensa aos princípios basilares do

Estado Democrático de Direito. À frente de todos os argumentos, a ausência de previsão legal

no ordenamento jurídico tem sido o grande óbice à prescrição antecipada.

Do estudo realizado, restou bastante claro que tais princípios são fundamentais

para obstar ações autoritárias e impulsivas por parte do Estado contra o cidadão comum.

Entretanto, este não parece ser o escopo da prescrição antecipada que tem como natureza, ser

uma garantia individual do acusado. Daí deflui a lição de Luigi Ferrajoli, a nos ensinar que os

princípios constitucionais podem ser ofuscados quando in bonam partem.

Ainda que falte a legalidade dessa espécie de prescrição, o Direito na evolução

constante que é, não pode ficar engessado à normas ultrapassadas. Vale lembrar o histórico de

da prescrição retroativa, que como visto, também não detinha norma penal regulando, e

mesmo assim acabou sendo instituída no ordenamento.

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De outra banda, foi visto que a prescrição antecipada fulmina o poder-dever que

o Estado tem de punir o infrator. Entretanto, apesar do nome, a prescrição antecipada com

base na pena em perspectiva não se caracteriza como causa extintiva da punibilidade, mas

apenas se utiliza do instituto para detectar uma ausência de interesse de agir do Estado em

prosseguir com um processo fadado ao insucesso. Esta conseqüência é própria do Direito

Processual, e culmina na falta de uma das condições da ação sem qualquer apreciação de

mérito acerca da culpabilidade do réu.

Há que se atentar ainda ao fato de que raros são os casos em que uma das partes

não concorda com a prescrição antecipada. No mais das vezes, os juízes determinam a

extinção da punibilidade ou o trancamento da ação penal – depende do argumento utilizado –

e a lide resta resolvida no primeiro grau de jurisdição. Isto pode parecer perigoso, já que o juiz

e o membro do Ministério Público podem se valer da prescrição antecipada para exterminar

os processos que um dia teriam que julgar.

Por tal razão, impende salientar que a inutilidade do provimento jurisdicional

deve ser induvidosa, de maneira que um processo jamais seja extinto sem a certeza que com a

entrega da prestação jurisdicional, ele estará prescrito pela prescrição retroativa. Como

sugestão para aplicação da prescrição, torna-se imperioso uma margem de segurança no

prognóstico da pena, sempre vislumbrando todos os aumentos possíveis da reprimenda, claro,

sem incorrer em hipóteses teratológicas e improváveis.

Consubstanciado nos argumentos e observações acima expendidos, o cotejo de

argumentos favoráveis e contrários a prescrição antecipada com base na pena em perspectiva

nos permite concluir que a corrente favorável à modalidade deve prosperar, tendo em vista

que os argumentos contrários não são suficientes para rechaçar a tese.

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