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Prêmio Petrobrás - uma metodologia de tecnologia social em esportes - compilação de boas práticas / Sistematização do projeto CIEDS e Petrobrás

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  • EXPERINCIASQUE INSPIRAM---

  • Petrobras

    Armando Ramos TripodiGerente Executivo de Responsabilidade Social

    Rosane Aguiar FigueiredoGerente de Investimentos Sociais

    Gabriela Carneiro PeixinhoCoordenadora de Esporte Educacional

    Sheila Regina SantAnnaGesto de projetos

    CIEDS

    Vandr BrilhanteDiretor Presidente

    Fbio MullerDiretor Executivo do CIEDS

    Aldeli CarmoCoordenadora Executiva do CIEDS

    Alexandre BastosCoordenador Executivo Financeiro

    Marina RotenbergCoordenadora de Comunicao

    Prmio Petrobras deEsporte Educacional (PPEE)

    Fabiano Silva e Gizele AvenaCoordenao

    Fernando Pereira do Nascimento JuniorAssistente de Coordenao

    Bernardo da Silva LopesEstagirio de Comunicao

    Srgio Ricardo Alves CorreiaEstagirio de Educao Fsica

    Prmio Petrobras de EsporteEducacional - Experincias Que Inspiram

    Reviso:Christine Keller

    Design e diagramao:Fbio Lda

    Ilustraes:Rafael da Silva Rocha

    Capa:Anderson Pereira

    Autores dos Artigos Cientficos:Fernando Trejo, Ludimila Mouro,Paulo Capela e Vera Costa

    Crnicas e Pesquisa:Nvea Chagas

    Premiados:Ana Lcia da Silva Sena, Ccera Andria de Souza, Cristiano Marcelo Moura, Danilo Csar Trindade Pereira, Gerson Guimares, Mariana Piculli, Ivan Eduardo de Abreu Arruda (coautor), Josiane Cristina Climaco, Leonardo Toledo Silva, Marcia Lcia dos Santos (coautora), Marcos Paulo Huber, Nilce Cleide Pantoja.

    FICHA TCNICA

  • SUMRIO

    O Prmio Petrobras de Esporte Educacional ..................................................................................................... 06

    A Petrobras ................................................................................................................................................................. 08

    Esporte para o Desenvolvimento Humano: desafio para o sculo XXI ...................................................... 10

    Reflexes sociolgicas sobre o uso do futebol social ..................................................................................... 23

    Apontamentos para o trato pedaggico educacional do esporte numa perspectiva latino-americana

    e libertadora-biocntrica de educao fsica .................................................................................................... 31

    CATEGORIA ESCOLAS PBLICAS .......................................................................................................................... 36

    Vivncias ldicas no esporte ........................................................................................................................................ 38

    Cadeirabol: uma experincia divertida .................................................................................................................... 46

    Ping-pong na Quadra ..................................................................................................................................................... 52

    Das escolas da ginstica a ginstica da alegria na escola .............................................................................. 58

    CATEGORIA TERCEIRO SETOR ............................................................................................................................... 66

    Futebol de Rua: Uma Nova Viso do Jogo .............................................................................................................. 68

    Velozes do Amanh .......................................................................................................................................................... 76

    Handebol em Cadeira de Rodas na Escola ............................................................................................................. 86

    CATEGORIA UNIVERSIDADES ................................................................................................................................ 14

    Perspectivas do esporte educacional pela pedagogia de projetos: dilogos pedaggicos ................. 98

    Festival municipal de mini atletismo ...................................................................................................................... 106

    Nosso caderno de jogos e brincadeiras ................................................................................................................. 114

  • 6O PRMIO PETROBRAS DE ESPORTE EDUCACIONAL

    O Prmio Petrobras de Esporte Educacional traduz-se como uma imensa oportunidade de dar voz e socializar as mais diversas formas de EDUCAR atravs do Esporte e Lazer, que homens e mulheres brasileiras vivenciam em seus cotidianos. Por isso, coroar essa iniciativa com a publicao desta coletnea que aborda experincias exitosas com o Esporte Educacional algo extraordinrio. Cada vez que se fala sobre este tema, nos remetemos para dentro das escolas pblicas onde o mesmo est sempre presente. Este livro de fundamental importncia para a Educao e para a Cultura Esportiva das crianas e adolescentes. O livro est organizado em duas partes:

    A primeira com um conjunto de artigos acadmicos que abordam a temtica do Esporte Educacional sob diferentes olhares, que dialogam direta ou indiretamente com a produo dos trabalhos vencedores.

    Esporte para o Desenvolvimento Humano: Desafio para o sculo XXI, das Professoras Ludmila Mouro e Vera Costa - que destaca o Esporte como fenmeno privilegiado para o desenvolvimento humano;

    Reflexes Sociolgicas sobre o Uso do Futebol Social, do Prof. Fernando Trejo que destaca a fora que o Futebol Social, que tem gerado propostas de solues, alternativas e caminhos para a soluo de cenrios marcados pela violncia;

    Apontamentos para o trato Pedaggico Educacional do Esporte numa Perspectiva Latino-Americana e Libertadora-Biocntrica de Educao Fsica, do Prof. Fernando Capella - Apresentando o Esporte Educacional como uma alternativa para ocupao dos espaos pblicos.

    A segunda parte traz o registro das 09 experincias vencedoras, divididas por categoria e mais a experincia vencedora do Prmio Especial. Experincias essas que tratam os cotidianos culturais e prticas corporais da escola composta por fragmentos da vida cotidiana. Estes fragmentos do vida memria esportiva, seja nas escolas ou em espaos comunitrios.

    Leonardo Toledo da Silva nos apresenta trabalhos que estimularam a aproximao de pais e filhos por meio do esporte, adaptando brincadeiras tradicionais aos tempos atuais.

    Cristiano Marcelo Moura usa a criatividade para fazer do Golfe e do Tamboru prticas esportivas de uma escola pblica de Taubat utilizando o esporte como instrumento do processo ensino-aprendizagem dos estudantes.

    Marcos Paulo Huber, um declarado apaixonado pelo atletismo, nos apresenta o Festival Escolar de

  • 7Mini Atletismo que agitou diversas escolas pblicas municipais do sul de Santa Catarina trabalhando basicamente com materiais reciclados, criatividades e inovao. A experincia emprega a modalidade para o alcance de resultados coletivos por meio da adaptao de regras e espaos.

    Ana Lucia da Silva Sena traz o projeto de Atletismo desenvolvido em Campo Grande Mato Grosso do Sul, Estado que possui a segunda maior populao Indgena do pas. O projeto de Atletismo desenvolvido numa regio onde predomina aldeias Indgenas e contempla diversas etnias. A experincia desenvolvida por Sena tem como alicerce o Atletismo e partir desta modalidade aborda-se questes diversas tais como respeito s diferenas, disciplina, cooperao e participao.

    Mariana Piculli apresenta o projeto de incluso de estudantes com deficincia de forma inovadora. Utiliza-se da incluso invertida, ou seja: todos os estudantes utilizam cadeiras de rodas durante o jogo oportunizando experincias, autonomia e reflexo sobre direitos e respeito s diferenas.

    Gerson Guimares de certo modo amplia o conceito do jogo de Futebol aplicando uma metodologia onde a atitude em campo mais importante que bolas na rede. Neste jogo, o dilogo essencial entre os participantes, pois assim se criam novas regras e adaptaes de acordo com a realidade de cada partida, os prprios jogadores conduzem as regras.

    Josiane Cristina Climaco resolve utilizar em seu projeto a Ginstica e a Capoeira como estratgia para o fortalecimento da autoestima da comunidade escolar do Colgio Estadual Marcilio Dias, em Salvador-BA. O mtodo utilizado valoriza a Cultura Popular e as produes coreogrficas dos alunos.

    Nilce Cleide Ribeiro Pantoja utiliza o ato do brincar como estratgia para o desenvolvimento do Esporte Educacional. A autora opta pelo resgate de brincadeiras tradicionais para potencializar o trabalho pedaggico dos professores em sala de aula.

    Foi pensando em como tornar o Tnis um esporte acessvel que Ccera Andra de Souza criou um novo esporte Ping-Pong de Quadra, misturando o Ping-Pong com o Tnis tradicional. Ressalta-se que esta nova modalidade esportiva fornece elementos para que jovens possam experimentar as mais variadas possibilidades de prtica de jogos criando e adaptando regras.

    Refletindo em tornar as aulas de educao fsica mais dinmicas e criativas.

    Danilo Cesar Trindade resolveu inovar ao colocar na quadra esportiva cadeiras e iniciar um jogo de Handebol sentado. Esta iniciativa possibilitou a participao de uma estudante cadeirante e estimulou o debate sobre incluso cidadania e respeito s diferenas. Este livro componente essencial para muitas discusses em sala de aula entre professores e alunos, entre gente, que curte esporte e lazer. Um estmulo para aqueles que acreditam que sua ao pode ser transformadora.

    Andra Nascimento Ewerton - Diretora (Ministrio do Esporte) Secretaria Nacional de Esporte, Educao, Lazer e Incluso Social - SNELIS

    Departamento de Desenvolvimento e Acompanhamento de Polticas e Programas Intersetoriais - DEDAP

  • 8A PETROBRAS

    Ns da Petrobras temos a misso de atuar de forma segura, rentvel, e com responsabilidade social e ambiental. Acreditamos que nosso compromisso de gerar e distribuir as riquezas do petrleo s se completa quando tambm contribumos para a superao das desigualdades sociais e o desenvolvimento sustentvel.

    Investimentos sociais contribuem para fortalecer as relaes com a sociedade promovendo a sustentabilidade e trazendo benefcios diretos s pessoas, cultura, ao esporte e ao meio ambiente. Refletem o nosso compromisso com a ampliao da cidadania e melhoria da qualidade de vida. Dentro desta perspectiva de responsabilidade socioambiental, no podemos deixar de lado o papel do esporte educacional, voltado para o desenvolvimento integral da criana e do adolescente. Entendemos o esporte como um direito humano, considerado da forma mais democrtica e universal. Por esse motivo, apoiamos projetos capazes de promover o desenvolvimento humano e social por meio do esporte.

    A partir de parcerias com o poder pblico e a sociedade civil, nossos recursos so destinados a iniciativas que contribuem para a construo da cidadania e efetivao de direitos por meio de prticas desportivas qualificadas e inclusivas.

    Atualmente, estamos presentes em 102 municpios de todas as regies brasileiras para ampliar o acesso a prticas esportivas, aprimorar a formao dos profissionais do setor e fortalecer instituies e redes que atuam para garantir o direito ao esporte, buscando sinergias com polticas pblicas. Nosso trabalho alinhado Poltica Nacional do Esporte e conta com a parceria do Ministrio do Esporte.Atravs do Prmio Petrobras de Esporte Educacional, buscamos valorizar as experincias individuais e coletivas de inovao no campo do esporte educacional. Promover a difuso dessas experincias natural para uma empresa como a nossa, que reconhece o potencial do investimento na educao de crianas e adolescentes.

    O Prmio teve a inscrio de 1.344 projetos, dos quais foram selecionados 10 vencedores, avaliados por uma comisso julgadora composta por representantes da Petrobras, do governo, da sociedade

  • 9civil e da academia. Com a iniciativa, buscamos reconhecer e promover a difuso de tecnologias sociais de esporte educacional com potencial para serem reaplicadas.

    A premiao especial foi dada a um projeto de uma escola pblica de Manaus, a Escola Estadual Altair Severiano Nunes, cuja tecnologia social Vivncias Ldicas no Esporte foi a melhor avaliada em todas as categorias. Com esta iniciativa, os professores trabalharam no sentido de resgatar brincadeiras tradicionais da regio, unindo saberes locais aos princpios do esporte educacional, atuando com foco no protagonismo dos alunos. A premiao deste projeto um exemplo da amplitude nacional do Prmio e do reconhecimento da qualidade do trabalho desenvolvido por professores de todo o pas.

    Neste sentido, valorizamos o papel do professor que, no processo pedaggico, busca desenvolver experincias transformadoras visando ao desenvolvimento integral da criana e do adolescente. O papel do educador no processo de ensino-aprendizagem essencial para promover a construo coletiva e a autonomia. Quando se reconhecem as demandas e principalmente as potencialidades locais, torna-se possvel estimular a compreenso crtica da realidade e o protagonismo dos participantes, que se tornam coautores do processo de ensino-aprendizagem.

    Assim, criamos possibilidades para que, por meio do esporte, milhares de crianas e adolescentes se tornem cidados que respeitam e valorizam as diferenas, a autonomia, a cooperao e a corresponsabilidade. Desta maneira, procuramos contribuir para a construo de um Brasil mais democrtico, onde a justia social e a sustentabilidade estejam presentes na vida de todos.

    Armando Ramos TripodiGerente Executivo de Responsabilidade Social da Petrobras

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    ESPORTE PARA O DESENVOLVIMENTO HUMANO: DESAFIO PARA O SCULO XXI

    Introduo

    A educao como um direito de todos uma pr-condio para o desenvolvimento humano, nesta perspectiva ela deve ser capaz de impulsionar as potencialidades de cada sujeito, transformando-as em competncias, capacidades e habilidades para conhecer, criar, trabalhar e participar socialmente e tambm para usufruir de toda a humanidade (HASSENPFLUG, 2004).

    Na Educao Fsica, concordamos que o esporte como um de seus contedos, sendo considerado como um dos maiores fenmenos sociais contemporneos, deva ser objeto de estudo e fruio. O esporte educacional na experincia do nosso pas muitas vezes se confunde ou se mescla ao processo de legitimao da Educao Fsica enquanto prtica pedaggica, bem como do prprio esporte como possvel meio de ao educativa, de acordo com Athayde e Mascarenhas. (2011, p.3).

    Nossa inteno neste artigo apresentar o Esporte como fenmeno privilegiado para o desenvolvimento humano, que oportuniza no s o desenvolvimento do talento s novas geraes, mas tambm de uma educao baseada em valores, competncias e habilidades articulada com o projeto de vida do cidado, visando o pleno desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exerccio da cidadania1. Esta proposta acredita no esporte como formador, diferenciando-se daquelas que tm no esporte a complementao da formao do sujeito. Alm disso, valoriza e garante o respeito igualdade e diversidade entre os seres humanos sem apagar as diferenas. (ECA, 1990).

    O esporte nesta abordagem tem como princpio e referncia a incluso social. Sobretudo quando considerarmos uma populao brasileira de 80 milhes de crianas, adolescentes e jovens, e muitos milhes destes vivendo em situao de vulnerabilidade social e risco pessoal (IBGE. 2010, p.149).

    ____________________1 Este artigo em sntese parte da proposta pedaggica da escola vocacionada para o esporte, intitulada Ginsio Experimental Olmpico, da Secretaria Municipal de Educao do Rio de Janeiro, da qual as autoras foram responsveis em parceria com Bruno Castro.

    Vera L. M. CostaLudmila Mouro

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    Em um pas de dimenses continentais, como o Brasil, muitos so os aspectos que ainda contribuem para reafirmar as desigualdades de condies no enfrentamento da vida entre nossas crianas e adolescentes. Nascer branco, negro ou indgena, viver no semirido, na Amaznia ou nas comunidades populares dos grandes centros urbanos, ser menino ou menina, ter algum tipo de deficincia, ou seja, raa, etnia e gnero so categorias que ainda discriminam boa parte das crianas e dos adolescentes no nosso pas e que devem ser enfrentadas em uma proposta de formao pelo esporte para o desenvolvimento humano. (UNICEF, 2011)

    A Educao para os direitos humanos, segundo Paulo Freire (2002), busca dialogar com os vrios saberes que circundam o universo de possibilidades de compreenso do mundo. Neste sentido, o esporte, enquanto uma prtica social, se apresenta como um desses saberes que ajudam a promover a compreenso do mundo. Por se constituir numa prtica ligada ao desempenho atltico, emoo e a valores ticos e morais, visa o desenvolvimento integral do sujeito, a formao para a cidadania e o lazer, congregando assim, os elementos necessrios a se constituir em valioso instrumento pedaggico nos sistemas formais e no formais de ensino (VARGAS, 1995; TUBINO, 1991, 2011).

    Neste sentido, o esporte enquanto fenmeno humano e social de presena marcante na sociedade e na cultura, prima pelo humanismo, pela busca da honestidade, pelo envolvimento coletivo a partir de aes individuais, pela vinculao de alegria e sade, por contribuir positivamente para a formao da subjetividade e da cidadania do homem, mediando as inter-relaes pedaggicas do conhecimento e as aes de seus praticantes em relao a si mesmo, sociedade e cultura. Compreendemos assim o esporte em sua dimenso social e culturalmente determinada, na manifestao-educao. (PEREIRA, 2001).

    Para que possamos entender o esporte educacional como uma dimenso social do fenmeno esportivo no Brasil, necessrio registrar alguns dos marcos essenciais importantes, como a concepo de esporte moderno de Thomaz Arnold, em Rugby (Inglaterra/1828), quando, ao codificar os jogos existentes, percebeu a funo pedaggica nas prticas esportivas. Neste perodo histrico j aparecia a perspectiva do rendimento do esporte, e o Associacionismo, base para a formao dos clubes esportivos. funo pedaggica do esporte, concretizada nas ideias de Arnold, somou-se o iderio olmpico, acrescido ao esporte moderno, pelo idealismo de Pierre de Coubertin, no final do sculo XIX. Com o olimpismo veio o fair play, que, junto com o Associacionismo, constituram-se nos pilares da tica esportiva (TUBINO, 1996).

    Foi com o Manifesto do Esporte de 1968 do Conseil International d`Education Physique ET Sport (CIEPS), assinado por Noel Baker, Prmio Nobel da Paz, que pela primeira vez foi defendida a tese de que o esporte ultrapassava a configurao do rendimento e que existia um esporte na escola e um esporte do homem comum (TUBINO, 2010).

    Mas foi com a Carta Internacional de Educao Fsica e Esporte que se deu a revoluo conceitual do esporte. Esta reconheceu as prticas esportivas como direito de todas as pessoas (UNESCO/1978). Esse pressuposto rompeu com a perspectiva anterior do Esporte Moderno de que o Esporte era uma prerrogativa dos talentos e anatomicamente indicados, isto , fez o Esporte sair da perspectiva nica do rendimento para o direito de todos s prticas esportivas (TUBINO, 2010). Neste novo

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    cenrio o Esporte passa na sua ampliada abrangncia social, a compreender todas as pessoas, independentemente das suas idades e de suas situaes fsicas. Embora a Constituio Federal brasileira de 1988 j referenciasse o novo conceito de esporte no Brasil e priorizasse a destinao de recursos pblicos para a promoo do desporto educacional, o Brasil permaneceu at 1993 sem uma lei especfica que acompanhasse o texto constitucional, o que aconteceu na Lei n 8.672/1993, Lei Zico, que determinou conceitos e princpios para o Esporte brasileiro, contemplando o reconhecimento das manifestaes esportivas - Esporte-educao, Esporte-participao e Esporte-performance.

    A Lei n 9.615/1998, Lei Pel, que substituiu a Lei Zico, manteve a parte conceitual e principiolgica do esporte educacional. Este tipo de manifestao praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemticas de educao, evita a seletividade e a hipercompetitividade de seus praticantes, com a finalidade de alcanar o desenvolvimento integral do indivduo como ser autnomo e participante. Tal princpio ressalta a formao para o exerccio da cidadania e a prtica do lazer.

    A Lei Agnelo/Piva, de n 10.264 de 16/07/2004, alavancou o Esporte-Educao, na sua manifestao Esporte Escolar, na medida em que passou a destinar recursos financeiros, que historicamente faltavam ao desenvolvimento esportivo do pas.

    Como possvel perceber, a forte associao entre esporte e educao nos documentos oficiais em nosso pas favorece o desenvolvimento integral da pessoa corpo, inteligncia, sensibilidade, sentido esttico, responsabilidade social e espiritualidade. Todo ser humano deve ser preparado especialmente graas educao que recebe na juventude, para elaborar pensamentos autnomos e crticos e para formular seus prprios juzos de valor, de modo a poder decidir por si mesmo nas diferentes circunstncias da vida (LDB- 9394/96 em seu artigo 27, DELORS, 1999). Neste sentido, o esporte educacional capaz de realizar as potencialidades esportivas dos jovens transformando-as em competncias, capacidades e habilidades pessoais, relacionais, produtivas e cognitivas.

    A III Conferncia Nacional do Esporte (2010) outro marco no debate sobre a educao e o esporte. Esta avana para a efetivao do esporte como direito social de acordo com a Constituio Federal de 1988. Esta Conferncia ocorreu em um momento especial em que se anunciava a promoo dos Jogos Mundiais Militares de 2011, a Copa do Mundo em 2014 e dos Jogos Olmpicos e Paralmpicos de 2016, eventos, que so smbolos da centralidade que o esporte passa a ocupar nesse novo tempo no pas.

    Este momento cria novas oportunidades para se refletir o desenvolvimento do esporte brasileiro na formao de sua sociedade e oportuniza pensar sobre o projeto de Educao pelo Esporte para o desenvolvimento da integralidade humana, ampliando a oferta de modalidades para a prtica esportiva de crianas e jovens, em um ambiente seguro para a aprendizagem, como prev a Conveno dos Direitos da Criana, adotada pelas Naes Unidas em 1989 e pela Lei Pel (1998).No mbito dos profissionais envolvidos afina-se com a valorizao do trabalhador estabelecendo polticas de formao continuada e permanente, de desenvolvimento cientfico e tecnolgico e de acompanhamento e avaliao dos projetos e programas dedicados ao ensino do esporte. Para tal, aqui viemos trazer ao debate uma pedagogia dinmica, que atua atravs de estratgias problematizadoras, por relaes dialgicas e participativas potencializadoras da Pedagogia da Presena, do Protagonismo

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    Juvenil e construtoras do Projeto de Vida dos sujeitos. Oportuniza a formao de uma elite esportiva que nasce da igualdade e da solidariedade e desenvolve a criana e o adolescente numa perspectiva multicultural, ressignificando signos, cdigos, mensagens e representaes hegemnicas do esporte, vinculando-o ao contexto cultural.

    Esta proposta de educao pelo esporte para o desenvolvimento humano adota uma filosofia humanista de vida que integra qualidades do corpo, da vontade e do esprito. Respeita os nveis de desenvolvimento das crianas e jovens nas reas motoras, cognitivas, psicolgicas e sociais de acordo com a ateno individualidade biolgica e tem como concepo a vitria em competio como realizao das metas estabelecidas e no como a derrota do adversrio. Neste sentido, desenvolve o esporte com base na abordagem interdisciplinar, estimulando projetos que atuem com o princpio da transversalidade, integrando diferentes contedos nas dimenses conceituais, procedimentais e atitudinais.

    Isso implica em reconhecer que a aprendizagem para o sculo XXI, e em especial esta educao esportiva para o desenvolvimento humano, deve fomentar saberes e saber-fazer evolutivos, adaptados civilizao cognitiva, pois so as bases das competncias do futuro (UNESCO, 1999), facilitando que os alunos possam orientar-se para projetos de desenvolvimento pessoais e coletivos. Os quatro pilares do conhecimento - saber conhecer, saber fazer, saber conviver e saber ser -, segundo o Relatrio Delors da UNESCO (1999), devem ser objeto de ateno igual por parte do ensino do esporte educacional, a fim de que a educao aparea como uma experincia global a levar a cabo ao longo de toda a vida, no plano cognitivo e no prtico, para o indivduo enquanto sujeito e membro da sociedade.

    Os quatro pilares do conhecimento

    O aprender a conhecer visa mais do que aquisio de um repertrio de saberes codificados, mas o domnio dos mecanismos de se apropriar do conhecimento. Trata-se de um meio de apreenso do mundo que rodeia o aluno, de modo que lhe permita viver com dignidade, para desenvolver as suas capacidades e potencialidades, para desenvolver a linguagem e se comunicar. O prazer de conhecer, de descobrir tambm faz parte dessa aprendizagem, possibilitando ao estudante compreender melhor o ambiente despertando-lhe a curiosidade intelectual, o sentido crtico e a compreenso da realidade, mediante a aquisio de autonomia na capacidade de discernir. O aprender a aprender a essncia do aprender a conhecer exercitando a memria, a ateno e o pensamento (UNESCO, 1999). Esse um processo inacabado e ser enriquecido a cada nova experincia e ser bem sucedido se transmitir aos alunos as bases que os despertem para continuar a aprender ao longo da vida, numa perspectiva de educao permanente.

    O aprender a saber fazer se vincula aprendizagem de como por em prtica os conhecimentos adquiridos, transformando-os em inovaes geradoras de novos conhecimentos. Trata-se de adquirir competncias que tornam a pessoa apta a enfrentar diferentes situaes e a trabalhar em equipe. Competncias produtivas.

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    O aprender a viver junto, a viver com o outro, busca as aprendizagens que minimizem a violncia no mundo, os conflitos, que se oriente para o desenvolvimento do conhecimento do outro, da tolerncia a outras culturas, a outras espiritualidades, para os mecanismos de resoluo pacfica das tenses de competio e rivalidades. Para tal a educao h de agenciar um contexto igualitrio de oportunidades aos alunos, com a intencionalidade de promover projetos comuns nos quais surjam entre eles a cooperao e at a amizade, favorecendo-lhes a aprendizagem sobre a diversidade humana e sobre a interdependncia entre os seres do planeta. Confronto, dilogos, a produo de argumentos so procedimentos desse campo de aprendizagens que se tornaro referncias para a vida futura dos alunos. Competncias relacionais.

    O aprender a ser deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa - esprito e corpo, inteligncia, sensibilidade, sentido esttico, responsabilidade pessoal, espiritualidade (UNESCO, 1999). Desse modo os alunos devero estar aptos a formular pensamentos autnomos, crticos e os seus prprios juzos de valor, de modo a poder escolher o que lhes ser mais conveniente nas diferentes circunstncias da vida, discernir com propriedade, comportando-se como autores do prprio destino responsveis e justos. Imaginao e criatividade daro autenticidade aos procedimentos na vida. Competncias pessoais. Neste sentido, a educao apoiada nos quatro pilares se constitui, ao mesmo tempo, um processo individualizado e uma construo social interativa.

    Dentre as experincias da educao pelo esporte para o desenvolvimento humano, da realizao dos direitos humanos na promoo da liberdade e na oferta de oportunidades para o desenvolvimento dos potenciais das crianas e dos jovens, encontra-se a proposta do Instituto Ayrton Senna (2004) na qual os quatros pilares so a base do desenvolvimento integral por meio do esporte. Entretanto, na proposta que ora apresentamos, embora se fundamente em tal proposta, se coaduna tambm com outras trs abordagens: a Pedagogia da Presena, o Projeto de Vida e o Protagonismo Juvenil.

    Em relao aos quatro pilares da educao pelo esporte para o desenvolvimento humano, esta atividade se constitui numa via de suporte do desenvolvimento pessoal, cognitivo, social e produtivo das crianas e jovens, utilizando-se de saberes que transformam suas potencialidades em capacidades de agir na vida. As prticas educativas esportivas vivenciadas pelas quatro aprendizagens so processualmente incorporadas pelos sujeitos na forma de habilidades, capacidades, valores e atitudes (HASSENFLUG, 2004) com vistas formao da totalidade da pessoa.

    Os quatro pilares do conhecimento e a educaopelo esporte para o desenvolvimento humano

    Aprender a conhecer por meio da educao pelo esporte significa que o sujeito ser incentivado a construir os conhecimentos por meio da reflexo sobre as experincias anteriores, ancoradas na cultura, imprimindo-lhes significados. Os projetos relacionados a contedos de esporte, sade, meio

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    ambiente e sustentabilidade, histria, multiculturalismo e tradies culturais, artes e outros temas dinamizadores que possibilitam aos sujeitos ler as situaes da realidade, analis-las, comparar e interpretar informaes, organiz-las e compartilhar ideias, favorecem a construo/reconstruo da prpria experincia em situaes de vivncias esportivas e na realidade da vida. So procedimentos que desenvolvem as competncias cognitivas.

    Aprender a fazer por meio da educao pelo esporte est vinculada a aprender a conhecer, visto que se trata de aplicar na realidade o que dominou em conhecimentos. No esporte espera-se dos praticantes um esprito empreendedor nas aes, capacidade de deciso em ao, soluo de conflitos, habilidades e atitudes permanentes de respeito mtuo, compreenso do outro, seja parceiro ou adversrio, e de cooperao, democracia e atitudes solidrias. Isso implica trabalhar em grupo, buscar solues para problemas comuns, ter autonomia para organizar as prprias atividades e ter flexibilidade para mud-las e aprimor-las (HASSENFLUG, 2004). So procedimentos que desenvolvem as competncias produtivas.

    Aprender a conviver por meio da educao pelo esporte media a convivncia entre pessoas que desempenham papis antagnicos no esporte, de parceria e de adversrios, prpria da atividade. Devido aos compromissos ticos impostos pela regra, o esporte se apresenta como um mecanismo agente dessas aprendizagens. No esporte de rendimento, as regras e sanes so universais, sancionadas pelas instituies esportivas internacionais de cada modalidade e devem ser cumpridas sem discusso. No esporte educacional, a arte de construir as normas do grupo para a convivncia durante o jogo, implica em participao, compromisso e corresponsabilidade dos praticantes. As regras de um jogo so construdas, negociadas e aceitas pelos pares ou no haver jogo. Trata-se de procedimentos civilizacionais de tornar positiva a agressividade do ser humano, transformando-a em tenses produtivas da vontade de agir dos jogadores. A se aperfeioam regras de convivncia coletiva, reconhecimento dos seus espaos e dos do outro desenvolvendo competncias pessoais e relacionais.

    Aprender a ser por meio da educao pelo esporte, de acordo com Hassenflug, (2004), integra o aprender a conhecer, a fazer, a conviver, despertando e fazendo emergir as potencialidades dos indivduos nas dimenses cognitiva, produtiva, social e pessoal. Trata-se da completa realizao do sujeito como ator e produtor de sua realidade. Nas prticas esportivas, os indivduos precisam estar presentes em sua totalidade durante as aes dos jogos, precisam estar integrados em seus pensamentos, nas aes corporais e nas emoes, produzindo movimentos com prontido, rapidez de raciocnio, de deciso, muitas vezes antecipando aes motrizes para maior eficcia do gesto.

    Nas prticas esportivas aprende-se a ter prazer com vitrias nos desempenhos e a controlar as frustraes das derrotas, bem como o valor efmero de cada um desses resultados, aprende-se que vencer uma questo de melhor desempenho naquele momento, mas tambm pode ser resultado do aproveitamento de melhores oportunidades durante a disputa. Esse autoconhecimento das reaes frente aos diferentes comportamentos em situaes diversas e o controle de agressividades e frustraes facilitam o autodomnio dos jogadores. So procedimentos que desenvolvem as competncias pessoais.

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    Desta forma, as vivncias no esporte, se intencionalmente organizadas e instadas constante reflexo podem enriquecer a formao da criana e do jovem no que tange s capacidades de problematizar a realidade, produzir alternativas para solucionar os problemas e decidir entre elas a mais adequada naquele momento, favorecendo o exerccio sistemtico de uma cidadania ativa, construda com base na solidariedade. Essas so aprendizagens de um jovem que escolhe protagonizar seu papel na sociedade com base em valores humanistas. A abordagem pedaggica da Educao pelo Esporte para o desenvolvimento humano respeita e se orienta pelos princpios educacionais da totalidade, da coeducao, emancipao, cooperao e multiculturalismo2 favorecendo a reflexo sobre as condutas pessoais e sociais humanas.

    A Pedagogia da Presena, o Protagonismo Juvenile o Projeto de Vida na educao esportiva

    Na Educao para a Vida, esta proposta valoriza e articula-se com a Pedagogia da Presena, o Protagonismo Juvenil e o Projeto de Vida de seus sujeitos. A Pedagogia da Presena inspira-se em Antonio Carlos Gomes da Costa (1991), que aponta a presena como uma exigncia constante para o desenvolvimento da personalidade e a insero social do ser humano. Diante disso, a presena disponvel e solidria do educador junto ao educando ser efetiva e estar em conformidade com o papel que dela se espera. Da nasce a reciprocidade, o aprender a ser para o outro. Para o autor, na relao educador-educando, a disciplina pessoal de conteno e despojamento, na prtica, corresponde dialtica proximidade-distanciamento. Na proximidade, o educador acolhe o aluno e busca de forma emptica, calorosa e significativa, identificar sua problemtica; pelo distanciamento, o educador se afasta no plano da crtica, e busca diagnosticar por trs dos comportamentos (agresses, apatias, revoltas, intolerncias, indiferena), o pedido de auxlio que, de forma muitas vezes confusa, clama o aluno. Deste modo, o educador ajuda o aluno a encontrar-se e a abrir-se para os outros. E, ao encontrar-se e se disponibilizar para o outro e para o ambiente, este se desenvolve pessoal e socialmente.

    Quando falamos de Protagonismo Juvenil estamos nos referindo aquele praticado pelos adolescentes entre 12 e 18 anos (Lei no. 8.069/90). Trata-se de uma postura pedaggica que mobiliza os jovens a partir do que eles sentem e percebem da sua realidade, para um processo de mudana social (COSTA, 2000). Visa form-lo mediante prticas e vivncias nos projetos e nas comunidades que o levem a atuar como parte da soluo, pelo exerccio sistemtico da cidadania ativa, construtiva, criativa e solidria. um processo no qual o jovem simultaneamente sujeito e objeto da ao de desenvolvimento de suas potencialidades.

    ____________________2Nesta proposta o princpio do multiculturalismo visa atender tambm as novas demandas globais no que tange os aspectos tnicos, gnero, raciais etc. [...]

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    A criao de oportunidades educativas para o jovem que visem ao desenvolvimento de valores e competncias pessoais e sociais necessrias integrao entre seu projeto de vida com o projeto de sociedade na qual est inserido deve ser uma preocupao permanente desta formao. O cotidiano dos projetos esportivos, um espao rico de possibilidades para o desenvolvimento dessas prticas por proporcionar vrias formas de organizao e de auto-organizao dos jovens em seus espaos e tempos, e por congregar diferentes situaes que corroboram e integram o desenvolvimento de seu participante.

    Esta proposta que ora se apresenta comprometida com uma formao dinmica, criativa e com atividade produtora de sentidos na construo do projeto de vida dos participantes, pronta para desenvolver o protagonismo juvenil, atividades planejadas e carregadas de intencionalidade que favoream permanentemente a apropriao e construo do conhecimento, mediada pelo professor em uma atitude investigativa, provocativa e corresponsvel estimulando a busca do autodesenvolvimento pelos estudantes. O trabalho com o protagonismo juvenil requer o envolvimento de profissionais dispostos a tomar parte de um processo inovador e muito mais amplo do que apenas a formao esportiva e de talentos. A implantao desse conceito implica no redimensionamento e no enriquecimento da estrutura organizacional do projeto esportivo, com diferentes espaos de aprendizagem, maior tempo de permanncia tanto das crianas e jovens quanto dos professores, novas e ampliadas propostas de atividades, operacionalizadas pela introduo de procedimentos terico-metodolgicos inovadores que favoream a vivncia de atividades dinmicas, contextualizadas e significativas nos diversos campos dos esportes, das cincias, das artes, da leitura, e do convvio social e que exera o papel fundamental de agente articulador entre o mundo esportivo e as prticas sociais dos sujeitos envolvidos.

    O protagonismo juvenil se insere em um campo mais amplo de uma educao esportiva que deve ser capaz de organizar-se em torno dos quatro eixos j destacados como essenciais neste projeto educacional: aprender a ser; a conviver; a fazer e a aprender.

    Educao pelo esporte para o desenvolvimentohumano e a formao do um Sujeito-Atleta-Cidado

    A formulao de leis no Brasil no garante o exerccio de direitos pelo cidado. Para desfrutar dos direitos, precisamos que os indivduos tenham conhecimentos, clareza de seus deveres e responsabilidades e conhecimentos dos mecanismos para efetivar o exerccio da cidadania. Tais procedimentos se daro tanto nos planos individual, onde se inicia, quanto no coletivo.

    Deste modo, as prticas esportivas em projetos sociais devem ter como meta a formao de um futuro sujeito-atleta-cidado seja para desempenhos atlticos de alto rendimento ou para o exerccio em atividades de lazer, preservando a sade e a sua qualidade de vida. Para tal h que se mobilizar atividades que favoream harmonizar os interesses de cada participante em jogo com os interesses

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    coletivos tanto da prpria equipe como a dos adversrios; a compatibilidade de expor os bons desempenhos atlticos tanto de parceiros como de adversrios; o autocontrole convivendo com o antagonismo dos adversrios e com a parceria dos companheiros; a vivncia de perder e de ganhar; a superao de circunstncias que precisam ser negociadas num dilogo corporal; o prazer das conquistas pelo esforo como retribuio de sua disciplina em campo. As experincias esportivas so prticas de convivncia social que demandam reciprocidade, solidariedade e reconhecimento do valor do prximo em suas interaes.

    Mas para constituir um cidado, a pura e simples participao numa prtica social esportiva insuficiente. necessria a formao intencional de uma sensibilidade que possibilite a cada um sentir-se engajado no projeto, sentir-se vinculado aos demais e comprometido com a causa coletiva do grupo a que pertence. Se no esporte ele participa, decide, se responsabiliza por buscar um objetivo e por alcan-lo, tambm, da mesma forma, deve cooperar em atividades do cotidiano, com compromisso e dedicao. A viabilizao da participao democrtica e responsvel no compartilhamento da gesto esportiva no projeto em diferentes nveis fortalece o protagonismo juvenil, nas decises e execuo de trabalhos sociais solidrios, faz com que o participante, aos poucos, v apreendendo e internalizando os contedos dos direitos humanos e da cidadania, integrados s atividades e contedos trabalhados nos projetos esportivos. Deste modo, nossos educandos podero reconhecer em breve estes espaos como lcus sistemticos de exerccio da cidadania, dos direitos sociais e humanos.

    Deste modo, o nosso o sujeito-atleta-cidado aquele que domina conhecimentos esportivos e sociais, tornando-se capaz de distinguir o que lhe necessrio e o que lhe imposto e que busca tornar possveis os impossveis ideais de uma sociedade menos desigual, mais justa e solidria. Este ser produto de uma formao que integra a interao das capacidades fsicas, tcnicas, tticas, psicolgicas, biotipolgicas e socioambientais (SCAGLIA; SOUZA 2001; GIACOMINI; GRECO, 2008), com o protagonismo juvenil e com as competncias esportivas associadas aos valores ticos, morais e sociais.

    Para tal, os educadores sociais e os educadores-treinadores so os principais parceiros para formao do sujeito-atleta-cidado, o que requer uma capacitao profissional continuada fundamentada nos contedos especficos do esporte, dos direitos humanos e da cidadania democrtica. Esta concepo sintetiza todo o investimento pedaggico que se far na formao do participante do projeto e a expectativa do produto de um esporte como desenvolvimento humano.

    Algumas consideraes sobre a Educaopelo Esporte para o Desenvolvimento Humano

    Consideramos um grande desafio aos educadores a educao pelo esporte para o desenvolvimento humano como uma proposta de cidadania ativa, visto que este desafio ultrapassa a implementao

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    de propostas metodolgicas de prticas esportivas e visa a construo de uma filosofia poltica que orienta o desenvolvimento de uma atividade humana integradora. Nesse sentido esta proposta inova, estimula os sonhos e desenvolve valores dos talentos e dons de cada sujeito.

    Desde a dcada de 80, diferentes documentos apontam orientaes ao cumprimento do esporte educacional como transformao da perspectiva exclusiva do rendimento para uma abordagem voltada para a formao da cidadania. Dentre eles podemos citar O Manifesto Mundial de Educao Fsica-FIEP/2000, a Conferncia Brasileira De Esporte Educacional de 1996 e a Carta Brasileira De Esporte Na Escola, 1989. Ambos entenderam o esporte educacional, em seu potencial humanstico e social, com objetivos de formar cidados e para a prtica do lazer e que este devia ser estimulado em todos os processos da Educao Fsica.

    O Manifesto Mundial de Educao Fsica-FIEP/2000 em seu captulo X entende o esporte educacional como as prticas esportivas desenvolvidas nos sistemas de ensino e em formas assistemticas de educao, em que: (a) os princpios da cooperao, coeducao, participao e outros princpios esto presentes; (b) a seletividade e a hipercompetitividade so evitadas; (c) os objetivos so a formao para o exerccio da cidadania e a prtica do lazer e conclui em seu Art.10 que a Educao para o Esporte, pelo potencial humanstico e social que o fenmeno sociocultural esportivo representa, deve ser estimulada e promovida em todos os processos de Educao Fsica.

    Aderir emocionalmente a isso significa vivenciar a constituio do ns, abraar com o corpo e com as emoes os seus objetivos. A determinao ento decorre de uma prtica coletiva de sentir junto e de uma deciso racional. Essa cultura, diz Teves Ferreira (1993), como um saber fazer, aposta no enriquecimento profundo do homem, mais do que sua argumentao terica possa elaborar. O esporte ento, ao ultrapassar os limites do esporte de rendimento e assumir-se enquanto educao, admite o sentido instituinte da cidadania plena, daquela em que os indivduos so sujeitos no processo de integrao social. Nesta proposta, o sujeito se constri, ao mesmo tempo, construindo a sociedade. Pensar o esporte para todos, alm do rendimento, significa pensar prticas esportivas que favoream a integrao, a socializao e a solidariedade.

    no cotidiano das polticas pblicas esportivas que se pode pensar a reconstruo do esporte, nesse cotidiano que engloba o vivido, a subjetividade, as emoes, os hbitos, os afetos e as imagens criadas por aqueles que l convivem, nesse espao institudo e instituinte de valores e de significaes, de tenses e de superaes. E com base nos princpios de totalidade, coeducao, participao, cooperao, emancipao, multiculturalismo , que se pode pensar em um programa efetivo de transformaes, de desejos de uma sociedade mais humanizada em que prevaleam solidariedade, fraternidade e justia social.

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    Referncias

    ATHAYDE, P. A.; MASCARENHAS, F. Descentralizao de polticas sociais: limites para a consolidao de uma gesto democrtica do Programa Segundo Tempo. In: CONGRESSO BRASILEIRO E CINCIAS DO ESPORTE, 17; 2011. Porto Alegre. Anais... Porto Alegre: CBCE, 2011. p. 114. Disponvel em: Acesso em: 31 ago. 2014.

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    GRECO, P.J. O ensino-aprendizagem-treinamento dos esportes coletivos: uma analise inter e transdisciplinar. In: GARCIA, E.S; LEMOS, K.L.M. (Eds.). Temas Atuais VII em educao fsica e esportes. Belo Horizonte: Health, 2002. P.53-78

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    Ludmila MouroMestre e Doutora em Educao Fsica e Cultura pela Universidade Gama Filho - UGF.

    Professora da Faculdade de Educao Fsica da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF.

    Vera L. M. CostaMestre em Educao pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ.

    Doutora em Educao Fsica e Cultura pela Universidade Gama Filho - UGF.

    Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UniRio.

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    REFLEXES SOCIOLgICAS SOBRE O USO DO FUTEBOL SOCIAL

    O futebol social: uma nova realidade mundial

    O que o futebol social? No existe uma nica definio, mas o futebol social diferencia-se do futebol tradicional em vrios sentidos. Este futebol constitui uma ferramenta de trabalho para diferentes fins. A primeira grande diferena , talvez, o fato que o futebol social no procura objetivos esportivos como uma finalidade em si, mas objetivos sociais como principal razo de existncia. Os usos so ento variados. Em geral, procura-se uma maneira de incidir na autoestima e nas realidades de populaes juvenis em diferentes situaes de vulnerabilidade por meio da incorporao de valores como o trabalho em equipe, o respeito, a tolerncia e a diversidade. Porm, h ainda muitas mais possibilidades que se abrem com o potencial do futebol social, tambm conhecido em diferentes contextos como futebol para o desenvolvimento.

    Pouco a pouco surgem assim, mais e mais projetos no mundo que decidem se apropriar do futebol para o desenvolvimento como mecanismo para atingir outros objetivos sociais traados. As disseminaes internacionais tanto como o prprio conceito do futebol ao servio da paz provm de contextos de ps-guerra, de conflitos violentos ou de zonas de alta desigualdade. Em cenrios de tentativas de reconstruo dos tecidos sociais como em Ruanda, onde as geraes posteriores ao genocdio de 1994 tinham que aprender a viver juntas com os traumas do passado; na Libria ou em Serra Leoa, pases devastados por anos de guerras civis, onde centenas de crianas ficaram amputadas fsica e emocionalmente, o uso do futebol pela paz tem sido incorporado em programas que procuram revitalizar a juventude.

    A prolongao de conflitos armados no continente africano, alguns dos quais persistem na atualidade, tem gerado mltiplos campos de refugiados. O futebol para crianas dentro de muitos desses campos tem sido uma constante para combater a falta de esperanas. Tambm em outros pases africanos como o Qunia, h muitos anos que vrias ONGs1, tal como Mathare Youth Sport Associations uma das pioneiras nesta tendncia, vm realizando importantes trabalhos nas comunidades atravs do futebol para desenvolvimento, orientando-o com a ideia de melhorar o habitat das pessoas. _____________________1Organizaes no governamentais.

    Fernando Segura Milln Trejo

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    Assim, pela fora de atrao e da mobilizao deste esporte, o futebol social tem gerado ramificaes, e inclusive, propostas de solues, alternativas e caminhos para a soluo de cenrios marcados pela violncia. Projetos surgidos na Colmbia dos anos 90, um pas sumido nos conflitos urbanos e rurais, foram encontrados mecanismos para procurar mudanas nas novas geraes. O projeto Ftbol por la Paz nasceu um tempo depois do assassinato do jogador da seleo colombiana na Copa do Mundo dos Estados Unidos 1994, Andrs Escobar. Em vrios outros pases, de forma independente ou s vezes com certas conexes entre eles, sugiram iniciativas vinculadas a usos sociais. Na Argentina, na zona metropolitana perifrica de Buenos Aires, marcada pelos prejuzos de anos de polticas neoliberais, foi criada a ONG Defensores del Chaco, precursora de uma liga para a incluso de crianas desfavorecidas. Com diferentes temporalidades, as ONGs e os espaos foram multiplicando-se no mundo. Na Europa, tambm na sia e nas regies da Oceania, esta ferramenta est produzindo efeitos de ativao no s fsica, mas sobretudo moral, com mltiplas aprendizagens socioeducativas.

    H alguns anos que o autor de este captulo est observando e fazendo pesquisa sobre este tipo de futebol. Primeiro na Frana, onde trabalhou entre 2007 e 2012 com associaes que ofereciam um campeonato e treinamentos para pessoas imigrantes em situao de desabrigo. Ai, a Copa do Mundo das pessoas sem teto foi descoberta2 e observada por meio das delegaes francesas. As aes dessas ONGs foram acompanhadas durante cinco anos, sobretudo, a vida de alguns jogadores para uma tese de doutorado. Em outubro de 2013, a mesma inquietude me trouxe ao Brasil para fazer um ps-doutorado e continuar com esta linha de pesquisa. Foi assim que atravs do escritrio da Streetfootballworld Brasil, entrei em contato com uma Comunidade de Aprendizagem, na qual trinta ONGs que promovem o futebol para o desenvolvimento social, trocam informaes e experincias.

    Nessa comunidade, o projeto Craque do Amanh, do CIEDS3 foi descoberto e virou tambm matria de pesquisa sociolgica sobre esta rea4. Alguns destes espaos no Brasil recebem apoio da FIFA por meio do programa Football for Hope. No ms de julho de 2014, por exemplo, o Football for Hope organizou no bairro do Caju, no Rio de Janeiro, um festival com 32 ONGs de diferentes pases, dentre as quais oito delegaes brasileiras estiveram presentes.

    Assim, com alguns anos de observaes, atento s tendncias deste movimento, vrias arestas tm sido identificadas. Com diferentes convices e canais dissimiles, as ONGs que atravessam por este caminho possuem o desejo, e muitas vezes, a clara inteno de incidirem no campo das polticas pblicas. No entanto, a traduo em polticas pblicas est ainda numa fase inicial, onde tanto os atores pblicos quanto aqueles que esto promovendo esta ferramenta esto testando diferentes alternativas, experincias piloto e metodologias. O objetivo deste captulo reside em compartilhar algumas reflexes sobre o uso socioeducativo do futebol para desenvolvimento para professores de educao fsica no Brasil. importante clarificar que estas reflexes s tm a ver com o futebol social e pouco a ver com o ensino do futebol em si mesmo.

    ____________________2Chamada Homeless World Cup. No final de este artigo uma srie de publicaes vm indicadas a este respeito. 3Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentvel: http://www.cieds.org.br4Outro projeto desta Comunidade chamado Bom de Nota Bom de Bola da Associao Pr-Esporte e Cultura (APEC) foi visitado em Ribeiro Preto em agosto de 2014, pelo autor deste captulo: http://www.proesporte.org.brEsta visita faz parte da pesquisa em curso, mesma que inclui outras visitas futuras a diferentes projetos da Comunidade de Aprendizagem no Brasil.

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    Algumas vantagens do uso do futebol social

    Os professores Silvio Ricardo da Silva e Priscila Ferreira Campos relatam o fato de que a educao fsica no Brasil teve uma virada nos anos 80 da disciplina inspirada no discurso e ideologia militar para certa abertura de jogos, brincadeiras, ginstica, dana e esporte. Porm, os mesmos autores percebem que, infelizmente [...] o futebol, enquanto contedo de educao fsica escolar, vem sendo (ainda) tratado no interior da maioria das escolas brasileiras de forma reducionista (2014: 40). Eles constatam que: durante as aulas de educao fsica, o futebol acontece apenas no nvel da prtica (o fazer pelo fazer), desprovido de reflexes tericas sobre o saber fazer corporal ou sobre as referidas conexes sociais que permite. Assim, eles afirmam que o futebol : vivenciado, na maioria das vezes, de maneira sexista, onde oferecido como atividade apenas ao grupo masculino (idem). Alm disso, quando oferecido tanto a meninos quanto a meninas, cada grupo faz geralmente a atividade de forma separada.

    Porm, o futebol social encontra diferentes vantagens. Em geral, mas no unicamente, as dinmicas esto pensadas para a incluso do gnero. Isso quer dizer, que os esquemas tendem a ser mistos entre meninos e meninas. , nesse sentido, onde o potencial do futebol social pode se manifestar por meio da interao e a mistura de gnero. A esse respeito, comentaremos aqui algumas facetas de uma das metodologias do futebol social, conhecida como Futebol 3 Tempos. Esta metodologia contm vrios princpios claros. Um primeiro tempo onde os participantes (meninos e meninas) discutem as regras que sero usadas durante os jogos. Essa faceta permite definies, protagonismos e negociaes. Os participantes so acompanhados por um mediador cujo papel pode ser cumprido pelos professores ou por jovens lderes com experincia nesta rea. O mediador est atento interao harmnica do primeiro tempo, permitindo a regulao da conversa e evitando, na medida do possvel, as imposies de regras por alguns dos membros do grupo. As reflexes sobre este processo podem refletir em alta quantidade a necessidade de tolerncia.

    Silvio da Silva e Priscila Ferreira Campos advertem com grande tato o fato de que: meninas e meninos tm seus corpos e gostos construdos de forma distinta, por meio de processos de transmisso cultural, incorporando uma determinada estrutura social que influi em seu modo de sentir, pensar e agir (idem). Colocados juntos, os meninos tm, na maioria das vezes, no s uma fora fsica e uma maior experincia tcnica para desenvolver habilidades no futebol, mas tm, tambm, um conhecimento que lhes foi oferecido historicamente desde pequenos. A tarefa de discutir, ento, as regras durante o primeiro tempo do Futebol 3 Tempos no sempre simples e envolve o desenvolvimento do respeito pelas diferenas. O segundo tempo, sem juiz, mas com a ajuda do mediador, o futebol mesmo5. O terceiro, depois dos jogos, tem a ver com a avaliao em forma de debate da aplicao das regras na partida. A, nem sempre a equipe que faz mais gols ganha.

    ____________________5Um aspecto sobre o qual faremos algumas reflexes no seguinte bloco do captulo.

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    Diferentes pontos so acordados ao comportamento dos times e dos participantes. Neste sentido, a dimenso de cooperao pode criar um equilbrio sobre as facetas da concorrncia e das habilidades tcnicas.

    Esta metodologia est sendo disseminada no Brasil por diferentes ONGs atravs da Comunidade de Aprendizagem j mencionada com antecedncia neste texto6. Algumas destas organizaes, como o Instituto Formao7, no estado do Maranho, possuem vrios anos de experincia, enquanto outras, com menos anos na incorporao do futebol como ferramenta de trabalho social, esto aprendendo a implement-lo. Estamos, em termos sociolgicos, na presena do nascimento de um novo movimento socioeducativo que procura incidir na sociedade. Num contexto macrossocial, a implantao de projetos que usam o futebol para fins sociais faz parte tambm do debate poltico sobre o legado da Copa do Mundo de Futebol no Brasil 2014, uma questo que provoca interpretaes de diversas ndoles, enquanto o papel do megaevento, como explica o pesquisador da Universidade Federal de Paran, Luiz Carlos Ribeiro8 (2014).

    No entanto, no universo especfico das entidades e dos espaos onde se utiliza a ferramenta do futebol, criam-se assim micro contextos de acordo com os termos da sociologia de Erving Goffman para a anlise da interao interpessoal (1967/ 1974). Tratam-se de micro contextos na medida em que surgem regras para o entendimento e o desenvolvimento da ordem entre os participantes. E, o que ainda mais interessante, so os prprios participantes os que geram e devem regular essas regras, modific-las em alguns casos e sobre tudo respeit-las. Com essa noo de micro contextos, cujo contedo so as situaes especficas, resulta interessante comentar algumas implicaes que podem ser teis para os professores de educao fsica que j esto usando o esprito do futebol social ou para aqueles que desejam desenvolv-lo.

    O uso do futebol social nas aulas de educao fsica

    Uma primeira forma de entrar verdadeiramente no futebol social, ou no chamado futebol para desenvolvimento no Brasil, talvez tomar tempo para pensar e, sobretudo, definir, para quais objetivos sociais o futebol quer ser canalizado. Este exerccio, que parece simples, pode envolver meses de discusses e definies. Quem define esses objetivos tambm uma questo que deve ser resolvida e muitas vezes negociada? Porm, o que importa realmente para os professores de educao fsica estar de acordo com esses objetivos sociais. Inclusive ajudar a constru-los. A meta tem que ser a incorporao de valores nas crianas? Ento: quais so esses valores?

    ____________________6Domenich, M. Entrevista por Guilherme Yoshida, Universidade do Futebol, on line, 29 nov. 2013.7http://formacao.org.br/site/8Ver a referncia no final do captulo e consultar o texto do historiador Luiz Carlos Ribeiro sobre o debate poltico da Copa do Mundo Brasil 2014.

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    Alguns projetos podem utilizar este tipo de futebol para procurarem o trabalho sobre equidade de gnero. Como j foi dito, o formato dos trs tempos permite introduzir contedo pedaggico na prtica. importante que os professores tenham clareza sobre os mecanismos que podem ser promovidos para procurar a equidade. Isto quer dizer que os meninos tm que aprender a jogar a bola com as meninas? Para esse tipo de questes a flexibilidade da criao de regras permite gerar pontos duplos para os gols das meninas, o ou fato que os gols s podem valer se a jogada prvia teve a participao de uma menina. No entanto, mais importante que a prtica mesma, a busca do fato de que as meninas assumam um papel protagonista no grupo e que possam, tambm, expressar os seus pontos de vista e suas reflexes.

    Quando os objetivos tm a ver com a incidncia na educao existem assim diferentes caminhos que podem ser transitados. s vezes, os objetivos se associam com a melhora do rendimento escolar dos participantes de um projeto. A, alguns projetos como Craque do Amanh, do CIEDS, no bairro do Arsenal, em So Gonalo, no Estado do Rio de Janeiro, ou a iniciativa da Pr-Esporte, em Ribeiro Preto, e outros lugares do Estado de So Paulo, utilizam os circuitos do futebol para monitorarem o desempenho das crianas nas escolas pblicas. As crianas participantes tm que mostrar as qualificaes e recebem pontos no espao de futebol. Aquelas que precisam de maior ateno so acompanhadas por pedagogos para incidirem nas situaes que impeam a melhoria do desempenho na escola. A ajuda de psicopedagogos pode ser nesta orientao de grande valia para dar um acompanhamento aos processos visados e atingir os objetivos sociais traados.

    Assim, uma vez os objetivos claros, o futebol passa a ser uma ferramenta dentro de um processo mais amplo. Porm, a prtica do futebol envolve a considerao de situaes que exigem revises peridicas. A questo dos piores sempre pode ser problemtica. Este aspecto no tem a ver unicamente com meninas com menos habilidades tcnicas do que alguns meninos, mas trata-se de crianas cujos corpos so menos atlticos e encontram dificuldades para se inserirem na velocidade de um jogo de futebol. As situaes podem ser vistas como micro contextos que pedem tratamentos e engajamentos de cada participante. Quando algum participante, neste caso alguma criana, no consegue responder as exigncias prprias do marco, provoca-se um mal-estar geral. No que o futebol se refere, diferentes respostas parecem naturais para uns, como o controle bsico da bola, uma boa posio para receber passes, o passe preciso ou qualquer leitura dinmica na medida em que os fundamentos esto bem incorporados neles. Mas, para outras, e outros inclusive, esse tipo de movimentos exige tempo e confiana. O fato de no poder controlar bem a bola, ou mesmo ser muito difcil fazer um gol, no s produz frustraes nesses participantes com menos vantagens, mas tambm pode ser perturbador para os outros, aqueles que tm anos de experincia no jogo. Nesse tipo de situaes aparecem as sensaes de segregao e de excluso tal como j foi analisado em programas pblicos de esporte educacional na Frana (Gasparini & Marchiset: 2008).

    Um professor de futebol tentar oferecer maior tempo nos exerccios tcnicos de controle e habilidades para atenuar essas diferenas. Porm, um professor de educao fsica que use o futebol para fins de desenvolvimento social e humano procurar, mais que corrigir esses aspectos, trabalhar as questes para gerar atitudes de cooperao. O acerto sobre a pacincia para aqueles que esto acostumados a ganhar os jogos precisa de uma boa dose de pacincia para o grupo todo.

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    O acmulo de confiana daqueles que no se destacam pelas habilidades tcnicas pode ser trabalhado tambm atravs de interao como os membros mais preparados. Diferentes jogos e exerccios, onde os segundos ajudem os primeiros na coordenao, podem trazer benefcios e uma maior equiparao. Nesse sentido, necessrio um grande esforo de explicitao e de comunicao dos mais destacados tecnicamente. O recurso a grupos de pares, onde os polos opostos enquanto s habilidades sejam misturados, pode gerar dinmicas, nas quais alguns tm que explicar e ajudar com certos movimentos caractersticos do futebol a posio do corpo segundo situaes ou diferentes tcnicas de controle da bola.

    A importncia de espaos e momentos ldicos nas interaes cooperativas atinge assim nveis de engajamento no que se refere ao progresso do outro, aquele que tem menos ferramentas e precisa ser integrado. Acostumados a pensar o futebol desde o eixo da competncia e a busca da vitoria esportiva, a incorporao de valores de cooperao pode mudar o esprito da atividade e exige um esforo permanente dos professores para inculcar mensagens e regular os comportamentos.

    O funcionamento das regras pensadas para a incluso de todos os participantes durante o primeiro tempo da metodologia Futebol 3 Tempos envolve todo um trabalho de observao da dinmica. Os professores devem estar atentos para que alguns membros no decidam sempre as regras, de maneira que seja um espao negociado e plural. A capacitao para a mediao requer tambm seus prprios tempos, mas os esforos feitos trazem benefcios na capacidade de argumentao dos participantes. Os debates no terceiro tempo introduzem uma dimenso reflexiva que permite a avaliao do comportamento tanto do outro companheiro quanto dos mesmos protagonistas. a, novamente, quando os professores, ou os mediadores, precisam ficar atentos para segurar a harmonia das trocas de opinies e percepes dos participantes envolvidos na discusso.

    Da mesma maneira, na qual a ajuda para a definio de objetivos, o processo de acompanhamento de metodologias se v potencializado com a participao de pedagogos ou psiclogos que possam observar detalhes gerais e pontuais do processo. Se os espaos pretendem ser ainda mais abertos, pode se dar a possibilidade de convidar estudantes nestas reas, incluindo alunos de cursos de educao fsica na forma de estgios profissionais. Este tipo de experincias pode ter um duplo impacto. Por um lado, os projetos tm a possibilidade de receber o ponto de vista dos estudantes, e por outro, a participao pode ser para eles formativa nas suas carreiras. O acesso dos futuros professores de educao fsica, na etapa dos estudos, permitiria uma maior disseminao das metodologias de futebol social nos programas de educao fsica do amanh, os quais podero inclusive ser nutridos por novas ideias e reflexes. Mas todos eles precisam tambm de capacitaes e de jornadas de reflexo.

    Vale dizer que o Futebol 3 Tempos no a nica opo nem a nica metodologia que procura mudanas sociais. Porm, trata-se de uma alternativa para se tomar em conta. Ela permite introduzir contedo sobre diversos temas numa perspectiva socioeducacional. Nessa orientao este tipo de futebol vai alm da educao fsica das pessoas para atingir novas formas de construes sociais.

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    Concluses

    O futebol social, ou futebol para o desenvolvimento, faz parte das tecnologias e das ferramentas que esto sendo criadas para usar o esporte para ao beneficio da humanidade. O papel da educao fsica de muita importncia na disseminao das inovaes. Porm, o esprito destas formas a servio de objetivos sociais no poder ter efeitos de longo prazo sem o envolvimento pleno dos professores de educao fsica. O convencimento e a consequente participao dos professores so fundamentais portanto.

    O futebol para o desenvolvimento faz parte de uma construo coletiva, onde vrios atores sociais participam atravs da sua pedra no edifcio. Grande parte do impulso e da coordenao dos projetos vem sido acompanhados pelo papel e esforo das ONGs. Porm, a incorporao de vertentes de um uso educacional do futebol, que v alm da prtica nas escolas, constitui um passo fundamental no campo de polticas pblicas, unindo as grandes reas, tanto a educao quanto o esporte a servio de mudanas sociais por meio da juventude.

    Este movimento procura assim influir desde as bases para propor desenhos inovadores de polticas pblicas. ento desde os espaos recreativos e ldicos das ONGs e das Escolas Pblicas que as instncias governamentais podero observar padres para tomarem em conta. Falta logo que essas mesmas entidades saibam aproveitar a inspirao para poderem replicar as boas prticas em outros contextos do pas. Dentro do espao das aulas de educao fsica podem ser geradas ferramentas e valores que atinjam outros mbitos da vida dos alunos. Mais do que futebol em si, o assunto passa pela construo de laos sociais.

    Um ltimo ponto importante merece ser enfatizado. O uso do futebol para fins sociais e educacionais precisa de ajustes permanentes em funo das situaes vivenciadas em cada grupo. Algumas situaes levaro os professores a insistirem sobre alguns aspectos de tolerncia e respeito enquanto outras potencializaro lideranas juvenis. O recurso do futebol no garante resultados certos. s atravs do trabalho, da inteligncia e da perseverana que alguns resultados graduais aparecem. Alguns desses resultados so esperados, mas surgem tambm outras consequncias inesperadas, problemas e imprevistos que devem ser levados a srio. Toda atividade dinmica requer ajustes temporais e avaliaes para estimar os benefcios e os pontos a serem revisados. Mais uma vez, as revises peridicas constituem uma tarefa coletiva, onde diferentes papis devem intervir em ajuda da ferramenta educacional.

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    Referncias

    Gasparini, William e Vieille-Marchiset, Gilles, Le sport dans les quartiers: pratiques sociales et politiques publiques, Paris, PUF, 2008.

    Goffman, Erving, Interactional Ritual: Essays on Face-to-Face Behavior, Anchor Books, 1967.Goffman, Erving, Frame analysis: An essay on the organization of experience, London, Harper and Row, 1974.

    Ribeiro, Luiz Carlos, Por uma anlise poltica e social dos megaeventos esportivos no Brasil, Revista Cincia e Cultura, Junho 2014, Vol.66, N 2, disponvel on-line.

    Silva, Silvio Ricardo da e Campos, Priscila Augusta Ferreira, Futebol e a educao na escola: possibilidades de uma relao educativa, Revista Cincia e Cultura, Junho 2014, Vol.66, N 2, disponvel on-line.

    Trejo, Fernando Segura Milln, A Ball can change de World: Percepciones y situaciones en el mundial de los desamparados, la Homeless World Cup: Una revisin crtica desde la vivencia y la mirada de los jugadores, Acta Sociolgica, UNAM, Mxico, enero 2013, on-line.

    Trejo, Fernando Segura Milln, O uso do futebol social como ferramenta internacional, Revista Cincia e Cultura, Junho 2014, Vol.66, N 2, disponvel on-line.

    Fernando Segura Milln Trejosocilogo, ganhador do Grand Prix de Recherche UCPF (Unio de Clubes Profissionais Franceses), pela melhor tese

    2012 na Frana sobre estudos na lngua francesa referidos ao futebol: A Homeless World Cup e o Campeonato de

    Luta contra a Excluso social na Frana. Anlises de trajetrias sociais de exceo, sob a orientao de Patrick

    Mignon. pesquisador filiado ao Centro de Investigacin y Docencias Econmicas (Cide) no Mxico. Realiza um ps-

    doutorado no CPDOC na FGV de Rio de Janeiro financiado pelo Conselho de Cincia e Tecnologia (Conacyt-Mxico).

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    APONTAMENTOS PARA O TRATO PEDAggICO EDUCACIONAL DO ESPORTE NUMA PERSPECTIVA LATINO-AMERICANA E LIBERTADORA-BIOCNTRICA DE EDUCAO FSICA

    Esse texto foi produzido no sentido de atender ao generoso convite dos organizadores dessa obra para que eu escrevesse algumas consideraes acerca dos pressupostos educacionais e polticos que apontam o esporte como aliado na emancipao e desenvolvimento humanos. Assim que pensei em tratar o tema explicitando como compreendo o esporte moderno e como tenho pensado em produzir transformaes didticas em seus contedos luz da concepo de ensino de Educao Fsica e esportes intitulada de libertadora-biocntrica, a qual venho estruturando ao dialogar com o pensamento sociolgico crtico latino-americano, as teses educacionais de Paulo Freire, o campo crtico da Educao Fsica brasileira e as elaboraes da educao biocntrica formuladas por Rolando Toro e Ruth Cavalcante.

    Inicio minhas reflexes afirmando que h no senso comum a falsa ideia de que o esporte um s, que tudo que se refere a jogo e que possua carter competitivo esporte e, portanto, que essa generalizao sobre o que seja a prtica e o ensino dos esportes constitui-se, em si, panaceia redentora para inmeros males da vida moderna: tirar crianas e jovens empobrecidos economicamente e em situao de vulnerabilidade social das drogas e do furto; promover aprendizados de valores nobres; integrar e confraternizar comunidades e naes; livrar as crianas e jovens dos perigos das ruas; promover disciplina para ascender nos graus de escolarizao formal, entre outros agravos da modernidade.

    Para que esses discursos afirmativos quanto aos milagres do esporte possam se efetivar necessrio que este no seja tomado como um evento social em si, mas como uma prtica social de direito das crianas e jovens e condicionada por contextos culturais externos sua prtica, e

    Paulo Capela

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    mais ainda, que esses condicionantes sejam considerados nas formulaes educacionais de sua ressignificao, a fim de ele poder contribuir verdadeiramente com as mudanas de comportamento que ocorram atravs de sua prtica, mas sem ufanismos quanto ao alcance de seus potenciais educativos e transformadores da vida prpria dos sujeitos e das comunidades. O fato inicial a destacar que os esportes nem tudo podem, mas tambm nem nada podem!

    Tornar o esporte instrumento de emancipao humana requer dimensionar corretamente suas estruturas fundantes, boas e ms, identificar o quanto possui de alienao, ou seja, potencial de produzir frustrao entre seus praticantes; acirrar tenses e gerar conflitos sociais; desestabilizar a vida; causar problemas de sade, etc. Mas acima de tudo tambm necessrio identificar suas potencialidades de gerar vida, que podem ser infinitamente superiores s de suas mazelas, quando potencializadas educativamente.

    Portanto, o primeiro ponto que gostaria de explicitar quanto ao conceito de esporte moderno ou convencional, algo a meu ver importante para propor transformaes educacionais em seu ensino.

    Pensadores do campo crtico da Pedagogia e da Educao Fsica brasileira conceituam o esporte como apenas uma das tantas possibilidades do jogar e de experienciar as mltiplas prticas da cultura corporal de movimento de saltar, correr, arremessar, danar, lutar, etc.

    Assim, caracterizo o esporte em meus escritos como sendo uma prtica da cultura corporal de movimento humano determinada pelo rendimento-mximo-obrigatrio-comparado, sendo que a necessidade que essa prtica impe a seus praticantes de obrigatoriamente sobrepujar, ou seja, vencer e comparar-se inevitavelmente com seus adversrios, produzindo desta forma, uma lgica que se impe de forma sempre renovada em um fluxo contnuo de infindveis competies promovidas em campeonatos e torneios. Essas disputas evidenciam-se normatizadas por regras objetivas e processos de treinamento externos ao contexto cultural de vida de seus praticantes e determinam o que pode, ou no, acontecer, tornando o esporte um campo de experimentao humana seletivo, excludente e especializado.

    Seletivo porque s alguns, os melhores, so considerados, enaltecidos e aceitos como bons praticantes dessas modalidades da cultura corporal referenciada como esporte.

    Excludente porque o esporte exclui, de forma objetiva ou velada, os que no possuem os parmetros desejveis de performance mxima, alm de excluir tambm outras formas mais amplas de expresso da vida atravs do movimentar-se humano.

    Especializado porque preciso treinar muito para produzir gestos cada vez mais objetivos e semelhantes aos padres tcnicos pr-estabelecidos e ter eficincia na execuo dos fundamentos do esporte, transformando os jogadores em atletas, sujeitos especialistas em certos gestos motores, sempre gestos restritos da vida plena de movimentos humanos, reduzindo as tcnicas nos esportes s prticas adequadas apenas para a prtica daquele esporte que se pratica.

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    Alm dessas orientaes de sua prtica, o esporte tambm promove, de forma implcita e explcita, valores humanos indesejveis, tais como: racismo, sexismo, nacionalismos por vezes exacerbados, populismo e dependncia, agressividades locais, regionais e nacionais, xenofobias, competitividade extremada, violncias (fsica e simblicas), forte apelo mercadolgico ao consumo, idolatria e mitificao de certos atletas profissionais, enfim, muitos elementos desagregadores da vida pessoal e comunitria.

    Certamente no dessa prtica esportiva que falo quando digo que o esporte pode ser promotor de muitos potenciais de humanizao em uma prtica educativa. Tampouco acredito que apenas promover adaptaes em sua forma oficial de ser proposto por suas agncias reguladoras - COI, FIFA, Federaes, Confederaes, Ligas, enfim, sistema-mundi de determinao e disseminao de esportes, denominado Olimpismo, seja suficiente para torn-lo educacional e gerador de emancipao humana, cidadania e vida plena.

    Se o esporte enquanto prtica extremada de competio mediada por regras externas ao mundo de vida dos participantes torna-se prtica corporal de movimento restritiva de vida, ele precisa ser reformatado pelos educadores em seus pressupostos de ser entendimento e prtica. S assim poder ser oferecido fora dos parmetros de sua manifestao oficial, ou seja, enquanto treino e campo de conduta degradantes da vida humana plena.

    Tenho defendido que o esporte para ser educacional e emancipador da vida, precisa deixar de ser treinamento e acirramento de disputas e egos, e deve passar a ser algo novo, ou seja, transformar-se em um contedo de ensino que aponte para uma nova ordem propedutica para e da vida plena, e que se faa prtica renovada j em seu processo de ensino.

    Atravs de processos de transformao didtico-pedaggica dos esportes luz da concepo libertadora-biocntrica penso ser possvel propor uma via importante de transformao do esporte convencional em uma experincia de ensino rica em potenciais humanizantes, principalmente para populaes que tm direito de aprender esportes como as populaes de crianas e jovens que frequentam as escolas, e para as que freqentaro as escolas pblicas de esporte para sujeitos que no desejam tornarem-se atletas, que precisamos implementar, espero que em breve, essa nova forma de compreender o esporte como poltica pblica em nosso pas.

    A concepo de ensino de esportes libertadora-biocntrica tematiza o esporte atravs de quatro campos de conhecimentos e objetivos para seu ensino educativo, assim formulados:

    1) Conhecimentos e objetivos do mbito tcnico-instrumental: as crianas e jovens precisariam aprender a jogar bem os jogos esportivos propostos.

    2) Conhecimentos e objetivos do mbito do esclarecimento: no basta ser um bom praticante dos esportes, preciso tambm ser bom conhecedor dessa cultura, de como ela se apresenta nos diversos contextos sociais, por vezes at mesmo perversos, que negam e oprimem pessoas e populaes; os jovens e crianas precisam ser esclarecidos sobre esses fatos atravs de estudos

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    e exposies de temas advindos das cincias humanas e sociais de perspectiva crtica, de modo a promover um olhar amplo, esclarecido e politizado sobre os temas das culturas esportivas ensinadas, e tambm sobre o prprio mundo de vida (e de vida esportiva) em que vivem seus praticantes, quase sempre mundos tornados precrios pelas polticas e os interesses que no lhes so favorveis.

    3) Conhecimentos e objetivos do mbito das interaes sociais: O ambiente humano caracteriza-se como eminentemente sociocultural, portanto, preciso fornecer conhecimentos para que as crianas e jovens saibam lidar com as diferenas na interpretao dos fatos da cultura esportiva e da vida, para que possam se posicionar sem agredir (fsica ou simbolicamente) os que so diferentes ou divirjam de seus pontos de vista. necessria a construo de um ambiente educacional sadio para a resoluo de conflitos e explicitao das divergncias. Para isso ocorrer, estabelecemos como primeira tarefa da mediao do esporte de carter educacional libertador-biocntrico, a construo de grupos que geram vida, nos quais as pessoas (crianas e jovens) aprendam a acolher e serem acolhidas, aceitar e serem aceitas, num espao e tempo pedaggicos sem julgamentos e sem atitudes intempestivas e desagregadoras da vida social. Considero que, somente assim, em um ambiente de respeito, compreenso esclarecida e acolhimento das diferenas, possvel coexistirem formas diferentes de vivenciar coletivamente os esportes que promovam ludicidade, prazer e alegria, para todos/as!

    4) Conhecimentos e objetivos de sensibilizao para o cuidado com a vida prpria, do grupo que frequentamos nas prticas esportivas, das comunidades em que vivemos e tambm sensibilizao quanto plenitude das formas de vidas planetrias. A cultura capitalista antivida promove dessensibilizao quanto prpria vida, vida social, a dos demais seres vivos e a da prpria vida da natureza fsica. Vivemos desconectados e alheios percepo de pertencimento a uma grande teia viva planetria e csmica. Entendo que os conhecimentos e contedos de sensibilizao para a vida quando considerados nos processos educacionais proporcionam a criao de horizontes utpicos e de esperana muito importantes para a efetivao de um novo, e melhor, projeto de humanizao, mas percebo que essa perspectiva ainda pouco observada no ensino dos esportes.

    Assim, atravs da concepo libertadora-biocntrica podem-se produzir estranhamentos sobre fatos do esporte j naturalizados, ao partir do entendimento de que a cultura esportiva possui elementos bons e ruins, possui muitos germes antivida, mas, ao mesmo tempo, um grande poder de promover elementos potencializadores da vida, desde que corretamente equacionados em prticas de ensino dos esportes. Finalizando, gostaria de fazer mais um registro: o de que os conhecimentos estruturantes das transformaes didtico-pedaggicas dos esportes a partir da concepo libertadora-biocntrica pautam-se nas teses, conceitos e opo poltica advindas dos pressupostos de construo de uma Amrica Latina livre das mltiplas opresses de seus colonizadores (algozes) cujos processos civilizatrios e de invaso sobres nossas culturas locais e prticas corporais de movimento nos privam de expressarmo-nos de forma prpria.

    Em minhas elaboraes o pensamento sociolgico e educacional crtico latino-americano que me inspira a fugir do determinismo de oferecer esporte convencional s novas geraes de nosso pas, e apontar, assim, um novo caminho educacional para o ensino de esportes, um caminho marcado por produes prprias, originais e descolonizado para tratar o esporte em seu carter educacional.

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    Penso que a sociologia crtica latino-americana em articulao com o pensamento educacional na libertao latino-americana, em especial a obra de Paulo Freire, so capazes de abrir novos horizontes no pensamento crtico da Educao Fsica brasileira e tambm possibilitar a construo de um novo esporte e um novo horizonte civilizatrio e educacional para as prximas geraes atravs de uma reconfigurao do esporte, refenciando-o no que haja de mais digno das prticas da cultura corporal de movimento e esportiva dos povos, irmanando-nos em uma perspectiva de cooperao, auxilio mtuo e fraternidade entre as gentes. A isso chamo operar transformaes didtico-pedaggicas do esporte na tica da vida plena e da libertao-biocntrica.

    Uma ltima nota: a adjetivao biocntrica de nossa concepo nos coloca o compromisso de revisitar a histria da racionalidade cientfica que modela o contexto da modernidade, em especial as racionalidades cientficas de cunho positivista (cincias emprico-analticas quantificadoras da vida), as quais at produziram avanos tecnolgicos fenomenais para a humanidade, porm reduziram em muito a expresso das potencialidades humanas da percepo, intuio, amorosidade, ludicidade e conexo humana com as foras csmicas plasmadoras e geradoras de todas as formas de vida planetrias.

    Bem, porque penso e tenho agido poltica e socialmente lastreado nesses pressupostos pedaggicos, polticos, didtico-pedaggicos e mediadores de princpios e valores de perceber a vida viva, que penso tambm o esporte de carter educacional em oposio s bases polticas, valores, princpios e suas prticas tradicionais. Penso o esporte educativamente como instrumento de luta e festa para todos os usurpados pelos histricos dominadores da vida planetria e comprometido com os mais edificantes princpios de humanidade.

    Para essa forma esportiva que defendo se efetivar preciso pensar o esporte na contra-lgica do capital, porque o esporte muito mais que um jogo capitalista, e a vida muito mais do que se expressa nessa forma esportiva; assim, os pressupostos educacionais e humanitrios de meus estudos e prtica me aconselham a criticar seu emolduramento social capitalista para, desta forma, torn-lo prtica esportiva de elevado potencial de humanizao e humanidades para a vida de crianas e jovens.

    Paulo CapelaMestre em Educao pela UFSC. Professor do DEF\CDS\UFSC- Departamento de Educao Fsica do Centro de

    Desportos da Universidade Federal de Santa Catarina; Coordenador GECUPOM\Futebol- Grupo de Estudos em

    Cultura Popular e de Movimento\futebol vinculado ao Ncleo de Pesquisa- Vitral Latino Americano de Educao

    Fsica, Esporte e Sade; ex-presidente do IELA - Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC (2012-2013) .

    E-mail: [email protected]

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    CATEGORIAESCOLAS PBLICAS

    Introduo---

    A escola e sempre ser o espao privilegiado para formao dos indivduos, para o desenvolvimento de valores, de atitudes crticas sobre a sociedade e a realidade na qual cada indivduo est inserido, bem como para prepar-los para o exerccio da prtica cidad. A escola assim, forma para a autonomia, para as relaes familiares, polticas e coletivas, para cidadania e para vida.

    Nesse sentido, o esporte nas escolas, abre para um leque de possibilidades da formao nas aulas de educao fsica e tambm aponta demandas para busca de metodologias e prticas pedaggicas como fontes relevantes para a formao integral e humana.

    a busca por uma escola e disciplinas que fortaleam a capacidade e as habilidades criativas, que incluam, respeitem as diferenas e favoream ambientes de transformaes didticas e pedaggicas, que se pretende chegar. Um lugar para todos e onde todos possam aprender e ser valorizados.

    Para o centro dessa discusso, considera-se importante trazer a concepo do esporte educacional, por conjugar disciplinas e os contedos curriculares obrigatrios da educao com o objetivo do desenvolvimento de competncias, elementos fundamentais na formao de sujeitos.

    E nesse universo de conceitos, concepes, prticas e fazer profissional, esto inseridas as trs experincias pedaggicas vencedoras do Prmio Petrobras de Esporte Educacional (PPEE) e a experincia vencedora do prmio especial. Dentre as mais de 300 prticas inscritas na categoria Escolas Pblicas, as quatro selecionadas mostram que, de forma simples e ao mesmo tempo inovadora, solues criativas e de baixo custo possibilitam trabalhar valores e contedos importantssimos para o desenvolvimento integral dos indivduos1. So prticas que trazem mltiplas aprendizagens, seja na valorizao da cultura local, na busca pela adaptao de regras e espaos ou nas atitudes de respeito s individualidades.

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    Uma tecnologia social de esporte educacional que pode ser desenvolvida em qualquer lugar. So experincias adaptveis a diferentes contextos e realidades, mas no devem ser repetidas como em uma receita de bolo onde no se mudam os ingredientes. Como tecnologias sociais podem ser modificadas e reorganizadas, de