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Prefácio ao BARBOSA, Denis Borges. Tratado da Propriedade Intelectual - Tomo I. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2010.

Satanás suplicou ainda, sem melhor fortuna, até que Deus, cansado e cheio de misericórdia, consentiu em que a ópera fosse executada, mas fora do céu. Criou um teatro especial, este planeta, e inventou uma companhia inteira, com todas as partes, primárias e comprimárias, coros e bailarinos.

—Ouvi agora alguns ensaios!

—Não, não quero saber de ensaios. Basta-me haver composto o libreto; estou pronto a dividir contigo os direitos de autor.

Machado de Assis, Dom Casmurro.

O título do primeiro volume deste Tratado, nas edições anteriores obra autônoma, nasceu antes de seu texto. Títulos são coisa importante em matéria de Propriedade Intelectual: objeto de proteção específica no campo do Direito Autoral, merecem até mesmo tutela dupla e cumulativa (se forem de periódicos), através de marcas. Títulos de patentes, se enganosos ou fraudulentos, podem levar à nulidade do privilégio. Assim, por hábito e coerência, quem escreve sobre Propriedade Intelectual dá atenção especial ao que vai na capa do livro.

Uma Introdução à Propriedade Intelectual. Uma, pois estou convicto de que muitos outros ângulos poderiam ser explorados como entrada ao campo da matéria. A ênfase no aspecto intelectual, e a pesquisa jus-filosófica quanto à criatividade humana, poderiam levar a outro livro muito diverso. Se fosse dar atenção ao aspecto propriedade, e me abeberar na tradição romanística do Direito Civil, ou na teoria do estabelecimento do Direito Comercial, ou no aspecto publicístico da defesa da concorrência, ou ainda no enfoque prático, necessário ao advogado praticante - cada uma destas alternativas constituiria obra diversa.

O enfoque, porém, foi o da “introdução”: a idéia de escrever um texto inicial, um pouco didático, um pouco teórico, veio do material de aula utilizado nos cursos de pós-graduação em Direito da Fundação Getúlio Vargas, da PUC/RIO, da Universidade Cândido Mendes e do IBMEC. O título das apostilas de tais cursos reflete-se na postura deste livro: “Uma cartilha intrincada”. Cartilha, sim, mas para quem já tenha experiência e formação em Direito, e pretenda tomar este livro como base de pesquisas mais aprofundadas.

Propriedade Intelectual, exatamente para fugir ao tratamento divisionário que a matéria tem recebido de todos os autores brasileiros. Com exceção, é claro, do mestre Pontes de Miranda, que não só tratou Direito Autoral, e Variedades de Plantas, e Patentes, e tudo mais, numa só obra, segundo uma perspectiva racional e unificante, quanto colocou todo este capítulo da enciclopédia jurídica num monumental e insuperável Tratado de Direito Privado.

As fontes desta obra são muitas: desde 1979, boa parte de minha prática profissional tem se relacionado com a Propriedade Intelectual, seja como advogado público, seja na militância privada, seja como autor ou professor. Introduzido neste campo pelo empenho do ilustre economista Antônio Luiz Figueira Barbosa, pensador agreste e

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polimorfo das questões da tecnologia, iniciei o trajeto pela indagação sobre o que seria know how, como objeto de direito. O primeiro trabalho sobre a matéria, publicado na Argentina por este outro grande economista, escritor e advogado, Carlos Maria Corrêa, aponta como um dardo para a presente Introdução: todo o conceito de bem concorrencial está nele implícito.

Sobre a mesma questão, tive ocasião de submeter minha dissertação de mestrado: “Know How e Poder Econômico”, defendida em 1982, sob a orientação insurgente, muitas vezes discordante e sempre crítica de Fábio Konder Comparato. Quase toda a parte introdutória deste livro, e boa porção do resto, reproduz o texto então produzido. Quinze anos de reflexão não me fizeram mudar muito a perspectiva jurídica, ainda que, à época, extensamente profligada pela douta e exigente banca examinadora, inclusive quanto à postura ideológica. Arnold Wald exigiu, também como parte dos cursos de mestrado, minha análise quanto aos aspectos societários da propriedade intelectual, enfim publicada na Revista de Direito Mercantil em 1980.

Das outras influências intelectuais, o texto dá notícia. Tulio Ascarelli e Paul Roubier são obviamente presenças marcantes, mas muito da visão concorrencial da Propriedade Intelectual vem do direito tributário, em especial do Imposto de Renda: fonte algo surpreendente, mas precisa e realista do que, na verdade, é o confronto da intelectualidade e o Direito. Assim, o estudo e o contato com meus professores de Direito Tributário Internacional na Columbia Law School contribuíram decisivamente para a visão que tento expressar aqui.

Outras obras precederam a presente. O teor propriamente normativo, material imenso e complexo, ainda não reunido até 1982, o foi em um vade mecum, notável, aos olhos de hoje, pela pouca importância então concedida aos aspectos autorais, e o enorme peso das questões tecnológicas. Matéria importantíssima à época, e não menos agora, a questão tributária da Propriedade Intelectual conduziu a obra específica de 1983, agora, sim, pela primeira vez, tocando em quase todos os aspectos (ainda que num segmento especializado) que são objeto deste livro. Mais recentemente, dois livros vieram tratar das mudanças constitucionais relativas ao investimento internacional - inclusive quanto à Propriedade Intelectual - e o efeito da Organização Mundial de Comércio de 1994. O leitor atento ainda encontrará, no texto, excertos de dezenas de artigos publicados sobre a matéria.

Os quase dez anos de prática profissional junto ao INPI estão, igualmente, subjacentes a este livro. Um contencioso extenso, sempre em derrota, em favor da tecnologia e da capacidade econômica nacional. Como servidor da União, coube-me por anos um engajamento intenso nas questões da informática, da Rodada Uruguai do GATT, das discussões internacionais quanto à propriedade industrial e intelectual como um todo. Esta introdução ecoa, e muito, a militância profissional e ideológica de uma década perdida.

Não fora a nova postura dos acordos da Organização Mundial do Comércio, unificando o tratamento da Propriedade Intelectual no contexto do comércio internacional, talvez não tivesse surgido a idéia deste título e da obra que o corporifica. Nela está, inconspícua, a soma de muitos passos perdidos nos corredores do Palais des Nations, de inúmeros discursos sem eco no GATT, na UNCTAD ou na OMPI, e de infindos memorandos, difusos pelos escaninhos do Itamarati.

A visão algo internacionalizante desta Introdução não deve ser tomada, assim, de nenhuma maneira como afetações de erudição jurídica. A matéria da Propriedade Intelectual é mesmo internacionalizada, e nada mais enganoso do que se ater

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exclusivamente à literatura jurídica pátria. As leis sobre propriedade intelectual são feitas, no Brasil (e, hoje, no mundo todo…) com uma democrática participação de todos os interesses econômicos, e nada mais razoável, embora pouco esperado, que os interesses alienígenas, mais vigorosos, se reflitam na produção legislativa. É a realpolitik dos tempos correntes.

O romantismo fica por conta deste autor, que, ao elaborar o texto enfim introduzido no art. 5º, inciso XIX da Carta de 1988, entreteve esperanças de que, efetivamente, a Propriedade Intelectual seria tutelada tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País. Romantismo que se alastrou numa segunda edição com muita ênfase nos aspectos de Direito Constitucional da propriedade intelectual. Este romantismo, inesperadamente, acabou por se transformar numa preocupação de nossos tribunais.

Cumpre-me agradecer, finalmente, pelo tempo suprimido de nosso escritório de advocacia e pela prática comum nas áreas deste livro, meus colegas do grupo de Propriedade Intelectual Elaine Ribeiro do Prado, Glória Márcia Percinoto, Patrícia Porto, Pedro Marcos Nunes Barbosa, Ana Beatriz Barbosa, Ana Paula Buonomo Machado, Marcus Augustus Lessa e Fabio Rodrigues Guimarães, assim como nossos consultores Allan Rocha e Leandro José Luz Riodades de Mendonça. Também a nossos colegas de outras áreas, Ingrid Melania Rasmusen Amaya, Paula Machado, Mariana Tápias, Raul Amaya, Graziela Soares Ferreira, Marcelo Gustavo Silva Siqueira, Rosana de Jesus Guilherme; a Cristina de Holanda Sheldrick, por muito tempo colaboradora do grupo de Propriedade Intelectual do meu escritório antes de sair para sua carreira internacional. De S.Paulo, Manoel Joaquim Pereira dos Santos, co-autor comigo de vários projetos; de Los Angeles, Michael Krieger, um crítico feroz da coerência lógica, em especial na sua área de Direito da Informática; de Puchheim, a Karin Grau-Kuntz, com quem divido autorais e discussões infindáveis. A Cristina Martins, sem a qual não teria tempo para escrever e trabalhar.

A terceira edição

Esta terceira edição marca um novo enfoque da obra. O título “Uma Introdução”, passa a ser o primeiro volume de proposta mais dilatada, que ganha o apodo de Tratado da Propriedade Intelectual. Neste volume, se trata das matérias realmente introdutórias, quais sejam, os temas iniciais da disciplina, as bases constitucionais da propriedade intelectual, a doutrina da concorrência privada, o direito internacional pertinente e a questão do Direito Público da Concorrência aplicável à propriedade Intelectual. Não se abandona o empenho didático que fez nascer o livro, muito embora o alcance mais largo do trabalho.

Em cada um desses capítulos, muito se acresceu à edição anterior. Na verdade, apenas tais segmentos correspondem a todo conteúdo em páginas da terceira edição, se excluído o anexo legislativo.

Espero, assim, que se reconheça neste volume o jeito que a obra nasceu, só que mais amadurecida pelo tempo e pela experiência.