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PREAL Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina e Caribe Partnership for Educational Revitalization in the Americas Nº 16 Educação: cenários de futuro. Novas Tecnologias e Sociedade da Informação José Joaquin Brunner * Setembro de 2000 Os documentos desta série estão disponíveis em formato eletrônico na Internet (www.preal.cl) Tradução de Paulo M. Garchet, (E-mail: [email protected]) Revisão Técnica: Helena Maria B. Bomeny e Marcela Pronko. Diretor do Programa de Educação, Fundación Chile ([email protected]). Agradeço os comentários de Celia Alvariño, Carlos Catalán, Antonio Sancho, Simón Schwartzman, Juan Carlos Tedesco e Anthony Tillett a versões anteriores do presente documento. Este trabalho foi preparado no marco do Convênio de Colaboração entre o PREAL e a Fundación Chile para formação de um grupo de trabalho regional sobre inovações educacionais As opiniões expressas neste trabalho são de responsabilidade do autor e não comprometem as instituições patrocinadoras

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PREAL

Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina e Caribe

Partnership for Educational Revitalization in the Americas

Nº 16

Educação: cenários de futuro.Novas Tecnologias e Sociedadeda Informação

José Joaquin Brunner*

Setembro de 2000

Os documentos desta série estão disponíveis em formato eletrônico na Internet (www.preal.cl)Tradução de Paulo M. Garchet, (E-mail: [email protected])Revisão Técnica: Helena Maria B. Bomeny e Marcela Pronko.

Diretor do Programa de Educação, Fundación Chile ([email protected]). Agradeço os comentários de CeliaAlvariño, Carlos Catalán, Antonio Sancho, Simón Schwartzman, Juan Carlos Tedesco e Anthony Tillett aversões anteriores do presente documento.Este trabalho foi preparado no marco do Convênio de Colaboração entre o PREAL e a Fundación Chile paraformação de um grupo de trabalho regional sobre inovações educacionaisAs opiniões expressas neste trabalho são de responsabilidade do autor e não comprometem as instituiçõespatrocinadoras

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O apoio para este projeto foi dado pelo Diálogo Interamericano através do Programa paraReforma Educacional na América Latina e Caribe. O PREAL é co-dirigido pelo DiálogoInteramericano em Washington, D.C. e pela Corporação Para Desenvolvimento de Pesquisa -CINDE, Santiago de Chile. É financiado pela Agência dos Estados Unidos ParaDesenvolvimento Econômico (USAID - U.S. Agency for Internacional Development), peloCentro Internacional de Desenvolvimento de Pesquisas do Canadá (IDRC - InternationalDevelopment Research Centre), pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), peloFundo GE (GE Fund) e outros doadores.

INDICE

Revoluções educacionais: de ontem e de hoje

Escolarização

Sistemas estatais de educação

Modificação Educacional

A quarta revolução

Globalização

Tecnologias de informação

Sociedade da Informação

Novos contextos da educação

Cenários tecnológicos da globalização

Cenários futuros da educação

Novas tecnologias como enriquecimento do modelo tradicional

Uma sala de aulas interativa

Novas competências básicas

Entornos virtuais de aprendizagem

América Latina: desafio educacional

As lacunas da globalização

Atrasos educacionais

Algumas causas do atraso educacional

Em direção a uma segunda geração de reforma educacional

Da modernização à inovação

Conhecimento para a inovação

Redes de apoio à inovação

Educação e indústrias de serviços de aprendizagem

“A moda este ano é escrever sobre oproblema da educação”

Merchior von Grimm, ano de 17621

“A história da tecnologia no séculoXXI é um exemplo contundente de um

território situado além do campo daobservação”.

Freeman J. Dyson2

A educação une o passado ao futuro.Comunica a herança cultural das geraçõesprecedentes à luz das exigências do mundode amanhã. O conhecimento transmitido pelaescola também expressa esse duplomovimento: resume um legado e antecipapossibilidades. O que acontece, então,quando a história faz uma inflexão, abandonao terreno do conhecido e se abre para umamanhã incerto, como ocorre hoje? Nestemomento a terra começa a tremer sob os pésde todos. Pois, daí em diante nosso drama“se representa em um teatro que nos éestranho, em um cenário que mal podemosreconhecer e com mudanças cenográficasimprevisíveis, inesperadas, que nãocompreendemos totalmente”.3 Chegados aeste ponto, também a educação se vêforçada a repensar seus fundamentos, aredefinir suas missões e seus meios, e areorganizar suas funções em um ambientesujeito a mudanças aceleradas.

Basta um rápido olhar às previsõesestatísticas para compreendermos amagnitude do desafio que se avizinha.Quem nasce nestes dias estará incorporadoà vida produtiva dentro de 20 a 25 anos etrabalhará ao longo do século XXI. Que

1 Citado por Carlo M. Cipolla in Educación yDesarrollo en Occidente, Editorial Ariel, Barcelona,1989, p. 752 Freeman J. Dyson, The Sun, the Genome andthe Internet, The New York Public Library-OxfordUniversity Press, Nova Iorque-Oxford, 1999, p. xv.3 Eric J. Hobsbawn, “Crisis de la ideología, lacultura y la civilización”. In Universidad Autónomade México y Consejo Nacional para la Cultura ylas Artes, Coloquio de Invierno: Los GrandesCambios de Nuestro Tiempo, Volumen I; Fondode Cultura Económica, México, 1992, p. 53.

mundo encontrarão essas pessoas, em quecondições trabalharão, quanto viajarão, quetecnologias usarão, quais serão suasexpectativas de vida, renda e consumo?

Sabemos que até o ano 2025 apopulação mundial será de cerca de 8,5bilhões de indivíduos, quase 50% mais queos que hoje habitam a terra. Integraremosuma única aldeia global democrática,caracterizada por relações pacíficas entre asdistintas culturas ou, pelo contrário,viveremos em uma espécie de apartheidglobal, entrincheirados atrás dos deuses evalores de nossas próprias e impenetráveiscivilizações? Os deserdados da terra – cercade 1,3 bilhão de pessoas que vivem commenos de um dólar por dia4 - terão, comoprevêem alguns, aumentado, manter-se-ão,ou terá o mundo superado a indigência?Que possibilidades terão as pessoas deencontrar trabalho, especialmente na partedo mundo em vias de desenvolvimento, sepensarmos que somente em virtude docrescimento demográfico deveriam sercriados anualmente 40 milhões de empregos,entre hoje e o ano 2025, nos países derendas média e baixa?5 Entre cada dezpessoas, sete ou oito trabalharão no setor deserviços, em atividades e escritórios cujasfisionomias terão mudado a ponto de ficaremirreconhecíveis aos olhos de hoje. E quantashoras trabalharão? Há 100 anos, as pessoasque viviam nos países hoje desenvolvidostrabalhavam em média 2.770 horas anuais;atualmente esta cifra fica em torno de 1.700horas. Segundo uma previsão, pelo ano 2010os noruegueses estarão trabalhando 1.300horas por ano. Isto significa que continuarácrescendo o número de horas disponíveispara outras atividades. Na Grã Bretanha,durante a vida de uma pessoa, as horasvagas já aumentaram de 118 mil, em média,em 1850, para 287 mil em 1981.6 De quantotempo disporão as próximas gerações paraaprender e educar-se, para o lazer e para 4 Ver UNDP, Human Development Report 1998;UNDP-Oxford University Press, Nova Iorque eOxford, 1998.5 Ver Paul Kennedy, Preparing for the Twenty FirstCentury; Random House, Nova Iorque, 1993, p.27.6 Para estas cifras, ver OECD, Lifelong Learningfor All; OECD, Paris, 1997, pp. 36 e 37.

viagens? Se pensarmos que por volta do ano2000 um bilhão de pessoas estará usando aInternet7, quantas pessoas trabalharão emcasa, lerão livros sem páginas e terão comoprincipal mercado as infovias globais?

Sabemos que a vida urbana serámais intensa e aglomerada: só nos paísesem desenvolvimento 4,5 bilhões de pessoasviverão, por volta de 2025, nas cidades, 17das quais serão megalópoles com mais de11 milhões de habitantes cada.8 As pessoastenderão a conviver nas ruas – não se sabese armadas até os dentes ou não – e inalar oar que ainda possa ser respirado, caso o usode combustíveis fósseis volte a quintuplicar-se como ocorreu a partir de 1950. Por suavez, o crescimento da população nas cidadese seus arredores, as modificações do meioambiente, o incremento generalizado daexpectativa de vida e a resistência cada vezmaior dos germes, que agora, além disso, sedeslocam à velocidade dos aviões, afetarão asaúde das pessoas.9 Surgirão novasenfermidades, e novas formas de tratá-las.Poderão a biotecnologia e a engenhariagenética representar uma solução,considerando que já nos próximos anos umaentre cada quatro drogas será produzidageneticamente e que o projeto do genomahumano abre a possibilidade de multiplicarde 10 a 25 vezes os atuais “alvos genéticos”(gene targets) aptos para medicação?10

Em breve, durante os próximos 25anos, surgirão cenários que mal poderemosreconhecer, como essas visões de Magritteque – de uma ordinária janela do dia a dia –revelam um horizonte inesperado esurpreendente.

7 Nicholas Negroponte, “The Third Shall Be TheFirst”, Wired Magazine, Janeiro de 1998. Fontesmais conservadoras estimam que no ano 2000 sealcançará uma cifra em torno de 700 milhões deinternautas. Ver UNDP, Human DevelopmentReport, UNDP-Oxford University Press, 1999, p. 5.8 Ver Paul Kennedy, Preparing for... op.cit., -. 26.9 Tirado do diálogo entre Luc Mantaigner e DavidHeymann, publicado em UNESCO, “De quoisouffrirons-nous au XXIeme siècle?” Entretiensdu XXIeme siècle, UNESCO, Office d’Analyse etde Prévisions, Paris, 16 de dezembro de 1998.10 Ver Werner Arber e Mathis Brauchbar,“Biotechnology for the 21st Century”. In OECD,21st Century Technologies, OECD, Paris, 1998,pp. 77-95.

REVOLUÇÕES EDUCACIONAIS: DEONTEM E DE HOJE

Podemos apenas imaginar asdemandas e possibilidades com que sedefrontará a educação no século 21, mastudo indica que passará por uma verdadeiramudança de maré. Vale dizer, portransformações que pertencem a uma ordemnão trivial nem acumulativa, como seriaimaginar que haverá mais alunos eprofessores, maiores dificuldades parafinanciar as escolas e um aumento de todotipo de insumos. Devemos, antes, partir dapremissa de que a educação se encontradiante da possibilidade de ver-se obrigada auma volta radical, de natureza similaràquelas que deram origem, sucessivamente,à escola, à educação pública em seguida e,mais adiante, ao ensino massificado, as trêsrevoluções que alteraram na raiz a forma deconceber e produzir a educação durantes osúltimos séculos.

Estamos, provavelmente, às portasde uma quarta revolução dessa mesmamagnitude, impulsionada por rápidas edecisivas mudanças no entorno dentro doqual se organiza a educação e das teorias econceitos que regem sua produção.

Sabe-se que a educação não sedesenvolve autonomamente. Tende a serapenas um “espelho da sociedade”.11 O quêensinar, e a quem, onde como e quando,sofrem poderosa influência da cultura dacomunidade, da demografia, da atitude dasfamílias, das condições políticas, dasdemandas da economia, das idéias sobre aeducabilidade das pessoas, das teorias deaprendizagem, da disponibilidade e uso detecnologias e dos recursos que a sociedadeestá disposta a dedicar a esta empreitada.Em suma, um conjunto de fatores externosao próprio sistema educacional. Influemainda, indubitavelmente, diversos fatoresendógenos, como as tradições do sistema, aorganização e administração das instituiçõesque ministram o ensino, a formação econformação do corpo docente, os padrões emétodos de avaliação adotados, etc. Mesmoestes últimos fatores, porém, são tributários esua estabilidade ou mudança depende da

11 Diane Ravitch – “When school comes to you”;The Economist, setembro 11 – 17 1993, p. 45.

permanência ou modificação do entorno.Assim, quando este começa a mudar emquase todas as suas dimensões essenciais ea uma velocidade crescente, podemosantecipar que também a educação terá seucurso histórico alterado, que não poderápermanecer estável e se verá forçada aadaptar-se às novas circunstâncias. Quetambém ela verá transtornados seusfundamentos, sua fisionomia e seus modosde operar.

Quando falamos de revoluçõeseducacionais a análise refere-seprecisamente a essas mudanças doparadigma segundo o qual se organiza atarefa social da educação. Ao longo dahistória, tais processos – inevitavelmenteescassos – foram sempre produto de umaconstelação particular de mudanças noentorno em que opera a educação. Sãoprocessos que, ao contrário do que sugere ainterpretação mais imediatista do termorevolução, levam um longo tempo aproduzirem-se. Não operam na esfera dopoder, onde os efeitos podem serobservados de imediato. Supõem, aocontrário, um prazo mais longo, pois sófrutificam quando produzem novas práticasculturais e instauram um novo princípioeducativo na sociedade. Nada disso ocorrede um golpe, abruptamente.

Com efeito, em que consistiram,esquematicamente, as revoluções culturaisanteriores?

Escolarização

Sabemos que a educação tem suasraízes em um passado tão antigo emisterioso como o da linguagem. Nenhumasociedade, desde que há comunicaçãosimbólica, pode abster-se de educar.12 Aindaassim, “na maior parte das sociedadeshumanas em quase todos os tempos elugares”, como mostrou Arnold Toynbee, “aeducação, no sentido amplo de transmissãode uma herança cultural, tem sido umaatividade não deliberada e desorganizada.Em geral, as pessoas adquirem sua culturaancestral da mesma forma que aprendem

12 Ver Jules Henry, Essays on Education; PenguinBooks, Hamondsworth, 1971, cap. 5, “A Cross-Cultural Outline of Education”, pp. 72-183.

sua língua materna”.13 Na verdade, semprehouve mais que isto. Por exemplo, oantropólogo Jules Henry, em seu estudotranscultural sobre os métodos de ensinoadotados ao longo da história, relaciona 55dispositivos utilizados para aprendizagem,tão díspares como a imitação, aexemplificação, o uso de prêmios e castigos,as cerimônias rituais, a memorizaçãoinduzida, a experimentação, os jogos, aobservação, a manipulação de objetosfísicos, a música, as lendas, etc.14 Somentecom o aparecimento da escola tais métodospassaram a fazer parte de um processosistemático, deliberado, especializado efocalizado de ensino.

A origem da escola – ao menosaquela de onde descende a modernaestrutura escolar15 – é relativamente recente,contudo. Conservam-se poucos testemunhosda existência e funcionamento das primeirasescolas medievais, anteriores ao séculoXV.16 Os historiadores nos informam queeram instituições privadas, dependentes daigreja e territorialmente dispersas. Não haviapropriamente um sistema escolar planificado,coordenado e unificado. Antes, ainda quefossem poucas, era grande a diversidade dasescolas, pois deviam atender a umavariedade de grupos (nobres, urbanos erurais) sendo também importante a distinçãoentre os sexos.17 Seu objetivo era formarbons cristãos e preparar pessoal para astarefas eclesiásticas. A educação prática, porsua vez, ficava nas mãos da família, dosateliês de ofícios e da comunidade.

A formação escolar transcorriaessencialmente em um meio de cultura oral,onde as pessoas “sabem aquilo que 13 Arnold J. Toynbee, “Conclusiones”. In EdwardD. Myers, La Educación en Perspectiva Histórica;Fondo de Cultura Económica, México, 1966, p.356.14 Ver Jules Henry, Essays on... op. cit. pp. 80-82.15 Ver Phililippe Aries, Centuries of Childhood;Penguin Books, Hamondsworth, 1973, pp. 132-323.16 Ver Rudolph Hirsch, “Imprenta y Lectura entre1450 y 1550”. In Armando Petrucci (ed.) Libros,Editores y Público en la Europa Moderna;Institució Valenciana d’Estudis i Investigació,Valencia, 1990, p. 67.17 Ver Shulamith Shahar, Childhood in the MiddleAges; Routledge, Londres e Nova Iorque, 1992,pp. 162-253.

conseguem lembrar”. Daí a importância damemória.18 O método de ensino era arepetição. Os alunos eram poucos e seagrupavam sem consideração de idade. Emgeral, a educação começava tarde, entre ossete e os nove anos, e terminava cedo, porvolta dos quinze anos. Somente quandosurgem as universidades é que a educaçãose estende para além da puberdade.19 Nãoexistia a noção de um currículo seqüencial dematérias. Tampouco havia lugares separadospara ensino: os mestres ditavam suas liçõesno claustro ou nas portas das igrejas. Oconhecimento transmitido era escasso já queas necessidades formativas eramelementares e os arquivos acumuladosreduzidos. Romon Llull deixou o testemunhode um plano ideal de estudos, desenhado noséculo XIII para seu Emílio, que batizou deBlanquerna: “quando o menino alcançava aidade de oito anos, devia ser enviado àescola. Primeiro estudava a língua materna,os conteúdos básicos da fé, os DezMandamentos, o significado dossacramentos, o esquema dos sete pecados edas sete virtudes. Na segunda etapaestudava gramática latina, dialética e retóricae, em seguida, filosofia natural e medicina nograu necessário para cuidar de sua saúde”.20

Quanto à dotação docente, é provável quedurante muito tempo as escolas ligadas àscatedrais – ditas catedralícias - contassemcom apenas um ou dois mestres queensinavam principalmente catecismo e latim,matérias às quais iam se agregando, nosníveis superiores, as artes liberais do trivium– gramática, retórica e dialética – e, noscursos avançados ou nas faculdades dehumanidades das universidades, oquadrivium (aritmética, geometria, música eastronomia). Dos resultados obtidos sabe-sepouco. “É evidente”, lemos em um estudocontemporâneo, “que por longo tempo ascrianças aprendem palavras e frases em

18 Ver Walter J. Ong. Oralidad y Escritura.Tecnologias de la Palabra; Fondo de CulturaEconómica, México, 1982, pp. 15-8019 Sobre a origem das universidades européias,ver H. de Ridder-Symoens, A History of theUniversity in Europe, Vol 1; Cambridge UniversityPress, 1992.20 Blanquerna: A 13th Century Romance. Citadopor Shulamith Shahar, Childhood in… op.cit. p.177.

latim sem entender seus significados”.21

Será que isto nos soa familiar?

Eis aqui, então, a origem medieval daeducação escolarizada, a primeira revolução,aquela que inventou a escola. Levou séculospara se desenvolver, molecularmente, desdebaixo. Foi essencialmente uma revolução naforma de organizar o processo educacional.De um paradigma disperso, familiar ecomunitário passou-se a um paradigmainstitucional, metódico e propriamentedidático. Os métodos de ensinodesenvolvidos ao longo da históriacomeçaram a ser sistematizados (teorizados,inclusive) e a serem usados com umpropósito explícito de doutrinação cultural.

Sistemas estatais de educação

A segunda revolução sobrevém como processo de concentração política que levaao estabelecimento dos Estados-nações,entre o Renascimento e a RevoluçãoIndustrial.22 Põe-se então em movimento acriação de sistemas escolares públicos,23 quereuniram, inicialmente em alguns pontos, asenergias intelectuais das nações européias.Uma mudança de época na forma deorganizar espacialmente o poder e delegitimar seu exercício sobre a populaçãodeu lugar, assim, a uma nova maneira deorganizar a transmissão da cultura nacional.De um paradigma privado passa-se a outro,público; de um paradigma deinstitucionalidade fragmentada a outro, deconcentração da tarefa educativa. As formasanteriores de coordenação dadas pelaestrutura eclesial começam a ser substituídaspor uma coordenação de tipo burocrática, oude comando administrativo, que repousa nahomogeneidade das regras e na regularidadedo financiamento proporcionado pelaautoridade central.

Surgem, pela primeira vez,componentes do que hoje conhecemos comosistema estatal de educação. Vale dizer, umconjunto de instituições públicas dedicadas 21 Shulamith Shahar, Childhood in... op.cit. p. 189.22 Ver R. A. Houston, Cultura e Instruzionesnell’Europa Moderna; Societá editrice il Mulino,Bolonha, 1997.23 Ver Margaret S. Archer, Social Origins ofEducational Systems; Sage Publications, Londres,1984.

formal e exclusivamente ao ensino, comprojeção em todo o território nacional e cujocontrole e supervisão estavam, ao menos emparte, em mãos da nascente burocraciagovernamental. Esse processo seriaacompanhado por uma gradual secularizaçãoe homogeneização da educação, facilitadaspela difusão da imprensa, pelo uso dosidiomas vernáculos e pelo desenvolvimentode uma incipiente cultura científica.24 Nasegunda metade do século XVII aparecem asprimeiras revistas de ciências.

Passa-se da cultura oral ao reino dotexto impresso. Essa mudança tecnológica éparte fundamental da segunda revolução,pois o acesso individualizado a textosdiversos não é a mesma coisa que muitasmentes exercitando-se sobre um único texto,como mostrou Elizabeth Eisenstein. Apadronização que a imprensa traz consigonão incide apenas sobre a imagem socialque se tem dos erros textuais e dascorreções “como também nos calendários,dicionários, almanaques e outras obras deconsultas; em mapas, em cartas marítimas,em diagramas e demais obras de referênciavisual. [...] O mesmo sucede com ossistemas de anotação musical ematemática”.25 A difusão de textos uniformesteve, ainda, efeitos jamais imaginados sobreas religiões e ideologias. Ao fixar a palavra eobjetivá-la, passou a ser possível tambéminterpretá-la – como o fazem os protestantes– e tomar distância a respeito da autoridadedo enunciante. Por sua vez, a secularizaçãoda comunicação pública favorece aracionalização dos argumentos e permite odesenvolvimento das ideologias, as quais,para mobilizar as pessoas, tentarão agorainterpretá-las com base em diagnósticos erepresentações do futuro.26

Nas novas condições do entorno, atransmissão educacional ordena-se, paradentro, distinguindo e organizando 24 Ver Elizabeth Eisenstein, The Printing Press asan Agent of Change: Communication and CulturalTransformation in Early Modern Europe;Cambridge University Press, 2 volumes, 1979.25 Elizabeth Eisenstein, La Revolución de laImprenta en la Edad Moderna Europea; AkalEdiciones, Madri, 1994, p. 59 e p. 60.26 Ver Alvin W. Gouldner, La Dialéctica de laIdeología y la Tecnología; Alianza Editorial, Madri,1978, especialmente o capítulo 2.

seqüencialmente suas matérias e, para fora,impondo uma série de regulamentoscomportamentais, um código de disciplinaescolar. Os professores se afastam da tutoriaeclesiástica e começam a especializar-se eprofissionalizar-se. Os alunos sãoclassificados segundo suas idades e a tarefaeducativa – que agora se estende por umperíodo bem definido da vida – se instala emedificações próprias que marcam fisicamentesua separação dentro da comunidade. Aempresa educacional não se limita apenas aformar bons cristãos; estende-se à formaçãobásica – uma alfabetização difusa baseadanos idiomas nacionais – à moral cristã, àsartes liberais e inclui certos conteúdosvocacionais.

Um bom exemplo dessa evolução é oPrincipado de Brandeburgo, onde aeducação elementar torna-se obrigatória noano de 1717. As crianças deviam ir à escoladuas vezes por semana, mas nem todostinham acesso ao ensino público, por razões,ou econômicas, ou geográficas. De modoque a educação popular continua em mãosdo clero local, do proprietário de terras ou daautoridade citadina, do mesmo modo que naIdade Média.27 Enquanto isso, a maioria dapopulação permanece submetida aoanalfabetismo. “Se acreditarmos em Voltaire,em 1879 somente 37% dos franceses sabiaassinar”.28 O que explica, como ele mesmoafirmou em certa oportunidade, que em suaépoca um livro sério não chegava a ter maisque 50 leitores, e um divertido 500.29

Modificação Educacional

A educação massificada – resultadoda terceira revolução – vem pôr fim a esseestado de coisas. Inicialmente, na verdade,ela equivale à alfabetização de todos. Saberler e escrever passa a ser o passaporteexigido para ingressar-se na GaláxiaGutenberg.30 Os efeitos da imprensa fazem-se sentir, agora com força. A padronização 27 R.A. Houston, Cultura e ... op. Cit. Pp. 66-67.28 Geneviève Bolleme “Literatura popular ycomercio del libro en el siglo XVIII”. In ArmandoPetrucci (ed.), Libros, Editores... op. Cit. P. 216.29 Ver Carlo Cipolla, (1983), Educación yDesarrollo... op. Cit. P. 134.30 Ver Marshall McLuhan, The Gutenberg Galaxy.The Making of Typographic Man; Univesity ofToronto Press, 1962.

do processo educacional se converte nabase de sua progressiva extensão a todos,assim como a organização da produção nasfábricas permite massificar os produtosindustriais. Ambos os fenômenos adotam osmesmos princípios de divisão mecânica dotrabalho, especialização e seqüenciamentodas tarefas, disciplinamento da atividadehumana e hierarquização das funções eposições.

Ao lado da Revolução Industrial, aeducação de massas se encarrega depreparar as pessoas para responder àsnovas exigências da economia. “A entrada daciência na indústria teve uma conseqüênciasignificativa: o sistema educacional passariaa ser cada vez mais decisivo para odesenvolvimento industrial. [...] A partir dessemomento seria quase impossível ao país aque faltasse uma educação de massa einstituições educativas superiores adequadasconverter-se em uma economia ‘moderna’; e,ao contrário, os países ricos e atrasados quedispusessem de um bom sistema educativoteriam maior facilidade de desenvolver-se”.31

Além disso, a educação deviadisciplinar a força de trabalho para ocumprimento preciso das tarefas queconstituem a base da produção industrial.Não é a criatividade ou a iniciativa pessoalque se premia na linha de produção, mas oexercício exato das atividades próprias doposto de trabalho. O educador norte-americano William T. Harris expressou emseu tempo esse ideal com toda clareza: “nasociedade industrial moderna, aconformidade com o horário do trem, com oinício da jornada de trabalho na fábrica e comoutras atividades características da cidaderequer precisão e regularidade totais. [...] Oaluno deve cumprir seus deveres no tempofixado, deve levantar-se ao toque dacampainha, mover-se em linha, retornar.Realizar, em suma, todos os movimentoscom uniforme precisão”.32

A massificação da escola deviacontribuir, além disso, para a construção da 31 E.J. Hobsbawn, La Era del Capitalismo; Vol. 1,Ediciones Guadarrama, Barcelona, 1977, pp. 65-66.32 Citado in Ray Marshall / Marc Tucker, Thinkingfor a Living Education and the Wealth of Nations;Basic Books, Nova Iorque, 1992, p. 14.

nação, tarefa que se encomenda à educaçãoestatal. Era preciso difundir um sentimentode pertencimento nacional a toda apopulação, bem como os valores dasociedade: patriotismo, moralidade econformidade com a posição ocupada naestrutura social. Este último aspecto eraparticularmente importante. Como expressouem 1806 um famoso magistrado inglês, “aprosperidade de qualquer estado dependedos bons hábitos e da instrução religiosa emoral dos trabalhadores. Ao proteger asmentes dos jovens contra os vícios que asameaçam, a sociedade tem muito a ganhar,na prevenção dos delitos e na redução dademanda por sanções. [...] Não se trata deeducar os filhos dos pobres de uma maneiratal que eleve sua mente acima da faixa queforam chamados a ocupar na sociedade, ouque se deva incorrer em gasto que exceda omais baixo pago pela instrução. Esquemasutópicos para uma extensa difusão doconhecimento seriam daninhos eabsurdos”.33

A dinâmica social desencadeada foimais forte, contudo, que os preconceitos dosdirigentes ilustrados. Entre 1840 e 1880, apopulação da Europa cresceu 33%; onúmero de alunos do ensino primário 145%.Na Prússia, onde abundavam os colégios, onúmero de escolas primárias cresceu maisque 50% entre 1843 e 1871. Na Itália,dobrou-se a matrícula primária nos quinzeanos seguintes à unificação.34

A massificação para além do nívelprimário, contudo, tardou quase um século aproduzir-se. De fato, só recentemente, apartir de 1950, ela foi estendida aos níveissecundário e terciário. Na Suécia, porexemplo, onde já em 1875 o analfabetismo –medido no momento do ingresso dosrecrutas – era de 1%, por volta de 1900apenas 2% do respectivo grupo etário faziamexame para admissão à universidade. Em1940 essa cifra se elevava a 4%.35 Istoexplica por que em 1930 apenas 1,6% doshomens e 0,3% das mulheres dentro da força 33 Citado in James Donald, Sentimental Education;Verso, Londres e Nova Iorque, 1992, p. 27.34 Ver E.J. Hobsbawn, La Era... op.cit. Vol I, p.143.35 Ver Torsten Husén, Nuevo Análisis de laSocedad del Apredizaje; Ediciones Paidós,Barcelona, 1988, p. 293.

de trabalho desse país tivessem educaçãosuperior. Em 1970, ao contrário, essas cifraseram de 7,3% e 6,6% respectivamente e em1994 de 21% e 23%, respectivamente.36 Porsua vez, nesse último ano, 40 entre cada 100jovens suecos do grupo etáriocorrespondente estavam cursando o ensinosuperior. Em nível mundial, a matrículaprimária cresceu mais de 50% entre 1950 e ofinal dos anos sessenta, enquanto aeducação secundária e a superior dobravamsua cobertura.37 A mesma tendência semanteve durante as duas últimas décadas,elevando constantemente os níveiseducacionais da população mundial. Apesardisso, as diferenças entre os países maisdesenvolvidos e os menos adiantados –adotando a classificação da UNESCO – sãoainda enormes: a taxa bruta de escolarizaçãosecundária é 8 vezes maior nos primeiros,chegando a quase 20 vezes no ensinosuperior.38

Para expandir-se da forma queacabamos de ver, a educação maciça adotouum conjunto de técnicas que a caracterizamaté hoje. Primeiro, instalou um processopadronizado de ensino no âmbito da sala deaulas, que progressivamente incluiria toda apopulação jovem. Segundo, nos níveisprimário e secundário multiplicaram-se osestabelecimentos coordenados esupervisionados por uma autoridade central.Terceiro, tais estabelecimentos cumprem suafunção através de uma rígida administraçãodos tempos e tarefas formativas. Quarto,criou-se um corpo profissional docente quepassou a integrar o quadro permanente doEstado. Quinto, a educação encarregou-sede qualificar e promover os alunos medianteum contínuo processo de exames. Sexto,desenvolveu-se uma série de fundamentosfilosóficos e científicos – sedimentados nasciências da educação – que proporcionaramas bases conceituais e metodológicas dessa

36 Ver OECD Lifelong Learning... op.cit. p. 75(Tabela 1.4).37 Ver Philip Coombs, The World EducationalCrisis; Oxford University Press, Nova Iorque,Oxford, Toronto, 1980, cap. 2.38 Com base em UNESCO, Informe Mundial de laEducación 1998; Santillana Ediciones Unesco,Madri, 1998, p. 108 (Quadros 7 e 8).

empreitada39, a mais ambiciosa empreendidapelo Estado moderno.

Durante os dois últimos séculos, aspremissas dessa empresa passaram a fazerparte da própria estrutura e das rotinas daescola. De fato, tem-se como base que oconhecimento transmitido é lento, limitado eestável; que a escola constitui o único canalde informação através do qual as novasgerações entram em contato com oconhecimento; que os suportes paracomunicação escolar são a palavra dosmestres e o texto escrito; que a escolademonstra sua eficácia quando conseguetransferir certos conhecimentos ehabilidades, cujo domínio é comprovadomediante exames; que a inteligênciacultivada é de natureza essencialmentelógico-matemática, e que a educação escolarencontra apoio na família, na comunidadelocal e nas igrejas.

Em suma, a terceira revolução criouum novo paradigma, mudando a própriaessência do processo de produçãoeducacional e aproximando a escola domodelo industrial de massas. Sua pretensão,e resultado, foi universalizar a educação. Aprimária de início e, em seguida,progressivamente (sem que esta tarefa,reiteramos, se tenha completado) os níveissuperiores. Supõe também, uma radicaltransformação da empresa educativa,convertendo o Estado na agência docente dasociedade, o professorado em um corpo defuncionários públicos, a escola em um meiode produção padronizada de ensino edisciplina e a educação em um direito decidadania e o principal meio para acesso aotrabalho remunerado. A história da empresaeducativa ficou, assim, imbricada “com ahistória da construção da nação, dademocracia e do mercado”40, assumindofunções essenciais para a integração cultural,o regime político e a economia.

39 Para um histórico das teorias e métodos deensino, ver Zaghloul Morsy (editor), Thinkers onEducation, Vols 1-4; UNESCO Publishing, Paris,1994.40 Juan Carlos Tedesco, El Nuevo PactoEducativo, Alauda-Anaya, Madri, 1995, p. 30.

A QUARTA REVOLUÇÃO

É provável que estejamos hoje àsportas de uma nova revolução educacional.Tanto o entorno em que opera a escola,como os próprios fins da educação estãosendo transformados de forma drástica eradical pelas forças materiais e intelectuaisque se acham fora do controle dacomunidade educacional, mas cujos efeitossobre ela serão inevitáveis.

Está em curso, na verdade, umaprofunda transformação, de alcance mundial,em cuja base se encontra um novoparadigma, organizado em torno dastecnologias de informação e comunicação.Fala-se de uma mudança de paradigmatecnológico, ou revolução tecnológica,quando o núcleo das tecnologiasemergentes, além de introduzir novosprodutos, transforma os processosessenciais da sociedade e, assim sendo,penetra em todos os domínios da atividadehumana.41 Por sua vez, “o que caracteriza arevolução tecnológica atual [é] a aplicação deconhecimento e informação à geração deconhecimento e aos dispositivos deprocessamento/comunicação da informação,em um circuito de retroalimentaçãocumulativa que se dá entre a inovação e osusos da inovação”42. Não se trata, portanto,exclusivamente, de que o conhecimento e ainformação desempenhem um papeleconômico e social relevante. Isso já ocorreuantes, ao longo da história.43 O que distingueo momento atual é que as novas tecnologiassão “processos a serem desenvolvidos” enão “ferramentas a serem aplicadas”. Poristo, os usuários estão em condições deassumir controle de tais processos e produzirnovos bens, serviços, idéias, aplicações,como sucede na Internet.

41 Para uma formulação clássica, ver ChristopherFreeman, The Economics of Industrial Innovation;Francis Pinter, Londres, 1989.42 Ver Manuel Castells, The Information Age:Economy, Society and Culture Vol I; BlackwellPublishers, Oxford, 1997, especialmente capts. 1e 2.43 Ver Michael Hobart e Zahary Schiffman,Information Ages. Literacy, Numeracy and theComputer Revolution; The Johns HopkinsUniversity Press, Baltimore, 1998.

Essas mudanças, por sua vez,alimentam os processos de globalização, ese produzem conjuntamente com eles, o quepermite a difusão mais rápida das inovações,acelerando com isto o movimento detransformação mundial.

Para compreender a próximarevolução educacional necessitamos,portanto, caminhar do entorno para osistema; das transformações daquele para oscenários futuros da educação. Devemos,pois, dar uma volta.

As mudanças do entorno sãoimpulsionadas pelos processos deglobalização, que é por onde devemosiniciar. A globalização, por sua vez, alimenta-se da revolução tecnológica em curso – e aretroalimenta; particularmente às novastecnologias de informação e comunicação.Estas últimas serão objeto, por conseguinte,do segundo passo de nossa análise. Oterceiro deverá conduzir-nos, finalmente, dastecnologias a seu impacto sobre o entornoeconômico-social, pois, afinal, não são elasque determinarão por si sós os cenáriosfuturos, mas sua expressão em um novo tipode sociedade: a sociedade da informação.Dados esses três passos, estaremos emcondições de abordar os novos contextos emque deverá desenvolver-se a educaçãodurante a primeira parte do século XXI.

Globalização

Ao avizinhar-se o século XXI, omundo experimenta uma revoluçãosemelhante ou maior que a industrial. Estádando lugar a um novo tipo de organizaçãosocial – do trabalho, dos intercâmbios, daexperiência e das formas de vida e poder –que se sustenta sobre a utilização cada vezmais intensa do conhecimento e dastecnologias.

A globalização compreende, nãoapenas o movimento transnacional de bens eserviços, como também de pessoas,investimentos, idéias, valores e tecnologiaspara além das fronteiras dos países. Elasignifica uma reorganização do espaçoeconômico mundial, uma reestruturação dosmercados de trabalho e um progressivoenfraquecimento dos Estados nacionais.

Representa um inaudito aceleramento dacirculação do dinheiro à volta do mundo. Naatualidade, as transações de divisasultrapassam um bilhão de dólares diários, oque levou o Presidente do governo espanhola dizer: “se a cauda desse potente furacãoque circula pelos mercados de câmbio todosos dias, vinte e quatro horas por dia,passasse um dia por meu país, só de roçá-lolevaria à liquidação de nossas reservas dedivisas em meia hora de divertimento”44 Cria-se, assim, toda uma nova trama de relaçõespolíticas, sem que isto signifique o fim dasdisputas locais. Antes, agora que terminou aguerra fria vaticina-se que as diferenças queseparam as civilizações – suas distintasconcepções “sobre as relações entre Deus eo homem, o indivíduo e o grupo, o cidadão eo Estado, os pais e seus filhos, o esposo e aesposa, a liberdade e a autoridade, osdireitos e as responsabilidades, a igualdade ea hierarquia”45 – serão a principal fonte deconflitos.

A globalização supõe,adicionalmente, uma maior interpenetraçãode diversas culturas, a difusão internacionaldos padrões de consumo próprios dassociedades industriais e o aparecimento deum mercado global de mensagensaudiovisuais. O impacto de tais processosameaça pôr fim ao ordenamento tradicionalda esfera simbólica. Assim, por exemplo, háquem diga que a televisão acabousubstituindo a família, a escola e a igrejacomo agências formadoras46 e quem temauma progressiva “norte-americanização” domundo que poderia liquidar as identidadesnacionais.47 Na feliz expressão mexicana:“nomás eso nos faltaba: um McDonald’s en loalto de la pirámide” (Só isso nos faltava: umMcDonald’s no alto da pirâmide).

44 Felipe González, “Siete asedios al mundoactual”; Internacional, Número 65, julho de 1998.45 Samuel Huntington, “Las civilizaciones endesacuerdo”. In Nathan P. Gardels (ec), Fin deSiglo. Grandes Pensadores Hacen Reflexionessobre Nuestro Tiempo; McGraw-Hill, México,1996, p. 61.46 Ver Zbigniew Brzezinski, “Las débiles murallasdel indulgente Occidente”. In Nathan P. Gardels(ed.) Fin de Siglo. Grandes Pensadores... op. cit.P. 54.47 Ver José Joaquín Brunner, GlobalizaciónCultural y Pormodernidad, Fondo de CulturaEconómica, Santiago, 1998, Parte III, pp. 151-199.

Há, inclusive, quem sustente que aglobalização já estaria tendo efeitos sobre aeducação, ainda que não tenha produzidoconseqüências sobre o currículo, nem semanifestado dentro das salas de aulas.48 Osque assim argumentam sustentam que aglobalização, ao obrigar os países emdesenvolvimento a abrir e ajustar suaseconomias, também os forçaria a reduzir ogasto público e a buscar fontes alternativas(privadas) de financiamento para expandirseus sistemas formativos. Segundo, ospaíses teriam que melhorar seu capitalhumano para atrair o investimentoestrangeiro, ampliando para isto os ensinossecundário e superior, o que criaria maioresdiferenças salariais dentro da população,segundo os níveis de escolarização.Terceiro, a globalização levaria a um usocada vez mais extenso de provas e medidasde comparação internacionais, estimulandoos países a adotar políticas nacionais desucesso e eficiência em detrimento dosobjetivos de eqüidade e coesão sociais.Quarto, as redes globais de comunicações einformações provocariam reações locais deresistência contra o mercado integrado demensagens e conhecimento, gerando assimconflitos adicionais em torno do sentido e dovalor da globalização.49

Não se pode atribuir a ela, porém, oconjunto de efeitos que corresponde aosdiversos, variados e complexos processos dereestruturação econômica, mudançastecnológicas e transformação social ecultural. Mais ainda, os dados existentes nemsempre são compatíveis com aargumentação dos que atribuem àglobalização uma série de conseqüênciasnegativas para a educação. Por exemplo, ogasto público neste setor, expresso comopercentual do produto, aumentou na maioriadas regiões do mundo em desenvolvimentodurante o período 1980-1995, em vez de

48 Ver Michael Carnoy, “Globalization andEducational Restructuring” (manuscrito), StanfordUniversity, 1999.49 Sobre este último aspecto, ver Manuel Castells,The Information Age... op. cit. Vol. II, caps. 1 a 4.Ver ainda Manuel Castells, “Flows, Networks, andIdentities: A critical Theory of the InformationSociety”. In. Castells et. Al., Critical Education inthe New Information Age; Rowman & LittlefieldPublishers, Inc. Lanham, 1999.

diminuir, como se costuma afirmar.50 Emoutros casos, a argumentação apresentada édiscutível, quando sugere, por exemplo, queum aumento das taxas de escolarização nonível médio e superior poderia trazer consigouma maior desigualdade na distribuição darenda. Antes, poder-se-ia argumentar queuma das causas da desigualdade em muitospaíses em desenvolvimento resideprecisamente no fato de se ter adotado –como ocorreu, veremos mais adiante, naAmérica Latina – um modelo de expansãoeducacional que tarda excessivamente auniversalizar o ensino primário, junto com umracionado acesso ao ensino superior pelolento desenvolvimento da matrículasecundária. Por seu lado, países como os doCone Sul, que universalizaram rapidamente oensino primário e, em seguida, o secundário,para só depois expandir a educação de nívelterciário lograram maior eqüidade nosresultados.

Não se pode descartar, contudo, ahipótese de que as mudanças tecnológicas ea difusão de processos intensivos emconhecimento estariam produzindo umamaior demanda por analistas simbólicos eaumentado seu nível de rendas. Em geral, osretornos privados da educação superiorparecem ter aumentado em diversos paísesem desenvolvimento51, alargando-se, comisto, as diferenças salariais em relação aosgrupos menos qualificados. O mesmofenômeno se observa em alguns paísesdesenvolvidos.52 Nos Estados Unidos, porexemplo, “em 1979 um jovem com títulouniversitário e cinco anos de experiênciaganhava apenas 30% mais que outro comexperiência similar e diploma de bacharel;em 1989 esse bônus alcançara 74%”.53 Porsua vez, estudos sérios realizados poreconomistas do trabalho sugerem que omaior uso de computadores poderia explicar

50 Ver UNESCO, Statistical Yearbook 1997,Quadro 2.1151 Ver The World Bank, Human DevelopmentNetwork, Latin America and the CaribbeanRegion, Education and Training in Latin Americaand the Caribbean; Banco Mundial, WashingtonD.C., p. 352 Ver OECD, Education at a Glance. OECDIndicators 1998; OECD, 1998, p. 15 e pp. 351-359.53 Paul Krugman, Internacionalismo Pop; GrupoEditorial Norma, Barcelona 1999, p. 224

até a metade da vantagem nos ganhos dosgraduados universitários durante a décadade oitenta.54

Onde nos leva tudo isso? A afirmarque, ainda que a globalização defina ocontexto geral no qual começa a produzir-seum conjunto de mudanças na educação, nãose pode considerá-la causa próxima ouimediata particular. É provável que aglobalização opere indiretamente no níveldas políticas econômicas dos países e, umtanto mais diretamente, através de seusefeitos sobre certos processos dereestruturação dos mercados de trabalho.Ela serve de base para uma “narrativa”, umdiscurso sobre a competitividade das nações,entendida aqui como capacidade paraconfrontarem-se e medirem-se na arenaglobal, discurso este que tem um amploimpacto sobre a retórica que acompanha aspolíticas educacionais, tanto nos meios decomunicação, como nos círculosempresariais e governamentais, seja nospaíses em desenvolvimento55, seja nospaíses desenvolvidos.56

Por isso mesmo, para nosaproximarmos um passo mais dos futuroscenários da educação, precisaremos agoraabordar uma dimensão mais específica daglobalização, qual seja a das tecnologias deinformações e comunicações e das redesdigitais que se desenvolvem em torno delas.

Tecnologias de Informação

Todos concordam, na verdade, queum fator decisivo, talvez o mais decisivo, doentorno que ora surge e dentro do qual teráque desenvolver-se a educação, são asmudanças que estão ocorrendo no manejoda informação e do conhecimento.

As transformações da estruturasociotecnológica, dos custos, do volume deinformações processadas e do alcance dasnovas tecnologias de informação e 54 Paul Krugman, Internacionalismo... op.cit., cap.12.55 Ver CEPAL-UNESCO, Educación yConocimiento. Eje de la TransformaciónProductiva con Equidad; Nações Unidas, Santiagodo Chile, 1992.56 O relatório A Nation at Risk talvez seja oexemplo mais conhecido

comunicação desempenham aqui um papelessencial. Revisemos, em linhas gerais, cadaum desses aspectos em separado.

Estrutura: as tecnologias deinformação e comunicação são a base de umnovo tipo de relações: as relações de rede.De fato, o que é mais característico dadigitalização eletrônica não é a diversidadede canais, ainda que isto também importe,mas seus efeitos de integração, interconexãoe formação de redes. Nestas, há diversasopções para mover-se de um ponto a outro,ou para comunicar-se. Quanto mais pontosde conexão existirem, maior será aflexibilidade do sistema. Em vez de posiçõesfixas, hierarquias ou fronteiras, as redes dãolugar a fluxos. A relevância social dequalquer agente nessa estrutura passa a sercondicionada por sua presença em – ouausência de – redes específicas.Igualmente, a economia da rede funciona demaneira surpreendente. Quanto maior onúmero de pessoas e lugaresinterconectados, maiores são asprobabilidades de que se produzam fluxos deinformações e maiores as externalidades deuma rede.57 Algo parecido sucede com osprogramas que permitem navegar pelasinfovias. Uma vez “escritos”, eles podem serproduzidos para o mercado a um valorínfimo, sem ficarem sujeitos à lei de retornosdecrescentes.58 Devido à integração digitaldas redes – “quando todos os meios sãobits”, como disse alguém59 - as separaçõestradicionais entre os conteúdos comunicadosdesaparecem, dando lugar a umadiversidade de serviços que cruzam asfronteiras nacionais. Tais serviços “podemser os serviços tradicionais de voz, dados evídeo, ou combinações mais sofisticadas deserviços multimídia voltadas para empresas,governos e usuários residenciais, ou parafins sociais”.60

Por seu lado, as tecnologias de rede– como a Internet, por exemplo – tendem a 57 Ver Russell Neuman, The Future of the MassAudience; Cambridge University Press, 1993, pp.49-53.58 Ver Christopher Anderson, “A World Gone Soft”,The Economist, 25 de maio de 1996, pp. 12-14.59 Nicholas Negroponte, Ser Digital; EditorialAtlántida, Buenos Aires, 1995, p. 2560 OECD, Towards a Global Information Society;OECD, Paris, 1997, pp. 8-9

desenvolver-se de maneira tal quepossibilitem incontáveis convergências, nãosó entre diversos meios de informação ecomunicação, como, ainda, entre múltiplas ediferentes atividades que até hoje estavamseparadas pela divisão e organização dotrabalho herdadas da sociedade industrial. AInternet aparece como uma malha de redesque combina oportunidades de negócios,serviços de informação, correio eletrônico,meios de entretenimento, modos de ensino eaprendizagem, novas formas de contatoentre as empresas e os consumidores,acesso a bancos de dados, funções demuseu, prestações bancárias e financeiras emuito mais.61 Essas novas modalidades deinterconexão entre atividades dissímeisgeram, por sua vez, novas formas de dividir eorganizar o trabalho sob cujo impacto estãose transformando o lar, a educação, asempresas, as universidades, o comércio, osserviços de saúde, o mercado de trabalho eque, no momento oportuno, serãonecessariamente seguidos pelo Estado epela política.

A hipótese mais radical e mais geralformulada até aqui a este respeito postulaque as redes “constituem a nova morfologiasocial de nossas sociedades, e [que] adifusão da lógica de redes modificasubstancialmente a operação e os resultadosdos processos de produção, experimentação,poder e cultura”.62 Efetivamente, associedades contemporâneas parecemcaminhar para a multiplicação de estruturas etipos de redes, sendo os mercados apenasuma dessas estruturas abertas, capazes deexpandir-se para “globalizar” o mundo. Defato, é através desse tipo de organização queas economias avançadas começam aarticular seus processos de produção,inclusive desconcentrando-osgeograficamente, para torná-los maisflexíveis e adaptados às cambiantescondições do mercado mundial. Para ilustrareste ponto, basta considerar os seguintesantecedentes. Em 1993 havia em torno de 37mil multinacionais com mais de 170 mil filiaisao redor do mundo e investimentos externosdiretos acumulados da ordem de dois bilhões 61 Ver Esther Dyson, Release 2.0. A Design forLiving in the Digital Age; Broadway Books, NovaIorque, 1997.62 Manuel Castells, The Information Age..., op.cit.Vol I., p. 469

de dólares.63 Por sua vez, entre 1960 e 1995,o comércio internacional teve umcrescimento sustentado, passando de 24% a42% do produto mundial. Um terço de talcomércio corresponde a transações entreessas empresas multinacionais e suasfiliais.64 Como vimos anteriormente, tambémo mercado de trabalho começa a globalizar-se em certo sentido, ainda que limitando-seaté agora aos indivíduos que compõem osegmento com mais alto nível de educação emobilidade da força de trabalho – osanalistas simbólicos65 - e, no outro extremo,àqueles com menores qualificações, queconstituem a força de trabalho das migraçõesinternacionais.

Há que fazer uma ressalva, contudo.Por ora, a própria base dessa sociedade deredes – a rede eletrônica – está longe dealcançar o desenvolvimento esperado. Asconexões não estão padronizadas; setoresindustriais distintos promovem diferentesarquiteturas que não permitem operaçõesintegradas e muitos deles preferem impedirou retardar, antes que promover, essainterconectividade; os usuários de serviços eos vendedores de serviços estão aindaempenhados em uma batalha pelo controledos parâmetros e do financiamento da rede;o papel das entidades públicas e privadas nodesenho e na administração do sistemacontinua sendo altamente controvertido;muitos dos atores vêem essas tecnologias eserviços como uma espécie de mina de ouropara as próximas décadas e dispõem suasestratégias de acordo com esta visão. Emresumo, “ao encerrar-se o século XX,testemunhamos um período de transiçãocaótica, enquanto inventores, empresários,capitães de indústria e funcionários degoverno buscam negociar um conjuntopadronizado de procedimentos operacionaispara a realização de negócios dentro dapraça pública eletrônica”.66

63 Ver OECD, Lifelong Learning... op.cit. p. 2964 Ver The World Bank, World DevelopmentReport 1998/99. Knowledge for Development,Washington, D.C., p. 2365 Ver Robert Reich, The Work of Nations, VintageBooks, Nova Iorque, 1992.66 Russell Newman, Lee McKnight, Richard JaySolomon, The Gordian Knot. Political Gridlock onthe Information Highway; MIT Press, Cambridge,Massachusetts, 1997, p. 58

Por outro lado, a rede está longe deser inclusiva e de oferecer oportunidadesiguais de acesso a sociedades distintas e,dentro destas, aos vários grupos que aconformam. Pelo contrário, ela reproduz asdesigualdades de infra-estrutura, tecnologias,conhecimento e poder existentes em nívelmundial, como se verá mais adiante.

Custo: devido ao impressionantecrescimento da digitalização eletrônica, ocusto de transmissão e comunicação demensagens reduz-se incessantemente e asinovações se sucedem com maiorvelocidade. Foi notável, por exemplo, aredução do tempo que medeia entre ainvenção e a exploração comercial dosinventos. Foram necessários 112 anos para aaplicação produtiva e oferta ao público dafotografia; 56 anos para o telefone; 35 para orádio; 12 para a televisão e apenas 5 anospara os transistores.67

Por sua vez, as tecnologias paratransmissão das informações tornam-se cadavez mais potentes. Considere-se o caso dostransistores. A cada dois anos duplica-se onúmero de transistores em um circuitointegrado, o que duplica também suavelocidade. Dado que o custo de um circuitointegrado é relativamente constante, isto valedizer que a cada dois anos se obtém, pelomesmo preço, o dobro de elementos,trabalhando ao dobro da velocidade. Issolevou a que os computadores sejamatualmente cem milhões de vezes maispoderosos, ao mesmo custo unitário, que osde há quase cinqüenta anos. “Se a indústriaautomobilística tivesse tido o mesmoprogresso durante o último meio século, umautomóvel custaria hoje um centésimo decentavo de dólar e rodaria mais rápido que avelocidade da luz”.68 A continuar essatendência, e vários especialistas consideramisto possível, até o ano 2020 um únicocomputador seria tão poderoso quanto todosos computadores hoje existentes no vale doSilício.69

67 Ver Russel Neuman, The Future of MassAudience; Cambridge University Press,Massachusetts, 1997, p. 5868 Ray Kurzwiel, The Age of Spiritual Machines;Viking, Nova Iorque, 1999; p. 2569 Riel Miller, Wolfgang Michalski e Berrie Stevens,“The promises and perils of 21st century

Desta forma, a queda do custo deprocessamento e transporte das informaçõesconverteu-se em um fator essencial darevolução da informação. Estima-se que,entre 1950 e 1990, a parte do custo atribuívela hardware tenha caído, de cerca de 90%para aproximadamente 10% do custo total.Por seu lado, o custo real de armazenar,processar e transmitir uma unidade deinformação vem caindo a uma taxa anual de20% durante os últimos 40 anos. Compare-se isto, por exemplo, ao declínio dos custosda energia que alimentou a revoluçãoindustrial: apenas 50% durante um períodode três décadas.70

Volume: o volume das comunicaçõesé função do custo. Assim, segundo umaestimativa, enquanto o preço da transmissãode dados se reduzia, nos Estados Unidos, deum dólar par dez centavos de dólar por milpalavras entre 1960 e 1980, nesse mesmoperíodo o volume aumentava de 100 bilhõespara 10 trilhões de palavras ao ano.71 É estaverdadeira explosão que se costuma maisfacilmente associar ao advento da sociedadeda informação. Com efeito, mudam porcompleto os parâmetros habituais dacomunicação humana, pois, ainda que estaseja tremendamente intrincada e que não sepossa reduzi-la à quantidade de bitstransmitidos,72 a “largura da banda” – isto é,a capacidade de transmissão de informaçõesatravés de um determinado canal – da vozhumana é reduzida: apenas 55 bits porsegundo. Vale dizer, 1.000 vezes inferior ade um modem sofisticado de última geração, technologies: an overview of the issues”. In.OECD, 21st Century Technologies; OECD, Paris,1998. p. 970 Ver Banco Mundial, World Bank PolicyResearch Bulletin, Vol. 3, Número 2, março-abrilde 1992.71 Citado em Russell Neuman, The Future... op.cit.p. 6372 A mente não é igual a um computador. Suacapacidade de manejar informações ésurpreendentemente alta (segundo umaestimativa, um especialista manejaria entre 50 e100 mil conceitos – “Chunks of knowledge”, “bitsof understanding” – em seu campo deespecialização. E uma pessoa qualquer teria ummanejo 1.000 vezes superior, necessário paradesempenhar-se na vida: grosso modo, 100milhões de chunk-bits de compreensão, conceitos,padrões, destrezas específicas). Ver. RayKurzweil, The Age... op. cit., p 119.

e infinitamente menor que a capacidade dafibra ótica que, segundo pesquisas recentes,estaria nas vizinhanças de um bilhão de bitspor segundo,73 o que significa que uma fibrapoderia enviar um milhão de canais detelevisão simultaneamente.

Alcances: além de permitir atransmissão de volumes praticamenteinfinitos de informações, as novastecnologias reduzem, ao mesmo tempo, adistância e o tempo de conexão. As redescriam uma geografia virtual e tornam possívela comunicação instantânea.74 Por sua vez, atecnologia de satélites permite que o custode uma comunicação entre dois pontosvizinhos, na mesma cidade, sejapraticamente o mesmo que se paga para unirdois pontos situados um em cada pólo. E otempo necessário para essa comunicação éidêntico. Estamos longe, pois, das épocasem que a velocidade de uma mensagem eraigual à velocidade de deslocamento domensageiro – como ocorreu ao longo damaior parte da história – e, até, dos temposdos primeiros telefones, que operavam auma distância máxima de 32 quilômetros.

Mas o alcance das novas tecnologiasnão se restringe à extensão e à velocidade.Mais importantes são as propriedadesintrínsecas e as possibilidades que se abrempara transformação das relações sociais.Afinal, é a emergente sociedade dainformação, com suas contradições e lacunasem nível global – e não a globalização comoprocesso histórico mais geral, nem as novastecnologias consideradas à margem dasociedade – que forma o entorno maisimediato onde se desenvolverão os novoscenários educacionais.

Sociedade da Informação

Efetivamente, como resultado dautilização de todo esse novo potencialtecnológico, estão-se produzindo profundasmutações sócio-culturais. O espaçogeográfico mundial vai-se convertendometaforicamente em uma “aldeia global”.Texto, palavra e imagem se combinam deformas que até recentemente mal podíamos

73 Nicholas Negroponte, Ser Digital, op.cit. p. 3174 Pierre Lévy, Qué es lo Virtual?; Paidós,Barcelona, 1999.

imaginar. Uma parte do aumento do tempolivre das pessoas está dedicada a processarinformações. A homogeneidade dasociedade de massas começa a dar lugar àdiversificação e segmentação dos consumosculturais. A convergência entre computação ecomunicação permite novas formas detrabalho, comércio, conversação,aprendizado e ócio. Há mais diversidade eintegração de canais e, em conseqüência,uma possibilidade cada vez maior deinvenção, recombinação e transmissão denovos conteúdos.

Para efeitos do que aqui nosinteressa, o impacto das novas tecnologiaspode ser analisado em vários níveis edimensões.

A revolução tecnológica em curso fazdos processos simbólicos parte essencial dasforças produtivas da sociedade. A cultura –entendida como conhecimento, informação eeducação – se transforma em fator decisivopara a riqueza das nações.75 Há hoje amplaevidência empírica e bases teóricasconfirmando a importância da mudançatecnológica e do capital humano para ocrescimento e a competitividade e ainfluência dos níveis de escolarização daforça de trabalho, da extensão e qualidadeda educação e da capacidade inovadoraresultante do sistema de pesquisa edesenvolvimento (P&D) sobre o aumento darenda nacional e a composição e volume docomércio dos países.76

Isto significa, também, que osprocessos e produtos culturais, incluída aeducação, entram, de uma maneira até agoradesconhecida e imprevista, no âmbito docomércio e do mercado. Suas expressões –encarnadas em signos, mensagens,conhecimento, idéias, imagens e informação– começam a circular através de uma vastarede de meios e canais, cada vez mais embase eletrônica, e interagem das mais 75 Ver Manuel Castells, “Flows, Networks, andIdentities...” op.cit.76 Para um resumo e bibliografia, ver ThomasBailey e Theo Eicher, “Education, TechnologicalChange and Economic Growth”. In Jeffrey Puryeare Jose Joaquín Brunner (eds), Education, Equityand Economic Competitiveness in the Americas,Vol. 1, Organização dos Estados Americanos,Washington D.C., 1994, pp. 103-120.

diversas maneiras entre si e com suas“clientelas”, quer se tratem de audiências, nocaso dos meios de comunicação, ou deusuários, no caso das agências de formaçãoe capacitação. Apenas algumas estruturaslivremente interligadas de meios e canais –convergentes entre si – estarão emcondições de facilitar, no futuro, a contínuaexpansão e interação dessas indústriasculturais globalizadas. Aqui se encontra,seguramente, uma das razões para oscontínuos processos de reestruturação queestão-se produzindo neste setor77

conjuntamente com o desenvolvimento dasinfra-estruturas de informação.78

Essas indústrias são, por sua vez,“empurradas” do lado da oferta pelarevolução das telecomunicações e doscomputadores, e “puxadas” do lado dademanda por públicos situados em contextossocioculturais diversos, cada um comnecessidades singulares e preferênciaspróprias de consumo. Em meio a essesprocessos, a educação passa a ser vista, elaprópria, como a principal indústria naprodução de capital humano, encarregada detransmitir conhecimento às pessoas,desenvolver as capacidades de absorçãosocial do conhecimento disponível e formar oestrato chave da força de trabalho, aquelecomposto pelos que trabalham comconhecimentos avançados.

As novas tecnologias levam a umaampla reengenharia das organizações – deempresas a governos, de funções deprodução a funções de controle e avaliação – 77 Não há, todavia, análises integradas sobreesses processos de reestruturação, tal comoestão se produzindo nas indústrias de meios – arespeito dos quais há uma vasta literatura – e osetor educacional, nem sobre as convergênciasentre ambos. Isso provavelmente se deve aresistências em tratar a educação como umaindústria, do modo como pioneiramente o fez FritzMachlup há três décadas. Ver Fritz Machlup, TheProduction and Distribution of Knowledge in theUnited States; Princeton University Press, 1962.Para uma análise contemporânea da indústriaeducacional nos Estados Unidos, ver Merril Lynch& Co., The Book of Knowledge. Investing in theGrowing Education and Training Industry; MerrilLynch, 1999.78 Ver Brian Kahin e Ernest Wilson, NationalInformation Infrastructure Initiatives, The MITPress, Cambridge, Massachusetts, 1997.

que buscam, assim, adaptar-se à emergentesociedade da informação. Deve-se recordarque estamos aqui diante de tecnologias queincidem em processos básicos, comuns atodas as organizações e atividades, como omanejo das informações, a comunicação, aprodução de inovações, a produtividade doconhecimento, a administração de tempo eespaço, as funções de gestão e comércio,etc. Todas as atividades ou organizações“low tech” vêem-se confrontadas com anecessidade de fazerem a transição para odomínio “high tech”.

De fato, inúmeras são as instituiçõesque começam a se reestruturar e a adotarmodalidades de coordenação que as afastamdo modelo burocrático, hierárquico,centralizado ou piramidal e as aproximam demodalidades de funcionamento em rede.Isso se vê facilitado precisamente pelasnovas tecnologias de informação e em parteexplica sua rápida difusão. Indicativo disto éo fato de que o investimento emcomputadores nos Estados Unidos cresceuentre 20 e 30% anuais durante os últimosvinte anos. Além disso, o investimento emequipamentos elevou-se, de 7% em 1970,para mais de 40% em 1996. Hoje, naquelepaís, aproximadamente um em cada doistrabalhadores usa alguma forma decomputador, o dobro de apenas dez anosatrás.79 Uma estimativa recente estabeleceque a participação dos computadores,softwares e equipamentos detelecomunicações, atinge atualmente 12% doestoque de capital físico dos Estados Unidos,a mesma participação que tinham asestradas de ferro em seu apogeu.80

Algo similar, ainda que em menorescala, vem ocorrendo na América Latina.Segundo estimativas recentes daInternational Data Corporation, a regiãocresceu acima da média mundial, nos anos1996-1997, na importação de computadorespara uso residencial e educacional, emcomputadores instalados per capta, emproporção de gastos com software emrelação aos gastos em hardware e em

79 The Economist, 28 de setembro de 1996.80 S. Janet Butler, Information Technology.Converging Strategies and Trends for the 21st

Century; Computer Technology Research Corp.,Charleston, Carolina do Sul, 1997, p. 23.

provedores de serviço Internet, ficando,porém, abaixo da média mundial no quetange a computadores importados para finsgovernamentais e ao número decomputadores em rede.81

Para as escolas e sistemaseducativos em particular, as novastecnologias oferecem amplas oportunidadesde reorganização, tanto de suas funções detransmissão de conhecimento, como de seusprocessos de gestão interna. Mais ainda,alguns pensam que poderão deixar deaproveitá-las. Como assinalou em umaoportunidade o presidente da IBM, “antes depodermos pôr em marcha a revoluçãoeducacional, teremos de reconhecer quenossas escolas públicas são instituições“low-tech” em uma sociedade “high-tech”. Asmesmas mudanças que trouxeram consigouma transformação cataclísmica de todos osaspectos dos negócios podem melhorar asmaneiras como ensinamos a estudantes eprofessores. E podem melhorar também aeficiência e a eficácia da administração dasescolas”.82

Seguramente, porém, um dos efeitosmais duradouros das novas tecnologias, e demaior alcance para a educação, é atransformação que a economia mundialexperimenta. Ela está mudando rapidamente,a tal ponto que já se fala de uma economiaglobal, cuja parte mais dinâmica baseia-se nautilização do conhecimento. Economia global:“uma economia na qual todos os processosoperam como uma unidade, em tempo real eem escala planetária. Isto é, uma economiana qual os fluxos de capital, os mercados detrabalho, o processo de produção, aadministração, a informação e a tecnologiaoperam simultaneamente em nívelmundial”.83 Economia baseada noconhecimento: “Cada vez mais as economiasdos países da OECD funcionam com base noconhecimento e na informação. Reconhece- 81 Ver The 1999 IDC/World Times InformationSociety Index: Measuring Progress Towards aDigital Future.82 Citado por Wadi H. Haddad, “Education for All inthe Age of Globalization”. In Cláudio de MouraCastro (ed.) Education in the Information Age;Banco Interamericano de Desenvolvimento,Washingtons, D.C., 19978, p. 24.83 Manuel Castells, “Flows, Networks, andIdentities....” op.cit., p. 54.

se agora o conhecimento como a força queconduz à produtividade e ao crescimentoeconômico, o que leva a repensar o papel dainformação, da tecnologia e do aprendizadopara o desempenho da economia. Traztambém consigo a exigência de maior ênfaseem pesquisa e inovação, em capacitação eestruturas trabalhistas flexíveis”.84

Justamente por isso, afirma-se queas economias industriais “estão no umbral demudanças estruturais potencialmenteradicais em sua organização. As redes decomunicação e os aplicativos multimídiainterativos estão proporcionando osfundamentos para a transformação dasrelações sociais e econômicas existentes, nadireção de uma sociedade da informação”.85

Os dados disponíveis avalizam tal previsão.Com efeito, estima-se que mais de 50% doPIB das maiores economias da OECD estáhoje baseado em conhecimentos, incluindo-se aí indústrias como as detelecomunicações, computadores, softwares,a indústria farmacêutica, a educação e atelevisão. As indústrias de alta tecnologiaquase dobraram sua proporção na produçãototal de manufaturados durante as duasúltimas décadas, chegando a 25% do total.E os serviços baseados em conhecimentocrescem ainda mais rapidamente. De fato,como acabamos de ver, o investimento emcomputadores e nos equipamentos a elesrelacionados constitui o elemento maisdinâmico dos investimentos tangíveis dessaseconomias. Igualmente importantes são osinvestimentos mais intangíveis em pesquisae desenvolvimento (P&D), no entretenimentoda força de trabalho, na produção desoftware e de know-how técnico. Na área dospaíses da OECD, o gasto com ciência etecnologia alcança uma média de 2,3% doPIB, enquanto a educação absorve cerca de12% do gasto total dos governos e oinvestimento em capacitação relacionada aotrabalho chega a 2,5% do PIB nos paísescom sistemas dualistas de formação deaprendizes, como a Alemanha e a Áustria.86

84 Candice Stevens, “The knowledge-driveneconomy”; The OECD Observer, No. 200,junho/julho de 1996, p. 6.85 OECD, Towards a Global... op.cit., p. 786 OECD, The Observer No. 200, junho/julho de1996, p. 6.

Por seu lado, o desenvolvimento deredes nos países da OECD, medido pelonúmero de linhas telefônicas, cresceu a umataxa anual composta de 3,9% durante osanos de 1990-1995, chegando a uma médiade 47 linhas para cada 100 habitantes. E opercentual de linhas-tronco digitalizadascresceu, passando de 49% em 1991 para82% do total em 1995. Desenvolvimentossimilares ocorreram em outras infra-estruturas, como a telefonia celular, astelevisões a cabo e via satélite, o acesso àInternet, os sistemas de comunicaçõespessoais via satélite, etc. Tudo isto explica ocrescimento do mercado mundial detecnologia da informação a uma taxa duasvezes maior que a do PIB mundial durante operíodo de 1987-1994, chegando em 1995 aum volume estimado de US$514 bilhões.87

Veremos, mais adiante, como a AméricaLatina está atrasada em relação à maioriadesses progressos e corre o risco dedistanciar-se ainda mais dos países comeconomias dinâmicas e capacidadesavançadas de conhecimento.

Sob as novas condições, mudamtambém as formas de produção e utilizaçãode conhecimentos. Por um lado, a geraçãodo conhecimento técnico-científico torna-seuma atividade menos rigidamenteinstitucionalizada e autocontida dentro dosespaços acadêmicos tradicionais(universidades e disciplinas); por outro, asatividades e o pessoal que usam informaçãoe conhecimento avançados ampliam-se,diversificam-se e combinam-se de maneirasinesperadas.88 Assim, por exemplo, hoje“estão-se produzindo tipos importantes deconhecimentos, não tanto com a intervençãode cientistas, tecnólogos ou industriais, masatravés de analistas que trabalham comsímbolos, conceitos, teorias, modelos edados produzidos por outros em lugaresdistintos, configurando-os em novascombinações”.89 Isto significa que o saberfazer gera-se agora em muitos pontosdistintos, na maioria das vezes dentro de 87 Ver OECD, Towards a Global... op. cit. Paris,199788 Ver, por exemplo, Michael Gibbons, Pertinenciade la Educación Superior en el Siglo XXI, BancoMundial, 1998 e Michael Gibbon et al., The NewProduction of Knowledge, SAGE Publications,Londres, 199489 Michael Gibbons, Pertinencia... op.cit. p. 33

situações de utilização e aplicação deconhecimentos para a solução de problemas.As disciplinas acadêmicas vêem-seultrapassadas por novas práticas em queparticipam os que identificam e solucionamproblemas e os coordenadores e árbitros doconhecimento. Ao contrário, “os acadêmicosforam lentos na aplicação de suashabilidades a assuntos sociais urgentes, emparte, supõe-se, pela falta de meios eincentivos para abordá-los e, em parte,devido ao fato de que esses são assuntoscontrovertidos, onde o risco de fracasso éalto”.90

Mais ainda, a produção deconhecimento já não se defineexclusivamente no lado da oferta. Passa aser determinada também pela demanda, quea atrai para diversas direções segundo asdinâmicas dos problemas que se buscamidentificar, atacar e resolver. Seguramentepor isto, tendem a ocorrer atualmentedesenvolvimentos variados em “áreascinzas”, de natureza transdisciplinar, cujoensino se apresenta sob a forma de“repertórios para solução de problemas”. Oestoque de conhecimentos deixa de ter aforma de “arquivos”, adquirindoprogressivamente a modalidade – emobilidade – dos fluxos, o que vem reforçadopelo fato de que o conhecimento acumuladose amplia e renova a taxas até agoradesconhecidas. Na formulação de políticas,todas essas mudanças representam umapossibilidade real de ampliar as bases desustentação e alimentação. Em vez datradicional separação entre intelectuais eacadêmicos, de um lado, e formuladores efazedores de políticas do outro, começam acriar-se pontes e mediações que aproximamambos os setores, pondo-os em contato emredes de comunicação e informação que osenvolvem par a par.

A produção de conhecimentos emrede, e as interconexões sem tempo nemespaço que se estabelecem entre osanalistas simbólicos, são traço central dasociedade da informação. Isto permiteesperar que a globalização, ainterconectividade, a mobilidade e amultiplicação dos fluxos – de idéias,

90 The Glion Declaration, “The University at theMillenium”, 1998

informações, conhecimentos, dados,experiências, pessoas, produtos e serviços –também incentivem uma completareorganização das atividades maisavançadas de conhecimento, onde quer quese localizem. Elas precisarão serredesenhadas para aproveitarem asvantagens de operar em rede. Vale dizer,mediante o desenvolvimento de relaçõesflexíveis, sem centro fixo, multidirecionais, dealta velocidade e alcance global, e comcrescente intervenção e controle dos queparticipam de tais atividades.

A pesquisa educacional poderia tirargrandes benefícios de todos essesdesenvolvimentos. Ao abandonar oprotegido, mas estreito círculo da atividadeacadêmica tradicional ela poderádesenvolver-se em um território mais amplo.Poderá entrar em contato com dinâmicas deconhecimentos que se assentam emindústrias e setores em relação aos quais semanteve, até agora, em estéril isolamento.Poderá adquirir novas dimensões aplicadas etransdisciplinares, incluindo uma vinculaçãomais íntima com o desenvolvimento dastecnologias em relação às quais se mantevea uma conservadora distância.

Em suma, parafraseando Castells,pode-se dizer que as redes criam uma novaorganização social para as atividades deconhecimento baseadas na inovação, nadescentralização e na globalização; para opessoal e as empresas que trabalham comconhecimentos avançados e buscamadaptar-se ao novo entorno; para umacultura infinitamente plástica que não deixede se transformar e para algumassociedades que de pronto superarem oespaço e reduzirem o tempo de suastransações e intercâmbios.91

NOVOS CONTEXTOS DA EDUCAÇÃO

É dentro deste quadro que aeducação se desenvolverá no futuro. Astransformações de seu entorno mais próximosão de tal magnitude que permitem preveruma verdadeira revolução de alcancessimilar às outras que deram origem àescolarização da função educativa, à

91 Manuel Castells, The Information Age… op.cit.Volume I, p. 471

organização estatal da educação em seguidae, mais recentemente, à massificação doensino.

Tentemos agora uma primeiraabordagem das mudanças mais relevantesque a educação enfrenta e vejamos que tipode questões assomam a partir dessaconfrontação.

Em primeiro lugar, o conhecimentodeixa de ser lento, escasso e estável. Aocontrário, está em permanente expansão erenovação. Estima-se que “o patrimônioglobal de conhecimentos acumuladosduplica-se atualmente a cada cinco anos”.92

A Universidade de Harvard levou 216 anospara chegar a seu primeiro milhão devolumes e apenas cinco para reunir o últimomilhão.93 As revistas científicas passaram, dedez mil em 1900, para mais de cem mil naatualidade.94 No caso da matemática, umanalista assinala que são publicados 200.000teoremas anualmente.95 E as publicações dehistória de duas décadas apenas – entre1960 e 1980 – são mais numerosas que todaa produção historiográfica anterior, desde oséculo IV a.C.96 Também a especialização écada vez mais pronunciada e pulveriza oconhecimento ao infinito. Um estudo do inícioda década de noventa identifica 37 mil áreasde pesquisa científica97, todas em plenaebulição. Só na área da matemática existemmais de 1.000 revistas especializadas, asquais qualificam a produção da disciplina em

92 Ricardo Díaz Hochleitner, Presidente do Clubede Roma, “Comienzo de un debate”. In Juan LuisCebrián, La Red; Taurus, Madri, 1998, p. 893 Ver Derek Bok, Higher Learning; HarvardUniversity Press, Cambridge, Massachusetts,1986, p. 162.94 Ver Henry Rosovsky, The University. AnOwner’s Manual; WW. Norton & Company, NovaIorque, 1990, p. 102.95 Ver B.I. Madison, “Mathematics and Statistics”.In. B.R. Clark e Guy Neave, Encycopaedia ofHigher Education, Pegamon Press, Oxford, 1992,p. 1372-88.96 Ver H. van Dijk, “History”. In B.R. Clark e GNeave, Encyclopaedia… op.cit. pp. 2009-1997 Ver SRI Project, “New Directions for US-LatinAmerican Cooperation in Science andTechnology” (Relatório Final), junho de 1988, p.44.

62 tópicos principais, que por sua vez sedividem em 4.500 subtópicos.98

Tudo isso – a proliferação e aparenteanarquia no mundo do conhecimento –representa uma verdadeira mutação docontexto em que tradicionalmente temoperado a escola. Nem a uniformidade docurrículo, nem sua pretensão abrangente,nem a suposição básica da educação QI – deque todas as inteligências são iguais – fazemmais sentido.99 O que se deverá ensinar nofuturo? Poderá o currículo escolar adaptar-sea esta mutação e, depois manter-seatualizado? Como incorporar a mudançapermanente na escola? E, como procederfrente à acentuada fragmentação eespecialização do conhecimento? Quearranjos deverão ser adotados para transmitiruma visão relativamente integrada doconhecimento? Bastará incluir certos“conteúdos transversais”, ou será preciso umenfoque radicalmente diverso? E, comoescapar ao dualismo entre uma culturacientífica cada vez mais abundante, dinâmicae dividida e uma cultura humanística queprocura conservar a sabedoria das tradiçõese a unidade dos valores depositados nos“grandes livros”, em palavras sagradas ou napoesia? Não é fácil antecipar uma resposta aessas perguntas. Mas há algo que já estáclaro: a escola não poderá sobreviver àsmudanças se não abandonar as técnicas eas premissas que lhe foram dadas pelaRevolução Industrial e seu vínculo, aindamais antigo, com o aprendizado pormemorização.

Em segundo lugar, oestabelecimento escolar deixa de ser o únicocanal de contato das novas gerações com oconhecimento e a informação. Existem hojeos meios de comunicação e, a seu lado, asredes eletrônicas e uma verdadeira indústriado conhecimento. Os meios tradicionaistornaram-se mais potentes. Assim, porexemplo, estima-se que no início da décadaatual publicavam-se no mundo cerca de 900mil títulos editoriais, 80% mais que vinte anos

98 Ver B.I. Madison, “Mathematics...”, op.cit. pp.2372-88.99 Ver Howard Gardner, Multiple Inteligencies,Paidós, Barcelona, 1995, em especial SegundaParte, Capítulo 5.

antes.100 A isto se agrega agora a informaçãotransmitida eletronicamente. Já em 1980 umcidadão médio de uma sociedadeindustrializada estava exposto a quatro vezesmais palavras/dia que em 1960. Duranteesse tempo a informação eletrônica cresceua uma taxa anual composta de mais de 8%,dobrando a cada dez anos.101 Porconseguinte, se ontem o problema era aescassez de informações, ou a lentidão desua transmissão, o perigo agora é a“saturação informativa”. Com a chegada dasnovas tecnologias de informação ecomunicação vem ocorrendo, pois, umarevolução de significado comparável àquelaprovocada pelo advento da imprensa.“Descobrimos como empregar impulsos deenergia eletromagnética para incorporar etransmitir mensagens que antes eramenviadas por meio da voz, da imagem e dotexto”.102 Como disse o Diretor do Laboratóriode Mídia do MIT, “o lento manuseio humanoda maior parte da informação em forma delivros, revistas, periódicos e videocassetesestá por converter-se na transferênciainstantânea e de baixo custo de dadoseletrônicos que se movem à velocidade daluz”.103

Nessas condições, como deverá secomportar a escola do futuro? Continuarácom as costas voltadas para as novastecnologias de aprendizado, ou irá aproveitá-las para si? E poderá fazê-lo sem mudar, ouver-se-á forçada a transformar-se paraexplorar essas possibilidades ao máximo? A“Geração da Net”, da qual já se começa afalar, representa um desafio para o ensino.104

Poderá este adaptar-se à cultura maisvariada e menos lexicográfica, mais icônica emenos focalizada das novas gerações? Quefará a escola para subsistir em um mundo demúltiplos canais, onde as crianças dedicammais horas à televisão que a seus deveresde casa, e mais energia a seus pares que aseus professores? Como ensinará a 100 Ver UNESCO, Statistical Yearbook 1997, Paris1998101 Ver Russel Neuman, The Future of... op.cit.p.50102 Ithiel de Sola Pool, Tecnologias sin Fronteras;Fondo de Cultura Económica, México, 1999, p. 19.103 Nicholas Negroponte, Ser Digital, op.cit. p.12104 Ver Don Tapscott, Growing Up Digital. TheRise of the Net Generation; McGraw-Hill, NovaIorque, 1997.

selecionar e discriminar informações emmeio à verdadeira maré que vem seformando a sua volta? Poderá fazê-lo, ouserá, ela própria, sepultada? Conduzirá osalunos pelo caminho do “aprender aaprender”, ou continuará sendo umainstrução sem expressão real? Comoseparará o ruído das mensagens e evitaráque se intensifiquem as dissonâncias, queinevitavelmente tendem a aumentar?

Em terceiro lugar, a palavra doprofessor e o texto escrito deixam de ser ossuportes exclusivos da comunicaçãoeducacional. Mesmo sem considerar osmeios eletrônicos de última geração, já sevive em uma verdadeira Torre de Babel. Atelevisão apresenta 3.600 imagens porminuto, por canal. Cada emissora de rádiotransmite, em média, cerca de 100 palavraspor minuto. Um jornal diário pode conter porvolta de 100 mil palavras e várias centenasde imagens. As revistas e os livros agregamum fluxo de escala similar. Além disso, cadaindivíduo está exposto a cerca de 1600anúncios publicitários por dia105 e recebevários milhares de palavras adicionaisatravés das comunicações telefônicas e defax. A tudo isto se agrega agora o acesso àworld wide web e a convergência de diversasformas de transmissão eletrônica sob umamodalidade digital comum. À luz dessasmudanças, poderão continuar inalterados ospapéis tradicionais da escola e do professor?Que métodos pedagógicos terão de seradotados e desenvolvidos? À medida que seglobalize a educação, que atitude adotarãoos governos e as famílias? Ante asmudanças impostas pelas novas formas decomunicação cabe perguntar, inclusive, se asala de aulas – pedra angular da educaçãomaciça – poderá subsistir. Em resumo,também a escola terá de adaptar-se àmudança tecnológica, como vêem fazendoas empresas e as universidades, as funçõesde governo e as funções domiciliares.Principalmente quando se pensa que amudança tecnológica em curso – ao contráriodo que ocorreu nos tempos da RevoluçãoIndustrial – afeta a própria estrutura doprocesso educacional, sem deter-se àsportas da escola, que diz respeito àstecnologias da palavra, à transmissão doconhecimento e da informação, e à

105 Russel Neuman, The Future of... op.cit. p. 90

organização do espaço e tempo formativos, enão só a fábricas e ferrovias, telégrafos emáquinas de produção.

Em quarto lugar, a escola já nãopode atuar como se as competências queforma, os aprendizados que promove e o tipode inteligência que supõe nos alunospudessem limitar-se às expectativasformadas durante a Revolução Industrial. Amudança tecnológica e a abertura para aeconomia global baseada no conhecimentolevam necessariamente a recolocarem-se ascompetências e habilidades que associedades devem ensinar e aprender.106

Ainda que as especificações precisas variemsegundo as sociedades, os princípiossubjacentes tendem a convergir: requer-semaior flexibilidade e atenção àscaracterísticas pessoais dos alunos; odesenvolvimento das múltiplas inteligênciasde cada um para resolver problemasambíguos e cambiantes do mundo real;habilidade para trabalhar em conjunto comoutros e comunicar-se nos ambientes detrabalho cada vez mais tecnológicos;habilidades bem desenvolvidas de leitura ecomputação; iniciativa pessoal e disposiçãopara assumir responsabilidades. Vale dizer, ooposto do que busca a educação massificadae padronizada. À luz dessas novasexpectativas, também o currículo, osmétodos de ensino e aprendizagem e ossuportes técnicos da educação devem serreinventados. Há, inclusive, quem propugnedesde já que a formação básica passe a seestruturar, não em torno das áreas e“matérias” tradicionais, mas em torno de“temas” ou “assuntos” e das competênciasnecessárias para uma sociedade onde ospróprios conceitos de trabalho, emprego etempo livre estão em rápida mutação.107

Nem a educação poderá manter-sedivorciada dos locais de trabalho, nem nestesse poderá deixar de aprender e ensinar. Aescolarização como rito de iniciação nacultura dará lugar, assim, à educaçãopermanente. A sociedade do aprendizado 106 Ver, por exemplo, Richard J. Murname e FrankLevy, Teaching the New Basic Skills, MartinKessler Books-The Free Press, Nova Iorque,1996.107 Ver Olivier Bertrand, “Work and Education” InUNECO, Education for the Twenty-First Century.Issues and Prospects; UNESCO Publishing, Paris1998, pp. 157-192.

está já no horizonte.108 Mas, quando chegaráe a que custo para a modalidade escolarherdada da Revolução Industrial e,anteriormente, das escolas catedralícias?Chegará a todas as partes, ou só aos paísesmais avançados? Servirá para estreitar oualargará o hiato que separa as nações e aspessoas por meio de um abismo invisível deconhecimentos e habilidades?

Em quinto lugar, as tecnologiastradicionais do processo educativo estãodeixando de ser as únicas disponíveis paraensinar e aprender. Até aqui a educação foisempre, basicamente, um empreendimentode baixa tecnologia (low-tech): usa a palavrado professor – à razão de umas 125 a 200palavras por minuto – durante algumas horaspor dia, o lápis, o giz e o quadro negro, ostextos impressos e o retroprojetor, bastantedifundido em todo o mundo. Quanto àsdemais tecnologias que bateram às portas daescola, “há um vasto cemitério deexperiências fracassadas”.109 Nem o rádio,nem o cinema ou a televisão conseguiramalterar a forma de ensinar e aprender, masderam lugar a várias modalidades deeducação à distância que, onde conseguiramse consolidar, serviram principalmente paraatender os locais mais remotos e grupossociais que de outra maneira não teriam tidoacesso à escola.110 Mas este panoramacomeçou a mudar dramaticamente nosúltimos anos. De imediato, a “instituiçãoinabalável”, como alguns caracterizam aescola, viu-se diante de uma “forçairresistível”: as tecnologias da sociedade dainformação.111 Os Estados Unidos sepropõem a ter todas as suas salas de aulasconectadas à rede no ano 2000.112 No estadoaustraliano de Victoria, espera-se que no ano2000 cada professor possua um notebook 108 Ver OECD, Lifelong Learning..., op.cit.109 Stephen A. Quick, Cláudio de Moura Castro,“Education in the Information Age. Lessons fromthe Seminar”. In Cláudio de Moura Castro (ed.)Education in… op.cit. seção 3, p.11.110 Para uma revisão de experiências bemsucedidas, ver Cláudio de Moura Castro (ed.)Education in... op.cit.seção 3, pp.131-180.111 Ver Howard Mehlinger, “School Reform in theInformation Age”; Phi Delta Kappan, fevereiro de1996, p402112 Ver Linda Roberts, “Empowering learning withtechnology”. Apresentação na The MicrosoftGovernment Leaders Conference, Seattle, 14-16de abril de 1999.

multimídia e que as escolas tenham umcomputador pessoal para cada cincoalunos.113 O comitê dinamarquês sobre aSociedade da Informação, estabelecido pelogoverno em 1994, dispõe que “todas asescolas primárias e do secundário inferior dopaís sejam conectadas através de uma redeinformática aos serviços relevantes, comobibliotecas públicas virtuais e abertas àcomunicação internacional”, decisão que sevê respaldada por um alto investimento emtais tecnologias que no ano de 1993 chegoua 2,7% do PIB.114 Na América Latina, aocontrário, constatou-se que a maioria dospaíses “carece de uma estratégia abrangentepara incorporar a tecnologia a seus sistemas,ainda que vários estejam fazendoinvestimentos significativos”.115

Ninguém sabe exatamente como asnovas tecnologias de informação ecomunicação transformarão o entornoeducacional. Logo teremos oportunidade dever quais são os principais cenáriosimaginados, ou previstos. São poucos,porém, os que pensam que essastecnologias passarão ao largo, semtransformar a atual estrutura da empresaeducacional e seus métodos de operação.Que conseqüências terá o fato dos alunosobterem acesso autônomo a informações atéaqui controladas pelo professor? De quemaneira se transformará a função destesquando parte de suas tarefas deapresentação rotineira de informações puderser assumida por tecnologias mais eficazespara esse fim que a voz humana e os textosescritos? Que impacto terá sobre as culturaslocais a conexão sem fronteiras à qual osalunos e os professores terão acesso. Umavez que a tecnologia se torne realmenteinterativa, que novas experiências deaprendizagem serão possíveis? E, comoserão utilizadas essas tecnologias? Somente

113 Ver Philip Guide, “Technology and learning: apotent mix”; Apresentação na The MicrosoftGovernment Leaders Conference, Seattle, 14-16de abril de 1999.114 Ministério da Pesquisa da Dinamarca, Info-Society 2000, pp. 61 e 105.115 The World Bank Human Development Network,Education Group-Education and TechnologyTeam, Latin America and the Caribbean;Education and Technology at the Crossroads. Adiscussion Paper; Banco Mundial, Washington,D.C., p. viii.

como uma ferramenta de apoio didático – ocomputador como o lápis ou o texto – ou,pelo contrário, darão origem a novas práticasdentro de novos entornos de aprendizagem?

Em sexto lugar, a educação deixa dese identificar exclusivamente com o âmbitodo Estado-nação e ingressa, também ela, naesfera da globalização. Já vimos que aformação de redes globais de informação econhecimento muda o contexto imediato daescola e, além disso, a relação entreeducação e trabalho. Começam também amudar, agora, as modalidades detransmissão educacional, ultrapassando,primeiro os limites da escola e, em seguida,as fronteiras nacionais. Interrompe-se, assim,o movimento secular que levou a educaçãodo mundo disperso dos agentes locaisprivados à esfera estatal e, dali, àmassificação e a seu papel de principalmecanismo de integração social dentro doslimites do território nacional. A empresaeducacional volta a desconcentrar-se.Descentraliza-se e em muitas partes domundo começa a admitir um componentemaior de atividade, gestão e financiamentoprivados.116 Com a globalização produz-setambém uma maior convergência no planodas políticas educacionais117 e um crescentemovimento em direção à medição, avaliaçãoe comparação internacional de resultados.118

O local vê-se, assim, forçado a entrar emcontato com o global, e as nações se vêemcompelidas a competir em termos de capitalhumano e desempenho educacional. O hiatode conhecimentos em nível mundial ficaexposto com maior nitidez e converte-senovamente em tópico de debate público,119

116 Ver Mark Bray, “Privatization of secondaryeducation: issues and policy implications”. InUNESCO, Education for the …op.cit.pp.109-133.117 Ver Stephen Heyneman, “Educational co-operation between nations in the twenty-firstcentury”. In UNESCO, Education for the…op.cit.pp. 61-75.118 Ver Martin Carnoy “Globalization...”op.cit. Parao caso da educação superior, ver John Brennan,“Panorama General del Aseguramiento deCalidad” In Salvador Malo e Arturo VelázquezJiménez (coord), La Calidad en la EducaciónSuperior en México. Una ComparaciónInternacional. UNAM, México, 1998.119 Dissemos “novamente” porque este havia sidoum tópico importante das teorias da dependênciadurante as décadas de 60 e 70. Sobre as novasversões da dependência-lacuna de

incorporado, inclusive, à agenda dosorganismos multilaterais.120

Como vimos, os incertos efeitos daglobalização colocam diversas questões aospaíses em desenvolvimento: Começa aproduzir-se uma perda adicional desoberania dos Estados ao abrir-se apossibilidade de uma transnacionalizaçãodos processos educacionais? Serão postasem xeque as identidades culturais dos povose a autonomia de seus processoseducativos? A globalização de fato força ospaíses a adotarem políticas que subordinamos objetivos da educação à produtividade dotrabalho e à competitividade das empresas?Estamos a caminho de uma segmentaçãoainda maior dos mercados de trabalho quese traduzirá em uma polarização maisacentuada dos salários entre os analistassimbólicos internacionalizados e ostrabalhadores locais de baixa qualificação?A busca de efetividade e eficiência nosserviços educativos terminará por acentuaras desigualdades entre escolas e, com isto, afalta de eqüidade na distribuição da renda?

Em sétimo lugar, a escola deixa deser mais uma agência formativa que operaem um meio estável de socialização. Devedar conta das mudanças que a família, acomunidade e as igrejas experimentam.Como conseqüência, entre outras coisas, darevolução tecnológica em curso e de seuimpacto sobre as formas tradicionais deexistência social, vivemos uma época quealguém definiu como mais próxima do reinoda anomia que qualquer experiênciaconhecida de ordem social. Vale dizer,próxima a “um estado de extrema incerteza,no qual ninguém sabe que comportamentoesperar dos demais em cada situação”.121

Efetivamente, as sociedades modernas,contratualistas, atomizadas, sem um fundocomum de crenças, encontram dificuldadespara regular normativamente o conhecimentos, ver Martin Carnoy et al. Op.cit.,Gibbons et.al. op.cit. e Robin Mansell e Uta When(editores), Knowledge Societies. InformationTechnology for Sustainable Development; OxfordUniversity Press, Oxford e Nova Iorque, 1998.120 Ver The World Bank, World DevelopmentReport... op.cit. e UNESCO, World Science Report1996, Paris, 1998.121 Ralf Dahendorf, Ley y Orden; EdicionesCivitas, Madri, 199 p.

comportamento das pessoas. Em vez deintegração moral e de uma ordem aceita desanções, tende a imperar uma ambigüidadenormativa. “Vivemos um período no qual asinstituições educativas tradicionais –particularmente a família e a escola – estãoperdendo a capacidade de transmitireficazmente valores e pautas culturais decoesão social. Este ‘déficit de socialização’não foi coberto por novos agentes sociais dacultura – os meios de comunicação de massae a televisão em especial -, até porque nãoforam desenhados como entidadesencarregadas da formação moral e culturaldas pessoas”122. O pensamento conservador,contudo, culpa a mídia por esse déficit desocialização e seus efeitos negativos, como ofaz certo autor quando sustenta que atelevisão se teria convertido em uminstrumento de disseminação de valores“corrompedores, desmoralizadores edestrutivos”, tendo inclusive substituído asagências tradicionais de socialização etransmissão de valores”.123 Não é verdade,porém, que umas agências tenhamsubstituído a outras. O que sucede é queagora todos os meios de comunicação eaprendizagem coexistem em um espaçomultidimensional, criando a sensação de quenada é fixo e de que tudo depende do pontodo vista do observador. Isto põe um desafioadicional à escola: terá que assumir novospapéis em um contexto social cujas basestradicionais se debilitaram. As questões queisto abre são prementes: Como organizar aeducação em vista das mudanças na família?Como proceder frente a uma culturapluralista, onde distintos valores comandam alealdade de diferentes grupos e pessoas?Que pode fazer a educação para mitigar osefeitos da anomia, como a droga e acriminalidade juvenil? E, que papel lhe cabedesempenhar no desenvolvimento de umacultura cívica democrática? A ciência está emcondições de responder parcimoniosamentea esses problemas, mas a educação nãopode esperar.

122 Juan Carlos Tedesco, El Nuevo Pacto... op.cit.p. 36.123 Zbigniew Brzezinki, “Las débilesmurallas...”op.cit. p.54

CENÁRIOS TECNOLÓGICOS DAGLOBALIZAÇÃO

É hora de se perguntar, então, quese pode esperar da anunciada revoluçãoeducacional que, como promessa para uns epesadelo para outros, percorre o horizonte daglobalização, acendendo o debate dentro doscírculos especializados.

A questão que nos propomos é amesma formulada há mais de duas décadaspor Torsten Husén, qual seja, se seriapossível “que as escolas de daqui a trêsdécadas tenham pouco ou nada parecidocom as instituições de tipo tradicional quehoje conhecemos”124. Diversos autoressugerem cenários educacionais quepoderiam resultar das transformações emcurso. Iremos visitá-los e descrevê-losdetalhadamente no próximo capítulo. Por oradigamos que todas essas conjeturas sãodeterminadas por suposições sobre comoevoluirá o processo de globalização, por umlado, e sobre a atitude que os paísesadotarão a respeito da aquisição e uso dasnovas tecnologias de informação, pelo outro.

124 Torsten Husén, Nuevo Análisis... op.cit. p. 282

Levando em conta esses doiselementos, um grupo de especialistas –reunidos na cidade de Kelburn, Escócia –desenhou quatro paisagens básicas defuturo, conforme a suposição de que osprocessos de globalização avançarão em umsentido inclusivo, aberto e cooperativo ou,pelo contrário, em um sentido excludente,fechado e restritivo e conforme, também, asreações nacionais frente ao uso das novastecnologias, se são completas e preventivas,ou parciais e reativas. Em todos os casos, osespecialistas presumiram que a corrente deinovação continuará a um ritmo sustentadono setor das tecnologias da informação ecomunicação. Detenhamo-nos, pois, nosresultados de sua análise,125 expressos emuma matriz de paisagens até os anos 2010 a2015, e tratemos de reconstruí-loslivremente, agregando por nossa contacomo, em cada uma delas, pode-se esperarque evolua e empresa educacional.

125 Ver John Howkins e Robert Valentin (editores),Development and the Information Age;International Development Research Center,Ottawa, 1997

ENTORNO GLOBALInclusivo,Aberto,

Facilitador

RESPOSTA RESPOSTANACIONAL NACIONAL

Parcial CompletaReativa Preventiva

ENTORNO GLOBAL

Exclusivo,Fechado,Restritivo

Kelburn 1 descreve uma situaçãode globalização fragmentada e excludente.As companhias que controlam o acesso àsredes, os provedores de software e osprodutores de conteúdos multimídiafundiram-se e se concentraram em poucasmãos. As redes foram privatizadas e sóquem pode pagar tem acesso. As tecnologiasseguem o dinheiro e este segue astecnologias, circulo que terminou por deixar amaioria de fora. Os países emdesenvolvimento respondem erigindobarreiras e adotam uma visão reativa frenteaos mercados globais. Em todos os atorespredominam os interesses de curto prazo.Os governos não têm a capacidade decoordenarem-se entre si. Produz-se umaprofundamento do hiato que separa ospaíses e, dentro destes, a população. Àsdesigualdades herdadas somam-se outras,provenientes do acesso diferencial às novastecnologias. Estas deixaram de ser umapromessa e se converteram em um meioadicional de reforço da desigualdade. Atéaqui, uma breve síntese do primeiro cenáriooferecido pelo grupo de Kelburn.

O que poderia ter ocorrido nele,entretanto, com a convergência entreeducação e novas tecnologias de informação

e comunicação? Especulemos, pois osespecialistas não se pronunciam sobre estesetor específico.

As melhores escolas privadas pagasestão conectadas à rede e usam astecnologias intensa e produtivamente. Seusalunos recebem uma formação de nívelinternacional. Com isto aumentaram suaspossibilidades de integrarem-se ao segmentointernacionalizado da força de trabalho. Aformação recebida lhes permitedesempenharem-se no mundo das redes; aseu capital social e cultural agregam agoraum capital de fluxos. Dominam o inglês comperfeição e muitos sonham em trabalhar nasempresas transnacionais da sociedade dainformação. Contrastando com as escolas desucesso e integradas no mundo global, aeducação subsidiada continua ancorada noséculo XX e presa aos problemascaracterísticos do subdesenvolvimentoeducacional. Os poucos computadoresadquiridos ao final do século XX e começo doXXI, ou estão sem uso, ou tornaram-seobsoletos. Passaram a engrossar o cemitériode experiências fracassadas. Muitos jovenspobres emigram para o norte e aproveitam adisponibilidade de cursos de capacitaçãopara treinarem-se no uso das novastecnologias. As medições do SIMCE

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mostram resultados apenas um poucomelhores que os de dez ou quinze anos atráse o Chile, como país, continua preso noquintil inferior segundo os resultados doTIMSS. Os alunos das escolas pagas – queaumentaram 18% com resultado da maiorrenda per capta – estes, porém, ficam ao parcom a média dos estudantes de Cingapura eda Finlândia.

O Kelburn 2 resulta de umaglobalização “amigável” – inclusive efacilitadora -, mas onde a respostapredominante dos países emdesenvolvimento foi parcial e reativa. Comisso, acabaram sendo “evangelizados” pelasnovas tecnologias, sem capacidadeautônoma de ação. As infovias abarcaram omundo, mas os acessos, a língua, asinterfaces, os motores de busca e osconteúdos são quase todos administradosexclusivamente por companhiaspertencentes aos países da OECD e a unspoucos e bem sucedidos países deindustrialização recente. Há escassatradução, adaptação e sensibilidade emrelação às necessidades das nações do sul.Estas fazem parte da aldeia global, mas sóde maneira subordinada e dependente.Carecem das capacidades endógenasnecessárias para nela participaremprodutivamente. A promessa das novastecnologias jaz sepultada pelo ceticismo.Grassa a frustração. A teoria da dependênciaestá novamente em voga. O livro de ArielDorfman sobre o Pato Donald é consideradoum clássico e já se comemora sua centésimaedição.

O que se passou, entretanto, com aeducação?

As escolas públicas dos países emdesenvolvimento foram dotadas decomputadores e estão conectadas à rede.Os governos investiram – organizando,inclusive, campanhas de conexão – eempresas transnacionais fizeram generosasdoações, em conexão e espécies. Mas abase do processo de incorporaçãotecnológica falhou. Os professores não foramoportunamente treinados e não há conteúdosapropriados para a tarefa educacional. Nomelhor dos casos, os computadores sãoempregados em tarefas simples e repetitivase no acesso às redes como meio de

entretenimento e sociabilidade entre osjovens. Os computadores, assinala umestudo publicado pela Universidade de SãoPaulo, seguiram na América Latina umatrajetória similar à da televisão: serviram parafins de educação à distância – agoracompletamente internacionalizada – mas nãoconseguiram transformar as práticas de aula.Ali continua imperando o tradicionalismo e osalunos pobres, como ocorria ao final doséculo XX, não conseguem romper o círculoda desigualdade, desigualdade que se viuaprofundada pelo uso diferencial do idiomainglês. Com base na pesquisa domiciliarregional realizada no ano 2012, a CEPALacaba de mostrar que, enquanto um de cadadois alunos provenientes dos 40% dosdomicílios mais ricos aproveita seu domíniodo inglês para acessar conteúdos demultimídia que fomentam o desenvolvimentodas habilidades cognitivas superiores, nocaso dos alunos dos 40% dos domicíliosmais pobres são apenas 5 em cada 100alunos que têm essa possibilidade. Masaproveitam-na com apenas metade dorendimento observado no grupo superior.

O Kelburn 3 resulta de uma atitudepreventiva, até agressiva, adotada pelospaíses frente à aquisição e uso das novastecnologias, combinada com um processo deglobalização, que progressivamente se foifragmentando com a formação de blocosregionais que competem entre si. As novastecnologias são usadas para reforçar asidentidades culturais; as fendas que dividemas civilizações tendem a aprofundar-seperigosamente. Os blocos emergentespreferem desenvolver suas próprias redesregionais a participar em redes universais.Estabelecem-se zonas de inclusão eexclusão. Predomina uma mentalidade dealfândega e fronteiras físicas. A sociedade dainformação torna-se uma nova Torre deBabel. Às guerras comerciais sobrepõem-seagora as guerras culturais. A educação setransforma em aríete deste novo esforço decriar identidades distintas. As escolas seconectam entre si e com todos aqueles quecompartilham uma mesma civilização,história e concepção de mundo. Osfundamentalistas apoderam-se da aldeiaglobal. O tráfego de bits é controlado pelosEstados para evitar qualquer contaminaçãocultural. O pluralismo deu lugar a umamentalidade de gueto, com os educadores,

inclusive, falando de “tolerância zero” emmatéria cultural. A aldeia global não existe,pois predominam barreiras insuperáveis delíngua, religião, moral e costumes. Em muitaspartes do mundo a MTV foi censurada echega ao auge o movimento “Volta àsRaízes”. O multiculturalismo, que esteve emvoga durante a década dos noventa, foisubstituído pela guerra fria das indústriasculturais; a educação voltou a fechar suasportas ao diferente. A interconectividadeprometida pelas redes foi desfigurada e postaa serviço de um neo-nacionalismo de blocos.Alguns países desenvolveram suas própriascapacidades digitais, transformandoradicalmente seus sistemas educacionaispara tanto, mas o mundo tornou-se um lugarhostil e instável. Como em outras épocas dahistória, os sistemas educacionais sãocomparados ao poder bélico das nações e,por este conceito, passaram a fazer parte deuma nova doutrina de segurança regionaldos blocos. As considerações sobrecompetitividade apoderaram-seintegralmente do discurso educativo e asnovas tecnologias passaram a fazer parte doarsenal usado para vencer as civilizaçõesinimigas. Samuel Huntington recebeu o novoPrêmio Nobel de ciências sociais por seustrabalhos pioneiros da década de noventa, noqual previu essas lutas. Um eruditopaquistanês, professor da Universidade deCambridge, declarou recentemente que“nada na história ameaçou tanto osmuçulmanos quanto os meios decomunicação ocidentais”; nem a pólvora,nem as ferrovias, nem o telefone. “Estãosempre presentes, e são ubíquos”, afirmou.“..jamais descansam e nunca deixamrespirar. Esquadrinham e atacam semcessar, sem demonstrar misericórdia ante adebilidade e a fragilidade. [...] Em contraste,o Islã destaca a importância da paciência, doritmo e do equilíbrio. A pressa é obra dodemônio, [como] advertiu o Profeta”, concluisua decalração recolhida pelo jornal Clarínde Buenos Aires.

O Kelburn 4 é produto de umasolução win-win, em que todos ganham.Permitiu o pleno desenvolvimento dasociedade global da informação. Os paísesda OECD convergem com os países emdesenvolvimento e cria-se uma dinâmicaantes desconhecida de acordo e cooperaçãomútua, que permite difundir as tecnologias de

base, convertidas em novo ponto de partidapara o crescimento da economia mundial.Em campos como a agricultura, a saúde, aeducação, os recursos humanos e ogerenciamento do meio ambiente, asconseqüências são revolucionárias. Astecnologias da informação e dascomunicações confirmam sua promessa edemonstram ter enorme potencial,especialmente para os países emdesenvolvimento e para o desenvolvimentosustentável. Isto fica particularmente visívelno âmbito da educação.

Praticamente em todo o mundo asescolas têm acesso à riqueza deconhecimentos disponível e aprendem a usá-la em benefício de um ensino que se tornacada vez mais ativo e eficaz. As barreiras dapropriedade intelectual foram reduzidas e hálivre comércio de serviços simbólicos. AFrança e os Estados Unidos lideraram omovimento para desregular a cultura, comapoio da China e da República Unificada daCoréia. As redes ocupam o lugar da sala deaulas, tendo provocado uma radicaltransformação do entorno em que ocorremos processos de aprendizagem. As pessoasaprendem ao longo da vida e renovam suashabilidades segundo as evoluções domercado de trabalho. Os melhores centrosinternacionais de educação uniram seusesforços com os privados, os governos e osorganismos multilaterais e regionais definanciamento e organizaram uma verdadeiracruzada de melhoramento educacional. Asociedade da informação começou a chamar-se sociedade da educação. A América Latinasuperou o hiato de capital humano que aseparava dos países do sudeste asiático e,em virtude disso, produziu-se o chamado“efeito-Londoño”, que foi quem previu, em1995, que um salto à frente na educaçãoreduziria espetacularmente a pobreza e adesigualdade no continente.

Até aqui tivemos uma recreação livree ampliada do exercício futurológico dosespecialistas reunidos em Kelburn. De possede tais imagens, podemos agora empreenderuma excursão mais sistemática aos cenáriosfuturos da educação.

CENÁRIOS FUTUROS DA EDUCAÇÃO

De saída, vale dizer quemacrocenários sócio-políticos de raiztecnológica como os descritos acima, comsuas respectivas conseqüências para aeducação – ainda que não sejamexpressamente sugeridas – proliferaram naliteratura especializada durante os últimosanos. Habitualmente, tais cenários sãorepresentados por uma divisão dicotômicaentre “positivos” – de alta velocidade eintegração, de adaptação bem sucedida, depermanente inovação, etc. – e “negativos”,dentro dos quais prevêem-se, sob a forma deriscos ou ameaças, precisamente osresultados opostos.126 Em outros casos asprevisões são menos precisas, limitando-se aassinalar que a revolução tecnológica emcurso não poderá deter-se às portas dasescolas, mas que é impossível saber comoirá afetá-las e transformá-las.127 Por último,há quem se aventura a imaginar as formaseducacionais do futuro, geralmente a partirde análises sobre a evolução esperada dastecnologias.128

A seguir daremos atenção a estaúltima classe de literatura, com o objetivo deoferecer algo como um mapa conceitual dereferência que permita localizar os principaiscenários educacionais que estão sendodescobertos, ou imaginados, e as relaçõesde distância e proximidade que guardamentre si e com o entorno criado pelasociedade da informação. Não se trata, emnenhum caso, de uma revisão exaustiva daliteratura. Antes, faz-se uma análisealtamente seletiva, orientada pelo propósitode demarcar um território que ainda está emformação.

Pode-se dizer, em geral, que taisexercícios de imaginação educativa adotamexplicitamente uma perspectiva tecnológicaenfocada a partir de um dos ângulos deabordagem: ou partem da premissa de queas tecnologias da sociedade da informação 126 Ver, por exemplo, Linda M. Harasim, “TheInternet and Intranet for Education and Training”.In Cláudio de Moura Castro (ed.) Educationin…op.cit., pp. 181-201.127 Ver, por exemplo, Howard Mehlinger, “Schoolreform…” op.cit.128 Ver, por exemplo, Bill Gates, Camino al Futuro;McGraw-Hill, Madri, 1995, pp. 181 e ss.

alterarão de maneira radical o contexto emque opera a educação, forçando-a a mudar ea adaptar-se (a visão externa-adaptativa), ouolham as mudanças de dentro da escola,mudanças que logo lhe permitiria entrar emsintonia com seu entorno (a visão interna-sintônica). Em ambos os casos se trata devisões orientadas pelo impacto atribuído àstecnologias, ou delas esperado.

Com freqüência, por outro lado, ficaausente desse tipo de análises a outra peçaessencial para entender-se como poderia sedesenvolver a educação no futuro: isto é, asconcepções ou modelos – teóricos e desenso comum – que os autores têm arespeito de como funciona o processo deaprendizagem. Na verdade, como veremosem seguida, qualquer discussão sobre opotencial educativo das novas tecnologiasestá fortemente condicionada pelaspremissas adotadas, implícita ouexplicitamente, com relação a como seproduz esse “encontro de mentes” (meetingof minds) que está na base do processopedagógico. De modo que, se desejamos terum instrumento mais potente para entendercomo se constroem e diferenciam oscenários futuros, temos de agregar à variáveltecnológica esta outra: a variável dasconcepções pedagógicas. Para simplificar,distinguiremos aqui duas posiçõesopostas.129 Em um extremo, o modelotradicional de aprendizagem por exposiçãodidática; no outro o modelo construtivista deaprendizagem, ou de intercâmbiointersubjetivo.

O primeiro, o mais conhecido, supõeque os alunos devem ser expostos a fatos,princípios e regras de ação que devem seraprendidos, recordados e aplicados. O quedeve ser aprendido é concebido como algoque está previamente na mente do professor,em textos, bases de dados, objetos de arte,etc. O conhecimento é um cânone, ou corpohierarquizado e peremptório de conceitosque pode ser observado (lido) ou escutado eque deve ser adquirido pelo aluno. Imagina-se a mente do estudante como um cântarovazio que deve ser gradualmente enchido por

129 Tomando, com certa liberdade, de JeromeBrunner, The Culture of Education; HarvardUniversity Press, Cambridge, Massachusetts,1996, cap. 2, pp. 44-65.

esse conhecimento, assim como as peças deum quebra-cabeça que vão sendoencaixadas na memória e que serão depoisusadas para resolver outros quebra-cabeças.É uma concepção essencialmenteunidirecional da comunicação pedagógica,que se presta com facilidade à avaliação deresultados através de provas padronizadas.

O outro modelo, associado aosavanços das ciências cognitivas, supõe que acriança constrói ativamente umacompreensão do mundo e que a função dapedagogia é ajudá-la a entender melhor,mais poderosamente e de maneira maiscompleta.130 O aluno não se presumeignorante, mas como alguém capaz deraciocinar e fazer sentido por si só e eminteração com outros. O conhecimento seentende como um produto cultural que deveser compreendido em seu contexto e quepode ser aprendido sob modalidadesdistintas de inteligência. Esta, por sua vez,não está exclusivamente na cabeça daspessoas, por assim dizer, mas ficadistribuída. Isto é, opera apoiando-se emtodo tipo de objetos externos a ela, mas quefazem parte do “armamento intelectual doindivíduo”.131 Supõe-se também, além disso,que o aluno, tal como o adulto, é capaz dereflexão. Vale dizer, de pensar sobre seusprocessos de pensamento. Este modelo érecíproco e dialético, portanto, maispreocupado com a interpretação e oentendimento que com a obtenção de umconhecimento factual. Supõe também que oaprendizado é distribuído e por isso enfatizaos contextos de aprendizagem mais que acomunicação linear, de mente para mente,entre professor e aluno.

A idéia que queremos propor aqui éque a construção de cenários futuros nasceprecisamente da interseção entre essas duasvariáveis, a tecnológica e a de concepções

130 Ver Howard Gardner, The Unschooled Mind.How Children Think & How Schools Should Teach,Basic Books, Nova Iorque, 1991131 Ver Howard Gardner, Inteligencias Múltiples…op.cit., especialmente pp. 234-241. Essa mesmaidéia em Jerome Brunner, Acts of Meaning,Harvard University Press, Cambridge,Massachusetts, 1990. Do ponto de vista dofuncionamento da mente, ver Andy Clark, “WhereBrain, Body and World Collide”. In Daedalus, Vol127, número 2, Primavera de 1998, pp. 257-180.

do aprendizado. Desse cruzamento resultauma matriz de quatro cenários básicos,segundo a combinação das visõestecnológicas externa-adaptativa e interna-sintônica com as concepções objetivista, oudidática tradicional, e intersubjetiva, ou deinteligência distribuída.

VARIÁVEL TECNOLÓGICAVisão Internalizada Visão Externalizada

DidáticaTradicional

CONCEPÇÕESPEDAGÓGICAS

IntersubjetivaCosntrutivista

Novas tecnologias comoenriquecimento do modelo tradicional

O Cenário 1 (doravante C1, se logoC2, C3 e C4 respectivamente, à medida quevão aparecendo) é só em aparência o doGatopardo, em que tudo se modifica parapermanecer essencialmente igual. De fato,as novas tecnologias servem aqui parareforçar o modelo pedagógico em uso, omodelo didático tradicional. O computador éusado como um prolongamento do lápis, dogiz e do quadro negro. No melhor dos casosé visto como um apoio para passarinformações e tornar mais eficientes asrotinas de aquisição de conhecimento.“Geralmente, esse apoio é fornecido emsalas de laboratório (especialmentedestinadas a guardar os computadores),onde, durante períodos predeterminados, osalunos ‘fazem’ computação. [...] Ao terminaro primário e começar o secundário devemadquirir uma alfabetização informática,sentando-se em filas e sendo expostos, umpar de vezes por semana, às habilidadesinstrumentais como o processamento depalavras, o manejo do teclado, o uso deplanilhas de cálculo que se supõe devamchegar a dominar em algum momento dacarreira escolar”132.

As novas tecnologias aparecemdeste modo a serviço da pedagogia frontal,como uma extensão do professor que passainformações e conhecimentos. O modelo daaula em si, ou seja, a forma de transmitir o

132 Chris Morton, “The Modern Land of Laputa.Where Computers are used in Education”. PhiDelta Kappan, fevereiro de 1996, pp. 417-418.

conhecimento e de induzir o aprendizado nãose altera.133

Poder-se-ia perguntar: e que mal temisto, particularmente agora que os resultadoscomparados de algumas provasinternacionais parecem indicar que a didáticatradicional, ao menos sob algumas de suasmodalidades, obtém bons resultadoscomparativos?134 Por outro lado, diversosestudos mostram que os alunos obtêm dequalquer forma ganhos equivalentes a entreum e oito meses de um ano de tempo escolarquando usam exercícios padronizados (drills)assistidos por computadores. Em troca, diz-se, esses ganhos seriam menores quandoestes últimos substituem em vez deaprofundar o ensino tradicional.135

Além disso, poderia ser, comosugere Bill Gates, que “ainda que a aulacontinue sendo a aula, a tecnologia mudará(de todas as formas) muitos de seusdetalhes. O aprendizado [...] incluirá‘apresentações multimídia’, e os deveres decasa incluirão pesquisas de documentoseletrônicos, tanto ou até mais que de livros.Os estudantes serão incentivados aaprofundarem-se em áreas de interesseparticular, e lhes será fácil fazê-lo. Todos osdiscípulos poderão ver como são 133 Ver, a respeito do modelo tradicional de aulacomo modalidade de comunicação, John Tiffin eLalita Rajasingham, En Busca de la Clase Virtual.La Educación en la Sociedad de la Información;Paidós, Buenos Aires, 1997, p. 87 e p. 106.134 Ver Bárbara Eyzaguirre, “PolíticasEducacionales Comparadas”. In Revista deEstudios Públicos, No. 73, Verão de 1999, pp.201-254.135 Ver The World Bank, World DevelopmentReport 1998/99…op.cit., p. 53

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respondidas suas perguntas ao mesmotempo que a dos outros estudantes. A turmapassará parte do dia pesquisandoinformações individualmente ou em grupos,em um computador pessoal. Depois, osestudantes apresentarão suas reflexões ouperguntas em torno da informação quedescobriram, e o professor poderá decidirqual dessas perguntas deverão sercolocadas para toda a turma. Enquanto osestudantes trabalham com seuscomputadores, o professor poderá trabalharcom indivíduos ou grupos pequenos econcentrar-se menos na leitura e mais nasolução dos problemas.136

Talvez não seja necessário, então,adotar uma visão excessivamente críticadesta perspectiva, pois, ao contrário do quesugerem as aparências, inclusive nestemarco algumas mudanças de basetecnológica poderiam de fato influenciar aspráticas tradicionais de ensino eaprendizagem.

Alguns críticos do C1 – queacreditam que este subavalia e subutiliza aspotencialidades das novas tecnologias –reconhecem, inclusive, que a introduçãodessas tecnologias sob a forma de recursode aprendizado poderia, ao final, resultar emum ambiente escolar mais propício a motivare comprometer os alunos no processo deaprendizagem. (O que não seria pouco,considerando que entre os problemas daestão a desmotivação e o desinteresse dosalunos). Fenômenos dessa natureza têm sidoobservado desde já, por exemplo, comalunos que experimentam incapacidadesmentais ou físicas. Em outros casos assinala-se que, ainda dentro de um modelopedagógico tradicional, o uso das novastecnologias teria efeitos benéficos sobre astarefas que supõem identificar e coligirinformações e, na melhor hipótese possível,poderia facilitar o ensino de comotransformar essa informação em novoconhecimento. Afirma-se, ainda, que asnovas tecnologias ajudariam o professor asubstituir seus trabalhos habituais junto aoquadro negro por um trabalho mais centradona explicação (em oposição à meraapresentação do material) e a dar atenção

136 Bill Gates, Camino… op.cit. p. 183

personalizada aos alunos mais e menosdotados.137

Sugeriu-se adicionalmente que o usodas novas tecnologias pode ser concebidocomo um meio de intensificar a interaçãoentre professores e alunos (assunto que,veremos em seguida, está no eixo central doC2), inclusive na perspectiva da educaçãotradicional, através, por exemplo, doemprego de “conferências informáticas” emque o professor introduz a documentaçãorelativa a um tema (as anotações de aulacorrigidas e comentadas) em um servidorque os alunos podem acessar à distância eonde podem deixar e receber mensagens erecolher “as repostas e instruções adicionaisdo professor”.138

Um relatório representativo dessavisão assinala que os computadorestornariam possível uma melhor visualizaçãode procedimentos abstratos, facilitariam otrabalho de diagnóstico através de testesmais freqüentes e sofisticados, ajudariam astarefas de recuperação dos alunos comproblemas e atrasados, serviriam de prótesepara a memória, permitiriam viajar através dotempo, ofereceriam redundância de modoque os alunos possam repetir uma atividadea seu próprio ritmo, melhorariam a motivaçãodos estudantes através do desenho deprogramas personalizados, fomentariam otrabalho de equipe”.139 Também na AméricaLatina foram observadas algumas dessasvantagens.140

Enfim, todas essas aplicações fazemparte do que Balgovest Sendov chama a 137 Ver Jean Lepeltak e Claire Verlinden,“Teaching in the information age: problems andnew perspectives”. In UNESCO, Education for…op.cit. p. 282.138 UNESCO, Informe Mundial... olp.cit., pp. 87-88.139 Tom O’Shea e Eileen Seanlon, “VirtualLearning Environments and the Role of theTeacher”. In UNESCO, Informe Mundial… op.cit.,Quadro 4.7, p. 89. Também ver Luis Osin,Computers in Education in Developing Countries.Why and How?”, The World Bank Education andTechnology Technical Notes Series, Volume 3,número 1, 1998.140 Ver vários autores, Computers in Schools. AQualitative Study of Chile and Costa Rica, TheWorld Bank Education and Technology Series,Special Issue, Banco Mundial, Washington, D.C.,1998.

“primeira onda”141 do uso dos computadoresem apoio à educação. “É usar oscomputadores como um acessório da aulaexistente... como uma maneira deautomatizar as funções instrutivas e tornar oaprendizado mais alegre... O computador fazas tarefas instrutivas sob o controle doprofessor”.142 Esta a perspectiva quenormalmente prevaleceu na hora deintroduzir novas tecnologias na sala de aulas,do quadro negro aos videocassetes, doretroprojetor à instrução assistida porcomputadores.

O auge desta última parece terrespondido a uma combinação de fatores: a)o forte impulso dado pelos governos àdifusão escolar do computador por motivosde orgulho nacional, competitividade de suaseconomias e o valor de modernidadeassociado simbolicamente a essasmáquinas; b) a idéia de que alfabetizar emhabilidades básicas da informática é umimperativo para o futuro desempenho nomundo do trabalho (ver C3, mais adiante); c)o aproveitamento dos computadores com finsespecíficos e precisos de apoio didático,enriquecimento e ensino de cursos remediaise para fins de educação especial.143

O C1, contudo, nos põe, mais quediante do futuro, diante de um conjunto depossibilidades e práticas que já estãopresentes em muitas escolas do mundo,tanto no norte, como no sul. A novatecnologia verte-se aqui em velhos odres,buscando reanimar práticas de ensino quedão mostras de esgotamento e rendimentodecrescente. A tradição engole a novidade,mas segue inalterada. Mudam sim, não defundo, mas ao menos às margens ou emáreas precisas da atividade escolar, aquelasque melhor se prestam à repetição ou querequerem mais um apoio infinitamentepaciente, confiável e às vezes, inclusive,motivador. Não estamos ainda às portas deuma sociedade da informação, mas, ao 141 Ver Balgovest Sendov, “The second waveproblems of computer education”, 1996, cit. inJohn Riffin e Lalita Rajasingham, En busca de…op.cit.142 John Tiffin e Lalita Rajasingham, En buscade...op.cit., p. 132143 Ver John Tiffin e Lalita Rajansingham, Embusca de... op.cit., p. 112 e Howard Meholinger,“School Reform...”, op.cit. p. 403

menos, o C1 nos coloca dentro do mapa queconduz ao futuro.

Uma sala de aulas interativa

Com o C2 muda a perspectivatopográfica de maneira mais ou menosradical. A partir de uma visão interativa econstrutivista do aprendizado e de umaconcepção de inteligência distribuída, pode-se ver agora como as novas tecnologiaspoderão proporcionar aos alunos umpoderoso meio para controlar seus própriosaprendizados. “No passado as escolas foramlugares onde as pessoas revestidas deautoridade decidiam o que se ia ensinar (epossivelmente aprender), em que idade e emque seqüência. Elas também decidiam o quenão se ia ensinar, vale dizer, o que não seriaaprovado como conhecimento”.144 As novastecnologias, ao contrário, permitiriam aosestudantes tomar muitas dessas decisões,acessar as informações que algumas vezesestiveram sob o domínio exclusivo doprofessor e navegar por sua conta sobre aprimeira onda, e mais além.

Este cenário supõe um aluno comgrande capacidade de autoformação,altamente motivado e disposto a tomar emsuas mãos uma parte importante doprocesso de aprendizagem. Eis aqui umavisão concreta desse futuro imaginado:estamos no ano de 2009 e, mesmo que “asescolas ainda não estejam na fronteiratecnológica, reconhece-se amplamente aimportância dos computadores como uminstrumento do conhecimento. Elesdesempenham um papel central em todos osaspectos da educação. [...] Os estudantes detodas as idades possuem seus próprioscomputadores, que agora se assemelham atabuletas delgadas, pesam menos de meioquilo e têm uma tela de alta resolução,própria para leitura. Os estudantes interagemcom seus computadores principalmente pormeio da voz e de um ponteiro que parece umlápis. [...] O acesso aos materiais de ensino éfeito através de comunicação sem fios. Ossoftwares educacionais inteligentes sãoagora um meio comum de aprendizado. [...]Ainda predomina o modelo tradicional de umprofessor instruindo um grupo de alunos,

144 Howard Mehlinger, “School Reform...” op.cit.,p.402

mas as escolas se apóiam cada vez maisnos aplicativos de software, permitindo queos professores cuidem primordialmente dosaspectos de motivação, bem estarpsicológico e socialização. Muitos alunosaprendem a ler por si mesmos, antes deentrarem na escola, usando seuscomputadores pessoais ”.145 O mesmo autorprojeta, em seguida, sua visão educacionalaté o ano 2019, época para a qual prevê oadvento da sociedade pós-Guttenberg,praticamente sem impressos, onde a maiorparte do aprendizado é feito através deprogramas inteligentes que simulam oprofessor, professor este que agoradesempenha funções de mentor econselheiro, mais que de fonte de ensino econhecimentos.146

Quem elaborou mais detalhadamenteo C2 a partir de experiências reais deensino/aprendizado em ambientes de rede,talvez tenha sido Dan Tapscott, criador daexpressão “net-generation” (geração darede). Segundo ele, a escola – a educaçãode aula em geral -, opera atualmente dentrode um modelo de broadcasting, isto é, detransmissão indiscriminada de sinais, de umponto central para vários receptores situadosdentro de um raio de alcance, em contrastecom uma comunicação ponto-a-ponto (comono caso do telefone), ou de pessoa-a-pessoa, como no caso da conversação. É,portanto, uma comunicação centralizada,unidirecional, que dá ênfase à transmissãode mensagens pré-codificadas epadronizadas, próprias para audiência demassa. (Negroponte sublinha esse mesmoponto quando diz que “a transmissãotelevisiva [expoente máximo do broadcasting]é exemplo de um meio em que toda ainteligência se encontra concentrada noponto de origem. O transmissor determinatudo e o receptor simplesmente toma o querecebe”,147 do mesmo modo que o aluno“toma nota” de tudo que diz o professor,poder-se-ia acrescentar).

Segundo Tapscott, muitos programasde instrução baseados em computadoresadotam essa mesma visão da comunicação e

145 Ray Kurzweil, The Age of ... op.cit., pp. 191-192146 Ray Kurzweil, The Age of... op.cit. p. 204147 Nicholas Negroponte, Ser Digital... op.cit., p. 27

da aprendizagem. Ele propõe, ao contrário,considerar as tecnologias digitais como ummeio – a condição necessária, ainda que nãosuficiente – para reinventar a educação. “Oscomputadores e a rede são simplesmentepré-condições para passar-se a um novoparadigma de aprendizagem. [...]Proporcionam às crianças as ferramentasque necessitam para aprender e paracatalisar suas reflexões sobre seuaprendizado. E me convenci de que osestudantes são a força mais revolucionária.Dêem às crianças as ferramentas de quenecessitam e eles se converterão na fonte deorientação mais importante sobre comotornar as escolas mais relevantes eeficazes”.148

Passamos aqui a uma concepçãoconstrutivista do aprendizado ainda maisavançada, baseada no acesso aos meiosdigitais: a reestruturação do processoeducacional em seu conjunto a partir da açãode alunos dotados das novas tecnologias derede. O tom pronunciadamente utópico destaparte da colocação não deveria desviar aatenção da mensagem central que o autornos deseja transmitir. Em que consiste talmensagem? Propõe que existe um contínuotecnológico ao longo do qual a escola vem sedeslocando, podendo-se esperartransformações cada vez mais profundas amedida que ela avança no uso detecnologias mais potentes. Tal contínuoconsidera as tecnologias educativas segundoum eixo de crescente interatividade, partindodos meios analógicos menos interativos atéchegar aos meios digitais mais interativos. Àmedida que se avança ao longo dele,aumentariam também os graus deautocontrole dos processos de aprendizadopor parte dos alunos.

No ponto de menores interatividade eautocontrole está a televisão aberta(broadcasting), similar à estruturacomunicativa geral dos processos de ensinodo modelo tradicional. Em seguida,movendo-se progressivamente ao longo docontínuo, surgem os demais meiosanalógicos: vídeos, fitas gravadas, textos,livros e a aula ministrada face a face peloprofessor (sendo que esta última tecnologia

148 Dan Tapscott, Growing Up Digital... op.cit., p.136

pode ter propriedades “multicast”, vale dizer,combinação do broadcast e da comunicaçãoponto-a-ponto).

Neste estágio entram os meiosdigitais, com os quais a informação setransforma em bits. De novo em ummovimento de crescentes interatividade eautocontrole encontramos sucessivamente ainstrução assistida por computador (CAI –Computer-Assisted Instruction), os softwarestutoriais, os jogos eletrônicos com fins deaprendizagem e os cursos hipermídia, quecombinam materiais de leitura em tela,enlaces (links) com outras fontes, seminárioseletrônicos, a possibilidade de interação emlinha com o professor e a participação deespecialistas externos.149 Mais alémencontram-se ainda os domíniosmultiusuários (MUD – Multi-User Domains nojargão), “sítios” na rede onde os própriosparticipantes criam em tempo real espaçosvirtuais de reunião e aprendizagem. Emseguida vêm os simuladores que “produzem”virtualmente uma realidade, como umsistema cardiovascular, por exemplo, dentrodo qual os alunos podem “viajar” e fazerexplorações e manipulações. Até chegar-se –no extremo oposto ao da televisão aberta –às redes em seu conjunto, que incluem umvasto depósito de conhecimentos,ferramentas para manejá-los, acesso apessoas e uma crescente constelação deserviços que vão desde “sítios” virtuais parapré-escolares até laboratórios virtuais paraturmas avançadas de biologia celular, juntoao acesso a diversos tipos de simuladores150.As redes tornariam possível a expressãomáxima da interatividade e, portanto, doautocontrole sobre os processos deaprendizagem, seus espaços, tempos,ritmos, conteúdos, modalidades e métodos.Seriam a expressão mais avançada doconceito de inteligência distribuída, suamaterialização na época da sociedade global.

Em suma, partindo daspossibilidades das novas tecnologias digitais 149 Neste ponto se insere o Proyecto InternetEducativa 2000 que a Fundación Chile realizaconjuntamente com o MINEDUC (Ministério daEducação Chileno) (Programa ENLACES), aFundación Telefonica de Chile e com o apoio daFundación Andes.150 Ver Dan Tapscott, Growing Up Digital..., op.cit.,pp.139 a 143

dentro da escola, combinadas com umanoção interativa e construtivista doaprendizado, o C2 nos põe diante de umfuturo que supõe um completoreposicionamento do princípio educativo. Davisão do ensino como broadcasting passa-se,aqui, ao aprendizado como interação entrepessoas, mediada por máquinas inteligentese veiculadas através das redes. Nessetrânsito deslocam-se os demais eixosessenciais do processo de ensino: daseqüencialidade à hipermídia, da instrução àconstrução de conhecimentos, do ensinocentrado no professor ao aprendizadocentrado no aluno, da absorção de materiaisao aprender a aprender, das salas de aulasaos espaços da rede, da educação etária aoaprendizado ao longo da vida, dapadronização à personalização, do professor-transmissor ao professor-facilitador. Estavista nos projeta ao horizonte do C4, ao qualchegaremos mais adiante. De qualquerforma, teremos entrado na sociedade dainformação, ainda que não tenhamosavançado mais que uns 30 anos em direçãoao futuro. E no caminho teremos podidoapreciar como várias das novidadesanunciadas já estarão em aplicação ou emgestação nos laboratórios da fronteira daciência.

Novas competências básicas

O C3 nos leva de volta a um terrenomais conhecido. Põe-nos, além disso, diantede uma ordem completamente diferente dejustificativas para o uso das novastecnologias na educação. Tipicamente, o quese sustenta aqui é que com a emergência dasociedade da informação todos terão queaprimorar (upgrade) constantemente suashabilidades e obter novas qualificações.Disto resultaria, portanto, a importância deterem-se à disposição as ferramentas dasociedade da informação como novosmétodos de ensino e aprendizagem.151 Emvez de originar-se dentro do sistema escolarcomo nos dois casos anteriores, neste ajustificativa surge de fora, guardandoinclusive certa afinidade com a concepçãodidática tradicional. Aqui não é necessário,na verdade, imaginar uma mudança radical

151 Ver, por exemplo, OIT, Informe Sobre elEmpleo en el Mundo 1998-1999; OIT, Genebra,1998, especialmente pp. 41-44.

da sala de aulas ou de seu funcionamento,apenas como fazer para sintonizá-la com asdemandas do mundo externo, sobretudo daeconomia e do sistema de trabalho. A própriaUNESCO se coloca nesta perspectivaquando declara “qualquer que sejam osmotivos, ainda que a tecnologia tenhasempre influído na forma e no caráter dosprocessos educativos – exemplos clarosdisso são os livros, a luz elétrica, o rádio, atelevisão e a caneta esferográfica –, [...] aeducação tendeu mais para adaptar a seuspróprios fins as tecnologias empregadas emoutras áreas”. E, em seguida, afirma aimperiosa necessidade de que a educaçãose encarregue da alfabetização informáticapara assim responder às mudanças nanatureza dos empregos, tomando o exemplodos Estados Unidos, onde se estima que noano 2000 60% das posições de trabalhoexigirão conhecimentos de informática.152

O ponto de encontro entre aeconomia, as tecnologias e as formas deorganização de um lado, e a educação dooutro, são as competências, ou habilidades(skills) que as pessoas supostamente devempossuir para desempenhar-seprodutivamente ao longo da vida. Com efeito,a produtividade dos trabalhadores – e,portanto, suas remunerações – dependedessas habilidades, bem como aprodutividade da economia (o valor agregadodos bens) e a flexibilidade da força detrabalho para mover-se entre setores eindústrias e adaptar-se às cambiantescondições do mercado de trabalho.Naturalmente, as mudanças tecnológicastrazem consigo mudanças no emprego e noperfil das habilidades exigidas.153 Comoassinala o Informe sobre el Empleo en elMundo 1998-1999 (Relatório sobre oEmprego no Mundo 1998-1999) “oespetacular progresso tecnológico dosúltimos tempos e a rápida evolução daorganização do trabalho, que às vezes secomplementam entre si, são a razão pelaqual se exigem atualmente mais 152 UNESCO, Informe Mundial sobre la Educación1998, op.cit., p. 80153 Para uma ampla discussão do tópico e seusefeitos sobre a educação pode-se ver JohnMiddleton, Adrian Ziderman e Avril Van Adams,Skills for Productivity; a World Bank Book e OxfordUniversity Press, 1993, especialmente o capítulo3, pp. 72-102

qualificações distintas das de antes. Devidoao caráter cambiante das novas tecnologias,há carência de trabalhadores que saibamaprender e adaptar-se a tais mudanças comrapidez e eficácia. [...] A pressõescompetitivas e a nova divisão do trabalhotrazidas pelas tecnologias de informaçãoobrigam as empresas, cada vez mais, aterem uma estrutura organizacional que dêmaior responsabilidade aos trabalhadores,em particular aos que estão no extremoinferior. Mudaram, também, ascaracterísticas do trabalho: os trabalhadorestêm de ter um nível de qualificação maiselevado e serem polivalentes. Isto implica anecessidade de uma formação na própriaempresa, bem como a formação contínua”.154

Quanto à relação entre mudançatecnológica, exigências de novas habilidadese seu impacto na educação dos jovens, uminfluente texto publicado recentementeformula esta questão da seguinte forma:“Quais são as novas competências básicasnecessárias hoje para se obter uma renda declasse média?” e “quais são os princípios emtorno dos quais pode-se reestruturar a escolapara ensinar essas competências a todas ascrianças?”155.

Os autores respondem à primeiradessas perguntas apresentando um conjuntode habilidades que a esta altura soa familiar:“a) habilidades “hard”, referentes às ciênciasexatas: matemática básica, habilidades deresolução de problemas e de leitura, todasem níveis muito superiores aos queatualmente obtêm muitos graduados doensino secundário; b) habilidades “soft”:capacidade de trabalho em grupo e de fazerapresentações escritas e orais, habilidadesque muitas escolas não ensinam; c)habilidade no uso de computadores pessoaispara levar a cabo tarefas simples comoprocessamento de texto”. Dizemos que estaproposta tem um certo ar de familiaridadeporque o debate educacional da últimadécada difundiu a idéia de que a educaçãodeve modificar-se, especialmente em seusaspectos curriculares e de métodospedagógicos, para assim poder transmitir

154 OIT, Informe sobre el Empleo en el Mundo1998-1999..., op.cit., pp. 51 e 57.155 Richard J. Murnane e Frank Levy, Teaching theNew Basic Skills; ... op.cit.

algumas competências relevantes para avida e o trabalho em uma sociedade emmutação. Neste contexto, duas áreas sãogeralmente mencionadas como prioritárias.De um lado, a formação de capacidadescognitivas de ordem superior, que permitamaprender a aprender e, por outro, a induçãoao mundo do trabalho desde os primórdiosda carreira formativa, particularmentemediante o adestramento no manejo dasnovas tecnologias de informação.

Com relação à segunda pergunta,sobre como poderiam reestruturar-se asescolas para conseguir esses objetivosformativos, os autores sugerem um remédiotambém conhecido: adotar princípios degerência similares àqueles que atualmenteadotam as empresas que empregamtrabalhadores qualificados. Citam cincodesses princípios que poderiam ser aplicadostambém às escolas. Primeiro, que ostrabalhadores da linha de frente – nestecaso, professores e pais – avaliem emdetalhe as fraquezas do estabelecimento econcordem em que o problema da escola ésua incapacidade de transmitir e formar asnovas competências básicas (nos EstadosUnidos, a metade do grupo na faixa etáriados 17 anos não domina tais competências).Segundo, proporcionar os incentivosadequados para que os alunos e professoresse concentrem em formar essascompetências, em função do qual seriaimprescindível uma conexão mais real epermanente com o mundo do trabalho e dasempresas. Terceiro, retreinar os professoresà luz dos padrões mais elevados e das“melhores práticas” disponíveis, assim comoas empresas de ponta retreinampermanentemente seus trabalhadores paraassegurar que dominem as novascompetências básicas. Quarto, desenhar eaplicar regularmente métodos de avaliaçãodo aprendizado dessas competências, taiscomo carteiras de projetos realizados pelosalunos, indicadores de desempenho,identificação de melhores práticas, etc.Quinto, aceitar que não existem soluçõesmágicas e únicas para produzir escolas emcondições de ensinar efetivamente as novascompetências básicas”.156 Mais dinheiro parao estabelecimento, por exemplo, pode ser

156 Ver também John Middleton, A. Ziderman e A.Van Adams, Skills for..., op.cit., p. 204

necessário, mas não garante as inovaçõesexigidas para o fim almejado.

Parece normal que o C3 enfatize aaquisição de habilidade de computação comopassaporte para o ingresso no mundo dotrabalho, pois aí se encontra também a chaveda sociedade da informação. Emdeterminada ocasião a OECD se referiu aesta abordagem como a abordagemvocacional para o uso da computação naescola157, qualificativo que pareceperfeitamente adequado. Assim como no C1,a alfabetização informática aparece aqui emposição central. Mas, em vez de surgir comouma necessidade pedagógica – de reforço datarefa escolar – ou como uma possibilidadede enriquecimento do aprendizado, elaaparece, aqui, como exigência de fora, dosistema produtivo e das demandas dehabilidades que se estariam generalizandona indústria e em diversos setores deserviços.158

Entornos virtuais de aprendizagem

Para os que advogam uma novavisão do processo de aprendizagem, comoocorre nos C1 e C4, o enfoque vocacionaldemonstra-se claramente insuficiente. Deseu ponto de vista, com efeito, “aprender ausar um processador de textos e o correioeletrônico, ou ter acesso a bases de dados é,em termos educativos, o nível de adaptaçãoexigido para manipular os cordões do sapatoe o fecho ecler. Em tal nível, as instituições ecentros de formação conseguem, de certomodo, manter-se no ritmo das rápidasmudanças que se produzem na tecnologia dolocal de trabalho. Contudo, em um nívelmacro, no nível do preparo das pessoas parauma sociedade da informação, as coisas semovem de uma forma mais lenta. É ai queexiste um grande abismo entre o que seensina e o que irá fazer falta na sociedadeque está surgindo”.159

Entre os cenários que estamosanalisando, o C4 constitui, sem dúvida, osalto mais audaz em imaginar formas de 157 OECD, Education and the Economy in aChanging Society, OECD, Paris, 1989, p. 32.158 Um tratamento mais completo do tema seencontra in OECD, Lifelong Learning..., op.cit.159 John Tiffin e Lalita Rajasingham, Em Buscade..., op.cit., p. 113

superar esse abismo. Oferece a perspectivamais radical, pois supõe a conformação deuma consciência intersubjetiva mediada pelanovas tecnologias, já não só no nível dasescolas (caso do C2), mas da sociedade(planetária) em seu conjunto. É também ocenário mais propício para tudo aquilo que,pelo momento, não pode aparecer senãocomo propostas utópicas. Entramos aquidiretamente na imaginação de novosmundos.

Parece adequado, portanto, começarpor McLuhan, o primeiro profeta dastecnologias da informação. Em determinadaoportunidade ele escreveu: “a extensãoelétrica do sistema nervoso cria um campounificado de estruturas organicamente inter-relacionadas que chamamos Era daInformação”. E, em outra: “nesta épocaeletrônica nos vemos traduzidos, nósmesmos, mais e mais, em informação,movendo-nos em direção à extensãotecnológica da consciência”. Pois bem, nessamesma linha um discípulo seu propõeconsiderar precisamente o problema daconsciência como o mais básico que aglobalização traz consigo. De fato, consideraque há três questões envolvidas aí.160

Primeiro, no mundo da realidade virtualdesaparece a noção de espaço, criando-seuma espécie de ubiqüidade eletrônica (os“nômades eletrônicos”). Segundo, ainstantaneidade das comunicações impõeuma nova forma de aceleração àssociedades que modifica a noção do tempo erevolve as formas de adaptação. Terceiro, osurgimento de redes neuroniais, já previstasno horizonte tecnológico – redes baseadasna forma de conexão do cérebro, compostaspor computadores pequenos conectadosentre si, capazes de reconhecer padrõescomplexos161 - criaria a possibilidade deconstruir ambientes inteligentes: uma espéciede consciência autônoma. “As infovias eautopistas eletrônicas”, conclui, “estão sefundindo em um único ambiente cognitivocomum, onde o usuário individual, às vezesconsumidor, outras produtor, torna-se uma 160 Derrick de Kerckhove, The Skin of Culture.Investigating the New Electronic Reality;Sommerville House Publishing, Toronto, 1995,caps. 17 e 18.161 John Browning, Pocket InformationTechnology; The Economist Books, Londres,1997, p. 139.

espécie de entidade neural/nodal ubíqua eflutuante. Nessa nova configuração o mundoexterno não é fixo nem ‘real’ em nenhumsentido convencional do termo. Antes,comporta-se como uma super, ou hiper-consciência em permanente fluxo, mudançae adaptação às necessidades ecircunstâncias locais. Apesar da prolongadabatalha da indústria por manter o controlemultiplicando os padrões proprietários, paraesse ambiente emergente e arqui-cognitivo atendência final e irresistível será proporcionaruma transportadora (carrier) comum global,de acesso universal. [...] A digitalizaçãoproporciona a substância universal comum, o‘sentido comum’, da transportadora (carrier)comum”.162

Este tipo de utopias – literalmente,não lugares – multiplicaram-se recentementee certamente não estão livres de acerboscríticos.163 Mas, serão apenas especulações,fantasias, sonhos da imaginação? É precisosuspender por um momento o julgamentocrítico. Movemo-nos no umbral entre duasépocas, ou civilizações, e ninguém sabeexatamente o que prepara o futuro,sobretudo em uma perspectiva de duraçãoevolutiva.164 Por seu lado, a direção quetomam as tecnologias, sua seleção ecomercialização, os usos que recebem, sãotodos processos socialmente condicionados.Não decorrem do determinismo das própriastecnologias, mas de sua interação com omeio. Por isto, justamente, muitos inventosnão puderam ser previstos apesar deestarem logo após a curva da esquina165, queoutros tenham sido anunciados e nãoprosperaram em seguida, ou que se tenha 162 Derrick de Kerckhove, The Skin of Culture...op.cit., p. 204163 Ver, por exemplo, John Searle, “CanComputers Make Us Immortal?” (crítica ao livro deKurzweil, op.cit.). In The New York Review ofBooks, Vol. XLVI, Número 6, abril de 1999.164 Ver Richard Dawkins, “The evolutionary futureof man”. In The Economist, 11 a 17 de setembrode 1993, pp. 89-92165 Como se lembrou em um simpósio patrocinadopela revista Scientific American, “provavelmente,um painel sobre as tecnologias do século XXrealizado em 1895 não teria incluído os aviões, orádio, os antibióticos, a energia nuclear, aeletrônica, os computadores a exploraçãoespacial”. Ver John Rennie, “The Uncertainties ofTechnological Innovation”; Scientific American,Vol. 273, Número 3 (1995).

declarado antecipadamente a morte detecnologias que em seguida foramamplamente difundidas. (Por exemplo, oinventor da LAN – Local Area Networks,Redes de Área Local – predisse em 1995 ocolapso da Internet para o ano seguinte).

O que é surpreendente com relaçãoao futuro das tecnologias da informação éque inclusive organismos usualmenteparcimoniosos, como o Banco Mundial e aOECD por exemplo, reconhecem semambigüidade que há uma revolução emmarcha cujos efeitos serão de vasto alcance.Assim, por exemplo, em uma recentepublicação, o Banco assinala que “hoje háuma revolução em pleno desenvolvimento,impulsionada por novas tecnologias quepodem transportar vastas cargas deinformações a qualquer parte do mundo empoucos segundos. Tais avanços nacomunicação tornarão possível a construçãode sociedades totalmente novas nociberespaço, pondo em contato pessoas cominteresses comuns para compartilhar visõese informações”166. A OECD, por seu lado,analisou extensamente o caráter daemergente sociedade da informação, astecnologias que impulsionam seudesenvolvimento e os efeitos que podem seresperados em diversos âmbitos, comomedicina e saúde, comércio, educação,estrutura ocupacional, transporte, etc.167

No caso do C4, o ponto de encontroentre as potencialidades tecnológicas e asmudanças da educação se produz em tornoda noção de realidade virtual (VR – VirtualReality). Como sugere um autor, os entornosvirtuais descrevem “sistemas interativostridimensionais baseados em computadoresque empregam dispositivos paraproporcionar ao usuário um sentido depresença no espaço, seja visual, auditivo, ouaté tátil ou olfativo”.168 Para os educadoresque se situam na perspectiva do C4, estanoção é fundamental, pois representa apossibilidade de liberar a educação datecnologia de aula, onde permanece 166 Banco Mundial, World Development Report1998-99, op.cit., p. 56167 Ver, por exemplo, Towards a GlobalInformation Society, op.cit. e OECD, 21st CenturyTechnologies..., op.cit.168 Hervé Gallaire, “Faster, Connected, Smarter”.In OECD, 21st Century Technologies; op.cit. p. 65

ancorada desde que se fundaram asprimeiras escolas medievais.

Antípoda da imagem do computadorcomo acessório do processo tradicional deensino (C1), postula-se aqui que os sistemasde computação em rede poderiam operarcomo “ambientes estruturados deaprendizagem com capacidades complexas eabrangentes de acesso a e manipulação dasinformações. Deveriam ser vistos, portanto,como extensões interativas de aprendizagemdas próprias crianças”.169 Aulas virtuais –mas não necessariamente aulas escolaresvirtuais – é a noção crucial que permitesituar-se na perspectiva do C4.

A aula virtual aparece como uma“terceira onda” do uso das tecnologias dainformação, um passo adiante, inclusive, deonde nos levou o Contínuo de Tapscott noC2. Ela se caracteriza pela presença maciçade computadores no ambiente social (por istoo C4 é de adaptação externa) e se baseia emuma visão construtivista do aprendizado.170

Postula que o “teleaprendizado nociberespaço” será a forma que a educaçãoadotará na sociedade da informação. Poristo, a realidade virtual gerada pelocomputador (CGVR – Computer GeneratedVirtual Reality) é a tecnologia base daeducação no C4. Tiffin e Rajasinghamimaginaram mais ou menos detalhadamenteo que significaria o processo de aprendizadoem condições de aulas virtuais.171 Como querque funcione a CGVR – através de óculos,uma unidade de exposição fixada na cabeçaou um traje de dados – ela permitirá que o“aprendiz autônomo” acesse diretamente oconhecimento contido nos meiosconvencionais (por meio de diversos leitorese dowloaders, descarregadores de conteúdomultimídia) e gere modelos de fenômenosdinâmicos (como problemas da vida real),abordando-os de todos os ângulosimagináveis. Em resumo, a CGVR atuariacomo um “amplificador da fantasia” epermitiria ao aprendiz estudar como desejar, 169 Chris Morton, “The Modern Land of Laputa…”op.cit. p. 417170 Este último aspecto é explicitamente assumidopor John Tiffin e Lalita Rajasingham. In En Buscade... op.cit., pp. 244 e ss.171 O que se segue baseia-se em John Tiffin eLalita Rajasingham, En Busca de..., op.cit., cap. 8,pp. 179-199

quando achar oportuno, percorrendo os“materiais” na direção e no ritmo que elemesmo determinar. Além disso, a CGVR seencarregaria de permitir o acesso just on timedo aprendiz a dois serviços essenciais:professores virtuais e professores humanos.Os primeiros são suportados por uma funçãode desenho instrutivo assistido porcomputador (Computer Assisted InstructiveDesign), espécie de rede de habilidades queinclui problemas, conhecimentos e maneirasde resolvê-los, formando uma espécie demapa de instrução que o aluno pode utilizarem seus óculos, recebendo permanentefeedback sobre o progresso de seuaprendizado. Um sistema especializadoassociado ao CAID poderia irprogressivamente melhorando o desenho,adaptando-o à maneira em que aprendecada usuário. Deste modo, a aula virtualparece populada por professores virtuaisinteligentes. Cada vez que o necessite, oaprendiz pode recorrer também a umprofessor humano, escolhendo-o em umarede de professores e reunindo-se com eleem telepresença. Tal professor pode estarem qualquer parte do mundo, assim como oaluno. A telepresença serviria,adicionalmente, para reunir de maneirasincrônica pequenos grupos de alunos quedesejem fazê-lo com o propósito de realizarteletutorias e entrar em outras formas desociabilidade em comunidades virtuais semfronteiras.

Em suma, a educação virtualpermitiria alcançar objetivos que até aquiestiveram fora do alcance da empresaeducativa: por à disposição de todos, deforma acessível, toda a informação e oconhecimento disponíveis; facilitar que osalunos os absorvam de acordo com suasnecessidades, capacidades e em função doconhecimento previamente adquirido; e que ofaçam de maneira e de acordo com asformas de inteligência que melhor lhespermitam avançar. A ser assim, teria razãoquem escreveu que, em tais condições, seriapossível “pela primeira vez ter aprendizadode 100 por cento para todos. Em qualquerdisciplina e nível, virtualmente todos osestudantes ficam satisfeitos quanto obtêmresultados equivalentes a 85, ou 90, ou 98por cento em seus exames, o que significaque somente deixaram de dominar 2, 10, ou15 por cento do material”. E, acrescenta, a

educação virtual “permitirá e promoveráníveis de domínio de 100 por cento, o queafetará dramaticamente as vidas e carreirasdos que assim se eduquem”.172

AMÉRICA LATINA: DESAFIOEDUCACIONAL

Voltemos ao presente para ver quedesafios a América Latina terá de superarcaso deseje incorporar-se à sociedade globalda informação e aos cenários futuros daeducação.173

As lacunas da globalização

O principal desafio que a regiãoenfrenta é o de integrar-se aos processos deglobalização e adotar o modelo característicoda era da informação. Se não o fizeroportunamente, corre o risco de separar-se –como outro continente à deriva – da correnteprincipal do mundo contemporâneo.Efetivamente, a sociedade da informaçãoprocede do centro para a periferia e, nesseprocesso, define vencedores e perdedores,aumentando em alguns casos, e em outrosreduzindo, os hiatos anteriormente existentesentre e dentro das sociedades.174 Tais hiatos– especialmente os educacionais, deconhecimento e tecnológicos – não sefecham automaticamente com o passar dotempo. Pelo contrário, eles poderiamaumentar fazendo que alguns países percaminteresse inclusive como objeto deexploração na arena global.175

172 Joseph Coates, “The next twenty-five years oftechnology: opportunities and risks”. In OECD, 21st

Century Technologies…, op.cit., p.44173 Ensaiei um enfoque mais geral dentro destamesma perspectiva in José Joaquín Brunner,“América Latina al Encuentro del Siglo XXI”,documento apresentado no seminário “AméricaLatina y el Cabe frente al Nuevo Milenio”,organizao pelo BID e pela UNESCO, Paris 1999.174 Há uma ampla literatura crítica sobre aglobalização e seus possíveis efeitos negativos.Ver, entre outros, em nível de efeitos macros,Ulrich Beck, Qué es la Globalización? Falacias delGlobalismo, Respuestas a la Globalización;Paidós, Barcelona, 1998. A nível de efeitosmicros, ver Donald Schon, B. Sanyal e W.Mitchell, op.cit.175 Ver Fernando Henrique Cardoso, “North-SouthRelations in the Present Context: A New

Desde já, as chamadas infra-estruturas globais de informação – queabarcam o desenvolvimento e integração deredes de comunicação de alta velocidade eum conjunto de serviços e aplicações deformato digital que fluem através delas – searticulam a partir do norte, enquanto amaioria dos países do mundo carece até dainfra-estrutura básica necessária paraacessá-las. “Por exemplo, o número detelefones em toda a África mal supera o dacidade de Tóquio e a maioria das escolas domundo continua sem dispor deeletricidade”.176 Globalmente, os 20% maisricos da população possui 74% das linhastelefônicas; o 20% mais pobre apenas1,5%.177

Como assinala Castells, “umaavaliação do papel das indústrias dastecnologias da informação nodesenvolvimento do Terceiro Mundo mostrao imenso hiato que existe entre a maioria dospaíses do planeta e a área da OECD.178 Istoé fácil de se constatar, bastando olhar osseguintes indicadores: o mercado mundial detecnologias da informação encontra-sealtamente concentrado na área da OECD.Em 1995, a América do Norte tinha umaparticipação de 43,5% nesse mercado, e aEuropa participava com 28,3%. Seguem-seos países do Pacífico Asiático, com 23,7%.A América Latina participava com 2,0% e oLeste Europeu, o Oriente Médio e a Áfricacom 2,6%;179 por outro lado, as atuaisdesigualdades entre países são muitomaiores no que tange sua capacidade decriar conhecimento que as diferenças que osseparam na escala de rendas. Assim,enquanto o hiato de rendas (medida comoPIB per capta médio) entre os paísesextremos está em torno de 50 vezes, adesigual capacidade de geração deconhecimento (medida como gasto em P &D) chega, por sua vez, a 218 vezes.180

Dependency?”. In Martin Carnoy et. al., op. cit.,pp. 149-159176 UNESCO, Informe Mundial... op.cit., p. 79177 UNDP, Human Development Report 1999,op.cit. p.3178 Manuel Castells, “Flows, Networks,Identities…” op.cit. p. 55179 OECD, Towards a Global Information Society,op.cit. Tabela 2.3, p. 21180 Banco Mundial, World Development Report1998/99, op.cit., p.2. De acordo com o UNDP,

A ser verdade que o uso produtivodas tecnologias da informação em escalanacional depende basicamente de certascapacidades de conhecimento que os paísesdevem ter – e dos investimentos estratégicosque devem fazer para desenvolver essascapacidades -, então esse hiato parece aindamais pronunciado. Assim, em um extremoencontramos países que, através de umaprendizado e desenvolvimento adequadosde capacidades de conhecimento, parecemter dado um salto adiante, enquanto no outroficam países que, comparativamente,permanecem estagnados por falta de taiscapacidades. Por exemplo, há quarenta anosGana e a República da Coréia tinhampraticamente a mesma renda per capta. Noinício da década atual, porém, a renda daCoréia era seis vezes superior à de Gana,diferença que, segundo alguns, se explicariaem até 50% pelo maior êxito da república dosudeste asiático em adquirir e usarconhecimentos.181

Tomemos o caso da América Latina.Por volta de 1995 sua participação em nívelmundial em vários indicadores(necessariamente brutos) dessascapacidades e investimentos estratégicosaparece como uma linha descendente àmedida que aumentam as exigências dedesempenho envolvidas.182

De tal modo que, em relação ao pesoglobal da região medido por sua população,seu “desempenho cognitivo” é inversamenteproporcional, como se o continente fosse seapequenando à medida que aumenta a alturada brecha que deve superar.

Human Development Report 1999, op.cit., adiferença de renda entre os 20% mais ricos e os20% mais pobres em nível mundial era de 60 para1 em 1990 e de 74 para 1 em 1997 (p.3).181 Ver vário exemplos para a região no BancoMundial, World Development Report 1998/99,op.cit., p. 61182 Fonte: Banco Mundial, World DevelopmentIndicators 1998, Washington, D.C.; UNESCO,Statistical Yearbook 1997; UNESCO, InformeMundial... op.cit.; OECD, Towards a GlobalInformation Society, op.cit.; UNESCO, WorldScience Report 1997; UNESCO, WorldCommunication Report, UNESCO, Paris, 1997

Algo similar sucede com várias dimensões da infra-estrutura necessária para integraçãodos países na sociedade da informação. Por exemplo, estima-se que a região latino-americanalevará de 15 a 20 anos para convergir em matéria de linhas telefônicas – base da infra-estrutura decomunicações – com o nível inferior dos países industrializados (36,5 linhas para cada 1000habitantes no ano de 1995), enquanto que a primeira geração dos países recém-industrializadospraticamente já chegou a esse ponto.183 Uma comparação mais sistemática permite apreciar hiatosde magnitude similar em diversas variáveis relevantes.

Quadro 1

América Latina e países desenvolvidos: aspectos da infra-estrutura de informações

(por volta de 1995)

América Latina eCaribe

Países Desenvolvidos

Jornais diários (por 1000 habitantes) 83 303No. de jornais diários 1199 4088Rádio (receptores x 1000 habitantes) 387 1005Televisores (x 1000 habitantes) 216 611TV a cabo (assinantes x 1000 habitantes) 18,4 160,1Telefones móveis (x 1000 habitantes) 14 131Aparelhos de Fax (x 1000 habitantes) 1,9 47,5PC’s (x 1000 habitantes) 23,2 224,2Fonte: Banco Mundial, World Development Indicators 1998; UNESCO, Statistical Yearbook 1997(1) Número de computadores conectados diretamente à rede mundial de computadoresinterconectados, por cada dez mil habitantes.

Por último, os antecedentes apresentados no Information Society Index permitemestabelecer um quadro comparativo de vários países da região e de fora dela, considerando oconjunto das variáveis relevantes, além de uma estimativa de sua trajetória durante os próximosanos.184 Como se depreende disso, os países da região ocupam posições da metade para baixoentre 55 países, enquanto os lugares proeminentes correspondem exclusivamente a naçõesindustrializadas, às quais se somam, na metade superior, Cingapura, Hong Kong, Taiwan e Coréia.A previsão é de que este quadro não sofra modificações significativas durante os próximos anos.

183 Ver Robert Mansell e Uta When (editores), Knowledge Societies, op.cit. p. 25; .184 Ver The 1999 IDC/World Times Information Society Index. As dimensões consideradas são as seguintes:infra-estrutura computacional, infra-estrutura de Internet, infra-estrutura de informação e telecomunicações einfra-estrutura social da informação, com um total de 23 variáveis distribuídas nas quatro dimensões.

Quadro 2Países Selecionados: ordem dos países segundo o desenvolvimento relativo de suas

infra-estruturas de informação1, 1995-2002

Pontuação 1512 Posição no Ranking

País 1998 1995 1998 2002E.U.A. 4594 1 1 1Finlândia 3906 6 4 8Irlanda 2680 21 21 22Portugal 1983 27 25 24Hungria 1966 25 26 29Rep. Tcheca 1908 26 27 28Argentina 1713 29 29 31Brasil 1279 41 41 40Chile 1568 32 32 35México 1242 42 43 46Peru 1067 48 49 36Coréia 2592 19 22 21Malásia 1447 36 37 38Cingapura 1236 15 3 21 Ver nota número 1842 Information Society Index

Em suma, há um abismo quanto àspré-condições de capacidade e infra-estrutura necessárias para que aglobalização se difunda à volta do mundo,inclusive na América Latina. O risco, comovimos, é que esse hiato aumente, em vez deestreitar-se , tornando ainda mais patente osatrasos da região. E que, no interior denossas sociedades, uma difusão altamenteparcial e segmentada das novas tecnologiase padrões de trabalho, vida e consumo –seguindo a linha dos picos mais altos quesepara os grupos com capital deconhecimento dos demais grupos – terminepor aprofundar também as desigualdadesinternas. Esse último fenômeno já foiobservado em várias sociedades industriais,entre suas distintas regiões, a cidade e ocampo e, dentro das cidades, entre os maispobres e os mais ricos.185

Atrasos Educacionais

Se aceitarmos que “o ponto fraco daAmérica Latina continua sendo [...] a baixa

185 Ver, por exemplo, Peter Hall, “ChangingGeographies: Technologies and Income”. InDonald Schön, Bish Sanyal e William J. Mitchell,High Technology and Low-Income Communities,op.cit. pp. 43-69.

capacidade tecnológica, tanto em geraçãocomo em uso de novas tecnologias186, então,para aproveitar as possibilidades abertaspela revolução tecnológica em curso, aregião necessita, antes de mais nada,desenvolver suas capacidades sociais decriação, absorção, uso e difusão doconhecimento. A educação é a chave parasuperação dos hiatos externos daglobalização e das desigualdades internas deconhecimento e poder.

Ao longo das últimas décadas,contudo, segundo a gráfica expressão deCarlos Fuentes, a América Latina andou areboque da modernidade. Especialmente aeducação ficou para trás e, com isso,aprofundou-se o abismo que separara aregião das nações mais dinâmicas dosudeste asiático, aquelas que há apenas 50anos encontravam-se em estágio similar ouinferior de (sub) desenvolvimento. Comodemonstrou Londoño, desde o pós-guerra aAmérica Latina tem uma força de trabalhocuja educação é menor que a esperada paraseu nível de desenvolvimento. Talinsuficiência fica particularmente visível nacomparação com o padrão asiático, a média 186 Manuel Castells, Globalización. Identidad yEstado em América Latina; PNUD, Santiago doChile, 1999, p.9

de escolarização da população adultatendendo a diferenciar-se cada vez maisentre ambas essas partes do mundo. Hoje, aforça de trabalho latino-americana temapenas a educação média que tinham HongKong, Taiwan, Coréia e Cingapura em 1970.E Indonésia, Malásia, Filipinas e Tailândia,que nos anos 60 tinham apenas um poucomais da metade da educação da AméricaLatina, igualaram-na nos oitenta e já aultrapassaram.187 Atualmente a educaçãomédia da força de trabalho é de 11,1 anosnos países da OECD, de 8,1 anos no lesteasiático (excluindo a China) e somente de 5,4anos na América Latina e no Caribe.188 Porsua vez, os persistentes atrasos da educaçãoregional são uma das principais fontes dealimentação da pobreza (um de cada trêslatino-americanos vive em nível de pobreza eum em cada cinco na miséria) e dadesigualdade que, em termos de distribuiçãode renda, são as piores do mundo.

Entretanto, como se desenvolveu aeducação latino-americana durante a últimadécada?

O saldo das reformas educativas dosanos 90 é objeto de árdua discussão emvárias partes do mundo.189 Na AméricaLatina os resultados são ambíguos.190 Por 187 Juan Luis Londoño, “Pobreza, Desigualdad,Política Social y Democracia”; Banco Mundial,Dapartamento Técnico, 1995 (mimeografado) p.18188 Banco Mundial, Education and Training...op.cit., pp. 26-27189 Por exemplo, para o caso dos Estados Unidosver Chester E. Finn Jr. E Theodor Rebarber(editores), Education Reform in the ‘90s; McMillanPublishing Company, Nova Iorque, 1992 eKenneth G. Wilson e Bennett Davis, RedesiginingEducation; Henry Hold and Company, 1994.190 Para uma análise completa, ver MarcelaGajardo, “Reformas Educativas en AméricaLatina, Balance de una Década” (manuscrito 1999- Publicado pelo PREAL no Brasil como o número15 da série Documentos, com o título ReformasEducativas na América Latina. Balanço de umaDécada, em agosto de 2000); Jeffrey Puryear, “Laeducación en América Latina. Problemas yDesafios”, PREAL 1996 (Publicado pelo PREALno Brasil como o número 7 da série Documentos,com o título Educação na América Latina:Problemas e desafios, em maio do mesmo ano);Banco Mundial, Education and Training... op.cit.,Banco Interamericano de Desenvolvimento,América Latina Frente a la Desigualdad.

um lado, a educação expandiu-se em todosos níveis, aumentando as taxas deescolarização, que hoje alcançam 22,7% naeducação das crianças pequenas (3-4 anosde idade), chegando a 39,4% na educaçãopré-escolar (5-6 anos), a 84,9% no nívelprimário (6-11 anos), e caindo para 36,1% nonível secundário (12-17 anos) e 16,9% nonível terciário (18-22 anos), ainda que comgrandes diferenças entre os países.191 Alémdisso, os avanços do cobertura diferem nointerior dos países, sendo menos favorecidosos grupos indígenas e pobres, rurais eurbanos. Particularmente as mulheresindígenas estão em desvantagem. Aindaassim a taxa de matrícula no pré-escolarcontinua baixa, o que agrava as diferençasde origem social entre as crianças queingressam na escola. Junto a isto, “aexpansão foi mais rápida nos níveis maisaltos – educação secundária e superior -, queatendem principalmente a jovens de gruposmédios e altos. Por outro lado, os sistemasde educação primária e secundária [...] estãofortemente segmentados em função dostatus econômico das pessoas, ficando osmais pobres relegados ao sistema públicoenquanto os ricos e a maior parte da classemédia freqüentam escolas privadas”.192

A desigualdade de progressos eresultados é o ponto crucial do problemaeducativo da região. Apesar dos avançosobtidos por alguns países, o panorama geralé desolador.193 Ao chegar ao quinto ano deescolarização, apenas 63% das crianças doestrato pobre dos países da América do Sul e32% dos da América Central e do Caribepermanecem no sistema. No nono ano essespercentuais se reduzem a 15 e 6%respectivamente. Em contraste, no estratoalto 93% e 83% das crianças dos dois gruposde países terminam o quinto ano, e 58 e 49%completam o nono ano.194 O que acaba deser dito significa, na prática, que o grupo quemais cresceu dentro da população adulta Progresso Económico y Social en América Latina.Informe 1998-99, Washington, D.C., 1998.191 Ver UNESCO, Statistical Yearbook 1997,UNESCO, Paris, 1997192 Jefrey Puryear, “La educación...”, op.cit., p.5193 Ver Banco Interamericano deDesenvolvimento, América Latina frente a.. op.cit.,especialmente cap. 2, pp. 47-59194 Banco Interamericano de Desenvolvimento,América Latina frente a ... op.cit.., p. 53

durante os últimos trinta anos é aquelecomposto por pessoas com educaçãoprimária incompleta, que passa a fazer partede uma força de trabalho funcionalmenteanalfabeta. Isto, unido ao peculiar padrão decrescimento da cobertura em nossa região,fez que passassem a “se incorporar aomercado de trabalho muito mais pessoasanalfabetas funcionais, muito maisuniversitários e muitíssimo menostrabalhadores com educação média que nosudeste asiático”195, que é uma das principaiscausas das diferenças observadas nadistribuição de renda entre ambas essaspartes do mundo.

A associação entre o baixorendimento escolar e as condições de rendae educação dos pais cria um círculo viciosode atraso que a educação não conseguiuromper. Contribuem para isto a mádistribuição da educação, sua baixaqualidade e seu escasso rendimento.196

Chegou-se, inclusive, a afirmar que “abaixoda linha de subsistência, as mudanças [...]pedagógicas têm um impacto muito poucosignificativo nos resultados escolares”, o queleva a postular que para esse setor – quecompreende cerca de 90 milhões de pessoas– o problema seria de “condições deeducabilidade”, isto é, de nível de“desenvolvimento cognitivo básico que seproduz nos primeiros anos de vida” e de“socialização primária”, anterior ao ingressona escola.197

Os problemas de qualidade daeducação mostraram-se igualmenteinextricáveis. A maioria das crianças daregião recebe uma educação deficiente. Ogasto médio por estudante é baixo; as taxasde repetência são altas; as aferições dosucesso escolar mostram um desempenhomedíocre e inferior ao de países com níveisde renda similares; o rendimento em ciênciae tecnologia é particularmente fraco.198 O fatode serem tão pobres os resultados obtidos“sugere que o ambiente escolar não estimula 195 Juan Luis Londoño, “Pobreza...”, op.cit. p. 22196 Banco Interamericano de Desenvolvimento,América Latina frente a ..., op.cit. pp. 47-59197 Ver Juan Carlos Tedesco, “Desafios de lasreformas educativas en América Latina”(manuscrito, s/f)198 Ver Jeffrey Puryear, “La educación ...” op.cit. eMarcela Gajardo, “Reformas Educativas...” op.cit.

o aprendizado. Freqüentemente a infra-estrutura física é deficitária em termos deconstrução e manutenção. Há escassez dematerial didático e textos nas escolaspúblicas em geral, nas rurais em particular,da maioria dos países da região. O tempodedicado ao ensino varia, de 720 horasanuais (no Paraguai e na Argentina) a maisde 1.000 horas (na Colômbia, em Cuba, noHaiti, em Honduras e na Jamaica) o que estámuito abaixo do esperado de acordo com ospadrões internacionais e em comparaçãocom a média de horas de ensino nos paísesindustrializados (1.220 horas)”.199 Tudo istosem levar em conta o absenteísmo de alunose professores, o escasso tempo que sedestina habitualmente ao cumprimento dosdeveres de casa, à alta exposição diária dascrianças à televisão e o fato de que, do totalde tempo oficialmente dedicado à escola,apenas parte é efetivamente dedicada aoaprendizado.200

A introdução de novas tecnologiaspara melhorar a cobertura e a qualidade daeducação está apenas iniciando. Asexperiências em curso mostram que o usodas novas tecnologias está associado aplanos nacionais em alguns casos e, emoutros, a processos experimentais oudemonstrativos. Há também experiênciasinteressantes na área da educação àdistância201 e para zonas remotas, bem comoem alguns estabelecimentos secundáriostécnico-profissionais.202

Em suma, as reformas dos anos 90,apesar dos progressos obtidos – entre os 199 Banco Mundial, Education and Training...op.cit., p.37200 Como se verificou nos Estados Unidos, de umajornada escolar de 7 horas o aluno dedicatipicamente menos da metade a trabalho efetivode aprendizagem. Ver Merrill Harmin, “Make MoreTime for Learning”; Learning, Março de 1995, pp.61-64.201 Ver Cláudio de Moura Castro (ed), Educationin... op.cit. Também Andrea Bosch, InteractiveRadio Instruction. Twenty-Three Years ofImproving Educational Quality; The World BankEducation and Technology Notes, Volume 1,Número 1, 1997 e Jose Calderoni Telesecundaria:Using TV to Bring Education to Rural Mexico;Education and Technology Technical NotesSeries, Volume 3, Número 2, 1998.202 Ver Banco Mundial, Latin America and theCaribbean. Education and Technology... op.cit.

quais não se pode menosprezar o consensoalcançado em vários países a respeito danecessidade de modernização de seussistemas escolares203 - produziram, todavia,resultados abaixo das expectativas iniciais.

Algumas causas do atrasoeducacional

As causas que explicariam essadistância entre o esperado e o alcançado sãovárias e podem ser agrupadas em quatrocategorias.

Primeiro, o reduzido gastogovernamental. Segundo alguns, isto sedeveria às cíclicas oscilações das economiasnacionais dentro de um quadro de crescenteglobalização e dos repetidos ajustes fiscaisnecessários para equilibrar as contaspúblicas. Dado que o gasto em educação éum componente significativo do gasto públicototal – entre 12 e 18% nos países da região –e que este último não cresceusubstancialmente, como proporção do PIB,durante a última década, o gasto por aluno,considerando que o número de alunoscontinuou aumentando em todos os níveis,estaria estagnado e já não seria suficientepara assegurar uma educação de qualidadepara todos, nem para reforçar positivamentea educação dos grupos em desvantagem.

Sugeriu-se, inclusive, que muitosaspectos das reformas iniciadas nas décadasde 80 e 90 na região, como adescentralização, por exemplo, em vez deresponder a objetivos de melhoriapedagógica e da gestão escolar, teriam sidopromovidas “em uma perspectivaadministrativa e orçamentária, na qual osobjetivos fundamentais foram a necessidadede reduzir o gasto público, de utilizá-lo commais eficiência e de enfraquecer o poder denegociação dos sindicatos de professores”204

Afirma-se, também, que esses objetivos, aofomentarem a oferta privada (subsidiada ounão) e as fórmulas de co-financiamento naeducação pública, teriam induzido aprivatização educacional, afetandonegativamente a eqüidade almejada. Esta

203 Ver Marcela Gajardo, “Reformas Educativas...”op.cit., Quadro Resumo da p. 14204 Juan Carlos Tedesco, “Desafíos de lasReformas...”, op.cit. p.5

visão crítica do processo modernizador daeducação alcançou ampla difusão e permeiao sentido comum dos educadores e de umimportante setor de formuladores depolíticas.

Contudo, quando se considera ogasto total em educação medido comopercentual do PIB observa-se que este nãose afasta de forma ostensiva do gastocorrespondente nos países da OECD(Quadro 3).

Quadro 3

Gasto em educação como percentual do PIB, 1994

País Público Privado TotalMéxico 4,5 1,1 5,6Colômbia 4,2 3,6 7,8Chile 3,1 2,6 5,7Peru 2,4 2,0 4,4Irlanda 5,1 0,5 5,6Coréia do Sul 3,6 2,5 6,1Média dos países da OECD 4,7 1,2 5,9

Fonte: Banco Mundial, Education and Training in Latin America an the Caribbean, 1998

O mesmo ocorre ao considerarmos o gasto por aluno, que em vários países da região ésimilar ao gasto de alguns países desenvolvidos, ainda que as diferenças entre níveis tendam aser maiores (Quadro 4).

Quadro 4

Gasto por aluno expresso em dólares dos Estados Unidos equivalentes, 1995

País Ensino Primário Ensino Secundário Educação Terciária

Argentina 1.158 1.575 ..Brasil 870 1.018 ..Chile 1.807 2.059 8.436México 1.015 1.798 5.701Paraguai 343 492 ..Uruguai 940 1.022 2.441Malásia 1.228 2.308 11.016Hungria 1.532 1.591 4.792República Tcheca 1.999 2.820 6.795Coréia do Sul 2.135 2.332 5.203Irlanda 2.144 3.395 7.249Nova Zelândia 2.638 4.120 8.737Média dos países da OECD 3.546 4.604 8.134Fonte: OECD, Education at a Glance 1998 (World Education Indicators) Paris 1998

Por último, embora seja verdade quea matrícula privada aumentou em algunspaíses da região – às vezes em todos osníveis, do pré-escolar ao terciário – isto nãofoi resultado de um processo de privatizaçãopropriamente dito, mas do esforço paraaumentar a cobertura por via privada(subvencionada ou paga), ou de umamudança de preferências onde, como noChile, há um regime educacional de livreescolha apoiado por um mecanismo devales.205

205 Ver Pablo González, “Financiamiento,Incentivos Reforma Educacional”. In Juan E.García Huidobro (ed) La Reforma Educacional

Segundo, falhas de gestão, dacúpula à base do sistema. Este argumentotem sido apresentado por algumas agênciasmultilaterais como o Banco Mundial, pelosetor empresarial, por grupos deespecialistas e também por círculos deformuladores de políticas educativas.206

Inspirada nas correntes que promovem areforma dos sistemas de produção de bens Chilena; Editorial Popular, Madri, 1999, pp. 305-332.206 Por exemplo, no caso do Chile, pela ComisiónNacional para la Modernización de la Educación.Ver Informe de la Comisión Nacional para laModernización de la Educación, EditorialUniversitaria, Santiago do Chile, 1994.

públicos – como saúde e educação – estavisão se manifesta no âmbito educacionalatravés de propostas como as das escolaseficazes, da nova gerência educacional, dadescentralização administrativa e autonomiapedagógica das escolas, da livre opção e daintrodução de procedimentos como os valeseducação para subsídio à demanda, aspolíticas de incentivos para os professores, aavaliação periódica de resultados, a aferiçãodo desempenho com fins de informaçãopública e maior responsabilidade através daexigência de prestação de contas(accountability) por parte do sistema escolar.Como se pode supor, tais propostasdespertaram severas resistências de ordensdiversas: resistência dos sindicatos dosprofessores, que as vêem como ameaça;resistências ideológicas, denunciando-ascomo de inspiração neoliberal; resistênciaspolíticas, pois se presume que medidas destanatureza poderiam afetar negativamente aeqüidade; e resistências culturais, pelo fatode virem de uma corrente de pensamentoestranha às tradições do Estado docente edo bem estar, que ainda predominam entre amaioria dos agentes que influem nas políticaseducacionais em nível nacional.

Terceiro, a deterioração do status daprofissão docente. “Os professores de todosos níveis educacionais são geralmente malformados – e pior pagos – e têm poucosincentivos para buscar a excelênciaprofissional e o aperfeiçoamento”.207 Comodiz recente relatório da CEPAL, é necessário,contudo, precisar esta afirmação. De fato, aocomparar-se a remuneração anual de umprofessor do sistema público com a renda porhabitante do respectivo país, observava-se,em meados da década de noventa, que “osgovernos dos países latino-americanosesforçam-se por remunerar os professores[...] de forma similar e inclusive em maiormedida que os de países desenvolvidos”208.Assim, a remuneração inicial dos professoresda rede pública primária igualava em média,nos países da OECD, o PIB por habitante,enquanto, no caso dos dez paísesconsiderados da região, tal valor superavaem 10% esse mesmo indicador. Fazendo-se

207 Jeffrey Puryear, “La educación...”, op.cit. p.14208 CEPAL, Panorama Social 1998; Publicaçãodas Nações Unidas, Santiago do Chile, 1999, p.131 e ver Quadro IV.b.2

a mesma comparação para professoresprimários com 15 anos de experiência,verifica-se que em ambos os grupos depaíses a remuneração anual atinge 1,4 vez arespectiva renda per capta. As diferenças deremuneração relativa acentuam-se no nívelsecundário, correspondendo, no início dacarreira, a 1,1 na média dos países da OECDe a 1,3 nos países da América Latina e, aos15 anos, a 1,4 e 1,7 respectivamente.

Em qualquer caso, é fato que ascondições de formação e desempenho dosprofessores ficaram atrasadas. Em muitospaíses uma proporção alta carece decertificados ou diplomas profissionais, aformação inicial foi escassamente renovada,a falta de tempo afeta negativamente seutrabalho e, inclusive, as próprias reformasadotadas durante os últimos anos – à medidaque foram se multiplicando e aprofundando –criaram novas demandas e pressões dediversas ordens sobre o magistério. De outrolado, argumenta-se que o caráter rígido ealtamente burocratizado do estatuto queregula a profissão docente acabaprejudicando os próprios professores aoimpedir sua plena profissionalização,favorecer critérios de antiguidade e não demérito, manter um regime salarialindiferenciado e insensível aos resultados epromover uma relação antagônica entre oEstado e esse corpo de funcionários. Comoresultado de tudo isto, enquanto algunsafirmam que “os processos de transformaçãoeducativa desconheceram, subestimaram, ousimplesmente conceberam de forma retóricao papel dos professores”209, outros, aocontrário, pensam que “os professores seconverteram em um dos principaisobstáculos à melhoria da educação naAmérica Latina”.210

Quarto, a existência de certastensões inerentes e problemas naimplantação das reformas, produto docontexto em que elas operam, seria outracausa dos ambíguos resultados. As tensõessurgiriam, fundamentalmente, do contexto daglobalização, que levaria à adoção dereformas determinadas pela busca de umamaior competitividade e produtividade da

209 Juan Carlos Tedesco, Desafíos de lasReformas...” op.cit., p. 6210 Jeffrey Puryear, “La educación...” op.cit., p. 14

força de trabalho, postergando ousubordinando as reformas necessárias paraa melhoria da eqüidade”.211 Esta tese,contudo, é refutada pelos que afirmam quenas atuais condições da economia existe umvínculo inseparável entre competitividade eprodutividade, por um lado, e oportunidadesde renda, mobilidade social e eqüidade, pelooutro.212 Sugere-se, também, que aeconomia baseada no conhecimento e asociedade global da informação aumentamconsideravelmente a distância entre os quetrabalham em atividades intensivas emconhecimento (os analistas simbólicos) e osque se dedicam a áreas tradicionais de baixaqualificação, além de levar a situações decrescentes desemprego estrutural e,conseqüentemente, de exclusão social.213

Partindo desta hipótese, afirma-se que ovínculo tradicional entre educação e trabalhoestaria em transformação, tomando rumosinesperados, com o fato de que agora astaxas de retorno privado começam a ser maisaltas para a educação superior que para aprimária e secundária, desvalorizando-se,com isto, os investimentos nos níveisinferiores e favorecendo os que recebemuma educação prolongada, os quais, em suamaioria, provêm de famílias de rendasaltas.214

Quanto aos problemas deimplantação, alega-se que as reformasconcentraram-se excessivamente nosaspectos de mudança institucional e nasmedidas de ordem financeira – medidas queàs vezes se combinam no desenho dadescentralização – sem ter atendidosuficientemente os aspectos pedagógicos,tanto de mudança curricular como dosmétodos de ensino e aprendizado. Asquestões de gestão, procedimentos eorçamento teriam recebido mais atenção queas questões relativas à transformação daspráticas nas salas de aulas e aos processos

211 Este argumento é apresentado com força porMartin Carnoy, “Globalization...” op.cit.212 Esta é a tese central do estudo publicado pelaCEPAL-UNESCO, Educación y Conocimiento...,op.cit.213 Por exemplo, ver Juan Carlos Tedesco, ElNuevo Pacto Educativo, op.cit., 65-73.214 Ver Banco Mundial, Education and Training ...op.cit., pp. 3 e 5; Martin Carnoy, “Globalization …”op.cit.; e Juan Carlos Tedesco, “Desafíos de lasReformas...” op.cit.

de aprendizado. Uma análise maispormenorizada das reformas implementadasdurante a década de noventa mostra,contudo, que tais críticas são apenasparcialmente válidas.”215 É certo que oprimeiro tipo de reformas (as institucionais)são executadas com relativa rapidez –podendo-se observar seus resultados maiscedo -, enquanto nas outras reformas,aquelas propriamente pedagógicas, pelocontrário, os prazos necessários paramaterialização e avaliação são geralmentelongos. Assinala-se, também, que aimplantação das reformas careceu de umaparticipação ativa dos distintos componentesda sociedade civil – pais, associaçõesempresariais, comunidades locais; que osorganismos superiores de gestão dasreformas – os ministérios e seus órgãos –são fracos e não estão em condições deprestar uma assistência técnica eficaz àsescolas; e que os governos, em muitasocasiões, não estiveram dispostos a usar seucapital político no apoio às medidas dereforma que despertam resistências e sófrutificam no longo prazo.216

Em direção a uma segundageração da reforma educacional

Deste balanço superficial pode-seconcluir que a América Latina terá queenfrentar as reformas de segunda geração –aquelas que devem levar aos cenáriosfuturos – ao mesmo tempo em que avançanas reformas da primeira geração. Duplatarefa, duplo desafio. De que se trata?

Assim como se fala de uma primeirae de uma segunda onda da revoluçãotecnológica na educação, é possível falar, naAmérica Latina, de duas gerações dereformas educacionais: a primeira emresposta aos problemas do final do séculoXX, a segunda para fazer frente aosproblemas do século XXI. O principal desafioserá desenvolver simultaneamente ambas asagendas de reforma educativa, já que, como 215 Ver, em Marcela Gajardo, “ReformasEducativas...”, op.cit., especialmente os QuadrosResumos referentes a casos selecionados deprojetos de melhoria da qualidade da educaçãoprimária, extensão da jornada escolar e reformascurriculares.216 Ver, por exemplo, Jeffrey Puryear, “Laeducación...”, op.cit., pp. 14 e 15

acabamos de ver, a da década de noventaestá longe de ter sido cumprida – a regiãotem uma parte importante de seus pontosainda pendentes – e a do novo século malcomeça a esboçar-se.

Levar a cabo as tarefas pendentesda modernização, mesmo as maiselementares, reveste-se de enormeimportância. Assim, por exemplo,considerando-se não mais que os aspectosquantitativos de cobertura, pode-se estimarque “se a educação das novas gerações seexpandisse ao mesmo ritmo das duas últimasdécadas, a força de trabalho chegaria ao ano2020 com 7,2 anos de educação em média.Com isto se ampliaria o hiato frente aospadrões internacionais.”217 Ao contrário,através de um esforço extraordinário – porémpossível de ser sustentado financeiramente –o continente poderia alcançar nove anos deeducação para o conjunto da força detrabalho em menos de duas décadas,eliminando assim a insuficiência atual decapital humano e o excesso de desigualdadeprevalecente (em relação ao estágio dedesenvolvimento alcançado), ao mesmotempo que incorporaria 70% dos latino-americanos que hoje vivem na pobreza aosníveis razoáveis de renda e a um padrãodecente de vida.218

De pouco adiantaria avançarrapidamente na cobertura e modernização,contudo, se não se assumir desde já que asegunda geração de reformas éimprescindível para ingressar no futuro e tirarproveito de suas possibilidades. Com efeito,a educação é tipicamente um alvo emmovimento, um objetivo que se desloca àmedida que avança a globalização, que asociedade muda seus padrões de conduta,que a economia se transformatecnologicamente, que os mercados detrabalho demandam novas competências,que os valores mudam e que se modificamas concepções e os meios de aprendizagem.Alcançar uma meta dada nada mais é quepôr-se em condições de passar à seguinte,caso contrário corre-se sempre o risco deque apenas umas poucas escolas

217 Juan Luis Londoño, “Pobreza...” op.cit., p.36218 Para os cálculos de consistência destaestimativa, ver Juan Luis Londoño, “Pobreza...”op.cit.

respondam a essas mudanças, favorecendocom isso uma separação ainda maior entreos jovens do mesmo grupo etário.Justamente aí reside um dos perigos da atualrevolução tecnológica, na mesma medida emque cria uma nova fonte potencial dedesigualdade de acesso ao conhecimento.Por isso, inclusive, alguns círculos europeusdeclaram que é um dos deveres dosestabelecimentos de ensino e entretenimentoé ajudar os jovens a encontrarem um lugarna sociedade da informação, evitando umasituação em que somente as crianças defamílias e escolas mais privilegiadas estejamem condições de aproveitar os benefícios deuma educação multimídia.219

Entre as duas gerações de reformasnão há, contudo, um abismo. Nem seusobjetivos estão em contradição. Pelocontrário, umas poderiam tornar as outraspossíveis, e ambas apoiarem-se em seusefeitos. Assim, as reformas institucionaisnecessitam ser seguidas, complementadas eaprofundadas pela reforma pedagógica. Osprogressos obtidos na linha dadescentralização devem servir agora paradar lugar a uma maior variedade deexperimentações quanto ao desenvolvimentodos cenários futuros. Os atrasos observadosem matéria de eqüidade poderão serabordados através de formas mais abertas eflexíveis de acesso, com o emprego maisintenso das novas tecnologias de informaçãoe comunicações. A mudança nas práticaspedagógicas a partir do emprego de taistecnologias deveria tornar possível, por suavez, enfrentar os problemas – até agorainsolúveis – de deserção, repetência e baixosresultados de aprendizado, permitindoinclusive que se explorem novas fórmulaspara abordar os problemas de educabilidadedas crianças afetadas por déficits iniciais desocialização e desenvolvimento cognitivo.Poder-se-ia também pensar que as reformasorientadas por objetivos de competitividade eprodutividade tenderão, no futuro, a convergircom os ideais de uma formação de melhorqualidade para todos, pois a sociedade dainformação supõe elevar, desde a base, ascompetências da população.

219 Ver The European Commission, Learning in theInformation Society;(http:www.europa.eu.int./en/record/apeei.htm)

Isso posto, deve-se sublinhar comigual clareza que as reformas de segundageração pressupõem, por sua próprianatureza, uma concepção distinta daquelaapropriada para a modernizaçãoeducacional. A chave, de agora em diante,será gerar organizações escolares capazes,elas próprias, de aprender. “Se osprofessores, as escolas e os sistemas emseu conjunto não desenvolverem acapacidade de aprender com os êxitos efracassos da experiência passada, osproblemas resolvidos hoje reaparecerãoamanhã. Por isto, para que perdurem osbenefícios da reforma educacional, osprofessores devem aprender a realizar suaspróprias pesquisas-ações para identificarproblemas e buscar soluções; ossupervisores devem desempenhar um papelfacilitador desse tipo de pesquisa e osformadores dos professores devemsimultaneamente apoiá-los e comunicar aosfuturos mestres as lições aprendidas. Não háregras fixas e seguras para criação deorganizações que aprendem (learningorganizations), mas a vasta literatura sobreorganizações bem sucedidas pode forneceras chaves do sucesso. Os ministérios, emnível nacional, e as secretarias regionais deeducação terão, certamente, quedesempenhar um papel estratégico nacriação e manutenção do aprendizado, o queexigirá mudanças fundamentais naorganização e no funcionamento de taisministérios e secretarias, com um novoenfoque no apoio, mais que no controle”.220

É necessário, portanto, modificar oenfoque no qual se desenvolveu até aqui areforma educacional na América Latina. Semabandonar os grandes temas damodernização educacional (qualidade,eqüidade e eficiência), nem as políticasdirigidas ao sistema em seu conjunto, nem ouso dos instrumentos que são eficazes nessenível de agregação, deve-se recorrer, agora,também a um enfoque centrado na sala deaulas, no processo de aprendizagem e,portanto, na microatividade que define arelação pedagógica.

220 Shahid Javed e Guillermo Perry et. Al.,“Institutions Matter. Beyond the WashingtonConsensus”; Banco Mundial, edição pré-publicação, Washington, D.C., pp. 108-19

Se os cenários futuros revelam algo,há de ser que as mudanças mais importantesse produzirão justamente aqui, no seio dastransações comunicativas que formam onúcleo – outros diriam a “caixa preta” – doprocesso de aprendizagem. Sabemos, poroutro lado, que o modelo tradicional deorganização dessas transações resiste àmudança, seja pela enorme sedimentaçãohistórica que carrega e sua relativa eficáciaem responder às demandas da revoluçãoindustrial primeiro e, depois, da massificaçãodo ensino.

Por isso mesmo não se podedescartar que, em uma etapa inicial, asnovas tecnologias se limitem a reforçar aspráticas consagradas, como vimos acontecerno C1. Nesse caso, o que vale cuidar é queelas sirvam também para enriquecê-las,sobretudo no nível das escolas primárias queatendem a crianças de famílias pobres.

Ao final, contudo, não é fácil imaginarcomo o modelo tradicional poderá resistir àsmudanças de contexto que estão ocorrendoe às novas demandas vindas da economia,da sociedade e da cultura. Tampouco sepoderá fugir indefinidamente àresponsabilidade pelos magros resultadosque produz, sobretudo quando medidos emrelação às necessidades do futuro. Seumaior defeito na atualidade é, precisamente,sua incapacidade de adaptar-se à mudança.Philip Coombs chegou à mesma conclusãoem seu famoso estudo mundial sobre aeducação em meados da década passada.221

Tal “incapacidade adaptativa” nadatem a ver com a função estabilizadora que aeducação necessariamente cumpre emqualquer sociedade, ao transmitir a herançado passado e estabelecer um princípio decontinuidade entre as gerações. Melhorainda, essa função se expressa, inclusive,com intensidade distinta em diferentesmomentos históricos e tende inevitavelmentea reduzir-se quando predominam a mudança,a descontinuidade, a reformulação dosproblemas e a renovação das práticas ecostumes herdados.

221 Philip Coombs, The World Educational Crisis...op.cit.

Quando os problemas deixam de serrotineiros e as soluções conhecidas já nãofuncionam, a educação se vê forçada,também ela, a mudar e desenvolver novasfunções. É nessa encruzilhada que nosencontramos. Como vimos, a escola já nãoopera em um contexto de conhecimentoslentos, escassos e estáveis, nem é o únicocanal através do qual as novas geraçõesentram em contato com a informação. Ademanda de competências vinda do mundodo trabalho está mudando de mil maneirasdistintas e a própria educação podetransformar-se agora usando uma maiorvariedade de tecnologias no aprendizado.Por sua vez, a globalização impõecrescentes exigências de competitividadeaos países, que se vêm forçados a adaptarseus processos formativos para responder aesse desafio.

Enquanto isso, a quarta revoluçãoeducacional acaba de pôr-se em marcha.Este é o momento preciso, portanto, para“pegar o bonde”, evitando, assim, ficarabaixo, ou relegado uma vez mais ao carroreboque, o mais dependente de todos.

Os primeiros países a introduzircomputadores nas aulas do nível primárioforam os Estados Unidos e o Canadá, noinício dos anos oitenta, há menos de quinzeanos. Seguiram-se França, Bélgica, Israel,Portugal, Itália e os Países Baixos. O Japãocomeçou mais tarde.222 As nações dosudeste asiático avançaram rapidamentedurante os últimos anos. Alguns países daAmérica Latina incorporaram-se a esteprocesso em meados da década atual.223

Um padrão geográfico e temporal similarverificou-se na introdução de computadoresno nível secundário. Na maioria dos casos (eem muitos até hoje) os computadores estãosendo usados dentro da modalidade doC1.224 Cumpre-se, assim, a lei de que asescolas empregam inicialmente as novas

222 Jan Lepeltak e Claire Verlinden, op.cit. p. 284223 Ver os artigos de Pedro Hepp e LawrenceWolff in Cláudio de Moura Castro (ed.) Educationin... op.cit. e The World Bank Human DevelopmentNetwork, Education Group - Education TechnologyTeam, Latin America and the Caribbean,Education and Technology at the Crossroads,…op.cit.224 Ver UNESCO, Informe Mundial... op.cit., p. 80

tecnologias para duplicar e reforçar o modeloexistente de ensino e aprendizagem.

Além disso, o uso dos computadoresé limitado, inclusive nos países maisavançados. Nos Estados Unidos, porexemplo, o número de estudantes porcomputador, considerando todos os cursos,era de 14 a 1 em 1994, de modo que oacesso é restrito e o tempo de usoescasso.225 Estima-se que somente 3% dosestabelecimentos estão na fronteira maisavançada de integração das novastecnologias de informação à sala de aulas.226

O Terceiro Estudo Internacional de Ciênciase Matemática da IEA (realizado em 1994-1995), informa que em apenas quatrosistemas escolares (Dinamarca, Inglaterra,Escócia e Estados Unidos) um terço dosalunos (de 14 anos) declarou que em suasaulas de ciências eram empregadoscomputadores “pelo menos de vez emquando”.227 Ainda são relativamente poucosos programas multimídia de conteúdoeducacional; a conexão das escolas às redesainda é incipiente e a navegação com finsinformativos é complicada, lenta e nemsempre leva a recursos valiosos epertinentes ao aprendizado. Em suma,estamos longe dos ambientes virtuais deaprendizagem imaginados no C4. Faltamuito, inclusive, para se generalizem asoportunidades previstas no C2.

Sabemos, contudo, que tal situaçãoestá mudando rapidamente e que astecnologias de informação avançam econvergem a uma velocidadeimpressionante,228 assim como se estendeseu uso em todos os âmbitos da educação ese criam novas aplicações. A perspectiva detempo é fundamental aqui. Como vimos, aeducação é um setor determinado porpreocupações que nascem do futuro. Ela ésempre uma hipótese sobre o futuro. Asgerações que a conduzem e moldam devemorganizá-la em função das necessidadesformativas das gerações vindouras. 225 Howard Mehlinger, “School Reform...” op.cit. p.403226 Ver Merril Lynch & Co., The Book of… op.cit.p.94227 UNESCO, Informe Mundial... op.cit. p. 85228 Uma análise realista do futuro das tecnologiasda informação encontra-se em Hervé Gallaire,op.cit.

Ninguém se educa para o hoje ou para oontem, e sim para atuar em um horizonte devinte anos. Por seu lado, a parte maisdecisiva da revolução educacional emgestação – seu desenvolvimento nas salasde aula – ocorrerá justamente durante asduas ou três próximas décadas.

Tudo isto leva a concluir que, juntocom apoderar-se da modernizaçãoeducacional, a América Latina terá queassumir agora a inovação como tarefa chavee permanente do sistema educativo. O que émais fácil de dizer que de fazer.

Da modernização à inovação

De pronto, há que reconceituar eprogressivamente redesenhar todo oprocesso de ensino; há que mudar a culturaorganizacional dos estabelecimentos; há quedispor de tempo e de recursos para inovar;devem-se formar de outra maneira osprofessores e o pessoal de direção dasescolas; as funções dos organismosgovernamentais, os sistema de supervisão eos métodos de avaliação têm que mudar; énecessário desenvolver os currículossegundo um princípio de adaptação contínuae escrever novos textos; deve-se aproveitar opotencial das novas tecnologias e dar espaçoà experimentação; as inovações bemsucedidas têm que ser identificadas edifundidas. Em suma, passar do eixo damodernização ao eixo das inovações comoprincípio da reforma implica girar o sistemaem 180 graus, pondo-o a funcionar como umorganismo adaptativo, enquanto até aqui eleoperou essencialmente como um mecanismode conservação. Outros setores dasociedade – tanto ou mais resistentes amudanças – conseguiram fazer esse trânsito,contudo. Por que então o sistemaeducacional teria de ser uma exceção epermanecer alheio às invenções edescobertas, à experimentação e àsinovações?

Falamos acima da nascente quartarevolução educacional e em vários casosusamos a fórmula “mudança de paradigma”,que sugere uma reconstrução fundamentaldo sistema. Assinalamos, porém, que essamudança radical será produto de umprolongado processo, pois não se altera orumo da educação como se faz girar um

barco leve, com um golpe de timão.Somente se consegue virá-la 180 grausaproveitando eficazmente as possibilidadesde inovação e através da progressivaacumulação de mudanças incrementais. Asnovas tecnologias da informação e dascomunicações ampliam esse campo depossibilidades, pois induzem essa mudançade paradigma ou, ao menos, põem-no aoalcance das escolas. Elas, porém, não são,por si mesmas, portadoras da inovação,como mostram abundantemente nossoscenários de futuro. Para que exista inovaçãoé preciso que essas tecnologias sejamempregadas em situações onde produzam“valor agregado”, novidade, resultadosinesperados, alterações do que existe, doconhecido, do habitual.

Longe, portanto, de qualquerdeterminismo tecnológico, a reforma dasinovações terá de apoiar-se nos professorese alunos em primeiro lugar, na organizaçãoda escola e nas capacidades de seu pessoalde direção em seguida e, em terceiro lugar,nas redes de agentes que podem contribuirpara a inovação, como os pais, elementosativos da comunidade local, pessoal depesquisa e desenvolvimento que trabalhe eminovações educacionais, agências detransferência e difusão de tecnologiasinovadoras, empresários comprometidos coma renovação educacional, faculdades depedagogia e universidades.

Também por esse conceito, asreformas de inovação são diferentes das demodernização, cujos atores centrais sãohabitualmente os núcleos de formulação eimplantação de políticas radicados nogoverno central; políticos e legisladores quedeterminam prioridades e alocam recursos; osindicato de professores – que aprova, deixafazer ou veta determinadas medidas; asagências internacionais que concedemcréditos e dão assistência técnica e umsegmento motivado dos professores e dopessoal de direção das escolas que participanas redefinições curriculares, formulaprojetos de melhoria de qualidade em suasescolas e desenvolve iniciativas em respostaa requerimentos da autoridade central. Paracolocar a questão de maneira metafórica esimplificada, enquanto as inovações nascemde baixo, são de origem e aplicaçãodistribuídas e supõem redes especiais de

pessoas, conhecimentos e ações, asreformas da modernização, em troca, surgemde cima, são de origens necessariamentecentralizadas e supõem estruturas de apoiocujo caráter é essencialmente político etecnoburocrático. Este último modelo foidescrito inúmeras vezes. Funciona doseguinte modo: “se um sistema centralizadoprojeta uma mudança estrutural, nomeia, emseguida, um comitê nacional de artífices queo levem a cabo. Estes podem contar com aajuda de grandes especialistas que tambémrefletem em magnífico isolamento. Quandose projetam mudanças no currículo, ogoverno central nomeia um grupo deespecialistas em nível nacional. Espera-seque concebam as novas idéias eposteriormente as submetem a provasolicitando a crítica de educadoresselecionados e, por último, digam aosprofessores ‘como tudo deve ser feito’.Sempre encontramos o mesmo modelo:propõem-se planos concebidos mais oumenos rigidamente e não se espera só quesejam postos em prática, mas que sejamaceitos pelos professores que sustentam acarga e o trabalho cotidianos”.229

O modelo das reformas de inovaçãoterá que proceder de maneira distinta: dedentro para fora, de baixo para cima, doprofessor para as agências coordenadoras,do estabelecimento para o sistema. Não háoutra forma de fazê-lo. As inovaçõeseducacionais nascem menos de um plano oudesenho que de uma maneira distinta deorganizar as práticas. Supõem uma mudançade perspectiva, quiçá uma teoria distinta,mas sobretudo uma forma diferente decomunicação pedagógica, uma nova relaçãocom o conhecimento, um deslocamento docontrole sobre os processos deaprendizagem. Logo que se produzem, asinovações podem ser adaptadas para suadifusão e transmitidas, de modo que possamser adaptadas por outros grupos ouestabelecimentos. Não seguem, pois, umatrajetória linear, evolutiva, mas – quando bemsucedidas – produzem algo assim como umcontágio. É desta forma que se transmitemem geral as inovações culturais,230 seja de

229 Torsten Húsen, Nuevo Análisis..., op.cit., p. 86230 Ver Jay Gould, “Entretiens du XXIer Siècle.Séance inaugurale 9 septembre 1997. “Quel futurpour l’éspèce humaine?” UNESCO, Paris, 1997

uma tribo para a vizinha, de uma geraçãopara a seguinte, de um país para outro ou deuma escola para o resto do sistema escolar.

Talvez a taxa de inovação tenha sidorelativamente baixa no sistema escolar – aomenos quanto a aspectos fundamentais domodelo e das práticas pedagógicas – porqueas inovações dependem de uma grandequantidade de fatores, dos quais a políticas ereformas de natureza macro que possamestar sendo realizadas são apenas um. Nãoparece ter havido, até aqui, uma forma deinduzir sistematicamente a mudança no níveldos estabelecimentos. Por isto se diz que amudança educacional anda sempre entre ocontrole excessivo e o caos. Ou trata-se deprovocá-la de cima e de fora, seguindoestritamente um plano, ou se espera queocorra espontaneamente, por uma conjunçãofortuita de circunstâncias felizes. Por seulado, a lista de experiências fracassadas éinterminável, assim como é grande, conformevimos, o cemitério de ensaios tecnológicosque prosperaram durante as últimasdécadas. De qualquer forma, fica mais fácillevar a cabo as reformas que vimoschamando de primeira geração que embarcarnaquelas que supõem entrar na “caixa preta”do processo de ensino e aprendizagem.

Estudos cuidadosos deacompanhamento e avaliação da mudançaescolar destacam entre as razões dofracasso destas últimas o fato de que acultura básica que envolve o processo deensino e aprendizado é difícil de mudar eque, freqüentemente, as reformas tentadasnão contemplam esse processo.231

Olhando-se deste ângulo, pode-seafirmar que um enfoque das reformas desegunda geração centrado nas inovaçõesdentro da aula, na interação professor/alunoe nas tecnologias que servem de base asuas comunicações está orientado nadireção correta. O que, claro, não o exime deter que provar sua eficácia na prática. E isto,por sua vez, obriga a pensar que tipo decondições seria necessário reunir paraassegurar a eficácia das mudanças

231 Ver, por exemplo, Michael Fullan, ChangeForces. Probing the Depths of Education Reform;The Falmer Press, Londres, 1997, especialmentecap. 4, pp. 42-83.

impulsionadas dentro de tal enfoque. Nacontinuação propõem-se algumas pistas.

Conhecimento para a inovação

Em primeiro lugar, caso se queiraabordar a mudança da cultura organizacionalda escola no âmbito de seus processosessenciais parece imprescindível, antes demais nada, conhecer – e entender – adinâmica de experiências bem sucedidas detransformação cultural, de adoção deinovações e de uso de tecnologia para esseefeito, dando lugar assim a conhecimentosque possam servir, não só de modelos deexplicação, mas também como experiênciasduplicáveis e que possam ser difundidas.Há, pois, necessidade de produzir umconhecimento sobre essas transformaçõesque se oriente por interesses práticos – dedifusão das experiências bem sucedidas – enão só pelo (também) legítimo interesseteórico da pesquisa acadêmica co-disciplinar.Poder-se-ia falar aqui, como se fazusualmente em outros setores de atividade(agricultura, telecomunicações, engenhariaindustrial, computação), mas raramente noâmbito da educação, de uma função depesquisa e desenvolvimento educacional.Esta está convocada para gerar umconhecimento “produzido no contexto deaplicação”, cuja finalidade é “ser útil aalguém, seja na indústria, no governo, ou nasociedade em geral”232, em nosso caso,antes de tudo, aos professores, aosestabelecimentos e ao sistema escolar comoum todo.

Uma pesquisa assim concebida teriade envolver de maneira direta os próprioatores em ambos os extremos da equaçãode transferência, não como objetos deobservação em um caso e receptorespassivos no outro, mas como parte dopróprio desenho da operação detransferência, o que poderia ser facilitadopelo emprego das novas tecnologias decomunicações e informação. Afinal, atransferência de inovações educacionais emsituações reais, e não de laboratório,consiste essencialmente em um complexo

232 Michel Gibbons, Pertinencia... op.cit. p. 7.Baseamo-nos aqui nas idéias desenvolvidas porGibbons sobre a “Modalidade 2” de produção deconhecimento.

processo de comunicação e aprendizado,mediado por agentes de transmissão esujeito a restrições institucionais.

Para tanto é necessário desenvolverinstâncias mediadoras – centros detransferência de inovações educacionais –que se especializem nessa função e ainstitucionalizem de modo permanente. Nãoseria possível produzir uma dinâmica deinovações no sistema caso se mantenha atradicional polaridade do controle excessivo edo caos. Ambos extremos matam asinovações. Em um caso afogam-nas; nooutro transformam-nas, na melhor hipótese,em uma experiência idiossincrática, dealcance limitado.

Como conceber, então, estasinstâncias mediadoras, que viriam a ocupar oespaço vazio entre os que buscam controlartudo e os que deixam tudo entregue àespontaneidade e confundem a mudançacom o caos?

Antes de mais nada, como entidadesgeradoras e gerenciadoras dessas novasformas de conhecimento a que se fezmenção mais acima. Os pesquisadoresacostumados a trabalhar dentro damodalidade acadêmico-disciplinardificilmente concebem outra forma(prestigiosa) de gerar conhecimento que nãoseja a partir das teorias preexistentes, nemoutro canal para informar suas descobertasque não o da publicação dos resultados emrevistas científicas. Desse modo, toda suaatividade transcorre no interior do cânoninstitucional estabelecido pela comunidadede seus pares. A transferência de inovações,pelo contrário, supõe que o conhecimento útil(vale dizer, pertinente para esse efeito) segera em uma diversidade de lugares, emsituações práticas, extra acadêmicas, e quesua difusão requer modalidades decomunicação muito mais variadas, quepodem ir desde o desenvolvimento demodelos para aprender fazendo (learning bydoing) até a difusão de “produtos” comosoftwares de auto-avaliação das práticasescolares; da disseminação de informaçãoaté a participação em oficinas decapacitação. De fato, grande parte do ensinodo uso de tecnologias educacionais consistena aquisição de um know-how, umacompetência ou habilidade que o especialista

demonstra e o aprendiz adquire através daimitação.

Pelo contrário, até aqui a correnteprincipal da pesquisa educacional naAmérica Latina limitou-se a uma espécie detriângulo onde, de um lado se localiza a“grande teorização” – os vínculos daeducação com a sociedade, seu caráteremancipador ou meramente reprodutivo, suafunção estamental ou de classe, seu impactodemocrático ou autoritário –; do outro aprodução de conhecimentos para apoiar asmacropolíticas de primeira geração (estudossobre educação e pobreza, retornoseconômicos, estratégias de financiamento,variáveis significativas que afetam ofuncionamento dos sistemas) e, na base,uma volumosa literatura descritiva, tanto denatureza quantitativa, como qualitativa,segundo as modas e estilos acadêmicospredominantes. O resultado foi que poucasdessas pesquisas tiveram utilidade efetiva,ou se provaram pertinentes para a escola epara os atores diretos do processoeducacional e, com raras exceções,tampouco influíram no desenho e naimplantação de políticas233 e, muito menosainda, na promoção e transferência deinovações. Antes, foi o conhecimento tácitoadquirido pelos pesquisadores o que logoteve impacto sobre o desenho de políticas,quando eles foram chamados a ocuparpostos chaves na administração educacional,ou a atuar como assessores e consultores depolíticas e programas.

Redes de apoio à inovação

Em segundo lugar, cabe pensar queas reformas educacionais do tipo inovaçõesterão maiores possibilidades de êxito namedida em que as escolas estejamintegradas a redes que as conectem a outrasinstituições, comunidades e pessoasrelevantes, em vez de isolarem-se dentro deseus muros. Efetivamente, nessas condiçõespode-se produzir mais facilmente o “contágio”inovador a que nos referimos mais acima,porquanto há interação com o meio externo econtato com fatores exógenos. Isto é

233 Ver José Joaquín Brunner e Guillermo Sunkel,Conocimiento, Sociedad y Politica; FLACSO,Santiago do Chile, 1991, especialmente pp. 109-118.

particularmente necessário em organizaçõesque, como a escola, compartilham muitasdas características das chamadas“instituições totais”.234

As empresas mudam, por exemplo,porque estão sujeitas à concorrência depreços no mercado e devem manter-secompetitivas para subsistir e prosperar. Asuniversidades que tiveram êxito natransformação de suas culturas e modos deoperação são aquelas que modificaram suaorganização de trabalho e criaram novostipos de interação com o setor produtivo ecom seu entorno para adaptar-se aosrequisitos externos.235 As indústrias quetiveram êxito em produzir e adotar inovaçõesacham-se freqüentemente interconectadasdentro de redes onde participam delaboratórios de pesquisas, capitais de risco,bancos de investimento, agênciasreguladoras, escritórios de consultoriatécnica, agências externas de controle dequalidade e outros.

Não se vê por que esse princípio nãohaveria de operar no caso das escolas,sobretudo à luz da experiência recente quemostra que muitas das escolas bemsucedidas estão vinculadas a uma empresa,uma fundação, a grupos de especialistasexternos, a profissionais que lhes dedicamuma parte de sua jornada, etc. O fato de umestabelecimento escolar e seus membrosestarem situados em um cruzamento demuitos fluxos – de idéias, de experiênciasdistintas, aprendizados distribuídos, usos epráticas, modalidade de comunicação einteração – só pode promover, emconseqüência, um clima mais favorável paraa inovação. Até agora, o sistema escolar, asescolas e as aulas, ao contrário,permanecem como espaços fechados,separados do meio externo.Freqüentemente, seus únicos vínculos com oexterior são as esporádicas relações doestabelecimento com os pais ou seussubstitutos e a interação formal e

234 Sobre instituições totais, ver Erwin Groffman,Asylums; Anchor Books, Doubleday & Company,Inc., Nova Iorque, 1961, cap. “On theCharacteristics of Total Institutions”, pp. 1-124.235 Ver Burton Clark, Creating EntrepreneurialUniversities. Organizational Pathways ofTransformation, Pergamon Press, 1998.

burocratizada com os organismos desupervisão educacional.

Em decorrência disso, a autonomiapedagógica impulsionada peladescentralização do sistema escolar tem umsignificado especial para as reformas deinovação, pois permite que as escolasrompam seu isolamento e estimulam-nas abuscar redes de colaboração em seuentorno. Essas redes poderiam serpromovidas, ainda, a partir de fora, pelaprópria comunidade local, pelos pais, porassociações empresariais, por fundações deapoio e agências de transferência. Tambémo governo poderia incentivar a formaçãodessas redes no caso dos estabelecimentospúblicos que atendem à população maisvulnerável, através de políticas específicasde isenção ou franquias tributárias, dacriação de um fundo competitivo paraprojetos de rede e do financiamento deprogramas de atraiam jovens profissionaispara servirem como promotores de redes emlocalidades distantes ou de baixa renda.

A participação das escolas em redeseletrônicas – que começou a ocorrer duranteos últimos anos em vários países daregião236 – é outra forma de avançar nessadireção, usando para esse fim as novastecnologias de informação e comunicações.O acesso à Internet abre, além disso, umajanela para o mundo além das fronteiras dacomunidade local e do país, permitindoimaginar, em um horizonte ainda distante,serviços universais de educação como vimosa propósito do C4. Por ora, o importante édesenhar – dentro das redes existentes –mecanismos que possibilitem a adoção etransferência de inovações aplicadas aoprocesso de ensino e aprendizagem, germedas aulas virtuais de amanhã. De quebra, háaqui uma função adicional para os trabalhosde pesquisa e desenvolvimento aplicados àeducação, que deveriam desenhar-se deforma tal que façam parte, também eles,dessas redes de interconexão do sistemaescolar com o meio exterior.

236 Ver Cláudio de Moura Castro (editor),Education in ... op.cit.

Educação e indústrias de serviçosde aprendizagem

Outro elemento crucial para asreformas de segunda geração é a relaçãoque deverá ser estabelecida entre o sistemaeducativo e os três tipos de indústrias queconcorrem na produção dos cenário futurosda educação. Vale dizer, a indústria dascomunicações (telefonia, cabo, transmissõesvia satélite, comunicações móveis,provedores de acesso às redes), a indústriainformática (computadores, softwares,interfaces) e a indústria de conteúdos (basesde dados, serviços de informação, produtosaudiovisuais e multimídia, música, editoriais),todas as quais estão convergindo entre si eproporcionando uma variedade de novosserviços, online ou fora de linha.

Coloca-se aqui uma situação inéditapara o sistema educacional e seusparticipantes e responsáveis mais diretos.Pela primeira vez, o serviço que eles provême os meios empregados para sua prestaçãoestão sendo objeto de uma radicalreorganização, sem antecedentes na história,que tenderá a ficar ainda mais pronunciadano futuro. Ao contrário do que ocorria antes,certas indústrias estão agora direta eprodutivamente integradas ao campo daeducação, já não só como produtoras demeios didáticos de apoio, nem como usuáriasde pessoas formadas pelo sistema escolar.

De imediato, isso significa quecomeçam a surgir ofertas competitivasestruturadas de formas completamentedistintas daquelas da empresa educativatradicional, pública e privada, o que por orafica especialmente visível no nível do ensinosuperior e no campo da educação ecapacitação para o trabalho. Há pouco, foilicenciada nos Estados Unidos, sob osmesmos padrões e exigências aplicados àsdemais universidades do modelo campusfísico e aulas de presença necessária, umanova empresa-universidade de educaçãovirtual que opera e confere títulos e graus àdistância através de comunicaçõessincrônicas e não sincrônicas no tempo esem contemplar um encontro físico entreprofessores e alunos.237 A Universidad

237 Uma análise completa pode ser encontrada emhipertexto de Ted Marchese, “Not-so-Distant

Oberta de Cataluña, por seu lado,estabeleceu-se como a primeira organizaçãopública européia que utiliza a telemáticacomo mecanismo de comunicação docente.Tem-se acesso ao campus virtual usando umnavegador da Internet. O ensino transcorreem tempo diferido entre professor e aluno e,excepcionalmente, através de comunicaçõesem tempo real. Os estudantes podeminteragir entre si, debater e trocar anotaçõese soluções de problemas através do espaçoeletrônico proporcionado pela universidade.Encontram ali, ainda, materiais didáticos emsuporte digital e podem ingressar à distânciano sistema de bibliotecas da Catalunha. Háencontros com presença física que serealizam no mínimo duas vezes porquadrimestre, há centros de apoio aoestudante que funcionam como locais deauto-aprendizado e que também podemfuncionar como aulas informáticas, há tutorese consultores acessíveis através da rede,videoconferências interativas e emissõesradiofônicas e televisivas complementares.238

Pode-se esperar, portanto, que o panoramada educação superior comece a mudarrapidamente nos próximos anos, à medidaque se incorporem novos atores à cena e seaperfeiçoem as tecnologias de base e osprocedimentos de comunicação associados.

Em seguida, o sistema educacionaltem agora motivos intrínsecos, nascidos deseus próprios interesses de desenvolvimento,para vincular-se a esses atores industriais,formar alianças com eles, trabalharconjuntamente na produção de conteúdos,desenhar experimentos inovadores eparticipar, como usuário estratégico, nodebate público sobre as políticas eregulamentos que afetam este setor deindústrias provedoras de serviços deaprendizado. Não é indiferente para aeducação se as infra-estruturas deinformação se desenvolverem lenta ourapidamente (aspecto que, no caso das infra-estruturas de transporte terrestre só podiainteressar-lhe secundariamente), se aarquitetura dos sistemas for mais ou menosflexível, se as políticas tarifárias tornarem asredes eletrônicas mais ou menos acessíveis,

Competitors: How New Providers Are Remakingthe Postsecondary Marketplace”; inhttp://www.aahe.org/bulletin/bull_1may98.htm238 Ver http://www.uoc.es

se as escolas estiverem ou não conectadas aelas, se o governo estiver ou não disposto asubsidiar formas alternativas de conexão (viasatélite, por exemplo) no caso dosestabelecimentos rurais ou situados emzonas afastadas geograficamente ouisoladas, se o conteúdos disponíveis nasredes exigirem ou não autorização oulicenciamento oficial para serem empregadoscom fins educativos, e houver ou nãoesquemas especiais de crédito para que osprofessores possam adquirir computadorespessoais, etc.

Tudo isso põe desafios formidáveisao sistema escolar que, na prática, tem vividoem um ambiente de baixa intensidadetecnológica e, freqüentemente, com ascostas voltadas para o debate de políticaspúblicas, com exceção daquelastradicionalmente ligadas ao setor (como oorçamento anual destinado à educação, asregras do estatuto da profissão docente, osregulamentos públicos do setor educacionalprivado e outros dessa natureza).

Nos tempos que se avizinham, opróprio sistema educacional terá quedesenvolver capacidades para intervir nessasmatérias, criar associações comespecialistas, estabelecer e participar dealianças de usuários de serviços deinformações e preocupar-se em treinar ouvincular pessoal especializado nessesassuntos. Os sindicatos de professores, emparticular, terão de evoluir nessa direção,pois poderão ser – como começa a ocorrerem alguns países industrializados – um atorde primeira linha nesses debates. Algosimilar deverá ocorrer no vértice damaquinaria governamental, onde as inérciasde especialização burocrática levaram aoestabelecimento de divisões categóricasentre os departamentos encarregados daspolíticas educacionais e os departamentosque formulam políticas e regulamentos parao setor das telecomunicações, sem queexistam, praticamente, canais decomunicação entre eles, que até agora nãose julgou necessário estabelecer.

Uma maior proximidade do sistemaeducacional com as indústrias do setor deserviços de aprendizado implicará, alémdisso, mudar a percepção que aquele tem,em geral, das atividades comerciais e da

finalidade lucrativa. A cultura do sistemaeducacional evoluiu tradicionalmentesegundo o padrão da gratuidade do serviçopara o usuário, fator que passou a serdeterminante na formação de uma atitudehostil, aberta ou implícita, ante a esferacomercial, as empresas, o mercado e oslucros. São barreiras culturais profundamentearraigadas e, certamente, difíceis de superar.A isto se une, do outro lado, uma atitudeempresarial que muitas vezes desconhece acomplexidade do sistema educativo edesqualifica a profissão docente, o que –como diz Howard Gardner – leva a que estaadote uma “retórica de vitimização, vazia deconteúdo realista e muito distante dopragmatismo”.239 O abismo subjetivo assimcriado vê-se reforçado pela existência deproblemas reais – e freqüentemente desolução complexa – relacionados com opapel do Estado, do mercado, das famíliasno financiamento da educação.

Inevitavelmente, contudo, aparticipação do investimento privado naeducação irá crescer – já alcançando cifrasnotavelmente elevadas na Colômbia e noChile, por exemplo – estimulado pelasrestrições do gasto público, pelos altosretornos privados dos investimentoseducacionais, pela maior autonomia dasescolas na complementação de seusorçamentos e pelo crescimento da renda dasfamílias que, na mesma medida queaumenta, as leva a gastarem mais naeducação dos filhos.

Por outro lado, a diversidade deofertas educacionais a que nos referimosantes cavalga também sobre o motivocomercial e, de seu lado, aumenta a cada diaa demanda por educação (paga) ao longo davida das pessoas. Enfim, a progressivadesescolarização da tarefa educativa previstaem alguns dos cenários futuros, acoplada àprogressiva industrialização dos serviços deaprendizado, leva necessariamente acolocarem-se as seguintes questões,expressas de maneira provocadora por doisrenomados educadores: “A educação temque ser mais acessível do que é. Serianecessário que um indivíduo pudesse teracesso a instrução que satisfaça suas

239 Howard Gardner, Inteligencias Múltiples, op.cit.p. 95

necessidades, em qualquer momento quedesejasse [...] Um preceito básico de umaboa gestão de negociações é que o vendedorremova todos os obstáculos que impedem osclientes de comprar seus produtos eserviços. O que ocorreria se este preceitofosse aplicado à educação e se removessemos obstáculos à aprendizagem? [...] Qualseria a situação se os alunos seconvertessem em consumidores em umasociedade da informação?”240

Começa-se agora a falar dapossibilidade de aprender-se ao longo davida, de uma educação adquirida emqualquer lugar, dentro ou fora das salas deaulas, com presença física ou à distância, aqualquer hora e na medida das necessidadesdo cidadão (e consumidor). Não fica, assim,mais fácil imaginar que também nos dirigimospara esse outro cenário, o de uma complexae sofisticada indústria educacional?

Punta Puyai e Santiago, dezembro de 1999

240 John Tiffin e Lalita Rajasingham, En Buscade… op.cit. p. 115