pre historia portugal. joão luis cardoso

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JOÃO LUÍS CARDOSO PRÉ-HISTÓRIA DE PORTUGAL 303 ISBN: 978-972-674-664-5

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Page 1: Pre Historia Portugal. João Luis Cardoso

JOÃO LUÍS CARDOSO

PRÉ-HISTÓRIA DE PORTUGAL

303

ISBN: 978-972-674-664-5

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João Luís Cardoso

PRÉ-HISTÓRIA DEPORTUGAL

Universidade Aberta2007

Está associado a este manual,

um ficheiro com as figuras

© Universidade Aberta

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Copyright © UNIVERSIDADE ABERTA – 2007

Palácio Ceia • Rua da Escola Politécnica, 147

1269-001 Lisboa

www.univ-ab.pt

e-mail: [email protected]

TEXTOS DE BASE; N.º 303

ISBN: 978-972-674-664-5

Capa: Escavação da anta do Malhão (Alcoutim, 2002). Foto de J. L. Cardoso

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JOÃO LUÍS CARDOSO

Professor Catedrático da área de Estudos Históricos da Universidade Aberta, onde obteve a Agregação no ramo de História,Especialidade de História Antiga, disciplina de Pré-História, no ano de 2000. Na Universidade Aberta, é Coordenador do Cursode 1.º Ciclo em História e do Curso de 2.º Ciclo em Estudos do Património. É Presidente do Conselho Científico (desde 2006), eCoordenador-Geral da Avaliação da Universidade (desde 2000). Foi Coordenador da área da História, na Universidade Aberta(2002), até à entrada em vigor dos Estatutos da Universidade.

É Membro do Conselho Nacional de Educação, em representação da Academia Portuguesa da História, integrando a3.ª Comissão Especializada Permanente – Ensino Superior e Investigação Científica. Membro da Comissão Científica de diversasrevistas científicas de arqueologia, nacionais e internacionais, de carácter arqueológico, bem como de numerosas reuniõesrealizadas em Portugal e no estrangeiro.

É director da revista "Estudos Arqueológicos de Oeiras", editada pela Câmara Municipal de Oeiras, com quinze númerospublicados anualmente desde 1991, órgão científico do Centro de Estudos Arqueo-lógicos do Concelho de Oeiras, de que éCoordenador desde a sua criação, em 1988. Vogal e Relator da Sub-Comissão Externa de Arqueologia (da Comissão Externa deHistória), no quadro da Avaliação do Ensino Superior em Portugal (2000/2001), promovida pela Fundação das UniversidadesPortuguesas (FUP), através do Conselho Nacional para a Avaliação do Ensino Superior (CNAVES).

Membro da Comissão Interuniversitária de Arqueologia (Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas), emrepresentação da Universidade Aberta, desde 1999.

Colaborador da Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, da Editorial Verbo (1997-2003), para a área da Arqueologia ePré-História.

Membro do júri do Prémio Gulbenkian de Arqueologia (2001).Vogal da Comissão de Avaliação dos Projectos candidatos ao Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos (PNTA) do Instituto

Português de Arqueologia (2002).Membro do Conselho Científico do Museu Geológico (secção de Arqueologia), do Instituto Nacional de Engenharia,

Tecnologia e Inovação desde 2004.Avaliador da Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito dos Projectos de Bolsas para Mestrado, Doutoramento e

Pós-Doutoramento, submetidos a financiamento na área da Arqueologia (2005).Realizou as primeiras prospecções arqueológicas em 1970, no povoado pré-histórico de Leceia (concelho de Oeiras), então

ainda totalmente por explorar. Ali viria a desenvolver um ambicioso programa de escavações anuais, entre 1983 e 2002, queconferiram importância internacional àquele notável povoado pré-histórico. Alargou, progressivamente, o campo dos seusinteresses no domínio da Arqueologia, incluindo o seu currículo a direcção de escavações de estações do Paleolítico Médio,Paleolítico Superior, Neolítico, Calcolítico, Idade do Bronze, Idade do Ferro e épocas ulteriores, tanto na região de Lisboa, comona Beira Interior e no Alto Algarve Oriental, abarcando grutas, povoados pré-históricos fortificados e mais de uma dezena demonumentos megalíticos, de índole funerária ou ritual e de necrópoles de diversas épocas. Interessou-se, igualmente, pelaArqueologia africana, tendo realizado escavações na ilha de S. Vicente (República de Cabo Verde) em 1998 e em 2005. Ao longodos últimos trinta e dois anos, ascenderam a mais de cem as campanhas de escavações arqueológicas que dirigiu em diversasregiões do centro e do sul do actual território português.

Dando prioridade à abordagem pluridisciplinar da Arqueologia, dedicou-se a áreas científicas afins, então quasedesconhecidas em Portugal, orientando as primeiras dissertações de mestrado e de doutoramento que em Portugal se realizaramno âmbito da Arqueozoologia.

É autor de cerca de 400 trabalhos, publicados nas principais revistas de Arqueologia de Portugal, bem como em Espanha,França, Itália, Inglaterra e Alemanha, capítulos de livros e actas de reuniões científicas da especialidade, incluindo dezena e meiade livros de sua autoria.

Foi distinguido com o prémio Professor Carlos Teixeira, da Academia das Ciências de Lisboa (1993) e, na AcademiaPortuguesa da História, com os Prémios Possidónio Laranjo Coelho (1998), Aboim Sande Lemos (2000 e 2002), Pedro da CunhaSerra (2005) e Joaquim Veríssimo Serrão (2007).

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EVOLUÇÃO

Fui rocha, em tempo, e fui, no mundo antigo,Tronco ou ramo na incógnita floresta...Onda, espumei, quebrando-me na arestaDo granito, antiquíssimo inimigo...

Rugi, fera talvez, buscando abrigoNa caverna que ensombra urze e giesta;Ou, monstro primitivo, ergui a testaNo limoso paul, glauco pascigo...

Hoje sou homem – e na sombra enormeVejo, a meus pés, a escada multiforme,Que desce, em espirais, na imensidade...

Interrogo o infinito e às vezes choro...Mas, estendendo as mãos no vácuo, adoroE aspiro unicamente à liberdade.

Antero de Quental

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Pré-História de Portugal

11 Apresentação e Objectivos Gerais

21 I PARTE23 Objectivos de aprendizagem e actividades sugeridas

25 1. Antecedentes Históricos

47 II PARTE49 Objectivos de aprendizagem e actividades sugeridas

53 2. As Primeiras Indústrias: O Acheulense Inferior Arcaico

63 3. O Paleolítico Inferior Pleno: O Acheulense

85 4. O Paleolítico Médio e o Mustierense88 Estações dos arredores de Lisboa91 Terraços do vale do Tejo e dos seus afluentes da margem esquerda91 Foz do Enxarrique (Vila Velha de Ródão)92 Vilas Ruivas (Vila Velha de Ródão)92 Vale do Forno (Alpiarça)93 Arneiro Cortiço (Benavente)94 Terraço de Santo Antão do Tojal (Loures)95 Terraços da margem esquerda do estuário do Tejo97 Outras estações de ar livre da região centro97 Estrada do Prado (Tomar)

100 Ribeira da Ponte da Pedra, ou Ribeira da Atalaia (Vila Nova da Barquinha)101 Estações dos arredores de Rio Maior101 Estações do litoral ocidental102 Grutas da Estremadura e áreas adjacentes102 Gruta da Buraca Escura (Pombal)102 Gruta do Caldeirão (Tomar)103 Gruta da Oliveira (Torres Novas)105 Gruta da Furninha (Peniche)107 Gruta Nova da Columbeira (Bombarral)110 Gruta e Pedreira das Salemas (Loures)111 Gruta da Figueira Brava (Setúbal)113 Grutas do Maciço Hercínico113 Gruta do Escoural (Montemor-o-Novo)114 O Algarve115 Ecologia, economia, bases de subsistência e padrões demográficos

125 5. O Paleolítico Superior129 Aurignacense131 Gravettense134 Solutrense137 Magdalenense

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142 Manifestações artísticas e funerárias do Paleolítico Superior142 Arte rupestre

145 Arte móvel146 Rituais funerários

149 6. O Mesolítico151 Períodos Pré-Boreal e Boreal151 Litoral da Estremadura156 O Maciço Calcário159 O Período Atlântico159 O Maciço Calcário160 Litoral da Estremadura162 Concheiros do vale do Tejo177 Concheiros do vale do Sado181 O Mesolítico Final dos vales do Tejo e do Sado: estudo comparado185 A componente macrolítica das indústrias fini- e pós-glaciárias: o

Languedocense, o Ancorense e o Mirense188 O Mesolítico do litoral do Baixo Alentejo e costa vicentina194 O Mesolítico do vale do Guadiana195 O Mesolítico do litoral minhoto197 O Mesolítico em outras regiões do país

199 III PARTE201 Objectivos de aprendizagem e actividades sugeridas

205 7. O Neolítico Antigo207 Estremadura e sul do País218 Centro interior e norte do País

225 8. A Consolidação do Sistema Agro - Pastoril no Decurso do V e do IVmilénios a.C.

237 9. Manifestações Funerárias Neolíticas não Megalíticas

251 10. O Megalitismo no Território Português253 Megalitismo funerário253 Alto e Baixo Alentejo265 Alto Ribatejo e Beira Interior268 Beira Alta273 Douro Litoral, Minho e Trás-os-Montes281 Litoral centro: a região de Lisboa e a da Figueira da Foz284 Algarve286 Megalitismo não funerário286 Menires293 Cromeleques

297 11. Arte Megalítica

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309 IV PARTE311 Objectivos de aprendizagem e actividades sugeridas

317 12. A Emergência das Primeiras Sociedades Complexas Peninsulares

319 Difusionismo versus indigenismo: o caso dos povoados fortificados daEstremadura

326 Faseamento do Calcolítico da Estremadura336 Metalurgia do cobre e comércio transregional345 Calcolítico do Sudoeste347 Alto Alentejo351 Baixo Alentejo357 Algarve360 Calcolítico do centro e do norte

377 13. Manifestações Funerárias do Calcolítico379 Aspectos arquitectónicos385 Símbolos e rituais

393 14. O “Fenómeno” Campaniforme398 Estremadura398 Povoados405 Necrópoles409 Alentejo409 Povoados414 Necrópoles416 Centro e norte422 Aspectos sociais, económicos e culturais

429 15. A Transição do Calcolítico para a Idade do Bronze

435 16. A Arte Pós-Paleolítica de Ar Livre e de Abrigos Rupestres e as Estelas--menires e Estátuas-menires do Calcolítico e da Idade do Bronze

437 Complexo do vale do Tejo440 A Arte dos abrigos sob-rocha442 Arte esquemática do noroeste peninsular446 Arte rupestre de ar livre em outras regiões447 Estelas-menires e estátuas-menires do Calcolítico e da Idade do Bronze

451 17. O Bronze Pleno453 Alentejo e Algarve: o Bronze do Sudoeste462 Estremadura467 O centro interior e o norte

473 18. O Bronze Final476 Centro interior e norte476 Povoamento, actividades económicas e organização social

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492 Necrópoles e rituais497 Estremadura e Ribatejo497 Povoamento, actividades económicas e organização social507 Necrópoles e rituais511 Alentejo e Algarve511 Povoamento, actividades económicas e organização social514 Necrópoles e rituais518 Epílogo. O território português no quadro das solidariedades atlanto-

-mediterrâneas do Bronze Final

521 Bibliografia Geral

527 Bibliografia Especializada Seleccionada

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Apresentação e Objectivos Gerais

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O manual de Pré-História de Portugal da Universidade Aberta tem comoobjectivo principal conferir ao estudante uma visão geral e coerente, numaperspectiva eminentemente cultural, da evolução da ocupação humana doterritório português desde os tempos mais recuados do Paleolítico até aoBronze Final. A circunscrição do âmbito da disciplina ao espaço geográficoportuguês, torna mais fácil a integração das doutrinas expostas na realidadeimediata e mais sugestiva e aliciante a aprendizagem: com efeito, crê-se sermais motivador para o estudante compreender, por exemplo, o processo deneolitização do território que bem conhece, do que os mecanismosexplicativos do mesmo fenómeno na Indochina, como poderia ser o caso sese tratasse, simplesmente, de uma disciplina de “Pré-História”.

As constantes alusões à Pré-História universal seriam, outrossim, dispersivase pouco relevantes para a caracterização da realidade em apreço. Por exemplo,na Mesopotâmia, o fim da Pré-História deu-se há cerca de 5000 anos; noNorte da Europa, há cerca de 1000 anos e em outras regiões do globocontinuaria ainda, não fosse a presença europeia: nenhuma destas realidadestem objectivamente quaisquer relações entre si, sendo problemática aorganização de exposição com sequência lógica.

Mesmo com temática menos vasta, como é o caso, não é viável nesta disciplinao tratamento circunstanciado de certas matérias, sobretudo as que revestemaspectos práticos, como as técnicas de escavação ou de prospecção, oscuidados de recolha no campo de materiais arqueológicos e os métodos deregisto gráfico e fotográfico de estruturas, materiais e estratigrafias. Estesassuntos poderiam ser tratados numa disciplina do tipo “Introdução àArqueologia”, enquanto numa outra disciplina, que poderia designar-se de“Pré-História Peninsular”, se integraria a realidade do nosso território numcontexto geográfico-cultural alargado. Também excluída, pelos motivosapontados, fica a Hominização, a qual, em certas Faculdades, constitui aparte essencial, quase exclusiva, de uma disciplina susceptível de serdesignada por “Génese e Evolução da Humanidade”, resultante dasemestralização das antigas disciplinas de Pré-História, de carácter anual,como a da Universidade Aberta.

Na Universidade Aberta, o estudo da Pré-História tem natural seguimentono da Proto-História, o qual também se reporta apenas ao território português;uma e outra, em especial a segunda, encontram na disciplina de CivilizaçõesPré-Clássicas, um bom complemento de aprendizagem, tratando, em parte,de realidades e acontecimentos históricos que foram coevos daqueles quedecorreram nesta verdadeira finisterra e dos quais nos chegaram, no decursoda Pré e da Proto-História, longínquos ecos. Em boa harmonia, aProto-História deverá iniciar-se onde termina o ensino da Pré-História. Ocritério adoptado até ao presente na Universidade Aberta foi o de fazer do

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Bronze Final um período de transição, sendo tratado tanto neste manual dePré-História como nos materiais de aprendizagem da Proto-História. Crê-seque em manual de Pré-História, o Bronze Final deve ser detalhadamentetratado, sem esquecer a preocupação pelo equilíbrio interno global do manual;com efeito, o Bronze Final, sendo das etapas cronológico-culturais mais curtas– apenas uns escassos 500 anos – é, por via da riqueza informativa disponível,um dos que suportaria uma abordagem mais longa e complexa. Crê-se que olimite entre o que se deve dar em uma e outra das referidas matérias poderá,futuramente, passar por conferir à Proto-História, apenas os aspectos daocupação território português no Bronze Final relacionados com asinformações das fontes escritas antigas, naturalmente entrosadas na realidadearqueológica (material) recuperada, objecto de desenvolvido tratamento nopresente manual de Pré-História.

No caso português, os critérios, aliás, têm variado ao longo dos tempos: osescassos manuais de ensino em língua portuguesa revelam talheterogeneidade. Com efeito, as “Lições de Pré-História”, de Jorge deAlarcão, em edição ciclostilada não datada, para uso dos alunos universitários(particularmente da Universidade de Coimbra), da década de 1960 (a últimareferência bibliográfica é de 1966), trata matérias até à Idade do Ferro,inclusivé; a “Pré-História de Portugal” de M. Farinha dos Santos (2.ª Ediçãode 1972, 3.ª Edição de 1985) segue critério idêntico. Em obras mais recentes(“Portugal Pré-Histórico – seu enquadramento no Mediterrâneo”, de O. daVeiga Ferreira e M. Leitão (1.ª Edição de 1981) fez-se coincidir o final daPré-História com o campaniforme, excluindo-se, portanto, a Idade do Bronze,que pertenceria já à Proto-História (em consonância com critério muitopraticado por pré-historiadores franceses), enquanto que, no volume da NovaHistória de Portugal, coordenado por Jorge de Alarcão (1.ª Edição de 1990),aquele limite corresponde ao Bronze Final, inclusivé. Tal foi o critérioadoptado neste manual, o qual se sucede ao publicado pela UniversidadeAberta, em 1992, da autoria de Armando Coelho da Silva, Luís Raposo eCarlos Tavares da Silva, correspondendo a boa síntese dos conhecimentosentão vigentes.

Enfim, em 2002, veio a lume a “Pré-História de Portugal”, da Editorial Verbo,do autor do presente Manual. Embora a organização das matérias agoraexpostas tenha seguido os critérios gerais então adoptados – e outra nãopoderia ser a alternativa – os conteúdos são significativamente diferentes,bem como a extensão e o pormenor com que as matérias se expuseram, comoconvinha a matéria leccionada a alunos universitários.

O progresso dos conhecimentos, nalguns casos espectacular, observado naArqueologia Pré-Histórica no decurso da última década, reflecte-se em quasetodos os domínios da matéria exposta, facto bem expresso nas fontes

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bibliográficas utilizadas; daí que haja a certeza de uma também rápidadesactualização, ao menos em alguns deles.

Outros poderiam ter sido, entretanto, os critérios de tratamento de algumasmatérias, os quais dependem, naturalmente, dos próprios autores: seja comofor, importa, em obra de síntese e de estudo, apresentar imagens aliciantes evisualmente sugestivas, criteriosamente seleccionadas, partindo,naturalmente, do princípio que é impossível ilustrar todos os aspectos referidosno texto.

A bibliografia constante no final deste volume encontra-se apresentada emdois grandes grupos: a geral e a especializada, de relevância circunscrita àmatéria tratada em cada um dos capítulos. A primeira, correspondente a listareduzida ao mínimo, destina-se a complementar a aprendizagem dos maisinteressados, dado o carácter auto-suficiente que se pretendeu conferir àaprendizagem com base no manual. A bibliografia especializada foi tambémobjecto de apertada selecção, indicando-se apenas os trabalhos consideradosmais relevantes sobre a temática tratada, que correspondem a pequena partedas menções contidas no texto, para não sobrecarregar desmesuradamente alistagem bibliográfica. Mas os leitores poderão, em bases de dadosdisponíveis, localizar as pretendidas obras, se a tão longe chegar o seuinteresse.

De qualquer modo, tanto o primeiro como o segundo grupo de referênciasbibliográficas, não poderão ser entendidos como de consulta obrigatória peloestudante, longe disso: destinam-se sobretudo a facultar aos mais interessadosa informação necessária ao desenvolvimento dos seus conhecimentos,eventualmente após a realização da própria disciplina, servindo, deste modo,como informações que poderão consultar em qualquer altura, explorandoapenas uma ou outra área científica, das que integram o Programa, mais doseu agrado ou interesse.

Importante para o sucesso do ensino de qualquer disciplina é a motivaçãodos estudantes, que passa, por um lado, pela escolha do curso correspondera uma opção vocacional e não meramente circunstancial e, por outro, peloempenho que, tanto o aluno como o professor, dispensam às tarefas deaprendizagem/ensino. Esta realidade tanto é válida para o ensino presencialcomo para o Ensino a Distância. No caso particular da Pré-História,exceptuando os estudantes das variantes de Arqueologia das licenciaturasem História, ou das novas licenciaturas em Arqueologia, organizadas nasFaculdades de Letras de Lisboa e do Porto, naturalmente com motivaçãoacrescida, os estudantes de História possuem, frequentemente, uma ideiadeturpada e pouco abonatória daquilo que vão aprender: seres primitivos,lutando entre eles, contra o frio e as feras, fazem ainda parte de um imagináriocolectivo que é difícil redimir. Ao contrário, a Pré-História poderá constituir

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um poderoso elemento para a formação de todos, conferindo conhecimentosbásicos da realidade arqueológica e patrimonial do País, incentivando aintervenções cívicas relevantes, para além de proporcionar à maioria dosalunos uma dimensão até então insuspeitada da nossa realidade histórica.

A modificação daquelas ideias-feitas passa, no tocante ao Ensino a Distância,pela observação de diversos pressupostos genericamente apresentados noparágrafo anterior e que são, naturalmente, válidos para o caso concreto destadisciplina. Não se pretende formar arqueólogos, nem isso é o objectivo dosalunos inscritos: incentive-se o aluno a desenvolver o gosto pela Pré-História,privilegiando a realização de fichas das actividades sugeridas; motive-se aprática de leituras complementares, acompanhadas eventualmente porindagações feitas no terreno, que podem revestir formas muito variadas, desdeinquéritos às populações tendo em vista a identificação de vestígiosarqueológicos, até à pesquisa de documentação publicada na Imprensa Local,à qual dificilmente se tem acesso fora da área respectiva: e ter-se-ãoplenamente atingido os objectivos do ensino/aprendizagem de uma disciplinacuja prática, por limitada que seja, e sem revestir carácter obrigatório, tornamais motivadora a própria aprendizagem da matéria teórica. Tais acções,favorecidas nos casos em que os estudantes se encontram familiarizados como próprio meio onde vivem (por dele fazerem parte intrínseca) ou nos casosem que prestam serviço na “província”, contactando com muitos jovens quepodem carrear elementos arqueológicos de efectivo interesse, contribuempara reforçar a ligação afectiva à região ou às suas gentes – quase sempremeramente circunstanciais – ao mesmo tempo que propiciam trabalhos depotencial valia científica, desde que devidamente enquadrados pela própriaUniversidade.

Outra vertente de real interesse na ligação à Universidade é a da participaçãoem trabalhos arqueológicos de campo (prospecções e escavações arqueoló-gicas) nas quais os alunos se mostram altamente motivados, empenhados eúteis, sentindo-se, depois, muito mais à vontade e nas matérias a estudar, ouna discussão das já estudadas. A participação em visitas de estudo a museuse a estações arqueológicas constituem outros tantos modos de consolidaçãodos conhecimentos teóricos adquiridos, se bem que as dificuldades da suaconcretização sejam evidentes para os alunos do interior mais isolados.

Enfim, a realização de seminários ou encontros informais sobre História Localou Regional, nos quais a Arqueologia e a Pré-História detêm importantepapel, organizados aos fins-de-semana, constituem verdadeiras acções deformação, de validade indiscutível e baixos custos, podendo até dar algumlucro (destinado à impressão das actas, por exemplo), caso se estipule umpreço de inscrição acessível. O Encontro de Arqueologia e História Regionalda Península de Setúbal, organizado pela Universidade Aberta em colaboração

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com a Câmara Municipal do Seixal em Maio de 1999, cujas Actas seencontram publicadas pela Universidade Aberta, constituiu bom exemplode adesão dos alunos de História da Universidade Aberta a uma iniciativaconcreta neste domínio, onde a Pré-História da referida região foi devidamentevalorizada. Os cerca de cento e cinquenta participantes, na sua maioria alunosda Universidade Aberta, comprovaram a valia da realização de tais eventos,a que se seguiu o Colóquio Internacional “Os Púnicos no Extremo Ocidente”,igualmente organizado pela Universidade Aberta, em Outubro de 2000 e, jáem Junho de 2004, o Colóquio “Evolução geohistórica do litoral português efenómenos correlativos. Geologia, História, Arqueologia e Climatologia”,cujas Actas foram igualmente publicadas, e onde a participação de alunos daUniversidade Aberta foi também muito positiva. Há que procurar redobraresforços para aumentar a integração e interacção dos alunos com aUniversidade e os seus professores. Está-se consciente de que se trata de umensino massificado, com largas centenas de estudantes inscritos anualmentenesta disciplina; mas, por isso mesmo, iniciativas como as referidas,promovidas em articulação com os órgãos do poder local das diferentesregiões do País – já que a Universidade Aberta tem expressão nacional –terão significado acrescido, podendo conduzir a interessantes resultados.

Bem pode dizer-se do Ensino a Distância, tanto quanto do presencial, que,só o estudo cuidadoso, continuado e empenhado conduz a bons resultados,independentemente da idade, estatuto social ou local de residência de cadaum dos alunos da Universidade Aberta: o seu esforço é também um acto decidadania, condizente com a sociedade democrática em que vivemos.

O estudo da Pré-história deverá situar-se preferencialmente no início daLicenciatura, conferindo aos alunos os conhecimentos essenciais que lhespermitam compreender os fenómenos sociais que enformaram a marcha dassucessivas comunidades humanas que ocuparam o território português:primeiro, organizadas em bandos de caçadores e recolectores; depois, apósaquela que foi a maior das revoluções havidas na história humana – aagricultura – agrupadas em tribos, onde os laços do sangue continuavam aser determinantes (sociedades tribais), mas que, mercê de rápida evolução,culminaram com a consolidação das sociedades complexas e com aestratificação social atingida no final da Pré-história. Estava-se, então, noalvor de uma nova era, a das sociedades com escrita, a qual, no territórioportuguês, surge talvez no século VIII ou na primeira metade do seguinte,em monumentos funerários, expressivos da necessidade de perpetuação daselites então existentes. Concretizava-se uma diferença essencial face aosperíodos anteriores: na administração dos territórios dos proto-estadosemergentes, o poder já não residia na comunidade mas naqueles que adirigiam, detendo a escrita papel essencial em tal âmbito.

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Trata-se de um continuum, raramente se verificando rupturas com a realidadepré-existente, sem negar o papel de contributos exógenos, nalguns casosdeterminantes. Deste modo, é importante que o estudante, no termo destadisciplina, tenha apreendido as principais linhas de força que ditaram ecaracterizaram a estrutura das sucessivas comunidades que ocuparam oterritório português. Mais importante do que saber datas precisas, aliásinviáveis em Pré-História e Proto-História, importa que os conteúdos destemanual, relativos a uma área frequentemente menosprezada, em parte frutodo véu de desconhecimento que tradicionalmente ainda paira sobre realidadeshumanas tão longínquas, sirvam para melhorar a cultura geral dos estudantese, deste modo, contribuam para a compreensão da sua própria realidade:com efeito, o ensino universitário pressupõe aquisição de conhecimentos;mas a integração destes no quotidiano de quem aprende, faz parte, não já dasua preparação para o exame, mas do processo da sua própria formação comocidadão consciente. Sem a Pré-História, a adequada compreensão da História,através das disciplinas subsequentes do Curso, tornar-se-á mais difícil.

A visão formativa e sintética, que se crê adequada a disciplina geral comoesta, não poderá ignorar que a Pré-História ou a Proto-História se fazem apartir de evidências materiais recolhidas no terreno: a reconstituição darealidade humana passa obrigatoriamente pelo conhecimento dospaleoambientes e dos recursos potencialmente disponíveis em dada região,que determinaram os próprios modelos de exploração ou de povoamentoadoptados em cada época. Sendo certo que o próprio sucesso das comunidadeshumanas dependeu, pelo menos até ao início do Neolítico, dos recursosnaturais susceptíveis de se obterem pela caça/recolecção, torna-se evidente aimportância do conhecimento das características passadas dos respectivosterritórios (água, solos, climas, floras, faunas, em suma, da paisagem comoum todo, em permanente evolução) para a interpretação económica e social,nas suas diversas componentes. Verifica-se, assim, uma das principaiscaracterísticas da Pré-História: tratando essencial-mente do conhecimentodo Homem, a começar pela recolha ou o registo dos dados, obtidos emescavação, baseia-se, numa primeira etapa do conhecimento, em áreascientíficas diversas, com destaque para as Ciências da Terra. Tal realidadeobriga a um diálogo permanente do arqueólogo com uma multiplicidade defontes de informação, em ordem à reconstituição paleossocial e paleocultural,que deverá ser o ponto de chegada, a síntese, elaborada à luz de modelos dasCiências Humanas e Sociais, especialmente da História. No entanto, oestudante desta disciplina não deverá ignorar que, em Pré-História, só osfactos de observação são realidades perenes: as interpretações que deles sepossa fazer variará, forçosamente, consoante o aperfeiçoamento das doutrinasou o surgimento de novas formas e técnicas de abordagem da realidadematerial recuperada. É até possível que a mesma soma de elementos susciteinterpretações diversas, por parte de pré-historiadores contemporâneos,

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fazendo uso de modelos diferentes: nisso reside uma das riquezas dareconstituição arqueológica, que não deverá ser encarada como fraqueza,desde que devidamente fundamentada.

Importa, no entanto, ter ciente que uma das condições para a qualidades dosmodelos, é a própria a qualidade dos dados utilizados: assim se afirma opré-historiador, primeiro como produtor primário de dados científicos, depoiscomo seu manipulador, prática onde deverá integrar os elementos resultantesde trabalho pluridisciplinar cujo pleno significado na perspectiva dareconstituição humana lhe cumpre valorizar. Trata-se, enfim, de conhecer ohomem pré-histórico a partir dos testemunhos materiais das suas actividades,tanto as quotidianas como as de carácter religioso ou funerário, tãoheterogéneas quanto diversos foram os gestos e comportamentos queestiveram na sua origem. Conhecimento irremediavelmente incompleto efragmentário: disso há que ter plena consciência.

Tendo presente o que ficou dito, espera-se que o estudante, de posse doselementos facultados pela leitura deste manual, complementadoseventualmente pela bibliografia sugerida, desenvolva as suas capacidadescríticas de análise e de síntese da informação disponível, incentivadas pelosobjectivos de aprendizagem indicados para cada capítulo, bem como pelasactividades sugeridas, as quais podem entender-se como extensão dosconhecimentos entretanto adquiridos, visando a sua consolidação. O que éessencial, repita-se, é que os alunos comprendam a natureza dos processos,eminentemente sociais, que determinaram a evolução das sociedadespré-históricas que ocuparam o território hoje português, estudadas a partirdos restos materiais conservados no solo.

O Programa apresentado deve constituir um elemento de orientação fiávelpara a aquisição de conhecimentos por parte dos alunos, afinal o seu objectivomais imediato.

Na organização deste vasto Programa, tendo em consideração que se trata dedisciplina semestral que inclui a Proto-História, houve critérios quedeterminaram a eleição de certas matérias e o tratamento mais superficial deoutras. Assim, por exemplo, no tocante aos métodos de datação, embora sejadesejável que o estudante saiba quais são os de aplicação mais usual emArqueologia e quais as limitações de cada um deles, não seria possível tratartodos com a profundidade requerida pela complexidade de alguns deles,remetidos para outras leituras. Da mesma forma, não serão tratados osmecanismos biológicos da hominização, embora se refiram os principaisprotagonistas de tal evolução, em estreita correlação com a crecentecomplexidade dos produtos do seu génio criativo. As razões são óbvias:trata-se de matéria de evidente complexidade, sobre a qual os própriosespecialistas não reúnem muitas vezes consenso, a que acresce a rápida

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evolução dos conhecimentos produzidos. Da mesma forma, evitou-se otratamento teórico das diversas correntes de pensamento e práticaarqueológica (Arqueologia comportamental, experimental, processual,espacial, estruturalista, marxista, teórica, etc.), embora a bibliografia geralrefira diversos trabalhos recentemente produzidos em Portugal, susceptíveisde serem lidos com proveito por estudantes mais interessados. Com efeito,não se crê vantajosa a discussão destas matérias numa disciplina geral dePré-História e Proto-História de Portugal, na qual seriam, forçosamente,tratadas antes de os estudantes poderem, sequer, ter uma ideia do objecto dadiscussão, produzindo-se provavelmente, na maioria deles, escusadodesalento. Teve-se presente, em contrapartida, a necessidade de apresentaras matérias como o resultado de um longo processo de maturação, que, emPortugal, se iniciou em meados do século XIX, entrosando-se directamentena história das ideias e das mentalidades: por isso se considerou necessário odesenvolvimento, em parágrafo próprio, da história das investigaçõespré-históricas em Portugal, das origens aos nossos dias (e não apenas até aoprincípio do século XX, como tem sido usual). É importante que o estudantecompreenda a trajectória e vicissitudes das investigações neste domínio, asquais explicam, em grande parte, a natureza dos conhecimentos actuais e asassimetrias, ainda verificadas, entre as diversas regiões do País, no tocanteao conhecimento do seu passado pré-histórico.

Nota importante: Os elementos sobre cronologia absoluta obtidos pelométodo do radiocarbono, indicam-se em "anos BP" (BP = "Before Present")e em "anos a. C.", correspondendo, neste último caso, a anos de calendário,calculados depois da calibração dos resultados, em "anos BP", recorrendo aqualquer uma das curvas de calibração desenvolvidas desde a década de 1980.As datas, depois de calibradas, são expressas através de um intervalo deconfiança, o qual, na presente obra, se refere sempre a uma probabilidadepróxima de 95% (2 sigma); tal significa que a data real se deve encontrar,com a referida probabilidade, dentro daquele intervalo de confiança.

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I. PARTE

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Objectivos de aprendizagem e actividades sugeridas

A I Parte constitui uma introdução à matéria tratada. É nesse âmbito que seintegra a história breve das investigações pré-históricas em Portugal. Importaque o estudante compreenda, numa perspectiva histórica, a emergência daPré-História como disciplina científica, tanto à escala europeia como emPortugal; que ela é a resultante da aplicação de vários saberes; e que para opré-historiador importa a recuperação de todos os testemunhos materiaissusceptíveis de informarem sobre o passado humano de determinadacomunidade, ou conjunto de comunidades. Trata-se do conceito de "culturamaterial", baseado no registo artefactual, de incidência geográfica ecronológica, incluindo o seu aproveitamento para a interpretação paleossocial,indissociável de um determinado quadro geo-ambiental.

De entre as actividades que o estudante poderá desenvolver, destaca-se aseguinte:

- traçar a biografia de um arqueólogo português, inserindo-a no contextocientífico da época, ou, em alternativa, narrar a história da investigaçãoarqueológica de uma determinada área geográfica precocementeinvestigada.

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1. Antecedentes Históricos

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É lugar comum dizer-se que a Pré-História corresponde ao período da históriahumana antes da invenção da escrita. Isto significa que os seus documentosde estudo são aqueles que o grande arquivo da terra põe à disposição dequem se disponha a explorá-lo. Trata-se do arqueólogo, que se ocupa,mediante a aplicação de métodos adequados, da recuperação científica detais vestígios, correspondentes à presença de comunidades humanas pretéritas,entretanto conservados na terra.

Assim sendo, facilmente se compreende que as balizas cronológicas referentesao mais longo período da história da Humanidade sejam díspares, consoantea área geográfica em causa: ainda hoje existiriam numerosas sociedades(bosquímanos, papuas, aborígenes australianos, esquimós, etc.) com umaeconomia de caça/recolecção pura (correspondente na Europa ao Paleolíticoe ao Mesolítico), não fossem os contactos entretanto havidos com os Europeuse a aculturação rápida e quase sempre desarmoniosa daí resultante.

Com a descoberta do Novo Mundo, a velha Europa teve os primeiros contactoscom populações com costumes bem mais primitivos que os seus, o mesmose verificando com a África negra. Dispondo de termos de comparaçãodirectos, observados e descritos pelos viajantes, começou a despontar naselites europeia renascentistas a ideia da existência de uma Humanidadeprimitiva, anterior à época Clássica, aliás patente nos enigmáticosmonumentos do Egipto faraónico, já antigos no tempo dos Gregos. Emboraos séculos XVI e XVII correspondam ainda a uma época de totaldesconhecimento da Pré-História, a redescoberta das civilizações clássicaslevou à leitura de autores como Lucrécio, que já indicava uma idade em quedepois da utilização da pedra, se tinha descoberto o uso do bronze e, finalmenteo do ferro, para a confecção de armas e utensílios. É também no sentido deatribuir uma alta antiguidade, por vezes sacralizada, aos instrumentos líticos,que autores romanos referem o uso de instrumentos de sílex: Tito Lívio refereque, antes de combater, os Horácios procediam a um ritual onde o animal aimolar era retalhado por sílices; e Heródoto menciona facas de sílex, utilizadasnos embalsamamentos egípcios; a própria Bíblia menciona o uso de facas desílex utilizadas na prática da circuncisão. Neste mesmo sentido, começaramproduzir-se obras sobre as então consideradas mais recuadas provas dahumanidade primitiva. É o caso da Metallotheca Vaticana, da autoria deMercati (1541-1593), director do Jardim Botânico do Vaticano, escrita em1535 mas apenas impressa em 1717, na qual se apresenta pela primeira vezuma terminologia aplicada às indústrias líticas pré-históricas, baseada nasinformações fornecidas pelas populações primitivas actuais, que ainda asutilizavam no seu quotidiano; assim, o termo Ceraunea cuneata referia-seaos machados de pedra e o de Ceraunea vulgatis às pontas de flecha. É nessalinha de trabalho, que também se insere a obra do padre jesuíta Lafitau (1724),um estudo comparativo entre os costumes dos índios norte-americanos e os

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dos primeiros tempos da Humanidade, decritos pelos autores antigos,particularmente por Homero, na Odisseia.

Um ano antes (1723), Jussieu apresentou uma Memória à Academia Realdas Ciências de Paris intitulada Da origem e utilização das Pedras de Raio.Por pedras de Raio eram e ainda hoje são designados, pelas geraçõescampesinas mais antigas do nosso País, os machados de pedra polida, queacreditam caídos do céu, correspondendo à ponta do raio, cujo impacto osescondeu na terra, onde são frequentemente recuperados no decurso dostrabalhos agrícolas. É nesta obra que, verdadeiramente, são lançados osfundamentos para uma tipologia comparada de tais artefactos, concluindo oautor que a Europa já havia sido habitada por populações que fabricavamarmas e utensílios iguais aos ainda então em uso no Novo Mundo,correspondendo-lhes, por isso, estádios civilizacionais comparáveis.

Outros autores franceses do século XVIII também se distinguiram na procurado conhecimento das raízes mais longínquas do passado histórico da Europa,tomando como comparação a realidade etnológica oferecida pelos povosprimitivos, à época cada vez melhor conhecidos: é o caso de Mahudel, quealargou a classificação dos utensílios pré-históricos para sete tipos ouvariedades, ainda que fortemente condicionado pela cronologia bíblica, aqual apenas é posta em causa no século XIX. É a fase dos pioneiros e doscoleccionadores de antiguidades, muito influenciados pelos autores clássicose pela cronologia bíblica nas suas interpretações do passado pré-históricoeuropeu: ainda que tivessem presentes os princípios da Etnologia comparada,conducentes a trabalhos inovadores como os referidos, faltava-lhes o suportecientífico, sem o qual não passavam de meros exercícios especulativos, maisou menos eruditos.

Alguns portugueses do século XVIII também não foram indiferentes aostestemunhos pré-históricos, embora dessem, como seria de esperar, maiorimportância aos vestígios da antiguidade clássica, mais fáceis de identificare de estudar, proporcionando, além disso, fértil campo para cultivar edesenvolver os mais diversos e eruditos considerandos, por vezes fantasiosos,sobre tais vestígios.

Gerónimo Contador de Argote publicou, no segundo volume das suas "Memo-rias para a Historia Ecclesiastica do Arcebispado de Braga" (Lisboa, 1734),bela gravura sobre cobre, datada de 1735, representando, ao gosto barrocoda época, um painel insculturado, com representações artísticas esquemáticase abstractas, patente em uma rocha sobre o Douro no "termo da villa deAnciaens". Trata-se da célebre estação de arte rupestre do Cachão da Rapa,integrável no ciclo artísitico esquemático do Calcolítico/Idade do Bronze daregião galaico-portuguesa, a qual foi redescoberta por J. R. dos Santos Júniore por este publicada convenientemente, dois séculos volvidos (Santos Júnior,

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1934). Ao que se saiba, a gravura setecentista corresponde à primeirarepresentação da arte pré-histórica europeia; só isso, além da sua belezaartística, justificaria que fosse internacionalmente conhecida, como merece;o injustificado esquecimento explica-se, como em outros casos, pela periféricaposição de Portugal no âmbito da circulação de ideias, desde o século XVIIaté aos nossos dias, inviabilizando adequada divulgação de certas criaçõescientíficas excepcionais, como é o caso da obra em causa.

Portugal dispunha, então, de uma Academia Real dedicada aos estudoshistóricos, a Academia Real da História Portuguesa, fundada em 8 deDezembro de 1720 por D. João V, uma das mais antigas da Europa no seugénero, com o objectivo de realizar "a Historia Ecclesiastica destes Reynos,e depois tudo o que pertencer a Historia delles, e de suas Conquistas". AAcademia funcionou com grande pujança e actividade, vindo porém a suaactividade a decair, cessando as manifestações publicas ao longo da segundametade so século XVIII, sem, no entanto, jamais se declarar oficialmenteextinta.

Logo no ano seguinte ao da criação, a 17 de Agosto de 1721, é publicado um"Alvara de Ley" que previa a obrigação de, tanto as entidades privadas comopúblicas, com destaque para as Câmaras Municipais, promoverem a defesa esalvaguarda de bens patrimoniais móveis e imóveis, desde que com interessepara a História pátria, incluindo os da antiguidade. Assim se determinava:

... que daqui em diante nenhuma pessoa, de qualquer estado, qualidade, econdição que seja, desfaça, ou destrúa em todo, nem em parte, qualqueredificio, que mostre ser daquelles tempos, ainda que em parte estejaarruinado; e da mesma sorte as estatuas, marmores, e cippos, em queestiverem esculpidas algumas figuras, ou tiverem letreiros Phenîces,Gregos, Romanos, Goticos e Arabicos; ou laminas, ou chapas de qualquermetal, que contiverem os ditos letreiros, ou caracteres; como outro-simedalhas, ou moédas, que mostrarem ser daquelles tempos, nem dosinferiores até o reynado do Senhor Rey D. Sebastiaõ.

Tais disposições, como é evidente, não abrangiam os testemunhospré-históricos, ainda então completamente desconhecidos como tal: a maiorantiguidade é atribuída à presença fenícia. No documento "Reflexoens sobreo estudo Academico", datado de Lisboa de 18 de Dezembro de 1720,estabelecia-se que as matérias seriam divididas pelos académicos por ordemcronológica, "escrevendo o primeiro as memorias da antiga Lusitania atè aConquista dos Romanos ...". Com o objectivo de se recolherem informaçõesde todo o reino sobre as matérias do âmbito académico, organizou-se umextenso questionário, cujas respostas deveriam ser enviadas ao Secretário daAcademia.

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Os resultados que entretanto se obtiveram, no respeitante à Pré-História, foramem parte objecto de uma memória, publicada em 1733, de Martinho deMendonça de Pina e de Proença, sobre as antas, que atribuiu a altares. Noano seguinte, o Padre Afonso da Madre de Deus Guerreiro apresentou àAcademia um inventário de 315 monumentos desse tipo, o qual infelizmentese perdeu.

Logo no início do século XIX despontou, com bases científicas, a Geologia,ciência nova vocacionada para o estudo da Terra e para o conhecimento dascaracterísticas e antiguidade dos seres vivos que a habitaram, com base nosvestígios conservados nos terrenos. Contudo, os próprios dados geológicosobservados em diversos países, tanto do Velho como do Novo Mundo,serviram, inicialmente, de argumento para rebater a a ideia de uma altaantiguidade da espécie humana. Os mais sólidos considerandos nesse sentidoforam aduzidos por Cuvier, célebre paleontólogo francês, que demonstrouque os restos supostamente humanos (conforme julgava Scheuchzer) de umindivíduo atingido pelo Dilúvio Universal, encontrado no século XVIII noscalcários mesosóicos dos Alpes suíços – o Homo diluvii testis – pertenciamna verdade a uma salamandra. Cuvier, que se notabilizou pelas reconstituiçõesanatómicas de espécies extintas há muitos milhões de anos, com base nassuas semelhanças anatómicas com animais vivos, lançando as bases daAnatomia Comparada, postulou que a evolução da crosta terrestre fora pautadapor curtos períodos de convulsões generalizadas (a teoria catastrofista), muitoanteriores à presença do Homem, visto que, de entre os milhares de restosobservados oriundos de camadas geológicas anteriores às da época actual,jamais reconheceu um que se pudesse atribuir à espécie humana. Na sextaedição da sua obra mais conhecida, "Discours sur les révolutions de la surfacedu Globe", editada ainda em vida do Autor, este é taxativo a tal respeito(Cuvier, 1830, pp. 135, 136):

Il est certain qu’on n’a pas encore trouvé d’os humains parmi les fossiles(...).Je dis que l’on n’a jamais trouvé d’os humains parmi les fossiles, bienentendu parmi les fossiles proprement dits, ou, en d’autres termes, dansles couches régulières de la surface du globe; car dans les tourbières, dansles alluvions, comme dans les cimetières, on pourrait aussi bien déterrerdes os humains que des os de chevaux ou d’autres espèces vulgaires (...);mais dans les lits qui recèlent les anciennes races, parmi ls palaeothériums,et même parmi les éléphants et les rhinocéros, on n’a jamais découvert lemoindre ossement humain.

Nestes termos, facilmente se compreende a polémica que estalou em França,onde a autoridade de Cuvier era indiscutível, quando se pretendeu, pelaprimeira vez, comprovar a antiguidade da espécie humana, pela associaçãode produtos da sua actividade – os artefactos talhados em sílex – com restos

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de espécies extintas, nos depósitos aluviais do vale do Somme, perto deAbbeville, onde, por essa mesma época, começaram a ser recolhidos emgrande quantidade. Com efeito, tais peças, ocorriam associadas a restos deespécies extintas – precisamente elefantes e rinocerontes, entre outras,realidade que, poucos anos antes, fora negada por Cuvier – primeiro porCasimir Picard, logo depois por Boucher de Perthes, que se pode considerarverdadeiramente o primeiro pré-historiador; este justo título baseia-se na suamonumental obra, "Antiquités celtiques et antédiluviennes", publicada emParis, em três volumes, entre 1847 e 1864.

Face a estes resultados, a Academia das Ciências de Paris decidiu nomearuma comissão, a qual, não obstante as diligências de Boucher de Perthes,nunca se deslocou ao terreno. O empenho deste não esmoreceu. Em 1859,uma delegação de geólogos ingleses visitou os locais em causa e, deimpugnadores, passam a defensores das descobertas; entre eles destaca-seCharles Lyell, que, depois de ter publicado os "Principles of Geology(1.ª Edição, 1833), que o celebrizou, deu à estampa outra obra directamenteligada à discussão da antiguidade do Homem, "The geological evidences ofthe antiquity of Man" (Londres, 1863). Ainda em 1859, Albert Gaudryapresentou à Academia das Ciências de Paris uma comunicação em queadmitiu a coexistência do Homem com espécies extintas, cujos restosapareciam associados; uma evidência, para nós hoje incontroversa, arrastar-se-ia de modo inconclusivo por décadas, nos meados do século XIX, tendosuscitado a mais viva das polémicas e ocupado os mais brilhantes especialistasde então. Em Portugal, ainda no último quartel do século XIX se publicava,com o patrocínio do clero conimbricense, obra que negava a simples existênciado Homem Pré-Histórico, bem como a das três Idades, da Pedra, do Bronzee do Ferro, entretanto já claramente demonstradas (Azevedo, 1889).

Como declarou Carlos Ribeiro (1873, p. 3), a propósito desta questão,

Ainda em 1860 a Academia Real das Sciencias de Paris se assustou por talfórma com a nota que lhe apresentára o respeitavel paleontologista E. Lartetsobre a antiguidade geologica da especie humana, que se absteve de apublicar, e apenas consentiu que nos seus compte-rendus se fizesse mençãodo título.

Em 1863, um fragmento de mandíbula humana – que mais tarde se verificouser moderna – foi encontrada em Moulin-Quignon, Abbeville. Quatrefagesconsiderou-a da mesma época dos depósitos onde jazia. Então, a situaçãoinverte-se: enquanto a comunidade científica francesa começava a aceitar aautenticidade das descobertas de Boucher de Perthes, os sábios inglesesrecuaram. Falconer, antes defensor, escreveu uma carta ao jornal "The Times",declarando, em seu nome e no de outros que o tinham acompanhado em1859, que se tinha enganado. Este volte-face não era estranho à polémica

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que se instalara em Inglaterra naquele mesmo ano de 1859, aquando dapublicação da 1.ª Edição da célebre obra de Charles Darwin "On the Originof Species". A opinião pública, em parte instigada pela Igreja Anglicana,constrangia a comunidade científica. E, no entanto, a realidade arqueológicanão se afigurava incompatível com a tradição bíblica, no concernente aoDilúvio Universal. Como bem assinalou M. Farinha dos Santos (Santos, 1980,p. 254),

O Dilúvio existiu, reflectindo, na memória colectiva, um grandeacontecimento natural que ocorreu há milénios, a última glaciação e suasesmagadoras consequências (...).

Modernas investigações, conduzidas nas décadas de 1980 e de 1990,mostraram que, entre 13 000 e 11 000 anos antes do presente, o nível marinhona costa portuguesa, subiu cerca de 60 m, alagando bruscamente vastosterritórios, então ocupados por bandos de caçadores-recolectores doPaleolítico Superior. É fácil imaginar os profundos impactes que o fenómenoinduziu na vivência das populações, obrigadas a alterar drasticamente, e emcurto espaço de tempo, o seu quotidiano e bases de subsistência. O mesmoterá ocorrido mais tarde, logo no início do período pós-glaciário, queinaugurou nova época geológica, o Holocénico: cerca de 10 000 anos atrás,o contínuo aquecimento climático provocou nova subida do nível do mar, decerca de 40 m em apenas 2000 anos, o qual, há cerca de 8000 anos, atingia abatimétrica -20 m (Dias, 1987; Dias et al., 1997), induzindo novasperturbações na vida das populações ribeirinhas, as quais se terão conservadona memória colectiva de algumas comunidades mais atingidas do orientemediterrâneo, dando origem ao mito diluviano.

Não se esqueça, por outro lado, que as preocupações de concatenar osprogressos científicos com os dogmas da Igreja preocupou desde o início doséculo XIX vários sábios, e não apenas os teólogos. De entre os Portuguesesdaquela época que se interessaram pela discussão de tão sensível assunto,merece referência especial o Marechal-Duque de Saldanha, que, na sua obra"Concordancia das Sciencias Naturaes e principalmente da geologia com oGenesis, publicada sucessivamente em Viena de Austria (1845) e em Roma(1863), declarou (Saldanha, 1845, p. 48):

Mas a possibilidade de serem as regioens que o homem habitavasubmergidas não é uma idea nova de Cuvier, não é uma supposição gratuita;porque, se a sciencia prova evidentemente que muitas das regioens que oshomens hoje habitam já foram mares, que os mares occupam agora terrenosque já foram habitados pelos homens é um facto provado pelas palavras deMoises, que clara e positivamente assim affirma no v. 3 c. 14 do Genesis:"Todos estes Reis se ajuntáram no Valle das Arvores, aonde agora é o MarSalgado".

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Nesta obra, o autor admitiu, portanto, a existência de uma Humanidadeantediluviana, aliás suportada pelo texto sagrado.

Compreende-se, pois, a importância do achado da mandíbula deMoulin-Quignon, que, imediatamente, deu origem à constituição de umacomissão paritária anglo-francesa para avaliar a sua pretensa antiguidade.Em Maio, os seus membros reuniram-se no Muséum National d’HistoireNaturelle de Paris; sem que se tivesse chegado a acordo, resolveram deslocar-se ao local da descoberta. As dúvidas então desvaneceram-se, como constado acórdão final, redigido por Milne-Edwards (Cardoso, 1993). Eis comoum erro científico pode, em certas circunstâncias, ser benéfico para oprogresso dos conhecimentos, já que a creditação do achado incentivou outrasinvestigações.

Data também dessa época a afirmação da Arqueologia nos Países Nórdicos,onde os testemunhos de várias épocas se conservaram excelentemente nasturfeiras, exibindo características próprias, sem influências das culturasclássicas, uma vez que ali jamais chegaram Gregos ou Romanos. Foi, noentanto, no Norte Escandinavo, que o texto de Lucrécio, sobre a existênciadas três idades sucessivas na marcha da Humanidade: da Pedra; do Bronze;e do Ferro foi, pela primeira vez, cabalmente confirmado por Thomsen (1848)e estas depois subdivididas por Worsaae, tornando evidentes a qualidade e oavanço da arqueologia nórdica.

Por todo o lado, os nacionalismos encontravam-se então em plena afirmação.Não espanta que as descobertas arqueológicas também fossem utilizadaspara os justificar, legitimando prioridades ou diferenças, sem esquecer queos primórdios da Humanidade a todos dizia respeito, sendo, assim, umcontributo que todas as nações cultas deviam prestar para viverem emcomunhão com as restantes (Ribeiro, 1873, p. 91).

Era este o espírito que animava, também em Portugal, os pioneiros da SegundaComissão Geológica, desde o momento da sua criação, em 1857. Nãoignoravam os progressos produzidos na Arqueologia além-fronteiras: dissoé prova a abundante correspondência de âmbito arqueológico trocada comos seus pares (Cardoso & Melo, 2001) e, ainda, a abundância de citações quepontua as suas obras, resultado de leituras que denotam a actualização dosseus conhecimentos.

Deste modo, os trabalhos de Carlos Ribeiro (1813-1882), Pereira da Costa(1809-1889) e Nery Delgado (1835-1908) vieram provar que, também emPortugal, à semelhança de outros países europeus onde os estudos pré-históricos tinham começado há mais tempo e se encontravam maisdesenvolvidos, era possível alcançar o conhecimento de um passado humanomuito para além dos documentos escritos, ou da tradição oral, apoiado nos

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testemunhos materiais que nos chegaram, os quais eram então pela primeiravez retirados dos vastos arquivos das grutas e dos terrenos onde jaziam, einterpretados com base, respectivamente, nos métodos estratigráfico etipológico, afinal os mesmos que, hoje ainda, presidem às modernasescavações arqueológicas. Cabe, porém, a Nery Delgado, a autoria, em 1865,da primeira escavação arqueológica em uma gruta ocupada pelo homempré-histórico, onde os testemunhos paleontológicos de espécies extintasaparentemente coexistiam com os arqueológicos. O rigor científico seguidopor Nery Delgado, tanto na escavação da gruta da Casa da Moura (Óbidos)como na vizinha gruta da Furninha (Peniche), em 1880, deram origem amonografias, decorrentes de técnicas de escavação, que, ainda hoje, se podemconsiderar modelares. Tal conclusão é com efeito apoiada pela forma comoas peças se encontram individualmente etiquetadas, com menção dasrespectivas camadas e profundidades de colheita, sendo ainda visíveis outrasindicações, no caso da gruta da Casa da Moura, que mostram ter sido oespaço escavado previamente dividido por quadrícula, em relação à qual foramreferenciadas as peças encontradas. O título da monografia arqueológicapublicada apenas dois anos volvidos (Delgado, 1867), desde logo evidenciaa principal preocupação do autor, aliás em sintonia com uma das questõescientíficas mais candentes, a que já se fez referência: a demonstração científicada antiguidade da espécie humana. O próprio título: "Da existencia do Homemno nosso solo em tempos mui remotos provada pelo estudo das cavernas –primeiro opusculo. Noticia acerca das grutas da Cesareda" é bem expressivode tal preocupação, em total sintonia com o espírito dos seus colegas que,por toda a Europa, procuravam coligir provas daquela antiguidade. Nestaobra, é notório o cuidado dispensado à própria exploração, decapando osdepósitos camada por camada, prática a que não era estranha a sua formaçãogeológica, como acontecia com a maioria dos pré-historiadores europeus dasua época:

Levantando o entulho, uma camada após outra, fácil nos foi recolher todosestes objectos, sabendo-se sempre a altura a que tinham sido achados n’umou n’outro ponto da gruta. (DELGADO, 1867, p. 46).

Caso esta publicação tivesse atingido um público mais alargado, talvez océlebre morfotipo humano moderno, designado por "Cro-Magnon", fosseconhecido por designação portuguesa (Zilhão, 1993), dada a hipótese deuma calote craniana humana poder provir do depósito inferior e, deste modo,ser do Paleolítico Superior (Nery Delgado dá-o como oriundo da parte maisprofunda do entulho remexido mas já de época neolítica). Apesar de tudo, etendo presentes as reservas quanto à sua verdadeira antiguidade, já na épocafora dado o merecido realce a esta peça. É o caso de W. Boyd Dawkins que,na sua bem conhecia obra, "Cave Hunting, researches on the evidence ofcaves respecting the early inhabitants of Europe", publicada em Inglaterra

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em 1874, apresenta uma desenvolvida referência não só a esta descoberta,mas aos trabalhos efectuados na gruta e principais resultados publicados.

A importância internacional granjeada ao tempo pelas investigaçõesarqueológicas desenvolvidas pela Segunda Comissão Geológica de Portugalencontra-se bem evidenciada pela já aludida correspondência trocada entreos seus dirigentes, a qual se estendia, frequentemente, à troca de espécimesarqueológicos entre as diversas instituições. É essa prática, então comum,que justifica o envio a John Evans, eminente arqueólogo inglês, de umacolecção de objectos pré-históricos portugueses (Cardoso & Melo, 2000,carta n.º 8), entre os quais alguns da Casa da Moura. Essas peças ainda hojese encontram expostas, no Ashmolean Museum, Cambridge.

Anteriormente, no ano de 1863, efectuaram-se as primeiras escavaçõesarqueológicas nos concheiros mesolíticos ribeiras de Magos e de Muge(concelho de Salvaterra de Magos), afluentes da margem esquerda do rioTejo, por iniciativa de Carlos Ribeiro, seu descobridor, cujos resultados forampublicados por F. Pereira da Costa (Costa, 1865). De igual forma, o títulogeral da publicação, "Da existencia do Homem em epochas remotas no valledo Tejo – primeiro opusculo. Noticia sobre os esqueletos humanos descobertosno Cabeço da Arruda", evidencia a preocupação da demonstração daantiguidade do povoamento do território hoje português. Pereira da Costadenota pleno domínio do objecto do seu estudo, mostrando-se completamenteinformado dos progressos efectuados além fronteiras neste tipo de depósitos,confirmando a alta valia científica do seu trabalho, que um diferendo comCarlos Ribeiro, seguido da extinção da Segunda Comissão Geológica, cujadirecção com aquele partilhava (em 1868), viria a pôr termo, apesar de sófalecer vinte anos depois (1889). A monografia dedicada ao concheiromesolítico do Cabeço da Arruda, corresponde, pois, à primeira obra de caráctercientífico relativa a uma estação pré-histórica portuguesa (1865).

Volvidos três anos (1868), F. Pereira da Costa apresentou sob o título genérico"Noções sobre o estado prehistorico da Terra e do Homem" – igualmenteesclarecedor quanto às preocupações últimas a atingir – a obra "Descripçãode alguns dolmins ou antas de Portugal". Assim se inauguravam os estudossobre o Neolítico em Portugal, com continuidade nas monografiasapresentadas por Carlos Ribeiro à Academia Real das Sciencias de Lisboaem 1878 sobre o povoado pré-histórico de Leceia (Oeiras) e, em 1880, sobreos monumentos megalíticos da região de Belas (Monte Abrão e Pedra dosMouros, a gruta artificial de Folha das Barradas e a tholos do Monge (ambosno concelho de Sintra).

Plenamente comprovada na Europa a antiguidade quaternária (ouantediluviana) da espécie humana na década de 1860, importava ir aindamais longe na busca das origens. É nessa preocupação, comum a

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investigadores diversos da Europa Ocidental, que se devem inscrever asinvestigações de Carlos Ribeiro sobre o "Homem terciário português". Comefeito, Carlos Ribeiro contava-se entre os poucos pré-historiadores de entãoque tinham contribuído, com achados efectivos, para a discussão do HomemTerciário, instalada na Europa da segunda metade do século XIX. Remontama 1866 as primeiras publicações de peças líticas supostamente talhadas – os"Eólitos" – num primeiro opúsculo sobre a geologia das bacias sedimentaresdo Tejo e do Sado; tendo em vista os conhecimentos de então, os respectivosdepósitos foram dados por quaternários. Em 1871, Carlos Ribeiroreconsiderou a inclusão no Quaternário destes depósitos, apesar das peçassupostamente talhadas neles encontradas, dos quais os mais relevantes sedesenvolviam na região de Ota, na margem direita da bacia do Tejo. A análiseestratigráfica, com base em critérios estritamente geológicos, conduziu-o aincluí-los no Terciário, sendo, consequentemente, terciária, a época dospretensos artefactos (Ribeiro, 1871). Tal foi a relevância científica dada aosmesmos, que, no ano seguinte (1872), uma selecção dos melhores foiapresentada por Carlos Ribeiro na Sexta Sessão do Congresso Internacionalde Antropologia e de Arqueologia Pré-Históricas, reunida em Bruxelas. Osresultados foram, no entanto, recebidos globalmente com cepticismo,levantando-se dúvidas, ou sobre a autenticidade das peças apresentadas,cumulativamente, sobre a idade dos próprios terrenos que, para algunscongressistas, poderiam ser mais recentes do que julgava Carlos Ribeiro. Oesclarecimento desta questão motivou outra intervenção, também publicadanas respectivas Actas (Ribeiro, 1873, a, b). Não desanimou, porém, o nossogeólogo. Por ocasião da Exposição Internacional de Paris, de 1878, CarlosRibeiro levou consigo 98 exemplares que então ali foram expostos. Desteconjunto, Gabriel de Mortillet, separou vinte e dois, nos quais admitiuvestígios irrefutáveis de trabalho humano, chegando mesmo a reproduzirseis deles em 1879 e, depois, em 1885, no seu manual, de larga difusãointernacional, "Le Préhistorique" (Mortillet, 1885, p. 99, nota 1). Tambémem 1885, E. Cartailhac publicou oito de tais exemplares e, mais tarde, três(Cartailhac, 1886, Fig. 6-11). Começava, pois, a dar frutos, a persistência deCarlos Ribeiro: era o próprio que, a tal respeito, declarava, em 1871, oseguinte:

A indifferença, e mais ainda a opposição que, no animo da maior parte daspessoas dedicadas ao estudo des sciencias e de litteratura, encontraram asdescobertas relativas ao homem primitivo ou ante-diluviano, tiveramdiversas causas entre as quais podemos mencionar: a duvida que semanifesta sempre em receber factos e descobertas novas, quando se nãoharmonizam ou estão em desaccordo com as idéas geralmente recebidas;os preconceitos e o fanatismo cego que muitos homens teem pelas theorias,preferindo antes morrer abraçados a ellas do que prestar homenagem àevidencia dos factos e à verdade; e por fim a pouca vontade do maiornumero em trocar os gozos e confortos domesticos pelos incommodos

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inevitaveis das viagens e explorações, quando teem um fim puramentescientifico (Ribeiro, 1871, p. 33).

A predisposição da comunidade científica para a discussão maispormenorizada desta questão tinha sido, no entanto, conseguida. Estavam,assim, reunidas as condições para se efectivar em Lisboa, em 1880, a NonaSessão do Congresso Internacional de Arqueologia e de AntropologiaPré-Históricas. À sessão de abertura, compareceram as altas individualidadesda vida do País, a começar pelo rei D. Luís, protector do Congresso e pelorei D. Fernando, seu Presidente de Honra. O tema principal era a observaçãodetalhada dos materiais recolhidos e a visita ao local dos achados. Dos 393congressistas inscritos, estiveram presentes 156, sendo estrangeiros 47 %dos que compareceram, representando 12 dos 18 países a que pertenciam naglobalidade (Gonçalves, 1980).

Mesmo em obras de divulgação, ecoou a importância da reunião: OliveiraMartins incluiu logo na 2.ª Edição dos "Elementos de Anthropologia"numerosos extractos das comunicações apresentadas, e o impacto no seio dapopulação foi efectivo: basta recordar os numerosos apontamentos de RaphaelBordallo Pinheiro, constituindo verdadeira reportagem caricaturada dosprincipais intervenientes, nas páginas de "O António Maria", de 23 e de 30de Setembro, portanto sobre o próprio acontecimento. Carlos Ribeiro é tratadocom admiração: "...o nome deste forte e honrado trabalhador ficará gloriosa-mente ligado para todo o sempre a um dos mais importantes factos da scienciaeuropeia n’este seculo", enquanto o Arq. Possidonio da Silva, o fundador ePresidente da Real Associação dos Archeologos Portuguezes, sediada nasruínas do antigo Convento do Carmo, é displiscentemente apresentado como"o organizador de um basar de prendas velhas no museu archeologico ...".Assim, jocosamente, se traçava a diferença entre os arqueólogos comformação científica que se dedicavam aos estudos da Pré-História, no âmbitodo Positivismo da época, e os antiquários, herdeiros dos seus homólogos doséculo XVI, dados às mais eruditas especulações estéticas, em torno da belezaartística de alguns dos testemunhos do passado que chegaram até nós, noquadro do movimento Romântico.

A 21 de Setembro de 1880, Carlos Ribeiro apresentou a comunicação"L’Homme tertiaire en Portugal" (Ribeiro, 1884), a única a que o ReiD. Luís assistiu. No final, foi constituída uma comissão, a qual reuniu, apósa excursão à região de Ota, realizada no dia seguinte. Nela, já não participouCarlos Ribeiro, devido à doença de que viria a falecer dois anos depois. Foientão recolhida uma lasca de sílex, considerada inquestionavelmente talhada,retirada do interior do depósito conglomerático, para além de muitas outras,que jaziam à superfície.

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Reunida a Comissão, o resultado saldou-se a desfavor da intencionalidadedo talhar das peças consideradas como recolhidas in situ e portanto dalegitimidade do "Homem terciário português", por seis votos contra cinco.Virchow, o eminente professor de Antropologia da Universidade de Berlim edeclarado opositor da autenticidade das descobertas, na qualidade depresidente da Comissão, encerrou o memorável debate – pormenorizadamentetranscrito por P. Choffat (Choffat, 1884) – nos seguintes termos (p. 118):

Personne ne demandant la parole, la séance va être levée. Ce n’est par uneméthode scientifique que de trancher les questions a la majorité des votants.Il faut donc remettre la décision à un autre Congrès.

Declarado defensor do Homem terciário português, Gabriel de Mortillet,autor da obra de larga divulgação "Le Préhistorique", levou tal convicção aoextremo de baptizar o autor destes supostos artefactos (os eólitos), com onome científico de Anthropopithecus ribeiroi (Mortillet, 1885, p. 105),convicção ainda mantida em 1905 pelo próprio, na edição mais recente dareferida obra.

O nome arrevezado desta latinização forçada não passou despercebido aohumor ácido de Camilo Castello-Branco, num livrinho intitulado "O GeneralCarlos Ribeiro recordações da mocidade" (Castello-Branco, 1884).

A questão do Homem terciário português, no que a Portugal diz respeito, sófoi cabalmente resolvida em 1942, por H. Breuil e G. Zbyszewski, tomandocomo ponto essencial de referência uma observação de Nery Delgado que,ulteriormente procedeu a escavações na Ota, com o objectivo de recolherpeças in situ, nos depósitos terciários assinalados por Carlos Ribeiro, massem que lhe tivesse sido possível recolher uma única em tais circunstâncias(Delgado, 1900/1901). Trata-se de um exemplar de sílex, recolhido àsuperfície e indubitavelmente talhado, apresentando uma forte concreçãoferruginosa aderente, inexistente nos exemplares oriundos do interior dosdepósitos terciários. Assim sendo, Breuil e Zbyszewski admitiram aexistência, na Ota, de dois conjuntos: um, constituído por eólitos desprovidosde trabalho humano, em regra com arestas boleadas, recolhidos in situ; outro,que integrava peças semelhantes e ainda exemplares com arestas vivas,inquestionavelmente trabalhados, de diversas épocas, por vezes comconcreções ferruginosas aderentes. Esta característica indicava que provinhamde coberturas detríticas mais modernas, de época quaternária, constituídaspor arenitos ferruginosos, entretanto quase totalmente desmantelados pelaerosão (Breuil & Zbyszewski, 1942). Foi num retalho destes depósitos, porcerto, que um dos congressistas de 1880 recolheu a lasca de sílex que tantasensação tinha causado. Compreendem-se, assim, as dificuldades sentidaspor Carlos Ribeiro, com os rudimentares conhecimentos geológicos da época,em diferenciar os dois depósitos sedimentares sobrepostos, tanto mais que o

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mais moderno apenas se encontraria pontualmente conservado. Assim, oilustre pioneiro da pré-história portuguesa recolheu, entre muitos eólitosnaturais, outras peças efectivamente trabalhadas, só que oriundas de camadassedimentares mais modernas, já quaternárias. Assim se esclareceudefinitivamente uma questão que apaixonou investigadores e se manteve poresclarecer por mais de sessenta anos. O progresso científico não se faz apenascom sucessos: há erros, como o do Homem terciário, que resultaram, comoatrás se disse, mais do que muitas descobertas retumbantes, em benefício daprópria ciência. A questão em causa, além de ter chamado a atençãointernacional para a investigação que então se desenvolvia em Portugal naárea da Pré-História, teve, internamante, a vantagem de despertar a opiniãopública, criando condições para que outros, trabalhando em diversas regiõesdo País, pudessem desenvolver as suas próprias investigações.

Uma das mais importantes consequências, no plano científico, da célebrereunião de Lisboa, foi a criação da Cadeira de Antropologia, PaleontologiaHumana e Arqueologia Pré-Histórica, em 1885, na Universidade de Coimbra:era, na verdade, a síntese programática da própria actuação da SegundaCommissão Geologica 1857. Foi seu primeiro "lente proprietário" BernardinoMachado, a quem se deve, enquanto Ministro, a fundação, em 1893, do“Museu Ethnologico Portuguez”, o actual Museu Nacional de Arqueologia,sob a direcção de José Leite de Vasconcellos.

Com efeito, a década de 1880 foi fértil na afirmação da arqueologiapré-histórica em Portugal, devido ao prestígio resultante da referida reuniãocientífica para os arqueólogos portugueses.

É assim que, em parte, se explica a notável actividade de António dos SantosRocha (1853-1910), o qual, na área de Pré-História, procedeu à identificaçãoe escavação de diversos monumentos megalíticos e estações de carácterhabitacional da região da Figueira da Foz, publicados em belas monografiasentre 1888 e 1900. O seu labor no domínio estrito da Pré-História – pois quese estendeu também a outras épocas, com importância igual ou superior –desenvolveu-se, também, no Algarve: aqui, notabilizou-se pela exploraçãode diversas necrópoles pré-históricas, umas calcolíticas, como é o caso doconjunto de tholoi de Monte Velho, Portimão, ou já da Idade do Bronze, deque é exemplo a necrópole de cistas do Vidigal, Monchique, ambas publicadaspostumamante, em 1911. Instituidor de uma sociedade científica que adoptouo seu nome – a "Sociedade Archeologica Santos Rocha", com sede na Figueirada Foz – a esta se deve a edição de um Boletim, onde se publicaram numerosasreferências a achados ou monumentos pré-históricos ou, até, trabalhosmonográficos de maior vulto, como os relativos a algumas das sepulturascolectivas do tipo tholos de Alcalar, Portimão (Rocha, 1901) e da Quinta doAnjo, Palmela (Cruz, 1906), com base nas explorações efectuadas por

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iniciativa de Carlos Ribeiro, pelo colector da Comissão Geológica AntónioMendes.

No Algarve, entretanto, tinha-se destacado aquele que pode considerar-secomo o primeiro arqueólogo profissional português, já que, por vários anos,foi pago pelo Governo para proceder ao levantamento arqueológico daquelaProvíncia, projecto que, infelizmente, não teve o necessário e merecidoseguimento: trata-se de S. P. M. Estácio da Veiga (1828-1891). Em sua vida,vieram a lume quatro volumes das "Antiguidades Monumentaes do Algarve",entre 1886 e 1891, relativos apenas aos tempos pré-históricos, mas que bemevidenciam a actualização dos conhecimentos científicos do autor e o seutalento. No Minho, regista-se F. Martins Sarmento, embora a sua actividadeno âmbito da Pré-História tenha sido pouco relevante.

A importância e relevância que foram concedidas além fronteiras,especialmente depois do Congresso de 1880, às descobertas pré-históricasefectuadas em Portugal, justificou a incumbência que o Governo Francêsatribuiu a um dos congressistas que mais se distinguiu nos debates, E.Cartailhac, para redigir uma síntese sobre a pré-história peninsular, a qualveio a ser publicada em Paris, sob o título "Les âges préhistoriques del’Espagne et du Portugal" (Cartailhac, 1886).

Por essa época, despontava para a Arqueologia, em Lisboa, José Leite deVasconcellos (1858-1941), que, desde 1886, desempenhava as funções deConservador da Biblioteca Nacional. Fundador e primeiro Director do "MuseuEthnologico Portuguez", em 1893, este foi instalado no ano seguinte emdependência da Comissão Geológica, como complemento da galeria deAntropologia e de Arqueologia Pré-Histórica, transferindo-se depois para asinstalações que ainda hoje ocupa, no Mosteiro dos Jerónimos, em Belém(Lisboa). A função desta instituição era a de promover, por todo o País, arecolha (e ulterior exposição) dos elementos susceptíveis de retratar o PovoPortuguês, desde as suas origens. Projecto de carácter eminentementenacionalista – de acordo, aliás, com a época que se vivia – a pujante actividadeno domínio da Pré-História ali desenvolvida pelo seu criador e principaiscolaboradores – de que é justo destacar, entre outros, Vergílio Correia e FélixAlves Pereira – encontra-se expressivamente documentada no órgão doMuseu, "O Archeologo Portuguez", fundado em 1895. Criando uma redeespalhada por todo o território nacional de correspondentes, de que é exemplo,entre outros, A. I. Marques da Costa, que desenvolveu importantes estudosde índole pré-histórica na região de Setúbal, (como a reescavação das notáveisgrutas artificiais da Quinta do Anjo ou a exploração dos povoados pré-históricos vizinhos da Rotura (também já referenciado por Carlos Ribeiro) ede Chibanes (Palmela), Leite de Vasconcellos viabilizou a publicação denumerosos contributos relativos a estações ou achados pré-históricos, um

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pouco de todo o lado, constituindo ainda hoje aquela revista um repositórioinformativo de consulta indispensável. Boa parte da investigação assimdesenvolvida, encontra-se compilada no volume I das "Religiões daLusitania", da autoria de Leite de Vasconcellos, publicado em 1897, não poracaso no âmbito das comemorações da chegada de Vasco da Gama à Índia.Trata-se de notável contributo para o conhecimento da religiosidade dohomem pré-histórico, a partir dos respectivos testemunhos, conservados emterritório português.

O objectivo de valorizar a identidade nacional, através do estudo das tradiçõespopulares e das raízes – mesmo as mais profundas – do povo português,remontando à Pré-História, tinha, pela mesma altura, idêntica expressão noPorto, através do grupo da "Portugalia", revista editada por Ricardo Severo eRocha Peixoto, a qual, entre 1899 e 1908 inseriu diversos artigos dedicadosà pré-história, como o importante estudo sobre as grutas de Alcobaça, de M.Vieira Natividade.

Porém, na segunda década do século XX as actividades esmoreceram, aindaque tivesse despontado no Porto, pela via da Antropologia Física, um novoalento no âmbito dos estudos pré-históricos: com efeito, em 1918, fundou-sea Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, na esteira imediata dolegado dos homens da "Portugalia", animada sobretudo por A. A. MendesCorrêa (1888-1960). Nas décadas seguintes, este Professor da Faculdade deCiências, a par de diversos colaboradores, como J. R. dos Santos Júnior eR. de Serpa Pinto, desenvolveram importantes trabalhos de investigaçãopré-histórica, centrados na região a norte do Douro (Minho, Douro Litoral eárea transmontana), bem como nos concheiros de Muge, que voltaram, nadécada de 1930, a ser de novo explorados (designadamente, o concheiro doCabeço da Amoreira). Esta iniciativa encontrava-se estreitamente ligada àdemonstração cabal, através da recolha de mais e melhores materiais humanos,da famosa teoria de Mendes Corrêa, consubstanciada na existência de umtipo de características australóides, supostamente originário do continenteafricano, o Homo afer taganus. Com efeito, esta hipótese era apoiada naépoca por eminentes arqueólogos, como H. Obermaier e P. Bosch-Gimpera,que admitiam ter sido o estreito de Gibraltar transposto no decurso deMesolítico por populações do norte de África.

A intensa actividade de Mendes Corrêa, durante as décadas de 1920 a 1940,teve o seu contraponto em Manuel Heleno (1894-1970) sucessor de Leite deVasconcellos à frente do Museu Etnológico desde 1929 e na cátedra deArqueologia da Faculdade de Letras de Lisboa desde 1933. As investigaçõesque efectuou nas décadas de 1930, 1940 e 1950, valeram-lhe uma acumulaçãode elementos informativos que, infelizmente, jamais chegou a publicar comodevia. De entre as suas descobertas maiores, são de referir as seguintes: na

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década de 1930, no Alto Alentejo, especialmente nos concelhos deMontemor-o-Novo de Estremoz e de Coruche, veio a escavar cerca detrezentos monumentos megalíticos, cujos resultados científicos apoiaram ateoria, arrojada para a época, dominada por doutrinas difusionistas, de umaorigem e evolução locais do fenómeno megalítico, demonstrada tanto a níveldos espólios como das correspondentes arquitecturas funerárias; depois, naregião de Rio Maior, explorou e escavou vasto conjunto de estações que lheproporcionaram uma sequência contínua, pela primeira vez obtida, de todo oPaleolítico Superior, incluindo o Epipaleolítico. Tais indústrias revelavamnítida filiação nas suas homólogas europeias, o que lhe pemitiu afastarcabalmente a hipótese das pretensas influências norte-africanas, pelo querespeitava àquelas épocas; enfim, na década de 1950, encetou extensasescavações nos importantes concheiros do vale do Sado, descobertos nadécada de 1930 por Lereno Antunes Barradas. Uma curta síntese, publicadaem 1956, dá ideia da vastidão das suas explorações de campo e do valorincalculável dos elementos assim coligidos (Heleno, 1956). Natural opositorde Mendes Corrêa, até pela diferença de temperamentos, de formaçãocientífica e de origem – um, no Porto; o outro, em Lisboa – também ManuelHeleno procurou desenvolver as suas actividades com colaboradores quecongregou no Instituto Português de Arqueologia, História e Etnografia, que,desde 1935, mas sem periodicidade, editou a revista "Ethnos" (o últimovolume publicou-se em 1979).

Na verdade, as associações científicas que, em Portugal, se constituiram desdea segunda metade do século XIX, pouca pujança demonstraram, no âmbitodas investigações pré-históricas, situação que persistiu no decurso dasprimeiras décadas do século seguinte. Apenas a Associação dos ArqueólogosPortugueses, mercê da actividade de escassos pré-historiadores, com destaquepara Joaquim Fontes, Eugénio Jalhay e Afonso do Paço, se afirmava em taldomínio: entre muitos outros trabalhos de merecimento, destaca-se aescavação do notável povoado de Vila Nova de São Pedro (Azambuja),descoberto por Hipólito da Costa Cabaço, cujo início se verificou em 1937 ese prolongou ininterruptamente pelos vinte anos e cinco seguintes.

Ao mesmo tempo, raros investigadores desenvolviam trabalho próprio, quasesempre desacompanhados e com falta de meios. Também neste campo aactuação de Mendes Corrêa foi relevante: mercê da criação do Centro deEstudos de Etnologia Peninsular, unidade de investigação do Instituto deAlta Cultura anexo à Faculdade de Ciências do Porto, conseguiu reunir ascondições necessárias para o apoio, tanto institucional, como material, demuitos arqueólogos, que deles necessitavam: foi o caso, entre outros, deJ. Camarate França e de E. da Cunha Serrão (que desenvolveu em colaboraçãocom E. P. Vicente, meritórios trabalhos de campo nos povoados da Parede

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(Cascais) de Olelas (Sintra) e, sózinho, um importante projecto de arqueologiaregional no concelho de Sesimbra).

Entre os que publicaram, ao longo do século, trabalhos de mérito no campoda Pré-História, merece destaque Abel Viana (1896-1964). Os seus primeirosestudos em tal domínio datam dos inícios da década de 1930. Mas foi apenasa partir da década de 1940, com a colaboração de Georges Zbyszewski e,depois, de O. da Veiga Ferreira, que o seu labor adquiriu maior intensidade.

O exemplo esforçado de Abel Viana evidencia a fragilidade das estruturasoficiais que apoiavam a investigação em Portugal no domínio da Arqueologia,e, especialmente, da Pré-História. Com efeito, a instituição que, no séculoanterior, tinha protagonizado época alta da investigação pré-histórica – aComissão Geológica de Portugal – apenas nos inícios da década de 1940começou a ressurgir do marasmo em que caíra, em boa parte devido à acçãode colaboradores externos e, no que concerne aos estudos pré-históricos e àgeologia do Quaternário, graças à contratação, em Janeiro de 1941, de GeorgesZbyszewski (1909-1999), que acabou por se radicar definitivamente emPortugal. Após a chegada de Henri Breuil, eminente pré-historiador francês,no domínio da arte rupestre e das indústrias paleolíticas, em Abril de 1941,que permaneceu em Portugal até Novembro de 1942, rapidamente seorganizou e levou à prática um vasto programa de investigações que constituiuos alicerces, dos estudos subsequentemente desenvolvidos das indústrias doPaleolítico Inferior e Médio do território português. Os trabalhos iniciaram-sepelo reconhecimento das praias quaternárias do litoral da Estremadura e dosterraços fluviais do vale inferior do Tejo, prolongando-se, depois, ao litoralminhoto e baixo-alentejano e, finalmente, ao Algarve. A excepcionalprodutividade desta colaboração encontra-se consubstanciada em numerososartigos científicos, e, especialmente, na volumosa obra, publicada em doistomos, pelos Serviços Geológicos de Portugal, intitulada "Contribution àl’étude des industries paléolithiques du Portugal et de leurs rapports avec lagéologie du Quaternaire" (Breuil & Zbyszewski, 1942, 1945). O notávelmanancial de registos de campo sobre o Paleolítico Inferior e Médioencontra-se expressivamente sumariado, em 1948, por V. Rau, interessada,ainda que fugazmente, pelos estudos do Paleolítico (Rau, 1948).

Após a partida de Breuil de Portugal, jamais G. Zbyszewski deixou de seocupar do estudo e publicação de indústrias do Paleolítico Inferior e Médio,recolhidas, na maior parte, na companhia de O. da Veiga Ferreira (1917-1997),no decurso dos levantamentos geológicos de que ambos estavam incumbidos.Personalidade excepcional, com um vasto campo de interesses que permirama abordagem de múltiplos temas de índole arqueológica, no concernente àPré-História, mercê da colaboração desde cedo estabelecida nas décadas de1940 e de 1950, entre outros, com Abel Viana e Georges Zbyszewski, O. daVeiga Ferreira realizou estudos da mais alta valia científica, que não podem

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deixar de se registar. O primeiro, por ordem cronológica, foi o quecorrespondeu à exploração das necrópoles megalíticas das Caldas deMonchique, as quais detêm, no contexto arquitectónico funerário do sulpeninsular, evidente originalidade, no respeitante à arquitectura dos sepulcros:trata-se de cistas cobertas por tumuli, isoladas ou agrupadas, sob o mesmomontículo artificial. A sua cronologia, com origens prováveis no NeolíticoMédio regional, teve o seu auge no Neolítico Final. Algumas foramreutilizadas ou mesmo construídas no Calcolítico, como indica o achado deum machado de cobre, envolto num pano de linho, no túmulo 1 da necrópolede Belle France.

Outro dos contributos maiores das parcerias científicas dinamizadas porO. da Veiga Ferreira, foi a descoberta, exploração e publicação de cerca deuma vintena de sepulturas colectivas calcolíticas do tipo tholos no BaixoAlentejo, região onde eram até então totalmente desconhecidas. Foi, assim,documentada uma área intermédia do território português, entre o litoralalgarvio e a Estremadura, no respeitante à distribuição geográfica de taismonumentos. Estes resultados vieram, assim, colmatar uma lacuna geográfica,dando credibilidade à teoria, que apresentou com Abel Viana no IV Congressode Ciências Pré-Históricas e Proto-Históricas, reunido em Madrid em 1954,da progressão, de sul para norte, desde a Andaluzia à Estremadura portuguesa,de prospectores e metalurgistas do cobre, os quais estiveram na origem dadifusão do Calcolítico. Trata-se da hipótese que recentes datações absolutaspelo radiocarbono vieram dar razão. O próprio estatuto autónomo que osautores atribuem à Idade do Cobre é de destacar, em clara e corajosa oposiçãoà desvalorização que, à época, os arqueólogos espanhóis lhe atribuíam,inserindo-o na ambígua designação de "Bronce I", termo que o tempo acaboupor eliminar, e bem, da terminologia arqueológica pré-histórica.

Bastariam os resultados dos trabalhos enunciados para situar os seus autoresem lugar destacado na arqueologia portuguesa. O. da Veiga Ferreira estendeu,na década de 1950 e nas seguintes, as suas investigações a outras épocas.Merecem destaque as escavações realizadas nos concheiros de Muge (entre1952 e 1966), em colaboração com o especialista francês do mesolítico JeanRoche (sucessivamente nos concheiros da Moita do Sebastião, Cabeço daAmoreira e, finalmente no Cabeço da Arruda), dando assim seguimento àsexplorações dos seus ilustres antececessores do século XIX (Carlos Ribeiroe Francisco de Paula e Oliveira) e do século XX (Mendes Corrêa, Rui deSerpa Pinto e J. R. dos Santos Júnior), já atrás referidos. No início da décadade 1960 O. da Veiga Ferreira desenvolveu outras parcerias, o que lhe permitiuescavar as grutas das Salemas (Loures) e a gruta Nova da Columbeira(Bombarral), a primeira com indústrias do Paleolítico Superior e a segundacom abundantes materiais mustierenses, em ambos os casos recolhidos insitu. Em 1965 obteve o "Doctorat de l’Université" pela Sorbonne (Faculdade

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de Ciências de Paris), sendo o primeiro português a doutorar-se com umtema de Pré-História: "La Culture du Vase Campaniforme au Portugal".

Datam ainda da década de 1950 e de inícios da seguinte as escavações queefectuou em colaboração com Georg Leisner e Vera Leisner (antas deMontargil) e, mais tarde, apenas com esta última (monumento da Praia dasMaçãs, Sintra). Aquele casal de arqueólogos alemães, de há muito emPortugal, mercê das sua notável obra "Die Megalithgräber der IberischenHalbinsel", parte dela apenas publicada por V. Leisner ou já a título póstumo(Leisner & Leisner, 1943, 1956, 1959; Leisner, 1965, 1998) tinha-senotabilizado pelo estudo exaustivo de monumentos megalíticos e respectivosespólios do Sul e Oeste da Península Ibérica.

Mais tarde, mercê de novas colaborações, que passou a animar e a orientar,com G. Zbyszewski, nos Serviços Geológicos de Portugal (aquela que foipor outros designada "Escola dos Serviços Geológicos"), O. da Veiga Ferreirateve ensejo, já na década de 1970, de escavar diversas estações neolíticas ecalcolíticas, de grande relevo para a Pré-História portuguesa. Nesses trabalhos,não se poupava a esforços, nem limitava o número daqueles que com elecolaboravam. É assim que se compreendem os estudos no domínio daPré-História, que desenvolveu com Fernando de Almeida, Catedrático daFaculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que se viria a dedicar,sobretudo, à Arqueologia Clássica (data de 1962 o seu doutoramento, comuma dissertação sobre a arte visigótica em Portugal), e com Manuel Farinhados Santos (1923-2001), Assistente de Pré-História no mesmoestabelecimento de ensino entre 1959 a 1968.

A actuação de Farinha dos Santos como docente universitário pautou-sesempre pela sua preocupação em conferir aos alunos um ensinoeminentemente prático, pois só assim sabia ser possível formar profissionaiscompetentes e empenhados. Privilegiou, deste modo, as aulas no MuseuNacional de Arqueologia (então anexo à Faculdade de Letras de Lisboa),dando oportunidade aos alunos de manusearem materiais arqueológicos,ao mesmo tempo que os incentivava a acompanhá-lo, a si ou a outrosarqueólogos, em trabalhos de campo.

Com efeito, a disciplina de Pré-História, tornada obrigatória para os alunosda licenciatura em História, inaugurada naquela Faculdade no ano lectivo de1960/1961, foi entregue, desde o início, àquele arqueólogo, mantendo-se ade Arqueologia, de há muito existente, sob a regência de Manuel Heleno. Talcriação afigurou-se, então, um passo indispensável, e irreversível, paradefinitivamente institucionalizar a Pré-História no âmbito dos estudossuperiores em Portugal, retirando-a de uma certa marginalidade, que oamadorismo, com que era até então geralmente praticada, favorecia.

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Defensor e praticante da multidisciplinaridade na investigação emPré-História, Farinha dos Santos foi professor de muitos dos que, tendo sidoseus alunos na década de 1960 na Faculdade de Letras, actualmente detêmimportantes responsabilidades no domínio da investigação arqueológica (e,em particular, da Pré-História), em Portugal.

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II. PARTE

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Objectivos de aprendizagem e actividades sugeridas

A II Parte refere-se às comunidades de caçadores-recolectores que ocuparamo nosso território desde as origens – ainda de cronologia incerta e polémica– até ao final do Mesolítico. Trata-se de evolução muito diversificada,protagonizada por múltiplas comunidades, biológica e culturalmente muitodiferentes entre si. Importa que o estudante saiba entender essas diferenças,as quais, aliás, serão objecto de estudo. De facto, a ocupação humana doterritório português, respeitou estratégias diferentes, desde os inícios doPaleolítico até ao fim do Mesolítico, em estreita articulação com ascaracterísticas económicas das respectivas comunidades e na directadependência das capacidades tecnológicas de exploração/captação dosrecursos potencialmente disponíveis (realidade que remete, uma vez mais,para o conhecimento das condicionantes naturais vigentes em cada época).

Dentro de um quadro cronológico que deverá estar sempre presente, poderãoapresentar-se diversos objectivos principais de aprendizagem.

Para o Paleolítico Inferior Arcaico, importa conhecer as diversas teorias sobrea chegada das primeiras comunidades humanas ao território português noquadro europeu actualmente conhecido, respectiva cronologia absoluta ecritérios em que se fundamenta a identificação das indústrias, incluindo adiscussão dos argumentos pró e contra a sua autenticidade. Cumpre terpresentes as características geológicas dos locais mais importantes e arespectiva distribuição geográfica.

No respeitante ao Paleolítico Inferior Pleno, o estudante deverá conhecer atipologia, terminologia e técnicas de fabrico dos artefactos mais típicos(incluindo as características fisicas dos seus autores), distribuição geográfica,nomes das estações arqueológicas mais importantes (designação, localização,aspectos estratigráficos, cronológicos e tipológicos); o estudante deverá sercapaz de as relacionar entre si, bem como ter a percepção dos padrõespossíveis a que obedeceu a ocupação geral do território português, tendopresentes os conhecimentos actuais.

O conhecimento do Paleolítico Médio apresenta-se pouco homogéneo, emparte pela falta de investigação de vastas zonas do interior do território. Oestudante deverá conhecer as principais características do complexomustierense, designadamente as inovações tecnológicas introduzidas no talheda pedra (talhe levallois); saber reconhecer os principais tipos de artefactosmustierenses e as características antropológicas dos seus autores (homem deNeandertal); conhecer as balizas cronológicas destas indústrias, e os aspectosque revestiu (em especial no território português) a transição do PaleolíticoInferior para o Paleolítico Médio. É agora possível identificar estratégias deocupação e de exploração dos territórios e dos recursos, realidade que o aluno

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deve ser capaz de descrever, acompanhada dos aspectos de organização socialdos grupos correlativos. Estes considerandos articulam-se, naturalmente, coma realidade material conhecida. Por isso, importa que saiba localizar asprincipais estações, conhecendo as suas principais características, bem comoas dos conjuntos artefactuais respectivos.

Um dos aspectos específicos de maior interesse prende-se com a muitodiscutida extinção dos últimos neandertais e das eventuais relações queestabeleceram com os homens do Paleolítico Superior (já de característicasmodernas), assunto que entronca directamente na investigação portuguesada actualidade (os derradeiros bandos de neandertais ter-se-iam refugiadonas zonas setentrionais peninsulares, incluido o território português), questãoque é de relevante interesse no âmbito europeu.

Para o Paleolítico Superior, cuja emergência e progressão no territóriopeninsular o estudante deverá conhecer, são ainda mais evidentes asassimetrias no registo arqueológico existente, que resultarão mais de falta deinformação, do que da efectiva ausência de povoamento. A única regiãorazoavelmente conhecida é a Estremadura, mercê da concentração dasinvestigações ali realizadas. Os resultados obtidos até ao presente permitemao estudante cumprir os seguintes objectivos de aprendizagem: sucessãotecno-industrial e principais aspectos dos complexos reconhecidos,designadamente ao nível dos artefactos típicos que integram cada um deles(Aurignacense, Gravettense, Solutrense (e Proto-Solutrense) e Magdalenense;principais estações portuguesas e suas características (incluindo ocorrênciasde estações do Paleolítico Superior fora da Estremadura, especialmente asrecentemente reconhecidas na região do Côa, mas também no Alentejo e noAlgarve); o quotidiano, a organização social, as bases de subsistência e asestratégias de ocupação/exploração de territórios, por vezes de característicasmuito diferenciadas entre si; e, ainda, o fenómeno artístico e funerárioemergente, serão igualmente outros tantos objectivos do estudo eaprendizagem.

As adaptações humanas processadas no tardi- e no pós-glaciário deverão serfamiliares ao estudante, em especial da zona litoral do Minho; da Estremadura;e da costa alentejana e algarvia ocidental, bem como das zonas vestibularesdos grandes rios (em especial o Tejo e o Sado). Deverá conhecer aproblemática das relações possíveis entre indústrias de base macrolítica(Ancorense, Languedocense) e as indústrias microlíticas, das quais as maisantigas são de tradição fini-paleolítica. Deverá ter presente o padrão e asazonalidade do povoamento; as bases de subsistência; a evolução verificadana implantação geográfica e geomorfológica dos principais sítios; e arespectiva cronologia absoluta, que baliza a referida evolução.

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Com efeito, é possível traçar a evolução da ocupação humana nas três áreascosteiras referidas desde o Paleolítico Superior Final até o Mesolítico Tardio,período no decurso do qual se assiste à forte implantação humana no fundodos estuários (Tejo e Sado): neste sentido, importa que o estudante conheçaas principais estações e suas características, associando esta informação ànatureza da própria utensilagem: tipos de artefactos principais e respectivadistribuição no espaço e no tempo.

As actividades sugeridas sobre a parte da matéria relativa às comunidades decaçadores-recolectores paleolíticas e mesolíticas deverão reflectir a granderiqueza e diversidade da informação disponível. Assim, a título meramenteexemplificativo, indicam-se as seguintes (deixando ao estudante a liberdadede desenvolver outras, pelas quais sinta especial interesse):

- a questão das indústrias arcaicas pré-acheulenses no territórioportuguês: síntese dos conhecimentos (compilação de artigoscientíficos) e aspectos considerados mais relevantes para a análise daquestão (procurando assim despertar a sua reflexão crítica sobre osdados disponíveis);

- síntese regional, com base na bibliografia disponível sobre a ocupaçãopaleolítica de uma dada região, com a qual o estudante se sinta maismotivado ou à vontade (particularmente propícias são a região deLisboa e, em geral a Estremadura, os vales do Tejo e do alto Guadianaportuguês e boa parte do litoral estremenho);

- a questão dos últimos neandertais e a importância dos elementoscarreados para a sua discussão resultantes das escavações em estaçõesestremenhas: entre outras, a Gruta Nova da Columbeira (Bombarral);a gruta das Salemas (Loures); e a gruta da Figueira Brava (Setúbal)ou, em alternativa, elaborar quadros-síntese comparativos sobre cadauma destas estações, acompanhados de conclusões gerais;

- compilar informação relativa à ocupação fini-paleolítica e mesolíticado litoral minhoto; do litoral da Estremadura; ou da costa sudoeste,tratados separadamente, constituindo deste modo pequenos ensaiostemáticos de arqueologia regional;

- historiar a marcha das descobertas, escavações e publicações nosconcheiros do vale do Tejo e procurar, em cada um dos períodosconsiderados da investigação, identificar o que de mais importantefoi feito em termos científicos (quando, como, onde e por quem),para o conhecimento arqueológico de cada um deles;

- concheiros mesolíticos dos vales do Tejo e do Sado: principaissemelhanças e diferenças;

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- indústrias de base macrolítica fini- e pós-paleolíticas do territórioportuguês: breve síntese e discussão, não esquecendo a sua relaçãocom as indústrias microlíticas contemporâneas.

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2. As Primeiras Indústrias: O Acheulense Inferior Arcaico

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A parte setentrional do litoral da Estremadura, até à região de Pombal, já naBeira Litoral, conheceu, no final do Pliocénico e início do Quaternário,evolução paleogeográfica representada pela seguinte sucessão litostratigráfica(Cardoso, 1984):

- na base, correspondente ao início do movimento transgressivomarinho, observam-se conglomerados, logo seguidos de depósitosarenosos, lumachélicos, assentes em formações mesosóicas (Caldasda Rainha), ou já terciárias (Pombal). O conteúdo desta lumachelaindica o início do Pliocénico Superior;

- na parte média da sucessão, a sedimentação, agora de característicasflúvio-marinhas, prossegue, correspondendo ao enchimento de umavasta planície litoral de características deltaico-estuarinas. Os depósitosencontram-se desprovidos de fósseis, predominando areias finas emicáceas, depositadas em ambiente de baixa energia, de planície litorale atingem algumas dezenas de metros de espessura máxima. A partesuperior deste complexo corresponde à deposição de materiais emfase já regressiva. Assim se explica a presença de turfas e lignitos,testemunhos de densa cobertura florestal em ambiente pantanoso elacustre, com drenagem deficiente, embora atingida, ciclicamente, pordescargas torrenciais violentas, correspondentes a sedimentos muitogrosseiros e mal calibrados. Este episódio foi considerado ou do finaldo Pliocénico ou já do início do Quaternário (Zbyszewski, 1959);

- o terceiro e último termo da sucessão encontra-se representado porareias grosseiras com passagens conglomeráticas, cujos elementosmais característicos correspondem a pequenos seixos de quartzito,achatados e bem rolados, com a forma e tamanho de amêndoas.Representam nova fase transgressiva, sobre os depósitos anteriores,que culminou à altitude actual (não necessariamente a original) decerca de 200 m, correspondendendo a plataforma vasta e regular,delimitada do lado oriental pelos contrafortes da serra dos Candeeiros(plataforma de Aljubarrota). Representa, provavelmente, a primeirafase transgressiva quaternária. No litoral atlântico marroquino estesdepósitos afiguram-se equivalentes dos do Mogrebiano, hoje registadoa altitudes próximas dos 200 m. Estes depósitos têm equivalente empequenos retalhos detríticos, cartografados na região a norte da serrade Sintra, constituido verdadeiros relevos residuais, a altitudes tambémpróximas dos 200 m, culminando a orografia da referida região.

À fase regressiva seguinte, no decurso da qual o mar vai retirando, progres-sivamente, da faixa anteriormente imersa, corresponde o "Calabriano típico",com ressurgimento da "fauna fria", coeva da glaciação de "Donau",infelizmente não conservada nos depósitos portugueses, devido às suas

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características geoquímicas e texturais desfavoráveis. É a tal época que sedeverão reportar os sucessivos avanços e recuos do mar, mas de tendênciageral regressiva, os quais deram origem a diversos níveis de praias elevadas,escalonadas actualmente no litoral da Estremadura entre os 200 m e os 100 mde altitude, sob a forma de pequenas rechãs ou relevos residuais. Serãoequivalentes do Moulouyano do litoral marroquino (Penalva, 1984).Encontra-se especialmente bem representado o nível de 150 m de altitude,em relação ao qual se reportam os achados de indústrias arcaicas de seixoslascados e de lascas, por vezes encontrados in situ em tais depósitos, tambémpresentes na península de Setúbal. A caracterização de tais sítios, ou ao menosdos mais importantes deles, será apresentada adiante.

Na serra do Bouro, em corte da estrada nacional a norte de Foz do Arelho,recolheu-se uma lasca, sobre seixo de quartzito, que é inquestionavel-mente trabalhada em boa parte da sua periferia, no depósito detrítico grosseirocalabriano, a cerca de 160 m de altitude (Cardoso, 1984, 1996; Raposo &Cardoso, 2000).

Mais a sul, assume especial importância a estação da Seixosa (Encarnação,Mafra). Em corte existente junto ao cemitério da povoação, foram recolhidasin situ na cascalheira de elementos de quartzo e de quartzito, a cerca de 150m de altitude, numerosos exemplares sobre seixos, supostamente talhados(Zbyszewski et al., 1981/1982). Aos tipos de talhe mais elaborados segundoa classificação de P. Biberson (Biberson, 1967) – série I.5 em diante –pertencem 4 exemplares, de um total de 210 peças. O talhe bidireccional –de intencionalidade menos incontroversa que o anterior, por ser maiselaborado, série II. 4 em diante – encontra-se representado por13 em 37 exemplares.

Os resultados obtidos na Seixosa devem ser confrontados com os relativosàs jazidas paleolíticas onde tais estudos estatísticos foram conduzidos commaior detalhe na análise tipológica de seixos lascados. De facto, mercêdesses trabalhos, desenvolveu-se uma tipologia sucessivamente melhorada(Santonja & Querol, 1978). Deve referir-se, especialmente, o número delevantamentos, ou de talhes, já que é considerado por alguns comocritério essencial para aferir a intencionalidade com que aqueles foramproduzidos.

Aceitando, como atrás se disse, a equivalência do nível marinho da Seixosaao Moulouyano – ciclo que, segundo P. Biberson (Biberson, 1973, 1976),seria equivalente dos Membros D e G da Formação de Shungura (Omo,Etiópia), teríamos, para os materiais supostamente talhados da Seixosa, umaidade cujo limite inferior poderia atingir 2 a 2,4 Milhões de Anos, aindaassim mais recente que os mais antigos artefactos recolhidos no Afar, Etiópia(Roche, 1980).

Fig. 18

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Sítios mais recentes, atribuíveis ao ciclo saletiano (designação derivada doplanalto marroquino de Salé), situáveis entre 1,2 e 1 Milhões de Anos,forneceram indústrias líticas, salientando-se a jazida de Souk-el-Arb.

Em qualquer dos casos, tanto as indústrias da África Oriental, como asmarroquinas supra mencionadas, consistem essencialmente em seixostrabalhados por um número variável de levantamentos, cuja posição na peçae respectivo número parece não dever ser excessivamente valorizado, tendoem vista a constituição de uma tipologia (Roche, 1980). Com efeito, no estadoactual dos conhecimentos sobre tais indústrias, parece forçado oestabelecimento de uma tipologia morfológica ou funcional:

Rien ne nous autorise à affirmer, en l’état actuel de nos connaissances, quel’on puisse voir dans ce long apprentissage artisanal autre chose que lavolonté de "sortir" de la matière première un bord taillé plus ou moinsdéveloppé, et des éclats (Roche, 1980, p. 193).

Indo ao encontro da opinião de F. Bordes (Bordes, 1970), segundo a qual aestabilidade de formas apenas aconteceu no decurso do Acheulense, a autoraconclui: "on peut alors parler de standardisation dans les gestes, et non dansles formes". É deste modo que se encontra justificado o próprio termo"Pré-Acheulense", no qual cabem as indústrias arcaicas sobre seixos ou lascasem causa: "Pré-Acheuléen désigne pour nous une période et c’est en ce sensque nous l’employons" (op. cit., p. 49).

A época da descoberta da Seixosa, na segunda metade da década de 1970,foi fértil em outros achados na mesma região litoral da Estremadura, mercêde programa orientado e metodicamente levado à prática. Assim foi o casoda descoberta da jazida do Alto de Leião (Paço de Arcos, Oeiras), situada emplataforma detrítica residual, também a cerca de 150 m de altitude, quasetotalmente apagada pela erosão. Os seixos de quartzito, intactos outrabalhados, em ambos os casos com rolamento marinho, dispersavam-se àsuperfície de afloramentos basálticos, correspondendo ao resíduo decoberturas detríticas que outrora se estenderam sobre tais terrenos, hojetotalmente desaparecidas. Os seixos trabalhados, se bem que de exclusivarecolha superficial, ostentam rolamento pela água sobre as superfícieslascadas. Sendo impossível uma origem em áreas de cotas mais elevadas,que pudesse justificar o boleamento destas superfícies, é forçoso concluir-seque este se deve à acção da água, aquando do estacionamento do mar nolocal. Por tal motivo, sendo incontroverso o lascamento intencional que algunsdos seixos ostentam, o Alto de Leião foi incluído no conjunto das estaçõespré-acheulenses, de idade calabriana (Cardoso & Penalva, 1979). Pela própriaposição culminante dos restos destes antigos depósitos marinhos, o rolamentoexibido por tais artefactos não poderá ter outra origem que não a acção domar calabriano.

Fig. 19

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As jazidas da Península de Setúbal (Azevedo et al., 1979) são as únicas, apar da serra de Bouro e da Seixosa, a disporem de elementos fiáveis de dataçãogeológica, mercê da recolha de materiais in situ. Conquanto o número destesseja reduzido, estão presentes elementos análogos aos anteriores, sobrepequenos seixos achatados de quartzito, igualmente recolhidos em leitosconglomeráticos interestratificados em sedimentos arenosos grosseiros,exactamente como em Seixosa, de carácter litoral (Formação de Belverde).Pelas respectivas características sedimentológicas e estrutura, estes depósitoscorrespondem, do ponto de vista paleogeográfico, a vastas praias arenosas,formadas na confluência de dispositivo flúvio-deltaico, correspondente a umpaleo-Tejo, francamente aberto ao Oceano. Tendo presente o movimento desubsidência que caracterizou a península de Setúbal no decurso doQuaternário, tais depósitos, até pelo seu peso próprio, sofreram ulteriormenteassentamentos significativos, o que explica as altitudes máximas de110-120 m a que hoje se encontram, mas que, primitivamente seriamsemelhantes às que correspondem aos depósitos já referidos, em torno de150 m. A Formação de Belverde pode ser, deste modo, também reportada aoCalabriano. Sobre ela, assenta uma espessa série de arenitos vermelhos, compassagens conglomeráticas essencialmente constituídas por elementos dequartzo mal rolados; corresponde a depósito continental, formado em climaseco, com descargas detríticas grosseiras relacionadas com períodos deenxurradas violentas, a que foi dado o nome de Formação de Marco Furado.A respectiva idade, por critérios geológicos e pedológicos, não deveráultrapassar o Vilafranquiano Médio (Azevedo, 1982), entre 1 e 1,5 Milhõesde Anos. Uma grande lasca alongada de quartzo, recolhida in situ num dessesleitos detríticos grosseiros, exposto em corte junto do cemitério da Baixa daBanheira (Barreiro), conserva uma das faces ocupada pelo plano de separação,com bolbo e plano de percussão cortical, na base, sendo a outra faceigualmente ocupada por extensa superfície de separação, com a mesmaorientação e sentido, possuindo retoques num dos bordos laterais (Cardoso,1996, Fig. 18). Trata-se, pois, de um artefacto de intencionalidadeinquestionável.

Os elementos registados em território português e acima caracterizados nassuas linhas gerais sugerem – caso se aceite a autenticidade dos artefactos e acronologia geológica dos respectivos depósitos, à falta de elementos maisconsistentes, como fósseis ou restos de hominídeos, de conservação inviabi-lizada pela natureza dos depósitos – uma presença humana muito antiga,culturalmente pré-acheulense, em época em torno de 1,5 Milhões de Anos.Naturalmente que esta conclusão deverá ser devidamente enquadrada nosúltimos conhecimentos adquiridos sobre tal presença em solo europeu. Assim,no decurso da última década, a argumentação utilizada por algunsinvestigadores europeus assumiu aspectos radicais e não conciliáveis, entreos defensores de "cronologias curtas" e os de "cronologias longas".

Fig. 20

Fig. 21

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Para os primeiros, não estaria provada a existência de um estádio pré-acheulense na Europa, nem este seria provável, do mesmo modo que apresença humana seria problemática para épocas anteriores a meio milhãode anos. Tal foi a posição defendida em 1993 no workshop de Tautavel peloseditores das respectivas actas (Roebroeks & Van Kolfschoten, 1995). O artigode L. Raposo e M. Santonja, que respeita a sintese sobre a Península Ibérica,é também concordante com aquele ponto de vista, não ultrapassando osindícios mais recuados, para os autores, os inícios do Plistocénico Médio, hácerca 730 000 anos. Porém, em nota final, adicionada ao texto dacomunicação, em Março de 1995, os autores já admitiam outras datas maisantigas que a indicada, com base nos testemunhos entretanto descobertos,tanto em Venta Micena, entre 1,6 e 0,9 Milhões de Anos como em Atapuerca,Burgos, com cerca de 0,8 Milhões de Anos. Sendo partidários de uma"cronologia curta", ideia aliás dominante entre os participantes da referidareunião, esta nota final prenunciava a tendência que se veio a desenhar, logoa seguir, no congresso realizado em Orce, em 1995, cujas actas se publicaramem 1999. O seu editor declarou, a propósito, o seguinte (Gibert Clols, 1999,pp. 12-13):

Sin duda alguna la "Short chronology" há muerto, com todas sus variantesy redeondeos. Debemos trabajar ahora com la perspectiva de la "Longchronology" y la continuidad en la ocupación humana de Europa a partirde los 2 milliones de años, o antes.

(...) postulamos que Homo sale de Africa a los 2,4 millones de años ycoloniza: Europa por Gibraltar (y quizás también por Mesina o el istmo deEstambul), Oriente Medio (yacimiento de Yron, com 2,4 millones de años),Caucaso (Dmanisi) y Asia (Longgupo ?). Según esta hipótesis puedenencontrarse restos humanos en el Plio-Pleistoceno de Italia, de Grecia, deRumania, de Turquia ..., es decir, todos los países ribereños delMediterráneo. Creemos también que hay una edad limite: la que coincidecom la formación del género Homo y las crisis climáticas (de 2,6-2,4millones de años).

Neste mesmo sentido concorreram os dados entretanto obtidos em Atapuerca(Burgos), cuja relevância justificou a reunião de Burgos de 1996, cujas actasse publicaram em 1998. Com efeito, a existência de indústrias líticas arcaicas,sobre seixos e lascas, associadas a restos humanos anteriores a Homo erectus(o qual foi baptizado de Homo antecessor) e a datação paleomagnética,anterior a 780 000 anos (limite mais recente para o período de polaridadeinversa detectado no locus TD 6, fazem deste sítio o mais antigo dosinquestionavelmente datados do território europeu, talvez apenas comequivalente em Fuente Nova 3, da bacia de Guadix-Baza, ainda provavelmentemais antigo, que forneceu mais de uma centena de artefactos recolhidos emníveis pertencentes à biozona Allophaiomys bourgondiae (Bermúdez deCastro, 1998).

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Em conclusão: as decobertas recentemente efectuadas na Península Ibérica,que vieram revolucionar o que até ao presente era geralmente admitido sobrea antiguidade da presença do género Homo em solo europeu, devem serequacionadas numa envolvente geográfica mais alargada. Assim, o Homoantecessor, representado em Atapuerca, poderá representar, não o primeiro,mas o último elo de uma população europeia cuja presença teria de ser muitoanterior. Tal hipótese, que deverá manter-se em aberto, parece, no estadoactual dos conhecimentos, de rejeitar; importantes para a discussão destaquestão, nos termos em que ela deve, por ora, ser colocada, são os sítios deDmanisi, na Geórgia, muito perto do limite oriental do continente europeu, eo de Ubeydiya, no vale do rio Jordão, em Israel. Neste último, definiu-seuma sequência estratigráfica muito rica em indústrias líticas e em restosfaunísticos, onde se misturam espécies africanas, asiáticas e europeias. Combase nas características da referida associação, a ocupação do sítio foi situadaentre 1,4 a 1,5 Milhões de Anos. A presença de bifaces, ao longo de toda asequência, mostra que o Acheulense, de clara origem africana, já então existiaàs portas da Europa. Estando também presente no Norte de África(Casablanca) há pelo menos 1 M.a., a ausência de bifaces nas estaçõespeninsulares da mesma época dá que pensar, permanecendo em aberto váriashipóteses: uma delas, explicaria a presença de indústrias arcaicas até épocarelativamente tardia pelo facto de ter havido uma penetração de origemnorte-africana em tempos pré-acheulenses – pelos antepassados do Homoantecessor, admitidos por alguns – só voltando o continente a ser de novocolonizado em fase avançada do Acheulense. É no quadro da discussão destapossibilidade que o já referido sítio de Dmanisi adquire acrescida importância.Localizado no início da década de 1990, tornou-se rapidamente conhecidopela recolha de uma mandíbula humana arcaica. Um limite ante-quem foiobtido pela datação radiomética de uma camada lávica subjacente, entre 2 e1,5 Milhões de Anos. Actualmente, admite-se cronologia superior a1,5 Milhões de Anos, cruzando os elementos radiométricos (incluindo tambémcorrelações paleo-magnéticas), biostratigráficos, a identificação de novosrestos humanos e a classificação tecno-tipológica das indústrias líticas(Gabinia et al., 2000). O estudo dos notáveis restos humanos ulteriormenterecolhidos permitiu, por outro lado, constatar as diferenças relativamente aH. erectus asiático ou a H. heidelbergensis (o H. erectus europeu) e aproximidade do morfotipo pré-erectus africano, representado por Homoergaster. Quanto à indústria lítica, conhecendo-se actualmente mais de ummilhar de peças, de onde se encontram ausentes os bifaces, e não existindolimitações à sua presença de ordem cronológica ou inerentes à natureza damatéria-prima disponível, é admissível atribuir a sua ausência a factoresculturais.

Em suma, no estado actual dos conhecimento sobre o povoamento mais antigoda Europa, e da Península Ibérica em particular, parece aceitável uma

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aproximação das duas posições extremas, antes referidas: nem cronologiasdemasiado "curtas", como a de 500 000 anos, já contrariada pelos achadosentretanto realizados, nem cronologias "longas" em demasia, da ordem dos2 Milhões de Anos. É de admitir uma convergência em torno de 1,5 Milhõesde Anos a 1 Milhão de Anos. detendo, neste âmbito, importância incontornávelos sítios de Atapuerca TD 6 e de Fuente Nueva 3.

No que ao território português diz directamente respeito, a ausência de datasradiométricas, bem como de elementos biostratigráficos, impede que sepromova uma reapreciação mais fundamentada dos dados disponíveis, noutrosmoldes daqueles com que foram expostos anteriormente. Porém, o avanço jáefectuado em tal domínio (Raposo & Cardoso, 2000), relativamente à situação,aparentemente eriçada de dificuldades quase incontornáveis traçada em 1970por V. Oliveira Jorge e E. da Cunha Serrão (Serrão & Jorge, 1970), foi maisimportante daquele que, à partida, poderia parecer: os locais encontram-seem boa parte já identificados e, nalguns casos, podem invocar-se testemunhospositivos a favor da sua efectiva importância na discussão desta questão,decorrente das peças recolhidas e dos contextos geológicos respectivos.

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3. O Paleolítico Inferior Pleno: O Acheulense

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O território português, no decurso do Plistocénico Médio, globalmentesituável entre cerca de 730 000 e 130 000 anos, conheceu sucessivas presençasde grupos de hominídeos que, embora sem serem acompanhados até aopresente quaisquer restos antropológicos, deixaram abundantes testemunhosdirectos da sua presença através das correspondentes indústrias líticas.

Podem, assim, identificar-se zonas de maior concentração de estações, devidosobretudo, às melhores condições de conservação dos respectivos depósitos:as praias levantadas do litoral e os terraços quaternários dos principais valesfluviais. Importa, deste modo, caracterizar de uma forma sucinta as condiçõesgeo-ambientais que presidiram à formação de tais depósitos.

As praias levantadas, escalonadas a altitudes variáveis ao longo do litoral,são testemunho directo do estacionamento do nível do mar, a cotas superioresà actual, durante períodos de tempo suficientemente longos, susceptíveis deterem produzido tais acumulações, que a erosão não apagou por completo.Existem igualmente rechãs de erosão, talhadas pela acção mecânica das ondas,em trechos litorais correspondentes a rochas suficientemente brandas paraserem assim modeladas, que, nalguns casos conservam ainda de forma claratais características. Um dos casos mais evidentes é o do litoral meridional daserra da Arrábida. Ali, foi possível definir diversos níveis de rechãs de erosão,associados a restos de depósitos detríticos mais ou menos grosseiros, comfragmentos de conchas de moluscos marinhos, cuja conservação só foipossível pelas condições geoquímicas favoráveis (trata-se de rochascarbonatadas). A correlação de tais níveis altimétricos com a cronologia dostempos quaternários foi de há muito tentada, tomando como princípiometodológico a teoria glácio-eustática de Déperet, a qual postula que a variçãodo nível do mar é directamente proporcional à quantidade de água retida soba forma de gelo tanto nos continentes, como nas calotes polares. Assim sendo,os retalhos conservados actualmente a maiores altitudes, serão, naturalmentemais antigos que os existentes a cotas mais baixas. Porém, este modelo nãotem em conta as movimentações verticais ou angulares (movimentosbasculantes) da crosta terrestre, devidas a fenómenos tectónicos de caráctere extensão mais ou menos localizados. Esta circunstância desaconselha queo método altimétrico seja aplicado de forma indiscriminada, como por vezesocorreu, para a datação absoluta dos depósitos de praias levantadas.

Um dos exemplos mais flagrantes das limitações decorrentes da aplicaçãogeneralizada da teoria eustática à datação dos depósitos fluviais – mesmodaqueles cuja formação foi condicionada directamente pelo nível de basemarinho – é o de Algoz (Silves). Trata-se de um espesso depósito de terraço,de interesse paleontológico, que foi atribuído, pela altimetria, ao últimoperíodo interglaciário (Zbyszewki, 1950). Porém, o estudo detalhado dasfaunas, conduziu a uma idade muito anterior, situável no Bihariano, anterior

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à glaciação de Günz, cerca de dez vezes mais antiga (cerca de1 Milhão de Anos) daquela que lhe tinha sido atribuída (Antunes et al., 1986).

Seja como for, o recurso ao critério altimétrico, na falta de outro, para oconhecimento da cronologia de certos depósitos quartenários, constitui umaaproximação que não deve ser à partida posta de lado, sendo útil, sobretudo,quando se estudam vastos trechos litorais, onde as correlações entre níveis adiversas cotas permite uma visão de conjunto, necessária ao estabelecimentoda idade relativa dos respectivos depósitos. Esta realidade é igualmente válidapara o caso dos depósitos ou rechãs rochosas actualmente submersas, pois onível marinho actual deve ser visto, apenas, como um episódio temporário,no contexto das variações eustáticas quaternárias.

No caso dos terraços fluviais, tem sido usual a sua separação em duasprincipais categorias: os terraços cuja formação se pode associar directamenteàs variações do nível marinho de base, correspondentes à parte vestibular eao curso inferior dos grandes rios, como o Tejo, que acabam em grandesestuários ou deltas interiores; e os terraços relacionados com oscilações locais,dependentes directamente de condicionantes essencialmente climáticas, sempossiblilidade de correlação fora do âmbito geográfico regional.

A realidade geoclimática que condicionou a formação dos terraços fluviaisé, naturalmente, muito mais complexa que a susceptível de se podercaracterizar em obra de síntese como esta. Em qualquer caso, o climadesempenha papel fundamental no mecanismo da formação de terraçosfluviais. Assim, nas fases climáticas de forte pluviosidade, como as vigentesnas latitudes portuguesas durante os períodos glaciários, o coberto vegetalseria abundante, o que desfavorecia a erosão das encostas (biostasia). Osfundos dos vales seriam fortemente escavados, em consequência de umadupla acção: as fortes precipitações, o fraco abastecimento em sedimentosdos cursos de água devido à baixa erosão das encostas e, sobretudo, um nívelde base oceânico muito baixo em relação ao qual os cursos de águaprocuravam estabelecer o seu novo perfil longitudinal de equilíbrio (situaçãoem que a erosão é equilibrada pela sedimentação). Pelo contrário, nos períodosinterglaciários, sob condições climáticas menos pluviosas, a erosão nasencostas aumentava, devido à fraca protecção oferecida pelo coberto vegetal,acumulando-se os sedimentos nos fundos dos vales, produzindo a suacolmatação, devido ao fraco poder erosivo dos respectivos cursos de água,determinado pelo altos níveis de base marinhos, que não promoviam oescavamento dos leitos fluviais.

Este mecanismo pode funcionar isoladamente, liberto dos condicionalismosimpostos pelas variações dos níveis de base marinhos, o que acontecia namaior parte dos vales dos grandes rios peninsulares, determinando a formaçãode terraços de origem estritamente climática.

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Enfim, o facto das sucessivas praias ou terraços fluviais se encontraremencaixados uns nos outros, sendo mais antigos os que se encontram a altitudesmais elevadas e mais afastados do leito actual dos cursos de água, decorreem parte de um outro fenómeno paralelo, o da isostasia, correspondente aosoerguimento generalizado da crosta terrestre, em virtude da erosão,aliviando-a progressivamente do peso dos próprios sedimentos, primeiroremovidos e depois evacuados pelos cursos de água, ao longo de todo oquaternário (Texier, 1979). Um bom exemplo desta realidade é fornecidopela cronologia absoluta, obtida por método radiométrico (U/Th) e pelopaleomagnetismo, dos terraços do Guadalquivir perto de Sevilha (in Raposo& Santonja, 1995):

- entre o nível de terraço T3 (169 m) e o T4 (142 m) pode situar-se oevento de inversão magnética da polaridade terrestre de Jaramillo(950 000/890 000 anos);

- o nível de terraço T6 com polaridade normal, inscreve-se no episódiode Brunhes;

- alguns depósitos lacustres, relacionados com o nível de terraço T10(55 m) foram datados da Fase Biwa (300 000 anos);

- por último, o depósito carbonatado de Las Jarillas (no topo do nívelde terraço T10 (29 m) foi datado de 80 000 anos.

No quadro descritivo anterior, no qual têm de ser compreendidas quase todasas estações do Paleolítico Inferior com maior relevância do territórioportuguês, avultam, no vale do Tejo, as estações da região de Alpiarça, asprimeiras que foram objecto de um estudo crono-estratigráfico e arqueológicocompleto e detalhado.

G. Zbyszewski, aquando do seu estudo clássico sobre a geologia doquaternário da região de Alpiarça (Zbyszewski, 1946), apresentou modeloevolutivo teórico de um grande vale fluvial, como é o do rio Tejo no sectorestudado, que importa dar a conhecer, para melhor se compreender o contextoestratigráfico da ocorrência dos materiais paleolíticos correlativos (sem tomarem consideração outras variáveis, como as de carácter tectónico, as quaispodem intervir de diversas formas):

De uma forma geral, durante os períodos de transição de uma fase glaciáriaà interglaciária seguinte (depositos trangressivos de início de um ciclosedimentar) dá-se um aumento das precipitações e, com o degelo, do aumentoda carga sólida e da competência do transporte, correspondendo àsedimentação de materiais essencialmente grosseiros. Pelo contrário, apassagem de uma fase interglaciária à glaciária seguinte (depósitos regressivosdo fim de um ciclo sedimentar), é marcada por uma secura progressiva do

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clima, acompanhada por uma diminuição da capacidade de transporte.A erosão e a carga sólida, ao diminuirem, conduzem à sedimentação demateriais detríticos cada vez mais finos. Assim, cada terraço é constituídopor depósitos que integram um ciclo sedimentar completo, o qual se iniciapelos depósitos formados por um movimento trangressivo (início de ciclo),concluindo-se com os resultantes do movimento regressivo seguinte (fim deciclo). A sucessão deste mecanismo, numa mesma secção de um vale fluvial,pode conduzir à sobreposição de depósitos de diversos ciclos, tornandocomplexa a respectiva interpretação estratigráfica, a qual pode ser visualizadaatravés do seguinte modelo interpretativo, para a região de Alpiarça:

1. Depósitos de início de ciclo. Os depósitos da base dos terraçossuperiores e dos altos terraços (entre 65 e 75 m de altitude) são poucoreconhecíveis. Os conglomerados da base do terraço médio (altitudesvariáveis, em torno de 25 a 30 m) foram observados em Vale do Fornoe Vale de Atela, possuindo uma coloração acastanhada, comimpregnações ferro-manganesíferas. Encontravam-se, com frequência,nos cortes expostos em Vale do Forno (destruídos aquando daconstrução de uma albufeira de recreio, na década de 1980), indústriasdo Acheulense Antigo, patinadas e roladas.

2. Depósitos de meio de ciclo. São os terraços médios aqueles que exibemos melhores testemunhos estratigráficos. Durante este período, queG. Zbyszewski correlacionou com o máximo trangressivo verificadono interglaciário de Mindel-Riss, na terminologia alpina, comcronologia absoluta cerca de 300 000/250 000 anos, a regiãoencontrava-se sob um regime de estuário, directamente influenciadopelo nível marinho; a sedimentação inicia-se por areias grosseiras,denotando diminuição acentuada do transporte, relativamente aoperíodo anterior. Recolheram-se peças do Acheulense Antigo e Médio(na terminologia de Breuil e Zbyszewski), com pátine eólica acentuada,que confirma um clima mais seco. A parte central desta sequênciasedimentar corresponde a um depósito de argila cinzento-esverdeada,visível em Vale do Forno e Vale de Atela, que corresponde a ummáximo trangressivo. O rio deveria então correr num largo vale maldrenado, de esteiros pantanosos, onde os vegetais apodreciamlentamente. A análise de tais restos conduziu à identificação de folhasde salgueiro, de nenúfares e impressões de rizomas, atribuíveis a umclima temperado/ quente. Estava-se, pois, na plenitude da transgressão.Estas argilas do terraço médio contêm indústrias do Acheulense Médiocom faces e arestas vivas, cuja boa conservação foi proporcionadapela fina granulometria dos depósitos que as embalavam. Foramrecolhidas em diversos locais (Vale de Cavalos, Quinta da Comenda,Vale do Forno e Vale de Atela). Sucede-se nível de areias, que indica

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uma modificação climática tendente a um aumento das precipitaçõese do transporte fluvial. Estes depósitos forneceram indústrias doAcheulense Superior, com forte patina eólica, avermelhadas pelaoxidação, indicando um clima com grandes estações secas, seguidasde períodos pluviosos mais intensos.

3. Depósitos de fim de ciclo. A chegada de elementos mais grosseiros(de areias grosseiras a seixos miúdos), anuncia o aumento crescentedo poder de transporte, resultante de um novo acréscimo dasprecipitações. A maior parte dos elementos que entram na constituiçãodestes depósitos provêm, na região de Alpiarça, dos contributossubaéreos oriundos da parte superior das encostas, a montante, e dasdejecções mais ou menos torrenciais dos afluentes laterais, formandoverdadeiros cones de dejecção sobre o vale principal. Em tais depósitos,encontraram-se indústrias do Acheulense Final, que antecedem oacréscimo do abaixamento do nível de base marinho, relacionado comnovo período glaciário (que G. Zbyszewski reportou à glaciação deRiss, entre 250 000 e 120 000 anos).

Convém não esquecer que esta sequência interpretativa se baseou emevidências de terreno directamente observadas. Assim, embora estas se devamconsiderar imutáveis, já as ilacções que sobre tais observações seapresentaram, são naturalmente passíveis de serem discutidas e,eventualmente, corrigidas. Assim, na sequência dos trabalhos pioneirosrealizados por G. Zbyszewski, L. Raposo e colaboradores encetaram novaetapa de estudos sobre o Paleolítico Inferior da região de Alpiarça na décadade 1980.

A exploração da estação de Milharós inscreve-se neste programa de trabalhos.A indústria compõe-se de bifaces de diversos tipos, machados, raspadores,seixos talhados núcleos e lascas, com ou sem utilização (Raposo, Carreira &Salvador, 1985). Dos 314 artefactos identificados, 151 foram recolhidos naescavação, oriundos do um nível arqueológico bem definido, embora já numaposição secundária. Do ponto de vista tipológico, o conjunto pode serincorporado no Acheulense Final, mais exactamente no chamado Micoquense,dadas as características morfológicas dos bifaces, onde avultam osmicoquenses típicos, e os lanceolados, para além de outros tipos. Comparandoos bifaces de Milharós com os de outros conjuntos acheulenses peninsulares,verifica-se, com efeito, a sua clara inclusão no seio das indústrias acheulensesmais evoluídas: assim, enquanto as indústrias mais recuadas do Acheulense(Acheulense Antigo e Médio), representadas por estações como Pinedo(Toledo), El Sartalejo (Cáceres) e Galisancho (Salamanca), virtualmente sembifaces lanceolados ou micoquenses, os conjuntos acheulenses mais modernos(Acheulense Superior e Final), possuem-nos em número significativo, comoSan Isidro e Arenero del Oxígeno (Madrid) (Raposo, 1996). A correlação do

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nível arqueológico exposto pela escavação em Milharós com a sequência de1946 de G. Zbyszewski conduziria a integrá-lo no Riss inicial (camada 7), oque é manifestamente inviável, dadas as caracterísitcas tipológicas apontadas,que indicam o Acheulense Final. Assim, o ambiente regressivo, como foicaracterizado por G. Zbyszewski (depósito de fim de ciclo) estariacorrectamente diagnosticado, mas a cronologia deverá ser revista, situando-ano início da fase glaciária würmiana.

As caracterísitcas tipológicas dos bifaces de Milharós diferem nitidamentedos recolhidos nos níveis da base do terraço médio, atribuídos porG. Zbyszewski ao Acheulense Antigo. Na verdade, é por demais evidenteuma evolução tipológica no Vale do Forno entre ambos estes conjuntosartefactuais, aspecto já salientado pelo próprio autor do estudo de 1946:

on remarque tout d’abord que dans les horizons inférieurs de la terrassemoyenne les types sont limités presque toujours aux objects piriformes,fusiformes et cordiformes. Ils sont taillés suivant une technique trésprimitive qui caractérise les industries abbeviliennes et acheuléennesanciennes. Au contraire dans les niveaux géologiques plus élevés desterrasses moyennes les séries sont marquées par l’épanouissement deformes infiniment plus variées, de techniques de plus en plus evoluées,parmi lesquelles on trouve des objects micoquiens de travail parfait(Zbyszewski, 1946, p. 229).

Luís Raposo salientou, justamente, a preocupação em atingir uma formaperfeita e simétrica, conceptualmente pré-existente no espírito do artífice, oque revela inegáveis preocupações estéticas e não apenas funcionais.O cuidado do fabrico revela-se também na técnica utilizada, com recursofrequente a percutores ou retocadores elásticos, de madeira endurecida ou deosso, permitindo trabalhos de regularização sobre os bordos das peças. Osresultados evidenciam, pois, dentro de certos limites, o primado da tipologiasobre as limitações da matéria-prima disponível: o quartzito disponível, sebem que qualitativamente inferior ao sílex, proporcionou peças igualmentebelas e tipologicamente afins às confeccionadas, noutras paragens, naquelamatéria-prima como é o caso dos exemplares recolhidos nos terraços doManzanares (Madrid).

Ao contrário, os bifaces grosseiros, parciais e de bordos irregulares de perfilsinuoso, recorrendo quase exclusivamente ao percutor duro, recolhidos nascascalheiras inferiores do terraço médio, são compatíveis com o AcheulenseInferior, coevo da formação de tais depósitos, que G. Zbyszewski atribuiu aoinício do ciclo trangressivo de Mindel-Riss, em torno de 300 000 anos.

A evolução tipológica do instrumental lítico acheulense detectada emAlpiarça, foi, de forma idêntica, observada noutros sítios onde se procedeu auma análise tipológica das indústrias, cruzada com a informação

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crono-estratigráfica correspondente. Mas tais situações são, por enquanto,excepcionais no que se refere à investigação do Paleolítico Inferior emPortugal. É disso exemplo a escavação realizada na estação da Quinta doCónego (Leiria). Trata-se de um terraço médio do rio Lis, a cerca de 25 macima do leito actual do rio, e deste modo, correlacionável com os terraçosmédios de Alpiarça. A sua espessura não ultrapassa 1 m, assentandodirectamente no substrato jurássico. J. P. da Cunha-Ribeiro, que ali procedeua escavações, identificou um conjunto acheulense, recolhido in situ nacascalheira da base do terraço. Desta forma, a cronologia destas peças podeaproximar-se da do conjunto acheulense da base do terraço médio de Alpiarça.Na verdade, os bifaces oriundos desta camada são de tipologia primitiva,com formas espessas e um elevado número de peças parciais, tal como overificado nos bifaces homólogos de Alpiarça, estando totalmente ausente atécnica dita "levallois", juntamente com o claro predomínio de lascas deprimeira geração, isto é, extraídas directamente dos seixos em bruto. Taiscaracterísticas da utensilagem fazem-na corresponder a um momento precocedo Acheulense, comparável, na região de Leiria, a outros materiais recolhidosnoutros terraços do vale do Lis, cuja base também se situa a altitudessemelhantes em relação ao leito actual daquele rio: é o caso do terraço (Q 2)da Quinta da Carvalha (Cunha-Ribeiro, 1990/1991; 1992/1993).

A este conjunto acheulense, sucede-se, no mesmo sítio, um outro,tipologicamente mais recente, oriundo da parte superior do mesmo terraço,constituída por coluviões, onde já se encontra presente o talhe "levallois", apar de machados (hachereaux) de técnica mais evoluída. Com efeito, apresença deste talhe, confere aos conjuntos acheulenses onde ocorre um cunhode evidente modernidade, globalmente assimilável ao Acheulense Superior.É correlacionável com os materiais acheulenses dos níveis médios,essencialmente argilosos, do terraço médio do Vale do Forno, onde ocorremabundantes bifaces e machados (hachereaux), a par de núcleos "levallois".

Importa descrever a referida técnica de talhe em pormenor, dada a suaevidente importância para o conhecimento das tecnologias paleolíticas.Trata-se de uma técnica de lascamento de núcleos – no caso seixos de quartzitodisponíveis localmente – tendo em vista a obtenção de lascas de formapré-determinada, as quais seriam depois utilizadas para diversas funções,depois de transformadas ou não. Deste modo, a partir do núcleo inicial,produzia-se uma série de lascamentos periféricos, proporcionando múltiplosplanos de percussão, utilizados depois para o lascamento centrípeto da faceoposta do núcleo (a dorsal). Depois, em determinado local da periferia donúcleo assim preparado, usualmente uma das extremidades, obtinha-se, porpancada ali efectuada, a obtenção de uma grande lasca, sobre a face dorsal,cujo formato era condicionado pela própria morfologia do núcleo,pré-determinada. Trata-se de uma lasca "levallois", com duas faces: uma, de

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lascamento, correspondente à superfície de separação do núcleo; outra, depreparação, conservando parte dos negativos de lasca previamente destacadosda face dorsal do núcleo. O objectivo essencial, era, deste modo, a obtençãode uma lasca, de tamanho e configuração pré-definidos, a qual poderia possuira configuração de uma ponta, ou mesmo de lâmina; neste último caso, alasca seria obtida a partir de cristas produzidas na massa nuclear, ou orientadassegundo uma nervura-guia, conferindo um contorno alongado, mais ou menostriangular, à lasca pretendida.

A técnica de lascamento "levallois" exigia, naturalmente, um elevado poderde abstracção, de modo a conceber mentalmente o produto pretendido. Nestamedida, a capacidade técnica apenas acompanhou o desenvolvimento mentaldo artífice, cuja habilidade, aliás, já era suficientemente conhecida na época,como se comprova pela confecção de belos bifaces regulares, dos quais osanteriormente referidos de Milharós são apenas o último elo de umdesenvolvimento muito anterior. A técnica ou talhe "levallois" afirmou-se,com efeito, no Acheulense Superior, persistindo em épocas ulteriores do talheda pedra.

Outro sítio paleolítico clássico, com interesse estratigráfico, que forneceupeças de técnica "levallois" foi o de Mealhada. Os depósitos quaternáriossituam-se ao longo do curso do rio Cértima, afluente do Vouga. O seuatravessamento em profundidade, aquando da abertura de poços, ou mesmoda construção de edifícios, proporcionou, em diversas épocas, a recolha demateriais paleolíticos, faunísticos e florísticos. Relacionam-se com um terraçobaixo, bem conservado junto à povoação de Mealhada. Segundo JoaquimFontes (Fontes, 1915-1916), foram seis os poços executados entre 1879 emeados de 1880 cuja estratigrafia se registou, com base na qual se podeadmitir a existência de dois conjuntos sedimentares: o mais antigo, assenteno substrato mesosóico, é constituído por depósitos essencialmente argilosos,com curtas passagens arenosas; o mais moderno, corresponde a umasedimentação detrítica mais grosseira, representada por acumulaçõesareníticas a conglomeráticas, evidenciando maior competência no agente detransporte. Segundo as indicações disponíveis, tanto os restos de grandesmamíferos, como alguns dos artefactos paleolíticos, provêm do conjuntosedimentar mais antigo, correlacionável com ambiente flúvio-lacustre.Considerado anterior à última fase glaciária (Würm), face à presença de Pinussylvestris e de Betula, C. Teixeira admitiu um clima mais frio que o actual,que relacionou com o fim da penúltima glaciação (Riss) (Teixeira,1943/1944). Este investigador refere ainda impressões de folhas de salgueiro(Salix sp.) e pólenes de loendro (Rhododendron), que são compatíveis comas condições temperadas/frias indicadas por aquelas duas espécies.

Mais tarde, G. Zbyszewski (Zbyszewski, 1971, p. 31) considerou taisdepósitos como pertencentes à segunda parte do último período interglaciário

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(Riss/Würm), avançando a possibilidade de ser contemporâneo do "começoda glaciação würmiana ou ainda de um interestádio da mesma", (Zbyszewski,1977, p. 35). Recentes revisões permitiram melhorar o conhecimento da idadedos depósitos em causa. Com efeito, este é um dos casos que contraria asconclusões de ordem cronológica caso fosse aplicada directamente a teoriaeustática: correspondendo tais depósitos a um baixo terraço fluvial, a suaidade deveria corresponder, como admitiu G. Zbyszewski, ao último períodointerglaciário, ou quando muito, ao início da última glaciação, e não a épocaanterior, como é o caso. Trata-se, assim, de mais um exemplo (a somar ao jáanteriormente referido, de Algoz), que bem ilustra os cuidados a ter em contana atribuição da cronologia dos depósitos exclusivamente com base naaltimetria actual.

A ulterior identificação (Antunes, 1986) de um resto de tigre de dentes desabre (Homotherium latidens), reforça a idade ante-würmiana, bem como apresença de um cavalo de grande porte (Cardoso, 1993). Por outro lado, atipologia dos materiais líticos – designadamente daqueles cuja origemestratigráfica é conhecida (Antunes, Cardoso & Faure, 1988), indica oAcheulense Superior, compatível com a fase glaciária de Riss, estandopresente a técnica "levallois". É, deste modo, provável que o conjunto argilosose tenha formado durante um interestádio daquela fase glaciária,relacionando-se o conjunto detrítico mais grosseiro que se lhe encontrasobreposto, com o final daquela fase glaciária. Esta hipótese permitiria, destemodo, explicar a cronostratigrafia do terraço médio de Alpiarça,compatibilizando-a com os resultados obtidos em Milharós: assim, acorrelação entre as argilas da parte média do terraço médio de Alpiarça e asargilas da parte inferior dos depósitos fluviais da Mealhada, permitiria aatribuição das primeiras a época rissiana, correspondente a melhoria dascondições climáticas, com a instalação de um clima mais quente, e a presença,entre as espécies de maior porte, de elefante e de hipopótamo. A regiãoconstituiria, então, vasta área deprimida, cortada por cursos de água de planíciealuvial, com trechos mal drenados e alagadiços. As correlações estratigráficasentre Alpiarça e a Mealhada permitem propor as seguintes conclusões:

- para a cascalheira inferior do terraço médio de Aliarça, atribuída porG. Zbyszewski ao Mindel, uma época correlativa do início do Riss;esta atribuição não parece ser contrariada pela tipologia das peças,ainda que estas possam ser algo arcaizantes;

- para os depósitos médios argilosos, do mesmo terraço, uma cronologiaintra-rissiana, correspondente a uma fase interstadial, identificada naEuropa Ocidental pelos roedores e pelos pólenes (J. Chaline, inLumley, 1976);

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- enfim, os níveis superiores mais grosseiros, presentes também naMealhada, correlativos da estação de Milharós, seriam do final doRiss, época em que as condições climáticas voltaram a deteriorar-se.

Esta hipótese, ao comprimir no tempo a formação do terraço médio no decursodo Riss, não é incompativel com a sucessão técnico-tipológica das indústriasencontradas, incluindo o conjunto de Milharós, que poderia perfeitamenteintegrar-se no final do Riss. Admite-se, porém, que esta proposta deve serequacionada a uma escala mais alargada, susceptível de a poder confirmar.

No próprio vale do Tejo, tanto a jusante como, sobretudo, a montante daimportante garganta epigénica constituída pelas Portas de Ródão, desenvolve--se um importante dispositivo de terraços, avultando o terraço médio, comas estações de Monte do Famaco e de Vilas Ruivas, com achados in situ.Ainda que seja discutivel uma datação tão recuada (Mindel convencional)para as mais antigas indústrias líticas ali presentes (Raposo, 1987), até pelafalta de recorte tipológico das escassíssimas peças recolhidas in situ e pelasevidentes limitações dos elementos disponíveis para a datação deste terraço,na ausência de faunas ou de elementos geocronológicos absolutos (que sósurgem na vizinha estação de Foz do Enxarrique, já do Paleolítico Médio),importa ter presente a notável abundância de materiais, quase todos desuperfície, que configura uma presença humana de grande intensidade nodecurso do Acheulense, extensível, aliás, a outros vales fluviais do actualterritório português.

É o caso do vale médio do Guadiana português, na região de Elvas/CampoMaior, bem como do curso inferior do rio Caia, seu tributário da margemdireita. Também aqui, a superfície do terraço – neste caso são terraços baixos,de 8 a 15 m acima dos leitos dos referidos rios, e de características puramentelocais, como os de Vila Velha de Ródão, tornando problemáticas correlaçõescom outras áreas geográficas – se encontra juncada de indústrias acheulenses.Algumas estações individualizadas por Lereno Antunes Barradas, seudescobridor (Barradas, 1939), na esteira das recolhas de Henri Breuil, aquandoda sua primeira estadia em Portugal (Breuil, 1917) não são mais do quezonas com maior concentração de artefactos. As peças ostentam mais oumenos rolamento, mas tal característica não poderá ser utilizada como critériode datação, nem sequer relativa, dada a origem superficial das recolhas. Porém,é crível que pesquisas mais aturadas proporcionassem peças in situ, cujatipologia poderia concorrer para a pretendida datação dos depósitos. De entretodas as peças, avultam os triedros. Trata-se de um artefacto de caracterísiticasarcaicas, com grandes levantamentos obtidos a partir das superfícies primitivasdos seixos por percussão directa de grandes percutores duros, formando peçasespessas, de secção triangular; nalguns casos, parecem existir formas detransição para os bifaces parciais (sublinha-se, "de transição" mas não "deevolução", o que faria pressupor, erradamente, a ideia pré-concebida de serem

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os triedros anteriores aos bifaces). Entre estes, encontra-se uma grandevariedade formal, dominando, porém, os bifaces integráveis em estádio antigodo Acheulense, a que poderiam pertencer, também, os triedros. Este grupotipológico foi objecto de um estudo monográfico, tendo-se demonstrado asua predominância no sul (Caia e, sobretudo Guadiana), já que no vale doTejo são muito menos abundantes, o mesmo se verificando em estações maisa norte (Zbyszewski & Penalva, 1988). Tal realidade reforçou a convicçãodos citados autores da sua origem norte-africana, através da transposição doestreito de Gibraltar, no decurso do Acheulense, na esteira da proposta deH. Alimen (Alimen, 1975). C. Penalva, aliás, já anteriormente tinha sidoautor de semelhante proposta relativamente a outro instrumento caracterísiticoacheulense, o machado (ou "hachereaux", termo traduzido em português por"machadinho").

Com efeito, os machados acheulenses ("hachereaux") possuem uma presençainsistente nos inventários e, se mais não ocorrem, tal se deve às limitaçõesimpostas pela matéria-prima, que requeria a disponibilidade de volumesnucleares de grandes dimensões – no caso do território português, quaseexclusivamente seixos quartzíticos – já que se trata de um artefacto sobrelasca, possuindo um gume terminal transversal (que justifica a designaçãofuncionalista adoptada). É, com efeito, um tipo artefactual presente desde oAcheulense antigo, nas estações do Guadiana, como em Monte da Faia –avultando, sobretudo, os grandes núcleos para a sua obtenção, que ali sãorelativamente comuns – até ao Acheulense Final (de que é exemplo a estaçãode Milharós). Sem jamais se afigurarem peças comuns, os machados ocorrem,com certa insistência, nos níveis médios do terraço médio do Vale do Forno,Alpiarça, com 8 exemplares (5,1 %) (Zbyszewski & Cardoso, 1978), e nonível mais antigo do dispositivo de terraços do vale do Lis (correspondendoà base de um terraço médio, cerca de 25 m acima do nível actual do leito dorio Lis), com 7 exemplares, ou 7,9 % dos utensílios identificados(Cunha-Ribeiro, 1992/1993). Como se disse atrás, este nível poderácorrelacionar-se com o nível basal de Alpiarça e, deste modo, pertencer aoRiss. Este instrumento atinge o limite setentrional do território português,estando presente no acheulense do litoral minhoto, tal como os triedros(Meireles & Cunha-Ribeiro, 1991/1992).

As conclusões de J. P. Cunha-Ribeiro, relativamente às características doAcheulense da pequena bacia hidrográfica do rio Lis, salientam, para alémda presença de "hachereaux" – que como se viu tem sido e continua a serinvocada por diversos autores como indício da origem africana do Acheulenseda Península Ibérica (Bordes, 1968, 1971; Alimen, 1972; Freeman, 1975;Penalva, 1978; Villa, 1981, 1993) – a tipologia dos bifaces, espessos efrequentemente irregulares, que é sem dúvida um aspecto generalizável aosconjuntos acheulenses portugueses – e um índice de talhe "levallois" nulo,nalguns casos, muito baixo, noutros.

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A presença de triedros e de "hachereaux", em particular destes últimos, temsido considerada como uma das características mais salientes das indústriasacheulenses peninsulares, mesmo nos conjuntos mais evoluídos, como o deMilharós, onde os exemplares tecnicamente mais simples, segundo aclassificação de J. Tixier são, no entanto, maioritários.

Importante contributo para o conhecimento da presença de indústrias acheulensesno interior do país é o recente estudo dedicado aos terraços e conjuntos artefactuaisdo vale do Caia, infelizmente publicado apenas sob a forma de relatótio de provasacadémicas (Monteiro-Rodrigues, 1996). O autor identificou diversas estações,nalguns casos com materiais recolhidos in situ, tanto no Alto como no Baixo Caia,das quais se destacam as seguintes ocorrências:

- no Alto Caia, a Formação Fluvial F2, desenvolvendo-se 10-12 m acima donível do leito do rio (cotas medidas a partir da base do correspondenteterraço). Apesar de corresponder, essencialmente, a recolhas superficiais,foi possível relacionar tais materiais com os identificados em corteestratigráfico, observado na jazida 2 do Monte da Faia. Com base nas trêsséries de desgaste isoladas – mais uma vez, com o recurso ao clássico"método das séries, de Breuil e Zbyszewski – ao autor pareceu justificávela comparação da série com maior desgaste (EF 1) com outros conjuntos doAcheulense Inferior ibérico, designadamente os de Pinedo, em Toledo,Monte Famaco, em Vila Velha de Ródão e o do terraço Q2 do rio Lis, atrásmencionado, representando o mais antigo conjunto paleolítico de todo oGuadiana. Sendo exclusivo o recurso ao percutor duro, para o talhe de seixosde quartzito, o grupo mais abundante é o das lascas (47,3%), seguindo-seos núcleos (28,4% e os bifaces (14, 3%). Os seixos afeiçoados correspondemapenas a 1,4% dos artefactos; esta baixa percentagem é condizente com aobservada no terraço Q2 do rio Lis, mas afasta-se da realidade detectadaem Pinedo, onde tal grupo é o mais importante, com 39% do total dosartefactos;

- em contrapartida, a série menos rolada (EF 3) encontra paralelos em pelomenos três estações do Acheulense Médio peninsular: El Prado e ElMartinete, no vale do Guadiana e Quinta do Cónego, no vale do rio Lis.Parece, deste modo, confirmar-se a validade do "método das séries", desdeque aplicado a conjuntos numericamente representativos, como aliás foipostulado desde o início da sua utilização.

No Baixo Caia, S. Monteiro-Rodrigues identificou cinco formações fluviais,escalonadas a altitudes crescentes a partir do leito actual do rio, as quais corres-pondem, como refere, a depósitos de antiguidade também crescente. Na formaçãomais alta, cuja cascalheira da base se situa cerca de 50 m acima do referido leito(FF1), não se detectaram quaisquer materiais lascados.

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Na formação intermédia (FF2), situada entre 28 e 34 m acima do leito actual,recolheram-se peças talhadas, as quais, pelo seu estado físico, foram organizadasem três séries, para além de exemplares com duplas pátines, com significadocronológico. Mais uma vez, se denota a pouca importância dos seixos afeiçoados,numa indústria produzida em quartzito, com recurso apenas ao percutor duro. Oautor, embora admitindo a sua inclusão no Acheulense, chama a atenção para aocorrência de materiais atribuíveis ao Mustierense de Tradição Acheulense emdiversos locais do outro lado da fronteira, cuja relação com as indústrias em causaseria possível.

Na formação seguinte (FF3), cuja base se desenvolve entre 20-22 m acima do leitodo Caia, efectuaram-se colheitas de superfície em diversos locais, que constituemverdadeiras estações; as conclusões foram individualizadas da seguinte forma:

- estação do Caia (estrada internacional): colecção inteiramente constituídapor seixos de quartzito, talhados por percutor duro, onde se encontramsobretudo representados os produtos de talhe de primeira geração (lascascorticais) e núcleos, reflectindo esquemas operatórios simples; trata-se deuma zona de abastecimento e talhe primário da matéria-prima;

- estações de Sortes da Godinha, Herdade da Comenda, Monte Campo – NW,Ponte da Ajuda e Monte de D. João: destas estações, algumas foram járeferidas no estudo de Lereno Antunes Barradas (BARRADAS, 1939).Apenas a última forneceu materiais que podem ser directamenterelacionados com o interior do terraço, constituindo um conjuntohomogéneo, apesar de possuírem dois estados físicos relativamentediferenciados. Não existem dúvidas do seu posicionamento dentro doAcheulense, dada a existência de um biface (amigdalóide) e de dois triedros.

A FF4, é a formação fluvial seguinte com materiais paleolíticos; corresponde aretalhos a uma cota entre os 9 e os 11 m. Avultada presença abundante de lascas deprimeira geração, como se verificou em outras formações de terraço mais antigas,o que pressupõe a existência de oficinas de preparação, aliás favorecidas e explicadaspela própria abundância de matéria-prima, sob a forma de seixos rolados dequartzito. Os núcleos estão representados pelos grupos operatórios mais simples;os de maior complexidade parecem relacionar-se com as séries de menor rolamento,facto que constitui mais um argumento a favor da validade a aplicação deste métodode seriação cronológica. Os utensílios sobre lasca apresentam, como nos casosanteriores, fraca representação. No grupo dos bifaces, predominam os parciaisespessos (incluindo as peças unifaciais) e, no que toca aos seixos talhados,observa-se uma maior abundância, face a outras estações da região atrás referidas;são exclusivamente talhados, como os restantes utensílios, com o recurso ao percutorduro. Parece, deste modo, tratar-se de uma indústria acheulense, aliás confirmadapela tipologia dos bifaces.

Tendo presentes os três grupos de séries, de acordo com o desgaste superficialcorrespondente, verifica-se que a mais abundante é a de desgaste intermédio (EF2),com 221 artefactos, correspondendo à mais antiga (EF1) e à mais recente (EF 3),respectivamente, 82 e 194 artefactos. No conjunto, verifica-se que as lascas são

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sempre o conjunto mais numeroso; os bifaces, sempre presentes, atingem o máximona série mais antiga (7,3%), o mesmo se verificando no grupo dos seixos afeiçoados(8,5%). Sendo de integrar, globalmente, como é opinião do autor, os trêssubconjuntos em causa no Acheulense Antigo, por comparação com outrosatribuídos a tal época (Caia – F2; rio Lis; e Pinedo, cf. Monteiro-Rodrigues, 1996,Quadro 94), verifica-se que as "modificações técnicas entre EF1, EF2 e EF3 ter-se-ãoprocessado no seio de um mesmo contexto "cultural" (op. cit.,p. 357).

Por último, FF5 corresponde à formação mais recente, com terraços cuja base sedesenvolve apenas 3-4 m acima do leito do rio. Na sua maior parte, os materiais,de recolhas de superfície em diversos retalhos deste depósito, apresentam-seprofundamente boleados (78,5%). Esta facto sugere que se trata de peçasrelacionadas com níveis mais altos de terrraços que, por arrastamento e transporte,vieram depositar-se à superfície ou mesmo no seio dos depósitos mais baixos,como elementos detríticos remobilizados.

A extensa análise de trechos deste estudo de índole regional justifica-se, jáque se trata de um dos raros contributos publicados em época recente, comrecurso a técnicas de estudo actualizadas, sobre materiais paleolíticos deestações em terraços fluviais do território português. Deve ser salientado,em abono dos estudos promovidos anteriormente sob a égide de G.Zbyszewski, desde o tempo de H. Breuil, que o autor se viu também obrigadoa recorrer ao tão discutido e polémico "método das séries", validado, maisuma vez, pelos próprios resultados obtidos.

De uma forma geral, e antes de se passar à abordagem das estações do litoral,verifica-se que a distribuição dos sítios acheulenses no território portuguêscorresponde aos cursos dos grandes rios e seus afluentes. A explicação paratal é simples: por um lado, os vales fluviais desde sempre constituiram viasde penetração e de circulação de grupos humanos, favorecidas pela suascaracterísticas geomorfológicas e ainda por ali abundarem os recursosnaturais, a começar pela água e, também, por serem tais domínios ricos dematérias-primas propícias ao talhe, resultantes da acumulação de materiaisdetríticos grosseiros em terraços fluviais ao longo dos referidos vales. É essarealidade que explica, por exemplo, a grande abundância de indústriasacheulenses na bacia do Douro Médio (região de Salamanca) e a sua quaseausência, exceptuando a zona vestibular com o oceano, no vale do referidorio, em território português.

A relação dos terraços fluviais com as praias levantadas do litoral, dificilmentese pode estender muito para montante das zonas vestibulares respectivas. Noconcernente ao território português, são de referir os terraços do rio Minho,que se relacionam com as praias levantadas do litoral adjacente; mais para

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Sul, para além do Douro, também na embocadura do Tejo, nas vizinhançasde São Julião da Barra (Oeiras), se encontram representados terraços médios,atribuíveis ao Tirreniano (a cerca de 20 m de altitude), aonde se recolheu insitu um conjunto de seixos afeiçoados atribuíveis ao Acheulense Superior(Breuil & Zbyszewski, 1945; Zbyszewski et al., 1995). Enfim, na zona dopaleoestuário do rio Guadiana, também se recolheram peças paleolíticas insitu atribuíveis ao Acheulense. Foi Mariano Feio (Feio, 1946), o primeiro achamar a atenção para o corte de Aldeia Nova, perto de Vila Real de SantoAntónio e para o seu modo conjugado de formação, de tipo flúvio-marinho.Mais tarde, foi proposto um "modelo de sedimentação deltaica, talvezresultante de enchimento progressivo de um estuário pré-existente, em estreitadependência de acarreios continentais grosseiros ..." (Cardoso, Raposo &Medeiros, 1985, p. 183). As peças talhadas mais antigas – as únicas que porora interessam, conquanto em número escasso e tipologicamenteincaracterísticas – provêm de uma camada cascalhenta, relacionável com oinício de um período glaciário, talvez do último. Mas tais peças, muito roladas,são claramente anteriores, inscrevendo-se no grupo dos seixos afeiçoadoscoevos do Acheulense, os quais dominam largamente nas estações paleolíticasdo litoral.

Com efeito, apesar de, nas estações paleolíticas atrás referidas, estareminvariavelmente presentes seixos afeiçoados por talhe uni ou bifacial, ondeestes se apresentam com maior expressão, constituindo nalguns casos atotalidade da utensilagem, é nas jazidas correlacionadas com as praiaslevantadas quaternárias existentes ao longo do litoral português, conferindoa tais conjuntos um aspecto particular, que H. Breuil e G. Zbyszewski,surpreendidos com tão evidente arcaísmo e outros particularismosmorfológicos supostamente de natureza geográfica, baptizaram de"Lusitaniano":

La deuxième partie de cette étude porta sur les plages d’Estremadura, depuisPeniche juqu’à Setúbal. C’est dans cette région que Breuil définit lesindustries paléolithiques de "style" lusitanien", représentées par denombreux galets de quartzite de petite taille, tronqués à l’une de leursextrémités par une ou deux tailles très simples et très primitives.

Ficava, deste modo, justificada a criação deste novo termo, o qual, doravante,passaria a designar as indústrias desprovidas de bifaces que, de Leixões aVila Real de Santo António se distribuem abundantemente pelas praiasquaternárias, "imprimant à l’ensemble du vieux paléolithique des côtesportugaises un aspect inattendu ..." (Breuil, Vaultier & Zbyszewski, 1942).

Porém, seria mesmo inesperado que tais indústrias não contivessem bifaces?E justificar-se-ia a criação de um termo próprio, na ausência daquelesartefactos acheulenses? Quanto à segunda questão, a resposta é fácil: é

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considerada por muitos condição essencial para a aplicação do termo"Acheulense" a existência de bifaces; estaremos nas condições já definidaspor V. Oliveira Jorge (Jorge, 1972), que presidiram a designações de índolecultural, como a de "Conjuntos industriais de seixos afeiçoados". Mas, se seatribui ao termo Acheulense um significado essencialmente cronológico, àsemelhança do perfilhado para o termo Pré-Acheulense, tal como ele foianteriormente definido, então é óbvio que as indústrias essencialmente sobreseixos afeiçoados da costa portuguesa poderão receber a designação deacheulenses. Aliás, a generalização da ausência de bifaces em tal domíniogeográfico é abusiva: nalguns casos, estes ocorrem, e, até, com bom recortetipológico, em associação com as indústrias de seixos afeiçoados, nos locaisonde as características da matéria-prima tal permitia: é o caso dos belos bifacesdo Acheulense Superior de Lourinhã, recolhidos por I. e H. Mateus. É, pois,nas limitações impostas pelo material disponível que se deve reportar a maiorou menor presença de bifaces, e não a qualquer outro constrangimento, comojulgavam Breuil e Zbyszewski, de natureza cultural invocando a paralisia daengenhosidade, determinada pela pouco exigente vida do litoral (cf. Breuil,Vaultier & Zbyszewski, 1942). Este aspecto detém evidente importância: seé certo que a natureza da matéria-prima, por si só, não constitui factorincontornável na obtenção de instrumentos clássicos, como os bifaces, mesmodaqueles confeccionados em rochas muito desfavoráveis como o quartzo, deque se conhecem, não obstante, exemplares de grande qualidade, já o tamanhodas massas nucleares originais foi determinante para a possibilidade da suaobtenção, tal como a de outros artefectos acheulenses, como é o caso dos"hachereaux" sobre lasca, como já anteriormente se referiu. Sobre osignificado da ausência ou escassez de bifaces nestas praias levantadas,transcreve-se o seguinte trecho, a propósito de uma situação semelhante(Cunha-Ribeiro, 1992/1993, p. 110):

(...) já em 1977, A. Jelinek sugeria a possibilidade de se poder atribuir àutilização de seixos rolados de quartzito como matéria-prima preferencialo aspecto algo fruste dos bifaces do Acheulense do Sudoeste da Europa,bem como a presença de "hachereaux" e o baixo índice levallois que aí seregistava (...). Eliminavam-se dessa forma os pressupostos que levaram aconsiderar a existência de uma província cultural distinta no Sul da Europa,pressupostos esses que atribuíam a tais características um significadoexclusivamente cultural.

Desta forma, ficaria, no caso português, legitimada a aplicação do termoAcheulense às indústrias litorais, sobre pequenos seixos, onde os bifaces,apesar de excepcionais, quando ocorrem, apresentam formas clássicas.

Aliás, a maior ou menor presença de bifaces – até à sua completa ausência –em conjuntos acheulenses, em consequência do volume das massas líticasdisponíveis para a sua preparação, foi situação cabalmente discutida no litoral

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minhoto: com efeito, na formação marinha M 10, contemporânea do últimoperíodo interglaciário, cerca de 96% dos seixos diponíveis para o fabrico deutensílios situam-se entre 16 e 45 mm, o que explica a total ausência debifaces ou de "hachereaux"; em contrapartida, na formação M 9, onde apenas16 % dos seixos se situa entre aqueles limites dimensionais, ocorrendo 17 %nas classes superiores a 91 mm, observa-se "uma macro-utensilagem maisdiversificada, na qual estão presentes, além de seixos talhados, outros tiposde utensílios, tais como bifaces, "hachereaux", triedros, etc. (...)" (Meireles& Cunha-Ribeiro, 1991/1992, p. 39).

Em suma, parecem deste modo esbater-se as diferenças culturais que suposta-mente existiriam entre as estações acheulenses do interior do país,concentradas ao longo dos vales fluviais mais importantes, com depósitosquaternários correlativos, e as suas congéneres do litoral, até porque, emalguns casos, como Milharós, é significativa a percentagem de seixos talhadosassociados a bifaces (Raposo, Carreira & Salvador, 1985).

As vastas áreas do interior do país onde ainda não foram identificadasindústrias acheulenses, corresponderão a zonas que, devido à dificuldade deobtenção de matérias primas, mesmo de baixa qualidade, não foram ocupadascom intensidade.

Uma das grutas que forneceu alguns materiais acheulenses, e, ainda assim,em posição derivada, é a da Nascente do rio Almonda. Com efeito, numa dasgalerias, foi recolhido um conjunto de cerca de 50 bifaces (a chamada "Galeriados Bifaces") e de mais de uma centena de lascas, a maioria de quartzito,mas também de quartzo e de sílex, constituindo três concentrações,correspondendo à redistribuição de materiais oriundos da superfície porgravidade. As três datações pelo U/Th, obtidas sobre peças dentárias de cavalo,aparentemente associadas às referidas concentrações de materiais, indicamum intervalo de tempo entre 120 000 e 200 000 anos, compatível com ascaracterísticas tecno-tipológicas das peças recolhidas (Zilhão & McKinney,1995).

Mais recentemente, numa outra cavidade cársica do sistema subterrâneo doAlmonda, foi explorada, em 1997 e em anos subsequentes, outra galeria, achamada Galeria Pesada, numa área perto da antiga entrada (Marks et al.,2002). Tal escavação propiciou a recolha de uma associação lítica até aopresente desconhecida na Península Ibérica, consistindo em raros bifacestipicamente acheulenses, e uma presença importante de utensílios foliáceosbifaciais, bifaces plano-convexos de pequenas dimensões assimétricos, paraalém de outros tipos, como raspadores de quartzo. Estas indústriasencontraram-se conjuntamente com restos de cervídeos e de equídeos, cujasmarcas de corte indicam aproveitamento sistemático por parte dos grupos

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humanos que ocuparam a cavidade, no Paleolítico Inferior/transição para oPaleolítico Médio, a qual coincide igualmente com a passagem do PlistocénicoMédio para o Plistocénico Superior; com efeito, as indicações cronométricasprovisórias, indicam um intervalo de tempo entre 240 000 e 180 000 anos.

A importância desta associação industrial resulta do facto de constituir, até opresente, a mais variada das conhecidas em qualquer contexto da mesmaépoca da Península Ibérica, exceptuando, talvez, Atapuerca, na província deBurgos (Marks, 2005), onde ocorrem produções micoquenses mais antigasque as identificadas na Europa Central e Oriental. Essa parece ser também arealidade documentada na Galeria Pesada.

No conjunto, parece evidenciar-se um faseamento do Acheulense portuguêsem três estádios, em particular no Vale do Tejo, mas também no litoral nortedo País, eventualmente correlacionáveis, onde os estudos estratigráficos etipológicos mais se desenvolveram. Mas é a região de Alpiarça que, de todasas estudadas modernamente, mais do que a do Lis, pela riqueza da informaçãoestratigráfica e arqueológica, mais informações fornece sobre as três fasesem que o Acheulense pode ali ser subdividido, todas elas dominadas pelapresença de artefactos essencialmente talhados em quartzito e em quartzo. Ouso do sílex acantona-se essencialmente à região de Lisboa e de Rio Maior,o que não impediu, noutras regiões, a feitura de peças de recorte absolutamentecaracterístico.

É constante a associação de bifaces e de "hachereaux", mais raramente detriedros, a artefactos sobre lasca, e o surgimento da técnica "levallois", aindaque muito residualmente, no segundo estádio (Acheulense Médio). Aexistência de seixos afeiçoados é também uma situação generalizável aostrês estádios considerados, com quantitativos muito variáveis. A aplicaçãodo percutor brando permitiu a confecção de bifaces regulares, lanceoladosou mesmo micoquenses, os quais, sendo conhecidos em datas recuadas naGaleria Pesada (Almonda), se tornam mais frequentes na fase final do últimoestádio (Acheulense Final), contrastando com os bifaces grosseiros eirregulares, do tipo amigdalóide, de contorno sinuoso e talhado a percutorduro, das fases anteriores.

Do ponto de vista da cronologia absoluta, crê-se não ser possível adiantarcom segurança, como tem sido usual, uma cronologia mindeliana para osconjuntos mais antigos: com efeito, os elementos estratigráficos são escassos(base do terraço médio de Alpiarça e base do terraço Q2a do vale do Lis) enão autorizam uma datação tão antiga (que no entanto seria aceitável para osaltos terraços de Alpiarça, cujos depósitos não ofereceram materiais in situ).

Os conjuntos dos níveis médios de Alpiarça, atribuíveis ao AcheulenseSuperior, com belos bifaces e "hachereaux", possuem paralelo em outras

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estações com estratigrafia do Baixo Tejo, sendo de destacar a do Cabeço daMina, Salvaterra de Magos, objecto de uma escavação pioneira, a primeiraefectuada numa estação paleolítica de ar livre em Portugal (Corrêa, 1940) ea de Samouco, Alcochete (Zbyszewki & Cardoso, 1978).

Enfim, o conjunto mais moderno registado na região de Alpiarça, emMilharós, pertence, como já foi atrás referido, ao Acheulense Final; nele épatente a manutenção de indústrias com bifaces, onde já se encontra presente(ainda que vestigialmente) a técnica "levallois", talvez coevas de outras, jáde características mustierenses (Raposo, 1996), que se começavam adesenvolver por essa época no Baixo Tejo, como Santo Antão do Tojal(Loures), denunciando um conservadorismo tecnológico que conviria vermais claramente caracterizado. Neste âmbito se insere também a estação doCasal do Azemel, Leiria, integrável, tal como a sua vizinha do Casal de SantaMaria, provavelmente já no último período glaciário (Cunha-Ribeiro, 2000).A escavação de uma área de 135 m², proporcionou a recolha de 3432 peçastalhadas. No conjunto, trata-se de uma indústria onde dominam os utensíliossobre lasca, sugerindo uma aproximação das indústrias do Paleolítico Médio,mas ainda integrável no Acheulense Final, devido à presença de bifaces e de"hachereaux"; o talhe "levallois" é também vestigial. Entre as peças sobrelasca, ocorrem em grande quantidade peças bifaciais plano-convexas, deprodução padronizada, com gumes convexos e regulares, facilmentereaviváveis, as quais, sublinham a originalidade da indústria desta estaçãono quadro regional actualmente conhecido; com efeito, só têm paralelo emconjuntos além-Pirenéus, inseríveis no Micoquense. Esta realidade parece,assim, mostrar o muito que ainda se terá de fazer, tomando como ponto departida escavações em sítios mais promissores, necessariamente com umquadro geocronológico bem conhecido à partida, sobretudo os já reconhecidosna região do Baixo Tejo, seguidas do estudo exaustivo dos materiais. Sóassim será possível conhecer com maior detalhe não só as caracterísiticasevolutivas do Acheulense no território português, mas também as modalidadesde que se revestiu a sua transição para os conjuntos industriais do PaleolíticoMédio (transição ou ruptura?).

Para uma adequada caracterização da presença humana em Portugal nodecurso do Paleolítico Médio – globalmente situável entre o último períodointerglaciário cerca de 120 000 a 100 000 anos e cerca de 28 000 anos BP,importa partir da caracterização sumária dos sítios mais importantesreconhecidos em território português, a partir da qual se procederá a umasíntese dos conhecimentos actualmente disponíveis, bem como das principaisquestões que tal conhecimento suscita, na actualidade, com evidente projecçãointernacional, designadamente a questão da extinção dos últimos neandertaise as modalidades da sua substituição pelo Homem moderno.

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4. O Paleolítico Médio e o Mustierense

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Para o conhecimento da presença humana no actual território português nodecurso do Mustierense – o único complexo cultural do Paleolítico Médioaté agora reconhecido e caracterizado neste espaço geográfico (Bicho, 2004)– cujo terminus se terá verificado cerca de 35 000 anos, em datas calibradasantes da nossa era limite que, actualmente, recolhe o consenso geral, importaproceder à caracterização sumária dos sítios mais importantes até ao presentereconhecidos. Este exercício suportará a discussão das principais questões,conducente, na parte final deste apartado, a uma síntese conclusiva sobre ospadrões de exploração e de ocupação dos territórios, em estreita articulaçãocom a evolução das características paleoclimáticas e paleogeográficas dosambientes em que decorreram as actividades humanas.

Embora algumas das grutas com ocupações mustierenses tenham sidoadequadamente escavadas ainda no século XIX, como é o caso da gruta daFurninha, e os materiais cuidadosamente registados de acordo com os níveisem que foram recolhidos (Delgado, 1884), no decurso do século XXassistiu-se ao decréscimo do interesse pela escavação de grutas, em benefíciodo estudo das indústrias líticas de superfície, ou de estações de ar livre, viade regra desprovidas de indicações estratigráficas. Esta realidade foi motivadapor duas ordens principais de razões: por um lado, a impossibilidade de seefectuarem prolongadas e metódicas explorações em grutas, resultante dafalta objectiva de arqueólogos com competência e disponibilidade para tal;por outro lado, a ausência de vias de financiamento que as suportassemimpediu a formação de investigadores que, em colaboração com especialistasde outras nacionalidades, pudessem encetar de forma consequente esta linhade investigações, como sucedeu em Espanha. Assim, o estudo de materiaispaleolíticos em Portugal ficou limitado, desde os princípios do século XX eaté aos inícios da década de 1960, aos resultados das colheitas de superfície,de baixo investimento e segundo metodologia que poderia ser rapidamenteapreendida por qualquer amador em poucas horas, o que motivou amultiplicação das colheitas. Foi o caso das ricas estações paleolíticas dosarredores de Lisboa, adiante tratadas, objecto de intensas colheitas desde adescoberta da célebre estação de Casal do Monte, às portas de Lisboa, em1909, por Joaquim Fontes. Esta linha de estudo de materiais paleolíticos foi,no início da década de 1940, fortemente incentivada pela presença de H.Breuil em Portugal (entre Junho de 1941 e Novembro de 1942), legitimandoa valia de tal tipo de colheitas, com a adopção de um método que resolvesseas limitações decorrentes da ausência de elementos estratigráficos: trata-sedo já referido "método das séries", baseado tanto na tipologia como no estadofísico das indústrias; assim, quanto maior fosse o desgaste superficial dosexemplares, incluindo a identificação da sobreposição de sucessivas acçõeserosivas (água, vento), maior seria a sua antiguidade, partindo do princípioque todos estiveram sujeitos às mesmas condições, desde que foramabandonados à superfície do solo. Sem pretender discutir os méritos e

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limitações deste critério trabalho, que continuou a ser aplicado em Portugal,durante os sessenta anos seguintes, devido ao labor de G. Zbyszewski,discípulo de Breuil, verifica-se que foi ele que, quase em exclusivo, presidiuàs classificações das indústrias do Paleolítico Inferior e Médio em Portugalaté aos inícios da década de 1980, quando despontou pequeno conjunto deinvestigadores que, embora com formações científicas diferentes, conse-guiram mobilizar, pela primeira vez, e por diversas formas, os financiamentosmínimos necessários à investigação prolongada de depósitos de gruta ou deestações de ar livre.

Apesar da escassez de recursos humanos, é neste período, que abarca osúltimos 25 anos, que se produziram os avanços mais significativos noconhecimento do Paleolítico Médio em Portugal, aliás indissociável dasinvestigações produzidas no Paleolítico Superior, que progrediramparalelamente, tendo em consideração que os sítios, ou eram os mesmos, ouse situavam na mesma área geográfica, especialmente o Maciço Calcário daEstremadura e áreas limítrofes, onde abundam as cavidades de origem cársicacom distintas ocupações, justificando assim a sua investigação integrada.

Os estudos que actualmente prosseguem sobre o Paleolítico Médio emPortugal, tiveram a sua imediata antecedência, nos inícios da década de1960, nas escavações da Gruta das Salemas (Loures), logo seguida pela daGruta Nova da Columbeira (Bombarral), ambas por iniciativa dos ServiçosGeológicos de Portugal, o único organismo oficial que detinha recursos etécnicos adequados para promover tais investigações e, mesmo assim, deforma circunstancial e limitada, encontrando-se subordinada às investigaçõesrelacionadas com os levantamentos geológicos do País, a cargo da referidaInstituição. Mesmo assim, foi com as escavações realizadas naquelas duas grutas,em que se destacou O. da Veiga Ferreira, que se inaugurou a investigaçãomoderna do Paleolítico Médio e do Paleolítico Superior em Portugal.

4.1 Estações dos arredores de Lisboa

Datam de finais do século XIX as primeiras recolhas de materiais paleolíticosnos arredores de Lisboa, primeiro na serra de Monsanto, onde a abundânciade sílex, que ali ocorre sob a forma de nódulos nos calcários duros doCretácico, possibilitou o talhe de muitas centenas de milhares de peças, emoficinas que laboraram ao longo de boa parte do Paleolítico, prolongando-sepor tempos pós-paleolíticos. Contudo, as sucessivas explorações dos calcárioscretácicos, na referida serra, em especial após o grande megassismo de 1755,fizeram desaparecer boa parte dos vestígios ali existentes. Deste modo, ondeas colheitas mais profícuas se revelaram foi na vasta área ocupada por solos

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basálticos que, de uma forma quase contínua, se desenvolvem desde a regiãode Cascais, até à de Loures, formando um longo arco de círculo em torno dacapital, com uma maior concentração de ocorrências na região de Amadora ede Benfica: por tal motivo, a extensa mancha paleolítica reconhecida nestaregião tem sido designada por Paleolítico do Complexo Vulcânico de Lisboa.

Em 1932, A. do Paço, cartografou 94 sítios paleolíticos em torno da capital;tal inventário foi actualizado ulteriormente, mas sem alterações de maior(Jalhay & Paço, 1941). Muitos desses sítios tinham sido anteriormenteidentificados por Vergílio Correia e por Joaquim Fontes que, em 1912, masseguindo investigações independentes, apresentaram as primeiras síntesessobre tais estações, demonstrando a riqueza paleolítica da região. Deve-se,aliás, a Joaquim Fontes, a identificação da primeira e certamente maisimportante estação desta região, o Casal do Monte, em 1909, por eleprontamente publicada no ano seguinte. Foi, aparentemente, este autor oprimeiro a utilizar o termo "Mustierense" em Portugal ("época de Moustier"e "tipo do Moustier"), em 1912, ao estudar alguns exemplares recolhidos nasestações dos arredores de Lisboa, declarando ter seguido a nomenclatura deG. e A. de Mortillet.; animado pelo interesse que despertaram além-fronteirasas suas descobertas, dada a escassez de elementos então conhecidos sobre oPaleolítico Inferior e Médio do território português, Joaquim Fontesapresentou, nesse mesmo ano, à 8.ª Sessão do Congresso Pré-Histórico deFrança, reunido em Angoulême, a primeira síntese sobre o Mustierense emPortugal. Neste trabalho, caracterizam-se os principais tipos de instrumentosmustierenses, com base nas colheitas efectuadas nas estações dos arredoresde Lisboa, mencionando-se a Gruta da Furninha, como a única estação deinteresse estratigráfico então conhecida, com base nas escavações aliefectuadas por Nery Delgado em 1879, adiante mencionadas.

Com a revisão sistemática do Paleolítico da região de Lisboa, por H. Breuile G. Zbyszewski, foram estudados, de forma exaustiva, os milhares deutensílios recolhidos anteriormente, muito aumentados por colheitas próprias,permitindo assim a identificação de uma ampla sucessão de indústrias, desdeo Acheulense Inferior a tempos pós-paleolíticos. Tão grande abundância deindústrias é explicada pela larga diacronia de tal sucessão; pelo isolamentogeográfico, já que se trata de uma quase península, limitada pelo Oceano aOeste, pelo estuário do Tejo a sul e a nascente pelo vale do Tejo; e, sobretudo,pela disponibilidade de matéria-prima, representada essencialmente pelo sílexdo Cretácico, e, em menor grau, pelos seixos de quartzo e de quartzito,oriundos de antigas coberturas do Plio-Plistocénico, hoje quase totalmentedesaparecidas.

Tendo presentes as características técnico-tipológicas da utensilagem, o augeda presença humana deve ter-se verificado no decurso do Mustierense. Nessaaltura, os terrenos basálticos, de morfologia pouco acidentada, retendo

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água a pouca profundidade, e provavelmente com densa cobertura arbustiva,pontuando manchas florestais circunscritas, corresponderiam a domíniosprivilegiados para a caça, favorecidos ainda pelo clima pouco rigoroso,explicado pela baixa latitude e pela proximidade oceânica. Com efeito,a abundância destes acampamentos de ar livre, em detrimento da ocupaçãode grutas, quase sempre de carácter esporádico, indica a existência de umclima globalmente benigno, no decurso de boa parte da última glaciação.

Tão acentuada é a dispersão de materiais paleolíticos á superfície, que, àsconcentrações localmente observadas, todas elas invariavelmente desprovidasde interesse estratigráfico, foi negado o estatuto de verdadeiras estaçõesarqueológicas. E não o são, com efeito, no sentido tradicional do termo,querendo-as fazer corresponder a distribuições delimitadas de artefactos, composição estratigráfica bem definida:

"Celles-ci se trouvent largement dispersées sur toutes les surfacesaccessibles aux recherches et ne sauraient réelement, quoique plus denseen certains points, être localisées en vraies stations" (Breuil & Zbyszewski,1942, p. 32).

Actuadas pela gravidade e por movimentos de massa pós-deposicionais maisou menos difusos, as peças dispersaram-se pelas encostas, enquanto que,nos altos, a erosão pôs a descoberto os afloramentos basálticos e, no fundodos vales, os sedimentos finos cobriram os níveis mais antigos, com materiaispaleolíticos. Esta realidade não contradiz, contudo, a existência de manchascom evidentes concentrações de artefactos, separadas por áreas onde elesnão ocorrem, como já Joaquim Fintes tinha claramente sublinhado, no seutrabalho de 1912.

Na mais recente síntese dedicada ao Paleolítico do Complexo Vulcânico deLisboa (Cardoso, Zbyszewski & André, 1992), demonstrou-se a dependênciaentre a natureza das matérias-primas utilizadas e as fontes geológicas regionaispotencialmente disponíveis. Assim, enquanto que, nos domínios maisocidentais desta mancha paleolítica, próximos dos nódulos de sílex existentesnos calcários duros e recifais cretácicos (Cenomaniano superior), é esta amatéria-prima que predomina, no sector central, correspondente à maiorconcentração de materiais, verificada na área de Amadora e Benfica,observa-se o aumento da utilização do quartzito e do quartzo, localmentedisponíveis em retalhos de depósitos detríticos Plio-Quaternários. Enfim, nazona mais oriental, na área de Loures, são os seixos de quartzo filoneano quedominam, oriundos dos depósitos detríticos terciários. Tais factos mostramque, não obstante a assinalável mobilidade destes grupos e as escassas dezenasde quilómetros que separam a zona oriental da ocidental desta região, aconfecção dos artefactos era feita localmente, à medida das necessidades ede forma oportunista, com recurso às rochas localmente disponíveis.

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4.2 Terraços do vale do Tejo e dos seus afluentes da margemesquerda

4.2.1 Foz do Enxarrique (Vila Velha de Ródão)

Situada a montante da anterior e das Portas de Ródão, e em relação com umterraço baixo do Tejo de 5-10 m, atingido ciclicamente pelas cheias do rio,reconheceu-se um único nível arqueológico, escavado em cerca de 150 m²,constituído por sedimentos finos que permitiram, pela precipitação docarbonato de cálcio, a conservação dos restos faunísticos correlativos daocupação humana (Raposo, Silva & Salvador, 1985). Na verdade, a associaçãodo conjunto faunístico – com veado, cavalo, auroque, coelho, rinoceronte eelefante (Cardoso, 1993; Brugal & Raposo, 1999), dominando largamenteas duas primeiras espécies – à ocupação humana foi questionada por J. Zilhão;contudo, é o mesmo autor que admite, ulteriormente, que, ainda que os restosdas espécies de maior porte, como elefante e rinoceronte, possam correspondera uma acumulação natural, a que se somariam os restos de carnívoros, comohiena, raposa e eventualmente o urso, já os restos remanescentes, sobretudode veado, que ascendem a cerca de 90% do total, evidenciam marcas decorte e de fogo, pelo que a sua manipulação antrópica é inquestionável (Zilhão,2006). Desta forma, mesmo tendo em consideração estas reservas,ulteriormente muito mitigadas pelo próprio, considera-se como globalmenteválida, a referida associação faunística com os materiais líticos exumados,indício do estacionamento de pequeno grupo humano naquele sector damargem do rio, na confluência com afluente da margem direira da ribeira doEnxarrique.

A média ponderada das três datações pelo U/Th realizadas sobre dentes decavalo (2) e de auroque (1), deu o resultado de 33 600 anos ± 500 anos BP.No conjunto lítico, talhado em grande parte no local, configurando a existênciade um "work camp", é dominado pelo aproveitamento dos seixos de quartzitolocalmente disponíveis em grande quantidade, nas cascalheiras do terraçoali existente.

Foram recuperados cerca de 10 000 artefactos, infelizmente ainda não estu-dados em pormenor. É frequente a técnica levallois, seja sob a modalidadecentrípeta na exploração dos núcleos, seja sob a modalidade de levantamentopreferencial de uma lasca ou ponta, estando presentes todas as etapas dacadeia operatória da sua preparação e lascagem, bem como os produtos delesobtidos, em boa parte utilizados tal qual, dada a raridade de utensíliosretocados.

O sítio da Foz do Enxarrique, pela grande quantidade de materiais queforneceu, pelas suas caracterísiticas estratigraficas e cronologia absoluta e

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ainda pela valiosa informação faunística ali reunida, constitui um dos maisimportantes sítios do Paleolítico Médio Final de ar livre da Península Ibérica.

4.2.2 Vilas Ruivas (Vila Velha de Ródão)

Duas datações de pelo método da termoluminiscência deram a médiaponderada de 54 000 anos +12 000; -11 000 anos BP, relacionada com aocupação da superfície de um retalho de terraço quaternário a jusante dasPortas de Ródão com uma cota de 32 m acima do nível das águas do Tejo(Raposo, 1995). A indústria pertence ao Paleolítico Médio, estando presentesnúcleos levallois e discóides, e os correspondentes subprodutos, para alémde escassos utensílios retocados (raspadores e denticulados). O interesseprincipal do sítio decorre de ali se terem conservado duas estruturas em arco,talvez correspondendo ao embasamento de paraventos, protegendo prováveisestruturas de combustão (lareiras-calorífero) evidenciadas pela acumulaçãode termoclastos. Também se identificaram quatro estruturas negativas, deplanta circular, com cerca de 20 cm de diâmetro, que poderiam serinterpretadas como buracos de poste. Luís Raposo não hesita quanto à origemantrópica destas estruturas, não só pela sua configuração, mas porque sãoconstituídas por seixos transportados para o local, dada a natureza fina,arenosiltosa, do depósito geológico subjacente. A estação de Vilas Ruivaspode, assim, conotar-se com o estacionamento de um grupo que exploravaos recursos cinegéticos da região adjacente ao grande rio peninsular,construindo lareiras e utilizando a abundante matéria-prima disponívellocalmente (sobretudo seixos rolados de quartzito) para transformação nolocal ("working camp site"); já para J. Zilhão, seguindo o modeloetnoarqueológico de L. Binford estar-se-ia perante um acampamento de caça,atribuindo as duas estruturas em arco a "hunting blinds" (Zilhão, 1992),salientando a sua semelhança com as documentadas nos sítios gravettensesdo Côa, cerca de 150 km para Norte (Zilhão, 2001).

4.2.3 Vale do Forno (Alpiarça)

Os termos médios da sequência sedimentar do terraço médio do vale do Tejona região de Alpiarça, em Vale do Forno, forneceram materiais característicosdo Acheulense Superior, atrás referidos; situar-se-ão já em época tardia destetecnocomplexo, entre o Riss Final e o Würm Antigo, de acordo com asdatações radiométricas realizadas em dois dos seus níveis, VF 7 e VF 8

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(Raposo, 1995). Fica assim delimitado o limite cronológico inferior doMustierense em Portugal, pelo menos naquela região, sem prejuízo de, noutrasáreas geográficas, já se poderem encontrar presentes tais indústrias; mas afalta de datações absolutas impede a discussão adequada desta questão emtermos científicos.

Uma das estações exploradas, Vale do Forno 8, atribuída ao AcheulenseSuperior e situada por Luís Raposo no Riss Final, forneceu, em associaçãocom exemplares típicos acheulenses, como bifaces e machados, numerososartefactos sobre lasca, que remetem para o Paleolítico Médio, de sílex e dequartzito, como pontas de Tayac, raspadores, denticulados, furadores e núcleosdiscóides com planos de percussão preparados, os quais possuem estreitosparalelos nas estações da margem esquerda do estuário do Tejo, situadasmais a jusante: "This allows the inclusion of these assemblages into a wideridea of the Middle Palaeolithic, despite the presence of techno-typologicalcharacteristics very different from the real Mousterian industries" (VegaToscano, Raposo & Santonja, 1999). No entanto, tratando-se de um nívelsedimentar formado em ambiente fluvial e não de um verdadeiro solo dehabitat, falta demonstrar a efectiva contemporaneidade de ambos os conjuntosaludidos, o de características acheulenses e o constituído por artefactos sobrelasca. Seja como for, a sucessão de indústrias encontradas in situ no complexosistema de terraços do Baixo Tejo na região de Alpiarça permitirá, quando serecolherem dados mais completos, a discussão da transição das indústrias doPaleolítico Inferior para o Paleolítico Médio, à semelhança do verificado emoutros grandes sistemas fluviais peninsulares, como os vales do Manzanerese do Tormes.

4.2.4 Arneiro Cortiço (Benavente)

H. Breuil e G. Zbyszewski, na obra de síntese sobre os terraços quaternáriosdo Baixo vale do Tejo e das indústrias paleolíticas correlativas, publicaramdiversos materiais paleolíticos relacionados com os terraços do rio Almansor,afluente da margem esquerda do Tejo, embora só uma pequena parte tenhasido recolhida in situ (Breuil & Zbyszewski, 1945). Mais tarde, o segundodos autores, na companhia de O. da Veiga Ferreira, identificaram outros locaisna mesma região; em quatro desses locais, foram efectuadas recolhas in situ,nos depósitos de cascalheiras do baixo terraço (Q4, entre 8 e 20 m); osmateriais, exclusivamente sobre seixos e lascas de quartzito, foramclassificados entre o Acheulense Superior e o Mustierense.

Estas ocorrências, como muitas outras, não mereceriam especial atenção emtrabalho de síntese como este, por se tratarem de recolhas e observaçõespouco desenvolvidas, subordinadas à actividade daqueles dois investigadores,

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feitas no decurso dos levantamentos geológicos de que estavam incumbidos,não fosse o caso de se encontrarem na imediata antecedência de umaimportante intervenção arqueológica, que lhes conferiu significado acrescido.Com efeito, no âmbito da mitigação dos impactos ambientais decorrentes daconstrução da Autoestrada A13, foram identificados diversos locais na mesmaregião com indústrias paleolíticas dispersas à superfície e seis com interesseestratigráfico, dos quais um, Arneiro Cortiço, até então inédito, mereceutrabalhos de escavação.

Situa-se este local a 19 m de altitude, num retalho de terraço da margemesquerda do rio Almansor. As sondagens efectuadas conduziram à recolhade 510 artefactos com indicação estratigráfica (Gaspar & Aldeias, 2005).Trata-se de uma indústria do Paleolítico Médio, orientada para a obtençãode lascas, aproveitando quase exclusivamente seixos rolados de quartzito,sendo a relação núcleo/lasca de 1/5. O aproveitamento da matéria-prima émuito expedito, o que se justifica pela grande abundância desta, atapetandolargas extensões da superfície dos sucessivos terraços ali identificados.

A existência de seixos afeiçoados é residual, bem como a de utensílios sobrelasca, denotando situação idêntica à de outros contextos da mesma época dobaixo vale do Tejo. A relação de 61 peças por m² denuncia a forte actividadede talhe no local ou em zona muito próxima, o que é mais um elementoidentitário das estações da área em apreço. Infelizmente, não se procedeu àdatação do depósito, pelo que a cronologia da estação só pode ser inferidapela condições geológicas, semelhantes à da estação de Conceição, perto deAlcochete, adiante tratada.

4.2.5 Terraço de Santo Antão do Tojal (Loures)

No baixo terraço de 10-15 m de Santo Antão do Tojal, Loures, no vale do rioTrancão, em cortes expostos pela abertura de canais de rega na década de1930, foram observados materiais mustierenses, aparentemente associadosà presença de carvões e de ossos de cavalo e de elefante, animais que poderiamter sido capturados e esquartejados na periferia da área lacustre então aliexistente, conforme o admitido por G. Zbyszewski.

Uma datação efectuada sobre ossos de elefante pelo método do U/Th, deu oresultado de 81 900 anos; +4000/-3800 anos BP (Raposo, 1995), compatívelcom a presença das referidas peças mustierenses.

O registo disponível para a região em apreço conduziu este autor a propormodelo explicativo para a ocupação e a exploração dos recursos existentes

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naquela região, no decurso do Mustierense: assim, enquanto as margens davasta bacia aluvionar do Tejo eram ocupadas por acampamentos residenciaisde ar livre especializados na caça e esquartejamento de grandes mamíferos(cavalo, elefante), as grutas e abrigos, que se desenvolvem no topo das colinascalcárias que dominam as referidas baixas aluvionares seriam utilizadasmais esparsamente, no decurso de actividades cinegéticas. A natureza dasmatérias-primas é local: com efeito, nos terraços baixos abundava o quartzitoe o quartzo, enquanto nos maciços calcários, onde se abrem tais grutas eabrigos, existe o sílex, sob a forma de nódulos de boa qualidade, propíciosao talhe e intensamente explorados para o efeito. Algumas destas cavidades,com efeito, denotam ocupação, em geral de fraca intensidade: é o caso daGruta do Correio-Mor (Loures), onde se identificou, em estratigrafia, umaindústria mustierense sobre nódulos de sílex, na base de uma sequênciaarqueológica essencialmente holocénica, e da Gruta da Ponte da Laje (Oeiras),sobre a ribeira do mesmo nome, na qual a utensilagem assume característicasidênticas.

4.2.6 Terraços da margem esquerda do estuário do Tejo

O sistema de terraços da sequência plistocénica do Baixo Tejo possui a suaexpressão mais notável na região de Alpiarça, onde a sua largura atinge maisde uma dezena de quilómetros, constituindo o mais vasto complexo dedepósitos quaternários existente no território português. Os terraços da regiãomais a jusante, que actualmente se desenvolvem na área do estuário, devem-seàs oscilações do nível marinho, como anteriormente se disse, embora devaser revisto o enquadramento geocronológico proposto na década de 1940(Zbyszewski, 1946) e até hoje ainda globalmente utilizado, na falta de umareinterpretação completa e fiável de toda a sucessão observada.

Aos depósitos do terraço médio, estão subordinadas diversas estações deinteresse estratigráfico, indício do estacionamento de numerosos gruposhumanos que se dispersavam à superfície daquele, cerca de 25 m acima donível do Tejo actual, sendo, deste modo, atribuível ao último períodointerglaciário da cronologia tradicional.

Em Cascalheira (Alcochete), embora ocorram utensílios sobre lasca (pontase lâminas levallois, raspadores, denticulados, facas de dorso e outros),dominam largamente os núcleos discóides, de lascamento centrípeto, ditosmustierenses, os quais ascendem a mais de 500, constituindo o maior conjuntoaté ao presente recolhido em Portugal (Carreira & Raposo, 1994).Estreitamente afim de Cascalheira é a estação do Alto da Pacheca, situadanas proximidades e igualmente relacionada com o mesmo nível de terraços

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(Cardoso & Monjardino, 1976/1977), onde avulta, também, a notávelabundância de núcleos mustierenses. No âmbito da sequência estratigráficadefinida no terraço médio de Alpiarça, a cascalheira do topo do terraço médio,observada tanto em Cascalheira como no Alto da Pacheca, coroando umasérie arenosa com intercalações argilosas pode correlaciona-se com o começoda fase regressiva, com aumento da capacidade de transporte e deescavamento do leito do Tejo, verificada no início da última glaciação,atribuição que se afigura compatível com a tipologia das indústriasencontradas.

Mas a estação paleolítica melhor conhecida da margem esquerda do estuáriodo Tejo é a de Conceição (Raposo & Cardoso, 1998 a), relacionada com umnível de terraços mais baixos, situados entre os 8 e os 10 m acima do nível doTejo, no local da estação arqueológica, subindo depois, gradualmente, atéatingir cerca de 15 m. Trata-se, pois, do terraço baixo, na terminologia de G.Zbyszewski aplicada aos terraços do Baixo Tejo. Escavações de emergênciaali realizadas, no âmbito da construção dos acessos à ponte Vasco da Gama,permitiram a identificação de um nível cascalhento, existente na parte maisalta da sequência, na parte superior do qual jaziam, em grande abundânciapeças lascadas desprovidas de rolamento, indício de que seriam penecontem-porâneas da formação do referido depósito. Tendo presente a sua implantaçãoem um baixo terraço, a cronologia da estação da Conceição seria mais recenteque a das duas anteriores, hipótese que foi precisada através de duas datasradiométricas, obtidas por OSL. Assim, uma camada fina, argilosiltosa,correspondente à parte inferior da sequência, relacionada com fase de enchimentodo vale, desprovida de indústrias, deu o resultado de 74 500 anos BP (+11 600;–10 400 anos), enquanto a camada de areias eólicas, que recobria imediata-mente a parte superior da cascalheira onde as peças jaziam, foi datada de27 200 anos BP (± 2500 anos), a qual pode conotar-se com a degradaçãoclimática antecedente do máximo glaciário (ca. 18 000 anos BP). Deste modo,a cronologia a que respeita a estação da Conceição, fica enquadrada pelosdois resultados obtidos. No entanto, a estratigrafia indica que a época daocupação do Paleolítico Médio deve ser próxima da data mais recente,dado o estado fresco ostentado pela superfície das peças, indicando o seurápido recobrimento pelo depósito eólico. Por outro lado, a formação dacascalheira, recobrindo o depósito de areias flúvio-marinhas subjacente, poderelacionar-se com o início de episódio regressivo, coevo do período dedegradação climática que conduziu, mais tarde, à deposição das areias eólicasobservadas no topo da sequência. A ser assim, a cronologia da ocupaçãohumana seria idêntica à da Gruta da Figueira Brava, adiante referida, cercade 36 000 anos a. C.

A análise tecno-tipológica dos largos milhares de peças recolhidas, mostrouque área foi intensamente frequentada devido à abundância e qualidade da

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matéria-prima disponível, largamente dominada por seixos de quartzito,utilizados como núcleos, desde as massas iniciais, até os núcleos discóidessobre calotes de seixo, ditos mustierenses. Está presente a técnica "levallois",conducente também à obtenção de lascas, utilizadas tal e qual, outransformadas em diversos utensílios, sobretudo denticulados e entalhes, mastambém alguns raspadores e raros furadores. É de salientar a grandenormalização dos procedimentos técnicos, com base numa economia de gestosface à função pretendida. Tal realidade é exemplificada pela abundância dos"núcleos discóides sobre calote de seixo", caso limite da simplificação, emque se aproveita a morfologia do seixo natural para dele se extrairem,directamente, as lascas predeterminadas requeridas, sem necessidade derecorrer a acções de formatação e de preparação dos planos de percussão,através de levantamentos preliminares a partir do reverso.

Em síntese, a estação da Conceição, integra claramente o conceito de "áreade fabrico", o "work camp" dos autores anglo-saxónicos, a partir da qual seterá procedido à exportação de produtos de talhe pré-formatados, parautilização noutros locais, ou em circuitos itinerantes de captação de recursos.Com efeito, a quase exclusiva utilização do quartzito, muito abundante nopróprio local, conduziu à obtenção de apenas 3% de instrumentos,contrastando, pela escassez, com a elevada percentagem de núcleos, queatingem 24,3 % do total dos artefactos.

4.3 Outras estações de ar livre da região centro

4.3.1 Estrada do Prado (Tomar)

Trata-se de sítio de ar livre relacionado com um terraço médio do rio Nabão.A indústria, muito abundante, parece que se desenvolvia em sucessivos níveisde ocupação, embalada em depósito fino que, no conjunto, atingia cerca de2 m de potência. Infelizmente, das escavações apenas foi publicado curtanotícia preliminar, pouco consentânea com a importância da estação e daquantidade e diversidade dos materiais líticos, em sílex, quartzito ou quartzo.

Recente análise global da indústria lítica recolhida nas duas campanhasefectuadas na estação (1981 e 1982), permitiu compulsar cerca de 3000artefactos, encontrando-se os artefactos em finos leitos formados em ambientefluvial de baixa energia, correspondente à deposição de argilas.

A utensilagem mostra a utilização de suportes muito diversos: quartzito,quartzo, xisto, arenito e sílex, em quantidades apenas conhecidas para estaúltima matéria-prima, correspondente a 20 % do total, tendo sido também a

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única matéria-prima que foi objecto de caracterização adequada. A análisedos 584 artefactos identificados, mostrou que a exploração dos núcleos (27exemplares) foi feita recorrendo à técnica "levallois" e à variante discóide(centrípeta). Alguns núcleos apresentam-se esgotados, pelo facto do sílexser uma matéria-prima escassa na adjacência imediata da estação. As lascasexibem alto grau de facetas na face dorsal, bem como elevada incidência detransformação em utensílios, situação relacionada com a intensidade deexploração dos núcleos, observando-se preferência pelas lascas de maioresdimensões no âmbito da referida transformação, que atinge 173 objectos,correspondendo a 29,6 % do total dos artefactos de sílex.

Santa Cita (Tomar)

Trata-se de estação, tal como a anterior, relacionada com terraço fluvial damargem direita do rio Nabão, conservado na confluência com a ribeira daBezelga, no caso um terraço fluvial baixo, o sexto e último a formar-se (T6b),de uma sequência definida a nível regional. Embora não existam, de momento,dados cronométricos para a datação deste depósito, nem da ocupaçãomustierense a ele associada, é natural que a derradeira fase da formação deterraços tenha decorrido durante um interstadial wurmiano: A sua cronologiafoi situada entre 60 000 e 40 000 anos, correspondendo a oscilação climáticapositiva, dentro de fase avançada do Mustierense, de acordo com ascaracterísticas das indústrias (Lussu et al., 2001).

A escavação, motivada pela construção de importante eixo viário, foi, apósuma primeira intervenção de Nuno Bicho, orientada para diversos objectivos,entre os quais a da recuperação e conservação das estruturas arqueológicasidentificadas, sendo de destacar a moldagem de um solo de habitat.

A sequência geral estabelecida no decurso dos últimos trabalhos arqueoló-gicos efectuados indica a presença de dois níveis mustierenses: o maismoderno (B1), intercala-se em depósito fino, atribuído ao topo da formaçãodo terraço plistocénico, correspondendo à passagem de um nível de argilavermelha com marcas de pedogénese a um nível siltoso amarelado; existem,no entanto, materiais arqueológicos no nível B2, mais recente, permitindo,em alguns casos, remontagens com materiais do nível B1. O conjuntoarqueológico mais antigo encontra-se sob este depósito fino, assentando no topode depósito conglomerático do terraço, com indústrias ainda nos seus locaisoriginais de deposição (topo do C1). Esta paleosuperfície foi objecto depreservação por moldagem.

Trata-se, pois de dois horizontes sobre os quais se efectuaram, em períodosdistintos, mas próximos, diversas actividades humanas. Com efeito, estaconclusão é indicada pela existência de remontagens, em ambos os níveis,de peças em quartzo, quartzito e sílex. Não se conservou nenhum resto

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faunístico nem carbonoso. Dominam os seixos de quartzo e de quartzito,existentes localmente, no conglomerado do terraço, sendo o sílex muito maisescasso.

Os estudos anteriores de Nuno Bicho dedicados a esta estação arqueológica,conduziram a conclusões diferentes sobre as características das duasocupações mustierenses: assim, o nível mais antigo, com cerca de 5000artefactos, denotaria ocupação intensiva do local, conotada com umahipotética estrutura de habitat, constituída por 5 buracos de poste que definiam,segundo o autor, circuito trapezoidal. No nível superior observou-se aconcentração de pequenos núcleos de materiais, que, no total, não ultrapassamcerca de 100 peças.

Apesar de não se ter atribuído a quaisquer dos níveis mustierenses osignificado de solos de ocupação, as conclusões dos estudos tecnológicos edo aprovisionamento da matéria-prima foram confirmadas no estudo já acimacitado (Lussu et. al., 2001): em todas as matérias-primas identificadas –quartzo, quartzito e sílex, por esta ordem – estão presentes as sucessivasfases das cadeias operatórias, estando presente a técnica discóide, maisraramente a "levallois" (claramente utilizada no nível mais moderno, incluindouma ponta "levallois"), indicando o talhe local, tanto dos seixos, como dosblocos ou nódulos daquelas diversas matérias-primas.

Tal como já anteriormente se tinha verificado noutros casos, o sílex foi amatéria-prima mais exaustivamente aproveitada, sobretudo no nível maismoderno, certamente em resultado da sua especial aptidão no âmbito da plenaadopção da técnica "levallois", rocha que proviria de duas áreas afastadasde mais de 10 quilómetros de distância. Assim, apesar da escassez daamostragem disponível no nível superior, parece observar-se a associaçãoquartzito/quartzo no nível inferior, substituída pela associação quartzito/sílex,no superior (Bicho & Ferring, 2001), facto que justificaria a acentuadaseparação observada entre os dois conjuntos.

A análise detalhada da utensilagem lítica recolhida em ambos os níveis,permitiu identificar raspadores, denticulados e entalhes, entre outros (Bicho& Ferring, 2001).

As características de implantação da estação, em local estratégico do vale doNabão, abundante de água e de matérias-primas, podem explicar as duasocupações mustierenses que ali foram definidas, relacionadas, segundo osautores, com verdadeiros solos de ocupação, situação muito pouco frequenteem estações de ar livre. Deste modo, o local poderá ter-se comportado, comosítio de carácter logístico, à semelhança da Foz do Enxarrique ou de VilasRuivas.

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4.3.2 Ribeira da Ponte da Pedra, ou Ribeira da Atalaia (Vila Nova daBarquinha)

Na encosta direita do vale da ribeira da Atalaia, que desagua no rio Tejo, apouca distância, identificaram-se inúmeros inúmeros artefactos paleolíticos,expostos à superfície, em virtude da erosão actual, que entalha profundamentea sucessão dos depósitos sedimentares plistocénicos ali existentes. Asescavações interessaram a base do terraço médio (Q3) da rede fluvial doTejo, bem como a parte superior do terraço baixo (Q4-1 ou Q4a); os resultadosobtidos neste último local são os que interessam considerar no presenteapartado, dado que os materiais recolhidos na base do Q3 pertencem aoPaleolítico Inferior (encontra-se totalmente ausente a técnica de lascamentocentrípeto dos núcleos, "levallois" ou discóide). Entre a parte superior doterraço baixo e a base do terraço médio, foram assinaladas importantescoberturas de coluviões antigos, cuja escavação proporcionou, até o ano de2000, de apenas 134 artefactos, entre os quais um núcleo de tipo discóide edois bifaces, dos quais um de características arcaicas (Grimaldi & Rosina,2001), o que sugere a mistura de sedimentos e materiais de diversas idades,em consonância com a própria natureza coluvionar do depósito.

O prosseguimento das escavações incidiu na superfície do terraço baixo,atribuído, tal como em Santa Cita, a uma formação interstadial da últimaglaciação. A identificação de um paleossolo nela existente, contendo umaestrutura de combustão, conduziu ao alargamento da área explorada; apresença daquela estrutura (e provavelmente de outras, ainda nãoidentificadas), constitui razão suficiente para que se tenha incluído este sítioentre os potencialmente mais interessantes do território português. Trata-sede uma construção de contorno sub-circular, com 0,90 x 1,50 m, definida emtodo o seu perímetro por elementos pétreos locais, possuindo alguns marcasnítidas de rubefacção pelo calor. O interior encontrava-se preenchido comsedimentos acinzentados os quais, por baixo dos termoclastos, se dispunhamem leitos horizontais. A raridade desta ocorrência justificou a sua moldagem.

A quase totalidade dos materiais recuperados neste sector da escavação, sebem que ainda não estudados em pormenor, foram atribuídos ao PaleolíticoMédio: são seixos de quartzito, de origem local, proporcionando lascas, emgeral não transformadas, seixos afeiçoados e núcleos, estando presentes peçasbifaciais, a técnica "levallois" e a sua variante discóide, ao contrário doverificado na base do terraço médio, que é, como se disse, muito mais antiga.

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4.3.3 Estações dos arredores de Rio Maior

A abundância de sílex de qualidade, sob a forma de nódulos de sílex isolados,nos depósitos detríticos neogénicos da região de Rio Maior foi aproveitadaem sucessivas épocas, desde o Acheulense até tempos sub-actuais, nesteúltimo caso para a preparação de pedras de isqueiro (pederneiras). Grandesmassas de sílex castanho-avermelhado foram, assim, aproveitadas noMustierense, para a confecção de utensilagem sob lasca, estando presente otalhe "levallois", incluindo belos núcleos, porém sempre de recolha superficial,à falta de escavações, que até o presente, na região, não têm sido direccionadaspara esta época (Cardoso & Norton, 1995).

4.3.4 Estações do litoral ocidental

Recentes prospecções ao longo do litoral centro conduziram à identificação,na praia de Mira-nascente, de uma ténue ocupação mustierense, documentadapor lascas, núcleos e produtos de debitagem em sílex, denotando a técnica"levallois" (Haws et al., 2006). A ocupação ter-se-á efectuado na ante-praia,em ambiente arenoso, situando-se actualmente a cerca de 35 m de altitude.Tendo presente o carácter regressivo do nível marinho na época, a presenteposição da estação foi interpretada pelos autores como sendo o resultado defenómenos tectónicos mais ou menos localizados na área em causa.

Uma datação sobre carvões, contidos em leito de cinzas carbonosas integradona mesma unidade geológica, mas cuja relação com o local anterior não seencontra, contudo, esclarecida, deu o resultado não calibrado de 36 000 ±7500 anos BP, resultado próximo ao obtido para o depósito, também elesituado sobre litoral actual de Vale da Janela (Ferrel, Peniche), localizadomais a sul: 38 000 + 1 700; - 1 400 anos BP, onde se identificou uma associaçãoflorística denunciando clima fresco, húmido e ventoso (Diniz, 1993).

A descoberta desta estação sugere uma realidade até ao presente quasedesconhecida, a da existência e mesmo frequência de ocupações de épocamustierense; com interesse estratigráfico, nesta faixa litoral, somando-se aosdiversos materiais conhecidos desde a década de 1940, a maioria colhidos àsuperfície das cascalheiras de praias quaternárias cujos retalhos sedesenvolvem sobretudo para sul, ao longo do litoral actual (Breuil &Zbyszewski, 1945).

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4.4 Grutas da Estremadura e áreas adjacentes

No território português, avultam as grutas de origem cársica existentes nasdiversas formações calcárias da Estremadura, de idade mesosóica e, maisraramente, no barrocal algarvio, bem como em alguns afloramentos calcários,de idade paleozóica do interior do país. Mas é claramente o espaço geográficolitoral que, da serra da Arrábida, a Sul, se desenvolve, para Norte, até à serrade Sicó, nas proximidades de Pombal, que mais volume de informaçãoforneceu para o conhecimento do povoamento do actual território portuguêsno decurso do Paleolítico Médio. Por ordem cronológica da execução dosrespectivos trabalhos arqueológicos, destacam-se as ocorrências que a seguirse caracterizam.

4.4.1 Gruta da Buraca Escura (Pombal)

Esta gruta, situada em plena serra de Sicó, forneceu, nos níveis arqueológicosmais profundos, correspondentes ao Conjunto 3, subjacente à ocupaçãogravettense, peças de sílex e, sobretudo, de quartzo leitoso, do PaleolíticoMédio (Aubry & Moura, 1994).

A fauna, muito abundante, inclui carnívoros, o que levanta a dúvida daimportância atribuída à actividade cinegética humana, na constituição dareferida acumulação. Já o mesmo não se verifica quanto à fauna exumada naárea de uma fogueira, ou na sua envolvência, a qual, conjuntamente com asestruturas identificadas em Vila Ruivas, constituem os mais antigostestemunhos estruturados paleolíticos seguramente reconhecidos no territórioportuguês. Ali, identificaram-se esquírolas de ossos longos de grandesmamíferos, microfauna, uma falange e um astrágalo de cabra montês (Caprapyrenaica) e um incisivo de cavalo juvenil (Equus caballus).

4.4.2 Gruta do Caldeirão (Tomar)

Trata-se de uma cavidade cársica escavada sob a direcção de João Zilhãoentre 1979 e 1988. Sob a sequência do Paleolítico Superior, que conferiumerecida importância arqueológica a esta gruta, foi identificada umasequência Mustierense, com cerca de 1 m de potência (Camadas N a L),associadas a um extenso período de melhoria climática, cobertas pela CamadaK, com espessura média de 0,45 m. Esta camada encontrava-se separa dasanteriores por uma descontinuidade bastante marcada, provavelmente de

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carácter erosivo, atribuída ao episódio de Denekamp (Zilhão, 1997, Fig. 9.3).O bloco de camadas N a L possuía escassos artefactos, de mistura com restosabundantes de carnívoros, especialmente de hiena, pelo que a sua formaçãofoi conotada essencilmente como devida à acção daquele e de outroscarnívoros (Davis, 2002). Também a Camada K forneceu materiais detipologia exclusivamente mustierense, encontrando-se presente a técnica"levallois", ainda que em escasso número, associados a abundantes restosósseos; tal situação sugere, igualmente, uma acumulação natural, talvez emresultado da actividade das hienas; uma datação directa sobre osso forneceuo resultado não calibrado de 27 600 ± 600 anos BP, a que corresponde a datacalibrada de ca. 32 400 a. C. (Zilhão, 2006). Tal cronologia, depois de tersido aceite pelo autor, foi neste seu último trabalho posta em causa,considerando que a sua idade deverá ser próxima, por extrapolações de ordempaleoclimática, a ca. 35 000 anos. Por outras palavras, a cronologia da camadamustierense mais moderna da Gruta do Caldeirão não se encontra demomento definida, admitindo-se que possa ter havido intrusão do único ossodatado desta camada a partir da camada Jb, já do Paleolítico Superior Inicial,dado que uma amostra recolhida na parte média desta última camada, comcerca de 0,22 m de potência, deu o resultado de 30 800 anos.

Observa-se decréscimo da utilização do sílex, dos níveis mais antigos paraos mais modernos; assim, nas Camadas O-L mais de 40 % dos artefactos sãode sílex, contrastando com a ocupação mustierense mais moderna (CamadaK), com apenas 13 %. Contudo, a escassez de artefactos nesta camada conduza limitar o significado destes resultados. As camadas L a N não forneceramroedores; a pesquisa destes resultou positiva na camada mais moderna dasequência mustierense (Camada K); concluiu-se a partir do seu estudo (Póvoaset al., 1992), pela existência nas redondezas de espaços abertos bastantesecos (com Allocricetus bursae e elevada presença de Microtus arvalis)coexistindo com áreas florestadas (com Apodemus sylvaticus e Eliomysquercinus).

4.4.3 Gruta da Oliveira (Torres Novas)

O sistema cársico do rio Almonda, actualmente ainda em curso de formação,conduziu à abertura, pelas águas de circulação, de sucessivas cavidades aaltitudes decrescentes e sucessivamente mais modernas, no maciço rochosoque se integra na zona do "arrife" da serra de Aire, dominando, para sul,vasta planície formada por sedimentos terciários e quaternários.

A gruta continua (2007) em curso de escavação, sob a direcção de João Zilhão,pelo que ainda não se conhecem os resultados definitivos dos trabalhos,

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iniciados na década de 1990. Os primeiros resultados publicados referem-sea depósito atribuído inicialmente a um cone de dejecção, o "cone mustierense",localizado em 1989, correspondente a uma acumulação secundária desedimentos efectuada no interior do sistema cársico, acima da entrada actualda gruta do Almonda, por colapso de uma galeria situada a um nível superior,idêntico ao da gruta onde presentemente se desenvolvem os trabalhos,designada por Gruta da Oliveira.

O referido depósito continha grande quantidade de restos faunísticos eindústrias líticas (cerca de 250 artefactos), as quais são maioritariamente desílex (50%), com índice "levallois" alto e bastantes utensílios retocados(raspadeiras, denticulados, facas de dorso), relacionado com a ocupação daentrada da desaparecida gruta. A fauna, exclusivamente constituída porungulados (apenas um resto de carnívoro em 240 fragmentos de ossos deveado, cavalo, cabra montês, rinoceronte, coelho e tartaruga) pode, assim,ser atribuída à acção cinegética do correspondente grupo humano ali sedeado,tanto mais que cerca de 20% de tais restos se afiguram queimados.Obtiveram-se duas datações pelo U/Th de um dente de cavalo, cuja médiaponderada foi de 61 500 anos BP, compatível com as características tipoló-gicas do conjunto lítico (Zilhão & McKinney, 1995). Trata-se, pois, de umdepósito correspondente à mais antiga ocupação mustierense da gruta, a qual,no total, atinge 6 m de potência, encontrando-se selada por uma espessacamada estalagmítica.

A ocupação mustierense mais moderna corresponde à Camada 8 da sequênciageral, datada entre 38 000 e 37 000 a. C. (Zilhão, 2006). Ao contrário doverificado no "cone mustierense", a utensilagem, onde está presente a técnica"levallois" é sobretudo de quartzito, seguido pelo sílex e, finalmente, peloquartzo. Esta tendência para a subrepresentação do sílex acentua-se aindamais nas camadas mais profundas (Camadas 9, 10, 11 e 12). Na Camada 9,a tecnologia de talhe radial torna-se mais abundante, face à Camada 8, comcerca de 54% do total das peças classificadas; em ambas as camadas,observa-se que a utilização de matérias-primas como o quartzito e o quartzonão terão resultado em peças de inferior qualidade, produzidas por meiostecnológicos mais expeditos, como é vulgarmente aceite em contextosmustierenses peninsulares (Marks, Monigal & Zilhão, 2001). Ao contrário,é nos quartzitos de grão fino, mais do que no sílex, que melhor se evidencioua aplicação de uma apurada técnica "levallois", realidade que se encontraindirectamente expressa pelo facto de o tamanho das lascas de quartzito nãoexcederem, em média, as de sílex. Assim, a gruta da Oliveira, confirma oque já era sabido dos estudos anteriormente realizados na Gruta da FigueiraBrava e na Gruta Nova da Columbeira, sublinhando a sempre importantepresença do quartzo e do quartzito nas associações mustierenses do territórioportuguês.

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As camadas mais profundas apresentam-se muito abundantes em indústriaslíticas, embora estas ainda não se encontrem devidamente estudadas, sendoanteriores à data determinada para a Camada 9, 44 000 – 43 000 a. C, atingindoprovavelmente as mais antigas a cronologia do "cone mustierense". Nestascamadas mais antigas, recolheu-se em grande quantidade restos de tartarugae de coelho, com marcas de fogo, indício seguro que foram objecto deconsumo humano (informação pessoal de João Zilhão).

A sedimentação afigura-se contínua até à Camada 9; entre esta e a Camada8, depositou-se uma crosta estalagmítica, indicando descontinuidadeimportante na sedimentação. Esta situação pode conotar-se com mudançaclimática: assim, enquanto a partir da Camada 10 certas espécies indicampaisagens abertas e clima de tendência temperada-fria (cabra montês, cavaloe rinoceronte), tais espécies encontram-se ausentes da Camada 8, onde oveado é o único grande ungulado presente, entre os cerca de 300 restosidentificados, notando-se fraca presença de carnívoros (raposa, leopardo, eurso) e, sobretudo, a ausência de hiena; tais observações, conjugadas com asfrequentes marcas de corte e de fogo nos restos de veado, conduzem aatribuí-los à actividade cinegética humana. Ao nível dos pequenos mamíferos,Apodemus sylvaticus e Eliomys quercinus atingem, em conjunto, cerca de96% dos roedores, indicando clima mediterrâneo (Zilhão, 2006). Foi esteambiente que explica, por outro lado, a existência de restos de tartaruga e decoelho, cuja presença é particularmente abundante nas camadas mais antigasda sequência, através de restos queimados que não deixam dúvidas quanto àorigem antrópica da sua presença. Trata-se de evidência que indica a capturanão selectiva de recursos, na adjacência imediata da gruta.

Com efeito, a redução do território de captação de tais recursos, no decursodo Mustierense, encontra-se sugerido (Zilhão, 2001), pela redução deutilização do sílex, entre a ocupação datada mais antiga, correspondente ao"cone mustierense", onde, dos 250 artefactos recuperados, cerca de 50% sãode sílex, 30 % de quartzito e 20 % de quartzo e as ocupações mustierensesmais modernas, representadas pelas Camadas 8 a 12.

Três restos humanos, recolhidos nestes níveis mais profundos, são atribuíveisa Neandertais, dada a tecnologia lítica associada ser claramente a mustierense.

4.4.4 Gruta da Furninha (Peniche)

A formação desta gruta, aberta actualmente sobre o mar, relaciona-se complataforma de abrasão marinha a cerca de 15 m acima do nível do mar. Oenchimento de um algar vertical, com cerca de 10 m de altura, existente no

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seu interior é, assim, mais recente que aquele episódio marinho, atribuídoao último interglaciário (Breuil & Zbyszewski, 1942). A escavação, realizadaem 1879 por J.F. Nery Delgado (Delgado, 1884) respeitou as melhores normascientíficas vigentes à época, tendo sido cuidadosamente registada aestratigrafia e a posição de todas as peças líticas e ósseas recuperadas, queainda hoje se conservam no Museu Geológico e Mineiro, em Lisboa. Asequência plistocénica era constituída, na base, por um nível de cascalheira,com escassos restos faunísticos, sucedendo-se um espesso conjuntosedimentar, separado da cascalheira da base por uma crosta estalagmítica,evidenciando descontinuidade na sedimentação; esta sucessão era constituídapor sete níveis ossíferos, separados por episódios de abandono constituídospor areias eólicas.

O conjunto lítico mais numeroso provém do terceiro e do segundo níveisossíferos. No nível 3 recolheu-se um biface alongado do Acheulense Superior,de sílex, não rolado. A tipologia das peças de sílex associadas inscreve-sesobretudo no Mustierense, denunciando misturas provocadas pelas correntesde circulação no interior da gruta; tais misturas foram assinaladas por NeryDelgado e valorizadas ulteriormente por Joaquim Fontes, que procedeu auma revisão dos materiais líticos, com a identificação de exemplaresmustierenses (Fontes, 1916, Pl. 1), mais tarde confirmada por Breuil eZbyszewski.

A existência de instrumentos mustierenses, conjuntamente com materiaisosteológicos, explica-se pela existência de remeximentos, dado não serplausível a coexistência de homens com grandes carnívoros, essencialmenterepresentados pela hiena raiada (Hyaena hyaena prisca) e um lobo de pequenotamanho (Canis lupus lunellensis), identificados pelo autor (Cardoso, 1993).Prova disso é o facto, sublinhado por Fontes, de se ter recolhido no segundonível ossífero metade de um rádio de Canis lupus que não terá sofridotransporte assinalável, enquanto que a outra metade se recolheu 1,30 m maisacima, já em outro nível ossífero. Apesar de ser certa a existência deremeximentos, não existem dúvidas quanto à contemporaneidade, nesta gruta,do Mustierense com a hiena raiada.

Uma datação por U/Th situou a formação desta sequência em 80 880 (+ 42420; -31 260 anos BP); apesar do elevado grau de incerteza, este resultado écompatível com a atribuição da abertura da gruta ao último períodointerglaciário ou a interstadial do começo da última glaciação, bem comocom as indústrias mustierenses nela recolhidas.

A parte superior da acumulação, correspondente a um nível com 1,5 m depotência, era constituída por areias eólicas, finas e micáceas, correlativas dopleniglaciário (ca. 18 000 anos BP), quando o litoral se encontrava afastadode vários quilómetros, deixando a descoberto vasta planície litoral arenosa,

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varrida pelo vento. As escassas indústrias recolhidas do Paleolítico Superior,são conotáveis com esta última fase de enchimento do algar, entre as quaisduas folhas de loureiro solutrenses e uma lâmina de dorso, separadas porH. Breuil e G. Zbyszewski em 1942 do conjunto lítico da necrópole neolíticaulteriormente instalada no interior da gruta.

4.4.5 Gruta Nova da Columbeira (Bombarral)

Explorada em 1962 por O. da Veiga Ferreira, Camarate França e G.Zbyszewski, constitui uma das mais completas e ricas sucessões estratigráficasmustierenses identificadas em Portugal, cujo controlo estratigráfico, e, porconsequência, as associações artefactuais pertencentes a cada uma dascamadas identificadas, se encontram claramente definidas.

A gruta, enquadrada numa paisagem constituída por calcários duros doJurássico, encontra-se aberta a meia altura da encosta esquerda do vale Roto,profundamente entalhado na paisagem cársica. Trata-se de galeria estreita ealta, com cerca de 20 m de comprimento por 3 a 4 m de largura média,atingindo cerca de 10 m de altura. A estratigrafia observada em sucessivoscortes verticais, é constituída por um máximo de 10 níveis, separados quasesempre por uma fina película estalagmítica, indicando possível paragem nasedimentação e na ocupação do local. Em 1971 realizou-se nova intervenção,por iniciativa de Jean Roche, com o objectivo de registar uma sucessãoestratigráfica mais detalhalhada; os vinte níveis então observados no sectorentre os 11 m e os12 m da entrada da gruta correspondem ao desdobramentoda descrição feita anteriormente, tendo-se efectuado duas datações nascamadas correspondentes à base da sequência, com os seguintes resultadosnão calibrados de: 26 400 ± 750 anos BP (Camada 7) e 28 900 ± 950 anosBP (Camada 8), correspondendo ao intervalo calibrado de 34 000 – 31 000 a. C.Tais resultados, ainda que muito recentes para o esperável para uma ocupaçãomustierense, não justificam as limitações apontadas por alguns autores.

Com efeito, aquelas duas camadas e, especialmente, a Camada 8,correspondem à mais intensa ocupação humana da cavidade, sublinhadapela presença de uma importante acumulação de carvões e cinzas, emresultado de combustões prolongadas então realizadas, cuja presença seencontrava devidamente individualizada e não contaminada, do ponto devista estratigráfico (Ferreira, 1984; Cardoso, Raposo & Ferreira, 2002). Destemodo, repita-se, não parece existirem razões válidas para rejeitar os resultadosobtidos, os quais, aliás, se apresentam concordantes com a correspondenteestratigrafia.

Fig. 36

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À Camada 8, com 2433 artefactos, sucede-se a Camada 7 com 1880; a Camada6 possui apenas 677, número que decai para apenas 56 e 107, respectivamentenas Camadas 5 e 4, as mais modernas da sequência contendo indústrias líticas,sem contudo se negar a possibilidade de a gruta continuar, esporadicamentea ser ocupada, durante um intervalo de tempo impossível de determinar, masque não ultrapassaria escassas centenas de anos.

Em conclusão, as Camadas 8 e 7 correspondem aos "principais horizontesde frequentação humana da gruta e os únicos em que é possível admitir ahipótese da ocorrência de ocupações consistentes, de carácter residencialcontinuado" (Raposo & Cardoso, 1998 b).

A totalidade das indústrias líticas integra-se num Mustierense de denticulados,rico de raspadores de debitagem "levallois" e fácies levalloisense.

Merece ainda referência, dada a escassez e até a controvérsia de ocorrênciassimilares, a presença de alguns ossos intencionalmente partidos e utilizadoscomo instrumentos, como se deduz, nalguns casos, pelas marcas de utilizaçãoque conservaram (Barandiarán & Ferreira, 1971; Cardoso, Raposo & Ferreira,2002).

Ao nível do aproveitamento das matérias-primas, verifica-se assinaláveldiversidade, ao longo de toda a sequência, a qual revela uma tendênciaevolutiva no sentido do aumento da utilização do sílex, com a correlativadiminuição do quartzo e a manutenção, a níveis estáveis, do quartzito. Porém,está-se longe de atribuir este aumento de importância percentual do sílex aum aumento dos territórios de captação de recursos; a geologia da áreacircundante mostra que o sílex poderia ser obtido sob a forma de nódulos oude seixos rolados nos relevos calcários entre os quais o maciço em que seabre a própria gruta, enquanto o quartzo e o quartzito abundam nos terrenosadjacentes que se estendem até o oceano. Por outro lado, o aumento da procurado sílex não é acompanhado de uma melhoria do seu aproveitamento: astaxas de transformação em utensílios finais diminui, ao contrário do verificadocom o aproveitamento do quartzo e, sobretudo, do quartzito. Assim, a maiorprocura do sílex não prejudica, mas antes estimula, o uso e rentabilização deoutras matérias-primas, não correspondendo a um padrão evolutivoprenunciando o Paleolítico Superior, antes sublinhando a "mustierização"da utensilagem, fenómeno de certo modo também diagnosticado na gruta daOliveira, como atrás se referiu.

É evidente alternância da utilização da gruta, por homens e predadores: comefeito, as camadas que mais intensa ocupação humana revelaram, foramtambém aquelas que menor número de restos de carnívoros continham; assim,na Camada 8, com elevadas concentrações carbonosas em resultado deprolongadas fogueiras, apenas se reconheceu um rádio de lobo e, na Camada

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7, somente três restos de hiena, contrastando com a abundância de indústriaslíticas, a que já se fez referência; inversamente, as camadas que seapresentaram mais ricas de restos de carnívoros, na parte média doenchimento, continham escassas indústrias líticas. Enfim, nos níveissuperiores, quase desprovidos da presença humana, abundam os restos deaves, incluindo rapaces, com todo o cortejo de presas que normalmente lhesestão associadas.

A composição da fauna de grandes mamíferos (Cardoso, 1993) sugere aexistência de condições climáticas globalmente temperadas, com algum frioe secura, propícias à existência de Capra pyrenaica (cabra montês), favorecidapelos domínios pedregosos envolventes, que se integram no âmbito dosrelevos montanhosos estremenhos de baixa altitude e forte influência oceânica.A existência de numerosos dentes de leite de rinoceronte (Stephanorhinushemitoechus) indica uma caça oportunista, com a captura de animais jovens,mais débeis. Contudo, como a totalidade dos exemplares desta espécie seacantona na Camada 6, correspondente a um covil de hiena, é mais certo quetais restos correspondam à actividade deste carnívoro.

O elemento faunístico de maior interesse é a presença de tartaruga terrestre(Testudo hermanni) sendo, de longe, a estação portuguesa que maiorquantidade de restos desta espécie forneceu (Jimenéz Fuentes, Cardoso &Crespo, 1998). A preferência desta tartaruga terrestre vai para as zonas litorais,de altitudes não superiores a 500-600 m, com vegetação arbustiva e arbóreade características mediterrâneas. Na actualidade, a sua distribuição circum-mediterrânica parece estar sobretudo condicionada pelas exigências térmicasestivais e não tanto pelas temperaturas e pluviosidades invernais. Ainda queos adultos suportem temperaturas até 10° ou mesmo 20° C negativos, o seudesenvolvimento embrionário exige temperaturas elevadas, com um óptimoem torno dos 30° C. Como se reproduz durante o Verão, e a incubação duracerca de 2,5 meses, necessita, entre Junho e Agosto/Setembro, de temperaturasque não se afastem muito do referido óptimo. Foi devido certamente à nãoverificação desta condição que a espécie se extinguiu no território português,muito antes de findar a última glaciação, não tendo resistido à degradaçãoclimática verificada logo após a ocupação da gruta. Dos 349 restosidentificados, 338 provêm da Camada 8, que é a que maiores indicadores dapresença humana possui; não existem dúvidas quanto à sua captura peloshumanos, aliás muito fácil, facto que esteve na origem da rápida extinção daespécie.

Importa sublinhar a ausência de moluscos marinhos, indicando a exploraçãodos recursos potencialmente disponíveis no território imediatamente adjacenteà gruta, os quais seriam objecto de aproveitamento oportunista, nãoespecializado; a importância dos depósitos antrópicos nela conservados fazcrer numa modalidade de ocupação reiterada, de tipo residencial.

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Em conclusão: ainda que a informação cronométrica mereça esforçosadicionais no sentido da sua revisão/conformação, a abundância de indústriaslíticas e sua exclusiva atribuição ao Mustierense; a riqueza das associaçõesfaunísticas reconhecidas, bem como a relação que foi possível estabelecerentre ambos os conjuntos, ao longo da sequência estratigráfica estudada,uma das mais completas para o Mustierense do actual território português;e, por último, a descoberta de um dente humano no topo da Camada 9, emcontacto com a Camada 7, num sector onde localmente faltava a Camada 8,o qual viria a ser atribuído, pelas suas características, a um neandertal(Ferembach, 1964/1965; Antunes et al., 2000), constituem elementos quefazem desta gruta uma estação de referência do Mustierense Final Ibérico.

4.4.6 Gruta e Pedreira das Salemas (Loures)

A primeira, explorada em 1961, ficou celebrizada pela sucessão do PaleolíticoSuperior nela identificado. Na base do enchimento, observou-se um nívelarqueológico, atribuível ao Paleolítico Médio, com materiais poucocaracterísticos, geologicamente associados a um conjunto faunístico, tambémele resultante de remobilizações, no interior da cavidade, durante um intervalode tempo indeterminado. Uma datação obtida sobre um conjunto de tais restos– revelando, assim, uma idade média do conjunto – deu o resultado de ca.25 000 anos (Antunes et al., 1989), que se afigura demasiado moderno paraas indústrias em causa, apesar de incaracterísticas. Foi dali que proveio,também, um dente humano decidual (Ferembach, 1962), que recente revisãoveio confirmar pertencer a um neandertal (Antunes et al., 2000).

Perto, observou-se uma sucessão estratigráfica acumulada num profundo algarexistente nos calcários cretácicos recifais, seccionado pela frente de umapedreira; o nível da base, com abundantes restos faunísticos, continha tambémconjunto de materiais mustierenses obtidos sobre blocos de sílex esbran-quiçado, disponíveis localmente, jamais estudados em pormenor. Umconjunto de ossos de grandes mamíferos foi datado, pelo radiocarbono,obtendo-se uma média calibrada de ca. 34 600 a. C. (Zilhão, 2006). Conquantoo conjunto faunístico datado possua apenas uma relação geológica com osmateriais mustierenses, não parecem existirem dúvidas quanto àcontemporaneidade de ambas as deposições; deste modo, dá-se esta datacomo válida para a ocupação mustierense dos relevos calcários culminantesda região.

Fig. 41

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4.4.7 Gruta da Figueira Brava (Setúbal)

Abrindo-se directamente sobre o mar, esta gruta, escavada nos calcarenitosmiocénicos do flanco meridional da serra da Arrábida, a Oeste do Portinhoda Arrábida, foi objecto de diversas campanhas de escavações nos finais dadécada de 1980 (Antunes, 1990/1991). A entrada do antigo abrigo foi sendoprogressivamente colmatada por precipitações de carbonato de cálcio, as quaisa estreitaram, até ao seu quase desaparecimento, correspondente à suaconfiguração actual. O interior só foi explorado em pequena parte; mas oregisto estratigráfico, faunístico e arqueológico, evidencia a importância daestação. A sequência estratigráfica na zona escavada é constituída pormateriais remobilizados, ainda que de curta distância, de outras zonas dointerior da gruta.

A base da sequência corresponde ao conglomerado da praia de 5-8 m, bemconservado na parte externa da gruta, como aliás em todo o litoral meridionalda Arrábida, o qual foi atribuído ao início da última glaciação (Teixeira &Zbyszewski, 1949). Contudo, duas recentes datações radiométricas de conchasexistentes no depósito lumachélico-conglomerático do Forte da Baralha, aOeste de Sesimbra indicam uma cronologia calibrada muito mais recenteque a anteriormente considerada, ca. 37 000 e 38 000 a. C. (Pereira &Angelucci, 2004). Tendo a ocupação do abrigo sido datada, depois decalibrada, em cerca de 36 000 a. C., com recurso a valvas de mexilhão –conclui-se aquela teria decorrido imediatamente a seguir à formação daqueledepósito conglomerático, encontrando-se, deste modo, o nível do mar muitopróximo do nível actual. Porém, estes resultados têm de ser encarados comocorrespondentes a idades mínimas dos referidos depósitos. Com efeito,naquela época o nível do mar situar-se-ia aproximadamente 60 m abaixo doactual. O resultado apresentado por aqueles dois autores afigura-se tambémincompatível com o próprio registo faunístico identificado na Gruta daFigueira Brava, por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, porque seriaimpossível, na situação de o mar bordejar a entrada da gruta, a captura degrandes mamíferos, como o elefante/mamute, auroque, rinoceronte ou cavalo,incompatíveis com o domínio de montanha prevalecente na zona emersa daArrábida; tais espécies só poderiam ser capturadas na vasta planície litoralposta então a descoberto, prolongando-se para Este, pelo estuário do rio Sado(Antunes & Cardoso, 2000). Em segundo lugar, porque o referido nívelfossilífero encerra abundantes restos de Patella safiana, molusco de evidentecunho meridional, actualmente abundante no litoral marroquino, mas não nolitoral português. A indicação de águas mais quentes, fornecida por estaespécie, é incompatível com a indicação fornecida pelos moluscos da Grutada Figueira Brava, de onde se encontra ausente, não obstante o curto intervalocronológico que separa ambas as ocorrências, com base nas datas obtidas.

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Deste modo, as datas publicadas em 2004 para o nível de 5-8 m do Forte daBaralha devem ser encaradas com a maior reserva, até porque tentativasanteriores do mesmo laboratório, conduzidas por equipa que integrava o autor,sobre material idêntico e da mesma proveniência, foram inconclusivas, porfalta de colagénio.

A camada conglomerática da base, constituída sobretudo por seixos decalcários jurássicos, foi identificada no interior da gruta, directamente assenteno substrato miocénico. A este conglomerado sucede-se uma série de finosleitos carbonosos, resultantes da lixiviação e transporte de produtos decombustão de lareiras, de outros locais da cavidade, os quais também seobservam no exterior actual da gruta. Segue-se uma camada vermelha, muitofossilífera, com abundantes indústrias líticas, resultante de processosemelhante, atravessada em algumas zonas por finos leitos esbranquiçados,de carbonato de cálcio, que sugerem paragens episódicas na sedimentação(Camada 2). A parte superior desta camada, exibe remeximentos, commateriais romanos e árabes, de mistura com restos de mamíferos domésticos,conchas e aves, encontrando-se a série descrita selada superiormente poruma bancada estalagmítica, cuja formação prossegue na actualidade.

Do ponto de vista arqueológico, foram estudados cerca de quatro milharesde artefactos, ou cerca de dois milhares e meio, excluídas as esquírolas detalhe (Cardoso & Raposo, 1995; Raposo & Cardoso, 2000 b, 2000 c). Noconjunto, a indústria lítica apresenta um carácter expedito, sem artefactos deassinalável recorte tipológico devido à má qualidade das rochas,esmagadoramente de origem local: trata-se de seixos de quartzo filoneano,recolhidos nas formações do Jurássico Superior, tal como alguns de jaspe.Excepcionalmente, ocorrem peças de sílex, com origem provável na serra deS. Luís, a alguns quilómetros de distância, o que mostra a exploração pontualdos recursos geológicos disponíveis num aro geográfico mais alargado, atécerca de 10 km de distância. O talhe expresso por núcleos centrípetos discóidesde tipo mustierense, é largamente dominante; entre os utensílios retocados,predominam os raspadores, seguidos dos denticulados e entalhes. Segundoos critérios de diagnose tipológica tradicionais aplicados a conjuntos doPaleolítico Médio, a indústria da Figueira Brava corresponde a umMustierense Típico, rico em denticulados, com debitagem não-"levallois" efácies não levalloisense, sendo meramente residuais os utensílios do tipoPaleolítico Superior.

A implantação da gruta, outrora sobre uma vasta planície litoral actualmentesubmersa, e a proximidade da serra, que se desenvolve logo nos domíniosimediatos, confere-lhe uma situação de ecótono, favorável à exploração devários biótopos, desde o litoral aos ambientes montanhosos de baixa altitude,situação que se afigura idêntica à observada nas restantes grutas estremenhascom ocupações mustierenses significativas.

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Face ao exposto, a ocupação humana identificada possui carácter residencial,associada à exploração sistemática e não especializada dos diversos recursosalimentares disponíveis nas imediações. A este propósito, salienta-se aabundância de espécies marinhas, indicando a recolecção ao longo do litoralrochoso ou arenoso, tanto na zona exposta entre marés como no domínioinfralitoral, incluindo a captura de crustáceos. A área de captação e deexploração de recursos naturais não excederia a envolvência da estação, comexcepção do sílex esbranquiçado e por vezes zonado, o qual proviria da serrade São Luís, a cerca de 10 km em linha recta. Mas a escassez destamatéria-prima (161 produtos de debitagem e núcleos, num total de 3848peças e 21 instrumentos, num total de 358) (Raposo & Cardoso, 2000 b),atesta bem a escassa exploração deste recurso, apesar das suas evidentesvantagens face à má qualidade das rochas locais, reforçando o carácterlocalista, ainda que prolongado, desta ocupação humana.

Tal como na Gruta Nova da Columbeira, reconheceram-se ossosintencionalmente partidos e utilizados. A presença humana nesta cavidadeencontra-se ainda ilustrada por um dente definitivo humano, cujascaracterísticas o remetem para neandertal (Antunes et al., 2000).

Deste modo, a gruta da Figueira Brava detém importância similar à anterior-mente descrita, no quadro da caracterização da presença dos últimosneandertais no território peninsular.

4.5 Grutas do Maciço Hercínico

4.5.1 Gruta do Escoural (Montemor-o-Novo)

Esta é a gruta mais meridional com testemunhos de uma ocupação doPaleolítico Médio. Trata-se de uma cavidade cársica descobertaacidentalmente em 1963 por um tiro de pedreira, celebrizada pela arte parietalpaleolítica que, pouco depois, ali viria a ser identificada e adiante estudada.A existência de materiais de quartzo leitoso do Paleolítico Médio, recolhidosnas escavações então realizadas sob a direcção de M. Farinha dos Santos,incluindo núcleos de diversa tipologia e lascas retocadas, foram observadospelo signatário no Museu Nacional de Arqueologia em 1989; deve-se, dequalquer modo, a M. Farinha dos Santos e não aos que ulteriormente vierama assumir a direcção dos trabalhos arqueológicos, a identificação da ocupaçãomustierense na gruta, através de "uma bola e dezenas de esferóides (...)"recolhidos na brecha exterior da gruta (Santos, 1985, p. 140), pelo que apresença de uma ocupação do Paleolítico Médio já não era inédita aquando

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da reescavação da gruta, entre 1989 e 1992. Foram, então, recolhidosabundantes artefactos de quartzo, junto ao local já assinalado por Farinhados Santos, mas dentro da gruta, na zona que corresponde de facto à suaentrada primitiva (Silva et al., 1991).

A grande quantidade de restos de hiena, associados aos respectivos coprólitos,que formam nível com assinalável continuidade no interior da gruta,correlativo da referida ocupação paleolítica, mostram que a presença humanana cavidade seria impraticável durante longos intervalos de tempo, devendoreportar-se à acção deste e de outos carnívoros, como o leopardo, a maioriados restos de ungulados identificados (Cardoso, 1993).

Uma datação realizada pelo método do U/Th sobre um dente de veado,recolhido no corte estratigráfico realizado em 1992 nos referidos depósitosdo interior da gruta, deu o resultado de 48 900 anos BP (+5800; -5500 anos),a qual é compatível com as características da indústria lítica, que aguardaainda conveniente publicação.

4.6 O Algarve

Uma importante área geográfica, até há pouco quase completamentedesconhecida, era o Algarve. Apesar de indústrias mustierenses (ou, de modogeral, do Paleolítico Médio), estarem, de há muito, ali documentadas,especialmente na zona de sotavento, devido aos trabalhos pioneiros deH. Breuil, G. Zbyszewski e A. Viana, na década de 1940, a maioria dosachados resultou de colheitas superficiais, sem prejuízo de algumas estaçõesterem fornecido exemplares característicos, com destaque para a presençade núcleos discóides de talhe centrípeto sobre seixos de quartzito, matéria-prima disponível em grande abundância nas cascalheiras quaternárias queorlam o litoral actual (Viana & Zbyszewski, 1949). Recentemente, doprograma de estudos, centrado no barlavento, dirigido por N. Bicho, resultouum primeiro esboço sobre a estratégia de ocupação e de exploração dosrecursos bióticos e abióticos no decurso do Paleolítico Médio (Bicho, 2004).Assim, encontraram-se locais de ar livre na bordadura de lagoas temporárias,como Lagoa Funda 1, 2 e 3 e Lagoa do Bordoal, a altitudes que nãoultrapassam 150 m, a que se somam locais actualmente litorais, como Praiada Galé, e outros, como Vale Boi (abrigo sob rocha a cerca de 3 km do litoraloceânico) e gruta de Ibne Amar, sobre o estuário do rio Arade, defronte dePortimão.

A fauna não se conservou nos sítios de ar livre. Apenas a gruta de Ibne Amare Vale Boi forneceram indicadores económicos quanto às estratégias desubsistência. Na primeira, importa sublinhar a presença de restos de peixe e

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de moluscos, a par da captura de mamíferos terrestres de médio porte (veado,asinino e coelho), denunciando uma caça pouco especializada, compatívelcom o largo espectro dos recursos capturados, dos quais (tal como se verificouem outras grutas da Estremadura, acima descritas, também fazia parte atartaruga terrestre (Testudo sp.), e o coelho. A presença de restos de peixes,denuncia o largo espectro da estratégia de exploração adoptada. A altadensidade desta ocupação humana é indicada pelo facto de, tendo apenassido investigado 1 m², se terem recolhido mais de 200 artefactos, decaracterísticas mustierenses, a par da diversidade de matérias-primasutilizadas, com predomínio do quartzo, mas também com sílex, quartzito eaté calcário (um núcleo discóide).

A outra estação que forneceu restos faunísticos foi a de Vale Boi. Trata-se deum abrigo sob rocha situado de um dos lados de um amplo vale, a 2 km dolitoral, cujos níveis inferiores à ocupação mais antiga do Paleolítico Superior,separados por 0,35 m de sedimentos, forneceram artefactos incaracterísticosatribuíveis ao Mustierense, de quartzo, sílex e quartzito. Tais materiais estavamassociados a ossos queimados, a maioria de coelho, e a conchas. Uma vezmais se evidencia o aproveitamento de caça miúda, bem como uma estratégiade recolecção litoral, de evidente âmbito local, cujo expoente maior seencontra representado pela Gruta da Figueira Brava.

O aproveitamento das rochas duras denuncia também estratégias deaprovisionamento locais, exceptuando-se o sílex que, nalguns casos, poderiaprovir de cerca de 30 km de distância. Identificaram-se duas explorações desílex desta época (Vale Santo 3 e Curva do Belixe), perto do extremo ocidentalda região, explorando os nódulos existentes nos calcários jurássicos, atingindopor vezes cerca de 20 cm de diâmetro (Bicho, 2004). Em ambos os sítios, sóforam encontrados núcleos, indicando que os produtos de debitagem,transformados ou não, seriam exportados para outros locais, comoprovavelmente a estação da Praia da Galé, a cerca de 30 km de distância.

4.7 Ecologia, economia, bases de subsistência e padrões demográficos

No decurso do Paleolítico Médio, foram reconhecidos importantes sítios,tanto de ar livre, como grutas e abrigos sob rocha. Os primeiros encerramfortes limitações à sua adequada caracterização, devido à erosão que os actuou,impedindo a conservação de extensas estratigrafias, bem como de elementosfaunísticos. É possível que a sua ocupação tenha sido, na maioria dos casos,intensa e prolongada, de tipo residencial, dada a abundância dos vestígiosdispersos, na maior parte dos casos, por vastas áreas. É o caso das estaçõesdos arredores de Lisboa, onde o sílex foi intensamente aproveitado, bem

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como, no lado oposto do grande estuário do Tejo, as estações de Cascalheirae de Conceição, entre outras ali existentes, explorando intensamente aabundante matéria-prima localmente disponível, constituída pelos seixosrolados de quartzito carreados pelo Tejo a partir do Maciço Antigo. No entanto,a falta de informação, devido à escassez de escavações em extensão, impedeconhecer a organização do espaço habitado, respectivos limites e eventualexistência de áreas de actividades específicas.

As duas estações de ar livre situadas no alto Tejo português (região de VilaVelha de Ródão) possuem características aparentemente distintas, tendopresentes os dados publicados: assim, tanto a estação da Foz de Enxarrique,como a de Vilas Ruivas, parecem corresponder preferencialmente aacampamentos de tipo logístico, sobretudo a segunda, não só pela menorquantidade dos testemunhos inventariados, mas também pela especializaçãode actividades, do foro cinegético: é o que mostra, por um lado, a esmagadorapercentagem de ossos de veado com marcas de corte e fractura, na Foz doEnxarrique, implantada em pequena plataforma na confluência do Tejo coma ribeira de Enxarrique, sítio propício a um estacionamento temporárioespecializado, ciclicamente atingido pelas cheias do Tejo; e, por outro lado,as estruturas, atribuíveis a lareiras, segundo Luís Raposo (Raposo, 1995) oua tapumes de caça, segundo João Zilhão (Zilhão, 2001) (hunting blinds, naterminologia de L. Binford), em Vila Ruivas, a par da fraca concentração demateriais ali observada.

No que respeita às grutas, a importância das sequências estratigráficas dealgumas delas, como a Gruta da Oliveira e a Gruta Nova da Columbeiraindicam estações de tipo residencial. Também a Gruta da Figueira Bravaparece denunciar esta modalidade de ocupação, sem, naturalmente ser demomento possível, em qualquer caso, determinar a duração de cada presençahumana, nem, na maioria dos casos, caracterizar a sua eventual ocupaçãosazonal. No entanto, se certos sítios indicam curta ocupação, pela escassezdos restos encontrados e a pobreza do registo estratigráfico – é o caso daLapa dos Furos, onde foram apenas identificados sete artefactos,correspondendo a data calibrada de 40 000 a. C. a terminus post quem para aocupação do mustierense (Zilhão, 2006) – já a Gruta da Figueira Brava foiseguramente ocupada na Primavera e Verão, dada a abundância de juvenisde coelho claramente objecto de captura pelos humanos. A alternância daocupação desta gruta com carnívoros, tal como o observado em outras grutasnesta época (Gruta do Caldeirão, Gruta do Escoural) é um dado adquirido,exemplarmente evidenciado na Gruta Nova da Columbeira pelo registoestratigráfico conservado.

A área de captação de recursos – incluindo a matéria-prima para a confecçãode artefactos – foi sempre circunscrita à zona envolvente de cada sítio, ebaseava-se em caça não especializada, com nítido predomínio de mamíferos

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de porte grande a médio, à época comuns nos respectivos biótopos, como oauroque e o cavalo, característicos de espaços abertos, ou o veado,correspondente a áreas mais florestadas. A ausência notória de certas espécies,como o javali, prende-se sobretudo com a dificuldade da respectiva captura.

Reconheceram-se seis dentes deciduais de rinoceronte (S. hemitoechus) naCamada 6 da Gruta Nova da Columbeira; porém, como nesta camada aocupação humana é ténue, a presença da espécie poderá atribuir-se a acçãode grandes predadores; o mesmo é válido para um fragmento de osso maxilarcom dois molares gastos até à raiz, da Gruta da Figueira Brava,correspondendo a indivíduo senil. Foi este, aliás, o padrão evidenciado naLorga de Dine, no extremo norte transmontano, com grandes predadoresaparentemente associados a numerosos dentes lacteais de rinoceronte,desconhecendo-se ocupação humana compatível (Cardoso, 1993).

Seja como for, a caça pelo Homem de grandes mamíferos, está claramentedocumentada pelo auroque (eventualmente pelo elefante, em Santo Antãodo Tojal), encontrando-se alguns dos seus ossos fracturados intencionalmentee até, como na Gruta da Figueira Brava, transformados em diversosinstrumentos (Cardoso, 1993, Est. 13, n.º 5).

A caça de presas de porte médio, como o veado e a cabra montês está tambémdocumentada, tanto na Gruta Nova da Columbeira, como na Gruta da FigueiraBrava); porém, em ambas, o veado constitui a maioria dos restos (com quase60% na primeira e 34% na segunda); outras espécies, como o cavalo e acabra montês, encontram-se presentes em ambas as estações, mas emquantidades diferentes, devido à natureza dos respectivos biótopos (ocontributo dos predadores não se pode quantificar, mas seria poucosignificativo, a ter em consideração o número de restos conservados,especialmente nas Camadas 8 e 9 da Gruta Nova da Columbeira, comoanteriormente se sublinhou). A presença exclusiva do veado entre a faunacaçada na Gruta da Oliveira, nos níveis mustierenses mais modernos datados,depois de calibrados, entre 38 000 – 37 000 a. C. indica a existência de umclima temperado, talvez mais quente que o correspondente à presença daespécie nas duas grutas supracitadas, ambas ligeiramente mais recentes,respectivamente 36 000 a. C. para a Gruta da Figueira Brava e 34 000 –31 000 a. C. para a Gruta Nova da Columbeira, em datas calibradas, aaceitar-se este resultado, pelas razões atrás expostas. Nessa época, o climaseria mais fresco que o actual, dada a presença, em ambas, da cabra montês.A ser assim, a degradação climática no sentido de um progressivo arrefeci-mento, ter-se-ia iniciado naquela época, conduzindo, cerca de 18 000 anosantes do presente ao pleniglaciário.

Tem interesse assinalar a presença frequente de tartaruga terrestre, que atingeo maior quantitativo na Camada 8 da Gruta Nova da Columbeira, justamente

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aquela que denuncia maior incidência antrópica. A origem humana da suapresença é, pois, inquestionável. A mesma conclusão é extensível aos restosdesta espécie provenientes dos níveis mais profundos da Gruta da Oliveira,os quais se apresentam incarbonizados, tal como os de coelho aos quais seencontram associados. Na verdade, ambas as espécies afiguram-se abundantesna generalidade das grutas com ocupação humana mustierense – assinaladaigualmente na Gruta de Ibne Amar (Bicho, 2004) – ainda que em quantitativosvariáveis, evidenciando uma prática paralela de captura sistemática depequenos animais, que parece ter sido generalizada no Mustierense Final doterritório português.

Por outro lado, importa sublinhar a importância da recolecção de moluscosao longo do litoral, apenas expressiva, naturalmente, nos sítios mais próximo,deste, como a Gruta da Figueira Brava e a Gruta de Ibne Amar, onde tambémse documentou a prática da pesca. Na primeira, as capturas marinhasestenderam-se aos crustáceos e a mamíferos marinhos, como o golfinhocomum (Delphinus delphis) e a foca anelada (Pusa hispida), representadoscada um por apenas um indivíduo; podem corresponder ao aproveitamentosecundário pelo homem de animais arrojados à costa (ou capturados nesta,no caso da foca), indicando a presença desta última espécie um clima maisfresco que o actual. Esta realidade é bem expressiva da importância dacomponente dos recursos marinhos recolectados e consumidos na gruta, porora um caso único no território português, atendendo á variedade e abundânciados restos conservados.

Do exposto, conclui-se não se poder confirmar a afirmação de Nuno Bicho(Bicho, 2004), segundo a qual o padrão de povoamento no Algarve durante oMustierense seria muito diferente do da Estremadura, com base na presença,no Algarve, de pequenas presas (tartaruga e coelho), associadas a faunaaquática: verificou-se que tal associação se verifica também na Estremadurae, quanto ao contributo aquático, a mais importante evidência situa-seprecisamente nesta região, e não naquela.

O facto de, na Gruta Nova da Columbeira, distanciada cerca de 10 km dolitoral actual, não se ter registado esta prática, indica que os correspondentesterritórios eram, de facto, de dimensões circunscritas, neles se procedendo auma economia de caça e recolecção não especializada, nos moldes atrásdescritos.

Tais territórios poderiam ter variado em extensão no decurso do tempo.Tomando como elemento de comparação as percentagens de peças de sílex –rocha que, pelas suas características seria preferível a todas as outras –verificadas ao longo das duas mais completas sequências estratigráficasestudadas, verifica-se decréscimo da utilização do sílex na Gruta da Oliveira,entre a ocupação mais antiga e as mais modernas, ao longo do Mustierense;

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concluiu-se, deste modo, que os respectivos territórios de captação de recursosteriam sofrido redução na sua extensão (Zilhão, 2001, Fig. 2). No entanto, aobservação da referida figura evidencia apenas o declínio da presença dosílex entre o conjunto recuperado no "cone mustierense" e o conjunto dasCamadas 8 a 12; como bem assinalou N. Bicho (Bicho, 2004), a evoluçãoverificada nesta última sequência é positiva, verificando-se aumentoconsistente entre a Camada 11 e a Camada 8. Do mesmo modo, na GrutaNova da Columbeira, embora o total dos artefactos de sílex sofram umaumento ao longo do tempo, o total dos utensílios desta rocha mantém-sepróximo da estabilidade (Cardoso, Raposo & Ferreira, 2002, Fig. 18). Assimsendo, a conclusão da redução dos territórios de aprovisionamento, com baseno referido critério, não se afigura válida. Atente-se ainda na duvidosalegitimidade de um tal indicador: na Gruta Nova da Columbeira foi real oaumento da utilização do sílex; mas este aumento não se encontra relacionadocom uma efectiva necessidade de abastecimento de matéria-prima dequalidade superior, uma vez que o número de utensílios nela fabricados nãoaumentou, ao contrário do verificado precisamente com o quartzo e oquartzito, conforme já anteriormente se assinalou.

A escassez de artefactos de sílex no conjunto da Gruta da Figueira Brava,apesar de esta rocha se encontrar presente nos calcários jurássicos da Serrade S. Luís, a cerca de 10 km de distância em linha recta, de onde poderiamprovir alguns dos exemplares recolhidos – apenas 161 núcleos e produtos dedebitagem em 3848 exemplares, ou 21 instrumentos num total de 358 –conduziu João Zilhão a considerar um território de captação de recursoscircunscrito; contudo, deve salientar-se a baixa visibilidade deste recurso nocaso em apreço, por ocorrer em finos leitos interestratificados nos calcários,expostos apenas em época recente, aquando da abertura de extensas frentesde pedreira; deste modo, a sua escassez não poderá ser utilizada para suportaraquela conclusão, embora esta seja certamente a mais provável.

Seja como for, devem também ter-se em consideração outras variáveis, comotrocas entre-grupos, ou aspectos culturais que conduziam à preferência pordeterminado tipo de rocha, sem excluir, naturalmente, a efectiva mobilidadedestas comunidades e, com ela, o tamanho dos correspondentes territórios;são estes factores, que, actuando em conjunto explicarão, por exemplo, aquase exclusiva utilização do quartzo no Mustierense, substituído pelo sílexnas ocupações do Paleolítico Superior da Gruta do Escoural.

A conclusão geral que, no actual estado de conhecimentos, se poderá avançaré a de que, no Mustierense, os territórios deveriam ser relativamentecircunscritos, o que não impedia uma elevada mobilidade dos respectivosgrupos no seu interior, condizente com a diversidade dos recursos encontrados.

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No Algarve, as estações até agora conhecidas não se situam a mais de 10 kmdo litoral actual (Bicho, 2004), o que se compreende, pelo facto de o interioralgarvio, em boa parte, se encontrar, então, ocupado por denso cobertoflorestal, dificultando a circulação e a prática da caça; seriam excepção aslinhas de água, que, tal como na Estremadura, constituíam boas vias depenetração e de circulação, favorecendo a presença da caça e, deste modo, oestacionamento de grupos em acampamentos ao ar livre, realidade que seencontra particularmente evidenciada pelos testemunhos encontrados no valedo Tejo e seus afluentes ou sub-afluentes, como o rio Nabão, na região deTomar.

De acordo com os dados faunísticos atrás aludidos, o clima seria globalmentetemperado, até 38 000 – 37 000 a. C. (datas calibradas) e de tipo mediterrâneo,sendo o litoral estremenho dominantemente ocupado por pinheiros eEricaceae, seguidos por Quercus, Corylus, Myrtus, Ilex e Myrica,evidenciando paisagem aberta, ventosa e clima fresco e húmido (Diniz, 1993);estes elementos completam-se com a informação fornecida pelo helicídeoCepaea nemoralis, recolhido em grande abundância na Lapa dos Furos(Tomar), datadas de cerca de 40 000 a. C., indicando clima insolado, emambiente moderadamente florestado (Callapez, 1999); tais condiçõesconheceram leve modificação até ca. 34 000 – 31 000 a. C., coincidindocom o final do Mustierense, admitindo como válidas as datas, depois dacalibração, da Gruta Nova da Columbeira. Com efeito, embora a presençada tartaruga, na maioria das grutas estudadas (Gruta Nova da Columbeira,Gruta da Oliveira, Gruta de Ibne Amar, Gruta da Figueira Brava) indiquePrimaveras e Verões suficientemente quentes para permitirem a incubaçãodos ovos, mas não demasiado secos, a presença de cabra montês aponta paraclima mais fresco e talvez mais húmido, em determinados períodos.

A Gruta da Figueira Brava, onde ocorre a cabra montês em efectivosimportantes (cerca de 22% do total dos grandes mamíferos), corresponde aomais importante conjunto de indicadores paleoclimáticos para a caracterizaçãodo clima há cerca de 36 000 a. C.: todos os moluscos pertencem a espéciesque ainda vivem na região, uns com distribuição atlântica mais meridional,outros mais setentrional; entre estas, a larga predominância de Patella vulgata,actualmente comum no litoral da Galiza e das Astúrias, a qual é substituídano litoral central e meridional português por P. intermedia, cuja presença éescassa no conjunto, sugere a existência de águas mais frias que as actuais; aavifauna é um valioso indicador: assim, além de diversas espécies extintas,existem 3 espécies de clima mais frio que o actual e 2 espécies de climamediterrâneo incompatíveis com clima frio; a maioria das espécies indicaclima temperado, nelas se incluindo 3 espécies que, nidificando hoje em diaem regiões mais setentrionais, poderiam encontrar-se na região em períodode invernia. A conclusão a extrair, é a existência, na época, de um clima mais

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frio que o actual, mas com verões suficientemente quentes e insolados, quepermitiam a presença de espécies mediterrâneas. O estudo dos insectívoros,quirópteros e lagomorfos recolhidos forneceu conclusões compatíveis comas anteriores: associação de elementos mediterrâneos com elementos nórdicos,indicando clima mais frio que o actual, e terrenos mais ou menos florestadose rochosos; também os roedores sugerem clima temperado fresco, realidadenão muito diferente da obtida através do estudo da microfauna da Camada Kda Gruta do Caldeirão: a presença de Allocricetus bursae nesta camada,testemunha a mais vasta extensão alguma vez registada para oeste destaespécie, cuja migração se encontra relacionada com o arrefecimento climáticoreportado àquela época. Ao contrário, o estudo dos roedores da Camada 8 daGruta da Oliveira levou à conclusão que, há cerca de 38 000 – 37 000 a. C.,existiria um clima mediterrâneo na região; deste modo, também os pequenosmamíferos conduzem à conclusão de ter existido um arrefecimento climáticoprogressivo, no decurso do Mustierense Final em Portugal.

A não ocupação precoce do Centro, Sul e Ocidente da Península Ibéricapor parte da primeiras populações biologicamente modernas até há cerca de34 000/36 000 a. C., dever-se-á à acção conjugada de dois factores: a suaeventual dificuldade de adaptação aos respectivos ambientes naturais e,sobretudo, a circunstância desses ambientes serem ocupados por populaçõesbiologicamente progressivas (não no sentido de uma aproximação à entidadesapiens sapiens, mas no sentido estritamente biológico e dentro de um quadrode referência neandertalense), embora porventura tecnológica e culturalmentemenos evoluídas. Nestes termos, seria de esperar que a dimensão dosterritórios respectivos jogasse um papel decisivo: territórios mais pequenose geograficamente acessíveis poderiam originar todo o tipo de fenómenos deaculturação e/ou o rápido decréscimo populacional e extinção da populaçãomenos equipada; territórios maiores e geograficamente mais inacessíveis,suscitariam a manutenção de traços culturais próprios e a sobrevivência atémais tarde das populações antigas, que disporiam de espaços reprodutivossuficiente vastos. Tal terá sido o que aconteceu respectivamente a Oriente(Grécia e Itália) e a Ocidente (Portugal e Espanha mediterrânica). As própriasassociações faunísticas, especialmente no caso ibérico, onde se documenta asobrevivência de uma antiga mega-fauna relíquia até períodos muito recentes.É o caso, por exemplo, da ocorrência de elefante antigo, Palaeoloxodonantiquus, há cerca de 33 000 a. C., no sítio da Foz do Enxarrique, depoissubstituído por uma fauna banal, de tipo moderno, ilustrando um dessesendemismos, constituindo a população neandertalense apenas mais umelemento de uma realidade cuja explicação plena passa pela inclusão emamplo quadro geográfico e natural. Aliás, a função como área refúgiodesempenhada pelo actual território português já vinha de muito antes:relembre-se, a tal propósito, a presença em grande quantidade de Hyaenahyaena prisca (a antecessora da hiena raiada africana actual), bem como de

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subespécie arcaica de lobo, de pequeno tamanho (Canis lupus lunellensis),na gruta da Furninha (Peniche), no início do último período glaciário (cercade 80 000 anos atrás), enquanto que, na Europa além Pirenéus, tais subespéciesapenas se encontram registadas até ao interglaciário de Mindel-Riss, nãoconseguindo sobreviver aos rigores do frio rissiano, com início há cerca de250 000 anos.

A última década e os primeiros anos da actual correspondeu aodesenvolvimento de modelos teóricos para explicar a tardia sobrevivênciade populações neandertais no sul e sudoeste peninsular. Esta realidade seria,pelo menos em parte, explicada por razões ecológicas e preferênciascomportamentais dos dois grupos humanos em presença e configura ahipotética realidade que João Zilhão designou como a "fronteira do Ebro",linha geográfica imaginária que teria separado de forma estável a região anorte daquele acidente orográfico, povoada por homens de tipo moderno, doresto do território peninsular povoado pelos derradeiros Neandertais ibérico.

Em 2002, tal modelo era assim exposto: "Entre cerca de 36 000 e cerca de30 000 BP, a depressão do Ebro parece ter constituído uma fronteirabiocultural estável (...). No presente, essa depressão corresponde também àfronteira que separa os domínios faunísticos ibérico e euro-siberiano, e osdados disponíveis indicam que, no intervalo de tempo em causa, terádesempenhado um papel biogeográfico semelhante: a sul, a Península Ibéricaestaria dominada pelo bosque temperado, enquanto, a norte, dominavam aspaisagens abertas de tipo estepe-tundra. As populações de tipo moderno quepenetraram na Europa ao longo do corredor danubiano desenvolveramadaptações culturais a estes ecossistemas. Quando, com a deterioração dascondições climáticas globais (…), tais ecossistemas se estenderam para sul,essas populações começaram a dispersar-se por toda a península,misturando-se com os neandertais e gerando as populações mestiças de quedescendia a criança do Lapedo" (Zilhão & Trinkaus, 2002, p. 567).

Contudo, o modelo demográfico baseado na separação duradoura e estávelentre os dois grupos populacionais teve, também em data mais recente, a suacrítica fundamentada, partindo de uma análise crítica da evidênciaradiométrica disponível (Jöris, Álvarez Fernández & Weninger, 2003). Osautores verificaram existir nítido desvio entre as datas radiocarbónicas obtidassobre ossos e sobre carvões, sendo estas mais modernas vários milhares deanos; em consequência deste facto, concluiram que não existem provas daperduração de indústrias do Paleolítico Médio no Sudoeste da penínsulaIbérica durante as fases mais antigas do Aurignacense, conclusão quecontraria o modelo da "Fronteira do Ebro" que distinguiria, como acima sedisse, as indústrias do Mustierense tardio no Sudoeste, por oposição aoAurignacense Inicial no Nordeste; com efeito, os dados cronométricos

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disponíveis implicariam um modelo de dinâmica populacional que se contraidurante as fases áridas e de frio mais intenso e se expande durante as fasesinterestadiais, mais quentes, dando a ideia de um desenvolvimento regionaldo Aurignacense do Sudoeste europeu a partir das indústrias do MustierenseTardio realizadas pelos Neandertais; tais indústrias de transição, contudo,estão completamente ausentes do território português, onde o Aurignacenseestá de momento apenas representado no seu estádio evoluído. De comum,com o anterior modelo, o facto de a inter-penetração geográfica dos territóriosocupados respectivamente pelos dois grupos humanos, depender de causasclimáticas. Importa, naturalmente, proceder à análise crítica desta nova visãodas modalidades de transição do Paleolítico Médio/Superior na PenínsulaIbérica, a qual foi já objecto de uma primeira discussão e análise crítica, emestudo já várias vezes referido (Zilhão, 2006).

Certamente outros contributos serão apresentados num futuro próximo, emconsequência do interesse que a investigação deste tema tem despertado nodecurso dos últimos anos. Com base em novos elementos, obtidos a partirdas escavações actualmente em curso, incluindo Portugal, produzir-se-ãopor certo novos resultados.

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5. O Paleolítico Superior

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Apesar da segunda monografia arqueológica publicada em Portugal serdedicada a uma importante estação do Paleolítico Superior – a gruta da Casada Moura, Óbidos (Delgado, 1867) – as respectivas indústrias ficaram muitotempo por identificar como tal, à semelhança do que aconteceu com as peçasda mesma época recolhidas na gruta da Furninha, Peniche (Delgado, 1884).Com efeito, a semelhança com materiais mais modernos era evidente, tendosido com eles confundidos. Foi apenas em 1918, no decurso da primeiraestada em Portugal de Henri Breuil, que este reconheceu, de entre os materiaisdas colecções da antiga "Commissão Geologica de Portugal", recolhidos nagruta da Casa da Moura, diversos fragmentos de zagaia de osso, que lhesugeriram integração no Magdalenense Antigo, acompanhadas de umconjunto de artefactos de sílex, atribuíveis também ao Magdalenense. Breuilconcluía esta primeira nota sobre a presença do Paleolítico Superior emPortugal da seguinte maneira:

On voit que la connaissance du Paléolithique supérieur en Portugal estencore rudimentaire: on possède juste assez de documents pour pouvoiraffirmer son existence, et c’est tout (Breuil, 1918, p. 37).

A referência a indústrias do Paleolítico Superior só voltou a ter lugar, emPortugal, a partir da segunda metade da década de 1930, aquando dasexplorações de Manuel Heleno na região de Torres Vedras (Heleno, 1950) ede Rio Maior (Heleno, 1956), descobertas que, conjuntamente com outrasentretanto realizadas (Roche & Trindade, 1951), incluindo a revisão demateriais antigos (Breuil & Zbyszewski, 1942; Roche, 1951), deram origemàs primeiras sínteses de conhecimentos (Ollivier, 1945).

Para o relançamento dos estudos do Paleolítico Superior, na década de 1960,contribuiram decisivamente as escavações realizadas em 1959 e em 1960 nagruta das Salemas, Loures. Foi então identificada uma sucessão estratigráficaconstituída por oito camadas, as quais foram agrupadas em quatro níveis ouunidades fundamentais (Zbyszewski et al., 1961; Roche et al., 1962;Zbyszewski, 1963; Ferreira, 1964, 1966; Roche & Ferreira, 1970; Zbyszewskiet al., 1980/1981), que eram os seguintes, de cima para baixo:

Nível 1 – terras cinzento-escuras, localmente negras. Corresponde àinstalação de uma necrópole no Neolítico (potência entre 0,50 m e1,00 m);

Nível 2 – terras cinzentas, menos escuras, em falta em diversos locais:existia apenas nas secções 4-5; 7-8; e 10-11. Solutrense (potência de0,15 a 0,20 m);

Nível 3 – terras amarelas, às vezes castanhas ou avermelhadas.Desenvolve-se da entrada da gruta à secção 18. Perigordense (espessura

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média de 0,25 m, com máximo de 0,35 m (secção 9) e mínimo de0,10 m (secções 6 e 7);

Nível 4 – "terra rossa" com fauna de grande porte, tendo colmatado abase da fissura, cuja espessura não pôde ser determinada. Continhaindústria pouco típica, provavelmente do Paleolítico Médio.

Esta trancrição justifica-se, porquanto foi a primeira vez que, em Portugal,se registou a presença de indústrias do Paleolítico Superior em estratigrafia,e, até, revelando sucessivas ocupações.

A tipologia dos materiais exumados não oferecia dúvidas quanto à suaintegração no Solutrense, época a que, ulteriormente foi atribuído a totalidadedo espólio paleolítico (Zilhão, 1987). Mas é o mesmo autor a considerar,mais tarde, a existência de vários conjuntos, industriais, mercê da revisãoefectuada do material lítico. Assim, J. Zilhão isolou um pequeno lote depeças proto-solutrenses (pontas de Vale Comprido), antecedido de um outro,de idade gravettense, onde integrou, globalmente, o conjunto consideradoanteriormente como perigordense, incluindo uma notável zagaia de ossopeniano de urso; enfim, o conjunto do Solutrense Superior, integraria boaparte das peças que já antes foram assim consideradas, com destaque paraum belo conjunto de pontas de pedúnculo e aletas e pontas de pedúnculolateral, tanto de tipo mediterrânico como franco cantábrico (Zilhão, 1997).Com efeito, a associação de ambas as tipologias de pontas solutrenses nagruta das Salemas, foi prontamente valorizada por arqueólogos do paísvizinho, aonde o estudo das indústrias do Paleolítico Superior se encontravamais desenvolvido, chamando-se a atenção para a extensão, até ao extremoocidental peninsular, da ocorrênca de peças de tipo levantino ou ibérico (RipollPerelló, 1964/1965). Outra das consequências desta importante escavaçãofoi a procura, nos materiais de antigas escavações, de peças de tipologiaafim, o que foi conseguido: assim, na gruta da Casa da Moura, identificou-seum lote de pontas de seta com pedúnculo e aletas, deste modo associadas auma ocupação solutrense da gruta, que se vinha somar à presença doMagdalenense anteriormente admitida (França, Roche & Ferreira, 1961);também nas grutas do Poço Velho, Cascais, se identificaram uma "folha deloureiro" muito alongada, de filiação franco-cantábrica e uma ponta depedúnculo e aletas, de calcedónia, de filiação levantina (Ferreira, 1962). Poroutro lado, a relevância das descobertas efectuadas na gruta das Salemas,propiciou a apresentação de duas novas sínteses, uma dedicada ao Solutrense(Ferreira, 1962) e outra ao Paleolítico Superior português (Roche, 1964). Aestes trabalhos, um outro se viria a juntar, pouco tempo volvido, relativo aoconjunto das belas folhas de loureiro da jazida de Monte da Fainha,Évoramonte (Roche, Ribeiro & Vaultier, 1968), cuja natureza funcional nuncase conseguiu esclarecer. As investigações esmoreceram nos anos seguintes;prova dessa realidade encontra-se espelhada na última síntese de

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conhecimentos realizada antes da retoma das investigações em Portugal, nofinal da década de 1970 (Zbyszewski, Leitão & Ferreira, 1999/2000).

Data dessa época o início das escavações da gruta do Caldeirão (Tomar), poriniciativa de João Zilhão; ali vieram a recolher-se importantes testemunhos,em estratigrafia, de sucessivas ocupações do Paleolítico Superior, queimpunham estudo actualizado. Ao mesmo tempo, o referido arqueólogo,iniciou, no Museu Nacional de Arqueologia, o estudo sistemático dosmateriais das escavações de Manuel Heleno, tanto na região de Torres Vedrascomo na de Rio Maior. O sucesso de tal linha de trabalhos justificou odesenvolvimento, na década de 1980, ainda por iniciativa de João Zilhão, deparcerias com especialistas norte-americanos, de que resultou não só umamaior visibilidade internacional dos resultados entretanto obtidos,potenciando novas e frutuosas colaborações, particularmente as de carácterpluridisciplinar, mas também a formação, nas universidades norte-americanas,de uma nova geração portuguesa de especialistas no Paleolítico Superior dePortugal, que actualmente desenvolvem actividades, num efeito multiplicador,que conduziu, nos últimos vinte anos, a notáveis progressos, sem paraleloem nenhum outro período da nossa Pré-História, no mesmo intervalo detempo – apesar de ser, também, aquele que se encontrava mais carecido deestudos actualizados, a par do Paleolítico Inferior e Médio.

Deste modo, no território português, encontra-se actualmente representada asequência cultural clássica que caracteriza, globalmente, todo o PaleolíticoSuperior da Europa Ocidental. É essa sequência de indústrias, bem como asjazidas mais importantes e as respectivas cronologias que as balizam, queirão de seguida ser objecto de análise.

5.1 Aurignacense

No estado actual dos nossos conhecimentos, e no que ao território peninsulardiz respeito, parece ser total a correlação entre as indústrias do Aurignacensee a emergência do Homem Moderno (H. sapiens sapiens).

A presença de indústrias aurignacenses (da estação epónima francesa, a grutade Aurignac, na região do Alto Garona) no território português, encontra-sedirectamente associada à dos primeiros homens modernos que o ocuparam.Foi João Zilhão que, de forma mais substantiva e consistente, mais contribuiupara a aceitação da sua presença – descontando a atribuição, por ser errónea,da cronologia aurignacense proposta para a estação do Rossio do Cabo, nolitoral de Torres Vedras (Roche & Trindade, 1951) – através da identificaçãode artefactos por si considerados caracterísiticos do Aurignacense,

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especialmente as lamelas de tipo Dufour, subtipo Dufour, pequenos micrólitos,estreitos e muito alongados, com extremidade em ponta, produzida porretoques semiabruptos alternados.

Trata-se de artefactos totalmente desconhecidos nas indústrias paleolíticasmais modernas, tanto no território português, como em França, onde foramdefinidas (Zilhão, 2001).

Segundo o referido arqueólogo (Zilhão, 1996, 1997), tais indústrias estariampresentes em sítios de ar livre, com destaque para os da região de Rio Maior(Vale de Porcos I e II e Vascas), a que se poderia juntar o sítio da Chainça, namesma área, recentemente publicado (Thaker, 2001). No caso das grutas,João Zilhão admite, pelo mesmo critério, a sua presença nas do Escoural(Montemor-o-Novo), Pego do Diabo e Salemas (Loures). O enquadramentocronoestratigráfico destas ocorrências, nalguns casos isoladas a posteriori,como é o caso do Escoural e das Salemas, é deficiente. Apenas uma dataçãode radiocarbono poderá, com reservas, ser relacionada com a presença deseis lamelas Dufour na Camada 2, datada de 28 120 (+ 860; - 640) anos BP.Esta indústria corresponderia, assim a um Aurignacense evoluído, que seprolongaria até cerca de 26 000 anos BP, dando passagem às indústrias doGravettense antigo. A confirmar-se a real presença de indústrias aurignacensesnesta gruta, que são postas em dúvida, nos termos em que foram definidas,por N. Bicho (Bicho, 2000), bem como a datação ali obtida (Bicho, 2005),teríamos uma presença humana que se estenderia da área estremenha ao AltoAlentejo, e, por certo, a outras regiões do País, onde ainda não foi identificada,talvez não por ali não existirem, mas por ainda não terem sido objecto deaturados trabalhos de prospecção.

Para N. Bicho, as estações consideradas como do Aurignacense por J. Zilhão– Vascas e Vale de Porcos – e também Chainça, seriam já do Gravettense.Por outro lado, a estratigrafia da gruta do Pego do Diabo, descrita por JoãoZilhão, mereceu-lhe as maiores reservas, já que teriam sido recolhidas,segundo N. Bicho, fragmentos de cerâmica ao longo de toda a sequência.

A posição crítica de N. Bicho estende-se, mesmo, à própria aceitação daexistência de indústrias aurignacenses no território português, com base emargumentos cronológicos. Com efeito, se o final do Mustierense se verificoucerca de 27 000 anos BP e o Gravettense ascende a idêntica cronologia,então não haveria possibilidade de intercalar, entre ambas, o Aurignacense.Caso contrário, teríamos a co-existência, num mesmo território, de trêsculturas diferentes, o que seria inviável, por ser caso único (Bicho, 2005).

Em consequência, a reapreciação da questão da existência do Aurignacenseem território português é assunto em aberto, e de evidente relevância noquadro do estudo do Paleolítico Superior, acompanhando de perto a própria

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revisão da operacionalidade do conceito "Aurignacense" a nível europeu(Zilhão & D’Errico, 2003).

Entretanto, novas estações recentemente publicadas, como a de Gândara doOutil, no Baixo Mondego, atribuível a uma fase recente de Aurignacense,com base em análise tecno-tipológica aprofundada (Almeida, Aubry & Neves,2005) poderão relançar a discussão, em Portugal, também no que respeita àtransição Paleolítico Médio – Paleolítico Superior, visto o primeiro seencontrar também representado na referida área geográfica, como atrás sefrisou.

5.2 Gravettense

Trata-se de designação derivada do sítio epónimo de La Gravette, naDordonha. Em Portugal, o registo arqueológico permitiu identificar umGravettense Antigo, entre cerca de 26 000 e 24 000 anos BP e um GravettenseFinal, entre 24 000 e 22 000 anos BP, o qual incluiria o fácies estremenhoFontesantense.

O Gravettense Antigo, encontra-se representado por várias estações de arlivre, na região de Rio Maior (Estrada da Azinheira; Vale Comprido: Barracae Vale Comprido: Cruzamento; e Vascas), bem como por estações de gruta(Caldeirão, Casa da Moura e Salemas).

O Gravettense Final, encontra-se presente também na área de Rio Maior, porestações de ar livre (Cabeço de Porto Marinho II, Picos, Terras do Manuel eVascas) e de gruta (Buraca Escura, Casa da Moura). De um modo geral, asindústrias gravettenses integram micrólitos com dorso (retoque abrupto numdos bordos), que ocorrem em grande quantidade, para além de outros tipos,de maiores dimensões, como raspadeiras e buris, tanto sobre lâminas comosobre lasca. A ocorrência de grandes pontas de La Gravette, registadasnalgumas estações de gruta exploradas no século XIX, como a Ponte daLage, Oeiras e a gruta do Furadouro, Cadaval (Cardoso, 1995, Fig. 6, n.os 5 e6), poderiam, segundo J. Zilhão (Zilhão, 2000), representar uma fase médiado Gravettense, ainda não adequadamente caracterizada.

Na Estremadura, o estádio terminal do Gravettense, de afinidades proto-magdalenenses, parece ser imediatamente anterior ao Fontesantense (do sítioepónimo de Fonte Santa, Torres Novas), cuja cronologia, à falta de elementoscronométricos absolutos para as estações onde se encontra até ao presenterepresentado, poderá ser provisoriamente situada cerca de 23 000 anos BP.As características peculiares desta indústria, definida por João Zilhão, advêm

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principalmente da presença dominante de pontas líticas, de tipo especial(Pontas de Casal do Felipe, estação de ar livre da região de Rio Maior, aoutra das estações fontesantenses até ao presente conhecidas), consideradaso fóssil director do Fontesantense. Trata-se de uma ponta utilizada comoarmadura, "simétrica, em que o ápice está situado sobre o eixo de debitageme resulta da convergência de dois bordos modificados pela aplicação de umretoque bilateral abrupto executado sobre suportes laminares ou lamelares(...)" (Zilhão, 1997, p. 195).

O Fontesantense seria, deste modo, coevo do Gravettense Final,imediatamente anterior, como se referiu, ao Gravettense Terminal, deafinidades protomagdalenenses. Aquele é caracterizado pela presença delamelas de dorso truncadas, tendo a sua presença sido enriquecida, no territórioportuguês, pelas recentes escavações de sítios de ar livre no vale do Côa,como Olga Grande 4, com estruturas de combustão muito bem conservadas(Aubry, 1998). Aqui, as características tipológicas da indústria lítica, apesarde ser dominada pelo cristal de rocha, não se diferenciam, significativamentedas congéneres estremenhas (Zilhão, 2001). É, assim, mais uma vez, postoem evidência o primado da tipologia sobre a matéria-prima disponível, oqual foi já atrás mencionado a propósito das indústrias acheulenses do BaixoTejo.

Mas a presença do Gravettense em Portugal, nos últimos anos, foiparticularmente enriquecida pelas descobertas dos sítios de característicashabitacionais de ar livre do vale do Côa. As escavações entretanto ali realizadas,evidenciaram estruturas de combustão muito bem conservadas, especialmenteno sítio de Olga Grande 4, situável entre 23 000 e 22 000 anos BP.

A sepultura infantil do Gravettense Antigo conhecida por "menino doLapedo", Lagar Velho (Leiria), adiante tratada, conjuntamente com asequência estratigráfica de carácter habitacional identificada no abrigo deLagar Velho são outros tantos contributos de primeira grandeza para oconhecimento do Gravettense português. Aqueles níveis, representandosucessivos estádios ocupacionais, poderão ser integráveis no GravettenseMédio, ainda não devidamente caracterizado em Portugal, tendo presentesas datações já obtidas, entre 23 000 e 23 500 anos BP (Zilhão, 2001), paraalém de outras, mais modernas, adiante tratadas.

As indústrias do Gravettense estão, pois, representadas por um número jásignificativo de estações, tanto de gruta como de ar livre, estendendo-se asua presença, para além da Estremadura, à região do Côa e, também aoAlgarve, onde uma estação de ar livre, no sítio de Vala, Silves, foi recentementeidentificada e escavada, em resultado de trabalhos de minimização do impacteda construção da via do Infante (Zambujo & Pires, 1999), a que se somou a

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identificação e escavação da estação do Vale Boi, Vila do Bispo, por umaequipa liderada por N. Bicho; a ocupação do Gravettense foi datada em cercade 24 300 anos BP. Estas últimas descobertas, mostram que o que se conheceactualmente no interior do território, é uma ínfima parte da informação aindapor conhecer, o que só será possível com prospecções aturadas e dirigidaspara a identificação de tão ténues vestígios.

O sítio de Vala deu um conjunto lítico caracterizado pela presença de pequenaspontas crenadas de dorso, lamelas de dorso e pontas de dorso curvo espesso, asquais parecem representar uma fase (tecnocomplexo) solutreo-gravettense. Nestecaso, poderiam ser correlacionadas com a transição do Gravettense para oSolutrense, que J. Zilhão admitiu ter-se processado no território português, queassim se assumiria como sendo um dos focos difusores do Solutrense, a níveleuropeu. Com efeito, para o autor referido, as indústrias do tipo Vale Comprido –Encosta (do sítio epónimo de ar livre do concelho de Torres Novas), situáveis entre21 000 e 20 500 anos BP, corporizariam a transição para o Solutrense(Protosolutrense ou Solutrense Inferior), sendo caracterizadas pela presença daponta de Vale Comprido, que poderia constituir o protótipo da ponta de face planae retoque invasor do Solutrense Médio, datável de cerca de 20 500 anos BP (Zilhão,1997, 2001). Os dados empíricos actualmente disponíveis, parecem indicar que atransição do Gravettense para o Solutrense seria preferencialmente corporizadapor três etapas: a etapa Gravettense Final, com afinidades protomagdalenenses, jáatrás mencionada, a que se seguiria o Gravettense Terminal de tipo AurignacenseV (definido por F. de Almeida a partir do estudo tecnológico sistemático deconjuntos líticos da Estremadura), e, finalmente, o Protosolutrense (ou SolutrenseInferior). Naturalmente, esta é apenas uma hipótese de trabalho a ser corrigida oumelhorada a partir de sequências estratigráficas mais completas e datações absolutas,por enquanto muito insuficientes.

O sítio de Vale Boi corresponde a um abrigo relacionado com uma escarpa decalcários jurássicos, embora os vestígios se dispersem por uma área de encostasuperior a 10 000 m2 , a cerca de 2 km do litoral algarvio, configurandoacampamento. A implantação do sítio pode relacionar-se com a disponibilidade denódulos de sílex (em local distante cerca de 2 km) que, a par do quartzo e doquartzito – outras rochas conhecidas localmente – foi aproveitada para a produçãode artefactos. Contudo, existem artefactos gravettenses de sílex cujas característicasnão são as mesmas das variedades disponíveis na região. As peças em osso estãorepresentadas por zagaias, cuja tipologia as aproxima de exemplares da regiãovalenciana, afastando-se dos conhecidos mais a norte (Bicho, 2004). Outro aspectoque tende a afastar o Gravettense de Vale Boi do da Estremadura portuguesa, é otamanho das conchas utilizadas como adorno (Littorina, mariae, mais pequenaque L. obtusata, a qual ocorre, não obstante, no Solutrense de Vale Boi), bemcomo a percentagem de conchas perfuradas, diferença que se esbate, também, no

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Solutrense, face ao padrão verificado na área estremenha. Todas estas diferenças –a que se poderiam juntar outras – sugerem que se está perante um "grupoétnico-social diferente do que se conhece no Gravettense da Estremadura" (op.cit., p. 380), denotando, em contrapartida, maiores afinidades com o LevanteEspanhol, hipótese que poderia explicar o povoamento do Algarve, a partir dolitoral levantino e andaluz, há cerca de 27 000 anos BP.

5.3 Solutrense

Pelas características de algumas das suas principais produções, facilmenteidentificáveis, foi o tecnocomplexo do Paleolítico Superior mais estudado,antes dos novos contributos para o conhecimento deste último, a partir dosinícios da década de 1980. Tal realidade espelha, talvez, uma outra, a doefectivo acréscimo da presença humana no território português, relativamenteàs épocas anteriores. Tal como se verifica com outro tecnocomplexo doPaleolítico Superior, o Aurignacense, anteriormente tratado, também para oSolutrense não se lhe conhece uma origem ou foco difusor primordial. Ointeresse de ambos reside precisamente no facto de, uma vez afirmados, seterem difundido a uma velocidade que, com base na nossa perspectiva e nacapacidade dos métodos de datação radiométricos actualmente disponíveis,diríamos "instantânea", como assinalaram recentemente dois autores (Zilhão& D’Errico, 2003), a propósito da questão da origem do Aurignacense:"Rather than a "problem", this fact is instead a major source of informationon the demographic and social properties of the human occupation networkin place during that specific time interval and in that specific geographicalrange". Trabalho recente de João Zilhão aponta a Península Ibérica como apossível origem do Solutrense, mas trata-se de hipótese que carece de maioresbases materiais de demostração; em alternativa, foi admitida a existência deduas componentes bem diferenciadas: assim, enquanto o Protosolutrense e oSolutrense antigo estariam ligados às fases mais recentes do Gravettensealém Pirenéus, já o Solutrense recente poderia ser originário da Espanha,por migração do Norte de África, no decurso da fase mais árida da glaciação(Otte & Noiret, 2002).

O Protosolutrense da Estremadura portuguesa seria caracterizado pela pontade Vale Comprido, situável cerca de 21 000 a 20 500 anos BP, a qual teriaevoluído, pela extensão dos retoques cobridores, primeiro a uma das faces(pontas de face plana), depois cobrindo ambas as faces, já no SolutrenseMédio, situável cerca de 20 500 a 20 000 anos BP, dando origem a magníficaspeças bifaciais, ditas "folhas de loureiro", mas sem pontas pedunculadas, as

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quais só aparecem no Solutrense Superior. Aquela designação resulta de asua morfologia se aproximar do contorno lanceolado das folhas daquelaárvore. O retoque atinge, então, grande perfeição, sendo produzido por pressãoorientada, de levantamentos alternos, a partir de ambos os bordos dos suportes,sobre lasca ou laminares. No Protosolutrense, a ocupação das grutasmultiplica-se, na Estremadura, enquanto os sítios de ar livre abundam,especialmente na região de Rio Maior, mas também na região do Côa (Saltodo Boi, Cardina I), recentemente descobertos.

A sequência estratigráfica de alta resolução de Lagar Velho, permitiu situar alacuna do Solutrense Inferior, para a qual continuam a faltar contextosarqueológicos datados.

Seja como for, a aparente tendência de progressão da ocupação do território,prossegue no Solutrense Médio, estendendo-se ao Alto Alentejo, onde sãoconhecidos diversos tipos de sítios, tanto de gruta – como é o caso da grutado Escoural, Montemor-o-Novo – como de ar livre, exemplificados pelaestação de Monte da Fainha – Évoramonte, onde se recolheramocasionalmente (na abertura de um poço) mais de vinte exemplares de "folhasde loureiro" constituindo um conjunto homogéneo, em espaço reduzido,correspondente talvez a uma sepultura ou, mais simplesmente, a esconderijoou depósito.

É nesta época que se reconheceram as primeiras estruturas domésticas –descontando as escassas evidências do Paleolítico Médio (lareiras da GrutaNova da Columbeira, Bombarral e de Buraca Escura, Pombal, entre outras)– como é o caso da lareira escavada por João Zilhão na Lapa do Anecrial(Porto de Mós), integrada em nível proto-solutrense datado de cerca de21 500 anos BP, relacionada com o estacionamento de um pequeno grupohumano, que ali terá apenas pernoitado, o tempo suficiente para se alimentarde coelhos e outros animais mais corpulentos e ter talhado alguns objectosde sílex. F. Almeida conseguiu mesmo proceder à remontagem de núcleos,que foram objecto de trabalho no decurso daquela curta presença,espalhando-se, pelo antigo solo da cavidade, as lascas e outros subprodutosdo talhe então processado.

A reconstituição da organização territorial observada no decurso do PaleolíticoSuperior, designadamente no Solutrense, é proporcionada pela já razoávelinformação de sítios reconhecidos especialmente na Estremadura, e aindapela análise petrográfica dos artefactos de sílex dos sítios recentementeescavados no vale do Côa. Relativamente a estes últimos, foram encontradasvariedades de sílex que só se conhecem nos calcários do maciço estremenho,tanto na região do Baixo Mondego, a cerca de 150 km de distância em linharecta, como, ainda mais para sul, na região de Rio Maior ou da BaixaEstremadura. Para esta última área foi apresentada, em 1987, por João Zilhão,

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um ensaio de reconstituição paleodemográfica, o primeiro a ser apresentadopara o Paleolítico Superior em Portugal. A informação entretanto recolhida,mercê de intensos trabalhos de prospecção e de escavação, conduziu o referidoautor a sucessivos aperfeiçoamentos do modelo proposto. Assim, João Zilhãoadmitiu, com base em paralelos etnográficos actuais e tendo presentes ascondições prováveis geoambientais da época que, no decurso do PaleolíticoSuperior, a densidade populacional na actual Estremadura não ultrapassaria0,05 habitantes por km²; admitindo que cada bando fosse constituído porcerca de 25 indíduos, número considerado como óptimo, a cada um delescorresponderia um território de 400 a 500 km². Este pressuposto, faria comque a Estremadura estivesse compartimentada, ou partilhada, por diversosbandos, tendo presente que, no pleniglaciário, ou em época próxima, entre21 000 e 18 000 anos BP, correspondente ao Solutrense Superior, o litoralocidental estender-se-ia, nalguns casos entre 40 e 50 km para lá da linha decosta actual, correspondente a um abaixamento do nível marinho de cerca de120 m. Nestas circunstâncias, a degradação climática então observada,conduziu objectivamente a uma melhoria das bases de subsistência, já peloaumento dos próprios territórios de caça, já, sobretudo, pelo desenvolvimentode um coberto vegetal mais aberto, favorável à multiplicação das manadasde grandes herbívoros, como o auroque e o cavalo. Assim, as grutas, situadasno maciço calcário, seriam utilizadas como sítios sazonais ou logísticos,enquanto que os acampamentos de ar livre se desenvolveriam de ambos oslados daquela linha de relevos.

João Zilhão admitiu que os diversos bandos, relacionados com as principaisbacias hidrográficas da região, se subordinassem a três grandes grupos,eventualmente de raízes étnicas diferenciadas, relacionados directamente comas fontes da matéria prima disponíveis (especialmente do sílex): o maissetentrional, ocuparia a área do Mondego; o central, corresponderia à regiãomais importante do maciço calcário; o mais meridional, abarcaria a área dabaixa Estremadura, no interior da qual existiriam trocas entre bandos, comoparece comprovar-se pela existência de peças confeccionadas em sílex daregião de Cambelas, no litoral de Torres Vedras, na gruta das Salemas (Loures)e na estação de ar livre de Terras do Manuel (Rio Maior).

Servindo o território português de charneira entre o domínio oeste europeuatlântico e as regiões ribeirinhas do Mediterrâneo, seria de esperar encontrarnele e, em especial na Estremadura, a área geográfica que melhores condiçõesdetém nesta perspectiva, a reunião de tais influências, no decurso doPaleolítico Superior. Tais indícios são, com efeito, evidentes, no SolutrenseSuperior. Assim, na gruta das Salemas reconheceram-se, na mesma unidadeestratigráfica, pontas de pedúnculo lateral de tipo mediterrâneo ou levantino,associadas a pontas de pedúnculo lateral, de características franco-cantábricas,também presentes na Gruta do Correio-Mor (Loures) ambas com as mesmas

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funções (pontas de arremesso). Esta é uma prova da rápida expansão de tiposespecíficos, oriundos de áreas culturais diversas, revelando a sua coexistência,na mesma região, a efectiva coexistência de raízes culturais diferentes.

De registar, no âmbito das actividades desenvolvidas nos últimos anos, adescoberta de Solutrense no barlavento algarvio, em Vale Boi (Vila do Bispo),sítio já anteriormente referido. A parte superior da acumulação foi formadaentre o Protosolutrense e o fim do Magdalenense; uma datação,correspondente a esta última sequência, de 17 600 anos BP, foi atribuída aoSolutrense Final. Os depósitos do Paleolítico Superior revelaram milharesde restos ósseos de grandes mamíferos, fauna malacológica, utensilagemsobre osso, conchas marinhas perfuradas utilizadas como elementos deadorno, para além de pendentes, já presentes, mas com outras características,nos níveis gravettenses. Tais restos evidenciam, no decurso do PaleolíticoSuperior, em estações próximas do litoral, a diversificação da captação dosrecursos alimentares, comprovados pela fauna caçada (veado, auroque, javali,cavalo, coelho e cabra), associada também à obtenção da gordura animal apartir da medula óssea (que ulteriormente poderia ser armazenada por muitosmeses). No entanto, dá-se o desaparecimento total da fauna de moluscosmarinhos, talvez em resultado da alteração do nível do mar, com a regressãoda linha da costa, talvez cerca de 20 Km para ocidente. A presença de conchasperfuradas de Littorina obtusata, no Protosolutrense e no Gravettense, a parde pontas de zagaia análogas a outras identificadas na Estremadura e emoutas estações peninsulares, bem como a presença de pontas pedunculadasde tipo Parpalló, atestam a plena integração das sucessivas comunidades queocuparam a estação, situada no extremo sudoeste peninsular, durante oSolutrense, numa rede transregional de intercâmbios a longa distância (Bicho,2003), tanto com a Estremadura, como com a região levantina.

5.4 Magdalenense

O Magdalenense corresponde ao último tecnocomplexo cultural do PaleolíticoSuperior. É aquele onde se verifica a plena afirmação da máxima economiada matéria-prima, com a miniaturização de boa parte da utensilagem lítica.Outras razões podem invocar-se para esta realidade, como a maior eficácia eleveza do equipamento, e a sua mais rápida e fácil produção.

O Magdalenense português pode ser subdvidido em diversas etapascronológicas, caracterizadas sucessivamente por aspectos tipológicosespecíficos. Assim, o Magdalenense Antigo, situável entre 16 000 e 15 000anos BP, está datado em Cabeço de Porto Marinho, no concelho de Rio Maior,que, na verdade, agrega um conjunto de sítios de ar livre diferenciados, tanto

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espacialmente como cronologicamente, escavado entre 1987 e 1993 por umaequipa co-dirigida por João Zilhão e A. E. Marks.

Encontra-se também datado na gruta do Caldeirão (Tomar) consubstanciando,assim, a ocupação sincrónica de ambos os tipos de habitat, comoanteriormente. A produção lítica era dominada pela grande quantidade devários tipos de raspadeiras e pela produção de lamelas, transformadas porretoque em armaduras microlíticas de artefactos compósitos, cujascaracterísticas são hoje impossíveis de conhecer.

O Magdalenense Antigo é de difícil caracterização, à falta, por enquanto, decontextos e datações. Já o mesmo não se verifica com o MagdalenenseSuperior, a que Nuno Bicho faz corresponder 13 sítios, tanto de ar livre –com destaque para a presença na área de Cabeço de Porto Marinho – comode gruta: entre eles, destaque para Buraca Grande, na área da serra de Sicó,Pombal; gruta do Caldeirão, Tomar; Lapa do Picareiro, Minde; e Lapa doSuão, Bombarral. Mais recentemente, foi publicada a importante estação degruta da Lapa dos Coelhos, Torres Novas.

Dispõe-se de dois importantes conjuntos de datas de radiocarbono: o da Lapa doPicareiro e o do Cabeço de Porto Marinho, os quais situam rigorosamente esta faseentre 12 500 e 11 500 anos BP. A ocupação finimagdalenense tem antecedentes nacavidade, visto encontrar-se sobreposta a uma outra, mais antiga, atribuída aoGravettense Final (Bicho et al., 2003). Neste mesmo trabalho, foi atribuída aoEpipaleolítico a ocupação mais recente, datada pelo radiocarbono em 8300 anosBP. No conjunto dos recursos bióticos explorados, é interessante verificar a presençade numerosos restos de peixes (infelizmente não discriminados por unidadesculturais, no trabalho referido), dos quais só uma pequena parte foi objecto deestudo. Os ciprinídeos encontram-se apenas representados por um resto(provavelmente de barbo), enquanto os clupeídeos, com 250 restos, podem repartir-se por diversos grupos (carapaus, sardinhas, sáveis, savelhas). Em qualquer doscasos, mesmo admitindo que os sáveis pudessem subir os cursos de água a partirdo litoral oceânico adjacente, actualmente distanciado cerca de 10 km, o percursoaté à Lapa do Picareiro não seria, à data, inferior a 30 km, agravado pelascaracterísticas geomorfológicas do terreno. Esta situação faz com que se tenha deadmitir, por um lado, um grupo humano especializado na pesca, tanto fluvial comolitoral, talvez diferenciado do grupo que praticava a caça (aliás bem representadana gruta), e, por outro, técnicas de conservação (recorrendo eventualmente ao sal),que eram também aplicadas aos moluscos recolectados: nas ocupaçõestardiglaciárias e epipaleolíticas, reconheceram-se restos de Mytilus, Cerastoderma,Venerupis decussata, Scrobicularia plana, Pecten, Littorina obtusata e Nassariusreticulatus, as duas últimas utilizadas apenas como elementos de adorno. A origemdestas espécies evidencia também a exploração do litoral oceânico, incluindo praias

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rochosas e fundos arenosos, bem como ambientes estuarinos, realidade queé compatível com o registo ictiológico encontrado. Esta tendência para adiversidade na exploração dos recursos, aliando a caça à pesca e à recolecção,corresponde a uma linha evolutiva que, já vislumbrada no Paleolítico SuperiorFinal, se vai acentuar, na região estremenha, logo no início do pós-glaciário(Epipaleolítico).

A Lapa dos Coelhos dista apenas cerca de 4 Km da Lapa do Picareiro, pertencendoao sistema cársico das grutas da nascente do Rio Almonda. Nela, foram identificadosmateriais em estratigrafia pertencentes ao Magdalenense Superior, a quecorresponde a data de 12 240 anos ± 60 BP; tal como o verificado na Lapa doPicareiro, identificaram-se restos ictiológicos, com dominância de espécies de águadoce, onde se incuem a truta, o salmão e o barbo (Almeida et al., 2004). As indústriaslíticas encontram-se representadas por buris, raspadeiras simples e duplas sobrelâmina, e – aspecto inédito – numerosos elementos com dorso retocado sobre lamela,de quartzo.

O Magdalenense Final, datado nesta estação em 11 660 ± 60 anos BP, encontra-serepresentado por um notável conjunto artefactual, que inclui uma diversificadaprodução lítica, com afinidades da identificada na estação de superfície do Rossiodo Cabo, no litoral (da área de Torres Vedras (Zilhão, 1997) e um conjunto deadornos constituídos por contas de conchas de duas espécies: Littorina obtusata(marinha, presença residual) e Theodoxus fluviatilis (de água doce, largamentedominante, sendo 15 delas perfuradas).

No Magdalenense Final, que encerra o ciclo do Paleolítico Superior, cujacronologia se situa entre 11 600 e 10 000 anos BP, observa-se uma aindamais acentuada dispersão de sítios, do Douro ao Algarve, ocupando umagrande variedade de biótopos e de ambientes naturais, correspondentes, auma diversificação da exploração de recursos naturais, como bem acentuouNuno Bicho (Bicho, 2000). Com efeito, conhecem-se sítios magdalenensesde ar livre, correspondentes tanto a vales fluviais, como a zonas planálticas,de montanha e litorais, para além de grutas e abrigos sob rocha, todos elesreconhecidos de há menos de vinte anos para cá, o que evidencia a pujançada investigação desde então efectuada nesta área, em Portugal.

Reconheceram-se, igualmente, vários fácies, definidos pela tecnologia etipologia líticas, tal como já se verificava no Magdalenense Antigo (Zilhão,1997). Na generalidade, abundam as pequenas raspadeiras, bem como osburis, mas o que caracteriza, sobretudo, a utensilagem, é a predominânciados micrólitos, incluindo geométricos, pontas de dorso e lamelas de retoquemarginal do tipo Dufour (mas de um subtipo diferente do reconhecido no

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Aurignacense, atrás referido), elementos que seriam montados em artefactoscompósitos, incluindo zagaias e flechas. A miniaturização faria, pois, sentido,se entendida como consequência do aumento do recurso ao arco, armaneurobalística já conhecida pelo menos desde o Solutrense Superior, comoindicam as pontas de seta pedunculadas com aletas encontradas em diversasgrutas do maciço calcário, de tipo mediterrâneo, como as das grutas da Casada Moura (Óbidos), Caldeirão (Tomar) e Salemas (Loures), para além depontas de menor tamanho e peso, com forte pedúnculo e aletas incipientes,de que se conhecem representantes nas grutas das Salemas e da Ponte daLage, Oeiras (Cardoso, 1995).

O crescente recurso ao arco pode ser entendido, por seu turno, como aconsequência directa de uma maior mobilidade dos grupos humanos,especialmente dos caçadores, que, para percorrer percursos cada vez maisextensos, teriam de socorrer-se de equipamentos progressivamente mais leves,e também mais eficazes. Tal foi o resultado a que conduziu o aparente aumentodemográfico então verificado – a crer no acréscimo dos sítios conhecidos –com a consequente pressão sobre os recursos e a necessidade de aumentar asáreas de captura correspondentes.

Importa, porém, fazer uma ressalva às conclusões supra apresentadas, quevão no sentido de um contínuo aumento demográfico desde o PaleolíticoSuperior Inicial até ao Magdalenense Final. Embora os dados de terreno talsugiram, a crítica de João Zilhão a este modelo – aliás extensivo também aoterritório do país vizinho – é legítima: não só os sítios de ar livre mais antigosforam mais intensamente afectados pela erosão – como de facto se verificouna região de Rio Maior/Arruda dos Pisões, onde os conjuntos aurignacensese do Gravettense Antigo aparecem em posição derivada, no seio de depósitosaluvionares grosseiros – como também, e sobretudo, são as ocupações maismodernas, tanto em depósitos estratificados de grutas ou abrigos, como,sobretudo, as de ar livre, as que mais fáceis são de identificar e de explorar,por se encontrarem mais acessíveis, aumentando, com a idade dos depósitos,as probabilidades de os mesmos se encontrarem mal conservados, em virtudeda sua anterior erosão. Deste modo, as conclusões acima apresentadas, nãopodem ser entendidas como dados absolutos; o tempo se encarregará de asaperfeiçoar, com a continuação das prospecções orientadas para a identificaçãode ocorrências do Paleolítico Superior de ar livre, especialmente nas zonasdo interior do País, de longe as ainda menos conhecidas: as espectacularesdescobertas de arte rupestre do Vale do Côa, a que se seguiu a identificaçãodos correspondentes locais de estacionamento daquelas populações, dos quais,até 1994, nada ainda se sabia, são a contraprova que os grandes vaziosgeográficos actualmente existentes, podem não passar de simples lacunas deconhecimento. Esta realidade é sublinhada também pelas recentes descobertasno vale do Guadiana, na zona de Reguengos/Mourão, no âmbito dos estudos

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relacionados com o empreendimento de Alqueva. Dos nove sítios comocupações do Paleolítico Superior, o Magdalenense é o período melhorrepresentado (Almeida, Araújo & Ribeiro, 2002).

Deve ainda fazer-se menção à utensilagem óssea do Paleolítico Superiorencontrada em Portugal. Foram há muito reconhecidos fragmentos de zagaiasde osso, robustas e maciças, recentemente inventariadas (Cardoso & Gomes,1994). Trata-se de peças de integração muitas vezes imprecisa, pela falta derecorte tipológico, agravada, nos casos de antigas recolhas, desprovidas deinformações estratigráficas. Encontra-se neste caso o conjunto recolhido nagruta da Casa da Moura (Óbidos) que João Zilhão atribuiu ao Gravettense(Zilhão, 1997): nele, estão representadas duas zagaias de extremidadeproximal monobiseladas, e estriadas, destinadas a aumentar o atrito àrespectiva fixação do cabo, bem como outros dois exemplares provavelmenteafeiçoados em ossos penianos, de carnívoros diferentes. A existência destaszagaias monobiseladas e estriadas, homólogas de exemplares magdalenenses,justificou a sua atribuição a esta etapa cultural do Paleolítico Superior porH. Breuil (Breuil, 1918, p. 37).

Da gruta das Salemas provêm cinco peças, das quais duas apenas com a faltada extremidade distal; destas, uma é também executada em osso peniano(neste caso de urso), e foi atribuída logo após a descoberta, ao nívelperigordense identificado na gruta (Roche, Ferreira & França, 1961). J. Zilhão,reconheceu igualmente a existência desse nível, que integrou no Gravettense,ao qual pertenceria a referida peça, conjuntamente com duas outras pequenaszagaias (Zilhão, 1997, Fig. 25.2). Já a outra zagaia quase completa provémdo nível solutrense: trata-se de peça estreita e alongada, finamente trabalhada.

Outra gruta que forneceu uma importante associação de peças ósseas, foia da Buraca Grande, provenientes de um contexto estratigráfico datado de17 850 ± 200 anos BP, e atribuível ao Solutrense Superior. Trata-se de pontasde zagaia em geral curtas e largas, num caso decorada (Aubry & Moura,1994, Est. VI).

Enfim, há ainda a destacar o conjunto de zagaias de osso recentemente obtidonas escavações de Vale Boi (Vila do Bispo), tanto em contextos gravettensescomo solutrenses, actualmente em estudo.

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5.5 Manifestações artísticas e funerárias do Paleolítico Superior

Arte rupestre

Durante largos anos, a única manifestação de arte rupestre paleolíticareconhecida em Portugal era a da gruta do Escoural, Montemor-o-Novo. Ali,foram reconhecidas, em 1963, pinturas de características arcaicas, a vermelhoe a negro, representando os contornos de equídeos e bovídeos, para além defiguras híbridas, as quais foram desde logo reportadas ao Paleolítico Superior(Santos, 1964). Mais tarde, foram reconhecidas também gravuras rupestres(Santos, 1967), reproduzindo equídeos com destaque para um painel em queo busto de uma égua, voltada à esquerda, domina uma representação similar,mas de pequeno tamanho; o conjunto foi, por isso, interpretado comomanifestação de uma cena de maternidade (Santos, 1967; Santos, Gomes &Monteiro, 1980). Foram, também, reconhecidas diversas gravurasgeométricas, representando reticulados e tectiformes. No conjunto, estandopresentes na gruta indústrias atribuíveis ao Aurignacense – as já referidaslamelas Dufour – e solutrenses, representadas por um fragmento de folha deloureiro e, ainda, por diversas pontas de zagaia (Gomes, Cardoso & Santos,1990), parece crível situar as referidas manifestações em um ou ambos osreferidos períodos. Este assunto foi tratado em várias publicações. Em 1980,fazendo a síntese dos conhecimentos – que não progrediramsignificativamente desde então – o descobridor do sítio e seus colaboradores,admitiram a existência de dois conjuntos: ao mais antigo, integrável no estilo IIde Leroi-Gourhan, pertenceriam as grandes cabeças de bovídeos, talvezacompanhadas de algumas representações geométricas, localizadas em geralem zonas de boa visibilidade no interior da gruta; o estilo III deLeroi-Gourhan, englobaria figuras zoomórficas, em geral de pequenasdimensões, multiplicando-se então os signos e figuras abstractas, recorrendosobretudo à técnica da incisão fina, situadas em zonas de menor visibilidade(Santos, Gomes & Monteiro, 1980, p. 238). Nestes termos, tendo presente acorrelação cultural dos estilos definidos por Leroi-Gourhan com as sucessivasculturas do Paleolítico Superior, verificar-se-ia uma frequência da gruta desdeo Gravettense (estilo II), até ao Magdalenense Antigo, passando peloSolutrense. Sendo, porém, apenas o Solutrense, o único período cultural queé comum ao registo parietal e material, crê-se ser aquele a que, com maiorprobabilidade, se poderá atribuir a ocupação ou frequência da gruta pelohomem do Paleolítico Superior.

Mas a grande descoberta de arte paleolítica europeia dos últimos tempos foia do vale do Côa, a ponto de Henri de Lumley, a ter considerado como umadas mais importantes jamais feitas desde que a Pré-História existe como tal(Lumley, 1995). A importância científica deste conjunto artístico, foi ainda

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recentemente confirmada, ao ter sido promovido pela UNESCO à categoriade "Património Mundial de Humanidade".

O rio Côa, correndo na globalidade do seu trajecto, de sul para norte, étributário da margem esquerda do rio Douro, onde desagua, perto de VilaNova de Foz-Côa. Ao longo dos últimos 17 km do seu curso, identificaram-se,desde meados da década de 1990, cerca de duas dúzias de núcleos de arterupestre, totalizando cento e sessenta e quatro painéis decorados, e váriosmilhares de gravuras (Baptista, 1999), cujo cômputo final está ainda longede conhecido, mas que se podem estimar em cerca de cinco mil. Ao mesmotempo, desenvolveram-se intensos trabalhos de prospecção, que conduziramà localização de mais de duas dezenas de sítios de estacionamento humano eà escavação de vários deles, numa região onde, até inícios da década de1990, uns e outros eram totalmente desconhecidos.

Esta notável descoberta só foi possível mediante os estudos de impacteambiental relacionados com a construção do aproveitamento hidroeléctricoda barragem de Foz-Côa: o que significa a probabilidade de muitas outrasregiões interiores do País poderem encerrar ocorrências de importância, quesó trabalhos de pormenor, como os ali realizados, poderão um dia revelar.

A originalidade da arte rupestre paleolítica do Côa começa, antes de mais,por ter sido produzida ao ar livre, contrariando a ideia, antes generalizada,de apenas ocorrer em cavernas. Deste 1981, porém, que tinha sido dada aconhecer a primeira manifestação de arte paleolítica ao ar livre, em Mazouco,no Alto Douro (Freixo de Espada à Cinta), correspondente à representaçãode um cavalo, tipologicamente afim do Estilo III de A. Leroi-Gourhan,remetendo-o assim para o Solutrense ou Magdalenense. A existência demanifestações rupestres paleolíticas de ar livre foram, em 1988, reforçadaspela descoberta de painéis insculturados, com representações zoomórficas,na região vizinha de Siega Verde (Salamanca), num contexto afim do deFoz-Côa.

No vale do Côa estão presentes principalmente três períodos artísticos, um doPaleolítico Superior antigo, reportável ao Gravettense, entre cerca de 22 000e 20 000 anos BP; outro, mais moderno, atribuível ao Magdalenense Final,entre 12 000 e 10 000 anos BP, ambos conotáveis com os cerca de vintesítios de ar livre já conhecidos (Aubry, 2000), enquanto que o Solutrense é operíodo pior representado.

Descoberta recente foi a existência, na estação de Fariseu, de um painelinsculturado recoberto por depósitos arqueológicos, cujo nível mais recenteremonta ao Magdalenense (Aubry & Baptista, 2000): trata-se de uma provaadicional da antiguidade paleolítica destas gravuras.

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As representações foram obtidas tanto por abrasão como por incisão, ouainda por abrasão e raspagem, por vezes associada às técnicas anteriores.Quanto à temática, dominam cavalos e auroques, sendo menos frequentesos veados e as cabras-monteses, e excepcionais outras representações, comopeixes (na Canada do Inferno e em Penascosa), ou a figura humana, presenteno painel 2 da ribeira de Piscos. Mais recentemente, foram noticiadas novasdescobertas, na rocha 24 da ribeira de Piscos, com numerosas reprsentaçõesantropomórficas, o que constitui elemento de grande raridade na arte doPaleolítico Superior, sabendo da aversão dos artistas daquele tempo nareprodução da figura humana. Foram obtidas por finas linhas incisas epertencem à última fase artística deste complexo, ou seja, ao MagdalenenseFinal, com paralelos da mesma época na arte parietal franco-cantábrica.

Nalguns casos, como na estação de Faia, encontraram-se restos de auroquespintados, sobre finos traços incisos, que teriam servido de guias, à semelhançado verificado recentemente na gruta do Escoural (García et al., 2000), ondea pintura parece ter sido antecedida, por vezes, de um esboço feito a traço;com efeito, foi notado que as pinturas, a negro, do painel principal da Sala 1,representando um cavalo e parte de um auroque, foram previamente gravados.

Entre os sítios mais importantes do vale do Côa, conta-se a Canada do Inferno,perto do local da barragem projectada, e, mais a montante, a Penascosa e aQuinta da Barca, situados defronte um do outro, em ambas as margens doCôa. A sua acessibilidade e conexão com antigas praias fluviais, propícias àexistência de acampamentos de ar livre, faz crer que se trate de uma arteessencialmente doméstica, muito embora se conheçam grandes representaçõesde auroques, com mais de 2 m de comprimento, em painéis verticais,dominando a ribeira de Piscos, que poderiam ter a função de marcadores deterritórios, de carácter profano ou sagrado.

Uma das características peculiares à arte do Côa, é a de evidenciar apreocupação pelo movimento (Baptista, 2000): para o efeito, recorreu-se àsucessão da mesma figura, em diversas posições, bem patente em cenas deacasalamento de cavalos ou auroques, ou aplicada à representação da cabeçade veados, auroques ou cabras-monteses.

A prova de que a arte rupestre do Côa não é caso isolado reside nos numerososachados – por enquanto apenas ocorrências esparsas – de insculturas rupestresa céu aberto, distribuídas por vasta área do interior do país, desde o Nordestetransmontano ao vale do Guadiana (apenas na margem espanhola), passandopela Beira Baixa: é o caso do cavalo do vale do Ocreza, no concelho deMação (Zilhão, 2001; Baptista, 2001) e, mais recentemente, das figurasidentificadas na margem direita do Zêzere, no sítio do Poço do Caldeirão, doconcelho do Fundão (Baptista, 2003). Aqui, sobre afloramento xistoso,identificou-se painel gravado por picotagem em superfície horizontal,

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possuindo três representações semi-naturalistas de equídeos, orientados todospara o mesmo lado e voltados para o rio. Outra rocha, ao lado da anterior,ostenta dois capríneos afrontados, aproveitando-se parcialmente a micro-morfologia da superfície rochosa para sublinhar particualridades anatómicasdo corpo dos animais. Tal aspecto já se tinha observado na arte do Côa,designadamente nos cavalos da Rocha 1 da ribeira de Piscos e na representaçãode peixe patente na Rocha 5 de Penascosa. Cronologicamente, as duas rochassão distintas, tendo presente o estilo e a técnica com que se executaram asfiguras.

Arte móvel

A arte móvel do Paleolítico Superior português é muito pobre, encontrando-seesparsamente representada por escassas ocorrências. João Zilhão apresentou,em 1989, uma síntese do que então se conhecia (Zilhão, 1989), na qual incluiuos objectos de indumentária que, naturalmente, não são de considerar em talconjunto. Destacava-se, então, um seixo achatado de xisto, com ocomprimento de 74 mm, gravado em ambas as faces, da gruta do Caldeirão;numa delas, o autor admitiu a representação de um possível cervídeo,enquanto na oposta encontrar-se-ia gravado um motivo antropomórfico.

Mais recentemente, foram encontradas duas provas muito mais concludentese importantes da arte móvel paleolítica. Trata-se de duas plaquetas de xisto,recolhidas em estratigrafia na estação de arte rupestre do vale do Côa deFariseu (García Diez & Aubry, 2002). A primeira, exibe um notável reportório,incluindo representações gravadas de equídeos, de cervídeo e de possívelbovídeo, para além de diversas linhas e zoomorfos de difícil interpretação ouclassificação; reporta-se ao final do Magdalenense; a segunda, com apenasuma representação zoomórfica, atribuível a um bode montês, relaciona-secom a ocupação do local no decurso do Magdalenense Antigo ou doProtosolutrense. A importância desta duas peças deve ser valorizada nocontexto peninsular, onde ocupam um lugar de primeira importância. Maisrecentemente, foram noticiadas, na mesma estação, cerca de 65 exemplaresanálogos, ainda não estudados devidamente, que A. M. Baptista admitiucorresponderem a ensaios artísticos do que se iria gravar nas rochas, a menosque constituíssem um depósito votivo em santuário rupestre (Baptista, 2006,Diário de Notícias de 18/03).

No Algarve, assinala-se a recente descoberta de placa gravada, datada doSolutrense, recolhida em Vale Boi, sítio de carácter habitacional já atrásmencionado (Bicho, 2006).

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Rituais funerários

Já anteriormente foi referida a sepultura paleolítica do "menino do Lapedo",pertencente a criança de cerca de 5 anos, tumulada na base de um depósitoplistocénico de carácter antrópico do abrigo sob rocha do vale do Lapedo, nolugar de Lagar Velho (Leiria).

A descoberta, feita no decurso de prospecção arqueológica, foi seguidaimediatamente pela respectiva escavação. Do esqueleto, apenas o crâneo seencontrava em muito mau estado, fragmentado em centenas de pedaços que,porém, permitiram colagem e reconstituição parcial. A escavação meticulosaa que se procedeu, permitiu reconstituir o ritual de enterramento: assim, antesde se ter efectuado a deposição do cadáver, em um covacho pouco fundo,aberto no chão da base do abrigo, acendeu-se no local uma fogueira ritual,feita de uma só ramada de pinheiro; o cadáver, envolto numa pele, polvilhadode ocre vermelho, talvez também extensivo à pele, foi então colocado emdecúbito dorsal, acompanhado de uma porção de coelho, colocado entre aspernas e, portanto, também no interior da pele. Depois de feita a deposição,o espaço circundante foi envolvido de nacos de carne de veado, conformemostram os restos ósseos encontrados. Como adornos, a criança possuía nacabeça um ornamento, com caninos perfurados de veado – como sugere apresença de quatro desses elementos junto dos fragmentos cranianos – e umcolar, que incluía uma conta feita em concha perfurada de Littorina obtusata.

O uso do ocre vermelho é pratica ritual funerária conhecida além-Pirenéus,que sugeria para esta sepultura uma cronologia gravettense, a qual, com efeito,foi confirmada pelas datas de radiocarbono obtidas: assim, para o carvão dafogueira, os restos de veado e para uma vértebra de coelho, obtiveram-se,respectivamente, os valores de: 24 860 ± 200 anos BP; 24 660 ± 260 anosBP, 24 520 ± 240 anos BP; e 23 920 ± 220 anos BP. No conjunto, são asdatas do ramo vegetal e da vértebra de coelho que se afiguram mais fiáveis,situando a deposição entre 24 500 e 25 300 anos BP (Zilhão, 2001), sendo,por conseguinte, contemporânea da fase mais antiga da arte do Côa. Do pontode vista cultural, os elementos arqueológicos referidos são plenamentecompatíveis com o Gravettense; em particular, as características dos adornos,sugeriram a existência de uma província cultural unindo a Península Ibérica,a Aquitânia e o Midi francês (Zilhão & Trinkaus, 2002).

A importância desta sepultura, uma das poucas conhecidas e sem dúvida amais completa sepultura infantil do Paleolítico Superior europeu, é aindaacrescida pelas considerações que se deduziram a partir do respectivo estudoantropológico (Duarte et al., 1999; Trinkaus, Zilhão & Duarte, 2001). Assim,foram verificados certos caracteres neandertalóides, ao mesmo tempo queoutros evocavam claramente o Homem moderno. Tais circunstânciasconduziram os citados autores a admitir que os últimos neandertais – dos

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quais já anteriormente se traçou a trajectória e principais características dasua presença no território português – não teriam, simplesmente, desaparecidosem descendentes; ao contrário, o seu património genético dissolveu-se noseio das novas populações recém chegadas, fazendo, deste modo, parteintegrante da nossa ancestralidade. Esta hipótese, invocada pelascaracterísticas físicas do "menino do Lapedo" – que ora indicam o HomemModerno, ora sugerem a manutenção de traços neandertais – carece de ser,naturalmente, testada com base em outras descobertas da mesma faixa crono-lógica, que se venham futuramente a efectuar. Em todo o caso, fica por explicarcabalmente a já aludida descontinuidade absoluta entre as indústrias doPaleolítico Médio (Mustierense) e as do Paleolítico Superior (Aurignacense),facto que se encontra em contradição com a pretensa continuidade expressapela sepultura do Lapedo, a menos que, conforme foi recentemente defendido,se tenha verificado uma "interacção desequilibrada em favor dos gruposmodernos": enquanto, no plano biológico, resultou uma populaçãomiscigenada, no plano cultural (arqueológico) houve, simplesmente, umasubstituição, em benefício das indústrias mais evoluídas e, por conseguintemais eficazes. Com efeito, as indústrias que correspondem a esta fase depretensa coexistência, como já anteriormente se salientou – ostecnocomplexos Aurignacense e Gravettense – não possuem, no territórioportuguês, quaisquer traços herdados do tecnocomplexo anterior(Mustierense).

Outras grutas, ou abrigos sob rocha, deram, ainda que em poucas quantidadese em estado muito fragmetário, outros restos humanos do Paleolítico Superior:estão neste caso as grutas da Lapa da Rainha, Vimeiro (Almeida et al., 1970)e do Caldeirão, Tomar (Trinkaus, Baley & Zilhão, 2001; Zilhão & Trinkaus,ed., 2002), denunciando a existência de sepulturas nas proximidades dosespaços habitados no interior de grutas e abrigos, como é o caso da sepulturado Lapedo, adjacente a zona habitada.

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6. O Mesolítico

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O estudo dos tempos mesolíticos no território português suscitou, desde osprimórdios da investigação arqueológica em Portugal, grande interesse porparte dos pré-historiadores, tanto portugueses como estrangeiros. A grandeatenção dispensada à exploração dos concheiros de Muge, desde a época dasua descoberta, esteve na origem da primeira monografia editada em Portugalsobre uma estação pré-histórica, da autoria de F. Pereira da Costa, em 1865(Costa, 1865). A riqueza da informação disponível, a quantidade de trabalhose monografias – mais de cem – até agora dedicadas a estas estações, bemcomo as informações novas que carrearam para o conhecimento doMesolítico, à escala europeia, justificou a apresentação de uma desenvolvidasíntese dos conhecimentos adquiridos, articulados com outros dos concheirosdo vale do Sado. Tais conhecimentos foram, a partir da década de 1980,completados, no concernente às comunidades recolectoras e caçadoras, nãosó com os obtidos no litoral estremenho, em parte suas antecessoras, mastambém com os resultados das estações que, do Mira se estendem ao cabovicentino, também objecto de discussão neste capítulo.

Persistem, não obstante os cento e quarenta anos de estudos e publicações,lacunas do conhecimento que importa colmatar. Tal é o caso da análisemicro-espacial e funcional dos diferentes concheiros que integram oscomplexos mesolíticos de Muge e do vale do Sado, para além de estudos deíndole paleoecológica e paleoambiental, só muito recentemente iniciadosem moldes interdisciplinares (van der Schriek et al., 2002/2003), nesta queé uma das principais áreas do Mesolítico europeu.

6.1 Períodos Pré-Boreal e Boreal

6.1.1 Litoral da Estremadura

Actualmente, conhecem-se cerca de uma dezena de concheiros, que sedesenvolvem ao longo do litoral estremenho: sendo quase totalmentedesconhecidos há cerca de vinte anos, as duas últimas décadas correspon-deram a um significativo acréscimo de trabalhos de campo, por parte deequipas multidisciplinares, que conduziram já à publicação de alguns deles,bem como a algumas sínteses, sucessivamente ampliadas e melhoradas(Araújo, 1998; González Morales & Arnaud, 1990; Arnaud, 2002; Araújo,2003), que bem espelham o rápido progresso dos conhecimentos adquiridosneste sector específico do litoral.

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Merecem destaque as seguintes estações:

Ponta da Vigia (Torres Vedras) – trata-se de uma estação que se desenvolvesob as dunas modernas, dispersando-se em diversos núcleos com maioresconcentrações de materiais. Reconheceram-se, também, diversas lareiras,em associação com indústrias líticas, as quais integram grande diversidadede artefactos, a maioria de sílex e de cunho microlítico (raspadeiras, furadores,lamelas e lâminas, denticulados, buris, pontas, triângulos, trapézios esegmentos), outros de base macrolítica, sobre seixos rolados, de talheunifacial. Uma data de radiocarbono deu o resultado de 8730 ± 110 anos BP,a que corresponde o intervalo, calibrado, para cerca de 95% de probabilidade,de 8020-7508 a. C. (Zilhão et al., 1987). Recentes trabalhos de campo nestesítio (Zambujo & Lourenço, 2003), permitiram a identificação de outrasestruturas de combustão, e a recolha de uma grande quantidade de carvões,cuja datação confirmou a cronologia já conhecida para a estação: 8850 ± 90anos BP; e 8670 ± 80 anos BP (a que correspondem, respectivamente, osseguintes intervalos calibrados, para cerca de 95 % de confiança, de8041-7588 a. C. e de 7932-7507 a. C.). A análise antracológica deste materialcarbonizado (Van Leeuwaarden & Queiroz, 2003), permitiu a identificaçãode uma única espécie arbórea, o pinheiro bravo, constituindo na épocaassinaláveis manchas florestais, sobretudo nos interflúvios de solos arenosose nas dunas estabilizadas ao longo do litoral, situação que não diferia muitodaquela que, actualmente, se pode verificar neste trecho litoral. O incrementoda temperatura e da humidade, desde o Dryas III, está na origem da expansãode manchas florestais, especialmente de pinheiro bravo, como as existentesà data nesta região.

Magoito (Sintra) – as condições geológicas observadas na Ponta da Vigiarepetem-se em outros sítios, onde a presença humana foi detectada, emborade forma menos evidente: é o caso da duna de Magoito, correspondendo auma potente camada anegrada, com assinalável desenvolvimento horizontal,com escassas indústrias e fauna malacológica, selada por uma sequênciadunar com 20 m de espessura. As três datas obtidas pelo radiocarbono sobreconchas (berbigão, lapas, outros moluscos), indicam o início do Pré-Boreal:9590 ± 80 anos BP; 9410 ± 120 anos BP; 9530 ± 100 anos BP; 9500 ± 90anos BP (Soares, 2003), sendo confirmadas pela data estatisticamente idênticasobre madeira incarbonizada: 9490 ± 60 anos BP, correspondente ao intervalocalibrado de 8951-8355 a. C., para cerca de 95 % de probabilidade. Nestestermos, a sequência dunar fóssil assente no nível do concheiro epipaleolíticoé já holocénica, confirmando uma primeira datação de radiocarbono publicadano início da década de 1980 (Daveau, Pereira & Zbyszewski, 1982).

S. Julião (Ericeira, Mafra) – trata-se de concheiro situado junto do litoralactual entre Magoito e Ponta da Vigia; as características geológicas sãoidênticas, mas a informação recolhida é mais rica, tendo-se identificado duas

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áreas diferenciadas, uma delas caracterizada por uma espessa acumulaçãode conchas, umas estuarinas, outras características de litoral rochoso, comoo actual. As datas obtidas para os dois núcleos ocupacionais, mostram, comoseria de esperar, uma presença mais prolongada no concheiro mais compactoe com maior potência de detritos acumulados, entre cerca de 8170 ± 80 e7610 ± 80 anos BP, correspondentes, respectivamente, aos intervaloscalibrados para cerca de 95 % de probabilidade de 7423-6817 a. C. e6553-6224 a. C. Neste concheiro reconheceu-se, segundo N. Bicho, a presençade Littorina littorea (Bicho, 2000), pequeno molusco que é considerado deáguas frias, tendo desaparecido do litoral do golfo da Biscaia cerca de2500 anos antes. Neste estudo procurou-se abordar o antigo coberto vegetalque existiria na zona e identificar a madeira usada como combustível naslareiras epipaleolíticas ali identificadas (Queiroz & Van Leewaarden, 2002).

Analisaram-se 526 amostras, constituídas por porções de material vegetalcarbonizado recuperados das antigas estruturas de combustão. Os conjuntosantracológicos estudados, reflectem, deste modo, a lenha utilizada nestasestruturas, onde as principais espécies usadas foram: o pinheiro, o carrasco,a azinheira, o zambujeiro, o medronheiro e a urze branca.

Os resultados obtidos permitem elaborar considerações acerca do antigocoberto vegetal. Assim, aquele era maioritariamante constituído pelo pinheirobravo (Pinus pinaster) que correspondia à principal formação vegetal,cobrindo os interflúvios dunares e cordões litorais e zonas de planalto, maisexpostas.

Existia a possibilidade da presença de matos esclerófilos, cobrindo parte dasvertentes calcárias declivosas, demonstrados pelas amostras de carvão deQuercus coccifera (carrasco), Arbutus unedo (medronheiro), Daphne gnidium(trovisco).

A presença de carvão de urze e queiró (Erica arborea, Erica umbellata,Erica sp.) indica a ocorrência regional de urzais; trata-se de espécies arbustivasrelacionadas com formações vegetais menos estabilizadas.

O contexto antracológico de S. Julião é, pois, fundamentalmente dominadopela presença de vegetação mediterrânica (zambujal; carvalhal marcescente;azinhal; matos esclerófilos), típica do Holocénico Médio, particularmenteapós cerca de 8000 anos BP. Esta realidade tinha antecedentes na região, jáque a análise de mais de quatrocentos fragmentos de madeira carbonizada,recuperados nas estruturas de combustão datadas de cerca de 11200 BP deCabeço de Porto Marinho III (nível superior), Rio Maior, mostrou umaassociação de cunho mediterrânico, constituída por Pinus pinaster/pinea,Quercus ilex/suber, Arbutus unedo e Olea sp. (Bicho, 2000).

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Toledo (Lourinhã) – a norte da estação anterior e a cerca de 3 km do litoralactual, situa-se o concheiro de Toledo; as escavações efectuadas (Araújo,1998), permitiram identificar acumulação faunística onde também coexistemmoluscos estuarinos ou litorais, de fundos arenosos ou vasosos (berbigão,lamejinha, amêijoa, ostra, navalheira) com espécies de litoral rochoso, comoo mexilhão e a lapa.

Ao contrário do verificado nos sítios anteriores, foram encontrados restos demamíferos caçados, como o veado, o javali, o corço e o coelho, bem comorestos de crustáceos e de peixes. É provável que tal realidade se explique porcondições de conservação mais favoráveis, a par de uma maior áreainvestigada, face às dos sítios anteriores; mas é também possível umaexplicação de carácter económico, decorrente da existência de um espectromais alargado na captação de recursos alimentares. É ainda possível umaoutra explicação: situando-se este sítio em zona de ecótono, mais francamenterelacionada com o interior do território do que com o litoral atlântico, énatural que os recursos consumidos reflictam tal realidade, somada a umamaior estabilidade na ocupação, que possuiria um cunho menos sazonal queas anteriores. Com efeito, as datas de radiocarbono indicam que a ocupaçãodo local se efectuou um pouco antes das duas anteriores, sendo coeva daPonta da Vigia: 8820 ± 80 anos BP; 8620 ± 70 anos BP e 8740 ± 90 anos BP,datas que, depois de calibradas, correspondem aos intervalos, para cercade 95% de probabilidade, de 8028-7585 a. C.; 7729-7581 a. C.; e7928-7584 a. C. Esta estação, onde também se identificaram estruturas decombustão, forneceu materiais líticos com um baixo índice de transformação,além de diversos adornos sobre concha.

É provável que as estações mesolíticas mais importantes do litoral estremenhoaté agora conhecidas e acima sumariamente descritas – a que se poderãosomar outras, da mesma época, implantadas no mesmo trecho litoral, comoVale Frade, Cabeço do Curral Velho, e Pinhal da Fonte (Araújo, 2003) –sejam uma ínfima parte das existentes, entretanto destruídas, dada a sua altasensibilidade, ou ainda por descobrir, sob os extensos mantos de areias dunaresque cobrem boa parte dos trechos litorais da região. Seja como for, indicamuma insistente presença humana, constituindo o elo de ligação com a ocupaçãofini-paleolítica da região, representada pelas estações magdalenenses de Valeda Mata, Torres Vedras, situada sobre a foz do Sizandro (Zilhão, 1997) e deRossio do Cabo, também pertencente ao mesmo concelho (Roche & Trindade,1951; Zilhão, 1997). As condições geológicas destas jazidas (sob as dunasmodernas) do Paleolítico terminal, são semelhantes às que caracterizam ossítios epipaleolíticos, do Pré-Boreal e do Boreal em apreço.

As características económicas e a estrutura social das comunidades do finaldo Paleolítico, parece manterem-se nos primeiros tempos pós-glaciários. Comefeito, já no decurso do Magdalenense, se observava a crescente importância

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dos recursos aquáticos na alimentação, a qual poderá ser correlacionada comuma eventual escassez da caça, resultante da pressão cinegética anterior, faceao provável aumento demográfico. Pode ser que tal escassez tenha sidodeterminada por causas naturais, designadamente climáticas: tanto quantose pode concluir pelos dados paleoclimáticos disponíveis, o clima, naEstremadura, seria tendencialmente temperado no Pré-Boreal, passandoprogressivamente a quente e seco, no Boreal, condições que favoreceriam,aparentemente, a presença da caça.

No entanto, são estas mesmas condições climáticas, aparentemente favoráveisao desenvolvimento da caça, que estarão na origem do desenvolvimento devastas massas florestais, sobre as dunas litorais, com abundância de pinheirobravo, que teria então colonizado a faixa entre o Oceano e os contrafortes domaciço calcário. Esta situação conduziria à redução da biomassa de grandesmamíferos, a qual, conjuntamente com a trangressão marinha (provocadapelo aquecimento climático global), teria forte impacto negativo na área dosterritórios de captação de recursos, com reflexo na diminuição dabiodiversidade.

Esta realidade pode ter determinado a opção pelo recurso à componenteaquática na alimentação, presente em todos os sítios mencionados, até entãopouco importante ou mesmo desprezada. Embora actualmente estejamsituados, na sua maioria, sobre a linha de costa ou pouco afastados dela, talnão era a situação à época da sua ocupação. Apesar da rápida subida de níveldo mar, a linha de costa situava-se, ainda, a mais de 30 km de distância. Aescassa potência estratigráfica e a baixa densidade de artefactos observada,sugere ocupações sazonais, durante as quais se procedia, em regime intensivo,à recolecção. Na verdade, a presença de moluscos estuarinos indica que, naépoca, as estações se situavam nas cabeceiras de estuários, que confluíamcom o Oceano muito mais para ocidente.

Importa salientar que nas estações do final do Paleolítico Superior da mesmaregião parece não se ter recorrido à exploração destes mesmos recursos, aomenos de forma tão intensiva e sistemática, embora a submersão da plataformae, com ela, a de possíveis estações do Magdalenense eventualmente situadasmais perto do litoral, impeça maiores certezas. Assim, parecem determinantesas causas climáticas, que criaram, no Pré-Boreal e no Boreal, uma dependênciaestrutural crescente pelos recursos aquáticos, dependência que se agravoude forma óbvia no período Atlântico, muito embora as faunas terrestres degrande porte tenham continuado a existir e a ser capturadas.

Tratou-se de período de assinaláveis mudanças, com a reformulação de todauma estratégia da base económica, à qual se poderá associar eventual declíniodemográfico. Se, como tudo indica, as estações litorais eram de caráctersazonal, a constatação desta simples realidade obriga a aceitar a existência

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de outras, e, com elas, a existência de elevada mobilidade, associada a taispequenos grupos humanos de caçadores-recolectores, entre o litoral e ointerior, percorrendo vastos territórios de exploração; com efeito, a transiçãode Dryas III para o Pré-Boreal, cerca de 10 000 anos BP, foi abrupta, podendoter-se verificado em apenas vinte anos, conforme estudos recentes realizadosnas calotes polares da Gronelândia. Ou seja, em menos de uma geração, atemperatura média subiu entre 5 a 10° C, com a consequente subidacatastrófica do nível marinho e, por conseguinte, da brusca modificação dabase económica das populações ribeirinhas que o frequentavam.

Assim sendo, o recurso a formas de subsistência só aparentemente menoselaboradas que as vigentes no Paleolítico Superior resultou, simplesmente,da necessária adaptação a novas condições ambientais, determinadas pelacrescente proximidade do litoral, tradicionalmente uma faixa rica de recursosfacilmente colectáveis, por via do movimento transgressivo em curso, etambém pela redução dos territórios de caça, devido ao incremento,anteriormente aludido, das manchas de floresta temperada de cunho atlântico.

6.1.2 O Maciço Calcário

Em pleno maciço calcário, em grutas ou abrigos sob rocha, o padrão desubsistência das respectivas populações nestes primeiros tempos dopós-glaciário, correspondentes ao Pré-Boreal e Boreal revela ainda muitaslacunas; as estações reconhecidas poderiam, simplesmente, corresponder aoslocais ocupados pelos mesmos grupos na parte restante do ano ocupavam olitoral.

Caso enigmático é o da gruta de Aljustrel, ou do Casal do Papagaio (Fátima),situada a cerca de 400 m de altitude e actualmente a 35 quilómetros do litoral,distância que na época seria ainda maior, cerca de 40 km.

A exploração ali realizada (Arnaud & Bento, 1988), evidenciou uma espessaacumulação de conchas de moluscos estuarinos, de mistura com alguma faunacaçada de médio e pequeno porte (veado, coelho e lebre; a raposa e o texugocrê-se que ocupariam naturalmente o local). A datação obtida para conchasde berbigão da parte média do depósito, deu o resultado de 9710 ± 70 anosBP, a que corresponde o intervalo calibrado, para cerca de 95 % de probabilidade,de 9051-8610 a. C.; outra, mais moderna, corresponde à data de 9650 ± 90 anosBP (intervalo de 8582-8081 a. C.). Estes resultados integram a formação dodepósito arqueológico no início do período Pré-Boreal, por populações cujopadrão de subsistência se afigurava idêntico ao das suas vizinhas ribeirinhas,semelhança que a assinalável distância que as separa torna assaz insólita

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(Gonzalez Moralez & Arnaud, 1990); esta realidade obriga a admitir, noquotidiano de então, certos comportamentos ditados por critérios nãoestritamente funcionalistas (Arnaud, 2002); seja como for, as provas materiaisrecolhidas – onde não faltam diversas contas de colar do molusco marinhoTheodoxus fluviatilis – provam a relativa facilidade e rapidez com que seefectuavam, à época, as deslocações ao litoral, sendo certo que os restos demoluscos encontrados testemunham actividades alimentares, de produtoscomestíveis facilmente degradáveis e que, portanto, teriam de ser consumidosrapidamente. Por certo, tal seria possível, utilizando-se os vales dos cursosde água que desaguam no Oceano, como vias de circulação prioritárias.

Mais para norte, deve assinalar-se a gruta da Buraca Grande, em plena serrade Sicó (concelho de Pombal), a qual forneceu, na sua camada 8, uma indústrialítica constituída por raspadeiras sobre lasca e sobre núcleo, lamelas de retoquemarginal e núcleos. Estes materiais encontram-se datados através de váriasanálises de radiocarbono sobre madeira incarbonizada (7580 ± 30 anos BP;8120 ± 70 anos BP; 8445 ± 20 anos BP e 8680 ± 40 anos BP, correspondentesaos intervalos calibrados, para cerca de 95% de probabilidade de,respectivamente, 6456-6367 a. C.; 7298-6775 a. C.; 7535-7434 a. C.; e7898-7544 a. C. (Aubry, Fontugne & Moura, 1997; Araújo, 2003). Destemodo, como se admite que esta ocorrência mesolítica não seja única, vistoestar acompanhada por outras, também datadas da mesma época (Boreal),como o Abrigo da Pena de Mira e o Abrigo Grande das Bocas, este último noconcelho de Rio Maior, pode concluir-se que a presença humana em domíniosinteriores e montanhosos da Estremadura – designadamente em grutas ouabrigos, como os referidos – foi uma realidade talvez mais insistente que asugerida pela escassa informação presentemente disponível.

A recente publicação da estratigrafia e das indústrias líticas recolhidas por ManuelHeleno no Abrigo Grande das Bocas (Bicho, 1995/1997), permitiu confirmaranteriores observações daquele arqueólogo, visto aparentemente ter havido umasequência na ocupação do local desde o final do Paleolítico até ao início do Atlântico:as datações mostram uma sequência coerente com a estratigrafia, desde a "CamadaFundo", datada de 10110 ± 90 anos BP, passando pela Camada 0 (9880 ± 220 anosBP), pela Camada 2 (9900 ± 70 anos BP) e pela Camada 1 (7130 ± 120 anos BP),embora se verifique uma inversão dos valores das Camadas 1 e 2, que N. Bichoprocurou explicar. No conjunto, os materiais das camadas em causa representauma sucessão de ocupações, do Magdalenense terminal ao Mesolítico, este últimolimitado ao topo da Camada 1 e à base da Camada 2, visto a parte superior dessacamada possuir já materiais do Neolítico Antigo. A importante sequênciatardiglaciária mostrou assinalável diversidade de tipos de ocupação, onde aimportância do contributo aquático na alimentação parece aumentar de forma

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coerente: assim, enquanto que na camada mais antiga ("Fundo") se evidencia umafauna de grandes mamíferos variada, com cavalo, auroque, veado, cabra-montês ecamurça, correspondente a uma ocupação prolongada do abrigo, tal variedadediminui drasticamente na Camada 0 (apenas com auroque, cavalo e javali), masonde, ao contrário, se assinalou fauna marinha, representada por conchas de berbigãoe de lapa, correspondendo a estacionamentos menos prolongados. A ausência defauna caçada na camada seguinte (Camada 1), é compensada pela abundância degrande quantidade de conchas, o que levou N. Bicho a admitir que o gruporesponsável por tal acumulação teria vindo da costa, estabelecendo no abrigo umacampamento de carácter funcional, especializado na produção de micrólitos,aproveitando para o efeito o sílex, disponível a cerca de 1 km de distância.

Os resultados obtidos no Abrigo Grande das Bocas, tal como em outrasestações da Estremadura do Magdalenense Final – embora as característicasdos sítios tenham desempenhado papel determinante no espectro faunísiticocorrespondente – mostram que se verificou acréscimo da componente aquáticana alimentação, o qual se acentuou no pós-glaciário.

Esta realidade encontra-se, também, espelhada nos resultados das escavaçõesefectuadas na Lapa do Picareiro, Minde, em pleno Maciço Calcário, na serrade Aire. Com efeito, o nível pós-glaciário ali detectado, no topo de umasequência que se inicia em pleno Paleolítico Superior, datado de 8310 ± 130BP, denota uma incidência muito inferior na fauna caçada de grandesmamíferos que as camadas subjacentes: embora continuassem a sercapturados veados, javalis e auroques, a referida rarefacção é acompanhadada emergência de moluscos litorais, os quais só ocorrem a partir da CamadaG, datada de 12320 ± 90 anos BP. Nas ocupações do tardiglaciário e dopós-glaciário, estão presentes o mexilhão, o berbigão, a amêijoa a lamejinha(Scrobicularia plana), bem como a vieira e pequenos búzios (Nassariusreticulata) que, a par de conchas de Littorina obtusata, eram usados comoornamentos (Bicho et al., 2003). O conjunto destas espécies evidenciaassinalável diversidade de biótopos litorais, marinhos e estuarinos, obrigandoa admitir uma presença insistente em tais domínios, não necessariamentepor parte das comunidades que frequentavam a gruta. Importa ainda salientara presença de fauna ictiológica – novidade sem dúvida devida à técnica deescavação adoptada – estando presentes duas famílias, Ciprinidae,correspondente à exploração dos cursos de água (barbos) e Clupeidae, queinclui a sardinha, o sável e a savelha, podendo os dois últimos seremcapturados em cursos de água.

O percurso de transporte a partir do litoral ou de um antigo estuário, nãoseria inferior a 30 km, podendo mais provavelmente atingir os 50 km demarcha, o que faz supor a existência de técnicas de conservação do mariscoe do peixe até ao local de consumo, como já anteriormente se sublinhou.

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Ao contrário das anteriores, por ser em campo aberto, a estação de Areeiro III, RioMaior, forneceu uma abundante indústria lítica e estruturas de combustãosemelhantes às encontradas na Ponta da Vigia e, como aquelas, datadas do iníciodo período Boreal (Zilhão et al., 1996; Bicho, 2000). As quatro datações sobremadeira carbonizada deram os seguintes resultados e intervalos calibrados,para cerca de 95 % de probabilidade (Araújo, 2003): 8380 ± 90 anos BP (7546--7097 a. C.); 8570 ± 130 anos BP (7929-7314 a. C.); 8850 ± 50 anos BP (8023--7705 a. C.); e 8860 ± 80 anos BP (8038-7644 a. C.).

Consubstanciam-se, deste modo, três tipos principais de estações mesolíticasno Pré-Boreal e Boreal da Estremadura entre cerca de 10 000 e 7 500 anosBP (Zilhão, 1992; Araújo, 2003), além de outros, como a Penha Verde, emplena serra de Sintra.

1. concheiros a céu aberto, no litoral;

2. grutas e abrigos sob rocha, no maciço calcário, por vezes com intensasacumulações de conchas, formando excepcionalmente concheiros;

3. vastas estações de ar livre em áreas deprimidas, longe do litoral.

6.2 O Período Atlântico

6.2.1 O Maciço Calcário

Que o abandono do maciço calcário, no decurso do Atlântico, não foi total, éo que revela a ocupação da Buraca Grande, na serra de Sicó, Pombal, quecontinuou a ser ocupada do período anterior, bem como o concheiro do Fornoda Telha, Rio Maior, escavado na década de 1930 por Manuel Heleno. Umestudo recente (Araújo, 1993) veio mostrar as semelhanças da indústriamicrolítica do Forno da Telha com a recolhida no concheiro do Cabeço daAmoreira (Muge) – designadamente pela presença de triângulos com espinhadorsal, os ditos "triângulos de Muge" – as quais são sublinhadas por ambasas estações possuírem idêntica cronologia: com efeito, a média de duasdatações de radiocarbono obtidas no Forno da Telha, corresponde ao valorcorrigido de 7040 ± 145 anos BP, ou 6170-5630 a. C., que se situa entre o valormédio da ocupação dos concheiros do vale do Tejo. Por outro lado, o estudoda fauna do Forno da Telha evidenciou uma economia de recolecção de largoespectro, tal como a identificada no vale do Tejo: às conchas de moluscosestuarinos somam-se diversos dos mamíferos selvagens conhecidos em Muge,

Fig. 73

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os quais, por ordem de importância decrescente, em termos de número derestos encontrados são os seguintes: veado; auroque; javali; corço; coelho; ecavalo. O espectro faunístico detectado, a natureza do sítio, as característicasda indústria lítica e, enfim, a cronologia absoluta, levam a admitir que estaestação constituísse um prolongamento ocidental do sistema de povoamentodo vale do Tejo, então florescente, o qual, deste modo, não funcionaria emregime fechado, totalmente avesso a contactos exógenos, dos quais, aliás,dependia parte do aprovisionamento de matérias-primas: é o caso do sílex,presente nos concheiros de Muge, oriundo justamente da margem direita doTejo e, em parte, da região de Rio Maior, onde este sítio se localiza.

6.2.2 Litoral da Estremadura

Não se conheciam, até época recente, ocorrências do período Atlântico nafaixa litoral actual, ao contrário do verificado no Pré-Boreal e Boreal. Comefeito, só em 2004 foi publicado o núcleo C do concheiro de São Julião(Mafra), cuja cronologia, obtida por cinco determinações de radiocarbono,mostra a sua formação a partir do início do período Atlântico: a data maisantiga obtida, 7270 ± 90 anos BP corresponde ao intervalo calibrado, para cercade 95% da probabilidade, de 6370-5930 a. C., enquanto à data mais moderna6820 ± 100 anos BP, corresponde o intervalo de 5890-5540 a. C. (Soares , inSousa, 2004). A ocupação do local, que ascende ao período Boreal, ter-se-áverificado intermitentemente e em áreas adjacentes, por cerca de um milhar deanos (núcleos A e B).

As duas espécies de moluscos mais abundantes – o mexilhão (Mytilus sp.) e oberbigão (Cerastoderma edule) revelam a exploração de carácter misto, tanto dobiótopo estuarino, como do ambiente francamente oceânico e de litoral rochoso; apresença residual de Littorina littorea, gastrópode de águas mais frias que as actuais,tem paralelo no registo do coberto vegetal. Com efeito, o estudo antracológico doscarvões recolhidos nas lareiras mostrou a presença vestigial do pinheiro silvestre,relíquia da fase mais fria imediatamente anterior, já então quase totalmentesubstituído pelo pinheiro bravo, que ocupava as áreas dunares, tal como hojeacontece.

O enquadramento do núcleo C do concheiro de São Julião, tendo presente osdois modelos principais disponíveis – mobilidade logística ou mobilidaderesidencial – aproxima-se claramente do primeiro; sendo assim, importa, noentanto sublinhar, que não se conhece na região qualquer acampamento-base,

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de cunho residencial, que lhe possa corresponder. Assim, é também lícitoadmitir um modelo intermédio, representado por pequenos grupos de altamobilidade, baixo grau de permanência e elevada especialização funcional,aspectos que se verificam no sítio em causa (Sousa, 2004). É provável quetão grande raridade de ocorrências similares se deva, em parte à transgressãomarinha, que poderá ter ocultado muitas estações (mas, sendo assim, não secompreende porque apenas estas não ocorrem, ao contrário das mais antigas).

A variação do nível do mar no decurso do tardiglaciário e dos primeirostempos holocénicos, é conhecida, nos seus traços gerais, mercê sobretudodos trabalhos de Geologia Marinha desenvolvidos por J. M. Alveirinho Diase colaboradores (Dias et al., 1997, 2000), como já no capítulo inicial destaobra se teve ocasião de referir. Tem interesse conhecer em detalhe tal variação.

Findo o período mais frio da glaciação, a ascensão do mar foi, de início lenta; hácerca de 16 000 anos BP, o nível do mar estabilizou em torno da batimétrica -100m, onde permaneceu cerca de 3000 anos. Porém, entre 13 000 e 11 000 anos BP,observaram-se importantes modificações no clima e no regime oceânico. A correntedo Golfo, penetrando até ao mar de Barrents, teria promovido a rápida fusão dosgelos defronte da frente atlântica europeia e o recuo da frente polar, queanteriormente se havia instalado ao nível da Península Ibérica, para o Atlânticonorte-ocidental. A temperatura da água no actual litoral português seria semelhanteà actual, com correspondência no rápido movimento transgressivo então verificado,que levou o mar para a batimétrica -40 m. Ou seja, em apenas 2000 anos, o marsubiu cerca de 60 m, alagando bruscamente vastos territórios anteriormenteocupados por diversos grupos humanos. É óbvio o impacte de tal fenómeno sobreo quotidianos de tais comunidades, obrigadas a alterar, em tão curto espaço detempo, o seu quotidiano e lugares habitados.

No decurso dos primeiros tempos do Holocénico, a subida do nível marinhocontinuou, devida ao rápido aquecimento global verificado no hemifério norte,com a consequente fusão dos gelos retidos nos glaciares. Cerca de 10 000 anos BP,aquela subida, no que ao litoral atlântico português diz respeito, foi de cerca de40 m em apenas 2000 anos, atingindo há cerca de 8000 anos BP, a cota de -20 m.E a subida continuou, paulatinamente, até o mar atingir, cerca de 5000 anos BP, onível actual onde, com pequenas oscilações, se manteve até à actualidade.

Nessa época, o clima seria tendencialmente temperado (Pré-Boreal, entre10 000 e 8800 anos BP), passando progressivamente a quente e seco (Boreal, entrecerca de 8800 e 7500 anos BP). Tais condições parecem apontar para uma regressãonas manchas florestais, em resultado da subida da temperatura e da diminuição dahumidade (optimum climaticum), favorecendo o desenvolvimento de vastaspradarias e zonas abertas, onde auroques e cavalos poderiam encontrar as condiçõesadequadas de desenvolvimento, a par de javalis e veados nas zonas mais arborizadas,favorecendo a economia alimentar das populações, que continuaram organizadasem bandos de caçadores/recolectores, porém certamente mais numerosos que os

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anteriormente constituídos, devido ao provável aumento demográfico entãoverificado. É neste contexto que se irão desenvolver as primeiras formas depovoamento semi-sedentárias, consubstanciadas pelos concheiros do vale do Tejo,a seguir apresentados, já do Atlântico.

6.2.3 Concheiros do vale do Tejo

No início do Atlântico, cerca de 7500 anos BP, verifica-se a formação rápidados concheiros do vale do Tejo, essencialmente distribuídos ao longo dedois afluentes da sua margem esquerda, a ribeira de Muge e a ribeira deMagos. Como se referiu, os seus imediatos antecessores situam-se, de acordocom as datas de radiocarbono disponíveis, no litoral atlântico, correspondendoàs estações acabadas de estudar. Tal realidade fora já preconizada por J. Roche,muito antes de se dispor de elementos de datação absoluta e, muito menos,de um conhecimento arqueológico adequado da região em causa. Crê-se queaquela afirmação se baseava, sobretudo, na estação do Rossio do Cabo, queJ. Roche publicou em 1951, em colaboração com L. Trindade e que consideroucomo aurignacense, muito embora, mais tarde, se viesse a verificar pertencerao Paleolítico Superior Final, alteração que não influencia em nada o modeloproposto. Ter-se-ia, de acordo com o referido modelo, processado umadeslocação populacional para uma nova área, o vale do baixo Tejo, muitomais favorável a uma economia de caça-recolecção que o litoral atlântico,em consequência das rápidas alterações ambientais nele verificadas, menosacentuadas naquela região.

A existência destas notáveis acumulações, das quais as mais importantesatingem cerca de 5 m de espessura, ilustram a importância e desenvolvimentode uma economia de subsistência, onde avulta o contributo alimentar dosmoluscos, tendência manifestada de forma cada vez mais evidente desde oPré-Boreal, como atrás se disse.

Os primeiros concheiros do baixo vale do Tejo foram descobertos por CarlosRibeiro em 1863, como o próprio refere, em 1867 (Ribeiro, 1867, p. 714):

Lorsq’ en 1860 s’agitait entre les savants la question de l’homme dans laterre, je me souviens d’avoir donné, comme membre directeur de laCommission Géologique du Portugal, des instructions aux collecteurs auxordres de cette Commission, pour bien explorer les vallés du Tage et duSado, dans le but d’y recueillir des données qui puissent jetter quelquelumière sur la question des oscillations de notre sol pendant la périodepost-tertiaire et nous éclairer sur celle de la présence de l’homme dans nosrégions, dans les temps préhistoriques.

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Estava, assim, justificada, com a preocupação que então agitava a comunidadecientífica, a saber, a antiguidade da espécie humana, a razão de ser dasreferidas indagações de campo.

Em 1882, com o falecimento de Carlos Ribeiro, a direcção dos trabalhos decampo foi confiada a Francisco de Paula e Oliveira; mas o prematurofalecimento deste impediu o desenvolvimento dos trabalhos, os quais, aindaassim, deram origem a um importante artigo, já publicado postumamente(Oliveira, 1888/1892).

Foram os seguintes os concheiros mesolíticos reconhecidos no século XIXno vale da ribeira de Muge: na margem direita, Moita do Sebastião e Cabeçoda Amoreira; na margem esquerda, Fonte do Padre Pedro (desaparecido) eCabeço da Arruda. No vale da ribeira de Magos, também tributária da margemesquerda do Tejo, a jusante da anterior, foram identificados os concheiros deCova da Onça e Monte dos Ossos, sinónimo do topónimo de Quinta daSardinha e de Arneiro do Roquete. Todos eles pertencem ao actual concelhode Salvaterra de Magos.

É de destacar a importância que o estudo científico dos concheiros conheceua nível internacional, logo no século XIX. Prova disso, é a reunião em Lisboa,em Setembro de 1880, da IX Sessão do Congresso Internacional deAntropologia e Arqueologia Pré-Históricas, no qual a discussão dos resultadosdas explorações até então efectuadas constituiu um dos pontos maisimportantes da reunião. Com efeito, importava situar os concheiros dasribeiras de Muge e de Magos no quadro cultural dos tempos pré-históricosentão vigentes. Uma das questões a debater, era, precisamente a seguinte:

Comment se caractérise l’âge néolithique en Portugal?

– Dans les kioekkenmoeddings (nome nórdico para "restos de cozinhapré-históricos", ou "concheiros") de la valée du Tage (...)

etc...

A tal propósito, Carlos Ribeiro sublinhou, nas conclusões da comunicaçãopor si apresentada, que "On n’a jamais rencontré dans cesKioekkenmoeddings le moindre indice de poterie qui puisse être attibuée àl'époque de leur formation", o mesmo se verificando para qualquer objectode pedra polida susceptível de se relacionar com os conhecidos nas estaçõesneolíticas (Ribeiro, 1884, p. 289), do mesmo modo que sublinha a totalausência de animais domésticos, à excepção do cão.

Estas afirmações indicavam claramente uma época ante-neolítica para aocupação dos concheiros – o actual Mesolítico – cuja real existência eraainda posta em dúvida, na época, por importantes arqueólogos, como ÉmileCartailhac (cf. Compte-Rendu, 1884, pp. 289, 290). Mas a indiscutíveldemonstração daquela realidade, feita por Carlos Ribeiro, teve, vista a mais

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de cento e vinte anos de distância, uma importância muito superior àquelaque, na época, lhe foi concedida. Com efeito, não sendo paleolíticos, nemneolíticos, os concheiros de Muge deveriam ser integrados numa etapacultural, então ainda mal definida, mas para cuja creditação foramtestemunhos essenciais.

No século XX, as prospecções continuaram, tendo sido encontrados vestígiosde mais concheiros no vale da Fonte da Moça, correspondente a ribeiratributária do Tejo a montante da ribeira de Muge (Santos, Rolão & Marques,1990). Na ribeira de Magos, identificaram-se os concheiros de Cabeço dosMorros, Magos de Baixo (destruído) e Cabeço da Barragem, tambémdesaparecido, cartografados por A. do Paço (Paço, 1938). Em nenhum delesforam efectuados trabalhos arqueológicos. Apenas no Cabeço dos Morros seencetaram escavações, em 1997, que prosseguem, contradizendo informaçãoque o davam como totalmente desaparecido (Breuil & Zbyszewski, 1947).As investigações, no século XX, centraram-se nos três concheiros maisimportantes do vale da ribeira de Muge (Moita do Sebastião, Cabeço daAmoreira e Cabeço da Arruda), na década de 1930, através de equipa daFaculdade de Ciências do Porto, constituída por A. A. Mendes Corrêa, Ruide Serpa Pinto e J. R. dos Santos Júnior; nas décadas de 1950 e 1960, taisescavações foram prosseguidas por J. Roche e O. da Veiga Ferreira, sob aégide do Instituto de Antropologia da Faculdade de Ciências do Porto erespectivo Centro de Estudos de Etnologia Peninsular e dos ServiçosGeológicos de Portugal. No decurso desta fase dos trabalhos, efectuou-se aescavação em extensão do que restava do concheiro da Moita do Sebastião,que anteriormente tinha sido arrasado até à base, e procedeu-se à realizaçãode importantes cortes estratigráficos nos concheiros de Cabeço da Amoreirae de Cabeço da Arruda. O historial destes trabalhos foi já detalhadamenteapresentado (Cardoso & Rolão, 1999/2000). Ao mesmo tempo,desenvolveram-se estudos de Antropologia Física, no seguimento dospublicados no século XIX, agora por iniciativa de Mendes Corrêa e seuscolaboradores. Aquele, que era reputado especialista na matéria, tomandopor base o material das antigas escavações de Carlos Ribeiro e de NeryDelgado, discutiu as origens étnicas daquelas populações. No seu entender,estas integrariam um grupo "of meridional origin, agreeing with the route ofTardenoisian civilization" (Corrêa, 1919a, p. 122). As pretensas peculiaridadesantropológicas do tipo humano em causa, dominantemente dolicocéfalo,justificaram a arrevezada designação, por si proposta, de Homo afer taganus,aliás não conforme às regras da nomenclatura biológica. Ainda em defesa daorigem africana das populações mesolíticas de Muge, declarou, no mesmoano de 1919, em outro artigo, o seguinte (Corrêa, 1919b, p. 134):

O que é indubitável é que alguns dos primeiros habitantes da Ibéria tinhamuma origem meridional, visivelmente africana, sendo impressivas as

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relações entre o Capsiense do Norte de África e algumas civilizações doPaleolítico Final e do pré-Neolítico do sudoeste europeu.

Esta opinião de Mendes Corrêa, rebatida na época pelo antropólogo francêsH. Vallois, a quem o tempo viria a dar razão, granjeou-lhe, contudo, renomeinternacional. Com efeito, os trabalhos que ulteriormente se efectuaram,confirmaram a existência de caracteres protomediterrâneos na população deMuge, onde os indivíduos cromagnóides também ocorrem, ainda que sejamde menor tamanho e mais gráceis que as formas clássicas do PaleolíticoSuperior francês; mestiços entre ambos os morfotipos referidos completamo quadro detectado na Moita do Sebastião, o único conjunto até ao presenteobjecto de estudo antropológico sistemático e desenvolvido, carecendo,todavia, de actualização (Ferembach, 1974, p. 135).

Outro aspecto que passou a interessar os estudiosos da década de 1930 foi oestabelecimento de uma cronologia relativa para os concheiros de Muge.Assim, Mendes Corrêa (Corrêa, 1933), em trabalho de síntese sobre osconcheiros, tendo presente a menor diferença de cotas do concheiro do Cabeçoda Arruda relativamente ao nível de base local, representado pela ribeira deMuge, face às cotas do Cabeço da Amoreira, mais elevadas, admitiu que oprimeiro fosse mais moderno. Em abono desta conclusão, invocou tambémoutros argumentos.

Tais considerandos, que apontavam, segundo Mendes Corrêa, para umadiferente idade dos dois sítios, seriam ainda corroborados por argumentosde índole arqueológica, designadamente a extrema raridade de trapézios noCabeço da Amoreira, contrastando com a sua abundância no Cabeço daArruda.

Porém, até época recente, não foi possível destrinçar com segurança adiacronia das respectivas ocupações, no quadro das datações realizadas, asquais evidenciam uma assinalável sobreposição da presença humana em todoseles (Arnaud, 1987). Adiante se fará a síntese possível desta situação, combase nos elementos actualmente disponíveis.

Ao nível da organização espacial, têm também interesse as observações deRui de Serpa Pinto (Pinto, 1932), sobre o processo de formação dos própriosconcheiros (no caso, o do Cabeço da Amoreira):

Os cortes efectuados na encosta oriental do Cabeço por duas largastrincheiras (...) mostram que havia dois lares ("foyers") acumulando osrestos de alimentação em montões mamelonares num pequeno espaçodurante a existência da estação, reunidos pouco a pouco num só de grandesdimensões que recobre o cabeço natural. As camadas apresentam-se assimonduladas, acompanhando o relêvo destas montureiras com algumasdiscordâncias.

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Estas observações são indispensáveis à interpretação dos mecanismosantrópicos que presidiram à formação destas acumulações, os quais têm sidorelegados para segundo plano.

Na década de 1940, os concheiros de Muge continuaram a ser objecto deestudo, por parte de H. Breuil e G. Zbyszewski, a partir dos espólios dasescavações do século XIX conservados no Museu do Instituto Geológico eMineiro (Breuil & Zbyszewski, 1947). Os autores defendem que os concheirosnão seriam verdadeiros lugares habitados: estes distribuir-se-iam pelas suasvizinhanças imediatas, encontrando-se ainda por descobrir. Aqueles,corresponderiam a simples depósitos de actividades domésticas, sendoutilizados também como necrópoles. É interessante assinalar que esta opiniãocontraria a de todos os autores, anteriores ou ulteriores, que se interessarampela questão, com apenas uma excepção (Antunes & Cunha, 1992/1993).Outra questão que abordaram foi a da presença, associada às indústriasmicrolíticas, de uma componente macrolítica, sobre seixos lascados dequartzito, acrescentando tal facto nada ter de especial, visto ambos osconjuntos de utensílios cobrirem actividades e finalidades diferenciadas,justificando-se, pois, a sua coexistência. Retomar-se-á este interessanteassunto adiante, quando se abordar a questão das indústrias macrolíticas fini-e pós-glaciárias.

O estudo dos concheiros, na década de 1940, teve continuidade nos trabalhosconduzidos por J. Roche, logo do início da década seguinte. Assim, em 1951,veio a lume monografia dedicada ao concheiro do Cabeço da Amoreira(Roche, 1951), com base no estudo parcial dos registos e espólios recolhidosna década de 1930, nas sucessivas campanhas ali realizadas sob a direcçãode Mendes Corrêa. Como conclusões principais apresentadas pelo referidoautor, são de reter as seguintes:

1. Existência, nos níveis mais antigos, de peças arcaizantes, de tipologiapaleolítica, que o autor relacionou com os contactos havidos entre oshabitantes dos concheiros e as populações do maciço calcárioestremenho, onde as primeiras se abasteceriam do sílex; esta hipótese,que pressupunha um continuum entre ambas as áreas culturais, ouseja, coexistência entre o final do Paleolítico Superior e o Mesolíticode Muge, foi ulteriormente rejeitada pelas datas obtidas pelo métododo radiocarbono adiante referidas.

2. Evolução técnica e tipológica das indústrias, constituindo o conjuntoproveniente dos níveis médios do concheiro termo intermédio de umaevolução cujos extremos se encontram representados pelos conjuntosdos níveis profundos e superficiais. Prova dessa evolução seriam aspercentagens sempre crescentes de microburis, ao longo da sequênciaestratigráfica.

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3. O estudo tipológico comparativo das indústrias presentes nos concheirosdo Cabeço da Amoreira, Cabeço da Arruda e Moita do Sebastião,levou o autor à conclusão de ser o primeiro anterior aos restantes,"principalement en raison de l’abondance de formes trapèzoïdales",muito escassas no primeiro. Esta conclusão vinha, assim, em apoiodo parecer dos investigadores que anteriormente tinham abordado aquestão da cronologia relativa destas estações (Mendes Corrêa, SerpaPinto, H. Breuil e G. Zbyszewski), com base também em argumentosde ordem arqueozoológica e geomorfológica, mas até então não apoiadospelo radiocarbono, que só viria a ser aplicado algum tempo depois àdiscussão desta questão.

4. Por último, é interessante notar que Jean Roche ignorou por completoa questão das eventuais afinidades entre as indústrias do Cabeço aAmoreira e as indústrias norte africanas do Capsense, tão caras aosmais influentes pré-historiadores peninsulares das décadas anteriores.Ao contrário: as suas comparações encaminham-se para o sudoestefrancês e, em menor grau, para a região levantina, afirmando-se destemodo partidário de Breuil, que desde cedo reconheceu tratar-se deuma indústria azilo-tardenoisense (Breuil, 1918), rejeitando, destemodo, uma filiação cultural extra-europeia. Breuil, mais tarde,reconheceu nestas produções mesolíticas certas particularidadestécnico-industriais, tendo criado o termo "Mugiense", integrando-seno conjunto das indústrias mesolíticas europeias, como oTardenoisense (Breuil & Zbyszewski, 1947). Também, neste particular,J. Roche se manifesta de acordo com Breuil; na conclusão do seutrabalho, declara: "L’industrie des amas coquilliers de Muge formeun ensemble original qui aurait pû être appelé de ‘Mugien’" (Roche,1951, p. 55).

Sem dúvida que uma das questões científicas principais debatidas nasprimeiras décadas do século XX foi a pretensa filiação da origem africanados habitantes mesolíticos de Muge cujo principal mentor foi Mendes Corrêa,como já anteriormente se referiu. Este tinha subjacente a ideia de um antigopovoamento da Ibéria por grupos humanos norte-africanos, defendido nadécada de 1920 pela maioria dos arqueólogos de nomeada, comoH. Obermaier (Obermaier, 1925, p. 373), P. Bosch-Gimpera (Bosch-Gimpera,1922, p. 33) e L. Pericot (Pericot, 1923, p. 21). Como notas discordantes, asposições de J. M. Santa-Olalla, que, embora aceite influências africanasinquestionáveis, tanto em tipos étnicos como industriais, renunciadefinitivamente a explicar as indústrias de micrólitos geométricos mesolíticaspelas pretendidas influências capsenses norte-africanas (Santa-Olalla, 1946,p. 48). Em Portugal, Manuel Heleno apresenta-se como o mais consequente(mesmo o único) defensor da origem europeia das populações mesolíticas

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do vale do Tejo. Com efeito, ao longo da segunda metade da década de 1930encontrou, na região de Rio Maior, provas concludentes, não apenas quantoà filiação europeia do Paleolítico Superior português como, ainda, norespeitante à passagem da última fase deste para o Neolítico Antigo, atravésdos níveis selados epipaleolíticos por si encontrados no Abrigo Grande dasBocas, Rio Maior, a cujo espólio, recentemente estudado por N. Bicho, jáanteriormente se fez referência.

O estudo de J. Roche sobre o concheiro do Cabeço da Amoreira de 1951,antecedeu o reinício, em 1952, das escavações no concheiro da Moita doSebastião, interrompidas desde 1880. O autor reforça, com base em critériostipológicos (dominância de trapézios), arqueozoológicos e geomorfológicos,a maior modernidade deste concheiro, face ao Cabeço da Amoreira, o queem si mesmo não era novidade. Facto mais relevante é a referência a fundosde cabana e a fossas culinárias: "La construction soignée des fonds de cabanesdestinés à la réserve de coquillages montre une organisation qui, alliée àl’outillage de type tardenoisien evolué, donne à ce kjoekkenmoedding uncachet plus récent que celui du Cabeço da Amoreira" (Roche, 1952, p. 149).

Foi a primeira vez que se apresentaram referências a fossas escavadas nosedimento da base do concheiro, interpretadas como silos de armazenamento,realidade com evidente importância na análise do padrão de permanênciahumana no local. O autor estava, ainda, consciente da relevância que teriauma análise feita pelo método do radiocarbono, o que foi conseguido poucotempo volvido à implementação do método, constituindo a primeira dataçãoabsoluta de uma estação pré-histórica portuguesa (Roche, 1957).

Um primeiro estudo sobre a utensilagem lítica obtida nas escavações doconcheiro da Moita do Sebastião foi publicado em 1958 (Roche, 1958). Duasconclusões avultam: a primeira, é o definitivo abandono de pretensas origensnorte africanas, que não se revelavam nas características tipológicas dautensilagem, confirmando anteriores conclusões a propósito do espólio doCabeço da Amoreira. A segunda, resultante da antecedente, é a admissão deuma origem autóctone para a cultura mesolítica de Muge, apesar das aludidasdiferenças na utensilagem entre os diferentes concheiros.

Este estudo antecedeu de perto a monografia sobre as escavações efectuadasna Moita do Sebastião (Roche, 1960), a mais completa de uma estaçãomesolítica até ao presente publicada em Portugal, muito valorizada pelo factode se ter podido reconstituir algumas das práticas funerárias. Assim, foiidentificada a posição dos objectos de adorno, integrando colares, braceletesou peitorais, constituídos por conchas, bem como a presença de sepulturas,onde os inumados, sobretudo em decúbito dorsal, parece terem sido cobertosde ocre, o que sugere a existência de rituais complexos. Nas conclusões,além de se reforçarem aspectos já tratados anteriormente (ausência de

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influências norte-africanas), importa salientar a originalidade que Jean Rochedefendeu para o Mesolítico do vale do Tejo: em abono da origem local dacultura mesolítica de Muge, salienta a existência, a apenas 30 km de distânciade "un important foyer culturel dans la région comprise entre Rio Maior etTorres Vedras, oú il existe de nombreux gisements datant du PaléolithiqueSupérieur et peut-être du Mésolithique. On sait de façon à peu prés certaineque le silex utilisé à Muge provient de là. Il est fort possible que les habitantsde nos trois concheiros soient venus de cette région ou tout au moins, aiententretenu des rapports constants avec elle pour les nécessités de leuréconomie" (Roche, 1960, p. 140). Foi, pois, J. Roche o primeiro arqueólogoa assinalar não só a origem local do Mesolítico do vale do Tejo, mas, ainda,a propor uma origem para os habitantes dos concheiros no litoral da actualEstremadura, proposta que estudos recentes parecem corroborar, de acordocom os elementos atrás descritos, convenientemente alicerçados em dataçõesabsolutas, ao tempo desconhecidas.

As conclusões deste importante estudo salientam a análise dos aspectosrelacionados com o habitat e a organização social das populações em apreço.O autor refere a existência de estruturas de planta semi-circular,correspondentes a pára-ventos, observadas na base do concheiro e defendeua presença, em cada momento de ocupação do sítio, de um número restritode habitantes, utilizando apenas, de cada vez, uma cabana, cujos testemunhosforam encontrados (buracos de poste escavados no solo). Mas a humildadedo quotidiano destas populações não deverá ser confundida com atraso socialou cultural; contrariando a evidência mais imediata, declarou, a tal propósito:"Il serait imprudent de conclure que les habitants du concheiro étaient dessauvages médiocrement doués en se basant uniquement sur les restes matérielsque le temps a bien voulu nous laisser récolter" (Roche, 1960, p. 142). Comefeito, o dia-a-dia destas comunidades, circunscritas em boa parte à regiãoribeirinha da ribeira de Muge, ao contrário de testemunhar um aparenteretrocesso face às suas antecessoras paleolíticas, essencialmente caçadoras,corresponde, simplesmente, a boa adaptação às condições de vida e à captaçãodos recursos potencialmente disponíveis na área envolvente, de forma agarantir, com um mínimo de dispêndio e de esforço, a adequada subsistência.

Dos derradeiros estudos de J. Roche sobre os concheiros de Muge, salienta-seo publicado de colaboração com O. da Veiga Ferreira (Roche & Ferreira,1972/1973). Baseados nas duas datações então conhecidas para cada um dostrês concheiros mais importantes do vale do Tejo – Moita do Sebastião,Cabeço da Amoreira e Cabeço da Arruda – concluíram que a ocupação dosmesmos foi simultânea, porém com inícios diferenciados, pela ordem comque foram referidos. A esta conclusão, que hoje pode ser detalhada, comoadiante se verá, adiciona-se uma outra, esta inequívoca, a de que o Mesolíticode Muge "était un phénomène tardif qui a évolué sans être apparément

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influençé par des apports alochtones. Cet isolément peut s’expliquer par uncontexte géographique très particulier" (op. cit., p. 473).

É neste contexto de isolamento geográfico e auto-suficiência que tem de serinterpretada a ocorrência de cerâmicas neolíticas encontradas na parte superiordos concheiros de Muge (Ferreira, 1974), nas escavações efectuadas porCarlos Ribeiro no ano de 1880 e por Paula e Oliveira em 1884 e 1885, comnítidas afinidades com as cerâmicas do Neolítico Antigo evolucionado daEstremadura: o facto de serem apenas as camadas mais recentes a possuíremtais fragmentos, leva a admitir que, na derradeira etapa da ocupação, aspopulações dos concheiros possam, enfim, ter estabelecido alguma interacçãocom as comunidades neolíticas, estabelecidas já há cerca de 500 anos nomaciço calcário, desde inícios da segunda metade do VI milénio a. C. Sejacomo for, a ocorrência de tais cerâmicas é consistente, não resultando deocasionais intrusões posteriores (embora prováveis no Cabeço da Amoreira,onde se recolheram escassos fragmentos de cerâmicas lisas). Com efeito,são esclarecedoras as observações do próprio Mendes Corrêa sobre a posiçãoque ocupavam tais fragmentos cerâmicos no referido concheiro: "Aparecemalguns fragmentos cerâmicos, mas que, sem dúvida, se devem considerarprovenientes de intrusões ulteriores" (Corrêa, 1934, p. 7 da sep.).

Os restos faunísticos recuperados nas escavações efectuadas no concheiroda Moita do Sebastião, foram objecto de estudo. A fauna malacológica, decrustáceos e de peixes foi estudada por O. da Veiga Ferreira (Ferreira, 1956).O conjunto denuncia águas salgadas, bem como origens diversas, tanto dolitoral atlântico rochoso ou arenoso, como de fundos estuarinos mais vasosos,certamente existentes no próprio local dos concheiros. Repetindoconsiderações anteriormente apresentadas por R. de Serpa Pinto (Pinto, 1932),com base em determinações de Augusto Nobre, refere semelhanças entre osconjuntos malacológicos dos concheiros de Cabeço da Arruda e de Moita deSebastião, os quais evidenciariam algumas diferenças face ao conjunto doconcheiro do Cabeço da Amoreira. Tais diferenças consubstanciar-se-iam naausência, neste último, de mexilhão (Mytilus edulis), espécie muito abundantenos dois primeiros, e na presença de Natica hebraea, molusco que, sendomuito raro no Cabeço da Amoreira, indica águas, mais quentes, que naactualidade, visto corresponder a espécie de distribuição essencialmentemediterrânea e do Atlântico Sul. Tal conclusão é corroborada pela ocorrênciado caranguejo Uca tangeri nos três concheiros em apreço, espécie queactualmente se conhece apenas nos leitos vasosos do litoral alentejano ealgarvio (Saldanha, 1995; Macedo et al., 1999).

Os grandes mamíferos, conquanto tenham sido abordados logo na primeiramonografia publicada sobre o concheiro do Cabeço da Arruda (Costa, 1865),só voltaram a ser monograficamente descritos por G. Zbyszewski, com base

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nos materiais recuperados no concheiro da Moita do Sebastião, nas escavaçõesde 1952 e 1953 (Zbyszewski, 1956): identificaram-se restos de auroque,veado, corço e javali, a que se poderia somar o cavalo (presente no Cabeçoda Arruda, onde foi assinalado por Pereira da Costa).

Desta forma, ter-se-ia continuado, na Estremadura, a actividade cinegéticaque, ao que parece, teria conhecido, no final do Plistocénico e nos primeirostempos holocénicos, provável abrandamento, por alterações dos biótopos,com a expansão das manchas florestais, propiciadas por alterações climáticase pela transgressão marinha, a que já antes se tinha feito referência.

Os grandes mamíferos encontram-se abundantemente representados nosconcheiros do vale do Tejo por espécies que denotam a presença de bosques,talvez de coníferas, dada a presença do esquilo (Sciurus vulgaris), assinaladocom certa abundância. É o caso do javali, do corço e do veado. Tais manchasflorestais coexistiam com espaços abertos, forrados de gramíneas, propíciosà existência do auroque, espécie de maior porte que é muito frequente nosconcheiros, associada ao cavalo (mais raro, talvez devido apenas a maiordificuldade de captura), ao coelho e à lebre, também presentes nos inventáriosfaunísticos.

O interesse pelos estudos faunísticos, como indicadores paleoecológicos,económicos e até sociais foi retomado em Portugal na década de 1980. O primeirodesses estudos deve-se a A. Lentacker que procurou identificar a totalidade dosgrupos faunísticos presentes numa parte dos conjuntos do Cabeço da Amoreira edo Cabeço da Arruda conservados na Faculdade de Ciências do Porto (escavaçõesda década de 1930, dirigidas por Mendes Corrêa, e da década de 1960, sob a direcçãode J. Roche). A importância dos grandes mamíferos na alimentação não é uniforme,no conjunto dos três concheiros: no Cabeço da Amoreira por importânciadecrescente é a seguinte: veado, javali, e auroque; ao contrário, no Cabeço daArruda, o auroque é de longe a espécie com mais importância na alimentação e omesmo parece ter-se verificado, talvez de forma menos evidente, no concheiro daMoita do Sebastião (Zbyszewski, 1956).

No concernente às informações paleocológicas, destaca-se a presença da raia(Myliobatis sp.), já referida por Veiga Ferreira, bem como de espécies da famíliaSparidae, como a dourada (Sparus aurata), que frequentam os estuários sobretudode Junho a Setembro; também o megre (Argyrosomus regius), durante a desova, deAbril a Agosto, frequenta os estuários, migrando por vezes os juvenis até as águasdoces. É interessante assinalar ainda a presença de esturjão (Acipenser sturio), emambos os concheiros, espécie de carácter igualmente sazonal, que subia o Tejo, nofinal do Inverno, para a desova.

No grupo das aves, são mais comuns as de zonas húmidas, como seria de prever.A presença de peixes preferencialmente capturados na Primavera e Verão, a par de

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aves, frequentadoras sazonais da região no Outono e Inverno, bem como adistribuição etária aparentemente indiferenciada das espécies de mamíferospresentes, designadamente coelho, veado, e auroque, sugere a ocupação peri-anualdos concheiros.

No conjunto, os concheiros eram habitados, ao longo de todo o ano, comoparece concluir-se dos resultados dos estudos faunísticos e situavam-sepróximo de estuário, de fundo areno-vasoso, a montante de um litoral comtrechos rochosos, e com zonas húmidas dispersas, mal drenadas, comoacontece actualmente, com desenvolvidos espaços abertos, pontuados demanchas florestais de características mistas, constituídos por pinheiros ecaducifólias.

A evolução paleoambiental do vale da ribeira de Muge foi objecto de estudorecente (Van der Schriek et al., 2003).

Uma das causas do abandono da economia de caça e recolecção patenteadapelas populações dos concheiros pode residir nas alterações ambientais e,com elas, no desaparecimento dos recursos aquáticos – designadamente amalacofauna – que constituía a reserva alimentar menos sujeita a variações econtingências. Com efeito, com a progressão do movimento transgressivomarinho, o leito da ribeira de Muge, cujo fundo se situava cerca de vinte avinte e cinco metros abaixo da cota actual no final do tardiglaciário(10 000 anos BP), foi progressivamente colmatado de sedimentos, sobretudodesde o início do pós-glaciário, modificando-se paulatinamente o ambienteestuarino pré-existente, tão propício à existência dos recursos acima descritos.A superfície topográfica junto ao Tejo, no período inicial de instalação dosconcheiros estaria a cerca de 4,20 m de profundidade; já então a máximainfluência das marés se não fazia sentir na zona: é o que indica a data de7490 ± 180 anos BP obtida sobre material vegetal colhido àquelaprofundidade. Cerca de 2220 ± 80 anos BP, já o fundo do vale se situava acerca 1, 55 m de profundidade, indicando que a sedimentação foi rápida nodecurso da ocupação humana dos concheiros, já então abandonados.Formou-se em certos locais um paleossolo escuro, rico de matéria orgânica,indício de um toalha freática superficial e de uma paragem na sedimentação.

Uma sondagem efectuada no fundo do vale da ribeira de Muge, a meiocaminho entre os concheiros de Cabeço da Arruda e da Moita do Sebastião,mostrou que, entre os 4 e os 2 m de profundidade, a vegetação evidencianítido declínio do pinhal, comparativamente ao período anterior, situando-seo início desta zona cerca de 7500 anos BP. Em Alpiarça, foi identificadoidêntico declínio no espectro polínico, embora em época ulterior, cerca de5000 anos BP. É nesta época que ocorrem os primeiros indícios de água

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doce, com a presença de plantas como Typha e Nymphea, e o desaparecimentode Jadammina e Trochammina, foraminíferos aglutinados que denunciam ainfluência directa das marés, embora existissem lagunas salgadas nasproximidades, dada a alta presença de Chenopodiaceae.

Pode, pois, concluir-se que o sector terminal da ribeira de Muge antes da suaconfluência com o Tejo, se encontrava ainda directamente sujeito à influênciadas marés, na época de instalação dos concheiros, embora tal influênciaestivesse em fase de amortecimento acentuado, devido ao progressivoassoreamento do paleoestuário, o qual determinou o abandono dos concheiros,cerca de 5000 anos BP. É provável que o rápido assoreamento de um valemal drenado como aquele, tenha propiciado a conservação de importantesestruturas arqueológicas, actualmente enterradas.

A alteração do biótopo estuarino ali existente, com a inerente redução daabundância e diversidade de recursos disponíveis, que anteriormente seestendiam por vasta área até cerca de 70 km a montante da embocadura doTejo, devido à transgressão flandriana, esteve na origem do abandono daforma de organização económica e social adoptada pela população dosconcheiros, adaptando-se, pela força das circunstâncias, a novas formas devida, incluindo a agricultura e o pastoreio, aliás praticadas havia cerca de500 anos pelas suas vizinhas do Maciço Calcário.

No entanto, a grande abundância de conchas existentes, aliás justificativa daprópria designação destes montículos artificiais, com nítido predomínio deespécies salobras, como a lamejinha (Scrobicularia plana) e o berbigão(Cerastoderma edule), pode induzir em erro sobre o seu verdadeiro papel naalimentação, dado o superior valor calórico da carne obtida de qualquer dasespécies caçadas. Com efeito, as análises bioquímicas efectuadas sobreamostras ósseas humanas de antigos habitantes destes concheiros, vierammostrar que estes mantinham uma dieta constituída por alimentos de origemaquática e terrestre em partes iguais, o que confirma a diversidade de fontesalimentares utilizadas (Lubell et al., 1994).

A informação arqueológica e arqueozoológica é muito mais pobrerelativamente aos concheiros da ribeira e Magos, a jusante de Muge eigualmente tributária da margem esquerda do Tejo. No conjunto dosconcheiros assinalados na década de 1930, apenas do Cabeço dos Morros sepublicaram os trabalhos de escavação efectuados, primeiro sob a direcção deM. Farinha dos Santos e J. Rolão e, depois, só por este último; as faunasforam objecto de estudo preliminar (Detry, 2002/2003a). No conjunto,apresentam-se muito mais escassas que as dos concheiro de Muge, emborarepesentadas pelas mesmas espécies de grandes mamíferos. Contabilizandoo número de restos identificados de cada espécie com o correspondente pesomédio de carne utilizada, verifica-se que o maior contributo pertence ao javali,

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seguido do veado, do auroque e, finalmente do cavalo. É interessante verificarque o cavalo, no Cabeço dos Morros, é muito mais importante que nosconcheiros de Muge. Enfim os lagomorfos, ainda que possuindo umaquantidade de biomassa muito inferior à dos grandes mamíferos, poderiamconstituir uma reserva sempre acessível, como os recursos aquáticos,sobretudo em períodos de maior penúria, devido à sua fácil captura. As avesestariam nas mesmas circunstâncias; cerca de metade das espéciesidentificadas relacionam-se directamente com zonas húmidas, denunciandotambém a importância destas na paisagem de então, não totalmentedesaparecidas, na actualidade, na região.

Importa registar a existência do cão, primeiro animal doméstico na Pré-Históriado continente europeu, cujos primeiros restos foram assinalados por Carlos Ribeiroe, depois, por F. de Paula e Oliveira, nos concheiros do vale do Tejo (Ribeiro,1884; Oliveira, 1888/1892); mais tarde, foi identificado nas escavações realizadaspor O. da Veiga Ferreira e J. Roche, na década de 1960, no concheiro do Cabeço daAmoreira. Enfim, no concheiro das Amoreiras, no vale do Sado, foi recuperado,em 1985, um esqueleto quase completo de cão doméstico, ainda em conexãoanatómica (Arnaud, 1986), a que se junta um outro exemplar, das escavações antigasde um concheiro do vale do Tejo, publicado em 2002 (Cardoso, 2002), talvez aCova da Onça, que se manteve inédito. Uma datação pelo radiocarbono, confirmoua sua idade mesolítica: para 95% de probabilidade, o intervalo calibrado obtido foide 6010-5850 a. C. O cão desempenharia, pois, nos concheiros mesolíticos dosvales do Tejo e do Sado, um papel de guarda e de ajudante do homem, incluindo aparticipação na caça e, talvez, também na pesca, justificando-se assim que, emcondições normais, não fosse comido, como sugere a presença dos dois esqueletossupra mencionados. A hipótese de se tratar de um animal no estado selvagemsugerida por Mendes Corrêa (Corrêa, 1933), pelo facto de não ter encontrado ossosroídos de grandes mamíferos caçados entre o espólio recolhido, não se confirma.Com efeito, no decurso da revisão das faunas dos concheiros de Muge (Detry, inf.pessoal, a quem se agradece), foram encontradas extremidades de ossos longos dejavali, com vestígios de terem sidos fortemente roídos, o que é indício indirecto dapresença daquele carnívoro. A ocorrência destes dois esqueletos, que mereceramenterramento, em dois concheiros diferentes, reflecte a existência de rituaisfunerários, tendo paralelo em dez sepulturas homólogas identificadas nas necrópolesmesolíticas de Skateholm I e II, sobre a costa báltica escandinava, acompanhandosetenta e sete sepulturas humanas (Larsson, 1990). Em pelo menos dois casos, osenterramentos foram acompanhados de oferendas funerárias idênticas às que eramdepositadas em sepulturas humanas, incluindo rituais de ocre vermelho. Mas arealidade seria ainda mais complexa, visto dois dos canídeos terem sidointencionalmente mortos e colocados em duas sepulturas humanas, sugerindoacompanharem os seus antigos donos na morte. Noutros casos, eram apenas partesde esqueleto que se associaram às sepulturas humanas, em resultado de um

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desmembramento intencional, sugerindo desta forma a existência de uma relaçãocompletamente diferente entre ambos os inumados.

O esqueleto completo de um cão de um dos concheiros de Muge, parececorresponder a um animal intencionalmente abatido, como se deduz das lesõescranianas nele observadas, enquanto que o cão do concheiro do Cabeço dasAmoreiras parece ter sido esquartejado, visto ocorrer aparentementeincompleto, de acordo com a foto publicada (Arnaud, 1986, p. 81). Trata-se,pois, de uma temática que merece ser desenvolvida, pelas informações quepoderá trazer sobre os rituais funerários das comunidades mesolíticas dosconcheiros, temática ainda pouco estudada. A este respeito, têm interesse asobservações apresentadas por J. Roche relativas ao concheiro da Moita doSebastião (Roche, 1960): o ocre vermelho, de que se recolheram muitosnódulos, seria polvilhado sobre os corpos dos mortos ou serviria para pinturasrituais nos vivos, que nalguns casos tingiram as conchas, utilizadas comoadorno; estas, na sua larga maioria, encontraram-se junto das sepulturas,sobre os cadáveres. Merecem destaque as centenas de contas de Neritinafluviatilis perfuradas, as quais, nalgumas sepulturas da Moita do Sebastião,pela sua disposição, indicam terem pertencido a braceletes, colares, peitoraise diademas. Em pelo menos duas sepulturas deste concheiro, os rituais deocre vemelho foram acompanhados de rituais de fogo, com pequenasfogueiras de ramagens, ou mais intensas, visto num caso o calor produzidoter calcinado superficialmente o osso craniano. A associação de restosalimentares a algumas das sepulturas deste concheiro é outra evidência depráticas rituais e do papel atribuído à alimentação: assim, um dos corpos foidepositado sobre uma cama de amêijoas (Ruditapes decussatus) por abrir;outro, foi envolvido por grande quantidade de helicídeos não perfurados (Helixpisana) e um terceiro por numerosas conchas de lamejinha (Scrobiculariaplana).

As investigações desenvolvidas até ao presente nos concheiros do vale doTejo conduziram à recolha de cerca de trezentos esqueletos, situando-os entreuma das ocorrências mais relevantes do Mesolítico europeu. Neste cômputogeral, incluem-se os recém identificados materiais da Cova da Onça,resultantes das escavações do século XIX ali realizadas; trata-se de um dosconcheiros da margem direita da ribeira de Magos, cujos restos ascendem a32 indivíduos, sendo 5 não adultos, ainda não estudados em pormenor (Cunha& Cardoso, 2002/2003). Esta situação não é de estranhar, porquanto, mesmonos conjuntos mais conhecidos, apenas uma parte deles foi estudada. Dasconclusões obtidas sobre a população da Moita do Sebastião (Lubell, Jackes& Meiklejohn, 1989), salienta-se que esta se apresentava menos robusta emais pequena que a população portuguesa actual; que a esperança média de

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vida à nascença não ultrapassaria os 30 anos e que um terço da populaçãoterá morrido antes dos vinte anos, taxa que se afigura relativamente baixa,comparativamente à realidade de outras estações europeias mesolíticas.Assim, pode concluir-se que as condições de vida seriam relativamente boas,propiciadas por bases de subsistência disponíveis e variadas na própria áreaadjacente; contudo, esta realidade poderá encontrar-se algo distorcida. Comefeito, não só é muito alta a incidência de hipoplasias ambientais no esmaltedos dentes definitivos (que indicam "stress" alimentar), mas também aprovável existência de conflitos entre grupos supostamente antagónicos(Antunes & Cunha, 1992/1993), talvez resultantes de situações de carênciaalimentar. Parecem ter existido, por outro lado, a aceitar as conclusões doreferido estudo, situações e práticas de violência, realizadas no vivo. Estarealidade encontra-se de alguma forma confirmada por outras evidênciaspeninsulares, até pictográficas, da existência de guerra em épocas semelhantesno levante ibérico (Mesolítico/Neolítico Antigo em diante): é o caso dasadmiráveis pinturas rupestres de Molino de las Fuentes, Minateda e Combatede Les Dogues, incluindo cenas que, sem dificuldade, poderiam seinterpretadas como de execução de inimigos capturados (Cova Remigia).

De qualquer modo, esta realidade não contraria a existência do nichoecológico privilegiado para a vida humana, tendencialmente sedentária,oferecido pelo fundo do então estuário do Tejo, correspondente à confluênciadas ribeiras de Magos e de Muge. Ali, onde as águas salobras ainda chegavam,devido ao efeito das marés, os recursos existentes chegariam para satisfazeras necessidades essenciais destas comunidades recolectoras de largo espectro;isso justifica por um lado a longevidade do modo de vida mesolítico aliverificado, bem como o seu evidente sucesso.

Importa salientar, com efeito, que, dos 186 sítios mesolíticos inventariadosna Europa em 1984 (Meiklejohn et al., 1984), em apenas 80 foram recolhidosrestos humanos. Desses 80, apenas 7 tinham séries incluindo mais do que10 indivíduos, sendo o Cabeço da Arruda, a Moita do Sebastião e o Cabeçoda Amoreira três deles (além do concheiro da Cova da Onça).

A área relativamente abrigada, rica de recursos e pouco habitada, constituídaentão pelo fundo do paleoestuário do Tejo, desde o início do Atlântico, terásido propícia a uma maciça ocupação humana, por despovamento do litoralatlântico do maciço calcário que lhe fica contíguo (Zilhão, 1992), ainda que,como é natural, tal despovoamento não tenha sido total, o mesmo acontecendocom o litoral ocidental; deve ter-se sempre presente o perigo de generalizaçõessimplificadoras de uma realidade arqueológica que foi certamente muito maiscomplexa do que aquela que, agora, é susceptível de ser identificada, combase nos esparsos vestígios até agora detectados.

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A razão para tal fenómeno demográfico seria simples de perceber: com oestabelecimento de condições de fixação para uma vida proto-sedentária –pela primeira vez ocorrem verdadeiros cemitérios constituídos nos própriosconcheiros, indicando uma "ancoragem" efectiva da população a territóriobem definido – deixaria de se justificar o povoamento de uma outra região,onde o quotidiano seria por certo muito mais penoso. Bastaria lembrar adisponibilidade quase ilimitada de peixe e de moluscos existentes na áreaadjacente aos concheiros – alguns deles encontrados ainda por abrir, indicandopráticas de armazenamento, ainda que de curta duração, corroboradas pelaexistência, na Moita do Sebastião, de "silos de armazenagem" – para secompreender a opção pela recolecção, mantida por cerca de um milénio,quando, em outras regiões próximas, menos favoráveis, designadamente opróprio Maciço Calcário, já se tinha afirmado a economia neolítica.

A cronologia dos concheiros de Muge encontra-se balizada entre cerca de7500 e 6500 anos BP, ou, em anos de calendário, aproximadamente, entrecerca de 6200 e 5200 a. C. Recentes datas de radiocarbono, vieram dar maiorprecisão a estes resultados, por possuírem controlo estratigráfico. Assim, asduas datas obtidas, respectivamente, para a base e o topo do concheiro doCabeço da Arruda, situaram-no entre 7040 ± 60 BP e 6620 ± 60 anos BP, aque correspondem, respectivamente, os intervalos, em anos de calendário,para cerca de 95 % de probabilidade, de 6015-5770 e 5656-5237 a. C. Emcomparação, o Cabeço da Amoreira parece ser de fundação mais recente eter sido mais precocemente abandonado: as duas datas obtidas para a base eao topo da sequência, são as seguintes: 6630 ± 60 anos BP e 6550± 60 anos BP, as quais correspondem aos intervalos de 5664-5433 a. C., paraa fase mais antiga e 5596-5368 a. C. para a mais recente (Van der Schriek etal., 2002/2003). O concheiro da Moita do Sebastião parece ser o da fundaçãomais antiga, cerca de 6200 a. C., a única que foi datada.

6.2.4 Concheiros do vale do Sado

Em articulação com os concheiros do baixo vale do Tejo encontram-se osdetectados no baixo vale do Sado; as ligações entre ambas as regiões eram,aliás, facilitadas pela suavidade dos relevos e pela rede hidrográfica, quepermitia um contacto quase contínuo entre a bacia hidrográfica do Sado e osafluentes da margem esquerda do Tejo. Esta realidade encontra-se reforçadapela cronologia absoluta, que aponta para uma contemporaneidade genéricana ocupação daqueles dois grandes núcleos humanos.

Descobertos os primeiros concheiros do vale do Sado na década de 1930 porLereno Antunes Barradas (Barradas, 1936), as explorações só se iniciaram

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nos finais da década de 1950, prolongando-se até inícios da seguinte, poriniciativa de Manuel Heleno, que assim procurou colmatar uma lacuna nascolecções do Museu Nacional de Arqueologia, então por si dirigido, que atéentão não possuía espólios de qualquer concheiro do Mesolítico. Porém,como era frequente com escavações realizadas sob a direcção daquelearqueólogo, aos trabalhos de campo não se seguiam as necessáriaspublicações, pelo que aqueles se mantiveram inéditos. Nos inícios da décadade 1970, Manuel Farinha dos Santos, que tinha sido assistente de ManuelHeleno e que já anteriormente tinha localizado no vale do Sado dois novosconcheiros, o Barranco da Moura e a Fonte da Mina, publicou, de colaboraçãocom J. Soares e C. Tavares da Silva, alguns espólios dos concheiros do Cabeçodo Pez (Santos, Soares & Silva, 1974), bem como os materiais campaniformesdo concheiro da Barrada do Grilo, que não interessam ao caso em apreço. Jána década de 1980, J. M. Arnaud organizou um programa de investigaçõesque conduziu a novas escavações em diversos concheiros (Cabeço do Pez,1983; Cabeço das Amoreiras, 1985 e 1986; e Poças de São Bento, 1987 e1988), bem como à publicação de trabalhos de síntese e de outros, relativosà história das descobertas (Arnaud, 2000).

Dos 11 concheiros conhecidos, apenas se efectuaram escavações, ou simplessondagens, nos concheiros de Arapouco, Amoreiras, Vale de Romeiras,Cabeço do Pez (com a maior área escavada, ascendendo a 635 m²) e Poçasde São Bento. No conjunto, recolheram-se restos de 32 a 36 indivíduos emCabeço do Pez, 32 em Arapouco, 25 em Vale de Romeiras, cerca de 15 emPoças de São Bento, 6 em Amoreiras e apenas um no concheiro de Várzea daMó (Cunha & Umbelino, 1995/1997). Trata-se, pois, de efectivos que, emboraexcepcionais à escala europeia, se apresentam muito inferiores aos registadosnos concheiros de Muge.

Os resultados preliminares dos estudos antropológicos conduzidos pelas duasautoras salientam a existência de populações homogéneas, com alturas médiasidênticas às dos indivíduos de Muge, bem como alimentação parecida,denunciada por séries dentárias com grande abrasão, relacionada com ointenso consumo de marisco carregado de areia. Tal como nos concheiros dovale do Tejo, ao nível dos moluscos, predomina o berbigão (Cerastodermaedule), logo seguido pela lamejinha (Scrobicularia plana). Esta realidaderesulta da preferência da primeira das espécies por fundos mais arenosos, aocontrário da segunda, que é dominante em depósitos vasosos. Na actualidade,os locais em que se apanha o berbigão situam-se cerca de 50 quilómetros ajusante dos concheiros (Barradas, 1936), o mesmo se verificando no vale doTejo, facto revelador da extensão da progressão, para montante, da cunha deágua salobra, à época da formação dos concheiros.

O desenvolvimento destes concheiros, ao longo do baixo Sado e dos seusafluentes laterais, denuncia uma estratégia de ocupação do território e de

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exploração dos respectivos recursos análoga à patenteada na mesma época,no vale do Tejo. Mas, ao contrário destes, parece evidenciar-se um papelmais diferenciado, com existência de concheiros principais, que constituiriamacampamentos-base, com uma ocupação mais estável e permanente. É o casodo concheiro do Cabeço do Pez, mais a montante – o único que conheceuuma intensa ocupação, no Neolítico Antigo evolucionado, atestando amanutenção da sua importância – enquanto noutros, sobretudo os situadosmais a jusante, apenas se registou uma fauna de moluscos (Poças de SãoBento, Arapouco, Cabeço do Rebolador), atestando a sua frequência sazonal,sobretudo nos meses de Primavera e Verão. Com efeito, os restos de grandesmamíferos, no concheiro do Cabeço do Pez, totalizam cerca de 1700 peças;as cinco espécies mais relevantes na dieta alimentar, são as seguintes, porordem decrescente de número de restos identificados (Arnaud, 1987): veado(70%); javali (26%); auroque (3%); corço (0,5%); e cavalo (0,5%). Umarecente revisão deste conjunto faunístico (Detry, 2002/2003 b), conduziu aocálculo do número mínimo de indívíduos presentes de cada espécie, incluindoos leporídeos: assim, na totalidade do seis níveis artificiais em que foisubdividida a acumulação, desde a superfície até cerca de 1,25 m deprofundidade, identificaram-se restos correspondentes a 30 coelhos; 23 lebres;13 javalis; 20 veados; 1 corço; 2 auroques; e um cavalo. Comparativamentecom os resultados arqueozoológicos obtidos no vale do Tejo, evidencia-seuma nítida dominância do veado, à custa da diminuição dos efectivos deauroque, enquanto que as quantidades de javali são, globalmente, comparáveisnos dois conjuntos.

A posição dos concheiros relativamente ao enchimento aluvionar moderno,ulterior ao seu abandono, é variável; assim, existem sítios, como a Barradadas Vieiras, com uma área de cerca de 100 m², apenas 2 m acima da várzea;o de Vale de Romeiras, com cerca de 400 m², situa-se sobre aquela cerca de20 m e outros ainda se encontram a maiores altitudes, entre os 40 e os 50 m.O concheiro das Poças de São Bento, a cerca de 3,5 quilómetros do Sado,em plena aplanação terciária corresponde, não obstante, a uma das maioresacumulações de conchas, com uma área superior a 4000 m². Um contributosignificativo e ainda não aproveitado, foi a localização de quatro novos locais,no decurso do levantamento geológico da folha do Torrão (Cardoso &Gonçalves, 1992).

As datações de radiocarbono até ao presente realizadas mostram que osconcheiros do vale do Sado, embora denunciando alguma diacronia entre si,se inscrevem, globalmente, ao longo do VI milénio a. C. e no primeiro quarteldo V milénio a. C. (designadamente o do Cabeço das Amoreiras), pelo quesão globalmente contemporâneos dos concheiros de Muge, cujas balizascronológicas foram anteriormente indicadas.

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As datas conhecidas apontam o concheiro de Arapouco como o mais antigo, comuma data centrada em 7040 ± 70 anos BP para a sua parte média, correspondendoao intervalo calibrado com cerca de 95 % de probabilidade de 5992-5715 a. C.,enquanto o Cabeço do Pez teria a sua última ocupação em torno de 6150 ± 70 anosBP, correspondendo a um intervalo já plenamente neolítico (5214-4805 a. C.),cronologia que, aliás, se encontra em sintonia com a abundância de cerâmicas doNeolítico Antigo ali recolhidas. O concheiro das Amoreiras, possui ainda cronologiamais moderna, visto às duas datas obtidas (5990 ± 75 anos BP e 5990 ± 80 anosBP) corresponderem intervalos que atravessam todo o primeiro quartel do V milénioa. C. (respectivamente 5060-4718 a. C. e 5064-4715 a. C.), cronologia a quecorresponde, em outros contextos, o Neolítico Antigo evolucionado. Com efeito,neste concheiro ocorreram abundantes fragmentos de cerâmicas neolíticas, não sóna camada superficial mas também no próprio estrato do concheiro. De entre oscerca de sessenta fragmentos recolhidos, destaca-se a presença de vários comdecoração cardial,oriundos dos níveis inferiores do concheiro (Arnaud, 2000), oque configura a existência de interação entre os habitantes mesolíticos do sítio eas populações já neolitizadas do litoral (Arnaud, 1986). Esta realidade difere dareconhecida nos concheiros do Tejo, porquanto os fragmentos neolíticos aliencontrados – dos quais nenhum é cardial – se circunscrevem à parte superior dasacumulações e jamais ao interior destas, sugerindo que, somente na fase final dasdiversas ocupações, os respectivos habitantes teriam interagido com as populaçõesneolíticas do Maciço Calcário estremenho.

Tendo presentes os ainda escassos estudos das indústrias líticas realizadaspara os conjuntos exumados nos concheiros do Sado, evidencia-se a largapredominância de matérias-primas locais, de fraca qualidade, incluindo rochassiliciosas de precipitação química, que nada têm a ver com a boa qualidadedo sílex dos concheiros de Muge. Esta realidade poderá ter, de alguma forma,determinado a tipologia dos produtos de debitagem, onde predominamlargamente micrólitos geométricos de pequenas dimensões, ainda que comdiferenças quantitativas entre os diversos locais representados: em Arapouco,Vale de Romeiras e Poças de São Bento, dominam os trapézios, enquantoque os segmentos de círculo (crescentes) são os elementos mais abundantesno concheiro das Amoreiras e os triângulos ocorrem sempre em percentagensinferiores (Arnaud, 2002). Até ao presente, o único conjunto objecto de estudotipológico completo e actualizado foi o recolhido no concheiro das Poças deSão Bento, nas escavações da década de 1980 (Araújo, 1995/1997).

Apenas 5,2% dos artefactos deste concheiro (incluindo lascas e resíduos detalhe) foram transformados em utensílios, com predomínio dos trapézios(35,9%), seguidos dos segmentos de círculo (13,6%) e dos triângulos (6,7%).Mas as diferenças tipológicas observadas não foram susceptíveis de se

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relacionarem com a diacronia das diversas ocupações; em alternativa, taisdiferenças, tal como nos concheiros da região de Muge, poderiam dever-se,simplesmente, a actividades específicas neles desenvolvidas, que assumiriamcaracterísticas diferenciadas e especializadas.

Mesmo na região de Muge, a visão evolucionista, admitida por Jean Roche,que supunha a substituição de trapézios (dominantes na Moita do Sebastião)por triângulos (prevalecentes no Cabeço da Amoreira) é contrariada não sópelas datações de radiocarbono obtidas, que vieram mostrar uma largasobreposição cronológica na ocupação dos três concheiros mais importantes,mas também pelo facto de o concheiro do Cabeço da Arruda, apesar de serem grande parte contemporâneo do Cabeço da Amoreira e mais tardio doque os níveis basais da Moita do Sebastião (os únicos datados desteconcheiro), ter mostrado uma nítida dominância dos trapézios sobre ostriângulos.

Importa sublinhar que as datações obtidas não possuem suficiente precisãopara garantir a efectiva ocupação simultânea dos três concheiros maisimportantes da ribeira de Muge, sendo, por outro lado, dificilmente explicáveisas diferenças tipológicas observadas, com base em tradições distintas dasrespectivas populações, dada a curta distância que separa os três concheiros:a descontínua frequentação dos mesmos, afigura-se mais adequada àexplicação da realidade arqueológica observada.

6.2.5 O Mesolítico Final dos vales do Tejo e do Sado: estudo comparado

Não possuindo, como se referiu, as datações radiométricas, suficiente rigorpara discernir diacronias da ordem das várias dezenas de anos, tempo maisdo que suficiente para se produzirem as diferenças tipológicas observadasentre os diversos locais, ao nível da utensilagem lítica, mas sem renunciar auma especialização funcional sincrónica como justificação possível– relembre-se que os micrólitos são apenas elementos de instrumentoscompósitos onde se encontrariam encastoados, cujas característicasmorfológicas permanecem de todo desconhecidas – importa referir recenteestudo de síntese de G. Marchand (Marchand, 2001).

Tal estudo valorizou a evolução tipológica em função da cronologia, actuali-zando as conclusões obtidas por J. Roche para o vale do Tejo. Com efeito,tomando como ponto de partida o estudo pormenorizado dos materiais dedois pequenos concheiros do vale do Sado, escavados por ordem de ManuelHeleno – Várzea da Mó e Cabeço do Rebolador – o autor foi levado a concluirque as diferenças observadas nas características das indústrias teriamsignificado cronológico, embora este nem sempre se possa demonstrar.

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Invocando opinião de J. Vierra, segundo a qual a evolução da tipologia das"armaduras" no Mesolítico da costa sudoeste é independente dafuncionalidade dos sítios, o autor apresentou a seguinte evolução cronológica,constituída pelas três fases principais seguintes:

Fase 1 – Situada entre 6100 e 5900 a. C. Encontra-se representada noconcheiro da Moita do Sebastião e, com reservas, nos concheirosdo vale do Sado de Arapouco e de Vale de Romeiras. Dominamnitidamente os trapézios assimétricos de diversos tipos, ocorrendosubsidiariamente triângulos, especialmente no último;

Fase 2 – Situada na primeira metade do VI milénio a. C.; foi uma fase breve,caracterizada pelo aparecimento dos característicos triângulos comespinha, no Cabeço da Amoreira, ditos "triângulos de Muge", cujaocorrência diminui, segundo J. Roche, da base para o topo doreferido concheiro, ao contrário dos segmentos (crescentes), quevariam em proporções inversas. Por outro lado, enquanto nosconcheiros considerados das Fases 1 e 3 são os triângulos escalenosque dominam, no conjunto dos triângulos, neste concheiro ostriângulos isósceles são os mais numerosos.

As particularidades referidas levam a admitir que a ocupação doCabeço da Amoreira corresponde essencialmente a fase intermédiana história dos concheiros do Tejo. Assinale-se que, nesteconcheiro, a fraca evolução tipológica, conjugada com a potênciada estratigrafia observada, indica uma ocupação intensiva duranteum curto intervalo de tempo, associada a fraca mobilidade,característica que também é extensiva aos restantes concheiros daribeira de Muge, como atrás se referiu;

Fase 3 – Do ponto de vista tipológico, é nesta fase que se observa odesenvolvimento da importância dos segmentos (crescentes) e dostrapézios, em detrimento dos triângulos, com aparente predomíniodos primeiros sobre os segundos, nas fase finais de ocupação: é oque se conclui do verificado no Cabeço das Amoreiras, o maisrecente dos concheiros do vale do Sado. Nesta derradeira fase,situável entre 5600 e 5000/4800 a. C., verifica-se nítido declínioda presença humana na região de Muge, ao contrário do observadotanto no vale do Sado, como no litoral do Baixo Alentejo (regiãoque será adiante caracterizada), onde aquela se mantém. Nãoespanta que, deste modo, lhe seja atribuída um significativonúmeros de concheiros: no Sado, Várzea da Mó, Cabeço doRebolador, e Poças de São Bento, para além do acima referido e,no litoral alentejano, Fiais e Vidigal, entre outros.

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No conjunto, de acordo com G. Marchand, não se detectam diferençassignificativas entre a tipologia das armaduras dos concheiros do Tejo e do Sado,salvaguardando as características impostas pela matéria-prima destas últimas,essencialmente rochas locais de inferior qualidade: dominam, globalmente,os trapézios e os triângulos, com fraca presença de triângulos escalenos.

As comparações efectuadas ao nível da indústria lítica, podem serdesenvolvidas a outros campos. No concernente ao tipo humano, conclui-seque era idêntico, como de seria de esperar. Também idênticas são certasmodificações dentárias observadas, de índole económica: é o caso, já atrásreferido, da forte abrasão dentária, observada em ambas as regiões, devidapor certo à ingestão de mariscos carregados de grãos de areia, depois dedirectamente assados sobre o lume ou recorrendo a pedras aquecidas.

Quanto às sepulturas, estas apresentam-se mais comuns na parte inferior dosconcheiros do Tejo; no Sado, a fraca potência das acumulações, não permitiuevidenciar de forma tão nítida a posição dos enterramentos, mas estesconcentrar-se-iam, também, na zona inferior das acumulações. No entanto, aposição em que os cadáveres foram depositados difere sensivelmente. Assim,enquanto na Moita do Sebastião, no Cabeço da Arruda ou no Cabeço daAmoreira, os corpos eram sobretudo depositados em decúbito dorsal, compernas e braços flectidos ou não (variante mais rara), como se conclui dosdesenhos de campo de O. da Veiga Ferreira e das fotos recentementepublicadas (Cardoso & Rolão, 1999/2000), nos concheiros do Sado a posiçãoera, por via de regra, em decúbito lateral, com os braços e pernas flectidos(posição fetal), de carácter evidentemente ritual.

No concernente a estruturas de carácter habitacional, no Sado apenas seidentificaram no concheiro das Poças de São Bento, em 1987, correspondentesa diversas depressões escavadas no subsolo, atribuídas a "buracos de poste"(Arnaud, 2000, 2002). Idênticas estruturas negativas se encontraram no valedo Tejo, nas escavações realizadas em 1954 no concheiro da Moita doSebastião, conotáveis com uma provável cabana de planta sub-rectangular(Roche, 1960, Fig. 26), já atrás mencionada, a par de outras, identificadas nabase do mesmo concheiro e relacionadas com lareiras em "cuvettes" e assimclassificadas pela presença de cinzas e de carvões (Cardoso & Rolão,1999/2000, Fig. 25). A existência de outras fossas, preenchidas por bivalvesainda por abrir, levaram alguns autores a interpretá-las como depósitosalimentares, funcionando como reserva. Contudo, se tivermos emconsideração o rápido processo de degradação destes mariscos, facilmentese conclui que tais depósitos não poderiam significar o carácter sedentáriodas respectivas populações, que terá de ser – como foi – justificado por outrasvias.

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A riqueza documental do concheiro da Moita do Sebastião explica-se: comefeito, foi o único sítio do vale do Tejo que foi objecto de escavações emextensão, motivadas por um arrasamento dos níveis médios e superiores commaquinaria, relacionados com a construção de diversas instalações agrícolas;nos outros sítios intervencionados, J. Roche privilegiou a realização de cortesestratigráficos, em detrimento da investigação em área, impedindo-o destemodo de conhecer as modalidades de ocupação e organização do espaçohabitado.

No vale do Sado, as escavações realizadas por iniciativa de Manuel Helenodesenvolveram-se em extensão, tomando como princípio metodológico adecapagem por camadas artificiais. Mas a potência era em geral fraca e aimportância dos sítios menor que a dos anteriores, pelo que não se obtiveraminformações relevantes, a tal propósito.

Os concheiros dos vales do Tejo e do Sado indicam uma evidente estabilidadeda ocupação humana, de características peri-anuais. Para isso concorreria afacilidade de recursos localmente disponíveis, a benignidade climática e,até, um certo isolamento geográfico, propiciado pela vastidão dos terrenosda charneca ribatejana que os envolvem, os quais se espraiam insensivelmentepelo Alto Alentejo, sendo delimitados do lado oposto pelo vale do Tejo, ezonas adjacentes ribatejanas do outro lado do rio, região também pouco ounada povoada. Situação de ainda maior isolamento corresponderia ao valedo Sado.

As indústrias líticas destes dois complexos populacionais, conquanto já nãorevelem quaisquer tradições tecno-tipológicas do final do Paleolítico Superior,conservam a tendência microlítica já então evidenciada. O microlitismo foi,deste modo, não só um processo resultante da crescente economia damatéria-prima, como a resposta à necessidade de um equipamento de caça/pesca cada vez mais especializado e leve. Com efeito, o provávelprosseguimento do aumento demográfico, realidade que foi uma constanteno decurso do Paleolítico Superior, somado a uma nítida tendência para asedentarização em determinados locais mais propícios de alguns vales fluviais,bem como a provável diminuição dos recursos caçados – de que teriaresultado, justamente, a adaptação recolectora verificada logo no início dopós-glaciário – obrigou a uma mobilidade cada vez mais evidente, levandoas populações sediadas nos concheiros a uma árdua tarefa cinegética, feitacada vez a maior distância dos sítios habitados: a atracção centrípeta exercidano povoamento por tais locais é indicada pela escassez de povoamentoconhecido na sua envolvência, sem prejuízo de se reconhecerem abundantesindústrias de base macrolítica nas regiões circundantes, que não repugnaadmitir serem em parte, coevas dos concheiros, como se evidencia pelacartografia publicada por A. do Paço relativamente à região dos vales dasribeiras de Muge e de Magos (Paço, 1938). A abundância de tais indústrias,

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foi confirmada plenamente por ulteriores trabalhos, tanto naquela região,como no Sado, pelo que se justifica um maior detalhe na sua abordagem.

Apesar de serem abundantes as indústrias sobre seixos da região da margemesquerda do Baixo Tejo, são escassas as referências estratigráficas a elasassociadas. Uma das excepções corresponde à estação do Moinho deBenavente, descoberta em Dezembro de 1940 (Breuil & Zbyszewski, 1942,p. 303). Com efeito, foi ali observada a sobreposição de areias dunaresmodernas, com indústrias de sílex reportáveis ao Mesolítico, a um nível maisgrosseiro e consolidado, de cor amarelada, possuindo, na sua parte mais alta,"une couche de sable noir à matières organiques, cendres et traces demanganèse, avec un abondant matériel languedocien", cuja espessura totalatingia 1,80 m. Estas indústrias, adiante caracterizadas, são, pois, anterioresao Mesolítico Final (afim dos concheiros de Muge) podendo integrar-se, ouno final do Paleolítico, ou já no começo do Holocénico (Mesolítico inicialou Epipaleolítico). São caracterizadas pela presença, quase exclusiva, deseixos de talhe remontante, uma das características técnico-tipológicas quetêm sido invocadas na definição destas indústrias fini- e pós-glaciárias, asquais serão a seguir caracterizadas.

6.3 A componente macrolítica das indústrias fini- e pós--glaciárias: o Languedocense, o Ancorense e o Mirense

É no âmbito das indústrias mesolíticas que se têm vindo a descrever, queimporta referir a presença de indústrias de base macrolítica, sobre seixosrolados de quartzito, as quais têm sido encontradas por vezes nos própriosconcheiros. Trata-se de materiais que abundam nas formações mais modernasdos terraços do vale do Tejo, em geral embalados em areias eólicas de épocatardia, fini ou já pós-glaciária, conotáveis com as importantes formaçõesdunares do litoral, da mesma época, como é o caso da imponente duna fóssilde Magoito, atrás referida.

Estas indústrias ocorrem, com grande frequência, na periferia dos concheirose poderiam corresponder a tarefas desenvolvidas pelas populações nelesresidentes, com carácter expedito, como a preparação das carcaças dos animaisabatidos (daí a frequência de seixos talhados) ou o abate de árvores,recorrendo-se a pesados seixos lascados: trata-se das indústrias ditas"languedocenses", as quais, todavia, possuem uma componente sobre lascaque tem sido menosprezada, em grande parte resultante de a larga maioriados artefactos serem de colheitas de superfície, passando despercebidas aspeças não nucleares, de menores dimensões.

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O termo Languedocense foi criado em 1937 por Henri Breuil para designaruma indústria sobre seixos recolhida à superfície dos terraços do vale doGarona (França). Caracterizaria tais indústrias, entre outros, um artefactoexecutado sobre seixo achatado, retocado em toda a sua periferia (o "disco"languedocense). O Languedocense, na perspectiva do seu criador, teriaassinalável longevidade, já que o seu estádio mais antigo seria contemporâneodo Acheulense, do Mustierense e ainda do Aurignacense, atingindo o seuestádio mais recente, o Neolítico. Idêntico critério foi aplicado em Portugal,no estudo das indústrias de base macrolítica, por Henri Breuil eG. Zbyszewski, no decurso da estada do primeiro, em Portugal, entre meadosde 1941 e finais de 1942, em que tiveram a oportunidade de recolher e estudarmilhares destas peças (Breuil & Zbyszewski, 1945). Assim, por exemplo, noestudo das indústrias de base macrolítica do litoral do Alentejo, considerama presença de um Languedocense Antigo, contemporâneo da última etapa doAcheulense, de um Languedocense Médio, coevo do Paleolítico Médio, e deum Languedocense Superior, correlativo do Paleolítico Superior (Breuil &Zbyszewski, 1946). Tratar-se-ia, pois, de acordo com os referidos autores,de um tecno-complexo sempre anterior ao Mesolítico, exactamente a épocaem que aquele deverá ser preferencialmente incluído, segundo osconhecimentos actuais.

Mais tarde, em França, L. Méroc evidenciou a falta de representatividadedos discos, que foram fabricados, em certas circunstâncias, até temposhistóricos; (o mesmo viria a suceder, em Portugal, com os clássicos "pesosde rede" que, de elementos integrantes do Languedocense (ou dos seusequivalentes regionais como o Ancorense, e o Mirense), passaram a seratribuídos aos tempos históricos, visto não se terem encontrado in situ, emformações quaternárias não remexidas do litoral minhoto, o mesmo sedevendo verificar no litoral alentejano.

Os factos referidos, que bem evidenciavam a falta de definição clara dosignificado histórico-cultural do termo, visto ser insustentável que uma culturaarqueológica se mantivesse por tão longo período cronológico e suportadapor tão débeis e discutíveis provas materiais, levaram a que aquele termofosse abandonado em França. Outro tanto não sucedeu em Portugal.

G. Zbyszewski adoptou, nas dezenas de anos seguintes à sua colaboraçãocom H. Breuil, e sem quaisquer modificações assinaláveis, os critériosmetodológicos, classificativos e de nomenclatura de Henri Breuil. Assim,ainda em 1974 em estudo de síntese sobre o Paleolítico português, considerouo Languedocense como derivado directamente do Acheulense, sendocontemporâneo do Mustierense e, depois, do Paleolítico Superior, ocorrendoem regiões onde a matéria-prima disponível não permitia o fabrico deindústrias típicas daquelas fases culturais (Zbyszewski, 1974). A ser assim,não passaria de um fácies industrial particular do Paleolítico Médio e do

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Paleolítico Superior, "cavalgando" as divisões clássicas de há muitoestabelecidas, um pouco à semelhança do defendido pelo mesmo autor,conjuntamente com H. Breuil, para o "Lusitaniano", termo criado paradesignar as indústrias frustes sobre seixos do litoral português. Mas os critériossusceptíveis de justificarem esta designação jamais foram suportados poruma inequívoca definição estratigráfica, baseada em conjuntos fechados,homogéneos e numerosos, devidamente enquadrados do ponto de vistacronológico. Com efeito, a identificação baseava-se apenas na ocorrência decertos artefactos nucleares sobre seixo, considerados mais característicos,como as raspadeiras espessas, raspadores em "D", os seixos raspadores, e osdiscos talhados em toda a periferia, de talhe invariavelmente unifacial, muitoinclinado ("en gradin"), dando às superfícies lascadas um aspecto escamoso.

Ao referido conjunto haveria que somar, no litoral alentejano, os machadosmirenses, tipo particular de utensílio cujo nome deriva do rio Mira, a nortedo qual, sobre o litoral, se recolheram os primeiros exemplares: "Le hachereaude l’Acheuléen, retaillé sur grand éclat, évolue vers une hache dont les flancssont écrasés par percussion, que, pour les trouver plus évoluées autour del’embouchure du Rio Mira, nous avons appelé "miriennes" (Breuil &Zbyszewski, 1946, p. 332). Outra peça característica desta região litoral é opico, dito "proto-asturiense" por ser considerado mais antigo que os picos doAsturiense do litoral cantábrico, indústria que, ao contrário do Languedocense,se encontra melhor definida sob os pontos de vista cultural cronológico etipológico, desde a época do seu criador, o conde de la Vega del Sella, noinício do século XX. Picos de pequenas dimensões foram também encontradosno vale do Tejo, na região de Muge, embalados em areias eólicas fini- ou jápós-glaciárias (Corrêa, 1940) e na década de 1920, no litoral minhoto, dandoaqui origem a uma designação nova: o Ancorense, nome derivado de VilaPraia de Âncora, zona onde eram numerosos os achados de uma abundantemacro-utensilagem sobre seixos rolados, sobretudo de quartzito, de que eramsem dúvida os elementos mais sugestivos (Pinto, 1928).

H. Breuil e G. Zbyszewski pouca atenção dispensaram às peças sobre lasca,mais difíceis de identificar em recolhas de superfície, as quais, só muitotardiamente e numa tentativa pouco suportada do ponto de vista crono-estratigráfico, L. Raposo e A C. Silva, tiveram algum tratamento; a taltrabalho, apesar das insuficiências apontadas, reconhece-se o mérito de terchamado a atenção para a complexidade de abordagem destas produçõeslíticas (Raposo & Silva, 1984).

Com efeito, peças de técnica e de tipologia languedocense ocorrem emmúltiplas áreas geográficas e contextos, o que retira qualquer significadocultural ao termo: ainda recentemente se verificou que, no sector do vale doGuadiana interessado pelos estudos de minimização de impactesarqueológicos decorrentes da construção da barragem de Alqueva, se

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reconheceu a ocorrência de peças de talhe remontante, de tipologialanguedocense em praticamente todas as épocas, desde as da chamada"Pré-História recente", até às do Paleolítico Antigo, passando pelas doPaleolítico Superior e Epipaleolítico (Almeida, Araújo & Ribeiro, 2002);em resumo: o Languedocense corresponde a designação com larga tradiçãono quadro da história das investigações portuguesas, devendo o seu uso sersempre entendido no estrito âmbito tecno-tipológico mencionado, desprovidoportanto de qualquer significado cultural ou cronológico. Já o termo Mirense,com uma distribuição geográfica mais restrita ao litoral baixo-alentejano ealgarvio ocidental (costa vicentina) e um âmbito cronológico melhor definido,responde de modo mais satisfatório aos requisitos para se poder considerarcomo um termo com significado cultural próprio, tanto mais que pode serdirectamente relacionado com uma população cujas bases económicas sãoconhecidas, como adiante se verá. No nosso país, admite-se que, no estadoactual dos conhecimentos lhe possam corresponder as indústrias de basemacrolítica e de época fini e pós-glaciária da costa sudoeste, representadaspor determinados tipos de artefactos e de técnicas de talhe, incluindo umacomponente sobre lasca a qual, até época recente, foi praticamente ignorada.É esse conjunto industrial que será caracterizado a seguir.

6.3.1 O Mesolítico do litoral do Baixo Alentejo e costa vicentina

Depois dos intensos trabalhos de campo realizados na década de 1940 acimareferidos nos seus traços gerais, prosseguidos mais tarde, nas décadas de1970 e de 1980, só em 1985 se iniciaram escavações em extensão numaestação dita "mirense", designação que, como atrás se referiu, se aplica aosconjuntos industriais de base macrolítica do litoral baixo alentejano.

De entre os muitos locais promissores, evidenciados por notáveisconcentrações de artefactos macrolíticos à superfície, atribuídos, dada a suaabundância a "oficinas de talhe" (Zbyszewski, Leitão & North, 1971), avultaa estação de Palheirões do Alegra, perto do Cabo Sardão (Odemira),porventura a mais importante das até ao presente localizadas, tendo tambémsido a única onde se efectivaram escavações, entre 1985 e 1987 (Raposo,1994).

O horizonte arqueológico, que se desenvolvia numa vasta extensão sob asdunas modernas, encontrava-se exposto em grande extensão, em consequênciada deslocação dos corpos dunares pela acção do vento. As concentrações demateriais lascados in situ, detectadas à superfície, correspondiam a estruturasde combustão: localizaram-se dezoito dessas estruturas, algumas delascontendo carvões. Duas datações radiocarbónicas deram os resultados de

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8400 ± 70 anos BP e 8802 ± 100 anos BP, a que correspondem os intervaloscalibrados para cerca de 95% de probabilidade de, respectivamente, 7543--7268 a. C. e 8033-7548 a. C. Foram os primeiros elementos cronométricosobtidos para toda a vasta região litoral, que, de Sines se estende ao litoralmeridional do Algarve. Estes resultados vieram a situar no Boreal acorrespondente ocupação humana, reforçando a cronologia epipaleolítica que,desde a década anterior, tinha sido atribuída às referidas indústrias.

O conjunto dos cerca de 33 000 artefactos recolhidos incluía, no capítulo damacro-utensilagem, as peças consideradas mais características do Mirense:para além das lascas, obtidas a partir de núcleos, eram abundantes os seixostalhados, incluindo-se neste conjunto, ainda que em número reduzido, peçascomo os discos ou mesmo os machados mirenses.

Mas a principal novidade desta estação foi a identificação de um pequenolote de peças de sílex, coevas das anteriores, com características afins doMagdalenense Final: integram-no raspadeiras de diversos tipos (circulares,unguiformes, em extremo de lasca ou de lâmina), que é o grupo maisabundante (17%), os buris (diedros direitos, de ângulo sobre truncatura, etc.),que atingem 13 %; e as pontas microlíticas de diversos tipos. De notar aausência de geométricos, pois apenas se recolheu um trapézio, já fora dohorizonte arqueológico.

A estação dos Palheirões do Alegra demonstrou, de modo concludente, quea utensilagem de base macrolítica, típica do litoral baixo alentejano, possuíatambém uma componente microlítica de sílex, compatível com as indústriasfini-paleolíticas. Aliás, tal componente tinha sido já assinalada em 1946,através da identificação de raspadeiras nucleiformes ou circulres e buris deângulo, concluindo-se que: "Il n’est pas douteux qu’une influence,vraisemblablement paléolithique supérieure, est venue ici mêler ses élèmentsau fond lusitano-languedocien préexistant" (Breuil & Zbyszewski, 1946,p. 333, 334).

As raízes paleolíticas desta indústria epipaleolítica foram, mais tarde, demons-tradas cabalmente (Soares & Silva, 1993). É o caso da estação da Pedra doPatacho, anteriormente designada por Semáforo de Milfontes, onde H. Breuile G. Zbyszewski haviam já recolhido um fragmento de machado mirense edois picos de tipo asturiense (Breuil & Zbyszewski, 1946). Apesar de serescassa e pouco significativa a indústria lítica ali recolhida ulteriormente –confinada a lascas expeditas, utilizadas tal e qual – ela afigurava-se adequadaàs necessidades da pequena comunidade que, ali sediada sazonalmente,explorava intensamente os recursos aquáticos existentes ao longo do litoral.O correspondente território de captação foi reconstituído, tendo presente anatureza das espécies presentes (lapas, mexilhões, amêijoas, ostras, berbigões,lamejinhas (Scrobicularia plana) e gastrópodes marinhos (Littorina littorea)

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e a posição do nível marinho, estabelecida cerca de 50 a 60 m abaixo donível actual, com base em data de radiocarbono obtida sobre conchas, quedepois de corrigida deu o seguinte resultado: 10 400 ± 90 anos BP (Soares,1995). Trata-se, pois de uma presença litoral que se pode situar no final dotardiglaciário, Dryas III, de características frias e secas. Tal é a indicaçãofornecida pela presença de Littorina littorea, espécie também presente noconcheiro, mais moderno, de São Julião (Mafra), no litoral da Estremadura,a que já anteriormente se fez referência.

A estação da Pedra do Patacho (ou do Semáforo de Milfontes) é, pois, aantecessora do final do Palelítico Superior, no litoral baixo alentejano, dosconcheiros que, tanto no Pré-Boreal e Boreal, como no Atlântico, se viriama multiplicar na mesma região, à semelhança do verificado no litoral daEstremadura.

Investigações conduzidas na mesma área por J. M. Arnaud, interessandopequenos núcleos do mesmo concheiro situados perto do núcleo referido,permitiram outras datas de radiocarbono, com os seguintes resultados:10 740 ± 60 anos BP; 10 380 ± 100 anos BP; e 10 450 ± 60 anos BP. Estesresultados são, de facto, estatisticamente idênticos entre si e ao anteriormenteapresentado.

Em resumo, nos finais do tardiglaciário e nos primeiros tempos pós-glaciários,as populações que viviam no litoral baixo alentejano possuíam um modo devida próprio, baseado essencialmente na recolecção sazonal, e uminstrumental lítico dominado por peças adequadas a tal quotidiano, nas quaisa componente macrolítica era dominante, mas onde persistia, ainda quediscretamente, uma produção microlítica, sobre sílex, de característicasfini-paleolíticas.

A produção de machados mirenses, por vezes encontrados em grande quanti-dade, possibilitou a definição de uma tipologia específica: é o caso da estaçãodo Monte dos Amantes, Vila do Bispo (Cardoso & Gomes, 1997). Estaferramente especializada pressupõe uma economia não apenas baseada naexploração dos recursos marinhos, mas também voltada para os recursosterrestres, no caso a exploração de madeiras, propiciadas pelodesenvolvimento da floresta (com provável destaque para o pinheiro bravo),no Pré-Boreal e Boreal, que então, à semelhança do verificado no litoral daEstremadura, também ocuparia manchas significativas ao longo da costasudoeste.

Dispõe-se de informação sobre a evolução do coberto vegetal no decurso doHolocénico na Península de Setúbal e para a planície litoral desde Grândola aSines, abarcando a região do Carvalhal e a área das lagoas de Melides e Santo

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André. Foi possível articular a evolução paleoclimática com o desenvolvimento damorfologia litoral, além da história do impacte humano o qual, naturalmente, saiem grande parte do âmbito deste Manual (Mateus, 1992; Queiroz, 1999).

No período entre 10000 e 8000 anos BP, o clima seria mais húmido do que o actuale, tal como noutras regiões litorais, corresponde-lhe a expansão máxima do pinheirobravo (Pinus pinaster), nos interflúvios arenosos não consolidados, o qual substituiuo pinheiro silvestre, sendo abundante nas terras altas da área do Carvalhal,desaparecendo ali, gradualmente, depois de 6000 anos BP. O clima seria algo maisfrio que o actual.

Nos vales e substratos mais ricos e consolidados, verifica-se a expansão doscarvalhais marcescentes (Quercus faginea), constituindo formações extensas atécerca de 3000 anos BP. Assinala-se a presença de carvalhais decíduos e do vidoeiro(Betula) associados aos sistemas ribeirinhos, indicando temperaturas mais friasque as actuais (carácter supramediterrânico).

No período seguinte, ulterior a 8000 anos BP, sucede-se clima mais seco que o doperíodo anterior, marcado pela expansão regional da vegetação de carácter meso etermomediterrânico, e pelo acentuar da terrestrialização nas terras baixas palustres,como a Lagoa Travessa. Cerca de 7650 ± 50 anos BP, a paisagem florestal eracaracterizada pela associação Quercion faginea, Oleo-Ceratonion e pinheiros, comtendência para estes últimos, na região do Carvalhal, serem substituídos por matos.

As árvores perenifólias esclerófilas ganham terreno (o zambujal, o sobreiral, opinhal manso), devido ao aumento progressivo da secura, sendo favorecidas, nofinal deste período, pelas comunidades humanas do Calcolítico e, depois, da Idadedo Bronze. Cerca de 6560 ± anos 70 BP, surgem mudanças drásticas na região dasterras altas do Carvalhal, Grândola, onde se desenvolve vasta área de vegetaçãoaberta composta por matos.

Esta evolução climática e do coberto vegetal foi acompanhada de transgressãomarinha, a qual estabilizou cerca de 5500 anos BP; este período de estabilidadeprolongou-se até cerca de 4150 anos BP; ulteriormente, e já em épocas fora doâmbito deste capítulo, observou-se alternância de fases regressivas e transgressivas,até à actualidade.

Neste contexto, os primeiros sinais do impacto humano no desenvolvimento davegetação, embora ainda fracos e difusos, datam de há cerca de 6000 anos BP,sendo testemunhados por um decréscimo ligeiro da cobertura florestal climácicanos interflúvios. É possível que este primeiro impacto antrópico se relacione coma actividade humana da desflorestação, como sugerem os machados mirenses acimamencionados. Na região do Carvalhal, Grândola, foi identificado um primeiroprovável impacto de natureza antrópica na vegetação no Mesolítico Final/NeolíticoAntigo, correspondendo a decrécimo dos quatro principais tipos arbóreos presentes(Pinus, Quercus decidual, Olea e Alnus), recuperando porém de tal brusca reduçãotodos os grupos, exceptuando Pinus (Mateus, 1992).

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O concheiro de Samouqueira I (Camada 3), sobre o litoral de Porto Covo, jádo Atlântico, corresponde ao sítio mais moderno com machados mirenses, oque não deixa de ser interessante se se admitir que tais artefactos serviriamsobretudo para o abate de árvores e o ulterior trabalho da madeira; uma dataçãodeu o resultado de 7140 ± 70 anos BP, a que corresponde o intervalo, calibradopara cerca de 95% de probabilidade, de 6117-5833 a. C. (Soares & Silva,2003). Nesta estação, foram escavados restos de dois esqueletos humanoscujas características se afiguram próximas do conjunto da Moita do Sebastião,apesar de as condições paleoambientais serem muito diferentes (Lubell &Jackes, 1985). Um dos restos humanos, datado de 6370 ± 70 anos BP,corresponde ao intervalo, calibrado para cerca de 95% de probabilidade, de5480-5220 a. C., o qual se sobrepõe, cronologicamente, à presença depopulações já neolitizadas na região; com efeito, a referida data parece serdemasiado tardia para um contexto mesolítico, razão pela qual foi consideradacomo neolítica (Soares & Silva, 2003), situação que é corroborada pelaestratigrafia; as diversas modificações patológicas patentes nos restos ósseos,atestam fortes limitações na marcha e no dia-a-dia, indicando uma sociedadeque podia manter indivíduos que pouco ou nada contribuíam para a subsistênciado grupo, bem pelo contrário.

No estado actual dos conhecimentos, o padrão demográfico dominante noPré-Boreal e Boreal deste trecho litoral, parece corresponder a pequenossítios de estacionamento temporário e recorrente, ao longo de centenas deanos, situação ilustrada no já mencionado acampamento de Palheirões doAlegra, conforme sugerem as duas datações obtidas, que se encontramseparadas por um intervalo de algumas centenas de anos. A esta estaçãopodem juntar-se outras, igualmente datadas, como os concheiros de Montesde Baixo e do Castelejo, que foram ocupados na transição para o períodoAtlântico e no decurso deste, ulterior a 7500 anos BP (Silva & Soares, 1997).

As características sazonais da ocupação do concheiro de Montes de Baixo,Odesseixe, cuja primeira ocupação datada (existem outras, mais antigas,provavelmente pertencentes ao Boreal) remonta ao início do períodoAtlântico: 7530 ± 70 anos BP, correspondente ao intervalo de 6461-6183 a.C., para uma probabilidade de cerca de 95%, encontra-se evidenciada pelapresença do ouriço do mar, cujas gónadas atingem a maturidade no final doInverno, inícios da Primavera; tal não significa, porém, que fosse essa a únicaépoca de ocupação do sítio, no ciclo anual.

O concheiro de Castelejo situa-se já no litoral ocidental algarvio, no concelhode Vila do Bispo. A fauna recolhida revela duas estratégias de subsistência:assim, enquanto que, nos níveis mais antigos, cuja data mais recuada é7970 ± 60 anos BP (intervalo calibrado de 7039-6605 a. C., para cerca de95% de probabilidade) são abundantes as conchas de lapa e de gastrópodesmarinhas (Monodonta lineata), associados a raros ossos de mamíferos,

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sobretudo coelho e a restos de peixes, nos níveis médios, já claramente doperíodo Atlântico, datados a partir de 7450 ± 90 anos BP (intervalo calibradode 6452-6048 a. C., para cerca de 95% de probabilidade), e até 7170 ±70 anos BP, a fauna está exclusivamente representada por restos deinvertebrados marinhos, predominando as conchas de lapas e de mexilhão.Assim, de uma exploração de banda larga de recursos (caça, pesca erecolecção), evoluiu-se para uma actividade especializada, só de recolecção,no decurso da ocupação recorrente do concheiro, verificada ao longo de cercade 500 anos (Silva & Soares, 1997).

Também o concheiro de Armação Nova, junto do cabo de São Vicente, cujacronologia é próxima dos níveis médios do concheiro anterior (Soares &Silva, 2003), evidencia uma hiperespecialização no crustáceo cirrípedePollicipes cornucopia (percebe). Trata-se, pois, de acampamentos sazonais,articulados com acampamentos de base situados mais para o interior, comoo concheiro de Fiais, Odemira.

Pode, assim, concluir-se que, no decurso do Atlântico, na costa sudoeste,prosseguiu a exploração dos recursos costeiros, a par da dos recursos terrestrese cinegéticos, pertencendo a este período mais de uma dúzia de sítiosreconhecidos entre o cabo de Sines e o de São Vicente, correspondendo amais de 100 km de costa, com penetrações para o interior, ao longo do rioMira.

No vale daquele rio, destaca-se o já referido concheiro de Fiais, Odemira(González Morales & Arnaud, 1990), actualmente a cerca de 10 km do litoral,no limite de uma zona planáltica com altitudes próximas de 100 m. As oitodatações pelo radiocarbono obtidas, situam a respectiva ocupação entre7010 ± 70 anos BP e 6180 ± 110 anos BP, a que correspondem os intervaloscalibrados, para cerca de 95 % de probabilidade de, respectivamente 6075--5668 a. C. e 5321-4836 a. C. As escavações evidenciaram zonas especiali-zadas na preparação de peças de caça, cuja importância é sublinhada pelosmilhares de restos de veado, javali, corço e auroque encontrados, algunsdeles ainda em posição anatómica. O espectro faunístico identificado apontao veado como a espécie mais abundante (70%), seguido do javali (14%),corço (10%) e auroque (6%). A estes, soma-se uma grande variedade derecursos aquáticos (marinhos e estuarinos), indicando um local de estaciona-mento peri-anual, correspondente a uma exploração de largo espectro de recursosnaturais, consoante a época do ano. Tratava-se, pois, de um acampamento debase, implantado estrategicamente em zona de écotono, entre o litoral e ointerior do território.

Esta estação do período Atlântico dever-se-ia articular com outros sítios, deocupação mais episódica, situados mais perto do litoral: é o que parece sugeriro concheiro do Vidigal, cuja ocupação foi coeva do anterior: 6640 ± 90 anos

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BP e 6030 ± 180 anos BP (a que correspondem os intervalos calibrados de5668-5348 a. C. e 5330-4510 a. C., para cerca de 95% de probabilidade),respectivamente para a camada basal e para os níveis médios do concheiro.Situado a 1 km do mar e a 10 km a norte do estuário do Mira, a sazonalidadena ocupação deste sítio parece mais evidente: uma análise dos anéis decrescimento das vértebras de peixe sugeriu que a pesca era sobretudoefectuada nas estações quentes, Verão e Outono (Arnaud, 2002).Ocasionalmente, eram capturados, por ordem de importância na alimentação,veados, auroques e javalis (Straus, Altuna & Vierra, 1990). Outros concheiros,implantados junto do litoral, como o de Samouqueira I (Camada 3), já referido,junto a Porto Covo, parecem identificar-se com as características do concheirode Vidigal: seriam sítios de ocupação sazonal, do período Atlântico,funcionalmente idênticos aos do litoral vicentino, explorando sobretudo osrecursos aquáticos, no decurso de uma parte do ano. Assim sendo, o modelodemográfico, na região basear-se-ia, tal como no extremo sudoeste, emacampamentos-base, situados mais para o interior, onde se encontradocumentada a caça de grandes mamíferos, tal como nos concheiros dosvales do Tejo e nalguns dos do Sado (auroques, cabra montês, javali e veado,são os mais importantes) e sítios de ocupação sazonal, e de carácterespecializado, junto ao litoral.

Veremos que, no Neolítico Antigo, o padrão de ocupação humana definidono Mesolítico na costa sudoeste é insensivelmente continuado, sem quaisquerevidentes indícios de ruptura.

6.3.2 O Mesolítico do vale do Guadiana

Trata-se de região onde Abel Viana, na década de 1940, tinha procedido anumerosas recolhas de seixos afeiçoados, em especial a jusante do Ardila, amaioria integrável no conjunto "languedocense" das indústrias macrolíticasfini e pós-paleolíticas em apreço. Trata-se de colheitas de superfície, quenão mereceriam particular destaque, não fosse a escavação recente de umlocal ter proporcionado elementos crono-estratigráficos e faunísticos: comefeito, o sítio da Barca do Xerez de Baixo, Reguengos de Monsaraz (Almeida,Araújo & Ribeiro, 2002; Araújo & Almeida, 2003), proporcionou aidentificação de estratigrafia, com evidência de um nível arqueológico comtermoclastos, carvões, ossos queimados e estruturas de combustão e de umaassociação lítica incluindo núcleos, lascas, lamelas, lâminas e esquírolas,num total de 341 artefactos. Trata-se de associação constituída por materiaismacrolíticos, com a quase ausência de elementos leptolíticos, a que se juntamrestos faunísticos (cavalo e veado). Uma datação deu o resultado de 8640

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± 50 anos BP, a que corresponde o intervalo calibrado para cerca de 95% deprobabilidade, de 7883-7535 a. C., resultado que vem, uma vez mais,confirmar a anterioridade das indústrias de base macrolítica, a par das dolitoral minhoto e da costa sudoeste (o Ancorense e o Mirense), face àsindústrias mesolíticas dos concheiros do Tejo e do Sado: nestas, a componentemicrolítica e geométrica dominante, muito embora também ocorram, taltipo de peças, como se referiu a propósito dos concheiros de Muge.

6.3.3 O Mesolítico do litoral minhoto

A realidade cultural definida na costa sudoeste e corporizada pelo Mirense,tem provável equivalente, no litoral minhoto, numa indústria definida porRui de Serpa Pinto, em 1928 e por ele designada de Ancorense, derivada deVila Praia de Âncora, em cujas imediações se recolheram abundantestestemunhos, ao longo do litoral (Pinto, 1928). Nos anos seguintes, o seucriador haveria de manter justificadas dúvidas sobre a cronologia destasindústrias de base macrolítica, tendo presente a falta de sequênciascronoestratigráficas resultantes de um programa de pesquisas geológicas deterreno. Tal realidade motivou evidentes indefinições quer quanto ao estatutode tais indústrias, quer quanto à respectiva cronologia, em parte resultantede, na maioria dos casos, serem recolhas fora de contexto, nas praias actuais,com a mistura de peças de épocas muito distintas, resultante da erosão dosdepósitos onde jaziam, pelas acções naturais, das vagas e também dasresultantes da actividade humana. Tais dúvidas não vieram a sersatisfatoriamente resolvidas, embora tivessem sido vários os pré-historiadoresportugueses que sobre o assunto se debruçaram. Para a maioria, era pontoassente serem as indústrias do litoral minhoto mais antigas que as do litoralasturiano: daí a designação de pré-asturienses (ver, por exemplo, Jalhay,1933a); com efeito, estabeleceu-se, na opinião de diversos investigadores,ainda que por razões hoje desprovidas de significado, que tais indústriasteriam resultado de uma migração de sul para norte, ao longo do territóriopeninsular e, em particular, da sua fachada ocidental: tal era a opinião de E.Jalhay e de Mendes Corrêa (Corrêa, 1940), influenciando, por essa via, aposição adoptada por Breuil e Zbyszewski, ao designarem os picos por elesrecolhidos na costa sudoeste de "pré-asturienses". Considerando que asindústrias do litoral cantábrico, que representavam o Asturiense, erammesolíticas, pois assentavam directamente sobre os níveis azilienses, asportuguesas teriam, com grande probabilidade uma idade paleolítica. Talposição era defendida mais claramente por H. Breuil e seus colaboradores (Breuilet al., 1962): ao estudarem os materiais da importante estação de Carreço,Viana do Castelo, consideraram uma filiação directa das indústrias de basemacrolítica das séries mais recentes no Acheulense: trata-se do

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Languedocense, termo que como se viu, não tem actualmente significadocronológico-cultural, o qual se prolongaria por épocas pós-paleolíticas; ésignificativa, a seguinte passagem a tal respeito:

Les pièces proto-asturiennes, notamment certaines formes de pics,apparaissent dès l’Acheuléen ancien, antérieur à la mer tyrrhénienne(interglaciaire Mindel-Riss) quoique très rares encore à cette époque.

Ces pièces se multiplient progressivement. Elles ne sont pas encore trèsfréquentes au début du Languedocien, quoiqu’on en trouve un certainnombre à l’état roulé dans les dépôts grimaldiens (interglaciaireRiss-Würm).

Elles deviennent par contre très abondantes dans les industries rollées parla mer flandrienne à laquelle elles sont nettement antérieures." (op. cit.,p. 128).

Não espanta, pois, na sequência da linha de investigações já claramentedelineada desde 1928 por Joaquim Fontes, que trabalhos de cronostratigrafiafina, exigindo escavações nos sítios arqueológicos mais promissores, levadosa cabo por J. Meireles, G. Soares de Carvalho e F. S. Lemos, conduzissem aresultados que desenvolveram a essência das concepções de H. Breuil ecolaboradores, a saber: a integração fini-paleolítica das indústrias por estedesignadas como languedocenses; e a descendência das mesmas doAcheulense regional. Assim, dos trabalhos de campo produzidos, resultaramconclusões que foram sendo progressivamente afinadas e precisadas: em 1982,J. Meireles referia que, dos trabalhos arqueológicos efectuados na estaçãopaleolítica de Vila Praia de Âncora, tinha resultado a identificação de "trêsunidades lito-estratigráficas contendo instrumentos líticos" (Meireles, 1982,p. 59), sem contudo se arriscar a precisar a respectiva idade.

Mais tarde, em estudo de síntese dos avanços entretanto conseguidos, aomesmo tempo que se negava a validade do termo "Languedocense", referia--se que o designativo de Asturiense se deveria reservar unicamente para aregião cantábrica; enfim, mencionava-se a posição estratigráfica claramentedefinida e aparentemente in situ de uma indústria lítica, que associa a umamacro-utensilagem, constituída essencialmente por seixos afeiçoadas unifaciais,seixos afeiçoados bifaciais e picos, uma desenvolvida utensilagem sobre lasca,perfeitamente individualizada (Carvalho, Meireles & Lemos, 1983-1984,p. 17), embora ainda nada se avançasse quanto à respectiva integração cultural.Mais tarde, J. Meireles reafirma as mesmas conclusões (Meireles, 1986),mantendo-se a indefinição de integração crono-estratigráfica das indústriasem causa, sem prejuízo de se terem identificado, em estratigrafia, materiaisacheulenses, mais antigos, na jazida do Forte do Cão. Esta seria concretizadapelo próprio, anos volvidos. Assim, foi possível identificar em depósitosatribuíveis a uma fase de degradação climática do último período glaciário(por certo posterior a 20 000 anos BP) uma indústria in situ constituída, ao

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nível da macro-utensilagem, por abundantes seixos talhados unifaciais e picos,igualmente de talhe unifacial, bilateral convergente e/ou sub-paralelo,acompanhada de utensilagem sobre lasca em proporções idênticas (Meireles,1994). Caracterizada tal indústria do ponto de vista tecno-tipológico e definidocom adequado rigor o seu enquadramento regional, o autor considerouestarem, pela primeira vez, reunidas as condições para se aplicar compropriedade o termo Ancorense, que assim passará a designar uma indústriado Paleolítico Superior do litoral minhoto, com suposta origem no Acheulenseregional, e com perdurações tardias, representadas pelas indústrias recolhidasin situ em formações mais modernas, fini ou já pós-paleolíticas.

Estas conclusões eram já anunciadas pelo próprio em trabalho anterior,conjuntamente com J.-P. Texier (Texier & Meireles, 1987), ao associarem asindústrias com picos do tipo "Asturiense" ao Würm antigo e ao Würm recente,na imediata continuidade das indústrias acheulenses regionais, com bifacese "hachereaux", do Riss Superior.

Uma última observação sobre as indústrias do litoral minhoto prende-se coma respectiva funcionalidade: a correlação clássica entre picos e osmariscadores, que assim os utilizavam exclusivamente para a extracção demoluscos do litoral rochoso (lapas, mexilhões) foi questionada, entre outros,por E. Jalhay, que sem negar a sua utilização à colheita de mariscos, apontaa utilização no trabalho da madeira (Jalhay, 1933 b), tal como acontecia, nosul, com os machados mirenses, aqui completamente desconhecidos.

6.3.4 O Mesolítico em outras regiões do país

Como já anteriormente se referiu, as indústrias macrolíticas fini- e pós-glaciárias de seixos talhados são muito abundantes em diversas áreasgeográficas do interior do território para além das mencionadas, com destaquepara o vale do Tejo, em virtude da abundância de matéria prima disponível,sob a forma de seixos de quartzito, de boa qualidade. Com efeito, crê-se quea sua produção assumiu frequentemente um carácter oportunista, resultantede tarefas simples, que seriam efectuadas por artefactos fáceis de fabricar,sendo rapidamente abandonados, finda a necessidade para a qual foramcriados. Tal facto explica assim a sua abundância, sempre nas imediações defontes de matéria-prima, correspondentes a cascalheiras quartzíticas, tantoquaternárias como mais antigas.

A já aludida falta de enquadramento estratigráfico adequado, por se tratar derecolhas superficiais (em certos casos em conexão com depósitos pedológicosou dunares holocénicos do litoral, como se verifica na estação da Ponta do

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Cabedelo, Costa da Caparica) se, por um lado, impede que se lhes atribuaum significado arqueológico específico, não deixa, por outro, de lhes sublinhara relativa modernidade.

A única excepção a esta generalizada indefinição, corresponde à estação doPrazo (Vila Nova de Foz Côa), recentemente descoberta.

Com efeito, no interior do país, é praticamente desconhecida a ocorrência deindústrias mesolíticas de base geométrica. Esta realidade pode dever-se aduas ordens de razões: por um lado, a ausência efectiva de povoamento forada área litoral e dos estuários dos principais rios; por outro, à falta deinvestigação direccionada para a identificação de estações mesolíticas, que,tal como as do Paleolítico Superior ou do Neolítico Antigo, requer aconstituição de equipas especializadas na prospecção de testemunhos que, amaior parte das vezes, se não evidenciam facilmente no solo. Provavelmenteambas as explicações são válidas; contudo, recentes desenvolvimentosparecem dar mais razão à última (sem invalidar a anterior), como se deduzda identificação da estação do Prazo, Freixo de Numão. Ali, reconheceu-seuma presença mesolítica do período Atlântico, sucedendo-se a presençasanteriores dos períodos Pré-Boreal e Boreal, correspondentes à ocupação dolocal por grupos de caçadores recolectores do início do Mesolítico(Monteiro-Rodrigues & Angelucci, 2004). A ocupação mesolítica maismoderna com uma utensilagem sobre rochas de origem local, de quartzo equartzo hialino), incluindo micrólitos trapezoidais, foi datada peloradiocarbono em 7353 ± 50 anos BP, correspondente ao intervalo, calibradopara cerca de 95 % de confiança, de 6351-6020 a. C. (Monteiro-Rodrigues,2000). Mesmo que este resultado não se tenha em conside-ração, por eventual influência do efeito de "madeira fóssil", envelhecendoartificalmente a ocupação arqueológica, outras datas, igualmente do contextomesolítico (camada 4 a), embora mais recentes que a anterior, apontam, dequalquer modo, para um hiato de cerca de 800 anos face às datas obtidaspara a ocupação neolítica sobrejacente; os valores obtidos foram: 6710± 50 anos BP e 6950 ± 50 anos BP, correspondentes aos seguintes intervaloscalibrados, para cerca de 95% de probabilidade: 5710-5531 a. C. e5971-5727 a. C. sendo, por conseguinte, coevas das ocupações dos concheirosdo Tejo e do Sado, já anteriormente estudados. A utensilagem desta presençamesolítica não difere, significativamente, das características do conjuntoneolítico, sugerindo uma continuidade cultural, de carácter regional..

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III. PARTE

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Objectivos de aprendizagem e actividades sugeridas

A III Parte do Programa refere-se à origem e desenvolvimento das sociedadescamponesas, assunto que se situa cronologicamente entre meados do VImilénio a. C e os finais do IV/inícios do III milénio a. C. A diversidade equantidade da informação arqueológica correspondente aumentaexponencialmente, quando comparada à da parte anterior do Programa. Estasituação impõe alguma disciplina na definição de objectivos, procurandoseparar o que "é preciso" saber, do que é meramente acessório, na perspectivadesta disciplina. Crê-se necessário que se retenham os seguintes objectivoscomo fulcrais desta aprendizagem:

- os diversos modelos desenvolvidos para explicar o fenómeno daneolitização no território português. A discussão respectiva deveráfazer uso comparado: da cronologia absoluta e distribuição geográficadas ocorrências; das características de implantação dos sítios habitadose seu significado (sazonal ou permanente), face às dos sítiosmesolíticos anteriormente existentes nos mesmos biótopos; e dorespectivo registo arqueológico, com destaque especial para a tipologia,técnicas e padrões decorativos das cerâmicas, que têm sido valorizadasno estabelecimento de sequências cronológico-culturais (diferenciaçãoentre o Neolítico Antigo Cardial e o Neolítico Antigo Evolucionado).O restante registo material não pode ignorar-se: importa conhecer ospadrões tecno-tipológicos da indústria lítica (de modo a caracterizar acontinuidade/substituição das indústrias mesolíticas antecedentes,além da existência de diferenças regionais com incidências culturais),bem como a utensilagem de pedra polida (utilizada na desflorestaçãoe no amanho da terra) ou os ecofactos, susceptíveis de confirmar aprática da agricultura (sementes), além da presença de animaisdomésticos, que são conhecidos logo desde os primórdios do Neolítico;

- as transformações sociais decorrentes da adopção progressiva de umaagricultura permanente, substituido a agricultura incipiente, ouitinerante, dos primeiros tempos neolíticos, culminando com a adopçãode inovações tecnológicas ainda no final do IV milénio a. C. – achamada Revolução dos Produtos Secundários – que conduziu aoincremento da sedentarização das populações em torno dos locaishabitados, circundados por territórios que foram sendo,progressivamente, objecto de investimentos colectivos cada vezmaiores, por deles depender, de forma também crescente, o sustentode toda a comunidade;

- a compreensão da emergência e plena afirmação do fenómenomegalítico. A abordagem deste assunto passa, por um lado, pela análisedo sistema de povoamento, resultante de aspectos económicos: a

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crescente complexidade social e o aumento demográfico é susceptívelde se poder relacionar com o tamanho dos monumentos megalíticos ecom a diversidade e significado dos espólios funerários respectivos.Trata-se de compreender a própria diferenciação social emergente, aqual, naturalmente, revestiu aspectos particulares nas diversas áreasgeográficas do actual território português. Importa, deste modo, que setenha adquirido uma noção geral das características da evoluçãoarquitectónica dolménica nas áreas onde o fenómeno se encontraestudado, em particular no Baixo Alentejo litoral; em Reguengos deMonsaraz; na Beira Baixa e na Beira Alta; e na região do Douro litoral(serra da Aboboreira, Amarante), sem esquecer outros núcleosdolménicos (Alto Algarve Oriental (Tavira, Alcoutim); Monchique;Coruche, Montemor-o-Novo, Arraiolos, Pavia, Évora, Ponte de Sor;Elvas; Crato-Nisa; Beira Litoral (distrito de Aveiro); Minho e diversasáreas transmontanas.

Importa igualmente atender ao megalitismo não funerário (menires isoladose cromeleques), no universo simbólico das sociedades camponesas, seusignificado e distribuição geográfica das principais ocorrências. Daqueleuniverso também fazem parte outro tipo de sepulcros, como as grutas naturaise artificiais (sobretudo na Estremadura), cujo conhecimento, incluindo os espóliosfunerários, importa ter presente. Alguns rituais funerários foram reconstituídoscom base no registo material: tumulações primárias e secundárias, rituais dedescarnação dos cadáveres e utilização do ocre vermelho: as principaisocorrências devem ser conhecidas. A arte destas sociedades, em rápidaevolução, pode revestir, também, diversas facetas: santuários ao ar livre (Côae Tejo), arte megalítica (menires e estelas-menires), insculturas e pinturasem dólmenes e santuários rupestres: deve o aluno preocupar-se em ter decada um destes temas uma noção geral quanto às características e naturezados elementos representados e seu provável significado, a cronologia absolutae a respectiva distribuição geográfica.

Como actividades favoráveis à consolidação dos conhecimentos adquiridos,podem referir-se, entre outras, as seguintes:

- modelos comparados de povoamento no Neolítico Antigo e noNeolítico Final da Estremadura e do Sul do país;

- tentativas de estabelecimento de correlação, à escala regional, entrepovoados e dólmenes: exemplos do território português;

- aspectos da evolução da arquitectura megalítica, proposta para a regiãodo Baixo Alentejo litoral e sua correlação com a evolução dos espóliosfunerários; cronologia absoluta e integração cultural. O mesmoexercício pode ser aplicado à região megalítica de Reguengos, à região

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da Beira Baixa, à Beira Alta ou à necrópole polinucleada da serra daAboboreira (Amarante);

- grutas artificiais da Estremadura utilizadas como necrópoles: principaisocorrências, arquitecturas, rituais funerários, espólios e sua integraçãocronológica-cultural; o mesmo exercício pode ser aplicado àsnecrópoles em grutas naturais da mesma região;

- arte dolménica: definição do conceito, significado, distribuição geográ-fica, integração cronológico-cultural;

- elaborar uma síntese sobre a circulação de matérias-primas noNeolítico Final no Centro e Sul do território português e sua incidêncianos processos de interacção cultural então estabelecidos;

- evidências arqueológicas da Revolução dos Produtos Secundários noNeolítico Final e consequências económicas, sociais e nos sistemasde povoamento.

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7. O Neolítico Antigo

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7.1 Estremadura e sul do país

Para explicar a génese e desenvolvimento do Neolítico no território portuguêstêm-se apresentado, nos últimos anos, diversas teorias, baseadas em evidênciasmateriais que, sendo essencialmente as mesmas, foram perspectivadas demodos diferentes; no âmbito da investigação portuguesa, a evidência materialreunida nos últimos anos, deu origem a dois modelos distintos, quesinteticamente podem designar-se como indigenista e difusionista.

A sua validação tem-se confrontado especialmente na zona litoral meridionaldo país (Baixo Alentejo e barlavento algarvio). Tal como em outras regiõesda bacia mediterrânea, os seus aspectos fundamentais podem resumir-se doseguinte modo:

1. o modelo difusionista postula a colonização por via marítima deterritórios localizados e bem circunscritos, por parte de pequenascomunidades portadoras da agricultura e de animais domésticos; estesnúcleos, por sua vez, serviriam como pólos difusores de tais"novidades" à escala regional, do que resultaria a progressiva ocupaçãode outros domínios geográficos;

2. o modelo indigenista defende, ao contrário, a gradual aculturação depopulações mesolíticas, expressa pela aquisição, por parte destas, denovas tecnologias produtivas. Assim garantiriam sua própria sobre-vivência, colmatando prováveis carências alimentares, devidaseventualmente a alterações ambientais, ou a um excesso demográficoatravés da adopção, após prévia aprendizagem, do complexo processode produção de elementos, tanto de origem vegetal como animal.

Saliente-se que as duas vias não são incompatíveis; a simples realidade deterem provavelmente coexistido, na referida área geográfica, as duas maneirasde viver, durante cerca de meio milénio, mostra bem que as modalidades dasua substituição, serão bem mais complexas do que a simples evidência dosfactos de observação sugere. O modelo indigenista não contradiz apossibilidade de populações em estádios culturais mais avançados poderem,em condições favoráveis, desenvolverem práticas de pura recolecção, sempor isso se poderem considerar "mesolíticas"; ou seja, a adopção do novosistema económico não foi linear, ou monofilético, existindo recorrências e,além disso, ritmos de neolitização diferentes.

O modelo indigenista, desenvolvido por C. Tavares da Silva e por JoaquinaSoares, tendo como área experimental de observações a costa sudoeste, masque nada impede poder ser estendido a outras áreas geográficas, pressupõe,como essencial ao processo de mudança, a dinâmica interna inerente àspróprias populações residentes, as quais teriam adoptado as inovações

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associadas à neolitização de modo progressivo, segundo ritmo próprio, ditadopela própria necessidade. As condicionantes que conduziram à adopção, porparte destas populações, de uma economia de produção, teriam sidoessencialmente de ordem endógena. Podem ser invocados factores como ocrescimento demográfico em regime de sedentarização acentuada, como eraaquele que caracterizava as populações do final do Mesolítico, que, contudo,circulariam entre acampamentos de base peri-anuais e acampamentossazonais, junto ao litoral; nos vales do Tejo e do Sado, dadas as maioresdistâncias que as separavam da costa atlântica o estacionamento seria aindamais estável. Tais circunstâncias teriam conduzido a uma pressão crescentesobre os recursos natuais potencialmente disponíveis na respectiva área decaptação envolvente, os quais, por seu turno, devido à transgressão flandriana,teriam sofrido assinaláveis modificações e talvez mesmo uma reduçãosignificativa, devido às áreas ribeirinhas terem sido então rapidamenteinundadas, com a colmatação progressiva dos vales e dos estuários porsedimentos finos, tornando impraticáveis algumas actividades recolectorasaté então ali realizadas. Teria existido, pois, uma rupturademográfico-ecológica (Soares, 1996) na origem da nova ordem económica.Neste sentido, tal realidade teria conduzido à apropriação, por parte destaspopulações em "stress" alimentar, de elementos tecnológicos exógenos, entãoem rápida circulação pelo sul do continente europeu: a adopção dadomesticação de certas espécies (ovelha, boi) e de plantas (cereais, como otrigo e a cevada) seria acompanhada de novos artefactos (machados, enxós),fazendo uso de novas tecnologias, como o polimento da pedra, para alémdas produções cerâmicas, até então desconhecidas. Em suma: a assimila-ção/adopção das novidades do chamado "pacote" neolítico terá sido motivada,segundo a autora, por um desequilíbrio demográfico/ecológico o qual já vinhade trás, explicando-se deste modo a economia de largo espectro do Mesolíticotardio, com a exploração intensiva dos recursos marinhos, a que anteriormentepouco se recorria.

Tais adopções ter-se-iam dado paulatinamente, apenas na medida em queelas se revelassem úteis ou necessárias à vida das comunidades, que,progressivamente, as incorporaram no seu quotidiano. Naturalmente, paraque tal fosse possível, seria necessário a existência de contactos inter-grupos,por um processo não completamente explicado (exogamia?), mas queprivilegiaria a transmissão de tais "novidades" por transmissão através doscontactos estabelecidos entre sucessivos grupos vizinhos, em estádios dedesenvolvimento semelhantes (difusão por osmose).

Em abono da validade deste modelo, pode ser invocada a aparentecontinuidade do modo de vida patente nalgumas das primeiras comunidadesneolíticas face às suas antecessoras mesolíticas. É o caso do concheiro deMedo Tojeiro (Odemira), correspondente a um estacionamento sazonal junto

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à costa, onde se evidenciou uma economia de curto espectro, da qual estavamcompletamente ausentes quaisquer vestígios da domesticação animal e daagricultura, visto as bases de subsistência serem exclusivamente de origemmarinha (Silva, Soares & Penalva, 1985; Soares, 1995) . A recolha de ummachado de pedra polida e de elementos cerâmicos, é compatível com umadata de radiocarbono obtida: 6440 ± 140 anos BP. Este estacionamentotemporário pode-se correlacionar com o acampamento de base deSamouqueira, estação que comporta dois núcleos, um mesolítico(Samouqueira I), outro já do Neolítico Antigo (Samouqueira II); entre ambos,transparecem mais continuidades do que rupturas (Soares, 1995). Deste modo,estar-se-ia, segundo a referida autora, perante um modo de vida e de economiaem tudo comparável ao vigente no Mesolítico Final, no qual as bases desubsistência – caça, pesca e recolecção – foram sendo gradualmentesubstituídas por uma agricultura muito incipiente e pela criação de gado.Prova de que a transição não foi linear, segundo um modelo estritamenteevolucionista, é a sobreposição cronológica observada na referida região entreas estações onde se evidenciou um modo de vida estritamente mesolítico eas primeiras comunidades neolíticas: no núcleo mesolítico de SamouqueiraI, encontraram-se dois esqueletos humanos, de cronologia já neolítica(Camada 2, sobreposta à Camada 3, claramente mesolítica), cujo estudoevidenciou a ausência de rupturas biológicas face às cracterísticas dos seushomólogos neolíticos do concheiro da Moita do Sebastião; por outro lado, ajá atrás mencionada presença de indivíduos com graves limitações físicas,pressupõe uma comunidade semi-sedentária, com laços fortes, cimentadospelo parentesco, entre os seus membros, que antecedeu a emergência na regiãodo Neolítico Antigo. Tais indícios sugerem que as comunidades da transiçãodo Mesolítico para o Neolítico Antigo da costa sudoeste conheceram umaapreciável redução da sua mobilidade territorial, baseada provavelmente emnúcleos familiares constituídos por sete a oito indivíduos (Soares, 1995).

Acampamentos de base mesolíticos como a Samouqueira I exibem, por outrolado, apreciáveis semelhanças com outros acampamentos de base do NeolíticoAntigo, dos quais o mais paradigmático é o de Vale Pincel I (Sines), onde serecolheram fragmentos de cerâmicas com decoração cardial, consideradasdos primórdios do Neolítico Antigo. De facto, as datas de radiocarbonoobtidas, publicadas por J. Soares em 1997, fariam de Vale Pincel I uma dasestações mais antigas conhecidas do Neolítico Antigo do território português:6700 ± 60 anos BP. Por tal motivo, a sua correlação com a ocupação neolíticado sítio foi ulteriormente questionada (Zilhão, 1998), autor que já anterior-mente tinha refutado todo o modelo atrás exposto de J. Soares: para JoãoZilhão, todos os sítios mencionados como neolíticos por J. Soares, sejamacampamentos de base (Samouqueira I) sejam os concheiros consideradossazonais, formados junto do litoral (Medo Tojeiro, Vidigal), são na verdademesolíticos, correspondendo-lhes datas entre 7000 e 6000 anos BP, e. deste

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modo, globalmente contemporâneos dos concheiros mesolíticos do vale doSado. Por outro lado, as mais antigas presenças neolíticas verificadas nessasduas áreas – Sado e litoral alentejano – seriam já epicardiais, ou seja,documentadas por cerâmicas decoradas mais recentes que as decoradas pelaaplicação do bordo da concha de Cardium (berbigão), sem embargo de,esporadicamente, estas também ocorrerem (Zilhão, 1997).

Na verdade, este autor tem defendido um modelo totalmente diferente paraexplicar a emergência das comunidades neolíticas no território português,baseado na difusão não apenas de novos materiais (pedra polida, cerâmica) ede novas tecnologias (a domesticação de plantas e de animais), como napresença das próprias populações exógenas, suas portadoras. Esta discussãoaliás, não se iniciou na década de 1990: já nos inícios da década anterior, J.Morais Arnaud, ao discutir o processo de transição do Mesolítico para oNeolítico no vale do Sado e no litoral alentejano, ou seja, da mudança dotrinómio caça-pesca-recolecção para a fórmula que aos três itens se adicionoua pastorícia e a agricultura (pois se tratou de uma adição, não de umasubstituição), tinha equacionado as duas perspectivas, sem, contudo, optarpor qualquer delas. O autor não deixa, de assinalar a presença, logo nascamadas basais do concheiro das Amoreiras, no vale do Sado, de váriosfragmentos de cerâmicas cardiais; as duas datas de radiocarbono obtidas,são estatisticamente idênticas, situando tal ocupação em torno de 5990± 75 anos BP (data que calibrada para cerca de 95% de confiança correspondeao intervalo de 5060-4720 a. C.) (Arnaud, 2002). Tal realidade leva a admitiruma convivência da comunidade mesolítica sediada no concheiro com aspopulações neolíticas, existentes nas áreas circundantes. Com efeito, apresença de recipientes cerâmicos em ambientes plenamente mesolíticos podesignificar, simplesmente, uma simples transferência de tecnologia, sendo certoque as populações mesolíticas, nas centenas de anos anteriores, já tinhamnecessidade de efectuar o armazenamento de produtos; o vasilhame cerâmicoseria, deste modo, de utilização imediata, sem ser acompanhado de outrositens do "pacote neolítico", que, na verdade, ainda não seriam necessários,às populações sediadas nos concheiros.

Também significativa, deste ponto de vista, é a presença abundante decerâmica no nível médio do concheiro do Cabeço do Pez (Alcácer do Sal),aparentemente associada à indústria mesolítica (Santos, Soares & Silva, 1974),mas de onde se encontram ausentes os animais domésticos, indicando ummodo de vida estritamente mesolítico, visto também não terem sidoencontradas evidências directas da actividade agrícola. Esta situação é tantomais de salientar quanto é certo ter-se a ocupação do referido concheirodesenrolado entre 5200-4790 a. C. e 5440-5080 a. C. (6050 ± 70 anos BP e6350 ± 80 anos BP, respectivamente). Estes resultados são compatíveis coma tipologia dos recipientes cerâmicos, de onde estão completamente ausentes

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as cerâmicas cardiais, mais antigas, sendo integráveis no chamado NeolítcoAntigo Evolucionado, com a manutenção de um modo de vida mesolítico,mas já com elementos da cultura material neolítica.

O modelo difusionista valoriza certos trechos do território, especialmentelitorais, e pouco povoados até então; no Algarve, tal realidade encontra-sesuportada por dois sítios habitados de ar livre do barlavento algarvio; trata-seda estação da Cabranosa (Vila do Bispo) (Cardoso, Carvalho & Norton, 1998)e do sítio de Padrão, também no mesmo concelho (Gomes, 1994). As duasdatas de radiocarbono obtidas em uma lareira escavada em Padrão (6540± 60 anos BP e 6420 ± 50 anos BP), correspondentes aos intervalos calibradospara cerca de 95% de probabilidade de, respectivamente, 5481-5305 e6627-5375 a. C.), conjugadas com a data obtida em Cabranosa: 6550± 60 anos BP (5621-5369 a. C.), são coerentes e homogéneas, indicandouma presença neolítica dos meados do VI milénio a. C., situável entre asmais antigas presenças neolíticas em território português, conjuntamente comos sítios do Maciço Calcário estremenho, adiante tratados.

Contudo, a importância dos dois sítios algarvios é desigual. Com efeito, asevidências recolhidas naquele último local demonstram a existência de umapresença humana compatível com um povoado ou acampamento-base deuma comunidade que, sediada no extremo sudoeste da Península Ibérica,praticava já um modo de vida de tendência sedentária, com a presença deanimais domésticos (cabra e/ou ovelha).

É o que indica a associação: pedra polida + animais domésticos (mandíbulade ovino ou caprino) + cerâmica, constituido frisante exemplo do "pacote"neolítico em época inicial daquela etapa cultural.

Esta constatação impunha a realização de um estudo desenvolvido naperspectiva da integração cultural da estação e do seu próprio significado, nocontexto geográfico regional e supra-regional em que se insere.

O exercício comparativo efectuado permitiu concluir que a produção cerâmica(que inclui vasos cardiais produzidos localmente, ascendendo a 20% dasformas identificáveis) se distingue, a vários títulos, das produções homólogasdo Neolítico Antigo do litoral alentejano e da Andaluzia Ocidental. Tambémao nível dos conjuntos de pedra lascada se detectaram diferenças entre omaterial recolhido na Cabranosa e, de modo mais geral, os das estaçõesalgarvias, face à realidade conhecida das estações do litoral alentejano, napassagem do Mesolítico para o Neolítico.

Os elementos referidos afiguram-se de importância significativa na discussãodos modelos possíveis que presidiram à neolitização do litoral meridionalportuguês. No estado actual dos conhecimentos, afigura-se provável aexistência simultânea de duas comunidades culturalmente distintas na referida

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orla litoral: uma, mesolítica, de há muito estabelecida em ecossistemas litorais,praticando uma economia sazonal de caça-pesca-recolecção; outra, jáneolítica, estabelecida na faixa litoral algarvia, com uma economia já deprodução (pelo menos a pastorícia e, muito provavelmente a agricultura, comosugerem os pequenos sachos de pedra polida, produzidos em rochas locais),portadora de uma cultura material exógena, onde avulta a cerâmica, comdecoração cardial.

Outras estações do litoral do barlavento algarvio do Neolítico Antigo, massem cerâmicas cardiais, foram muito recentemente objecto de investigação ede datação (Bicho, 2000), indicando um período imediatamente posterior àpresença de cerâmicas cardiais, situável nos últimos séculos do VI milénioa. C. e primeiro quartel do milénio seguinte, posterior, portanto à cronologiade Cabranosa e de Padrão.

Estes factos reforçam a hipótese de existência de dois grupos humanosdiferenciados, realidade talvez ainda mais nítida no extremo sudoeste doque na Estremadura, um deles exógeno, a quem se ficaria a dever a rápidadifusão dos elementos da cultura material aludida provavelmente, atravésdas pessoas que os fabricaram. Admitida esta hipótese, é-se levado a concluirque a progressão teria sido rápida; em apenas uma geração, segundo oscálculos apresentados por João Zilhão, o espaço entre o golfo de Génova e oestuário do Mondego poderia ser coberto, bordejando o litoral (Zilhão, 2001).

Este modelo é, quanto a nós, preferível ao modelo indigenista preconizadopor C. Tavares da Silva e J. Soares, já atrás exposto.

Além de parecer encontrar-se mais de acordo com a informação arqueológicarecolhida – mormente na Cabranosa – a sua aceitação parece ainda respeitarum dos pressupostos estabelecidos por J. Zilhão, o da existência de hiato nopovoamento das respectivas regiões. Com efeito, a cronologia mesolíticados concheiros do litoral algarvio de Rocha das Gaivotas: 6890 ± 75 anosBP (correpondente ao intervalo calibrado para cerca de 95 % de probabilidadede 6637 – 5969 a. C., ) e de Armação Nova, com 4 datas, entre 7740± 70 anos BP e 6970 ± 90 anos BP (intervalos calibrados de, respectivamente,6687 – 6441 a. C. e 6009 – 5669 a. C.), situa a sua ocupação na imediataantecedência da ocupação neolítica do Padrão e da Cabranosa; com efeito,importa sublinhar que:

1. não existe sobreposição estatística entra as datas de um e outro grupo,para cerca de 95% de probabilidade, o que significa que, aquando dachegada dos influxos neolíticos, a região do barlavento algarvio deveriaestar, efectivamente, despovoada;

2. mesmo que se verificasse sobreposição de datas, sendo a ocupaçãodaqueles concheiros sazonal, poderiam obervar-se frequentemente

Fig. 93

Fig. 91

Fig. 92

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interregnos de largos meses, ou mesmo anos, na frequentação humanade tais locais, reunindo-se as condições para a implantação ex-novodas primeiras comunidades neolíticas na região, o que não impede aexistência, em outras zonas, de comunidades ainda mesolíticas, comoanteriormente se referiu.

Deste modo, mesmo que existisse uma população local mesolítica (de qualquerforma, sempre de carácter sazonal e de baixíssima densidade), não existe nenhumargumento decisivo para que a colonização marítima neolítica da costa vicentina –e, por acrécimo, do maciço calcário estremenho – não se tenha efectuado nos moldespropostos. Sem dúvida que, da interacção desta nova presença resultou, a brevetrecho, o abandono da economia mesolítica, por adopção de novas tecnologiasque, embora de implementação mais complexa, proporcionavam, uma vezadquiridas, melhores benefícios com menores custos. Tal adopção não parece,contudo, ter sido provocada pelo aumento da dificuldade na captação de recursosmarinhos por via do seu esgotamento, no litoral da costa vicentina: com efeito,como foi recentemente verificado, a especialização mesolítica na recolecção demoluscos marinhos aludida não conduziu a qualquer "stress" da população de Thaishaemastoma, espécie que, sendo recolectada no Mesolítico, o continuou a ser,com a mesma cadência, no Neolítico (Stiner, 2003). Dito por outras palavras, apesardos dados relativos à zona sul portuguesa serem ainda demasiado escassos parauma discussão fundamentada da questão, o argumento da rarefacção de recursosou o da pressão demográfica, por aumento do número de habitantes, não parecedever ser invocado como "motor" da transformação económica e social dasrespectivas populações.

Muitos séculos depois de já plenamente neolitizadas, as populações conti-nuaram a acorrer sazonalmente ao litoral para, com um mínimo de esforço,dele retirarem o seu sustento diário, não fazendo muito sentido o estabeleci-mento de uma fronteira rígida entre as bases económicas mesolíticas e assubsequentes, do Neolítico. Vários milhares de anos depois, as jazidas deCerradinha, Santiago do Cacém e de Pontes de Marchil, Faro que, apesar depertencerem ao Bronze Final, correspondem a populações que, durante umadeterminada época do ano encontravam, nas actividades de pura recolecçãolitoral, as bases da sua subsistência, sem embargo de possuirem uma economiacomplexa, que nada tem a ver com a mesolítica.

Os trabalhos efectuados sob a direcção de João Zilhão na gruta do Caldeirão(Tomar) forneceram-lhe os primeiros argumentos de base material para aconstrução do seu modelo difusionista na região do Maciço Calcário. Comefeito, foi ali detectada uma associação constituída por cerâmicas cardiais,elementos de pedra polida e restos de animais domésticos (ovelha), que

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atestam a precoce neolitização da região no decurso da segunda metade doVI milénio a. C., como indicam as duas datas de radiocarbono correspondentes(6330 ± 80 e 6230 ± 80 anos BP) (Zilhão, 1992). A presença de uma ocupaçãoremontando aos primórdios do Neolítico Antigo, com cerâmicas cardiais,foi, aliás, comprovada por outras estações do maciço calcário estremenho,desde o paleo-estuário do rio Mondego, como as estações de ar livre de Várzeado Lírio e de Junqueira (Figueira da Foz), exploradas por A. dos SantosRocha (Jorge, 1979), ou o Cabeço das Pias, Torres Novas (Carvalho & Zilhão,1994), até estações em abrigos, como o de Pena d’Água, Torres Novas(Carvalho, 1998), ou grutas, como a de Eira Pedrinha (Corrêa & Teixeira,1949), a Buraca Grande (Moura & Aubry, 1995), e a gruta do Almonda(Zilhão, Mauricio & Souto, 1991). Nesta última gruta, segundo os critériosadoptados em recente síntese (Carvalho, 2003), as únicas datas com elevadograu de fiabilidade, são as que resultaram da análise em acelerador (MAS)de dois adornos e de osso humano no algar do Picoto, recuperados emdesobstrução de galeria, onde surgiram associados a cerâmicas incisas: osresultados obtidos e os correspondentes intervalos calibrados, para cerca de95 % de probabilidade, são os seguintes: 6445 ± 45 anos BP(5477-5321 a. C.); 6445 ± 45 anos BP (5477 – 5321 a. C.); e 6000± 150 anos BP (5285 – 4545 a. C.). Importa referir que, na cartografia dossítios do Neolítico Antigo do maciço calcário, parece evidente a valorizaçãodo povoamento da zona do arrife, que separa a planície, percorrida porafluentes e subafluentes do Tejo, da região mais montanhosa da serra deAire; tal localização tem uma leitura económica: assim, enquanto nas zonasbaixas se praticaria sobretudo a agricultura, nas partes altas era o pastoreiosazonal e a caça que dominava. Contudo, das estações conhecidas, apenasem uma foram recolhidos restos faunísticos de ovelha ou cabra; esta situação,a par de ali também se terem encontrado duas espécies de murídeos de origemextra-europeia (Póvoas, 1998), ausentes do registo faunístico anterior aoNeolítico, no território português – Mus spretus e Mus musculus – dá quepensar sobre a efectiva origem destas populações dos primórdios do NeolíticoAntigo.

Estudo recente sobre o ADN das populações mesolíticas e neolíticas doterritório português permitiu verificar que, embora as populações do NeolíticoAntigo não evidenciem derivação directa a partir de agricultores do MédioOriente, existiu de facto uma descontinuidade entre o Mesolítico e o Neolítico,concluindo-se que, na transição para o Neolítico em Portugal terá havidoalgum tipo de colonização (Chandler, Sykes & Zilhão, 2005).

Foram evidências desta natureza que consubstanciaram a teoria de umacolonização por via marítima muito antiga da região, cerca de meados doVI milénio a. C., de acordo com as datas de radiocarbono obtidas, porpopulações oriundas do litoral mediterrâneo, através de uma navegação de

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cabotagem. A razão aduzida para a fixação nesta região calcária destascomunidades exógenas residiria, por um lado, nas semelhanças ecológicas eambientais que esta teria com as áreas de origem e, por outro, com o facto deela se encontrar muito pouco ocupada ou mesmo desabitada, visto sedesconhecerem, quase em absoluto, presenças do Mesolítico Final. Em abonodesta afirmação, existem, além das datas absolutas, outros argumentos. Assim,é notória a semelhança decorativa entre recipientes recolhidos na Galeria daCisterna, do sistema cársico do Almonda, caracterizados pelos elementos"barrocos" de técnica cardial e exemplares recolhidos nos níveis inferioresda Cova de l’Or (Valência), como J. Zilhão bem evidenciou em 2001. Talsemelhança encontra-se ainda reforçada pelas datas de radiocarbono de ambasas estações, dos inícios da segunda metade do VI milénio a. C.,estatisticamente idênticas às obtidas para as estações de Cabranosa e Padrão,acima referidas.

Assim, com base nas datas disponíveis para o território português, pareceverificar-se o início do Neolítico Antigo, tanto na costa vicentina como no MaciçoCalcário, quase simultaneamente, em meados do VI milénio a. C., emresultado da chegada de grupos de neolíticos, por via marítima, oriundos doMediterrâneo.

Importaria verificar, no quadro supra descrito, se a eventual presença degrupos humanos exógenos, no território português, a partir de meados doVI milénio a. C., teria expressão económica, para além de cultural. Destemodo, investigaram-se os teores em isótopos estáveis de carbono e de azotode ossos humanos das grutas do Caldeirão e da Casa da Moura, pertencentesao Neolítico Antigo e do concheiro da Moita do Sebastião, pertencente aomesolítico (resultados apresentados em Zilhão, 1990). Verificou-se existiremassinaláveis diferenças na alimentação de ambos os conjuntos. Assim,enquanto que o conjunto Casa da Moura/Caldeirão cai dentro da área dográfico correspondente a alimentação de carnívoros terrestres, já o conjuntoda Moita do Sebastião, partilha o campo destes com o dos animais marinhoscomedores de invertebrados, e nalguns casos, mesmo no domínio exclusivodestes últimos. Outras diferenças do foro antropológico foram apresentadasulteriormente por João Zilhão (Zilhão, 1997), mas as amostragens disponíveis,por diminutas, podem retirar-lhes representatividade.

Do período de quase 500 anos em que se observou coexistência semsobreposição territorial entre os grupos neolíticos cardiais da Estremadura eos grupos mesolíticos do vale do Tejo, entre cerca de 5500 e cerca de5000 anos a. C., evoluiu-se para outra realidade, da qual as cerâmicas cardiaisjá não faziam parte, situável entre cerca de 5000 e 4750 anos a. C. É nessaaltura que, finalmente, se deverá ter produzido interacção entre ascomunidades neolitizadas e as derradeiras comunidades mesolíticas sediadasnos concheiros, conforme atestam as cerâmicas do Neolítico Antigo

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Evolucionado, encontradas nas camadas superiores dos concheiros do valedo Tejo (Ferreira, 1974), bem como nos concheiros do vale do Sado (Arnaud2002), a que anteriormente se fez referência, bem como de locais queforneceram vasos completos, talvez de cunho ritual.

Observa-se então uma generalizada ocupação das grutas da Estremadura,cujo paradigma é a gruta da Furninha, Peniche, de onde provém magníficovaso decorado, associado a outras cerâmicas epicardiais que estão na origemdo chamado "horizonte da Furninha", definido na primeira síntese dedicadaao Neolítico Antigo português e na qual já se postulava a existência de umNeolítico Antigo Cardial, antecedente do referido "horizonte" (Guilaine &Ferreira, 1970). Ao mesmo tempo, dava-se a ocupação de territórios em zonasde portela ou de montanha, como o povoado de Salemas, Loures, quecontrolaria uma das passagens entre o domínio calcário e as terras baixas, dealta fertilidade (Cardoso, Carreira & Ferreira, 1996) e o povoado de SãoPedro de Canaferrim, Sintra, situado em plena serra de Sintra (Simões, 1999):A implantação de ambos reflecte, provavelmente, a importância crescenteda pastorícia na economia destas populações dos inícios do V milénio a. C.da região de Lisboa. Porém, o povoado de Salemas denuncia, tal como outrossituados da mesma época conhecidos na zona do Arrife, Torres Novas (Zilhão& Carvalho, 1996), a implantação em zona ecótono: dali se poderia aceder,como se disse, às terras baixas, propícias a uma agricultura primitiva, e poroutro, ao domínio mais pedregoso e montanhoso, potencialmente aproveitadopara a pastorícia.

As terras baixas confinavam, a sul, como estuário do Tejo, cujos afluentes damargem norte propiciaram, na confluência com aquele, importantes esteirospenetrados por água salobra, muito ricos em recursos facilmente recolectados.É o que comprova dois locais recentemente publicados, a Encosta deSant’Ana, junto do Martim Moniz, em pleno centro histórico de Lisboa, e oPalácio dos Lumiares, no Bairro Alto. em ambos os casos, a tipologia dascerâmicas recolhidas sugere uma fase adiantada do Neolítico AntigoEvolucionado, comprovada pelas datas radiométricas disponíveis, senãomesmo já do Neolítico Médio, abarcando o período da segunda metade doV milénio – primeiro quartel do IV milénio a. C. (Carvalho, 2005; Valera,2006). A economia então vigente nos dois sítios, baseada fortemente narecolecção de moluscos no estuário do Tejo, tem equivalente, na margemoposta do estuário, no sítio do Gaio, junto à linha de água actual, no concelhoda Moita (Soares, 2004); e outros sítios existirão, ainda por descobrir, ou járecobertos, pela crescente urbanização da área em apreço.

Por outro lado, recentes descobertas do interior do Alto Alentejo vieramcolocar a possibilidade de a neolitização se ter dado a partir da BaixaAndaluzia, ao longo do vale do Guadiana, progredindo depois para ocidente,ao longo de territórios de fácil circulação, favorecida pelo aparente

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despovoamento verificado no Mesolítico. Com efeito, embora se conhecessemde há muito materiais cerâmicos cardiais da gruta do Escoural (Santos, 1970),aos quais se somaram mais recentemente outros elementos (Araújo & Lejeune,1995), a verdade é que, até à década de 1990, pouco se sabia das vastas áreasentre o Sado, o Tejo e o Guadiana. A descoberta da estação da Valada doMato, Évora e a sua sequente exploração,veio demonstrar a existência, noAlentejo Central de um povoamento do Neolítico Antigo, no primeiro quarteldo V milénio a. C.: dispõe-se de uma data de radiocarbono, 6030 ± 50 anos BP,a qual, calibrada para cerca de 95 % de confiança, corresponde ao intervalode 5040-4780 a. C. (Diniz, 2001). Entre o espólio recolhido, avultam ascerâmicas decoradas, impressas e incisas, incluindo a técnica dopuncionamento arrastado, também dita "boquique" e impressões cardiais,associadas a decorações plásticas. Ao nível da indústria lítica, predominamos micrólitos, com trapézios e crescentes de sílex, de nítidas afinidadesmesolíticas. Com efeito, tais afinidades foram sublinhadas por M. Diniz,configurando uma efectiva interacção, no seu entender, entre o substratoindígena mesolítico, representado pelas últimas populações dos concheirosdo Tejo e do Sado e os grupos neolíticos recém-chegados à região, com aabsorção, por parte destes, da cultura material mesolítica. Tal mecanismo,no entender da autora, poderia ter-se efectuado através do influxo de mulheres,oriundas das comunidades indígenas neolíticas (Diniz, 2004). Mas oconhecimento da rede de povoamento encontra-se prejudicada, dada a faltade estações do Neolítico Antigo comparáveis, na mesma área geográfica,exceptuando o sítio habitacional de Xarez 12, Reguengos de Monsaraz,investigado muito recentemente no âmbito dos trabalhos de minimizaçãodos impactes produzidos pelo empreendimento de Alqueva.

Nesta estação, identificaram-se trinta e três fornos culinários, de argila, cujascaracterísticas, estado de conservação e raridade, são de evidente relevância noâmbito do Neolítico Antigo peninsular (Gonçalves, 2002). O espólio lítico écaracterizado por uma abundante indústria microlítica, do Mesolítico Final/Neolítico Antigo constituída por lamelas, trapézios, triângulos, crescentes, núcleose escassa macro-utensilagem sobre massas de quartzo e de quartzito. O seu estudopoderá, deste modo, melhorar o enquadramento das indústrias microlíticasrecolhidas na Valada do Mato. Ao nível da cerâmica, ocorrem exemplares lisos edecorados e, entre estes, impressões cardiais. Porém, a ausência de estudo maisdetalhado que a simples notícia da sua existência, bem como o desconhecimento dacronologia absoluta do sítio, impedem, por ora, considerações mais desenvolvidas.

Podemos, em resumo, considerar a existência, no faseamento do NeolíticoAntigo do centro litoral (Estremadura) e sul (Alentejo e Algarve) do actual

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território português, uma primeira fase, entre 5500 e 5000 anos a. C.,caracterizada pela presença de cerâmicas cardiais. No entanto, estas, podempor vezes não ocorrer – caso da gruta do Correio-Mor, Loures com duasdatações semelhantes à do conjunto cardial da gruta do Caldeirão e onde asdecorações cardiais se encontram substituídas por outros motivos impressos,como o puncionamento arrastado ("boquique") (Cardoso, Ferreira & Carreira,1996), que pervive.

Numa segunda fase do Neolítico Antigo – o chamado Neolítico AntigoEvolucionado, situável entre cerca de 5000 e 4500 anos a. C., desenvolve-seuma profusão de estilos decorativos, fazendo uso de técnicas diversificadas,como a do puncionamento arrastado, ou "boquique" neolítico, a das incisõesfinas ou rombas, (organizadas no característico motivo "em espiga", tambémchamado em "falsa folha de acácia", para o diferenciar da "folha de acácia"do Calcolítico) a impressão de matrizes de morfologia variada; crescentes,triângulos, cuneiformes, ovaladas e as decorações plásticas, como os mamiloslisos ou decorados e os cordões em relevo, rectilíneos ou serpentiformes,formando por vezes complexos reticulados, especialmente em vasos degrandes dimensões, ditos "de provisões". Tais cerâmicas ocorrem comabundância em numerosas grutas naturais da Estremadura, utilizadas comonecrópoles – como a já referida gruta da Furninha, Peniche – estendendo-seo seu uso ao interior alentejano e à costa sudoeste, e, como se disse, ocorrendotambém na parte superior dos concheiros do vale do Tejo e nalguns do Valedo Sado. Podemos, pois, dizer, que, no final do Neolítico Antigo, uma boaparte do centro litoral e do sul do actual território português se encontrava jáocupada, ou em vias de o ser, por parte de grupos humanos de base familiar,ainda com assinalável mobilidade, praticando uma agricultura itinerante decorte e queimada, e um pastoreio de subsistência de ovinos e caprinos, talveztambém já de bovinos, em fase de crescente sedentarização em determinadosterritórios.

7.2 Centro interior e norte do país

Até aos meados da década de 1980, julgava-se que o primeiro povoamentopós-paleolítico de toda a vasta região interior centro e norte do paíscorrespondesse à construção dos monumentos megalíticos mais antigos. Comefeito, só a partir de 1978, mercê do vasto programa de escavações emdólmenes da serra da Aboboreira, no Douro Litoral, conduzido por V. O.Jorge, se encontraram escassos materiais líticos e cerâmicos, oriundos dasterras das mamoas de alguns daqueles monumentos, então de difícil integraçãocronológico-cultural, os quais se juntavam a outros, de tipologia igualmente

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pré-megalítica, recolhidos em zonas abertas da mesma região, como noTapado da Caldeira, Baião e em Lavra I, Marco de Canaveses (Jorge, 1980;Sanches, 1988, 2003), da primeira metade do V milénio a. C. Trata-se depequenos sítios, ocupando encostas abrigadas, possuindo lareiras escavadasno saibro, como as identificadas no primeiro daqueles sítios, onde serecolheram cerâmicas lisas e decoradas e alguns micrólitos. De referir que,na parte mais alta da serra da Aboboreira, se encontraram solos selados poralgumas mamoas, conservando buracos de poste, fossas e cerâmicas, casodos dólmenes de Chã de Santinhos e de Mina do Simão, situáveis na viragemdo V para o IV milénio a. C. (Bettencourt, 2004).

Tais presenças, remontando genericamente ao Neolítico Antigo Evolucionado,cerca de 400 anos mais modernas que as suas congéneres da Estremadura,antecedem, pois, as mais antigas manifestações megalíticas conhecidas nonorte do País, as quais vieram depois a ganhar substancial importância.

O panorama actualmente conhecido nesta vasta região – Beiras,Trás-os-Montes e Alto Douro – mercê de trabalhos desenvolvidos desde aúltima década, parece indicar que as cerâmicas cardiais não chegaram ali:destas, não se conhecem de momento outras ocorrências para além do estuáriodo Mondego. No que respeita à região do Alto-Douro, terá existido – combase na escassíssima informação disponível – uma efectiva lacuna entre oMesolítico e o Neolítico Antigo, conforme foi concludentemente demontradoem recente trabalho (Carvalho, 2003), estando este representado, desde assuas etapas mais antigas, por animais domésticos (ovinos e ou caprinos), naestação do Prazo, Freixo de Numão e por leguminosas e cereais produzidospelo homem, no Buraco da Pala, Mirandela. Tal situação sugere que, noactual território português a neolitização se deu, genericamente, de sul paranorte e do litoral para o interior, o qual, tal como no interior alentejano, sepoderia encontrar despovoado, ou quase: é excepção, até ao presente, o járeferido nível mesolítico da estação do Prazo, Freixo de Numão. Outra viade penetração possível para atingir a região transmontana, seria através dasvastas terras da meseta, a partir do Alto Guadiana, ou, em alternativa, atravésdo Alto Ebro, dali passando ao Alto Douro espanhol.

Entre as estações de carácter habitacional do Neolítico Antigo, remontandoao primeiro quartel do V milénio a. C., objecto de escavação e de publicaçãoem época recente, merecem destaque as publicadas por A. F. Carvalho noBaixo Côa (Carvalho, 1999). Trata-se dos sítios de Quinta da Torrinha e deQuebradas (estação que o próprio, ulteriormente, considerou com reservas,cf. Carvalho, 2003). Ambas as estações se encontram implantadas em zonasplanálticas, integrando, entre o espólio, indústrias microlíticas e cerâmicasdecoradas, estando presentes as técnicas incisa, impressa e os puncionamentossoltos (em Quebradas) e arrastados, tipo "boquique", na Quinta da Torrinha,características compatíveis com o Neolítico Antigo Evolucionado. De referir

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que o pequeno tamanho dos recipientes sugere grupos com assinalávelmobilidade, de carácter sazonal, ligados à pastorícia (como indica a presençade resto de ovino) e à caça (presença de geométricos utilizados como pontasde projéctil). Recolheu-se, também, um machado em pedra polida (emQuebradas) o qual, conjuntamente com fragmentos de mós manuais (naQuinta da Torrinha), completa o "pacote" neolítico em ambas identificado.

Esta realidade é, pois extensível a diversas estações de carácter habitacionalda região dúrico-transmontana. No já referido sítio do Prazo (Freixo deNumão), a ocupação do Neolítico Antigo, foi datada com base em duasamostras de carvões recolhidos numa lareira e em osso queimado, cujosresultados mutuamente se confirmam: 5640 ± 50 anos BP e 5735 ± 50 anos BP(carvões) e 5760 ± 40 anos BP (osso queimado), a que correspondem osintervalos calibrados, para cerca de 95 % de probabilidade de:4581-4355 a. C.; 4709-4459 a. C. e 4711-4499 a. C. Esta cronologia é idênticaà obtida em outros sítios adiante referidos, de Trás-os-Montes e Alto Douro.Estes resultados são de inegável importância para a discussão dos mecanismosdifusores da neolitização no ocidente peninsular: assim, pode hoje afirmar-secom segurança que o início do Neolítico Antigo na região se terá verificadona primeira metade do V milénio a. C.

A indústria lítica do Prazo , com lâminas, lamelas e geométricos (crescentes),apresenta-se em continuidade com a do Mesolítico, presente no nívelsubjacente, o mesmo se verificando com a tipologia das estruturashabitacionais identificadas (fossas e estruturas de combustão). Ao níveldecorativo da cerâmica, estão presentes, tal como na Quinta da Torrinha, asdecorações incisas em espinha, ou formando motivos geométricos, ocorrendotambém decorações muito barrocas, associando elementos plásticos(mamilos) à técnica do puncionamento arrastado ("boquique").

Tal como se verificou nas duas estações anteriores – Quebradas e Quinta daTorrinha –, deverá tratar-se de um estacionamento sazonal, temporário, emrelação com a posição do sítio entre as plataformas somitais que ocupamvastas áreas da região e a incisão fluvial do Côa; trata-se de zona propícia àprática de uma agricultura itinerante, ao pastoreio (presença de ovinos oucaprinos) e à caça (javali, veado, coelho). Está-se, pois, perante uma economiade largo espectro, onde a agricultura aparentemente detinha um papel poucorelevante, em contraste com a estação em gruta do Buraco da Pala, Mirandela,onde tal actividade foi exuberantemente demonstrada, na mesma época, comoadiante se verá. Deste modo, tal como se verificou no sul do territórioportuguês, também nesta área, do interior norte, é admissível a existência deuma evolução não linear, antes marcada por diversos ritmos, no processo deneolitização: enquanto em certas zonas transmontanas já se detinha um plenocontrolo das espécies cerealíferas, que seriam intensamente cultivadas, noutraszonas era ainda o padrão económico baseado na caça e na recolecção que

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dominaria, como admitem M. J. Sanches e S. Monteiro-Rodrigues (Sanches,1997, 2003; Monteiro-Rodrigues, 2002). Seja como for, trata-se sempre desítios de permanência muito limitada, evidenciada pela fragilidade dosvestígios habitacionais conservados e pela reduzida importância dos depósitosproduzidos.

Uma das excepções a este padrão de ocupação e de exploração do território é oBuraco da Pala, Mirandela. As datas de radiocarbono obtidas para a base do nívelIV (lareira), indicam uma ocupação abarcando, essencialmente, oV milénio a. C.: 5860 ± 30 anos BP e 5840 ± 140 anos BP (correspondendo,respectivamente, aos intervalos calibrados, para cerca de 95 % de probabilidade,de 4797-4621 a. C. e 5035-4365 a. C.). A ocupação ali identificada prolongou-seaté ao terceiro quartel do milénio seguinte (Sanches, 2000). Estão presentes cereaise leguminosas (cevada, trigo, fava), desde a base da sequência, de índole ocupacional(presença de buracos de poste), de onde proveio também uma enxó de pedra polida.Esta descoberta é de excepcional importância, a nível peninsular, permitindo, pelaprimeira vez, demonstrar a efectiva domesticação das principais espéciescerealíferas, logo no decurso do Neolítico Antigo, naquela região interior, as quaisconstituem, até o presente, a única prova directa da prática da agricultura naquelaépoca, em todo o território português.

Quase metade da cerâmica é decorada (com impressões diversas, punciona-mentos simples ou arrastados (boquique), e incisões, para além de motivos plásticos,como cordões em relevo formando reticulado, motivo bem conhecido no NeolíticoAntigo da Estremadura. As indústrias líticas revelam acentuado microlitismo, comonos outros contextos supra mencionados, nalguns casos com vestígios de uso queindicam aproveitamento como lâminas de foices, comprovando indirectamente acerealicultura.

Em outra gruta da região, Fraga d’Aia, concelho de S. João da Pesqueira, onde seidentificaram ovinos e/ou caprinos, as datas disponíveis indicam uma ocupaçãoinciada mais cedo, em meados do VI milénio a. C., prolongando-se por todo o Vmilénio a. C., atingindo a primeira metade do seguinte (Jorge, 1991; Sanches,1997, 2000). Contudo, cronologia tão recuada mereceu, recentemente, sériasreservas (Carvalho, 2003). Com efeito, o autor considera tais datas "inutilizáveis",dado o carácter de palimpsesto do delgado depósito sedimentar onde foramrecolhidas as amostras de carvão, bem como as contradições existentes entrediferentes datas oriundas da referida camada, podendo as datas mais antigascorresponderem a carvão fóssil, como aliás já tinha sido admitido por M. J. Sanches(Sanches, 1997): nestas condições, só as datas mais recentes serão de reter,correspondendo ao V milénio a. C. Também aqui se recolheram cerâmicas incisase impressas (motivos simples ou arrastados), do mesmo grupo das anteriores,indústrias microlíticas, três enxós e elementos de mós manuais.

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Na região do Douro Litoral, salienta-se a estação de Lavra I (serra daAboboreira, Marco de Canavezes), a qual documenta a frequência daquelaárea atlântica por populações do Neolítico Antigo. Tratar-se-ia de um sítiode estacionamento sazonal, com fraca densidade de espólio, disperso porgrande área, possuindo grandes estruturas de combustão circulares, escavadasno saibro, preenchidas por materiais carbonosos. As cinco datas deradiocarbono obtidas a partir de amostras recolhidas naquelas estruturas sãomuito homogéneas, indicando a sua utilização entre meados do VI e os meadosdo V milénios a. C. (Sanches, 1997, 2000, 2003). O escasso espólioarqueológico é sobretudo importante pela cerâmica, onde se reconheceu atécnica do puncionamento arrastado ("boquique"), formando grinaldas, ouem "espiga" ou "falsa folha de acácia", bordos denteados, decorações incisase plásticas.

Na bacia do Alto Mondego, Beira Alta, mercê de um programa de pesquisasiniciado há mais de vinte anos, é hoje possível indicar diversos sítios decarácter habitacional reportáveis ao Neolítico Antigo, com início nosprimórdios do V milénio a. C. (Valera, 1996, 1998; Senna-Martinez & Pedro,ed., 2000). É o caso da Quinta do Soito, Nelas, de área muito reduzida,relacionada, aparentemente com o talhe da pedra (sobretudo o quartzo); dasala 2 do Complexo 1 do Penedo da Penha, Canas de Senhorim, constituídopor um aglomerado caótico de grandes penedos graníticos; do Buraco daMoura de São Romão, Seia, igualmente constituído por um conjunto decavidades formadas por grandes blocos graníticos, perto do fundo do apertadovale da Caniça; do sítio de Carriceiras, Carregal do Sal, implantado numadas encostas do vale da ribeira de Cabanas, com um possível "buraco deposte" e uma estrutura em fossa, provavelmente uma lareira, estruturas a quefoi possível associar cerâmicas decoradas (motivos plásticos e incisos) e umaindústria lítica de tendência microlítica, com geométricos, buris, micro-burise lamelas. Esta ocupação foi considerada como integrando o final do NeolíticoAntigo regional, tal como o sítio do Folhadal (Nelas), correspondente a umaimplantação doméstica representada por duas cabanas, das quais se conservamparte dos pisos e os respectivos "buracos de poste", uma delas munida deestrutura de combustão. É interessante referir que esta implantação antecedeu(não se sabe se em continuidade) a construção, no espaço adjacente, de ummonumento megalítico de corredor curto, a Orca de Folhadal.

No conjunto, as cerâmicas recolhidas nestes sítios da Beira Alta têm nítidasafinidades técnico-estilísticas com as suas congéneres do Douro e deTrás-os-Montes; por outro lado, apresentam, igualmente, estreitas analogias commateriais da Estremadura, recolhidos em grutas naturais, a maioria resultantes deescavações antigas, sem contextos estratigráficos conhecidos, como o Algar deJoão Ramos, Alcobaça (Cardoso & Carreira, 1991), a Casa da Moura, Óbidos

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(Carreira & Cardoso, 2001/2002), e a gruta do Carvalhal, Alcobaça (Spindler &Ferreira, 1974), entre outras. Trata-se de recipientes de colo alto, por vezes deparede rentrante, com fundo parabolóide, e decorações feitas a punção rombo ouimpressas, ocorrendo também as decorações incisas e com punção arrastado("boquique"), em vários motivos, incluindo grinaldas. Tal realidade, insuspeitadaaté época recente, permite considerar a existência de uma ligação entre ointerior-centro e a parte mais setentrional da Estremadura, a qual seria asseguradaatravés da região do Alto Mondego.

Na Beira Baixa, Raquel Vilaça identificou, igualmente, uma presençaatribuível ao Neolítico Antigo Evolucinado no povoado de altura do Montedo Frade, Penamacor, com cerâmicas decoradas possuindo evidentesanalogias com os conjuntos mencionados (Vilaça, 1995, Fig. 3). Taldescoberta, que não corresponderá certamente a ocorrência isolada,inscreve-se numa realidade que parece cada vez mais evidente: a de que, nodecurso do V milénio a. C., tal como se verificou na Estremadura, também onorte e o interior-centro do país se encontravam ocupados, ainda que deforma pouco intensa, mas globalmente homogénea, por populaçõesneolitizadas, produzindo, de forma cada vez mais acentuada, os seus própriosrecursos alimentares através de uma agricultura e pastoreio em geralincipientes, de tipo itinerante de corte e queimada, respeitando ritmos próprios,em estrita dependência das condicionantes naturais inerentes aos territóriosa que, cada vez mais, se encontravam circunscritas.

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8. A Consolidação do Sistema Agro-Pastoril noDecurso do V e do IV Milénios a. C.

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Nos finais do V milénio a. C, a ocupação do território, em termos gerais,seria ainda caracterizada por grupos itinerantes, de base familiar, talvezconstituídos por pouco menos de uma dezena de pessoas. Com efeito, oreforço dos laços familiares (ou de parentesco) seria condição essencial paraa manutenção da coesão do grupo, indipensável ao êxito de uma economiaagro-pecuária, em face de crescente afirmação.

Tal é a realidade que a informação arqueológica parece confirmar, aoevidenciar a cada vez maior dependência dos recursos produzidos – tanto osde carácter agrícola como pecuário – conduzindo, deste modo, a umainsensível sedentarização das populações. Com efeito, desde que ascomunidades se tornaram produtoras das suas próprias bases de subsistência,passaram a estar delas cada vez mais dependentes, relegando a componentede recolecção e de caça para um lugar cada vez mais secundário na economiaalimentar.

Vale a pena uma referência ao registo polínico identificado na área da lagoade Carvalhal, Melides: de acordo com José Mateus, no final do V milénio a. C.foram ali identificados pólenes de cereais, correlacionados com camposcultivados (Mateus, 1992, p. 98); já anteriormente, na mesma região, natransição do Mesolítico para o Neolítico Antigo, se tinha verificado o declíniode certas espécies arbóreas, sem que tal possa ser correlacionado commodificações naturais; em consequência, o referido autor admitiu que aqueledeclínio se possa dever à pressão antrópica (deflorestação por corte equeimada).

Só dificilmente se poderá admitir com base no registo arqueológico de carácterhabitacional – ver-se-á que, no concernente ao fenómeno megalítico ofaseamento é mais nítido – a existência de um Neolítico Médio, com inícionos meados do V milénio a. C., de tal modo que se torna problemática aseparação arqueográfica (ou seja, com base na tipologia dos materiaisarqueológicos) entre o Neolítico Médio e o chamado Neolítico AntigoEvolucionado, o qual é caracterizado, essencialmente, pelas altas percentagensde cerâmicas decoradas, que deixam progressivamente de se observar.

Numa perspectiva essencialmente cronométrica, poderá, no entanto, situar-seo Neolítico Médio entre os meados do V milénio a. C. e os finais do primeiroquartel do milénio seguinte, ou seja, entre cerca de 4500 a. C. e 3750 a. C.,correspondendo-lhe, deste modo, um intervalo de cerca de oitocentos anos.Graças ao critério cronométrico, com base em datações de rádio-carbono,foi possível fazer atribuir ao Neolítico Médio algumas das ocupaçõesregistadas em território português. Em tão longo intervalo de tempo,observa-se evidente continuidade quanto ao tipo de implantação dos sítioshabitados face aos da fase anterior: tanto no Alentejo litoral, como no AltoAlentejo, trata-se de locais potencialmente conotados com os construtores

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das primeiras estruturas verdadeiramente megalíticas de índole funerária asquais serão tratadas no capítulo seguinte.

É o caso dos pequenos povoados de Pipas e da Quinta da Fidalga, no concelhode Reguengos de Mosaraz, e da Fábrica de Celulose, no de Mourão, podendoos dois primeiros serem um pouco anteriores (Neolítico de tradição antiga)(Soares & Silva, 1992). Com efeito, as escavações ulteriormente realizadaspor aqueles dois arqueólogos, tanto em Pipas como no povoado da Fábricade Celulose, no âmbito da minimização dos impactes arqueológicosdecorrentes da construção do empreendimento de Alqueva, revelaramocupações do Neolítico Médio, ainda que pouco prolongadas e com umatecnologia lítica que, no primeiro dos sítios mencionados evoca o NeolíticoAntigo. A cerâmica, pouco abundante, integra, em ambos os sítios, formassimples, sendo comuns os pequenos vasos esferoidais ou ovóides de bordoligeiramente inclinado para o exterior. A decoração é predominantementeconstituída por um sulco horizontal localizado imediatamente abaixo dobordo, considerada pelos autores característica do Neolítico Médio; "nasPipas, estão ainda presentes impressões obtidas através de espátula e punção,e incisões organizadas em xadrez ou em bandas de traços oblíquos e paralelos"(Silva & Soares, 2002, p. 176).

Estes e outros povoados, ainda por identificar e escavar, corporizam oNeolítico Médio do Alto Alentejo Oriental, correlacionável com a fase dearranque do pleno megalitismo, representada pela Anta 1 do Poço da Gateira,Reguengos de Monsaraz, à qual será dado oportunamente o devido destaque.A esta fase pode, também, reportar-se o "habitat" de Patalim(Montemor-o-Novo), onde, a par de vasos com o característico sulco abaixodo bordo, ocorrem cerâmicas decoradas de tradição no Neolítico Antigoregional.

Esta etapa cultural é pois, caracterizada, tal como a anterior, por implantaçõesem espaços abertos e regulares, constituídos por areias, as quais eramfacilmente agricultadas com os pequenos sachos de pedra polida, tal comose tinha anteriormente observado nas estações do Neolítico Antigo, como ade Cabranosa. Porém, ao contrário do verificado nessas estações, a cerâmicalisa é agora quase exclusiva, sendo comum, como se disse, os esféricos e astaças decoradas apenas por um sulco situado logo abaixo do bordo, revestidosa almagre.

A preferência por solos arenosos e nas proximidades de linhas de água,sugerindo a prática da agricultura, não invalida que, em determinadas épocasdo ano, não se continuasse uma economia de pura recolecção, em zonasparticularmente aptas a tal prática: é o caso dos concheiros da Comporta,Grândola, cuja fase mais antiga, representada pelo concheiro do Pontal foidatada, para cerca de 95% de probabilidade, entre 3909-3640 a. C. (Silva et.

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al., 1986). De entre os materais arqueológicos, destaca-se a cerâmica,representada esmagadoramente por recipientes lisos, alguns com sulco abaixodo bordo; as raras decorações – cordões plásticos segmentados, mamilos ematrizes impressas – sugerem reminiscências no Neolítico AntigoEvolucionado do Alentejo litoral.

No Algarve, foram identificadas duas estruturas de combustão, sob omonumento funerário n.º 7 de Alcalar. Portimão, de idade calcolítica.Inicialmente consideradas como estando relacionadas com as práticas rituaisde consagração do local antes da construção megalítica, as três datas deradiocarbono entretanto obtidas sobre fragmentos de madeira de Quercusvieram mostrar que, na verdade, eram muito mais antigas, remontando ameados do V milénio a. C.; note-se, porém, que estas estruturas não sedeveriam encontrar isoladas, tendo-se conservado apenas por constituiremcovachos escavados no solo, preenchidos por blocos de sienito, utilizadoscomo conseradores do calor (lareiras – calorífero). É interessante notar que amaioria destes blocos corresponde a fragmentos de dormentes de mósmanuais, o que atesta, inquestionavelmente e importância da agriculturacerealífero naquela região, em meados doV milénio a. C. As datas obtidasforam as seguintes (Morán & Parreira, 2004, pp. 90-91):

lareira 1: 5640 ± 100 anos BP e 5810 ± 40 anos BP; lareira 2: 5690± 40 anos BP, as quais, para cerca de 95% de probabilidade correspondem,respectivamente, aos intervalos de 4770-4260 a. C.; 4775-4546 a. C.; e4670-4405 a. C., sendo, deste modo, cerca de dois mil anos mais antigas quea construção do monumento funerário que as cobria.

No território a norte do Tejo, são por ora pouco relevantes os testemunhos decarácter habitacional do Neolítico Médio. Contudo, já o mesmo não aconteceao nível dos testemunhos funerários, particularmente evidenciados pelasconstruções megalíticas do centro e norte do país, adiante referidas: talsituação evidencia a natureza muito discreta das presenças habitacionais, epor isso só detectadas com estudos de terreno de grande minúcia, ou nasequência de escavações motivadas por outras razões.

A partir do segundo quartel do quarto milénio a. C., assiste-se à plenitude daarquitectura megalítica, que se prolonga pelo menos até finais do milénio;tal época de florescimento de uma das manifestações pré-históricas que maismão-de-obra requeria, evidencia o aumento demográfico então verificado.Esta situação não poderá desligar-se de melhorias técnicas introduzidas nosistema produtivo: por um lado, a crescente utilização da força de tracçãoanimal, representada sobretudo pelos bovídeos domésticos, uma das espéciesmais constantes nos raros contextos do Neolítico Final objecto de estudosarqueozoológicos, por vezes muito bem representada, como se verificou no

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povoado pré-histórico de Leceia, Oeiras (Cardoso & Detry, 2001/2002), entreoutros; por outro lado, é de admitir, no Neolítico Final, a introdução deinovações tecnológicas, como o arado que, associado ao aproveitamento daforça de tracção animal, possibilitou, pela primeira vez, a lavoura de maiorestalhões agrícolas, com maior eficácia que a propiciada pelos pequenos sachosou outros dispositivos rudimentares até então utilizados, com a consequentemelhoria das produções.

Assim se explica que numerosos bucrâneos, simbolizando bovídeos e,dubitativamente, um arado e um carro (outra inovação propiciada pelaatrelagem), àqueles associados, se encontrem representados no santuárioexterior do Escoural, Montemor-o-Novo (Gomes, Gomes & Santos, 1983,1994). Trata-se de insculturas ao ar livre, efectuadas na superfície de grandespenedos, ulteriormente cobertas pelas muralhas de um povoado calcolíticoedificado no alto do outeiro. A sua cronologia remete-nos para o NeolíticoFinal ou, quando muito, para os primórdios do Calcolítico. Seja como for, aextraordinária profusão de bucrânios mostra a importância dos grandesbovídeos domésticos na economia da época, em fase de aceleradatransformação: de uma etapa agro-pastoril incipiente, seguiu-se, rapidamente,no decurso da primeira metade do IV milénio a. C., a intensificação dasactividades produtivas, as quais devem ter assumido carácter generalizadopor todo o território.

É esta realidade que explica a relativa abundância, na Beira Alta (distrito deViseu), de sítios domésticos, atribuíveis ao Neolítico Final (entre cerca de3700 e 2900/2800 a. C.) e ao Calcolítico (todo o III milénio a. C.), numaregião onde, até há bem pouco tempo, eram totalmente desconhecidos: é ocaso das estações de Ameal – VI (Oliveira do Conde), Murganho 2 (Nelas),Quinta Nova e Mimosal (Carregal do Sal), já objecto de escavações(Senna-Martinez, 1996). Trata-se, invariavelmente, de sítios abertos,implantados em rechãs ou encostas pouco acentuadas, sobranceiros a valespreenchidos com solos de alta fertilidade, cujas datas de radiocarbono, paraum intervalo de cerca de 95 % de confiança, indicam ocupações entre asegunda metade do IV milénio a. C. e os começos do milénio seguinte (paraAmeal – VI, dispõe-se de quatro datas de radiocarbono, as quais calibradaspara cerca de 95 % de probabilidade, situam a referida ocupação entre3501-3108 a. C. e 2890-2500 a. C.; para Murganho 2, a única data deradiocarbono indica um intervalo entre 3084 e 2889 a. C.).

No conjunto destes pequenos sítios habitados, merecem destaque os resultadosobtidos em Ameal – VI, onde se identificaram duas cabanas, definidas noseu perímetro por numerosos buracos de poste; uma delas, no seu interior,possuía diversas sub-unidades domésticas, incluindo uma fogueira, uma fossae uma "fossa-forno", correspondente provavelmente a uma lareira-calorífero.

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Também no norte do país se documentou recentemente, mercê de estudossistemáticos de terreno de Susana O. Jorge e de M. J. Sanches (Jorge, 1986;Sanches, 1997), a existência de sítios domésticos, cuja escassez contrasta,tal como na Beira Alta, com a informação relativa à arqueologia funerária damesma época.

Em Trás-os-Montes e Alto Douro, existem vários povoados inseríveis no IV milénioa. C.: Barrocal Alto I (Mogadouro) situa-se na primeira metade do referido milénio,prolongando-se a presença humana até meados do milénio seguinte: três datas deradiocarbono indicam, para cerca de 95 % de probabilidade, os intervalos de:3970-3546 a. C.; 3259-2910 a. C.; e 2886-2490 a. C. Também o nível IV – II doBuraco da Pala (Mirandela), cujas caracterísiticas domésticas são evidentes, atestaocupação na mesma época (dispõe-se de uma data para o nível correspondente,cujo intervalo, para cerca de 95 % de probabilidade, é de 3935-3040 a. C.). Vinhada Soutilha (Chaves) é outro povoado cuja ocupação teve início ainda na primeirametade do IV milénio, prolongando-se a sua ocupação até ao Calcolítico (à primeirafase de ocupação, corresponde uma datação, que, para cerca de 95 % deprobabilidade, indica o intervalo de 3777-2924 a. C.). Por último, o Castelo deAguiar (Vila Pouca de Aguiar) foi igualmente ocupado no Neolítico Final, de acordocom data de radiocarbono que, para um intervalo de probabilidade de cerca de95 %, correspode ao intervalo de 3700-3108 a. C. Tal como os outros povoados, asua ocupação continuou pelo Calcolítico. Importa, contudo, referir, que, ao níveldo espólio arqueológico, só muito dificilmente se entrevêm diferenças tipológicassignificativas entre as duas fases culturais, a não ser a presença de metalurgia nosníveis mais modernos, e por isso inquestionavelmente atribuíveis ao Calcolítico.

Trata-se de sítios que se implantam, ora em elevações, como o Castelo deAguiar, num esporão avançado da abrupta escarpa de falha que domina ovale do rio Corgo, ou o Barrocal Alto 1, no topo e na encosta oeste de umbarrocal granítico, igualmente disposto em esporão sobre o rio Douro, oraem plataforma, ou patamar intermédio, na escarpa de falha que domina ovale do Tâmega. Verifica-se, pois, que sítios com boas condições naturais dedefesa, coexistem com outros, em que tais características não são evidentes.

Esta coexistência de sítios altos e defensáveis – que apenas se afirmamregularmente no espaço geográfico português no Neolítico Final – com outros,implantados em zonas abertas e pouco acidentadas, é particularmente nítidano Alto Alentejo e na Estremadura. Na primeira daquelas regiões,conhecem-se, entre outros, o povoado de Marco dos Albardeiros (que poderáser já calcolítico, segundo Gonçalves, 1988/1989) e o do Outeiro dasCarapinhas, ambos no concelho de Reguengos de Monsaraz (Soares & Silva,

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1992), os quais se implantam no topo de cabeços que se destacam napaisagem; em ambos, é característica a presença de recipientes carenados,os quais, tal como na Estremadura, marcam inquestionavelmente esta fasecultural, embora no Alentejo se tenham prolongado, de forma pouco evidente,pelo Calcolítico. Victor S. Gonçalves, em estudo sobre a distribuição, no suldo país, deste tipo de recipientes (Gonçalves, 1991), registou outros sítios doconcelho de Reguengos de Monsaraz, com caracterísiticas de implantaçãodiferentes, correspondendo a zonas planas, como Torre do Esporão 3 e Areias15, cujas características também se verificam nos vastos povoados em zonasplanas e arenosas do Alentejo litoral, como Vale Pincel 2, Sines, ouCaramujeira, no litoral algarvio (Lagoa), sítios que podem ser globalmentedatados, à falta de indicações radiométricas absolutas, na segunda metadedo IV milénio a. C.

No Baixo Alentejo, o povoado do Cabeço da Mina, Torrão (Silva & Soares,1976/1977), implantado num alto isolado, corporiza esta fase cultural, a pardo povoado de S. Jorge, Vila Verde de Ficalho, Serpa, do qual se escavouuma bolsa, existente no substrato, a qual forneceu um conjunto cerâmicomuito coerente: dele faziam parte taças carenadas e vasos fechados, munidosde mamilos abaixo do bordo (Soares, 1994), os quais ocorrem em níveiscoevos de outros povoados do Baixo Alentejo, como o povoado do Moinhode Valadares 1, Mourão (Valera, 2000), adiante referido quando se tratar doCalcolítico do Sudoeste. No que se refere ao povoado de S. Jorge, a fauna,estudada por J. L. Cardoso, é constituída por espécies domésticas, entre asquais o boi, e a cabra/ovelha; a este último conjunto pertence a maioria dosrestos identificados.

Também na Estremadura se observa a dicotomia entre sítios implantados emzonas com boas condições de defesa e outros, localizados em áreas abertas ebaixas, ou de encosta. Entre os primeiros, merecem destaque o Moinho daFonte do Sol e o Alto de São Francisco, ambos perto de Palmela, com umaúnica ocupação correspondente ao Neolítico Final, com taças carenadas eoutros recipientes lisos, como os vasos de bordo em aba, para além deexemplares decorados, quase exclusivamente representados pelos bordosdenteados e por raras decorações impressas (motivo "em espiga" ou em "falsafolha de acácia"), que podem considerar-se reminiscências longínquas doNeolítico Antigo Evolucionado. Entre os segundos, revelando poucaspreocupações defensivas, encontra-se o povoado de Parede, Cascais, no qualse identificou em estratigrafia o mesmo horizonte cultural, sobreposto poroutros, mais recentes. Mas o povoado da Estremadura que melhoresinformações forneceu até ao momento sobre o Neolítico Final, é o de Leceia,Oeiras. Trata-se de sítio implantado em esporão rochoso, com boas condiçõesnaturais de defesa, debruçado sobre o vale da ribeira de Barcarena, quedomina, do alto da sua encosta direita. A camada basal forneceu uma

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associação coerente de formas lisas – onde dominam as taças carenadas e osrecipientes de bordo em aba – e decoradas, nas quais é praticamente exclusivoo vaso de bordo denteado. A indústria lítica de pedra lascada, recorrendo aosílex, é muito abundante, certamente devido à disponibilidade local destarocha, avultando, além dos furadores, as lâminas de contorno elipsoidal e deretoque cobridor, as quais se generalizam nos níveis mais recentes, já doCalcolítico (Cardoso, 1994, 1997, 2000; Cardoso, Soares & Silva, 1996). Asua ocorrência indica a existência de uma agricultura cerealífera –, possuemacentuado brilho junto dos gumes, atribuído ao corte de gramíneas ("lustrede cereal") – a par de elementos de mós manuais de arenito. Na indústria depedra polida, ocorrem com assinalável presença (em mais de metade daspeças), rochas anfibolíticas, inexistentes na Estremadura, cuja importaçãodo Alto Alentejo se justificava, atendendo às características mecânicas e dedureza que possuem. Tal realidade será incrementada no decurso doCalcolítico, evidenciando a intensificação económica, com a consequenteinteracção cultural, então verificada. Mas o início de tal processo pode serainda situado no Neolítico Final, mercê de uma economia agrícola em fasede crescente especialização – no caso, trata-se, essencialmente, de umacerealicultura, propiciada pelas boas características dos terrenos adjacentes– acompanhada de uma pastorícia igualmente florescente, baseada nosrebanhos de ovelhas e de cabras e nos grandes bovinos, cuja abundância nacamada do Neolítico Final de Leceia é bem elucidativa da capacidadeeconómica das respectivas populações.

A intensificação económica verificada no Neolítico Final da Estremadura,tem paralelo em outras regiões, com base em provas directas como asmencionadas, incluindo a importação de matérias-primas: com efeito, emdiversos sítios da bacia do Alto Mondego, ocorre, com frequência, o sílex,sob a forma de instrumentos cujas dimensões são incompatíveis com osmateriais siliciosos disponíveis localmente; tal situação obriga a pensar numabastecimento exógeno, com origem no Maciço Calcário que se prolongaaté à região do cabo Mondego. Esta permuta de bens essenciais ao quotidiano,poderia corresponder ao estabelecimento de relações de aliança e dereciprocidade entre grupos vizinhos.

Mas, repita-se, onde tal processo se encontra melhor evidenciado é naocorrência de rochas anfibolíticas na generalidade dos povoados do NeolíticoFinal da Estremadura, oriundas da bordadura ocidental do Maciço Hespérico:os afloramentos mais próximos situam-se entre Montemor-o-Novo e Abrantes.O aprovisionamento destas rochas, sem dúvida através de um processo difícile dispendioso, é bom exemplo do florescimento económico atingido pelascomunidades que, no Neolítico Final, povoavam a Estremadura, mercê deuma bem sucedida economia agro-pastoril. Assim, o sílex que se encontradesde essa época nos povoados e dólmenes da Beira Alta, da Beira Baixa e

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do Alto Alentejo, poderá ser a "moeda de troca" destas pemutas, tendo presentea sua abundância na Estremadura e na Beira Litoral, áreas onde se identificoua sua exploração pré-histórica desde o Neolítico Final, tanto em pequenasminas superficiais, como as existentes nas proximidades do povoadopré-histórico de Leceia (Cardoso & Costa, 1991; Cardoso & Norton, 1997),como através de verdadeiras galerias subterrâneas, como as identificadasaquando da abertura do túnel ferroviário do Rossio, em Campolide (Choffat,1889). Configura-se, assim, um dos exemplos mais interessantes daimportância dos recursos de origem geológica na economia das comunidadesagro-pastoris, a partir do Neolítico Final do território português. Numa escalamais alargada, este processo poderia ser ainda adoptado na transmissão debens de prestígio como as belas contas de mineral verde, essencialmente dogrupo da variscite, cuja exploração atingiu o seu apogeu no Neolítico Final.Tanto nos grandes monumentos megalíticos do Alto Alentejo, como nas grutassepulcrais, naturais ou artificiais, da Estremadura, igualmente utilizadasnaquela época, ocorrem com abundância tais elementos de adorno,configurando um comércio a longa distância, a partir das zonas de exploração,cujo mecanismo poderá ser explicado por permutas sucessivas, até aos locaisde utilização final. No caso destes minerais verdes, maioritariamenterepresentados pela variscite, a zona mais próxima de origem, face àEstremadura, situa-se na região de Encinasola (Huelva), associada a materiaisvulcano-sedimentares silúricos (Edo, Villalba & Blasco, 1995). A grandedistância que separa esta mina dos locais de ocorrência dos materiais delaprovavelmente provenientes, implicaria complexos intercâmbiostransregionais. Tal realidade só se poderá justificar pela atribuição – numfenómeno evidentemente supra-cultural, que abarcou toda a Europa ocidental– a tais contas verdes de um valor simbólico e de prestígio. Deste modo, nãosendo tais matérias-primas acessíveis a todos os membros da comunidade –especialmente os exemplares de maiores dimensões, que seriam por certo demuito difícil obtenção, pela sua raridade, mesmo nas zonas mineiras – a suapresença sugere a existência de diferenciações sociais intracomunitárias, comorigem, talvez, na emergência de actividades especializadas, no decurso doNeolítico Final. Tal realidade encontra confir-mação na existência de peçasde carácter mágico-simbólico, como os báculos de xisto, artefactos de mandoe de prestígio, característicos da fase de apogeu do megalitismo alentejano.

Não seriam apenas as matérias-primas de prestígio, no caso objectos deadorno, que circulavam, já manufacturados ou ainda em bruto, segundo umacadeia de transmissão com elos sucessivos. A circulação transregional depessoas, designadamente artífices, a par dos produtos por elesmanufacturados, seria já uma realidade no Neolítico Final, acentuando-seno Calcolítico, como se comprova pela existência de dois exemplares deplacas de xisto funerárias, características, igualmente, do megalitismoalentejano, uma recolhida num dólmen de Huelva, outra oriunda de Chelas,

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junto a Lisboa, cujas extraordinárias analogias (Zbyszewski, 1957), aliásreforçadas pelas evidentes particularidades decorativas que ostentam, sepoderão explicar por terem sido produto do mesmo artífice ou oficina.

A interacção cultural observada no Neolítico Final entre regiões geografi-camente distantes é, por conseguinte, consequência directa do fenómeno daintensificação económica então observado. Tal realidade tem, como se viu,incidência directa no modelo de ocupação do território, privilegiando aocupação dos sítios altos, com boa visibilidade e vantajosas condiçõesdefensivas, que se multiplicam de norte a sul do país – e a que poderíamosjuntar muitos outros, como o Cabeço da Velha, Vila Velha de Ródão,implantado numa plataforma somital, cujo espólio revela afinidades com oNeolítico Final da Estremadura (Cardoso et al., 1996), no caso veiculadasatravés da importante via de circulação trans-regional que era o rio Tejo.Com efeito, recolheram-se indústrias microlíticas de sílex esbranquiçado ourosado (geométricos, pontas de seta de base convexa, triangular ou com aletasincipientes, a par de escassas cerâmicas decoradas que evocam exemplarescaracterísticos da Estremadura.

Pode, pois, dizer-se que, nos finais do IV milénio a. C. todo o territórioportuguês se encontrava ocupado por comunidades cada vez mais adstritas aterritórios definidos, praticando uma economia mista, de base agro-pastorilmas ainda longe da sedentarização e fixação permanente que caracterizou assuas sucessoras do Calcolítico, no milénio seguinte. Mesmo zonas inóspitasdurante uma boa parte do ano, como os domínios de alta montanha, passaramentão a ser sazonalmente ocupados: é isso que se conclui do achado, na serrada Estrela, a 1,2 km das Penhas Douradas e a 1430 m de altitude, de ummachado de anfibolito e de um elemento de mó manual, a par de diversascistas, que contudo poderão ser mais recentes (Cardoso & Gonzalez, 2002).Este achado vem mostrar que os domínios da alta montanha eram frequentadosnos meses mais quentes do ano como pastagens de Verão sendo,eventualmente, também aproveitados como campos de cultura (como sugerea presença de elementos de moagem, embora estes se possam relacionar,apenas, com a farinação de espécies selvagens, como a bolota). Seja comofor, os resultados das análises polínicas efectuadas em diversas turfeiras daregião, mostra que, pelo menos, na segunda metade do IV milénio a. C., seterá assistido a uma degradação do coberto vegetal cuja causa mais plausívelterá sido de origem antrópica, envolvendo desflorestação por queimada, como objectivo da criação de pastagens (Knaap & Van Leeuwen, 1994).

A dependência, cada vez mais evidente, da domesticação de espécies animaise vegetais, por parte de populações em processo acelerado de sedentarização,conduziu à adopção de práticas mágico-religiosas que privilegiaram essarelação, através da valorização de uma das suas componentes essenciais: a

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fertilidade da terras e dos animais, da qual, como atrás se disse, passou adepender a própria viabilidade dos grupos humanos. É assim que secompreende a existência, tal como na generalidade das sociedades agráriasneolíticas da bacia mediterrânea, de diversas figuras zoomórficas,representando espécies de alta fecundidade: coelhos ou lebres encontram-sereproduzidos em dezenas de pequenas estatuetas, muitas delas com furo desupensão, destinadas possivelmente a propiciarem a fertilidade dos seusportadores, algumas em peculiar posição reprodutora, envolvendo doisanimais. É também nesse âmbito que se compreendem as duas esculturas debarro, representando suídeos (mais concretamente porcas na época do cio,como sugere a morfologia da zona sexual, expressivamente reproduzida),recolhidas no povoado pré-histórico de Leceia, na camada do Neolítico Final(Cardoso, 1996). Importa referir que a representação de suídeos se estende àde recipientes utilizados por certo em cerimónias litúrgicas, como osrecolhidos na gruta do Carvalhal, Alcobaça, do Neolítico Final, ou já doCalcolítico, como é o caso de exemplar de calcário oriundo do povoadofortificado de Olelas, Sintra (Serrão & Vicente, 1958).

Este evidente acréscimo da agricultura e do pastoreio, conduziu à acumulaçãode excedentes, cada vez mais necessários para fazer frente às contrariedadesdecorrentes de períodos de maior escassez, agravados por via de um provávelcrescimento demográfico, realidade sempre presente no decurso do Neolíticoe do Calcolítico. É essa situação de constrangimento que terá provocado apreferência pela já referida ocupação de sítios com boas condições naturaisde defesa, sem esquecer que tal padrão foi acompanhado pela manutençãoda presença humana em locais desprovidos de tais características. Importatambém referir que, no Neolítico Final se manteve, em áreas propícias, comoo estuário do Sado, pelo menos em certas épocas do ano, a prática da purarecolecção, ali efectuada desde o Neolítico Médio, com eventuaisprolongamentos pelo Calcolítico. É o que indicam as datas de radiocarbonoobtidas em dois dos concheiros da Comporta, Grândola (Silva et al., 1986):Barrosinha (3640-3360 e 3501-3100 a. C.) e Possanco (3025-2703 a. C.).Pode admitir-se que tais populações viveriam nos meses do ano mais propíciosem tais zonas, podendo, na parte restante, ocupar-se da agricultura, na outramargem do estuário do Sado. Tal como já se verificava quanto à transição doMesolítico para o Neolítico, não é aceitável uma evolução linear: as práticasde recolecção persistiram, sempre no respeito por um princípio de conservaçãodas energias face aos resultados pretendidos: no caso, a simples subsistênciacom o investimento mínimo da força e mão-de-obra humanas.

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9. Manifestações Funerárias Neolíticas não Megalíticas

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A partir do Neolítico Médio, assumem crescente importância, pela suavisibilidade, as manifestações megalíticas, com uma distribuição generalizadaa todo o território português, embora de forma não aleatória. Deixando paraoutro capítulo a caracterização do fenómeno funerário megalítico, importareferir as sepulturas não megalíticas, isto é, aquelas que ocuparam espaçosou recintos não definidos por grandes monólitos, as quais, por assumiremcarácter não-monumental, são por vezes preteridas na sua verdadeiraimportância.

Viu-se anteriormente que, já no Mesolítico Final dos vales do Tejo e doSado, se tinham constituído nos concheiros verdadeiras necrópoles,ascendendo o número dos inumados, na primeira daquelas regiões a, pelomenos, trezentos indivíduos, com rituais, próprios, que, nalguns casos, foipossível identificar. As sepulturas eram realizadas em covachos, eacompanhadas de oferendas. Esta última situação continuou a verificar-seno Neolítico Antigo, e, de um modo geral, nas épocas que lhe sucederam,constituindo os espólios exumados um auxiliar indispensável aoestabelecimento da respectiva cronologia.

Mercê de circunstâncias propícias, a Estremadura e Beira Litoral possuem grandeabundância de grutas naturais, situação que não se verifica em qualquer outra partedo país. Aqui se reconheceram inúmeras deposições funerárias remontando aoNeolítico Antigo, como a gruta do Caldeirão, o Abrigo da Pena d’Água, a gruta doAlmonda, o Algar do Picoto e a Casa da Moura, as três primeiras com cerâmicascardiais, a que se poderia juntar o notável conjunto encontrado na gruta natural deEira Pedrinha, Condeixa (Corrêa & Teixeira, 1949). Com excepção da última, asrestantes possuem datações absolutas entre o meados do VI milénio a. C. e o primeiroquartel do milénio seguinte. Também na gruta do Correio-Mor (Loures), se datouuma acumulação espessa de carvões, correspondentes a uma fogueira, talvez dacarácter habitacional, ou ritual, cujo resultado, para cerca de 95 % de confiançacorresponde aos intervalos de 5431-5393 a. C.; 5388-5215 a. C.; e 5158-5146 a. C.(Cardoso, Ferreira & Carreira, 1996). Outra data, inédita até ao presente, obtidasobre ossos humanos, confirma a utilização sepulcral da cavidade no NeolíticoAntigo, correspondendo-lhe o intervalo, para cerca de 95 % de confiança, de5346-5208 a. C. Saliente-se a ausência nesta gruta de cerâmicas com decoraçãocardial, substituídas por outras, impressas e incisas, que acompanhamfrequentemente aquelas, como atrás se referiu.

A utilização de grutas para a instalação de necrópoles colectivas, logo nosprimórdios do Neolítico Antigo, corresponde a padrão que se manterá aolongo de todo o Neolítico, prolongando-se por épocas ulteriores. Ao mesmo

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tempo, em regiões desprovidas delas e de rochas com as dimensões suficientespara a construção das sepulturas megalíticas primitivas, ter-se-ia recorrido àsimples abertura de covachos, que só acidentalmente se poderão encontrar: éo caso da vasta região da bacia cenozóica do Tejo, a qual, sendo constituídaessencialmente por depósitos areno-conglomeráticos, não possuía recursosgeológicos propícios à construção de recintos megalíticos. É assim que sepoderá entender a sepulura do Vale das Lages, Alenquer, correspondente asimples covacho aberto nos depósitos terciários a qual possuía, comooferendas, apenas um pequeno machado de pedra polida e três geométricos(Corrêa, 1928). Outra modalidade de sepultamento das fases mais antigasdo Neolítico é a patente na zona correspondente ao povoado de Salemas,Loures: aproveitando as anfractuosidades do lapiás, em pequenas "cuvettes"ou algares, efectuaram-se diversas sepulturas, datadas pelo radiocarbono noNeolítico Antigo, entre 5230-4670 a. C., para um intervalo de confiança decerca de 95 %, época que é totalmente compatível com a tipologia do espóliocerâmico recolhido na área do povoado (Cardoso, Ferreira & Carreira, 1996).

Outras grutas, escavadas no século XIX ou na primeira metade do séculoXX, como a da Furninha, Peniche, as grutas da Senhora da Luz, e o AbrigoGrande das Bocas Rio Maior, cujas ocupações do Neolítico Antigo sãoatestadas pela tipologia dos respectivos materiais, não foram ainda objectode datação. No caso da gruta da Furninha, observou-se a organização dosrestos humanos consoante as suas semelhanças morfológicas, indicandotratar-se de um depósito secundário, ainda que não necessariamente doNeolítico Antigo, visto existirem também materiais do Neolítico Final(Delgado, 1884).

Nas restantes regiões do País, ainda se não encontraram testemunhos segurosdo aproveitamento funerário de grutas naturais no Neolítico Antigo, apesarde ocorrerem nelas materiais de tal época: é o caso das furnas de Mexilhoeirada Carregação, Lagoa (Bentes, 1985/1986), e da já referida gruta do Escoural,Montemor-o-Novo (Santos, 1971).

O panorama altera-se no Neolítico Médio, convencionalmente situado,conforme se referiu, entre cerca de 4500 e 3750 a. C. Tal é o caso do Algarãoda Goldra, Faro, a única cavidade cársica algarvia e uma das raras de Portugalonde se reconheceu ocupação funerária desta época situada entre4470-2924 a. C. para um intervalo de confiança de cerca de 95 %. A grutafoi utilizada como necrópole, revelando as análises bioquímicas aos ossoshumanos uma dieta baseada em vegetais, realidade consentânea com osresultados de análises polínicas, que indicam desflorestação e a prática dacerealicultura. Ao nível do espólio encontrado, destaca-se a cerâmica,essencialmente lisa, mas com formas decoradas incisas: é o caso de umataça em calote decorada com grinaldas abaixo do bordo (Straus et al., 1992,Est. IV).

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Também no Neolítico Médio, prosseguiu, na Estremadura e áreas limítrofes,a utilização de grutas naturais como necrópoles. Aqui, foram reportadas aoNeolítico Médio as seguintes grutas: Gruta do Caldeirão; gruta do Cadaval;Abrigo da Pena d’Água; Lapa da Bugalheira/Sala do Ricardo; e Lapa dosNamorados (Zilhão & Carvalho, 1996). Os intervalos cronológicosapresentados por estes autores, calibrados para cerca de 95 % de confiança,variam entre os meados do V milénio a os meados do IV milénio a. C., sendode aceitar um intervalo de maior incidência no primeiro quartel do IV milénioa. C. Uma data recentemente obtida para ossos humanos da gruta do Lugardo Canto, Alcanede, deu o intervalo, depois de calibrado para cerca de 95 %de confiança, de 4046-3752 a. C., resultado que se encontra conforme àsconsiderações anteriores. De realçar que esta gruta constituiu-se como umanotável necrópole com apenas um único horizonte cultural, aumentando destemodo o seu interesse no concernente à representatividade e homogeneidadedo respectivo espólio (Leitão et al., 1987).

Os cadáveres foram simplesmente depositados no chão da gruta. Alguns ainda semantiveram em conexão anatómica, mas a maioria dos ossos sofreu remobilizações,devido sobretudo à circulação de águas subterrâneas.

O estudo antropológico realizado mostra uma longevidade dominante entre os 20e os 35 anos (65 %); existe apenas um crânio de um homem com mais de 50 anose de uma criança com menos de 10 anos; no entanto, o seu número deveria sermaior (os húmeros indicam a presença de onze crianças). Quanto a patologias, oscrânios indicam um número muito alto de traumatismos e infecções, presentes em24 dos 42 crânios estudados. Esta situação comprova um nível de conflitualidadealto: nalguns casos, os traumatismos foram causa de morte.

É interessante verificar que existem sinais de trepanações em quatro crânios, nalgunscasos com regeneração, o que indica sobrevivência do indivíduo; já na gruta daCasa da Moura se observou um crânio, reportável igualmente ao Neolítico Antigo,incompletamente trepanado, por incisão e raspagem, com objecto cortante, devidoà morte do indivíduo no decurso da operação, a menos que corresponda a umatentativa de trepanação póstuma.

Numerosos ossos longos exibem, também, fracturas, e outros indícios nelespresentes evidenciam apreciável actividade física, da qual poderia derivar luxaçõese fracturas, favorecidas pela topografia acidentada da região. Enfim, nestacomunidade parece terem sido as mulheres as introduzidas no grupo, com origemem grupos sociais exógenos.

No conjunto dos materiais arqueológicos, destaca-se a ausência de cerâmica, factoque deve imputar-se às características rituais das oferendas, que não a incluía;idêntica situação foi verificada em certos espólios megalíticos. O restante espólioinclui machados e enxós de anfiboloxisto, geométricos (trapézios, triângulos,

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lamelas), furadores sobre esquírolas de ossos fracturados longitudinalmente, eobjectos de adorno, com destaque para pulseiras de conchas de Glycymerisrecortadas e contas de colar de conchas de Dentalium; ambas as categorias têmparalelo nos espólios das sepulturas em fossa do Neolítico Médio catalão. Desalientar a total ausência de pontas de seta, indicando claramente uma época anteriorao Neolítico Final, confirmada pela cronometria obtida.

Merece igualmente referência a gruta do Cadaval, Tomar, cuja camada D foiatribuída ao Neolítico Médio (Oosterbeek, 1985, 1992); provenientes desepulturas provavelmente individuais, recolheram-se cerâmicas lisas e comdecorações plásticas e incisas, correspondentes a grinaldas metopadas abaixodo bordo, muito semelhantes ao padrão decorativo do vaso da Goldra, Faro,atrás mencionado, micrólitos, machados e enxós bem polidas; de registar,igualmente, a ausência de pontas de seta. Como objectos de adorno, algumascontas perfuradas de Theodoxus sp.; ao nível dos objectos de cunho simbólico,um cristal de quartzo. Esta gruta, na camada em apreço, revelou um ritualsemelhante ao que será adiante descrito na Lapa do Fumo, Sesimbra, emboraeste último seja mais recente, como foi já reconhecido (Oosterbeek, 1997,p. 162).

Outra gruta sepulcral em tudo comparável é a do Algar do Bom Santo,Cadaval. O levantamento dos restos ósseos que afloravam à superfície, sobreo chão primitivo da gruta, indicou um total de cento e vinte e sete indivíduos,o qual deverá ser aumentado quando se contabilizarem as deposições nãoaflorantes. Ao que parece, existiram diversos padrões de deposiçõesfunerárias, não estando presentes todas as partes do esqueleto humano, nemse repetindo os ossos mais representados em cada uma das áreas em que anecrópole se desenvolveu (Duarte, 1998). Tal situação sugere que a maioriadas deposições foi feita secundariamente, tal como ocorreu na necrópole dagruta da Furninha, Peniche, muito embora nalguns casos os esqueletos seencontrem em articulação anatómica. Infelizmente, ainda não se conhece oespólio arequeológico acompanhante, pelo que outras comparações com agruta do Lugar do Canto são por ora inviáveis. Mas as cinco datas deradiocarbono apontam para uma ocupação efectuada ao longo de apenas 500anos, entre cerca de 3750 e 3250 a. C. sendo por conseguinte já situável naprimeira fase do Neolítico Final da Estremadura, mas na imediatacontinuidade dos rituais do Neolítico Médio identificados na gruta do Lugardo Canto.

Outra gruta nas mesmas condições é a do Escoural, Montemor-o-Novo.Embora as datas de radiocarbono disponíveis indiquem também uma épocade utilização da cavidade já na segunda metade do IV milénio a. C., e portantopertencente cronologicamente ao Neolítico Final, a verdade é que não só as

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características das tumulações, realizadas sobre o chão da gruta,correspondendo a deposições secundárias (Santos, 1972), por vezesaproveitando as anfractuosidades das paredes laterais, como os espóliosrecolhidos, indicam uma fase cultural inserível no Neolítico Médio: presençade formas cerâmicas lisas, abertas e fechadas, de onde se encontracompletamente ausente a taça carenada, presente em contextos sepulcrais doNeolítico Final regional; ainda quanto às formas cerâmicas representadas,devem destacar-se diversos vasos de boca elíptica, de evidente raridade noterritório português; na Lapa da Bugalheira, Torres Novas, obteve-se umadata de radiocarbono correspondente ao intervalo de 3990-3727 a. C.,relacionada com um destes vasos; por outro lado, na gruta do Escouralreconheceu-se e presença de geométricos, com total exclusão de pontas deseta (Araújo & Lejeune, 1995), o que abona a favor de uma fase mais antigaque o Neolítico Final. Por outras palavras: parece ter-se verificado umconservadorismo de produções líticas e cerâmicas, na passagem do NeolíticoMédio para o Neolítico Final, em certas áreas, enquanto que noutras, aquelas,entretanto, já tinham sido progressivamente substituídas.

O Neolítico Final é, como seria de esperar, o período que se encontra melhorrepresentado nas necrópoles em grutas naturais da Estremadura e BeiraLitoral. As dezenas de ocorrências até agora identificadas, ainda que deimportância desigual, desenvolvem-se ao longo de todo o maciço calcário,desde a região de Coimbra (gruta dos Alqueves, Vilaça, 1988). Algumas dasgrutas referidas anteriormente, continuaram a ser aproveitadas comonecrópoles colectivas, evidenciando nítida continuidade com as práticasfunerárias anteriores, como a gruta da Casa da Moura, entre muitas outras;outras, foram-no então pela primeira vez. É o caso da Lapa da Galinha, TorresNovas, onde se identificou um vasto depósito mortuário, infelizmente apenasobjecto de notícias preliminares, a última das quais de 1959 (Sá, 1959),constituído por dezenas de sepulturas, delimitadas umas das outras porpequenos muretes ou ortóstatos; esta prática foi identificada também nanecrópole da Lapa do Bugio, Sesimbra, pequena cavidade natural situada notopo da encosta meridional da Arrábida, sobre o mar. As sepulturas, realizadasem pequenos covachos, encontravam-se individualizadas por muretes depequenos ortóstatos, jazendo os cadáveres em decúbito dorsal (Monteiro,Zbyszewski & Ferreira, 1971; Cardoso, 1992). Um amontoado de ossoshumanos poderia constituir um ossuário, formado a partir dos restos queseriam removidos do chão da gruta para dar lugar a outros enterramentos.

Outra gruta situada a cerca de 4 km para Este, e nas mesmas condições, é aLapa do Fumo, onde foi reconhecido um interessante ritual funerário, com ouso abundante do ocre vermelho, de tal modo que a camada correspondente,datada pelo radiocarbono entre 3328-2920 a. C. adquiriu coloração vermelha.

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O ritual de formação do correspondente depósito funerário foi descrito doseguinte modo, pelos seus exploradores (Serrão & Marques, 1971):

1. Abertura de uma ampla cova de fundo plano, com 1,5 m² masprovavelmente maior;

2. Alisamento e pavimentação do fundo, com lages de tufo retiradas daprópria gruta, em toda a superfície;

3. Preenchimento dos intervalos entre as lajes com barro cru, dandoresposta à necessidade de isolamento da superfície assim criada;

4. Deposição dos ossos humanos fragmentados, sem preocupaçõesespeciais;

5. Ateamento de pequenas fogueiras de arbustos ou ramos de árvore,denunciadas pela existência de manchas circunscritas de resíduos,numerosos pequenos carvões espalhados nas terras e alguns ossoscom vestígios de incarbonização incompleta e manchas de carvão;

6. Deposição do restante espólio funerário, incluindo placas de xisto,estatueta de leporídeo, geométricos, furadores de osso, elementos deadorno (contas de azeviche, discóides de xisto, alfinetes de osso decabeça canelada postiça) e cerâmicas lisas, incluindo esféricos, taçasem calote e recipientes carenados;

7. Polvilhamento do conjunto com ocre vermelho; o ocre empastou osossos queimados, os carvões e os artefactos;

8. A última fase da sequência ritual seria o recobrimento de terra detodo o conjunto, admitido pelos autores.

A "camada vermelha" da Lapa do Fumo corresponde, pois, à instalação deum depósito funerário secundário, tendo os ossos sido previamentedescarnados e desarticulados, eventualmente fracturados no decurso dessaoperação, em alternativa a serem limpos por simples exposição ao agentesatmosféricos. Seja como for, a amálgama que os ossos constituíam, o estadode fracturação que alguns exibiam e ainda as marcas de fogo conservadasnalguns deles, poderiam sugerir, aos olhos dos investigadores do século XIX,a prática do canibalismo ritual, tema que constituiu uma das principaispolémicas da IX Sessão do Congresso Internacional de Antropologia eArqueologia Pré-Históricas, reunido em Lisboa em 1880. Com efeito, NeryDelgado foi levado admitir tal hipótese, ao deparar, na gruta da Furninha,com indícios semelhantes: ossos amontoados, constituindo ossuário,fracturados intencionalmente e, nalguns casos, com marcas de fogo (Delgado,1884).

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Muitas outras grutas naturais da região estremenha, foram ocupadas comonecrópoles no decurso do Neolítico Final: é o caso a norte do Tejo, da gruta daFeteira, Lourinhã, para a qual se dispõe de uma datação de radiocarbono,executada sobre uma costela humana, correspondente ao intervalo de 3506-3039a. C., para cerca de 95 % de confiança. A respectiva escavação forneceu umconjunto artefactual característico desta fase cultural: recipientes lisos, decaracterísticas idênticas aos recolhidos nos dólmenes (taças em calote, esféricos,etc.), associados a taças carenadas e a vasos de bordo denteado, típicos doNeolítico Final da Estremadura, enxós espalmadas totalmente polidas,machados de anfibolito, lâmimas retocadas ou não, pontas de seta de basecôncava ou triangular, geométricos de sílex e mesmo um fragmento de placade xisto decorada, para além de diversos adornos (Zilhão, 1984). É este tipo deassociação artefactual que se repete, com maior ou menor abundância ouriqueza, nos conjuntos funerários mencionados, que se distribuem na faixaestremenha, do Mondego (gruta dos Alqueves) até Melides, localidade ondeforam identificadas igualmente diversas grutas funerárias com importanteocupação funerária desta fase cultural (Nogueira, 1928).

Para além da utilização de grutas naturais, no Neolítico Final assistiu-se àabertura de silos funerários, ou de grutas artificiais, nos locais em que asrochas a isso permitiam: trata-se, em geral, de calcários brandos, ou de margas,facilmente escaváveis.

Os silos são monumentos relativamente raros em Portugal; correpondem aestruturas negativas, não abobadadas como as grutas artificiais, que passamrelativamente depercebidas e são, por outro lado, de fácil destruição. Deentre todas as ocorrências – nem sempre evidente, como é o caso da suaexistência na necrópole das Lapas, Torres Novas (Carreira, 1996) – avulta anecrópole de Aljezur, publicada por Estácio da Veiga (Veiga, 1886). Trata-sede um conjunto constituído por nove silos, contendo restos humanos, talvezdepositados em posição flectida e numerosos artefactos, avultando grandeslâminas de sílex, de origem exógena, machados de pedra polida, enxós, pontasde seta de base côncava, alabardas de cuidado trabalho bifacial, elementosde adorno, com destaque para os alfinetes de osso de cabeça postiça, caneladaou lisa, e por último, notável colecção de placas de xisto decoradas, à épocaa mais numerosa reunida no país. Entre as cerâmicas, merece destaque uma"lamparina", com furos para suspensão, idêntica a exemplares calco-líticos. No conjunto, os materiais são compatíveis com o Neolítico Final,embora a tipologia muito avançada de certas pontas de seta, de base côncavaprofundamente cavada e a deste vaso, sugira a utilização da necrópole noCalcolítico, cronologia que não é incompatível com a presença das placas dexisto, apesar de não se ter encontrado um único objecto de cobre, como bemsalientou o pioneiro arqueólogo algarvio. Idêntica solução funerária foidocumentada, pelo mesmo, em outros locais, entretanto completamente

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desaparecidos, e, mais recentemente, no Cerro das Cabeças, Silves,correspondendo a uma sepultura em silo infelizmente destruída na sua quasetotalidade. Ainda assim, foi possível identificar vestígios de, pelo menos,duas inumações, uma delas associadas a três artefactos: uma lâmina de sílexnão retocada, uma ponta robusta de osso totalmente afeiçoada por polimentoe um bracelete de Glycymeris ainda associado a porção de húmero (Gomes& Paulo, 2003). Esta sepultura colectiva em silo integra-se no Neolítico Final,possuindo o bracelete diversos paralelos, da mesma época, tanto naEstremadura como mais para oriente, ao longo da Andaluzia e na Catalunha.Na primeira das referidas regiões, merece destaque o fragmento encontradoin situ na camada do Neolítico Final do povoado pré-histórico de Leceia(Cardoso, 1997, p. 97) – a única ocorrência conhecida de área habitacional –e, pela quantidade e qualidade, o conjunto recolhido nas grutas naturaissepulcrais da Senhora da Luz, Rio Maior (Cardoso, Ferreira & Carreira, 1996).

As grutas artificiais ou hipogeus circunscrevem-se, em território português,à Estremadura e ao Algarve. As afinidades arquitectónicas com os grandesdólmenes do apogeu do megalitismo são assinaláveis: com efeito,ultrapassado um átrio exterior, segue-se um corredor, muitas vezes de paredesbombeadas, totalmente escavado na rocha, com declive para o interior domonumento, dando passagem, através de uma porta arredondada, por vezescom formato em ferradura, a uma câmara de planta circular, em forma decalote esférica, munida de uma clarabóia, que permitiria o acesso directo aoseu interior, bem como a sua iluminação e arejamento. Avultam os conjuntosconstituídos por vários destes túmulos colectivos na Baixa Estremadura: asafinidades arquitectónicas com exemplares pré-históricos da baciamediterrânea merecem ser destacadas. É o caso das quatro grutas artificiaisda Quinta do Anjo, Palmela, cuja disposição, aparentemente aleatória, deverárelacionar-se com o máximo aproveitamento do afloramento de calcáriosbrandos onde se escavaram os túmulos; tal é também a situação verificadana necrópole de Alapraia, Cascais, igualmente constituída por quatrosepulcros, bem como na de Carenque, Amadora, também ela integrandooriginalmente quatro grutas artificiais. Tal número poderá, deste modo, nãoser obra do acaso, mas respeitar um princípio cujo fundamento hoje nosescapa. Claro que noutros casos se está perante um número inferior, semcontudo ser possível conhecer a situação original. A data de construção eprimeira utilização destes sepulcros, nalguns casos remonta ao Neolítico Final;noutros casos, poderá ser já calcolítica. O facto de quase todos eles teremconhecido reutilizações intensas, particularmente evidentes no campaniforme,(Calcolítico Pleno e Final) levou a que, de início, fossem atribuídos a talépoca. Constituindo espaços fechados, acanhados e confinados, onde sepraticaram dezenas, senão centenas de tumulações, por muitas centenas deanos, com os consequentes remeximentos e evacuação do seu interior demateriais fora de uso, facilmente se compreende a dificuldade de se isolarem

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conjuntos homogéneos que não seja pela tipologia, designadamente os dosseus primeiros utilizadores do Neolítico Final.

Assim, na Gruta II da necrópole de Alapraia, Cascais, no grupo das pontas de seta,dominam as de base triangular, possuindo ou não aletas laterais incipientes, asquais são características do Neolítico Final, acompanhadas dos ainda maiscaracterísticos vasos de bordo denteado (Jalhay & Paço, 1941). Nas grutas da Quintado Anjo, Palmela (Leisner, Zbyszewski & Ferreira, 1961), estão também presentestais tipos de pontas de seta, acompanhados de uma abundante indústria degeométricos e de grandes lâminas de sílex não retocadas; no capítulo da pedrapolida, dominam os pequenos machados de acabamento fruste, de secçõeselipsoidais e sub-quadrangulares, acompanhados por enxós espalmadas, bempolidas: no conjunto, é inquestionável a natureza neolítica, sublinhada ainda pelapresença de grandes contas toneliformes de "calaíte"; enfim, no capítulo das peçasde uso simbólico e funerário, avulta o numeroso conjunto de placas de xistodecoradas, que é também indicador de idade neolítica, pese embora a suasobrevivência, por vezes em grande quantidade em monumentos funerárioscalcolíticos. Na tantativa de fixar uma cronologia para a etapa mais antiga dautilização da necrópole de Palmela, datou-se um alfinete de osso de cabeça postiçacanelada oriundo da gruta 3; o resultado da análise radiocarbónica, para um intervalode confiança de cerca de 95 %, foi de 2870-2460 a. C., correspondendo-lhe épocajá calcolítica; a conclusão a retirar é a de que tais objectos, embora de cronologiapredominantemente inserível no Neolítico Final – como indicam os resultados dasdatações efectuadas sobre exemplares homólogos de diversas grutas naturais, todasjá anteriormente mencionadas, da Furninha, da Casa da Moura, da Lapa do Bugio,e da gruta artificial da Praia das Maçãs, Sintra – tenham continuado a ser produzidosno decurso do Calcolítico.

A gruta artificial da Praia das Maçãs é um monumento complexo, constituído porum longo corredor, de lados bombeados como as grutas artificiais e parcialmenteescavado na rocha, a que se segue uma câmara de planta subcircular, em grandeparte também escavada na rocha, a qual comunica, através de uma estreita passagemprovida de dois nichos laterais, com uma segunda câmara, de menores dimensões,totalmente escavada na rocha, a chamada "câmara ocidental" (Leisner, Zbyszewski& Ferreira, 1969). Os referidos autores consideraram que esta última era a partemais antiga do monumento, à qual foi adicionada uma tholos calcolítica que, séculosdepois, teria sido construída no mesmo local da gruta artificial anterior e a elaligada. Esta suposição baseava-se no facto de o espólio ser muito diferente, paraalém das datas de radiocarbono, obtidas em ambos os sectores, suportarem tambémépocas de construção diferenciadas. Porém, escavações mais recentes, efectuadasna década de 1970, que incidiram no sector do corredor até então não escavado,vieram mostrar que este possuía elementos de cronologia compatível com oNeolítico Final (Gonçalves, 1982/1983), sendo por conseguinte a construção detodo o monumento atribuível a esta fase cronológico-cultural, sendo a zona dacâmara principal e do corredor, objecto de reutilizações sucessivas, no decurso do

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Calcolítico, que não se estenderam à câmara ocidental. Tratando-se de um túmulototal ou parcialmente escavado na rocha, é compatível com a designação de grutaartificial, embora a parede da câmara tenha sido revestida com lages, constituindocúpula, apoiada em pilar central de madeira, cujos testemunhos ainda se observaramnas escavações da década de 1960.

A fase mais antiga do monumento, presente na câmara ocidental e no corredor,integrava os "itens" característicos do Neolítico Final da Estremadura já antesreferidos: cerâmica dolménica lisa (taças em calote, esféricos), taças de bocaelíptica, taças carenadas e vasos de bordo denteado; pontas de seta de basepredominantemente triangular ou pedunculada; placas de xisto decoradas e dearenito; e ainda, alfinetes de osso de cabeça postiça, canelada ou lisa, dos quaisdois foram datados, confirmando a cronologia do Neolítico Final indicada pelatipologia do conjunto: para um intervalo de confiança de cerca de 95 %, os resultadosobtidos foram (Cardoso & Soares, 1995): 3340-2880 a. C.; e 3310-2890 a. C.).

Aliás, a cronologia neolítica das grutas artificiais da Estremadura portuguesaencontrava-se já indicada pela data obtida sobre ossos humanos de tumulaçõesrealizadas numa gruta artificial existente cerca de Leceia, Oeiras, utilizadapor certo durante um curto período de tempo, tendo presente o escasso númerode restos encontrados; para um intervalo de cerca de 95 % de confiança, oresultado obtido para a datação foi de 3509-3147 a. C., situando a ocupaçãodaquela necrópole colectiva em toda a segunda metade do IV milénio a. C.

No Algarve, identificou-se e escavou-se recentemente a primeira grutaartificial reconhecida naquela região. Trata-se do sepulcro de Monte Canelas,Portimão, o qual, conjuntamente com o único dólmen da necrópole de Alcalar(Alcalar 1), representa a fase mais antiga desta necrópole polinucleada,celebrizada pelas notáveis tholoi que, no decurso do Calcolítico, ali seconstruiram. A escavação do hipogeu de Monte Canelas revelou a existênciade uma planta semelhante à identificada no monumento da Praia das Maçãs,atrás referido. Escavado no substrato de calcários brandos, possui duas criptascoalescentes, uma delas de planta sub-rectangular, alargando-se em semi-círculo, comunicando com o exterior através de passagem em rampa, viradaaproximadamente para norte e para a serra de Monchique (Parreira, 1997).No interior, uma meticulosa escavação permitiu identificar a deposição demais de setenta indivíduos, alguns deles ainda conservando as conexõesanatómicas (Silva, 1997). Uma datação efectuada sobre os restos carbonizadosde uma provável tocha, encontrados no topo do nível funerário inferior (dosdois reconhecidos), deu o resultado de 4460 ± 110 anos BP, que corresponde,para um intervalo de confiança de cerca de 95 %, a 3379-2881 a. C., valorque é plenamente compatível com os obtidos em ossos humanos de diversasdeposições primárias ali efectuadas: 4370 ± 60 anos BP e 4420 ± 60 anos BP,

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a que se reportam, respectivamente, os intervalos calibrados, também paracerca de 95 % de probabilidade, de 3290-2880 a. C. e 3340-2900 a. C. (Silva,2002).

Estes resultados são, deste modo, comparáveis aos obtidos nos túmulos homó-logos da Estremadura; tais semelhanças são ainda sublinhadas pela seme-lhança dos espólios encontrados, onde ocorrem igualmente os característicosalfinetes de osso com cabeça amovível canelada, considerados por isso comocaracterísticos do Neolítico Final, ainda que, como se viu, com sobrevivênciaspelo Calcolítico: uma vez mais, é a continuidade cultural que se evidencia,pontuada, naturalmente, por inovações.

O recurso a várias fórmulas de enterramento, por vezes na mesma necrópole– situação exemplarmente documentada na necrópole de Alcalar – umas maisostentatórias, outras deliberadamente discretas, como é o caso das grutasartificiais, totalmente enterradas – ainda se não encontra cabalmente explicada.

Seja como for, as oferendas funerárias, depositadas nas grutas artificiais –que não se diferenciam das que, pela mesma altura, eram colocadas no interiordos dólmenes da mesma região –, indicam uma intensa circulação de objectosde prestígio, exemplarmente ilustrados pelas grandes contas de variscite, quenão são compatíveis com uma sociedade de base igualitária. A estas, juntam-secontas de outros minerais igualmente raros e por isso muio apreciados, comoa fluorite, oriunda dos pegmatitos graníticos da Beira Alta, a mais de 300 kmde distância em linha recta da Estremadura, de que se conhecem belosexemplares na Lapa do Bugio, Sesimbra e na gruta da Casa da Moura, Óbidos.Igualmente notáveis são os grandes núcleos de cristal de rocha, cuja ocorrênciaem sepulcros da Estremadura tanto do Neolítico Final, como do Calcolítico,parece poder conotar-se com a noção de purificação, que a sua limpidez etransparência sugere, tendo, deste modo, um carácter simbólico.

Mas são as placas de xisto, tão abundantes nas grutas naturais e nos dólmenesda Estremadura, utilizadas como oferendas funerárias cujo significado efunções ainda se não encontram satisfatoriamente esclarecidos, a par dosídolos almerienses, em plaquetas recortadas, excepcionalmente reunidos namesma peça, que melhor corporizam os contributos oriundos do interioralentejano, a que se somam os notáveis báculos de xisto, objectos de evidenteconotação com o exercício do poder; tal presença fez-se sentir, aliás, paranorte, na Beira Baixa, e para sul, no Baixo Alentejo e no Algarve, onde serecolheram também numerosos exemplares. Esta realidade mostra que aadopção de crenças e práticas funerárias de carácter transregional,configurando um processo de interacção cultural generalizado,multidireccionado e recíproco, não é mais, afinal, que a expressão materialde uma complexa rede de circulação de pessoas, de bens e de ideias, que seintensificou no decurso do III milénio a. C.

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10. O Megalitismo no Território Português

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Os grandes monumentos pré-históricos que incorporam grandes pedras nasua construção (literalmente: mega-grande; lithos, pedra), cujo inventáriosistemático se iniciou, em Portugal, no século XVIII, prosseguindo peloseguinte, podem repartir-se em dois grandes grupos: os de carácteressencialmente funerário, os dólmenes ou antas, podendo, em diversas regiõesdo país, ser designados por diversas expressões, como orca, arca, mamôa, ououtras; e os de carácter ritual, constituídos apenas por um monólito dedimensões variáveis (podendo ultrapassar os seis metros de comprimento),designados por menires, quais podem ocorrer isolados, ou agrupados,formando recintos fechados de geometria variável (cromeleques) oualinhamentos (apenas dubitativamente registados no território português).Trata-se de dois processos com características e desenvolvimentoscompletamente distintos, tal como distintos foram as respectivas finalidadesque presidiram à sua construção. Esta evidência justifica, pois, a manutençãodos termos "megalitismo funerário", e "megalitismo ritual", conferindo-lhescerta autonomia no quadro dos processos sociais observados no territórioportuguês entre meados do V milénio e os finais do III milénio a. C.

10.1 Megalitismo funerário

10.1.1 Alto e Baixo Alentejo

A emergência do fenómeno megalítico em Portugal tem sido nos últimosanos objecto de análise por parte de diversos investigadores; no Alentejolitoral, mercê dos trabalhos desenvolvidos por C. Tavares da Silva e J. Soares,foi possível estabelecer um quadro que tem a vantagem de ser claro e coerente,permitindo aos referidos arqueólogos a apresentação de diversas sínteses,reflectindo muita da sua investigação pessoal no litoral alentejano (Soares,1996; Silva, 1997; Soares & Silva, 2000). Tal como defendem a perspectivaindigenista para explicar as origens do Neolítico Antigo no territórioportuguês, conforme anteriormente se referiu, também o fenómeno megalíticoteria para eles uma origem autóctone, radicada na evolução social e económicaprotagonizada pelos primeiros agricultores e pastores, do Neolítico AntigoEvolucionado, situável na primeira metade do V milénio a. C. Na verdade, se,para assegurar a sua própria subsistência, bastaria aos bandos de caçadores –recolectores do Mesolítico Final do litoral alentejano, uma assinalávelmobilidade logística, de modo a capturar a maior diversidade de recursos, notrinómio caça-pesca-recolecção, para os grupos em processo de sedentarizaçãoque lhes sucedeu, crescentemente fixados a determinados territórios, aindaque baseados numa agricultura itinerante de corte e queimada, importariacada vez mais garantir a sua coesão interna, da qual dependia a sua própria

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estabilidade. Para sociedades cuja sobrevivência era baseada cada vez mais,naquilo que produziam, impunha-se que criassem e cultivassem referênciasidentitárias em que todos se revissem. É desta forma que se pode explicar aemergência e ulterior evolução da tipologia das sepulturas, que, de simplescovachos abertos junto da área habitada, no Mesolítico, evoluem paraverdadeiros monumentos megalíticos, cada vez mais evidentes na paisagem,que, com o tempo, se vão tornando maiores e mais complexos. Nessesprimeiros momentos do megalitismo – também designado porproto-megalitismo, dadas as dimensões modestas dos monólitos e dos espaçospor eles definidos – as sepulturas são individuais, e poderiam albergar apenasdois ou três corpos, apresentam planta fechada e são cobertas por ummontículo de terra e pedras que as selavam; tal significa que, uma vezconsumada a tumulação, só com a remoção do montículo tumular se poderiater de novo acesso ao recinto funerário. Destinar-se-iam, provavelmente, aosmembros que mais se destacaram no seio da comunidade, os quais, destemodo, assumiriam o papel de antepassado comum, que, fazendo parte damemória colectiva do grupo de base familiar a que pertenciam,desempenhavam assim um papel agregador e estabilizador. A implantaçãodestes sepulcros não se encontraria muito afastada do povoado onde vivia arespectiva comunidade: na região que nos ocupa, o povoado de Salema, dosfinais do Neolítico Antigo Evolucionado, situa-se apenas a algumas centenasde metros da sepultura proto-megalítica de Marco Branco, Santiago doCacém. Trata-se de uma câmara fechada, de planta elipsoidal e de pequenasdimensões (1,70 m de comprimento por 1,35 m de largura), coberta por montículotumular também de pequenas dimensões. Identificaram-se dois momentosde utilização do sepulcro, por certo separados por curto intervalo de tempo;a ocupação mais recente integrava pelo menos restos de três indivíduos eevidenciava rituais de fogo (Silva & Soares, 1983). O espólio recolhido épobre, no qual a única forma cerâmica identificada corresponde a uma taçaem calote lisa; a indústria lítica, também incaracterística, integra um raspador,um buril e um trapézio simétrico, lâminas e lamelas com traços de uso. Se seaceitar a conotação com o povoado da Salema, a cronologia para este sepulcroascenderia à primeira metade do V milénio a. C. e a uma fase de transição doNeolítico Antigo Evolucionado para o Neolítico Médio.

A arquitectura tumular representada pelo monumento do Marco Branco, temequivalente em monumentos existentes noutras regiões do país, que, a seutempo, serão discutidos.

No Alentejo litoral, a fase média do megalitismo encontra-se representadapelo monumento vizinho da Palhota; trata-se de dólmen com câmara de plantasub-rectangular algo irregular e corredor estreito, longo e muito bemdiferenciado; no conjunto, poderia conter um pequeno número de tumulações,cerca de cinco. Os micrólitos geométricos são abundantes, ocorrendo porém

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a ponta de seta de base pedunculada, o que remete a sua construção já paraos primeiros momentos do Neolítico Final, que antecederam a fase de apogeudo megalitismo regional (segunda metade do IV milénio a. C.), representadapelo dólmen de Pedra Branca. Trata-se de uma sepultura de câmara poligonale corredor de comprimento médio, provido de pequenos septos laterais. Onúmero de deposições ascende pelo menos a sessenta e cinco, sendo muitoabundante a cerâmica, exclusivamente lisa, bem como as pontas de seta,exclusivamente de base côncava ou recta, cuja importância aumenta, emdetrimento dos geométricos. Ocorrem, pela primeira vez, e em númeroelevado, as placas de xisto decoradas. Conquanto se baseasse apenas em trêsmonumentos, a evolução apresentada afigura-se coerente, apoiada nasdiferenças arquitectónicas, também observadas e nos respectivos espóliosexumados.

Para os autores, existem, pois, fundadas razões, não apenas para admitir queum dos focos primordiais do megalitismo europeu se situou na região doAlentejo litoral, mas também que a evolução do fenómeno megalítico, emtermos de espólios e arquitecturas, teve ali uma das suas áreas maisexpressivas.

A evolução das arquitecturas e espólios dolménicos foi estudada em Portugal,pela primeia vez, por Manuel Heleno que, na década de 1930 escavou naregião de Montemor-o-Novo, cerca de trezentos dólmenes. Assim, o autoradmitiu que as pequenas antas fechadas antecederiam as grandes antas maiscomplexas e de maior tamanho, evolução que era comprovada, de modo geral,pelo arcaísmo do espólio nas primeiras, e o seu carácter diversificado eevoluído, nas segundas. Infelizmente, o autor não publicou quaiquerconsiderações sobre o assunto, que ficaram no entanto registadas nos seuscadernos de campo (Cardoso, 2002, p. 188) e nalguns dos trabalhos publicadosulteriormente por Irisalva Moita, que fora sua aluna na Faculdade de Letrasde Lisboa. Importa sublinhar a sua visão lúcida, expressa pelas consideraçõescontidas no caderno de campo n.º 32, de Setembro e Outubro de 1934, aodeclarar que, na classificação dos dólmenes é preciso atender não só àarquitectura, mas também à evolução do espólio associado, referindo existiremformas arquitectónicas primitivas em períodos avançados, preocupações quejá evidenciavam o perigo de uma evolução linear, estritamente baseada noprincípio simplista de serem as formas simples incompatíveis com ascomplexas. Esta convicção de Manuel Heleno era, à época, totalmenteinovadora: ao centrar como foco da então chamada "Cultura MegalíticaOcidental" a região portuguesa alto alentejana, contrariava as doutrinasdifusionistas que, ainda na década de 1940, interpretavam os monumentosmegalíticos alentejanos – e, em particular os da região de Pavia, com câmarae corredor bem diferenciados, tornados conhecidos internacionalmente atravésde uma monografia publicada em Espanha (Correia, 1921) – como simples

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degenerescências das tholoi micénicas (Daniel, 1941), apesar de, muito antes,diversos arqueólogos portugueses, como J. Leite de Vasconcelos e A. dosSantos Rocha terem chamado a atenção para a antiguidade do megalitismodo território português.

Entre todos, deve salientar-se o papel pioneiro do arqueólogo algarvio Estácioda Veiga que, debruçando-se sobre a antiguidade da necrópole de Alcalar,Portimão, que correctamente atribuiu aos tempos pré-históricos, declarou, apropósito da origem das sepulturas de falsa cúpula, ou tholoi, célebres nooriente mediterrâneo, o seguinte (Veiga, 1889, p. 245):

Enganaram-se, mas não podem enganar-nos os que pretendem attribuir auma nova civilisação, vinda da Asia, as construcções feitas á feição deparedes com pedras de pequenas dimensões. Essa arte de construir nãopertence á primeira idade dos metaes, mas provadamente já existia na ultimaidade da pedra, sendo synchronica da mais antiga architectura dolmenica.São os proprios dolmens de varios paizes, incluindo muitos de Portugal,onde sómente se acharam instrumentos de pedra polida e lascada, sem aminima mistura de algum artefacto metallico, que confirmam a minhanegativa.

No Alentejo Central e Ocidental algumas das pequenas antas, de plantaelipsoidal, fechadas ou com estreita abertura, mas desprovidas de corredor,reportam-se à primeira fase do megalitismo, que se deverá situar ainda naprimeira metade do V milénio a. C. É o caso da anta 3 do Azinhal, Coruche,encontrada ainda intacta, construída de pequenos monólitos com pouco maisde um metro de altura, a qual, como espólio, possuía apenas um machado depedra polida de acabamento grosseiro, duas pequenas lâminas, dois raspadoressemicirculares e micrólitos trapezoidais de sílex ou de cristal de rocha. Estemonumento, segundo V. Leisner e de acordo com as indicações a elafornecidas por Manuel Heleno, integrar-se-ia no grupo das pequenas câmarasbaixas, de tipo cistóide, mais ou menos alongadas, onde se inventariaram asseguintes associações (Leisner, 1983):

1. Micrólitos de pequenas dimensões, não acompanhados de qualqueroutro espólio;

2. Micrólitos de tamanho e número crescentes, normalmente só trêsou quatro por sepultura; numa sepultura, encontraram-se 29trapézios alongados e estreitos, acompanhados por lâminas elamelas, uma das quais com dorso (retoques abruptos ao longo deum dos lados); noutra câmara baixa, recolheram-se micrólitos comentalhe junto à base;

3. Micrólitos acompanhando machados cilíndricos e pequenas enxós,por vezes encontrando-se uns e outras associados, sem qualquervestígios de cerâmica.

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A evolução arquitectónica preconizada por Manuel Heleno para a região em causainiciar-se-ia, deste modo, pelas sepulturas fechadas, seguidas das pequenas galerias,das antas só com câmara, depois das antas em câmara e corredor, terminando asequência com as antas de corredor longo, em particular as que apresentam corredorcom alargamento central e aquelas em que foi confirmada a presença de átrio(Rocha, 2005, p. 99). A revisão que a autora citada faz dos monumentos e dosespólios das escavações de Manuel Heleno, só possível graças aos seus cadernosde campo, entretanto adquiridos pelo Estado, permitiu confirmar, naquela região,a grande quantidade das pequenas sepulturas simples de granito, fechadas ou abertas,mas sem corredor, as quais são sempre escassas nas outras regiões megalíticasalentejanas. De modo geral, foi possível verificar empiricamente as seguintesrelações entre espólios e arquitecturas:

- a nítida incidência de espólio evoluído (pontas de seta e placas de xisto) emmonumentos de arquitectura mais complexa (antas de corredor);

- e a presença dominante dos espólios menos evoluídos, como geométricos,nos túmulos de arquitectura mais simples (sepulturas fechadas ou decorredor curto).

As incongruências entre estas tão simples relações foram explicadas através,sobretudo, do conceito de polimorfismo evolutivo, segundo o qual a adopção denovas formas de construir não se verificaram de forma monofilética, existindo umperíodo de coexistência entre formas arquitectónicas distintas; da mesma forma, asubstituição de espólios arcaicos por outros, mais evoluídos, respeitaram tambémum modelo com ritmos próprios. Desta realidade, decorre a situação de existiremtúmulos e espólios aparentemente incongruentes, a qual, aliás, pode ter outrasexplicações.

De facto, a ocorrência de espólios evoluídos em monumentos arcaicos pode sersempre explicada pela sua reutilização em épocas sucessivas, realidade de há muitoconhecida e comprovada, enquanto a ocorrência de espólios arcaicos emmonumentos evoluídos, além da explicação mais simples, recorrendo à própriapervivência das produções (no caso dos geométricos), também realidade bemconhecida, foi explicada pela hipótese de transladação de restos humanos e deartefactos de monumentos mais antigos para os novos que iam sendo construídos,a qual, porém, carece de confirmação.

No Alentejo Oriental, na região de Elvas, importa mencionar a Anta 2 doTorrão, recinto fechado de planta elipsoidal, com pouco mais de 1 m delargura, e em parte escavada no substrato geológico, o que dispensaria umacobertura tumular volumosa (Lago & Albergaria, 2001). As pequenasdimensões do monumento, são compatíveis com o único indivíduo tumuladono seu interior; o arcaísmo do seu espólio e da arquitectura do monumento,justifica a sua provável inserção no conjunto dos monumentos proto--megalíticos alentejanos que atrás referiram.

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A cabal demonstração da antiguidade do megalitismo alentejano – e, porextensão do megalitismo do ocidente peninsular – só foi, no entanto,credibilizada, quando G. e V. Leisner dedicaram à antas da notável regiãomegalítica de Reguengos de Monsaraz estudo aprofundado, com a análisecruzada, como Manuel Heleno anteriormente já havia feito, das arquitecturase dos espólios correspondentes (Leisner & Leisner, 1951), região ondeidentificaram mais de cem dólmenes, a maior parte por eles escavados. Foram,assim, levados à conclusão de que "o pequeno dólmen em forma de galeriateria sido, no Alentejo, o tipo mais antigo", correlativo das sepulturas proto-megalíticas acabadas de referir. Tal tipo encontra-se, porém, quase ausente,na área de Reguengos, exceptuando a Anta 7 das Areias, de planta sub-rectangular talvez aberta. Seguem-se os dólmenes de corredor curto e depequenas dimensões e, por fim os grandes monumentos de câmara poligonale longos corredores. Outra importante conclusão, que reforça a anterior, é ada evidente maior modernidade das tholoi da região de Reguengos deMonsaraz, face à das antas, o que contrariava a doutrina orientalista, atrásreferida. Decisiva para esta conclusão, que punha termo à hipótese contrária,então ainda em voga (a revolução do radiocarbono viria pouco depois), foi adescoberta, no decurso da escavação da Anta 2 da Comenda e da Anta 1 daFarisoa, de duas tholoi adjacentes,construídas no montículo tumular original,prova evidente de que eram posteriores à construção das correspondentesantas (Leisner & Leisner, 1951), como os autores bem salientam. Ficava,deste modo, demonstrada, por argumentos empíricos, não apenas a grandeantiguidade das manifestações megalíticas do ocidente peninsular, comotambém a sua evolução local, das construções megalíticas menores e maissimples, para as maiores e arquitectonicamente mais complexas, sem excluira coexistência entre umas e outras.

De salientar que esta concepção geral foi reforçada pelos estudosdesenvolvidos na mesma época em outras regiões megalíticas alentejanas.Assim, Irisalva Moita, em resultado das escavações de dólmenes, por sidirigidas, em em Mora e Pavia e na imediata sequência do faseamento deM. Heleno, por si adoptado, subdividiu-os em dois grandes grupos, comsignificado crono-cultural próprio (Moita, 1954). Assim, o "Grupo primitivo"integraria dólmenes de câmara simples, desprovidos de corredor e sepulturascistóides fechadas, com espólio primitivo: micrólitos trapezoidais, machadosgrosseiros e cerâmicas lisas, enquanto o "Grupo evoluído" seria representadopor dólmenes de corredor bem diferenciado, com ou sem átrio de entrada,contendo pontas de seta, escassos micrólitos, alabardas e punhais de cuidadotrabalho bifacial, placas de xisto decoradas, báculos e machados de bomacabamento, além de cerâmicas lisas, mais abundantes que as do grupoanterior.

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A Fase I do megalitismo de Reguengos encontra-se representada, como jáem 1951 foi assinalado por G. e V. Leisner, pela Anta 1 do Poço da Gateira,o único sepulcro que ainda encontraram com o interior intacto. É constituídopor câmara alongada de tendência poligonal e corredor curto, definido pordois esteios longos, de cada lado. Foram efectuadas talvez pouco mais deuma dezena de tumulações, tendo-se observado o uso do ocre vermelho,aspergido ritualmente sobre os artefactos depositados. Nestes, merecedestaque a abundância de cerâmica lisa, com engobe a almagre, comrecipientes predominantemente fechados, com bordo ligeiramente saliente,sublinhado por um sulco ou simples depressão característica, que é recorrentenas produções do Neolítico Médio do sul do País, como atrás se referiu. Nasindústrias líticas, ocorrem pequenos machados, toscos e de secção elipsoidal,acompanhados de enxós de corpo espalmado e, excepcionalmente, de umagoiva. A inústria da pedra lascada é constituída por lâminas não retocadas epor geométricos, faltando totalmente as pontas de seta ou as placas de xistodecoradas. Esta realidade é coerente com a cronologia absoluta, obtida portermoluminescência sobre fragmentos de cerâmica, datados em cerca de 4500a. C., ainda que com grandes intervalos de incerteza (Whittle & Arnaud,1975), cronologia idêntica à obtida para a Anta 2 de Gorginos, da mesmaregião e com idêntica arquitectura e espólio, ainda que menos abundante.Estas duas datas situam, deste modo, a fase mais antiga do megalitismo deReguengos no Neolítico Médio, antecedido pela fase proto-megalítica antesreferida, correspondendo-lhe dólmenes de dimensões já assinaláveis, cujosesteios maiores atingiam alturas da ordem dos dois ou mais metros, definindorecintos com possibilidade de conterem pouco mais de uma dezena detumulações.

Os pares de machados e enxós que acompanhariam os indivíduos depositados decócoras, encostados aos esteios da Anta 1 do Poço da Gateira, exprimem aimportância conjugada que teriam as actividades de desflorestação e trabalho damadeira, a par da agricultura; por outro lado, a ausência de artefactos ditos "deprestígio", que só surgem na fase subsequente do megalitismo regional, sugere aexistência de uma sociedade ainda marcadamente igualitária e não diferenciada.

O aumento nas dimensões dos monumentos persiste no Neolítico Final, semembargo de se continuarem a construir megálitos de dimensões maismodestas. É nesta etapa cronológico-cultural, situável nos finais doIV milénio a. C., que se constroem os maiores dólmenes do territórioportuguês, expressivamente representados na região, entre muitos outros,

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pela Anta Grande do Zambujeiro, Évora e pela Anta Grande do Olival dePega, Reguengos de Monsaraz. Trata-se de túmulos de câmaras poligonais,definidas por esteios que, no primeiro caso, atingem mais de cinco metros decomprimento, com corredores muito longos, ultrapassando os dez metros decomprimento. A presença de corredor, já detectada nos dólmenes da faseanterior (Anta 1 do Poço da Gateira, por exemplo) permitia acederdirectamente ao interior da câmara funerária sempre que se pretendesserealizar uma nova tumulação, nisso residindo uma das principais diferençasfuncionais relativamente às câmaras fechadas que só muito dificilmentepoderiam ser reutilizadas.

A monumentalidade das grandes antas do Alentejo central e orientalexplica-se: qualquer delas albergou centenas de deposições, expressivamentedocumentadas pelas mais de três centenas e meia de recipientes e de quasecentena e meia de placas de xisto decoradas recolhidas na Anta Grande doOlival da Pega (a Anta Grande do Zambujeiro, ainda não foi publicada comomerecia). As indústrias de pedra lascada contêm, pela primeira vez, pontasde seta, tanto de base triangular ou pedunculada, como de base côncava, e asafinidades com os espólios das grutas artificiais ou naturais da Estremadura,ocupadas no decurso do Neolítico Final são flagrantes, sublinhadas por certostipos cerâmicos, como as taças cerenadas e, no concernente aos objectosmágico-simbólicos, pela presença de ídolos almerienses recortados emplaquetas de osso ou xisto, identificados em diversas necrópoles da BaixaEstremadura, como a anta de Monte Abraão, Sintra (Ribeiro, 1880 e o depósitosepulcral de Samarra, Sintra (França & Ferreira, 1958), bem como defigurinhas de leporídeos, também presentes em ambas as regiões. No capítulodos objectos de adorno, merecem destaque os alfinetes de osso com cabeçapostiça canelada, presentes, por exemplo, na Anta Grande do Olival da Pega;conforme anteriormente se referiu, são comuns no Neolítico Final daEstremadura. Tais afinidades são tão evidentes, que G. e V. Leisner nãohesitaram em admitir, ao referirem-se às sepulturas colectivas do litoralocidental, a um "megalitismo de grutas", expressão ulteriormente retomada(Gonçalves, 1978).

Dois objectos rituais caracterizam o megalitismo tardio alto-alentejano: trata-sedas placas de xisto e dos báculos de xisto. As placas de xisto podemsituar-se entre o fim do Neolítico Final e o pleno Calcolítico, ou, em datas decalendário, entre o último quartel do IV milénio e os meados do milénio seguinte.A iconografia aponta para a representação de divindade protectora do morto,conotável com a omnipresente deusa-mãe das sociedades agrárias, divindadesincrética que, sendo expressão da fertilidade e da vida, o era também daregeneração, explicando-se assim a sua associação a contextos funerários, ainda

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que com configurações e atributos que evoluiram com o tempo: nas placasconsideradas mais antigas, dominam os motivos geométricos, designadamente asbem conhecidas filas de triângulos isósceles, acompanhadas de zigue-zagues,padrões em xadrez, por vezes em placas de cabeça e ombros recortados, queaparentemente se sucedem às anteriores, o que sublinha o seu carácterantropomórfico. Sem deixarem de ser fabricadas as mais antigas, sucedem-se, jáno Calcolítico, outras variantes, onde ocorrem, de forma ainda mais explícita,atributos antropomórficos, incluindo a representação de pormenores anatómicos,como olhos, nariz, sobrancelhas, e, em grupos particulares – incluindo exemplaresde arenito – de braços, mãos e, até de atributos sexuais (triângulo púbico feminino).A produção maciça de placas de xisto – que atingem a Beira Baixa e o extremoocidental do Algarve, expandindo-se maciçamente para a Estremadura, como atrásse referiu, situa-se no eixo de Reguengos de Monsaraz/Évora/Montemor, onde osexemplares ascendem a vários milhares. Nos grandes monumentos dolménicos, asua presença é invariável e, como se verifica na Anta Grande do Olival da Pega,podem ascender a muito mais de uma centena (Leisner & Leisner, 1951; Gonçalves,1999), correspondendo cada uma a uma inumação ali realizada. A forte incidênciade placas no Calcolítico – como é demonstrado pelas que a escavação da tholos doEscoural forneceu (Santos & Ferreira, 1969) – é mais um exemplo da continuidadecultural verificada com a fase neolítica anterior. Em Espanha, as placas de xistocircunscrevem-se à zona fronteiriça, tanto na Andaluzia (Huelva) como naEstremadura (Cáceres, Badajoz). Tal distribuição geográfica faz deste artefactouma produção característica do território português, constituindo uma inequívocamarca identitária das comunidades que o povoaram, associada à expressividade dofenómeno megalítico no Alto Alentejo.

Não obstante a sua abundância, vicissitudes várias – escavações antigas,remeximentos intensos do interior dos espaços funerários – fazem com que sóexcepcionalmente se tenha podido associar estas placas ao inumado queacompanhava. Um desses casos excepcionais registou-se na Anta 3 de SantaMargarida, Reguengos de Monsaraz, onde uma notável placa de cabeça recortadajazia ao pescoço do inumado, que pertencia a uma das vinte e cinco deposições daprimeira fase da utilização do monumento. Um osso deste indivíduo, datado peloradiocarbono, deu o resultado de 4270 ± 40 anos BP, correspondendo ao intervalo,calibrado, para cerca de 95 % de probabilidade, de 2920-2870 a. C. (Gonçalves,2003). As duas outras datas para a fase mais antiga da utilização funerária destaanta, de câmara poligonal e corredor definido por dois grandes esteios, um de cadalado, são idênticas, provando que a construção do monumento dolménico severificou nos inícios do III milénio a. C. Este facto torna-o coevo da construção datholos de Olival da Pega 2b, cujas datas, para a primeira fase de ocupação, serãoadiante apresentadas. A construção, na mesma região, de dois monumentos detipologias e tecnologias construtivas tão diferentes, faz crer na existência de gruposculturalmente distintos: mas avulta a continuidade, ocorrendo as substituições deforma difusa e paulatina.

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Quanto aos báculos de xisto – de que se conhecem também diversos exem-plares em sepulcros colectivos estremenhos – é o caso do dólmen de Estria,Sintra (Ribeiro, 1880), da gruta da Casa da Moura (Carreira & Cardoso,2001-2002) e da Lapa da Galinha, gruta natural do concelho de Alcanena(Sá, 1959) – um primeiro inventário, realizado por G. e V. Leisner eulteriormente retomado (Ferreira, 1985), permite situar em Montemor-o-Novoa zona de maior incidência de tais peças. Trata-se de exemplares comdecorações geométricas, idênticas às presentes nas placas de xisto, os quaisseriam empunhados pela base, que por vezes apresenta um rebordo, de modoa facilitar tal manuseio. Sem se pretender discutir a simbologia subjacente aestas peças, não existem dúvidas do seu significado, conotado com o exercíciodo poder. Tal é indicado pela sua raridade, quando comparada com aabundância das placas de xisto, sugerindo a existência de hierarquizaçãosocial e de relativa concentração do poder, aliás expressa implicitamentepela própria construção dos grandes dolmenes do Neolítico Final alentejano.Com efeito, a sua construção só seria possível no quadro de comunidadesnumerosas, com uma estrutura interna já bem definida, capaz de mobilizar ecoordenar o esforço de centenas de pessoas, durante períodos de tempoprolongados, necessários à construção daquelas sepulturas, técnicamentecomplexas, desde a fase de extracção dos blocos nas pedreiras, até ao seutransporte e ulterior fixação. Tais monumentos, que marcavam fortemente apaisagem, tinham, deste modo, uma função múltipla: servindo de verdadeirosdepósitos mortuários, não deixariam de possuir um marcado simbolismo,corporizando a memória colectiva da comunidade que os construiu e servindocomo marco de posse do território onde aquela se sediava, constituindo-seassim como pólo agregador da sua coesão interna e expressão externa do seuevidente sucesso. A pesada carga simbólica que estes enormes "contentoresde mortos" detinham fez-se sentir por muitas centenas de anos depois da suaconstrução, durante os quais continuaram a ser intensamente utilizados. Aliás,o facto de algumas das tholoi se encontrarem adstritas a antas da fase tardiado megalitismo de Reguengos – para além das duas já referidas, podeinvocar-se o extraordinário conjunto da Anta 2 do Olival da Pega, constituídopor uma grande anta de longo corredor, e por vários sepulcros calcolíticos,na sua adjacência e dentro do montículo tumular primitivo (Gonçalves, 1994,1999) – sugere que existiu continuidade entre as duas técnicas arquitectónicas,que o mesmo é dizer entre os seus respectivos construtores.

Com efeito, no Neolítico Final, coincidente com o final do IV milénio a. C.,o processo de sedentarização poder-se-ia considerar concluído: longe iam ostempos de uma agricultura itinerante de corte e queimada, vigente até aoNeolítico Médio. A própria monumentalidade destes monumentos e o elevadonúmero de tumulações, é compatível com comunidades cada vez maisnumerosas – e por isso necessariamente hierarquizadas – e fixadas, de formairreversível, a determinados territórios, num contexto económico agro-pastoril

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que então conhecia o seu apogeu, para o qual concorreu decisivamente aadopção, entre outras novidades tecnológicas ainda insuficiente demonstradas(o carro, o arado), da força de tracção animal, já atrás referida.

Para além da utilização ritual do ocre vermelho, é ainda de destacar o uso dofogo, cujas marcas, tão intensas nalguns casos, como na Anta Grande doOlival da Pega e na Anta 1 de Cebolinho, Reguengos de Monsaraz não indicamsimples fogueiras rituais, mas antes fogos rituais de grande intensidade, assimdescritos: "Em nenhum caso se trata de incineração: distinguem-se todos osgraus da acção do fogo, desde os ossos pesados, que mostram uma mudançade cor para tonalidades cinzento-azuladas, até aos completamentecarbonizados (...)" (Leisner & Leisner, 1951), fenómeno extensível àsindústrias líticas, formando-se na superfície das peças de sílex uma camadavitrificada, que exige altas temperaturas, bem como concavidades devidas aestalamentos térmicos. Recentemente, Leonor Rocha publicou restoshumanos da anta 7 de Estremoz (N. S. da Conceição dos Olivais), exploradapor M. Heleno, onde são evidentes as marcas da alta temperatura, por fendasde dissecação produzidas no osso (Rocha, 2005); e muitos outros exemplosse poderiam referir, como as antas de Aldeinha e do Barranco de Fraga, damesma região. Esta prática foi também observada em monumento megalíticoda serra de São Mamede, Portalegre (Oliveira, 1997): trata-se da Anta daBola de Cera, um dos raros monumentos dolménicos datados do Alto Alentejo:uma análise de radiocarbono feita sobre ossos na base do monumento,associados a placas de xisto, deu o resultado de 4360 ± 50 BP, a quecorresponde o intervalo calibrado, para cerca de 95 % de probabilidade de3258-2900 a. C., resultado que é compatível com a fase final de construçãodos grandes monumentos dolménicos alto-alentejanos, reportável ao NeolíticoFinal.

Dadas as altas temperaturas atingidas, difíceis de obter em áreas fechadas,como são os interiores dos recintos, é provável que elas devam ter sido obtidascom a incineração/cremação dos cadáveres no exterior dos monumentos,tendo os restos sido ulteriormente transportados para dentro deles.

Outro aspecto ritual que merece atenção é a orientação dos corredores dasantas de Reguengos: a representação gráfica mostra que a larga maioria seorientava na parte média do quadrante de SE, ou seja, para a direcção deonde desponta o Sol, no horizonte (Gonçalves, 1992). Esta abertura para aluz, relaciona-se por certo com a crença na sobrevivência, aliás amplamentemanifestada pelo próprio ritual funerário e pelas oferendas queacompanhavam quem partia: trata-se dos artefactos da vida quotidiana,normalmente intactos, sinal de que não poderiam ser usados senão na vidaalém-túmulo.

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Enfim, certas particularidades das cerimónias fúnebres havidas no interiorde alguns dólmenes foram caracterizadas, mercê de escavação meticulosa: éo caso da Anta 3 de Santa Margarida, Reguengos de Monsaraz, onde umadeposição primária tardia, de uma mulher de 40 a 45 anos, foi parcialmentecolocada sobre um cão de porte médio, com cerca de 18 meses de vida.Ambas as deposições foram datadas pelo radiocarbono (Gonçalves, 2003): ahumana, deu o resultado de 3780 ± 40 anos BP, a que corresponde o intervalo,para cerca de 95 % de probabilidade de 2310-2050 a. C.; para o cão, obteve-se o resultado de 3720 ± 50 anos BP, e o intervalo de 2280-1960 a. C.;trata-se, pois, de momento dos finais do Calcolítico, ou já do início da Idadedo Bronze, demonstrando a reutilização deste megálito, por certo acom-panhada de muitas outras situações análogas.

Dado o elevado número de tumulações efectuadas nos monumentos demaiores dimensões, que, como se disse, podem ascender a várias centenasde indivíduos, a par da distribuição por idades e por sexos, sem indícios denão corresponderem a uma população natural, crê-se que todos os membrosde uma dada comunidade mereciam ser assim sepultados, ao contrário doadmitido por certos autores, que restringem tal prática apenas aos membrosmais destacados de cada comunidade. Crê-se que esta conclusão será válidapara todos os grandes monumentos dolménicos do País.

Olhando para a distribuição dos dólmenes a nível peninsular, conclui-se queo Alto Alentejo é a região onde ocorrem com mais abundância: além daregião de Reguengos/Évora, e da região de Montemor o Novo/Ciborro/Mora/Coruche, podem salientar-se, entre outras, as áreas de Pavia/Arraiolos,Montargil, Elvas e Marvão/Castelo de Vide. Para tal situação concorria nãosó a alta densidade populacional ali existente – mercê das boas condiçõesoferecidas para a prática de uma economia agro-pastoril – mas ainda osrecursos geológicos altamente favoráveis á obtenção de grandes monólitos,de rochas graníticas. Com efeito, a distribuição dos dólmenes na região deReguengos de Monsaraz é expressiva da sua forte dependência face àexistência de afloramentos graníticos (Gonçalves, 1992, Mapa 112). O mesmose verificou mais a norte, na bacia do rio Sever. Ali, a fronteira entre osgranitos e os xistos encontra-se muito bem sublinhada pela dispersão dosdólmenes (Oliveira, 1998); conhecem-se naquela região monumentos deambas as rochas, tornando-se os de xisto apenas mais abundantes nasimediações do vale do Tejo, talvez relacionados com o grande santuário dearte rupestre do Tejo, adiante estudado. O referido autor apresentou esboçodas diversas arquitecturas tumulares representadas por ambos os tipospetrográficos: verifica-se que sepulturas fechadas, de planta elipsoidal, sãoexclusivamente de xisto, enquanto que os dólmenes de granito se apresentaminvariavelmente abertos e de maiores dimensões, como seria natural. Estasituação conduziu-o a considerar uns e outros coevos, hipótese que deverá,

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no entanto, conformar-se ao quadro geral de evolução da arquitecturamegalítica já antes apresentado.

10.1.2 Alto Ribatejo e Beira Interior

Imediatamente a norte do Tejo, as antas persistem, tanto na região do AltoRibatejo, como na Beira Interior. Na primeira, uma anta pequena, de câmarapoligonal e corredor curto, constituído por apenas dois pequenos esteios decada lado, foi recentemente escavada (anta 1 do Val da Laje, Tomar).Identificaram-se dois horizontes arqueológicos: a camada C, que correspondeà construção do monumento, forneceu uma associação constituída portrapézios, pequenos machados totalmente polidos em grauvaque, de secçãocircular (de evidente arcaísmo) e cerâmica lisa (Oosterbeek, 1994, p. 139).Trata-se, pois, de um sepulcro que, tanto pela arquitectura, como pelo espólioda sua ocupação mais antiga, não destoa da Anta 1 do Poço da Gateira,justificando-se plenamente a sua inserção no Neolítico Médio. A camada Bda mesma sepultura, associada a uma complexificação arquitectónica,correlacionada com a dos rituais funerários, inclui pontas de seta de basetriangular, côncava e bicôncava, de sílex; lâminas e lamelas retocadas, nalgunscasos com "lustre de cereal"; machados e enxós de anfiboloxisto; contas demineral verde; e placas de xisto, num dos casos com duas perfuraçõesoculadas. Trata-se, pois, de espólio característico do Neolítico Final ou mesmoda transição para o Calcolítico, situável em finais do IV milénio a. C.

Também na Beira Interior, recentes desenvolvimentos da investigaçãopermitiram caracterizar mais detalhadamente as arquitecturas dolménicasde xisto, bem como a respectiva evolução, de evidente significado cronológico.Uma das conclusões mais evidentes é a de que a arquitectura dolménica éindependente da natureza da matéria-prima disponível: com efeito, se osmonólitos de xisto ou de grauvaque – os disponíveis nas vastas extensõescobertas pelo Complexo Xisto-Grauváquico ante-Ordovícico – não permitiama construção de grandes estruturas, como as conhecidas no Alentejo, já a suatipologia, nalguns casos, é idêntica à destas últimas. Assim, estãodocumentadas antas de corredor longo e câmaras poligonais, embora depequena altura e, por vezes, de muito pequenas dimensões, a ponto de osrespectivos corredores só muito dificilmente poderem possuir utilidade, visto,nalguns casos, ser impossível a penetração na câmara através deles. A suapresença respeitou os cânones então em vigor, possuindo significado culturale simbólico, cujas incidências cronológicas importa sublinhar.

Um dos aspectos mais relevantes destes pequenos monumentos do sul daBeira Interior (região do Tejo Internacional) – independentemente da sua

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tipologia arquitectónica – é a constante presença de blocos de quartzo leitoso,que revestem as mamoas, tornando-as deliberadamente visíveis, facto que,aliás, favorece a respectiva identificação no terreno.

Por outro lado, observaram-se concentrações destes monumentos de xisto,independentemente da sua arquitectura, constituindo verdadeiros núcleosmegalíticos, subordinados às características geomorfológicas do terreno. Éo caso de duas plataformas na região de Rosmaninhal, Idanha-a-Nova (Coutoda Espanhola e do Amieiro), nas quais se identificaram, em cada uma, cercade uma dezena de monumentos, afastados no máximo de algumas centenasde metros. Sem dúvida que este modo de implantação reflectirá também otipo de povoamento vigente: pequenos núcleos, pouco importantes, dispersospor territórios vastos, os quais actualmente são sobretudo evidenciados pelosgrandes dormentes de mós manuais, de grauvaque, que ali abundam, asemelhança, aliás do verificado na região do Alentejo Central (Rocha, 2005).

No que respeita à evolução arquitectónica, está-se perante situação análogaà que fora anteriormente caracterizada no Alentejo: às antas mais antigas, deplanta elipsoidal fechada, contendo espólio arcaico, sucedem-se monumentosde câmara poligonal, corredores longos e espólio diversificado, incluindoplacas de xisto decoradas de tipo alentejano e pontas de seta de diversostipos. A esta última fase do megalitismo pertencem ainda monumentos decâmara sub-circular e provável cobertura em falsa cúpula (anta 3 do Amieiro,Rosmaninhal, Idanha-a-Nova). Esta fase é coeva da construção das tholoi, jáno decurso do Calcolítico, que não ultrapassaram a linha do Tejo para norte,à excepção da faixa ocidental da Estremadura.

A fase mais antiga do megalitismo regional encontra-se corporizada pelaAnta 6 do Couto da Espanhola: trata-se de sepulcro fechado, de planta elipsoidal,com várias fases de utilização (Cardoso, Caninas & Henriques, 1997): a estacorresponde um machado de secção espessa, apenas bem polido no gume,acompanhado de lamelas de sílex e de dois geométricos (trapézio de base recta ecrescente); à fase mais tardia, pertence um machado e uma enxó e ocorre pelaprimeira vez a cerâmica lisa (taças em calote e um vaso de colo estrangulado). Éprovável que a ausência de cerâmica na fase mais antiga deste monumento se devaa prescrições de carácter ritual: tal situação foi já referida para o Neolítico Médioda Estremadura (gruta do Lugar do Canto, Alcanede), também com paralelos nosmonumentos dolménicos mais antigos da bacia do Alto Mondego (Beira Alta).

A fase apogeu do megalitismo regional encontra-se representada pela Anta 2 doCouto da Espanhola, bem como pela Anta do Cabeço da Forca, esta última juntoda própria povoação de Rosmaninhal: trata-se de monumentos com câmarapoligonal ou curvilínea, de pequena altura e corredor longo, estreito e ainda mais

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baixo do que a câmara, devido às limitações impostas pelos pequenos elementosde xisto ou de grauvaque utilizados. Tal como a arquitectura, também o espólio écompatível com a fase de apogeu do megalitismo alentejano: ocorrem pontas deseta de tipologia variada e cuidado acabamento bifacial, de sílex, machados depedra polida (que contudo não se diferenciam dos da fase anterior), placas de xistodecoradas e cerâmica lisa, com destaque para a presença de taça carenada,característica do Neolítico Final da Estremadura.

Deste modo, à fase mais antiga poder-se-ia atribuir cronologia de meados do Vmilénio a. C., enquanto que a fase de apogeu se verificaria cerca de mil anos depois,ou seja, a partir de meados do IV milénio a. C. e até meados do milénio seguinte,provavelmente já representada por monumentos de falsa cúpula, como é o caso daAnta 3 de Amieiro, Rosmaninhal, Idanha-a-Nova (Cardoso, Caninas & Henriques,2003), a qual seria equivalente da construção das tholoi no sul do país e naEstremadura, já do pleno Calcolítico. A ser assim, trata-se de solução arquitectónicajá calcolítica – evidenciando, uma vez mais a continuidade, em detrimento deruptura – pela primeira vez documentada no interior do país a norte do Tejo, mascom paralelos em monumentos do outro lado da fronteira, na província deExtremadura (Badajoz e Cáceres) (Bueno Ramírez, 2000).

Esta sequência, embora clara, não deixa de ser matizada com a hipótese deterem coexistido diversos tipos de arquitecturas megalíticas, configurando opolimorfismo que V. O. Jorge tem vindo a defender para o megalitismo donorte do país, perfilhada para a evolução megalítica do Alentejo Central soba designação de "polimorfismo megalítico", como atrás se referiu. Com efeito,pequenas câmaras em forma de ferradura, abertas e desprovidas de corredor,foram encontradas intactas; a escavação da Anta 8 do Amieiro, Idanha-a-Nova,mostrou a presença de pontas de seta de base côncava, o que não deixa dúvidassobre a sua integração cultural em fase avançada do megalitismo (NeolíticoFinal); do mesmo modo, a Anta 5 do Amieiro, a pouca distância da anterior,revelou um espólio contendo uma grande lâmina de sílex, pontas de seta namesma rocha e uma grande placa de xisto de tipo alentejano, sendo destemodo compatível com o Neolítico Final, apesar do arcaísmo da sua planta.

A importância dos objectos de sílex, particularmente evidente nos espóliosmais avançados, só pode explicar-se através do comércio transregional destamatéria-prima, oriunda da Estremadura, ou da importação dos artefactos jámanufacturados: com efeito, as pontas de seta recolhidas na Anta 2 do Coutoda Espanhola, não se diferenciam, tanto pela matéria-prima, como pelatipologia, das suas homólogas de qualquer conjunto sepulcral da faixaocidental, como é o caso das Grutas da Senhora da Luz, Rio Maior.

No respeitante a práticas rituais, os monumentos megalíticos do sul da BeiraInterior revelam orientações semelhantes aos de Reguengos, e, como alguns

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deles, indícios de rituais de fogo: é o caso da anta 3 do Amieiro, de arquitecturaconsiderada em falsa cúpula, como já se disse e por isso atribuída aoCalcolítico, com um pequeno empedrado subcircular junto á cabeceira dacâmara, interpretada como lareira ritual. A presença de um átrio exteriornesta anta, mostra que o espaço envolvente teria também papel nas cerimóniasfúnebres, nas quais a comunidade participaria: o mesmo é frequente nosgrandes monumentos do Alentejo Central e Oriental.

Também a anta 8 do Amieiro, atrás referida, forneceu um fragmento de pontade seta de tipo evoluído, com base muito côncava, fracturada pelo fogo, emconsequência de fogo ritual nela ateado.

10.1.3 Beira Alta

Debruçemo-nos agora sobre o megalitismo da Beira Alta, na sequênciageográfica que tem vindo a ser descrita. A abundância, nesta região, de grandesmonumentos megalíticos era já conhecida desde os trabalhos de Leite deVasconcelos; porém, o estabelecimento de uma sequência tipológica dosmonumentos só foi apresentada na década de 1960 por Irisalva Moita (Moita,1966). Reportando-se aos monumentos de granito ou gneiss, que a Autoraadmite serem diferentes dos seus congéneres de xisto ou de grauvaque, demenores dimensões da mesma região, apresentou a seguinte sistematização:

1. "Antelas", sem corredor diferenciado, predominantes nos concelhosbeirões ocidentais (Viseu, Tondela, Vouzela, S. Pedro do Sul, Oliveirade Frades, Sever do Vouga e Aveiro);

2. Câmaras poligonais mais ou menos circulares, com entrada bemdefinida mas sem corredor, correspondente a grupo pouco numeroso;são exemplo a Pedra de Arca do Espírito Santo, Caramulo, Carapito eos pequenos dólmenes da região de Queiriga;

3. Câmaras poligonais com corredor diferenciado, variando o númerode esteios da câmara entre 5 e 9, com duas variantes:

a) com corredor desenvolvido, com exemplos em Antelas, Orca doTanque, Pedralta, Mamaltar, Lapa do Repilau, Lapa da Orca(Oliveira do Conde), Pedra da Orca (Juncais) e Casa da Orca daCunha Baixa. São monumentos de grandes dimensões, com chapéuespesso, cobrindo a câmara;

b) com corredor curto ou incipiente. São exemplo: Orca de Corgasda Matança, Orca de Forles, Orca de Moinhos de Rua, e outros. É

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a variante mais numerosa e considerada pela Autora a maiscaracterística da Beira Alta. Pode considerar-se uma formaintermédia entre o grande dólmen de câmara poligonal e corredorlongo e o pequeno dólmen desprovido de corredor, dominante noNoroeste peninsular.

Irisalva Moita assinala ainda neste estudo de 1966, a situação algocontraditória de os grandes monumentos apresentarem, por vezes, espóliode tipologia mais arcaizante que o presente nos monumentos de menoresdimensões, citando o caso do dólmen pintado de Antelas e a Orca da CunhaBaixa, sem no entanto deixar de referir que a acentuada pobreza dosmobiliários é característica dos pequenos monumentos sem corredor, das"antelas" e dos dólmenes de corredor curto ou incipiente. Espólios mais ricossão a excepção e, sempre, particulares aos grandes dólmenes (Orca do Tanque,Pedra da Orca de Queiriga e poucos mais).

A contradição assinalada por Irisalva Moita entre a arquitectura evoluída dacâmara do dólmen de Antelas, Oliveira de Frades e o arcaísmo do seu espólio(Castro, Ferreira & Viana, 1957) era inteiramente procedente: com efeito,apesar de se tratar de monumento de câmara regular, de planta sub-circular,constituída por numerosos esteios e corredor estreito e longo, com cerca dequatro metros de comprimento, o espólio era inteiramente constituído porlâminas não retocadas e geométricos. Uma datação de radiocarbono obtidapara as pinturas que adornam quase todas as faces internas dos esteios dacâmara do monumento, deu o resultado de 5070 ± 65 anos BP, a quecorresponde o intervalo de confiança para cerca de 95% de probabilidade, de3980-3705 a. C. (Ramírez & Fábregas Valcarce, 2002). Estes resultadosindicam que a construção do monumento se terá verificado entre o final doNeolítico Médio – aliás confirmado pela ausência de pontas de seta – e osprincípios do Neolítico Final, sendo, pois, compatível com o arcaísmo doespólio recolhido.

Um exemplo notável da riqueza dos espólios é fornecido pelo dólmen daLomba do Canho, Arganil, que forneceu notável conjunto de peças foliáceasbifaciais, de sílex, incluindo pontas de seta, alabardas e punhais, além delâminas de sílex, com evidentes afinidades estremenhas. Neste dólmenidentificou-se, ainda, um depósito ritual constituído por oito machados deanfibolito inacabados (Nunes, 1974), com paralelo em outros monumentosdolménicos, como a já referida anta do Cabeço da Forca, Rosmaninhal,Idanha-a-Nova, embora neste caso, como em muitos outros registados nosul do país (anta 2 de Santa Margarida e anta 3 de Gorginos, Reguengos deMonsaraz), os exemplares se encontrassem acabados (Gonçalves, 2001, 2004;Cardoso et al., 2003).

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Na Beira Alta, o momento inicial do megalitismo foi associado à construçãodo dólmen de Carapito 1 ("Horizonte" de Carapito/Pramelas); trata-se demonumento de grandes dimensões, de câmara poligonal sem corredor; algunsdos esteios encontram-se pintados, com destaque para os motivos astrais.Uma datação de radiocarbono de alta precisão, obtida por D. Cruz e R. Vilaçasobre madeira incarbonizada recolhida no chão primitivo da câmara, e porisso relacionada pelos referidos arqueólogos, com a primeira utilização domonumento, deu o resultado, para um intervalo de confiança de cerca de95%, de 4031-3813 anos a. C, cronologia que remete para etapa precoce domegalitismo regional, com espólio ainda de cunho arcaizante: observa-se aassociação de indústrias microlíticas a materiais arcaicos de pedra polida,sobretudo machados, e a ausência de pontas de seta, que só surgem nosmonumentos mais complexos, do Neolítico Final ("Horizonte" de Moinhosde Vento/Ameal), de J. C. da Senna-Martinez.Esta realidade enquadra-sebem na atrás descrita, do monumento de Antelas.

Ao horizonte mais antigo pertencem os dólmenes designados por Orca de Seixas eOrca de Castenairas, além de Carapito 1. As datas de radiocarbono obtidas naquelesdois monumentos – 4900 ± 40 anos BP e 5060 ± 50 anos BP correspondem osintervalos de, respectivamente, 3880-3400 e 4085-3665 a. C., para cerca de 95% deprobabilidade. trata-se, pois de construções reportáveis da primeira metade doIV milénio a finais do V milénio a. C., atribuíveis ao Neolítico Médio/inícios doNeolítico Final regional.

A segunda fase do Megalitismo regional foi datada no dólmen 1 dos Moinhos deVento e também em monumentos da fase anterior, então reutilizados, como Carapito1 e a Orca de Castenairas, correspondendo intervalos cronológicos, para cerca de95 % de probabilidade de, respectivamente 3765-3355; 3530-3145, e3635-3155 a. C. demonstrando a construção/reutilização ao longo da segundametade do IV milénio a. C. (Senna-Martinez, 1996), no decurso do Neolítico Finalregional.

Do ponto de vista artefactual, a primeira fase é caracterizada por geométricos(triângulos, crescentes e trapézios), lâminas sem retoque marginal ou comretoque circunscrito, enxós e machados com polimento extenso e contas deminerais verdes. Os monumentos dolménicos correspondentes possuemcâmara poligonal sem corredor (Carapito 1 e Ameal 1), corredor curto(Carapito 2), quase simbólico (Pramelas), como os encontrados no sul daBeira Interior, acima referidos, ou longo, como é o caso de Antelas.

A segunda fase está representada em diversos monumentos construídos nafase anterior: é o caso das notáveis peças recolhidas na Orca das Castenairas,especialmente alabardas de belo retoque bifacial e pontas de seta

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(desconhecidas na fase anterior), além de lâminas e de micrólitos, a que sejunta o extraordinário espólio do dólmen e de Moinhos de Vento, Arganil,com evidentes ligações aos espólios dos monumentos dolménicos da regiãoda Figueira da Foz, com destaque para as grandes alabardas de sílex e punhais,de fino trabalho bifacial.

Estes resultados ilustram, pois, a evolução das arquitecturas megalíticas edos respectivos espólios sem prejuízo de existirem, logo nas etapas maisprecoces do fenómeno megalítico, grandes monumentos de arquitecturascomplexas, com pinturas, como as de Antelas.

É na primeira fase do fenómeno megalítico regional, no decurso da segundametade do V milénio a. C./1.ª metade do IV milénio a. C., que se inscrevemos povoados abertos de Ameal – VI (já atrás referido), Murganho 2 e deQuinta Nova, correspondentes a implantações de curta duração, em sítiosabertos e que nada os faz destacar da paisagem envolvente. Situação curiosafoi identificada aquando da escavação da Orca do Folhadal, Nelas, onde seencontraram dois fundos de cabana de contorno sub-circular definidos pornumerosos buracos de poste, anteriores à construção do dólmen(Senna-Martinez & Ventura, 2000).

Embora evidenciando uma agricultura rudimentar, e portanto um grau defixação a um dado local ou território ainda incipiente, disperso e itinerante,com marcas discretas na paisagem, a existência de estruturas dearmazenamento no povoado do Ameal – VI, situável na segunda metade doIV milénio a. C., também usadas na torrefacção da bolota (silos), segundoJ. C. Senna-Martinez, já coeva da segunda fase do megalitismo regional, fazcrer que a economia destas comunidades estaria a evoluir rapidamente. Comefeito, tais estruturas, denunciando a acumulação de bens de consumodoméstico (neste caso, resultantes da exploração silvícola), permitem admitira passagem de uma territorialidade difusa a um outro padrão de ocupação/exploração do espaço, cujos contornos se encontrariam progressivamentemelhor delimitados, inerentes à sedentarização e portanto à apropriação dosrecursos existentes por parte das comunidades que os ocupavam. No entanto,por serem produtos exclusivamente de recolecção os armazenados, pareceque se está perante um tipo de economia agro-pastoril na qual a delimitaçãoterritorial era pouco importante.

No norte da Beira Alta, mercê de um programa sistemático de dataçõesdestinado a conhecer tanto a época de construção/utilização, como a deencerramento das sepulturas dolménicas da região, conduzido por DomingosJ. Cruz, foi possível afirmar que a construção dos grandes monumentos teriacessado em meados do IV milénio a. C., tendo, uns, conhecido um curtoperíodo de utilização, enquanto outros se mantiveram em uso até finais doreferido milénio, como aliás foi acima referido, altura em que foram

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definitivamente encerrados. Exemplo paradigmático desta realidade foiidentificado, recentemente, pelo autor citado, na Orca de Castenairas, VilaNova de Paiva, já mencionada (López Saéz & Cruz, 2002/2003). Trata-se deum dólmen construído em plataforma do rio Paiva, de corredor, cujaconstrução se situará nos inícios do IV milénio a. C. (4000-3700 a. C.),associando-se a última fase de ocupação a rituais de fogo, obstruindo-seentão a sua entrada e espaços adjacentes, em meados do IV milénio a. C.

Tal não significa, porém, que tais monumentos tenham perdido a sua cargasimbólica e funerária: embora os rituais possam ter mudado, os tumulicontinuaram, um pouco por todo o centro e norte do País, a serem objecto dereutilização tardia, como locais de inumações singulares: na própria regiãoda Beira Alta, é de voltar a referir o dólmen dos Moinhos de Vento, com umpequeno tumulus na periferia do original, que forneceu um espólio muitorico, situável na segunda metade do IV milénio a. C. Verifica-se, assim, ummomento de profundas mudanças ao nível dos rituais funerários na regiãoem apreço, com o abandono das sepulturas colectivas e a emergência dasestruturas de tendência individual, as quais se afirmarão no decurso do IIImilénio a. C., tanto nesta como em outras regiões, num fenómeno que expressao desinvestimento na construção dos grandes monumentos funerários,concomitante com o esforço colectivo doravante canalizado para a edificaçãode povoados fortificados.

Outro aspecto ligado aos rituais funerários é o da orientação da abertura dosdólmenes da região em causa: a quase totalidade dos monumentos da baciado Alto Mondego investigados (25), a que se somam os da bacia do AltoVouga (9) e do Alto Paiva (4), segundo o critério astronómico utilizado,orientam a sua abertura para o azimute do nascer do Sol nos meses de Outonoe Inverno. Apenas em dois casos da bacia do Alto Mondego, um do AltoPaiva e dois do Alto Vouga se afastam desta tendência, a qual, do ponto devista gráfico, evidencia uma variação de E a ESE (Senna-Martinez, LópezPlaza & Hoskin, 1997). Situação idêntica tinha já sido referida para osdólmenes alentejanos.

Mais para Oeste, na região convencionalmente designada centro-litoral,delimitada a norte pelo Douro, a Sul pelo Mondego, e a Este a Sudeste pelosmaciços de Montemuro e do Caramulo, recente estudo de conjunto permitiutraçar o quadro das características do megalitismo ali existente (Silva, 1997).Assim, reconheceram-se diversos tipos arquitectónicos, que não podem serdissociados de uma assinalável diacronia. A etapa mais antiga estariarepresentada por pequenas câmaras poligonais desprovidas de corredor(conhecidas na bacia do Arda), com espólios constituídos por geométricos,lâminas e lamelas, de onde estão ausentes as pontas de seta e onde os artefactosde pedra polida só surgem esporadicamente; a cerâmica, tal como o verificado

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na fase mais antiga do megalitismo de outras regiões da Beira, parece nãofazer parte das oferendas rituais. Mais tarde, observa-se a generalização dasconstruções megalíticas; a par de grandes sepulturas poligonais simples, porvezes fechadas, assiste-se à emergência de dólmenes com corredor. Surgementão, pela primeira vez as pontas de seta, uma maior frequência de artefactosde pedra polida, acompanhada da cerâmica, que aumenta muitosignificativamente a sua presença (Silva, 1997). Alguns dólmenes sãodecorados, como é o caso da mamoa 2 de Chão Redondo, Sever do Vouga.

10.1.4 Douro Litoral, Minho e Trás-os-Montes

Nesta vasta área geográfica avulta a vasta necrópole dolménica da serra daAboboreira, maciço granítico de topo aplanado que se desenvolve pelosconcelhos de Amarante, Baião e Marco de Canavezes, onde V. Oliveira Jorgedirigiu um vasto programa de pesquisas, entre finais da década de 1970 einícios da década de 1990. Em 1990, dos 37 monumentos conhecidos apenasna serra da Aboboreira, 33 tinham já sido escavados, o que permitiu oestabelecimento de uma tipologia, e, desde logo, considerar como mais antigasas antas sem corredor, as quais, aliás se encontram em esmagadora maioria(Jorge, 1990 a). Já nessa época o autor citado admitia que, "com o correr dotempo, se tenha verificado a tendência para um ou outro monumento aumentarde volume, tornando-se mais imponente no espaço (...). O que não há dúvidaé que tal tendência, a ter-se verificado, não acabou com as pequenasconstruções (...); quando muito, pode ter promovido o seu polimorfismo"(p. 206). Compreendem-se ao tempo as dificuldades sentidas em ordenar deforma coerente e cronológica a construção dos megálitos da serra daAboboreira. Na verdade, a escassez de espólios arqueológicos, por um lado,que dificultavam e identificação de diferenças artefactuais indubitáveis e asua seriação cronológico-cultural e, por outro, as fortes limitações de muitasdas cerca de meia centena de datações absolutas obtidas sobre carvões, quenão se podiam associar, na maioria dos casos, à fase de construção ou daprimitiva utilização dos monumentos, tornavam tal objectivo problemático.

S. Oliveira Jorge sintetizou, recentemente, a evolução observada, com base,sobretudo, nas arquitecturas e datas radiocarbónicas obtidas (Jorge, 2000):assim, no decurso da segunda metade do V milénio a. C., construíram-se ali,primeiramente, dólmenes de câmaras fechadas, passando a monumentos decâmaras abertas, com ou sem corredor, ao longo do IV milénio a. C., sobretudona sua primeira metade, por vezes de grandes dimensões (Chã de Parada 1, oúnico megálito com corredor identificado). Por fim, já no final do IV/iníciosdo III milénio a. C., edificaram-se pequenos dólmenes em torno dos maiores

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e deles parcialmente sincrónicos. Esta evolução não pressupõe, naturalmente,uma substituição linear, de tipo evolucionista, dos dólmenes de arquitecturamais simples pelos mais complexos, no que está de acordo com V. OliveiraJorge. Este último, de qualquer modo, conquanto defenda a realidade polimór-fica do megalitismo da Aboboreira – citando como exemplo o caso da mamoascontendo dolmenes e outras apenas fossas (Chã de Santinhos), admite que oúnico monumento com corredor seja tardio, na sequência megalítica regional.

Domingos Cruz (Cruz, 1992) apresentou, de forma sistematizada, a sequênciaconstrutiva que se teria observado na Aboboreira.

Fase inicial

Sub-fase A (4450-3700 a. C.) – representada por dólmenes simples, decâmara poligonal, provavelmente fechada, com tumuli em terra dedimensões medianas (12 a 15 metros), superficialmente protegidos por uma"couraça" de pedras, implantados em núcleos ou isoladamente,destacando-se na paisagem e ainda por monumentos de outro tipo,correspondentes a simples fossas abertas no saibro sob tumulus. O espólioé pobre, de tipologia arcaizante, destacando-se os micrólitos, trapezoidaise crescentes, lâminas e lamelas de sílex, machados e enxós, além de escassosobjectos de adorno, como as contas de xisto e de variscite. Ausência depontas de seta. Exemplos (na maioria dos casos com datações deradiocarbono publicadas, susceptíveis de serem associadas à época deconstrução dos monumentos): mamoas 2 e 3 de Outeiro de Gregos, 4 deChã de Parada, 1 de Chã de Santinhos, 2 de Meninas do Crasto, Monte daOlheira, Mina do Simão, etc.

Sub-fase B (3900-3600 a. C.) – nos inícios do IV milénio a. C. ter-se-ãoconstruído monumentos mais desenvolvidos, mas tecnicamente semelhantesao do período anterior. Traduzem uma evolução no sentido de aumento dasdimensões, quer da câmara, de planta poligonal alongada e aberta, quer damamoa, que pode ultrapassar 20 metros de diâmetro. Esta tendência para amonumentalização está de acordo com as características dos sítios deimplantação, por vezes sobrepondo-se aos monumentos já existentes,eventualmente com maior enriquecimento simbólico, com pinturas egravuras em alguns deles. Quanto ao espólio, não se observam diferençassignificativas face ao dos monumentos da fase anterior, sendo constituídoessencialmente por micrólitos, objectos de pedra polida e de adorno.Exemplos: entre outros, a mamoa 3 de Outeiro de Ante e a mamoa 3 deChã de Parada.

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Fase média (3600-3100 a. C.)

Esta fase encontra-se representada pelo dólmen 1 de Chã de Parada, o qualfoi situado também pelos autores supracitados como correspondendo a umaetapa posterior à dos dólmenes da fase antecedente, dos quais difere, nãosó por possuir corredor, mas também pela maior monumentalidade, emboraa câmara, de planta poligonal, seja tecnicamente semelhante à daqueles,ainda que de maiores dimensões. A maior monumentalidade, a existênciade estruturas exteriores, e ainda o facto de alguns esteios se encontrarempintados, faz crer que a complexificação arquitectónica se relaciona com ados rituais correspondentes. O espólio continua a ser constituído por peçasarcaizantes características da fase anterior – micrólitos (trapézios etriângulos), contas de colar, etc. – associadas, pela primeira vez, a pontasde seta, de fino acabamento. A construção deste dólmen deve ter-severificado entre 3940-3040 a. C., cruzando os resultados das datas deradiocarbono disponíveis, correspondentes a todo o IV milénio a. C. (Cruz,1995).

Fase final (3200-2700 a. C.)

Esta última fase do megalitismo da serra da Aboboreira, corresponde àtransição do Neolítico Final para o Calcolítico convencionais. Encontra-serepresentada por pequenos monumentos situados na proximidade de outros,mais antigos.

A derradeira etapa das manifestações megalíticas da Aboboreira – cujaépoca de apogeu se circunscreve a um curto período de cerca de 500 anos,entre finais do V e meados do IV milénio a. C. – reporta-se já ao Calcolíticoe à Idade do Bronze: trata-se de estruturas pétreas que dificilmente sepoderão considerar ainda "megalíticas", correspondentes a sepulcrospequenos e pouco evidentes no terreno.

Depreende-se que Domingos Cruz opta pela alternativa de fazer correspondera cada fase um tipo arquitectónico, a par de uma associação artefactual delecaracterística, opção que se encontra consubstanciada no seguinte comentário,relativo à fase final da sequência megalítica por si proposta:

É certo que os elementos disponíveis para a definição clara da suacronologia não são numerosos, mas também é certo que nenhum dosmonumentos que, hipoteticamente, colocamos neste período, forneceuinformação suficiente que permita considerar a sua contemporaneidadecom as construções dolménicas anteriores e a defesa de uma perspectivapolimórfica da arquitectura dolménica da região (p. 98).

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A visão que poderá ser retida da necrópole da Aboboreira é a seguinte: umcerto polimorfismo, patente sobretudo na sua fase inicial (no que DomingosCruz e V. Oliveira Jorge concordam), aceitando a existência de evoluçãoarquitectónica no sentido da crescente monumentalidade e complexidade,no decurso do IV milénio a. C., ideia que, de facto, acabou por ser partilhadade modo explícito por V. Oliveira Jorge (Jorge, 1990 b): "Il est possible que,à un certain moment, des dolmens de type nouveau se soient ajoutés auxpetites chambres "traditionelles" dans les nécropoles déjà existentes (...)" (p.51). Tais dólmenes teriam corredores e seriam de maiores dimensões,implantando-se em locais dominantes numa dada necrópole, estabelecendo-seassim uma espécie de hierarquia topográfica.

A notável necrópole dolménica polinucleada da serra da Aboboreira temparalelos na região minhota, conquanto longe de serem tão bem conhecidos:é o caso dos conjuntos de Monte Mozinho, Penafiel; Monte do Borrelho,Vila Verde; e Britelo, Ponte da Barca, todos com mais de 30 monumentos; odos planaltos de Vila Chã, Esposente e Mourela, Montalegre, com cerca de20 monumentos inventariados, além das necrópoles do planalto de Lameira,Fafe e Celorico de Basto, com cerca de 40 monumentos megalíticos e, enfima do planalto de Castro Laboreiro, Melgaço, de que alguns dos notáveismonumentos serão adiante referidos, que inclui mais de 80 ocorrências(Bettencourt, 2004).

Em certos domínios de Trás-os-Montes, apesar da evidente rarefacção demanifestações megalíticas na região, algumas merecem também referência(Sanches, 1994, 1997). A respectiva distribuição geográfica geral foi jáapresentada (Jorge, 1990 b). Verifica-se que dominam dólmenes de câmarasimples e de pequenas dimensões, enquanto, noutras regiões, já se construíamdólmenes de corredor, cujos exemplares mais antigos parecem ser de factoos alentejanos e alguns da Beira Alta. Conhecem-se, no entanto, monumentosde grandes dimensões e de tipologia "clássica", como é o caso do grandedólmen de Fonte Coberta (Alijó), constituído por uma câmara poligonal desete esteios, que suportam a lage de cobertura (chapéu) e por um corredorcurto, definido de cada lado por um longo esteio, mais baixo que os de câmara,como é habitual. Embora seja Monumento Nacional e tenha sido objecto depublicação em finais do século XIX, sendo citado frequentemente desde entãona bibliografia arqueológica, o monumento ainda não se encontravatotalmente explorado. Com efeito, uma recente intervenção, conducente àsua merecida valorização, proporcionou a recolha de numeroso espólio lítico,integrando micrólitos geométricos diversos e pontas de seta de base triangular,inscrevendo a utilização do monumento até finais do IV milénio a. C., nodecurso do Neolítico Final.

De destacar a presença, neste megálito, de alguns esteios pintados einsculturados com "fossettes" ou gravuras lineares. Infelizmente, os motivos

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pintados encontram-se incompletos ou em muito mau estado, sendo, porisso de difícil interpretação. Seja como for, a sua ocorrência, com paralelosnoutros dólmenes da região, como o dólmen de Madorras – igualmente umgrande dólmen de câmara poligonal alongada e corredor bem diferenciado(Gonçalves & Cruz, 1994) – faz estender à região transmontana, a par deoutras manifestações entretanto identificadas por Maria de Jesus Sanches, aarte megalítica, tão exuberantemente representada em monumentos da BeiraAlta. Os indicadores cronológicos disponíveis para o dólmen de Madorrassituam a sua construção, para um intervalo de confiança de cerca de 95 %,entre 4229-3984 a. C., com base num fragmento de tronco carbonizadorecolhido entre as lajes de contraforte, ali colocado aquando da construçãodo monumento. O encerramento definitivo do monumento ter-se-á verificadocom base em data obtida de amostra recolhida no átrio, entre 3300-2917 a. C.

A mamoa 3 de Pena Mosqueira, Mogadouro (Sanches, 1997; Cruz, 1995), éoutro sepulcro transmontano sob tumulus, mas não megalítico. Com efeito,a estrutura propriamente dita era constituída por um revestimento duplo depedras, interior e exterior, contendo na sua parte central, ao nível do substrato,um enterramento simples, sublinhado no terreno por uma mancha de ocre.Uma datação correspondente a carvões recolhidos nas terras que cobriam,na parte central, a sepultura – eventualmente correspondentes a uma lareiraritual pós-inumatória – indicou o intervalo, para cerca de 95 % de confiança,de 3906-3633 a. C., que, em parte, coincide com o da construção do dólmenanterior; estar-se-ia, pois, nas mesmas condições identificadas para a regiãode Aboboreira: a construção coeva de sepulcros sob tumulus de vários tipos,megalíticos e não megalíticos. Este sepulcro ilustra um tipo dominante emTrás-os-Montes, representado por dezenas de pequenos a médios tumuli, emgeral não megalíticos, contendo no seu interior sepulturas simples ouestruturas centrais em fossa (já observadas na serra da Aboboreira), decronologia igualmente neolítica (Neolítico Médio e Neolítico Final),corporizando uma assinalável diversidade das arquitecturas tumulares daépoca (Cruz, 1995).

No Douro Litoral, devem referir-se alguns grandes dólmenes evoluídos, decâmara e corredor não diferenciados, do tipo próximo das "galerias cobertas",com paralelos no Minho e também na Estremadura, como o dólmen da Portelaou "Fornos dos Mouros", o qual possuiria decorações pintadas na face internados respectivos esteios, entretanto desaparecidas (Leisner, 1934, p. 33).

No Minho, assiste-se, especialmente na faixa litoral, à construção de dólmenesde assinaláveis dimensões, de câmara e corredor não diferenciados (galeriascobertas) como alguns da região de Lisboa adiante mencionados (MonteAbraão e Estria, ambos em Sintra): são exemplos os dólmenes da Eireira ede S. Romão de Neiva, ambos no concelho de Viana do Castelo; e o de

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Barrosa, Caminha, correspondentes a monumentos isolados, quepredominam, na região minhota. A época tardia de edificação destesmonumentos tem sido admitida por diversos autores (Jorge, 1995, 1997).Alguns destes dólmenes de planta evoluída apresentam-se decorados, o queconstitui um facto só recentemente identificado; nalguns casos, a pinturaassocia-se à gravura, no mesmo suporte, situação observada no dólmen daEireira (Silva, 1994), com destaque para um grande antropomorfo gravado,o maior reconhecido em dólmenes portugueses (Jorge, 1995). Mas opolimorfismo – falta saber se estritamente sincrónico ou diacrónico – tambémse evidencia nesta região. É o caso das pequenas estruturas fechadas como aantela da Portelagem, Esposende e a mamoa 3 do Rapido, também naqueleconcelho.

O conhecimento do megalitismo na região raiana do Alto Minho conheceu, nadécada de 1990, um significativo avanço, com o início de um programa dedicadoao notável conjunto do planalto de Castro Laboreiro. Trata-se de vasta zona, abertae pouco acidentada, coberta de uma vegetação rasteira proprícia à identificaçãodeste tipo de estruturas, cujo número ascende a mais de cem. A investigaçãocentrou-se no conjunto do Alto da Portela de Pau, onde se localizaram dezmonumentos, dos quais se publicaram as escavações de apenas três. Destes, doiscorrespondiam a estruturas fechadas, não megalíticas, sob tumuli baixos (mamoas3 e 6); uma delas (mamoa 3) situada na periferia da mamoa 2, correspondente aum dólmen de câmara poligonal aberta, desprovido de corredor. As datações deradiocarbono obtidas para carvões recolhidos junto à entrada, datando a fase finalde utilização do monumento, e antes do seu definitivo encerramento, para umintervalo de confiança de cerca de 95% são as seguintes: 3970-3790 a. C.;3980-3810 a. C.; e 4350-4160 a. C.); tais datas indicam que a construção destemonumento, desprovido de corredor, mas repleto de esteios decorados (Baptista,1997; Jorge et al., 1997), se terá efectuado na segunda metade do V milénio a. C.Idêntica conclusão é extensiva à pequena mamoa não megalítica (mamoa 3), cujorecinto interno, sob tumulus, era apenas definido por uma coroa circular (anelcentral) de pequenos blocos, podendo mesmo não ter carácter funerário, embora ahipótese de originalmente possuir uma cista central não seja irrazoável (Jorge,1997). As datações para carvões recolhidos sob a estrutura, datam a faseimeditamente anterior à sua construção; os resultados, também para um intervaloconfiança de cerca de 95 %, de 4220-4160 a. C.; 4220-3990 a. C.; e 4330-4080 a. C.apontam para a construção desta estrutura não megalítica também na segundametade do V milénio a. C. (Jorge & Mathías, 1996). Estar-se-ia, pois, exactamentena mesma situação revelada por alguns monumentos da fase mais antiga danecrópole da Aboboreira, como é o caso da Chã de Santinhos em que lado a lado"conviviam uma anta e uma fossa aberta no saibro (de carácter funerário?), ambascobertas com tumuli, como é o caso dos dois monumentos em causa.

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Outra mamoa (a 6), situada cerca de 100 m a leste da mamoa 3, corresponde aestrutura definida por anel lítico, sob tumulus.

Os escassos artefactos recolhidos provêm essencialmente de um quarto monumento(a mamoa 1), monumento com câmara alongada, desprovida de corredor, constituídapor sete esteios, a qual foi em época ulterior fechada por diversas lages. A data deradiocarbono disponível, indica que a sua construção se terá efectuado no últimoquartel do V milénio a. C., como os monumentos anteriores. Do espólio recuperado,destaca-se quatro micrólitos geométricos (três trapézios e um triângulo, de sílex).A ausência de oferendas em número significativo e intrinsecamente relevantes,incluindo cerâmicas, sugere a existência de prescrições rituais (Jorge et al., 1997).

De um modo geral, o megalitismo no norte e no centro de Portugal,corresponde às práticas funerárias de uma população ainda essencialmentepastoril, pouco sedentarizada; as primeiras manifestações desta realidade –que não poderá ser encarada de forma autónoma, mas antes enquadrada nocomplexo processo de transformação económica e social de que é uma dasexpressões mais evidentes – pode situar-se em meados do V milénio a. C.,como, aliás, no sul do actual território português. No entanto, esta realidadetem de ser articulada com o facto de existirem regiões do país, como em todoo leste transmontano, em que quase não se conhecem mamoas megalíticas(Jorge, 2000), tal como na Beira Transmontana, o que não se pode imputar àfalta de informação (Cruz, 1999). O final desta expressão funerária,verificou-se, como documenta o estudo da notável necrópole polinucleadada serra da Aboboreira, a única até ao presente integralmente escavada, jános alvores da Idade do Bronze regional, na primeira metade doII milénio a. C., época em que se constroem os derradeiros sepulcros,correspondendo a estruturas baixas, que de megalíticas já têm muito pouco.A crescente monumentalização da paisagem por megálitos, atinge a suaexpressão máxima em meados do IV milénio a. C., embora a existência degrandes monumentos acompanhe, em posição adjacente, a de outros,provavelmente coevos, de menores dimensões; trata-se de processo que V.O. Jorge designou de "necropolização", em que a presença de grandesdólmenes serviria de referencial que condicionou a construção de outrostúmulos, configurando um longo processo de "adição" que durou mais dedois milénios. Esta realidade induziu o reconhecimento implícito dopolimorfismo, muito embora este, no caso da Aboboreira, possa ser muitasvezes expresso por fossas sob tumuli cuja funcionalidade funerária não éevidente; de qualquer modo, o polimorfismo megalítico ali evidenciado, "nãocontrariava, obviamente, a diacronia global da necrópole, mas tornava poucorazoável uma perspectiva excessivamente evolucionista que se quisesse terdela (...). Em cada fase poderiam ter funcionado "monumentos megalíticos"

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e "não megalíticos" (numa perspectiva restritiva desta designação) associadosa práticas funerárias/cultuais complementares" (Jorge, 2003).

Por outro lado, a existência, especialmente nos monumentos de maiortamanho e complexidade, de átrios, no exterior dos corredores de acesso, fazcrer na existência de cerimónias públicas, nas quais toda a comunidadeparticiparia, a começar pela própria construção dos monumentos, funcionandocomo pólos aglutinadores identitários de grupos ainda socialmente muitofluídos (Jorge, 1989). Este autor admite, porém, que em tais monumentosnem todos seriam neles tumulados, o que configura um processo dediferenciação social, com a emergência de linhagens detentoras de prestígioe, por conseguinte, da autoridade; trata-se de assunto já anteriormenteabordado a propósito dos grandes monumentos alentejanos sobre o qual seconsidera não existirem argumentos decisivos em abono de tal hipótese, bempelo contrário. Com efeito, os dados existentes para a Estremadura e AltoAlentejo mostram, ao contrário, que seriam destinados a receberem todos oselementos das respectivas comunidades que os edificaram. Também aqui aquestão demográfica não poderá ser ignorada: para Domingos Cruz (Cruz,2000), o grande número de monumentos que se observam em certas zonasdo centro interior de Portugal, não traduzirá elevada densidade populacional;a mesma comunidade poderia renovar os laços identitários e de união à terra,que explorava através de um sistema agro-pastoril cada vez mais aperfeiçoado,com a edificação, de forma recorrente, de novos túmulos, os quaisfuncionariam, repita-se, como pólos agregadores do todo social, que se tornavaparticularmente importante em sociedades não hierarquizadas e de pequenaescala como estas. A ter sido de facto assim, existiriam de facto diferençasna organização social e demografia destas comunidades, face à revelada pelosdólmenes alentejanos, frequentemente de dimensões muito superiores, semque se possa invocar as condicionantes de matéria-prima, visto que em boaparte do centro e norte dominam também as rochas graníticas.

Tendo presente o que atrás foi dito, a tendência para a diferenciação socialter-se-ia iniciado nos vastos espaços alto-alentejanos, os quais, certamentedevido a condições naturais propícias, seriam muito mais povoados, comorevelam as centenas de tumulações identificadas nos maiores dólmenes, quenão têm paralelo no centro e norte do país.

Seja como for, a monumentalização da paisagem, feita embora a escalasdistintas, tanto numa como noutra daquelas regiões, desde a segunda metadedo V milénio e continuada em todo o IV milénio a. C., reflectirá o crescentepapel das elites, que assim encontrariam um meio privilegiado para seauto-promoverem; como bem assinalou V. Oliveira Jorge (Jorge, 2000), nãoé no auge do poder que este mais recorre á arquitectura; as cenografiasimponentes aparecem quando aquele tem necessidade de se legitimar.Podemos, deste modo, admitir que, chegados a meados do IV milénio a. C.

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e ao Neolítico Final, existiria, de forma generalizada, tanto no norte como nosul, uma evidente tendência para a desigualdade social, a qual, por seu turno,encontrou nos excedentes de produção então gerados – muito difíceis deadmitir antes do Neolítico Final – a possibilidade de estes serem entãocanalizados para a afirmação do poder das elites em ascensão (Soares, 1996),o que obviamente não é incompatível com a própria afirmação do prestígio,estendido a toda a comunidade responsável pela construção de tais estruturas,por vezes imponentes.

Estar-se-ia, como foi referido por V. S. Gonçalves, perante situação segundoa qual o megalitismo seria a expressão própria de grupos humanos em idênticoestádio de desenvolvimento – se quisermos, ainda pouco sedentarizados namaior parte do território português, exceptuando as zonas de maior fertilidadee aptidão agro-pecuária, como a Estremadura e o Alto Alentejo – devendoser encarado como fenómeno estrutural generalizado das sociedadescamponesas.

10.1.5 Litoral centro: a região de Lisboa e a da Figueira da Foz

A investigação das antas dos arredores de Lisboa iniciou-se na segundametade do século XIX, mercê dos trabalhos pioneiros de Carlos Ribeiro. Osprimeiros monumentos publicados integram núcleo funerário, ocupando umaplataforma dominante, constituída por calcários mesosóicos e margas; trata-sedas antas de Monte-Abraão, de Pedra dos Mouros e de Estria. O monumentode maiores dimensões é a Pedra dos Mouros, do qual avulta um grandeortóstato inclinado, correspondente a uma bancada de calcário aproveitadadirectamente da pedreira, existente na adjacência imediata. Os monumentosde Monte-Abraão e de Estria, possuem câmara e galeria não diferenciadas,do tipo "galeria coberta", como alguns do litoral minhoto (Ribeiro, 1880). Aestes três monumentos pode-se juntar, embora situado mais longe, a galeriacoberta de Carenque, que aproveitou uma bancada de calcários para oassentamento da laje de cobertura e o monumento do Carrascal – Agualva,correspondente a câmara megalítica de grandes esteios, de planta poligonale corredor.

Outros monumentos do mesmo tipo, sempre construídos de monólitos decalcário se poderiam referir. No concelho de Sintra, destaca-se o dólmen dasPedras Altas, ou da Várzea, igualmente construído de grandes lajes de calcário,correspondentes a bancadas retiradas tal e qual da pedreira, a cuja câmara,de planta poligonal, se acederia por corredor, do qual nenhum vestígio seconservou (Zbyszewski et al. 1977).

Fig. 139

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No concelho de Loures, é de destacar o grande dólmen do Alto da Toupeira,o qual, como o de Penedo, perto de Verdelha dos Ruivos, poderia possuiruma câmara e corredor indiferenciados (galeria coberta); a este tipo pertencetambém o da Arruda, do concelho de Arruda dos Vinhos (Ferreira, 1959Leisner, 1965). Os dólmenes de Casainhos e de Carcavelos, ambos noconcelho de Loures, possuem também câmaras poligonais e corredor. Osespólios mais antigos neles encontrados são reportáveis ao Neolítico Final,embora todos eles fossem reutilizados no Calcolítico: é o que indica, entreoutras evidências, as pontas de seta pedunculadas ou de base triangular, osalfinetes de osso de cabeça postiça canelada ou lisa, as taças lisas carenadas,bem como as grandes contas de mineral verde (variscite ?) que sãocaracterísticas dessa etapa crono-cultural, bem como as grandes alabardasde sílex. A este conjunto artefactual, poderá acrescentar-se, no campo dosobjectos rituais, as plaquinhas de osso polido, representando o ídoloantropomórfico almeriense e as placas de xisto decoradas, excepcionalmenteacompanhadas de báculos, como é o caso do exemplar recolhido na galeriacoberta da Estria. Uma característica construtiva particular deste conjuntode monumentos megalíticos, os quais, com algumas excepções (cistamegalítica de Trigaches, Odivelas) se repartem entre os dólmenes de câmarapoligonal e corredor e os dólmenes de câmara e corredor indiferenciados, é ade incorporarem secções escavadas no substrato geológico, acompanhandoos tradicionais ortóstatos em especial no corredor. Trata-se, em suma, dedólmenes tardios na sequência arquitectónica que se tem vindo a observar,de técnica mista, associando simultâneamente o uso de ortóstatos e o recursoà escavação do subsolo, à maneira das grutas artificiais anteriormentereferidas, das quais se poderão considerar globalmente sincrónicos (segundametade do IV milénio a. C. e inícios do milénio seguinte).

Caso particular é o representado pelo monumento megalítico do MonteServes, Vila Franca de Xira, recentemente publicado (North, Boaventura &Cardoso, 2005). Trata-se de um pequeno recinto de planta sub-trapezoidalaberta, com um único enterramento, desprovido de espólio. Nestas condições,tanto podia corresponder a estrutura do início como do final do megalitismo;no entanto, tendo presente o carácter cistóide destas últimas, correspondendoa sepulturas sub-rectangulares fechadas, é mais provável que estejamosperante um túmulo mais antigo, aliás em provável articulação com a ocupaçãode carácter habitacional do povoado da Moita da Ladra, situado num morrobalsático a cerca de 1 km de distância (escavações ainda inéditas de J. L.Cardoso e de J. Caninas), onde se documentou ocupação do Neolítico Antigoevolucionado.

Tal como em numerosos dólmenes alentejanos do apogeu do fenómenomegalítico, também nalguns dos da região de Lisboa se recolheram restos dedezenas ou mesmo de centenas de indivíduos, o que mostra bem, por um

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lado a importância que, do ponto de vista simbólico detinham, no quadro deuma região fortemente povoada, a tal ponto que se poderá admitir a hipótesede, não só terem servido por muitas centenas de anos, mas também a váriascomunidades que, numa mesma época, partilhavam territórios adjacentes.

Na região da Figueira da Foz – serras das Alhadas e da Boa Viagem até aoCabo Mondego – em ambiente geológico de calcários mesozóicos muitosemelhante ao que caracteriza a região de Lisboa, António dos Santos Rochaexplorou, nos finais do século XIX, dezoito monumentos dolménicos,constituídos também por elementos calcários, dos quais apenas um subsisteactualmente (o dólmen das Carniçosas). Um desses monumentos seria umatholos (Cabecinha Grande), cuja arquitectura é idêntica à das existentes naBaixa Estremadura, adiante referidas, constituindo, nessa eventualidade, omais setentrional deste tipo de monumentos. Com efeito, e como já foi poroutrém referido (Guerra & Ferreira, 1968/1970), existe um forte parentescoentre estes conjunto megalítico com o encontrado nos arredores de Lisboa.Trata-se de megálitos com câmaras poligonais e corredores de comprimentovariável, definidos apenas por um esteio de cada lado, médios, sempre bemdiferenciados da câmara, ou longos, apresentando-se no prolongamento desta,como é o caso do dólmen da Capela de Santo Amaro, de planta muitosemelhante ao dólmen de Monte Abraão. As analogias das arquitecturas sãoreforçadas pelas características dos espólios: assim, as peças de sílex lascadosão muito semelhantes às da região de Lisboa, sendo de destacar a presença,tal como naquela, de alabardas: do dólmen de Cabecinha, que possui aparticularidade de apresentar o chão da câmara revestido de lajes – àsemelhança do observado no monumento de Marcela (Tavira), cujo chão dacâmara se encontrava recamado de pedras miúdas (Veiga, 1886, p. 259) –provém o maior exemplar conhecido em território português, actualmentecom 320 mm (Rocha, 1900, p. 202, Est. XXIII, Fig. 304). Ocorrem, tal comona baixa Estremadura, Algarve e Andaluzia, alfinetes de cabeça postiçacanelada, de osso, bem como ídolos antropomórficos recortados, de tipoalmeriense, não faltando a cerâmica carenada, típica do Neolítico Final daEstremadura, de que se recolheu exemplar no dólmen do Facho. Estasevidências reforçam a convicção de ter existido uma forte ligação culturalentre as duas regiões, no Neolítico Final, favorecidas pela sua posição litoral,através de navegação de cabotagem. Note-se ainda a ocorrência isolada deuma placa de xisto decorada, de tipo alentejano, sublinhando tais relaçõesmeridionais.

É de destacar a presença frequente de vestígios de fogos rituais no interiordos sepulcros, assinalada por Santos Rocha, mencionada anteriormente.

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10.1.6 Algarve

Outra área onde as manifestações megalíticas do Neolítico assumemcaracterísticas particulares é a região algarvia. Começando pela "serra", quese encontra mais exposta aos contactos com os habitantes neolíticosbaixo-alentejanos construtores de antas (que também ali se identificaram,ainda que em número insignificante face à riqueza do Alto Alentejo) devemmencionar-se as grandes antas, constituídas por enormes esteios de grauvaque,com câmara e corredor, de Masmorras, do Curral da Castelhana, de PedrasAltas (de câmara e corredor não diferenciados), e da Mesquita situadas noAlto Algarve oriental (concelhos de Alcoutim e de Tavira). No conjunto, aarquitectura evoluída dos monumentos e o seu assinalável tamanho, condizcom a tipologia do espólio neles recolhido (Gonçalves, 1989), constituídopor enxós e machados de pedra polida, lâminas e lamelas, pontas de seta(que se afiguram compatíveis, apesar de sua tipologia evoluída, com algunsgeométricos identificados), adornos de minerais verdes, cerâmicas lisas eplacas de xisto decoradas, que correspondem a uma penetração alentejanaevidente, a par de outros elementos votivos, como dois cristais de quartzohialino (recolhidos na anta das Pedras Altas, Tavira), a cujo significado jáanteriormente se fez referência.

Outro tipo de monumentos neolíticos ocorre junto ao litoral: trata-se deconstruções de pequeno tamanho, utilizando ortóstatos de calcário, como éo caso da sepultura da Pedra Escorregadia, Vila do Bispo, pequeno dólmende câmara poligonal e corredor curto (Gomes, 1994). Embora com espóliopouco característico, as três datas de radiocarbono indicam o Neolítico Final(o que está de acordo com a arquitectura do monumento) ou o início doCalcolítico. Para um intervalo de confiança de cerca de 95 %, a cronologiacorrespondente à fase mais antiga da ocupação do monumento indica osúltimos séculos do IV milénio a. C. e os inícios do milénio seguinte. Nooutro extremo do Algarve, importa referir a sepultura de Nora, Vila Real deSanto António, longa galeria baixa, com mais de oito metros de comprimento,com uma largura que pouco ultrapassava os 2 m (Veiga, 1886; Gonçalves,1997); a este monumento talvez se pudesse associar o seu vizinho de Marcela,que evoca a planta das tholoi calcolíticas. Com efeito, em Nora, embora seregistem artefactos característicos do Neolítico Final (placas de xisto, alfinetesde osso de cabeça postiça canelada), a sua ocorrência, como se sabe, não édele exclusiva e a recolha de pontas de seta de base côncava, algumas delasmuito evoluídas, bem como um notável artefacto de marfim (Veiga, 1886,Est. XIV), mostra que o monumento foi, pelo menos, ocupado no Calcolítico.A sepultura de Nora não tem paralelo arquitectónico conhecido, exceptuando-se algumas das sepulturas das necrópoles de Monchique, sobre as quaisimporta tecer algumas considerações.

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O complexo funerário de Monchique foi dado a conhecer através de sucessivaspublicações, sendo a mais completa a publicada nos finais dos trabalhos,pelos seus exploradores (Formosinho, Ferreira & Viana, 1953/1954). Emboraas origens desta vasta necrópole polinucleada, cujas sepulturas se concentramem zonas bem definidas (Palmeira, com dezasseis sepulturas, Eira Cavada,com três, Buço Preto ou Esgravatadoiro, com sete, Belle France, com três,etc.) deva remontar ao Neolítico Médio/Neolítico Final, a sua utilizaçãoprolongou-se ao Calcolítico, com um máximo no Neolítico Final, época aque se deve reportar a maioria das sepulturas.

Trata-se de cistas de planta sub-rectangular, largamente dominantes, ouelipsoidal, ou com um dos lados arredondado, sendo todas fechadas, talvezexceptuando apenas uma, a sepultura 7 do Buço Preto, munida de uma espéciede entrada, estreita e desviada, do lado oposto à cabeceira (Cardoso, 2001/2002, Fig. 7). Esta sepultura, até pelas dimensões, com 4,8 m de comprimento– trata-se de uma das maiores identificadas em Monchique – é a que maissemelhanças exibe com a sepultura de Nora, acima mencionada, aspecto,aliás, que foi na época das escavações devidamente registado por Abel Viana(Cardoso, 2001/2002, Documento n.º 19). O recobrimento era feito por tumuli,ao que parece essencialmente de pedras e terra, de planta circular, quepoderiam protegem uma ou mais caixas tumulares, como é o caso de três, donúcleo do Buço Preto ou Esgravatadoiro. Desconhece-se a razão para aexistência de tão peculiares monumentos, concentrados numa área geográficacircunscrita a um domínio de montanha de baixa altitude. Pode tratar-se deum caso em que as particularidades das tipologia construtiva e de certaspeças do espólio (por exemplo, a abundância de trapézios possuindo umaconcavidade junto à base menor), talvez imposta por uma certa peculiaridadeda ambiência geográfica, se tenha sobreposto à generalizada adopção doscânones em voga noutras regiões (Gonçalves, 1997).

A tipologia dos espólios remete a generalidade dos sepulcros para o NeolíticoFinal. Que alguns destes sepulcros foram ocupados (construídos ou simplesmentereutilizados?) durante o Calcolítico não há dúvida, pois num deles (Belle France 1),encontrou-se um machado plano de cobre envolvido num tecido de linho, que seráadiante referido com mais pormenor, pela raridade e interesse da descoberta.Ocorrem com frequência pontas de seta de base côncava e lâminas, retocadas ounão, e cerâmica lisa, para além de enxós, goivas e machados, por vezes aos pares,denotando sucessivas inumações como em sepultura da necrópole de Eira Cavada(Cardoso, 2001/2002, Documento 19, Fig. 6), elementos de adorno (contas de colar)e blocos de corante. As características do espólio mostra que estas populações nãoviveriam circunscritas sobre si próprias: a litologia das peças de pedra polida indicaque elas seriam obtidas, em boa parte, por troca; aliás, a simples hipótese de umacomunidade isolada naquela área circunscrita, mas de fácil acesso, seria absurda.

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Por outro lado, há a registar elementos da super-estrutura simbólica exógenos, delarga difusão supraregional, como as placas de xisto decoradas (um exemplarrecolhido no túmulo 7 do Buço Preto ou Esgravatadoiro, três no Rencovo),confirmando a época em que este notável conjunto sepulcral se teria constituído: oNeolítico Final ou o início do Calcolítico.

10.2 Megalitismo não funerário

10.2.1 Menires

Os rituais das sociedades neolíticas encontram-se corporizados por outrotipo de megálitos, estes de características não funerárias: são os menires, porvezes agrupados (cromeleques), implantados em zonas planas ou em pequenoscabeços e com distribuição por todo o território português, com especialincidência no Alentejo Central (distrito de Évora) e no Algarve Ocidental(concelhos de Lagoa e de Vila do Bispo), mas com evidente rarefacção anorte do Tejo. Menires e cromeleques poderiam constituir lugares de reuniãode populações de origem comum, normalmente dispersas por vastosterritórios, onde praticariam a agricultura e a pastorícia, ainda de marcadamobilidade. Importa, contudo, não omitir a ocorrência de menires, decronologia neolítica – não confundir com as estelas-menires calcolíticas,adiante estudadas – tanto no centro, como no norte de Portugal, alguns delesconhecidos de há muito, como é o caso do menir de Luzim, Penafiel (Aguiar& Santos Júnior, 1940). Convém não esquecer a referência a meniresminhotos, feita pelo pioneiro da arqueologia F. Martins Sarmento, os quais,na mesma região, se encontram acompanhados pelos menires fálicos de Marcoda Zarelha e de Pedra do Coelho, Esposende, em área particularmente ricade dólmenes (Bettencourt et al., 2004).

De facto, os sucessivos inventários das ocorrências conhecidas (incluindocromeleques) assinalam tal presença, se bem que sempre discreta, na regiãoa norte do Tejo (Zbyszewski et al., 1977; Vicente & Martins, 1979; Monteiro& Gomes, 1981).

A cronologia do início da construção destes monumentos, apareçam isoladosou em grupo, é ainda mal conhecida. Por se tratar de estruturas monolíticas,implantadas em geral em sítios desprovidos de estratigrafia vertical, queremeta inquestionavelmente para uma dada época a sua erecção, têm-sedesenvolvido teorias, nem sempre concordantes, a tal respeito. A associaçãoespacial de menires e cromeleques, como os investigados recentemente porManuel Calado no concelho de Évora, (cromeleque de Vale Maria do Meio),a cerâmicas decoradas do Neolítico Antigo evolucionado conduziram este

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arqueólogo a admitir que os menires em causa remontariam àquela época(Calado, 1997, 2005); mas tal conclusão carece de confirmação inequívoca,visto as ditas cerâmicas corresponderem a recolhas de superfície, que nadaprovam quanto à antiguidade dos menires; seria o mesmo que encontrar,num campo agrícola, um machado de pedra polida, junto aos muros romanosde uma villa, das muitas existentes no Alentejo, e concluir-se que aquelapeça seria contemporânea dos romanos que habitaram esta última. Idênticasreservas se poderiam apresentar para a antiguidade atribuída por alguns autoresaos monólitos conhecidos na notável região menírica do barlavento algarvio,com base em pressupostos do mesmo género. Num dos casos, o menir dePadrão (Vila do Bispo) encontrava-se a pouca distância de uma estrutura decombustão, cuja datação corresponde ao Neolítico Antigo, conotável comuma ocupação já anteriormente referida (Gomes, 1994): mas, como é óbvio,tal estrutura poderá ser muito mais antiga que o menir, nada indicando quese encontre funcionalmente associada a este. Já os critérios da estratigrafiavertical são mais importantes, na discussão desta questão: na Caramujeira,Lagoa, um dos menires encontrava-se, segundo M. V. Gomes, selado poruma camada arqueológica do Neolítico Final, conferindo-lhe um limitecronológico ante quem. Poderia, talvez com um outro, relacionar-se com aocupação do Neolítico Antigo Evolucionado ali caracterizada.

Recentes trabalhos conduzidos por David Calado Mendes em contextoshabitacionais com menires, também do barlavento algarvio, têmproporcionado elementos que, ainda por não se encontrarem suficientementepublicados, têm de ser encarados com as devidas reservas. Com efeito, dosdezassete povoados com menires que foram identificados por David Caladono barlavento algarvio, resultou que, nalguns desses locais, ocorriam apenasmateriais reportáveis, por critérios tipológicos, ao Neolítico Antigo. Umdesses locais era a Quinta da Queimada. A abertura do alvéolo do únicomenir que ali permanecia erecto, foi datada por OSL, obtendo-se o resultadode 7983-6203 a. C. (Calado, com. pess.).Esta datação é, deste modo, muitoanterior às datações obtidas para os primórdios do Neolítico Antigo na região(lareira de Padrão e povoado de Cabranosa, Vila do Bispo).

É o próprio D. Calado a considerar o resultado obtido compatível com oEpipaleolítico, época a que pertence um belo conjunto lítico ainda inédito, oqual, porém, em nossa opinião não é possível correlacionar seguramentecom a época da erecção do menir. Este monumento, que faz parte de umconjunto de menires de calcário, frequentemente decorados, que ocupam obarlavento algarvio, denunciaria a existência de uma comunidade sedeadana região de forma sedentária, anterior ao VI milénio a. C., contrariando,deste modo, a ideia usual de corresponderem as populações do Epipaleolíticoa pequenos grupos itinerantes com uma economia incipiente de caça erecolecção sazonal ao longo do litoral. Mas esta é apenas uma hipótese

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sugestiva, que deverá ser devidamente confirmada, até por se basear, porenquanto, em elementos muito discutíveis, incluindo a própria datação, obtidapor método ainda em fase experimental.

Tal não significa, bem entendido, que se elimine a possibilidade de existênciade menires no território português no Neolítico Antigo: por um lado, semdúvida que o conjunto do barlavento algarvio constitui unidade homogénea,expressa pela temática decorativa que o diferencia dos seus homólogos doAlgarve oriental e do Alto Alentejo; por outro, existem, ainda que pobres,algumas indicações da alta antiguidade de algumas manifestações meníricas:o pequeno monólito encontrado no povoado de Vale Pincel 1, Sines(escavações de C. Tavares da Silva e J. Soares), bem como a datação obtidapara carvões recolhidos no interior do alvéolo de implantação do grandemenir de Póvoa e Meadas, Castelo de Vide, 6022 ± 40 anos BP, a quecorresponde o intervalo calibrado para cerca de 95 % de probabilidade de5010-4810 a. C., remete a sua erecção para finais do Neolítico Antigo(Oliveira, 2000); porém, tais carvões poderiam ter resultado de um incêndio,ou de uma ocupação anterior do mesmo local.

Em abono da suposta antiguidade de alguns menires, podem também serinvocadas as eventuais remodelações ou reutilizações que se fizeram dosgrandes recintos megalíticos do Alto Alentejo Central, como o cromelequedos Almendres, de Vale de Maria do Meio e da Portela de Mogos, todos doconcelho de Évora: foram os primeiros monumentos públicos do ocidentepeninsular e, como tal, utilizados certamente durante centenas de anos, nodecurso dos quais sofreram reordenamentos, acrescentos ou reduções, e enfim,mutilações, antecedentes do seu definitivo abandono, já no Calcolítico. Istosem falar em reaproveitamentos de menires em dólmenes do Neolítico Final,que comprovam a anterioridade daqueles, embora se desconheça a dimensãotemporal de tal anterioridade: é o caso do menir reaproveitado na construçãodo já anteriormente referido monumento 1 de Alcalar, o único dólmen queintegra aquela notável necrópole, continuada pelo Calcolítico; e outros casosse poderiam registar.

Em conclusão: tanto no Algarve, como no Alentejo Central, é prematuroatribuir uma cronologia exclusiva do Neolítico Antigo a estes conjuntos, que,nalguns casos, forneceram também materiais de superfície do Neolítico Final.

Com base nos argumentos aduzidos, querer remontar a cronologia dofenómeno menírico ao Neolítico Antigo Evolucionado, é lícito apenas paraos pequenos bétilos (a aceitar tal designação), como os encontrados nopovoado de Vale Pincel I, Sines (Silva, 1989), que pertencem inquestionavel-mente a tal época. Nesse sentido concorre também a opinião de M. V. Gomes(Gomes, 1994, p. 339) que, ao referir-se aos menires do barlavento algarvio,declara:

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Julgamos que as primeiras formas de megalitismo se terão traduzido nosmenires, sobretudo em peças de pequenas dimensões como as de Areiasdas Almas, Caramujeira e Benagaia, encontradas em habitats,desconhecendo-se então sepulcros cuja construção tivesse caráctermarcadamente monumental.

O mesmo autor, com L. M. Cabrita, reafirmava a antiguidade dos pequenosmenires do barlavento algarvio, ao terem encontrado em Benagaia (Silves),um pequeno menir, e, em S. Rafael, um outro comparável; em ambas asáreas, foram encontrados materiais arqueológicos configurando povoadosabertos, atribuídos pelos autores ao Neolítico Médio (Gomes & Cabrita,1997). Deste modo, a erecção de menires não se poderá encarar como umfenómeno simples e uniforme e muito menos atribuir unicamente, como eratradicional, a sua existência, ao Neolítico Final, época que correspondeu,como atrás se referiu, à construção das grandes antas alentejanas, sem prejuízode alguns menires terem, de facto, sido construídos nessa altura. Embora asprovas arqueológicas directas para fixar a época da sua edificação, sejamainda escassas, merecem destaque os resultados recentemente obtidos noconjunto dos menires e estelas-menir do Lavajo (Alcoutim), sob direcção doautor (Cardoso et al., 2002). No primeiro conjunto explorado (Lavajo 1),identificaram-se três grandes menires de grauvaque; o maior e único intacto,de formato nitidamente fálico, apresenta, numa das faces, alinhamentos de"fossettes", escavadas ao longo de sulcos que percorrem longitudinalmenteo menir, para além de representações antropomórficas esquemáticas e decírculos, também observados noutro menir. A temática decorativa insere estesmonólitos no Neolítico Final, com numerosos paralelos em menires decoradosdo Alto Alentejo. Em cerro contíguo, do outro lado do "barranco", apenasseparado do primeiro núcleo megalítico por escassos 250 m, identificaram-seoutros três menires, estes de forma estelar, apenas afeiçoados por picotagem,cujo alvéolo de fundação foi identificado e escavado (núcleo de Lavajo 2).Trata-se de um rasgo aberto nos xistos paleozóicos, calçado por lascas degrauvaque de modo a assegurar a fixação dos menires. Ali se recolheramdiversos artefactos, depositados ritualmente aquando da erecção dosmonólitos, cuja tipologia indica o Neolítico Final: entre eles, destaca-se umabela placa de grauvaque lisa, com furo de suspensão e decoração limitada aum sulco periférico, com paralelos em monumentos dolménicos do apogeudo megalitismo alentejano. A ocorrência de pontas de seta, não deixa dúvidasquanto à inclusão do conjunto de Lavajo 2 no Neolítico Final ou já noCalcolítico. A presença de peças de sílex e de anfibolito, mostra que oabastecimento de tal matéria prima seria garantido pelo comérciotransregional, tanto com o interior baixo-alentejano (onde se conhecemanfibolitos na Zona de Ossa/Morena), como com o barrocal algarvio (ondese conhecem nódulos de sílex nos calcários jurássicos que percorremlongitudinalmente toda a província).

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O conjunto de menires do Lavajo, os primeiros a serem encontrados em todoo sotavento algarvio, constituíam certamente marcos de carácter simbólico etalvez também servindo como limites de territórios, cuja demarcação começouseguramente a processar-se pelo menos no Neolítico Final. A este propósito,cabe referir algumas antas, situadas junto a menires (Anta da Granja deS. Pedro, Idanha-a-Nova; Anta Grande do Zambujeiro, Évora, dólmen deVale de Rodrigo 1, Évora), que poderão interpretar-se como reforço do marcoterritorial, então já provavelmente constituído por aqueles monumentos,alguns deles até à época actual (limites de freguesias, na sequência demarcadores dos domínios das antigas ordens militares).

O carácter fálico, frequentemente explícito em numerosos menires, como noextraordinário menir de Outeiro (Reguengos de Monsaraz), no qual se chegoua escavar a abertura do meato uretral, confere a estes monólitos o estatuto deelementos masculinos, conotáveis com a fertilização da terra, da qualdependia, em última instância, o sucesso destas comunidades,progressivamente sedentárias e, deste modo, cada vez mais dela dependentes.Também os grandes menires fálicos de calcário do barlavento algarvioostentam linhas onduladas verticais, associadas à fertilização da terra,enquanto outros, de formato ovóide, exibem cadeias de motivos ovalares,também em alto relevo, que poderão ser conontáveis com representaçõesvulvares, as quais não têm paralelo nos motivos inculturados dos meniresalentejanos. Com efeito, sendo defendido por alguns o carácterantro-pomórfico da generalidade dos menires, representandotridimensionalmente a figura humana, só os menires algarvios parecemcorresponder a essa realidade dual, sem ignorar que, na maioria dos casos, éo elemento masculino o dominante. Neste aspecto, será lícito fazercorresponder às antas um contraponto a esta realidade, sobretudo se se fizera tradicional conotação da sua planta, com câmara e corredor, à do úterofeminino.

Para o estabelecimento de uma cronologia absoluta e adequada integraçãocultural dos menires alentejanos, que, como se viu, integram contextos epossuem características muito diferentes dos homólogos do barlaventoalgarvio, importa proceder à interpretação cruzada de: a) argumentosintrínsecos, com base nas temáticas neles insculturadas; b) argumentosextrínsecos, relacionados com as causas da sua própria construção e dosmeios que foi possível mobilizar para tal efeito. Tenha-se ainda em contacasos de reaproveitamento com transformações, em épocas tardias, de taismonumentos, ou ainda sobreposições decorativas, que aumentam ainda maisas dificuldades de estabelecer a sua integração cultural original.

No primeiro grupo de argumentos destaca-se o báculo, símbolo de comando,neles recorrentemente representado, que é compatível com os artefactos rituais

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de xisto morfologicamente idênticos recolhidos nas necrópoles do NeolíticoFinal da Estremadura e do Alto Alentejo, a que já atrás se fez referência. Noentanto, M. Calado sublinha a possibilidade deste elemento ter sobrevividomilénios, como expressão do domínio humano sobre os animais domésticos(rebanhos de cabras e ovelhas), realidade que se manteve até aos nossosdias. Por outro lado, a preparação, transporte (por vezes de vários km) e afixação de elementos de dimensões assinaláveis como estes, implicava aexistência de uma sociedade suficientemente organizada, aparentementedesconhecida no Neolítico Antigo; a sua execução requeria também aexistência de excedentes de produção suficientes para manterem um segmentoimportante da comunidade ocupados com as morosas tarefas de exploraçãodas pedreiras, transporte dos blocos e sua deposição em obra, longe deconfirmadas pelo registo arqueológico conhecido, antes do Neolítico Médio.Também a dependência da fertilidade da terra, e dos seus sucessos agrícolas(revelada pelo seu carácter fálico), parece mais forte do que seria de esperarem grupos do início do Neolítico, ainda pouco praticantes da agricultura.Estes são, pois, argumentos complementares para uma cronologia maismoderna, do Neolítico Final, para a globalidade dos menires alentejanos.

O elemento masculino, é especialmente evidente nos de carácter fálico, comoo já mencionado menir do Outeiro (Reguengos de Monsaraz), ao qual MiguelTorga dedica o seguinte poema ("Diário", XVI, p. 190):

Menir

Salve, falo sagrado,

Erecto na planura

Ajoelhada!

Quente e alada

Tesura

De granito,

Que, da terra emprenhada,

Emprenhas o infinito.

A este propósito, importa referir que a implantação dos menires mais notáveisda rica região de Reguengos de Monsaraz, marcariam, efectivamente, paraVictor S. Gonçalves, territórios de solos particularmente férteis, onde algunsdeles se situam, sendo a sua visibilidade e impacto simbólico evidentes, comoé o caso da grande estela-menir do Monte da Ribeira, Reguengos de Monsaraz,atribuída ao Neolítico Final, até pela simbologia que ostenta, a qual seráadiante estudada (Gonçalves, Balbín-Behrmann & Bueno-Ramírez, 1997;Gonçalves, 1999).

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O que aquele monumento evidencia, é a representação antropomórfica, tantovolumétrica como gráfica, da figura do "chefe", que transparece, ataviadocom os atributos do seu poder, expressos ou de forma implícita, a que nãofalta a representação de machados e do báculo. Se o significado do báculofoi já foi anteriormente referido, não menos importante é a do machado,relacionável com o domínio exercido pelo homem sobre a natureza vegetal,através do desbaste de manchas florestais para a obtenção de campos agrícolase de pastoreio. A este propósito, cumpre referir que, desde o tempo de ManuelHeleno se tem invocado, com razão, o "culto do machado", aliás na sequênciade evidências extra-peninsulares, devidamente valorizadas desde o séculoXIX. Tal realidade, reflectindo a existência de uma sociedade já hierarquizada,só é compatível com fase avançada do Neolítico, que Victor S. Gonçalvesconota com a segunda metade do IV milénio a. C.: assim se explicaria aarticulação entre a implantação destes menires e a fertilidade dos terrenosadjacentes, como convinha a uma sociedade agro-pastoril, já distante daeconomia de produção incipiente que caracterizou os primeiros temposneolíticos. Tais monólitos serviam, pois, como marcadores de propriedade,por parte das comunidades que ocupavam os povoados adjacentes, com osquais, nalguns casos e segundo o autor citado, foi possível estabelecer relação,na região de Reguengos de Monsaraz.

Uma das evidências mais frisantes da conotação entre menires e práticasagrárias, ou pelo menos a produção de alimentos (o que não é, naturalmente,o mesmo) é o menir de Cegonhas (Rosmaninhal, Idanha-a-Nova),correspondente a uma reutilização de um grande dormente de mó em monólitofixado verticalmente no terreno, numa afirmação da dificuldade, actualmentesentida, em separar o profano do sagrado, na época pré-histórica: neste caso,trata-se de um artefacto de carácter nitidamente doméstico, mas associado auma prática (a produção de alimentos), certamente com uma carga simbólicaou ritual bem marcada (Cardoso et al., 1994). No mesmo sentido concorre autilização, que é frequente, de elementos de mós manuais (dormentes emoventes) na estruturação de espaços sagrados, conferindo-lhes funçõespropiciatórias. M. V. Gomes (Gomes, 1994) chega mesmo a referir adescoberta de um dormente colocado com a superfície de trabalho encostadaao menir 1 de Amantes I (Vila do Bispo), para além de ter verificado queoutros elementos de moagem integravam as estruturas de sustentação, tantode menires algarvios (Courela do Castanheiro, Bensafrim), comoalto-alentejanos (cromeleque dos Almendres, Évora). A este propósito,importa relembrar a predominância de fragmentos de dormentes de mósmanuais nas duas lareiras do Neolítico Médio encontradas sob o monumentode Alcalar, atrás referido. Note-se, aliás, que a componente masculina,representada pelos aludidos monólitos fálicos era acompanhada, na mesmaépoca, por culto da fertilidade feminina, como transparece das estatuetas debarro maciço, de grande qualidade plástica, representando porcas, animal

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tradicionalmente fecundo, provenientes da camada do Neolítico Final dopovoado de Leceia, a que anteriormente se fez referência.

Em suma: ainda não se reconheceram argumentos seguros para recuar acronologia de erecção de menires ao Neolítico Antigo: os argumentosdisponíveis mais significativos apontam-lhes, ao contrário, cronologias maismodernas, do Neolítico Final ou mesmo do Calcolítico. Porém, importa, noestado actual dos nossos conhecimentos, ser prudente: como bem assinalouVictor S. Gonçalves, entre outros, a dificuldade de datação de qualquer menir,com base em critérios de associação a materiais de superfície supostamentecoevos, é comparável a querer encontrar, na actualidade, espólio significativojunto a um memorial religioso como os existentes à beira dos caminhos, oua pretender datar, pelo mesmo critério, a implantação de um qualquer conjuntode marcos divisórios de propriedades ... Claro está que se pode, nalgunscasos, recorrer a sobreposições estratigráficas de motivos insculturadosnalguns menires, ao longo do tempo em que estes estiveram em funções; é ocaso, entre muito outros que se poderiam invocar, do menir do Monte dosAlmendres, Évora, no qual um báculo, símbolo inquestionável do NeolíticoFinal, se encontra sobreposto a conjunto de linha de ondulados (Gomes,1994, Est. V) sem que, porém, se possa determinar o tempo decorrido entrea realização de ambos os motivos.

10.2.2 Cromeleques

Os cromeleques, constituindo recintos abertos ou fechados, delimitados pormenires, assumem, no Alto Alentejo, expressão monumental. Pode mesmodizer-se que se encontram entre as primeiras construções públicas do OcidenteEuropeu, senão mesmo da Humanidade, cujo significado mais profundo(observatórios astronómicos?) está e estará, provavelmente, e de formadefinitiva, envolto em mistério. O conjunto mais soberbo é o cromelequedos Almendres (Évora), um dos mais importantes e notáveis monumentosno seu género de toda a Europa, sendo constituído por mais de uma centenade menires, de forma elipsoidal, o que motivou o nome local de "pedrastalhas", dada a semelhança daqueles com as antigas talhas de barro ondefermentava o mosto. O recinto possui, actualmente, planta elipsoidal, com oeixo maior orientado aproximadamente pelo azimute equinocial, tendo sidoutilizado, segundo M. V. Gomes, ao longo do V e do IV milénios a. C., até aoNeolítico Final ou alvores do Calcolítico, altura em que alguns menires foramobjecto de decoração, incluindo báculos, acompanhados de outras insculturassolares radiadas, talvez integráveis numa derradeira fase de utilização dosantuário. Ainda no concelho de Évora são de referir dois outros importantes

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cromeleques: o cromeleque da Portela de Mogos, e o cromeleque de ValeMaria do Meio, afastado cerca de 1,4 Km para ESE do primeiro. Aquelecorresponde a planta elipsoidal fechada, sendo constituído actualmente por40 monólitos; o eixo maior, de orientação aproximada N – S, é sublinhadopor quatro menires, ocupando maior posição central. Esta direcção éprolongada do lado nascente por outros menires, fora do recinto, constituindoalinhamento (Gomes, 1997). Um estudo sobre a natureza petrogáfica dosmenires, mostrou que provieram de afloramentos compatíveis com osexistententes no próprio local, rectificando-se deste modo, anterioresafirmações a tal respeito, resultantes de uma incorrecta implantação do sítiono mapa geológico (Cardoso, Carvalhosa & Pais, 2000), não se confirmandoquaisquer preferências por tipos petrográficos exógenos, a que se pudesseatribuir um especial significado simbólico.

O cromeleque de Vale de Maria do Meio apresenta actualmente planta emarco de ferradura, constituída por cerca de 30 monólitos, alongada no sentidonascente – poente, sendo alguns menires insculturados com círculos,ferraduras e báculos.

A utilização de ambos os recintos, ter-se-ia prolongado no tempo, tendo oprimeiro conhecido nova ocupação no decurso da Idade do Bronze, épocaem que se terão adelgaçado os monólitos, assim tranformados emestelas-menir, transformação que teria sido acompanhada de decoraçõesantropomórficas em relevo, segundo M. V. Gomes. Com efeito, conhecem-seexemplares comparáveis, no território português, mas do Calcolítico, comoadiante se verá.

Outros recintos megalíticos se conhecem no Alto Alentejo, embora dedimensões mais modestas, ou em pior estado de conservação do que os trêsmaiores supra referidos; o caso mais expressivo é o do monumento do Montedas Figueiras (Pavia) (Leisner & Leisner, 1956; Zbyszewski et al., 1977).Trata-se de um minúsculo cromeleque, com planta em ferradura, tal como ode Vale Maria do Meio, característica que foi valorizada por M. Calado (2005),associando-lhe, do nosso ponto de vista de forma ousada e não fundamentada,uma herança mesolítica dos Concheiros do Tejo e do Sado, invocada comoargumento a favor da sua recuada cronologia (Calado, 2005).

O grande cromeleque do Xarez (Reguengos de Monsaraz), atingido peloregolfo de Alqueva, foi objecto de trabalhos recentes de reescavação (Gomes,2000), a que se seguiu a sua remobilização para outro local. Seria o únicocaso, até ao presente dado a conhecer, em que a planta do recinto definiriaum quadrilátero, em torno de um grande menir central, de morfologia fálica;tal planta decorre de reconstituição efectuada no princípio da década de 1970por J. Pires Gonçalves, mas sem quaisquer bases científicas (comotestemunhou o proprietário do terreno, o Prof. Raul M. Rosado Fernandes)

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visto boa parte dos menires, de pequenas dimensões, se encontrarem tombadose deslocados pelos trabalhos agrícolas, à data das descobertas. A recentereescavação do recinto, no âmbito da minimização dos impactes arqueológicosdecorrentes da construção do complexo de Alqueva, manteve a plantaadoptada na reconstrução do recinto, com base em critérios que não se podemconsiderar fiáveis. Seja como for, a parte central deste recinto seria ocupadapor grande menir fálico, cercado por cerca de cinquenta menires.

Tal como as entradas das antas, que se orientavam para o nascimento do Sol,que desta maneira, se transformavam em caminhos de luz para a eternidade,a própria temática exibida por alguns menires – corpos radiados, linhasonduladas e outras representações abstractas – exemplarmente patentes nomenir de Belhoa (Reguengos de Monsaraz), reforça a conotação destesmonumentos com cultos astrais, extensivos de alguma forma aos cromeleques,embora seguindo modelos ainda hoje obscuros (relembre-se a orientação docromeleque dos Almendres segundo a linha equinocial do nascimento solar).Note-se que a manutenção destes cultos astrais no Calcolítico é uma realidade,como denota a presença de recipientes com tal simbologia, gravada antes dacozedura, reconhecida em diversos povoados da Estremadura e do Sudoeste.

No decurso do Neolítico Final/Calcolítico Inicial, outros símbolos emergirão,no Sul do território português, agora sobretudo relacionados com o culto dadivindade feminina, a omnipresente deusa-mãe calcolítica: foi então quealguns menires – conotados com o elemento masculino e com o culto dosantepassados, como atrás se frisou – teriam sofrido mutilações intencionais,referidas por alguns autores, embora estas devam ser encaradas com a máximareserva, visto ser obviamente difícil a sua distinção de fracturas meramenteacidentais, ou das produzidas em épocas muito posteriores. Seja como for,estamos muito longe da posição defendida por M. Calado, ao defender asubstituição dos menires pelos dólmenes, ao declarar: "os monumentos emvez de representarem os antepassados, passam a conter os seus restos mortais"(Calado, 2005). Em Arqueologia, as substituições, tanto de conceitos, comoda sua expressão material, raramente seguiram um processo simples e muitomenos de tipo linear, como neste capítulo se procurou demonstrar, tanto norespeitante aos dólmenes, como aos menires.

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11. Arte Megalítica

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A arte megalítica será entendida neste manual como limitada às superfíciesdos monumentos megalíticos, sejam eles funerários ou não. No respeitante aestes últimos, as considerações acima apresentadas já serão suficientes parao nível de abordagem pretendido; deste modo, serão apenas tratadas asmanifestações artísticas existentes em monumentos funerários. Emborapossuindo íntima relação com a "arte megalítica", excluem-se da presentesíntese, as superfícies rupestres decoradas de afloramentos ao ar livre, bemcomo as paredes decoradas de grutas ou de abrigos, as quais se tratarãoulteriormente.

Do ponto de vista cronológico, as manifestações artísticas por pintura ouinscultura, nas superfícies de monumentos megalíticos, sejam dólmenes oumenires, pode situar-se, de acordo com as datas de radiocarbono disponíveis,entre a segunda metade do V milénio a. C. e os finais do IV/inícios doIII milénio a. C.

As representações artísticas patentes nos dólmenes merecem comentáriosmais desenvolvidos, sem preocupações de exaustividade, aliás impossíveisde se atingirem em absoluto, até porque actualmente estão referenciados nabibliografia mais de 50 monumentos decorados (Gomes, 2002), quaseexclusivamente situados no centro interior e no norte do País.

E. Shee Twohig, em estudo de síntese já clássico, de 1981, que ainda hojemantém actualidade, considerou a existência de dois grupos principais, doponto de vista iconográfico: o primeiro, situa-se no centro interior, abarcandoo distrito de Viseu e os cursos médio e alto dos rios Mondego e Vouga,possuindo, para além de representações geométricas e esquemáticas, cenasde estilo semi-naturalista a semi-esquemático, as quais não ocorrem nosegundo grupo de monumentos, situados a norte do Douro.

Uma das primeiras referências à presença de pinturas no interior de câmarasmegalíticas no território português, deve-se a D. Jerónimo Contador d’Argote(Argote, 1734, p. 511). Vale a pena transcrever esta referência, por constituiruma das mais antigas, senão a mais antiga menção à arte dos dólmenes, anível mundial:

Entre os annos de mil seiscentos e oitenta e quatro, e o oitenta e cinco,sendo ouvidor de Barcellos Francisco Mendes Galvão, que actualmentehe procurador da Coroa, e Desembargador do Paço, junto à villa deEsposende, em hum campo, no meio do qual estava hum montinho deterra, dos a que vulgarmente na quella Provincia chamão Mamoas, e sobreelle plantado hum pinheiro, appareceo hum dia escavado, e derrubado, ese achou debaixo huma casinha fabricada de quatro pedras grandes deseis, ou oito palmos, as quaes estavão todas debuxadas com varioscaracteres, e figuras, de que não lembra a fórma, por se não tomar tentonisso. Por cima das taes quatro pedras estava outra, que servia de tecto.

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Debaixo não tinha pedra, mas era terra barrenta, e com alguns carvoens. Eporque se entendeo, que a sobredita terra, e pinheiro forão escavados denoite para effeito de roubar algum thesouro, que alli estivesse, se deu parteao Ouvidor de Barcellos, o qual foi lá com outro Ministro, e do que acharaõ,deraõ aviso ao Conselho da Fazenda.

Deste dólmen parece não restar testemunho na actualidade. Nos finais doséculo XIX e no primeiro quartel do século XX, J. Leite de Vasconcellos,seguido por outros investigadores, deram a conhecer a existência de dólmenespintados na Beira Alta; logo depois, José Fortes publicou pinturas em doisdólmenes de Sales (Barroso). Estavam assim reconhecidas as duas principaisáreas da arte megalítica funerária no território português: a Beira Alta eTrás-os-Montes, a que se viria a acrescentar, mais tarde, a região minhota eo Douro Litoral. Com efeito, crê-se que as manifestações artísticas, de cunhosimbólico e funerário, patente, nos monumentos megalíticos, teriam sidomuito mais comuns e estendidas a outras áreas geográficas do que actualmentese pode crer: não só houve vestígios que desapareceram totalmente, comotambém muitos outros ainda não terão sido identificados, quer por falta deescavações, quer por ausência de análises minuciosas às superfícies demonumentos há muito escavados, que nalguns casos têm proporcionadodescobertas interessantes. Com efeito, as decorações podem não se restringira pinturas, estendendo-se a finas incisões filiformes, cuja identificação requerobservações particularmnete atentas.

No estado actual dos nossos conhecimentos, podem salientar-se alguns monumentosconsiderados mais relevantes, os quais se enumeram seguidamente:

Dólmen de Antelas (Oliveira de Frades) – trata-se de uma das váriasocorrências megalíticas assinaladas por Amorim Girão que se dedicou àpublicação de algumas das antiguidades pré-históricas da Beira Alta. Esteautor (Girão, 1925, p. 82), a propósito deste monumento – ainda hojereconhecido como o mais notável dólmen pintado do território português –declara que as lajes "são em toda a superfície interna cobertas de desenhosem xadrez, a ocre vermelho, perfeitamente conservados, mesmo na partemais directamente exposta à intempérie".

Apesar desta clara referência, só na década de 1950 o monumento é escavadoe publicado; foi então reconhecida a magnificência das decorações patentesem todos os esteios da câmara de planta, subcircular, a que se acede por umlongo corredor, delas desprovido. Já anteriormente foi assinalada acronologia obtida pelo método do radiocarbono para as pinturas negras,anegro-de-fumo. Do lado externo, foi detectado um corredor intra-tumular,sem cobertura, antecedido por um átrio. Trata-se de um monumento queremete para o período inicial do apogeu do megalitismo regional, com base

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nas datas de radiocarbono já mencionadas, situando a sua construção noprimeiro quartel do IV milénio a. C.

De todos os esteios, é o da cabeceira que se apresenta com a iconografiamais rica e significativa (Castro, Viana & Ferreira, 1957), situação comumà generalidade dos dólmenes decorados portugueses. Trata-se de composiçãoseparada em dois campos – o superior e o inferior – através de uma linhahorizontal, a vermelho. No campo superior, enquadrada por linhas verticais,vermelhas e negras, organizadas em composições em zigue-zague, a áreacentral da composição mostra uma figura sub-trapezoidal, talvezrepresentação antropomórfica muito estilizada, com dois prolongamentossuperiores, dos quais um deles foi interpretado como "báculo", nolevantamento publicado em 1957; encimando esta representação, observa-sea representação de um pente; o esteio imediatamente contíguo, situado àdireita do anterior, é o segundo iconograficamente mais rico; para alémdos ondulados serpenteantes verticais, que ocupam a metade superior docampo decorado, na metade inferior, separada por uma linha, também avermelho, encontra-se pintada uma figura humana de estilo sub-naturalista,vestida e com um cinto. As restantes figuras pintadas nos outros esteios dacâmara, são esquemáticas e não figurativas, dominando as linhas ou faixasonduladas verticais, por vezes formando reticulado a vermelho; um dosesteios do lado esquerdo da cabeceira, possui um sol, a vermelho. Aiconografia destas pinturas (e das gravuras, descobertas por D. Cruz) éenigmática, como nos restantes casos conhecidos e passível de múltiplasleituras, provavelmente nenhuma delas verdadeira; tal não significa,naturalmente, que nos demitamos de interpretar, com a bagagem teóricadisponível, as referidas representações.

A localização das pinturas na câmara sublinha o seu carácter como recintosagrado, local onde certamente se desenrolariam cerimónias às quais sóum grupo restrito teria acesso; o carácter público das mesmas ficariacircunscrito ao exterior do monumento, como sugere a existência de umátrio e de um corredor intratumular a céu aberto. No átrio, recentesescavações permitiram identificar diversas fogueiras rituais e "depósitosde objectos e peças "idoliformes", cuja disposição permite suspeitar queali foram colocadas como oferendas e para "proteger" o edifício, ou,eventualmente, com o intuito de "representar cada um dos mortos" (Cruz,1995, p. 264).

Arquinha da Moura (Tondela) – Trata-se de dólmen constituído por grandecâmara megalítica de planta poligonal, a que se acede por corredor longo,constituído de cada lado por cinco esteios (Cunha, 1993, 1995). O esteio decabeceira da câmara e um dos esteios laterais (esteio 7), situado do ladodireito do primeiro e ainda na câmara, apresentam pinturas a vermelho. Oprimeiro mostra, ao centro, uma complexa representação antropomórfica,na qual uma figura fálica de pé, voltada para o observador, se encontrasobreposta por duas circunferências concêntricas, de onde partem doislongos raios aparentemente sustentados pelos braços da referida figura.

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Estes dois motivos solares concêntricos servem, por seu turno, de suporte auma outra representação antropomórfica, ao que parece ornada de doiscornos divergentes, também observáveis, mas com menor grau de certeza,na figura maior (apenas num dos lados?). Em redor deste conjunto peculiar,distribuem-se pares de pequenos antropomorfos esquemáticos e zoomorfos,talvez relacionados em cenas de caça (Cunha, 1995, Est. X). O outro esteiopintado da câmara ostenta motivo não menos espectacular: trata-se de umgrande antropomorfo fálico de onde irradiam pequenos filamentos marginaisque dão um aspecto incandescente e sobrenatural à figura. De pernas direitase abertas, os braços, levantados e pendentes em ângulo recto ao nível doombro têm, ao mesmo tempo, tanto de ameaçador como de protector; comefeito, de um dos lados parece proteger um par de antropomorfosesquemáticos, enquanto do outro, o mesmo lugar é ocupado por um terceiroantropomorfo de dimensões ligeiramente maiores.

Estas duas representações parecem apontar para a ideia do renascimento ede protecção dos espíritos: no esteio da cabeceira, o sol, como motivo centraldos dois antropomorfos sexuados, símbolo também da fecundidade,cercados por pequenos antropomorfos por vezes também fálicos, cães etalvez cervídeos; no outro esteio da câmara, o grande antropomorfoirradiante emana energia protectora, abraçando as almas dos defuntos,representados pelos pequenos antropomorfos esquemáticos. Claro está queesta é apenas uma interpretação possível de representações que,eventualmente, eram feitas por certos elementos especiais do grupo, talvezexecutadas sob o efeito de alucinogéneos (outra afirmação indemonstrável,mas nem por isso menos plausível).

Orca dos Juncais (Vila Nova de Paiva) – a "cena de caça" que M. V. Gomesidentificou nos antropomorfos e zoomorfos que se observam em posiçãosecundária no esteio da cabeceira deste dólmen (Gomes, 2002) é de hámuito conhecida, pois a arte pictórica deste dólmen foi a primeira apublicar-se, através do estudo pioneiro de José Leite de Vasconcellos, que,no final do século XIX trouxe dali, para o Museu Etnológico, um fragmentode esteio com duas representações antropomórficas esquemáticas, pintadasa vermelho.

Trata-se, tal como os dois anteriores, de um grande dólmen de câmara ecorredor, este de grandes dimensões, com cerca de 9 metros de comprimento,a que se sucederia um pequeno corredor intratumular e um átrio, ambos aoar livre. Dos nove esteios da câmara, sete ostentam pinturas, algumas dasquais foram reproduzidas por G. Leisner (Leisner, 1934). De todas, a maisconhecida corresponde à já referida "cena de caça", complexa composiçãona qual um grupo de caçadores (observam-se vestígios de pelo menos dois,armados de arcos com flechas de corte transversal), disparam para aesquerda, onde, em posição de afrontamento, se conservam vestígios depinturas de dois veados de grandes armações e de duas corças; da compo-sição fazem ainda parte quatro cães que acompanham o grupo de caçadores.Naturalmente que existem sérias dificuldades em querer integrar esta cena

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do quotidiano no universo cognitivo, feito de alusões, e no quadro funeráriodos que ali foram tumulados; ainda que o realismo da composição mostraque quem a pintou se encontrava bem documentado, incluindo detalhestécnicos como as características tipológicas das pontas dos projécteis, aintenção do artista não era, certamente essa. A cena tem uma leiturasimbólica que nos ultrapassa; sobre a qual, poderemos, apenas, subscreveras considerações de outrem: embora sub-naturalista, "aquela arte nãopretendeu mimetizar o real, não auferindo de carácter narrativo estrito, tantoao nível do discurso iconográfico como no respeitante ao significadoimediato (...). As aparentemente ingénuas cenas de caça, apesar dosconvencionalismos figurativos (...) devem referir-se a universo religiosocomplexo e, em especial, à fertilidade, tanto dos campos como dos rebanhos,no quadro de sociedades perfeitamente neolitizadas, onde a caça estimularia,através do seu ritual, de sangue e de morte, a renovação e a fecundidade,aludindo, afinal, ao controlo do Homem sobre a Natureza" (Gomes, 2002,pp. 179-180). Não se esqueça, ainda, que o veado é um dos animaistradicionalmente conotados com a renovação da vida, desde a Pré-História,talvez porque as suas armações caiem todos os outonos, para renasceremna Primavera seguinte, como as plantas e as árvores cadocifólias. Importaainda referir que este motivo, embora notável, não ocupa a posição principalna superfície decorada. Esta corresponde a um motivo pouco nítico, debase rectilínea e lados verticais ortogonais, de evidente simbolismo nãofigurativo: mais uma prova da complexidade subjacente à interpretação daarte megalítica, mesmo dos seus motivos aparentemente mais simples eevidentes: "Ceci n’est pas une pipe", parafraseando a célebre pintura deMagritte, que serviu de mote a um ensaio de V. O. Jorge sobre a artemegalítica, ao declarar: "oxalá interiorizemos um dia plenamente, aoobservar um serpentiforme gravado ou pintado num megálito: "ceci n’estpas un serpent" (Jorge, 1997, p. 29).

Dólmen do Padrão, Baltar (Paredes) – este monumento possuía câmarapoligonal e corredor com o comprimento total de 9,40 m (Cruz & Gonçalves,1994). Infelizmente, o monumento tinha já sido atingido, aquando doreconhecimento do seu valor arqueológico, pela exploração de pedra,aproveitando os respectivos esteios que, para o efeito, eram estilhaçados.Foi ainda possível recolher alguns fragmentos dos mesmos, os quais foramdecalcados primeiro por Mendes Corrêa e R. de Serpa Pinto e, depois, porE. Shee Twohig (1981) e, mais recentemente, por D. Cruz e A. H. B.Gonçalves. De assinalar a presença de uma base branca, sobre a qual sepintaram, a vermelho e a preto, motivos ondulados (serpentiformes), pontos,figuras humanas esquemáticas e um sol, sobreposto a duas delas. O vermelhoé a cor predominante, sendo utilizado o negro para aspectos de pormenor.Duas figuras antropomórficas parecem adorar um sol, a elas sobreposto,enquanto noutro esteio ocorre uma outra representação humana, com pernasarqueadas e braços estendidos. Tratando-se de um dólmen de grandesdimensões e de planta evoluída, os autores citados remetem-no para aprimeira metade do IV milénio a. C.

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Com efeito, trata-se de cronologia justificada pelo facto de os dólmenespoligonais simples (desprovidos de corredor) da região só raramente seremornados com pinturas ou gravuras, o que leva naturalmente a aceitar quedólmenes complexos, de grandes dimensões e implantados em pontosdestacados, como é o caso, sejam os mais importantes e correspondam aomomento inicial do apogeu do megalitismo regional; a tendência para amonumentalização era sublinhada pela adição de arte, correspondendo-lhe,desta forma, um concomitante reforço simbólico do seu significado. Comobem sublinham os autores supra citados, o já aludido aumento demográfico,que teria justificado o acréscimo no tamanho dos monumentos entãoverificado, foi acompanhado por reforço do seu significado simbólico,expresso pela arte que ostentam nos seus espaços interiores, os quais sóseriam acessíveis a um pequeno grupo diferenciado do todo comunitário,reflectindo a complexidade das cerimónias que neles se desenrolavam. Estarealidade não contraria, contudo, o seu pendor público, como atestam osátrios exteriores, ao ar livre, onde as cerimónias poderiam ser acompanhadaspela totalidade comunidade. Seja como for, a existência de espaços públicose espaços reservados, por certo só acessíveis a uns quantos, mostra como adiferenciação social se pode também entrever na complexidade crescentede arquitecturas funerárias e dos rituais a elas associados.

Dólmen de Pedralta, Cota (Viseu) – trata-se, igualmente, de monumentodolménico decorado, de há muito conhecido (Coelho, 1924; Corrêa, 1928),pertencente a um núcleo megalítico muito numeroso. À vista umas dasoutras, refere o primeiro dos autores citados nada menos de três antas.Explorou uma delas, de câmara simples, sem corredor, a qual não ostentavaqualquer esteio decorado, ao contrário da Pedralta, dólmen de grandesproporções, com câmara e corredor, orientado como de costume para oquadrante de SE. A câmara é constituída por dez esteios, de grandesdimensões. Como refere José Coelho, do lado esquerdo do grande esteiode cabeceira, existiam dois esteios pintados; tal como foi observadoanteriormente no dolmen de Baltar, a pintura predominante é a vermelho,sendo o negro apenas muito localmente utilizado, para salientar pormenores;outra característica comum também àquele megálito é a existência de umabase branca, sobre a qual se executaram as pinturas, a vermelho, decaracterísticas invulgares: num caso trata-se de um motivo fitomórficosimples; noutro, a decoração encontra-se compartimentada por linhashorizontais em quatro campos, ocorrendo no segundo dois ídolosantropomórficos, também a vermelho. Mendes Corrêa levou para o Portoestes dois esteios, depois de os ter partido em diversos fragmentos. Osdesenhos publicados por Mendes Corrêa (Corrêa, 1928) destes esteios,foram ulteriormente redesenhados por G. Leisner, e por este publicados(Leisner, 1934); os que se mantiveram inéditos, foram incorporados naobra de E. Shee Twohig (Twohig, 1981, Figs. 41, 42). Trata-se de exemplaresque, deste modo, foram desenhados em três momentos distintos, e porautores diferentes. No grande esteio de cabeceira, G. Leisner pôde aindaidentificar a existência repetida, formando métopas horizontais, dos ídolos

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antropomórficos a vermelho que já haviam sido assinalados num dos esteioslaterais. A presença desta representação, claramente reportável ao ídoloalmeriense, tem, ainda mais a norte, no dólmen de Pedra Coberta (LaCoruña), equivalente próximo. Será, assim, necessário admitir a existênciade um fluxo transregional, susceptível de explicar, em paragens tãosetentrionais, um elemento ideotécnico de cunho marcadamente meridional.Por tal evidência não ser única, aumenta a probabilidade de não se tratar deum simples fenómeno de convergência formal. Com efeito, na orca dasCorgas da Matança, Fornos de Algodres, belo dólmen de câmara simples,embora de grandes dimensões, recolheu-se um ídolo de azeviche,antropomórfico, de contorno recortado, afim dos ídolos almerienses, comafinidades em exemplares do sudeste espanhol (Los Millares, Almería) Cruz,Cunha & Gomes, 1990, Est. IV).

Dólmen de Carapito I (Aguiar da Beira) – este grande dólmen, com esteiosque ultrapassam os 5 metros de altura, possui câmara poligonal, aberta anascente, e é desprovido de corredor, como já anteriormente se referiu;alguns dos esteios são insculturados, embora não seja clara qual acorrespondência desta arte com as duas fases de ocupação detectadas nomonumento. Nas proximidades, conhecem-se outros três monumentosmegalíticos (Leisner & Ribeiro, 1968). As gravuras identificadas pelosescavadores do dólmen, foram ulteriormente redesenhadas por E. SheeTwohig (Twohig, 1981, Fig. 50); repartem-se essencialmente por doisesteios: num deles, observam-se quatro circunferências e uma elipse, porvezes ligadas por linhas serpentiformes; no outro, destaca-se a existênciade quatro círculos radiados, dispersos pelo campo decorado. Ulteriormente,foram detectadas novas insculturas em outros esteios e completadas as jáconhecidas, o que fez aumentar para seis o número de figuras radiadas noesteio já conhecido; noutro esteio, observou-se, ao nível da base, uma linhaondulada e na área inferior de outro esteio, várias circunferências, algumascom apêndices, integrando-se bem nas características já reconhecidas nosoutros esteios (Cruz & Vilaça, 1990). Deste modo, parece que o interiordeste dolmen monumental foi decorado logo no início da sua utilização,remetendo as correspondentes gravuras para o primeiro quartel doIV milénio a. C., o que não destoa de outros conjuntos conhecidos.

Dólmen 2 de Chão Redondo (Sever do Vouga) – estudado por L. deAlbuquerque e Castro (Castro, 1960), trata-se de um monumento comcâmara e corredor indiferenciados. No conjunto, destaca-se o grande esteiode cabeceira, e, logo a seguir, os dois que o marginam de ambos os lados,que ostentam motivos gravados geométricos, constituídos por zigue-zaguesverticais, associados a circunferências, como se observa no esteio situadodo lado esquerdo da cabeceira, ocupando, como nesta última, toda asuperfície disponível, num complexo motivo simétrico, organizado paraambos os lados, a partir de um eixo vertical central, de cunho antropo-mórfico.

Fig. 159

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Os monumentos que temos vindo a caracterizar situam-se todos, exceptuandoo dólmen de Baltar, na Beira Alta; e muitos outros se poderiam adicionar,embora com interesse menor, em face das representações artísticas estudadasou conservadas. Com efeito, o estudo já clássico de E. Shee Twohig que temvindo a ser citado (Twohig, 1981), inventariou mais de meia centena dedólmenes decorados na Península Ibérica, a larga maioria dos quais situadosna Beira Alta e a norte de Douro. Porém, nas duas últimas décadas, muitasoutras ocorrências se registaram, especialmente a norte do Douro, onde ararefacção era evidente. Um balanço geral recentemente publicado, dá contadas descobertas entretanto realizadas neste domínio (Gomes, 2002). Emboraas representações pictóricas se apresentem, em geral, pobres e malconservadas, foram registadas em diversos dólmenes transmontanos e doDouro Litoral, como Madorras 1, Vilarinho da Castanheira, Zedes, FonteCoberta (Alijó), Chã de Parada 1 e 3 (serra da Aboboreira, Baião/Amarante),Chão de Brinco 1 (Cinfães), para além de ocorrências no Minho litoral, comonos dólmenes de Barrosa e de Afife (Viana do Castelo) e do planalto deCastro Laboreiro.

À semelhança do que foi feito no dólmen de Antelas, alguns restos carbonosos,recolhidos nos níveis de utilização primária dos monumentos, permitiramdatação, cujos intervalos, calibrados para cerca de 95 % de probabilidadesão os seguintes (Carrera Ramírez & Fábregas Valcarce, 2002): Chã de Parada3: 5070 ±100 anos BP (4215-3650 a. C.); Chã de Parada 1: 4820 ± 40 anosBP (3660-3520 a. C.) e 4610 ± 45 anos BP (3515-3125 a. C.), o que mostracronologia centrada na primeira metade do IV milénio a. C.

As gravuras e pinturas a vermelho do dólmen da Fonte Coberta (Alijó) – umgrande monumento de câmara poligonal e vestíbulo bem definido, constituídopor um esteio de cada lado – foram referidas por J. M. Cotelo Neiva e,ulteriormente por diversos autores; no último estudo dedicado ao monumentorepublica-se, igualmente, um motivo gravado e um conjunto de covinhaspatentes num dos esteios (Carvalho & Gomes, 2000).

Mercê de estudos, infelizmente ainda não devidamente publicados, sobretudoos desenvolvidos por E. J. L. da Silva, o número de gravuras megalíticas foiconsideravelmente aumentado, transformando "o norte de Portugal numalfobre de manifestações de uma variedade e riqueza inusitadas" (Silva, 1994,p. 167). Com efeito, o autor detectou esteios decorados em diversos megálitos:6 no dólmen de Afife; 2 em S. Romão de Neiva; 1 na mamoa de Chafé (todosdo concelho de Viana do Castelo); 3 no dólmen 3 de Rapido;1 na antela da Portelagem; 2 em Cima de Vila (todos do concelho deEsposende) e 4 no monumento de Chão de Brinco (Cinfães). Merece destaquea notável representação antropomórfica gravada em esteio do dólmen de Afife.

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A descoberta mais interessante na região minhota feita até o presente nocapítulo da arte megalítica, refere-se aos dois dólmenes decorados do planaltode Castro Laboreiro (concelho de Melgaço) – mamoa 2 da Portela de Pau eMota Grande – situados a pouca distância, o último já do outro lado dafronteira. Relativamente ao primeiro monumento, as gravuras correspondema bandas em zigue-zague horizontais, realizadas em seis dos sete esteios queconstituem a câmara do monumento, desprovido de corredor, como CarapitoI. Mais raramente, observaram-se circunferências, por vezes articuladas comas linhas em zigue-zague horizontais, meandriformes (serpentiformes) e, numcaso, uma figura antromórfica. Detectaram-se, ainda, nalguns esteios, restosde pintura a negro (Jorge et al., 1997; Baptista, 1997).

Pela exuberância e quantidade, estas gravuras inscrevem-se entre as maisnotáveis da arte megalítica de Portugal, a par das pinturas identificadas naArquinha da Moura (Tondela). Tal realidade mostra bem, por um lado, apujança da investigação recente desenvolvida em Portugal e, por outro, omuito que ainda falta realizar. Uma das áreas que importaria ver desenvolvidaé a da valorização de motivos transregionais, que ocorrem neste grupo dedólmenes decorados do centro e norte de Portugal. É o caso do estranhomotivo designado por E. Shee Twohig (Twohig, 1981) como "The Thing",motivo sempre obtido por gravação que ocorre nos dólmenes de Chã de Parada1 (Baião), Chã de Arcas 5 (Baião) e Chão de Brinco 1 (Cinfães), com destaquepara o primeiro monumento em que, no esteio de cabeceira, este motivo seencontra reproduzido nada menos de que quatro vezes (Twohig, 1981, Fig. 30;Jorge, 1997, p. 20). "The Thing" é abundante em dólmenes da Galiza e alémPirenéus, realidade que importaria ver melhor esclarecida; outro motivocomum na arte megalítica portuguesa, especialmente presente em menires, éo "báculo", cuja ocorrência é largamente conhecida no megalitismo da Europaocidental, ainda que jamais se procurasse realizar um corpus documentaldas ocorrências conhecidas, de forma a salientar as mútuas afinidadesarqueológicas efectivamente existentes.

Nos monumentos megalíticos do sul de Portugal, existem raríssimas alusões(que carecem de confirmação) a pinturas no interior de câmaras dolménicas,nos cadernos de campo de Manuel Heleno – observados pelo autor antes dasua oportuna aquisição pelo Estado, em 1998 – e relativas a escavações porele efectuadas da década de 1930 em monumentos do Alentejo Central,recentemente objecto de estudo de L. Rocha (Rocha, 2005). A arte megalíticado sul do País, para além de restos pictóricos, poderá ser valorizada, no futuro,com a descoberta de finas decorações nas superfícies interiores dos esteiosdolménicos, especialmente nos monumentos de rochas não-graníticas, àsemelhança do verificado recentemente em dólmenes da região daExtremadura espanhola, por P. Bueno e R. de Balbín.

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IV. PARTE

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Objectivos de aprendizagem e actividades sugeridas

A IV e última Parte do Programa trata da sucessão cultural, do Calcolítico aofim do Bronze Final e é, de todas, a mais curta em termos temporais: deinícios do III milénio a. C. a inícios do século VIII a. C. Embora correspondaapenas a um intervalo temporal de, aproximadamente, dois mil e duzentosanos, é aquele que, no registo da nossa Pré-História, se afigura, de longe,mais rico de informação, com o desenvolvimento de regionalismos culturais,que cunharam identidades culturais próprias, tanto no norte como no sul, asquais determinaram a evolução subsequente, já no âmbito da Proto-História.A percepção geral desta realidade, bem como as suas determinantes, é oprimeiro, e talvez mais importante objectivo de aprendizagem desta derradeiraparte da matéria. Começando pelo princípio, podem apontar-se comoobjectivos principais de aprendizagem os seguintes:

- a génese dos povoados fortificados calcolíticos, decorrente da crescenteintensificação económica e da especialização das produções – aRevolução dos Produtos Secundários (RPS) decorreu ao longo de boaparte do III milénio a. C. – acompanhada de crescimento demográfico,que determinou a competição inter-grupos, com a consequentenecessidade de fortificação;

- a monumentalização de alguns dos sítios habitados, como expressãoda coesão social da respectiva comunidade – acompanhada docrescente apagamento das necrópoles na paisagem – e da acentuaçãode diferenciações intra- e inter-comunitárias decorrentes do processode desenvolvimento económico complexo, característico doCalcolítico;

- as arquitecturas defensivas do III milénio a. C.: exemplos maisimportantes no território português, distribuição geográfica,características principais, semelhanças e diferenças; neste âmbito,importa conhecer as diversas teorias explicativas para a sua génese edesenvolvimento, desde o modelo difusionista vigente em Portugal(dos anos 40 aos anos 70), passando pelo modelo indigenista (anos80), até às teorias de compromisso entre as duas concepções anteriores,dos finais da década de 80 e da de 90, seus principais defensores eargumentos invocados;

- a fissão do modelo de sociedade calcolítica, fenómeno que sucedeuao padrão demográfico caracterizado pela concentração da populaçãotendencialmente em sítios fortificados ou implantados muitofrequentemente em locais altos e defensáveis, com a consequentehierarquização social inter- e intra-comunitária;

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- os moldes em que se processou a acentuação das influências mediter-râneas no decurso do Calcolítico (em especial na metade meridionaldo território): a generalização do comércio transregional calcolítico ea intensificação e especialização das produções, no quadro da RPS(exploração de jazidas cupríferas) como veículo de difusão de novastécnicas (metalurgia), matérias-primas exógenas (marfim) e artefactosideotécnicos de características até então desconhecidas (generalizaçãodo culto da divindade feminina e correspondentes expressões simbó-licas) e difusão, de Sul para Norte, de novas arquitecturas funerárias(tholoi), face às características das tumulações calcolíticas de outraszonas do País;

- sobre o campaniforme, devem conhecer-se as características ecronologia da sua emergência, tanto na Estremadura (um dos pólosmais importantes, a nível europeu), no quadro da sociedade calcolíticapré-existente, como no resto do território português; tipo depovoamento e de necrópoles e respectivo significado sócio-cultural eeconómico; faseamento interno do "fenómeno" campaniforme, combase nas diferenças do registo material (em particular a tipologia dascerâmicas), principais tipos artefactuais que o integram. Numaperspectiva mais alargada, deverá proceder-se à integração dosconhecimentos reunidos em Portugal à escala peninsular eoeste-europeia, região de que fazem parte integrante. O campaniformedeverá ser entendido como uma realidade com expressão materialespecífica, associada a um novo tipo de povoamento, que sucedeu aogeneralizado abandono dos sítios fortificados edificados no início doCalcolítico. Neste sentido, corresponde a período de transição para aIdade do Bronze (Bronze Inicial): existem argumentos, com base noregisto arqueológico (jóias de ouro, artefactos de prestígio) quedemonstram o incremento do processo de diferenciação social, os quaisdeverão ser conhecidos dos alunos e susceptíveis de suportarem, porparte destes, uma abordagem coerente;

- o registo arqueológico do Bronze Pleno configura a existência deacentuados regionalismos, apesar de similitudes observadas no sistemade povoamento, decorrentes de realidades sócio-económicascomparáveis. Importa conhecer as principais características do tipode povoamento e a organização social subjacente, tanto no norte comono sul, no quadro de uma exploração agro-pastoril cada vez maisaperfeiçoada e no âmbito da exploração dos jazigos de cobre e deestanho, nestes últimos só então iniciada; o respectivo comérciotransregional destas duas matérias-primas, então emergente, explica-se,sobretudo, por esta complementaridade de interesses e necessidades.As necrópoles, particularmente conhecidas no Sul, onde corporizam,

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por si só, as duas fases do Bronze do Sudoeste, deverão ser conhecidasquanto à organização arquitectónica, rituais e espólios, na perspectivasocial, para a qual também concorre a caracterização das chamadasestelas de tipo alentejano e respectiva iconografia e integração cultural.Enfim, para além das necrópoles de inumação e de incineração docentro interior norte, recentemente dadas a conhecer, avulta aexpressiva arte rupestre galaico-portuguesa, com antecedentes noCalcolítico, cujos principais sítios, natureza das representações e seusignificado deverão ser discutidos.

O Bronze Final é dominado pela plena afirmação do comércio transregionalatlântico-mediterrâneo, favorecido pela própria realidade geográfica doterritório português. Importa conhecer os testemunhos materiais desse períodoe as respectivas balizas cronológicas. Assim, deverão os alunos estarfamiliarizados com as produções de carácter atlântico (armas, objectosutilitários e respectivas tipologias) e com as de cunho mediterrâneo (comdestaque para objectos de indumentária e de carácter cultual), cujo comércioe difusão, no território português, foi suportado pela existência desolidariedades económicas, baseadas em prováveis pactos formalmentefirmados entre comunidades, cujo territórios, de norte a sul do País, seapresentariam cada vez mais compartimentados. A respectiva economiadeverá por isso ser conhecida, na qual, embora de base agro-pastoril, aexploração mineira assumiu importância crescente. Neste contexto, importacompreender as especificidades dos três grandes domínios territoriais – onorte (incluído o interior centro), a Estremadura (até ao Mondego, naperspectiva geográfica de O. Ribeiro) e o sul – possuindo cada um delescaracterísticas próprias. A plena afirmação de elites, necessárias para a boagestão de grandes povoados muralhados que despontam no Bronze Finaltorna-se deste modo uma realidade que deverá estar presente, e serdevidamente compreendida no quadro da própria evolução da sociedade.Também a existência de outros testemunhos arqueológicos são concorrentespara a percepção da realidade social: as jóias auríferas, tornadas frequentes,deixam transparecer influências a um tempo atlânticas e mediterrâneas, porvezes reunidas numa única peça (técnicas e tipologias decorativas), que devemser conhecidas; as armas são igualmente testemunho da afirmação das elitesguerreiras, encontrando-se representadas por peças de diferente tipologia (quedeve ser conhecida), para além de figurarem nas estelas de tipo estremenho.O significado funerário-ritual destes monumentos é outro objectivo deaprendizagem importante, bem como o conhecimento da respectivadistribuição geográfica e faseamento interno, com base na evoluçãoiconográfico-simbólica e na cronologia absoluta.

As diversas práticas funerárias do Bronze Final, embora representadas porescassas ocorrências, revelam influências continentais (cremação e campos

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de urnas) e mediterrâneas (sepultura da Roça do Casal do Meio), que traduzemuma realidade cultural complexa, resultante de cruzamento de influxos dediversas áreas geográficas em simultâneo: é, no essencial, a compreensãoglobal desta realidade, a um tempo económica, social e cultural, coroandoum longo processo de diferenciação social, por um lado e, por outro, deintensificação económica e interacção cultural, que lhe está subjacente, queo aluno deverá ter presente, ao concluir o estudo desta última parte dadisciplina.

As actividades que poderão ser desenvolvidas pelos alunos decorremdirectamente dos objectivos de aprendizagem cujos tópicos foramapresentados. Assim, sugerem-se os seguintes temas, sem prejuízo de outros:

- síntese das teorias explicativas para a génese e desenvolvimento dospovoados fortificados calcolíticos do território português;

- resumo, de carácter historiográfico, das investigações desenvolvidasnos povoados calcolíticos mais relevantes da Estremadura: Vila Novade São Pedro (Azambuja); Zambujal (Torres Vedras); Leceia (Oeiras)e Rotura (Setúbal), entre outros;

- faseamento interno do Calcolítico com base no registo artefactual(destaque para a cerâmica: tipologia e motivos decorativos), e suadiferenciação regional nos três grupos usualmente considerados: o doNorte, o da Estremadura e o do Sudoeste;

- as tholoi no território português, exemplificando com as ocorrênciasmais importantes: distribuição geográfica, técnicas construtivas erespectivas arquitecturas, espólios, integração cronológico-cultural;

- ensaio sobre a presença campaniforme no território português:características do povoamento e, das necrópoles; aspectos de caráctereconómico, da organização social, da cultura material; a cronologiaabsoluta. Distribuição geográfica e articulações trans-regionais do"fenómeno" campaniforme;

- necrópoles de cistas do Bronze do Sudoeste: características dossepulcros, principais tipos de artefactos neles existentes (utilizandona sua descrição terminologia apropriada) e organização dasrespectivas necrópoles; aspectos da estrutura social susceptíveis deserem recuperados a partir da interpretação do registo material:diferenciação de espólios, presença de tampas ou estelas insculturadas,e caracterização da iconografia presente nelas;

- a evolução das características do povoamento do Bronze Pleno para oBronze Final no território português, tendo presentes as transformaçõeseconómicas e sociais verificadas e as respectivas balizas cronológicas;

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- sepulturas de inumação e de incineração da Idade do Bronze doterritório português: elaborar breve ensaio sobre o tema, sem esquecera distribuição geográfica das ocorrências e respectivas características,espólios acompanhantes (cerâmicas, metais), cronologia absoluta eintegração cultural;

- importância da sepultura da Roça do Casal do Meio (Sesimbra) nocontexto das relações comerciais e culturais com o MediterrâneoCentral no decurso do Bronze Final: tipologia do sepulcro ecaracterísticas dos espólios e das tumulações;

- as estelas de tipo estremenho como indicadores sociais e culturais.Identificação das características definidoras dos grupostradicionalmente considerados, possibilidade de estabelecer umfaseamento interno com base nos elementos iconográficos e cronologiaabsoluta;

- artefactos de bronze de filiação atlântica e mediterrânea: síntese dosprincipais tipos (usando terminologia adequada) susceptíveis de seintegrarem numa ou noutra das respectivas correntes culturais; emalternativa, poderá desenvolver-se o mesmo raciocínio para as jóiasde ouro, cuja tecnologia de fabrico e/ou tipologia, associada aosmotivos e técnicas decorativas que ostentam, indicam influênciasconjugadas de um ou de outro daqueles grandes domínios geográficos.

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12. A Emergência das Primeiras SociedadesComplexas Peninsulares

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12.1 Difusionismo versus indigenismo: o caso dos povoadosfortificados da Estremadura

O ambiente cultural de carácter dominantemente mediterrânico e francamenteaberto aos estímulos culturais oriundos daquela região, prevalecentes durantetodo o Calcolítico no centro e no sul do actual território português – factojustificado pela sua posição geográfica – teriam propiciado evolução culturalcom fenómenos de convergência em regiões muito afastadas, que não são,porém, incompatíveis com a difusão de novas formas de viver e de novastecnologias, talvez veiculadas por interesses económicos complementares,observáveis na bacia mediterrânea durante todo o terceiro milénio a. C. Aliás,a valorização de componente comercial na difusão da tradição arquitectónica,da metalurgia do cobre e mesmo dos objectos ditos "de prestígio", foianteriormente sublinhada (Parreira, 1990, p. 29).

Numa altura em que se assiste à recuperação, por parte de alguns arqueólogosportugueses, de doutrinas difusionistas de décadas passadas, as quais tiveram,em Portugal, por parte de Eugénio Jalhay, impressionado com a semelhançatipológica patente entre algumas das peças recolhidas no povoado fortificadode Vila Nova de S. Pedro (Azambuja), com outras, do Mediterrâneo Oriental,o seu mais antigo e explícito defensor (Jalhay, 1943) e depois de uma décadamarcadamente "indigenista" (os anos 80), durante a qual se valorizou quaseexclusivamente os méritos da evolução endógena das sociedades calcolíticaspeninsulares, importa fazermos uma revisão da questão. Vejamos duasrecentes citações:

Não se trata de uma complexa evolução social de um grupo há muitoestabilizado mas da entrada maciça numa nova região de um gruposocialmente complexo e já hierarquizado (Gonçalves, 1993,p. 196);

Não se trata, forçosamente, de uma colonização maciça e influênciasrestritas e localizadas podem desencadear movimentos muito mais amplos,alterando os equilíbrios de forças autóctones (idem, p. 202).

Conclui-se que, para o autor, o processo de calcolitização da Estremadurapassaria pela presença de indivíduos alóctones (muitos ou poucos?); nestaperspectiva, a emergência dos povoados fortificados explicar-se-ia,naturalmente, pela necessidade de defesa das pessoas e haveres dos seushabitantes, que assim se protegeriam das populações autóctones, as quais,em estádio cultural inferior, ainda sem uma fixação efectiva a um qualquerterritório, assolariam ciclicamente tais locais de vida sedentária e estável.Tal dicotomia entre autóctones (as populações do Neolítico final ou as suasdescendentes) e alóctones, encontra-se bem explicitada em outro texto domesmo autor (Gonçalves, 1994a).

Fig. 162

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Esta opção do autor, após ter enunciado anteriormente, sem se decidir pornenhuma, outras hipóteses (Gonçalves, 1988), recupera ideias que, emdécadas anteriores tinham sido defendidas, tanto por investigadores inglesescomo alemães, com especial destaque para E. Sangmeister e H. Schubartque, de 1964 a 1973, dirigiram trabalhos de escavação no Zambujal (TorresVedras). Transcreveremos algumas das mais expressivas afirmações queconsubstanciaram o pensamento dos autores:

Los fundadores, constructores y primeros habitantes de las fortificacionesde Vila Nova y Zambujal fueron o colonizadores del Mediterráneo orientalo, cuando menos, comerciantes em metales, compradores cuyos clientesradicaban en la zona oriental del Mediterráneo. Las piezas de talprocedencia en esta época hablan en favor de una inmigración directa, porlo menos de un pequeño grupo, el cual determinó el carácter de lasfortificaciones y de muchos otros elementos culturales (...). Eran lugaresde tránsito para la riqueza metalúrgica del interior (Schubart, 1969, p. 203).

Salienta-se, em outro estudo, o papel do Zambujal como "a production and atrade centre. We suggest that copper objects were manufactured there fromores brought to the site, these objects were then traded. The site wouldobviously require fortification and its situation in relation to the ocean supportsthis interpretation" (Sangmeister & Schubart, 1972, p. 196, 197).A presença de colonizadores perpassa ao longo destes textos, bem como ade populações indígenas, contra as quais se ergueriam tais muralhas ...

A última versão daqueles dois autores que corporizam, entre nós, o expoenteda doutrina colonialista – uma das poucas vertida para português – podedecompor-se em duas hipóteses distintas, mas não incompatíveis.Transcrevê-las-emos na íntegra:

Qual a origem dos construtores das fortificações de que nos ocupamos?Qual a identidade dos seus inimigos? Alguns indícios parecem assinalar oPróximo Oriente como ponto de origem dos primeiros. Não são porémsuficientes para assegurarmos que eram navegantes vindos em busca docobre e que, ao depararem-se (com a existência de minério, animaram osindígenas na sua pesquisa. Por sua vez, ao verem-se enriquecidos graças aesta nova mercadoria poderiam ter erigido fortificações para se protegeremde grupos que consigo competissem. Poderiam ter aprendido as técnicas eas tácticas dos estrangeiros da mesma forma que deles receberam osobjectos importados, ou criado imitações dos que haviam visto.

Partindo de uma mesma situação, e com algumas variantes, ambas ashipóteses são viáveis. Sem dúvida, perdura a sensação de que, com estasfortificações, algo de estranho e inteiramente novo surgiu, sendo inegávela sua semelhança com alguns povoados do Próximo Oriente" (Schubart &Sangmeister, 1987, p. 12).

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A segunda hipótese dos autores aceita que as fortificações possam resultarde um processo de competição interno, entre grupos autóctones, o que nãoestaria longe da nossa perspectiva, não fosse atribuir aos pretensos gruposexógenos a responsabilidade indirecta pela edificação de tais fortificações, eao cobre o leit-motiv da sua presença. Note-se, ainda, que não estáminimamente reconhecida, em termos arqueológicos, a coexistência, naEstremadura, de dois ou mais grupos socio-culturais distintos, no decursodo III milénio a. C. Ao contrário, o próprio registo arqueológico sugere umaevolução "in situ" da formação social calcolítica da Baixa Estremadura apartir das populações que aqui viviam, e pujantemente deixaram os traços dasua presença, no Neolítico Final, ao longo da segunda metade doIV milénio a. C., segundo datações de radiocarbono já disponíveis, comdestaque para Leceia (Oeiras), tanto em povoados, como em necrópoles(grutas naturais, grutas artificiais e monumentos megalíticos).

Num dos seus derradeiros contributos para a Pré-História peninsular,Bosch-Gimpera (1969, p. 65, 66), resumiu o estado da questão e a sua opiniãoa tal respeito em termos que, ainda hoje nos parecem actuais e que por issosubscrevemos:

Almería entonces debió tener una intensa relación con las islas delMediterráneo Occidental, en donde Malta es el puesto avanzado de larelación egeo-anatólica. A esta relación se debe el nuevo tipo de ídolo deforma humana de Los Millares (...), y, sin duda un perfeccionamento de latécnica arquitectónica, que se manifesta en las murallas con torres de LosMillares – que llegan a Portugal – (...) y la generalización de la falsa cúpulaen los "tholoi", sostenida a veces por una pilastra o columna.

No creemos que estos influjos representan, como creen Almagro, Arribas,Pigott, Sangmeister y otros, una "colonización" a la que, según ellos, habíaque atribuir los "tholoi", con falsa cúpula, y las ciudades o grandes pobladosrodeados de murallas con salientes en forma de torre como Los Millares yen Portugal Pedra do Ouro, Zambujal y Vilanova de San Pedro. Que en lacultura del Eneolítico peninsular exista la influencia de las relacionesforasteras, mediterráneas, lo hemos reconocido y de ello hemos tratado enotros lugares. Pero ni los sepulcros megalíticos son un tipo introducidopor gentes forasteras – y probablemente tampoco la idea de la falsa cúpula– ni lo que hay en la península de influencia mediterránea autoriza parahablar de "colonización" propriamente dicha y se explica por simplesrelaciones comerciales todo lo intensas que se quiera, pero que no reveanel establecimiento en el país de "colonizadores" que en él se establecen.

Vemos como, há já mais de 35 anos, se valorizavam os contactos indirectos,catalisados por força de relações de carácter comercial, na génese edesenvolvimento dos povoados fortificados da Estremadura, tal como hojeparecem confirmar os elementos disponíveis.

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A pretensa semelhança vislumbrada entre os povoados fortificados em causae outros, do Mediterrâneo oriental, foi abordada por Blance (1957, 1961).Do primeiro dos estudos referidos, destaca-se a seguinte passagem:

Desta breve análise podemos concluir que o uso dos bastiões ou cubeloscom finalidade defensiva não era desconhecido na região do MediterrâneoOriental, se bem que, por outro lado, não fosse coisa vulgar. Tais construçõesnão estão, porém, confinadas a uma determinada zona, mas sim, de ummodo geral, espalhadas por toda essa área. É todavia interessante verificarque, ao lado de todos os exemplos referidos de torres rectangulares, apenasas de Chalandriani e de Buhen apresentam a forma semicircular (op. cit.,p. 175).

Sem entrar na discussão das cronologias destas fortificações – a maioria,senão a totalidade, é ulterior aos meados do III milénio a. C. e, portanto,mais recentes que as fases mais antigas dos três grandes povoados fortificadosmelhor conhecidos do território português – Vila Nova de S. Pedro(Azambuja), Zambujal (Torres Vedras) e Leceia (Oeiras) – outro argumentodeverá ser invocado. Com efeito, necessidades idênticas de defesa requereriamsoluções técnicas semelhantes. Deste modo, aceitamos que distintascivilizações calcolíticas e da Idade do Bronze da bacia mediterrânea tenhamrecorrido à edificação de fortificações, ditadas por condicionanteseconómico-sociais específicas. Tais fortificações, fazendo uso de dispositivoselementares – muralhas, torres, bastiões, entradas – mostrariam, naturalmente,certas semelhanças entre si ...

Obviamente, não rejeitamos aos três grandes povoados estremenhos fortificadosaludidos, um certo "ar de família", ditado pela sua inserção em um ambientemeridional e mediterrâneo, de que faziam parte integrante... Aliás, assemelhanças, por exemplo, entra as grandes edificações da Idade do Bronzenurágicas da Sardenha ou talayóticas das Baleares, nada mais significa do quea simples utilização de aparelhos ciclópicos de pedra para construçõesmonumentais, que nada têm de comum entre si. É, ainda, a Bosche-Gimpera(1969, p. 67) a quem podemos recorrer para explicar tal situação:

Alcanzada la vida sedentaria normal y comenzada una vida de tipo urbano(...), las fortificaciones primitivas para defensa de los poblados se conviertennaturalmente en murallas, y ellos en fortalezas; pero en todas partes, ytanto en Los Millares como en Pedra do Ouro, Zambujal y Vilanova deSan Pedro, los hallazgos revelan una cultura indígena que no deja de serloapesar de las transformaciones singulares de sus rasgos, nunca una culturamasiva como la de los lugares de origen de las relaciones e influencias.

Tais palavras parecem, ainda, ecoar nestas outras (Jorge, 1994a, p. 459):

As semelhanças estilísticas que aglutinam muitos artefactos e arquitecturasdo mundo mediterrânico não devem ser ignoradas, mas terão de ser

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interpretadas no âmbito de outros mecanismos difusores – interacções emlarga escala – cuja natureza requer uma avaliação contextualizada (...).

Numa óptica extremista das pretendidas semelhanças arquitectónicas,poder-se-iam invocar, mesmo, influências orientais, em dois cubelosquadrangulares reconhecidos em l993 na primeira linha defensiva de Leceia,do Calcolítico Inicial, defendendo interiormente uma das entradas aliexistentes, ao que cremos os primeiros deste tipo reconhecidos no Calcolíticopeninsular.

De facto, cada povoado fortificado, mesmo os de uma mesma área cultural,embora adoptando soluções arquitectónicas comuns, ter-se-á comportado eevoluído de forma independente, adaptando-se às condicionantes geomor-fológicas naturais de maneira distinta; a solução defensiva encontrada emVila Nova de S. Pedro, com uma imponente fortificação central (Paço &Sangmeister, 1956 a, b), é distinta da de Leceia e esta aproxima-se daobservada no Zambujal, a qual, por seu turno, se adaptou a condicionantesgeomorfológicos próximos dos daquela. Claro que o tamanho da áreaconstruída influenciava também as soluções arquitectónicas adoptadas emcada caso. Tal variável é directamente proporcional, como é evidente, aonúmero de habitantes de cada sítio, o que nos conduz directamente à questãodo cálculo daquele número, nos povoados de maiores dimensões da BaixaEstremadura.

No caso de Leceia, o cálculo demográfico proposto por Chapman (1991)conduz à estimativa de 200 habitantes, considerando a área da estação (cercade 1 ha), valor ligeiramente inferior ao obtido pela relação proposta porRenfrew (1972) para povoados do Egeu, que foi de cerca de 300 habitantespor ha. A ser assim, Leceia teria idêntico número de habitantes de Vila Novade S. Pedro e cerca de um terço mais que o Zambujal (com 0,7 ha), apesarde aqui ainda se não conhecer exactamente a área ocupada pelo dispo-sitivo defensivo. Outros cálculos, baseados no número de ocupantes de cadaunidade habitacional, ou por metro quadrado de área coberta não sãoaplicáveis, visto desconhecermos, em boa parte, a extensão das estruturashabitacionais na altura existentes naqueles sítios fortificados, nem o númerode habitantes por unidade habitacional. Em todo o caso, a grande desarmoniaque se patenteia, em qualquer dos citados povoados, entre a imponência dasestruturas de carácter defensivo e o número das habitações assim protegidas,sugere que a parte mais importante da população viveria extramuros, noterritório envolvente, procurando apenas o abrigo das muralhas no decursode situações de maior tensão social.

Para alimentar uma população de 200 a 300 habitantes, número que julgamosadequado à realidade observada em Leceia, não seria necessária uma área decaptação de recursos superior à que se poderia atingir em duas ou três horasde marcha. Dentro de tal território não se reconheceram, até ao presente,

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através de cartografia arqueológica e actualizada (Cardoso & Cardoso, 1993),quaisquer núcleos activos no Calcolítico Inicial ou no Calcolítico Pleno,susceptíveis de constituirem ameaça à segurança dos habitantes de Leceia.Idêntica afirmação é válida, considerando a eventualidade de sobreposiçãoparcial de tal território com o correspondente a outro povoado situado foradaquele limite. Com efeito, a cartografia arqueológica disponível para oconcelho de Cascais (Cardoso, 1991), conquanto assinale vários povoadoscalcolíticos, nenhum corresponde à importância do de Leceia, ao menosconsiderando o registo conservado. Os habitantes daqueles poderiam, noentanto, constituir uma ameaça latente, conjuntamente com as populaçõesdisseminadas em pequenos núcleos calcolíticos, situados a Norte, tanto noconcelho de Amadora como no de Sintra, cuja existência é segura. Emconsequência, e embora não se possa invocar a ameaça corporizada por umoutro povoado de grandeza análoga, de expressão regional, o conjunto denúcleos de menor expressão identificados em um raio de 15 km em redor,poderiam constituir uma pressão constante, ainda que difusa, sobre as terrasusufruídas pelos ocupantes de Leceia; e idêntica afirmação será válida paraos restantes sítios fortificados de primeira grandeza. Assim, cremos que aconstrução destas fortalezas se terá devido mais a razões de ordem preventiva.A simples presença de uma fortificação com tamanha imponência,constituindo um marco bem evidenciado na paisagem, longe de nela sedissimular, corporizaria a posse e os direitos sobre determinado territórioenvolvente, servindo, ao mesmo tempo, como elemento dissuasor (ouintimidatório, cf. Sangmeister & Schubart, 1972, p. 197) de qualquer grupo,oriundo ou não da região, que pretendesse invadir e ocupar tal domínio.

Ao mesmo tempo, serviria como elemento de reforço da coesão interna,revendo-se os seus habitantes em tão prestigiantes quanto grandiosasconstruções servindo de verdadeiros marcos simbólicos que monumen-talizavam a paisagem, longe de nela se dissimularem e que, afinal, erampertença de todos os que nelas se reviam.

Cremos, pois, que Leceia, como o Zambujal ou Vila Nova de S. Pedro,constituem exemplo flagrante em como, na Baixa Estremadura, no decurso doCalcolítico, é possivel correlacionar os conceitos tradicionais de "fortificação","interacção" e "intensificação económica" (cf. para os dois últimos, Jorge,1994a, pp. 473 e 475). Quanto a nós, é incontornável tal interdependência:embora possa haver interacção e intensificação sem fortificação, a inversa nãocremos ser possível, para a época e região em causa.

Assim , a génese dos povoados fortificados calcolíticos da Baixa Estremadura,resultaria da evolução interna do sistema agro-pastoril herdado do NeolíticoFinal: a exploração crescente de territórios, de forma cada vez mais organizadae eficiente, reforçada pela melhoria das tecnologias de produção, conduziu àsua ocupação e demarcação efectiva e às consequentes formas de

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complexificação e de tensão social, cada vez mais intensas, mas onde, deinício, a metalurgia do cobre não teria qualquer expressão.

Os estímulos mediterrâneos, sem dúvida importantes, embora sempreexpressos de forma indirecta, teriam sido determinantes na introdução daquelametalurgia, numa fase de consolidação do sistema agro-pastoril, cujaprogressão para regiões cada vez mais setentrionais, a partir da Andaluzia,parece comprovada pelas datações absolutas disponíveis. As populações,sedeadas e repartidas por povoados-fortaleza, com o usufruto de determinadasparcelas do território, evidenciam um esboço de organização socialcrescentemente organizado e hierarquizado, francamente aberto a estímulosexternos, veiculados por intensas trocas comerciais das quais dependia, emparte, o sucesso do grupo (caso da importação de rochas duras para as tarefasdo quotidiano, como já anteriormente se referiu, no Neolítico Final daEstremadura, com intensificação no Calcolítico, como adiante se verá).

No Calcolítico Pleno da Estremadura, cujo início foi possível precisar emLeceia cerca de 2600 anos a. C., com base nas análises da C14 efectuadas(Cardoso & Soares, 1996) abundam, mais do que no período anterior, osgrandes vasos esféricos de armazenamento ("vasos de provisões"), agoraprovidos, em torno da boca, de exuberante decoração em "folha de acácia" eem "crucífera", cujas características serão adiante precisadas. No instrumentallítico, são de realçar as numerosas lâminas ovóides de sílex, na larga maioria(senão totalidade) utilizadas como elementos de foices, em proporção cercade seis superior à verificada, em Leceia, no Calcolítico Inicial, balizadocronologicamente naquela estação entre 2800 e 2600 anos a. C. Tais factossão expressivos quanto à melhoria dos níveis de produção e de consequentearmazenamento dos excedentes, possibilitados pelo aperfeiçoamento dastécnicas agrícolas, a par da introdução de novas actividades visando aexploração mais completa dos recursos, comprovada por artefactos quase ouaté mesmo desconhecidos no Calcolítico Inicial: é o caso dos chamadoselementos de tear rectangulares e dos cinchos com paredes perfuradas, quedenotam a especialização e o fabrico de produtos derivados do leite,anteriormente desconhecidos, sem esquecer o cobre. A "Revolução dosProdutos Secundários" estava, pois, em franca afirmação, na BaixaEstremadura, no decurso do Calcolítico Pleno, tal como acontecia, tanto noNordeste, como no Sudoeste; para o Alto Algarve Oriental dá-nos V.Gonçalves (1991, p. 409) explícito testemunho dessa realidade.

Importa não ignorar que a exploração de certos produtos, como o sal, sepode, também, associar à aludida diversificação e intensificação económica,com antecedentes, na região, desde o Neolítico Final/inícios do Calcolítico.É o caso da Ponta da Passadeira, Barreiro, (Soares, 2001) e do Monte daQuinta 2, Benavente (Valera, Tereso e Rebuje, 2006), sítios especializadosna obtenção de tal produto, a partir da água salobra, por evaporação.

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12.2 Faseamento do Calcolítico da Estremadura

Calcolítico Inicial

Entrevê-se, na existência de bens que careciam de defesa, pela primeira vezexcedentários na Estremadura no decurso do Neolítico Final, a instabilidadee tensão sociais intergrupos, que não só iria caracterizar todo o III milénio a. C.como estaria na origem do fenómeno da fortificação, resultante do aludidoprocesso de desenvolvimento sócio-económico, essencialmente de carácterendógeno, observado desde o início daquele milénio.

As muralhas não traduzem apenas economia. Traduzem economia esociedade.

São construídas para proteger alguém e alguma coisa de outrém. Assimsendo, a definição de esse outrém é fundamental. Como o é sabermos quetipo de sociedades se afrontam. E o contexto económico que o permite(Gonçalves, 1991, p. 405).

Eis pertinentes observações, que procuraremos discutir, neste capítulo.

Em Leceia, após um período de abandono, seguido ao Neolítico Final, quepoderá ter durado de 30 a 150 anos, mais provavelmente algumas dezenas deanos (Soares & Cardoso, 1995), assiste-se, logo no começo do Calco-lítico Inicial, situável cerca de 2800 a. C., à construção de imponentefortificação, fundada ora no substrato geológico, ora na camadacorrespondente à ocupação do Neolítico final (Cardoso, 1989; 1994; 1997;2000). Tal dispositivo defensivo respeitou, sem dúvida, um plano previamentedefinido e metodicamente levado à prática. A discordância que se observaentre esta ocupação e o povoado neolítico anterior não chega, porém, paraadmitir a existência de rupturas de ordem social (teriam certamente existidofortes alterações de natureza económica) e, muito menos, justificar a chegadade novas gentes estranhas à região. Ao contrário, entrevê-se, em talfortificação, a consequência lógica do período de instabilidade gerado noNeolítico Final e a preferência por sítios naturalmente defendidos, entãoobjecto, nalguns casos, da construção de dispositivos defensivos.

Tal como se verificou para o Neolítico Final, também o Calcolítico Inicial seencontra datado em Leceia com elevada precisão. As nove datas de radiocarbonodisponíveis, permitiram a construção de gráfico de acumulação de probabilidadee, a partir dele, o cálculo da respectiva duração e cronologia. Deste modo, parauma probabilidade de 50%, a duração do Calcolítico Inicial situar-se-á entre 2770e 2550 a. C. e, para uma probabilidade de 95%, entre 2870 e 2400 a. C. (Soares &Cardoso, 1995).

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Convém recordar, porém, que o intervalo de 50% representa o floruit do conjunto,ou seja, o seu período de florescimento (ver discussão deste conceito em Soares &Cabral, 1993, p. 220). Deste modo, tendo presentes os valores referidos, podeafirmar-se que o Calcolítico Inicial terá tido uma duração inferior à do NeolíticoFinal, correspondendo ao intervalo de 2800-2600 a. C. Assim sendo, a primeirafortificação de Leceia, edificada logo no começo do Calcolítico Inicial, ascenderiaa cerca de 2800 a. C., ou talvez a algumas dezenas de anos antes. Por outro lado, oterminus desta fase cultural situar-se-á perto de 2600 a. C., conclusão reforçadapelas datas respeitantes à fase seguinte, o Calcolítico Pleno, adiante tratadas.

Leceia documenta, pois, a par dos dois casos homólogos mais conhecidos daEstremadura – Vila Nova de São Pedro (Azambuja), onde se recolheramcentenas de pontas de seta de sílex em verdadeiros ninhos, talvez constituidoarsenais bélicos, no estrato Vila Nova I de A. do Paço (Paço, 1964, p. 145), eZambujal (Torres Vedras) – a pujança do povoamento calcolítico da BaixaEstremadura, articulado em grandes centros fortificados, de característicasproto-urbanas, cuja localização foi determinada por conjunção de condiçõesnaturais de defesa (plataformas delimitadas por escarpas), em conexão comvales agrícolas de elevada fertilidade, dominando as vias de circulação naturaisde toda a região adjacente, em estreita articulação com o estuário do Tejo(Leceia) ou com o litoral atlântico (Vila Nova de S. Pedro e, especialmente,o Zambujal); condições geomorfológicas propícias e aptidão agrícola dossolos foram, pois, os dois aspectos determinantes da selecção de tais lugaresfortificados, a que se junta a implantação numa rede de circulação regionalde pessoas e de produtos.

De facto, as actividades agrícolas em campos ou talhões circunscritos,adequados ao cultivo do trigo e da cevada, reconhecidos em Vila Nova deS. Pedro (Paço, 1954) seriam determinantes na economia e bases desubsistência destas populações, tal como as sediadas no esporão de Leceia,debruçado sobre o fértil vale da ribeira de Barcarena, ou do Zambujal, sobrea várzea da ribeira de Pedrulhos, ainda que então muito menos assoreada.

Em Leceia a importância do cultivo dos terrenos adjacentes, em encosta suavevoltada para a ribeira de Barcarena, parece encontrar-se indirectamentedenunciada pelo conteúdo polínico de camada correspondente a episódio deabandono do Calcolítico Inicial, detectado na estação. Com efeito, o Prof.João Pais (Universidade Nova de Lisboa) reconheceu, no respectivo espectro,a larga predominância de gramíneas e de compósitas, tradicionalmenteassociadas a agriculturas cerealíferas, transitoriamente dominantes em taisespaços pelo aludido abandono do povoado, que poderia, porém, não sertotal.

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Os artefactos recolhidos documentam igualmente a importância dasactividades agrícolas, como os machados, frequentemente exaustos, com ogume embotado pelo uso, destinados à desflorestação; os sachos, destinadosà cava; e numerosas mós manuais e elementos de foice, de sílex. Enfim, ahorticultura, em pequenas hortas ao longo dos vales, talvez recorrendo já asistemas de irrigação primitivos (Parreira, 1990), encontra-se ilustrada emVila Nova de São Pedro pela existência de fava (Paço, 1954) e do linho(Paço & Arthur, 1953; Paço, 1954).

Em Leceia importa também valorizar a existência de três lageados de plantacircular, considerados como o embasamento de eiras (Cardoso, 1989, Fig.73 e 74; Cardoso, 1994, Fig. 15). Tais estruturas, que seriam revestidas deargila pisada, ou greda, muito dura, à semelhança das eiras tradicionais daactualidade – e de foram encontrados vestígios em uma delas – destinar-se-iamnão apenas ao processamento dos cereais, mas também à secagem deleguminosas, como a fava. Com efeito, só assim se explica a sua conservação,por incarbonização, em Vila Nova de S. Pedro. Trata-se exemplares únicos,no Calcolítico de Portugal, e que testemunham o vigor da economia agrícolaentão já conhecida na Estremadura.

Este sistema de produção era completado pelo pastoreio de ovinos, caprinose bovinos, de onde se obtinha a larga maioria das proteínas, bem como pelacriação do porco doméstico, o que denuncia a marcada sedentarização destascomunidades e o pleno domínio da manipulação de todas as espécies demamíferos que então, como hoje, constituem o grosso da nossa alimentação.

A caça do veado e do javali documenta a existência de manchas florestaispontuando espaços abertos, ocupados por pastagens naturais, propícias àcirculação de manadas de auroques e de cavalos selvagens, também presentesnos inventários faunísticos. A recolecção de moluscos e a pesca, no litoraladjacente, então de mais fácil acesso devido à trangressão flandriana e aonão assoreamento das embocaduras dos cursos de água, encontra-seigualmente documentada na maioria dos povoados da região, completandoas bases alimentares de tais populações. A presença de diversos anzóis decobre, a par de numerosos restos de ciprinídeos (dourada e pargo) comprovama prática de uma pesca litoral, por meio de pequenas embarcações.

Enfim, o estado de exaustão de muitos machados de pedra polida, denunciaimportantes actividades florestais, não apenas para a produção de camposagrícolas ou para pastagens permanentes, mas também no âmbito de obtençãode lenhas e de produtos silvícolas, como a bolota, presente em Vila Nova deS. Pedro (Paço, 1954) e que poderia ser farinada. Entrevê-se, pelo exposto, enão só no que a Leceia diz respeito, comunidades explorando metódica eexaustivamente os recursos naturalmente disponíveis nos diversos biotaadjacentes, desde os estuários, passando pelo litoral, até aos bosques ou

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pradarias que se desenvolviam pelo interior do território. A proximidade dolitoral e a ligação com este mantida, detectada em todos os dezasseis povoadosfortificados da Estremadura inventariados por Susana O. Jorge (1994a, p. 465),expressa, objectivamente, a importância que os recursos ali facilmentedisponíveis desempenhavam na economia e bases de subsistência daquelaspopulações. Na Baixa Estremadura, tal importância encontra-se sublinhadapela distribuição dos povoados calcolíticos em torno da embocadura do Sado,aproveitando os locais altos que a marginam, do lado Norte (Silva & Soares,1986). O papel dos recursos aquáticos na dieta destas populações é ilustradopelo estudo, a vários títulos exemplar, consagrado à fauna malacológicarecolhida em um deles, o povoado da Rotura dominando o antigo braço doestuário do Sado (Silva, 1963), de todos o povoado de onde provém o maiornúmero de anzóis de cobre (Gonçalves, 1971).

Esta fase inicial do Calcolítico estremenho encontra-se particularmente bemcaracterizada, ao nível do espólio cerâmico, pela conhecida decoraçãocanelada, aplicada a dois tipos de recipientes: os copos e as taças, com nítidaincidência estratigráfica. O primeiro dos locais onde a cerâmica canelada e,particularmente, os copos, foram valorizados, como indicador cultural, foiem Vila Nova de São Pedro. Ter-se-ia de aguardar, no entanto, catorze anosapós o início das escavações, em 1937, para que A. do Paço "começasse asuspeitar" da existência de estratigrafia, e isto apesar de, já na campanha de1942, se ter reconhecido uma camada anterior à fortificação central (Paço &JalhayY, 1943).

Na 15.ª campanha (1951) ali efectuada, registou-se, enfim, a existência, sob oparamento interno da muralha da fortificação central, de duas camadas bemdiferenciadas (Paço & Arthur, 1952, p. 293), precisando-se a ocorrência, na camadainferior, de "uma cerâmica vermelha, muito perfeita, em cuja confecção se utilizarambarros finos e bem peneirados, a que se deu boa cozedura, diferindo completamentedos restantes elementos". Trata-se, como adiante explicam, de "um tipo de vasoscaliciformes, espécie de copo fundo ligeiramente abaulado e abrindo suavementena boca, cuja decoração se limita a sulcos paralelos, axadrezados ou em espinha,ligeiro brunido feito com um instrumento rombo sobre o barro a que, por fricção,se deu uma espécie de polimento" (idem, ibidem). É indubitável que os autores sereportam aos recipientes que vieram a ficar conhecidos por "copos canelados",forma emblemática da fase cultural Vila Nova I , correlativa da camada basalsubjacente à fortificação central, podendo considerar-se como o estratótipo(adoptando a terminologia da Geologia Estratigráfica) do Calcolítico Inicial daEstremadura. Em pequeno estudo dedicado a tal tipo cerâmico, A. do Paço declaraque "El estrato se asentaba directamente sobre la base rocosa del castro, variandosu espesor entre los 25 y 30 cm" (Paço, 1959, p. 254).

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A relação geométrica de tal camada com a fortificação interna, foi entãoconfirmada, pela execução de corte transversal intersectando aquela estrutura,realizado em 1959 (Savory, 1970). Aquele tipo de cerâmica – a"Importkeramik" de Sangmeister (in Paço & Sangmeister, 1956a) – assumiriaassim grande importância na doutrina colonialista que defendiam também,explicitamente assumida, na mesma época, por outros investigadores (Blance,1961), visto que, na sua opinião, era muito semelhante a cerâmicas do Egeu(Cicládico antigo).

Não ocorrendo em nenhuma outra região peninsular, seria lícito, naperspectiva daqueles autores, admitir-se uma relação directa do MediterrâneoOriental com a Estremadura portuguesa, região considerada como "a portade entrada de influências orientais chegadas por via marítima" em épocapré-campaniforme (Leisner, 1961). A autora é explícita em relação a esteponto: "A frequência da decoração em espinhas, que liga a cerâmicapré-campaniforme sobretudo à das ilhas do Mar Egeu, permite admitir umcontacto directo com as civilizações daquelas regiões" (op. cit,. p. 426, 427),sobretudo pela falta aparente de estações intermediárias suficientementeilustrativas das rotas desses navegadores, ao longo da costa marítimamediterrânica, facto que, por outro lado, também não deixa de ser argumentodesabonatório a favor de tão longínquos contactos ...

A valorização do referido motivo decorativo, na óptica de contactos comaquela região do Mediterrâneo, tinha já sido apresentada por Paço &Sangmeister (1956b). O entusiasmo de Sangmeister, ao ter deparado, pelaprimeira vez, com a imponente fortificação de Vila Nova de S. Pedro –declarando que nada de semelhante lhe fora dado observar, a par dos bonsresultados de 1955, cognominada a "campanha das muralhas" – poderão,em parte, explicar, a tónica dada à procura de paralelos longínquos (em LosMillares reiniciavam-se, então, os trabalhos de campo). Não esqueçamos odifusionismo levado ao extremo da época, ao ponto de se entreverem, naspinturas dolménicas da Beira Alta, parentescos egípcios (Leisner, 1961,pp. 425, 426). Uma "nuance" é introduzida por Savory (1970, p. 28 datradução portuguesa): "Os "copos" poderiam representar um horizontecronológico comparativamente estreito e um elemento novo na população,mas, embora as suas origens pareçam ser devidas a um povo que pode serdescrito como "colonizador, não são certamente importados mas de manu-factura local pois, qualquer que possa ser a sua inspiração, não têm paralelosexactos fora do estuário do Tejo". Actualmente, podemos mesmo afirmarque se trata de forma já presente no Neolítico final de Leceia (Cardosoet al., 1983/84; 1995), a mesma que, no Calcolítico Inicial, e em percentagensidênticas, sempre inferiores, no conjunto da totalidade das formas, a 1,0%,se apresenta frequentemente decorada (Cardoso, Soares & Silva, 1996).

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Ainda no respeitante às cerâmicas decoradas, observa-se a aplicação da técnicacanelada, à decoração do interior de grandes taças de bordo espessadointeriormente, forma que substituiu, na Estremadura, as taças carenadas doNeolítico Final (além do estudo de Leisner 1961, de carácter monográfico,cf. Cardoso, 1989, Fig. 119, n.º 6; Cardoso, 1994a, Fig. 118, n.os 2 e 119,n.os 3 e 4). Este tipo de recipientes decorados ocorre, por vezes, no Calcolíticodo Sudoeste, como no povoado de Porto Torrão, Ferreira do Alentejo, o queconstitui uma prova da existência, a par de outras, de contactos entra a áreaEstremenha e a do Sudoeste, no decurso do Calcolítico.

Ao nível do restante espólio do Calcolítico Inicial da Estremadura,evidencia-se a qualidade do talhe bifacial de certos artefactos líticos, porvezes denominado de "retoque egípcio", outra alusão, não inocente, aoMediterrâneo oriental, invocada pelo precursor do difusionismo calcolíticoentre nós (Jalhay, 1943). Porém, tal técnica de lascamento era já conhecidano Neolítico Final desta região, sendo ilustrada pelas belas alabardas dediversas necrópoles da região, para além dos elementos foliáceos bifaciais,vulgo "foicinhas". Tal técnica tem agora expressão em artefactos finamentetrabalhados, como as belas pontas de seta mitriformes, de facto desconhecidasno Neolítico Final, cujas características foram conotadas, a par de outrosmateriais recuperados no povoado de Vila Nova de S. Pedro, com exemplaresdo Egipto pré-dinástico. A estes artefactos, outros se poderiam juntar, comas mesmas pretensas raízes, como alguns ídolos com gola (talvez amuletosdestinados à fixação a colares através da referida gola), de osso e, ainda,certos alfinetes de cabeça maciça torneada, com o formato da cápsula dapapoila, recolhidos em diversos povoados calcolíticos da Estremadura, comdestaque para Leceia e Vila Nova de S. Pedro. Se é mais do que lícito nãoaceitar influências culturais directas tão longínquas, já o mesmo não sucedecom outras, que, veiculadas pela via comercial, seriam oriundas do Norte deÁfrica: tal é o caso da presença de um fragmento de alfinete de marfim,recolhido em Leceia em 2002, bem como de diversos artefactos da mesmasubstância, encontrados por Estácio da Veiga em diversos monumentosmegalíticos calcolíticos do Algarve, incluindo porções de marfim em bruto,destinados ao afeiçoamento de artefactos de pequenas dimensões. Entre outrasocorrências assinaladas na bibliografia, merece destaque um alfinete (quepode ser de osso) com cabeça em forma de falcão: é sugestiva, nesta peça,mais do que em qualquer outra sua congénere, a relação com a mitologiaegípcia (Gomes, 2005), também expressa numa outra peça de Vila Nova deSão Pedro, a qual por possuir cunho religioso mais evidente, será tratada nocapítulo correspondente.

De salientar, no Calcolítico Inicial da Estremadura, a ausência segura deartefactos de cobre, ao menos em Leceia (desconhece-se se também noZambujal; em Vila Nova de S. Pedro, a deficiência do registo arqueológico

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impede-nos de maiores rigores, embora Savory (1970) não os tenhaencontrado, no corte de 1959, na camada com "copos", pertencente a estafase cultural).

Este aspecto é da maior importância; em Leceia, o escasso número de peçasde cobre reportáveis ao Calcolítico Inicial (podendo, mais provavelmente,tratar-se de contaminações mais recentes) é significativo, atendendo àrepresentatividade da área escavada, demonstrando que a construção destafortificação foi ditada por necessidades de defesa estranhas à metalurgia,contrariando as teses desenvolvidas a partir da escavação do Zambujal, nasdécadas de 1960 e de 1970, segundo as quais o cobre constituía o "leitmotiv"da presença, nesta finisterra da Europa, de grupos de prospectores,metalurgistas e comerciantes deste metal, oriundos dos confins doMediterrâneo oriental. Voltaremos a este ponto.

As sucessivas fases de reforço de estruturas, observadas em Leceia (aquiapenas no decurso do Calcolítico Inicial), tal como no Zambujal e em VilaNova de S. Pedro (evidenciadas pelas escavações de V. S. Gonçalves, nadécada de 1980), respeitaram, tal como a construção inicial, um plano globale reajustamentos planeados; revelam, outrossim, a manutenção e, talvez, oagravamento da instabilidade social no decurso do Calcolítico Inicial, períodode cerca de 300 anos, durante a 1.ª metade do III milénio a. C. A imponênciadaquelas construções revela, outrossim, uma sociedade inter- eintra-comunitariamente já hierarquizada. O modelo tribal, que pressupõeigualitarismo, fortalecido pelos laços consaguíneos, não se adapta à realidadeobservada; é mais adequado entrevermos sociedade sedentária, francamenteestabilizada no território, cuja abertura aos estímulos exógenos, teriapropiciado e favorecido a chegada de forasteiros; a sua presença teriaacentuado uma crescente diferenciação social e o surgimento de ofícios eactividades especializadas, como a metalurgia que estão na origem dacomplexidade económica e social que caracterizam todo o III milénio a. C.Ganha assim explicação a existência de diversas estruturas habitacionais dediferente qualidade construtiva e tamanho, segundo a posição de maior oumenor privilégio que teriam, no seio da área construída em Leceia,proporcional ao destaque social dos respectivos moradores. É o caso deimponente casa de planta circular, não por acaso situada na área melhordefendida, enquanto que outras, de menor tamanho e construção maisdeficiente, se situam em zonas mais expostas a eventuais ataques inimigos.

Por outro lado, nesta imponente fortificação – cuja área construída, como sedisse, se aproxima da de Vila Nova de S. Pedro, (1 ha) e é maior que a até aopresente explorada do Zambujal (0,7 ha) – encontra-se implícita a existênciade excedentes alimentares, susceptíveis de permitirem o afastamento dasactividades produtivas do segmento mais activo da população, pelo período

Fig. 167

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de tempo necessário à sua construção, situação extensível à das suascongéneres.

Enfim, entrevê-se, não apenas a divisão do trabalho (como em qualquercomunidade tribal), mas a própria hierarquização das funções, competindo adeterminada "elite" da comunidade a coordenação do trabalho de todos.

A fase cultural designada Calcolítico Inicial da Estremadura, de que tratámosneste ponto, foi encontrada isolada, entre outros, no pequeno povoado doAlto do Dafundo, Oeiras (Gonçalves & Serrão, 1978) e no Pedrão, Setúbal(Soares & Silva, 1975).

A posição estratigráfica do Calcolítico Inicial, bem definida em Leceia, reveste-sede muito interesse, visto serem escassas as estratigrafias disponíveis até agora naEstremadura, e de interesse e significado limitados. De facto, no povoado de Parede,Cascais (Serrão, 1983) foi isolada camada (a 4.ª), contendo cerâmica canelada;porém, as condições em que decorreram as escavações – que o prório autor é oprimeiro a lamentar – bem como a limitada área intervencionada desta já muitoarrasada estação, impediram maiores certezas. O outro sítio estremenho é o castroda Rotura. Nos cortes estudados (Ferreira & Silva, 1970) evidenciou-se , na camadabasal, um fragmento de taça com decoração canelada e nenhum dos característicos"copos", observações confirmadas em trabalho ulterior (Silva, 1971). Ao contrário,ocorriam, de forma abundante, fragmentos de grandes recipientes decorados apunção rombo, a par de outros cuja decoração foi produzida por meio de punçãofixo (xadrês e outros), característicos do Calcolítico Pleno. Tais factos, a que sesoma a presença abundante de metalurgia, representada por numerosos fragmentosde cadinhos de fundição, leva-nos a atribuir a referida camada já ao CalcolíticoPleno, talvez a fase inicial deste período, compatível com a recentemente isoladano castro da Columbeira (Gonçalves, 1994), onde o uso dos motivos impressos,em "folha de acácia" e em "crucífera" ainda era desconhecido. Tal hipóteseresponderia, assim, às dúvidas da atribuição de tal camada "talvez pertencente aum momento tardio do Calcolítico Antigo da Estremadura" (Silva & Soares, 1986,p. 83).

O Calcolítico Inicial corresponde, inquestionavelmente, na Estremadura, auma época de florescimento económico, expressa pelas melhorias obtidasna capacidade produtiva, umas conhecidas desde o final do Neolítico, outrasexclusivamente calcolíticas.

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Calcolítico Pleno

A fase cultural seguinte encontra-se em geral bem documentada nos povoadosocupados ou fundados na fase cultural anterior; aparentemente, tal fasecultural foi também documentada de forma isolada em pequenos povoados,tal como o verificado nalguns do Calcolítico Inicial e do Calcolítico Final(época das cerâmicas campaniformes), facto que era desconhecido de Jorge(1994, p. 468).

As dezoito datas radiocarbónicas disponíveis em Leceia para o CalcolíticoPleno, conjuntamente com as respeitantes às outras fases culturais alirepresentadas, fazem deste povoado calcolítico o melhor caracterizado, emtermos da respectiva evolução cronológico-cultural, de todos os existentesem território português. O tratamento estatístico respectivo do conjuntopermitiu, pela primeira vez, situar a transição entre o Calcolítico Inicial e oPleno cerca de 2600 a. C. (Cardoso & Soares, 1995). Uma maior precisão é,de momento, impossível, atendendo a que a curva de calibração disponível(Stuiver & Pearson, 1993; Stuiver & Reimer, 1993) possui uma inclinaçãomuito fraca e com muitas oscilações. O terminus desta fase cultural pode, damesma forma, situar-se cerca de 2200 a. C. sendo contemporâneo, tanto emLeceia, como noutros grandes povoados estremenhos, das cerâmicascampaniformes, que corporizam o último período calcolítico na Estremadura.

A especial atenção que continua a ser dispensada às estruturas defensivas,no Zambujal, até à época campaniforme (Sangmeister & Schubart, 1981),não tem equivalente em Leceia, onde todo o dispositivo foi edificado de umasó vez. As estruturas defensivas pré-existentes entraram em rápida decadência,encontrando-se muitas delas então já arrasadas até aos alicerces, como secomprova pela sua sobreposição por estruturas habitacionais do CalcolíticoPleno. Em Vila Nova de S. Pedro, ter-se-á construído, progressiva-mente, do exterior para o interior, segundo observações das últimas escavações(Gonçalves, 1994b), de tal forma que a fortificação central é a mais modernadas três linhas muralhadas identificadas, o que aliás está de acordo com asobservações estratigráficas atrás expostas.

O corte efectuado neste arqueossítio em 1959 (Savory, 1970), permitiu aidentificação de uma nova fase cultural, com expressão estratigráfica, atéentão não isolada na Estremadura, a que anteriormente já se fez referência:"Os fragmentos de "copos", no corte de 1959, concentravam-se no mais baixodos níveis pré-fortificação e não ocorrem no nível que formava a base interiore exterior da muralha interna em Vila Nova antes da sua destruição o qualcontém a olaria característica, as pontas de seta em sílex e a metalurgia daCultura Millarense ..." (p. 26 da tradução portuguesa). Esta segunda fasecultural, que o autor faz corresponder a colonizadores de Los Millares (Savory,

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1968), corresponde, à transição de uma aceitação: de colonizações a largadistância, nunca explicitamente por este autor defendidas, passou-se acolonizações intra-peninsulares, o que estará mais próximo dos conceitosdifusionistas e de deslocação de pequenos segmentos populacionais, a escalalimitada, que seriam óbvios e naturais.

A correlação cultural da camada sobreposta à dos "copos", em Vila Nova deS. Pedro (o Período II de Savory), com Calcolítico Pleno da Estremadura,não é isenta de algumas reservas. Com efeito, o autor valoriza as peçascerâmicas simbólicas com decorações solares, com evidentes paralelosmillarenses, mas não menciona uma única vez os característcos padrões em"folha de acácia" ou em "crucífera". Estes são apenas referidos (sob adesignação de "olaria de Chibanes", na tradução portuguesa, p. 27), no PeríodoIII, coexistindo com recipientes campaniformes. A. do Paço, tendo-osencontrado, não lhes conseguiu atribuir qualquer significadocronológico-cultural, bem pelo contrário, como se depreende das suaspalavras, a propósito de exemplares do povoado fortificado da Pedra de Ouro,Alenquer (Paço, 1966, p. 127): "O problema da cronologia destas últimascerâmicas é um dos que mais nos tem preocupado, pois até agora não nosaparecem em extracto (sic) verdadeiramente definido. Presumimos que sejamposteriores à cultura do vaso campaniforme", conclusão que, como severificou ulteriormente, não corresponde à verdade. É provável que a suanão ocorrência, na camada sobrejacente à dos "copos", em Vila Nova de S.Pedro, aquando do corte ali realizado por Savory, tenha a ver mais com aexiguidade deste.

Seja como for, as estratigrafias obtidas nos três arqueossítios referidos, devalor muito desigual, são dificilmente correlacionáveis. Em Vila Nova deS. Pedro, não se dispõe de qualquer registo gráfico de qualidade, a não ser ocorte estratigráfico de 1959, de representatividade muito circunscrita, comose disse (o que é reconhecido pelo próprio autor), não sendo utilizáveis asescassas fotografias publicadas anteriormente. No Zambujal, o registo gráficoprivilegiou a definição das sucessivas fases construtivas em detrimento daexecução de cortes estratigráficos e correspondente interpretação cultural,com base no respectivo conteúdo arqueográfico (Sangmeister & Schubart,1981). Com efeito, os escavadores adoptaram o esquema definido em VilaNova de S. Pedro por Paço & Sangmeister (1956b), considerando apenasduas fases culturais: a pré-campaniforme e a campaniforme, princípiometodológico aparentemente contrariado pela ocorrência, ao longo de toda asequência construtiva, embora em percentagens variáveis, das cerâmicas dotipo "folha de acácia" ou "crucífera" (Kunst, 1987, Abb. 70), consideradastípicas do Calcolítico Pleno.

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No entanto, os resultados da distribuição percentual pela sequênciaestratigráfica dos três grupos principais de produções cerâmicas presentesao longo do Calcolítico da Estremadura, efectuada por aquele autor: cerâmicascaneladas (copos e taças); cerâmicas com decoração em "folha de acácia" e"crucífera"; e cerâmicas campaniformes, vistos globalmente, não se afastamuito dos resultados obtidos em Leceia: de facto, as produções caneladassão mais abundantes nos níveis inferiores, enquanto os dois grupos restantesdominam na parte superior, verificando-se a maior incidência das cerâmicascampaniformes nos mais modernos de entre estes.

Se o conhecimento é disperso e de valor muito desigual, para os três povoadosestremenhos mais intensamente estudados, que dizer daqueles onde aspesquisas se limitaram a sondagens muito circunscritas, na maioria dos casosfeitas por métodos obsoletos, sem registos nem indicações estratigráficaspara o espólio exumado? Não obstante, tais sítios, sendo embora menosmonumentais, nem por isso o seu valor científico é inferior ao daqueles. É ocaso do povoado fortificado da Columbeira, Bombarral, ainda não publicadocomo merecia, dado o interesse das escavações ali realizadas e do sítio,também fortificado, do Outeiro Redondo (Sesimbra) igualmente com umasucessão estratigráfica importante, em curso de investigação pelo signatário.

12.3 Metalurgia do cobre e comércio transregional

A metalurgia do cobre só se terá verdadeiramente desenvolvido, de formacomprovada, na Estremadura, no decurso do Calcolítico Pleno, como édemonstrado em Leceia. A importância, neste aspecto, dispensada a estearqueossítio justifica-se. Dos três grandes povoados estremenhos referidos,é o único para o qual se dispõe de uma estratigrafia de significado culturalbem definido, alicerçada no respectivo conteúdo artefactual.

De facto, a referência a peças de cobre na camada pré-campaniforme, ouVila Nova I, de Vila Nova de S. Pedro (Paço & Sangmeister, 1956a; Paço &Arthur, 1956, p. 536), embora raras, nada prova quanto à existência de taispeças no Calcolítico Inicial, visto aquela camada englobar, para os autores,tanto o Calcolítico Inicial como o Pleno. Isto mesmo é explicitamenteprecisado por Savory (1970, p. 20 da tradução portuguesa): "...os cortes de1959 têm uma importância especial na medida em que demonstraram que afase consagrada na literatura da especialidade como "Vila Nova I" consistiade facto em duas culturas sucessivas e distintas que podem ser reconhecidasem várias outras estações portuguesas". O mesmo autor declara não terencontrado nenhum artefacto de cobre na camada com "copos",correspondente à primeira ocupação do arqueossítio. O próprio A. do Paço

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(1964, p. 144) é categórico quanto à total ausência de metal em tal camada,considerando-a "sem qualquer mescla de metalurgia".

Assim, pode concluir-se que a actividade metalúrgica atestada, por vezes deforma frisante, em diversos povoados da Baixa Estremadura, foi só introduzidaem fase já avançada do Calcolítico. Em Vila Nova de S. Pedro, encontrou-seuma acumulação de cerca de 13,5 kg de mineral limonítico com incrustaçõesde malaquite por tratar (Paço & Jalhay, 1945), embora estudo recente nãovalorize esta ocorrência no âmbito da produção metalúrgica da época (Soares,2005); no Zambujal, identificaram-se mesmo áreas destinadas à fundição,constituídas por lareiras agrupadas em círculo ao redor de uma superfícieplana de barro cozido, com os bordos elevados, as quais continham centenasde gotas de cobre (Schubart & Sangmeister, 1987); e são inúmeros ostestemunhos em outros povoados de pingos e escórias, como em Leceia.Aqui, produzir-se-ia, em áreas restritas do espaço habitado, um instrumentalvariado, com destaque para os pequenos artefactos, como sovelas, escoprose punções.

Algumas peças, pela sua raridade, mereceram destaque, e nalguns casosconotações culturais mediterrâneas: é o caso de uma bela faca curva, debronze, ainda conservando o cabo de osso, de Vila Nova de São Pedro, queE. Jalhay admitiu possuir ascendência egípcia, à semelhança de outrosartefactos atrás referidos (Jalhay, 1943). Com efeito, caso fosse possíveldemonstrar que esta peça provém da ocupação calcolítica, tal hipótese seriaincontornável. Note-se que existe artefacto análogo do povoado da Rotura(Setúbal) embora neste caso se desconheça a respectiva composição.

A preferência dada aos pequenos artefactos de cobre na generalidade dospovoados calcolíticos portugueses explica-se: por um lado, a escassez doentão precioso metal, não favorecia o fabrico de grandes artefactos; por outrolado, seriam preferencialmente fabricados os destinados a funções específicas,que os seus equivalentes líticos desempenhavam menos eficazmente, comofuradores, anzóis e sovelas. De facto, os grandes machados de cobre,corresponderiam mais a peças de prestígio, ou, tão-somente, a simpleslingotes, sem funções práticas, como foi já sugerido para o povoado calcolíticode Porto Mourão, do Grupo do Sudoeste (Soares et al., 1994).

É evidente que o cobre puro, de que são feitos, não poderia competir, quantoà dureza e resistência, com qualquer machado de anfibolito, de obtençãomuito menos dispendiosa. A tal propósito é interessante registar a existênciaem Leceia de dois gumes de machados cortados (Cardoso, 1989, Fig. 108,n.º 13; Cardoso, 1994a, Fig. 136), a que se somam outras peças, de VilaNova de S. Pedro (Jalhay & Paço, 1945), do Zambujal (Sangmeister, 1995),do Outeiro de São Mamede, Óbidos (Cardoso & Carreira, 2003), e de diversospovoados do Calcolítico do Sudoeste, como o Monte da Tumba (Silva &

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Soares, 1987, Fig. 4). Qual o significado de tais peças? Cremos que se podemconsiderar como porções extraídas de machados-lingote, destinadas a ulteriortransformação, que não se chegou a consumar. Com efeito, mesmo que oobjectivo fosse o reavivamento dos gumes, embotados pelo uso, então taldesiderato seria facilmente atingido por nova martelagem (sabendo que taloperação conduz, por acrécimo, a um endurecimento do metal), sem quefosse necessário a eliminação do próprio gume.

Seja como for, nos povoados do Outeiro de São Mamede e do OuteiroRedondo, tal como em Leceia, encontraram-se alguns pequenos lingotes,produzidos provavelmente em povoados mineiros nas imediações dos locaisde extracção, e ulteriormente comerciados. A sua origem mais provável residenas mineralizações disseminadas do Alto Alentejo, segundo estudosactualmente em curso, dado que na Estremadura a existência de cobre, sob aforma de carbonatos (malaquite) é insignificante, não sendo suficiente parajustificar o volume das produções conhecidas.

O cobre poderá ser visto, deste modo, apenas como uma extensão daRevolução dos Produtos Secundários (RPS), visando a melhoria da eficiênciade determinados instrumentos de produção ou de transformação, conducentesà diversidade e especialização dos bens de consumo, designadamentealimentares. Neste contexto, não cremos que deva ser demasiado valorizadaa sua presença como agente de mudança económica ou social.

Aliás, a importância do cobre, mesmo em regiões em que existe, como abacia do baixo Guadiana, não pode ser sobrevalorizada. Ali, foram os cursosde água, e os solos com aptidão agrícola, mais do que os recursos mineiros,que estruturaram o povoamento calcolítico (Soares, 1992, Figs. 1 e 2; Silva& Soares, 1993).

A tardia generalização da metalurgia do cobre na Estremadura, no CalcolíticoPleno, acompanha, simplesmente, outras novidades tecnológicas, típicas daRPS, em pleno III milénio a. C., como a fiação – os elementos de tear sãomenos frequentes na Camada 3 de Leceia, do Calcolítico Inicial – ou atransformação de produtos lácteos: os cinchos utilizados na produção dametalurgia encontram-se mesmo dela ausentes, como já anteriormente se referiu.A este propósito, é interessante referir, com todas as reservas decorrentes demétodos de escavação pouco rigorosos e de análise arqueográfica igualmentegrosseira, que A. do Paço (1964, p. 146) já tenha observado, acerca de VilaNova de S. Pedro, que "As condições económicas que sofreram alteração coma vinda dos metalúrgicos do cobre, apresentam agora mais indícios de indústriasde fiação e tecelagem, de fabrico de produtos lácteos... ".

Já na década de 1950 na sequência de V. Gordon Childe, se relacionou aprogressão dos construtores de tholoi – identificados com populações de

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prospectores e de metalurgistas do cobre – com a difusão do uso deste metal,da Andaluzia, até à Estremadura, passando pelo Alentejo (Ferreira & Viana,1956; Viana et al., 1961). Na Estremadura, estes sepulcros são escassos, nãoatingindo uma dezena; tal como os monumentos do mesmo tipo do Algarvee os do Sudeste espanhol, compõem-se de um corredor sob tumulus,antecedido ou não por átrio a céu aberto, que dá acesso a uma câmara emgeral de planta circular, com cobertura em falsa cúpula, cujo arranque, nalgunscasos, ainda foi possível observar, como na tholos da Tituaria, Mafra. Omonumento mais setentrional no território português deste tipo não ultrapassao paralelo de Paimogo, Lourinhã, denunciando nítida filiação meridional,embora seja aceitável admitir ainda como tal, o destruído megálito deCabecinha Grande, Figueira da Foz, escavado por António dos Santos Rocha,a que já anteriormente se fez referência.

As recentes datações de povoados calcolíticos do Grupo do Sudoeste parecemconfirmar a progressão da metalurgia do cobre, de sul para norte, ao daremcomo mais precoce o uso do cobre no Algarve e Baixo Alentejo do que naEstremadura (Soares & Cabral, 1993). Tal como na Estremadura, tambémno Sudoeste, o uso do cobre "não é possível conectá-lo globalmente com asfortificações ali conhecidas" (Jorge, 1994a, p. 476).

Os resultados resultantes das análises feitas sistematicamente pelo métodoXRF (fluorescência de Raios X) em todos os cerca de 130 artefactos até aopresente recolhidos em Leceia efectuados – um dos maiores conjuntosmetálicos peninsulares pré-históricos de características cronológico-culturaishomogéneas e provenientes de uma única estação – bem como as cerca de45 peças submetidas a análise por FNAA (análise de activação com neutrõesrápidos acelerados em ciclotrão) – permitiram as seguintes conclusões gerais(Cardoso & Guerra, 1997):

- a matéria-prima original é, invariavelmente, o cobre nativo; as análisesrevelaram, de facto, cobres quase puros, compatíveis com ascaracterísticas de tais minérios;

- o arsénio varia entre 0,5 e cerca de 5% (análises por FNAA). A conti-nuidade da distribuição deste elemento evidencia o carácter aleatórioda sua presença, subordinada à composição dos minérios utilizados enão em consequência de uma sua qualquer adição intencional; estaconclusão confirma, inteiramente, opinião anteriormente expressa atal respeito (Ferreira, 1961, 1970);

- o enriquecimento superficial secundário de arsénio, bem como de ferro,pode ser evidenciado comparando os resultados de FNAA, respeitantesao interior não alterado das peças e de XRF, respeitantes à suasuperfície.

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A demonstração de que o cobre nativo constituía a fonte principal dematéria-prima, aliás em consonância com o já sabido a respeito de metalurgiacalcolítica, reforça a hipótese de a sua mineração se efectuar em especial naregião alto-alentejana, onde ocorrem filões de quartzo com mineralizaçõesde cobre nativo, mais do que na faixa piritosa baixo-alentejana. Neste contexto,afigura-se importante a ocorrência de diversos lingotes de cobre em povoadosda Estremadura, como os anteriormente referidos. As duas únicas ocorrênciasde lingotes registadas no Sudoeste – Santa Justa (Gonçalves, 1989, Est. 228,n.º 7) e Porto Mourão (Soares et al., 1994) podem sem dificuldaderelacionar-se com jazigos cupríferos existentes nas proximidades de aquelesdois povoados calcolíticos. O seu achado vem ilustrar o comércio do cobre,sob a forma de lingotes, desde a área de exploração, onde seriam produzidos,até aos povoados, onde seriam transformados em diversos artefactos,recorrendo especialmente à técnica da martelagem.

Também a ocorrência de rochas anfibolíticas nos povoados calcolíticos daEstremadura, região onde se desconhece tal tipo petrográfico, ilustra, atémais expressivamente que o cobre, o comércio transregional dematérias-primas estratégicas. Já anteriormente se assinalou a presença detais rochas no Neolítico Final da estremadura, as quais constituíam já a maioriadas utilizadas para a confecção de artefactos de pedra polida (machados,enxós, goivas, sachos, escopros, etc.) No decurso do Calcolítico, evidenciou-se em Leceia o acréscimo percentual da presença deste grupo petrográfico,atingindo, no Calcolítico Pleno, valores superiores a 80% de todas as rochasutilizadas (Cardoso, 2004). Nalguns casos, reconheceram-se autênticoslingotes líticos – alguns exemplares recolhidos em Leceia com escassa ounula transformação atestam-nos – oriundos provavelmente da região deMontemor-o-Novo, Avis, Abrantes, região mais próxima onde este tipopetrográfico ocorre em diversos locais, pressupondo a existência de rotascomerciais e de circulação de produtos estáveis, permanentes e duradouras,incluindo o cobre, já referido. Apenas ínfima parte das rochas duras são deorigem regional, incluindo tipos petrográficos muito variados (rochas ígneas,metamórficas e sedimentares) todas elas disponíveis na região de Sintra –Mafra – Loures.

No Castro de Santiago, Fornos de Algodres, situado na bacia do AltoMondego, documentou-se, igualmente, a presença de "blocos de anfibolitotalhados e preparados" (Valera, 1994, p. 157), para o fabrico de machados ede enxós, por certo resultantes da exploração de minas da região.

Foi, pois, a existência de um sobreproduto económico, resultante daacumulação de excedentes de produção agrícola, que possibilitou a estascomunidades calcolíticas da Baixa Estremadura o estabelecimento emanutenção de permutas de carácter transregional, conducentes aoaprovisionamento de matérias-primas estratégicas – no caso, rochas

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anfibolíticas – de cuja existência dependia a satisfação de actividades vitaispara a sobrevivência da comunidade. Trata-se de exemplo dos maisinteressantes, pelas distâncias envolvidas, de abastecimento especializadode matéria-prima no âmbito da Pré-história peninsular e, mesmo europeia.Em contrapartida, a Estremadura é rica em sílex, que ocorre sob a forma denódulos ou de leitos inter-estratificados nos calcários mesosóicos, queconstituem uma das suas unidades morfo-estruturais mais importantes,matéria-prima escassa no Alentejo, como nas Beiras. Deste modo, reuniam-seas condições para suportar as permutas de sílex por anfibolitos, queconstituíram, como se disse, uma das realidades económicas mais marcantesda segunda metade do IV milénio a. C., até finais do milénio seguinte. Umdos exemplos mais notáveis da exploração pré-histórica do sílex foicasualmente encontrado, quando se abriu o túnel ferroviário do Rossio, emLisboa, tendo então sido intersectada, do lado de Campolide, diversas galerias,ainda com numerosos percutores de basalto utililizados na exploração(Choffat, 1889).

Estas trocas comerciais de matérias-primas de origem geológica, permitiram,por outro lado, a difusão a longa distância de certos produtos ou objectosditos de "prestígio". Destaque para as contas de minerais verdes, sobretudopertencentes ao grupo da variscite, mineral quase desconhecido no territórioportuguês, sobretudo em massas susceptíveis de obtenção de contasvolumosas como algumas que aqui ocorrem pelo menos desde o NeolíticoFinal, como anteriormente se disse. Outro exemplo é o marfim, matéria-primatambém já atrás referida, utilizada para a confecção de peças de adorno oude prestígio, cuja origem norte-africana é a mais provável, pondo de parte apossibilidade, contrariada pelo próprio aspecto das peças, de corresponderemà utilização de marfim fóssil, de elefantes quaternários.

Tais produtos evidenciam, assim, a pujança económica destas comunidades,francamente abertas ao estabelecimento de permutas a média e longa distância,favorecidas pela localização geográfica dos principais povoados, dominandoas principais vias de circulação ou penetração no interior do território. "Emvariedade de matérias-primas intercambiadas, a Estremadura ocupa o primeirolugar" (Jorge, 1994, p. 475), no Calcolítico, comparativamente às restantesáreas estudadas por aquela autora.

Mesmo matérias primas abundantes na Baixa Estremadura, proviriam, um tantoparadoxalmente, embora em pequena quantidade, do Alentejo. Assim se explica aocorrência de pontas de seta de xistos jaspóides ou siliciosos, que talvez viessempor acréscimo no comércio dos anfibolitos. Inversamente, em povoados alentejanos,têm ocorrido, esporadicamente, peças cerâmicas de origem estremenha: é o caso

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de fragmentos decorados em "folha de acácia" e "crucífera", recolhidos no Monteda Tumba (Silva & Soares, 1987, Fig. 25, n.os 10 e 11), do Calcolítico Plenoestremenho. No Monte da Tumba também se recolheram alguns fragmentos comdecoração canelada afins dos "copos" e contemporâneos destes ( 1.ª fase de ocupaçãodaquele povoado, cf. Silva & Soares, 1987, Fig. 25, n.º 5).

Tais trocas comerciais constituiriam o suporte material para a difusão deinfluências ao nível da superestrutura mágico-religiosa, com origem nointerior do território alentejano, fenómeno que ascende ao Neolítico Final:assim se explica a ocorrência, por vezes abundante e constante, em numerosasestações funerárias do Neolítico Final da Estremadura, de placas de xisto ede outros objectos de índole ideotécnica, como os célebres "báculos" de xisto,cuja origem alentejana é inquestionável, cuja presença (em particular dasplacas de xisto) persiste nos mais importantes povoados calcolíticosestremenhos: Vila Nova de São Pedro, Zambujal, Leceia, são disso exemplo,para além de outros, de menor expressão, como o Pedrão (Soares & Silva,1975). Não há dúvida que a produção de placas de xisto teve o seu centromais importante no Alentejo Central (região de Évora – Reguengos), sendofabricadas em áreas domésticas especializadas, como o povoado do NeolíticoFinal de Águas Frias, da segunda metade do IV milénio a. C. Ali, foramdocumentadas todas as fases de produção, excepto peças acabadas (Calado,2005). A descoberta de uma oficina calcolítica de preparação de placas dexisto no cabeço do Pé-da-Erra, Coruche (Gonçalves, 1983/84), veiodemonstrar que tais peças continuariam a ser fabricadas, como aliás facilmentese concluiria da sua presença, por vezes maciça, em monumentos calcolíticos,como a tholos do Escoural (Montemor-o-Novo). Se se encontra demonstradaa influência mútua, de carácter transregional, entre as áreas culturaiscalcolíticas do Alentejo e da Estremadura, entrevê-se igualmente tal fenómenoentre áreas geográficas muito mais longínquas. Referimo-nos à omnipresentedivindade feminina calcolítica, de evidentes raízes mediterrâneas, sem que,contudo, seja lícito invocar, através da sua presença na Baixa Estremadura, achegada de populações exógenas, dali oriundas. Em um mundo marcado porprofundas transformações sociais, em parte decorrentes da sua extremaabertura ao exterior, a difusão de práticas e de conceitos, por osmose, entrecomunidades vizinhas detentoras de graus de desenvolvimento sócio-culturalidênticos, seria naturalmente possível. Estão neste caso as insólitas peças decalcário marmóreo, de carácter votivo, rocha cuja utilização não temantecedentes locais, apesar de ser muito comum na Estremadura, a qual,pela mesma época, era também a preferida para a confecção de peçashomólogas, de cunho ideotécnico, no Mediterrâneo oriental.

No entanto, sob este aspecto, o exemplo que se afigura mais notávelcorresponde a pequena estatueta de osso ou de marfim, representando a deusacom os braços cruzados sobre o peito, recolhida em Vila Nova de São Pedro

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e recentemente valorizada como merecia (Gomes, 2005). Tal como outrosartefactos ali recolhidos (anteriormente fez-se menção de um alfinete comextremidade em forma de falcão), é notória a filiação desta peça em protótiposdo Mediterrâneo Oriental (Egipto, Próximo Oriente), configurando aexistência óbvia de influências, dali oriundas, cujas modalidades detransmissão se desconhecem por ora.

Naturalmente, a par de exemplares como os referidos, existem outros cujadistribuição geográfica se confina à Estremadura: é o caso das célebres"pinhas", comuns em diversas sepulturas colectivas, bem como das lúnulas,em contorno recortado ou em baixo-relevo em suportes diversos, comocilindros (ex.: exemplar da gruta artificial de Folha das Barradas, Sintra). Éevidente o cunho funerário de ambas as produções, relacionadas com a crençano renascimento, expresso, no caso das lúnulas, através do culto regional aoreferido astro, na região da serra de Sintra, como sugere a distribuiçãogeográfica dos respectivos exemplares. Aliás, naquela montanha, o referidoculto terá perdurado até época romana, como sugere a existência de umsantuário dedicado ao Sol e à Lua junto à foz da ribeira de Colares, referidono século XVI por Francisco d’Holanda.

As lúnulas estão representadas, fora da área estremenha no Alto Alentejo, noCromeleque da Portela de Mogos (Évora), constituindo ornamentos daspersonagens antropomórficas nelas gravadas. Contudo, persistem dúvidasquanto à cronologia destas gravações, que, no presente Manual, se admitiramserem calcolíticas.

De um modo geral estas peças de cariz inequivocamente funerário, expressama ideia da vida renascida, a qual se encontra associada a uma outra concepção,essencial nas religiões primitivas, a da fecundidade e maternidade, simbo-lizada, por exemplo, em pequeno cilindro (a simplicidade máxima doantropomorfismo), recolhido em Leceia, com a gravação do triângulo púbicofeminino, que não deixa dúvidas quanto à repesentação da omnipresente"deusa-mãe" calcolítica, comum a toda a bacia do Mediterrâneo, sob diversasvariantes de representação.

Enfim, existem peças cuja relação ao seus possuidores é evidente, como é ocaso de um par votivo de sandálias de calcário, recolhido na necrópole degrutas artificiais de Alapraia, Cascais, cujo único paralelo conhecidocorresponde ao exemplar da sepultura de Almizaraque, Almería (Almagro--Basch, 1959).

Sendo certo que tais peças representam algo de verdadeiramente novo, semantecedentes locais, é igualmente verdade que a demonstração da existênciade objectos indiscutivelmente importados, que de alguma forma poderiamsuportar a presença directa de elementos populacionais exógenos, não foi

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ainda efectuada (Silva, 1990). De qualquer modo, valorizar excessivamenteeste argumento, seria perigoso: por um lado, a simples presença de um únicoartefacto nestas condições deitaria por terra o argumento da ausência; poroutro lado, mesmo que tal viesse a verificar-se, não provaria por si só apresença directa de elementos alóctones entre a população, visto poder teraqui chegado através de uma longa cadeia de trocas, protagonizadas por outrostantos intermediários. É assim que poderá ser interpretada, a confirmar-se, arecente descoberta de cerâmicas anatólicas (do Bronze antigo II, ca.2600-2200 a. C.) na Andaluzia, em "un contexto característico del Cobre delSudeste tipo Millares-El Malagón, asociado a cerámica campaniforme"(González- Prats et al., 1995).

Face ao exposto, é inequívoca a existência de estímulos mediterrâneos, mesmoque indirectos, ao nível de diversas manifestações, presentes no decurso doCalcolítico na Estremadura.

Enfim, não são dispiciendos, nalguns casos, os aspectos formais na discussãodesta questão; peças únicas, como o "ídolo-peso" da gruta do Correio-Mor(Cardoso et al.., 1995), a conta amuleto de pedra verde da tholos da Tituaria(Cardoso et al., 1987), a que se pode juntar um ídolo antropomórfico recolhidona tholos do Cerro do Malhanito (Alcoutim), revelam relações culturais coma Andaluzia Oriental (ídolos de El Garcel), não querendo reconhecerinfluências ainda mais longínquas, da região litoral da península anatólica (asemelhança com os ídolos-violino encontrados em níveis coevos da cidadede Tróia, são disso exemplo); porém, a hipótese de se tratar de uma simplesconvergência é, também, possível, a ilustrar o sempre escorregadio campodos paralelos estritamente formais ...

Difusão de ideias e conceitos, veiculadas ou favorecidas por contactos cujoscontornos são, por enquanto, ainda muito mal conhecidos, eis o modelo que,de momento, julgamos possível e aceitável, para a explicação destes artefactos,de marcado exotismo e origem mediterrânea, do Calcolítico da Estremadura,face à situação verificável no final do Neolítico, na mesma região. Taisartefactos acompanham o desenvolvimento de soluções arquitectónicas, tandode índole habitacional – os dispositivos defensivos – como funerária, comdestaque para as já mencionadas sepulturas em falsa cúpula, ou tholoi, comoa de Tituaria, Mafra (Cardoso et al., 1996) ou a de Pai Mogo, Lourinhã(Gallay et al., 1973), de evidente cunho mediterrâneo, cujos paralelos dasprovíncias de Granada e de Almería são óbvios.

Ambiente geral de carácter mediterrânico, prevalecente durante todo oCalcolítico da Estremadura – reforçado pela sua posição geográfica – teriampropiciado, em diversas regiões, evoluções internas idênticas e fenómenosde convergência, que não são incompatíveis com difusão de princípios e deconceitos, evidências irrecusáveis em toda a bacia mediterrânea durante o

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terceiro milénio. Aliás, a valorização de componente económico-comercialna difusão da tradição arquitectónica, da metalurgia e dos objectos deprestígio, foi anteriormente sublinhada por Parreira (1990, p. 29). Prova deque muitas vezes eram os próprios objectos que "viajavam", tanto ou maisdo quem os produzia, é o de placa de xisto já atrás referida, encontradaacidentalmente em Chelas, às portas de Lisboa, talvez já calcolítica, tendopresente a representação facial que ostenta, formalmente idêntica a outra,encontrada em megálito da província de Huelva (Zbyszewski, 1957), a talponto que os caracteres particulares que as caracterizam só podem explicar-se por serem produto da mesma oficina, senão da mesma mão.

12.4 Calcolítico do Sudoeste

O tipo de povoamento aberto, em zonas planas ou no alto de pequenos relevospontuando a paisagem alto-alentejana, característico do Neolítico Final oude uma fase de transição para o Calcolítico Inicial, que a investigaçãoarqueológica conduzida nos últimos trinta anos tão bem evidenciou, era, atéentão, quase desconhecido. No entanto, desde o estudo pioneiro de VergílioCorreia (1921) se sabia da existência de povoados pré-históricos no AltoAlentejo (no caso, da região de Pavia). Aos sítios entretanto mencionados,tanto da região de Castelo de Vide, como da área de Évora (caso do Castelode Giraldo, por A. do Paço e colaboradores, no decurso da década de 1960),juntaram-se outros, na década seguinte. J. M. Arnaud, num estudo pioneiro,debruçou-se sobre dois povoados implantados no alto de colinas dominantes,no concelho de Vila Viçosa – Famão e Aboboreira – os quais, pelo espólio,evocam essa etapa de transição (Arnaud, 1971), embora a tipologia dosrecipientes cerâmicos, onde faltam as formas carenadas e abundam as taçasbaixas de bordo espessado interiormente (dito "almendrado"), indique já épocacalcolítica. Este estudo tem, ainda, a vantagem de inventariar as ocorrênciasde carácter doméstico até então conhecidas, publicadas no Alto Alentejo, asquais, por terem resultado de escavações antigas, sem registo estratigráficocuidado e ainda pelos respectivos materiais se manterem, no essencial,inéditos, poucas informações de pormenor poderão fornecer. Com efeito, oconhecimento sobre os locais habitados no decurso do Calcolítico, tanto noAlto como no Baixo Alentejo e no Algarve, contrastava significativamentecom o que já então era conhecido da vizinha Estremadura; contrastava,sobretudo, com a rica informação obtida dos estudo sistemático dosmonumentos megalíticos e das sepulturas de falsa cúpula, já entãoamplamente conhecidas na própria região, em resultado de investigaçõesque descuraram, ao longo de décadas, a componente doméstica, a menosvisível de presença humana na região.

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Este panorama só viria a ser decisivamente modificado com o estudo deC. Tavares da Silva e de J. Soares (Silva & Soares, 1976/1977), no qual seinventariam cinco sítios de caracter habitacional, no Baixo Alentejo e noAlgarve, dando corpo, pelos resultados das análises tipológicas sobre os mate-riais exumados em cada um deles, à designação de "Calcolítico do Sudoeste",a qual viria assim a adquirir significado arqueológico equiparável à expressão"Calcolítico da Extremadura", já então utilizada. Dos cinco sítios entãopublicados, os autores situaram dois na transição do Neolítico Final para oCalcolítico: trata-se dos povoados de Cabeço da Mina (Torrão do Alentejo) ede Vale Pincel II (Sines); a sua implantação é distinta: assim, enquanto oprimeiro se localiza num alto dominante, o segundo desenvolve-seextensamente numa zona de encosta, sobranceira ao litoral. Os povoadoscalcolíticos que identificaram são os de Monte Novo (Sines), Cortadouro(Ourique) e Alcalar (Portimão). Todos eles se situam em superfíciestopograficamente destacadas e, nalguns casos, fortificadas (Cortadouro eAlcalar).

Os autores resumem o estudo tipológico que fizeram do espólio cerâmico a doisgrandes gupos, com significado crono-cultural próprio. Assim, o grupo mais antigo,presente em Cabeço da Mina e em Vale Pincel II, encontra-se representado portaças carenadas, taças de bordo espessado internamente, esféricos com mamilosde preensão alongados e elementos de tear sub-rectangulares com um furo emcada topo. Pelas características desta associação cerâmica, será mais adequada asua inclusão, actualmente, no Neolítico Final, designadamente pela presença derecipientes carenados, os quais, como anteriormente se referiu, caracterizam aquelaetapa cultural, tanto no Alto Alentejo como na Estremadura.

O grupo mais recente, caracteriza-se pela ausência de recipientes carenados, estandoigualmente ausentes os elementos de tear sub-rectangulares com um furo em cadavértice; de igual modo, os esféricos com mamilos alongados são residuais; aocontrário, a taça de bordo espessado interiormente mantém presença significativa,ocorrendo, como elemento característico, o prato de bordo almendrado (correspondea lábio convexo, evocando a secção de uma amêndoa, ultrapassando a parede dorecipiente tanto para o lado interno como para o lado externo); ao nível da chamada"cerâmica industrial", surgem pela primeira vez os "crescentes" em barro,correspondentes a rolos de secção sub-circular, arqueados, com o formato dechouriços, e um furo em cada extremidade, que substituem as placas sub-rectangulares, como elementos de tear. No entanto, no povoado de Porto dasCarretas, sobre a margem esquerda do Guadiana (concelho de Mourão),recentemente escavado (escavações de C. Tavares da Silva e de J. Soares),identificaram-se dois núcleos, aparentemente coevos, onde se concentravamrespectivamente, "crescentes" e placas de barro perfuradas, sugerindo além decontemporaneidade, funções distintas, embora em ambos os casos ligadas àtecelagem.

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Nos povoados de Alcalar (Portimão) e de Cortadouro (Ourique), ambosfortificados, ocorrem vestígios de metalurgia, situando-os inequivocamenteno Calcolítico. Trata-se, como se irá ver adiante, dos povoadoscorrespondentes aos construtores das tholoi do sul de Portugal.

12.4.1 Alto Alentejo

Os povoados calcolíticos alto-alentejanos que até ao presente foram objectode escavações, com adequado registo estratigráfico e das estruturas exumadas,são escassos. Só a eles se recorrerá, na tentativa de se traçarem as principaiscaracterísticas do povoamento, evitando-se referências anteriores, nas quaisa cronologia dos correspondentes estabelecimentos humanos não se afiguramclaras.

Um dos problemas identificados (Gonçalves, 2002, p. 92), diz respeito aoprocesso de transição do Neolítico Final para o Calcolítico, problemáticatambém extensiva à Estremadura. No povoado calcolítico do Escoural,sobreposto em parte ao já antes referido santuário exterior ali identificado,atribuível ao Neolítico Final, os argumentos dos que entrevêm ali apossibilidade de uma transição conflituosa entre ambos os grupos, cultural esocialmente distintos, devem ser considerados.

Com efeito, "a destruição deliberada e a ocupação ostensiva do santuáriorupestre do Escoural por um povoado fortificado calcolítico regista o choquede duas concepções sócio-económicas e religiosas diferentes, apesar decontemporâneas" (Gomes, Gomes & Santos, 1994, p. 99). Mas esta ideia,invocada pelos autores mencionados, não é passível de demonstração: se éeventualmente certo que alguns blocos insculturados foram partidos e osseus produtos utilizados na construção das muralhas do povoado, talpoder-se-á dever, simplesmente à necessidade prática de obter material deconstrução: transpondo a realidade aludida para outro espaço e tempo,ninguém poderá aceitar a razão aludida pelos autores para explicar aocorrência, nos panos dos castelos de Leiria ou de Lisboa, entre muitos outrosexemplos que se poderiam referir, de fragmentos de peças romanas ou maistardias (aras, lintéis, fragmentos de estátuas, etc.), ali utilizadas, tão-somente,como simples materiais de construção. A pretensamente ostensivasobreposição das muralhas calcolíticas do povoado do Escoural dever-se-ia,simplesmente ao simples facto de ser aquele um alto favorável à suaimplantação, perdida a simbologia e a carga ritual do santuário do NeolíticoFinal, entretanto abandonado. Trata-se, aliás, de processo frequente, no âmbitodo abandono e da subsequente reocupação de sítios arqueológicos, como severificou, entre outros, no povoado pré-histórico de Leceia.

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Uma data de radiocarbono, obtida sobre restos ósseos, oriundos de nível querecobria directamente uma das rochas insculturadas, corresponde ao intervalocalibrado, para cerca de 95 % de confiança, de 3094-2611 a. C., resultadoque é compatível com outras datas relacionadas com a construção e utilizaçãodo espaço doméstico intramuros, adentro da primeira metade do III milénioa. C. Aquele é delimitado, na parte explorada, por uma muralha, que cercariao topo do cabeço e por um bastião, de planta semi-circular, a ela adossada.Ali se detectaram duas estruturas de combustão, de forma subcircular,relacionadas com a metalurgia do cobre. Como elementos da cultura material,avultam os característicos pratos de bordo "almendrado", os quais persistem,embora em menor número, na camada superior.

A existência deste povoado fortificado no Alto Alentejo Central foi sucedidada identificação de outros, na parte oriental daquela região, no concelho deReguengos de Monsaraz. É o caso do Monte Novo dos Albardeiros,implantado em ligeira elevação do terreno, que, não obstante, domina aplanície, nas proximidades do qual existiu um outro povoado, o de Marcodos Albardeiros, situado numa elevação mais pronunciada, a pouco mais de1 km a SSW e considerado também do Calcolítico (Gonçalves, 1988/1989).As escavações realizadas no Monte Novo dos Albardeiros permitiram aidentificação de um sistema defensivo, ainda que muito destruído porviolações ocorridas pouco antes, do qual subsistiu um bastião, usadosecundariamente como habitação, à qual se acedia através de uma passagemainda bem conservada. A este dispositivo sucedeu-se um outro (Estrutura 1),provavelmente uma casa, de planta circular, reutilizada como sepultura. Anível do espólio exumado, faltam totalmente as taças carenadas, como seriade esperar num contexto calcolítico; em contrapartida, existem artefactos decobre, em ambas as estruturas escavadas, bem como cerâmicas simbólicas,claramente calcolíticas. As datas de radiocarbono obtidas para ambas asestruturas, confirmam as indicações estratigráficas obtidas: assim, odispositivo defensivo foi construído e utilizado entre cerca de 2865-2491 a. C.ou 2886-2460 a. C., resultados perfeitamente compatíveis com os obtidosem outros povoados do Calcolítico do Sudoeste, enquanto que a estruturamais recente teria sido frequentada na segunda metade do mesmo milénio.

Outro povoado calcolítico da região de Reguengos de Monsaraz é o da Torredo Esporão 3, implantado numa área plana. Ao contrário dos anteriores, nãose identificaram construções pétreas, edificadas em altura; em contrapartida,abundam estruturas negativas, correspondentes a fossos, buracos de posteou depressões (fossas) circulares (Gonçalves, 1990/1991). A presença, empercentagem elevada, de taças carenadas (20%), permite supor que a ocupaçãodo sítio se efectuou durante o Neolítico Final, na ausência de datas deradiocarbono conhecidas; no entanto, as datas obtidas no povoado da Sala 1(Vidigueira), com abundantes taças carenadas, indicam que foi ocupado no

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decurso primeira metade do III milénio a. C. (4140 ±110 anos BP, a quecorresponde o intervalo calibrado, para cerca de 95 % de probabilidade, de2920-2460 cal. a. C.), intervalo que é compatível com o Neolítico Final ou oinício do Calcolítico da Estremadura (Leceia), o qual, como atrás se referiu,é também caracterizado pela mesma forma cerâmica; a ser assim, a ocorrênciadesta forma típica do Neolítico Final estremenho poderia ter sobrevivido atéao início do Calcolítico no Alto Alentejo. Aliás, o sítio viria ulteriormente aser considerado do Neolítico Final e do Calcolítico, "notável pela grandepresença de taças carenadas, mas também de pratos de bordo espessado"(Gonçalves, 1992, p. 397). Faltou, no entanto, a ser assim, a destrinçaestratigráfica entre as referidas ocupações, na área eventualidade de ela existirde facto.

No Alto Alentejo, a existência de povoados calcolíticos com fossos foievidenciada pela primeira vez, pela escavação de Ana Dias no povoado doCabeço do Cubo, Santa Vitória (Campo Maior), o qual, infelizmente, nuncafoi publicado como merecia. Outro povoado delimitado com sucessivos fossose taludes concêntricos, integrando também muralhas de pedra em algunssectores, ainda não escavado, mas cujas estruturas foram espectacularmenteevidenciadas através da teledetecção (magnetograma em forma de "plot" comtreze escalões de cinzento) é o de Monte da Ponte, Évora (Kalb & Höck,1997), implantado em cabeço isolado.

Outros sítios com fossos foram dados recentemente dados a conhecer, comoo Cabeço do Torrão, Elvas, correspondente a um recinto cercado por fosso,implantado no topo do cabeço, no qual se identificaram diversas fossas deplanta circular escavadas no substrato. Nos contextos associados a essasestruturas, recolheu-se uma grande quantidade de fragmentos de cerâmicade construção – prova do carácter habitacional dos locais – abundantesfragmentos cerâmicos, de que se destacam as formas esféricas, por vezesmamiladas, as taças de bordo espessado, as taças carenadas, os elementos detear sub-rectangulares e os elementos de mós manuais (Lago & Albergaria,2001). Estes elementos fazem admitir uma presença neolítica no local. Osítio, aliás, integra-se num espaço complexo, com ocupações de diversasépocas (menires formando recinto megalítico, rochas gravadas, sepulturaproto-megalítica, etc.).

Mas o mais notável exemplo, até pela extensão, que ultrapassa os 16 hectares,de um recinto delimitado por fossos até ao presente encontrado em Portugal,situa-se no concelho de Reguengos de Monsaraz; trata-se do povoado dosPerdigões, no qual se realizaram extensas escavações em 1997 (Lago et al.,1998), defendido por várias linhas de fossos escavados, lombas, muralhasou paliçadas, desde cedo evidenciadas por observação aérea.

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A presença humana neste sítio poderá remontar ao Neolítico Final, entre a segundametade do IV milénio a. C. e os inícios do milénio seguinte, conforme sugere apresença de taças carenadas, que atingem 4 % na UE 26 e um valor dois ou trêspontos superiores nas colheitas de superfície. Mas a importância máxima destepovoado – bem demonstrada pela profundidade do fosso periférico, que atingecerca de 8 metros – foi atingida no decurso do Calcolítico, durante o qual seconstruiram dispositivos defensivos, que serviriam também a outras finalidades,demarcando um espaço comum, partilhado pela comunidade, incluindo as decarácter doméstico, relacionadas com o armazenamento de produtos agrícolas e arecolha dos rebanhos. Com efeito, a implantação deste vasto povoado fez-se numazona de encosta, sem atingir as cotas mais elevadas, sendo por isso escassa a suavisibilidade. Foram, portanto, outras, as causas que a determinaram. Os autoresreferidos, salientam as seguintes: abundância de água; proximidade de terrenos deboa aptidão agrícola; e subsolo facilmente escavável, propício à abertura dos fossosde protecção identificados, os quais, por seu turno, serviriam á drenagem das terras.Com efeito, a importância da economia agro-pastoril desta comunidadesedentarizada, encontra-se demonstrada não só pela abundância dos artefactosrelacionados com a produção agrícola, mas também pela frequência das espéciesdomésticas, representadas pelos respectivos restos ósseos. Trata-se, pois, de umgrande povoado de camponeses, que também dominavam as práticas metalúrgicas,representadas por diversos artefactos, incluindo lingotes e testemunhos de fundiçãodo cobre.

O espaço habitado articulava-se com o espaço sagrado, representado por umconjunto de menires situado a escassas dezenas de metros do recinto exterior, dosquais pelo menos um foi considerado como Calcolítico (Gomes, 1994), o quesignifica que ainda se encontraria funcional à data da presença humana no povoado;idêntica relação foi observada no já mencionado sítio de Cabeço do Torrão, Elvas.Prova do estreito contacto existente entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos,é a presença, dentro do recinto, de uma sepultura de falsa cúpula, do tipo tholos,situada do lado oriental do povoado. Esta realidade não é inédita: para além docaso de Alcalar, em Portimão, adiante referido, conhecem-se grandes povoadoscalcolíticos do sul peninsular, como La Pijotilla, Badajoz, Valencina de laConcepción, Sevilha e o de Los Millares, Almería, relacionados directamente comsepulcros colectivos do mesmo tipo. Esta sepultura não será única; com acontinuação dos trabalhos, é provável que outras, do mesmo tipo, invisiveis àsuperfície, venham a encontrar-se.

A grande extensão do povoado dos Perdigões, em estreita articulação commancha pedológica de grande aptidão agrícola cujo sistema defensivo seidentificou claramente em fotografia aérea, tem equivalente no Baixo Alentejo,como se verá, entre outros, no enorme povoado de Porto Torrão, Ferreira doAlentejo.

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12.4.2 Baixo Alentejo

O povoado de Porto Torrão também foi defendido por um sistema de fossose aterros, como o de Perdigões; implanta-se numa zona de alta fertilidadeagrícola, abrangendo uma área de cerca de 50 hectares (Arnaud, 1982), aqual foi mais tarde aumentada para entre 75 e 100 hectares (Arnaud, 1993),com contorno subcircular, cujo centro corresponde a pequena elevaçãosobranceira à ribeira de Vale do Ouro. A área estimada corresponde ao maisvasto povoado pré-histórico do território português, embora com paraleosnos já citados povoados de Valencina de la Concepción (Huelva) e de LaPijotilla (Badajoz). A riqueza das populações que o ocuparam no decurso doCalcolítico, é atestada pela abundância dos materiais recolhidos à superfície,onde não faltam objectos de carácter mágico-simbólico, como ídolos demármore, conotáveis com sepulturas existentes no espaço habitado, comoem Perdigões. A recolha de cerâmicas carenadas faz crer, tal como ali, que agénese da ocupação daquele vasto espaço, atravessado por uma linha de águatemporária, remonte ao Neolítico Final. Com efeito, os materiais quecolmataram o Fosso 1, identificado em 2002, incluíam materiaiscaracterísticos do Neolítico Final (Fase 1), como taças carenas e recipientescom pegas, e assim considerados (Valera & Filipe, 2004), enquanto que osencontrados no enchimento do Fosso 2, eram exclusivamente calcolíticos(Fase 2). Deste modo, a diacronia existente sugere momentos de construçãodiferenciados para as duas estruturas defensivas, as quais se distanciam, naárea intervencionada, cerca de 8 m, exibindo idêntica orientação.

O tamanho destas duas estruturas defensivas, na área em que foramidentificadas era também diferente: asim, enquanto o Fosso 1possuía secçãotronco-cónica, com a largura de 3,50 m no topo e de 2,50 m no fundo e umaprofundidade de 3,0 m, o Fosso 2, com uma secção em U aberto, possuía alargura de 5,90 m e a profundidade máxima de 3,40 m.

Na área entre os dois fossos identificaram-se duas fossas escavadas nosubstrato geológico ("caliço"), pertencentes à Fase 2, integrável no Calcolíticopré-campaniforme.

A Fase 3, correspondente à ocupação campaniforme, será oportunamentecaracterizada. As duas datas de radiocarbono publicadas para a camadapré-campaniforme (Arnaud, 1993) indicam que a correspondente ocupaçãose efectuou no decurso da primeira metade do III milénio a. C.(3035-2650 a. C.) e que a ocupação campaniforme se desenrolou em épocaestatisticamente sincrónica, ainda que concentrada na parte central da estação.Com efeito, os milhares de habitantes que ocuparam o local, só podemexplicar-se pelos recursos produzidos através de uma economia agro-pastorilevoluída. A abundância de restos faunísticos de ovino-caprinos, porco, boi e

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veado, a que se soma também o cavalo, provavelmente ainda selvagem, ilustraa existência de uma economia de produção rica e diversificada,complementada pela caça e pela recolecção. Com efeito, apesar de estepovoado se encontrar a cerca de 65 Km em linha recta do litoral alentejano ea 60 Km do estuário do Sado, foram aqueles domínios intensamenteexplorados por gente do povoado ou por outras, que aqui acorreriamregularmente para vender tais produtos, constituídos por abundantes restosde moluscos marinhos (mexilhão, lapa, vieira) e estuarinos ou de águassalobras (amêijoa, canivetes). Tal situação mostra uma área de influência oude captação de recursos muito alargada, aliás em consonância com anotoriedade do aglomerado humano.

Foram, aliás, as boas características agrícolas dos solos da região de Baleizão,Beja, que explicam a densidade do povoamento calcolítico identificado ecartografado por A.M. Monge Soares na bacia do Guadiana, entre o Ardila ea ribeira de Chança. É isso que sugere a implantação do povoado dos TrêsMoinhos, já anteriormente referido, sobre um esporão dominando o Guadiana,provavelmente muralhado e onde, não obstante os inúmeros vestígios demetalurgia (incluindo cadinhos de fundição, um lingote de cobre e uma placade ouro), se escolheu um local próximo de solos muito férteis (Soares, 1992).A ausência de elementos atribuíveis ao Neolítico Final do Sudoeste –recipientes carenados e placas de barro perfuradas nas extremidades, utilizadascomo elementos de tear – sendo pelo contrário, comuns os pratos de bordo"almendrado" e os elementos de tear de secção circular e arqueados, indicaque a ocupação do sítio se efectuou apenas no Calcolítico, onde se incluemtambém materiais campaniformes.

Outro importante sítio do Baixo Alentejo é o povoado calcolítico fortificadodo Monte da Tumba, no concelho de Alcácer do Sal (Silva, Soares & Gomes,1982). Implanta-se no topo de elevação, com boa visibilidade e condiçõesnaturais de defesa e nas proximidades da ribeira do Xarrama, afluente doSado, dominando férteis campos agrícolas onde, por certo, se efectuaria umaagricultura mista, hortícola e cerealífera. As escavações, que se desenvolveramna primeira metade da década de 1980, puseram a descoberto um complexodispositivo defensivo, constituído por três linhas de muralhas, em partesobrepostas e adossadas, definindo um circuito de planta aproximadamenteelipsoidal, com cerca de 40 metros de eixo maior por 26 metros de eixomenor (Silva & Soares, 1987). Estas muralhas revelam sucessivos acrescentose reforços e mesmo remodelações do seu traçado, tanto do lado interno comoexterno, ao longo da vida do povoado. Alguns bastiões, de planta semicircular,ocos ou maciços, conferem ao dispositivo defensivo o aspecto semelhante ao deoutros identificados no sul do país, com destaque para o do Cerro dos Castelosde Santa Justa, Alcoutim, adiante mencionado. Trata-se de espaço de dimen-sões modestas, quando comparado com os grandes recintos muralhados da

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Estremadura, anteriormente referidos, o qual poderia albergar, na melhordas hipóteses, escassas dezenas de habitantes. No entanto, o evidente cuidadodispensado à operacionalidade do sistema ao longo da sua vida útil, apesarda má qualidade dos elementos de construção disponíveis (arenitos carbo-natados ou argilosos), ilustra o clima de instabilidade e de conflitualidadesocial que caracterizou todo o III milénio a. C. no sul de Portugal.

A estratigrafia e o respectivo espólio arqueológico permitiram identificar três fasesprincipais de ocupação. A Fase I, mais antiga, pertence ao Calcolítico Inicial.Embora o espólio seja inquestionavelmente calcolítico (presença de pratos de bordo"almendrado") perduram ainda alguns tipos de reminiscências neolíticas. As datasde radiocarbono indicam que a fundação do povoado se efectivou na transição doIV para o III milénio a. C. É no decurso desta fase cultural que se inicia a construçãodo dispositivo defensivo (Fases A e B), o qual viria ulteriormente a ser acrescentadoe reforçado. Na Fase II, pertencente ao Calcolítico Pleno, desaparecem os artefactosde influência neolítica, reforçando-se a presença dos caracteristicamentecalcolíticos. São edificadas a segunda e a terceira linhas defensivas (Fase C) ediversas casas de planta circular, cuja parte superior e talvez mesmo a coberturaera assegurada por sistema de adobes, formando falsa cúpula. A terceira e últimafase cultural (Fase III) corresponde à Fase D construtiva. Está representada por umtorreão de planta subcircular, maciço, situado na zona nuclear do dispositivodefensivo, o qual teria um papel importante na observação do espaço adjacente.A sua edificação parece provar, deste modo, a manutenção do clima de instabilidadesocial até ao final do Calcolítico, nos começos da segunda metade doIII milénio a. C. Surgem então as cerâmicas campaniformes que corporizam aúltima etapa cultural detectada no Monte da Tumba.

As recentes prospecções e escavações de emergência, realizadas no âmbitoda minimização de impactes ambientais (componente arqueológica) na áreado regolfo da barragem de Alqueva, proporcionaram um significativoacréscimo da informação no respeitante ao povoamento calcolítico da região.Um dos locais objecto de extensas escavações arqueológicas, foi o povoadodo Porto das Carretas, Mourão, implantado num esporão sobre o Guadiana.Trata-se, como foi revelado pelas escavações, de um pequeno recintofortificado com cerca de 0,5 ha de área ocupada (Silva & Soares, 2002). Nodecurso da fase mais antiga, foi construído um sistema defensivo em que seidentificaram três linhas de muralhas arqueadas; a uma delas foi adossadoum grande bastião semicircular. Todo o dispositivo defensivo foi destruídoem altura – talvez em consequência de um incêndio generalizado, denunciadopor abundantíssimos fragmentos de barro de revestimento cozido pela acçãodo calor – ainda no Calcolítico. A Fase 2, correspondente à presençacampaniforme, é mais moderna, assentando nos depósitos da fase mais antiga.

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As unidades habitacionais da Fase 1 encontram-se, por tal motivo, muitomal conservadas, correspondendo a cabanas de planta circular. A Fase 2 écaracterizada pela construção de uma torre, na zona de cota mais elevada,implantada sobre o núcleo central da fortificação da Fase 1, e de diversascabanas de planta circular, com aquela articuladas.

A Fase I, que é aquela que por ora mais importa destacar, revela uma economiade base agro-pastoril; em particular, os recipientes cerâmicos, onde predo-minam largamente as formas abertas, são correlacionáveis com dieta de basecerealífera, à base de papas, consumidas nas grandes taças ou pratos, ondetambém eram confeccionadas; encontram-se representadas todas as formascaracterísticas do Calcolítico do Sudoeste: prato de bordo espessado (muitoabundante); taça de bordo espessado (muito abundante); e taça em calote(muito abundante); entre as formas raras, assinala-se a taça carenada, umaevidente reminiscência do Neolítico Final, exclusiva da Fase I. Estão tambémpresentes, em ambas as fases, os elementos de tear arqueados e de secçãocircular.

Entre as duas fases de ocupação referidas, identificou-se um período deabandono (Camada 3); no entanto, em certas zonas, as estruturas da 2.ª Faseassentam directamente sobre o embasamento das estruturas da 1.ª fase,sugerindo a manutenção das estruturas mais antigas. Identificaram-se diversasestruturas habitacionais; fazendo uso da análise da dispersão no terreno dobarro de revestimento, verificou-se que a maior concentração se observavajunto da primeira linha defensiva, decrescendo à medida que aumentava adistância da muralha. Tal situação indica a existência de cabanas dispostasao longo daquela e, provavelmente, encostadas à própria estrutura.

A cronologia absoluta obtida para esta fase baseou-se em três datações deradiocarbono, que deram os seguintes resultados (C. Tavares da Silva,comunicação pessoal): 4130 ± 120 anos BP; 4110 ± 60 anos BP; e 4280 ±70 anos BP, a que correspondem os intervalos calibrados para cerca de 95%de confiança de, respectivamente, 2930-2400 a. C.; 2880-2480 a. C.; e2920-2580 a. C. Trata-se, pois de uma ocupação calcolítica abarcando toda aprimeira metade do III milénio a. C.

A cronologia e características da Fase 2 (campaniforme) será adiantediscutida.

Cerca de 1 km para sul deste povoado fortificado, foi escavado outro sítiohabitacional, o povoado do Mercador, igualmente explorado no âmbito damega-operação arqueológica do Alqueva (Valera, 2001). Ao contrário doanterior, neste sítio não se edificaram defesas pétreas e a implantaçãoencontra-se dissimulada na paisagem; os vestígios distribuiam-se por colinaalongada, pouco marcada, com encostas suaves e extensas, ladeada pela ribeira

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do Mercador, tributária do Guadiana, que corre a cerca de 1200 m a Noroestedo local arqueológico. As escavações puseram a descoberto solos de ocupaçãoe numerosas estruturas negativas, correspondentes a fossas de planta circularpouco fundas, preenchidas por materiais arqueológicos. No conjunto da áreaescavada, identificaram-se duas fases de ocupação, ambas atribuíveis aoCalcolítico, mas sem vestígios de cerâmicas campaniformes. Além dasestruturas negativas mencionadas, atribuiu-se, ao final da Fase 1, a construçãode grande estrutura circular com cerca de 14 m de diâmetro, a qual poderiacorresponder a uma torre, enquanto, noutro sector da escavação, seidentificaram duas cabanas circulares adjacentes, pertencentes à Fase 2. Umadeposição funerária, realizada sobre os derrubes de uma das referidas cabanas,deu o resultado, para cerca de 95% de probabilidade, de 2134-1936 a. C.,data que corresponde a época em que o sítio já se encontrava abandonado.Com efeito, os resultados cronométricos obtidos para a fase de ocupaçãomais moderna, indicam uma época imediatamente antecedente: 2458-2032a. C.; e 2399-1855 a. C, para o mesmo intervalo de confiança (A. C. Valera,comunicação pessoal). Documentou-se a presença de peças de cobre (frag-mento de machado) e restos de cadinhos de fundição do cobre, mas não a demateriais campaniformes, ao contrário do observado no Porto das Carretas.Por outro lado, a presença de abundantes restos faunísticos de animaisdomésticos (boi, ovelha/cabra) e especialmente de porco, associados a conchasfluviais e a restos de peixes, reforça o carácter sedentário do local. Nestesentido, seria admissível relacioná-lo como o Porto das Carretas, até pelacurta distância que os separa. Segundo C. Tavares da Silva e J. Soares, aadmitir a contemporaneidade da ocupação de ambos, e tendo presente oescasso espólio recolhido no Porto das Carretas, este poderia corresponder aum sítio-refúgio da população que, normalmente, se sediava no Mercador,sítio aberto, não fortificado e de maior importância. Mas, claro está, trata-sede mera hipótese que, embora sugestiva (e os autores apresentam outras)carece evidentemente de contraprova, impossível de obter pelos meioscientíficos actualmente disponíveis.

O Monte do Tosco I, Mourão, não longe dos anteriores, é também um povoadocalcolítico cuja identificação e exploração arqueológica decorreu damega-operação do Alqueva. Implantado num cabeço alongado com encostasde declive acentuado, excepto em um dos seus lados, a topografia do sítionão o destaca de forma evidente da paisagem envolvente (Valera, 2000a). Aprimeira fase de ocupação do sítio remonta ao Calcolítico Pleno do Sudoeste; aela se reportam vários pisos de ocupação e estruturas, com destaque para ummuralhado, que servia também como muro de suporte, criando umaplataforma delimitadora do espaço ocupado, simultaneamente com funçõesdefensivas. A esta fase pertencem também muros curvilíneos (de cabanas?),de carácter doméstico.

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A escavação revelou em todos os locais escavados uma ocupação mais antiga deassinalável intensidade, com abundantes materiais exumados, característicos doCalcolítico, com predomínio da taça de bordo espessado; os recipientes carenadossão vestigiais, como já se verificava no Porto das Carretas. Estão presentes oselementos de tear de secção circular, cinchos, e fragmentos de cadinhos e de umpossível molde, ilustrando a prática metalúrgica do cobre no local. A presença demamíferos domésticos é escassa e os ossos apresentam-se muito fragmentados,dificultando a sua identificação; estão presentes, entre outros, o boi, a cabra/ovelha,e o porco, quadro que não se afasta do povoado do Mercador; neste contexto, acaça era subsidiária. A fase mais moderna, tal como no Porto das Carretas, érepresentada pelo "horizonte" campaniforme, o qual será tratado no capítulocorrespondente.

Este povoado reforça, a par dos anteriores, a existência de um polimorfismode tipos de implantação e de soluções encontradas, sem embargo de evidenciaruma insuspeitada vitalidade da ocupação calcolítica do Guadiana médio,onde, até época muito recente, ela era quase desconhecida.

Outro povoado da região, implantado em plataforma sobranceira ao Guadianamas, ao contrário dos anteriores, com raízes no Neolítico Final (presença detaças carenadas, decorações plásticas representadas por mamilos alongadossob o bordo, aplicados a vasos esféricos, cordões plásticos denteados e bordosdenteados), é o do Moinho de Valadares, também do concelho de Mourão,também com evidentes provas de sedentarização (Valera, 2000b).

Deste modo, o povoamento calcolítico da região evidencia complexidade,com uma evidente diferenciação dos tipos de povoados, cujo significado(complementaridade funcional ?) ainda não se afigura claro. Tal realidadeparece exprimir uma situação social e económica característica do Calcolíticodo Sudoeste, que ainda mais se afirma no Algarve, a qual, por seu turno, nãopoderá ser desligada do modelo do povoamento da Estremadura espanhola(Badajoz) onde se observa, como na Andaluzia, a emergência de enormespovoados calcolíticos, que requeriam um sistema de centralização ehierarquização do poder para a sua adequada gestão. Seria o caso, no BaixoAlentejo, do povoado do Porto Torrão, cujo paralelo mais evidente é o povoadode La Pijotilla, Badajoz, no qual foi possível caracterizar todo um dispositivodefensivo, constituído por um sistema de vários fortins implantados numalinha de relevos dominante, em torno do grande povoado aberto, que ocupauma vasta área deprimida adjacente (Hurtado, 2000).

Face ao atrás exposto, verifica-se uma evidente diversidade das modalidadesde implantação dos povoados calcolíticos alentejanos na paisagem, bem comono respeitante ao seu tamanho e características (Valera, 2004). Uma das

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principais novidades dos últmos 20 anos foi a identificação de recintosdefinidos por fossos – até então desconhecidos – cujos antecendentesremontam ao Neolítico Final. É o que se verificou com recente escavação dogrande povoado do Porto Torrão ( Ferreira do Alentejo), cuja ocupaçãoprosseguiu ao longo de todo o Calcolítico, bem como o sítio de Águas Frias(Alandroal), da segunda metade dio IV milénio A. C., já atrás mencionadopor se tratar de povoado especializado no fabrico de placas de xisto. Deve-seigualmente a M. Calado a identificação e publicação em co-autoria do povoadode Juromenha igualmente pertencente ao Neolítico Final e do Torrão (Elvas),a que se poderá juntar o povoado da Igreja Velha de S. Jorge (Ficalho), dadoa conhecer por A. M. Monge Soares.

Do ponto de vista da sua implantação na paisagem, os grandes povoadoscom fossos, como Perdigões e Porto Torrão, situam-se em áreas deprimidasda planície alentejana, com paralelas além fronteiras em povoados aindamaiores, como Pijotilla (Badajoz) e Marroquiés Bajos (Jaén), aspecto quetambém se verifica em povoados pequenos, como o de Pombal (Monforte) eo Monte da Ponte (Évora). Ao contrário, certos sítios, igualmente com fossos,mas de pequenas dimensões como o do Torrão (Elvas) e o de Santa Vitória(Campo Maior) ocupam sítios destacados na paisagem. Se bem que atendência seja a construção de recintos de planta circular ou sub-circular,por vezes constituídos por vários fossos concêntricos, as respectivasdimensões são muito variáveis, desde os 30 m de diâmetro (Pombal), até aos450 m de diâmetro, para o recinto exterior de Perdigões, ainda assim pequeno,se comparados com os 1 000 m de Pijotilla ou os 1 200 m de MarroquiésBajos. Naturalmente que só é possível admitir a sua existência no quadro deuma sociedade hierarquizada, extensiva também ao próprio modelo deocupação do território, constituindo os maiores centros demográficos deprimeira grandeza, verdadeiros pólos aglutinadores – económicos, sociais eaté político-ideológicos – em tornos dos quais se estruturava o povoamento.Crê-se, com efeito, que os vastos espaços abertos alentejanos – com evidenteprolongamento pela Extremadura espanhola – favoreceram tal modelo, aocontrário do verificado noutras áreas do país, como a Estremadura, o Centroe o Norte, onde a paisagem se apresentava naturalmente muito maiscompartimentada.

12.4.3 Algarve

Nos finais da década de 1970, desenvolveram-se prospecções arqueológicassistemáticas no Alto Algarve Oriental (concelhos de Tavira e de Alcoutim),as quais proporcionaram algumas escavações arqueológicas em povoados

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calcolíticos, então identificados. Está nesse caso o Cerro do Castelo dasMestras, o Cerro do Castelo da Corte de João Marques e, sobretudo, o Cerrodo Castelo de Santa Justa, topónimos evocativos, que prenunciavaminquestionavelmente, mesmo para os mais desatentos, o evidente interessearqueológico, que viriam a confirmar. Porém, enquanto o Cerro do Castelodas Mestras não foi objecto de escavações – impossibilitando maisdesenvolvidas considerações que não seja a constatação da sua ocupaçãocalcolítica e a escolha de um sítio alto e defensável, implantado sobre umamplo chão isolado por acentuado meando da ribeira da Foupana – já o mesmonão sucede com os dois outros povoados. As escavações efectuadas em Cortede João Marques, considerado uma pequena aldeia de agricultores emetalurgistas – realidade sublinhada pela presença, a escassas centenas demetros, de antigas minerações de cobre – evidenciaram um povoado aberto,implantado num cabeço dominando visualmente a paisagem, em anfiteatro.

As escavações realizadas entre os finais da década de 1970 e os meados dadécada seguinte (Gonçalves, 1989) no Cerro do Castelo de Santa Junta,puseram, por seu turno, a descoberto, no topo de uma elevação bem destacadana paisagem, um povoado fortificado através de uma muralha de contornoelipsoidal fechado com o comprimento máximo de cerca de 40 metros e alargura máxima aproximada de 24 metros, ao longo da qual se adossaram dolado externo múltiplos bastiões de planta subcircular, uns maciços, outrosocos. Observou-se a existência de diversas cabanas de planta subcircular ouelipsoidal, de alvenaria de blocos naturais, duas no interior da área defendidae duas extramuros. A economia basear-se-ia na produção hortícola, nacerealicultura e, sobretudo, na exploração mineira: o cobre não se encontralonge, podendo ser minerado a algumas centenas de metros: tal realidadeencontra-se denunciada na panóplia artefactual, onde se recolheramtestemunhos da prática metalúrgica realizada no local (cadinhos com escóriasaderentes, abundantes objectos metálicos). Este povoado é, com efeito, detodos os investigados em Portugal, aquele que mais relação parece oferecercom a mineração do cobre. Tal situação e a evidente primazia que ostentavaface aos restantes reconhecidos na região, levou V. S. Gonçalves a admitirque todos se integravam numa rede calcolítica de povoamento com a suaestratégia específica. Como o próprio autor refere, "os povoados (1) nãoparecem corresponder a uma busca efectiva de solos com qualidade agrícolaem área extensa (ou então esse critério não foi considerado de primeiraimportância na escolha do lugar de implantação); (2) assentam numa área doAlgarve onde são frequentes as ocorrências cupríferas; (3) a sua duração notempo não parece ser notável, mesmo consideradas as datações 14 Cdisponíveis para o Cerro do Castelo de Santa Justa" (Gonçalves, 1989, p. 363).Estes considerandos, ao desvalorizarem a importância da economiaagro-pecuária, parecem contradizer a expressão de "quinta fortificada"utilizada pelo mesmo autor (Gonçalves, 2002, p. 92) que, embora sugestiva,

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não parece corresponder ao perfil da população de arqueometalurgistas alisediada, muito embora esta tivesse de se abastecer de produtos por siproduzidos para o seu próprio sustento, para além da caça (a fauna destaestação não foi estudada). A sua sobrevivência só seria viável "de acordocom o reequilíbrio que só as redes de povoamento permitem: trocas a nívellocal e regional" (Gonçalves, 2002, p. 92), no caso, apenas asseguradas atravésdas manufacturas metálicas que pudessem produzir.

As datas de radiocarbono obtidas, não obstante os elevados desvios--padrão de que enfermam, indicam uma fundação nos finais do IV/inícios doIII milénio a. C., tendo-se o povoado mantido provavelmente ocupado durantetoda a primeira metade deste último milénio.

Ainda no Algarve, merece ser devidamente destacado o caso de Alcalar, ondese correlacionou, de forma inequívoca, a implantação do sítio ocupado faceà localização da respectiva necrópole. Trata-se de um vasto povoado,ocupando uma plataforma bem delimitada de todos os lados, correspondenteao núcleo central, no qual se documentou o aproveitamento da água, atravésde tanque e de canal adutor, ambos escavados nos calcários brandos queconstituem o substrato geológico local. Perifericamente a este núcleodemográfico central, directamente relacionado com a necrópole de tholoi deAlcalar, correspondente a um povoado defendido por um sistema conjugadode fossos e de panos de muralha, cujo contorno ainda não foi totalmentedefinido pela prospoecção geofísica, identificaram-se três núcleos periféricos,não necessariamente coevos: Monte Canelas, correlacionado com o hipogeuali identificado e a que anteriormente se fez referência; Poio, situado cercade 300 m para sudoeste do núcleo principal; e Monte Velho, relacionadocom o núcleo de tholoi do mesmo nome (Parreira & Serpa, 1995; Parreira,1997). A extensão da área ocupada, de cerca de dez hectares, excepcional noterritório português, bem como a possibilidade de este complexo ter possuídoum porto interior, em ligação com o litoral, por via fluvial, através da ribeirado Farelo, tornam a área habitada não menos importante que a correspondentenecrópole, ainda que não tenha sido escavada como merece. Estaríamos, talcomo provavelmente no Sudeste peninsular, perante o esboço de umasociedade proto-estatal, do Calcolítico Pleno a qual, por vicissitudes várias,não terá vingado? É esta a interpretação que recentemente apresentaram E.Móran e R. Parreira, fazendo corresponder a Alcalar uma situação comparávelà que, na mesma época, se teria verificado tanto na área de Almería, como naExtremadura portuguesa. No que concerne a esta última região, crê-se que arealidade não se compagina com tal hipótese, dada a proliferação dos sítiosfortificados e a compartimentação da própria paisagem, ao contrário do quesucede no Sul do País, onde de facto existiram condições para a situaçãoindicada pelos dois autores citados.

Fig. 176

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12.5 Calcolítico do centro e do norte

Mercê, sobretudo, de projectos que elejeram a investigação arqueológica àescala regional, começam a conhecer-se povoados calcolíticos, fortificadosou não, no interior do Centro e do Norte do País, de forma cada vez maisinsistente. Assim, na Beira Baixa, escavou-se parcialmente o povoadofortificado de Charneca de Fratel, em Vila Velha de Ródão (escavaçõesdirigidas por J. Soares e C. Tavares da Silva), onde se identificou uma muralhareforçada externamente por bastião semicircular; apesar de ser o único sítiofortificado calcolítico do sul da Beira interior, objecto de escavações na décadade 1980, ainda não existe a correspondente publicação, que a importânciaarqueológica da estação justifica, mas apenas uma curta notícia (Soares, 1988).Nessa região, publicaram-se outros sítios habitados calcolíticos: é o caso doCabeço da Malhoeira, Penamacor (Oliveira, 1998), situado no topo deelevação (como o próprio topónimo indica), em área bem irrigada da ribeirada Meimoa, para cujo vale se encontra orientada a encosta norte da referidaelevação. As escavações puseram a descoberto estruturas habitacionais(provável base de cabana, correspondente a um alinhamento pétreo em arcode círculo e outras sub-estruturas conexas: lareira estruturada e unidade dearmazenamento) e um conjunto homogéneo de materiais. É o caso dos pesosde tear subrectangulares, com quatro perfurações nos cantos, diferentes doscaracterísticos "chouriços" do Calcolítico do Sudoeste, mas próximos dosseus homólogos estremenhos; no entanto, no sul da Beira Baixa ou na regiãoconfinante a sudeste (Alto Ribatejo), encontra-se presente tanto aquele tipoartefactual, típico do Calcolítico do Sudoeste, como outro elemento da culturamaterial, também característico do Calcolítico, o prato de bordo espessado(por vezes "almendrado"), presentes no povoado da Charneca do Fratel, VilaVelha de Ródão, no dólmen do Farranhão, do mesmo concelho (citados porVilaça, 1995) e no Castelo Velho do Caratão, Mação (Pereira, 1970).

No Cabeço da Malhoeira, a cerâmica com decorações a pente e plástica, compastilhas repuxadas, e pontas de seta de base côncava, completam as característicasmais relevantes do espólio exumado.Esta publicação, sucedeu-se à do povoado deRamalhão, também no concelho de Penamacor, com uma única ocupação situávelno Neolítico Final/Calcolítico (Vilaça, 1989), o primeiro no seu género identificadoem toda a Beira Baixa. Trata-se, também, de sítio que ocupa posição destacada napaisagem, integrando-se no conjunto das elevações graníticas situadas a sudestede Penamacor. Compreende-se a indefinição apontada pela autora entre o NeolíticoFinal e o início do Calcolítico, dadas as características tipológicas dos materiaisexumados. Seja como for, a ocupação, no topo de elevação isolada, aponta para aestratégia de povoamento que se acentuou significativamente no Calcolítico emboracom antecedentes, como se verificou ao tratar das estações do Neolítico Final daEstremadura e do Alentejo. Ainda nesta região, se integra o povoado aberto do

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Neolítico Final do Cabeço da Velha, Vila Velha de Ródão: implanta-se no topo deplataforma culminante, evidenciando a mesma realidade. Outro sítio referenciadocomo "neo-calcolítico" corresponde à ocupação mais antiga do Monte do Frade,também do concelho de Penamacor (Vilaça, 1995). Implantado numa pequenaplataforma da parte somital daquela notável elevação granítica, o povoadopré-histórico em apreço, de fraca expressão, aponta, contudo, para uma cronologiaanterior à que lhe foi atribuída. Com efeito, a tipologia das cerâmicas decoradas,remete-o para o Neolítico Antigo, sendo comparáveis às das estações da baciainterior do Mondego (Valera, 1998).

Enfim, existem ainda outras ocorrências, como o povoado do Monte do Trigo(Idanha-a-Nova), com ocupação calcolítica, mas já do campaniforme, peloque só adiante será mencionado mais pormenorizadamente.

Mais para norte, na região da Beira Alta, o conhecimento do povoamentocalcolítico deve-se, tal como na Beira Baixa, à actividade arqueológicaprogramada, ali desenvolvida nos últimos vinte anos, sobretudo, por J. C. deSenna-Martinez e A.C. Valera, a que cedo se agregaram outros investigadores.Deste modo, é hoje possível verificar, como em outras regiões do país, umcerto polimorfismo no povoamento calcolítico, não obstante o ainda reduzidonúmero de sítios investigados. Entre os sítios abertos, desprovidos deconstruções defensivas, contam-se os povoados da Malhada, do Murganho eda Corujeira, implantados em zonas de encosta; e se, nos dois últimos, apresença humana foi pouca duração, já o primeiro, corresponde a umaocupação estável e intensa, a que não será estranha a proximidade de solosde boa capacidade agrícola. Nestes contextos domésticos, surgem, pelaprimeira vez, os pesos de tear, de formato rectangular, com furos nos vértices,como os da Beira Baixa e da Estremadura. Na cerâmica, dominam as formasabertas sobre as fechadas; a decoração não ultrapassa 10% dos fragmentos,estando representados motivos incisos, largamente predominantes,designadamente as bem conhecidas bandas incisas penteadas, acompanhadaspor outros motivos, como caneluras e espinhados; a técnica impressa évestigial. A indústria lítica inclui artefactos de pedra polida de anfiboloxisto,de origem regional e uma componente lascada, de característicasconservadoras. Nalguns casos, observam-se materiais exógenos, como aslâminas de sílex recolhidas no Castro de Santiago, Fornos de Algodres, asquais poderiam ser obtidas por troca com lingotes de anfibolito, formatadoslocalmente (Valera, 1997), situação a que anteriormente já se fez referência.

De assinalar, porém, que, no quadro das permutas referido, não se incluíamos artefactos de cobre, os quais só surgem na região mais tarde, em contextoscampaniformes ou deles sincrónicos.

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Seja como for, a emergência, nesta etapa, que se pode globalmente situar naprimeira metade do III milénio a. C., e que foi designada de CalcolíticoPleno (Valera, in Senna-Martinez & Pedro, 2000), de sítios altos e fortificados,vem demonstrar que, também aqui, a sociedade se encontrava em faseacelerada de intensificação económica e de complexificação social. Éinteressante assinalar que, ao contrário dos sítios abertos, os povoadosfortificados implantam-se em zonas de solos pobres e afastados das zonasmais produtivas (Valera, 1999, 2000). Este facto conduz a admitir a existênciade uma rede de povoamento, integrada em estratégia de ocupação dosterrittórios e de optimização na exploração dos respectivos recursos. Tal comona Estremadura, o centro económico e demográfico passou a girar, noCalcolítico, em torno dos sítios fortificados, que constituíam o vértice dahierarquização demográfica, como marcos naturais construídos na paisagem:como já antes se referiu, ao tratar do mesmo fenómeno na Estremadura, nasua monumentalidade, sem perder as funções primárias que presidiram àrespectiva edificação – de defesa de pessoas e de bens da exploração dosrecursos neles acumulados – se espelhava o sucesso e o prestígio de toda acomunidade. A emergência da fortificação foi, pois, simultâneamente, causae consequência do acréscimo da sedentarização e da concomitante maiordependência das produções agro-pastoris: era ao povoado fortificado que sereportaria a população que viveria em determinado território: a suadelimitação, através de fronteiras bem definidas, reflecte a compartimentaçãoda paisagem ou, por outras palavras, a territorialização das comunidades –antes inexistente – por via do reforço da economia produtora de que foramprotagonistas.

O Castro de Santiago reflecte regionalmente esta realidade: implantado notopo de uma elevação bem individualizada, com um amplo domínio visualsobre a paisagem envolvente, ali se identificaram duas muralhas sucessivas,que delimitavam um recinto entre grandes penedos graníticos. Não pareceexistir dúvidas que se tratou de um lugar densamente ocupado: tal é aconclusão decorrente da existência de fundos de cabana com lareiras,ocupando a zona média, e de empedrados. As características dos espólioslítico e cerâmico e os elementos de moagem, igualmente presentes, reforçamtal conclusão. A ocupação ali registada, datada por radiocarbono, deu osresultados, para um intervalo de cerca de 95 % de probabilidade, de3088-2885 a. C. e de 2916-2624 a. C., situando-a, pois, no primeiro quarteldo III milénio a. C.

No povoado da Malhada, uma outra data, a que corresponde o intervalo de2871-2325 a. C., foi considerada como da transição do Calcolítico Plenopara o Final (mas sem cerâmicas campaniformes). Existem outros povoadoscalcolíticos na região, mas a presença de materiais campaniformes – como

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no da Fraga da Pena (Fornos de Algodres) – remete a respectiva caracterizaçãopara o capítulo correspondente ao estudo daquele "fenómeno".

No Noroeste do País, o Calcolítico encontra-se também muito embrio-nariamente conhecido. Além da estação da Penha, Guimarães, que deu onome à cerâmica epónima característica, a qual, até inícios da década de1980, se julgava da Idade do Bronze – o que só sublinha as lacunas existentesna informação – só muito recentemente se identificou e escavou um sítio decarácter habitacional na região minhota. Trata-se do sítio de Bitarados,Esposende. Implanta-se no sopé de encosta suave, com boa exposiçãomeridional, próximo de ribeiro, que permitia à população ali instalada o acessoà água durante todo o ano. A escavação evidenciou cinco fases de ocupação,seguidas de outras tantas de abandono, inseríveis no Calcolítico, as quaistêm correspondência em diversas estruturas habitacionais: lareiras,pavimentos argilosos, fossas e buracos de poste. A cronologia calcolíticaencontra-se comprovada pela presença de cerâmicas do tipo Penha, comdecorações características, tanto incisas, como puncionadas ou produzidascom pente, bem como pelo achado de uma placa de cobre incaracterística(Bettencourt, 2004). Bitarados configura um povoado aberto, ocupado durantetodo o ano, de médias dimensões, cujos habitantes se dedicavam, àagro-pastorícia, documentada por restos de cereais (trigo de grão nú e cevada)e leguminosas (fava), sendo a componente animal representada sobretudopor restos de ovinos e/ou caprinos. A recolecção seria igualmente relevante,como se conclui pela a presença de bolota, de amoras silvestres e de rabanetesselvagens, que são comestíveis. Além desta ocorrência, conhecem-se outrossítios de carácter habitacional com cerâmicas do tipo Penha, nalguns casosno interior de abrigos sob rocha, conferindo à presença humana caracterísitcaspouco evidentes na paisagem. Importa referir fragmento com decoraçãooculada, encontrada na Senhora da Penha, Guimarães, e na Chã do Castro,Amares, com paralelos evidentes nas cerâmicas simbólicas calcolíticas daEstremadura e do Sudoeste tão expressivamente documentados no belorecipiente do povoado de S. Lourenço, Chaves, adiante referido.

Mais importantes foram as evidências reconhecidas na região do NoroesteTransmontano e no Alto-Douro, na transição do IV para o III milénio a. C.,onde as marcas de povoamento possuem maior visibilidade em resultado,talvez, de trabalhos que há mais tempo e de forma sistemática vêm sendodesenvolvidos na região.

Ali, a separação entre o Neolítico Final e o Calcolítico Inicial é essencialmentecronológica, tendo sido situada no final do IV milénio a. C. São de destacaros povoados da região de Chaves-Vila Pouca de Aguiar – os primeirosconhecidos com carácter sedentário, da vasta região de Trás-os-Montesocidental, fundados no Neolítico Final (Jorge, 1986). Neles, a cerâmica

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decorada, com motivos exuberantes, chega a atingir 80%, aumentando o seubarroquismo à medida que os indicadores de intensificação económica setornam mais nítidos: trata-se das cerâmicas do "tipo Penha".

Esta situação é interessante, porquanto o renascimento da cerâmica decorada,no Calcolítico da Beira Alta, foi relacionada com a afirmação identitária dosgrupos que a produziram (Valera, in Senna-Martinez & Pedro, 2000), depoisde, durante o Neolítico Final, serem predominantes os recipientes lisos.

A maioria dos povoados estudados por S. Oliveria Jorge autora têm umafundação no Neolítico Final convencional.

O povoado de Vinha da Soutilha, Chaves, é um sítio aberto, extenso e comindicadores claros de ocupação permanente no Neolítico Final e, depois, noCalcolítico. A este último se refere uma data, correspondente ao topo daCamada 3, com a presença de artefactos de cobre arsenical, a qual, para umintervalo de confiança de cerca de 95 %, corresponde a 3490-2615 a. C.

Nas mesmas condições se encontra o Castelo de Aguiar, no concelho de VilaPouca de Aguiar: se a camada mais antiga de ocupação se reporta ao NeolíticoFinal (3700-3108 a. C.), já a camada 4 terá sido formada ao longo de todo omilénio seguinte: para a base dispõe-se de data que corresponde ao intervalode 2910-1920 a. C., enquanto o topo terá sido formado entre 2569-1750 a. C.Trata-se de um sítio implantado num esporão avançado da abrupta escarpade falha que domina o vale do rio Corgo, com boas condições naturais dedefesa. Estas verificam-se, igualmente, nos povoados de Pastoria e de SãoLourenço, ambos no concelho de Chaves, situados em plataformas, no rebordode relevos dominando o vale do Tâmega.

A estabilidade das ocupações que a maioria destes povoados denuncia, pelascronologias longas, abarcando na maioria dos casos parte do IV e oIII milénios a. C., é uma realidade que também se encontra documentada nopovoado do Barrocal Alto, com dois níveis de ocupação sucessivos e datados,o primeiro atribuído ao Neolítico Final e o segundo (Barrocal Alto II) aoCalcolítico, entre 2886-2490 a. C. para cerca de 95 % de confiança. Ao nívelda cultura material, avulta a decoração da cerâmica, que evidencia assinalávelcontinuidade. Assim, às decorações impressas ou de tipo puncionamentoarrastado "boquique" e incisões, aplicadas a formas abertas ou fechadas, masdominatemente lisas, dos níveis mais antigos do Barrocal Alto e do Castelode Aguiar, que evidenciam uma marcada tradição neolítica, no povoado daVinha da Soutilha, ainda nos meados do IV milénio a. C., contrastando coma situação referida, ocorrem cerâmicas essencialmente decoradas com estreitasfaixas puncionadas, incisas ou com aplicação de pente, as quais evoluempara as complexas decorações metopadas que vão constituir a marca maisindividualizada desta estação assim como, posteriormente, de outros povoados

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calcolíticos da região, como o Castelo de Aguiar (Jorge, 1986; Sanches,1997).

Tais decorações convivem com outras, de barroquismo análogo, formandocampos reticulados, caneluras abaixo do bordo, espinhados e barras verticais,do "tipo Penha". No caso de São Lourenço, merece destaque um vaso comdecoração com a técnica do puncionamento arrastado ("boquique"), já atrásmencionado, com a característica representação de olhos radiados comsobrancelhas e tatuagens faciais, que o reportam a exemplares de Estremadurae do sul de Portugal (Jorge, 1986, Est. CVI). A presença desta peça é explicadapor via da intensificação económica e, com ela, da interacção cultural comoutras áreas geográficas, veiculada pelo comércio transregional dematérias-primas.

Reportando-se à génese dos povoados fortificados calcolíticos da bacia doAlto Mondego, A. C. Valera, num texto já antigo (Valera, 1994), refere queaquela "requereu a inserção das referidas comunidades do interior numcircuito transregional de ideias e concepções (com provável origemmediterrânica) e deverá ser entendida num quadro de mudança cultural ondeoperam os fenómenos da evolução e da difusão, esta última aqui entendidacomo um processo cumulativo e não de substituição". A adopção do quevem de fora é vista como fazendo parte do constante processo adaptativo dacomunidade, permitindo conceber a difusão como um processo de aculturaçãoselectiva. A aceitação da influência (surja ela sob forma material ou de ideias)dependerá da sua utilidade e compatibilidade dentro da cultura receptora. Ésob tal prisma que deve ser interpretada a presença daquela peça que, emborade fabrico local, testemunha expressivamente a existência de influênciasmeridionais, ao nível da super-estrutura religiosa e simbólica, por parte daspopulações calcolíticas transmontanas. É ainda essa realidade que explica apresença de vários punhais de lingueta e com nervura central (como os seushomólogos de Alcalar) de cobre arsenical, recolhidos no mesmo povoado,de um machado plano de cobre e de uma ponta Palmela, nitidamente objectosde importação meridional, podendo ser coevos da presença campaniformeda região.

Embora nenhum dos povoados até ao presente referidos ostente estruturasdefensivas, estas ocorrem em diversos sítios, adiante descritos em pormenor.Antes, importa referir o Buraco da Pala, importante estação da região deMirandela à qual já anteriormente se fez referência, ao tratar-se do Neolíticotransmontano. A cavidade continuou a ser ocupada, com carácter domésticoe provavelmente sazonal, na transição do Neolítico Final para o Calcolítico(Nível III). Nesse nível, desaparecem as utensilagens de cariz microlítico,de tradição epipaleolítica, assim como as cerâmicas carenadas ou comdecoração plástica ou canelada, ao mesmo tempo que o aumento dacapacidade dos recipientes parece denunciar, ou comunidades maiores, e/ou

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novas funções atribuídas aos vasos cerâmicos (Sanches, 1997). Os níveis II eI, claramente calcolíticos, podem ter chegado ao final do Calcolítico, comosugerem as imitações de vasos campaniformes, foram datados entre cerca de2800 e 2500 a. C.; o abrigo foi então essencialmente utilizado como celeiro,verificando-se a acumulação de sementes de trigo, cevada e fava ou deprodutos da recolecção (bolota), em grandes recipientes, que chegam a atingircerca de 50 litros de capacidade no Nível II e 80-90 litros no nível I. Estãoainda presentes outros produtos, como a ervilha silvestre, a papoila do ópio,o linho e a lentilha, os quais fazem supor uma agricultura desenvolvida ediversificada, além de muito bem sucedida, como comprovam os produtosarmazenados. Mas o sítio funcionou em tal época também como localhabitado, junto à entrada, onde se praticou a metalurgia; ali se recolherampeças de evidente prestígio, com destaque para cerca de sete dezenas decontas de variscite e metavariscite e de seis contas de ouro – talvez os primeirosprodutos manufacturados nesse metal documentados entre nós – queevidenciaram uma fusão, ainda que incipiente, do metal. Embora sejampossíveis várias hipóteses para explicar esta notável ocorrência, o que nãopermite dúvida é o facto de, no decurso da primeira metade doIII milénio a. C., existir, na região de Mirandela, uma assinalável produçãoagrícola, que se quadra bem na intensificação económica que tem vindo aser apontada para o Calcolítico da região, a qual estará, por seu turno, naorigem do fenómeno da fortificação de alguns lugares à escala regional, àsemelhança do que aconteceu, pela mesma altura, nas outras regiões do actualterritório português. Sítio excepcional de acumulação de recursos alimentares,associados a objectos de adorno e de prestígio de evidente e real valor, queatestam o alto estatuto dos seus frequentadores, não restam dúvidas quanto àimportância e sucesso de uma economia de produção cerealífera vigente noNordeste transmontano no decurso do Calcolítico, indissociável daemergência e afirmação de segmentos minoritários das comunidades que aliarmazenaram os seus excedentes, aos quais só uns poucos teriam o privilégiode aceder, efectuando a correspondente gestão dos mesmos. Por outraspalavras, o acesso a tais recursos não seria facultado a todos os elementos dacomunidade. Isso mesmo é indicado pelos produtos de luxo ali recolhidos,indicando que a manipulação de tais bens seria reservada a elites muitorestritas de uma ou várias comunidades (no caso de o celeiro ser partilhadopor mais do que uma). Tal significa, enfim, que o processo de intensificaçãoeconómica não andaria arredado de um outro fenómeno, o da a diferenciaçãosocial intragrupal.

Em resumo: fortificação, intensificação económica e diferenciação social,são três realidades interdependentes, também no norte e centro do actualterritório português, no decurso do Calcolítico. O primeiro dos "itens"referido, está representado na região, sobretudo, por três sítios particularmenteimportantes: o Crasto de Palheiros, Murça, o Castelo Velho de Freixo de

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Numão, e o Castanheiro do Vento, Vila Nova de Foz Côa. A sua existência éacompanhada pela de povoados abertos, como a Quinta da Torrinha (segundaocupação) e o Barrocal Tenreiro, do Calcolítico Inicial, a que se sucedemoutros, do Calcolítico Pleno/Final, como o Castelo de Algodres e o Curral daPedra, todos na região do Baixo Côa (Carvalho, 2003).

O Crasto de Palheiros implanta-se em duas plataformas, encimadas por um cumerochoso dominando uma vasta paisagem envolvente: possui, deste modo, excelentescondições naturais de defesa, sublinhadas por uma escarpa de cerca de 30 metros,que cai sobre uma íngreme encosta. A ocupação calcolítica do local associou-se àconstrução de dois taludes, sobre os quais, na Idade do Ferro, se construiram duasmuralhas. O talude interno, ou superior, foi construído durante o Calcolíticocampaniforme, como indica a presença de vários fragmentos de tais recipientes;em ambas as plataformas delimitadas pelos referidos taludes, detectaram-se restosde estruturas domésticas de época calcolítica (Sanches, 1997). Assim, a UnidadeInterna, com base em datas de radiocarbono entretanto publicadas (Sanches, 2000/2001), terá sido ocupada no segundo quartel do III milénio a. C. Quanto à UnidadeExterna, correspondente à plataforma inferior, uma amostra recolhida em umaestrutura de combustão definida por pedras fincadas ao alto e inserida numa áreadoméstica alargada, submetida a datação pelo radiocarbono, deu um resultadosemelhante ao obtido para a plataforma superior. Sendo assim, é a seguinte asucessão proposta para a ocupação pré-histórica do sítio:

1. Cerca de 3000-2800 a. C., dá-se a eventual ocupação da parte mais elevadada Unidade Interna;

2. Entre 2800-2400 a. C., define-se uma Unidade Interna e uma UnidadeExterna:

Unidade Externa – constrói-se potente talude exterior, que delimita o povoado aleste e a sul e inicia-se a ocupação doméstica da plataforma inferior, circundada esustida pelo referido talude. Logo a seguir, procede-se ao alteamento do talude,dos lados leste e sul, dos quais partem empedrados que se estendem sobre a camadade ocupação anterior ou, simplesmente, sobre o substrato geológico. Na plataformadelimitada pelo referido talude, há indícios de ocupação da Idade do Bronze, tendosido recolhidas, tanto nesta zona, como na Plataforma Superior, adiante referida,assinaláveis quantidades de cereais e de fava carbonizada, além de restos demamíferos, com predomínio do boi doméstico, que não deixam dúvidas quanto ànatureza habitacional do local.

Unidade Interna – ao mesmo tempo que é edificada a Unidade Externa, procede-seà delimitação da plataforma superior por um talude: trata-se do Talude Interno,antecedendo a ocupação doméstica da Plataforma Superior. A superfície assimocupada, é ulteriormente selada por meio de um empedrado, cujo significado nãoé evidente, ocupando a parte sudeste da Plataforma Superior.

Sucede-se a ocupação da Idade do Ferro.

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No conjunto, trata-se de um sítio de carácter doméstico, beneficiando de estruturasde carácter utilitário – os taludes que permitiram a criação de plataformas onde seimplantaram diversas estruturas habitacionais – e outras menos utilitárias, ou aomenos de significado pouco claro, como o empedrado construído em etapa tardiado Calcolítico ou já na Idade do Bronze. Porém, os dados publicados não sãosuficientes, no nosso entender, para atribuir a este sítio o significado de"povoado-monumento", mas, simplesmente, de "povoado fortificado",conferindo-lhe, naturalmente, a fortificação, um carácter monumental.

O Castelo Velho de Freixo de Numão implanta-se igualmente num relevoacentuado na paisagem, ocupando a frente de esporão rochoso, com boascondições de defesa e de visibilidade. Trata-se, como o caso anterior, de umpequeno povoado, defendido por duas linhas de muralhas: a inferior, ouexterna, muito destruída, poderia não passar de um simples murete destinadosimplesmente à delimitação do espaço, sem funções defensivas; e a superior,ou interna, delimitando um recinto reduzido, de contorno sub-elipsoidal, quepoderia albergar, no máximo, 50 pessoas, no qual se interpenetra um pequenorecinto, do lado sudeste (Jorge, 2001, Fig. 2). A parte central do recinto internoé ocupada por uma torre de planta subcircular maciça. No conjunto,identificaram-se três fases construtivas gerais.

O dispositivo defensivo teria sido delineado de uma única vez, e construído, combase nas datas de radiocarbono disponíveis, talvez entre o segundo e o terceiroquartéis do III milénio a. C. Viria, com remodelações importantes, a manter-seactivo até cerca de 2200-1700 a. C. (Fase II). Nesta fase, dá-se o reforço da muralhainterna, atravessando as balizas convencionais que separam o Calcolítico da Idadedo Bronze. Na Fase III, situada entre os inícios do II milénio a. C. e cerca de 1300a. C., encerrou-se uma das entradas no recinto interno, mantendo-se a torre no seuinterior. Esta fase é reportável ao Bronze Pleno regional, correspondendo-lhecerâmicas com decorações plásticas e do tipo "Cogeces". Por último, cerca de1300/1200 a. C., o lugar teria sido "selado" "através da deposição mais ou menosorganizada de camadas de pedra e argila" (Jorge, 2002, p. 31).

Segundo a arqueóloga responsável pelas escavações, "foram identificadosno interior do reduto fortificado, estruturas várias, sobretudo pétreas (talvezmultifuncionais, incluindo a armazenagem; lareiras; e buracos de poste), econcentrações de artefactos. O estudo comparado de todos estes elementosleva-nos a colocar a hipótese da existência, no interior do reduto fortificado,de áreas semi-especializadas em actividades de carácter produtivo como amoagem, a armazenagem e a tecelagem (Jorge, 1994, p. 493). A apoiar estesconclusões encontraram-se, de facto, abundantes artefactos de uso

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inquestionavelmente doméstico: elementos de tear subrectangulares, comfuros nos vértices, alguns dos quais decorados, machados, enxós, elementosde mós manuais, materiais de pedra lascada e cerâmicas típicas do Calcolíticodo norte de Portugal, onde dominam as decorações incisas, feitas a pente. Aestas peças, soma-se um machado plano e um cinzel de cobre. As cerâmicasdomésticas foram estudadas (Cruz, 1995), com o intuito de poderem indicaralguns testemunhos de diferenciação social intracomunitária; contudo,verificou-se assinalável homogeneidade de formas e de técnicas decorativas,com o predomínio de taças em calote na primeira fase de ocupação, emboratenha existido uma concentração de grandes vasos numa área restrita,sugerindo a existência de uma "diferenciação social baseada na acumulaçãode bens de produção" (op. cit., p. 261), ou, em alternativa, que se admite sermais consentânea com a realidade, de uma especialização funcionalintrapovoado, que é justamente um dos indícios da intensificação económicaverificada no Calcolítico.

Ulteriormente, verificou-se modificação desta interpretação de carácterestritamente funcionalista, tendo a arqueóloga responsável abandonado aatribuição de Castelo Velho a um povoado fortificado (ou, se se quiser aplicara expressão de V. S. Gonçalves, para os pequenos povoados calcolíticos doSudoeste, de "quinta fortificada"), perfilhando a perspectiva de um lugarsimbólico: "Inicialmente identificado como um povoado fortificado doCalcolítico e da Idade do Bronze do Norte de Portugal, este sítio é hoje vistocomo um "lugar monumentalizado" concebido no III milénio a. C. e mantidoaté meados do II milénio a. C. No interior deste "monumento" terão decorridoactividades de carácter cerimonial, cuja natureza está ainda por esclarecer.Esta nova interpretação do sítio de Castelo Velho abre perspectivas sobreuma nova forma de olhar os recintos murados do Calcolítico e da Idade doBronze peninsular" (Jorge, 1999). Trata-se, na verdade, de perspectivafortemente influenciada por trabalhos recentes produzidos além-fronteiras,mas cuja aplicabilidade à realidade portuguesa carece de maior discussão:em Castelo Velho, como nos restantes recintos muralhados calcolíticos donosso território, o espólio exumado remete para a esfera do quotidiano e dodoméstico... sem esquecer que, então, também ali se teriam desenroladoactividades de carácter religioso ou cultuais. A mudança do entendimentosobre o significado e funcionalidade de sítios como o Castelo Velho e outros,já abordados ou adiante referidos (Crasto de Palheiros, Castanheiro do Vento),processou-se, pois, a partir de meados da década de 1990, na sequênciaimediata de reflexão geral sobre a noção de povoados fortificados e de lugaresmonumentalizados do calcolítico peninsular (Jorge, 1994). Segundo recentetrabalho (Jorge, 2003, p. 1463), sítios como os referidos "destinam-secertamente a ser vistos de longe mas igualmente a marcar simbolicamente"fronteiras" identitárias. O que ocorria no seu interior suscita ainda discussão.Mas a concepção planeada destes imponentes dispositivos arquitectónicos,

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destinados a manter-se activos durante muitas centenas de anos, fala-nosduma outra maneira de domesticar a paisagem e de a representarsimbolicamente".

Segundo ainda Susana O. Jorge, "não era a existência de um estado de guerraou conflito, mas a vontade de construir um símbolo significativo, queexpressasse e reforçasse a identidade da população local" que esteve na origemda construção do Castelo Velho (Jorge, 2002, p. 75). Este modo de ver daautora encontrar-se-ia ainda sublinhado, no Castelo Velho, por uma pequenaestrutura, formada por uma deposição ritual de ossos de vários indivíduos(uma criança, vários adolescentes e jovens adultos), totalizando 8 a 10indivíduos, em associação com fragmentos de pesos de tear, fragmentos devasos cerâmicos e fauna. Noutro local, recolheram-se vinte e cinco elementosde tear; enfim, ainda noutra zona da estação, deparou-se com estruturaencerrando "milhares de sementes de cereais associadas a vasos cerâmicosintencionalmente fragmentados". Esta realidade sugeriu à autora ter o CasteloVelho funcionado como expressão metafórica das actividades cruciais daspopulações calcolíticas: a "armazenagem" de bens alimentares; atransformação dos produtos secundários operada pela tecelagem; e, enfim, amanipulação dos mortos, tranformados em relíquias culturais (Jorge, 2003,p. 1471). Contudo, seguindo concepção estritamente funcionalista, queperfilhamos, a aludida concentração de pesos de tear poderia corresponder,simplesmente, a vestígios de um simples dispositivo de tecelagem, àsemelhança de concentrações idênticas testemunhadas no povoado calcolíticode Porto das Carretas, Mourão (Silva, 2002), para só citar um exemplo doterritório português (em Cerro de la Virgen, povoado calcolítico da região deGranada, identificou-se concentração de peças que indicam dispositivosemelhante); do mesmo modo, a concentração de grãos de cereais, poderánada mais ser do que um celeiro com contentores cerâmicos, partidosnaturalmente e não intencionalmente, como admite a Autora. Enfim, aocorrência de restos humanos em contextos domésticos, pode corresponderapenas à reutilização de um espaço doméstico; recorde-se que a dicotomiaentre os mundos sagrado e profano é uma realidade que de forma nenhumase poderá transpor para as longínquas sociedades pré-históricas.

Por outro lado, como já anteriormente se referiu, a propósito de outrospovoados fortificados do território português, a construção de um símboloque congregasse a comunidade e onde toda ela se revisse – o monumentorepresentado pelo povoado fortificado – tinha, antes de mais um objectivoprático: a necessidade de autodefesa de pessoas e de bens, face a um ambienteinter-comunitário cada vez mais competitivo (guerra endémica), servindo,ao mesmo tempo, como elemento de dissuasão (prevenção de conflitos) e dereforço identitário de cada uma das respectivas comunidades; nesse sentido,o conceito de fortificação detém, naturalmente, significado simbólico,

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reforçando a finalidade prática que presidiu à construção de cada uma destasestruturas defensivas.

O terceiro povoado fortificado da região dúrico-beirã que importa referir é odo Castanheiro do Vento, Vila Nova de Foz Côa, do qual ainda pouco se sabe(as escavações só se iniciaram em 1998). Trata-se, tal como os dois anteriores,de um sítio com boas condições naturais de defesa, implantando-se emelevação proeminente na paisagem, entre dois cursos de água, controlandovisualmente um território situado para leste, especialmente o vale onde correa ribeira de Murça. De maiores dimensões que o Castelo Velho, ali seidentificou uma muralha com desenvolvimento curvilíneo, em estreitaconexão com vários bastiões, em conexão com um pequeno recinto fechadode planta sub-circular que, no conjunto, integram uma fase de construçãopertencente à segunda metade do III milénio a. C., segundo as indicaçõesperliminares oferecidas pelas análises de radiocarbono já efectuadas (Jorgeet. al. 2002). Esta fase poderá ser antecedida de uma primeira etapa daocupação do local, situável na primeira metade do referido milénio, tambémde acordo com os resultados de datas de radiocarbono obtidas para a camadaarqueológica pré-fortificação. Enfim, a decadência e abandono da fortificação,representada por derrubes, corresponde à Idade do Bronze, à qual pertencem,entre outros, fragmentos cerâmicos do tipo Cogeces. Recolheram-se, ainda,restos de escórias e fragmentos cerâmicos com aderências de cobre o querevela a prática da correspondente metalurgia. Foram recolhidos milhares deartefactos, constituídos por restos cerâmicos, no essencial semelhantes aosdo Castelo Velho, com abundantes decorações incisas, feitas a pente e outrasimpressas, a par de elementos de tear, mós manuais, percutores, alisadores,lascas e núcleos de quartzo, pontas de seta e barro de revestimento, de carácterdoméstico, aplicado a cabanas. A sua ocorrência indica que teria ocorridoalgum incêndio, que permitiu a sua cozedura ocasional, a qual explica aconservação. Trata-se, pois de um contexto claramente doméstico, como osreconhecidos nos dois outros povoados fortificados. A fauna mamalógicados contextos calcolíticos recuperada até à campanha de 2002 é dominada,no que toca à quantidade (peso) da carne consumida, pelo boi doméstico,seguido dos suídeos e do grupo da ovelha/cabra. É de assinalar, ainda, apresença do veado que, conjuntamente com o coelho, representa o segmentocinegético do especto faunístico identificado (Cardoso & Costa, 2004).

Nesta etapa do Calcolítico Pleno, que se pode situar na segunda metade doIII milénio a. C., as cerâmicas penteadas, ocorrem de forma generalizadanos povoados, fortificados ou não, do norte e do centro interior de Portugal,mas quase sempre com uma implantação dominante.

A ocorrência de tais cerâmicas em domínios mais meridionais, como no jáanteriormente referido povoado calcolítico do Cabeço da Malhoeira

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(Penamacor), ou ainda mais para sul, tanto na Estremadura – povoadoscalcolíticos de Pragança, Cadaval; Penha Verde, Sintra; e Leceia, Oeiras(Cardoso, 1995) – como no Alto Alentejo, como é o caso do povoado doPombal, em Monforte (Boaventura, 2001), reflecte um fluxo cultural de Nortepara Sul, ainda que ténue, com equivalente no fluxo de sentido contrário,aquele que explica as cerâmicas simbólicas calcolíticas encontradas nopovoado de S. Lourenço, Chaves. É ainda pertinente assinalar as evidentessemelhanças entre alguns recipientes – tanto na forma como nas decorações– das cerâmicas do "tipo Penha", com os copos canelados do CalcolíticoInicial da Estremadura. São exemplos que materializam o fenómeno dainteracção cultural, a somar a outros, já anteriormente referidos (comérciode anfibolitos e do cobre), ou ainda as contas de variscite ou metavariscite eos artefactos polido de fibrolite – matéria prima desconhecida no territórioportuguês em massas tão volumosas – fenómeno que se efectivou emmúltiplas direcções e sentidos.

O Calcolítico foi, pois, um período de difusão ampla de matérias-primas, detecnologia, de ideias, de conceitos, por todo o espaço hoje português: porisso não espanta que, à regionalização cultural, demonstrada pelasparticularidades da panóplia artefactual própria de cada região – justificandoexpressões como Calcolítico da Estremadura; Calcolítico do Sudoeste; eCalcolítico do Centro e do Norte de Portugal – esteja subjacente uma evoluçãoeconómica e social globalmente homogénea e comparável.

Porém, das três áreas culturais referidas, foi sem dúvida o Sudoeste que,mercê de características geo-ambientais mais propícias – maiores áreasagricultáveis, concomitantes com uma muito menor compartimentação dapaisagem – tenha reunido condições para que uma organização socialproto-estatal se ter podido afirmar, como anteriormente se referiu. Que talfenómeno não teve continuidade, sabê-mo-lo nós; resta conhecer as razõesque estiveram na origem do fracasso.

Com efeito, no final do Calcolítico, e independentemente darespectiva região,os povoados calcolíticos fortificados entram em declínio generalizado,conhecendo contudo alguns deles presenças até ao Bronze Pleno: mas eramjá sobre ruínas que esses últimos ocupantes se moviam, apenas atraídos pelacarga simbólica que tais locais ainda poderiam despertar.

No concernente à Estremadura, um ensaio sobre tais razões foi já tentado(Cardoso, 1998). Admitiu-se, então, que aquela explicação poderia serprocurada no próprio modelo de desenvolvimento adoptado. Com efeito, oprovável aumento do número de habitantes, para valores nunca antesatingidos, em consequência directa de maiores níveis de produção,viabilizados pelas já referidas melhorias tecnológicas, com destaque para oaproveitamento da força de tracção dos bovídeos domésticos, comuns em

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contextos domésticos do Neolítico Final, teria obrigado à procura de novosterritórios para exploração agro-pastoril, necessariamente maiores, mastambém cada vez mais afastados dos principais núcleos habitados. Emconsequência, a produtividade dos mesmos seria prejudicada pela distânciaa percorrer, agravada pela instabilidade social, que tornaria o trabalho agrícolaou a pastorícia cada vez mais difícil, mas também cada vez mais necessário,face à necessidade de garantir a sobrevivência de uma população em contínuocrescimento.

Da competição generalizada então desencadeada pela posse das melhoresterras, tornadas cada vez mais necessárias, resultou o estado de tensão quecaracterizou quase todo o III milénio a. C., não só na Estremadura, mas emtodo o território hoje português, fenómeno evidente pelas imponentesfortificações então construídas. Em Leceia, poderá mesmo encontrar-seregistada, pela primeira vez no registo arqueológico, uma dessas situaçõesde conflito, ocorridas no Calcolítico Pleno: em estrutura de acumulação dedetritos domésticos, talvez correspondente a reaproveitamento de silo,recolheram-se diversos restos humanos, muito incompletos. O respectivoestudo antropológico revelou, pelo menos, a presença de vários indivíduos,todos jovens adultos e do sexo masculino (Cardoso, Cunha & Aguiar, 1991).Tais resultados, conjugados com as condições da descoberta – uma lixeira –corroboram a hipótese de se estar perante despojos de um bando de atacantesque, depois de dizimados, não teriam merecido sepultura, ao contrário doshabitantes do povoado, tumulados em sepulcros colectivos no exterior dolocal habitado. É interessante notar que, também em Castelo Velho, sedetectaram restos humanos, já atrás mencionados, correspondentes a umdepósito mortuário de significado desconhecido (Antunes & Cunha, 1998).

Em consequência do clima social instalado no Calcolítico, dominado pelaconflitualidade permanente e endémica, os territórios explorados por cadaum destes núcleos fortificados tornaram-se progressivamente insuficientespara prover às necessidades das comunidades neles sedeadas. Acresce que,implantando-se em zonas altas, encontravam-se nalguns casos afastados dasterras cultivo, o que dificultava ainda mais a acessibilidade a estas, realidadeparticularmente evidente no centro interior e no norte.

A breve trecho, as comunidades ficaram confinadas aos territórios maispróximos e acessíveis, levados assim ao limite das suas capacidadesprodutivas, considerando o potencial tecnológico então disponível; o recursoà caça, à pesca e à recolecção, desde que tal fosse possível, seria sempre umaalternativa: talvez por isso se verifique um aumento das espécies cinegéticasnos níveis superiores do povoado calcolítico fortificado do Monte da Tumba,no concelho de Alcácer do Sal. já com materiais campaniformes (Antunes,1987), o mesmo se verificando no povoado do Porto Torrão, Ferreira doAlentejo (Arnaud, 1993).

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O resultado final deste processo poderá não ter sido o decréscimopopulacional, visto globalmente: perante tal situação adversa, a cisão de cadauma destas comunidades terá sido a resposta encontrada para a sua própriasobrevivência: de alguma forma, esta teoria adapta-se ao modelo do"enxameamento", proposto por V. S. Gonçalves (Gonçalves, 1989), utilizadopara explicar, no Calcolítico do Sudoeste, a colonização das terras maisdesfavoráveis, cuja ocupação só então seria possível graças às inovaçõestecnológicas introduzidas no sistema produtivo, a partir de áreas mais férteis,mas já superpovoadas. Tal realidade encontra-se sugerida pelo reduzidonúmeros de habitantes que permaneceram em Leceia, bem evidenciada pelaretracção da zona ocupada no Calcolítico Pleno, em torno do núcleo maisinterno da antiga fortificação, já então desactivada. Tal processo, verificadoapós cerca de 2600 a. C., prolongou-se até ao abandono do povoado, aindaantes de final do milénio, num processo coevo da emergência das cerâmicascampaniformes em múltiplos sítios abertos e de pequenas dimensões.Contudo, é nesse curto intervalo da vida do povoado, que não terá ultrapassadoduzentos a trezentos anos, que aquela comunidade, como já anteriormentese referiu, conheceu o apogeu do seu florescimento económico; muito emboraos modelos actualmente disponíveis, com base em interpretações do registomaterial, simplifiquem irremediavelmente a realidade social entãoprotagonizada pelas respectivas populações – disso há que ter plenaconsciência – o referido apogeu económico, desligado da manutenção daanterior fortificação, mostra que, em meados do III milénio a. C., naEstremadura, tal necessidade já não se faria sentir, no novo quadro socialentão vigente. Mas querer ver, no abandono e decadência progressiva dasantigas fortificações, um declínio da própria sociedade, seria ingénuo: aocontrário, a interacção cultural e a diferenciação social, viabilizadas por umacontínua especialização económica, foi uma realidade que se acentuou a partirde meados do III milénio a. C., aquando da plena afirmação do "fenómeno"campaniforme, estudado no capítulo seguinte.

Esta situação faz crer que a coesão do grupo se terá desvanecido comoelemento primordial do seu sucesso e sobrevivência: findo o estado de conflitoreal ou potencial, as comunidades, ao se cindirem em grupos mais pequenos,de raiz familiar, garantiram um mais directo e eficaz acesso aos meios deprodução, ultrapassando um impasse a que um modelo de desenvolvimento,que hoje diríamos "não sustentado", as teriam conduzido. Talvez que estemodelo tivesse baqueado apenas por não se ter assegurado uma característicaessencial à afirmação de grandes comunidades pré-históricas, proto-urbanas,como se verificou em outras culturas da bacia do Mediterrâneo e do próximoOriente: o regadio. Como bem refere V. S. Gonçalves (2000/2001, p. 277),"as sociedades que uma agricultura de sequeiro origina são sempre inferioresnumericamente às que praticam o regadio". Fica por explicar, no entanto,por que razão, nas áreas onde tal era possível e mesmo efectuado – recorde-se

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a enormidade dos povoados de Perdigões e Porto Torrão, com equivalentesem outros da Extremadura espanhola, como La Pijotilla e Marroquíes Bajos,sem querer invocar exemplos mais longínquos, como Los Millares, Almería– não foi essa a evolução verificada.

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13. Manifestações Funerárias do Calcolítico

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13.1 Aspectos arquitectónicos

No sul do território português, incluindo a parte meridional da Estremadura,a arquitectura funerária calcolítica encontra-se documentada por um novotipo de monumento, a tholos, cuja origem no levante peninsular fora jáassinalada em 1954 por O. da Veiga Ferreira e A. Viana (Ferreira & Viana,1956), depois dos trabalhos pioneiros de V. Gordon Childe. Estes autoresassinalaram a progressão geográfica deste tipo de monumentos a partir defoco difusor original situado no sudeste espanhol (região de Almería), primeiropara ocidente, até o Algarve e, depois para norte, progredindo ao longo dosvales do Guadiana e do Guadalquivir, até à região de Badajoz e, através dointerior do Baixo Alentejo, até à actual Estremadura portuguesa (Viana,Andrade & Ferreira, 1961). Esta progressão foi relacionada pelos próprios,com a dos prospectores e metalurgistas do cobre, oriundos da Andaluzia osquais, passando ao Algarve e, depois, ao Baixo e Alto Alentejo, se dedicavamà exploração das concentrações superficiais de cobre nativo, e eventualmente,também, de carbonatos cupríferos, existentes em mineralizações disseminadase nos "chapéus de ferro" da faixa piritosa ibérica. Com efeito, o estudoestatístico das datas disponíveis para os povoados da Idade do Cobre daEstremadura portuguesa e do Sudoeste (incluindo o Alentejo e o Algarve),revelaram uma maior antiguidade do Calcolítico nesta última área cultural(Soares, 2002). Em Alcalar, as grandes lâminas siliciosas, como as recolhidasno monumento n.º 3, terão origem na região de Ronda, na Andaluzia, o quepermite admitir pelo menos relações comerciais com aquela região, para jánão falar nos longos alfinetes com cabeça amovível canelada, tão comuns naExtremadura, em particular no Neolítico Final, também presentes no Sudesteespanhol (Fonelas), onde foram assinalados por L. Siret.

Os estudos produzidos na segunda metade da década de 1950 e até inícios daseguinte, documentaram as primeiras tholoi na região baixo-alentejana, cujaescavação então se iniciava e onde actualmente se conhecem cerca de dozemonumentos publicados: Trata-se de um tipo de sepulcro de corredor, cujacâmara se apresenta coberta por falsa cúpula, sob tumulus, de construçãomuito mais leve que a dos dólmenes, requerendo um menor esforçoconstrutivo, que se reflectia, por seu turno, na menor monumentalidade faceaos grandes monumentos megalíticos do período imediatamente anterior (osquais contudo, continuaram a ser utilizados, senão mesmo construídos). Asua muito maior escassez, face à daqueles, explica-se por, além de seremmonumentos muito mais discretos na paisagem, respeitarem a um períodocronológico de menor amplitude e a um domínio geográfico muito maiscircunscrito, como anteriormente se referiu.

No entanto, desde o trabalho pioneiro de Estácio da Veiga dedicado àpré-história algarvia (Veiga, 1886-1891), que a sua presença é conhecida no

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Algarve, através da célebre necrópole de Alcalar, a que se seguiu a publicação,pouco depois, por outro pioneiro da pré-história portuguesa, A. dos SantosRocha, do núcleo vizinho de Monte Velho, constituído por três monumentos(Rocha, 1911).

A necrópole de Alcalar corresponde ao conjunto de túmulos de falsa cúpulamais importantes reconhecidos em Portugal; tem interesse conhecer ospormenores da descoberta:

"Em 1880, sabendo o padre Gloria que eu estava incumbido de fundar omuseu archeologico do Algarve, lançou as suas vistas para os lados deAlcalá; viu alli um outeiro, que não lhe pareceu obra da natureza; chamougente, e ao cortar a cupula do monticulo, appareceu-lhe um monumento;mas como lhe ficava a uma legua da igreja, onde tinha obrigaçõesquotidianas, a que nunca faltava, limitou-se a pôr á vista o que lhe foipossivel, e tendo d´alli extraido tantos objectos que encheram cinco grandescaixas, levantou a planta do que chegou a ver, e mandou-me offerecertodos os productos d´aquella bem aventurada pesquiza. O resto daexploração, dizia elle, ficava reservado para mim, e com effeito ficou"(Veiga, 1886, p. 215).

No conjunto, trata-se de uma necrópole constituída por treze sepulcroscolectivos que se dispõem em barreira, fechando o acesso à plataforma ondese implantou o povoado correspondente, do lado setentrional, ritualizandodeste modo o espaço, e introduzindo a dicotomia sagrado/profano a quem seaproximava do povoado vindo do exterior e, sobretudo, sendo do exterior(Parreira, 1997, p. 195). Trata-se, aliás, de estratégia evidenciada em LosMillares, Almería, onde qualquer visitante do povoado era obrigado aatravessar um vasto campo mortuário, semeado de dezenas de monumentosde falsa cúpula, assinalados pelos respectivos tumuli.

No caso de Alcalar, a estruturação da necrópole deve ter-se iniciado com aconstrução de um dólmen, já anteriormente referido, no Neolítico Final (é omonumento n.º 1, explorado pelo Padre Nunes da Glória), o qual actualmente ocupaa zona nuclear da mesma. Este dólmen continha, entre numeroso espólio, umfragmento de placa de xisto decorada, de evidente influência alentejana: sabe-se,com efeito, que a utilização destas peças se prolongou pelo Calcolítico, mas a suaocorrência é compatível com a época de construção do sepulcro. Já o mesmo nãose verifica com as notáveis pontas de seta, de base profundamente cavada, algumasdelas de tipo mitriforme, características do Calcolítico: tal significa que o sepulcrodeve ter sido reutilizado naquela época, até à sua selagem, representada por lajeatravessada na entrada do corredor e reforçada por dois blocos fincados, conformeobservou Estácio da Veiga (Veiga, 1886, Est. II a). Idêntica conclusão é extensívelà presença de dois pequenos recipientes ("grais") de calcário, destinados á moagemde cosméticos ou de corantes, também ali encontrados. Deste modo, pode

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concluir-se que, à semelhança dos monumentos dolménicos da região de Lisboa, eao contrário do que se teria verificado em outras zonas do centro interior e norte dopaís, onde os dólmenes, segundo D. Cruz, foram selados no decurso da segundametade do IV milénio a. C., também no Algarve se verificaram tumulações tardias.Mas a evidente tendência conservadora na construção de uma qualquer necrópolenão resistiu, em Alcalar, à inovação tecnológica calcolítica. Na verdade, admitindoque o único dólmen seja o monumento fundacional da necrópole, os restantesmonumentos que a constituem pouco têm a ver com ele, a não ser o seu significadofunerário: arquitectonicamente e tecnologicamente, correspondem a inovaçõesforâneas, chegadas ao Algarve nos finais do IV ou inícios do III milénio a. C. ou,se quisermos uma equivalência cultural, tantas vezes redutora e simplista, com oinício do Calcolítico no Sudoeste. Só a planta, com corredores mais ou menoslongos, que dão acesso a uma câmara de contorno subcircular, se pode aproximarda concepção já manifestada pelos dólmenes de corredor, semelhança a que jáanteriormente se aludiu, ao tratar-se da origem destes últimos. No resto, os doistipos de sepulcros colectivos evidenciam diferenças acentuadas, das quais a maisevidente é a técnica de cobertura da câmara, recorrendo à construção em falsacúpula, na qual os pequenos elementos tabulares eram colocados em fiadassobrepostas, sucessivamente ultrapassadas para o interior, até garantirem apretendida cobertura do vão.

Essa técnica encontra-se bem evidenciada em diversos monumentos, como o n.º 7,sendo o fecho da abóbada ocupado por uma grande laje, disposta horizontalmente.O recurso a grandes monólitos foi, ainda, uma realidade, mas restrita aos pórticosda entrada do corredor ou da passagem deste para a câmara. Alguns monumentos,como os n.º 3, 4 e 7, são munidos de nichos laterais, o que conduz à hipótese deterem servido para deposições individuais, de elementos de maior destaque dacomunidade que ali sepultava os seus mortos. De referir, a propósito, a existênciade um magnífico conjunto de armas de cobre recolhido no monumento n.º 3: cincopunhais nervurados, que constituem, a par de elementos sumptuários diversos, acomeçar pelas extraordinárias lâminas siliciosas já referidas ou de peças de marfim,a prova do alto estatuto social dos ali tumulados, sublinhada pelo baixo númerodestes, face à expressão monumental dos sepulcros. O marfim, trabalhado ou embruto, está presente em vários dos túmulos de Alcalar, cuja origem norte-africanaé indubitável: é o caso de bloco em bruto recolhido no monumento n.º 4, assimdescrita por Estácio da Veiga (Veiga, 1889, p. 213): "Era um fragmento cortadolongitudinalmente de um dente de elephante: tinha por isso uma secção plana eoutra convexa. O raio correspondente a esta curva mediu 0,05 m, e portanto odiametro do dente devêra ter o dobro. O único trabalho que recebeu foi o daserragem, e segundo parece estaria destinado para alguns artefactos". Esta peça,como outras ali recolhidas, mostram as relações a longa distância que a populaçãode Alcalar mantinha, no sentido de aprovisionamento de materiais de evidenteexotismo e que por isso mesmo constituíam marcas de prestígio e de diferenciaçãosocial aos seus possuidores. Por outras palavras, o estatuto social dos indivíduosdepositados nas criptas destes monumentos, pela razão atrás exposta, por certoapenas uma pequena parte do todo social original, era diferenciado, mesmo na

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morte, não só pelos lugares onde os seus cadáveres se depositavam, mas aindapelos objectos com que se faziam acompanhar.

As técnicas de construção destes monumentos são também distintas: emAlcalar, as paredes das câmaras são feitas em geral de pequenas lajes,formando cúpulas de secção semi-elipsoidal, enquanto que, tanto no AltoAlgarve – tholoi da Eira dos Palheiros (Gonçalves, 1989) e do Cerro doMalhanito, ambas no concelho de Alcoutim – como no Baixo Alentejo e noAlto Alentejo, a maioria das câmaras dos monumentos eram definidas porgrandes ortóstatos líticos, colocados lado a lado. Esta solução arquitectónica,idêntica à observada nas tholoi do Sudeste peninsular, não impedia, contudo,que as coberturas, acima da cota correspondente ao topo dos referidoselementos não fossem asseguradas pelo sistema da falsa cúpula. Vestígiosdesta solução construtiva, não se encontram frequentemente referidos nabibliografia, mas tal deve-se, simplesmente, ao facto de a maioria destasescavações ser antiga e de não se ter dado importância aos níveis de derrubescorrespondentes. Outras vezes, tais níveis de derrubes, constituídos por blocosfortemente imbricados uns nos outros, quase desprovidos de terra, deramaos escavadores a ideia de que as câmaras tinham sido propositadamenteentulhadas, o que não foi o caso.

Na Estremadura, identificou-se ainda uma terceira técnica construtiva,correspondente à colocação na horizontal de blocos de maiores dimensões,de calcário ou de arenito, excepcionalmente de rochas graníticas, como é ocaso da tholos do Monge, na cumeada da serra de Sintra. Carlos Ribeiro, em1880, tinha já diagnosticado correctamente a técnica utilizada na coberturada câmara do monumento, de planta circular, como sendo a da falsa cúpula(Ribeiro, 1880, p. 74, 75, Fig. 75-78).

Testemunhando o valor simbólico dos locais anteriormente ocupados poralguns grandes dólmenes, certas tholoi da rica região megalítica de Reguengosde Monsaraz, foram construídas ulteriormente, no montículo tumulardaqueles: é o caso dos dois clássicos monumentos de Comenda 2 b e deFarisoa 1 b (Leisner & Leisner, 1951). Nalguns casos, como em Olival daPega 2b, tholoi arquitectonicamente semelhante à de Huerta Montero,Badajoz, (Gonçalves, 1999), foi possível situar a sua utilização, no decursoda 1.ª metade do III milénio a. C., conforme indicam as datas de radiocarbonoobtidas. Com efeito, à fase mais antiga correspondem três datações,indicando-se, entre parêntesis, os respectivos intervalos calibrados, para cercade 95 % de probabilidade (Gonçalves, 2003): 4130 ± 60 anos BP (2883-2494a. C.); 4290 ± 100 anos BP (3311-2584 a. C.); e 4180 ± 80 anos BP (2918-2497 a. C.); o monumento revelou ainda uma fase de utilização maismoderna.

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No conjunto, identificaram-se sete camadas de deposições funerárias. Dasdezenas de deposições integráveis na fase mais antiga, duas foramindividualizadas com segurança; uma delas corresponderá ao "fundador" dosepulcro. Assinale-se a presença de fogos rituais, ou simplesmente fogos dehigienização, que levaram à cremação parcial dos corpos, tendo presentes asintensas marcas de calor evidenciadas pelos ossos. No entanto, tal como overificado nalgumas antas alentejanas já referidas, a cremação dos cadáverespoderia ter sido realizada no exterior do monumento, e só depois os seusrestos depositados nele, acompanhados dos correspondentes espólios, tambémeles com marcas de fogo. Estes parecem evidenciar diferenças, face ao daanta a que se encontra geminado, a anta do Olival da Pega 2, grandemonumento com enorme corredor (OP 2a).

Como refere Victor S. Gonçalves, trata-se de um fenómeno complexo desubstituição, mesclado de inovação e de continuidade face a elementospré-existentes, de que resultou a mudança, adoptada a diferentes ritmos, nalgunscasos na mesma região. Certos artefactos identificados em diversas tholoi do BaixoAlentejo, como placas de xisto gravadas, características do megalitismo alentejano,persistem, por vezes intensamente, no decurso do Calcolítico, aliás acompanhadospor outros elementos arcaizantes, de filiação neolítica, como as taças carenadas,com ou sem mamilos na carena, pontas de seta pedunculadas e geométricos que,por si só, demonstram a lentidão com que se efectuou a substituição de artefactos,tanto de carácter utilitário, como de índole simbólica.

Relembre-se que a própria origem da construção da falsa cúpula, no territórioportuguês, é já conhecida em monumentos megalíticos, de que sereconheceram indícios, já anteriormente mencionados, tanto no Alto Alentejo(dólmen 1Vale de Rodrigo, Évora) como na Beira Baixa (Anta 3 de Amieiro,Idanha-a-Nova), para já não falar da sepultura escavada na rocha da Praiadas Maçãs, anteriormente descrita e valorizada como merece.

Por outro lado, reconheceu-se em Portugal a ocorrência de uma sepulturacircular fechada, afim das que G. e V. Leisner exploraram na Andaluzia ereportáveis à fase mais antiga dos túmulos colectivos de Almería, do NeolíticoFinal (Leisner & Leisner, 1943; Leisner, 1945); embora não se possa assegurarque a cobertura fosse em falsa cúpula, o facto de possuir planta circular,constituída por numerosos ortóstatos, sugere afinidade com aquelesmonumentos, aos quais é imeditatamente anterior, na mesma região. Trata-seda sepultura de Castro Marim, recentemente reanalisada (Gomes, Cardoso& Cunha, 1994); e, com efeito, a datação realizada sobre osso humanoconfirmou a sua inclusão, do ponto de vista cronológico, no Neolítico Final

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regional: 4525 ± 60 anos BP, correspondente ao intervalo calibrado, paracerca de 95 % de probabilidade, de 3370-2930 a. C.

A tholos mais setentrional até ao presente seguramente reconhecida emPortugal é a de Paimogo, perto do litoral, a norte da Lourinhã (Gallay et al.,1973); uma datação obtida recentemente para ossos humanos deu o resultadode 4130 ± 90 anos BP (2890-2475 a. C., para cerca de 95 % de probabilidade),sendo, deste modo, estatisticamente contemporânea da fase mais antiga datholos do Olival da Pega 2b, dando a impressão de que o fenómeno daexpansão desta técnica construtiva se teria realizado muito rapidamente, nãosendo discernível pelo radiocarbono.

Na parte restante do território, afastada a hipótese de continuação daconstrução ou mesmo da simples reutilização dos dólmens (os quais, comoatrás se referiu, foram objecto nalgumas regiões de generalizado e intencionalencerramento ("condenação") em finais do IV milénio a. C., só voltando aserem reaproveitados no "horizonte" campaniforme), importa averiguar quaisas estruturas tumulares que os substituiram no decurso do III milénio a. C.; àderradeira fase de construção de monumentos dolménicos, podem reportar-se exemplares de arquitectura evoluída, do tipo "galeria coberta", de queexistem diversos exemplos no Minho litoral, como o dólmen de Eireira (Afife,Viana do Castelo) ou o de Barrosa (Vila Praia de Âncora), como jáanteriormente se referiu. Esta fórmula arquitectónica foi situada por V. O.Jorge já na segunda metade do III milénio a. C. (Jorge, 1995).

O faseamento arquitectónico funerário proposto por D. Cruz ou por S. OliveiraJorge para o centro e norte do País requeria, para ser mais sólido, mais emelhores dados de cronologia absoluta, por ora muito limitados. De acordocom os referidos autores, são reportáveis à fase tardia do megalitismo regional,câmaras, que, de megalíticas pouco ou nada já têm, de tendência cistóide,construídas sob tumuli, sempre de pequenas dimensões, as quais podem atingira 2ª metade do III milénio a. C., prolongando-se depois pelo Bronze Pleno,até meados do II milénio a. C. Tais monumentos encontrar-se-iamrepresentados na fase final da evolução da necrópole polinucleada da serrada Aboboreira (Amarante). Segundo o faseamento crono-tipológico propostopelo primeiro dos referidos autores (Cruz, 1995), os monumentos sepulcraisque se inscrevem no Calcolítico, prolongando-se a sua construção pelo BronzePleno – correspondentes aos últimos tipos da sua classificação (op. cit., p.82) – seriam assim caracterizados:

Tipo IV – sepulcro ortostático com tumulus baixo: integra monumentos comestrutura central ortostática, de pequenas dimensões, tumulus com diâmetroinferior a 10 metros, não relevado no terreno, implantados em posiçãoperiférica face a sepulcros mais monumentais das fases anteriores: é o casodas mamoas 2 de Outeiro de Ante, 4 de Outeiro de Gregos e 2 de Chã de

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Carvalhal. Face à limitada área do espaço sepulcral, é admissível quecorrespondam a túmulos individuais. É também o caso da Mamoa das Cabras,da mesma necrópole, cuja cronologia, para cerca de 95 % de confiança, sesitua no intervalo de 2466-2057 a. C. intervalo que corresponde à fase maisrecente do Calcolítico regional.

O Tipo V encontra-se representado unicamente pela cista megalítica de Chãde Carvalhal, reportável ao campaniforme; por isso, será mais detalhadamentereferida quando se tratar deste complexo.

Por último, o Tipo VI corresponde a "cairns", constituídos por superfíciesempedradas, não relevadas no terreno, delimitadas com um círculo de pedras,cuja cronologia remete, essencialmente para época ulterior ao Calcolítico(Bronze Pleno), pelo que serão referidos também em outro lugar deste manual.

Segundo o referido autor (Cruz, 1995), os grandes dólmenes da região devemter conhecido um período de utilização limitada, no máximo de 400 anos,tendo sido em ritualmente encerrados, através de estruturas de obstrução dosrespectivos corredores ou na passagem destes para as respectivas câmaras("estruturas de condenação") nos finais do IV milénio a. C.; falta saber se omesmo se observaria também no Alentejo; isto, bem entendido, sem prejuízode reutilizações posteriores, com destaque para as campaniformes, mas semdesobstrução dos corredores, selados por lajes anteriormente aliintencionalmente colocadas.

13.2 Símbolos e rituais

De acordo com os argumentos atrás expostos, na transição do IV para oIII milénio a. C. observam-se, a par de permanências e continuidades, aintrodução de novidades, ao nível da religião e da simbologia a ela associada,expressas por artefactos desconhecidos nos contextos do Neolítico Final. Talé o caso, na Estremadura, entre as novidades, das peças de calcário, cujosignificado mágico-simbólico é evidente. As mais frequentes têm formatocilíndrico, representando a deusa calcolítica, e os seus variados atributos –como a gravação de olhos solares, sobrancelhas, nariz, tatuagens faciais,toucado – particularmente nítidos nas peças algarvias, que são mais barrocas("ídolos de tipo Moncarapacho") – e, excepcionalmente, o triângulo púbico,presente em exemplar recolhido no povoado pré-histórico de Leceia (Oeiras).Deusa da fertilidade, mas também da renovação da vida, nestas peças nãocusta admitir a existência de influências mediterrâneas, a começar pela própriamatéria-prima em que são confeccionadas. Tal preferência, até entãodesconhecida, não obstante a vulgaridade desta rocha na região, é sugestiva

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da aludida inspiração exógena, muito embora existam outras, em osso –falanges de equídeo – e até em cerâmica, sob a forma de recipientes rituais,ou de pequenas estatuetas, conceptualmente idênticas. A sua ocorrênciaestende-se a grutas naturais e artificiais, mostrando a reutilização deste tipode sepulcros, no decurso do Calcolítico.

Importa salientar a presença de alguns tipos peculiares, cujas particularidadesse encontram sublinhadas pela sua limitada distribuição geográfica, algumasdelas já anteriormente referidas. É o caso de enxós votivas, de calcário,presentes apenas em sepulcros da Estremadura, representando o cabo e, até,as tiras de fibras vegetais que garantiam a fixação da lâmina lítica àquele, deum par de sandálias de calcário, igualmente de significado votivo, recolhidona gruta II de Alapraia, Cascais (Jalhay & Paço, 1941), com paralelosconhecidos em Almizaraque, Almería, mas de osso ou marfim(Almagro-Gorbea, 1959), e das lúnulas, de contorno recortado, cujadistribuição geográfica circunda a serra de Sintra, a "Serra da Lua" dosRomanos. Não se esqueça que a Lua pode ser também invocada como símboloda vida, visto renascer depois de, aparentemente, ter desaparecido dofirmamento (Lua Nova). Este último grupo de objectos de maior expressãosimbólica, porque remete para a crença no renascimento humano – daí seremquase de exclusiva proveniência funerária – evoca ainda um outro grupoartefactual, o das "pinhas", com treze ocorrências conhecidas, limitadas àactual Estremadura (Cardoso, 1992). Exemplar ocasionalmente recolhidono dólmen de Casainhos, Loures (Cardoso; González & Cardoso, 2001/2002),com aquela forma, apresenta ainda três serpentes longitudinais animal ligadotambém à renovação da vida. A evidente semelhança formal faz correspondergenericamente tais peças à representação de pinhas de pinheiro. Estasdetiveram sempre, em diversas épocas e religiões, um significado estritamenterelacionado à renovação da vida: Dioniso (Baco, no panteão romano), querepresentava a vegetação, os frutos, a vinha, o vinho, a renovação das estações,numa palavra, a vida e a afirmação da sua pujante fecundidade, era figuradosegurando um bastão encimado por uma pinha. Símbolo da renovação davida, tal é também a explicação para a ocorrência da pinha em diversas lápidesfunerárias romanas, recolhidas em Portugal. O pinheiro, como árvore quenunca morre, visto manter-se sempre verde, simbolizava, entre os Romanos,como em outros povos antigos europeus, os seus rituais de primavera(ELIADE, 1997, p. 386).

Em Portugal, é frequente o costume de associar as pinhas –como símbolo deregeneração da vida – a algumas festas de raiz pagã, que ainda hoje se praticam naEstremadura, como o "baile da Pinhata" realizado por alturas do Carnaval, com acolocação da representação de grande pinha, no centro da sala. O cristianismoadoptou tal símbolo, embora dele não retivesse o significado primitivo: é o caso da

Fig. 195

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colocação do círio pascal, na noite de Sábado para Domingo de Páscoa, o dia daRessurreição de Cristo, de cinco pinhas, simbolizando as cinco chagas de Cristo,observado na Igreja de Santo António do Estoril. Tendo ficado clara a simbologiada pinha, importa discutir a presença das três serpentes na peça de Casainhos, aúnica em que aquelas se representaram. O significado da serpente, da Pré-Históriaaos dias de hoje, é de há muito objecto de estudo; a serpente, como animal sagrado,encontra-se estreitamente associada à noção de morte/regeneração e à defecundidade/renovação, articulando-se directamente com outros elementos comoa água e a Lua (Eliade, 1997, p. 220; Tavares, 1967). Deste modo, a presença e aposição das três serpentes na peça em causa, tem um significado que reforça o dapinha, sendo assim compatível com a simbologia expressa por aquela. Assim sendo,as pinhas calcolíticas de calcário da Estremadura corporizam a existência, nestaárea geográfica, de uma forma particular de culto à regeneração da vida, comoconvinha a oferendas fúnebres, destinadas a acompanhar os mortos na sua últimaviagem, que era também de renascimento para outra vida. Em épocas ulteriores,também as serpentes continuaram a ser representadas, atingindo a sua máximaexpressão na Idade do Ferro do norte de Portugal (Gomes, 1999). A importânciadestes répteis na estrutura religiosa das populações castrejas era relevante, a pontode existirem referências, nas fontes clássicas, a um "povo das serpentes", habitandoo ocidente peninsular, os Sefes, que J. de Alarcão admitiu terem vivido na actualEstremadura, "entre o Tejo e o Mondego ou talvez, mais limitadamente, entreaquele rio e o cabo Carvoeiro" (Alarcão, 1992, p. 340). É lícito, pois, ver nas duasrepresentações da peça de Casainhos – a serpente e a pinha – dois elementos deuma epifania que chegou aos dias de hoje, mas cuja origem calcolítica édemonstrável, tendo pervivido, exactamente no mesmo território através dos tempos,para o que contribuiu também o facto de se terem tornado símbolos supra-regionais.Em conclusão, a peça do dólmen de Casainhos, pelo significado religioso quedetêm as representações simbólicas nela insculturadas, testemuha, por si só, ariqueza e a complexidade dos conceitos já então perfeitamente adquiridos epraticados pelas comunidades estremenhas calcolíticas da primeira metade doIII milénio a. C.

No contexto dos ídolos de calcário estremenhos que se têm vindo a referir,importa destacar o notável e único conjunto recolhido na gruta do CorreioMor, Loures (Cardoso et al., 1995). Constituído por onze peças, colocadasnuma zona central do chão primitivo da gruta, a maioria possui evidentecarácter antropomórfico, sublinhado pela decoração, com representação facial;numa delas, de características únicas, a natureza antropomórfica foiconseguida separando a "cabeça", achatada, do corpo, cilíndrico, através deum estrangulamento, conferindo-lhe o aspecto de um peso de balança. Esteconjunto faria, pois, parte de um altar funerário rupestre.

Outro conjunto funerário, representado por cerca de uma dezena de ídolos,executados em primeiras falanges de equídeo polidas (apenas uma emprimeira falange de boi doméstico), lisas ou gravadas com a característica

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face oculada, provém da Lapa da Bugalheira, Torres Novas. Segundo osescavadores, as peças concentravam-se de um dos lados da cavidade (Paço,Vaultier & Zbyszewski 1942). A escolha destas falanges decorre da sua formaantropomórfica, a qual, nalguns casos não sofreu qualquer transformação: éo caso do exemplar recolhido na tholos do Cabecico de Aguilar que ostenta,simplesmente, um triângulo púbico na zona basal, não deixando dúvidasquanto ao sexo da divindade que representava (Leisner & Leisner, 1943,Tf. 29).

No Alto Alentejo, alguns exemplares de ídolos de calcário e outros objectoscom eles associados, como os provenientes do povoado do Porto Torrão,Ferreira do Alentejo, reflectem não só as relações culturais com a Estremaduraportuguesa, como, sobretudo, com a Extremadura espanhola e o mundocalcolítico andaluz, através da ligação do Guadiana ao Médio Guadalquivir.Tal é também a conclusão a extrair da recolha, em grandes antas alentejanas,reutilizadas no Calcolítico, de recipientes com representações simbólicasoculadas, como a Anta Grande do Zambujeiro, Évora (Pina, 1971, Fig. 3), oua Anta Grande do Olival da Pega, Reguengos de Monsaraz (Leisner & Leisner,1951, Est. LXII, 15-17), possuindo evidentes analogias com o notávelexemplar da tholos do Monte do Outeiro, Aljustrel, no qual, para além detais motivos, se encontra representado também o triângulo púbico (Viana,Ferreira & Andrade, 1961). Estes vasos, com decoração barroca, remetempara o Calcolítico do Sudeste, encontrando-se presentes nas tholoi de LosMillares, Almería. Da mesma forma, o notável conjunto de peças de mármorerecolhidas na região de Pera, Silves (Cardoso, 2002), indica relações comaquela área geográfica: com efeito, ocorrem modelos que são dali exclusivos,não se conhecendo paralelos em território português. Um deles, com arepresentação de dois mamilos cónicos – atributo que remete, uma vez mais,para a divindade feminina calcolítica – é único em território português, mascom paralelos directos em exemplares de Los Millares, nos túmulos 16 e 57,respectivamente (Leisner & Leisner, 1943, Tf. 14, n.º 16, 34; Tf. 148, n.º 10).Estas peças reforçam inequivocamente a relação, mais ou menos imediata,estabelecida entre os povoadores calcolíticos do Algarve e os seus homólogosdo levante peninsular.

No Algarve ocorre uma variante dos comuns cilindros lisos de calcário – aestilização máxima da figura humana – representados por exemplares com arepresentação facial, oculada e radiada, com sobrancelhas, "tatuagens" ecabeleiras onduladas, em composições comparáveis às patentes nas cerâmicasanteriormente mencionadas: trata-se dos "ídolos de tipo Moncarapacho"(Olhão), de onde provêm vários exemplares, depois encontrados em outrasregiões do litoral argarvio. Os olhos radiados, que caracterizam estesexemplares, foram relacionados com os olhos da coruja numa obra bemconhecida de M. Gimbutas: "The round eyes so definitively establish her

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identity that often no auxiliary anthropomorphic features were deemednecessary" (Gimbutas, 1989, p. 54, 55). Tal interpretação é, com efeito,consentânea com o carácter funerário destas peças, que se quadra bem comos hábitos nocturnos daquela ave; seria, pois, mais uma corporização daomnipresente deusa-mãe calcolítica – que é também da fertitilidade e davida – como protectora dos defuntos, prenunciando a sua regeneração paraalém da morte.

Não seria aceitável terminar este capítulo sem referir dois exemplos, entremuitos outros, mas dos quais não subsistiram vestígios, dos pequenos gestosassociados às práticas funerárias, ou dos grandes rituais relacionados comcerimónias públicas não funerárias dos tempos calcolíticos. No primeiro caso,trata-se da oferenda de um machado plano de cobre, embrulhado num panode linho, encontrado em sepultura cistóide de Belle France, uma dasnecrópoles das Caldas de Monchique. Qual o significado desta ritualizaçãodo machado, provavelmente desencabado, envolvendo-o no pedaço de tecidoreferido? Segundo os autores da descoberta, "O tecido, que lembra um linhofiníssimo e bem fiado, estava dobrado em quatro partes, notando-se que omachado foi cautelosamente amortalhado (...)" (Viana, Formosinho &Ferreira, 1948, p. 3; Formosinho, Ferreira & Viana, 1953/1954, Est. XVII,n.º 2). Ambas as peças foram recentemente analisadas (Soares & Ribeiro2003). O machado, é de cobre puro, não arsenical; quanto ao tecido,confirmou-se que era de linho, dentro da categoria dos "tafetá", com umadensidade de 36 por 31 fios por centímetro quadrado, obtido por fibras semtorção, constituídas respectivamente por 16 e 11 fibras. Era visível, por outrolado, no tecido, uma risca avermelhada, efectuada por pincelagem com coranteavermelhado, cuja análise química mostrou ser a "ruiva dos tintureiros"(Rubia tinctorum L.), planta sub-espontânea em Portugal, cultivada comaquela finalidade, extraindo-se o corante da respectiva raiz, que é vermelha.Enfim, uma pequeníssima porção do tecido foi datada pelo radiocarbono,indicando que aquele foi fabricado entre meados e o terceiro quartel doIII milénio a. C.; deste modo, constitui o exemplar de tecido datado maisantigo da Península Ibérica (Soares & Ribeiro, 2003).

O segundo caso reporta-se a testemunho extraordinário da cerimóniafundacional do povoado calcolítico fortificado de Vila Nova de S. Pedro,Azambuja, à qual, na época, e mesmo depois dela, não foi dada a devidaimportância. Não obstante A. do Paço ter identificado correctamente osvestígios, por ele exumados, como correspondentes a uma cerimóniafundacional, o respectivo artigo foi intitulado, simplesmente "Uma vasilhade barro, de grandes dimensões, do "castro" de Vila-Nova-de-São Pedro"(Paço, 1943), evidenciando a pouca importância dada ao significado daqueladescoberta, no contexto em que se integrava. Não obstante, a reconstituição

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desta cerimónia foi apresentada detalhadamente pelo próprio, correspondendoà seguinte sequência:

1. Escavação do subsolo, de grandes dimensões, que atingiu 2,60 metrosna parte mais profunda, contados a partir da actual superfície doterreno, delimitada de dois lados por uma linha de pedras. A camadaarqueológica correspondia aos 0,60 metros superiores do enchimento;esta escavação foi, depois de cumpridos os preceitos rituais queestiveram na origem da sua execução, colmatada por depósitocompacto de barro amassado, formando enchimento que atingia,portanto, cerca de 2 metros de espessura máxima;

2. Antes de se ter procedido ao aludido enchimento, depositou-se, naparte mais funda da escavação, um bovino, disposto na direcçãoNorte-Sul, e talvez outros animais, tendo presentes os restos de veado,porco/javali e cabra/ovelha encontrados nesse nível; encontrou-setambém uma valva de Pecten sp. (vieira), uma faca e um raspador,bem como fragmentos de mais "duas ou três vasilhas";

3. Junto aos corpos desses animais, sacrificados na ocasião, fez-se umafogueira, bem visível do lado da cabeça do bovino, e colocou-se aolado um recipiente liso;

4. Por cima do conjunto anterior, despejou-se barro amassado, atingindocerca de 0,50 metros de espessura, não se encontrando a fogueiracompletamente extinta, como se deduz dos fragmentos de carvõesencontrados;

5. Sobre esta primeira camada de barro amassado, e na vertical da barrigado bovino, colocou-se uma grande taça lisa, com 0,38 metros de alturae 0,58 metros de diâmetro, assente em pequenas pedras, quecircundavam lateralmente todo o recipiente. No interior, recolheram-sepequenos fragmentos cerâmicos, uma valva de amêijoa e "restos" demachado de pedra polida;

6. As pequenas pedras que circundavam o recipiente cobriam-no também,formando uma espécie de carapaça que o protegia por todos os lados;

7. A colmatação da escavação continuou com barro amassado,conjuntamente com materiais arqueológicos fragmentados, que semisturaram com a argamassa, casual ou intencionalmente, atingindoeste depósito a altura de cerca de 1 metro acima do bordo da taça;

8. Do lado oriental da escavação, e dentro dela, que ali atingia menorprofundidade, encontraram-se restos de outro bovino, aparentemente

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depositado ao mesmo tempo do anterior e relacionando-se assim comidêntico momento do ritual.

Como muito bem observou A. do Paço, estes testemunhos correspondem a"uma cerimónia religiosa, praticada certamente no princípio, talvez umaconsagração do local levada a cabo pelos habitantes do "castelo" quando alise estabeleceram (...)." (Paço, 1943, p. 143). A localização destes vestígios,no contexto da fortificação calcolítica que ulteriormente ali se pôs adescoberto, corresponde a área situada no exterior do reduto central, entreeste e a segunda linha muralhada; no entanto, a ocorrência de materiaisarqueológicos fragmentados, de mistura com o depósito de barro amassado,faz admitir que esta cerimónia não correspondesse exactamente ao início daocupação do sítio, mas a etapa em que se procurou sacralizar o povoado, ouuma área ainda não ocupada deste.

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14. O "Fenómeno" Campaniforme

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A existência de um grupo cerâmico pan-europeu, denominado"campaniforme" — facilmente identificável e relativamente homogéneo —foi reconhecida nos finais do século XIX. Além da tipologia e dascaracterísticas de decoração dessa cerâmica, desde cedo foi também notadaa sua associação regular a um conjunto de artefactos de cobre. Começarama aparecer, entretanto, vários estudos regionais e uma primeira síntese dosconhecimentos adquiridos sobre o fenómeno campaniforme no espaçoeuropeu elaborada por Alberto del Castillo em 1928. Devido à grandesemelhança de tipologias e de estilos de decoração, o autor postulou não sóuma identidade tipológica e cronológica pan-europeia para a cerâmicacampaniforme, mas também uma teoria difusionista em que a origem dessacerâmica se situaria na Península Ibérica, tendo sido difundida para toda aEuropa por grupos caracterizados pelo uso de este tipo de cerâmica. Logo noano seguinte, em 1929, Gordon Childe aceitou a hipótese ibérica propostapor A. del Castillo e ligou-a também à difusão da metalurgia do cobre,propondo a existência de um povo campaniforme ("Beaker people" ou"Beaker folk") de mercadores e metalurgistas, rapidamente dispersos, àprocura de recursos minerais e disponibilizando, em troca, artefactosmetálicos.

Nos anos sessenta, duas contribuições importantes, uma de Stuart Piggott(1963) e outra de Edward Sangmeister (1963), procuraram alargar a basematerial sobre a qual os estudos sobre o campaniforme tinham sido, até aquelaaltura, conduzidos. Ambos examinaram as evidências cerâmicas e nãocerâmicas, numa tentativa de definir, pela primeira vez, uma culturacampaniforme ou uma série de culturas campaniformes no sentido que lhesdava Childe, isto é, definindo-as como "um conjunto coerente de artefactos".Sangmeister tentou cobrir toda a Europa e, na ausência de uma basecronológica segura, produziu uma racionalização da evidência arqueológicadisponível. Com base na tipologia da cerâmica e de materiais não cerâmicos,e com a ajuda das conclusões do programa de análises de artefactos metálicosconduzido pelo grupo de Stuttgart, sugeriu dois movimentos fundamentaisde difusão dentro da Europa: primeiro, um movimento para fora da PenínsulaIbérica até à Europa Central, seguido de um movimento de "refluxo" a partirda Europa Central, a que corresponde um conjunto diferente de artefactos eestilos cerâmicos.

Com a generalização da datação pelo radiocarbono e com o aparecimentodas curvas de calibração, estas teorias começaram a ser postas em causa,designadamente o conceito de movimentações étnicas, como estando naorigem da difusão dos conjuntos campaniformes referidos anteriormente.Começou-se, pelo contrário, a aceitar que a evolução dos conjuntoscampaniformes poderiam antes ser o resultado do desenvolvimento mais oumenos independente de tradições locais há muito existentes, sem negar uma

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raíz comum, ou várias, no contexto europeu, que explicariam as variantesregionais identificadas.

Um exemplo típico destes desenvolvimentos teóricos é fornecido pelo quese passou nas Ilhas Britânicas, com a introdução de novos tipos e estilos decerâmica, designadamente a cerâmica campaniforme, e da metalurgia. A maiorparte da evidência disponível para este período provém de sepulturas,normalmente inumações individuais, cada uma acompanhada por um vasocampaniforme. Os estilos são comuns à Europa Continental, onde as origensdo material britânico parecem ligar-se, mas o mecanismo de introdução e asvias postuladas tornaram possível subdividir o corpus reunido em tipologiase, por inferência, em grupos cronológicos. D. L. Clarke estudou e publicou,em 1970, esse corpus de materiais campaniformes e, baseado na cerâmica,designadamente nas dimensões, forma e decoração dos vasos, sugeriu aimigração para as Ilhas Britânicas, em duas fases principais, de sete gruposdiferentes de populações campaniformes. Cada grupo poderia ser distinguidopor um estilo cerâmico particular, ao qual se seguia o desenvolvimento deduas tradições distintas de cerâmicas nativas, cada qual divisível em grupostipológicos com significado cronológico específico.

Os mesmos dados foram posteriormente examinados e reelaborados porLanting e van der Waals, em 1972, os quais apresentaram um esquemaenvolvendo apenas um influxo continental seguido pelo desenvolvimento deestilos regionais, os quais se subdividiam em sete estádios com significadocronológico.

Outro trabalho, publicado em 1972, do laboratório do British Museum,conduzido por Ambers e colaboradores, procurou testar o significadocronológico atribuído aos diferentes estilos de decoração identificados porClarke ou por Lanting e van der Waals, tendo para isso datado apenas ossosde esqueletos encontrados ainda articulados que estivessem acompanhadosde vasos campaniformes de diferentes tipologias.

Foram datadas cerca de 20 amostras e nenhuma ligação foi encontrada entrea tipologia dos recipientes e a cronologia absoluta obtida, embora a dimensãodos intervalos das datas calibradas possam eventualmente esconder algumasdiferenças cronológicas. De qualquer modo, este trabalho demonstra que ouso de tais classificações tipológicas como indicadores cronológicos podeser incorrecto e enganador.

Em Portugal, a cerâmica decorada campaniforme tem sido considerada como"fóssil director" da última fase do Calcolítico. Por outro lado, "é decomponívelem três grupos principais tal como é possível concluir da análise tipológica equantitativa dos materiais campaniformes provenientes das principais jazidas

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portuguesas" (Soares & Silva, 1974/77, p. 101). Esses três grupos principaissão:

1. O Grupo "internacional" onde pontifica o vaso "marítimo", de tipologiaclássica, em forma de campânula invertida, com decoração depontilhado de bandas horizontais interiormente preenchidas porsegmentos com inclinação alternada (tipo "herringbone", ou "epinhade arenque"), a que se junta outro tipo de decorações geométricas apontilhado, presentes em vasos campaniformes e em caçoilas;

2. O Grupo de Palmela (caracterizado pela taça Palmela, decorada apontilhado e de lábio decorado);

3. E o Grupo inciso, caracterizado pela presença daquela técnicadecorativa, aplicada a diversas formas de recipientes, com as caçoilase as taças Palmela, com bordos aplanados e muito largos, profusamentedecorados e onde os vasos "marítimos" escasseiam ou se encontrammesmo ausentes.

Embora os autores admitam a coexistência destes três grupos, o grupo"internacional" seria o mais antigo, seguido pelo Grupo de Palmela e estepelo Grupo inciso, o mais recente dos três, cuja existência se prolongaria atéà Idade do Bronze. A predo-minância de materiais característicos de umdeterminado grupo funcionaria como indicador cronológico para o contextoarqueológico em causa.

R. J. Harrison (Harrison, 1988), com base nas datas de radiocarbonoconhecidas para contextos campaniformes da Península Ibérica, sugeriu queos estilos regionais, nomeadamente o inciso, surgiram e desenvolveram-serapidamente, uma vez em uso os recipientes de tipo "marítimo". Exemplodeste facto é o que acontece com a sepultura colectiva de Atalayuela (provínciade Logroño), onde a datação de esqueletos articulados, acompanhados devasos campaniformes incisos, permitiu atribuir-lhe uma cronologiacorrespondente ainda à primeira metade do III milénio a. C.

Mais recentemente, uma análise às datas de radiocarbono conhecidas para oCalcolítico da Estremadura e do Sul de Portugal (Soares & Cabral, 1992;Cardoso & Soares, 1990/1992) veio chamar a atenção para a maiorantiguidade do aparecimento do fenómeno campaniforme em contextosarqueológicos daquelas regiões, face à usualmente considerada.

Fig. 200

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14.1 Estremadura

A Estremadura portuguesa é, de todas as regiões do nosso território, a que seafigura mais rica de materiais campaniformes. É também aquela onde estesforam mais precocemente reconhecidos como tal, desde o último quartel doséculo XIX, justificando designações hoje válidas, a nível internacional, como"taças Palmela" ou de "pontas Palmela", em resultado das descobertasefectuadas nas grutas artificiais da Quinta do Anjo, Palmela, onde taisproduções foram pela primeira vez devidamente reconhecidas e valorizadas.Podemos decompor as ocorrências de materiais campaniformes em doisprincipais tipos de estações, as de carácter habitacional – englobandopovoados ou pequenos núcleos, de tipo familiar – e as necrópoles, as quaisserão de seguida descritas.

14.1.1 Povoados

Penha Verde, Sintra, é um povoado campaniforme fortificado, do qual seescavaram, duas casas, de planta circular, uma delas com corredor, construídaspor lajes calcárias de pequenas dimensões dispostas horizontalmente, e umsilo, igualmente de planta circular, na proximidade de uma das referidashabitações (Zbyszewski & Ferreira, 1958, 1959). Identificou-se ainda umfosso, associado à Casa 2, bem como um pavimento de lajes de calcário, noexterior daquela, prolongando o corredor respectivo.

Na primeira publicação refere-se, explicitamente, a associação da cerâmicacampaniforme a outros tipos de recipientes decorados, designadamente commotivos em "folha de acácia" e incisos, muito abundantes e variados (op.cit., p. 55). Tal conclusão é reforçada no trabalho mais recente (op. cit., p.406). Note-se a total ausência da cerâmica canelada, característica doCalcolítico Inicial da Estremadura, de entre as centenas de fragmentosdecorados recolhidos. A associação de cerâmicas incisas e impressas, deorigem local e anteriores às campaniformes ("folha de acácia" e "crucífera")a materiais campaniformes é plausível: tal constatação foi já assinalada nosníveis superiores do povoado pré-histórico da Rotura, Setúbal (Gonçalves,1971; Silva, 1971; Ferreira & Silva, 1970) e, mais modernamente, no doZambujal, Torres Vedras (Kunst, 1987, 1995). De salientar, ainda, em reforçoda referida coexistência, o facto das unidades habitacionais donde provêmtais fragmentos possuírem, naturalmente, uma "vida útil" curta, talvez umageração, no máximo.

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Ainda se não dispõe de um estudo completo do conjunto campaniforme: apenasHarrison (1977, Figs. 55-59) apresenta o desenho esquemático da maior parte dosreferidos fragmentos, possibilitando uma apreciação global do conjunto. Assim,na Casa 1 estão presentes vasos campaniformes com decoração de bandas, apontilhado ("marítimos"), caçoilas de ombro e carenadas, igualmente decoradas apontilhado; são muito raros os fragmentos (de pequenas dimensões, pertencentesa formas difíceis de classificar) com decorações incisas. Quatro artefactos de cobre,entre eles duas pequenas facas com chanfros de encabamento — sendo uma delasde cobre arsenical (Junghans et al., 1968, An. N.º 2447) — completam o conjunto.Da Casa 2 provêm vasos campaniformes "marítimos" com decoração a pontilhado,taças hemisféricas de bordo ligeiramente espessado, também decoradas a pontilhadoe caçoilas de ombro e carenadas, ambas decoradas igualmente a ponteado. Sãoexcepcionais os fragmentos incisos; entre eles, contam-se os de três taças Palmela,além de uma taça hemisférica e de cinco fragmentos de recipientes inclassificáveis.As peças metálicas, à base de cobre, todas de pequenas dimensões, correspondem,sobretudo, a furadores ou sovelas de secção rectangular, sendo, pelo menos umadelas, de bronze, com um teor em estanho de cerca de 10% (Junghans et al., 1968,An. Nº 2448). Enfim, do "fosso" adjacente à Casa 2 obteve-se um vasocampaniforme "marítimo" integrado em conjunto dominado, ao contrário dos doisanteriores, por fragmentos de taças em calote e de taças Palmela com decoraçõesincisas, e de onde se encontram ausentes as decorações a pontilhado. As duaspeças metálicas de cobre reportáveis ao fosso são um furador de secção rectangulare uma ponta Palmela.

Na Casa 2 recolheu-se um alfinete de ouro, de secção circular e cabeça em botão,de formato lenticular (Zbyszewski & Ferreira, 1958, p. 50). Trata-se de artefactomuito semelhante, a outro, oriundo de Areia, Mealhada, pertencente ao MuseuNacional de Arqueologia (Fernandes, 1993, p. 152, 153). É crível que este exemplar,ao contrário do artefacto em bronze acima mencionado, seja coevo do conjuntocampaniforme descrito. Desta forma, poderemos concluir que a ocupação da PenhaVerde é essencialmente campaniforme, embora uma presença da Idade do Bronze,muito menos marcada, tenha também tido ali lugar.

Estas duas ocupações parecem confirmadas através das datas de radiocarbonoobtidas. A primeira foi determinada a partir de uma amostra de carvão, a qual,depois de calibrada, corresponde ao intervalo, para cerca de 95 % de confiança, de2282-1258 a. C. não tendo sido referida a qualquer das estruturas escavadas.Informação pessoal de O. da Veiga Ferreira situa a amostra datada na Casa 2.A uma segunda datação a partir de ossos cuja proveniência específica se desconhece,corresponde o intervalo de 2620-2394 a. C., compatível com a ocupação dominante.

Em Leceia, Oeiras, o interior da imponente e notável fortificação calcolítica,já por diversas vezes referida no decurso desta obra, constituiria umamontoado de ruínas aquando da passagem pelo local de grupos humanosportadores de cerâmicas campaniformes, que ali estacionariam

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espaçadamente, no final do Calcolítico Pleno. Indício deste facto é-nosfornecido pela posição estratigráfica dos materiais campaniformes no interiorda área defendida, invariavelmente na parte superior da Camada 2, constituída,em boa parte, por derrubes oriundos das muralhas e bastiões do dispositivodefensivo, então já em parte arruinado e desactivado.

Escavaram-se ainda, na área extramuros adjacente à primeira linha defensiva,duas estruturas habitacionais, atribuíveis à presença campaniforme, as únicasno seu tipo, até ao presente reconhecidas na Estremadura.

São ambas de planta elipsoidal, embora de dimensões muito diferentes.Trata-se da Cabana EN, com cerca de 5,0 metros de comprimento máximo eda Cabana FM, com o dobro daquele comprimento.

Com efeito, a importância de Leceia para a discussão do "fenómeno"campaniforme decorre, sobretudo, da existência destas duas unidades decarácter doméstico tendo a cerâmica decorada sido já objecto de estudoanalítico exaustivo (Cardoso, 1997/1998, 2000, 2001).

No interior da Cabana EN, recolheram-se 26 exemplares campaniformes, dos quaisapenas 5 foram decorados a pontilhado; predominam, deste modo, as decoraçõesincisas, evocando assinalável modernidade no conjunto, de onde se encontra ausenteo vaso campaniforme "marítimo". A segunda cabana possuía uma entrada,sublinhada por soleira e por duas ombreiras, voltadas para o exterior. Embora, talcomo na anterior, o espólio cerâmico decorado fosse inteiramente constituído pormateriais campaniformes, ao contrário daquela, mais de 75 % das decorações foramfeitas a pontilhado, encontrando-se presentes em vasos "marítimos" e numa grandevariedade de recipientes, incluindo taças Palmela, caçoilas e taças hemisféricas,onde também estão presentes as decorações incisas. Sendo certo que houvecoexistência destas diversas técnicas decorativas, até pela "vida curta" inerente ànatureza da própria estrutura, duas conclusões se destacam:

- a aludida coexistência torna muito relativos os critérios de faseamento ouperiodização das cerâmicas campaniformes até o presente desenvolvidosem Portugal, limitando-lhes a validade em termos absolutos;

- desde que se disponha de um número mínimo de exemplares susceptíveisde suportarem conclusões credíveis, é de admitir que os conjuntos dominadospelas decorações incisas e por formas de carácter local, de onde se encontramausentes os vasos marítimos, sejam mais recentes que aqueles onde tal formaocorre, associada à técnica pontilhada (decorações do tipo "marítimo" egeométrico). No caso em apreço, esta realidade é corporizada pelo espólioda Cabana EN .

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A estratigrafia correspondente à Cabana EN indica, apenas, que esta se fundou emderrubes da fortificação do Calcolítico Inicial, enquanto a Cabana FM assentoudirectamente, ora no substrato geológico ora na camada 4, do Neolítico Final.

Assim sendo, a quase exclusividade de peças incisas na Cabana EN, bem como aausência de vasos "marítimos", conduz a considerar tal conjunto, à luz dos critériosexpostos, mais tardio do que o recolhido na Cabana FM e no interior da fortificação,onde é frequente o vaso "marítimo" decorado a pontilhado, rareando as decoraçõesincisas.

Duas datas de radiocarbono foram obtidas a partir de ossos de animaisdomésticos, provenientes daquelas estruturas campaniformes: para a CabanaEN e a Cabana FM, os intervalos obtidos, para cerca de 95% de confiança,foram, respectivamente, de 2629-2176 a. C. e 2825-2654 a. C.

Além destas, foram determinadas anteriormente e já publicadas (Cardoso &Soares, 1996) oito datas de radiocarbono para a Camada 3 (Calcolítico Inicial)e dezoito datas para a Camada 2 (Calcolítico Pleno), que permitiram, pelaprimeira vez, situar a transição entre o Calcolítico Inicial e o CalcolíticoPleno da Estremadura cerca de 2600 a. C, como já atrás se referiu.

Perante estes resultados, seria tentador considerar a data mais antiga reportávelao Calcolítico Inicial; porém, dado o que a posição estratigráfica das cerâmicascampaniformes no interior da fortificação é sempre mais recente que a camadacorrespondente ao Calcolítico Inicial, deve concluir-se que é ao CalcolíticoPleno que ambas as cabanas devem ser reportadas, situando-se em tal fasecultural a emergência do fenómeno campaniforme na Estremadura. Por outrolado, o facto de, em ambas as estruturas de carácter habitacional estudadas,se encontrar totalmente ausente qualquer fragmento cerâmico decorado quenão fosse campaniforme, apesar de a utilização destas cabanas ser coeva daocupação do interior da fortificação, onde aquelas abundavam, de misturacom materiais campaniformes, vem mostrar que os seus ocupantes detinhamuma cultura material distinta, facto que pode remeter para uma identidadesocial diferenciada dos habitantes da área intramuros..

O povoado calcolítico fortificado do Zambujal, Torres Vedras, foi objecto,entre 1964 e 1973, de sucessivas campanhas de escavação que interessarama parte central do antigo dispositivo defensivo. Embora o estudo dadistribuição estratigráfica do espólio exumado esteja ainda longe de concluído,a maior abundância da cerâmica campaniforme observa-se nos níveis maismodernos da sequência estratigráfica, ao contrário do observado nos restantesgrupos de cerâmica decoradas calcolíticas (cerâmicas caneladas e cerâmicasimpressas — "folha de acácia" e "crucífera"). Porém, os materiaiscampaniformes coexistem com os copos, a forma mais característica dascerâmicas caneladas, bem como, por maioria de razão, com as cerâmicas

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com decorações em "folha de acácia" e "crucífera", ao longo de todas asfases construtivas identificadas na estação, da mais antiga à mais recente(Kunst, 1995, Abb.7) sendo mínimos, segundo este autor, na mais antiga.

A sequência proposta por M. Kunst (1996) para as cerâmicas decoradas no Zambujalé a seguinte:

1. Copos cilíndricos exclusivos;

2. Copos cilíndricos frequentes + escassas decorações "folha de acácia" e"crucífera";

3. Copos cilíndricos frequentes + decorações "folha de acácia" e "crucífera"frequentes + escassos campaniformes;

4. Decorações "folha de acácia" e "crucífera" frequentes + campaniformesfrequentes + escassos copos cilíndricos (apenas exemplares em estratigrafiaremovida);

5. Campaniformes frequentes + escassas decorações "folhas de acácia" e"crucífera" + ausência de copos cilíndricos ou, pelo menos, grande escassezdestes.

Pode assim concluir-se que, ao longo da sequência estratigráfica, se verificariauma coexistência de cerâmicas campaniformes com as suas congéneresdecoradas de origem pré-campaniforme – especialmente as com motivos em"folha de acácia" e "crucífera" – aumentando a frequência das produçõescampaniformes das camadas mais antigas para as mais modernas. Note-se,contudo, que existe uma discrepância, entre os dois trabalhos de M. Kunst,no tocante à presença (ou não) de cerâmicas campaniformes na fase maisantiga do Zambujal.

Dispõe-se de onze datas de radiocarbono obtidas a partir de amostras composição estratigráfica relativamente segura (Soares & Cabral, 1984, 1993),balizadas pelos seguintes intervalos extremos, para cerca de 95 % deprobabilidade: 2825-2654 a. C. (Fase 2a); e 1846-1773 a. C. (Fase 4c),intervalo obviamente demasiado moderno para que possa ainda serconsiderado como campaniforme.

A fase 1 não foi datada. Considerando a já apreciável quantidade defragmentos campaniformes na fase 2 (Kunst, 1995, Abb.7a), é de admitir,face às datas calibradas obtidas, que aqueles estejam presentes naqueleimportante povoado ao longo de boa parte a primeira metade doIII milénio a. C.

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No Zambujal, predominam largamente as decorações a pontilhado aplicadassobretudo a vasos "marítimos" e a caçoilas (Kunst, 1987, Tf.2 e seg.).

O povoado pré-histórico da Rotura, Setúbal situa-se junto ao estuário doSado e domina um antigo esteiro fluvial. Implantado no topo de crista rochosa,recolheram-se também ali materiais campaniformes. Verificou-se acoexistência estratigráfica de vasos "marítimos", caçoilas e taças Palmela,decoradas quase exclusivamente a pontilhado (configurando uma associaçãotípica do denominado "Grupo de Palmela"), com cerâmicas locaispré-campaniformes decoradas em "folha de acácia" e "crucífera" (Ferreira& Silva, 1970; Gonçalves, 1971). Deste modo, é lícito concluir que ambasas tradições coexistiram, testemunhando, ta como em Leceia, vectoresculturais distintos. No decurso desse período de coexistência, teria resultadoum conjunto cerâmico campaniforme com características próprias e comformas de evidente incidência geográfica, das quais a mais expressiva é ataça Palmela. Com efeito, sendo este um recipiente muito comum nas estaçõesem torno do estuário do Tejo, a sua ocorrência para norte torna-seprogressivamente mais escassa, até desaparecer por completo na generalidadedos conjuntos do centro e norte de Portugal: as ocorrências mais setentrionaisde que existe conhecimento são os exemplares oriundos da gruta de EiraPedrinha, Condeixa-a-Nova (Corrêa & Teixeira, 1949), do povoado do Crasto,Figueira da Foz (ROCHA, 1971) e da mamoa 1 de Chã de Carvalhal, Baião(Cruz, 1992).

Vila Nova de S. Pedro, Azambuja, foi o primeiro sítio fortificado calcolíticoem Portugal a ser objecto de escavações extensivas, dirigidas por A. do Paçoe E. Jalhay. A posição estratigráfica das cerâmicas campaniformes é idênticaà observada em Leceia: estas encontram-se totalmente ausentes dos níveisarqueológicos coevos da construção e ocupação do dispositivo fortificado,ocorrendo apenas nos níveis correspondentes a derrubes das estruturas pré-existentes (Paço & Sangmeister 1956, p. 106). Tais observações foramulteriormente confirmadas aquando de um curto recomeço dos trabalhos, nadécada de 1980, cujos resultados foram objecto de publicação muito preli-minar (Gonçalves, 1994). Daí que quase tudo se desconheça sobre ascaracterísticas do conjunto campaniforme, para além da sua própria existência:segundo os escassos elementos disponíveis, a técnica do pontilhado encontra--se presente em vasos "marítimos" e caçoilas, sendo exclusiva, ou quase, deacordo com os elementos publicados.

Os sítios abertos: no final do ciclo campaniforme, observa-se a difusão,sobretudo na Baixa Estremadura, de pequenos povoados ou de simples casaisagrícolas, pontuando não só as encostas e o topo das colinas da região, mastambém as vastas áreas de planura ali existentes. Neles, escasseia o vaso"marítimo", assumindo, em contrapartida, a técnica incisa uma importânciaacrescida, indício da maior modernidade destes sítios, face aos anteriores.

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Um dos raros casos em que o material arqueológico sugere uma únicaocupação, é o do povoado de Malhadas, Palmela, implantado no topo decolina (Soares & Silva, 1974/1977), correspondente, pela tipologia dosrecipientes (de onde se encontra ausente o vaso campaniforme de tipo"marítimo") e a técnica decorativa (o pontilhado), a um conjunto pertencenteao Grupo de Palmela. Porém, a maioria das peças decoradas ostenta decoraçãoincisa – particularmente a norte do estuário do Tejo – o que corrobora a suarelativa modernidade – aplicada a taças Palmela, caçoilas de grandesdimensões e pequenas taças em calote; aqui, os únicos sítios com conjuntosseguramente "fechados" até ao presente reconhecidos, são a Cabana EN deLeceia, já anteriomente referida, e o núcleo do Monte do Castelo, situado acerca de 500 metros para sul, o qual deveria corresponder a uma unidadedoméstica de carácter familiar (Cardoso, Norton & Carreira, 1996); em ambosos casos, estão completamente ausentes os vasos "marítimos", que então jánão eram produzidos e dominam largamente as cerâmicas incisas. Estasituação persiste nos sítios homólogos a norte de Sintra, implantados tantoem colinas como em zonas planas – conquanto aqui se trate de colheitas semcontrolo estratigráfico ou estrutural – atingindo as cerâmicas incisas cercade 80% do total dos exemplares campaniformes decorados. Mais perto deLisboa, destaca-se a importante estação de Montes Claros, Lisboa, que, pelaabundância dos materiais, indica mais do que um casal agrícola ou núcleo decarácter familiar, antes um extenso povoado campaniforme; a tipologia dascerâmicas tal como os casos anteriores, é tardia, visto dominarem asdecorações incisas, aplicadas a caçoilas e a taças Palmela (Cardoso & Carreira,1995). Situação idêntica é denunciada pelo rico e diversificado conjuntocampaniforme do povoado de encosta de Freiria, Cascais, no essencial aindainédito.

Assim, é a ocorrência de pequenos núcleos, de carácter familiar, mas nãosazonais, que domina o padrão de povoamento da vasta região a norte doTejo; as características muito homogéneas dos espólios faz crer em uma únicaformação social, estabelecida nesta região desde o final do Calcolítico Pleno,cerca da segunda metade do III milénio a. C., dedicando-se de forma intensivaà agricultura e ao pastoreio nos férteis terrenos da região. Esta realidadepressupõe a existência de centros populacionais mais importantes,responsáveis pela administração de territórios onde tais grupos, mais restritos,se instalaram e dos quais há já algumas evidências, como o povoado de alturafortificado de Moita da Ladra, Vila Franca de Xira, ainda por publicar(escavações de J. L. Cardoso e J. C. Caninas).

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14.1.2 Necrópoles

Mencionam-se, apenas, as mais significativas ocorrências.

Verdelha dos Ruivos, Vila Franca de Xira: trata-se de uma gruta natural abertaem calcários mesosóicos, ocasionalmente descoberta no decurso da lavra deuma pedreira (Leitão et al., 1984). Identificaram-se onze enterramentos,sobrepostos, ocupando pequena área do interior da cavidade; foram isoladostrês níveis principais de tumulações, todos campaniformes, sendo assepulturas cobertas por lajes calcárias.

O espólio cerâmico, além de numerosos recipientes lisos, inclui caçoilas carenadase de ombro, por vezes de pequenas dimensões, com decorações incisas e apontilhado, taças em calote e taças Palmela. No conjunto, predominam asdecorações incisas, estando ausente o vaso "marítimo". Tais características conferemao conjunto posição evoluída no quadro das cerâmicas campaniformes daEstremadura, compatível com o Grupo de Palmela.

Dispõe-se de quatro datas de radiocarbono para a estação, realizadas sobre ossoshumanos de diversos enterramentos, que correspondem aos seguintes intervalos,para cerca de 95% de probabilidade: 2507-2330 a. C.; 2709-2488 a. C.; 2588-2454a. C.; e 2501-2287 a. C.

Grutas artificiais da Quinta do Anjo, Palmela: o conjunto das quatro grutasartificiais escavadas em rochas carbonatadas miocénicas, perto da povoaçãoda Quinta do Anjo, no Casal do Pardo, forneceu um notável conjunto demateriais da época campaniforme, avultando as grandes taças de bordoaplanado característico, representadas por numerosos exemplares inteiros,com decoração incisa e pontilhada. Estes exemplares corporizam o chamadoGrupo de Palmela.

As grutas, executadas no Neolítico final, conforme anteriormente se referiu, foramusadas longamente como necrópole, no decurso do Calcolítico. A abundância demateriais campaniformes atesta a importância que, ainda nessa altura, detinhamcomo espaços funerários. É natural que, no decurso das sucessivas reutilizaçõesque tais recintos conheceram, se tenham produzido numerosos remeximentos, cujosefeitos se acumularam ao longo do tempo. Tais remeximentos podem ter conduzidoà mistura de materiais de épocas muito diferentes.

No Museu do Instituto Geológico e Mineiro conserva-se um vaso "marítimo",decorado a pontilhado, sem indicação da gruta de onde proveio (Leisner et al.,1961, pl. XI; Leisner, 1965, Tf.115, nº 2). Este vaso possuía um enchimento deterras, onde aflorava uma vértebra humana e continha, igualmente, um fémur quasecompleto. Este, submetido a datação pelo radiocarbono, forneceu o seguinte

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intervalo de confiança, para cerca de 95%: 2705-2399 a. C. Este resultado coloca,naturalmente, a questão de saber se corresponde ou não à cronologia do vaso"marítimo" onde se encontrava, devido aos intensos remeximentos verificados,embora nada obste a que tal se verifique. Mas é provável que assim seja, sendo oresultado obtido consentâneo com tal realidade.

Outras ocorrências: no conjunto das necrópoles estremenhas com ocupaçõescampaniformes, apenas a gruta da Verdelha dos Ruivos corresponde a umdepósito funerário exclusivamente constituído em tal época. Todas as outrasocorrências assumem características "oportunistas", sendo usual oaproveitamento de espaços funerários anteriores, sejam grutas naturais, grutasartificiais, dólmenes ou tholoi, sem embargo de, por vezes, atingiremexpressão notável, com objectos excepcionais, como sejam os vasosrecolhidos na gruta artificial II de Alapraia, Cascais (Jalhay & Paço, 1941).

Nesta gruta recolheu-se um vaso "marítimo" que se salienta pela excelenteprodução e qualidade decorativa, sugerindo um produto talvez importado, e,na gruta artificial I de São Pedro do Estoril, duas taças com pé, semelhantesa exemplares de El-Acebuchal, Sevilha, para além de jóias de ouro, armas eoutros adereços. Tais materiais que testemunham a importância dos inumados,não obstante serem simples reaproveitamentos de sepulturas colectivasanteriores. Quanto às tholoi, construídas no decurso da primeira metade doIII milénio a. C., referir-se-ão apenas duas, escavadas mais recentemente:trata-se da tholos de Pai Mogo, Lourinhã e da tholos de Tituaria, Mafra.

A primeira, que sofreu bastantes remeximentos no seu enchimento, forneceu quatrocaçoilas e duas taças Palmela, um botão de osso do tipo tartaruga (também presentesem abundância noutras necrópoles, como as grutas e, Palmela e as de São Pedro doEstoril, Cascais), dois fragmentos de braçais de arqueiro, um punhal de lingueta etrês pontas Palmela, artefactos característicos do chamado "pacote" campaniforme,associação artefactual coerente e com significado cultural próprio. No que toca àcerâmica campaniforme, está presente a técnica do pontilhado, numa pequenacaçoila e numa taça Palmela.

Na tholos da Tituaria, identificaram-se, nos níveis superiores do enchimento dacâmara, diversas sepulturas campaniformes individualizadas por pequenas lagesrecuperadas do nível de desmoronamento da falsa cúpula (Cardoso et al., 1996). Ocorredor do monumento foi também reutilizado. Recolheram-se diversosrecipientes, estando presentes a técnica incisa e a pontilhada: vasos "marítimos"com decoração linear pontilhada, uma taça Palmela incisa com cervídeos, motivozoomórfico também presente numa em outra peça análoga decorada a pontilhadodas grutas de Palmela, e em mais três recipientes campaniformes recolhidos emPortugal (Cardoso et al., 1996, p. 168). Este motivo encontra-se, aliás, presente

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em diversas taças das necrópoles calcolíticas de Los Millares, Almería e de LasCarolinas, Madrid, possuindo evidente simbolismo; de facto, o significado religiosodo veado foi já anteriormente referido, a propósito das representações pictóricasdeste animal na arte megalítica da Beira Alta.

O aproveitamento generalizado de sepulcros pré-existentes para tumulaçõescampaniformes é uma realidade, como veremos a seguir, extensiva a outrasregiões do país; mostra que, nesta época avançada do Calcolítico, se verificouum nítido desinvestimento nas construções funerárias, fenómeno que vem,aliás, na sequência imediata do verificado na transição do Neolítico Finalpara o Calcolítico.

Em suma, as observações efectuadas sobre a presença campaniforme naEstremadura portuguesa – sem dúvida a região do país onde aquela é maisimportante – conduz às seguintes conclusões gerais:

1. Fazia-se corresponder, usualmente, a eclosão do fenómenocampaniforme ao final do Calcolítico, coincidindo com o abandonoou o declínio, quase generalizado, das grandes fortificações edificadasem épocas anteriores — onde se concentrava a população — e com amultiplicação de pequenos povoados abertos, correspondendo apovoamento disperso. A afirmação de tal fenómeno encontrar-se-ia,assim, associada a profundas transformações na organizaçãoeconómica e social da Sociedade.

Porém, as datas de radiocarbono entretanto obtidas para povoadoscom importante "ocupação" campaniforme, como os da área doCalcolítico da Estremadura do Zambujal e de Leceia, ao fazerem recuaraté à primeira metade do III milénio a. C. a presença campaniformeno ocidente peninsular provocaram forte perturbação no modeloanterior.

2. A análise tipológica da cerâmica recolhida em alguns dos escassosconjuntos fechados e de vida curta, como é o caso da Cabana FM deLeceia, veio mostrar que ali coexistiam vasos "marítimos" comdecoração a pontilhado e numerosas outras formas, de cunho regional,como as taças de Palmela decoradas segundo aquela técnica, ou aincisão. Parece, pois, que se está, no referente ao campaniforme, numasituação análoga àquela que o estudo do laboratório de radiocarbonode British Museum conduziu para as Ilhas Britânicas: coexistênciados diferentes estilos de decoração campaniforme, aos quais não épossível atribuir um significado cronológico próprio. Por outro lado,e não será demais sublinhá-lo, pode concluir-se, pela coexistênciadas cerâmicas campaniformes com as cerâmicas típicas do Calcolítico

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Pleno da Estremaduraque o aparecimento das produçõescampaniformes coincidirem, pelo menos, com o início do CalcolíticoPleno, como foi varificado nos povoados da Rotura e da Penha Verde.

3. A interpretação da vertente cultural ligada ao fenómeno campaniformetem sido objecto de acesa discussão, não se tendo chegado, até hoje, aconclusões unanimemente aceites. Desde a existência de um "Beakerfolk" – título de um bem elaborado livro de R. J. Harrison (Harrison,1980) – das teorias difusionistas, com invasões e movimentos de"refluxo", até uma evolução local sem estímulos externos, passandopela "utilização restrita desta sofisticada cerâmica por um grupo socialdominante" ou como uma "cerâmica de prestígio", várias têm sido asteorias que procuram interpretar a evidência arqueológica, que tantasvezes se apresenta contraditória.

Seja como for, da convivência entre comunidades calcolíticas deorigens seguramente distintas, terão resultado mútuas influências.Poderá admitir-se que, no referente às populações sedeadas nasfortificações, o segredo da metalurgia do cobre poderia ter sidoaprendido com as comunidades campaniformes, enquanto estas teriamadaptado às suas produções cerâmicas, formas, motivos e técnicasdecorativas que, originalmente, delas não fariam parte: o Grupo dePalmela é, justamente, apontado como resultante de tais influências"indígenas".

4. Crê-se que a presença campaniforme na região estremenha se possasituar entre ca 2600-2300 a. C.; o seu momento mais antigo temparalelo em ocorrências peninsulares e extra-peninsulares (Guilaine,1974; 1984; Harrison, 1988). O final do campaniforme é, naEstremadura portuguesa, anterior ao último quartel do III milénio a. C.Esta conclusão é corroborada pela data 3570±45 anos BP (ICEN–843), que calibrada corresponde ao intervalo 2028–1752 a. C., paraum grau de confiança de 95%, de ossos do povoado do Bronze Plenodo Catujal, Loures (Cardoso, 1994), no qual existem estreitasafinidades com o Bronze do Sudoeste, denunciadas pelas cerâmicasrecolhidas, e que pertence já uma fase cultural claramente ulterior àdas últimas cerâmicas campaniformes estremenhas, o Bronze Pleno.

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14.2 Alentejo

Tanto no Alto como no Baixo Alentejo, conhecem-se ocorrências de materiaiscampaniformes, tanto de sítios de carácter habitacional, como de necrópoles.Os que se referem de seguida podem considerar-se como os mais relevantes,dos até agora conhecidos.

14.2.1 Povoados

Porto Torrão, Ferreira do Alentejo: deste extenso povoado, defendido porsistema de fossos, com cerca de 100 hectares, a que já anteriormente se fezreferência, escavado apenas em ínfima parte, foi publicado um relatopreliminar dos trabalhos realizados (Arnaud, 1993), recentemente completadopela publicação de novos trabalhos arqueológicos ali realizados (Valera &Filipe, 2004).

A Camada 1, correspondente à presença campaniforme, circunscrita aparente-menteà zona nuclear da estação (uma pequena elevação), foi datada pelo radiocarbono.Determinaram-se duas datas a partir do fraccionamento de uma única amostra deossos, e um valor, que é a média ponderada de ambos. Para cerca de 95% deprobabilidade, o intervalo correspondente obtido foi de 2823-2658 a. C. Esteresultado sugere, como os seus homólogos do Zambujal e de Leceia, à data dacorrespondente publicação (Cardoso & Soares, 1990/1992), uma insuspeitada eainda não assumida antiguidade para a presença campaniforme no ocidentepeninsular. No caso em apreço essa presença é representada quase exclusivamente,no que se refere à cerâmica, por decoração a pontilhado, aplicada a vasos"marítimos", a caçoilas e a pequenas taças hemisféricas. Além disso, o "complexo"campaniforme de Porto Torrão engloba um vaso no estilo AOC ("all over corded"),raríssimo em contextos peninsulares (a que se deverá somar outro exemplar,recolhido no povoado do Castelo Velho, Freixo de Numão, adiante referido), umbotão em osso com perfuração em V, um braçal de arqueiro e uma pequena placade ouro batido (ver análises dos vestígios metalúrgicos em Soares et al., 1996).

Por outro lado, a caracterização química e mineralógica da cerâmica recolhida,quer nas camadas pré-campaniformes quer campaniformes, indica um fabrico local,inclusivé para as cerâmicas com decoração campaniforme (Cabral et al., 1988).

Segundo J. M. Arnaud (Arnaud, 1993, p.46), "parece ter havido uma continuidadede ocupação deste local entre a fase em que a cerâmica campaniforme ainda nãoera conhecida e a fase em que a mesma surge com relativa abundância. Essacontinuidade é sugerida pelo facto de, com excepção da cerâmica campaniforme,da metalurgia do ouro e do braçal de arqueiro, não se ter verificado a introdução de

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qualquer outro elemento novo na cultura material característica da última fase daocupação pré-histórica deste povoado".

As observações das escavações de 2003 vieram pormenorizar a presença dasproduções campaniformes: observou-se na estratigrafia do preenchimento de umdos fossos que defendiam a área habitada (Fosso 2) o predomínio do "GrupoIntetrnacional" nos níveis inferiores e do "Grupo de Palmela", nos níveis superiores( ou "Pontilhado Geométrico"), ao qual nos níveis posteriores do enchimento dofosso, se reune o "Grupo Inciso" (Valera & Filipe, 2004).

Monte da Tumba, Alcácer do Sal: a mais recente etapa da ocupação destepovoado calcolítico fortificado, representada pela Fase III, forneceu escassacerâmica campaniforme, decorada a pontilhado (Silva & Soares, 1987, p. 71).

Cerro dos Castelos de São Brás, Serpa: trata-se de um sítio alto e fortificadodurante o Calcolítico. Nos estratos superiores, formados junto à muralhainterna, foram encontrados diversos fragmentos campaniformes (caçoilas),muito raros, com nítico predomínio da técnica pontilhada, organi-zada empadrões geométricos (Parreira, 1983).

Outeiro de São Bernardo, Moura: deste povoado calcolítico, com boascondições naturais de defesa, embora se desconheça se era fortificado ounão, foram inventariados onze fragmentos de recipientes campaniformes,dos quais dez incisos (vasos campaniformes e caçoilas de grandes dimensões)(Bübner, 1979), a que se deverá acrescentar um fragmento de bordo de taçaPalmela, igualmente inciso (Cardoso, Soares & Araújo, 2002). Este espólio,coerente e tardio, é acompanhado de um conjunto metálico recolhido porcerto em área limitada da estação, objecto de uma recente reanálise, daresponsabilidade dos autores referidos. Nele se incluem peçascaracterísticamente campaniformes, ou de tradição campaniforme, como umaponta Palmela e um punhal de lingueta, para além de uma rara ponta dejavalina, que confere ao conjunto metálico particular interesse.

As análises químicas realizadas por XRF dispersiva de energias, sublinharamtal realidade, ao evidenciarem o carácter homogéneo da sua composição(cobre + arsénio, este como elemento vestigial) e, por conseguinte, a elevadaprobabilidade de utilização de uma mesma tecnologia de fabrico e do recursoàs mesmas fontes de abastecimento.

Trata-se do mais importante conjunto de artefactos metálicos domésticos atribuíveisa uma única ocupação campaniforme reconhecida no ocidente peninsular. Atipologia dos artefactos de uso utilitário, conquanto se integre ainda no Calcolítico,evidencia já algumas diferenças face às peças homólogas características do

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Calcolítico Pleno da Estremadura e do Sudoeste português, o mesmo se verificandocom os materiais coevos da bacia extremenha (espanhola) do Guadiana. No querespeita às armas encontradas, nenhuma figura actualmente entre o espólioconservado, sendo apenas conhecidas por desenhos de M. Heleno: trata-se de umpunhal com lingueta, de um outro munido de um par de chanfros de encabamentosimétricos, provavelmente reforçado na folha, e de uma ponta Palmela, peças queconfirmam a atribuição cronológico-cultural do conjunto ao campaniforme. Comose disse, a peça mais importante é uma ponta de javalina, cujos únicos paralelospeninsulares se resumem ao célebre conjunto do dólmen de La Pastora (Sevilha),às duas peças soltas recolhidas à superfície no povoado de La Pijotilla (Badajoz) e,bem mais próximo, ao exemplar mutilado recolhido em escavação arqueológicano Cerro dos Castelos de São Brás (Serpa); o estudo comparativo realizado sobretais peças, conduziu à conclusão de esta arma não ser incompatível com a cronologiado restante conjunto metálico, situável nos últimos séculos do III milénio a. C.

A importância do espólio metálico recolhido, confere ao povoado do Outeiro deS. Bernardo o estatuto de sítio metalúrgico calcolítico, ou pelo menos decentralizador do comércio de artefactos de cobre (hipótese reforçada pelo achadode um possível lingote), podendo as peças estudadas serem, utilizadas no local oudestinadas a exportação para outros locais, integrando-se nos circuitos transregionais(incluindo matérias-primas como o cobre sob a forma de lingotes) estabelecidosno decurso do Calcolítico entre a Estremadura portuguesa e o Alentejo. Este papelde destaque na coordenação destas actividades de comércio e de troca, é aindareforçado, por um lado, pela posição estratégica do sítio face ao vale do Guadianae, por outro, pela sua proximidade das minas pré-históricas de cobre existentes namargem esquerda do Guadiana, explorando, tanto o cobre nativo, como oscarbonatos cupríferos. Esta realidade é consentânea com a conhecida na região deBadajoz, na qual os povoados com espólios campaniformes, foram os que mais sededicaram às actividades metalúrgicas.

Porto das Carretas, Mourão: deste sítio fortificado calcolítico, já anteriormentetratado, provém um importante conjunto de cerâmicas campaniformes, aindanão publicado, associado a uma unidade habitacional, de planta curvilínea eembasamento de alvenaria, a Cabana M 13. Os escavadores integram-no nogrupo internacional (Silva & Soares, 2002), dada a existência do vaso"marítimo" e a de outros recipientes decorados a pontilhado. Importa salientara relação entre os materiais campaniformes – que substanciam a mais recenteépoca de ocupação do povoado (Fase II) – com um complexo construtivodominado por uma torre, construída na área mais elevada da estação, talcomo o verificado no Monte da Tumba (onde se construiu, em época similar,uma torre central, na parte mais alta do morro), a que se adossaram cabanascirculares. Ainda, pertencente à ocupação campaniforme, é a base de umforno, possivelmente metalúrgico, visto na sua envolvente terem sidorecolhidos pingos de fundição de cobre, o que é compatível com o consabidopendor metalúrgico da economia campaniforme.

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Barrada do Grilo, Alcácer do Sal: trata-se da ocupação campaniforme de umsítio aberto (colina baixa), que se sucedeu a uma curta presença mesolítica(Santos; Soares & Silva, 1972). Os autores referem um único momento deocupação, representado por grande número de recipientes lisos e decorados.Neste últimos, é exclusiva a técnica incisa, cujas depressões são por vezespreenchidas por pasta branca, com a intenção de as tornar mais evidentes.Os padrões decorativos, de evidente barroquismo nalguns casos (cf. Est. VII,n.os 34, 36), aproximam estes recipientes das cerâmicas campaniformes daMeseta, grupo de Ciempozuelos (cf. Est. VIII, n.º 37).

Vale Vistoso, Sines: tal como na estação anterior, trata-se de uma ocupaçãode um sítio aberto, implantado sobre o oceano. De evidente carácter sazonal,a ocupação decorreu em curto período de tempo, compatível com o escassoespólio exumado, constituído por pequeno e homogéneo conjunto decerâmicas campaniformes, todas decoradas pela técnica incisa, estandorepresentadas as caçoilas e as taças Palmela (Soares & Silva, 1976/1977).

Monte do Tosco, Mourão: povoado calcolítico provido de uma estrutura pétreade delimitação/contenção/fortificação, nele se detectou um importanteconjunto campaniforme, liso e decorado; 32 dos 38 recipientesindividualizados reportam-se a uma cabana (Cabana 1) cujo embasamentoera constituído por muro de alvenaria (Valera, 2000, Figs. 5 e 6).

19 recipientes permitiram reconstituição, decompondo-se por 7 vasoscampanulados, 6 caçoilas, das quais uma lisa, e 6 taças pequenas em calote. Asdecorações, exclusivamente incisas ou incisas/impressas, foram por vezespreenchidas a pasta branca; pela organização e temática, increvem-se claramenteno conjunto dos campaniformes mesetenhos do grupo de Ciempozuelos. Como énormal, estes materiais eram acompanhados por testemunhos da prática metalúrgicae por produções metálicas, com destaque para um punhal de lingueta. A presençacampaniforme corresponde à segunda fase de ocupação da estação, sucedendo-sea uma presença reportável ao Calcolítico Pleno. Tudo leva a crer que existiu umhiato entre ambas, já que nalguns sectores, "os materiais campaniformes ocorrementre os derrubes e escorrências que se sobrepõem às ocupações do CalcolíticoPleno" (op. cit., p. 48), restringindo-se a ocupação campaniforme, como em outrospovoados, à parte nuclear da anterior ocupação calcolítica (como em Leceia, Monteda Tumba, Porto das Carretas, Porto Torrão, Perdigões, etc.). Importa referir que,tal como o anteriormente observado noutros sítios com presenças campaniformes,os artefactos de cobre são mais frequentes nesta fase encontrando-se, em particular,relacionados com a Cabana 1.

Perdigões, Reguengos de Monsaraz: a este grande povoado, defendido porum sistema de fossos, já anteriormente se fez referência. A distribuição

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superficial dos 33 fragmentos campaniformes, que correspondem ao númeromínimo de 19 recipientes, sugere a existência de uma concentração em tornoda área central do povoado calcolítico pré-campaniforme (Lago et al., 1998).A estes haverá que somar mais 6, perfazendo o total de 39 fragmentos.

No respeitante às técnicas decorativas, apenas 7 são decorados a pontilhado; umrevelará a presença simultânea da técnica pontilhada e da incisa; os restantes sãoincisos. A tipologia decorativa deste grupo, revela assinalável homogeneidade,indicando filiação directa no grupo de campaniformes da Meseta, do tipoCiempozuelos, onde não faltam alguns fragmentos decorados com uma métopasimples de zigue-zagues, do lado interno do bordo, característicos daquele tipo deproduções cerâmicas, de evidente origem exógena no território português.

Pombal, Monforte: trata-se de povoado calcolítico implantado em vastopatamar, com excelente domínio visual da paisagem, sem que se tenhamevidenciado até ao presente quaisquer estruturas defensivas. Recolheram-seapenas 5 fragmentos campaniformes, cuja pequenez impede a caracterizaçãoda forma, sendo provável que pertençam a caçoilas. Todos são decoradospor incisão, nalguns casos conjuntamente com a impressão, não deixandodúvidas quanto à sua inclusão no grupo inciso com evidentes afinidades aode Ciempozuelos (Boaventura, 2001).

Monte da Ponte, Évora: deste povoado defendido por um sistema de fossos,taludes e muralhas, já anteriormente referido, provém um fragmentocampaniforme decorado a pontilhado, citado por R. Boaventura (Boaventura,2001, p. 45).

Três Moinhos, Beja, Castelo Velho de Safara, Moura e Aljustrel, Aljustrel:trata-se de três sítios onde a relação com actividades metalúrgicas pareceimportante. O primeiro destes povoados calcolíticos da bacia do Guadianadeu vestígios metalúrgicos (cadinho, molde) e artefactos de cobre e de ouro(entre os quais uma ponta Palmela), conectáveis com fragmentoscampaniformes incisos afins ao grupo de Ciempozuelos (Soares, 1992). Osegundo, localizado sobre um esporão rochoso, na confluência da ribeira deSafara com o Ardila, revelou uma ocupação calcolítica, à qual se reportafragmento de recipiente campaniforme pontilhado, eventualmente conectávelcom os vestígios de metalurgia (cadinho, nódulo de minério), recolhidosnuma camada calcolítica (Soares, Araújo & Cabral, 1994). Por fim, na zonado "chapéu de ferro" de Aljustrel, recolheu-se um fragmento de taça Palmeladecorada a pontilhado (Schubart, 1975, Abb. 12 a).

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14.2.2 Necrópoles

Aparte escassos materiais campaniformes referidos em diversos monumentosmegalíticos (Bübner, 1979), avultam três ocorrências cuja importância devedestacar-se. Trata-se de sepulturas individuais que aproveitaram a protecçãooferecida por monumentos dolménicos neolíticos.

Anta da Herdade das Casas do Canal, Estremoz: megálito de câmara poligonale corredor curto, definido actualmente por apenas dois esteios, um de cadalado (originalmente seriam dois de cada lado), cuja zona de passagem para acâmara foi selada por uma laje de fecho e por outras, mais pequenas,provavelmente no Neolítico Final, à semelhança do verificado em outrosmonumentos do mesmo tipo. Deste modo, o espaço definido actualmentepelos dois esteios ainda conservados do corredor e pela laje de fecho dacâmara, era propício a uma tumulação secundária individual, a que deverácorresponder o espólio campaniforme exumado. Este é constituído por umagrande caçoila baixa, com decoração incisa de bandas, e uma linha metopadade zigue-zagues do lado interno do bordo, situação comum a materiais dogrupo de Ciempozuelos, também presente em outros dos contextoscampaniformes do sul do país, já mencionados, e por um vaso campanuladoliso, o qual se encontrava dentro da taça (Leisner & Leisner, 1955). Nasproximidades, apenas jazia uma lâmina de sílex, cuja relação com o conjuntoreferido não é segura.

Anta de Bencafede, Évora: do interior da câmara deste monumento provêmduas caçoilas campaniformes, profusamente decoradas, do tipo Ciempozuelos,ambas decoradas interiormente, correspondendo, igualmente, a umatumulação tardia, semelhante à anterior (Cardoso & Norton, 2004).

Dólmen da Pedra Branca, Santiago do Cacém: trata-se de monumentodolménico com câmara poligonal e corredor bem diferenciado, jáanteriormente referido nesta obra, correspondente ao apogeu do megalitismodo litoral alentejano, do Neolítico Final (Ferreira et al., 1975). Ao fundo dacâmara, identificou-se uma sepultura individual campaniforme, sucedida poroutra, em posição ortogonal, que se afiguram contemporâneas, tal ahomogeneidade tipológica do espólio nelas recolhido. Os materiaisinscrevem-se no Grupo Inciso: além de um vaso campanulado e de duascaçoilas, ambos lisos, exumaram-se duas caçoilas incisas, duas taças Palmelaincisas, um vaso de carena baixa, igualmente com decoração incisa, efragmentos de duas "garrafas", recipientes de forma esférica e colo apertado,também decorados por incisões na parte superior do bojo e no colo, até obordo. Um braçal de arqueiro, pontas Palmela, objectos de adorno e,eventualmente, placas de xisto (a menos que resultem a mistura com materiaismais antigos), completavam o espólio destas duas sepulturas.

Fig. 207

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Para o sul do Baixo Alentejo, a ocorrência de materiais campaniformes torna--se ainda mais rara, faltando quase completamente no Algarve, com excepçãode três fragmentos pertencentes provavelmente a vasos "marítimos",recolhidos na parte superior da estrutura da tholos de Alcalar 7, Portimão(Morán & Parreira, 2004, p. 172, 214).

O panorama relativo à presença campaniforme no sul do território português,pode ser sumarizado do modo seguinte:

- Escassa presença campaniforme tanto em povoados como, sobretudo,em necrópoles, contrastando com a realidade conhecida na Estre-madura.

- No que respeita aos povoados e às sepulturas, a sua presença é semprepouco importante, exceptuando dois sítios que foram recentementeobjecto de escavações de emergência, no âmbito da construção domega-empreendimento de Alqueva, ambos situados na margemesquerda do Guadiana, no concelho de Mourão: no Porto das Carretas,identificou-se um conjunto caracterizado pela presença do grupointernacional, incluindo vasos "marítimos" com decoração apontilhado, ainda não publicado, relacionado com estruturas defensivase habitacionais e, ainda, com um forno provavelmente metalúrgico;no Monte do Tosco, identificou-se, também, uma cabana de contornocircular, mas onde era o grupo de Ciempozuelos que dominava,indicando cronologia mais recente que o anterior e uma origemcontinental e exógena ao actual território português. São estes os doispovoados em que foi possível relacionar a presença campaniformecom a existência de estruturas domésticas ou defensivas, a que sepoderá juntar o Monte da Tumba, cujas escassas cerâmicas campani-formes, a pontilhado (Grupo internacional), se admite estejamrelacionadas com a última fase construtiva, representada por um torreãode planta subcircular edificado na zona central do dispositivo defensivoanteriormente edificado. Nos restantes casos, a ocorrência de materiaiscampaniformes é quase sempre esparsa e excepcional; é difícil, namaioria dos casos, a atribuição segura de todas as ocorrências a umdeterminado grupo, mas o Grupo internacional, além do Porto dasCarretas está presente em Porto Torrão, através de vasos "marítimos"decorados a pontilhado; em Castelos de São Brás, Monte da Ponte,Safara e Aljustrel (aqui sob a forma de um bordo de taça Palmela),encontra-se igualmente presente a técnica a pontilhado; o Grupo incisoda Estremadura, está presente de forma exclusiva no pequeno povoadode Vale Vistoso, no litoral de Sines, mas também no Outeiro de SãoBernardo, povoado de altura da bacia do Guadiana: em ambos os sítiosocorre a taça Palmela: Nalguns casos, é difícil estabelecer separaçãoentre as cerâmicas alentejanas que ali representam o grupo inciso e as

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cerâmicas de tipo Ciempozuelos, presentes, para além do Monte doTosco, nos povoados dos Perdigões e dos Três Moinhos, e,eventualmente também, na Barrada do Grilo e no povoado do Pombal,evidenciando claras afinidades culturais com a Meseta. Tais cerâmicasapresentam-se, maioritariamente, com decoração incisa,correspondendo a motivos muito densos e apertados, de grandebarroquismo, aplicados sobretudo a caçoilas, que possuemfrequentemente a parte interna do bojo, junto da abertura, decoradapor uma métopa (ou banda) horizontal de zigue-zagues. Este é umaspecto de diferenciação segura face às cerâmicas estremenhas do"Grupo inciso", aspecto que se mantém nos contextos funerários: aoconjunto campaniforme típico do "Grupo inciso", recolhido no dólmenda Pedra Branca, junta-se a bela caçoila baixa da anta de Casas doCanal, com todos os atributos para poder ser considerada umaimportação mesetenha, conclusão também extensível aos dois vasosrecolhidos na anta de Bencafede. Com efeito, a presença decampaniformes mesetenhos no interior do actual Alto Alentejo e,também, do Baixo Alentejo, só pode ser considerada como umaextensão do grupo da Meseta-Sul, por domínios mais ocidentais emeridionais, correspondendo tais ocorrências, sempre excepcionais,a peças provavelmente exógenas, aqui chegadas por trocas a longadistância. Já os vasos "marítimos", poderiam ter uma origem no litoralocidental, no caso do povoado do Porto Torrão, ou do interior sul –mesetenho ou andaluz (vales do Guadalquivir e do Guadiana), no casodo Porto das Carretas. Com efeito, naquela região, reconheceram-seexemplares de vasos campaniformes de tipo "marítimo" clássico,produzida a pontilhado (Castillo, 1928; Harrison, 1977). Aliás, apresença de influências litorâneas, ainda que muito ténues, encontra-se bem ilustrada pela ocorrência de dois fragmentos de taças Palmelaem contextos tão interiores como o Outeiro de São Bernardo ouAljustrel, correspondentes, respectivamente a um exemplar inciso e aoutro com decoração a pontilhado.

14.3 Centro e norte

Na Beira Baixa, as produções cerâmicas campaniformes eram, até épocarecente, totalmente desconhecidas. Tal panorama modificou-se recentemente;com efeito, no Monte do Trigo, povoado de altura do concelho deIdanha-a-Nova, reconheceram-se escassos fragmentos de vasos "marítimos"decorados a pontilhado, ficando no entanto por esclarecer se o povoadoconheceu apenas esta ou outras ocupações pré-históricas (Vilaça & Cristóvão,

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1995). A ocorrência destes exemplares em região tão interior, foi relacionadacom a circulação pela importante via fluvial do rio Tejo, pondo em contactoesta região com a Estremadura. Mas também não se podem menosprezar oscontributos continentais, oriundos da meseta, evidenciados pela ocorrênciade um fragmento de vaso (caçoila ?) com decoração pseudo-excisa, recolhidona sepultura secundária do tipo cista, existente na mamoa da anta 5 doAmieiro, Idanha-a-Nova. Com efeito, esta técnica decorativa ocorre de formainsistente em recipientes das províncias de Salamanca e de Cáceres, muitasvezes recolhidos em sepulcros.

Ao longo do litoral do centro do país, até à região de Coimbra/Figueira daFoz, ocorrem, embora vestigialmente, certas produções campaniformes típicasdos estuários do Tejo e do Sado: é o caso das já aludidas taças Palmela, comdecoração a pontilhado, acompanhadas de vasos de tipo "marítimo" comdecoração igualmente a pontilhado, associação encontrada na gruta de EiraPedrinha, (Corrêa & Teixeira, 1949), a que se junta fragmento de braçal dearqueiro, igualmente característico da panóplia campaniforme. Em algumasdas estações de carácter habitacional perto do estuário do Mondego, célebrespelas suas ocupações no Neolítico Antigo, encontraram-se tambémfragmentos campaniformes: é o caso da Junqueira, onde está presentefragmento de vaso "marítimo" pontilhado (Vilaça, 1988, Fig. 14), ou o Fornoda Cal, Soure, onde se recolheu ponta Palmela, relacionada com sepultura,mas desprovida de cerâmica (Rocha, 1907, Fig. 4). Estas influênciasmeridionais fizeram-se, aliás, sentir, na região do estuário do Mondego desdeo Neolítico Final, época a que se devem reportar fragmentos de placas dexisto com decoração geométrica, como o recolhido no dólmen de Cabeçodos Moinhos, de xisto micáceo, o exemplar mais setentrional dos conhecidos(Rocha, 1895, Est. XIX, Fig. 270), a que já anteriormente se fez referência.Este dólmen, um monumento de corredor bem diferenciado, proporcionoutambém materiais campaniformes: é o caso de um botão de osso comperfuração em "V", um vaso campanulado liso, duas taças de tipo Palmelacom decoração a pontilhado e/ou incisa e uma caçoila decorada a pontilhadoem métopas (Gomes & Carvalho, 1993).Outro dólmen da serra da Boa Viagemque forneceu materiais campaniformes é o da Cumieira, também exploradopor A. dos Santos Rocha: além de uma ponta Palmela, forneceu um fragmentocom decoração incisa. Em contextos habitacionais, não é apenas em povoadosabertos e em zonas planas que se recolheram, na região da Figueira da Foz,cerâmicas campaniformes: no Crasto, povoado de altura naturalmentedefendido, identificou-se um conjunto que A. dos Santos Rocha conotoudubitativamente com sepultura, atendendo à recolha de um fragmento detíbia humana; era constituído por dois fragmentos campaniformes, um delesmuito erodido (aparentemente inciso), um fragmento de uma taça Palmela(aparentemente com decoração a pontilhado), uma ponta Palmela e ummachado de pedra (Rocha, 1971, Fig. 1, 2, 3). Pode, pois, concluir-se, que,

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na região da Figueira da Foz, os materiais campaniformes ocorrem semprede forma isolada, correspondendo ao aproveitamento circunstancial demegálitos ali existentes (já anteriormente referidos), ou à ocupação pontuale sempre pouco intensa de sítios habitacionais, sejam de planura ou de altura.

Na bacia hidrográfica do Douro, têm sido encontrados pequenas sepulturasnão megalíticas, por vezes correspondendo a cistas isoladas, oucorrespondendo a monumentos secundários abertos nos tumuli de sepulturasmais antigas, atribuídas já à Idade do Bronze (Silva, 1997), que, nalgunscasos, possuíam cerâmicas campaniformes (Silva, 1991): é o caso da Mamoa2 de Aliviada, Arouca, em que sepultura cistóide secundária nela existenteproporcionou um fragmento campaniforme inciso e da Mamoa 7 da Urreira,Arouca, cuja estrutura interna, talvez correspondente a uma grande câmarade um dólmen sem corredor, proporcionou sete fragmentos de uma vaso"marítimo", variante linear, com decoração a pontilhado; enfim, na Mamoa1 de Castelo-Fajões, Oliveira de Azeméis, correspondente talvez a um sepulcrode câmara poligonal alongada, recolheram-se vinte e quatro fragmentos deum vaso "marítimo" com decoração a pontilhado de bandas.

Porém, o túmulo mais notável no contexto da presença campaniforme daregião, é a mamoa 1 de Chã de Carvalhal, Baião. Segundo Domingos Cruz,que escavou e publicou, em exemplar monografia, este monumento (Cruz,1992), identificaram-se os seguintes elementos construtivos:

1. tumulus de terra, superficialmente protegido por uma couraça deenrocamento, de planta circular, com 13 metros de diâmetro e1,30 metros de altura máxima;

2. assente nesta couraça de enrocamento, desenvolvia-se um círculo líticoincompleto, sem funções de ordem técnica, constituído por blocos,denotando escolha criteriosa, quanto ao tamanho e formato;

3. na área central do monumento, implantava-se a câmara funerária,correspondente a cista de planta sub-rectangular fechada, com 1,50metros por 1,0 metros, constituída por sete esteios, cuja altura nãoultrapassava 1,50 metros.

Reconheceu-se ainda um monólito de granito, de aspecto e configuraçãodistintos dos restantes, pousado no enrocamento superficial. A escavaçãodas terras que constituíam o tumulus, forneceu um notável conjunto deartefactos de cobre arsenical, recolhidos in situ e de tipologia campaniforme:trata-se de dois punhais de lingueta e de cinco pontas Palmela. As duasprimeiras peças encontravam-se sobrepostas e orientadas inversamente,enquanto as pontas apareceram reunidas em feixe, em posição vertical e comos espigões voltados para cima; os dois conjuntos assim constituídos,encontravam-se distanciados entre si de 92 centímetros. A escavação forneceu

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ainda cerca de dez recipientes, lisos e decorados, sendo nestes exclusiva atemática campaniforme: vasos "marítimos", com decoração de bandas apontilhado; pontilhado geométrico; e recipientes do "Grupo inciso", tantovasos campaniformes como uma taça Palmela, correspondente ao exemplarmais setentrional até ao presente conhecido (Cruz, 1992, Fig. 22, n.º 2).

Mais para o interior beirão, alguns dos raros exemplares campaniformes aserem registados, também por A. dos Santos Rocha, provêm de dólmenes decâmara poligonal e corredor longo do concelho de Oliveira do Hospital –caso de Arcainha (ou dólmen) do Seixo – onde se recolheram fragmentos devasos "marítimos" e, talvez, de caçoilas (Rocha, 1899). Estes e outrosmateriais foram ulteriormente estudados por diversos autores, sendo possível,actualmente, referir cerca de dez monumentos megalíticos com presençascampaniformes intrusivas, correspondentes provavelmente a sepulturasindividuais aproveitando a protecção dos esteios das câmaras ou doscorredores: é o caso dos dólmenes da Bobadela, do Seixo, da Sobreda, daOrca do Outeiro do Rato, na bacia do Alto Mondego e, mais a norte, nasbacias do Vouga ou já do Douro, das Orcas dos Moinhos de Rua, dasCastenairas e de Seixas.

Trata-se de grandes monumentos megalíticos, nos quais, por vezes, foram tambémrecolhidos artefactos metálicos típicos da panóplia campaniforme. J. C. deSenna-Martinez apresentou inventário dos materiais exumados nestes monumentos(Senna-Martinez, 1994), por vezes susceptíveis de constituirem conjuntos"fechados", correspondentes a deposições funerárias tardias, como é o caso doconjunto recolhido na Orca de Seixas, representado por um vaso campaniforme"marítimo"; um vaso carenado de tipologia tardia, já integrável na Idade do Bronze,com decoração de tipo "marítimo"; um machado plano e uma ponta Palmela decobre arsenical; e um braçal de arqueiro de xisto. Na Orca do Outeiro do Rato,cujo corredor recebeu igualmente tumulações tardias, recolheu-se um anelespiralado de ouro nativo, que condiz com a tipologia campaniforme do conjunto,embora difira dos seus homólogos da Estremadura, por possuir secção circular enão sub-quadrangular, como estes (o que poderia sugerir época aindamais tardia).

Os sítios habitados são escassos, e representados por poucos materiais, talcomo se verificou na região da Figueira da Foz, indicando um povoamentodisperso e itinerante, cujas marcas são discretas na paisagem. É o caso dossítios de Linhares e do Complexo do Penedo da Penha, que forneceu apenastrês fragmentos de um recipiente campanulado com decoração de bandasincisas em espinha (Senna-Martinez, 1994; Valera, 2000), que pode serinterpretado, à semelhança de outros recolhidos na Orca do Outeiro doRato, como a expressão local das decorações campaniformes dos vasos

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"marítimos". Na década de 1990, tomou significativa importância o sítio deFraga da Pena, Fornos de Algodres: trata-se de um povoado implantado notopo de elevação notável, constituindo evidente marcador da paisagem,aproveitando o abrigo proporcionado pelos grandes penedos graníticos quecoroam o topo da elevação. Definiram-se duas linhas muralhadas, delimitandouma área defendida em torno da acrópole ocupada pelo "caos" de blocosgraníticos. As cerâmicas campaniformes exumadas são constituídas por vasos"marítimos", variante de bandas e linear, de fabrico não local, e por recipientescampaniformes decorados com unhadas, outros motivos impressos ou incisose lisos, de fabrico local (Valera, 2000; Dias et al., 2000). Por corresponder àocupação campaniforme mais importante de toda a Beira Interior, este sítioafigura-se, até pela sua implantação topográfica destacada, como um elementoincontornável no sistema de povoamento do final do Calcolítico, à escalaregional. Por outro lado, é até agora o único sítio do interior centro que permiteatribuir uma cronologia absoluta à ocupação humana campaniforme, situávelno último quartel do III milénio a. C. Este resultado parece reforçar aimpressão obtida da componente funerária conhecida, de serem as escassasmanifestações campaniformes na Beira Alta tardias, situação aliás facilmenteexplicável pelo seu carácter exógeno.

Olhando para a distribuição geográfica das ocorrências da Beira Altaconhecidas, quase todas de carácter funerário, ressalta a relação com cursosfluviais importantes – rio Mondego, rio Dão, rio Paiva e rio Távora (ambosafluentes do Douro) – e, deste modo, a sua origem litoral, e meridional,provavelmente a partir da Estremadura. No conjunto, dominam oscampaniformes "marítimos", o que ilustra bem a larga sobrevivência destasproduções mas importa registar a emergência de fabricos locais, bemexemplificados no sítio habitacional da Fraga da Pena, correspondendo àreformulação da técnica, da temática e da morfologia, aplicada a recipientesde estilos locais. Esta situação persiste na Idade do Bronze, onde a decoraçãode tipo "marítimo", constituída pelas características bandas preenchidas apontilhado se encontram agora aplicadas a formas já características da Idadedo Bronze, como é o caso de recipiente de carena média do "enterramentocampaniforme" da Orca de Seixas (Senna-Martinez, 1994, Fig. 8, em baixo).É também nesta época, de finais do III milénio a. C., que ocorrem, pelaprimeira vez, peças de cobre, de carácter funcional, como sovelas, punções,machados planos (em geral de cobre arsenical), associadas também a armas,como as bem conhecidas pontas Palmela e, excepcionalmente, jóias de ouroe armas de aparato: é o caso da já mencionada espiral da Orca do Outeiro doRato e da espada curta, de lingueta, fabricada em cobre arsenical, de Pinhaldos Melos, Fornos de Algodres (Paço & Ferreira, 1957). A ocorrência destes"itens" tem um significado sócio-cultural que adiante será devidamentesalientado.

Fig. 210

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No que se refere ao norte do país, convencionalmente a região entre curso doDouro e a fronteira, foi elaborada recentemente uma síntese da presença demateriais campaniformes, a propósito do achado de um fragmento de umvaso campaniforme cordado, recolhido no povoado do Castelo Velho, VilaNova de Foz Côa, ainda a sul do Douro, na Beira Transmontana (Jorge, 2002).Trata-se de um exemplar obviamente importado, constituído por impressãode uma "corda" entrançada", aquilo que L. Salanova classifica como"cordelette crochetée". O exemplar mais próximo dos compulsados provémde Villa Filomena, necrópole de silos da região de Castellón, perto do litoralda Catalunha (Esteve Gálvez, 1956). Desconhece-se, todavia, quais osmecanismos que presidiram à sua manipulação e transporte até esta áreageográfica, situação igualmente extensível ao outro exemplar portuguêscomparável, do povoado de Porto Torrão, Ferreira do Alentejo (Arnaud, 1993),embora neste último a impressão cordada seja simples e não entrançada, oudupla.

O fragmento campaniforme cordado do Castelo Velho provém da Camada 3,para a qual se dispõe de um conjunto de datas situadas tanto na primeiracomo na segunda metade do III milénio a. C.; já a presença campaniformeno povoado do Porto Torrão foi situada, como antes se referiu, na primeirametade do dito milénio, o que é consentâneo com a ideia de serem oscampaniformes cordados mais antigos que os outros estilos decorativos.

S. Oliveira Jorge, a propósito daquele fragmento, elaborou, como se disse, umabem documentada síntese sobre a presença de materiais campaniformes no nortedo país (JORGE, 2002).

A partir do levantamento das vinte e uma ocorrências geográficas identificadaspela autora, são possíveis as seguintes conclusões:

- Quinze sítios correspondem a contextos tumulares e sete a sítios habitados;quanto aos primeiros, cinco situam-se perto do litoral, cinco na transiçãolitoral/interior e apenas dois em zonas francamente interiores (ocidente deTrás-os-Montes).

- Exceptuando-se o caso já referido da Mamoa 1 de Chã de Carvalhal, e de umoutro sepulcro, também propositadamente construído nesta época (Lugar deVargo, Fafe), os restantes sítios funerários reaproveitaram monumentosmegalíticos pré-existentes, tal como já se tinha verificado tanto naEstremadura como nas Beiras.

- No concernente aos sete sítios habitados, dois situam-se na zona de transiçãodo litoral/interior, mas correspondem a sítios com características muitodiferentes, de plataforma ou de altura, nos quais as cerâmicas campaniformesocorrem por vezes associadas a cerâmicas calcolíticas locais.

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Quanto aos diversos grupos estilísticos, domina o "Grupo internacional",recorrendo à técnica a pontilhado, de que são paradigma os vasos "marítimos"nas suas diferentes variantes (de bandas e linear). Assinala-se, de acordocom estudo anterior (Gomes & Carvalho, 1993), a predominância dadistribuição litoral deste grupo no que respeita às ocorrências funerárias(Mamoas de Aspra, Caminha; de Eireira e de Chafé, Viana do Castelo; deGuilhabreu, Vila do Conde; de Chã de Arcas, Arcos de Valdevez; e, maispara o interior, a mamoa 1 de Chã de Carvalhal e o dólmen de Chã de Parada1, ambos em Baião; e os povoados do Tapado da Caldeira, Baião e de Pastoria,Chaves, entre outros. Salienta-se a presença de dois belos vasoscampaniformes pertencentes a este grupo, recolhidos no topo da camada 2da câmara da Mamoa 1 de Portela de Pau, Castro Laboreiro (Jorge et al.,1997, Est. XX e XXI). Este conjunto é estilisticamente afim do grupo dePalmela, da região da baixa Estremadura, embora lhe falte a taça Palmela,dele característico; por seu turno, evidencia afinidades com o grupo deCiempozuelos, já anteriormente referido, da Meseta Ibérica.

Enfim, as cerâmicas incisas, podem correlacionar-se, por um lado, com assuas equivalentes estremenhas do "Grupo Inciso" – afinidades sublinhadas,por exemplo, pela taça Palmela incisa recolhida na mamoa 1 de Chã deCarvalhal, já referida – e, por outro lado, com certas cerâmicas do grupo deCiempozuelos, igualmente incisas. Mas o número de fragmentos conhecidoé demasiadamente pobre para permitir maiores certezas: para além domonumento citado, apenas se recolheram fragmentos campaniformes incisosna mamoa 2 de Carvalhelhos, Boticas e no Crasto de Palheiros, Murça,correspondentes a estilos locais associados a vasos "marítimos" (variantesde bandas e linear), e a recipientes (caçoilas) com decoração pontilhadageométrica (Barbosa, 1999). Este é o único sítio do norte de Portugal, para oqual se dispõe de informação (já que no Castelo Velho nenhuma das datas sepode associar directamente ao fragmento campaniforme cordado) sobre acronologia absoluta da presença campaniforme, que M. J. Sanches situou naprimeira metade do III milénio a. C. (in Jorge, 2002).

14.4 Aspectos sociais, económicos e culturais

A análise descritiva e a caracterização das mais importantes manifestaçõescampaniformes até ao presente registadas no território português acimaapresentadas, permitem visão de conjunto e interpretativa sobre o significadode tais vestígios, tanto na vertente social, como na económica e cultural, dascomunidades que os fabricaram e utilizaram, tanto no quotidiano, como nomundo funerário.

Fig. 208

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Muitas têm sido as propostas defendidas por diversos arqueólogos, desde adécada de 1920, sobre a origem do "fenómeno" campaniforme à escalaeuropeia. O facto de, volvidas tantas dezenas de anos, se optar pela ambíguaexpressão de "fenómeno", para designar as ricas manifestaçõescampaniformes, comuns à quase totalidade do território europeu, expressabem a dificuldade de encontrar explicações que reúnam o consenso sobre osmecanismos que presidiram à génese e ulterior difusão de tais manifestaçõesmateriais pelo espaço geográfico aludido.

Às doutrinas difusionistas extremas, que faziam corresponder qualquermodificação observada na cultura material à migração efectiva de populaçõesportadoras de tais mudanças ou novidades, sucedeu-se movimento de sinalcontrário, mais ou menos generalizado, a partir da década de 1980. Nestascondições, como interpretar a importante presença das cerâmicascampaniformes no território português, as quais não têm antecedentes locaissendo, ao contrário, um produto totalmente novo (o que não significa queseja exógeno)? Crê-se que um dos sítios-chave para a discussão actualizadadeste assunto é o povoado pré-histórico de Leceia (Oeiras): as condições emque foram encontradas as cerâmicas campaniformes, tanto no interior comono exterior do espaço fortificado, parece contrariar o simples papel de"prestígio" ou "simbólico" que alguns autores lhes têm recentementeatribuído.

Como atrás se referiu, em Leceia, enquanto no interior da fortificação, cons-truída logo no início do Calcolítico Inicial, cerca de 2 800 anos a.C., as cerâ-micas campaniformes permaneceram quase desconhecidas, ocorrendo apenasna parte superior da camada correspondente ao Calcolítico Pleno e mesmoassim em escassa quantidade, na zona extramuros, escavaram-se duas cabanas,onde tais cerâmicas eram exclusivas, apesar de tais unidades habitacionaisserem contemporâneas da ocupação do Calcolítico Pleno da área intramuros,como se concluiu pelas datas de radiocarbono obtidas em ambas.

Admitindo que diferentes culturas materiais coevas, ocupando o mesmoespaço geográfico, correspondam efectivamente a comunidades com raízesculturais distintas, pode colocar-se a hipótese da coexistência, no decurso doCalcolítico estremenho, conforme os elementos recolhidos em Leceia, dedois grupos sociais diferentes: um, mais estável e sedentário, descendentedas populações que ocuparam a fortificação nos séculos anteriores, tomando-a ainda como o fulcro do seu quotidiano, embora numa época em que esta jáse encontrava em franco declínio; outro, mais móvel, usando em grandequantidade cerâmicas campaniformes, ali circunstancialmente atraídos pelaconcentração de pessoas e de bens na área intramuros. A grande quantidadede cerâmicas campaniformes – que, repita-se, constituíam a totalidade daspeças decoradas em ambas as estruturas habitacionais – torna inviável aconsideração de se tratar de objectos de luxo, ou apanágio de um determinado

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segmento social diferenciado no seio destas comunidades. Naturalmente,esta interpretação encontra-se dependente da própria qualidade dos dadosdisponíveis: e estes, ainda que do ponto de vista arqueológico sejaminsofismáveis, como anteriormente se demonstrou, já do ponto de vistaarqueométrico carecem de confirmação, visto de momento apenas se basearemem duas datas de radiocarbono.

Esta realidade permite, de qualquer modo, recolocar a questão do estatutosubjacente às cerâmicas campaniformes, situando a sua emergência ainda naprimeira metade do III milénio a. C. Com efeito, para além dos elementos crono-métricos reunidos em Leceia, é de assinalar que em outros sítios portugueses oudo país vizinho, se vieram a documentar tais cerâmicas ainda naquela época(Cardoso & Soares, 1990/1992; Senne-Martinez, 2002).

Sem dúvida que os primeiros impulsos se encontram documentados pelo"Grupo internacional", sobretudo representado por vasos campaniformes de"estilo marítimo", cuja distribuição ultrapassa largamente o territórioportuguês, sendo certo – repita-se – que não detêm quaisquer analogias coma tipologia das cerâmicas calcolíticas estremenhas imediatamente anteriores,pelo que não se pode postular uma origem local a partir de evolução "inloco". Por outro lado, também parece provável terem sido tais vasosrapidamente copiados, num evidente processo de apropriação cultural naprópria Estremadura, como parece verificar-se pelo contraste entre pastas,qualidade de execução e até técnicas de acabamento: é a tal conclusão que seé conduzido ao comparar-se os vasos "marítimos", ambos com decoração debandas a pontilhado, um da gruta II de Alapraia e outro da vizinha gruta I deSão Pedro do Estoril (Cardoso, 2002, Fig. 226). É interessante, por outrolado, verificar a existência esporádica de vasos "marítimos" com decoraçãode bandas, mas realizadas pela técnica incisa – de que é exemplo um exemplaroriundo da gruta 3 da Quinta do Anjo, Palmela (Cardoso, 2000, Fig. 20),realidade que pode ser entendida como anacronismo, revelando a permanênciade formas e decorações herdadas dos primeiros vasos campaniformes, numaépoca em que já se realizava a técnica incisa.

Estes recipientes atingiram na Bretanha importância idêntica, podendo, destemodo, terem sido objecto de troca à escala local e supraregional por viamarítima. Embora os elementos disponíveis sobre estudos de pastas sejamainda muito insuficientes, os resultados das análises químicas e mineralógicasefectuadas em fragmentos do povoado da Fraga da Pena (Fornos de Algodres),já atrás mencionados, provaram não terem os vasos campaniformes"marítimos" sido produzidos localmente, ao contrário das restantes cerâmicas.Ao contrário, as análises químicas efectuadas em cerâmicas do povoado dePorto Torrão, oriundas de camadas com e sem materiais campaniformes,permitiram concluir, como já se referiu, que todas foram manufacturadaslocalmente, a partir pelos menos de três tipos de argilas quimicamente distintas

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existentes nas proximidades imediatas do povoado (Arnaud, 1993). Esteresultado vem salientar a necessidade absoluta de se continuar, com caráctersistemático, este programa de análises, de modo a discutir, com maiorfundamentação científica, o problema da circulação de cerâmicascampaniformes. Outro elemento importante recentemente obtido nestepovoado (trabalhos dirigidos por A. Valera, e por ele comunicadosverbalmente), diz respeito ao faseamento da cerâmica campaniforme; comefeito, na escavação de área mais extensa que a investigada por J. M. Arnaud,no povoado de Porto Torrão (Ferreira do Alentejo), vieram a encontrar-semais cerâmicas campaniformes, que deste modo teriam uma distribuiçãonão apenas circunscrita à parte mais alta da estação; por outro lado, aescavação de um fosso mostrou uma maior abundância do "GrupoInternacional" (presença de vasos "marítimos") na base da estrutura, enquantonos níveis mais altos dominavam os campaniformes de tipo geométrico einciso. A ser assim, seria a primeira vez que, em estratigrafia, se demonstravainequivocamente a anterioridade do primeiro grupo, o único que poderá serexógeno, face aos restantes. Com efeito, as evidentes semelhanças entre osvasos bretões e os da fachada ocidental da Península Ibérica, só podem serexplicadas por deslocamentos populacionais, por via marítima (não seriamtanto os vasos que viajavam, mas mais quem os fabricava), provavelmentenos dois sentidos, como recentemente foi defendido por Laure Salanova, aque se seguiria a cópia generalizada dos protótipos importados(desconhecendo-se o local onde estes primeiramente surgiram: na região dabaixa Estremadura ou na Bretanha?). É ainda a navegação de cabotagem quepermite explicar as diversas ocorrências de cerâmicas campaniformes nolitoral do Marrocos Atlântico, de provável origem peninsular; ali, poderiamser permutadas por marfim e ouro, presentes em contextos calcolíticosportugueses.

Nessa época, situável em meados do III milénio a. C., decorria na Estremaduraoutro fenómeno: a ruptura do sistema económico-social baseado em grandespovoados fortificados, onde até então se concentrava boa parte da população.

Importa agora recapitular o que já foi dito sobre este tema. Não existemainda explicações consistentes para tal fenómeno, ainda mal conhecido, masaparentemente independente da emergência do "fenómeno" campaniforme,cujos aspectos foram já objecto de discussão. A desagregação das grandescomunidades calcolíticas em pequenos grupos de raiz familiar foi a respostaencontrada para optimizar a exploração e produção de recursos dos quaisdependia, mais do que nunca, o sucesso do seu próprio crescimento. Estahipótese – que, como já se referiu, consubstancia a teoria do "enxameamento",de Victor S. Gonçalves, mas difere dela por requerer o declínio e abandonodos sítios anteriormente ocupados e não apenas a geração de novos locaishabitados – adapta-se bem à realidade observada na Baixa Estremadura, a

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Sul do paralelo de Torres Vedras e, particularmente, na fértil região a nortede Sintra e dos arredores de Lisboa (Carreira & Cardoso, 1996). Trata--se depequenos núcleos campaniformes, de época tardia, onde domina largamentea cerâmica campaniforme incisa – como é o caso, entre outros, do sítio doMonte do Castelo, Oeiras (Cardoso, Norton & Carreira, 1996) – implantadosem zonas abertas, de alta aptidão agrícola. A Sul do Tejo, observa-se tambéma ocupação de pequenos outeiros – caso dos outeiros onde se implantaram ospovoados de Malhadas, então pela primeira e única vez ocupado (Soares &Silva, 1974/1977) e o da Fonte do Sol, então reocupado, ambos na região dePalmela – que mantêm o regime de agricultura intensiva e extensiva, herdadodo período anterior. Tal é atestado pelos materiais recolhidos (mós, elementosde foice sobre lâmina), cuja presença pressupões a existência de a par dacriação de gado (os bovinos e ovinos encontram-se documentados),actividades que requeriam a ocupação permanente dos respectivos territóriose um grau de especialização tão elevado como o anteriormente atingido, aocontrário do que poderia sugerir uma interpretação mais superficial darealidade arqueológica imediata. Que a agricultura cerealífera se especializou,conduzindo ao armazenamento de significativo volume de excedentes, é-nosindicado pelo silo de Verdelha dos Ruivos (Vila Franca de Xira), cujaintegração no campaniforme é apoiada pela sua adjacência à gruta sepulcraldo mesmo nome, onde tal presença é exclusiva, conotável com o povoado deMoita da Ladra, situado nas proximidades. De facto, não há quaisquer indíciosde regressão económica face ao período anterior, como ingenuamenteseríamos levados a supôr com base apenas no declínio verificado dos grandespovoados fortificados. Aliás, a riqueza do registo arqueológico evidenciadaem Leceia na camada do Calcolítico Pleno, sem precedentes no povoado,mostra que é falacioso conotar linearmente o fenómeno da fortificação como sucesso económico das respectivas comunidades, visto tal camadacorresponder precisa-mente à fase de declínio definitivo da fortificação, coma retracção do espaço habitado em torno do núcleo primitivo, ocupado desdeo Calcolítico Inicial.

O acréscimo de produtos valiosos, só possíveis de obter por troca, como ocobre, tornou-se ainda mais frequente, nesses últimos momentos doCalcolítico, acompanhando a circulação de produtos manufacturados estandartizados (pontas Palmela, botões de osso ou marfim tipo "tartaruga",braçais de arqueiro). Tal realidade é acentuada pela presença de objectossumptuários de ouro, cuja presença é, pela primeira vez, indiscutível (espirais,brincos, contas, alfinetes e diademas em folha de ouro), os quais configurama emergência de verdadeiras elites, culminando, deste modo, longo processode diferenciação social, esboçado desde inícios do Calcolítico. O poder deixoude residir no grupo, como acontecia anteriormente, para passar a estar, cadavez mais, e de forma irreversível, nas mãos de grupos restritos que, pordefinição, são minoritários face ao todo comunitário; é provável que este

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modelo não dispensasse a manutenção de alguns sítios fortificados, os quais,nalguns casos, continuam ocupados até ao Bronze Pleno, ainda que resi-dualmente, como os três mais importantes da região estremenha: Vila Novade São Pedro, Zambujal e Leceia; mas, noutros casos, são fundados ex-novo,como o povoado de Moita da Ladra. Seja como for, a emergência de elites,cuja componente guerreira é uma realidade, encontra-se documentada, paraalém das grandes pontas Palmela (de dardo?), no final do Campaniforme,pela ocorrência crescente das adagas de lingueta, por vezes de grandesdimensões, como o belo exemplar da Quinta da Romeira, Torres Novas(Cardoso, 2002, Fig. 237). Tais adagas evoluem, mais tarde, para as primeirasespadas curtas, de evidente aparato, também munidas de lingueta, como a dePinhal dos Melos, Fornos de Algodres (Paço & Ferreira, 1957), para a qualse apontaram afinidades com exemplares da Bretanha; e tal não deve causarsurpresa, dadas as evidentes afinidades atlânticas de uma das linhagenscampaniformes, atrás referidas, corporizada pelo "Grupo Internacional".Trata-se de peças ostentatórias, usadas por um segmento em gestação, noseio de uma sociedade que integrava, também, agricultores, pastores, artesãose comerciantes: assim se corporizou, paulatinamente, a transição para a Idadedo Bronze, onde a hierarquização social no âmbito do exercício do poder foiuma realidade cada vez mais presente. Assim se ultrapassou, também, ummomento de crise, a que conduziu o clima a que alguns chamaram de guerraendémica, protagonizado pelas comunidades calcolíticas pré-campaniformes,entricheiradas e concentradas em povoados fortificados.

A transição para o novo modelo organizacional, já plenamente da Idade doBronze, que requereu a emergência de centros de poder de expressão menosdifusa, que doravante pudessem negociar os conflitos numa base económicae política, sem que fosse necessário levá-los à prática, foi corporizada pelascomunidades campaniformes; estas, representam um dos momentos demudança mais obscuros e complexos da Pré-História portuguesa: a aparenteausência de grandes centros populacionais não impediu, como as evidênciasarqueológicas actualmente disponíveis parecem mostrar, a paulatina afirmaçãode elites, num fenómeno de diferenciação e hierarquização social queculminaria, no Bronze Final, cerca de 1000 anos depois, com as primeirassociedades estratificadas, através de um processo onde a circulação de pessoase de bens era condição necessária. Nisso residiria a evidente uniformidade,numa perspectiva alargada, dos espólios encontrados, sem prejuízo de certosregionalismos endémicos, como a taça Palmela, produzida até aos derradeirosmomentos, numa área em torno dos estuários do Tejo e do Sado. Os escassosexemplares conhecidos, tanto na região da Figueira da Foz, como ainda maisa norte (mamôa 1 de Chã de Carvalhal, Serra da Aboboreira, Baião), sósublinham a referida incidência regional, daquele tipo de recipientes.

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Na segunda metade do III milénio a. C., por quase todo o território português,encontravam-se mais ou menos disseminadas populações portadoras dapanóplia campaniforme. Mesmo regiões onde esta era, até há bem pouco,desconhecida, como o Algarve, ou o sul da Beira Baixa, tal presença foirecentemente identificada, justificando a afirmação, sempre presente, da poucafiabilidade dos critérios baseados na ausência, a qual, em geral, decorresobretudo do estado da investigação arqueológica. O prosseguimento recentedas investigações, tanto em sítios habitados, como em necrópoles, na BeiraAlta, na Beira Transmontana e a norte do Douro, veio carrear um notávelacréscimo de informação, nos últimos quinze anos, sobre a existência deocorrências campaniformes, em vastas zonas onde elas eram praticamentedesconhecidas. Por outro lado, nos recentes trabalhos de emergênciarealizados na bacia do Guadiana, foram confirmadas as influências daMeseta-Sul, através das numerosas cerâmicas do grupo de Ciempozuelos alipresente-mente conhecidas em sítios habitados.

No entanto, é a Baixa Estremadura (áreas adjacentes ao Tejo e ao Sado) queoferece a larga maioria de materiais campaniformes: é desta região que provêmcerca de 75% dos vasos campaniformes clássicos, ditos "marítimos"(Salanova, 2002), que corporizam o "Grupo internacional", e também é nelaque se pode encontrar a maior quantidade e diversidade ao nível de estilosregionais, representados pelo "Grupo de Palmela", que só esporadicamenteocorre no Sul e no Norte, o mesmo se podendo dizer do "Grupo inciso". Aextraordinária riqueza de estações campaniformes, bem como a diversidadedos espólios encontrados na região da baixa Estremadura, fizeram com queesta fosse, desde cedo, considerada como uma área de primeira importânciano âmbito dos mecanismos de difusão do "fenómeno" campaniforme a níveleuropeu.

As redes/sistemas de povoamento vigente em finais do III milénio a. C.,fazem do campaniforme um período de transição do Calcolítico para a Idadedo Bronze, qualquer que seja a região do País considerada e onde a suapresença se tenha manifestado.

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15. A Transição do Calcolítico para a Idade do Bronze

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Os mecanismos de transição para a Idade do Bronze, curto períodocorporizado pelos derradeiros momentos campaniformes (ouepicampaniformes, visto já não ocorrerem as tão características cerâmicasdecoradas que estiveram na própria origem da designação, mas apenasrecipientes lisos) são ainda pouco conhecidos; crê-se que a presençacampaniforme, na Estremadura e Sul do País, tenha dado lugar a novasexpressões da cultura material, já inseríveis na Idade do Bronze, no final doIII milénio a. C. Esta conclusão é corroborada pela datação obtida no povoadode Catujal (Loures), cujo intervalo para 95% de confiança é de 2028-1752 a.C. O espólio recolhido exibe estreitas afinidades com o do Bronze Pleno doSudoeste, sendo, pois, de uma fase imediatamente ulterior às últimascerâmicas campaniformes produzidas na região.

Este curto período de transição (que se poderá designar por Bronze Inicial) écorporizado na Estremadura pelo dito "Horizonte de Montelavar" (Harrison,1977), definido no sítio epónimo, perto de Sintra; tratava-se de uma sepulturacistóide rectangular onde se recolheu um punhal de lingueta e duas pontasPalmela (Nogueira & Zbyszewski 1943); a cerâmica, aparentemente, nãoconstava do conjunto. Situação idêntica foi registada perto de Ferradeira(Faro), onde H. Schubart, a partir de uma sepultura cistóide de plantasub-elipsoidal alongada, explorada muito antes, contendo um indivíduodepositado em decúbito dorsal, acompanhado de uma taça de carena baixalisa (tipológicamente da Idade do Bronze), um braçal de arqueiro e umpequeno punhal de cobre, de lingueta, definiu o chamado "Horizonte deFerradeira" (Schubart, 1971). Esta sepultura tem provavelmente antecedenteslocais, visto conhecerem-se diversas ocorrências, tanto no litoral algarviocomo na zona da serra, a maioria ainda por escavar. A única até ao presenteobjecto de escavação, foi a do Cerro do Malhão, Alcoutim, pequeno megálitodo tipo cista envolto por lageado, o que indica a ausência de tumulus; emboraviolada, forneceu um machado intacto de anfibolito e uma ponta de setacurta, de base cavada, de tipologia claramente calcolítica, além de umpequeníssimo fragmento de placa de xisto gravada (Cardoso & Gradim, 2003).

As cistas afins de Ferradeira, cujas características e espólio foram comparadaspor H. Schubart a outras, do Baixo Alentejo (Vila Nova de Milfontes,Odemira, Aljezur e Aljustrel), por vezes com base apenas em semelhançastipológicas, consubstanciaria uma realidade material, com significadocronológico-cultural, com extensão pelo Sudoeste espanhol. O "Horizontede Ferradeira", seria, deste modo, o equivalente meridional do "Horizontede Montelavar". Já no país vizinho, merece destaque o rico conteúdo da cistade Motilla (Córdova) muito semelhante à da cista constituída por uma caixasub-rectangular com chão lageado e coberta de lages, aparentementedesprovida de tumulus da Quinta da Água Branca, Vila Nova de Cerveira(Fortes, 1908). Apesar de situada em domínio geográfico bem diferente, de

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ambas provêm adagas de cobre longas, munidas de lingueta, de evidentefiliação na panóplia campaniforme, pontas Palmela e diademas em folhas deouro batido, encontrando-se ausente o espólio cerâmico. No sepulcroportuguês ocorreram também espirais de ouro, análogas às recolhidas emoutras sepulturas campaniformes da Estremadura, como nas grutas de SãoPedro do Estoril, Cascais. Esta aparente homogeneidade de arquitecturas ede conteúdos funerários, em áreas geograficamente tão afastadas, só secompreende se se aceitar que a excessiva compartimentação do espaço, típicada sociedade calcolítica, teria dado lugar a intensa circulação interregional,que se efectuaria livremente, propiciada por um tipo de ocupação, e sobretudode gestão dos territórios, por parte das comunidades que os ocupavam,completamente diferente da anterior. Agora, os produtos poderiam maisfacilmente circular, assim se compreendendo o chamado "pacote"campaniforme, constituído pelos elementos estandardizados supracitados.

No norte de Portugal, a mencionada sepultura da Quinta da Água Brancatem paralelo, entre outras, nas cistas sob tumuli de Chã de Arefe, Barcelos(Silva, Lopes & Maciel, 1981), embora contrastem pela diferente riqueza doespólio; as últimas, apenas com cerâmica lisa, para além de elementos do"pacote" campaniforme, como pontas Palmela evoluídas e braçais de arqueiro,corporizam etapa inicial da Idade do Bronze, de expressão transregional, definais do III ou inícios do II milénio a. C. Ainda no Minho, deve mencionar-sea cista de Lordelo, Viana do Castelo (Silva & Marques, 1984), a qual forneceu,como único espólio, um vaso troncocónico munido de asa. Este achado –aliás com paralelo em recipiente recolhido numa das cistas de Chã de Arefe– é muito importante, por vir clarificar a cronologia deste tipo de recipientes;a sua abundância em certos monumentos dolménicos da Beira Alta, como nodólmen de Carapito (Leisner & Ribeiro, 1968), ilustra a, por vezes, intensareutilização destes monumentos. Aliás, exemplares análogos, munidos deuma asa simples junto ao bordo, foram recolhidos também em contextorecuado da Idade do Bronze, de carácter doméstico, identificado no Buracoda Moura de São Romão, Seia (Senna-Martinez & Valera, 1995).

Na grande necrópole megalítica da Serra da Aboboreira, Baião, construiram--se então os derradeiros sepulcros, já não megalíticos. Dois deles, Meninasdo Crasto 4 e Outeiro de Gregos 1, são sepulturas de pequenas dimensões,(de tipo poligonal fechado, no caso do segundo monumento), com coberturasdo tipo cairn, atribuíveis a fase inicial/média da Idade do Bronze, situávelcronologicamente entre 2400/2300 e 1900 a. C. (Cruz, 1992; Jorge, 1995),continham cada uma espiral de prata (Jorge, 1983; Jorge, 1995, p. 78). Trata-sede peças de prata pura, metal cujo uso só então se começa a difundir, e apenascom base na prata nativa, visto a copelação da prata só se ter iniciado noBronze Final. Estas duas jóias, pela sua raridade, devem considerar-se comoelementos de prestígio, chegadas à região através de comércio transregional,

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onde eram utilizadas pelas elites desta etapa inicial da Idade do Bronze.Importa, a propósito, referir a recolha de uma outra espiral de prata na mamoada Cerca, Esposende (Almeida, 1985), a qual demonstra a reutilização desdemegálito na Idade do Bronze, à semelhança de outros da região, como Rapido3, conforme é assinalado por E. J. L. da Silva (Silva, 1994).

As pequenas construções tumulares da derradeira etapa da necrópole daAboboreira distribuem-se na periferia dos túmulos maiores e mais antigos,como que a auferirem também do espaço por aqueles sacralizado (Jorge,1995).

Também são conhecidas em outras zonas setentrionais de Portugal, comoem Trás-os-Montes, como talvez seja o caso da mamoa do Barreiro(Mogadouro) ou dos monumentos de Lomba de Coimbró (Montalegre) ouda Portela do Gorgurão (Boticas). No norte da Beira Alta, Domingos Cruz(Cruz, 1998), refere, também, a existência de grupos de pequenos tumuli,cobrindo por vezes estruturas do tipo cista, como é o caso da cista de Lenteiros,Vila Nova de Paiva (Cruz, 1998, Est. II, 2), a mesma que G. Leisner referecom o nome de "Castillejo", ou Castelejo (Leisner, s/d; Leisner & Leisner,1956, Tf. 28, 63; Leisner, 1998, Tf. 135 a, Karte I-16, I-17). Trata-se de umpequeno monumento delimitando espaço sepulcral quase quadrangular,definido por quatro lages, desprovido de espólio, que possui a particularidade,assinalada por G. Leisner, de conservar, no centro da base do esteio voltadoa sudoeste, uma abertura de contorno semi-elíptico, sem dúvida de carácterritual, pressupondo que, originalmente, este monumento não estivesse cobertode terra, ou, estando-o, que se destinasse a mais facilmente pôr em contactocom as forças telúricas a "alma" do inumado.

Outros exemplos de sepulturas cistóides, neste caso construídas pornumerosos elementos ortostáticos, são as duas cistas do Vale da Cerva, VilaNova de Foz Côa, de planta rectangular, de carácter individual, perto dopovoado calcolítico e do Bronze Pleno do Castelo Velho; cada uma delascontinha respectivamente os restos de um adulto e de uma criança. Os destaúltima foram datados pelo radiocarbono, obtendo-se o intervalo, para cercade 95 % de confiança, de 2880-2500 a. C., sendo claramente integrável noCalcolítico.

Os monumentos deste tipo situados no distrito de Aveiro e na parte ocidentaldo distrito de Viseu, têm sido objecto de estudo sistemático por Fernando A.Pereira da Silva, de que resultaram já diversas sínteses, os quais, tal como osanteriores, já não se poderão designar de "megalíticos". É o caso da mamoa2 de Laceiras do Côvo, Vale de Cambra, onde se identificou um tumulus depequena altura, pétreo e não megalítico atribuível ao Calcolítico ou aosprimórdios da Idade do Bronze. Mas a ausência de datas radiocarbónicas e afalta de elementos tipológicos impede maiores precisões (Silva, 1997).

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Em síntese: os pequenos monumentos sepulcrais do tipo cista que recen-temente se têm vindo a identificar e escavar no norte e centro do País, sãocronologicamente próximos das simples fossas sob pequenos tumuli, cujafrequência é, como a daqueles, muito maior do que até ao presente eraadmitido; para tal contribui as características discretas das estruturas e modode implantação, pouco evidente, no terreno. Por outro lado, existe claracontinuidade entre as cistas datadas do Calcolítico e os monumentos detipologia análoga, situáveis na primeira metade do II milénio a. C. e portantojá da Idade do Bronze, pelo que a separação entre uns e outros é meramentecronométrica. Nestes derradeiros monumentos do Calcolítico ou já da Idadedo Bronze, imperou a variabilidade arquitectónica tumular, à qual já não sepoderá dar o nome de megalítica.

Entretanto, surge uma novidade: a adopção da cremação dos corpos,representada entre outras, por sepultura da serra da Muna (Viseu)correspondente a tumulus de pedras sobre fossa natural, onde se efectuouincineração in situ, cuja datação (2130-1970 a. C.) a situa no início da Idadedo Bronze na região (Cruz, 1998; Cruz, Gomes & Carvalho, 1998).

Verifica-se, deste modo, uma transição paulatina para o tipo de sepulcros doBronze Pleno, tanto no norte como no sul, realidade que é acompanhadapelo padrão de povoamento, onde a principal característica é a "penumbravisual" onde os sítios habitados, tal como as necrópoles, se instalaram.

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16. A Arte Pós-Paleolítica de Ar Livre e de Abrigos Ruprestes eas Estelas-menires e Estátuas-menires do Calcolítico

e da Idade do Bronze

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No território português, avultam diversas manifestações de arte rupestre pós--paleolítica, seja em vastos espaços de ar livre, seja em abrigos sob rocha;seguidamente, apresentam-se, de forma sintética, as principais ocorrênciasconhecidas.

16.1 Complexo do vale do Tejo

A arte rupestre do vale do Tejo (observada num sector sobretudo a montanteda barragem de Fratel), da qual cerca 80% se encontra hoje submersa naságuas da albufeira, engloba entre 20 000 a 30 000 insculturas, em cerca de50 km de extensão das margens do Tejo e dos seus afluentes (Ocresa ePracana), das quais as mais antigas poderão ascender ao Neolítico Antigo,ou mesmo ao Epipaleolítico, segundo a cronologia longa, desde sempredefendida por alguns autores (Gomes, 1987); a esta primeira fase – que,importa sublinhá-lo, possui um antecedente local do Paleolítico Superior,representado pelo recentemente descoberto cavalo da ribeira de Pracana(Mação), já anteriormente referido – poderá pertencer, entre outras, umarepresentação de equídeo sub-naturalista (Gomes & Cardoso, 1989). Nestaetapa inicial, seja ainda epipaleolítica (Período 1 de M. Varela Gomes), sejajá plenamente neolítica (Fase I, de A. Martinho Baptista, cf. Baptista, 1981),não transparece a importância dos animais domésticos no quotidiano; aocontrário, como tudo leva a crer, os milhares de figuras sub-naturalistasidentificadas, representam essencialmente animais selvagens (cervídeos ecapríneos, sobretudo, com corpos de perfil, por vezes em atitudes de cópulaou de pré-acasalamento, incluindo também auroques, de grande tamanho).É de destacar a existência de corpos reticulados, sobretudo em cervídeos,com paralelos na arte rupestre do Côa.

A Fase II, conotável com a afirmação do megalitismo regional (Período 3 deM. Varela Gomes), com apogeu cerca de meados ou início da segunda metadedo IV milénio a. C., é caracterizada por representações antropomórficasestilizadas, ou esquemáticas, por vezes associadas a figuras solares e aindapor cenas de caça, incluindo representações de homens, animais e cães domés-ticos, evidenciando afinidades com as pinturas dolménicas da Beira Alta,como as da Orca de Juncais. Trata-se, pois, de etapa com inquestionáveisafinidades com a arte megalítica acima estudada.

Podemos reconhecer, em consequência, nos vários km de painéisinsculturados das margens rochosas do Tejo, a importância, real e simbólica,da caça para as populações epipaleolíticas, ou já neolitizadas, que, em

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determinadas épocas do ano, ali acorriam para a prática cinegética, certamentenão desligada de rituais próprios, aliás sugeridos pela envolvência especialconferida pelo rio e pelas imponentes Portas de Ródão, lugar de referência ede sugestivo simbolismo, ao longo de milhares de anos.

Mais tarde, no decurso do Calcolítico, até talvez o Bronze Pleno, observa-sea proliferação de insculturas de tipo geométrico (a ascensão do geometrismoé clara nas fases mais avançadas do complexo).

Esta fase da arte rupestre do vale do Tejo tem equivalente no vale do Guadiana;com efeito, foram ali recentemente identificados, em consequência dostrabalhos de minimização dos impactos arqueológicos resultantes daconstrução da barragem de Alqueva, numerosos motivos esquemáticos ougeométricos (circunferências produzidas a picotado), que remetem, tal comono Tejo, para intervalo dos finais do IV aos finais do III milénio a. C.; algumasdessas figuras eram de há muito conhecidas (Baptista & Martins, 1979);porém, só o estudo sistemático da totalidade das que actualmente seconhecem, permitirá traçar uma panorâmica adequada dos ciclos artísticosali representados (Silva, 1999).

A arte sub-esquemática ou já plenamente esquemática e geométrica presentenas últimas fases do complexo rupestre do vale do Tejo, tem, igualmente,paralelo nos numerosos painéis rupestres de diversos abrigos sob rochaidentificados, de Trás-os-Montes (Penas Róias, Cachão da Rapa, Pala Pinta)ao Alentejo (Nossa Senhora da Esperança, Arronches). Trata-se de locaisque se dispersam, de forma discreta, pelas cristas rochosas quartzíticas, eque se podem inserir, globalmente, dos últimos séculos do IV milénio a. C.aos meados do II milénio a. C., encontrando-se, em boa parte, ainda porinvestigar. Estas ocorrências remetem, em geral, para uma fase mais avançadada arte pré-histórica do ocidente peninsular, situável entre o Neolítico Finale o Bronze Pleno. Trata-se de representações antropomórficas, associadas arepresentações solares (Período 4, ou Meridional, de M. Varela Gomes), aque se podem juntar símbolos abstractos, como espirais e serpentiformesque, embora possuindo afinidades com a arte megalítica, se projectariampela Idade do Bronze (Período 5, ou Atlântico, do autor supra citado).

Enfim, a derradeira fase artística do complexo do vale do Tejo encontrar-se-iarepresentada pelo Período dito de "círculos e linhas" (o 6.o, da sequência emapreço), bem como por outras representações, do Bronze Final até aos alvoresda Idade do Ferro. A este propósito, importa referir que, na estação da Cachãodo Algarve, do complexo do vale do Tejo, a associação da circunferência auma figura humana, da qual constitui o ventre, foi interpretada, por A. M.Baptista, como sendo possivelmente feminina, o que coloca a questãosimbólica associada a tal motivo, quando este ocorre isolado. Aquele autorindica, para a última fase estilística da rocha 155 da estação de Fratel, onde

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tal motivo geométrico se encontra presente, uma cronologia do Bronze Pleno(Baptista, 1981) o que, naturalmente, não pode ser generalizado, mesmo aoutras rochas do mesmo complexo rupestre. Com efeito, em 1978 aquelearqueólogo, com M. Martins, discutindo o faseamento das insculturas davizinha estação de S. Simão, integraram as centenas de circunferências aliidentificadas na Fase III, a qual, conjuntamente com a fase anterior, foi situadana época do megalitismo alentejano, anterior, pois, à Idade do Bronze(Baptista, Martins & Serrão, 1978). A iconografia da chamada "artemegalítica", atrás caracterizada nas suas linhas gerais, é, na verdade,imediatamente anterior à da arte esquemática do Noroeste peninsular,atribuível preferencialmente à Idade do Bronze.

Existem indícios, para M. Varela Gomes, da utilização daquele vaste santuáriorupestre, no qual a presença da água corrente do grande rio peninsulardesempenhou desde sempre um papel simbólico até pelo menos o BronzeFinal: com efeito, reconheceu a existência de pelo menos um escudo comchanfradura em V, na rocha 29 do Cachão do Algarve, para além depodomorfos – que podem ser ligeiramente anteriores, do Bronze Pleno, comose verifica nas representações homólogas das estelas do Bronze do Sudoeste,exemplificadas pelo exemplar de Ervidel 1 (Gomes & Monteiro, 1976/1977)– e de um par de espadas, uma delas com a caracterísitica silhueta em "línguade carpa". Aliás, a Rocha 1 da estação de Fratel ostentaria, segundo aqueleinvestigador, um guerreiro com uma espada à cintura com os braços erguidos,numa posição dominadora com paralelo imediato na estela do Bronze Finalde Figueira (Vila do Bispo). Porém, tais motivos não são assim interpretadospor A. Martinho Baptista, para quem os "podomorfos", bem como as pretensas"espadas" não passariam de interpretação errónea. Para este arqueólogo, autilização do trecho do grande rio peninsular, como santuário rupestre,terminaria no final do Calcolítico ou, quando muito, no Bronze Pleno(comunic. oral de 2007).

Seja como for, pode afirmar-se que este sector do Tejo – que, aliás, se podeconsiderar em articulação com o conjunto situado em Herrera de Alcántara(Cáceres), constituído por mais de 20 km de rochas insculturadas, foi palcode importantes manifestações da religiosidade do homem pré-histórico desdeo Paleolítico Superior até ao final do Calcolítico, aproveitando bancadasxistosas das margens do Tejo, a jusante da imponente garganta epigénica dasPortas de Ródão, sem dúvida um elemento marcador paisagístico e simbólicode primeira grandeza. Nesse vasto santuário a céu aberto, a água corrente dorio desempenhou o seu papel habitual, representação viva da vida e darenovação, dentro das concepções que enformavam a estrutura cognitiva dasmuitas gerações que, ciclicamente, acorriam aos mesmos locais,expressando-se embora de modos diferentes; neste particular, não deixa deser significativo verificar a existência de concentração de rochas insculturadas

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nos locais de maior agitação hídrica – os chamados "cachões" – onde a forçavital da água se manifestava de forma mais expressiva.

Do ponto de vista técnico, a quase totalidade des insculturas foi produzidapor picotagem; apenas uma ínfima parte se obteve por abrasão, ou por incisão(filiformes). As sobreposições são frequentes, bem como diferentes são osgraus de patine ou de desgaste evidenciados pelas representações presentesem um mesmo painel insculturado, permitindo o estabelecimento desequências tipológicas como as supra referidas, definidas pela associação demotivos estilisticamente afins (é a impropriamente chamada "estratigrafiahorizontal"). A longa diacronia do complexo de arte rupestre do Tejo (aindaque os seus limites cronológicos variem, de acordo com as concepçõesdefinidas pelos seus dois principais estudiosos) tem paralelo em outros vastossantuários de ar livre do mundo mediterrâneo, do qual este faz parte integrante.

16.2 A Arte dos abrigos sob-rocha

Faia (Vila Nova de Foz Côa), onde se identificaram diversos grandes bovídeos,pintados em estilo sub-naturalista a sub-esquemático, a vermelho, em painelrochoso vertical, acompanhados de antropomorfos e Fraga d’Aia (S. João daPesqueira), pequeno abrigo granítico sob-rocha onde se identificaram,pintados na parede do fundo, com quase sete metros de comprimento, doisnotáveis conjuntos pintados a diversos tons de vermelho (Jorge et al., 1988),são dois bons exemplos da arte sub-naturalista, evocando o estilo levantino,presente no norte o País. Na Fraga d'Aia, já anteriormente referida, um dosconjuntos rupestres é constituído por uma possível representação de caça aoveado, figurando grande animal com robusta armação, aparentementecircundado por diversos antropomorfos; o segundo conjunto, situado à direitado descrito, corresponde a friso horizontal de dez antropomorfos e umzoomorfo (cão?), de menores dimensões, com evidente carácter ritual, a quese juntam outros antropomorfos isolados, situados num plano inferior. Asdatações de radiocarbono, realizadas sobre carvões de diversas lareiras –embora não se encontrem identificadas as espécies utilizadas, o que retirarepresentatividade às datas encontradas – indicam o Neolítico Antigo, o queseria compatível com as características estilísticas referidas, muito embora oprimeiro painel se afigure sub-naturalista, e o segundo sub-esquemático; mastal coexistência é perfeitamente possível, pelo que não existem razões paraatribuir-se cronologia diferenciada aos dois conjuntos. A longevidade destetipo de produções terá atingido o Neolítico Final regional, como indicam asrepresentações dos esteios da Orca dos Juncais e da Arquinha da Moura.

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A arte sub-esquemática ou já plenamente esquemática e geométrica, presentenos numerosos painéis rupestres pintados de diversos abrigos sob rocha, deTrás-os-Montes ao Alentejo, abarcando os últimos séculos do IV milénio a. C.ao final do milénio seguinte, alguns deles já atrás referidos, encontra-se, emboa parte, ainda por investigar. Recentemente, a ocorrência de abrigos comarte esquemática estendeu-se ao Alto Ribatejo e à Beira Litoral, com adescoberta do pequeno abrigo do Pego da Rainha, Mação, conotado com oculto da água (Oosterbeek, 2002) e dos abrigos de Lapedo I e Lapa dosCoelhos, Leiria (Martins, Rodrigues & Garcia Diez, 2004), com represen-tações claramente antropomórficas a vermelho. Estas ocorrências remetem,em geral, para uma fase avançada da arte pré-histórica do ocidente peninsular,situável entre o Neolítico Final e o final do Calcolítico, conforme indica arespectiva iconografia: antropomórficos e zoomórficos esquemáticos, símbolosastrais radiados, circunferências concêntricas, ramiformes, punctiformes, etc.,com analogia com a arte megalítica, sem se poder excluir a hipótese desobrevivências na Idade do Bronze: é o caso do abrigo com gravuras deSolhapa (Miranda do Douro), com uma notável associação de covinhas ecanais, atribuídas ao Bronze Final (Sanches, 1992).

Ocorrências mais raras são os motivos reticulados, de contorno quadrangular,pintados a negro e a vermelho, conhecidos no Cachão da Rapa, sobre o Douro(Carrazeda de Anciães) os quais, integrados na fase mais antiga dasmanifestações artísticas do noroeste peninsular, das três identificadas porP. Bosch-Gimpera (Bosch-Gimpera, 1959), se podem inscrever noIII milénio a. C.

Mais recentemente, foram identificados oito abrigos na serra de Passos(Mirandela), com arte esquemática pintada a vermelho de várias tonalidadese a amarelo, incluindo antropomórficos e motivos geométricos, atribuídosao III milénio a. C. (Sanches, 1988), o que parece credibilizar a cronologiaproposta para o Cachão da Rapa. Tal conclusão foi aliás reforçada pela recenterevisão do abrigo da Pala Pinta (Alijó), ao qual foi atribuída cronologiatambém calcolítica (Sousa, 1989), sem prejuízo de algumas das estações emapreço terem continuado a ser utilizadas ao longo da Idade do Bronze. Provadesta virtual sobrevivência é a presença, no abrigo Pinho Monteiro(Arronches), de uma representação esquemática feminina de amazona (?) depé sobre o dorso de equídeo associada a personagem itifálico com bastão ecapacete de cornos, ambas situadas na Idade do Bronze Final, correspondenteao último período de utilização do santuário (os anteriores foram reportadosao Neolítico Final e ao Calcolítico (Gomes, 1989). Esta realidade pode, destemodo, ser paralelizável com a verificada em Trás-os-Montes, com a utilizaçãoritual, e de forma muito mais frequente da que os testemunhos actualmenteconhecidos sugerem, de abrigos rupestres nessa época.

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Os abrigos rupestres alto-alentejanos com arte esquemática, de que merecedestaque o de Voz de Junco, Arronches, possuem no território portuguêsmais meridional, apenas uma única ocorrência equipa-rável: trata-se dopequeno abrigo de Penedo (S. Bartolomeu de Messines), com arteesquemática e espólio neolítico (Gomes, 2002, p. 173).

16.3 Arte esquemática do noroeste peninsular

A arte rupestre do noroeste peninsular articula-se, ao menos em parte, comas manifestações artísticas anteriormente mencionadas. No estádio actualdos nossos conhecimentos, deve atribuir-se-lhe cronologia correspondente atodo o II milénio a. C., ainda que com provável início no milénio anterior eterminus nos primórdios do milénio seguinte, abarcando, assim, toda a Idadedo Bronze e inícios da Idade do Ferro. Aliás, conhecem-se insculturasencontradas em área de povoamento castrejo, embora nalguns casospermaneça a dúvida de se poderem ou não relacionar com aquelas ocupaçõessidéricas. Casos há, contudo em que se demonstrou serem anteriores àquelas:assim, as rochas insculturadas identificadas no castro da Assunção, Barbeita(Monção), com motivos geométricos habituais, encontravam-se sobrepostaspor uma casa castreja (Marques, 1986).

As origens deste grupo artísitico – cuja falta de homogeneidade, com origemem causas geográficas, mas também cronológicas, é evidente – podem,segundo alguna autores, remontar ao Neolítico Final, tal é a semelhança dealguns dos seus motivos com os representados nos esteios de diversosmonumentos dolménicos do centro e do norte do País. É o caso de círculosisolados, que aparecem pintados ou insculturados em diversos monumentos,bem como reticulados, patentes em três esteios do dólmen de Antelas, Oliveirade Frades, já atrás referido. Tais foram os critérios utilizados por E. SheeTwohig (Twohig, 1981) para situar a "Pedra Partida" de Ardegães, Maia, noCalcolítico; contudo, esta atribuição deve ser reapreciada, tendo presente aestreita analogia que aquela rocha apresenta com a "Pedra da Escrita", deSerrazes, S. Pedro do Sul, a qual ostenta circunferências concêntricas componto central e o que aparentam ser um ou dois podomorfos, que a situamem época ulterior; com efeito, a simples existência de um motivo reticuladoconservado no chapéu do dólmen do Espírito Santo da Arca (Vouzela), vemprovar que se trata de motivo posterior à construção do monumento, semexcluir, porém, a possibilidade de ser calcolítico. Importante elemento sobrea cronologia deste tipo particular de insculturas rupestres parece ser a tampade cista ou estela insculturada com motivos reticulados da necrópole doBronze Final de Canedotes (Vila Nova de Paiva).

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De qualquer modo, as origens destas manifestações artísticas, na ausênciade evidentes antecedentes locais, parece terem resultado de influxos culturaisnovos, verificados no decurso da Idade do Bronze, os quais não se podemdesligar das relações comerciais atlanto-mediterrâneas, que então se detectamna região da distribuição destas ocorrências.

Trata-se de uma arte não monumental, cobrindo por vezes vastas superfíciesdos afloramentos rochosos, muitas vezes em sítios pouco evidentes napaisagem, cuja localização poderá, não obstante, coincidir com a delimitaçãode territórios entre comunidades vizinhas, tornados por isso de referênciaobrigatória e apenas delas (ou de parte delas) conhecidos; aí residirá, talvez,a razão para a ausência de monumentalidade que evidenciam. Mas estaafirmação é apenas uma suposição, na falta de elementos que possibilitemuma discussão mais objectiva. De qualquer modo, a implantação quecaracteriza muitos sítios com arte rupestre do norte do País, faz crer que nãoeram as características topográficas que os diferenciavam da restante áreaenvolvente, mas sim o seu significado intrínseco, de forte simbolismo,conferido pelas rochas decoradas. A ser assim, é admissível aceitar que oacesso a tais sítios seria restrito aos elementos de cada uma das comunidadesque, devido ao seu estatuto, a eles teriam conhecimento ou poderiam aceder.

A. Martinho Baptista, em síntese realizada em meados da década de 1980,resultante em boa parte de investigações pessoais desenvolvidas nos anosimediatamente anteriores (Baptista, 1983/1984), identificou dois grupos nocontexto da arte rupestre em apreço, diferenciados pela cronologia e pelaiconografia, e, ainda, em certa medida, pela respectiva distribuição geográfica.Contudo, tais grupos seguem de perto os limites geográficos assinaladosanteriormente por outros autores, e assimilados, repectivamente ao "GrupoMinhoto" e ao "Grupo Transmontano" (Gomes, 2002, p. 166).

O Grupo I seria o mais antigo (atribuível globalmente à Idade do Bronze),possuindo distribuição geográfica mais litoral no Noroeste peninsular,encontrando-se mal representado no território português, uma vez que o seunúcleo corresponde à região de Pontevedra, em cuja região litoral se registarammais de 400 rochas insculturadas (Peña Santos, 1979). Em Portugal, asocorrências no Alto Minho, têm prolongamentos meridionais, até à bacia doVouga (serra do Arestal, Outeiro dos Riscos e Fornos dos Moiros). Asocorrências privilegiaram plataformas de meia-encosta, ou outeiros de baixaaltitude, aproveitando superfícies rochosas horizontais. A iconografiadominante integra circunferências simples ou concêntricas, frequentementecom covinhas interiores, meandros, linhas direitas ou curvas, sinuosas, espiraise labirintos e, mais raramente, representações de armas (protótipos metálicos,como as alabardas, do Bronze Antigo e Pleno), zoomórficas eantropomórficas, sub-esquemáticas e esquemáticas. Estas representações

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teriam paralelos atlânticos nas Ilhas Britânicas, chegando mesmo àEscandinávia, situação que poderia ser explicada pelas ligações comerciaisestabelecidas com aquelas regiões, no decurso da Idade do Bronze. Outrovector teria origem meridional, ligada ao mundo mediterrâneo, representadopelos motivos labirínticos mais elaborados. Uma das ocorrências maisemblemáticas é a estação da Bouça do Colado, na encosta meridional daserra da Amarela, Ponte da Barca. Segundo A. Martinho Baptista, observa-se,na distribuição dos motivos insculturados em vasta superfície horizontalgranítica, correspondente ao núcleo principal do santuário rupestre, rodeadopor sete outras rochas insculturadas de menores dimensões, uma estruturaçãodo espaço gravado, correspondente a um projecto previamente elaborado.Com efeito, o espaço central da composição, correspondente à intersecçãodos eixos maior e menor da superfície insculturada, é ocupado por um grandeidoliforme feminino, sendo as zonas envolventes ocupadas por diversasrepresentações, com destaque para as circunferências com covinha central.Uma figura proto-labiríntica ocupa a base da composição. Porém, estainterpretação, que se afigura evidente para o citado autor, é questionada poroutro arqueólogo (Gomes, 2002, p. 164), o que só revela quanto falíveis esubjectivas são as mais elementares interpretações, em matéria de arterupestre, sem falar da respectiva cronologia, relativa ou absoluta.

O Grupo II de Martinho Baptista – classificado como dos finais da Idade doBronze e da Idade do Ferro – prolongar-se-ia mais para o interior,estendendo-se pelo território transmontano, correspondendo-lhe cronologiamais recente, essencialmente da Idade do Ferro. É de admitir cronologiacentrada na Idade do Bronze, justificando-se as diferenças iconográficasobservadas, por regionalismos, aliás ulteriormente sublinhadas por CelsoTavares da Silva (Silva, 1985) na bacia do Vouga, ao assinalar a maiorincidência de espirais, tão exuberantemente representadas na "Pedra dosPratos" (Castro Daire, Viseu), face à iconografia dominante da região galaica.O autor dedicou, aliás, importante estudo à arte rupestre do alto vale do Vouga,tendo inventariado os motivos elementares ali presentes (Silva, 1978). Aosegundo grupo de A. Martinho Baptista, pertenceriam notáveis santuários,como o do Gião (Arcos de Valdevez) e, mais no interior, Tripe e Outeiro doSalto (Chaves), cuja inclusão na época proto-histórica, segundo o faseamentodefendido por Martinho Baptista, se afigura demasiado moderna, opiniãoque é concordante com a de outros autores (ver, por ex., Gomes, 2002, p.163), que admite cronologia calcolítica, ou ainda mais antiga, para o santuáriode Tripe.

Em tais sítios, identificaram-se antropomorfos esquemáticos, com destaquepara as conhecidas "figuras em fi"; motivos quadrados ou rectangulares;circunferências com um ou dois diâmetros perpendiculares entre si; e semi-círculos, com ou sem covinha central; mais raramente, ocorrem espirais,

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linhas rectas ou quebradas e podomorfos; estes últimos, cuja ocorrênciaremonta ao Bronze Pleno do Sudoeste, visto encontrarem-se representadosem algumas das estelas funerárias insculturadas daquela época, encontram--se por vezes particularmente bem representados em sítios tão distantes comoa "Fraga das Passadas" (Mogadouro) e a "Pedra do Rasto", Queirã (Vouzela),com mais de trinta destas representações, associadas a covinhas. Avulta averdadeira preocupação de preencher totalmente os espaços disponíveis, emcomposições que têm tanto de desorganizado como de barroco e onde taismotivos, no primeiro caso, se encontram associados a circunferênciasconcêntricas, motivos radiados, serpentiformes e até a uma representaçãoantropomórfica (Freitas, Santos & Rolão, 1994). Uma vez mais, é notória asimilitude entre estes motivos e os patentes em estações rupestres irlandesas,a tal ponto que é difícil separar uns de outros (Baptista, 1983/1984). Adistribuição destes motivos pelos espaços inscultrados parece evidenciar ojá referido "horror ao vazio", consubstanciado no preenchimento, de formaaparentemente caótica e desorganizada, das superfícies disponíveis.

Embora a larga maioria dos motivos iconografados nas estações dos doisgrupos supra caracterizados tenha sido produzida por picotagem, existemcasos em que a técnica utilizada foi a incisa, seguida por vezes da abrasão: éo caso das gravuras, há muito conhecidas, da Pedra Letreira (Góis), deMolelinhos (Tondela) e da Pedra Escrita de Ridevides (Vilariça). Trata-se degrupo diferente dos dois anteriores, podendo a sua cronologia remontar aoCalcolítico como defendeu J. R. dos Santos Júnior (Santos Júnior, 1963),prolongando-se, depois, pela Idade do Bronze, como indicam asrepresentações de armas e de artefactos de bronze (alabardas, punhais, foicesarcos e flechas). A presença destas peças permitiu a exclusão do BronzeFinal dos petróglifos onde ocorrem, dado não se ter encontrado, em nenhumdeles, peças tipologicamente identificáveis com aquela fase cultural (Jorge& Almeida, 1980).

A atribuição das rochas insculturadas do noroeste com circunferênciasconcêntricas, espirais e outros motivos geométricos à Idade do Bronze,também foi defendida por R. de Serpa Pinto, a propósito da actividademetalúrgica desenvolvida na região à época: referindo-se às afinidadesatlânticas setentrionais de algumas produções metálicas dessa época,sublinhou que tais evidências eram acompanhadas pelas semelhanças da arterupestre em apreço com a existente na Grã-Bretanha, Irlanda, Armórica eEscandinávia, sublinhando a descoberta, no grande complexo de arte rupestrede Oestergotland de um machado em bronze de tipo peninsular que, porém,não pormenoriza (Pinto, 1933). Com efeito, as ligações marítimas seten-trionais existentes na Idade do Bronze, têm sido bastas vezes invocadas aolongo do tempo, por múltiplos autores, tanto no sentido Sul-Norte, ao queparece, o dominante (MacWhite, 1951; López Cuevillas, 1952; Anati, 1963),

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como Norte-Sul, sendo patentes, no primeiro as influências mediterrâneas.Estas, que já anteriormente foram idicadas, encontrariam no motivo dolabirinto – que, embora muito escasso, se encontra exemplarmenterepresentado na estação de Lufinha, Viseu – uma das sua expressões maisevidentes, segundo A. A. Tavares (Tavares, 1986/1987), que defende, também,a integração da maioria destes petróglifos em fase tardia da Idade do Bronze.A sublinhar esta cronologia, invoca a existência de motivos espiralados,idênticos aos observados em artefactos metálicos, como o gancho para carne(furcula) encontrado no castro da Senhora da Guia, Baiões, adiante referido.

Deste modo, pode defender-se um movimento de sul para norte de certosmotivos, como as espirais e as circunferências, que foram consideradas comode provável origem mediterrânea, atingindo a Escandinávia por um processode difusão cultural, enquanto outros motivos, alguns deles zoomórficos, comoos veados, circunscritos a uma área muito limitada do noroeste (LópezCuevillas, 1943), teriam aquela origem (Lorenzo-Ruza, 1954).

16.4 Arte rupestre de ar livre em outras regiões

As manifestações artísticas pré-históricas de ar livre, tanto na Beira Baixa,como no Alentejo, são muito raras: de entre as primeiras, são de salientaras figuras geométricas incluindo circunferências simples e espirais deCobragança (Mação), enquanto, entre as segundas, mencionam-se aspublicadas por Vergílio Correia, da região de Pavia, como o "Penedo dasGamelas" e "da Talisca", onde predominam cruciformes, tal como no "Penedoda Almoinha", no Alto Alentejo (Zbyszewski et al., 1977), a que se podemjuntar alguns outros penedos ou abrigos alentejanos, com covinhas, nosconcelhos de Serpa e de Mourão (in Gomes, 2002, p. 158, 173). Ainda noAlto Alentejo, merece destaque particular o santuário de ar livre do Escoural,a que já anteriormente se aludiu, pelo que não será objecto, neste lugar, deoutros desenvolvimentos.

Enfim, no Algarve, foram identificados em 1989 os primeiros sítios de arlivre: trata-se do santuário da Rocha (S. Bartolomeu de Messines) ostentandopegadas, covinhas e outra iconografia, situável no Calcolítico e na Idade doBronze, a que se juntam outras ocorrências, no concelho de Vila do Bispo.

Cabe também relembrar, a propósito, a frequente ocorrência de penedos com"covinhas", de larga diacronia e vasta distribuição geográfica no País, que,por vezes, têm sido associados a povoados do Bronze Final, tando da BeiraInterior (Bouça do Frade, estudado por Raquel Vilaça), como do Alto Minho(povoados da bacia do Cávado, estudados por A. Bettencourt). Um caso

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particular são as superfícies externas insculturadas de esteios ou dos chapéusde monumentos dolménicos, dos quais se conhecem diversos exemplos noPaís, especialmente no Alto Alentejo, ou em afloramentos próximo demonumentos megalíticos. Importa questionar se tais elementos, no caso dasantas, eram para ser vistos, como os figurados nos penedos. No casoafirmativo, naturalmente que teremos de admitir a sua menor antiguidadeface aos dólmenes onde se encontram insculturados, visto tais insculturas sóse poderem fazer depois da destruição do tumulus, que, em geral, cobria aestrutura megalítica propriamente dita: as antas, despertando desde sempre aespecial atenção ou mesmo veneração das comunidades primitivas, mesmomuito tempo depois da sua construção, podem ter continuado a funcionarcomo espaços sagrados, onde, para além de receberem tumulações tardias,como bem provam numerosos exemplos conhecidos por todo o País, poderiamconstituir santuários, assim se explicando tais insculturas. Mas estas poderiamter, também, um significado oculto, próprias para não serem vistas, como,entre outros casos, o machado gravado na base da estela-menir do Monte daRibeira, situado abaixo do nível de fundação no terreno do monólito, realidadeque Victor S. Gonçalves bem salientou. Sem dúvida que, nalguns casos, taisinsculturas podem relacionar-se directamente com a utilização primária dosmonumentos: é o caso, para além do mencionado, do grande menir do Lavajo(Alcoutim), que ostenta "covinhas" abaixo da zona que estaria visível, e daanta 2 do Olival de Pega que possui, no início do longo corredor, doisesteios-estela, dispostos de ambos os lados e profusamente decorados comcentenas de tais elementos, situados intencionalmente abaixo do nível doterreno, a menos que se trate de um reaproveitamento de elementosconstrutivos mais antigos.

16.5 Estelas-menires e estátuas-menires do Calcolítico e da Idadedo Bronze

Numa faixa raiana, do Alto Alentejo (ídolos do Crato e de Arronches),passando pela Beira Interior (ídolo de Rosmaninhal, Idanha-a-Nova, inédito)e atingindo a região transmontana (ídolo da Quinta do Couquinho, Moncorvo),são conhecidos pequenos monólitos, publicados primeiramente por J. Leitede Vasconcellos (Vasconcellos, 1910), com a representação da face (olhos,nariz), do toucado (diadema?) e do vestuário e adornos, designa-damentecolares (Crato; Nossa Senhora da Esperança, Arronches e Rosmaninhal,Idanha-a-Nova). Mais recentemente, foi dado a conhecer exemplar de maioresdimensões, que se enquadra no conjunto das estelas-menir; conservando osatributos patentes nos monólitos anteriores, inclui a presença de um cinturão,de braços e de mãos, cuja posição lembra a adoptada nas placas

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antropomórficas do Neolítico Final ou já calcolíticas da Beira Baixa e doAlto Alentejo. Provém de A-de-Moura, Guarda (Silva, 2000) e corresponde,provavelmente, a exemplar mais recente que os anteriores, mas aindacalcolítico. Seja como for, este conjunto de monólitos exibe assinaláveissemelhanças (especialmente os considerados mais antigos), como ídolopintado do abrigo de Peña-Tú (Astúrias) atribuído por Juan Cabré a divindadefunerária calcolítica feminina; mais recentemente, os pequenos monólitosprimeiramente referidos foram, com efeito, relacionados com a existênciade monumentos megalíticos, na vizinha Extremadura espanhola (BuenoRamirez & Cordero, 1995), situando-os entre o Neolítico Final e o Calcolítico.Os monólitos de pequeno tamanho, por vezes assumindo o formato ovular emaciço, evoluiriam até os exemplares do Bronze Final, gravados já em estelase com atributos que não deixam dúvidas quanto àquela integração cultural: éo caso da estela de Torrejon del Rubio II, Cáceres, que ostenta de um doslados da figura humana, gravada na superfície plana da respectiva estela,uma fíbula de cotovelo e um fecho de cinturão, daquela época (Almagro,1966, p. 207, lám. XXII). Existem, com efeito, exemplares que evocam aevolução referida, como é o caso da estela de Granja de Toniñuelo, Badajoz,a qual se encontrou associada a uma sepultura de falsa cúpula (Bueno-Ramirez& Cordero, 1995) sendo, deste modo, de idade calcolítica. Com efeito, foramvários os autores que tentaram estabelecer um quadro evolutivo destesinteressantes monumentos, cuja larga diacronia (reiterada por Almagro Basch,1972, p. 112), de quase dois milénios (todo o terceiro e segundo miléniosa. C.) é, no entanto, de difícil compreensão, no quadro da dinâmica culturalconhecida para a região em causa, no referido intervalo de tempo. Mas acoerência interna da referida evolução, faz pressupor, a existênciade umadeterminada unidade social, religiosa ou cultural, ou ao menos uma tradiçãoprevalecente, ao nível da simbólica religiosa, das sucessivas populações quehabitaram a Extremadura espanhola, no referido intervalo temporal, comprolongamento para o vizinho território português.

Os referidos monólitos são, por seu turno, comparáveis a diversas estelas-menires, por vezes de assinaláveis dimensões, conhecidas no Norte do País;um dos conjuntos mais significativos corresponderia a provável recintoencontrado em Cabeço da Mina (Vila Flor), considerado por S. Oliveira Jorgede idade calcolítica e inspiração mediterrânica (Jorge, 1999); algumas destasestelas exibem também colares ou objectos de adorno, igualmente presentesna estela-menir do Alto da Escrita, Viseu (Carvalho et al., 1999).

Outro recinto de estelas mais meridional que os supra referidos, situáveltambém no III milénio a. C., é o de Corujeira (Fornos de Algodres), implantadoem pequeno cabeço; as estelas, de granito, apresentam-se insculturadas porsulcos, dispersos de forma aleatória, ou constituindo figuras geométricas,aproximando-se deste modo do recinto de S. Cristóvão (Resende), implantado

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em plataforma da serra de Montemuro, a mais de 1100 m de altitude. Dadoa conhecer por E. J. L. Silva, trata-se de monumento de planta oval, constituídopor várias dezenas de pequenos monólitos, com outros no espaço interior, osquais, segundo o autor, poderão relacionar-se com a arqueoastronomia(Silva, 1997).

Em suma: se o estabelecimento da cronologia destes monumentos é tarefaingrata, visto só ser possível com base na tipologia dos mesmos, na ausênciade qualquer contexto estratigráfico a que se possam associar, parece nãoexistirem dúvidas quanto a uma filogenia, com múltiplos elementos inter-médios, que ilustram a efectiva continuidade entre os pequenos monólitos,certamente calcolíticos, acima referidos, onde a representação da figurahumana era simplificada, com nítida valorização da face, algumas comtoucado (ou panejamento, cobrindo a cabeça?) e as estelas do Bronze Final,representando a totalidade da figura humana, embora conservando, dasanteriores, uma das características mais relevantes, o aludido toucado.

No sul de Portugal, foi invocada a transformação de alguns menires doscromeleques neolíticos dos Almendres ou da Portela de Mogos (Évora) emestátuas-menir, de que se conhecem treze exemplares, dos cerca quarentamenires que constituíam originalmente o santuário neolítico (Gomes, 1997),acompanhada de representação da face, com olhos, nariz e, mais raramente,boca, com "enormes lúnulas sobre o peito" (Gomes, 2002, p. 172), nalgunscasos e segundo o citado arqueólogo, com seios, cintos e outros adereços,provavelmente remontando ao Calcolítico (tenha-se presente a importânciadas lúnulas nessa época, como objecto de carácter simbólico, conforme foianteriormente referido). Seria interessante poder relacionar estas estátuas-menires com as supra referidas, todas situadas a norte do Tejo.

Os monólitos designados por estátuas-menires, por possuirem contornorecortado, ao contrário dos exemplares acabados de estudar, acantonam-seno norte do País, mas possuem nítidas afinidades mediterrâneas, assinaladaspelos diversos autores que os estudaram: os mais importantes são o exemplarda serra da Boulhosa (Alto-Minho), publicado por J. Leite de Vasconcelos(Vasconcelos, 1910), com cabeça triangular fusiforme bem marcada, separadados ombros, possuindo atributos idênticos a exemplares do grupo anterior,como o que aparenta ser um colar de várias voltas, sobre o peito, na partefrontal do monólito; a estátua-menir da Ermida (Ponte da Barca), de carácterfeminino (Baptista, 1983), com a representação esquemática da cara e dosseios; a estátua-menir de Faiões (Chaves), com o esboço dos braços,faltando-lhe a cabeça, mas possuindo também a representação de um colarde várias voltas (Almeida & Jorge, 1979); a estátua-menir de Chaves,igualmente munida de um colar recolhida no leito do Tâmega, reaproveitadana Idade do Bronze; o exemplar de Bouça (Mirandela); e a estátua-menir deAtaúdes (Figueira de Castelo Rodrigo), recentemente descoberta (Vilaça et

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al., 2001). Tal como os exemplares do grupo anterior, também estes, ocorremdescontextualizados, dificultando a atribuição, não só da respectivacronologia, mas também dos correspondentes significado e funcionalidade.O facto de se encontrarem frequentemente próximo de linhas de água, poderáestar relacionado com o uso das correspondentes vias de circulação, fluviaisou terrestres, sacralizando-as ou, simplesmente, servindo de marcos de deli-mitação territorial, correspondentes a determinada comunidade, seminviabilizar a hipótese funerária, uma vez que nalguns casos se encontraramjunto a caminhos antigos (Faiões, Ataúdes).

Os monólitos de Faiões (fálico), de Chaves, de Bouça e de Ataúdes, têm emcomum a existência de um objecto de contorno rectangular, com os ladosmaiores ligeiramente côncavos, ocupando uma das faces maiores, certamenteinsígnia relacionada com as funções desem-penhadas pelas personagensmasculinas que representam. Tal é a conclusão óbvia decorrente darepresentação de armas (espadas e adagas ou punhais), suspensas de cinturõesnos exemplares de Chaves e de Faiões. Ocorrem, por vezes, covinhas e podo-morfos, acompanhados de circunferências. Em trabalho de conjunto, taismonólitos foram atribuídos ao Bronze Final (Jorge, 1999). Porém, o achadode Ataúdes, veio possibilitar a revisão das ditas peças, situando, pelo menosesta, não no Bronze Final, mas no Bronze Pleno, como é indicado pelatipologia da espada, suspensa por correias (Vilaça et al., 2001). Aliás,anteriormente, tinham sido apontados paralelos do Bronze Pleno da Córsega,para a estátua-menir de Chaves, com cabeça bem individualizada por largosulco, com os quais, de facto, exibe nítidas afinidades (Grosjean, 1967). Esteexemplar tem, também paralelos muito próximos em duas ocorrências daprovíncia de Salamanca, não se rejeitando, por outro lado, o estabelecimento deanalogias entre a tipologia destas espadas e as representadas nas estelas alente-janas do Bronze Pleno (Bronze do Sudoeste), adiante referidas, das quaisseriam coevas. É, pois, defensável, para estes monólitos, a atribuição de umacronologia de meados ou inícios da segunda metade do II milénio a. C.,sucedendo aos exemplares diademados calcolíticos, cuja tendência paraevoluírem, de pequenos menires, para verdadeiras estelas, parece evidente.O facto de estas estátuas-menires representarem, quase sempre, personagensarmadas, parece indicar um reforço do poder corporizado por um indivíduoou grupo de indivíduos, chefes guerreiros, cuja representação pétrea, aser colocada em locais estratégicos, poderia simbolizar uma marca identitáriada posse por parte de uma determinada comunidade, de um territóriobem delimitado, sendo, ao mesmo tempo, expressão da respectiva coesãosocial.

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17. O Bronze Pleno

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Este capítulo é dedicado às manifestações do Bronze Pleno no territórioportuguês. Esta designação carece de precisão: com efeito, há muito que severificou que o clássico faseamento tripartido da Idade do Bronze da EuropaOcidental dificilmente se aplicaria ao Ocidente peninsular. Admitindo que aetapa inicial da Idade do Bronze, o Bronze Inicial, é caracterizada porelementos de forte tradição campaniforme, como os referidos no final docapítulo anterior – trata-se das manifestações integradas nos chamados"Horizonte de Montelavar" e "Horizonte de Ferradeira", situáveis nos últimosdois séculos do III milénio a. C. – ao Bronze Pleno (que não tem exactamenteo mesmo significado de Médio, porque com o adjectivo "Pleno" o que sepretende significar é que é só nesta etapa que se manifesta a metalurgia dobronze), corresponderiam manifestações que abarcam, cronologicamente,toda a primeira metade do II milénio a. C., prolongando-se até aos inícios doséculo XIII a. C., altura em que se verifica a emergência do Bronze Final noterritório português.

17.1 Alentejo e Algarve: o Bronze do Sudoeste

O sul do País encontrava-se, nos inícios do II milénio a. C., em processo derápida diferenciação social: porém, tal como já se observava no final doCalcolítico, os povoados permaneceram na "penumbra", consequência de umnovo sistema de produção então adoptado e não de qualquer desarticulaçãoda estrutura social, a qual, como se viu, parece, ao contrário, ter-sepaulatinamente reforçado e diferenciado.

Na primeira fase do Bronze do Sudoeste (=Bronze I do Sudoeste), cujo limiteinferior remonta ao começo do II milénio a. C., atingindo o limite mais recenteos inícios da segunda metade do referido milénio, observa-se a emergênciade necrópoles de cistas individuais de inumação, agregadas em conjuntoscomplexos, com o cadáver em posição fetal, em decúbito lateral. A fase maisantiga dessas necrópoles, que abarcam o Alto Alentejo, o Baixo Alentejo e oAlgarve, é exemplificada pela necrópole de Atalaia (Ourique), cuja organizaçãointerna é evidente, desenvolvendo-se as cistas mais tardias em torno de umacentral, de maiores dimensões, a do "fundador" (Schubart, 1964, 1965).

Idêntica organização é ainda observável nas necrópoles mais tardias, emborade características arquitectónicas distintas (do Bronze II do Sudoeste), comoa de Provença (Sines), ou a de Santa Vitória (Beja), nas quais o ritual funerárioé semelhante ao anterior. Indícios de uma maior modernidade destas últimas,face às do Bronze I do Sudoeste, é o facto de alguns dos seus materiaiscerâmicos não se encontrarem presentes nas necrópoles mais antigas, comoas taças de tipo "Santa Vitória", ou os vasos bojudos ("garrafas"), com cuidadas

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decorações gomadas em relevo, no bojo. Trata-se de produções cerâmicas,onde as decorações incisas e caneladas se associam às decorações plásticas,em recipientes com as superfícies regularizadas por brunimento, que lhesconferiu frequentemente aspecto brilhante e toque quase metálico.

Ao nível das estruturas tumulares, nota-se que os contornos dos recintosenvolventes das cistas, anteriormente circulares, passam a sub-rectangulares;é o caso das necrópoles de Provença e de Quitéria, Sines (Silva & Soares,1981). Na necrópole de Alfarrobeira, São Bartolomeu de Messines, foipossível delinear a evolução arquitectónica da necrópole, a partir de umacista delimitada por murete de contorno sub-rectangular, a qual, apesar deser a mais antiga, manteve sempre uma posição periférica face ao conjuntoulteriormente construído, por adossamentos sucessivos (Gomes, 1994, Fig. 50).Na necrópole de Corte Cabreira, Aljezur, na zona central da necrópole,implantava-se um recinto ritual, na adjacência do qual se encontrava a sepul-tura mais importante. Os restantes túmulos distribuíam-se em seu redor, em espaçoscompartimentados, também de planta sub-rectangular (Gamito, 1997).

Noutras necrópoles, frequentes no Algarve, de Monchique a Vila Real deSanto António e Castro Marim, as cistas eram não só desprovidas de recintosperiféricos, mas também de tumuli, os quais, nos casos anteriores, eram poraqueles delimitados, evidenciando distribuição aleatória, sendo difícil, oumesmo impossível, com base nas respectivas plantas, determinar a ordemsequencial da construção das cistas, via de regra de plantas sub-rectangulares,definidas por quatro ortóstatos. São exemplos, as necrópoles de Alcaria ePereiro, Monchique, Vinha do Casão, Loulé, e Corte do Guadiana, Eira daEstrada e Cerro dos Corveiros, Castro Marim. A necrópole de Soalheironas,Alcoutim, explorada em 2005 e ainda não publicada (escavações do signatário,em colaboração com Alexandra Gradim), exemplifica interessante adaptaçãoda disposição das sepulturas às condicionantes topográficas, já que aquelasse desenvolvem, em número de mais de uma trintena, no topo de crista xistosa,estreita e alongada, dispondo-se em alinhamento quase contínuo.

Na referida região, detectaram-se curiosos rituais funerários: assim, nanecrópole de Alcaria do Pocinho (Vila Real de Santo António), Estácio daVeiga (Veiga, 1891, Est. XI, XIII) recolheu um crânio deposto em taçacarenada, indício de que aquele foi separado do corpo por decapitação, ou,mais provavelmente, após a redução daquele ao esqueleto. Outro dos rituaisque parece ter tido assinalável distribuição, já que foi registado na necrópolede Talho do Chaparrinho, Serpa (Soares, 1994) e na de Alfarrobeira, SãoBartolomeu de Messines, consiste na deposição de terras oriundas dospovoados nas coberturas tumulares; tal prática é, com efeito, indicada nosdois casos referidos – a que certamente muitos outros se poderiam somar,caso tivesse havido a análise das terras dos tumuli – pela existência depequenos fragmentos de cerâmica, com fracturas antigas, denunciando aquela

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origem (Cardoso, 1994). Ainda outra prática ritual, observada na sepulturada Herdade do Montinho, Vale de Vargo, Serpa, consistiu naimpermeabilização da cista por matéria gordurosa, extraída possivelmentede suínos, conforme demonstrou a análise das terras adjacentes porespectrometria de infravermelhos por cromatografia em fase gasosa (Ribeiro& Soares, 1991). Na necrópole de cistas dos Bugalhos, Serpa, foramexploradas duas sepulturas, uma relacionada com tumulação feminina, sendoa outra destinada a cadáver masculino, como é sugerido pelo espólio, queincluía dois pequenos punhais de cobre. A escavação permitiu confirmar oque já em outras necrópoles de cistas se tinha observado: o interior das caixastumulares não era preenchido por terra; assim se explica a presença deincrustações sedimentares que cobriam a superfície das peças, bem como aexistência de dois recipientes fragmentados na cista 2, devido à queda datampa no interior da sepultura. É provável que estas duas sepulturasconstituíssem a totalidade do conjunto original: com efeito, ao contrário doobservado noutras regiões do Baixo Alentejo e do Algarve, na região doGuadiana são frequentes as sepulturas isoladas ou quase, como é o caso. Acista 2 forneceu, ainda, um fragmento de tecido de linho, o qual, depois dedatado por radiocarbono, forneceu o seguinte intervalo, para 2 sigma,correspondente a cerca de 95 % de confiança: 1880-1672 a. C. (Soares, 2000).Este resultado indica que a necrópole deverá pertencer à transição do BronzeI para o Bronze II do Sudoeste. Com efeito, com base nas datas deradiocarbono já conhecidas, pode propor-se para a fase inicial do Bronze doSudoeste (o designado Bronze I do Sudoeste) uma cronologia entre ca. 2100/2000 e 1700/1600 a. C., data do início do Bronze II do Sudoeste, caracterizadonão só por produções cerâmicas mais finas, como as atrás referidas, mastambém pelo aparecimento das ditas tampas insculturadas e estelas decoradas,ditas de "tipo Alentejano", adiante descritas.

Uma das necrópoles do Bronze do Sudoeste mais setentrionais do BaixoAlentejo é a de Vale de Carvalho, Alcácer do Sal, constituída por pelo menosquatro núcleos, geograficamente distintos, talvez correspondentes cada umdeles a apenas uma cista. Do ponto de vista tipológico, os materiais indicamo Bronze I do Sudoeste, ocorrendo um punhal de rebites, uma alabarda ediversos vasos fechados, de carena baixa e munidos de pequenas asas,frequentes em necrópoles coevas, com excepção de um deles, que ostentacuriosa decoração, constituída por mamilos na carena e por longas canelurasverticais no bojo, organizadas em métopas (Arruda et al., 1980).

No Alto Alentejo, ocorrem diversas necrópoles do Bronze do Sudoeste,inventariadas por H. Shubart (Schubart, 1975), às quais raramentecorrespondem núcleos significativos. Uma das mais expressivas esetentrionais é a da Herdade do Peral, Évora (Ferreira & Almeida, 1971),constituída por quatro cistas, com abundante espólio, entre o qual se destacam

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taças de carena angulosa, de tipo Santa Vitória, garrafas de colo estranguladocom decoração de gomos, ou constituída por caneluras verticais, e outrosrecipientes, como taças em calote e vasos altos. Entre os objectos metálicos,destaca-se a presença de punhais, de uma faca curva e de um remate deempunhadura de punhal, de cobre, comparável a objecto idêntico, mas depedra polida encontrado numa das cistas de Vale de Carvalho. Pelascaracterísticas evoluídas do espólio, esta necrópole insere-se no Bronze IIdo Sudoeste, a que pertencem as mais ricas de espólio, caso das necrópolesde Medarra, Aljustrel e de Farrobo, Vidigueira (Schubart, 1974).

As influências argáricas directas são evidentes, mas raras (patentes na sepultura deBelmeque, Serpa) e os conjuntos metálicos respectivos evocam nítidas influênciasmediterrânicas, representadas em particular pelos abundantes punhais de rebites.A sepultura de Belmeque, Almodôvar (Schubart, 1974, Fig. 1), corresponde a umtipo muito peculiar, sem outros paralelos no território português, condizente comas características argáricas do respectivo espólio. Trata-se de uma pequena grutaartificial escavada em talude de calcários brandos, cuja entrada se encontrava seladapor uma laje colocada de cutelo. No interior, inumaram-se dois adultos, um dosquais do sexo masculino. A ausência de ossos do crânio, faz supor que ambosteriam sido decapitados em vida ou depois da morte, eventualmente utilizadoscomo relíquias, ou colocadas noutro depósito ritual, com paralelos em necrópoledo sotavento algarvio, a que anteriormente se fez referência. Identificaram-se,também, dois rádios e dois cúbitos esquerdo de bovídeo, sem dúvida oferendasrituais de carne, também sem paralelos em outras sepulturas da mesma época. Aexcepcional riqueza do espólio de Belmeque atesta a importância dos indivíduosali sepultados. Recolheu-se um recipiente finamente decorado por brunimento,único no seu género; no concernente ao espólio metálico, sublinha-se a existênciade uma faca de bronze com rebites de electrum, e dois punhais com rebites deprata, sendo um de cobre e outro de bronze, além de numerosas aplicações de prata(tachas), as quais se encontrariam aplicadas na indumentária envergada por umaou ambas as personagens ali tumuladas (cinturões?). É de sublinhar a presença dasduas peças de bronze, a atestar que a metalurgia desta liga ter-se-á iniciado, no sulpeninsular – pese embora nada indicar que sejam peças de fabrico local, bem aocontrário – no Bronze Pleno, tal como o verificado no Norte do actual territórioportuguês.

A riqueza evidenciada pela sepultura de Belmeque contrasta com a realidadegeralmente observada nas necrópoles coevas baixo-alentejanas; nelas, oespólio mais rico (os objectos metálicos, quase sempre punhais, podem nãoestar exclusivamente circunscritos às personagens masculinas) sugere, embora

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de forma pouco marcada, a existência de diferenciação social, na sequênciada emergência de um segmento guerreiro observado desde o campaniforme.É também deste modo – recorrendo à existência de diferenciações sociaisintracomunitárias – que se podem interpretar as chamadas "estelasalentejanas", com representação de armas, avultando espadas, punhais emachados, nalguns casos de nítida raiz mediterrânica, cobrindo algumas dascistas, ou mantendo-se ao alto, junto à cabeceira, pertencentes, naturalmente,às personagens de maior destaque.

As espadas podem mesmo reportar-se, segundo alguns autores, a protótiposmicénicos, como a representada na estela de Assento (Santa Vitória, Beja),a qual inclui um machado de encabamento vertical, munido de alvado,também com paralelos orientais (Almagro, 1966, Fig. 31). Merecemreferência própria uma série de símbolos ou peças não identificadas, masligados ao exercício do poder: é o caso dos ancoriformes, simples ou duplos,presentes em diversas estelas insculturadas. Tais símbolos, de que se nãoconhecem exemplares reais, fossem de osso, de madeira ou de outra substânciaperecível, encontram-se associados, frequentemente, a espadas, reforçandoa posição de destaque do correspondente inumado na estrutura social: talassociação encontra-se exemplarmente expressa, entre muitos outrosexemplos, nas estelas de Pedreirinha e de Assento, na da Herdade da Defesa,Santiago do Cacém e na de Santa Vitória, Beja. Tais símbolos ocorrem tambémem monólitos que teriam seguramente colocação vertical no terreno,associados inquestionavelmente a necrópoles, como é o caso do exemplar danecrópole de Alfarrobeira, São Bartolomeu de Messines. Trata-se de umaverdadeira estela de arenito fino vermelho de origem local, figurando nocentro da face principal, ao alto, por gravação, um grande ancoriforme comas usuais "correias" de suspensão. Outra estela, igualmente de arenitovermelho, provém de Passadeiras, necrópole de cistas situada também noconcelho de Silves. Uma vez mais, a face com maior destaque apresenta, aocentro, e ao alto, um ancoriforme, ladeado, nas duas faces menores,respectivamente, pela repre-sentação de uma espada, em relevo, e de umaalabarda, por gravação (Gomes, 1994, Figs. 57-60). Aliás, o costume de erigirestelas junto às cistas era já uma realidade na cultura argárica, como severificou no local epónimo de El Argar (Risch & Schubart, 1991).

As espadas insculturadas nas chamadas "estelas alentejanas", já que, comose referiu, podem constituir, pelo formato tabular, tampas de sepulturascistóides, foram objecto de um trabalho de conjunto de M. Almagro Gorbea,nas quais inventariou 10 exemplares (Almagro-Gorbea, 1972). De um modogeral, estas representações obedecem a um modelo único, com uma folhalonga triangular, grosso encabamento arredondado, com punho cilín-drico,rematado por pomos torneados ou esferoidais. A forte concentração darepresentação de espadas no Bronze do Sudoeste, a despeito da raridade dos

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protótipos correspondentes, é indício da importância do segmento guerreiro,no seio da sociedade de então, e da forte influência mediterrânica, já que taisexemplares possuem estreitos paralelos em espadas da região de El Argar, oque se explica dada a posição geográfica meridional do Baixo Alentejo e doAlgarve. Aliás, a espada argária de Fuente Álamo, Almería, também do tipoII, apareceu associada a oito contas de vidro segmentadas azuis, verdes ebrancas, produzidas entre 1450 e 1400 a. C., sendo indícios de influênciasdo Mediterrâneo Oriental; tais contas possuem paralelos nas contas de pastavítrea, azuis e amarelas, da necrópole do Bronze do Sudoeste de Atalaia(Ourique).

As alabardas são também armas de aparato que surgem em tampas desepulturas (para além da estela coeva de Passadeiras, Silves, já referida, é demencionar a estela de Assento, Beja e a de São João de Negrilhos, Aljustrel,ambas representadas por M. Almagro (Almagro, 1966), entre outras. Parece,pelas representações aludidas, que se encontram presentes diversos tipos dealabardas, incluindo o "tipo Montejícar", presente em El Argar.

Em resumo, no decurso do Bronze do Sudoeste, as necrópoles colectivasevoluem arquitectonicamente (as plantas dos recintos colectivos tornam-sepreferencialmente quadrangulares), acompanhando a diversidade dosespólios, mas mantendo a metalurgia a tradição calcolítica do cobre arsenical.É o caso, tanto dos punhais, como das alabardas, entre outras raras peçasmetálicas. Parece, por outro lado, acentuar-se a influência culturalmediterrânea, na passagem da Fase I à Fase II do Bronze do Sudoeste.

As comunidades que tumulavam os seus mortos nas necrópoles mencionadas,viviam em povoados abertos, não destacados na paisagem, como o povoadodo Pessegueiro (Sines), ao lado do qual se desenvolveu a respectiva necrópole.Ali se reconheceu uma única cabana, de planta rectangular, feita de materiaisperecíveis, salvo o respectivo embasamento, que era constituído por alvenariamuito irregular (Silva & Soares, 1981).

Tais populações mantinham, desde a fase mais antiga do Bronze do Sudoeste,trocas comerciais com a região mediterrânea, susceptível de as abastecernão só de armas (que na generalidade dos casos seriam apenas copias locaisde protótipos forâneos), mas também de produtos exógenos de adorno: sóassim se compreende a já mencionada ocorrência de contas de pasta vítreana necrópole de Atalaia (Ourique) publicadas por H. Schubart (Schubart,1964, 1965, 1975), de origem provavelmente micénica, situáveis em meadosdo II milénio a. C., com paralelos na Baixa Andaluzia. De facto, além danecrópole de Fuente Álamo, Almería, no vale do Guadalquivir detectaram-setambém contas de pasta vítrea e materiais cerâmicos da mesma origem, apar de outras evidências, mais fortes, daquelas influências, que se faziamsentir ao nível da superestrutura religiosa das elites, aculturadas a modelos

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orientais: é o que se deduz da existência de altares de "cornos" naquela região(Cruz, 1992). Com efeito, os artefactos cerâmicos ali encontrados, publicadospelo referido autor, possuem origem comprovada na região de Micenas –Berbati, e datam seguramente de entre finais do século XIV a meados doséculo XIII a. C. Seriam, pois, as primeiras provas peninsulares directas daimportação de produtos orientais de origem rigorosamente determinada,antecedentes imediatos das produções fenícias, só generalizadas na PenínsulaIbérica a partir do século IX a. C.

Apesar da importação de tais produtos exógenos, aliás circunscrita, nada háque aponte para desafogo económico destas comunidades: com efeito, peçasde joalharia em ouro, cuja existência no período anterior é conhecida, faltamquase completamente no Bronze do Sudoeste. Uma das excepções éconstituída pelo diadema de ouro batido com decoração de repuxado ao longodos bordos laterais, recolhido em sepultura da Herdade do Sardoninho,Aljustrel, acompanhado de um punhal, cujo pomo e guarda eram também deouro. A tipologia destas duas peças remete para o final do Bronze do Sudoeste(Armbruster & Parreira, 1993, p. 48, 214).

A excepção constituída pelas aludidas peças – que se somam às exumadasna já mencionada sepultura de Belmeque – mostra que as populações destaépoca tinham essencialmente uma economia de subsistência, vivendosobretudo da agro-pastorícia, praticada em pequenos povoados abertos. Élícito admitir uma organização social não muito diferente da vigente noperíodo campaniforme, com a existência de elementos mais destacados(guerreiros) no seio destas pequenas comunidades de base familiar,interagindo num sistema em "mosaico" com mútuas influências exercidaspor "osmose", mantendo-se independentes entre si, e dirigidas por chefeslocais. No Sul, ainda não se identificou nenhum povoado de altura do BronzePleno. São, porém, bem conhecidos na Andaluzia Ocidental, onde a culturado Bronze do Sudoeste também se estendeu. Importa, no entanto, sublinharque a sua presença não é indispensável ao modelo sócio-cultural proposto,em estreita continuidade com o do Calcolítico Final/Bronze Antigo. Em certamedida, é um tempo de não fortificação, mediado entre o Calcolítico e oBronze Final.

As comunidades que enterravam nas aludidas necrópoles os seus mortosbaseariam o seu quotidiano numa estrutura social do tipo "chefado",encabeçada por chefes guerreiros, como facilmente se conclui da importânciaconferida às armas, nas estelas insculturadas dos seus sepulcros. Esta realidadedecorredirectamente da que nos derradeiros tempos calcolíticos e do BronzeInicial se vinha desenhando, com a emergência da panóplia bélicacampaniforme, e, como ela, talvez mais de ostentação do que de uso efectivo.A economia das populações do Bronze do Sudoeste, desenvolvida por estaspequenas comunidades, explorando activamente os recursos agro-pecuários

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é, igualmente, semelhante à daquelas que, no final do Calcolítico, ocuparamos mesmos territórios. Talvez mais do que então, se tenham desenvolvido aspequenas explorações mineiras do cobre nativo, então abundante, tanto emmineralizações limitadas do Algarve, algumas certamente já exploradas desdeo Calcolítico, como nos chamados "chapéus de ferro", ou "gossans", da faixapititosa, na zona de enriquecimento supergénico em cobre, ouro e prata nativa.Com efeito, desde o século XIX que se detectaram vestígios de mineraçãopré-históricos em diversas galerias de minas de cobre do Baixo Alentejo edo Algarve. É o caso dos comuns "martelos mineiros", feitos de seixos roladosde grande dureza, munidos de um sulco transversal mediano, mais ou menoscompleto e profundo, obtido por picotagem, destinado à fixação do cabo.Exemplares deste tipo de artefacto foram pela primeira vez noticiados emPortugal na mina de cobre de Rui Gomes, Moura (Costa, 1868) e, mais tarde,por Estácio da Veiga, em diversas minas de cobre do Algarve (Veiga, 1889,p. 41; 1891, p. 79). Nem sempre se pode garantir a cronologia destas peças,dada a sua sabida longevidade, praticamente sem modificações morfológicas;sem dúvida, as mais antigas remontam ao Calcolítico (Montero Ruiz, 2000,p. 54; Rothenberg et al., 1989), mas o seu uso prolongou-se provavelmentepara além do Bronze Final, abarcando, portanto, o período agora em discussão.A confirmar esta realidade, em Fuente Álamo, Almería, povoado de épocaargárica (Bronze Pleno), recolheram-se martelos idênticos. Com efeito, acomposição química das produções metálicas do Bronze Pleno, por via deregra, são cobres arsenicais, como os calcolíticos, e, tal como aqueles,seguramente de origem local ou regional (Alentejo e Algarve). Tal realidadeé conhecida desde o tempo de Estácio da Veiga, que foi quem primeiro tomoua iniciativa de submeter a análise química algumas das peças por si obtidasou estudadas. Entre estas, merecem destaque os machados planos de cobre,de gume peltado, que os diferencia dos seus antecessores calcolíticos, dosquais se recolheram exemplares em minas antigas, como as de Alte, do PicoAlto e de Santo Estêvão, no barlavento algarvio (Veiga, 1891), entre muitasoutras. Nalguns casos, a própria presença das minas terá determinado opovoamento da região adjacente, como expressivamente é registado porEstácio da Veiga (Veiga, 1891, p. 82). Referindo-se à existência de diversossítios com cistas da região de S. Bartolomeu de Messines, declara: "Cadauma d´estas necropoles corresponde certamente a um logar povoado, e note-se que todos devem ter ficado a curta distancia da mina de cobre do Pico Alto(...). Foi mui provavelmente esta mina que attrahia a tão agreste escampadoaquella gente n´uma epocha ou idade em que os mortos tinham por abrigouma caixas quadrangulares de lages toscas (...)." A relativa riquezaproporcionada pela metalurgia do cobre, terá justificado a ténue diferenciaçãosocial existente em cada uma daquelas comunidades, em geral de reduzidasdimensões, conclusão que é, aliás, sublinhada pelo em geral escasso númerode sepulturas que integram cada necrópole. No entanto, a emergência depovoados de altura, que é sem dúvida uma expressão da tendência para a

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diferenciação social no interior de cada uma das comunidades aludidas, ter-se-ia iniciado ainda no final do Bronze do Sudoeste: tal realidade encontrar-se-ia comprovada pelos fragmentos de taças de "tipo Santa Vitória", recolhidosno castro de Azougada, Moura (Gamito, 1997, p. 231). Tal hipótese, aliás jáhavia sido anteriormente admitida por J. Soares e C. Tavares da Silva, aodeclararem que "A ausência de rupturas na transição Bronze Médio-BronzeFinal permite colocar a hipótese de a fundação de pelo menos alguns dosgrandes povoados fortificados do Sul de Portugal, genericamente consideradosdo Bronze Final, remontarem ao Bronze Médio" (Silva & Soares, 1995,p. 138).

A cronologia do Bronze do Sudoeste, no quadro das sequências culturais doSudoeste peninsular, conheceu uma profunda modificação desde o trabalhode síntese de H. Schubart, de 1975. Com efeito, as datações de radiocarbonoefectuadas ulteriormente, vieram situar, tanto em Espanha como em Portugal,a primeira fase desta Cultura ao longo de toda a primeira metade do II milénioa. C. Como atrás se disse, em Portugal, esta cronologia foi recentementeconfirmada pela datação de radiocarbono de alta precisão de fibras delinho, correspondentes a tecido encontrado numa cista da necrópole deBugalhos, Serpa.

A fase mais tardia (II) do Bronze do Sudoeste, com base nos elementoscronométricos publicados por J. Soares e C. Tavares da Silva (Soares & Silva,1995), situa-se na viragem da primeira para a segunda metade doII milénio a. C. (Belmeque: 1630-1400 a. C.; sep. 16 do monumento II doPessegueiro: 1679-1442 a. C., ambos os resultados para 95 % deprobabilidade).

Trata-se, pois, de uma cultura do Bronze Pleno, que antecedeu asmanifestações do Bronze Final, ao contrário do admitido por H. Schubartem 1975; neste contexto, as estelas ou tampas de sepulturas insculturas decistas e as estelas, decoradas com idênticos motivos, teriam surgido logo nosinícios do Bronze II do Sudoeste, prolongando-se, com outra iconografia,pelo Bronze Final. Uma vez mais, é a continuidade, sem rupturas bruscas,ou evidenciadas pela Arqueologia, que transparece do registo materialdisponível.

Merece referência a possível existência de depósitos rituais de peças metálicasno Bronze do Sudoeste, à semelhança do que é conhecido, pela mesma época,no norte do País: é o caso do conjunto de dez alabardas agrupadas, encontradona região de Cano, Sousel, cujas condições de jazida se desconhecem(Carreira, 1996). A morfologia convexa e rebitada da zona de encabamento,confere a tais peças cunho argárico sugestivo; o paralelo mais próximocorresponde à alabarda (ou punhal?) da necrópole de Vale de Carvalho, jáanteriormente referida (Schubart, 1975, Tf. 41, n.º 438).

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17.2 Estremadura

A densa ocupação humana da Baixa Estremadura, representada nos primeirostempos da Idade do Bronze pelas derradeiras cerâmicas campaniformes deestilos locais, contrasta com a pobreza do registo arqueológico conhecidorelativo ao Bronze Pleno (Cardoso, 1999/2000 b). Parece observar-seum "apagamento" na paisagem dos povoados, talvez em consequência demenor estabilidade demográfica: à imponência das fortificações calcolíticas,construídas em altura e feitas para serem vistas, sucede-se um povoamentodiscreto, dificilmente identificável no terreno. Esta realidade poderá, ser oreflexo de uma efectiva quebra demográfica, talvez devida à degradaçãoclimática observada no decurso da primeira metade do II milénio a. C. Comefeito, nessa época, foi observada, no fértil vale do Guadalquivir, evoluçãoclimática no sentido de maior aridez (Caro, 1989), invocada para explicarsituação análoga à verificada na Baixa Estremadura. Seja como for, osescassos exemplos conhecidos de povoados estremenhos com ocupaçõesrestritas do Bronze Pleno, embora denunciem o já referido "apagamento"paisagístico, mostram uma assinalável diversidade de implantações topo-gráficas; além disso, todos exibem provas de ocupações estáveis e perma-nentes, fornecidas, por exemplo, pela presença de restos de grandes bovídeose de suídeos domésticos, além de evidenciarem uma componente agrícolaimportante, dada a sua proximidade – por certo não acidental – de solos deboa aptidão para tal actividade.

As descobertas de sítios habitados na Estremadura datam quase todas dadécada de 1990, o que evidencia, por um lado, o notável surto de trabalhosde campo, nesta como em outras regiões do país, e, por outro, o muito queainda falta descobrir e investigar. É o caso do povoado de Agroal, Vila Novade Ourém, em encosta que nada distingue da paisagem envolvente, dominandoo Nabão (Lillios, 1993), e onde as formas cerâmicas, todas lisas, incluem:vasos carenados; vasos tronco-cónicos; vasos de colo estrangulado; e vasosde paredes rectas. Duas datas de radiocarbono, depois de calibradas para umintervalo de confiança de cerca de 95 %, correspondem à primeira metadedo II milénio a. C. O povoado do Casal da Torre, Torres Novas (Carvalho etal., 1999), jaz sob quase dois metros de sedimentos, no fundo de uma discretadepressão da Serra d´Aire. O importante conjunto cerâmico ali recolhido,quase sem elementos decorados, inclui essencialmente vasos esféricos, comcolo, e com bases planas. Tal como o anterior, recolheram-se indícios quesugerem um povoado permanente, vocacionado para uma economiaagro-pastoril que, afinal, corresponde a uma realidade em evidentecontinuidade da já conhecida no final do Calcolítico e no Bronze Inicial,aquando da eclosão de numerosos pequenos sítios abertos, já anteriormentecaracterizados.

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Na Baixa Estremadura, o povoado do Catujal, Loures (Cardoso & Carreira,1993; Carreira, 1997) é exemplo (até agora único) de um povoado do BrnzePleno, implantado na extremidade de um esporão, limitado de ambos os ladospor vales profundamente entalhados, dominando, de cerca de 100 m dealtitude, o delta interior do Tejo. O sítio possui, deste modo, invulgarescondições naturais de defesa, de onde se descortinam vastos horizontes paraSul. Tal como os dois sítios anteriores, os restos faunísticos identificadosconferem-lhe características de ocupação permanente. Infelizmente, o sítiofoi quase totalmente destruído em 1982; os materiais que dele se conhecemresultaram de recolhas à superfície e em corte estratigráfico, o qual indicavaapenas uma única ocupação arqueológica, confirmada pela coerênciatipológica dos materiais exumados. A par de recipientes de dimensões médiasa grandes, destinados ao armazenamento, ocorrem recipientes de menoresdimensões, de evidente filiação no Bronze Pleno do Sudoeste, representados,entre outros, por taças de tipo Santa Vitória e vasos ("garrafas") de coloapertado, com decoração de nervuras verticais no bojo. O paralelo maispróximo, na falta de outros, corresponde ao povoado aberto do Pessegueiro,Sines, adjacente à necrópole do Bronze do Sudoeste do mesmo nome, apesardeste se implantar em espaço plano, e não no topo de plataforma, como oCatujal. Uma data de radiocarbono, efectuada em ossos humanos daliprovenientes, deu o resultado, a dois sigma de 1679-1442 a. C., comintersecção na curva de calibração, em 1526 a. C. Comparado com este, oresultado obtido no Catujal, em ossos de animais domésticos, com recurso àmesma curva de calibração (Stuiver & Reimer, 1993), é mais antigo:2028-1752 a. C., com intersecção em 1892 a. C. (Cardoso, 1994). Esteresultado indica cronologia recuada para o Bronze Pleno regional, por certocorrespondente a época em que as cerâmicas campaniformes já não faziamparte dos espólios da região, como se pode concluir pelas características doespólio cerâmico de Catujal. Com efeito, as cerâmicas campaniformes teriamdeixado de ser fabricadas na Estremadura cerca de 2300 a. C. (Cardoso &Soares, 1990/1992). Outra conclusão a reter é a da maior antiguidade dastaças de tipo Santa Vitória, até agora utilizadas como "fóssil director" para afase mais tardia daquela Cultura, o Bronze II do Sudoeste.

As evidentes afinidades culturais do Bronze Pleno da Baixa Estremadura,com o Bronze do Sudoeste, de que se poderá considerar a sua extensão maissetentrional, têm também expressão em materiais esparsos que, ao longodos tempos, foram sendo assinalados na região: uma taça da Lapa do Suão,Bombarral, do tipo Santa Vitória (Spindler, 1981); um vaso de colo apertadoe decoração de gomos (de uma sepultura) do povoado calcolítico da Pedrade Ouro, Alenquer, associada a vários recipientes lisos (Paço, 1966; Leisner& Schubart, 1966, Abb. 11); outro vaso, tetramamilado na carena, oriundode pequena lapa natural subjacente ao povoado calcolítico de Rotura, Setúbal(Carreira, 1998), afim de recipiente da necrópole vizinha necrópole em gruta

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da Lapa do Fumo, Sesimbra (Carreira, 1997, p. 140), têm evidentessemelhanças com exemplares do Bronze do Sudoeste. Tais afinidadesmeridionais e mediterrâneas, constituem expressão de uma realidade culturalque, até à publicação do povoado do Catujal, não tinha sido devidamentevalorizada.

Com efeito, tais ocorrências, mais do que intrusões esporádicas, evidenciamuma realidade cultural ainda longe de estar devidamente conhecida. Tambémalguns artefactos metálicos, com destaque para os punções losânguicos(alènes), considerados, no Languedoc, característicos do Bronze Inicial, ondesão particularmente abundantes, encontram-se também presentes em diversasestações estremenhas. J. R. Carreira (Carreira, 1994) inventariou ocorrênciasem: Vila Nova de São Pedro, Azambuja, povoado calcolítico que continuoua ser frequentado, embora de forma talvez descontínua e pouco marcada(cinco exemplares); povoado do Alto das Bocas (dois exemplares), Rio Maior;gruta da Casa da Moura, Óbidos (um exemplar); e Abrigo Grande das Bocas(quatro exemplares).

Tratam-se, invariavelmente, de peças de nítida filiação meridional, porém defabricos locais ou regionais, visto serem de cobres arsenicais, distintos dosexemplares do Sul da França, que são já de bronze: assim sendo, podeconcluir-se que a chegada de novos tipos artefactuais, já da Idade do Bronze,antecipou a introdução da respectiva metalurgia. No Bronze do Sudoeste,devem destacar-se dois exemplares, da necrópole do Monte Novo dosAlbardeiros, Reguengos de Monsaraz, ritualmente depostos no interior dedois recipientes (Gonçalves, 1988/1989, Figs. 12, 13).

Mais para o norte do território estremenho, as afinidades com o Bronze doSudoeste esbatem-se, como seria de esperar. É o que indica não apenas atipologia dos recipientes cerâmicos recolhidos nos povoados de Agroal e deCasal da Torre, mas também as inúmeras cerâmicas da mesma épocarecolhidas em grutas da região, utilizadas como necrópoles e/ou santuáriosrupestres. Com efeito, de há muito que ali se reconheceram cerâmicastradicionalmente inseridas tanto no Neolítico como no Calcolítico; só estudosrecentes vieram mostrar a sua individualidade cultural: é o caso de materiaisda Lapa do Suão, Bombarral (Carreira, 1997, p. 139); e da Lapa da Bugalheirae da gruta da nascente do Almonda, Torres Novas, entre outras (Carreira,1996a , 1996b).

Também a metalurgia do ouro se encontra no imediato prolongamento dasproduções calcolíticas; continuam a produzir-se espirais auríferas, encon-tradas, por vezes, encadeadas umas nas outras, surgindo, pela primeira vez,peças mais pesadas e maciças que as anteriores. É o caso das braceleteslisas, de secção circular, obtidas por fundição e ulterior martelagem. É a estegrupo de jóias, situadas no "Bronze Antigo e Médio" por A. Perea (Perea,

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1991, Fig. 3), que pertencem os dois exemplares de Atouguia da Baleia,Peniche e o exemplar de Bonabal, Torres Vedras, este último associado auma cadeia de oito espirais de ouro; em ambos os casos, trata-se de achadosfortuitos, produzidos, como é frequente, em locais incaracterísticos, nodecurso da lavra de campos agrícolas (Cardoso, 2004, p. 173).

As condições de jazida de tais peças, indica a sua intencional ocultação naterra, desprovidas aparentemente de outros artefactos acompanhantes. A serassim, tal realidade deve ser interpretada na esfera do simbólico, porém atravésde contornos que não são conhecidos: o traço comum e característico destesmateriais é, precisamente, a sua falta de contexto.

Mercê da sua posição geográfica, esta região encontrava-se também expostaaos primeiros influxos atlânticos – depois dos que presidiram à difusão doscampaniformes "marítimos" pela fachada atlântica europeia – documentadospela alabarda de Baútas, Amadora (Senna-Martinez, 1994 b), de tipo atlântico,com numerosos paralelos bretões. A sua composição, ainda de cobre arsenical,vem ilustrar expressivamente a manutenção da metalurgia do cobre no BronzePleno regional, na produção de novos tipos de artefactos, que reflectem oencontro de duas áreas culturais distintas – o Atlântico e o Mediterrâneo –aspecto que, doravante, constituirá um dos traços mais expressivos e ricos darealidade cultural da região, até ao final da Pré-História e muito para alémdele.

Outras produções metálicas merecem destaque: é o caso das adagas, aindade cobre, mas que diferem das suas antecedentes calcolíticas pelas maioresdimensões, e pelo modo de encabamento, que passa a ser assegurado porrebites, em vez da lingueta simples, característica daquelas. Um dos exemplosmas notáveis é a adaga de rebites, com a folha decorada de ambos os ladosao longo dos bordos laterais, recolhida na gruta das Redondas, que aindaconserva os três rebites e, perfeitamente marcado, como bem assinalouM. Vieira Natividade no correspondente desenho, os contornos do cabo(Natividade, 1899/1903, Est. XXVI, 220). Esta particularidade, presente emoutros tipos de punhais ou adagas, afasta a hipótese de esta peça correspondera uma alabarda. A sua ocorrência no interior de uma gruta, conjuntamentecom outros espólios metálicos de épocas anteriores ou coevos (adagas delingueta, machados planos e pontas Palmela evoluídas), faz crer que esta teráabrigado uma importante necrópole, no decurso do final do Calcolítico e noBronze Pleno, ou, em alternativa a um santuário, correspondendo, neste caso,tais objectos a depósitos rituais não funerários.

Outra adaga digna de registo, cujo encabamento era igualmente asseguradopor três rebites em pequena lingueta, provém da região de Óbidos (Cardoso,2002, Fig. 258) e constitui termo de transição entre as adagas de linguetasimples do final do Calcolítico e as adagas de rebites típicas do Bronze Pleno,

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já completamente desprovidas de lingueta. Não existem, pois, dúvidas quantoao aumento de importância da panóplia bélica no Bronze Pleno daEstremadura, correspondente em parte à evolução de tipos anteriores, e, emparte, à introdução de novos tipos (é o caso, já referido, da alabarda de Baútas).

A tardia introdução da metalurgia do Bronze no território português, cercade meados do II milénio a. C., com paralelos em outras áreas do sul peninsular,pode explicar-se, por um lado, pela forte tradição calcolítica regional,caracterizada por uma rica metalurgia do cobre arsenical; e, por outro, peladificuldade de obtenção do estanho, a partir das minas da Beira Interior e doNorte do País, cujas redes de abastecimento, no início do Bronze Pleno,ainda se não encontrariam devidamente organizadas. É provável, contudo,que esta situação estivesse em vias de evoluir rapidamente. Ainda no BronzePleno, alguns machados planos, descendentes imediatos dos seus antecessorescalcolíticos, revelaram tratar-se de verdadeiros bronzes. É o caso deexemplares recolhidos no povoado fortificado de Vila Nova de São Pedro,Azambuja (Paço, 1955; Paço & Arthur, 1956), com paralelos em outrasocorrências, em Amaral e no castro da Ota, Alenquer, bem como na grutasepulcral do Correio-Mor, Loures (Cardoso, 1999/2000, Fig. 18). Pode, pois,situar-se a introdução da metalurgia binária do bronze (liga de cobre eestanho), cerca de meados do II milénio a. C., no território português.

A propósito da tardia introdução da metalurgia do bronze na região, teminteresse referir que as características pontas de seta metálicas de espigão ebarbelas laterais, presentes na região em estudo, através de um ou maisexemplares nas seguintes estações: povoados fortificados calcolíticos de VilaNova de São Pedro, Azambuja (Jalhay & Paço, 1945) e do Zambujal, TorresVedras (Sangmeister, Schubart & Trindade, 1971); gruta funerária da Covada Moura, Torres Vedras (Spindler, 1981); dólmen do Alto da Toupeira, Loures(Leisner, 1965), são todas de cobre (Spindler, 1981), tal como as encontradasno Abrigo Grande das Bocas, Rio Maior (Carreira, 1994). Ao contrário, quatroexemplares, já seguramente do Bronze Final, de povoados do Sul da BeiraInterior, nas proximidades dos quais existe estanho (Vilaça, 1995), são já debronze. Esta realidade vem também em abono de uma progressiva utilizaçãodo bronze, neste caso suportada em tipo artefactual de evidente longevidade,com início seguro no Bronze Pleno, como é claramente indicado peloexemplar da necrópole da Vinha do Casão, de cobre (Gil, Guerra & Barreira,1986). Estas observações são concordantes com o verificado no resto doterritório peninsular: o atraso da utilização das ligas binárias bronzíferas foi,pelo menos, de dois séculos relativamente ao Ocidente Europeu, devido àincipiência da exploração mineira do estanho, acompanhada da sua escassadifusão para regiões onde este não existia. Tal situação explica a expansãoda utilização do bronze, na Península Ibérica de Norte para Sul, tendo apenaschegado ao Sudeste peninsular no fim do Bronze Pleno (Fernández-Miranda,

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Monteiro-Ruiz & Rovira Llorenz, 1995). Para tal terá também concorridouma pujante e diversificada metalurgia do cobre nesta última região,propiciada pela abundância de cobre, nativo ou sob a forma de carbonatoscupíferos.

Resumindo: no Bronze Pleno da Baixa Estremadura, correspondente a todaa primeira e inícios da segunda metade do II milénio a. C., entrevê-se umtipo de povoamento em que, recorrentemente, se aproveitavam antigos sítioscalcolíticos de altura, como Vila Nova de São Pedro e o Zambujal – talvezjamais abandonados em absoluto – ou pela primeira vez ocupados, como ode Catujal, a par da instalação de outros, dificilmente evidenciados, emterrenos de morfologia discreta; esta última realidade encontra expressão naAlta Estremadura, na região de Torres Novas e de Vila Nova de Ourém,respectivamente através dos povoados de Casal da Torre (Carvalho et al.,1999) e de Agroal (Lillios, 1993). Simultaneamente, a metalurgia do bronzedava os seus primeiros passos, mesclando-se, pela primeira vez de formanítida, influxos atlânticos e mediterrâneos, provados pela presença deartefactos metálicos característicos daqueles dois grandes domínios geográ-ficos. É esta realidade dual, tão bem representada na Estremadura, no decursodo Bronze Pleno, que se vai acentuar, no decurso do período seguinte, muitorico e diversificado, do ponto de vista cultural, na Baixa Estremadura: oBronze Final.

17.3 O centro interior e o norte

A investigação do povoamento do Bronze Pleno foi retomada com vigor apartir dos finais da década de 1970, ainda que os dados, como bem assinalamvários autores, sejam de momento insuficientes para o conheci-mento dassociedades dos inícios do II milénio a. C. na área em causa, não sendo aceitávela existência de lacuna de povoamento em tal época. Foi, contudo, naqueleespaço geográfico que, em território português, terão sido fabricados, pelaprimeira vez, artefactos de bronze. Trata-se de peças ainda de forte tradiçãocalcolítica, como os machados planos, mas de gumes mais peltados do queaqueles, obtidos por martelagem a partir de lingotes fundidos, designadospor machados tipo "Bujões/Barcelos". É interessante sublinhar que algunsdestes machados ocorrem em contextos de ocultação, prenunciando asocorrências do Bronze Final com idênticas características: é o caso doconjunto de Agro Velho (Montalegre), constituído por cinco machados,encontrados a pouca profundidade, na encosta da colina epónima (Teixeira& Fernandes, 1963); um dos machados encontrava-se ao alto e os restantesempilhados uns sobre os outros, disposição que não deixa dúvidas quanto à

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natureza intencional da ocultação, ficando porém por saber se com carácterritual ou não.

Tal como no Sul, as informações disponíveis respeitam mais às necrópoles,ocorrendo, de forma frequente, as reutilizações de grandes monumentosmegalíticos. Noutros casos, construiram-se sepulcros não megalíticos, osquais, tal como os povoados, são muito discretos na paisagem.

É neste contexto de evidente afirmação social, directamente herdado dosúltimos tempos calcolíticos, que se explica a distribuição das grandes folhasnervuradas de alabarda do "tipo Carrapatas", peças de afinidades irlandesas,que, à semelhança do verificado na Estremadura e sul do país, são aindafeitas de cobre arsenical: testemunham particularmente o crescente prestígioe importância da classe guerreira. Em Portugal, tais peças concentram-se naregião transmontana (onze exemplares), a que se junta o exemplar de Baútas(Amadora), já referido. O conjunto mais numeroso, constituído por quatroexemplares, encontrou-se acidentalmente ao lavrar um terreno, na serra deBornes, Vale Benfeito, Bragança (Bártholo, 1959). Estes exemplares integramum tipo de características muito homogéneas, cuja base ostenta dois arcoscôncavos de contorno desigual, separadas por uma parte convexa ocupandoa parte central, ao longo da qual se situam três orifícios destinados à fixaçãopor rebitagem. Outros dois exemplares, muito bem conservados, provêm deCarrapatas, Macedo de Cavaleiros, sem indicações de pormenor; e aindadois outros da base do morro onde se situa o castro do Cemitério dos Mouros,Mirandela, correspondente a uma possível ocultação (Jorge, 1995, p. 31).Enfim, ao abrir a Estrada Nacional que liga Vila Real a Vila Flor, mais doisexemplares foram recolhidos, escondidos na fenda de uma rocha que foinecessário desmontar. Esta realidade confere a estas peças, ao menos quandoas condições de achado são conhecidas, as características de ocultaçõesintencionais, à semelhança dos machados anteriormente estudados. Tal comoo primeiro exemplar a ser recolhido, proveniente do Alto das Pereiras, Vimioso(Delgado, 1889), sempre que se efectuaram análises é o cobre arsenical quecorresponde à matéria-prima utilizada, repetindo-se o que já na Estremadurase tinha observado: a introdução de novos tipos, neste caso, alabardas, denítida inspiração irlandesa, por certo de fabrico local, dada a evidentehomogeneidade e concentração dos achados no Nordeste Transmontano, nãofoi acompanhada pela tecnologia do bronze, entendida como liga bináriacom cerca de 10% de estanho e 90% de cobre. Tal como na Estremadura,continuou-se a fabricação de novos artefactos com as tecnologias herdadasdo Calcolítico. Deste modo, pode conceber-se um primeiro momento doBronze Pleno onde era ainda a metalurgia calcolítica a utilizada.

Aos artefactos referidos, poder-se-iam ainda juntar outros que confirmam talafirmação, como as espadas, representadas por exemplar de S. Bartolomeudo Mar (Esposende), do tipo Ia de M. Almagro-Gorbea: possuindo marcadoestrangulamento da lâmina perto da empunhadura, com fixação ao cabo por

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rebitagem, evidencia afinidades ao tipo bretão de Tréboul – St. Brandan (Jorge,1988). A este exemplar, poder-se-ia somar outro de tipologia diferente,proveniente de Castelo Bom (Beira Baixa), estudado por M. Almagro-Gorbea(Almagro-Gorbea, 1972), situável, tal como o anterior, em meados doII milénio a. C. mas, ao contrário daquele, denotando influências meridionais,especialmente da região argárica, no Levante espanhol. Assim sendo, atipologia das raras espadas do Bronze Pleno conhe-cidas em territórioportuguês, oriundas do centro do país, ainda de cobre arsenical, evocaminfluências a um tempo atlânticas e mediterrâneas, à semelhança do verificadoem outros grupos de artefactos metálicos, já atrás mencionados. Naturalmente,trata-se de peças de prestígio, as quais, ao con-trário das de uso corrente,teriam circulação geográfica alargada; assim sendo, peças idênticas poderiamfazer parte das panóplias de comunidades que, do ponto de vista cultural,poucas ou nenhumas afinidades teriam entre si.

Na região de Entre Douro e Minho, a metalurgia do bronze – dominada pelaprodução de machados planos, do tipo Bujões/Barcelos – ascenderá, tal comoem toda a área setentrional do território português, segundo Ana Bettencourt,ao segundo quartel do II milénio a. C. Dela foram detectados inequívocostestemunhos no povoado de Sola IIb, Braga, em nível de ocupação datadopelo radiocarbono entre os séculos XVII e XVI a. C. (Bettencourt, 2001,p. 14). Os altos teores de estanho destas primitivas produções bronzíferas,poderá ser o resultado de um ainda incipiente domínio da nova tecnologiametalúrgica, sem embargo de diversos machados planos, serem bronzes jáde elevada qualidade.

A cronologia apontada é compatível com elementos de datação absolutadisponíveis na Galiza, em Navarra e em Alicante. Ao mesmo tempo, ocorremjóias em ouro aluvionar. Tais jóias atestam, tal como as armas supracitadas,evidentes influências atlânticas: é o caso dos braceletes de ouro de Arnozela(Fafe) ou do bracelete aberto decorado de Corvilho (Santo Tirso).

Às peças auríferas referidas, podem somar-se as lúnulas e discos de Cabeceirasde Basto (Braga), também de nítida filiação atlântica (são evidentes as suasafinidades com exemplares irlandeses), para além de diversos braceletesmaciços e lisos, e cadeias de elementos helicoidais, conhecidos tanto noNorte como na Estremadura e no Sul, que documentam a fácil circulação debens de elevado valor intrínseco, que abasteciam as elites do Bronze Pleno ese prolongaram até ao Bronze Final. O prestígio dos chefes guerreiros,aparentemente transformados em personagens divinizadas encontra-seexpressivamente documentado pela estela de ongroiva, Meda (Guarda), aqual se junta às anteriormente referidas. Trata-se de monólito com cerca de2 m de altura, no qual se representa um chefe guerreiro fortemente armado,vestido com túnica até aos joelhos; do lado esquerdo, pode observar-se umarco e uma adaga; do lado direito, ostenta uma alabarda nervurada "tipoCarrapatas".

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Enquanto o sul testemunha a existência de ligações preferenciais aoMediterrâneo e o norte, como seria natural, revela contactos preferenciaiscom o mundo atlântico, certas peças de luxo circulavam muito para alémdestes vastos espaços culturais e geográficos. Esta realidade só poderáexplicar-se num contexto em que as populações, embora crescentementefixadas em territórios bem delimitados, mantinham múltiplas trocascomerciais entre si, de vasto âmbito transregional, através de corredoresprincipais de circulação, determinados por acidentes geomorfológicos naturaisde primeira grandeza.

Contudo, estas "permeabilidades", ou "solidariedades" interactivas, ditadaspor equilíbrios formalmente estabelecidos (pactos inter-comunitários), nãoexplicam, antes pelo contrário, a aparente "invisibilidade" dos sítios ocupados,já detectada no sul e na Estremadura desde o final do Calcolítico.

Com efeito, a malha fina da ocupação rural do território, no decurso do BronzePleno, é ainda mal conhecida, tanto no norte, como no centro ou no sul, masadmite-se que a exploração dos recursos naturais tenha então atingido altograu de especialização agro-pastoril, acompanhado por evidente sedentarismodas populações. São de notar as intensas transformações da paisagem,confirmadas pelo registo polínico das turfeiras da Serra da Estrela no decursodo II milénio a. C., com desflorestação acentuada, relacionável com odesenvolvimento da pastorícia. Com efeito, o primeiro e até agora únicotestemunho directo desta actividade no Bronze Pleno da Beira Alta é-nosfornecido pelos restos de ovinos e/ou caprinos recolhidos no Buraco da Mourade São Romão, Seia, a que se somam alguns outros, de bovídeos domésticos,indicando sedentarismo das correspondentes populações (Cardoso,Senna-Martinez & Valera, 1994, 1995).

A aparente "penumbra" do povoamento estremenho, foi também verificadano fértil vale do Cávado (Bettencourt, 1998, 2000): mas a recessãodemográfica a que seríamos conduzidos face aos dados existentes, écontrariada pela exploração diversificada e eficaz dos respectivos territórios,acompanhada por uma crescente desarborização, de carácter antrópico; estaconclusão encontra-se suportada pelos resultados polínicos, antracológicose paleocarpológicos relativos ao povoado da Sola (Braga). Tal desarborização,por estar relacionada directamente com a expansão e intensificação daeconomia agro-pastoril, não pode ser, deste modo, sinónimo de despo-voamento, bem pelo contrário.

As análises polínicas realizadas no povoado pré-histórico de Canedotes (VilaNova de Paiva), com uma ocupação importante do Bronze Final, mostraramque nos períodos anteriores, talvez reportáveis ao Bronze Pleno, já a acçãohumana se fazia sentir intensamente na região envolvente.

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Assim, no decurso do II milénio a. C., verifica-se, nas regiões do centro e donorte do actual território português, grande extensão dos prados graminóides,por efeito da actividade da pastorícia, assinalando-se, pela primeira vez, opinheiro, próprio de ambientes mediterrâneos (pinheiro bravo/pinheiro manso).

Aliás, tais traços de sedentarização, observam-se em estreita continuidadecom os observados no Calcolítico.

É o caso do povoado da Bouça do Frade, Baião (Jorge 1988), onde a existênciade grandes "silos" escavados no saibro se destinariam certamente aoarmazenamento de grandes quantidades de cereais (ou outros produtos), queassim completavam o quadro económico de uma economia agro-pastoril,com a existência de excedentes. Por outro lado, registam-se reocupações(desconhece-se se em continuidade) de alguns povoados calcolíticos do AltoDouro, como o Castelo Velho e o Castanheiro do Vento, onde se recolheramfragmentos de cerâmicas do "tipo Cogeces", que indicam contactos com aMeseta Norte, também recolhidos no povoado aberto do Fumo, situado nasproximidades daqueles, testemunhando a coexistência, herdada doCalcolítico, entre sítios fortificados e abertos (Carvalho, 2004).

Salienta-se a presença de tais cerâmicas em outros contextos habitacionaisda Beira Transmontana e da Beira Alta, recentemente dados a conhecer: é ocaso dos povoados de Monte de Santa Eufémia, Freixo de Numão; Castelodos Mouros e Castelo Mau, Almeida; a distribuição destas produções temprolongamento pela Beira Baixa, ocorrendo nos povoados de Monte do Frade,Penamacor e Moreirinha, Idanha-a-Nova (Vilaça, 2003). Assim sendo, aosdois fluxos culturais, o atlântico e o mediterrâneo, que enformaram a realidadedo Bronze Pleno no território português, há que somar a componentecontinental com contributos oriundos da Meseta, particularmente evidente,como seria natural, em áreas fronteiriças do actual território português.

Mais a norte, também no povoado de Fraga dos Corvos (Macedo de Cava-leiros) se recolheram cerâmicas de tradição campaniforme associadas a produ-ções do "tipo Cogeces", situando as actividades metalúrgicas ali desenvolvidasno Bronze Pleno, compatíveis, do ponto de vista cronológico, com as datasobtidas no povoado de Sola II b, atrás referido. Deste modo, os primeirosartefactos de bronze, tanto no Minho como na região transmontana, remontamao Bronze Pleno, sendo nesta última região, coevos das últimas produçõesde cobre, representadas pelas alabardas do "tipo Carrapatas" (Senna-Martinez,Ventura & Carvalho, 2005).

Em conclusão: o sucesso da economia agro-pastoril, que então atingia o seuauge, a que se somou a emergência de um comércio transregional, estruturadoem códigos formalmente aceites, dando resposta à cada vez maior afirmaçãode elites locais, não foi acompanhado pela monumentalização dos lugares

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habitados: estava-se já longe de tal opção como expressão da coesão social edo sucesso do grupo, mas ainda distante da sua adopção, como expressãoformal de legitimização do poder das elites, que, no decurso deste período,teriam encontrado outras formas de exteriorização do seu prestígio(indumentária, jóias) para além daquelas, definitivamente inacessíveis aonosso conhecimento, mas que, por certo, acompanharam a sua própriaexistência.

O mundo funerário do Bronze Pleno do centro e do norte liga-se intrinseca-mente com o do Bronze Final e é de difícil separação, no estado actual dosnossos conhecimentos; por isso, será apresentado na altura em que este últimofor abordado.

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18. O Bronze Final

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O Bronze Final corresponde ao último período da Pré-História do territórioportuguês. O intervalo cronológico situável entre o princípio do século XIII(ou mesmo o anterior) e os finais do século IX/inícios do século VIII a. C. éum dos mais ricos da pré-história portuguesa: com o aumento da informaçãoarqueológica, foi possível levar a pormenorização da reconstituição históricaa um nível até então desconhecido, nas suas duas mais importantes vertentes:a económica e a social, a que se soma a cultural (incluindo, naturalmente, acomponente religiosa funerária). Acresce o facto de, no Bronze Final, ser jápossível o aproveitamento das fontes escritas disponíveis para o conhecimentoda realidade da época, especialmente no concernente à Paletnologia dos povosantigos que ocuparam o território hoje português. Deste modo, o BronzeFinal pode ser visto como uma fase de transição, da Pré-História para a Proto--História, sobretudo ao nível da análise das fontes escritas, confrontando-ascom a realidade arqueológica conhecida. Em tal domínio, avultam os trabalhosde Jorge de Alarcão. Nesta obra, o Bronze Final será abordado sob umaperspectiva estritamente arqueológica e apresentado de forma mais sucintadaquela que o volume de informação disponível possibilitaria, não só pelarazão apresentada, mas também para respeitar o critério adoptado noscapítulos anteriores, não o sobrecarregando de tal forma, que o resultado daobra resultasse pouco harmonioso.

Parece poder situar-se globalmente o fim do Bronze Pleno no territórioportuguês na passagem do terceiro para o último quartel do II milénio a. C.:tais são as informações resultantes das escassas datações absolutasdisponíveis. Nessa época, é possível admitir, no Ocidente peninsular, trêsgrandes domínios de povoamento, em função da exploração dos recursosnaturais ou da sua simples posição no território: o norte e centro interior(Minho, Trás-os-Montes e Beiras), com numerosos jazigos de estanho, mastambém de cobre, que em boa parte já então seriam objecto de exploração; oSul (Alentejo e Algarve), onde abundavam os jazigos de cobre, em especialao longo da faixa piritosa, pontuada por "chapéus de ferro" constituídos pordiversos elementos ou compostos entre os quais avultava o cobre nativo,para além do ouro e dos carbonatos de cobre (malaquites), também passíveisde exploração com os recursos tecnológicos da época; e, finalmente, aEstremadura, no sentido geográfico que lhe é conferido por Orlando Ribeiro,até o Cabo Mondego, com uma ampla frente oceânica que, implantada entreo Oceano e esses dois grandes domínios, e fazendo a ligação entre ambos,constituía via privilegiada de acesso ao interior do território e ao escoamentode produtos dali oriundos, através dos três principais vales que a atravessam,desde cedo constituídos em importantes vias de circulação e de comércio: aNorte, o Mondego; e, a Sul, o Tejo e o Sado. Trata-se, pois de uma etapacronológico-cultural na qual se mostram já plenamente afirmadas diversasáreas culturais, condicionadas por realidades económicas distintas, cujaorigem remonta pelo menos ao Calcolítico.

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18.1 Centro interior e norte

18.1.1 Povoamento, actividades económicas e organização social

Na região entre Douro e Minho, na transição do II para o I milénio a. C.,onde uma economia agro-pastoril se encontrava florescente e estabilizadadesde o Bronze Pleno, o povoamento no Bronze Final parece dar continuidadeao vigente até então: dominam núcleos dispersos e abertos, sem preocupaçõesdefensivas, onde decorria, aparentemente, e sem sobressaltos de maior, intensaactividade agro-pastoril: os povoados de Bouça do Frade (Baião), MonteCalvo e Lavra documentam tal realidade, embora não seja impossível admitirque tenham integrado territórios talvez mais vastos, administrados porpopulações sedeadas em sítios altos e defensáveis como o Castelo de Matos.Com efeito, foi na região em apreço que teve início a Cultura Castreja doNW (Fase I A de A. Coelho), com base nos testemunhos registados emdiversos sítios. Trata-se de locais implantados, em geral, em esporões rochososdominando vales fluviais, onde se desenvolveria a agricultura, a pecuária epor onde as produções mineiras (estanho e ouro), para além de outrasmercadorias, poderiam ser escoadas ou comerciadas, constituindo-se assimem importantes vias de circulação.

Tais povoados possuíam cabanas ovais ou circulares (São Julião e Vila Verde),cuja origem é ainda pouco clara (provavelmente meridional), onde sedesenvolveriam actividades muito diversas, com destaque para a metalurgia;as datações existentes para alguns deles, com dispositivos de defesa jáenvolvendo muralhas de alvenaria (Côto da Pena, Caminha) ou fossos etaludes (S. Julião, Vila Verde) indicam os finais do II milénio a. C./inícios domilénio seguinte, sendo, deste modo, contemporâneos do povoado aberto daBouça do Frade (Baião). A existência de contas de colar de pasta vítrea,encontradas em estrutura de combustão, situada no recinto muralhado deplataforma superior do povoado de São Julião, Vila Verde mostra, tal comoadiante se verá para povoados homólogos da Beira Interior, a existência deobjectos exóticos, considerados de luxo, de origem mediterrânea.

Ainda no Minho, ao longo do vale do Cávado, A. Bettencourt identificou, noBronze Final, a coexistência de três tipos distintos de implantação humana:em sítios de portela, dominando a comunicação com os vales, sedeavam-seos povoados mais importantes, de carácter permanente; foram tais locais,frequentemente com manifestações de arte rupestre do "tipogalaico-portuguesa", que, nalguns casos, se afirmaram no decurso da Idadedo Ferro. Tais sítios revelam a consolidação do processo de sedentarizaçãodas populações, em consequência directa de uma prática agro-pastoril cadavez mais complexa e intensiva. Um segundo e terceiro tipos de implantação,dizem respeito a povoados de menor duração, sem continuidade pela Idade

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do Ferro, em zonas mais baixas, mais directamente relacionadas com osterrenos aluvionares dos fundos dos vales, de alta aptidão agrícola. Estasituação revela a existência, já nos finais da Idade do Bronze, de umahierarquização do povoamento. Assim, os povoados de altura, deteriam umimportante papel como pólos estruturantes da ocupação humana à escalaregional, tanto do ponto de vista económico e social, como ainda nasimbologia do poder, corporizada pelas elites neles sedeadas, talvez jáestruturadas em linhagens hereditárias. Ali se efectuariam cerimóniasreligiosas, que hoje totalmente nos escapam, como parecem sugerir asmanifestações de arte rupestre neles existentes: é o caso dos povoados deFalperra (Braga), Roriz (Barcelos), S. Lourenço (Esposende) e S. Julião (VilaVerde), entre outros. Ao mesmo tempo, nos povoados de implantação maisbaixa, praticar-se-ia uma agricultura intensiva – é neles que se têm detectadoos silos de armazenamento, escavados no saibro – conforme é comprovadopela existência de numerosas dessas estruturas identificadas na Bouça doFrade, Baião, utilizadas como silos, o que denuncia, outrossim, assinaláveltendência para a sedentarização, mesmo no seio destes povoados secundários.

Na Bouça do Frade, povoado desprovido de condições naturais de defesa,fundado no Bronze Pleno, recolheram-se, nos últimos níveis de ocupação,do século IX a. C., em simultâneo, cerâmicas do "tipo Baiões", oriunda daBeira Alta, do "tipo Cogotas", com proveniência mesetenha, e aindarecipientes decorados de largo bordo horizontal, de filiação local, comextensão para Noroeste (Minho e Galiza), o que revela importante interacçãocom outras culturas regionais do Bronze Final, correspondentes a domíniosgeográ-ficos adjacentes mas distintos.

A existência de sítios altos e defensáveis, tem equivalente noutras áreas dointerior, como é o caso dos povoados do Sul da Beira Baixa, estudados porR. Vilaça: entre outros, mencionam-se os povoados de Castelejo (Sabugal);Monte do Frade (Penamacor); Alegrios e Moreirinha (Idanha-a-Nova), todoseles globalmente situados, com base nos resultados das datações deradiocarbono efectuadas, entre os séculos XII/XI e IX a. C. No povoado doMonte do Frade, objecto de ulterior reinterpretação por parte da arqueólogaqreferida, a área construída na parte superior do monte ter-se-ia limitado auma cabana, cercada de penedos, alguns deles com "fossettes" insculturadas.Muito embora estes motivos rupestres possuam longa diacronia, desde pelomenos o Neolítico Final, a sua presença foi relacionada, no Bronze Final,com grupo humano distinto, talvez uma única família, dada a pequenez daárea construída, que não ultrapassava os 126 m². Tal família teria ascendênciasobre o todo social, ocupando o sopé do monte; a ser assim, as referidasmanifestações artísticas, seriam a expressão de práticas religiosas, cujoexercício seria reservado a uns poucos; assim, é nítida a semelhança com asituação descrita por A. Bettencourt para os povoados de altura do vale doCávado.

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Ainda que seja aliciante e, mesmo, lógica, a possibilidade de a cultura castrejaremontar ao Bronze Final, para S. Oliveira Jorge é discutível que, de facto, opovoamento de altura que se vislumbra no Bronze Final esteja na origem dacultura castreja do Noroeste peninsular, ao contrário da opinião expressa,em notável estudo de caracterização por Armando Coelho. Segundo a autora,não só tal estratégia se encontra documentada, especialmente no BronzeFinal II, em outras regiões, como a Estremadura e o Alentejo, retirando-lheidentidade própria, como, na própria área geográfica do Noroeste, nem sempreos sítios continuaram ocupados na Idade do Ferro, ou foram-no noutrossectores dos correspondentes aos assentamentos do Bronze Final, como é ocaso dos povoados de S. Julião e de Barbudo (Vila Verde). Outros sítios queaparentemente continuaram a ser habitados em continuidade (Coto da Pena,Caminha) podem ter sofrido transformações habitacionais, no decurso dosséculos VII/VI a. C., ainda difíceis de avaliar, dada a ausência de monografiasdetalhadas ao nível de cada povoado.

Deste modo, a ocupação de sítios altos, no final da Idade do Bronze, portodo o norte e centro interior de Portugal, sugere a existência de elites comriqueza acumulada – bem expressas pelos achados do povoado de MonteAiroso (Penedono), com materiais de bronze e de ouro – e do Castro deSenhora da Guia, onde as jóias de ouro são ainda mais relevantes, além dosachados de artefactos de bronze. Tais jóias comprovam, pois, a presença deelites, a quem competia o exercício de funções temporais e religiosas, e amanutenção da coesão e estabilidade sociais de cada uma destas comunidades,individualizadas entre si não só territorialmente, mas também do ponto devista cognitivo. Às elites referidas estaria reservada a posse e controlo daterra e das respectivas produções agro-pastoris, bem como das zonas deexploração mineira e das vias de circulação, que permitiam a comercializaçãode tais produtos e matérias-primas, o que requeria, naturalmente, a existênciade uma estrutura de poder capaz de representar e fazer valer os direitos dacomunidade, se necessário fosse, de forma violenta. Parece, no entanto, queo nível de conflitualidade era contido, como sugerem a quase ausência demuralhas e de armas entre os espólios dos povoados; a baixa densidade deocupação, deixando livres vastas áreas para a agricultura e pastoreio, repartidaspelos diversos núcleos habitados, todos de pequenas dimensões, obviaram asituações de conflito efectivas.

A importância da agricultura encontra-se demonstrada pela presença denumerosas fossas (silos) de armazenamento, escavadas no saibro, em diversospovoados do Bronze Final/inícios da Idade do Ferro da bacia do Cávado(Bettencourt, 2000, 2001), as quais têm equivalente, mais para Sul, no DouroLitoral, no já referido povoado de Bouça do Frade, Baião, onde se registarammais de 30 fossas abertas no saibro, consideradas como correspondendoprovavelmente a silos, e, depois, reaproveitadas como lixeiras (Jorge, 1988).

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A autora não deixa de assinalar outras estruturas semelhantes, como aspresentes no povoado de Santinha, Amares (Bettencourt, 2001) do Final doBronze Final/transição para a Idade do Ferro, no qual as estruturas dearmazenamento mais modernas eram de maiores dimensões, sugerindo umprocesso de intensificação produtiva, coincidindo com o aparecimento dacevada e da ervilha.

Na primeira ocupação do Bronze Final ali detectada identificaram-se duas áreasfuncionais, que merecem ser descritas por ilustrarem bem a complexidade daorganização espacial – e, por conseguinte, social – vigente nestes povoados: assim,na plataforma superior identificaram-se numerosas fossas abertas no saibro (silos),integrados numa cabana, constituindo uma área de armazenagem colectiva; a zonapovoada desenvolver-se-ia na encosta contígua, onde também se identificaramfossas de armazenamento, de carácter mais familiar. Foi também ali que se recolheuum fragmento de caldeirão rebitado, utilizado em cerimónias rituais (Bettencourt,1995). Ter-se-ia, deste modo, uma zona de armazenagem colectiva, e uma zona deactividades domésticas e rituais.

Recentemente, R. Vilaça e colaboradores estenderam a análise do povoamentodo Bronze Final à área do Fundão, onde também identificaram diversos sítiosde altura ocupados no Bronze Final: é o caso dos povoados da Cabeça Gorda,de S. Roque/Trigais, do Cabeço de Argemela, da Tapada das Argolas e deCovilhã Velha, todos eles com cerâmicas do Bronze Final; no povoado deCabeço de Argemela, identificaram-se restos de duas linhas de muralhas,concêntricas, em torno da parte mais alta da elevação (Vilaça et al., 2002/2003); vestígios de amuralhados foram também reconhecidos nos povoadosde Covilhã Velha e da Tapada das Argolas; mas a ausência de escavaçõesimpede maiores certezas, tanto no traçado arquitectónico, como na própriacronologia destas construções, embora se tenha verificado que onde não hámuralhas também não existem materiais posteriores ao Bronze Final. A análisegeográfica da implantação destes sítios foi articulada com a de outros, jáanteriormente, reconhecidos na mesma região (Castelejo, Moreirinha,Alegrios e Monte do Frade). Foi, assim, possível, a delineação genérica dasmais importantes vias de circulação susceptíveis de articular e relacionarpovoados, depósitos metálicos, estelas, jóias auríferas, sepulturas e arterupestre (Vilaça et al., 1998).

No Monte do Frade, a possibilidade de ter sido apenas uma pequena elite aocupar o seu topo, já atrás apresentada, é ainda sugerida pela ocorrência deuma faca de ferro, anterior à generalização do uso deste metal no ocidentepeninsular. À época, o ferro constituía certamente uma matéria de elevado

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custo, conferindo prestígio e estatuto aos seus possuidores. Facas curvas deferro foram recolhidas no Sul da Beira Interior, no povoado da Moreirinha(Idanha-a-Nova), também datado entre os séculos XII/XI e IX a. C.; o povoadodo Monte do Trigo, da mesma região, forneceu também peças sidéricas,correspondendo, igualmente, a introduções exógenas e, repita-se, mais a itenssócio simbólicos do que a peças de uso comum. Ao contrário das peçasaludidas, nada há, no restante espólio, que não indique produções locais,incluindo as peças de bronze, o que não significa ausência de trocas comerciaistransregionais: a presença de cerâmicas de ornatos brunidos do tipo "Lapado Fumo/Alpiarça", de Sabugal aos estuários do Tejo e do Sado, revela,justamente, a existência da rota de escoamento do estanho, aproveitando orio Tejo. Por outro lado, as cerâmicas pintadas a vermelho com motivosgeométricos do tipo "Carambolo" dos povoados da Moreirinha e da Cachouça,embora excepcionais, revelam influências andaluzas, mas pela via continental.Enfim, as cerâmicas, igualmente muito raras, do "tipo Baiões", presentesnos povoados de Alegrios e de Cachouça, indicam conotações com o mundodo Bronze Final da Beira Alta. Por último, tal como o observado no Minho,também na Beira Baixa se encontraram cerâmicas do "tipo Cogotas", emMoreirinha e Monte do Frade, o que mostra a existência de relações com aMeseta, estendidas a toda a parte Norte e Centro do território português, nodecurso do Bronze Final. A realidade descrita, faz da Beira Baixa uma regiãonodal do ocidente peninsular, no decurso do Bronze Final, mercê das relaçõesmantidas pelos seus habitantes com os que ocupavam as vastas áreas adja-centes, do litoral à meseta, e do interior norte ao Mediterrâneo, configurandoredes de troca de longa amplitude.

Na Beira Alta, caracterizou-se arqueologicamente um grupo com expressãocultural própria, sendo dele particular um determinado conjunto de formas edecorações cerâmicas.

Trata-se das cerâmicas ditas do "tipo Baiões", designação que integra umdeterminado conjunto de formas mais ou menos padronizadas de bomacabamento, com superfícies brunidas, lisas ou, mais raramente, decoradas,feitas por incisões finas pós-cozedura. Admitiu-se que o sistema depovoamento a que estão associadas se baseava em sítios de altura, a partirdos quais se administravam territórios com delimitações precisas. Estes eramatravessados por "corredores" de circulação transregional, já atrásmencionados, cuja importância foi salientada por J. C. de Senna-Martinez(1994). Como já se referiu, por tais vias eram comerciados objectos de luxo,como armas e adornos, destinados às elites locais, que cedo teriamestabelecido alianças políticas entre si (talvez fortalecidas por laçosmatrimoniais). Assim se terá viabilizado não só a prática do comércio – coma obtenção das consequentes mais-valias – mas também favorecido a rápidaadopção de novas tecnologias metalúrgicas, requeridas pela reprodução locale em contexto domésticos, de modelos metálicos exógenos.

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Com efeito, o Bronze Final é caracterizado, pelo aumento notável do númeroe variedade das produções metalúrgicas, cuja tipologia fornece pistas não sópara a reconstituição da sucessão das produções, mas também para oconhecimento das grandes vias de comércio transregional. É neste contextoque tem cabimento a expressão de "Bronze Atlântico", realidade de expressãocultural que não deve ser confundida com o conceito de "Bronze Final", denatureza essencialmente cronológica. Porém a sobreposição de ambos équase uma inevitabilidade, visto o primeiro corresponder ao apogeu docomércio e circulação de objectos metálicos, o qual se verificou, precisamente,no Bronze Final. Deste modo, é usual admitir-se uma fase inicial, entre osséculos XIII e X a. C., no decurso da qual se afirmam as produções de carácteratlântico, mescladas com outras de índole marcadamente regional, como osmachados de talão e duplo anel, característicos das regiões estaníferas doNW peninsular. As raras espadas do tipo pistiliforme e uma sua variante,considerada mais tardia, dita "em língua de carpa", caracterizada por umestrangulamento da folha próximo da empunha-dura, ambas conhecidas emterritório português, documentam a integração deste (afinal, uma estreita faixaentre o Oceano e a vasta área mesetenha) numa complexa rede de intercâmbiosentre elites, embora se conheçam produções de cunho mais regional, comoos punhais de lingueta rebitada do tipo "Porto de Mós". Duas daquelas espadasde tipo "língua de carpa" provêm da Beira Interior (Teixoso, Covilhã; e VilarMaior, Sabugal) embora, como é habitual, se desconheçam as condiçõesprecisas do achado: a segunda foi encontrada juntamente com escórias defundição (Rodrigues, 1961). Recentemente, publicou-se exemplar incompletoproveniente do povoado da Tapada das Argolas, Fundão (Vilaça et al., 2002/2003).

Ainda no domínio das armas, são de referir as pontas de lança, de alvado, asquais, conjuntamente com peças mais raras, como o capacete de cristaponteaguda proveniente do Castro de Avelãs (Bragança), os caldeirões detipo irlandês de Caldelas (Amares), os espetos articulados como o recolhidono Monte da Costa Figueira (Paredes) e no povoado da Cachouça(Idanha-a-Nova) ou, enfim, os ganchos para carne, com exemplares deSolveira (Montalegre) e do Castro da Senhora da Guia (Baiões, S. Pedro doSul), este último com decoração espiraliforme, que, sendo de clara filiaçãoatlântica nalguns casos, reflectem traços identitários com o Mediterrâneo,noutros-, dali derivaram certos rituais, claramente associados ao uso de taispeças. Certas produções, como os machados com apêndices laterais, exibemuma distribuição geográfica homogénea pelo território português, onde seinventariaram 13 exemplares (Vilaça & Gabriel, 1999); tal como os artefactosacima referidos, a sua distribuição além-peninsular abarca uma vasta área,da Dinamarca à Sicília, passando por todos os territórios intermédios da frenteatlântica (Holanda, Ilhas Britânicas, França) e mediterrânea da Europa(Baleares, Sardenha) (Coffyn , 1985, p. 264), para se prolongar até ao Próximo

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Oriente, região que é considerada, pela generalidade dos autores, como aoriginária de tais produções: tal como nos casos de artefactos anteriormentereferidos, à origem oriental, seguir-se-ia uma rápida adopção pelas sociedadesdo Bronze Final atlântico, expressa pelas múltiplas produções locais, aliásatestadas pela presença de moldes de fundição destinados ao seu fabrico,incluindo o território peninsular (mas não o espaço português, onde até hojenão se reconheceu nenhum exemplar). Os espetos articulados de bronzeconstituem outro item claramente atlântico. Com efeito, na região da Bretanha/Ilhas Britânicas reportaram-se 8 exemplares, contra apenas dois na áreamediterrânea: um no depósito do Monte Sa Idda, Sardenha, outro na sepultura523 da necrópole de Amathonte, Chipre (in Ruivo, 1993, p. 109). Nestecontexto, o território português afirma-se como uma região intermédia, deassinalável riqueza, pois aqui se registaram dez exemplares, provenientes doCentro (interior e litoral) e do Minho, contra apenas dois espanhóis, um daregião de Badajoz, outro de El Berrueco, Salamanca. A difusão destesprodutos manufacturados, de evidente valor simbólico explica-se através deum processo de solidariedades fortemente interactivas, estabelecidas entregrupos autónomos, que não possuíam entre si quaisquer laços formais, a nãoser aqueles que resultavam da partilha dos mesmos princípios no exercíciodo poder e dos objectos a ele associados: nesse sentido, será lícito admitirum fundo cultural comum, das Ilhas Britânicas ao Mediterrâneo, a que sepode aplicar a designação de "Bronze Atlântico", conceito que fica, destemodo, definido.

Este sistema de solidariedades foi justificado pelos interesses económicoscomplementares, cuja satisfação trazia mútuas vantagens para todos osintervenientes: a circulação de minérios generalizou-se, na proporção directaem que se excediam as necessidades locais de produção e aumentava, namesma proporção, a sua procura exógena. Esta situação, que caracterizou afase mais recente do Bronze Atlântico, explica o estabelecimento de permutasdo estanho do Noroeste peninsular e da Cornualha, do cobre das Astúrias, doSul peninsular e da Irlanda, além do ouro, de obtenção mais disseminada.

Prova evidente desta ligação com as Ilhas Britânicas é a ocorrência de foicesde bronze, de alvado, no interior centro do País (Coffyn, 1985), cuja cronologiaremonta ainda ao final do II milénio a. C., de acordo com os contextos datadosdo Castro de Santa Luzia, cujo modelo foi rapidamente copiado e produzidolocalmente, como atestam os fragmentos de moldes cerâmicos provenientesdos castros de Senhora da Guia (Baiões) e de São Romão (Seia). No primeiro,recolheu-se mesmo um belo conjunto de tais foices (Silva, 1986).

Produção característica da região em apreço são os machados de talãoproduzidos em moldes de duas valvas, com uma ou duas argolas,imediatamente antecedidos pelos unifaces, com apenas uma argola: um destes

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machados unifaciais foi datado entre 1270-1060 a. C., de acordo com a dataçãodo respectivo contexto, do castro de S. Romão, Seia (Senna-Martinez, 2002).Poderão situar-se na evolução directa dos machados de tipo "ReguengoGrande", desprovidos de anéis – outra produção de cunho marcadamentesetentrional e atlântico. A distribuição geográfica, no território português,dos machados de talão e duplo anel concentra-se no Centro interior, sobretudoao Norte do Douro. As elevadas percentagens de chumbo que alguns destesmachados ostentam, correspondendo a ligas ternárias de cobre/estanho/chumbo, como os achados contextualizados de Penices II (Famalicão), sãoatribuídas a produções de cunho atlântico muito tardias, na transição para aIdade do Ferro, aliás com paralelos em muitos outros do Alto Minho, cujos teoresde chumbo (Pb) se situam entre 18,7% e 46,7% (Bettencourt, 2001).

É relativamente frequente o achado de exemplares ainda com o cone de fundiçãoconservado na extremidade oposta ao gume, indício de que nunca teriam sidoencabados, por vezes formando conjuntos enterrados, a que se tem atribuído osignificado de "esconderijos de fundidor". A título de exemplo, pode mencionar-se,entre muitos outros, o "tesouro" encontrado num terreno da freguesia de Veatodos,Barcelos. O conjunto está parcialmente conservado no Museu Nacional de Soaresdos Reis (Porto). É constituído por 15 machados idênticos de talão, bivalves eduplo anel, ocultados com 4 lingotes de bronze de tipo menisco, conjuntamentecom fragmentos de outros machados, por certo destinados a refundição (Fortes,1905). Dois dos machados conservam ainda os cones da fundição. Outro depósitode machados, confirmando o padrão do anteriormente descrito, foi encontradotambém num terreno da freguesia de Ganfei, Valença, na margem esquerda do rioMinho, ao se proceder ao arranque de um grande pinheiro (Fortes, 1908). Eraconstituído por 24 machados; todos conservavam as rebarbas de fundição e o gume,rombo, indicava que não tinham sido jamais utilizados, conclusão sublinhada pelofacto de a maioria conservar o cone de fundição terminal, cuja presença impedia oencabamento. Parece terem saído, contudo, de diversos moldes e algunsencontravam-se partidos.

Muitos outros conjuntos metálicos do Bronze Final de características idênticasaos anteriores poderiam ser mencionados na região Entre-Douro-e-Minho; comoo de Carpinteira (Melgaço) constituído por 5 machados de bronze, todos oriundosde moldes distintos de fundição bivalve, de talão e com 2 anéis; embora apenasdois conservassem os talões de fundição, nenhum deles parece ter sido usado.

Nalguns casos, é possível associar as ocultações a castros: é o caso, do conjuntoencontrado em 1884 sob um penedo em Vilar de Mouros, cerca de 3 km do rioMinho e numa pedreira perto do Monte da Senhora do Crasto. Tratava-se de umconjunto de cerca de 10 machados de bronze a que se associavam diversosfragmentos, destinados talvez a fundição, a qual se procederia nas imediações,talvez mesmo no próprio castro adjacente. De facto, o fabrico destes machadosefectuava-se nos povoados castrejos mais importantes, como é demonstrado peloachado de um molde bivalve, para fundição de machados de talão com um anel, de

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face plana, no castro da Senhora da Guia, Baiões, associado a um importanteconjunto de peças metálicas (Silva, 1986, Est. 84), entre as quais um belo conjuntode machados de dois anéis, indício de que ambas as produções de machadoscoexistiram. Aliás, já em 1940 era noticiado o achado de um molde bivalve, debronze, para fundição de machados de dois anéis, perto de Castro Daire junto deum penedo (Teixeira, 1940). No interior centro são, da mesma forma, conhecidasimportantes ocultações de machados, a par de outros objectos metálicos. É o casodo conjunto constituído por mais de 40 peças de bronze, entre completas efragmentadas, encontrado na encosta da serra da Guardunha, na Quinta do Ervedal,Castelo Novo (Villas-Boas, 1947). Os machados partidos e inteiros, são todos detalão e de uma argola, bivalves, mas o que situa este conjunto entre os maisimportantes no seu género, é a existência de 24 lingotes inteiros e partidos emforma de menisco, de bronze, idênticos aos encontrados no conjunto de Veatodos,já antes referidos. Não parece existir dúvida, pelo peso de metal em causarepresentado pelos lingotes – cerca de 13 kg – constituindo o maior conjunto detoda a Península Ibérica do Bronze Final (Gómez Ramos, 1999, p. 102), que estedepósito esteja relacionado com a refundição, para a produção de peças metálicasem grandes quantidade. Esta realidade tem ainda mais nítida expressão nos cercade 200 machados identificados em Vilar de Mouros (Pinto, 1933).

Pode-se, pois, concluir, que estes depósitos (ou reservas) de metal, incor-porando peças não usadas, e outras, já partidas, destinadas a refundição,estariam em geral relacionados com pequenos centros produtores de cunholocal, e para uso das respectivas populações funcionando nos povoados maisimportantes, como sugere a sua frequente associação ou proximidade a taisnúcleos populacionais, de entre os mais importantes reconhecidosregionalmente; a circulação seria mais de ideias e de modelos do que dospróprios protótipos embora a presença destes tenha sido, naturalmente,essencial, para a sua ulterior reprodução local. Este panorama estende-se aospovoados do Sul da Beira Interior (Vilaça, 1995). Tal realidade encontra-seevidenciada tanto pelos artefactos metálicos de utilização funcional (foices,machados) como simbólica ou ritual (espetos, espadas, capacetes, escudos,caldeirões, etc.).

O notável conjunto do Castro de Nossa Senhora da Guia corporiza uma relaçãodirecta entre o espaço habitado e o depósito, cuja natureza de algumas daspeças que o constituem – verdadeiras sucatas de bronze – parece configurarum verdadeiro esconderijo de fundidor. As peças distribuem-se pelos seguintestipos (Armbruster, 2002/2003):

1 – Jóias; 2 – recipientes; 3 – objectos rituais; 4 – instrumentos deuso comum; 5 – armas; 6 – moldes de fundição; 7 – restos de fundição.

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Destes, os utensílios, as armas, o caldeirão, o espeto articulado e as jóias deouro, possuem carácter atlântico, enquanto o conjunto de taças, e os carrosvotivos, denotam tradição mediterrânica. São múltiplos os indícios da práticalocal de metalurgia, encontrando-se documentado, pela ocorrência dosrespectivos moldes, o fabrico de pontas de lança de alvado e de machadosplanos de talão, com um anel, a que se somam os vestígios da fundição defoices de alvado, do tipo britânico, das pulseiras, e das argolas.

Porém, mesmo os objectos de cunho mais marcadamente oriental, como as taças,os carros e a própria decoração espiraliforme, já antes aludida, patente no gancho,denotam fabrico em oficinas atlânticas segundo modelos orientais, o que significaque era desta área geográfica que provinham as mais fortes influências culturais,expressos no fabrico dos artefactos de cunho ritual, enquanto que os utensílios deuso comum respeitavam a tradição dos modelos atlânticos, área, aliás, onde seinsere plenamente a estação em causa. Também de origem oriental é a técnicautilizada no fabrico de algumas das peças, a qual poderia ter-se difundido de duasmaneiras: pela presença de artesãos orientais na região; ou pela ida de artesãosatlânticos ao mediterrâneo onde aprenderam inovações tecnológicas, como afundição adicional e a técnica de fundição em molde ou de cera perdida, ou porfios de cera; de qualquer forma, como acentua a autora acima citada, a transferênciade tecnologia só poderia acontecer com o contacto directo entre artesãos.

Os dois minérios necessários para a produção de ligas bronzíferas teriamessencialmente origens diferentes, tendo presente a escassez de cobre nocentro interior e no norte do país. Assim, o estanho teria origem essencialmentealuvionar (cassiterite), no centro e norte do País, podendo, em tais explorações,obter-se igualmente o ouro, sob a forma de pepitas ou palhetas. Prova daexploração de filões, em galerias, na Idade do Bronze da referida região, é oachado, na mina de cobre de Quarta Feira (Sabugal) de um machado de bronzede talão com uma argola, a 12 metros de profundidade (Pinto, 1933). Porém,é no Sul do País que se encontram os testemunhos mais evidentes dasexplorações mineiras por galerias, em zonas ricas em cobre, tanto no BaixoAlentejo como no Algarve.

Esta actividade mineira está na origem dos inúmeros depósitos de peçasmetálicas que frequentemente ocorrem, sobretudo no norte e no centro doPaís. O carácter de esconderijos de fundidor ou de simples acumulações desucata, por oposição ao significado ritual de alguns dos aludidos depósitos,tem sido objecto de discussão. Uma vez que se encontra demonstrado ocarácter essencialmente doméstico de tal actividade, sublinhada pela presençade fornos metalúrgicos em alguns desses povoados, como o encontrado nopovoado de altura do Outeiro dos Castelos de Beijós, Carregal do Sal(Senna-Martinez, 2000), a ocultação de tais peças poderá,sobretudo, reflectir

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simples acumulações de sucata, destinada a fundição. É o que sugere aocorrência, a par de artefactos partidos ou defeituosos, de lingotes em bruto.Nestes casos, é mais natural perfilhar-se a hipótese de reservas de matéria-prima que deveria ser ocultada, dado o estado de instabilidade social vigentena época, sugerido pela assinalável panóplia guerreira da época. O paradigmadeste tipo de ocorrências é o conjunto metálico recolhido no Castro da Senhorada Guia (Baiões, S. Pedro do Sul), já referido, como bem sublinhou J. C. deSenna-Martinez.

Deste modo, será sempre a composição qualitativa dos depósitos, o estadode conservação das peças e as próprias condições de jazida, que poderãocontribuir para uma melhor compreensão do seu significado. Por exemplo,depósitos como o do Coles de Samuel, Soure (Pereira, 1971), situado emzona próxima de mineralizações de estanho e de cobre, constituído por umlote de objectos de índole utilitária, entre os quais seis foices de tipo Rocanesque saíram do mesmo molde, o mesmo se podendo dizer de dois dos quatromachados de alvado e duas argolas e de dois braceletes decorados, dos seisencontrados, parece ser compatível com um esconderijo de materiaisfuncionais – apenas um machado de talão e uma argola se mostravaincompleto – não podendo ser confundido com mero depósito de sucatabronzífera. Outra é a situação do depósito do Porto do Concelho (Mação). Oconjunto encontrava-se ocultado sob uma rocha, no vale da ribeira de Eiras enão distante dela; o local, além de constituir uma passagem fácil, é umaencruzilhada entre diversos acidentes geomorfológicos e pequenas povoaçõesexistentes nos arredores (Pereira, 1970). A composição do conjunto, aocontrário do anterior, é dominada pelas peças fora de uso, armas, como pontasde lança e punhais, algumas extremidades de punhais e/ou de espadas; aspeças de carácter doméstico, menos importantes, integram um tubo de forja(ou maçarico), que constitui raridade; a localização do achado não pode deixarde sugerir a ocultação no âmbito do comércio e circulação do metal, estandopor provar o seu carácter ritual, embora este seja, naturalmentr, possível masnão demonatrável, tanto no caso em apreço, como nos anteriormente descritos.

Outro conjunto cujo significado é controverso, é o do Casal dos Fiéis deDeus (Bombarral). Encontrado ocasionalmente num terreno agrícola, numaárea de 2 m2 e a 1 m de profundidade integra doze objectos, sem quaisqueroutros vestígios que os acompanhassem. Trata-se de objectos inteiros efragmentados armas (espadas, ponta de lança punhal), objectos de adorno(braceletes) e de uso corrente (machado). A evidente heterogeneidade ediacronia do conjunto – de que se destaca uma espada do tipo Vénat, bemidentificada pela respectiva empunhadura (Vasconcelos, 1920, Est. IV) – tornadifícil a opção inequívoca por um depósito ritual, em detrimento de umsimples esconderijo de sucata. Esta importante e difícil questão foi discutidarecentemente (Melo, 2000 a, 2000 b) e continua a sê-lo (Vilaça, 2006).

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Sem cair no exagero de remeter tudo quanto não tem uma explicação imediatae lógica para a esfera do simbólico, a verdade é que existem algumasocultações de peças de bronze, que facilmente se poderiam considerar dentrodessa esfera. É o caso do achado de Solveira, Montalegre, tanto pelascondições do achado, como pela composição do conjunto, constituído porquatro peças: um machado de talão e dois anéis, duas pontas de lança e umgancho para carne: trata-se de associação heterogénea, sem elementos forade uso ou inutilizados. Segundo a notícia publicada (Costa, 1963, p. 12), oconjunto "foi encontrado sob um socalco de terra, à profundidade aproxi-madamente de 1,30m, a uns 6m de distância e na margem direita de umregato (…). Do lugar do achado ao regato havia um rego subterrâneo, cobertode lages líticas, com o comprimento de uns 6m". A construção foi entãointerpretada como correspondendo a uma mina obstruída, aproveitada para aocultação do achado; contudo, não parece crível a interpretação de uma minaconduzindo a uma linha de água. É, pois, muito provável estar-se peranteuma construção ritual, permitindo uma relação directa entre o conjuntometálico e a água do regato; a ligação com a água é, como veremos, umdenominador comum a muitos depósitos rituais do Bronze Final, ainda queescassos no território português.

No segundo momento do Bronze Final, ou Bronze Final II, do século X atéo século VIII a. C. (inclusivé), sem abandono das redes de comércio anteriores,assistiu-se ao incremento das relações mediterrâneas acompanhada da explo-siva produção metalúrgica, de uma grande diversidade (armas, utensílios,adornos). No grupo das armas, ocorrem espadas do tipo "língua de carpa",que parecem suceder-se ao modelo pistiliforme, associadas a punhais delingueta rebitada do tipo "Porto de Mós", a machados talão de dois anéis, oude alvado, também com dois anéis, a pontas de lança de diversos tipos, quasesempre de alvado. Só então se generalizou, no território português, a produçãode objectos de adorno destinados às elites, facilmente transportados, comoas fíbulas de cotovelo, cuja origem cipriota é evidente, difundidas paraOcidente a partir das ilhas do Mediterrâneo Central (Sicília, Sardenha) erapidamente copiadas localmente: no território português, identificaram-seexemplares tanto no centro, como no sul. Conhecem-se, também, algunsexemplares de fíbulas de cotovelo de modelo siciliano, provenientes do suldo território (castelo de Arraiolos), bem como do interior centro (MonteAiroso, Penedono, cf. Cardoso, 2002, Fig. 277 e Mondim da Beira,cf. Carreira, 1994, Fig. 9 e Est. 23). Para além destas, mencione-se a existênciade diversas fíbulas com enrolamento no arco, do mesmo tipo da encontradano monumento da Roça do Casal do Meio, Sesimbra, com evidentes analogiascom as fíbulas sicilianas da fase Pantalica II/III, atribuível ao século X a. C.No centro interior, recolheram-se exemplares no castro da Senhora da Guia,Baiões, Viseu (Kalb, 1978, Abb. 10), e nos castros do Castelo dos Mouros,de S. Romão e de Santa Luzia, também da região de Viseu (Senna-Martinez,

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2000); neste último sítio, o correspondente contexto foi datado entre1270-1030 a. C., confirmando a maior antiguidade deste modelo face àsfíbulas de dupla mola (Senna-Martinez, 2002). Acerca destas últimas,igualmente de origem mediterrânica, merece destaque o achado de uma fíbulade dupla mola, por ser das raras conhecidas a Norte do Maciço Central, noOuteiro dos Castelos de Beijós (Carregal do Sal), associada a lareira datadade 814-777 a. C., confirmando a sua maior modernidade face ao tipo anterior,como se referiu. Aliás, a presença de fíbulas mediterrânicas no centro-interiorpeninsular era conhecida de há muito, pelo achado de uma fíbula comenrolamento no arco, no Cerro del Berrueco, Salamanca (Schüle, 1969, Abb.10), sugerindo a sua difusão pela meseta, à semelhança das jóia auríferas degrande dispersão geográfica, como os braceletes do tipo Villena/Estremoz,adiante referidos. Ao nível estritamente arqueológico, verifica-se, pelosexemplos referidos, que aos materiais de origem atlântica que têm sidoencontrados no Mediterrâneo Central com destaque para o notável conjuntometálico do depósito do Monte Sa Idda (Sardenha), já referido, se contrapõeum testemunho incontornável da influência de sinal contrário, expressa poradereços pessoais como os supra referidos, ou artefactos de cariz simbólicoou religioso.

Estes materiais destinavam-se, naturalmente, às elites do fim da Idade doBronze que ocuparam a orla atlântica, de Portugal à Irlanda e ao litoral daGrã-Bretanha, francamente e mutuamente permeáveis a estímulos exógenos,de diversa origem e natureza, mas também às que, na mesma época, sedispersavam por territórios continentais, aonde chegavam, pelos mecanismosdo comércio transregional, tais produções, rapidamente copiadas localmente.

Sendo certo que, nessa época, a importância mineira do Ocidente peninsularse baseava na presença complementar do cobre, sobretudo a sul, e do estanho,a norte, as alianças firmadas pelas respectivas elites regionais terão, por certo,desempenhado papel de primordial importância na optimização da exploraçãodos recursos mineiros e no acréscimo das produções, com o consequenteescoamento dos produtos manufacturados. Assim, a troca de presentes entreas elites – a que estariam subjacentes acordos mais permanentes, comomatrimónios, envolvendo a permuta de esposas, cujos dotes seriampreferencialmente constituídos por jóias de ouro – destinar-se-iam a garantiro funcionamento das vias comerciais e a estabilidade e coesão sociais.

A dispersão geográfica dos braceletes do tipo Villena/Estremoz, emborarevelem filiação atlântica e sejam peças de provável produção regional, foiinterpretada como testemunho de tal realidade. Tratam-se de peças dedistribuição supre-regional, desde o Minho (bracelete de Cantonha,Guimarães) e Trás-os-Montes (bracelete de Chaves) ao Alentejo (Estremoz).A estas peças juntam-se outras, mais raras, como é o caso da bráctea de ouro

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de Sobreiral (Castelo Branco) que evidencia os cuidados dispensados aosadereços do vestuário, somando-se, na mesma região, as contas de âmbar dopovoado da Moreirinha, Idanha-a-Nova e de pasta vítrea nos povoados deAlegrios, Monte do Trigo e Cachouça (Vilaça, 2000). A presença de âmbarfoi igualmente verificada no castro de Senhora da Guia, Baiões: tanto asquatro contas dali analisadas, como as três da Moreirinha mostraramclaramente provir da região do mar Báltico (Vilaça, Beck & Stout, 2002);deste modo, são mais um elemento a ilustrar a ligação comercial do centrointerior do País às rotas atlânticas, no decurso do Bronze Final. O achado deuma conta de âmbar no povoado do Bronze Final da Quinta do Percevejo(Almada) pode indicar que era através dos grandes estuários, como o Tejoou o Mondego, que a penetração desses produtos exóticos e caros se fazia,para o interior do território.

Por outro lado, a capacidade económica e organizacional das comunidadesque então ocupavam o território português, é-nos revelada através doarmazenamento e manufactura dos minérios oriundos de distintas áreasgeográficas, realidade que se afigura particularmente nítida na Estremadura.Foi a referida capacidade que viabilizou a abertura dos mercadosmediterrâneos a produções atlânticas de carácter doméstico, como asencontradas e/ou manufacturadas na área estremenha (sobretudo de foicesde tipo Rocanes e machados de alvado), as quais excederiam a procura local,ou pelo menos, eram mais rentáveis se colocadas noutros mercados, de maiordimensão. Assim se explicará, a partir de certa altura (séculos XI/X a. C.,inícios do Bronze Final II), a extensão ao Mediterrâneo (designado por"Período Pré-Colonial", imediato antecessor dos contactos directos por paryede comerciantes fenícios, a partir de inícios do século IX A. C., de umcomércio que, até então, se afigurava essencialmente atlântico. Que talcomércio se encontrava firmemente controlado pelas elites, nas quais osegmento guerreiro deteria essencialmente um poder dissuasório – visto onível de conflitos armados no Bronze Final da Península Ibérica ser baixo,quando comparado com a abundância de armas – é evidência sublinhadapelas próprias características dos produtos obtidos por troca, já referidos,para além de outros, que não deixaram vestígios, como a importação de tecidosfinos. As armas, cujos protótipos orientais importados seriam rapidamentecopiados localmente, como os escudos com chanfradura em V, são tambémevidências das influências mediterrâneas que, mescladas às atlânticas, foramdeliberadamente adoptadas pelas elites peninsulares. Devem ainda referir-se,a este propósito, os objectos rituais de bronze. Além dos queimadores,salientam-se os utilizados no sofisticado ritual do banquete aristocrático, comoos ganchos para carne, espetos articulados e os próprios caldeirões de bronze,utilizados na confecção das carnes, com inquestionáveis origens orientais, eque M. Almagro-Gorbea não hesita em relacionar com pactos de hospitalidadeentre as elites, de inspiração sírio-palestina. Aliás, as próprias fíbulas de

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cotovelo supra-referidas teriam tal origem, com protótipos conhecidos nosséculos XI/X a. C. da fase Va do povoado de Meggido, e peças como osganchos para carne, características de banquetes rituais orientais, atingirama Irlanda, numa expressiva afirmação da profundidade, rapidez e extensãoda difusão dos rituais e das liturgias adoptadas pelas elites nas respectivasregiões, por mais distantes que estivessem do seu fulcro original.

É ainda o caso dos carros com rodas (de que se recolheram restos de váriosexemplares) do castro da Senhora da Guia, Baiões (S. Pedro do Sul),considerados "votivos", mas que, na realidade, corresponderão a queimadoresde essências. Trata-se de peças de origem claramente oriental, conforme seevidencia pela respectiva distribuição geográfica: apenas se encontramregistadas três outras ocorrências, uma em Itália, as restantes em Chipre.

Como referiu R. Vilaça, em 1995, baseada em C. Renfrew, "a troca destesbens (...) é feita num nível horizontal, isto é, entre iguais (...). Assim se podecompreender a grande dispersão de determinados itens, essencialmentemetálicos, de feição trans-europeia e inseríveis no que Earle designou de"estilo de elite" ou "estilo internacional". É neste contexto de intensos egeneralizados contactos comerciais – tanto por via marítima como terrestre– e da interacção cultural deles resultante, que se verifica a introdução depeças de ferro, como as já referidas dos povoados do Sul da Beira Interior.A estas, no território português, devem somar-se o achado, ainda maisssetentrional, de uma lâmina de ferro de faca afalcatada no castro do Outeirodos Castelos de Beijós (Viseu), em nível datado pelo radiocarbono entre1310 e 1009 a. C. para 95 % de probabilidade (Senna-Martinez, 2000). Talcomo os seus congéneres da Beira Baixa, este tipo de artefacto é o deocorrência mais frequente no Mediterrâneo Oriental, em Chipre e na Grécia,no período de transição Bronze/Ferro, no século XIII a. C. Para uma cabalintegração cultural dos exemplares portugueses, tem interesse verificar quea introdução do ferro na Sardenha remonta ao século XIII a. C. e é imputadaaos contactos então havidos com mercadores cipriotas: não custa, pois, aceitarque tenham sido estes ou, mais provavelmente, os seus intermediários sardos,nos contactos com o Ocidente, os responsáveis pela introdução das primeiraspeças de ferro na Península Ibérica, em momento imediatamente anterior àpresença fenícia.

Tratava-se, pois, de um equilíbrio que a todos interessava, alicerçado empactos de boa vizinhança e de solidariedades económicas, sem embargo daexistência de um clima de competitividade, corporizado pelas elites, a quemcompetia o estabelecimento e manutenção dos aludidos pactos. Com efeito,se, como atrás foi dito, a existência de jóias de ouro reflecte o funcionamentodas vias comerciais através de pactos, dos quais aqueles poderiam serentendidos como moeda de troca entre as elites, garantindo a estabilidade e

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coesão sociais inter-grupos, por outro lado, não podem deixar de reflectiruma sociedade competitiva e potencialmente violenta; as jóias seriam, pois"o suporte e um dos recursos a que as elites recorreram para se afirmar,legitimarem e sobreviverem" (Vilaça, 2000, p. 35).

A generalização do povoamento de altura verificado em todo o território aindanos finais do II milénio a. C., como indicam as datações absolutas disponíveispara os Castros de S. Romão (Seia), Santa Luzia (Viseu) e Senhora da Guia(Baiões, S. Pedro do Sul), todos eles ainda provavelmente ocupados nodecurso do século VIII a. C., é outra expressão do clima social então vigente,e que se poderia considerar de competição controlada por regras sociais aceitespor todas as partes. Ter-se-ia verificado então, nesta 2.a fase do Bronze Final,abarcando os séculos X a VIII a. C., a intensificação do comércio transregional,sobretudo do estanho, para o sul, o que terá conduzido à emergência de locaiscentrais como os referidos, onde se coordenaria aquela actividade, de que oúltimo dos castros referidos é expressivo exemplo. A pujança económicadestes povoados, resultaria, sobretudo, da actividade mineira, e da decorrentedas mais valias retiradas do controle das vias comerciais supra-regionais eda produção daquelas matérias-primas, muito mais do que do sucesso daeconomia agro-pastoril, cuja importância seria diminuta, provendo apenasàs necessidades locais de subsistência, mesmo nas zonas de solos mais férteis.A recolecção continuaria a desempenhar papel importante, designadamente,a torrefacção da bolota, cuja importância na panificação foi registada, entreos Lusitanos, por Estrabão. Cultivava-se, por certo em campos adjacentesaos povoados, a fava, o trigo e a cevada, e a ervilha, cujos restos foramidentificados no castro da Senhora da Guia, Baiões (Silva, 1986).

A escassez de faunas pode reportar-se à agressividade química dos solos,que não permitiu a respectiva conservação. Caso excepcional foi aidentificação de bovinos, ovinos e caprinos, presentes desde o Bronze Plenona região (Cardoso, Senna-Martinez & Valera, 1995) no Buraco da Mourade S. Romão, Seia, também identificados nos povoados do Sul da BeiraInterior (Vilaça, 1995). Podemos, assim, concluir, que, durante o BronzeFinal, em toda a região centro e norte do País, despontaram povoados dealtura, a partir dos quais se controlavam os territórios e os caminhos, poronde circulavam os mais diversos bens, com destaque para os metais,manufacturados ou em bruto.Tais locais tinham em comum a sua visibilidade,como que a simbolizar a efectiva territorialização das comunidades do BronzeFinal, sendo frequentemente intervisíveis e constituindo, deste modo,verdadeiros marcos visuais referenciais e simbólicos: eram, em suma, peçasde um todo harmónico, de "uma paisagem social construída, percepcionadae significante", como R. Vilaça (2000, p. 34) a considerou, referindo-se àrealidade por si estudada da Beira Interior.

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18.1.2 Necrópoles e rituais

No centro interior do País, documentou-se a prática de tumulações em fossasou pequenas cistas, cobertas por tumuli baixos e de pequeno tamanho, emCasinha Derribada, Viseu (Cruz, Gomes & Carvalho, 1998). O intervalocronológico obtido, correspondente a cerca de 95 % de probabilidade,1400-1150 a. C., situa esta necrópole entre o final do Bronze Médio e oBronze Final I: de facto, a tipologia dos recipientes exumados tem afinidadescom exemplares do Bronze Final. Parece evidenciar-se um certo polimorfismodas sepulturas (algumas podendo ser apenas fossas rituais) denunciandopráticas religiosas complexas e diversificadas, onde poderiam coexistirinumações e incinerações. A respectiva população dispersava-se por casaisagrícolas, talvez antecedentes da emergência dos povoados de altura da região,como os atrás referidos.

A falta de visibilidade no terreno destas necrópoles impediu, até época recente, asua identificação e escavação, com excepção da necrópole de Paranho (Viseu)explorada na década de 1920 por José Coelho (Coelho, 1925). Trata-se de recintocircular delimitado por pedras fincadas de pequena altura, correspondendo a espaçoonde se implantaram seis cistas, pequenas e rectangulares, no interior das quais seconservavam ossos humanos previamente cremados, por vezes recolhidos em urnas.Datação radiocarbónica recentemente obtida indica os séculos XII-XI a. C. (Cruz,1999), sendo portanto mais moderna que a de Casinha Derribada, integrando-se jáno Bronze Final. É provável que esta necrópole, de carácter marcadamente familiar,evocando neste particular, os núcleos funerários das necrópoles do Bronze doSudoeste, se encontrasse, como aqueles, relacionada com um casal agrícola oupequeno povoado do Bronze Final existente nas proximidades. Outra necrópole doBronze Final da área de Viseu é a de Fonte da Malga, correspondente a um conjuntode tumuli baixos, constituídos por enrocamentos de planta circular, cobrindo cistassub-rectangulares de pequenas dimensões (Kalb & Höck, 1979).

Da mesma forma se deve interpretar a necrópole da Senhora da Ouvida (CastroDaire) ocupando, como as anteriores, plataforma elevada, de topografiaregular, cujos monumentos são evidenciados por acumulações de blocos decontorno circular, por vezes bem delimitados, que aparentemente não cobremquaisquer estruturas arqueologicamente definíveis (Cruz & Vilaça, 1999).Tal facto evidencia bem a complexidade dos rituais (funerários ou não) doBronze Final da Beira Alta e a dificuldade de reconstituir a finalidade efuncionalidade de alguns de tais monumentos, de inesperada diversidade, sódetectável por via de uma análise mais profunda.

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Mais recentemente, foi publicada outra necrópole do mesmo tipo (Santos &Aveleira, 2001); trata-se da necrópole do Caramelo, Tondela, constituída por váriostumuli baixos, do Bronze Final, dos quais dois possuem no interior pequenas cistassub-quadrangulares. O facto de os restantes não possuírem estruturas internas, nãoinviabiliza, por si só, finalidade funerária, reforçando, tal como os exemplosanteriores, o assinalável polimorfismo de tais manifestações.

A necrópole do Pousadão, uma das várias identificadas em Pendilhe (Viseu),inscreve-se, também, do ponto de vista tipológico, no grupo descrito. Ocupaplataforma regular do alto vale do Paiva e é constituída por quatro tumuli de plantaaproximadamente circular, muito baixos, distanciados de 16 m a 26 m entre si, nãoultrapassando os 60 m a distância entre os monumentos mais periféricos. Algunsdestes monumentos possuíam, na parte central, pequenas câmaras cistóides; outros,mais simples, eram apenas constituídos por fossas abertas no substrato. Os escassosmateriais cerâmicos são susceptíveis de se integrarem no Bronze Pleno ou BronzeFinal (Cruz et al., 2000).

Mais para ocidente, no maciço da Gralheira, foram identificados cerca dequarenta tumuli não megalíticos, frequentemente agrupados em conjuntosde seis, sete ou mesmo oito túmulos, constituindo deste modo o prolon-gamento das ocorrências acabadas de descrever. Infelizmente, tão granderiqueza arqueológica não tem sido acompanhada das correspondentespublicações, conhecendo-se apenas relatos preliminares e muito parciais dostrabalhos efectuados (Silva, 1997). Nalguns casos, parece verificar-se situaçãoidêntica à da serra da Aboboreira, com a existência de tumuli não megalíticosnas imediações de monumentos megalíticos mais antigos. Seja como for, adistribuição no terreno é pouco padronizada, embora se tenha dado preferênciaa zonas abertas, que eram, também, as áreas mais propícias para o pastoreio.

Do conjunto das quatro dezenas de monumentos inventariados, todoscorrespondentes a tumuli baixos, que jamais ultrapassam 1 m de altura, apenasquatro foram escavados. Desta forma, foi possível identificar as estruturassubjacentes, as quais evidenciaram dois tipos principais, à semelhança dasnecrópoles antes referidas: as cistas, constituídas por pequenas lajes, representadaspela mamoa de Laceiras do Côvo 2 e pela mamoa de Monte Calvo 1; e as estruturasem fossa, escavadas no substrato xistoso, representadas pelas mamoa do Cando ede Monte Calvo 2; deste modo, verifica-se que, numa mesma necrópole, foramdiversas as soluções arquitectónicas encontradas, tal como se verificou em outroscasos, exemplarmente ilustrados em Senhora da Ouvida. Os espólios funeráriossão quase exclusivamente representados por urnas cerâmicas; ao nível derepresentações simbólicas, merece destaque o duplo podomorfo gravado em laje

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que fazia parte integrante do tumulus de Monte Calvo 1, compatível com numerososexemplos da arte rupestre do norte do País, também da Idade do Bronze; estaocorrência vem, deste modo, juntar-se à lage insculturada com motivo reticuladoservindo de tampa a uma das fossas da necrópole de tumuli de Casinha Derribada,Viseu (Cruz, Gomes & Carvalho, 1998).

Estas como outras necrópoles da Beira Alta, têm correspondência em diversospovoados coevos, ainda muito mal conhecidos, certamente por falta deaturados trabalhos de campo: é exemplo o povoado de altura do Bronze Finalde Canedotes (Vila Nova de Paiva), ocupado duradouramente no decurso doprimeiro quartel do I milénio a. C., conforme indicam as datações deradiocarbono publicadas (Canha, Valério & Araújo, 2007). As análisespolínicas dos depósitos correspondentes a esta ocupação revelaram notórioimpacto das actividades humanas no meio natural envolvente, conotáveisnão só com o pastoreio e a agricultura, mas também com a actividademetalúrgica efectuada no local, identificada pelos referidos autores. Era, então,frequente, a prática de queimadas, o que conduziu à degradação do solo porerosão; ao mesmo tempo, assistia-se à regressão dos bosques de azinheiras ecarrascos, a par da recuperação dos sobreiros, amieiros e zimbros. Enfim, aabundância de grãos de cereais, relacionam-se com os campos agricultuados,que se situavam muito próximo do local habitado.

A prática da cremação encontra-se também documentada mais a sul, no Montede São Domingos (Malpica do Tejo, Castelo Branco). Ali foram escavadasduas estruturas circulares, atribuíveis a fundos de cabana, no interior de umadas quais se encontrou, sob um empedrado de blocos de quartzo – rocha quetambém cobria os tumuli da Casinha Derribada – um grande vasoreaproveitado como urna, contendo restos humanos previamente cremados(Cardoso, Caninas & Henriques, 1998).

Pelos exemplos referidos, pode concluir-se que a prática da cremação, nesteúltimo caso com deposição no subsolo da área habitada, a lembrar os túmulosdomésticos castrejos, embora estes sejam mais modernos, se praticou noCentro/Interior de Portugal no decurso no Bronze Final.

Esta realidade que, articulada com os campos de urnas de Alpiarça adiantereferidos, permite, como bem notou D. Cruz, admitir uma progressão conti-nental até ao ocidente peninsular, dos "Campos de Urnas" catalães dos finaisda Idade do Bronze. Tal possibilidade transparece, na mesma época, nasfossas funerárias de cremação individual do Noroeste (Minho e Galiza),contendo vasos de forma peculiar, de largo bordo horizontal. Um doscontextos habitacionais em que tais recipientes ocorreram em abundância,associados, na última fase, a cerâmicas do "tipo Baiões" foi o da Bouça do

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Frade (Baiões), onde foram datados pelo radiocarbono entre o século XVIIIe finais do século IX a. C.; no povoado de Sola, Braga (Bettencourt, 2000),tais vasos remontam à época mais recuada da Bouça do Frade, visto situarem-se, também pelo radiocarbono, no segundo quartel do II milénio a. C.(Bettencourt, 1997).

Datação do Bronze Final (inícios) é a atribuída à necrópole de sepulturas deinumação cistóides de Agra de Antas (S. Paio de Antas, Esposende), onderestos humanos em decubito dorsal, de uma das inumações, foram datados,para cerca de 95% de probabilidade, entre 1319 e 1029 a. C. (Cruz &Gonçalves, 1998/1999). A média ponderada de várias outras datações deu oresultado de 1400-1120 a. C., para o mesmo intervalo de probabilidade(Bettencourt, 2003). Tratava-se de uma necrópole constituída pelo menospor doze sepulturas individuais de planta alongada, definidas por esteiosfincados verticalmente no terreno, cuidadosamente cobertas por tampas dexisto (Ataíde & Teixeira, 1940), cada uma das quais continha um ou maisvasos decorados de largo bordo horizontal, característicos do Bronze Pleno/Bronze Final do Noroeste peninsular.

De facto, a presença destes vasos de forma característica, ocorre em necrópolesminhotas tanto de inumação, como a supra referida, como de cremação emfossas cavadas no saibro, representadas, entre outras, pelas necrópoles deCaldelas e de S. Cláudio do Barco.

Para a sepultura de inumação de indivíduo juvenil (entre 15 e 17,5 anos)encontrada em Vale Ferreiro, Fafe (Bettencourt, Lemos & Araújo, 2002), deplanta cistóide, obteve-se intervalo calibrado, para cerca de 95% deprobabilidade, de 2150-1870 a. C. (Bettencourt, 2003), o que mostra que, noBronze Pleno, se continuava a praticar a inumação em pequenas cistas. Aexistência de monumentos baixos, sob "cairns", construídos na adjacênciade megálitos neolíticos, na serra da Aboboreira, como Outeiro de Gregos 1 eMeninas do Crasto 4, confirmam essa realidade, da transição do Calcolíticopara a Idade do Bronze regional, sendo interessante verificar, como já o fezS. O. Jorge, que se escolheram os mesmos espaços que os seus antecessoresneolíticos, embora aparentemente a eles subordinados.

A cronologia radiocarbónica obtida para as duas estruturas funerárias referidas– respectivamente 2140-1870 a. C. e 2360-2130 a. C., ambas para cerca de95 % de probabilidade – confirmam a sua pertença aos últimos momentosdo Calcolítico, transição para a Idade do Bronze, onde ainda se utilizava ainumação como forma provavelmente exclusiva de tumulação.

Em conclusão do que se disse, as datações disponíveis, demonstram acoexistência, na região de Entre-Douro-e-Minho, entre cerca de 1400/1450e 900/800 a. C., de diversas fórmulas funerárias, uma de tradição regional

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anterior, desde o final do Calcolítico/inícios da Idade do Bronze (inumaçãoem sepulturas ou em cistas planas), outra introduzida no decurso da Idade doBronze (cremação em pequenas cistas, ou em fossas abertas no saibro).

A introdução da prática da cremação, no vale do Cávado, foi interpretada comoum importante sinal de mudança cultural do Bronze Final, substituindo, na região,as pequenas cistas de inumação rectangulares, desprovidas de tumulus. Éinteressante salientar que este novo modo de tumulação aparece, tal como no Montede São Domingos, dentro das áreas habitadas: é o caso da cista encontrada nopovoado de Santinha I, Amares (Bettencourt, 1995, 2001) ou dos grandes recipientesutilizados como urnas cinerárias encontradas em Granjinhos; como assinalou A.Bettencourt, a prática de tumular dentro das áreas habitadas pode, mesmo, seranterior ao Bronze Final, como é indicado pela existência de pequenas estruturascistóides, sem tumuli, como as encontradas no povoado de Sola II b (Braga), umadelas datada pelo radiocarbono entre 1690 – 1520 a. C., para um intervalo deconfiança de 95% (Bettencourt, 2003).

A mesma autora detectou, no povoado de Santinha, Amares, outra estrutura cistóideidêntica, também de pequenas dimensões, mas mais moderna: a camada onde seinseria foi datada entre 1010 e 810 a. C., para um intervalo de confiança de cercade 95%. As pequenas dimensões de ambas as estruturas, respectivamente de 52por 64 cm e de 40 por 50 cm afastam a hipótese de inumação; apenas a menorcontinha um pequeno vaso, e alguns carvões dispersos, que apoiam a hipótese dese tratar de uma sepultura de incineração.

Esta realidade tem paralelo na cista da Idade do Bronze do povoado de Senhora deLurdes, S. João da Pesqueira, ilustrando a mesma prática na Beira Alta (Caralho &Gomes, 2002/2003), cuja cronologia é inserível no Bronze Pleno.

Em síntese, verifica-se assinalável polimorfismo nas sepulturas do BronzePleno e Final no centro interior e no norte do actual território português; aspequenas estruturas cistóides, do Bronze Pleno, com prolongamento peloBronze Final, teriam coexistido com sepulturas de inumação alongadas,forradas e tapadas popr lajes, escavadas no substrato geológico (ex: Agra deAntas), e com sepulturas simples (de inumação?) em fossas abertas no saibro(ex: Tapado da Caldeira) e de incineração; entretanto, procedia-se à construçãodos últimos monumentos de tradição megalítica, na serra da Aboboreira,como Outeiro de Gregos 1 ou Meninas do Crasto 4, a par da reutilização dedólmenes; ao mesmo tempo, a prática da incineração parece insinuar-se naregião desde o Bronze Pleno, ilustrada pelas fossas de planta subcircular deCaldelas, com mais de 1 metro de profundidade, com vasos de largo bordohorizontal (Cardoso, 1930). Como bem salienta A. Bettencourt, esta imagem

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contradiz o mito da ausência de sepulturas do Bronze Pleno e do BronzeFinal, aliás flagrantemente desmentido pela importância das descobertasacima referidas. Não se esqueça que as explorações de José Coelho, nanecrópole do Paranho, Viseu (Coelho, 1925), demonstravam, de há muito,exactamente o contrário.

A existência de regionalismos não é incompatível com afinidades a outrasáreas geográficas, além da atlântica e da mediterrânea: na necrópoleprovavelmente de inumação do Tapado da Caldeira (Baião) (Jorge, 1980)adjacente ao já referido povoado de Bouça do Frade (Jorge, 1988), cada umadas quatro fossas abertas no saibro continha um recipiente, destacando-se,numa delas, uma taça com decoração "boquique" (Jorge, 1980), que revela,por si só, relações com a Meseta Norte; tais cerâmicas também ocorrem nopovoado correspondente, reforçando a relação existente entre ambas asestações. A média ponderada de datas radiocarbónicas obtidas neste último,deu o resultado de 1630 – 1420 a. C., para 95% de probabilidade (Bettencourt,2003), confirmando, deste modo, cronologia integrável no Bronze Pleno.

A prática da inumação terá persistido no Bronze Final da região em apreço,como sugere a descoberta, dentro do espaço habitado do Crasto de Palheiros,Murça, de um enterramento (Sanches & Augusto, 1999). Trata-se desepulturas individuais, que não são sequer marcadas por tumuli, indicandoque o abandono da prática da tumulação colectiva já então se tinha verificado.

18.2 Estremadura e Ribatejo

18.2.1 Povoamento, actividades económicas e organização social

O registo arqueológico continua a presente logo no início do século XIV a. C.,correspondendo aos primórdios do Bronze Final I, fase cultural que seprolonga até ao século XII a. C., ou inícios do seguinte, na região em causa.Com efeito, mercê das condições naturais antes aludidas, com destaque paraa alta aptidão agrícola dos solos que se desenvolvem de Loures a Cascais e,na margem Sul, de Cacilhas a Trafaria (embora nesta última região os solossejam menos propícios), assistiu-se à multiplicação de núcleos de carácterfamiliar, ou pequenos povoados abertos, dedicados à exploração agro-pastorilintensiva e extensiva, ao longo de todo o ano, como já se verificava, emborade forma menos acentuada, no final do Calcolítico/Bronze Inicial,correspondente ao dito horizonte.

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Até o presente, o sítio melhor conhecido é o povoado da Tapada da Ajuda, Lisboa.Implantava-se em encosta de declive suave, entre 100 e 115 m de altitude, voltadoa Sul, para o estuário do Tejo, que se descortina do local, e na imediação de linhade água, que nele desaguava. A comunidade ali sedeada, habitando casas deembasamento de alvenaria irregular, constituída, por blocos basálticos, de plantaelipsoidal – com antecedentes locais, representados pelas cabanas campaniformesde Leceia – dedicava-se à criação de animais domésticos (ovinos, bovinos e suinos),à recolecção intensa de moluscos e à pesca, no estuário adjacente, excepcionalmenteà caça do veado (Cardoso et al., 1986; Cardoso, 1995). Porém, a actividadeeconómica mais importante era a produção cerealífera, expressivamentedocumentada pelas centenas de elementos denticulados de foices, sobre lascas desílex, destinadas a serem montadas em cabos de madeira, também abundantesnoutros povoados da região como o do Alto das Cabeças, Leião, Oeiras (Cardoso& Cardoso, 1996).

O volume potencial das produções (talvez sobretudo de trigo) ultrapassarialargamente as necessidades de consumo desta pequena comunidade, fixadana Tapada da Ajuda, entre inícios do século XIV e finais do século XII a. C.,segundo a análise estatística das cinco datas de radiocarbono obtidas. Destemodo, o laborioso, sedentário e pacífico desta pequena comunidade, comopor certo de muitas outras inventariadas nesta região (Marques & Andrade,1974), só poderá ser cabalmente compreendido se integrado numa estruturasocioeconómica organizada à escala regional, articulada em núcleosdemográficos mais importantes, a partir dos quais se procedia à administraçãode territórios bem definidos e delimitados: em um destes se integraria a Tapadada Ajuda, embora não se possa indicar nenhum em particular. E este modelode exploração intensiva da terra prolongou-se até fase tardia do Bronze Final,como nos é indicado pelas datas de radiocarbono obtidas no casal agrícolada Quinta do Percevejo, Almada, sugerindo ocupação nos séculos XI/X a. C.(Barros, 2000), compatível com a presença de um grande vaso de colocilindróide, decorado no bojo por ornatos brunidos (Barros & Espírito Santo,1991). Haveria, deste modo, uma estrutura de poder político emergente, noseio de cada conjunto de casais agrícolas ou pequenos povoados, unidoscertamente por laços de parentesco. Assim sendo, a afirmação de povoadosde altura na região, no decurso do Bronze Final, na região em estudo –fenómeno também observado noutras regiões – é indissociável da existênciade centros de poder económico-político. Assim se explicaria a emergênciade elites, ali implantadas, cuja presença se afigura por vezes necessária paraa explicação da gestão interna dos centros demográficos de maioresdimensões, como alguns do Alto e do Baixo Alentejo (Alarcão, 1996). Aliás,relembre-se que a presença de elementos com uma posição social privilegiada

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e distinta no seio da comunidade, ocupando o Monte do Frade (Penamacor),entre os séculos XII/XI e IX a. C., foi recentemente admitida, na sequênciada reinterpretação do sítio.

Na área em estudo, existem alguns locais com estas características,correspondendo a diversas elevações isoladas na paisagem, cuja ocupação écronologicamente comparável à daquele povoado (apesar de não se disporemde quaisquer elementos cronométricos): para além da colina de Lisboa, járeferida, salientam-se os povoados do Penedo de Lexim, Mafra (Kalb, 1980b), que anteriormente conheceu uma importante ocupação calcolítica; doCabeço de Moinhos, Mafra (Vicente & Andrade, 1971); da Ota, Alenquer(Barbosa, 1956); do Castelo dos Mouros, Sintra (Cardoso, 1997/1998 b); doCabeço do Mouro, Cascais (Cardoso, 1991) e do Monte da Pena, TorresVedras (Madeira, et al., 1972; Spindler, 1981). Pelo menos em cinco delesforam recolhidos fragmentos de cerâmicas finas, com ornatos brunidos, osquais, para além de se poderem associar ao quotidiano das elites, configurama etapa mais tardia do Bronze Final regional, situável entre os séculos XI/Xe VIII a. C. (Bronze Final II), compatível com a cronologia dos povoados dealtura do Bronze Final da Beira Interior, onde também se recolheramfragmentos de tais cerâmicas. Com efeito, na Tapada da Ajuda, o únicopovoado datado do Bronze Final I, não se recolheu qualquer fragmento destascerâmicas, apesar dos milhares de elementos compulsados. Contudo, sendoproduções finas, é lícito fazer corresponder o seu uso a elites, justamente assedeadas nos povoados de altura onde ocorrem. A apoiar esta interpretação,pode invocar-se o resultado da escavação realizada na encosta nascente doCabeço do Mouro, Cascais; enquanto que, no povoado implantado no topoda elevação, se recolheram fragmentos de tais produções, em unidadeagro-pastoril implantada no sopé do povoado não forneceu nenhum destesfragmentos, apesar de a cronologia ser compatível com o Bronze Final II,entre 972 e 798 a. C., para um intervalo de confiança de cerca de 95%, deacordo com o resultado de uma análise de radiocarbono sobre ossos de animaisrecolhidos no interior de um silo (Cardoso, 2006).

As cerâmicas de ornatos brunidos do Bronze Final II do grupo estremenho, tambémdesignado por tipo "Alpiarça" ou "Lapa do Fumo", integram formas abertas efechadas, já inventariadas por diversos autores (Marques, 1972; Kalb & Hock,1985); quando ostentam decorações, estas são sempre na parede externa dosrecipientes, correspondendo a motivos reticulados obtidos pelo deslizamento deuma ponta romba, na superfície seca dos exterior dos vasos, antes da cozedura,conferindo-lhes aspecto acetinado. A sua distribuição estende-se para o interior,ao longo do Tejo e afluentes da margem direita, até à região de Sabugal, sendo emparte coevas de um grupo alentejano, recentemente considerado e do grupo da

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Andaluzia, de há muito conhecido, este último com sobrevivência na Idade doFerro (Gamito, 1990/1992; Correia, 1998). Com uma ou outra destas regiões teráhavido contactos, como sugere pequena taça carenada com decoração interior, daQuinta do Marcelo, Almada (Barros, 1998, p. 31), já que, nos dois referidos grupos,são frequentes as decorações no interior dos recipinetes, ao contrário do verificadona Estremadura.

A distribuição das cerâmicas estremenhas de ornatos brunidos, ao longo dabacia hidrográfica do Tejo português pode conotar-se com a rota do estanho,desde as Beiras, até à Estremadura, do mesmo modo que o cobre aqui afluía,oriundo dos chapéus de ferro da faixa piritosa e de numerosos jazigosdisseminados do Alto Alentejo. O exemplo mais expressivo desta realidadedual, é a presença de molde de arenito para fundição de foices de talão,achado em Rocanes, Sintra, topónimo na origem da designação de foices"tipo Rocanes", Coffyn (1985) inventariou na Península Ibérica 21 exemplares(ou 23, na actualização de Silva, 1986, a que se soma pelo menos um outro,do povoado do Castelejo, Sabugal, cf. Vilaça, 1995), todos oriundos do centroe sul do País, com apenas duas excepções a Norte do Douro, cuja produçãolocal é indicada pelo molde encontrado no castro de Álvora (Silva, 1986,Est. V). À região em apreço, correspondem três exemplares, para além domolde referido, todos da península de Setúbal, de cada um dos seguintessítios: Pedreiras e Calhariz, Sesimbra; e Fonte da Rotura, Setúbal.

O abastecimento da Baixa Estremadura, tanto em estanho como em cobre,viabilizou, igualmente, a produção de outros artefactos de bronze, tambémde cunho marcadamente regional, como os machados de alvado e dois anéise os machados de talão unifaces, no decurso do Bronze Final II. Os exemplaresconcentram-se, efectivamente, na Estremadura, segundo a distribuiçãoapresentada por COFFYN (1985).

No concernente à Baixa Estremadura, o autor regista ocorrências em cada um dosseguintes sítios: Abrigada e castro da Ota, ambos do concelho de Alenquer; grutasepulcral da Cova da Moura, Torres Vedras; Sobral de Monte Agraço, Arruda dosVinhos; Cabeço de Moinhos, Mafra; Leceia, Oeiras; Lisboa; de Alfarim, Sesimbra,provêm dois exemplares, um deles desprovido de anéis laterais e, ainda, um dePedreiras, também no concelho de Sesimbra. A esta série, deverá adicionar-se ummachado de alvado e dois anéis, do povoado de Penedo de Lexim, Mafra, o queperfaz um total de onze exemplares. Em comparação, os machados unifaces detalão, munidos de um anel lateral, característicos da fachada atlântica estremenha,com penetração para o interior, ao longo do Tejo (Coffyn, 1985), são muito mais

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escassos, visto apenas existirem referências a dois, referidos pelos três autoresque, sucessivamente apresentaram inventários relativos a tais peças: Monteagudo,1977; Kalb, 1980 b; e Coffyn, 1985: trata-se das peças do povoado de altura deCabeço de Moinhos, Mafra e de Monte Sereno, Sintra, pequena gruta existente naencosta de um povoado coevo (Pereira, 1957).

Estendendo a análise da distribuição espacial dos machados de alvado e dois anéisa um âmbito geográfico mais vasto, ter-se-á de referir, entre outros, o exemplar deReguengo do Fetal, Batalha, que ilustra a progressão deste tipo de produção pelaBeira Litoral. No conjunto, encontram-se inventariados cerca de 50 exemplares nafachada atlântica peninsular, (Ruivo, 1993) concentrados especialmente entre oSado e o Mondego.

A hipótese de uma maior modernidade deste tipo face aos machados de talão,defendida por Coffyn (1985, pag. 193) não foi partilhada, no concernente aoterritório português por P. Kalb, argumentando que a distribuição geográfica édistinta (argumento apenas válido para os machados de talão bifaciais de um oudois anéis, não para os de face plana), bem como por ser muito diferente o pesodos dois tipos de machados, o que configuraria utilizações distintas. A estes doisargumentos, pode juntar-se um terceiro, que é o de ocorrerem em conjuntos fechados,por vezes os dois tipos de artefactos: é o caso do depósito de Coles de Samuel, Soure(Pereira, 1971).

O mapa de distribuição de A. Coffyn (1985), relativo aos três grupos arte-factuais referidos, mostra que a única área em que coexistem é a Estremadura.Fossem de fabrico estremenho, apenas provado no caso das foices de tipoRocanes – relembre-se que até hoje não se encontrou nenhum molde do itemmais comum dos referidos, o machado de alvado com duas argolas, emterritório português – ou não, a presença destes três conjuntos de artefactosde produção dispendiosa – foices de tipo Rocanes, machados unifaces detalão e machados de alvado – revela a capacidade económica atingida noBronze Final II pelas populações da Baixa Estremadura. Tais peças,destinavam-se tanto para utilização local – só então as foices de sílex e madeirateriam sido substituídas por equivalentes metálicos – como, sobretudo, paraexportação, por via marítima. A Estremadura comportar-se-ia, então, como"placa giratória" deste comércio transregional. Sem recursos naturais quejustificassem a emergência das elites por um processo de acumulação deriqueza – não se crê que os aludidos potenciais agrícolas fossem suficientespara tal – a sua génese e florescimento só poderá ser eficazmente explicadapela própria metalurgia do bronze e consequente comercialização dos produtosmanufacturados, ou das respectivas matérias-primas (Kalb, 1980a). Estas,circulariam sob a forma de lingotes, provavelmente produzidos à boca damina, como já se observava no Calcolítico, com o cobre (Cardoso &

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Fernandes, 1995; Cardoso, 1997). Assim sendo, os elementos detentores dopoder na região, actuariam como intermediários no comércio e circulação detais bens, arrecadando as mais-valias correspondentes.

No quadro das solidariedades comerciais atlanto-mediterrâneas entãoestabelecidas, a importância da Baixa Estremadura decorre, pois, da suaexcepcional posição geográfica, servida por excelentes ancoradouros, acomeçar pelos existentes na zona vestibular dos estuários do Tejo e doSado. Assim se explicam as numerosas peças importadas ou copiadaslocalmente, encontradas em sítios do Mediterrâneo Central (Itália, Sardenhae Sicília), inventariados por Lo Schiavo (1991), donde se destaca o célebre ejá atrás referido depósito do Monte Sa Idda, Cagliari (Sardenha), contendo,entre outros, os três tipos referidos (Taramelli, 1921). Esta ocorrência já tinhasido valorizada no trabalho pioneiro de R. de Serpa Pinto (Pinto, 1933),como importante marco do comércio peninsular do Bronze Final.

Segundo Lo Schiavo (1991), trata-se de um conjunto essencialmente dosséculos X e IX a. C., época a que pertencem as aludidas peças de modelopeninsular e, mais concretamente, estremenho.

Outro item que acusa produção peninsular ocidental é o "tranchet", tambémrepresentado no depósito do Monte Sa Idda, por um fragmento (Taramelli, 1921,Fig. 77), considerado de tipo "português" (Lo Schiavo, 1991). Trata-se de raro tipoartefactual, representado no território português por sete exemplares: castro daSenhora da Guia, Baiões, 2 ex. (Kalb, 1978; Coffyn, 1985; SILVA, 1986); Montedo Frade, Penamacor, 1 ex. (Vilaça, 1995); Castelo Velho do Caratão, Mação, 1 ex.(Coffyn, 1985); castelo de Arraiolos, 1 ex. (Carreira, 1994, Fig. 11, 3); Quinta doMarcelo, Almada (Barros, 2000); e Tapada das Argolas, Fundão (Vilaça et al.,2002/2003).

As armas, particularmente usadas pelo segmento guerreiro, cuja presença seafigurava essencial à manutenção das regras de convivência estabelecidas, sãoescassas na Baixa Estremadura. Os inventários supra-referidos assinalam apenastrês punhais de rebites na lingueta do tipo "Porto de Mós". Trata-se, como as peçasanteriores, de produção de cunho regional, cuja distribuição se centra naEstremadura e Beiras. Na Baixa Estremadura, ocorrem no Cabeço do Jardo, TorresVedras; no Moinho do Raposo, Alenquer; e na Lapa do Fumo, Sesimbra (Coffyn,1985). Encontra-se, igualmente, presente no depósito sardo de Santadi (Lo Schiavo,1991).

Reportam-se à área em estudo três pontas de lança de alvado, oriundas do Penedode Lexim, Mafra, 1 ex. (Sousa, 2000), sendo as duas restantes do castro da Ota,Alenquer (Barbosa, 1956). Uma destas, inscreve-se claramente no tipo Vénat(Coffyn, 1985), comum no litoral setentrional da Península e na Aquitânia, sendo

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a outra do tipo de aletas convexas alargadas na base, com pelo menos um paraleloportuguês, em Portelas, Lagos (Cardoso, Guerra & Gil, 1992).

É significativo que as armas tenham distribuição análoga às peças anteriores(machados de talão ou de alvado, foices, visto provirem essencialmente depovoados de altura, a par de sítios de índole funerária ou ritual, como asgrutas, adiante tratadas.

Aos argumentos que explicam o sucesso económico das populações do BronzeFinal II da região em causa, podem juntar-se a exploração de produtos dealta valia, potencialmente disponíveis na zona do estuário do Tejo: trata-sedo sal, cuja exploração no Bronze Final não se encontra demonstrada, masque seria provável, à semelhança do verificado no Sudeste, nas minas de salda região de Alicante e na Galiza (Mederos Martin, 1999) e do ouro,provavelmente já explorado perto do Miradouro dos Capuchos, Caparica nofinal do Calcolítico (Bübner, 1976). Mais tarde, o sítio da Quinta do Marcelo,Almada, datado pelo radiocarbono nos séculos XI/X a. C. (bolsa 1) e IX a. C.(bolsa 2), foi também atribuído a acampamento sazonal especia-lizado nogarimpo das areias auríferas do Tejo (Barros, 2000). Ali se recolheu o quepoderá ser uma copela e pilões de pedra, para o esmagamento do minério;também em abono desta actividade no local, a análise química revelouresíduos de ouro e de mercúrio no fundo de uma taça. A exploração do ouroaluvial era também possível na Trafaria e no litoral oceânico adjacente, naAdiça, tal como na margem norte do estuário, junto a São Julião da Barra:nestes dois últimos locais foi intensamente explorado no primeiro quartel doséculo XIX a. C., sendo mesmo conhecidas as quantidades obtidas (Eschwege,1830). Com este ou outro ouro se faziam as jóias auríferas, outro indicadorda presença de elites no fim do Bronze Final na Baixa Estremadura.

O exemplo mais notável é o colar do Casal de Santo Amaro, encontrado cerca de2 km a Norte da vila de Sintra, no sopé da serra do mesmo nome (Pereira, 1894;Vasconcellos, 1896). Segundo este autor, encontrou em sepultura de inumação,aproveitando espaço formado por duas bancadas de calcário, coberta por lagesirregulares. A sua tipologia é única, agregando três elementos que, vistosisoladamente, poderão assimilar-se a colares simples maciços de ouro fundido, desecção circular, decorados por motivos geométricos a punção, rematados de cadalado por duas campânulas rebitadas. Neste âmbito, possui paralelo nos colares deBaiões (S. Pedro do Sul) e em vários achados da Estremadura Espanhola ("tipoBaiões" ou "Sagrajas/Berzocana"). As extremidades dos três elementos referidosforam soldadas por fusão adicional, enquanto o fecho foi considerado como tendo

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sido feito a partir de um bracelete do tipo Villena/Estremoz (Armbruster, 1995).Ambos os tipos são considerados de tipologia atlântica, mais marcada no caso doscolares do tipo Sagrajas/Berzocana, enquanto as quatro campânulas fixadas porrebitagem ao aro central, são comparáveis aos terminais dos braceletes de TorreVã (Ourique), cuja filiação mediterrânea é evidente (Armbruster & Parreira, 1993).Deste modo, o colar de Sintra é a síntese de elementos de tecnologia e tipologiamuito diferentes, e também de tradições culturais distintas, exprimindo, mais doque qualquer outra peça, a realidade vigente na região, nos últimos momentos daIdade do Bronze.

A quantidade de ouro disponível e em circulação nesta época, encontra-seexpressivamente salientada pelo peso desta peça, com 1262 g. Na época, oouro abundava na Irlanda (afirmação eloquentemente demonstrada na salaprincipal do Museu Nacional em Dublin) e nas Astúrias, sob a forma aluvial.Mederos Martin (1999) valorizou esta última região como fonte provável dotesouro de Villena, Alicante, o conjunto pré-histórico europeu mais importantede recipientes áureos, tanto em número de peças como em peso absoluto,logo a seguir à totalidade do ouro recolhido em Micenas. Porém, a ausênciade análises sistemáticas de jazigos auríferos peninsulares dificulta a discussãoda questão das origens do ouro, aumentada pela possibilidade de refusão depeças mais antigas (Perea, 1991). Não obstante as reservas apontadas, osresultados das análises feitas a elevado número de jóias do Bronze Final daEuropa atlântica (Hartmann & Sangmeister, 1972) poderão servir de basepara reflexão: um dos grupos auríferos isolados (Grupo N) na fachadaocidental da Península, é extremamente abundante na Dinamarca e na Irlanda,de onde poderia ser originário (cf. Kalb, 1980 a, nota 21). O fluxo auríferode Norte para Sul encontraria, nalgumas peças do quotidiano, como as foicesde alvado, elemento abonatório, tal como, seguindo caminho inverso, sepodem reportar a produções peninsulares o achado de machados de alvado,de talão unifaces e do tipo "Reguengo Grande" (Tipos 30, 36 e 42 deMoteagudo, 1977) em domínios setentrionais (Bretanha, Inglaterra, Irlandae Escócia).

Uma das provas mais sugestivas dos contactos entre o mundo norte-atlântico e aregião centro do País é representada pelas contas de âmbar. Uma destas raras peças,já anteriormente referida, provém da bolsa 2, datada do século IX a. C. do sítio daQuinta do Marcelo (Barros, 2000, fig. 55), embora não seja certa tal origem, podendoprovir igualmente do Mediterrâneo Oriental. Com efeito, a sua tipologia é algodistinta das duas contas recolhidas no povoado de Moreirinha, Idanha-a-Nova,cuja análise química confirmou origem báltica (Beck & Vilaça, 1995). As restantestrês ocorrências de âmbar em contextos do Bronze Final, correspondem igualmente

Fig. 268

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a contas e são todas de carácter habitacional; no castro da Senhora da Guia, Baiões,encontrou-se ainda um bloco de âmbar, que sugere transformação em contas inloco, mais ao gosto local, o que explicaria a heterogeneidade tipológica de taispeças.

Seja como for, o elevado peso do colar de Sintra, a par do seu reduzidodiâmetro interno (apenas 14 cm) tornaria difícil a utilização efectivadesta jóia (Ruiz-Gálvez Priego, 1995 a): também Leite de Vasconcelos tinhaafastado, pela mesma razão, a aludida utilização ao pescoço (Vasconcelos,1896). Nestes termos, a sua conotação com dote feminino, num quadro dearmazenamento social da riqueza, não é incompatível com o carácter funerárioatribuído ao achado. Mariza Ruiz chamou ainda a atenção para a frequênciade achados de jóias auríferas desprovidas de contextos, achadas isoladas, emzonas de portela ou de passagem. A ser assim, o achado do Casal de SantoAmaro, na periferia da serra de Sintra, quadra-se bem nesta concepção,situando-se "na penumbra" produzida pela própria imponência da massarochosa, que adquiriu, desde a Pré-História, pela sua posição geográfica,verdadeiro marco do "fim do Mundo", o estatuto de montanha sagrada, o"Monte da Lua", como já anteriormente se referiu. Com efeito, é significativaa densidade dos achados do Bronze Final, com sobrevivências evidentes noperíodo romano: veja-se o caso do santuário marítimo do Alto da Vigia, pertoda Praia das Maçãs, dedicado ao Sol e à Lua, estudado por Francisco d'Ollanda(Ribeiro, 1982/1983, p. 166, nota 9).

Conotáveis com práticas rituais do Bronze Final II na região em estudo, são asnumerosas ocorrências de cerâmicas, acompanhadas por vezes de materiaismetálicos, seguindo práticas talvez herdadas das que, no Bronze Pleno, foramanteriormente aludidas, em diversas grutas naturais dos relevos calcáriosaestremenhos.

O exemplo mais expressivo é o conjunto de cerâmicas de ornatos brunidos da Lapado Fumo, Sesimbra (Serrão, 1958, 1959; Cardoso, 1996); outros casos se poderiamreferir, com destaque para os materiais da gruta do Correio Mor, Loures (Cardosoet al., 1997/1998). Embora se não possa afastar definitivamente a hipótese deconstituírem espólios funerários, ou mesmo de índole doméstica – sugeridos pelapresença de grandes vasos de armazenamento – o facto de jamais se associarem arestos humanos (ou a cinzas, na hipótese de corresponderem a sepulturas deincineração), confere credibilidade à hipótese de estarem relacionados comsantuários rupestres, então instalados em tais cavidades. As grutas-santuárionurágicas da Sardenha, nas quais se recolheram peças de bronze, algumas de origem

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ou imitação peninsular (Lo Schiavo, 1991, Fig. 7) podem constituir elementocomparativo merecedor de reflexão, a par do já referido culto das águas poderpassar pela utilização de grutas com circulação de água como necrópoles (Coffyn& Sion, 1993); porém, nenhuma das cavidades referidas evidencia tal realidade eoutras, onde aquela é evidente, não conservam testemunhos comparáveis. Aindareportável a tal tipo de depósitos é uma pequena garrafa, apenas com 6,6 cm dealtura e com decoração canelada, oriunda de uma das grutas do Poço Velho, Cascais(Spindler et al., 1973/1974). O paralelo mais próximo são as pequenas garrafasáureas do tesouro de Villena, Alicante, situável no início do Bronze Final, ca.1575-1400 a. C. (Mederos Martin, 1999). O exemplar português poderia interpretar-secomo uma imitação em barro de tais peças, à semelhança de exemplares coevos doCerro de La Encina, Granada, do grupo Cogotas I, assinalados pelo referido autore, deste modo, inscrever-se como mais um testemunho das relações entãoestabelecidas entre a Baixa Estremadura e outras áreas meridionais peninsulares.

Naturalmente que, face às jóias de ouro, a ocorrência de adornos de bronze,como braceletes, anéis ou fíbulas se reveste de um significado social menor.A par de anéis, de bronze e de secção circular, conhecidos em numerosossítios da região, que poderiam, sobretudo, corresponder a argolas e destemodo integrarem peças compósitas, hoje difíceis de reconstituir, destaca-sea ocorrência de braceletes simples, de secção sub-rectangular a sub-quadrangular, como os seis oriundos do Cabeço de Moinhos, Alcainça, Mafra(Vasconcellos, 1920; Vicente & Andrade, 1971; Kalb, 1980 b). Tal como osmachados e foices anteriormente referidos, estas peças atingem naEstremadura a sua frequência máxima. As fíbulas de cotovelo e de duplamola inscrevem-se também na indumentária das elites do Bronze Final II. Osítio da Quinta do Marcelo, Almada (fossa 2) forneceu uma de cada tipo(Barros, 2000, Fig. 60 e 61). A fíbula de cotovelo corresponde ao modelocipriota, tendo nos exemplares recuperados no Abrigo Grande das Bocas,Rio Maior (Carreira, 1994) e no depósito da ria de Huelva (Almagro, 1958;Ruiz-Gálvez Priego, 1995 b), os seus paralelos mais próximos e, tal comoneste último depósito, está também datada no Século IX a. C. peloradiocarbono. Nestes termos, a fíbula de dupla mola, que a acompanhava,afigura-se como um dos exemplares mais antigos conhecidos. Trata-se demodelo a que Coffyn (1985, p. 267) atribuiu origem peninsular mediterrânea,por evolução local das fíbulas em cotovelo. Fíbulas de dupla mola persistem,em plena I Idade do Ferro, tanto na vizinha estação de Almaraz, Almada(Barros, 2000), como no castro de Chibanes, Palmela (Costa, 1910, Fig. 515),para só mencionar dois exemplos da região.

Independente das razões que estejam na origem de alguns dos achadosreferidos – tenha-se em conta que ainda se não dispõe de modelos operativos

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para interpretar uma realidade muito mais complexa do que aquela que asténues evidências materiais deixam supor – o certo é que peças como o colardo Casal de Santo Amaro mostram o sucesso das elites do fim do BronzeFinal, associadas ao culminar do estabelecimento de uma vasta rede deintercâmbios, baseadas na complementaridade de interesses, suportadas porpactos de solidariedade entre as elites. Sendo certo que, nesta época, aimportância mineira da Península se baseava na presença do cobre, a Sul, edo estanho e ouro, a Norte, as alianças firmadas pelas respectivas elitesregionais terão por certo desempenhado papel de primordial importância naoptimização da exploração de tais recursos, e no acréscimo das produçõescom o consequente escoamento dos minérios, sob a forma de lingotes, oudos respectivos produtos manufacturados. Tais bens permitiram, em troca,obter produtos "de luxo", bem como certas matérias-primas, como o âmbare o ferro, tão expressivamente representado pelas três faquinhas da Quintado Marcelo, já anteriormente referidas, datadas do século IX a. C., que sesomam a exemplares da região beirâ, já aludidos.

18.2.2 Necrópoles e rituais

O monumento da Roça do Casal do Meio, no concelho de Sesimbra, é, semdúvida, o mais expressivo documento dos contactos estabelecidos no BronzeFinal II (Séculos XIX a VIII a. C.) com o Mediterrâneo Central, de ondeproviriam intermediários dos mercados situados mais a oriente, e que tinhama ilha de Chipre por centro. Trata-se de sepultura com câmara coberta porfalsa cúpula (tholos), corredor e átrio, escavada em 1972 por K. Spindler eO. da Veiga Ferreira. Exemplar de arquitectura única na Península Ibérica, aestranheza que causou, aquando da sua descoberta e mesmo depois, foi tanta,que os seus exploradores tiveram que recorrer à tradição calcolítica para aexplicar, expressa, na mesma região, por construções análogas (Spindler etal. 1973/1974). Em alternativa, foi admitida a hipótese de se tratar de simplesreutilização de uma tholos calcolítica (Belén, Escacena & Bozzino, 1991,p. 237), a qual se afigura mais realista e viável, apesar de se não ter conservadoqualquer objecto calcolítico, por pequeno que fosse. Recentemente,Almagro-Gorbea (1998) admitiu tratar-se de uma criação local, com paralelostanto nas sepulturas com câmara circular e dromos do Mediterrâneo Central(Sardenha, Sicília), como do Mediterrâneo Oriental (Egeu, onde segeneralizam a partir do Heládico Final II-III e em Chipre).

A câmara, circular, comunica com o exterior através de um corredor comdeclive para o interior (dromos), selado na entrada por um grande ortóstatode calcário (stomion), sendo também observável a selagem do corredor, na

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passagem para a câmara por amontoado de blocos. Todos estes elementosforam observados em tholoi da área micénica, embora a sepultura da Roçado Casal do Meio seja cerca de 200 a 300 anos mais recente que os maismodernos daqueles sepulcros (Mylonas, 1957). Na câmara, efectuaram-seduas deposições de adultos e do sexo masculino, um entre 20 e 40 anos,outro entre 40 e 50 anos, (Vilaça & Cunha, 2005), em decúbito dorsal (sep. 1),e em decúbito lateral retraído, sobre pequena banqueta argilosa encostada àparede da câmara (sep. 2). Ritualmente, depositaram-se aos pés das duastumulações – sem dúvida efectuadas em simultâneo, ou separadas de curtointervalo de tempo – restos de quatro ovino-caprinos juvenis; a análise dossegmentos anatómicos conservados mostra que correspondiam a nacos ricosde carne. Oferendas do mesmo tipo, talvez relacionadas com o banquetefunerário, encontram-se igualmente em tholoi micénicas, tal como o uso dedepositar os corpos em banquetas, como a observada (Mylonas, 1948),costumes que se não verificam nas tholoi calcolíticas da região.

O alto estatuto social das duas personagens ali tumuladas encontra-se sublinhadopelo espólio acompanhante: à primeira sepultura, pertencia um pente de marfim,uma pinça depilatória e um anel de bronze; à segunda, reporta-se outra pinça, demaiores dimensões, um "agrafe" de cinturão e uma fíbula. Dois recipientes – umvaso de colo alto com ornatos brunidos no bojo e uma taça carenada – ambasproduções típicas do Bronze Final – completavam o conjunto, sendo o únicosexemlares de produção claramente local ou regional. Com efeito, a requintadaindumentária usada pelos dois personagens, é indicada pelo agrafe de cinturão, talcomo a fíbula, objectos até então desconhecidos na região, que pressupõem autilização de tecidos finos, atendendo à sua fragilidade e pequeno tamanho; poroutro lado, o cuidado com a própria apresentação é ilustrada pelo pente – um dosescassos marfins anteriores às importações fenícias,a par dos braceletes de PeñaNegra I, Alicante (González-Prats, 1990) – e pelas pinças depilatórias. Estas últimas,são muito mais que um simples objecto de cosmética, podendo associar-se aotratamento da barba, como símbolo de idade e hierarquia (Ruiz-Gálvez Priego,1995c, p. 139).

A cronologia encontra-se determinada pela tipologia da fíbula, comenrolamento no arco, cujos paralelos mais próximos nos remetem para aSicília (fíbulas de "arco serpeggiante", cf. Ruiz-Delgado, 1989) da fasePantálica II/III. Já os escavadores do monumento a tinham assim comparado,atribuindo-lhe cronologia do século X a. C. a inícios do seguinte, que trabalhosulteriores referindo-se à mesma peça, não alteraram (além dos doissupracitados, refira-se o de Ruiz-Delgado, 1989): são todos unânimes na suafiliação em modelos do Mediterrâneo Central, reforçada pelo facto de se

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tratar de peça sem equivalente na região. Recentemente, (Vilaça & Cunha,2005), promoveram datação pelo radiocarbono, que confirmou tal cronologia,ao indicar que as tumulações teriam ocorrido entre os meados do século XIe os finais do século IX a. C.

Assim sendo, os dois indivíduos tumulados poderão conotar-se com as elitesregionais do Bronze Final II as quais, num processo de aculturação, teriamadoptado não apenas a indumentária e formas de cuidados pessoais comorigem no Mediterrâneo Central, considerados mais requintados, mas aindaas próprias práticas rituais vigentes nessa área geográfica –independentemente de se tratar de um monumento calcolítico reutilizado,ou não – tributárias de outras, oriundas do Mediterrâneo Oriental. Emalternativa, por serem tão evidentes os indícios exógenos, é lícito admitir(Cardoso, 2000 b; Cardoso, 2000 c), como Ruiz-Gálvez Priego (1998 c), queos dois indivíduos sepultados na Roça do Casal do Meio correspondam adois comerciantes de origem sarda, estabelecidos perto da foz do Sado,hipótese que corporizaria, pela primeira vez, a presença directa no terreno decomerciantes mediterrâneos, antes da chegada fenícia.

Com efeito, em plena Serra da Arrábida, identificou-se povoado de altura damesma época – o Castelo dos Mouros (Silva & Soares, 1986) – cujoshabitantes não custa ver relacionados com os personagens tumulados na Roçado Casal do Meio. Atendendo ao tipo de implantação dos dois sítios, é aliciantefazer corresponder ao primeiro o papel de sede da população indígena. A serassim, a evidência material disponível adquiriria outra dimensão e coerência,enfatizando a perspectiva de uma fase pré-colonial, de há muito defendidapor Almagro-Gorbea (1990, 1998), para cuja existência seria incontornávela própria presença de indígenas, relacionando-a directamente com comer-ciantes marítimos de origem exógena, razão única da sua própria presençanestas paragens.

As sepulturas do Bronze Final do território português, entre as quais omonumento da Roça do Casal do Meio se inscreve, repartem-se por doisgrandes grupos: as de inumação e as de incineração. No primeiro caso, alémdo sepulcro referido, podem mencionar-se as reutilizações de grutas do maciçocalcário estremenho. Mas o único caso em que se recolheram ossos humanos(gruta da Marmota, Alcanena), aparentemente associados a espólio do BronzeFinal, faz admitir a hipótese de, ao menos, parte das restantes cavidades commateriais homólogos, corresponderem mais a sítios de cerimoniais religiososdo que a necrópoles. Outra situação completamente diferente, corresponde àdescoberta das célebres necrópoles de incineração das proximidades deAlpiarça, as de Tanchoal e de Meijão, estudadas por Mendes Corrêa em 1916.Este autor é taxativo quanto à existência, em Tanchoal, de restos ósseoscalcinados e de cinzas, de mistura com braceletes de bronze lisos, semelhantesaos do tesouro do Casal dos Fiéis de Deus (Bombarral), pertencentes ao

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Bronze Final. As limpezas efectuadas, muito depois, na superfície dosrecipientes, por G. Marques, revelaram que muitos deles possuíam decoraçõesde "ornatos brunidos". Tal situação seria suficiente para situar as duasnecrópoles no Bronze Final, a que se somam os vestígios recuperados novizinho Cabeço da Bruxa, também atribuíveis a outra necrópole, muitodestruída. Os seus escavadores, P. Kalb e M. Höck, admitiram uma cronologiaadentro do Bronze Final, muito embora refiram a hipótese de as duasnecrópoles exploradas por Mendes Corrêa serem já da Idade do Ferro.Compreende-se, deste modo, o alto interesse que teria a datação peloradiocarbono dos fragmentos ósseos recuperados em Meijão, a qual seefectivou recentemente (Vilaça, Cruz & Gonçalves, 1999), confirmando aatribuição da necrópole ao Bronze Final II, datando-a entre meados do séculoXI e inícios do século IX a. C. Esta cronologia é compatível com o faseamentoproposto para os campos de urnas da Catalunha: a 1.a fase dos campos deurnas antigos situar-se-ia, naquela região, entre 1100 e 1000 a. C., paraAlmagro-Gorbea (1977) e Ruiz Zapatero (1985), cronologia a que os dadosdo radiocarbono vieram conferir maior precisão: assim, os campos de urnasmais antigos distribuem-se entre cerca de 1400 e 1100 a. C., envelhecendoassim o faseamento anteriormente proposto (Castro Martínez, Lull & Micó,1996, Gráf. IV.2.1).

Deste modo, as duas necrópoles referidas, situadas em campo aberto,documentam uma importante ocorrência de "campos de urnas" do BronzeFinal, em pleno Ribatejo, extensão mais meridional/ocidental dos seushomólogos da Catalunha.

A área ocupada pelas duas necrópoles, no máximo 200x200m em Meijão ecerca de 400x200m em Tanchoal (Marques, 1972, Fig. 1), face ao diminutonúmero de urnas existente, poderia, numa apreciação mais sumária, levar aadmitir um assinalável afastamento entre estas; nada mais errado. Com efeito,sabendo que os recipientes, tanto no Tanchoal como em Meijão, haviam sidoencontrados no decurso do plantio de vinhas, só os que se encontravam nafaixa a abrir, com cerca de 0,80m de largura por cerca de 1,0m de profundidadeeram susceptíveis de serem encontrados. Esta técnica explica o testemunhode Mendes Corrêa, recolhido directamente dos trabalhadores, de que cercade 16 urnas haviam sido encontradas "encostadas umas às outras" numa covaquadrada, com cerca de 1m de lado por 1,20 m de profundidade; na verdade,tais peças foram recolhidas "umas a seguir às outras", aquando da aberturada vala para o plantio (Marques, 1972, p. 14).

Esta realidade vem, pois, mostrar que o afastamento das diferentes tumulaçõesnão poderia ser grande, confirmando a existência de verdadeiros "campo deurnas", tal como haviam sido considerados por Mendes Corrêa (Corrêa,1935).

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Em Portugal, por evidentes dificuldades inerentes às próprias condições dosachados, não se tem valorizado o cunho ritual de muitos depósitos metálicosdo Bronze Final. Todavia, um rápido levantamento levaria a relacionar amaioria das jóias auríferas atribuíveis ao Bronze Final, aparecidassimplesmente na terra, muitas vezes no decurso de trabalhos agrícolas, comopanóplias femininas, ali depositadas ritualmente, como defendeu M. R.Gálvez-Priego; ao contrário, os raros achados de armas, nas águas oudepositadas nas fendas das rochas, são interpretáveis como cultos funeráriosmasculinos. Se os primeiros são relativamente abundantes (ver inventárioem Armbruster & Parreira, 1993), já dos segundos, o único exemplo emPortugal é a espada do tipo "língua de carpa" dragada em Cacilhas, que poderáter outras leituras, para além das estritamente funerárias. Numa época decrise climática, com acentuada progressão da aridez, que terá correspondidoa quase toda a Idade do Bronze, acentuar-se-iam as práticas religiosas comvalorização das divindades aquáticas, a quem seriam ofertadas tais peças.Com efeito, inventários realizados na área atlântica, evidenciaram um aumentode tais achados ao longo de toda a Idade do Bronze. A exacerbação destaprática teria também conduzido, como já se referiu, ao culto das águassubterrâneas ou das cavidades, transformando em santuários numerosas grutasnaturais, o que explicaria, como já anteriormente se referiu, o achado frequentede materiais da Idade do Bronze em tais locais (com natural incidência naregião onde abundam, a Estremadura), sem que em geral se possam associara sepulturas. A espada dragada em Cacilhas poderá, enfim, corresponder auma peça perdida, ou a um naufrágio: o que só evidencia as dificuldades deestabelecer, neste como em outros casos, nexos de causa-efeito.

18.3 Alentejo e Algarve

18.3.1 Povoamento, actividades económicas e organização social

Os numerosos povoados de altura, por vezes fortificados, já identificadosparecem relacionar-se, sobretudo, com o controlo terrestre do comércio deminérios, dada a proximidade de importantes minas de cobre ou com acirculação destes e de outros bens, ao longo do Guadiana. Merece referênciaespecial o povoado do Passo Alto, situado num alto, na confluência da ribeirado Vidigão com o rio Chança, afluente do Guadiana (Serpa). Com efeito, emárea situada no exterior da muralha ali existente e que barra o esporãotopográfico assim criado, e ocupando aproximadamente espaço de contornotrapezoidal do lado externo daquela, observaram-se numerosas pedrasfincadas verticalmente, no solo. Trata-se de exemplo característico dodispositivo defensivo designado por "cavalos de frisa", o qual é bem conhecido

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nos povoados da Idade do Ferro do norte do actual território português. Destemodo, a presente ocorrência tem o interesse de fazer recuar ao Bronze Finaltal técnica defensiva, como é indicado pelo espólio arqueológico recolhido(Soares, 1986, 2003). Alguns dos povoados de altura alentejanos, vastos ecom monumentais dispositivos defensivos já da Idade do Ferro, configurama presença de milhares de habitantes no fim do Bronze Final, tornandoincontornável a existência de uma sociedade estratificada, na qual umadeterminada elite detinha o poder (Alarcão, 1996). Tal realidade só nestafase avançada do Bronze Final se afirma, na sequência da longa evoluçãodesde pelo menos ofinal do Calcolítico. Um dos mais expressivos exemplosdos grandes povoados alentejanos do Bronze Final é o da Coroa do Frade,Évora. Trata-se de um vasto povoado de altura, correspondendo, como opróprio topónimo indica, à ocupação do alto de um cabeço, envolvida poruma linha muralhada. Segundo J. M. Arnaud, o dispositivo defensivoprincipal, cuja planta tem a forma piriforme, desenvolve-se segundo um eixomaior com cerca de 200m, possuindo o eixo menor cerca de 100m,encontrando-se a entrada principal reforçada por um bastião (Arnaud, 1995).Não existem dúvidas quanto à integração desta grande mas singela fortificaçãono Bronze Final, visto corresponder à única ocupação arqueológicaidentificada nas escavações realizadas.

De entre o espólio recolhido destaca-se a presença de fragmentos de punhais delingueta rebitada (tipo Porto de Mós), uma ponta de lança de alvado e uma fíbulade dupla mola, que situa esta ocupação no fim do Bronze Final (século VIII a. C.);a cerâmica inclui formas características, lisas ou decoradas, avultando a presençada já referida decoração de ornatos brunidos. Entre os objectos de adorno ou deindumentária, para além da fíbula mencionada, registaram-se contas de colar deâmbar, cornalina, e marfim. A metalurgia encontra-se documentada por fragmentode molde de fundição de pedra, destinado ao fabrico de, pelo menos, quatro objectosdistintos. Pelas características do povoado e pelos objectos recuperados na diminutaárea investigada, pode concluir-se pela existência de uma comunidade em quepelo menos um segmento detinha assinalável poder económico, certamentepropiciado pela exploração mineira e pela subsequente actividade metalúrgica,exercida no próprio povoado, sem ignorar que o sucesso das centenas de habitantesali sedeados se ficaria, também, a dever à prática de uma evoluída economiaagro-pastoril, nos terrenos adjacentes. Outros povoados de altura do Bronze Finalse poderiam citar, tanto no Alto como no Baixo Alentejo, confirmando a realidadesócio-económica indicada pelos que foram mencionados. Um dos que foiinvestigado recentemente é o castro dos Ratinhos (Moura), dominando o Guadiana,o qual revelou um importante dispositivo defensivo do Bronze Final, sem dúvidarelacionado com o papel desempenhado pelo povoado na circulação comercial aolongo daquele rio, designadamente de produtos metálicos.

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No entanto, a recolecção litoral continuou a ser actividade importante, assumindoprovavelmente um carácter mais vincadamente sazonal do que anteriormente,documentada pelos sítios abertos de Cerradinha, junto à lagoa de Santo André(Santiago do Cacém) e de Pontes de Marchil, sobre a ria de Faro, entre outros.Verifica-se, pois, a existência de um polimorfismo no tocante às característicasdos sítios habitados, envolvendo povoados de diferentes dimensões e com distintascaracterísticas de implantação geográfica, desde as praias litorais, passando porterritórios abertos, a colinas e mesmo a elevações, defendidas naturalmente ouainda com recurso a dispositivos construídos para o efeito, rincluindo muralhas,aterros ou fossos.

Datam deste curto período de transição para a Idade do Ferro diversas jóiasauríferas, expressivamente representadas pelo conjunto do Álamo (Moura),o qual revelam em parte, tecnologia orientalizante, patenteada em particularno colar, que é oco, embora com decoração do tipo Sagrajas/Berzocana, defiliação atlântica, enquanto outro colar, laminiforme, evoca o mundo conti-nental de filiação hallstática: uma vez mais, é o sul, mediterrâneo, acruzar-se, no interior do actual território português, com o mundo europeu econtinental. De qualquer modo, teríamos produções destinadas às elites, talvezobra de artífices forâneos, que adaptaram aos seus gostos as jóias fabricadaspor novos métodos. Outro exemplo dessa forte presença orientalizante sãoas duas magníficas pulseiras de Torre Vã, Ourique, da transição do BronzeFinal para a Idade do Ferro (século VIII a. C.), com granulado produzidopor pequenas esferas soldadas ao longo do corpo de cada uma das peças, queé oco (Armbruster & Parreira, 1993). Importa referir o célebre braceletede Estremoz, com cerca de 1Kg, hoje no Museu Arqueológico Nacionalde Madrid, que suportou a criação do grupo de Villena/Estremoz. Écaracterizado pela utilização da técnica de fundição em molde de cera perdidae o recurso à rotação ao torno, conferindo contorno perfeitamente circular atais peças, correspondendo a braceletes e a anéis, como o recolhido emTrindade, Beja. A origem destas produções, que ascendem a cerca de 60exemplares, mostra uma distribuição generalizada pelo território peninsular,como peças que, de facto, circulavam, como presentes, para assinalarempactos entre comunidades ou, simplesmente, no âmbito da acumulação socialda riqueza, pelas elites, como já anteriormente se referiu. No entanto, apresença assinalável de ocorrências deste grupo de jóias no Alentejo, poderájustificar a hipótese de um centro de produção regional (Armbruster, 1993;Perea, 1994); com efeito, podem referir-se, para além das mencionadas, outrasocorrências (Lopes & Vilaça, 1998), entretanto assinaladas a propósito doestudo de uma peça notável, de bronze, recolhida em pequeno cabeço, pertoda confluência da ribeira de Terges com a ribeira de Cobres, Beja. Trata-sede um exemplar de uso não conhecido, com forma arqueada, decorada por

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entrançado em espinha, longitudinal, acompanhando dupla espiral; o melhorexemplar análogo, quase completo, provém do depósito do Monte Sa Idda,Cagliari (Sardenha), tanto pela forma como pela decoração peculiar. É-se,assim, levado, por via desta ocorrência para o mundo mediterrâneo, de ondeesta peça pode ter sido directamente importada. Comparações com produçõesainda mais orientais de Chipre à costa sírio-palestina seriam certamentepossíveis. Em Portugal, assinalam-se paralelos no fragmento do Castro dePragança, Cadaval, no exemplar proveniente do Monte de S. Martinho,Castelo Branco (Vilaça, 2004) e, sobretudo nos queimadores de essênciasdo depósito do Castro da Senhora da Guia, Baiões, já atrás referidos. Todosestes exemplares, conquanto possam ter sido verdadeiramente importados –dada a sua raridade e especificidades – nada obsta a que tenham sidoproduzidos localmente, hipótese que parece menos provável.

18.3.2 Necrópoles e rituais

Com excepção do túmulo da Roça do Casal do Meio, as sepulturas do BronzeFinal do sul são-nos quase completamente desconhecidas, o que não significaa existência de complexos rituais, que legitimavam o próprio poder das elites.

Recente revisão desta questão (Cardoso, 2004 c), conduziu à conclusão queforam diversos os sepulcros megalíticos reutilizados no Bronze Final, tantocomo sepulturas de inumação como de incineração. No primeiro caso, oexemplo mais nítido é o da tholos do Cerro do Malharito, Alcoutim: o interiorda câmara do monumento calcolítico foi completamente esvaziado para, sobreo chão primitivo, se inumar pelo menos um indivíduo, acompanhado deobjectos de adorno e de recipientes cerâmicos típicos do Bronze Final oumesmo da transição para a Idade do Ferro. No segundo caso, avulta adescoberta, no interior da câmara de tholos do Barranco da Nora Velha,Ourique, de quatro recipientes, duas urnas e duas taças, com ornatos brunidos.Abel Viana, que escavou este monumento, relacionou as taças como sendo acobertura das urnas, que assim teriam funcionado como contentorescinerários. Próximo, encontraram-se os restos de um caldeirão de bronze,também situável naquela época. Estaríamos, assim, em presença dareutilização deste megálito no Bronze Final, através da deposição de duasurnas cinerárias. É provável que as contas de âmbar e de ouro ali tambémrecolhidas se reportem a tal reutilização que teria, nas necrópoles deincineração de Alpiarça, atrás mencionadas, o seu melhor paralelo.

No concernente às práticas rituais, com ou sem componente funerária, doBronze Final do sul do actual território português, merecem destaque aschamadas estelas insculturadas "extremeñas", cuja distribuição geográfica

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abarca, também, vasto território interior a norte do Tejo. Com efeito, a suaárea de dispersão em território português estende-se desde o barlaventoalgarvio ao centro interior beirão, correspondente ao prolongamento ocidentalda área de maior concentração, a Estremadura espanhola e AndaluziaOcidental. No conjunto, são conhecidas cerca de 80 estelas, na sua esmagadoramaioria na Extremadura espanhola – por isso chamadas "extremeñas" – cujosignificado, tradicionalmente considerado de cunho funerário com base emanalogias com as estelas mais antigas, como a de Alfarrobeira (SãoBartolomeu de Messines), que marcava efectivamente um sepulcro – nãoobriga forçosamente que estejam invariavelmente relacionadas com tal tipode ocorrências (aliás quase desconhecidas na área correspondente à suadispersão: com efeito, trata-se, na maioria dos casos, e à semelhança com overificado nas suas congéneres mais antigas, de monumentos descon-textualizados, impedindo maiores certezas.

Da família das estelas ditas "extremeñas", não fazem parte três monólitos, emboracom elas possuam estreitas afinidades: trata-se do conjunto proveniente do Montede São Martinho, Castelo Branco; a estela I, será adiante referida mais em pormenor;a estela II exibe a forma fálica – como a estátua-menir de Chaves, já mencionada– estreitamente conotada com o personagem masculino nela representado, atirandocom arco e flecha na direcção de um veado o qual, por sua vez, é perseguido porum cão. Trata-se, evidentemente, de cena simbólica, recordando a cena homóloga,mas alguns milhares de anos mais antiga, pintada no dólmen dos Juncais, Sátão,anteriormente referida. O alto estatuto do indivíduo assim heroicizado é indicadopelos atributos que o rodeiam: uma fíbula de cotovelo, um cão, um espelho e,talvez uma espada embainhada, de um lado e o carcaz, do outro lado; enfim, aestela III, incompleta, tem semelhanças com a primeira. O destaque dado a esteconjunto estelar advém também do facto de ser o único directamente relacionadocomimportante povoado coevo (Vilaça, 2000); assim sendo, estar-se-ia perantesantuário, com o qual a população do povoado diariamente convivia, onde seencontrariam representados personagens heroicizados nos quais todos se reviam,constituindo assim importante elemento para a coesão social da comunidade alisedeada.

Segundo alguns autores, tais monólitos poderiam ainda pontuar as vias decirculação transregionais mais importantes, sacralizando, em determinadoslocais de passagem, ou portelas, a memória dos chefes, ou marcandosimplesmente o direito à propriedade ou o controlo de circulação de taissítios por parte da elite guerreira a que se reportam. Os estudos de síntesepublicados permitem a identificação de três grupos de índole temática/tipológica que, para alguns autores, se sucedem no tempo, no sentido cadavez mais explícito da afirmação/heroicização dos personagens representados,

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integrando uma aristocracia guerreira em nítida fase de consolidação. Nestaperspectiva, a uma fase mais recuada, onde aparecem apenas representaçõesde armas (escudos com chanfradura em V, espadas em língua de carpa, lançasde alvado), suceder-se-ia uma fase intermédia, já com a representação humanae a esta, a fase final, inserível no século IX a. C., onde o defunto, ou chefeguerreiro heroicizado, nos surge cercado de todos os atributos do seu poder(jóias, armas, carros de combate, cães, etc.), e, nalguns casos, com os seusservos ou inimigos, vencidos aos pés, de que é paradigma a estela de ErvidelII (Beja).

Esta visão estritamente evolucionista, baseada na substituição do simplespelo mais elaborado (Gomes & Monteiro, 1976/1977), na esteira declassificação desenvolvida para os exemplares espanhóis porM. Almagro-Gorbea, foi recentemente discutida e contrariada por Jorge deAlarcão, num importante artigo que dedicou à etnogénese dos Lusitanos(Alarcão, 2001). Segundo o autor, as diferenças iconográficas observadasnas estelas estremenhas, dever-se-iam à própria posição social do defunto,no seio da respectiva comunidade. Atribuindo-lhes cronologia com início noséculo IX e terminus no século VII a. C., correspondente à época da afirmaçãoda Idade do Ferro na área geográfica em questão e conotação funcional incerta,mas inclinando-se para finalidade funerária, as que ostentam a representaçãodo carro de combate, considerado o símbolo máximo do estatuto de todos osque nelas se exibem e a do seu possuidor, seriam as utilizadas nas sepulturasde príncipes; as que representam apenas armas, seriam as pertencentes avassalos, ou melhor, a membros da aristocracia guerreira; enfim, as queassociam tais elementos à figura humana, seriam de personagens com podertemporal, delegado pelo príncipe.

Naturalmente, esta interpretação, como o próprio autor declara, é passível dereservas; mas ela tem o mérito de, pela primeira vez, associar territórios àdistribuição dos três tipos de monumentos, constituídos deste modo emverdadeiros "feudos", com fronteiras bem delimitadas. Este regime deprincipados, cuja aplicação é ensaiada pelo autor à actual Extremaduraespanhola, nada impede que se estendesse ao actual território português daBeira Alta – estela de Baraçal (Sabugal), passando pela Beira Baixa – estelade Meimão (Penamacor), com extensão ao Baixo Alentejo – estela de ErvidelII (Beja), já mencionada – e mesmo ao extremo ocidental do Algarve – estelade Figueira (Vila do Bispo).

Tão grande dispersão geográfica não espanta: o mesmo se verificou emEspanha, com ocorrências muito afastadas do núcleo estremenho, como asnotáveis estelas de Cortijo de Gamarrillas (Córdova) e de Écija (Sevilha) ou,em outra direcção, a estela de Preixana (Lérida), todas dadas a conhecer porM. Almagro Basch. Esta última, porém, é questionável quanto à sua integraçãono grupo das estelas estremenhas, tendo presente a sua iconografia, a qual,

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em contrapartida, inspirou J. de Alarcão para uma nova leitura da estela I doMonte de São Martinho (Castelo Branco), onde as duas figuras de guerreiros,ambas com capacetes de cornos liriformes, se encontrariam sob a protecçãode uma divindade, talvez Oipaingia, adorada nas proximidades, cujos braços,pendentes sobre as cabeças dos guerreiros, sugerem tal atitude.

Assim sendo, sem pretender traçar uma conotação das estelas estremenhascom os Lusitani – visto a distribuição daquelas excederem em muito os limitesgeográficos atribuíveis a estes – a verdade é que elas também ocorremparticularmente dentro de tais limites; tendo presente, por outro lado, que asua cronologia se sobrepõe à presença deste conjunto de populi, que o autoradmite terem chegado no fim do Bronze Final aos vastos espaços abertos daExtremadura espanhola a com extensão pela actual Beira Interior, por via deuma invasão pré-céltica de origem indo-europeia, fácil é concluir que estestambém adoptaram tais monumentos, seja com carácter sepulcral, seja comomarcadores de fronteiras, funções que, aliás, não são incompatíveis.

Seja como for, a realidade das estelas "extremeñas" é, de facto, acompanhadapelo registo material, com o acréscimo de armas, no Bronze Final II; aslanças de alvado, actualmente conhecidas no Sul, e a respectiva análisetipológica foram objecto de inventário (Cardoso, Guerra & Bragança, 1992),a propósito da descoberta, em pequena lapa sobre o Guadiana, próximo dabarragem de Alqueva de um pequeno depósito, provavelmente de índole ritual;das espadas, merecem destaque os dois exemplares de folha pistiliforme deSafara, Moura (MacWhite, 1951), bem como os dois exemplares de tipo"língua de carpa", de Évora, um dos quais partido por dobragem intencional(Jorge, coord., 1995). Recorde-se que este facto tem evidente carga simbólica,sendo conotável com o desaparecimento físico do seu possuidor: morto este,a espada, atributo individual por excelência do chefe guerreiro, teria tambémde sofrer fim idêntico. A representação do escudo com chanfradura em "V",de origem oriental, ocupando o centro das composições estelares, a que sejuntam outros elementos da simbólica das elites (o pente, o espelho, a fíbulade cotovelo, o carro), configuram influências mediterrâneas orientais notórias.Contudo, apesar de serem nítidas tais influências nos objectos representados,a que se poderão acrescentar os capacetes de cornos, representados na Estela Ide São Martinho, Castelo Branco, a concepção mais arcaica destas estelaspode encontrar-se na própria região, sendo corporizada pela estela deLongroiva, já atrás mencionada, pertencente aos primórdios do Bronze Pleno.Verifica-se, desta forma, uma realidade sempre presente, no decurso daPré-História: a absorção de novos estímulos culturais efectuou-se emharmonia com realidades há muito conhecidas, disso resultando uma situaçãonova, sem rupturas com a realidade antecedente.

Importa, a terminar, referir a utilização ritual de certas grutas algarvias, nodecurso do Bronze Final, também ela em continuidade com a observada no

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Bronze Pleno, pelo menos na Estremadura. É o caso da gruta de Ibne-Amar,junto ao estuário do Arade (Concelho de Lagoa), onde se recolheram diversosexemplares cerâmicos do Bronze Final, entre os quais alguns decorados comornatos brunidos (Gomes, Cardoso & Alves, 1995), bem como a gruta daLadroeira Grande, Olhão, dada recentemente a conhecer, de onde provémum conjunto de cerâmicas lisas (Gomes & Calado, 2007).

18.4 Epílogo. O território português no quadro das solidariedadesatlanto-mediterrâneas do Bronze Final

Foi no decurso desse longo período de convivência discreta, mantida portrocas comerciais de interesse mútuo, talvez ainda iniciado em meados do IImilénio a. C. – relembrem-se, a propósito, e entre outros testemunhos doBronze Pleno do território português, as 21 contas de pasta vítrea, azul eamarela, recolhidas na cista 22 da necrópole de Atalaia, Ourique (Schubart,1975, Tf. 26), com origem provável na área micénica – que se enformaramas elites do Bronze Final, tanto nos seus gostos quotidianos, como nas práticasreligiosas que, progressivamente, adaptaram aos seus próprios rituais. Desteprocesso de aculturação, resultou a criação de ambiente sócio-cultural propícioao rápido sucesso da empresa fenícia (Cardoso, 1995), facilmente afirmadaem locais propícios adjacentes do litoral ocidental e meridional, nalguns casosdesde finais do século IX a. C., ou inícios do seguinte, como em Santarémou Almaraz (Almada).

É no âmbito de tudo o que foi dito que o termo "Bronze Atlântico" ganhasubstância. Trata-se de realidade arqueológica baseada, como anteriormentese disse, na produção de peças de bronze e sua comercialização transregional– sobretudo seriam os modelos, mais do que as peças que viajariam, sendorapidamente reproduzidos localmente – decorrentes das relações comerciaisestabelecidas na fachada atlântica da Europa Ocidental, desde o Bronze Pleno,com progressiva intensificação até ao Bronze Final II, nos séculos XI/X aVIII a. C., altura em que se estenderam mais claramente ao Mediterrâneo.Tais actividades, baseadas no mútuo interesse comercial, veicularamrealidades culturais específicas, que, deste modo, se difundiram a outrasregiões, onde foram adoptadas pelas elites que nelas governavam. Originou-se assim uma nova realidade transcultural, de expressão supra-regional, e debase económica, onde se mesclavam tradições religiosas distintas, umas deraiz atlântica, outras originárias do oriente mediterrâneo.

Acentuou-se a posição geográfica privilegiada da Baixa Estremadura noâmbito de tais contactos atlanto-mediterrâneos, bem como, a uma escalamais circunscrita, no contexto do ocidente peninsular. Referiu-se a impor-

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tância económica dos dois grandes rios peninsulares que aqui confluem como Oceano, assegurando, o escoamento do ouro e do estanho, oriundos dointerior centro e norte, e do cobre, oriundo sobretudo do Alentejo. A francaexposição atlântica do seu litoral e o abrigo proporcionado à navegaçãooceânica pelos dois estuários respectivos, explica, enfim, a sua relevâncianas rotas comerciais marítimas.

Recorrendo à teoria locativa de Weber, de 1909 (in Vilaça, 1995), o localadequado para a instalação de uma determinada indústria deverá seleccionar--se de entre aqueles que correspondam às linhas de transporte de menoresforço, sem serem sinónimo de menor distância (mas sim de maior economia)necessária aos abastecimentos destinados ao seu funcionamento. Nestestermos, facilmentese verifica que a Estremadura recolhe todas as condiçõespara constituir a área ideal para a exportação das produções metálicas,essencialmente com destinos mediterrâneos, mas também atlânticos: atente--se simplesmente na presença de machados de alvado e dois anéis na Bretanhae Ilhas Britânicas, cuja máxima concentração se verifica na região entre Tejoe Mondego). O facto de ser a região do País mais rica em determinados tiposartefactuais, que raramente fora dos seus limites geográficos se encontram,parece vir ao encontro desta hipótese. Porém, como se verificou pelosinventários apresentados, trata-se de produções bronzíferas de índoledoméstica, sempre em pequena escala, traduzida pelos baixos efectivos dosachados; por outro lado, não se encontrou até ao presente nesta área, oficinaou povoado metalúrgico especializado, nem sequer um molde dos artefactosproduzidos mais comuns e característicos: os já mencionados machados dealvado e dois anéis. Com efeito, distribuição geográfica dos moldes deartefactos de bronze mostra uma concentração no interior centro do País(Vilaça, 1995, Fig. 76), próximo das jazidas de estanho (e também de cobre,que também as há naquela região), ilustrando invariavelmente uma metalurgiaartesanal, destinada a suprir essencialmente as necessidades locais de cadaum destes sítios. O que os diferenciava dos seus congéneres estremenhos eraa possibilidade destes últimos proverem a distribuição alargada das suaspróprias produções, incluindo a via marítima, mercê da posição geográficaque detinham no contexto regional e transregional descrito. Nestes termos, oachado de peças exógenas no interior centro, como fíbulas, âmbar e ferromanufacturado, faz crer que uma parte das produções bronzíferas se destinassea "exportação", pelos corredores naturais ali existentes, como os vales doMondego e do Tejo, bem como dos seus afluentes principais.

Sem dúvida que a Estremadura seria, então, a área geográfica onde secaldeavam com maior nitidez as influências culturais do norte, atlântico, edo sul, mediterrâneo, a qual, mercê dos intensos contactos então havidos, seconfigurou como verdadeira "placa giratória" do comércio transregional dematérias-primas e objectos de bronze manufacturados, cuja coordenação se

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encontrava nas mãos de elites, permeáveis à adopção de costumes e de práticasrituais exógenas, susceptíveis de promoverem ainda mais a sua segregaçãodo todo social.

É essa franca abertura a estímulos culturais especialmente mediterrâneos,por parte das elites do Bronze Final II habitavam oa ctual território português,que explica a presença de objectos manufacturados aqui chegados comoretorno das exportações daqui difundidas.

Em síntese: o território hoje português terá conhecido, no final da Idade doBronze, mercê da estrutura hierarquizada de poder então instalada, com elitesdominando as principais vias de circulação e o comércio de mercadorias,destinadas tanto ao mundo atlântico como mediterrâneo, aliás decorrente dasua própria situação geográfica, franca abertura e permeabilidade a estímulosculturais exógenos. A intensificação de uma rede de intercâmbios de longocurso, veiculando concepções religiosas heterogéneas, oriundas de regiõesdíspares, atingiu o seu apogeu no final do Bronze Final (séculos XI, X aVIII a. C.). Com efeito, a relação preferencial com o domínio atlântico,evidente desde o final do Calcolítico (campaniforme "marítimo"), quecontinuou no Bronze Pleno (alabardas do tipo Carrapatas, machados do tipoBujões/Barcelos, lúnulas de ouro como a de Cabeceiras de Basto), conheceuevidente acréscimo naquela época, no decurso da qual se multiplicam asproduções metálicas e surgem matérias-primas com aquela origem, como oâmbar do Báltico. Outro tanto se verificou com a área do Mediterrâneo: depoisde contactos desde o Neolítico Antigo, renovados no decurso do Calcolítico,a partir do Bronze Pleno encontram-se documentados produtos de provávelorigem micénica, como as contas de pasta vítrea da necrópole do Bronze doSudoeste de Atalaia (Ourique), a que se sucedem, no Bronze Final, algumaspeças de ferro de origem também mediterrânea, reservadas a funções sócio--simbólicas, a par de objectos de marfim e adereços utilizados na indumentáriadas elites (fíbulas). É provável que estas peças tivessem sido trazidas porcomerciantes cipriotas, ou, mais provavelmente, sardos, actuando estes comointermediários daqueles, cuja eventual presença poderá verificar-se nomonumento da Roça do Casal do Meio. Tais contactos, numa zona periféricacomo era já então o território português, justificar-se-iam, atendendo aosminérios aqui existentes susceptíveis de exportação: o estanho, o ouro e ocobre e, mais tarde, a prata e corresponderiam a uma fase preliminar,exploratória, dos contactos, que ulteriormente viriam a ser francamentedesenvolvidos pelos Fenícios a partir do século VIII a. C., ou ainda do finaldo século anterior, em diante.

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Para uma cabal compreensão dos objectivos, materiais e métodos daArqueologia, tanto no campo, como no laboratório, é imprescindível aconsulta da obra seguinte:

BICHO, N. F.

2006 Manual de Arqueologia Pré-histórica. Lisboa: Edições 70.

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Bibliografia Especializada Seleccionada

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Composto e paginado

na UNIVERSIDADE ABERTA

1.a edição

Lisboa, 2007

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ISBN: 978-972-674-664-5303