prÉ-fabricados lingÜÍsticos: estrutura e … · do vasto domínio dos pré-fabricados...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM DEPARTAMENTO DE LETRAS CURSO DE DOUTORADO JOSÉ DA LUZ DA COSTA PRÉ-FABRICADOS LINGÜÍSTICOS: ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DE SINTAGMAS VERBAIS IDIOMATIZADOS Por uma abordagem cognitivo-funcional em sala de aula NATAL – RN 2007

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Page 1: PRÉ-FABRICADOS LINGÜÍSTICOS: ESTRUTURA E … · do vasto domínio dos pré-fabricados lingüísticos, a estrutura e o funcionamento dos sintagmas verbais idiomatizados (SVIs),

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM DEPARTAMENTO DE LETRAS

CURSO DE DOUTORADO

JOSÉ DA LUZ DA COSTA

PRÉ-FABRICADOS LINGÜÍSTICOS: ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DE SINTAGMAS VERBAIS IDIOMATIZADOS

Por uma abordagem cognitivo-funcional em sala de aula

NATAL – RN 2007

Page 2: PRÉ-FABRICADOS LINGÜÍSTICOS: ESTRUTURA E … · do vasto domínio dos pré-fabricados lingüísticos, a estrutura e o funcionamento dos sintagmas verbais idiomatizados (SVIs),

JOSÉ DA LUZ DA COSTA

PRÉ-FABRICADOS LINGÜÍSTICOS: ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DE SINTAGMAS VERBAIS IDIOMATIZADOS

Por uma abordagem cognitivo-funcional em sala de aula

Tese de Doutorado em Lingüística apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, área de Concentração em Lingüística Aplicada, como requisito para obtenção do título de Doutor em Letras.

Orientadora:

Profa. Dra. Maria Angélica Furtado da Cunha

NATAL – RN

2007

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JOSÉ DA LUZ DA COSTA

PRÉ-FABRICADOS LINGÜÍSTICOS: ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DE SINTAGMAS VERBAIS IDIOMATIZADOS

Por uma abordagem cognitivo-funcional em sala de aula

Tese de Doutorado apresentada à Banca Examinadora da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, como exigência parcial para obtenção do título de

Doutor em Letras, área de concentração em Lingüística Aplicada.

_____________________________________________Profa. Dra. Maria Angélica Furtado da Cunha

Orientadora – UFRN

_____________________________________________Prof. Dr. Mário Eduardo Toscano Martelotta

Examinador – UFRJ

_____________________________________________Prof. Dra. Márcia Teixeira Nogueira

Examinadora – UFC

_____________________________________________Profa. Dra. Maria Alice Tavares

Examinadora – UFRN

_____________________________________________Profa. Dra. Maria da Penha Casado Alves

Examinadora – UFRN

Defendida a Tese.

Conceito: __________.

Em: ____/____/_____.

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Dedico

aos meus pais, José Francisco e Maria Helena,

e a minha avó-madrinha, Marina, pela dignidade com que suportam

as agruras imprevisíveis do cotidiano.

À Salete,companheira das lides existenciais,

e aos meus filhos Regina, Isaac e Natalya,flores e espinhos

que enfeitam a nossa soleira.

In memoriam do mano Gabriel

e do vovô Totonho,ambos caminhando espiritualizados

nas estradas da eternidade.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, orientador excelso e magnânimo, por me conceder plena serenidade

durante as intempéries do transcurso.

À professora Angélica Furtado, pela orientação competente e amistosa e pela

paciência sempre vigilante.

Às professoras Maria Alice e Penha Alves, pelas críticas e sugestões

oportunas e relevantes feitas no Exame de Qualificação.

Ao professor Mário Martelotta (UFRJ), pela amizade e solícita presença no

meu mestrado e agora no doutorado.

À professora Márcia Teixeira (UFC), que vem compartilhando, a cada ano, a

sua cultura lingüística com o meio acadêmico potiguar.

Ao corpo docente do Mestrado, pelas lições imprescindíveis.

Aos colegas de curso, pela motivação e amizade sempre disponíveis.

Aos colegas da Base de Pesquisa Discurso & Gramática, pelas descobertas

compartilhadas e pelo incentivo constante.

Ao Departamento de Letras, pela disponibilidade do apoio institucional.

Aos funcionários da secretaria da Pós-Graduação e da Biblioteca Setorial,

pelos préstimos e empréstimos valiosos.

Aos familiares e amigos presentes, ausentes, distantes, pelas palavras de

estímulo e esperança indeléveis em nossas conversas de ontem e de hoje.

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Ora, é um princípio que, os que trabalham com uma língua viva, devem ter sempre diante dos olhos que os modos de falar, autorizados pelo uso geral e não contestados, devem ser considerados bons, embora sejam contrários às regras e à analogia da língua; não devem, porém, ser alegados para se pôr em dúvida a validade das regras e perturbar a analogia, nem para autorizar, por conseqüência, outros modos de falar, não autorizados pelo uso.

Arnauld e Lancelot (Gramática de Port-Royal)

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SINOPSE

Formulação de um quadro teórico cognitivo-

funcional. Gramática, discurso, idiomaticidade.

Estrutura e funcionamento de Sintagmas Verbais

Idiomatizados (SVIs). Linguagem em uso. Funções

sintáticas, semânticas e pragmáticas. Ensino.

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COSTA, José da Luz da. Pré-fabricados lingüísticos: estrutura e funcionamento dos sintagmas idiomatizados – por uma abordagem cognitivo-funcional em sala de aula. 2007. 312f. Tese (Doutorado em Lingüística Aplicada) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal. 2007.

RESUMO

Este trabalho objetiva – sob a perspectiva cognitivo-funcional – descrever, no interior do vasto domínio dos pré-fabricados lingüísticos, a estrutura e o funcionamento dos sintagmas verbais idiomatizados (SVIs), produzidos por falantes do português do Brasil, situados em Natal (RN). Partindo do pressuposto funcionalista de que a língua é usada essencialmente para atender a demandas comunicativas, observa-se que a sua estrutura morfossintática está condicionada às vicissitudes pragmáticas inerentes à interação verbal de sujeitos, socialmente heterogêneos e historicamente estabelecidos. Focaliza-se, na composição dos SVIs, as relações VT + OD, caracterizando a natureza sintático-semântica do verbo e do respectivo complemento verbal. Essas combinações de verbo + complemento podem ser interpretadas como estruturas lexicalizadas, reflexos da idiomaticidade inerente às construções convencionais já sistematizadas no repertório cultural dos usuários da língua. Procura-se, ainda, entrever as motivações cognitivas e discursivas pertinentes a esse fenômeno lingüístico. No processo investigativo, são analisados dados exclusivos de fala coletados no Corpus Discurso & Gramática – a língua falada e escrita na cidade do Natal, organizado por Furtado da Cunha (1998). Os procedimentos metodológicos adotados se configuram como métodos de análise empírica e uso da intuição, enfatizando-se a abordagem qualitativa (explicativa) dos dados com suporte quantitativo de indicadores estatísticos. Apresenta-se, por fim, uma grade de sugestões didáticas sobre SVIs, para as aulas de português, como subsídios à prática docente no Ensino Médio e no curso de Letras.

Palavras-chave: Discurso. Gramática. Sintagma Verbal. Idiomaticidade.

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COSTA, José da Luz da. Pré-fabricados lingüísticos: estrutura e funcionamento dos sintagmas idiomatizados – por uma abordagem cognitivo-funcional em sala de aula. 2007. 312f. Tese (Doutorado em Lingüística Aplicada) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal. 2007.

ABSTRACT

This work aims at – under the cognitive-functional perspective – describing, inside the vast domain of the linguistic prefabs, the structure and the functioning of the Idiomatic Verb Phrases (SVIs), produced by speakers of the Portuguese from Brazil, located in Natal (RN). From the functionalist presupposition that the language is used essentially to assist to communicative demands, it is observed that its morphologic-syntactic structure is conditioned to the inherent pragmatic vicissitudes to the verbal interaction of subjects, socially heterogeneous and historically established. It is focalized, in the composition of SVIs, the relationships VT + OD (transitive verb + direct object), characterizing the syntactic-semantic nature of the verb and of the respective verbal complement. Those verb combinations + complement can be interpreted as lexical structures, reflexes of the idiomaticity inherent to conventional constructions already systematized in the users' of the language cultural repertoire. It is sought, still, to glimpse the cognitive and discursive motivations pertinent to that linguistic phenomenon. In the investigative process, are analyzed exclusive data of speech collected in Corpus Discurso & Gramática – a lingua falada e escrita na cidade do Natal, organized by Furtado da Cunha (1998). The adopted methodological procedures configure as methods of empiric analysis and use of the intuition, being emphasized the qualitative approach (explanatory) of the data with quantitative support of statistical indicators. It shows, finally, a grating of didactic suggestions on SVIs, for Portuguese's classes, as subsidies to the educational practice in the Medium Teaching and in the course of Letters.

Key-Words: Speech. Grammar. Verb Phrase. Idiomaticity.

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LISTA DE QUADROS E GRÁFICOS

Quadro 1 – A Gramática Tradicional e o estudo dos construtos idiomáticos.......

Quadro 2 – Tópicos contrastivos entre os paradigmas formal e funcional.............

Quadro 3 – Categorização dos traços de prototipicidade......................................

Quadro 4 – Graus de marcação e prototipicidade dos SVIs.................................

Quadro 5 – Descrição dos aspectos gramaticais dos SVIs..................................

Quadro 6 – Mapeamento da organização morfossintática dos SVIs...................

Quadro 7 – Mapeamento do processo metafórico dos SVIs.................................

Quadro 8 – Traços pertinentes à individuação de OD.........................................

Quadro 9 – Sugestões de atividades para o Ensino Médio..................................

Quadro 10 – Sugestões de atividades para o Ensino Superior (Letras)..............

Gráfico 1 – Categorização tipológica dos pré-fabricados lingüísticos.......................

Gráfico 2 – Escala de unicidade lexical..................................................................

Gráfico 3 – Escala de protótipos proposta por Givón............................................

Gráfico 4 – Escalaridade prototípica dos SVIs.......................................................

Gráfico 5 – Processo micro de figuratividade dos SVIs.........................................

Gráfico 6 – Processo macro de figuratividade dos SVIs.......................................

Gráfico 7 – Distribuição de SVI por tipo de verbo.................................................

Gráfico 8 – Tipos de verbos distribuídos segundo os tipos de textos...................

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Tipologia textual e freqüência de SVI.....................................................

Tabela 2 – Freqüência de SVIs por tipo de texto X nível de escolaridade...............

Tabela 3 – Faixa etária / escolaridade e uso de SVI...............................................

Tabela 4 – Tipologia semântica dos verbos formadores de SVI.............................

Tabela 5 – Verbos e freqüência de uso dos SVIs...................................................

Tabela 6 – Categorização dos traços formais e semânticos do OD..........................

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AA1 – Adjunto Adnominal

AA2 – Adjunto Adverbial

ABL – Academia Brasileira de Letras

AC – Adjunto Circunstancial

CLCs – Construções Lexicais Complexas

CN – Complemento Nominal

Dt – Determinante

EAP – Estrutura Argumental Preferida

GC – Gramática de Construções

GT – Gramática Tradicional

LA – Lingüística Aplicada

LDB – Lei de Diretrizes e Bases

LF – Lingüística Funcional

LC – Lingüística Cognitiva

LV – Lexia Verbal

MEC – Ministério da Educação e Cultura

Md – Modificador

N – Nome

NGB – Nomenclatura Gramatical Brasileira

O – Objeto

OD – Objeto Direto

OBL – Constituinte Oblíquo

OI – Objeto Indireto

PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais

PG – Pré-fabricados Gramaticais

PL – Pré-fabricados Lexicais

PP – Pré-fabricados Pragmáticos

Pv – Predicativo do Sujeito

S – Sujeito

SA – Sintagma Adjetival

SN – Sintagma Nominal

SP – Sintagma Preposicional

SV – Sintagma Verbal

SVI – Sintagma Verbal Idiomatizado

V – Verbo

VALP – Variação Lingüística da Paraíba

Vaux – Verbo Auxiliar

VC – Verbo Correspondente

VI – Verbo Intransitivo

VL – Verbo de Ligação

Vprinc – Verbo Principal

VS – Verbo-Suporte

VT – Verbo Transitivo

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................

1.1DELIMITAÇÃO DO TEMA....................................................................................

1.2 HIPÓTESES.........................................................................................................

1.3 OBJETIVOS.......................................................................................................

1.3.1 Objetivo geral................................................................................................1.3.2 Objetivos específicos.....................................................................................

1.4 JUSTIFICATIVA...................................................................................................

1.5 METODOLOGIA...................................................................................................

1.5.1 Natureza empírico-aplicada da pesquisa......................................................

1.5.2 Descrição do corpus......................................................................................

1.6 ESTRUTURA DO TRABALHO...........................................................................

2 REVISÃO DA LITERATURA............................................................................

2.1 PRESENÇA DOS PRÉ-FABRICADOS NA LINGUAGEM...................................

2.2 PONTOS DE VISTA DE GRAMÁTICOS E LINGÜISTAS...................................

2.2.1 Tirando prosa com os gramáticos.................................................................

2.2.2 Hora de bater papo com pesquisadores e lingüistas.....................................

2.2.3 Juntando as pedras do caminho......................................................................

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA............................................................................

3.1 BREVE HISTÓRICO DOS ESTUDOS DA LINGUAGEM......................................

3.1.1 Abordagens filosóficas.....................................................................................

3.1.2 Paradigmas lingüísticos: rupturas e continuidades...............................

3.2 CONSTRUÇÃO DO PARADIGMA COGNITIVO-FUNCIONAL............................

3.2.1 Lingüística Funcional......................................................................................3.2.2 Lingüística Cognitiva......................................................................................

3.3 PRESSUPOSTOS COGNITIVO-FUNCIONAIS...................................................

3.3.1 Princípio da marcação....................................................................................

3.3.2 Parâmetros de prototipicidade......................................................................

3.3.3 Construção gramatical e estrutura argumental...........................................

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3.3.3.1 Construção gramatical....................................................................................

3.3.3.2 Estrutura argumental.....................................................................................

3.3.4 Plano discursivo: figura-fundo.....................................................................

3.3.5 Motivação metafórica..........................................................................................

4 ANÁLISE DOS DADOS.....................................................................................

4.1 ASPECTOS QUALITATIVOS DOS DADOS.......................................................

4.1.1 Estrutura dos SVIs: marcação e prototipicidade.......................................

4.1.2 Construção gramatical e estrutura argumental dos SVIs.........................

4.1.3 Figuratividade cognitiva dos SVIs................................................................

4.1.4 Motivação metafórica nas construções de SVI...........................................4.2 ASPECTOS QUANTITATIVOS DOS DAD0S.....................................................

4.2.1Tipologia textual e freqüência de SVI...........................................................4.2.2 Faixa etária / grau de escolaridade e domínio de SVI................................4.2.3 Tipologia semântica dos verbos..................................................................

4.2.4 Categorização semântica do complemento verbal....................................

5 QUESTÕES PEDAGÓGICAS............................................................................

5.1 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA...

5.1.1 Ensino Médio: competências e habilidades lingüísticas...........................

5.1.2 Ensino Superior: competências e habilidades lingüísticas......................

5.2 SUGESTÕES DIDÁTICAS:UMA ABORDAGEM PRODUTIVA DOS SVIs........

5.2.1 Ensino Médio: sugestões de atividades......................................................

5.2.2 Ensino Superior: sugestões de atividades.................................................

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................

REFERÊNCIAS.........................................................................................................

ANEXOS....................................................................................................................

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1 INTRODUÇÃO

É hora de botar o pé na estrada.

A linguagem verbal está repleta de construções pré-fabricadas. Essa

evidência facilmente se confirma ante as inúmeras e diversificadas manifestações

desses construtos idiomáticos1 nas práticas discursivas de falantes reais. Trata-se

de um fenômeno lingüístico multifacetado (com vários formatos morfossintáticos),

universal (presente nas línguas naturais) e atemporal (comum em todos os tempos).

Os pré-fabricados são correntes no cotidiano dos intercâmbios verbais, projetando-

se abundantemente tanto na língua falada quanto na escrita.

Dessa forma, observa-se naturalmente, em qualquer agrupamento social, a

constante presença de construtos idiomáticos nas lides conversacionais.

Independentemente de fatores como faixa etária, grau de escolaridade, ou status

socioeconômico dos interlocutores envolvidos nessas contendas anônimas,

percebe-se um fluxo substancial de linguagem pré-fabricada. Nessas situações

comunicativas, constata-se a profusão de construtos idiomáticos de variadas

dimensões estruturais, já plenamente lexicalizados, ou em via de sistematização

léxico-gramatical.

Erman e Warren (2000) definem os pré-fabricados lingüísticos (prefabs) como

sendo combinações de no mínimo duas palavras, produzidas por falantes nativos de

preferência a combinações alternativas que poderiam ser equivalentes se não

houvesse a convencionalização.

Assim, tais construtos idiomáticos configuram-se como recursos léxico-

gramaticais que refletem, mediante as manifestações discursivas correntes, os

matizes da identidade cultural de um povo ou de uma comunidade em particular.

Nesse sentido, na condição de pré-fabricados, os construtos idiomáticos são

incorporados ao repertório lingüístico dos falantes de uma comunidade pela

constante freqüência de uso no exercício rotineiro de suas práticas discursivas

interpessoais. Com efeito, um considerável volume desses construtos vai sendo,

social e historicamente, sistematizado e estocado no vocabulário do idioma ou

dialeto local.

1 Provisoriamente, antes da delimitação do objeto de estudo, usarei essa denominação para referir-me indistintamente a toda e qualquer expressão idiomática.

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Todavia, existe uma profusão de terminologias associada a esses construtos

idiomáticos. São várias as possibilidades de denominações prescritas em obras

diversas no campo dos estudos lingüísticos, dentre essas se destacam as

gramáticas tradicionais (doravante GT) e os manuais de lingüística. Algumas dessas

obras estão listadas no Capítulo 2 (seções 2.2.1 e 2.2.2). Entre as mais recorrentes

nomenclaturas, encontram-se as seguintes: expressões idiomáticas, expressões

fixas, expressões lexicalizadas, expressões populares, expressões proverbiais,

construções cristalizadas, frases feitas, clichês, lexias, lugares comuns, jargões,

locuções verbais, perífrases verbais.

Essas múltiplas terminologias refletem, normalmente, as razões pelas quais o

fenômeno dos construtos idiomáticos torna-se, amiúde, objeto de especulações

teóricas esparsas e divergentes por parte dos estudiosos da linguagem.

Notadamente, existem as contribuições pertinentes e relevantes, que tentam

sistematizar e aprofundar esse assunto (ver seção 2.2.2). Contudo, em face da

descontinuidade temática e do distanciamento epistemológico entre as produções

desses estudiosos, quase sempre o esforço resulta estanque e insular, não

provocando um debate pleno e permanente dessas questões lingüísticas.

No tocante às gramáticas tradicionais, especialmente as de natureza

pedagógica – mais comumente cognominadas de normativas –, observa-se uma

postura marcada pela insuficiência teórica ou pela indiferença investigativa acerca

do tema aqui abordado. Desse modo, o estudo dos construtos idiomáticos em geral

– produtos lexicalizados pela força da convencionalização inerente às interações

comunicativas de interlocutores situados historicamente numa dada comunidade –,

resvalam para o ostracismo, ou se apequenam nas obras de referência mediante

comentários superficiais, às vezes codificados em breves notas de rodapé.

Em razão dessas limitações teórico-metodológicas – sejam por parte de

manuais de lingüística ou de compêndios gramaticais –, fica a descrição desses

construtos idiomáticos subtraída de uma abordagem científica e produtiva.

Reconheço que, possivelmente, em face do vasto universo dos pré-fabricados

que circulam na língua, isso se torne um obstáculo ou elemento complicador na

elaboração de trabalhos teoricamente mais sistemáticos e completos. Registre-se,

contudo, que essa carência de estudo dos pré-fabricados lingüísticos é mais notória

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no Brasil. Isso talvez se deva ao fato de se pensar, de um modo geral, que tais

construtos apenas deveriam ser listados em dicionários, ou fazer parte de glossários

de termos e expressões populares ou próprios de uma disciplina, profissão ou área

de saber.

Por isso, tem-se aqui o escopo de analisar, mediante a adoção de

embasamentos cognitivo-funcionais, a natureza sintática e semântico-pragmática

desses construtos idiomáticos.

Entre outras referências, me respaldo em Bybee (1998), que há dez anos já

advogava existir uma interface entre as teorias lingüísticas funcionalista e

cognitivista. No primeiro grupo, a autora alinha os nomes de lingüistas como Givón

(1979) e Hopper e Thompson (1980, 1984). No segundo, coloca os estudiosos

Lakoff (1987) e Langacker (1987). Para ela, essas teorias tentam explicar, entre

outros aspectos abstratos, as propriedades gerais e específicas da gramática em

termos de conceitos e fenômenos a ela exteriores, tais como as habilidades

cognitivas mais gerais para se criar representações mentais, categorizar, generalizar

e formar inferências.

Nesse cenário, em função de um estudo sincrônico, de caráter cognitivo-

funcional, que seja ao mesmo tempo descritivo e produtivo2, impõe-se aqui uma

prioridade metodológica: proceder a um recorte temático no amplo e complexo

universo dos pré-fabricados lingüísticos. Seria contraproducente lançar-se na

tentativa de enfocar, numa mesma pesquisa, a enorme rede de idiomatismos

concernente a uma determinada língua. Com efeito, não farei especulações sobre o

tema nem de natureza diacrônica nem normativista. Isso, sem dúvida, demandaria

redimensionar o olhar para outros ângulos do fenômeno. Todavia, ressalto que faço

uso parcimonioso e ponderado da metalinguagem gramatical, sem hostilizá-la ou

reivindicar a sua erradicação.

Portanto, ciente das dificuldades inerentes à temática aqui exposta, a seguir,

começo a abrir uma trilha no cipoal formado por esses construtos idiomáticos.

2 Emprego esses termos na mesma linha conceptual de Halliday et al (1974, apud FURTADO DA CUNHA et al., 1998), e de modo análogo Bagno (2001) e Travaglia (2004). Esses autores defendem uma concepção de ensino de língua (materna) que se contrapõe à orientação prescritivo-normativa da GT, adotada pelo ensino tradicional e ainda vicejante, especialmente, no sistema escolar brasileiro.

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1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA

Abrindo trilhas no cipoal.

No amplo universo dos pré-fabricados lingüísticos, proponho-me identificar e

descrever a estrutura e funcionamento dos sintagmas verbais Idiomatizados

(doravante SVIs), tomando como base textos orais produzidos em entrevistas por

um grupo de falantes (estudantes) residentes na capital potiguar – Natal.

Os pré-fabricados lingüísticos em nível de texto são todos os que

correspondem a uma unidade com sentido completo, em qualquer grau de

complexidade. Podem corresponder a um sintagma, a uma oração, a um período e

até a uma unidade mais complexa.

Apresento abaixo a classificação proposta por Erman e Warren (2000), que

identificam três tipos de pré-fabricados:

(i) Pré-fabricados lexicais (PL): são unidades semânticas que têm referência

e denotam entidades, propriedades, estados, eventos e situações de

diferentes tipos. Geralmente representam fenômenos ou entidades

extralingüísticas e podem apresentar estruturas de sintagma ou frase.

Podem dividir-se em pré-fabricados lexicais nominais (noun phrases),

lexicais adjetivais (adjective phrases), lexicais adverbiais (adverbial

phrases), lexicais verbais (verb phrases), lexicais preposicionais

(prepositional phrases)3 e lexicais oracionais (clause structures).

Comumente, os PLs são estruturalmente mais longos que outros tipos de

pré-fabricados, variando tipicamente entre dois e cinco membros. Embora

raros, existem aqueles com mais de cinco itens.

3 Em português, os sintagmas preposicionais (SP) tanto correspondem a locuções adverbiais quanto a locuções adjetivas, ou a complementos verbais (OI) e nominais (SILVA; KOCH, 1989; LUFT, 1991). Todavia, diferentemente da classificação sintática de Erman e Warren (2000), os prepositional phrases (sintagmas preposicionais) equivalem, em português, a locuções adverbiais, assumindo status de adjunto adverbial (ou circunstancial), e por isso seria plausível relocá-los, nesta análise, para o subgrupo dos adverbial phrases (sintagmas adverbiais). Ex.: at midnight (à meia-noite), forsome reason (por alguma razão). Exemplos de prepositional phrases, em português, corresponderiam melhor, morfossintaticamente, às locuções prepositivas: a fim de, em razão de, deacordo com, etc. Nessa perspectiva, devido a seu status gramatical (conectores), seria mais conveniente inserir essas locuções, em português, no grupo dos pré-fabricados gramaticais.

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(ii) Pré-fabricados gramaticais (PG): são itens intralingüísticos de articulação

textual e representam unidades sem referência extralingüística. O PG

funciona como quantificador, especificador, modificador da referência ou

do significado de substantivos, verbos, adjetivos, advérbios. Também

servem como substitutivos ou como conectores entre itens proposicionais.

São mais curtos que os pré-fabricados lexicais, alternando entre dois ou

quatro membros, e são menos variáveis que estes. Sua variabilidade é tão

limitada, que muitos PGs mostram estruturas totalmente congeladas.

(iii) Pré-fabricados pragmáticos (PP): são instrumentos funcionais e não

tomam parte diretamente do conteúdo proposicional de uma sentença.

Diferem dos PGs porque podem ocorrer fora da estrutura sintática. A

maioria dos PPs está restrita à língua falada e alguns têm função que

podem ser indicadas por sinais de pontuação, parágrafo ou outros meios

gráficos em textos escritos. Geralmente, são relativamente invariáveis e

restritos em número, e são semelhantes aos PGs em termos de tamanho

(curtos). Dividem-se em três categorias: monitores textuais (text monitors):

marcadores discursivos, reguladores de turno, marcadores de reparação;

monitores sociais (social monitors): interativos, hesitações, reações,

performativos; e, por último, monitores metalingüísticos (metalinguistic

monitors): aproximativos, evasivas, sinais epistemológicos, marcadores

atitudinais.

Partindo dos resultados de suas pesquisas, Erman e Warren (2000) puderam

constatar que, em média, 55% de um texto são constituídos de linguagem pré-

fabricada (prefabricated language). Assim, segundo esses autores, num texto de 100

palavras, apenas 45 seriam de escolha pessoal. Para eles, a escolha de pré-

fabricados revela o emprego de menos esforço mental na produção e interpretação

de textos.

Nessa perspectiva, a título de ilustração, tentarei identificar, no fragmento de

fala abaixo transcrito, extraído do Corpus D&G, algumas ocorrências de expressões

pré-fabricadas.

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(1) Eu acho que não ... há pouco tempo ... há pouco tempo atrás houve dois

casos que ... fez com que ressuscitasse a polêmica da pena de morte no Brasil

... foi o assassinato da Dan/ da atriz Daniela Perez e de uma menina que foi

seqüestrada e depois queimada ... as pessoas ... pela emoção ... achavam quedeveria ser implantado a pena de morte ... mas cada caso é um caso ...

porque se de repente fosse implantado a pena de morte ... por causa dessesdois casos ... para retirar de novo não seria fácil ... então ... deve ser muito

pensado esse assunto ... é um assunto muito polêmico ... porque não é atravésde dois assassinatos ... que podemos julgar os outros que vão vim por aí ... eu

sou contra ... a pena de morte porque ... não é a saída para acabar com a

criminalidade ... no Brasil já teve uma época ... depois ... depois foi ... depois foi

extinto essa ... pena ... em alguns países ainda existe ... e nem por isso ... os

criminosos deixam de matar ... assassinar ... muito pelo contrário ... eles mata

mais do que ... nos países que não têm pena de morte ... e se por acaso for

adotado ... a pena ... eu seria a favor apenas da prisão perpétua ... não da forca

... da câmara de gás ... da cadeira elétrica ... em que o assassino tem uma morte muito instantânea ... onde ele não paga o que ele realmente fez ...

enquanto na forca e outras ... enquanto quer dizer ... na cadeira ... na ...

enquanto na prisão perpétua ... ele vai realmente sofrer ... ele realmente vai

pagar os seus pecados ... de pouco a pouco até ... o dia de sua morte ...

(D&G, p. 313).

Aplicando, em princípio, as noções concernentes à tipologia dos pré-

fabricados lingüísticos adotada por Erman e Warren (2000), e após observar, grosso

modo, as respectivas características sintáticas, semânticas e pragmáticas, agruparei

as expressões realçadas no fragmento em foco.

(i) Pré-fabricados lexicais: há pouco tempo; há pouco tempo atrás; pena de

morte; de repente; cada caso é um caso; julgar os outros; por aí; teve uma

época; prisão perpétua; câmara de gás; cadeira elétrica; tem uma morte;

pagar os seus pecados; de pouco a pouco.

(ii) Pré-fabricados gramaticais: deveria ser implantado; com que; através de; e

nem; por isso; deixam de matar; mais do que; e se; por acaso; enquanto

na.

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(iii) Pré-fabricados pragmáticos: acho que; muito pelo contrário; quer dizer.

Como se pode constatar, embora num texto de dimensão reduzida, a

afluência de todos os tipos de pré-fabricados se faz notória e relevante. Obviamente,

esse fluxo de “construções já-prontas” pode oscilar em razão do tipo de texto, das

variáveis faixa etária e / ou grau de escolaridade (ver seção 4.2.2), entre outras.

Para reforçar a evidência da versatilidade formal e funcional dos pré-

fabricados lingüísticos, enumero mais alguns casos avulsos bastante recorrentes em

nossas práticas conversacionais. Trata-se de expressões proverbiais4, cujo

conteúdo proposicional retém normalmente uma carga semântica didática, ética ou

moralizante.

(2) Morte certa, hora incerta.

(3) Cada cabeça, uma sentença.

(4) Um problema nunca vem sozinho.

(5) Quem não tem cão, caça com gato.

(6) Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.

Em (2) e (3) tem-se um estrutura dística sem verbos. Em (4) trata-se de um

período simples, com uma única oração. No exemplo (5) tem-se um período

composto com duas orações, e (6) é um caso de período composto com quatro

orações, envolvendo os processos sintáticos de subordinação e coordenação. Tais

expressões proverbiais já atingiram um grau máximo de cristalização, de modo que

não permitem ruptura nem reversão de seus elementos constitutivos. Encontram-se

completamente amalgamados nos planos sintático, semântico e pragmático, e se

posicionariam, num continuum escalar, nos últimos estágios de idiomaticidade.

4 Alguns estudos e traduções evidenciam que esse patrimônio está sendo resgatado. É o caso de Expressões idiomáticas convencionais, de Stella Ortweiller TAGNIN (1989); Dicionário de sentenças latinas e gregas, de Renzo TOSI (1996); Provérbios e educação moral – a filosofia de Tomás de Aquino e a pedagogia árabe do mathal, de Luiz Jean LAUAND (1997), entre outros. Estudiosos de outras áreas que não a Lingüística, como antropólogos, sociólogos, folcloristas, comunicólogos, críticos e bibliógrafos, têm demonstrado interesse pelos provérbios, por sua versatilidade em expressar as idéias populares, religiosas, políticas, científicas no decurso da história da humanidade.

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Nessa mesma ótica, pode-se admitir que alguns formatos textuais, pelo uso

generalizado de suas reiteradas fórmulas convencionais, tendem a se caracterizar

como produtos pré-fabricados, plenamente disponibilizados às diversas demandas

institucionais. Muitos desses modelos de escritura se vinculam à correspondência

oficial (ofícios, memorandos, atas, abaixo-assinados, cartas comerciais, pareceres,

petições, etc.).

A tradição que circunda esses expedientes oficiais já estabeleceu uma praxe

ritualística que simplifica e sedimenta as suas convenções textuais. Praticamente,

não se identifica o autor de fato desses tipos de texto, apenas os seus remetentes

de direito, que são sobretudo os ocupantes de cargos nessas instituições, sejam

elas públicas ou privadas. Nesse contexto, parece difícil postular a inovação dessa

literatura. Por respeito à tradição, ou coerção funcional, ninguém se arvora em

desmistificar o legado supostamente atribuído a doutrinadores respeitáveis.

Na tentativa de reunir essas informações gerais sobre os diversos tipos de

pré-fabricados, formulei e ora apresento o seguinte esquema:

Gráfico 1 – Categorização tipológica dos pré-fabricados lingüísticos

LOCUÇÕES SINTAGMAS ORAÇÕES TEXTO (Combinações) (SVIs / Composições) (Fraseologismos)5 (Modelos textuais)

A pesar de Pisar na bola Quem não tem cão, Memorandos A fim de que Pedir esmolas caça com gato Cartas, Bulas Estar cantando Casa da Moeda Classificados

Inventário fechado Inventário aberto Inventário aberto Inventário aberto(Gramática) (Léxico) (Discurso) (Discurso)

5 Na verdade, nem todos os pesquisadores funcionalistas concordam com essa categorização. Hopper (1987, 1988, 1998), por exemplo, defende que os elementos considerados construções complexas (provérbios, expressões idiomáticas, clichês, fórmulas, etc.) integram a gramática.

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Pode-se observar, mediante o esquema acima, que a língua manifesta um

imenso leque de construções pré-fabricadas. Estas são recorrentes no âmbito da

gramática através das locuções (prepositivas, conjuntivas, adverbiais, verbais,

adjetivas). Tais pré-fabricados não se caracterizam como construtos idiomáticos,

pois não veiculam conteúdos socioculturais, apenas funcionam como instrumentos

indicadores de conexão entre os constituintes oracionais, além de sinalizar os

atributos e especialidades das entidades materiais e abstratas, e as circunstâncias

(espaço, tempo, modo, intensidade, etc.) atinentes aos eventos verbais. Segundo

Erman e Warren (2000), como mencionado anteriormente, essas construções são

denominadas de pré-fabricados gramaticais, e constituem um inventário fechado.

Elas já estão prontas para uso de modo condicionado, ou seja, os falantes as

utilizam no discurso com a forma e função cristalizadas e sistematizadas pela

gramática.

Em relação aos sintagmas (verbais ou nominais)6, essas construções

configuram no grupo que Erman e Warren chamam de pré-fabricados lexicais. Estes

são portadores de conteúdos socioculturais, inclusive de nuances semânticas e

pragmáticas. Constituem um inventário aberto, isto é, os falantes – motivados pelas

necessidades comunicativas – têm liberdade de criar ou adaptar essas construções

léxicas em suas produções discursivas.

No que diz respeito às orações (fraseologismos), estas formam construções

cristalizadas (provérbios, adágios, parêmias) que se situam, a meu ver, no espaço

intermediário entre o léxico e o discurso, tipologicamente falando. São também

exemplos de pré-fabricados lingüísticos bastante recorrentes na interação verbal

cotidiana. Caberia, acredito, a um dicionário especializado rastrear o universo

cultural de uma comunidade e compilar as ocorrências desse tipo de construção

idiomática.

Por último, menciono os pré-fabricados lingüísticos do tipo textual. Creio que

tais pré-fabricados, mesmo apreendidos na interação intersubjetiva, residem mais na

memória coletiva e institucional das diferentes sociedades do que no plano individual

de cada falante. Esses pré-fabricados estão relacionados a formatos textuais

6 Por sintagmas verbais, estou referindo-me especificamente aos SVIs; e por sintagmas nominais, identifico as construções nominais ou lexias compostas, tais como: cata-vento, pé-de-moleque, orlamarítima, prefeitura municipal, etc.

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fortemente cristalizados, convencionalizados pela alta freqüência de usos nas

rotinas sociais. Os falantes, geralmente por uma questão de economia e

compreensão, não dispõem de opções para modificar ou inovar os moldes

estruturais desses formatos preestabelecidos. Exemplifico tais construções pré-

fabricadas com os casos de “memorandos”, “receitas culinárias”, “bulas”,

“classificados”, “orações”, entre outros tipos textuais.

Neste ínterim, no entanto, depois de esboçar este breve panorama sobre os

possíveis pré-fabricados lingüísticos que permeiam os textos empíricos em

circulação numa dada comunidade, direciono o olhar para os SVIs. Nesta pesquisa,

identifico os SVIs como sendo unidades combináveis na oração e comutáveis com

sintagmas e com simples palavras, cuja interpretação se faz ao nível do léxico. Os

SVIs, por conseguinte, podem configurar-se como construtos idiomáticos formados

por diferentes estruturas morfossintáticas, dentre as quais destaco as principais

matrizes verbais7:

a) VT + OD pedir esmola, abrir o jogo.

b) VT + OD + [(AA1), (AA2), (CN)]8 fazer uma limpeza geral, ter culpa no

cartório, tomar conta da casa.

c) VT + OI Pisar na bola, servir de palco.

d) VI + AC9 cair fora, sair do sério.

e) VL + Pv10 ser criança, estar presente, ficar com medo.

Isso posto, importa ressaltar que esta pesquisa tentará abranger tão-somente

os SVIs cuja codificação morfossintática seja constituída por VT + OD, ou seja, a

7 Adoto essa terminologia neste trabalho, mediante empréstimo junto a Perini (1996). Os exemplos são do Corpus D&G – Natal (FURTADO DA CUNHA, 1998).

8 AA1 e AA2 podem ser preenchidos por um SA ou SP. O CN só pode ser preenchido por um SP.

9 Utilizo Adjunto Circunstancial (AC), terminologia adotada por Perini (1996). Rocha Lima (1976) emprega o termo Complemento Circunstancial, por achar que se trata de um complemento de natureza adverbial, mas indispensável sintática e semanticamente à construção do verbo. Bechara (2004) usa Complemento Relativo, em relação aos verbos ditos locativos, situativos e direcionais. Para as outras circunstâncias, esse gramático aplica a nomenclatura comum Adjunto Adverbial.

10 Pv = Predicativo do Sujeito (PERINI, 1996). O Pv pode ser preenchido por um SN, SA ou SP, conforme os exemplos dados acima.

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matriz (a) formada por verbo transitivo + objeto direto e a matriz (b) formada por

verbo transitivo + objeto direto + [adjunto/complemento (opcional)]. Certamente, para

a abordagem dos demais tipos de SVIs, seria imprescindível empreender novas

investigações, enfocando a estrutura e o funcionamento de cada matriz verbal em

particular.

Assim sendo, resta-me averiguar os aspectos morfossintáticos e semântico-

pragmáticos envolvidos no processamento comunicativo dos SVIs (ver Capítulo 4),

cujos verbos apresentem as matrizes verbais, antes mencionadas. Para isso, faz-se

importante conhecer também a estrutura argumental (EA) dos verbos formadores de

SVIs. A EA especifica gramaticalmente quantos nomes vão acompanhar um verbo, e

que papéis vão desempenhar, na oração (CHAFE, 1979; FILLMORE, 1977).

Para Du Bois (2003), do ponto de vista cognitivo, uma estrutura argumental

nada mais é do que uma estrutura de expectativas desencadeadas pelo verbo. Em

trabalho sobre a estrutura argumental e valência, Furtado da Cunha (2007, p. 4)

afirma:

Os termos “valência” e “estrutura argumental” normalmente se referem ora ao aspecto sintático da relação entre o predicado e seus argumentos, ora à relação semântica entre eles, ora a ambos, salientando o papel dominante do verbo na estruturação gramatical da oração em que ocorre. Desse modo, a estrutura argumental pode focalizar as relações gramaticais dos argumentos (sujeito, objeto direto, etc.), assim como os papéis semânticos que lhes são atribuídos (agente, paciente, etc.).

Por outro lado, convém sublinhar que os SVIs sob enfoque não deverão

apresentar igualmente o mesmo grau na escala de lexicalização. No Capítulo 4,

demonstrarei que alguns SVIs poderão permitir variações (por exemplo, a inserção

de intensificadores, de advérbios, ou diminutivos), enquanto outros estão

completamente lexicalizados e não permitem modificação ou interposição de

qualquer outro elemento. De acordo com Carone (1995), a combinação de verbo e

complemento (objeto direto) atinge, muitas vezes, um grau elevado de coesão, em

que o conjunto, em parte devido ao uso freqüente e em parte por pressões

cognitivas, começa a cristalizar-se, dando origem a uma lexia11 (SVI, na minha

concepção). Nesse estágio, verbo e objeto passam a constituir uma unidade

11 Ver Pottier (1974).

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semântica e gramatical, tais como: bater o ponto, dar um pulinho, perder a cabeça,

fazer a cabeça.

Cabe registrar que a lexicalização – o processo de mudança lingüística aqui

em foco – tem sido conceituada de vários modos. Tem sido visto pelos sintaticistas

como um processo inverso da gramaticalização; os morfologistas a concebem como

um mecanismo rotineiro de formação de palavras; e os semanticistas vêem como o

desenvolvimento de significados concretos.

Tradicionalmente, a lexicalização é entendida como o processo de inserção

ou permanência de um item no léxico, sendo enfocado e caracterizado em termos

de suas irregularidades e idiossincrasias.

Além disso, a lexicalização pode implicar movimentos de estabilização

referencial, enquanto processo intersubjetivo de nomeação, sem excluir os

movimentos de desestabilização, que são constitutivos da atividade discursiva.

Com respeito à liberdade de ocorrência, trabalho mais recente em

lexicalização apontou a unidirecionalidade geral de lexicalização de sintagmas

complexos para palavras simples, um processo freqüentemente chamado de

univerbation, por exemplo, holy day > holiday (YEZBICK; TRAUGOTT, 2005). Nessa

perspectiva, Lipka (1990) define lexicalização como o fenômeno em que um lexema

complexo, uma vez formado, tende a se tornar uma única unidade léxica, um lexema

simples; através desse processo perde o caráter de sintagma, em um maior ou

menor grau (ver LEHMANN, 2002). Assim, os compostos lexicalizados perdem não

apenas sua identidade semântica individual, mas também sua categorialidade

sintática. Freqüentemente, como no caso de holiday, o significado da forma

lexicalizada é (parcialmente) não composicional, quer dizer, não estritamente

derivado de suas partes.

Em seus estudos, Lehmann (2002) postula que os termos lexicalização e

idiomaticização têm, essencialmente, o mesmo significado. A lexicalização seria o

processo através do qual grupos sintaticamente livres ou formações ad hoc se

desenvolvem em unidades lexicais com um componente semântico específico. Daí,

pois, ser esse mesmo processo também reconhecido como idiomaticização.

Lehmann afirma que ambos os processos podem ser considerados como

uma transição da fala (parole) para a língua (langue). Isso em consonância com a

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concepção de língua como sistema lingüístico em que o subsistema semântico

consiste de um léxico e de uma gramática. Segundo Lehmann, a gramática concebe

os signos formados regularmente e manejados analiticamente, enquanto o léxico dá

conta dos signos que se formam irregularmente e se manejam como um todo.

Assim, um signo está lexicalizado quando ele se afasta do acesso analítico e torna-

se um elemento inventariado.

De fato, os dois processos têm em comum o fato de serem processos

redutivos, sendo passiveis de reanálise. Mas a lexicalização, segundo a visão de

Lehmann, possibilita um acesso holístico da estrutura lexicalizada, enquanto a

gramaticalização generaliza o significado, cria estruturas e, com isso, combinações

susceptíveis de um acesso analítico.

Rodrigues (2006) observa, por exemplo, que a expressão turn around and say

(virou e falou) parece ter se lexicalizado como estrutura idiomática. Em português,

essa estrutura atua sempre na marcação de mudança de turno discursivo. No caso

do inglês, ela está associada a significados do tipo “mudar de idéia” e “voltar atrás”.

A autora ainda observou que a lexicalização dessas estruturas parece ser mais forte

em português: “verifiquei, em análise paralela, que os casos de construções com

virar são sempre acompanhados por verbos de elocução” (RODRIGUES, 2006, p.

23).

Por outro lado, Brinton (2005, p. 18) afirma que

until recently, been received opinion – that grammaticalization and lexicalization are not contradictory, but rather complementary changes which share a number of features. Both are unidirectional processes involve freezing, the (optional) erasure of morphological or phrasal boundaries (i.e., the loss of structural compositionality) or univerbation, an increase in semantic opacity (i.e., the loss of semantic compositionality), and the “holistic” rather than analytic accessing of complex forms. Idiomaticization, understood as a semantic process involving the loss of semantic transparency, thus underlies both lexicalization and grammaticalization (though may occur independently of either, e.g., spill the beans). Grammaticalization and lexicalization differ in respect to whether the process yields major class items (nouns, verbs, adjectives) that become part of argument structure (i.e. lexicalization) or functional elements resembling operators (i.e. grammaticalization). (ver BRINTON; TRAUGOTT, 2005)12.

12 Livre tradução: Até recentemente, tem sido aceita a opinião de que gramaticalização e lexicalização não são mudanças contraditórias, mas complementares e que compartilham várias características.

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Haas (2007), estudando a expressão inglesa each other, define

gramaticalização como a expansão do contexto sintático e semântico-pragmático de

uma construção gramatical. E entende lexicalização como univerbação

(univerbation) e fossilização, em que as partes de uma construção sintática

transparente e produtiva perdem sua identidade e se combinam numa expressão

fossilizada. Haas admite que ocorreram os dois processos, simultaneamente, no

desenvolvimento de each other. Não me compete aqui levantar contestações.

Na concepção de Halliday (2004), existe um continuum entre léxico e

gramática, como enfatiza Léon (2006): o léxico e a gramática constituem um

continuum – em um pólo se encontra o léxico, que tem a propriedade de ser aberto,

enquanto a gramática, no outro pólo, contém classes fechadas. Observa-se, assim,

um movimento que vai do léxico para a gramática, pela gramaticalização13, e, na

direção inversa, da gramática para o léxico, pela lexicalização. Para Halliday, as

duas hipóteses, propriedades estatísticas das línguas e de complementaridade entre

léxico e gramática, são estreitamente associadas (LÉON, 2006).

Halliday explica que a lexicalização funciona em dois sentidos14: (i) num

sentido mais difundido, ela é definida como o “processo lingüístico que transforma

um agrupamento livre num agrupamento estável, isto é, que solda uma série de

morfemas para deles fazer uma única unidade lexical” (GALISSON; COSTE, 1983,

p. 431).

Ambas são processos unidirecionais que envolvem congelamento, uma (opcional) diluição das fronteiras morfológicas ou sintáticas (i.e., a perda de composicionalidade estrutural) ou univerbação,um aumento em opacidade semântica (i.e., a perda de composicionalidade semântica), e um acesso mais “holístico” que analítico das formas complexas. Idiomatização, compreendida como um processo semântico que envolve a perda de transparência semântica, está relacionada tanto à lexicalização quanto à gramaticalização (entretanto pode acontecer independentemente uma da outra, por exemplo, spill the beans, “contar segredos” ). Gramaticalização e lexicalização diferem a respeito de se o processo rende itens de classe principais (substantivos, verbos, adjetivos) que se tornam parte da estrutura argumental (i.e. lexicalização) ou elementos funcionais que se assemelham a operadores (i.e. gramaticalização).

13 Neste trabalho, entretanto, não trato do processo de gramaticalização. Por isso não cabe aqui aprofundar essa discussão.

14 Em um sentido mais restrito, o processo, em oposição à gramaticalização, inclui, também, a passagem de um morfema gramatical para o estatuto de unidade lexical. Desse modo, um formante prefixal como micro- (< microcomputador), que passou a ser empregado em função substantival desde o final da década de 90, com o desenvolvimento da Informática, sofreu o processo da lexicalização. Para Bally (apud DUBOIS et al., 1993, p. 362), a lexicalização representa um processo de “desgramaticalização”, um processo que favorece o léxico às custas da gramática”.

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Com efeito, focalizando o processo de lexicalização, procuro aproximar as

seguintes noções: (i) lexicalização, vista como o processo pelo qual uma seqüência

de morfemas (um sintagma) torna-se uma unidade léxica (DUBOIS et al., 1993); e,

mais especificamente, (ii) lexicalização como criação das palavras via seleção de

propriedades cognitivas e de traços semânticos derivados, processando-se sua

concentração numa forma (CASTILHO, 2003).

De fato, os SVIs aqui delimitados são estruturas lexicalizadas, nas quais o

complemento verbal (OD) apresenta máxima aderência ao verbo, comportando-se

funcionalmente como autênticos amálgamas sintáticos. Na maioria das vezes, eles

podem alcançar um grau de aderência sintático-semântica tão forte, que se

assemelham a vocábulos, caracterizando-se pela estabilidade funcional,

inseparabilidade e irreversibilidade de seus constituintes (CARONE, 1995).

Nesse sentido, as variações morfológicas e as substituições de ordem lexical

admitidas pelos SVIs são pouco freqüentes (exceto variantes regionais ou variantes

sinonímicas – chutar o balde / o pau da barraca; jogar bola / futebol). No entanto,

podem existir variações morfológicas que incidam no verbo que introduz o sintagma

idiomatizado, emoldurando a cena verbal conforme as circunstâncias interativas do

contexto discursivo (adaptações, por exemplo, das categorias de modo/tempo,

número/pessoa).

Nesse contexto, registre-se aqui a relevante contribuição da Gramática de

Construções (GC) ao propor a compreensão da língua de forma ampla e baseada

em estruturas, capturando as expressões e associando-as a padrões mais gerais. A

GC também entende a língua em suas múltiplas dimensões (morfologia, sintaxe,

semântica, pragmática, fonologia, prosódia, discurso), caracterizando os elementos

estruturantes e formadores das expressões lingüísticas. Essa abordagem

compreende a língua como produto de uma rede de relações entre conhecimento de

mundo e percepções de natureza sensório-motora que ajudam os falantes a

entender e processar as informações lingüísticas (GOLDBERG, 1995).

Para Goldberg, construções são instâncias de forma-significado que

carregam em si mesmas a significação, independente das palavras de uma

sentença, embora seja relevante a informação inerente aos itens lexicais.

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Por esse prisma teórico, importa saber que as estruturas semânticas,

associadas a suas expressões formais, são construções, independentemente do

léxico que as instancia. Tem-se nessa abordagem o princípio básico de economia

lingüística, assentado na relação sociocognitiva do universo lingüístico mental do

falante com o seu universo físico real.

Assim sendo, para Goldberg, a construção é um pareamento de forma e

significado, de modo que algum aspecto da forma ou do significado não é

estritamente previsível das unidades componentes da construção ou de outras

construções previamente estabelecidas.

Para Goldberg, há uma natural associação da linguagem verbal às

experiências físicas, ao universo comportamental, como, por exemplo, o caso de

alguém voluntariamente transferindo algo para alguém, alguém provocando algo a

se mover ou mudar de estado, alguém experienciando algo, alguém se movendo.

Estas experiências sensório-motoras constituem a base da estruturação na

linguagem de construções que indicam a transferência como o aluno deu uma idéia

ao professor, a mudança de estado, uma metáfora da mudança de local, nos casos

de a lavadeira clareou o vestido novo, o jovem caiu em desgraça, etc.

Por conseguinte, percebe-se o mundo fisicamente através dos sentidos e, a

partir disso, estrutura-se15 as construções lingüísticas com base no que se vivencia

e se conhece, ou seja, quando se fala em língua não se está falando de uma forma

dissociada da lógica e do conhecimento desenvolvido no cérebro humano, mas de

um conhecimento integrado com o mundo (a noção de construção será retomada no

Capítulo 3, seção 3.3.3.1).

15 Neste trabalho, não adoto a orientação normativa da tradição gramatical para a concordância verbal da chamada passiva pronominal. Aplico, nas supostas ocorrências de voz passiva pronominal (sintética), a flexão marcada na terceira pessoa do singular. Manterei o plural apenas quando se justifique assegurar a clareza do texto. Considero, em consonância com Said Ali (1957), Camara Jr. (1985), Perini (1996) e Bagno (2000), entre outros, que se trata de uma postura há muito extemporânea, não mais compatível com o uso corrente do português do Brasil. A opção pelo singular nessas construções verbais espelha mais fidedignamente a realidade lingüística nacional. Segundo Said Ali, a ação é psicologicamente atribuída a um ente humano (desconhecido ou que não convém nomear), pois o pronome se exerce uma função “psicológica” de agente indeterminado, que, para mim, corresponde ao sujeito indeterminado do ponto de vista pragmático. Afirma ainda que é comum as línguas românicas (francês, italiano, etc.) atribuírem caso nominativo a pronomes oblíquos. Igualmente, não sigo, a rigor, a norma que prescreve ser o sujeito um elemento sintático não preposicionado. Assim, quando essa regra prejudica a eufonia ou a leveza da construção, própria da língua corrente, deixo de aplicá-la (BECHARA, 2004).

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Convém destacar que, enquanto categorias analíticas, trato do conceito de

construção, de Goldberg, associado ao conceito de estrutura argumental (preferida),

idealizado, como fora antes explicitado, por Du Bois (1985, 1987) e aplicado por

inúmeros estudiosos em trabalhos de vertente funcionalista, entre estes menciono

Thompson e Hopper (2001), Furtado da Cunha e Costa (2001), e Furtado da Cunha

(2007).

É interessante também observar que a maioria dos SVIs tem sua codificação

morfossintática e sua interpretação semântico-pragmática motivadas pela natureza

cognitiva e analógica das metáforas. Os processos analógicos, que servem de

sustentáculo à construção metafórica de SVIs, parecem ocorrer espontaneamente

na cognição humana. Por isso, segundo Erman e Warren (2000), é mais comum a

formação de um pré-fabricado (aqui, SVI) entre verbo e o complemento objeto do

que entre sujeito e verbo, pelo fato de que agentes são caracteristicamente

animados e são raramente afetados pela metaforização.

Em síntese, os SVIs encontram-se tão mimetizados em nosso dia-a-dia, que

não se estranha sua enunciação nas conversas rotineiras, e até mesmo nos eventos

comunicativos mais formais. Os SVIs parecem satisfazer algumas necessidades

intelectivas e afetivas básicas dos interlocutores, ao servirem de ferramentas

lingüísticas e imagísticas na transmissão das idéias e sentimentos que lhes afloram

no convívio social.

1.2 HIPÓTESES

Em função da natureza qualitativa16 (descritiva) desta pesquisa, não formulo

hipóteses rigorosamente lógicas e categóricas, embora estejam condicionadas

relativamente à verificação estatística. Adoto, todavia, um conjunto de proposições

em nível de questões de pesquisa que têm a finalidade de nortear os passos

investigativos do objeto de estudo. Sendo assim, listo a seguir as principais questões

propositivas em relação às quais esta investigação busca alcançar os resultados

16 Na seção 1.5.1, estão explicitados os argumentos que justificam a escolha do tipo de pesquisa em questão.

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pretendidos. Tais questões se caracterizam pela verticalização descendente de suas

afirmações, partindo de um conteúdo mais generalizante (abstrato) para um

conteúdo mais específico (concreto).

Os SVIs são de domínio coletivo e representam eventos pragmático-

discursivos internalizados convencionalmente por intermédio das práticas

sociocomunicativas.

A utilização de SVI tende a reduzir, probabilisticamente, a demanda

cognitiva na produção discursiva de falantes jovens e adultos.

A baixa escolaridade e faixa etária tendem a influenciar no grau de

domínio dos SVIs.

A motivação metafórica é base geradora de SVIs na comunicação

cotidiana.

O grau ascendente de formalidade do discurso pode restringir a utilização

de SVI.

Tipos textuais marcados pela subjetividade intencional dos falantes são

mais propensos à recorrência de SVI.

Os SVIs podem apresentar relativa variação de estrutura morfossintática.

Em princípio, a adoção desse conjunto de hipóteses permitirá implementar o

processo de descrição e interpretação dos aspectos (qualitativos e quantitativos)

inerentes ao fenômeno sob estudo. De modo enfático, o foco incidirá na explicação

de aspectos relacionados à sua natureza sintática, semântica e pragmática.

Em sintonia com essas balizas metodológicas, sem perder os limites que uma

abordagem cognitivo-funcional estabelece, procuro rastrear as evidências mais

salientes conceptualmente e mais funcionais empiricamente concernentes à

formação e ao uso de SVIs nos dados selecionados.

Na seção seguinte, formalizo e enumero os objetivos centrais e específicos

da presente investigação. Trata-se de procedimentos práticos, de natureza analítica,

que visam alcançar à materialidade dos resultados almejados.

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1.3 OBJETIVOS

1.3.1 Objetivo geral

Investigar a estruturação e processualidade dos SVIs na interação

comunicativa a partir de suas manifestações em textos orais, produzidos por

interlocutores socialmente situados.

1.3.2 Objetivos específicos

Investigar a influência dos SVIs enquanto redutor de demanda cognitiva

na produção textual selecionada.

Descrever a estrutura morfossintática e o funcionamento dos SVIs no

interior de sentenças oracionais sob o enfoque dos princípios cognitivo-

funcionais da marcação, prototipicidade e de figura-fundo.

Identificar a motivação metafórica subjacente à estrutura funcional dos

pré-fabricados tipo SVI.

Formular a tipologia semântica dos verbos predominantes nos SVIs.

Categorizar o papel sintático-semântico dos SNs complemento (objeto

direto).

Examinar o domínio de SVIs pelos interlocutores em relação às variáveis

grau de escolaridade / faixa etária.

Mensurar a freqüência de SVI nas diversas configurações textuais

analisadas.

Sugerir uma abordagem semântico-pragmática dos SVIs nas aulas de

português do Ensino Médio e do curso de Letras.

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1.4 JUSTIFICATIVA

Não se deve semear ventos...

Esta pesquisa vem a lume, primordialmente, motivada pela curiosidade

teórica pessoal – alentada desde algum tempo – de pesquisar os construtos

idiomáticos em português. Associado a essa razão primeira, registro o fato de ter

contado substancialmente com o entusiasmo, a aprovação e a experiência de minha

orientadora. Em primeira hora, a delimitação e a nomenclatura do tema (SVI) vêm de

sua inspiração.

Como conseqüência, ante a ausência ou escassez de estudos sistemáticos

sobre este tema – em nível de sala de aula e de eventos pedagógicos na área

respectiva (ensino de português)17 – estou propondo uma abordagem semântico-

pragmática em que sejam focados também os aspectos cognitivo-funcionais

inerentes ao fenômeno sob análise.

A par disso, suponho que este estudo esteja respaldado por duas

constatações básicas: (i) a doutrina gramatical clássica não desenvolveu estudos

satisfatórios sobre o uso de pré-fabricados na linguagem corrente; e (ii) as teorias

lingüísticas contemporâneas reconhecem a existência e relevância desse fenômeno

lingüístico, mas ainda não descrevem plenamente a estrutura e o funcionamento

desses construtos idiomáticos na prática discursiva cotidiana.

Assim sendo, por identificar essas lacunas teórico-metodológicas em ambas

as perspectivas históricas dos estudos lingüísticos, a presente investigação tende a

resgatá-la, propondo, mesmo que restrito aos SVIs, um tratamento centrado nos

aspectos sintáticos e semântico-pragmáticos dessa manifestação lingüística.

Convém ressaltar, aliás, a convicção em reconhecer a relevância temática do objeto

sob análise, pois não se trata de um fenômeno marginal na linguagem, embora ao

longo do tempo tenha passado distante dos olhos dos pesquisadores. Quando

muito, alguns estudiosos lançam-lhe um olhar de soslaio.

17 Assumo como exemplo a minha própria história de professor de português. Com mais de vinte anos de atividade docente, grande parte desse tempo no Ensino Médio, raramente eu – e outros colegas de disciplina – analisávamos esse fenômeno lingüístico em sala de aula. Isso vale também, de um modo geral, para o ensino da língua materna nos cursos de Letras, nos quais já venho engajado há 14 anos.

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Em virtude dessas dificuldades, não se constituiu tarefa das mais fáceis a

busca por referências teóricas abalizadas, principalmente em português, sobre o

assunto em foco. Tive de empreender uma ampla garimpagem na caudalosa

torrente de produções lingüísticas e gramaticais, na tentativa de identificar e recolher

os valiosos achados que justificariam sua inserção neste trabalho.

Tem-se, portanto, o intuito de apresentar uma análise interpretativa dos SVIs,

focalizando os seus usos reais na interação comunicativa, aplicando, como

categorias analíticas, alguns pressupostos fornecidos por um quadro teórico de

perspectiva cognitivo-funcional (ver Capítulo 3).

Pretendo, dessa forma, impelido por estes propósitos aqui estipulados,

elaborar um aporte de sugestões didáticas sobre o estudo dos SVIs à atividade

docente no âmbito da pedagogia da língua materna em nível de Ensino Médio e do

curso de Letras.

A escolha por níveis de ensino18, como potencial destinatário das possíveis

contribuições a serem feitas, advém do pressuposto de que nesses graus de

escolaridade os alunos já apresentam uma atitude consciente em relação ao

“conhecimento das formas contemporâneas de linguagem” (LDB, 1996). No tocante

ao Ensino Médio, em consonância com os PCNs (1999, p.139), o estudo da língua

portuguesa permite revelar ao educando

o caráter sócio-interacionista da linguagem verbal e que o texto só existe na sociedade e é produto de uma história social e cultural, único em cada contexto, porque marca o diálogo entre os interlocutores que o produzem e entre os outros textos que o compõem. O homem visto como um texto que constrói textos.

Em suma, essa concepção de ensino-aprendizagem destaca a natureza

social e interativa da linguagem, em contraposição às concepções tradicionais, que

desconsideram o intenso e extenso uso social da língua materna.

18 Essa preferência não se configura, a meu ver, uma posição inflexível nem preconceituosa. É ponto consensual que no Ensino Fundamental os alunos adquirem, progressivamente, uma competência em relação à linguagem que lhes permite ter acesso aos bens culturais e alcançar a participação plena no mundo letrado (PCNs, 1997). No que concerne ao Ensino Superior, caberia aos alunos exercitarem o espírito investigativo, com rigor teórico-metodológico, desenvolvendo estudos científicos acerca dos problemas lingüísticos.

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1.5 METODOLOGIA

Seguindo os passos da ciência.

A princípio, devo registrar que se mostrou um procedimento imprescindível a

focalização do estado da arte (Capítulo 2) sobre o fenômeno lingüístico aqui

abordado. Para alavancar esse processo de varredura no vasto e variado universo

de produções acadêmicas e científicas (livros e revistas), utilizei-me, inclusive, de

outros meios de apoio, como os recursos da internet, mediante a virtualização de

textos oriundos de trabalhos monográficos (dissertações e teses), de periódicos e

jornais eletrônicos.

Isso posto, devo sobretudo enfatizar que este estudo, em função de seu

escopo teórico-metodológico, reivindica registro num paradigma científico de

pesquisa aplicada. Trata-se, basicamente, de uma pesquisa referendada por

premissas cognitivo-funcionais (Capítulo 3) que advogam uma concepção de

linguagem em pleno uso interacional.

Tal estudo, filiado à linha de pesquisa discurso, gramática e uso, se esforça

para não ser uma mera aplicação de postulados teóricos ao fenômeno lingüístico em

análise. Mas, indutivamente, tenta ser, sobretudo, um processo específico e restrito

de descoberta dos aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos inerentes ao

entorno dos pré-fabricados lingüísticos, em particular dos construtos idiomáticos aqui

denominados de sintagmas verbais idiomatizados (SVIs).

Sendo impossível executar tal empreendimento sem o respaldo de balizas

teóricas e metodológicas, faz-se imperativo selecionar alguns pontos de ancoragem

no processo de investigação. Dessa forma, esses pontos estão relacionados,

imprescindivelmente, a categorias de análise (Capítulo 4) propostas por uma

interface cognitivo-funcional dos estudos lingüísticos contemporâneos. Oriundos de

vários tipos de textos falados – produzidos por informantes residentes na capital

potiguar–, os materiais de análise selecionados se constituem de recortes textuais

extraídos do Corpus Discurso & Gramática: a língua falada e escrita na cidade do

Natal (FURTADO DA CUNHA, 1998).

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1.5.1 Natureza empírico-aplicada da pesquisa

Na pretensão de que esta pesquisa se enquadre no paradigma científico da

Lingüística Aplicada (LA), apresento aqui as premissas teórico-metodológicas que

sustentariam essa postura.

Ao longo das três últimas décadas, perante o volume considerável de

pesquisas, cujos resultados foram sendo regularmente publicados em livros, revistas

e jornais especializados na área da investigação lingüística, fica patente que a LA já

consolidou o seu estatuto de ciência no âmbito da comunidade científica.

Em princípio, no entanto, delimitar as fronteiras teóricas e metodológicas da

LA parece ser assunto delicado e próprio dos estudiosos desse campo específico de

pesquisa.

Sendo assim, não demandarei esforços na tentativa de mapear o habitat de

convivência da LA nas inter-relações com outras ciências ou disciplinas, nem traçar

os caminhos de sua operacionalidade investigativa. Quando muito, proponho-me a

defender, provisoriamente, que o objeto de estudo desta pesquisa pode receber, não

sem risco de algum cisma, o batismo de LA, pelo conjunto de princípios, regras e

crenças que valida o certificado de sua identidade.

Segundo Celani (1998, p.133),

no domínio da pesquisa, a atitude transdisciplinar situa-se como pesquisa orientada, isto é, ao mesmo tempo teórica e aplicada, situando-se entre o domínio da pesquisa fundamental, em que prevalece a busca do saber por si mesmo, e o domínio da ação informada, em que predomina o útil, o prático, a eficácia.

Estou motivado sobretudo pela utilidade precípua da pesquisa, por isso

procuro garantir a praticidade das análises objetivando alcançar a eficácia dos

resultados.

A partir desse escopo, é plausível que este estudo se caracterize como uma

pesquisa filiada à LA em razão de seu paradigma de investigação. Defendo, não de

modo intransigente ou irretratável, que a pesquisa sobre sintagmas verbais

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idiomatizados pode ser reconhecida como um trabalho investigativo aplicado por

assegurar a sua adesão a cinco postulados básicos no âmbito da LA (cf. MOITA

LOPES, 1996, p.19-21), a saber:

A Lingüística Aplicada é

1. Pesquisa de natureza aplicada: está centrada essencialmente na

resolução de problemas de uso da linguagem em contextos sociais.

Este estudo pretende analisar, interpretar e explicar aspectos sintáticos e

semântico-pragmáticos concernentes ao uso de SVIs nas práticas

discursivas cotidianas. Fatos estes não considerados na abordagem da

gramática tradicional.

2. Pesquisa que focaliza a linguagem do ponto de vista processual: a

linguagem é analisada na perspectiva do uso/usuário no processo de interação

verbal (oral/escrito).

O estudo dos SVIs se fundamentará na descrição e interpretação de

dados produzidos empiricamente (textos reais), coletados junto a falantes

concretos socialmente estabelecidos.

3. Pesquisa de natureza interdisciplinar e mediadora: o aparato teórico da LA

se filia a um leque de disciplinas (psicologia, sociologia, lingüística, etc.), cuja

aplicabilidade está condicionada às condições de relevância do problema de uso da

linguagem a ser investigado.

A investigação sobre a estrutura e funcionamento dos SVIs focalizará

aspectos pontuais e pertinentes que demandam reflexões nas áreas da

gramática tradicional, da lingüística cognitiva, funcionalismo, inclusive da

semântica e pragmática.

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4. Pesquisa que envolve formulação teórica: há produção de modelos

teóricos próprios e de conhecimentos especializados no seu campo de atuação e em

áreas afins.

A abordagem dos SVIs objetiva assegurar a (re)elaboração da

conceitualização, delimitação formal e paradigma funcional desses

construtos idiomáticos. Projeta-se, ainda, envidar esforços para subsidiar

com sugestões teóricas professores de português em nível de Ensino

Médio e do curso de Letras.

5. Pesquisa que utiliza métodos de investigação de base positivista e

interpretativista: emprego de procedimentos investigativos que contemplam os

aspectos positivistas (grades estatísticas) e aspectos interpretativos (fatores

subjetivos) do objeto de estudo.

A investigação dos SVIs exigirá uma convergência epistemológica na

aplicação de instrumentos de análise que se associam às bases científicas

da pesquisa positivista (em menor grau) e, fundamentalmente, da

pesquisa interpretativista de natureza qualitativa. Efetivamente, em

relação aos SVIs ocorrerá a necessidade de mensuração de dados (tipos,

freqüências, contextos) e de sua interpretação avaliativa (causas, efeitos,

hipóteses).

Em função do exposto, reivindico para este estudo os atributos de ser uma

investigação exploratória19 (empírica), qualitativa (interpretativista), aplicada

(interdisciplinar). Contudo, utilizo os dados quantitativos apenas para mensurar

exemplos/variáveis/ocorrências reais do fenômeno em estudo numa perspectiva da

linguagem em uso. Neste trabalho, tentarei mostrar como técnicas estatísticas

podem suplementar análises qualitativas da linguagem.

Resumindo, pode-se afirmar, sobretudo, que este estudo é cognitivo-

funcionalista pela orientação, sincrônico pelo foco e gradiente na aplicação.

19 Por envolver pesquisa bibliográfica e análise de textos reais.

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1.5.2 Descrição do corpus

O Corpus Discurso & Gramática – Seção Natal (FURTADO DA CUNHA,

1998), que fornece os dados empíricos a esta pesquisa, é composto por

depoimentos de 20 informantes (masculinos e femininos). Cada um deles produziu

cinco diferentes tipos de textos orais (não considerei os textos escritos

correspondentes). Na totalidade, são 100 registros de língua falada. Esses tipos de

textos são:

1. narrativa de experiência pessoal (NEP)

2. narrativa recontada (NR)

3. descrição de local (DL)

4. relato de procedimento (RP)

5. relato de opinião (RO)

Para efeitos de pesquisa, tem-se o controle das variáveis idade e

escolaridade. Os 20 informantes, alunos da rede escolar da capital, estão

distribuídos numa escala de idade e escolaridade que abrange os seguintes

segmentos:

- classe de Alfabetização (infantil): 04 informantes 5 a 8 anos

- 4ª série do Ensino Fundamental: 04 informantes 9 a 11 anos

- 8ª série do Ensino Fundamental: 04 informantes 13 a 16 anos

- 3ª série do Ensino Médio: 04 informantes 18 a 20 anos

- último ano do Ensino Superior: 04 informantes acima de 23 anos

Na visão de Votre (1998, p. 9),

o corpus [D&G–Natal] é particularmente útil no estudo da emergência da gramática, por oportunizar identificar um núcleo básico de regularizações e cristalizações, ao lado de formas mais periféricas, no sentido estatístico do termo; ao favorecer a identificação das formas mais raras, menos comuns, em contexto real de ocorrência, abre excelente oportunidade para o estudo de opções marcadas, que se dão no uso, no sentido de serem construídas na interação.

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Resta-me esclarecer, entretanto, que os dados coletados não serão

analisados do ponto de vista da variação e mudança lingüística (gramaticalização).

Os fragmentos textuais – delimitados enquanto enunciados contextualizados –

constituem as estruturas enquadrantes dos SVIs, sendo estes sintagmas as

autênticas unidades de análise da pesquisa, focados em seu processo escalar de

lexicalização.

Esclareço, também, que não houve controle da variável sexo20.

Acrescento, por último, que o conjunto de dados da pesquisa, como ficou aqui

definido, constitui um corpus restrito (amostra) do corpus ampliado (universo) das

manifestações empíricas de SVIs.

1.6 ESTRUTURA DO TRABALHO

Em função de uma melhor organização deste trabalho de pesquisa, torna-se

relevante a estratégia metodológica de abordagem dos conteúdos em unidades

definidas e delimitadas, embora inter-relacionadas e complementares nos planos

estrutural e conceptual.

Nessa perspectiva, embora sem rigor didático, trato de demonstrar as partes

constitutivas deste estudo, que está desenvolvido em cinco capítulos. Neste

Capítulo 1 estão situados os elementos teóricos contextualizadores da pesquisa.

Apresenta-se o tema e sua delimitação. São focadas as questões de pesquisa e

delineados os seus objetivos. Expõe-se a justificativa, a metodologia e a estrutura do

trabalho.

No Capítulo 2, apresento uma retrospectiva histórica dos estudos sobre o

assunto (pré-fabricados lingüísticos) e o tema (estrutura e funcionamento dos SVIs).

Tornou-se imprescindível a necessidade de algumas incursões em bancos

bibliográficos (físicos e virtuais), para se projetar um mapeamento das principais

obras e autores que tratassem do fenômeno em foco. Os depoimentos dos autores

20 Como são analisados apenas os dados de um corpus restrito (textos orais / apenas alguns falantes da cidade de Natal), tenho impressão de que os indicadores estatísticos sobre a variável sexopoderiam ser insuficientes para se projetar uma tendência clara e consistente em torno do uso de SVIs.

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em referência estão categorizados em duas vertentes: primeiro, tem-se a preleção

com os gramáticos, clássicos e contemporâneos; segundo, vem o diálogo com os

lingüistas. Sucintamente, segue-se uma resenha sobre as contribuições desses

autores (re)visitados.

O Capítulo 3 descreve, ao longo do espectro dos estudos lingüísticos, os

principais momentos históricos de seus paradigmas teóricos predominantes, de suas

rupturas e continuidades. Apresento um quadro panorâmico acerca das teorias

funcionalistas e cognitivistas, de onde provêm os princípios basilares de sustentação

epistemológica desta pesquisa.

Apresenta-se a análise dos dados no Capítulo 4. Exponho então os

procedimentos de análise compatíveis com os aportes teóricos, e empreendo a

interpretação dos dados empíricos. Faço também algumas imersões intuitivas na

leitura dos dados. Apresento ainda alguns informes estatísticos sobre o objeto em

foco.

As sugestões pedagógicas situam-se no Capítulo 5. Neste, relaciono as

principais competências e habilidades, propostas pelos PCNs (1999) e a LDB

(1996), a serem desenvolvidas no ensino de língua portuguesa em nível do Ensino

Médio e do curso de Letras. Respaldado por esses pressupostos pedagógicos,

proponho uma grade teórica de sugestões didáticas sobre a possível abordagem

dos SVIs, pelos professores de português, nas salas de aula desses dois níveis de

ensino.

Concluindo o trabalho, tem-se o Capítulo 6. Apresento as considerações

finais, avalio os resultados alcançados, identifico as limitações da pesquisa e aponto

algumas alternativas para posteriores estudos sobre os pré-fabricados lingüísticos.

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2 REVISÃO DA LITERATURA

Para não perder o bonde da história.

Este capítulo reúne informações concernentes ao fenômeno sob análise,

levantadas junto a um grupo representativo de gramáticos e de lingüistas, clássicos

e contemporâneos. Nesse cenário, proponho-me registrar e comentar os pontos

essenciais dos depoimentos e das posições teóricas assumidas por esses autores

em relação, no geral, aos pré-fabricados lingüísticos e, em particular, aos sintagmas

verbais idiomatizados.

2.1 PRESENÇA DOS PRÉ-FABRICADOS NA LINGUAGEM

Como fora mencionado no capítulo inicial, os construtos idiomáticos

pertencem ao grupo dos pré-fabricados lingüísticos complexos mais empregados na

linguagem cotidiana.

Como produtos lexicalizados, ou em via de lexicalização, os construtos

idiomáticos, na visão de Sánchez (2005), se caracterizam como construções

irregulares quanto à sua formação e seu conteúdo composicional. No entanto, esse

autor as considera estruturas poliléxicas de alta relevância comunicativa, pela sua

eficiência pragmática e expressividade semântico-discursiva.

De fato, a produção e circulação dos diferentes tipos textuais, em língua

falada e escrita, nos mais variados ambientes sociais, revela a forte presença dos

pré-fabricados lingüísticos. Numa escala que vai dos diálogos coloquiais mais

informais aos diálogos conferenciais e científicos mais formais, os pré-fabricados

permeiam a linguagem de diferentes interlocutores, sobressaindo no fluxo da

comunicação em razão de seu matiz semântico peculiar e de sua força expressiva.

Assim, economia e expressividade caracterizam os pré-fabricados, justificando a sua

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influência e preferência, especialmente, nas conversações rotineiras. Esses

aspectos podem ser atestados nas mais variadas obras sobre o assunto.

No Brasil, especificamente, as dificuldades na interpretação desses

construtos tendem a se concentrar nas diferenças lingüísticas regionais, pois os

muitos estados da federação podem apresentar elevado número de variantes,

veiculadas na comunicação em geral, ou no processo específico de ensino-

aprendizagem do português. Dessa forma, para o falante estrangeiro, ou mesmo

para as crianças nativas no início da aprendizagem da própria língua, o maior

problema parece residir na dificuldade de decodificar o sentido conotativo desses

idiomatismos, uma vez que muitos construtos idiomáticos são produzidos por meio

de analogia metafórica. Obviamente, a priori, argumento aqui em tom probabilístico,

haja vista não dispor de dados empíricos para verificação dessas hipóteses.

Convém antecipar, todavia, que os dados desta pesquisa sinalizam uma

tendência de confirmação da hipótese de que crianças na idade escolar demonstram

um baixo domínio dos construtos idiomáticos na sua comunicação diária, em

particular do tipo SVI.

A propósito, reafirmo, ao se constatar a alta freqüência de pré-fabricados na

linguagem cotidiana, torna-se estranha ou descabida a escassez de estudos

sistemáticos, principalmente nas gramáticas tradicionais, sobre esse fenômeno tão

intrínseco e peculiar à interação comunicativa de falantes dos mais variados

grupamentos sociais.

Em princípio, a tradicional descrição lingüística, de enfoque estrutural, mostra

como as palavras são combinadas para gerar sintagmas gramaticais, mas ignora o

fato de as palavras também se combinarem para gerar compostos de multipalavras

(pré-fabricados), que não são necessariamente convergentes com sintagmas

gramaticais livres.

Todavia, em razão da grande quantidade de linguagem pré-fabricada em

textos, orais e escritos, torna-se improvável considerar esses construtos idiomáticos

ou combinações léxicas como fenômenos periféricos, marginais. Isso, portanto, já

seria argumento suficiente para justificar a execução de processos investigativos

mais consistentes a serem empreendidos tanto por gramáticos quanto por lingüistas.

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Segundo Erman e Warren (2000), o reconhecimento dos pré-fabricados e de

sua importância na comunicação, associado a descrições apuradas de seus

significados e funções, de sua flexibilidade sintática e lexical, de seu nível

semântico-estilístico, tem grandes conseqüências práticas para estas três áreas,

especificamente: (i) ensino e aprendizagem de língua estrangeira; (ii) tradução

simultânea; e (iii) estudo de gêneros.

Reitero, entretanto, que o foco desta análise incidirá nos aspectos estruturais

e funcionais dos SVIs, identificando a influência de fatores sintáticos, semânticos e

pragmáticos na processualidade desses construtos idiomáticos. Também reafirmo o

propósito de limitar-me ao uso da nomenclatura específica – sintagmas verbais

idiomatizados – para designar os construtos lexicalizados formados por VT + OD.

Acredito ser este um princípio teórico-metodológico de caráter uniformizante e

simplificador, ante a pulverização de terminologias adotadas pelos gramáticos e

lingüistas referentes às construções cristalizadas / lexicalizadas em geral.

Segundo Lyons (1987, p. 141), “não há um critério universalmente aceito que

nos permita traçar uma distinção nítida entre lexemas sintagmáticos, por um lado, e

clichês ou expressões fixas, por outro” [grifos meus].

Nesse contexto, há de se perguntar: Esses termos nomeiam o mesmo objeto?

Como distinguir o SVI de uma expressão fixa, ou de uma lexia verbal qualquer? O

SVI pode ser polissêmico? O grau de cristalização será idêntico para todos os SVIs?

A estrutura morfossintática dos SVIs é variável? Todos os SVIs são formados a partir

de uma base metafórica?

Esses, todavia, são questionamentos relevantes a que tentarei responder a

partir do desdobramento desta investigação. Para isso, tomo como parâmetros de

análise outros aportes teóricos, que entendo serem tecnicamente mais adequados e

consistentes, já plenamente disponibilizados pelos estudos lingüísticos hodiernos

(ver Capítulo 3).

Antes disso, é fundamental inteirar-se do estado da arte com respeito aos

construtos idiomáticos. Na seção seguinte, portanto, inicia-se uma operação de

garimpagem pelas águas correntes das teorias abundantes que fluem em inúmeras

e variadas obras assinadas por autores nacionais e estrangeiros, gramáticos e

lingüistas.

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2.2 PONTOS DE VISTA DE GRAMÁTICOS E LINGÜISTAS

Nesta seção me proponho elaborar um breve histórico sobre a abordagem da

gramática tradicional e da lingüística descritiva21 acerca dos sintagmas verbais

idiomatizados.

Como fenômeno sintático corrente, manifestando-se, em maior ou menor grau

de freqüência, nos mais diversos níveis de funcionamento da língua, e em todos os

estratos sociais e de faixa etária, os sintagmas verbais idiomatizados constituem-se

num assunto raramente estudado pela gramática tradicional, cuja orientação

normativa prioriza legitimar a doutrinação das regras de “bem falar e escrever” no

âmbito do ensino escolar.

Nesse sentido, decidi buscar primeiramente informações gerais sobre o

tratamento proposto pelas gramáticas tradicionais, e em seguida nos compêndios de

lingüística, objetivando mapear aspectos inerentes à estrutura e ao funcionamento

dos SVIs.

Nesta fase do trabalho, porém, não considerarei, para efeito de análise, os

aspectos concernentes à tipologia semântico-sintática dos componentes internos

dos construtos idiomáticos (V e N). Assim, tomarei como unidade de referência

apenas o conglomerado sintático, constituído, necessariamente, por duas ou mais

palavras, quer seja um verbo associado a um termo integrante de sua predicação

(objeto), quer seja uma perífrase verbal (locução de dois ou mais verbos).

Trata-se, portanto, de um levantamento prévio de informações sobre

construções verbais pré-fabricadas, de preferência SVIs, que porventura tenham

encontrado ressonância em alguns dos compêndios gramaticais e manuais de

lingüística sob investigação.

Sinalizei anteriormente que pretendo apresentar outros desdobramentos de

ordem semântico-pragmática acerca dos SVIs. Com efeito, ratifico que o

levantamento bibliográfico ora empreendido constitui-se principalmente na (re)leitura

de algumas gramáticas e obras lingüísticas, com objetivo primordial de coletar

21 Identificarei com essa nomenclatura as correntes lingüísticas de concepção estruturalista, gerativista e funcionalista.

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informações sobre os procedimentos descritivos e o possível posicionamento teórico

de seus respectivos autores sobre o fenômeno lingüístico aqui focalizado.

2.2.1 Tirando prosa com os gramáticos

Tradicionalmente, há um universo multifacetado de gramáticos22, por isso

selecionei, atendendo ao critério de ordenação cronológica, as gramáticas de

Eduardo Carlos PEREIRA (1926), Francisco da Silveira BUENO (1944), Carlos

Henrique da ROCHA LIMA (1976), Domingos Paschoal CEGALLA (1976),

Hildebrando Afonso de ANDRÉ (1978), Maria Helena Mira MATEUS et al. (1983),

Louzã de OLIVEIRA (1983), Celso Ferreira da CUNHA e Luis Filipe Lindley CINTRA

(1985), Napoleão Mendes de ALMEIDA (1989), Celso Pedro LUFT (1991), Enéas

Martins de BARROS (1991), Roberto Melo MESQUITA (1995), Beth GRIFFI (1996),

Suzana D’ÁVILA (1997), William Roberto CEREJA e Thereza Cochar MAGALHÃES

(1998), Maria Helena de Moura NEVES (2000), Marcos BAGNO (2000), Domício

PROENÇA FILHO (2003), Evanildo BECHARA (2004) e Leila Lauar SARMENTO

(2005).

Pode-se observar, pelas datas de edição/reedição dessas obras, que elas

cobrem uma escala cronológica que se estende por todo o século XX e início do

século XXI, estando a maioria delas, reafirmo, ainda relativamente prestigiada pela

pedagogia da língua nos dias atuais, embora sejam alvo constante de críticas e

propostas de reforma.

Nesse sentido, é interessante destacar que a enorme diversidade de livros

didáticos na área de língua portuguesa, vendidos ou distribuídos pelos programas

educativos institucionais (MEC e Secretarias de Educação de Estados e Municípios),

tomam, fundamentalmente, como modelos de análise dos fenômenos lingüísticos as

orientações e estratégias metodológicas da gramática (normativa) tradicional. A

propósito, em termos doutrinários, a GT continua sob a antiga chancela oficial da

Nomenclatura Gramatical Brasileira – NGB (1959), e ainda desfruta da defesa e

beneplácito da Academia Brasileira de Letras – ABL, a despeito das inúmeras

22 Doravante, esses gramáticos serão identificados apenas pelo último sobrenome (em caixa alta), seguido do ano de publicação de sua respectiva obra.

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críticas e ataques ferrenhos disparados por estudiosos da linguagem, de ontem e de

hoje, aos ditames reguladores desse polêmico instituto lingüístico-jurídico.

Metodologicamente, impôs-se a necessidade de delimitar, para fins de

amostragem, um número reduzido porém significativo de gramáticas, cujo

reconhecimento de seus autores como representantes consagrados da doutrina

gramatical deve-se não somente ao fato de serem tomados como referenciais

pedagógicos no ensino da língua materna, que se atesta pela tradição escolar, mas

também pela forte presença no mercado editorial de livros didáticos e pela adoção

de muitas dessas obras, repito, por organismos institucionais de governo.

Isso posto, abro este debate com Pereira (1926, p. 97), que considera a

perífrase e a locução verbal como sendo termos equivalentes: “Tanto os tempos

compostos como essas linguagens são expressões peripfrasticas ou circumloquios

verbaes” [sic].

Na concepção de Pereira, possivelmente as construções pré-fabricadas

ficariam circunscritos ao estudo das locuções verbais, precisamente da estrutura

combinatória de verbo auxiliar + verbo principal que forma os tempos compostos.

Esse autor denomina tais locuções de “expressões perifrásticas” ou “circunlóquios

verbais”. Em que pese a distância temporal, não se vislumbra em sua gramática um

exame mais profundo do assunto. O SVI, enquanto pré-fabricado verbal objeto desta

investigação, ou seja, a combinação de V + OD, cuja máxima aderência interna dos

itens léxicos a transforma em um amálgama morfossintático com carga semântica

unificada, sequer é mencionada na gramática de Pereira.

Passo então ao enfoque de Bueno (1944), que além de incidir sobre as

construções locucionais (expressão perifrástica ou composta), circunscreve o que

chamo de SVI a um único verbo constitutivo:

Fazer (verbo vicário) – A palavra vicário significa: que faz as vezes de outrem – Como em numerosas expressões empregamos o verbo fazer por outros verbos, a fim de não repeti-los, ou porque não tenhamos tais verbos, passou a ser um verbo vicário, isto é, que faz as vezes de outros. Assim dizemos: fazer a barba (barbear), fazer compras (comprar), fazer pena (inspirar pena), fazer um brinde (saudar), fazer discurso (discursar), fazer viagem (viajar), etc. (BUENO, 1944, p. 313).

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Bueno, de modo diferente de Pereira, analisa um exemplo de SVI, formado

pelo verbo fazer, empregado como verbo vicário: fazer a barba (= barbear), fazer

compras (comprar), etc. Esse autor alega que o falante se utiliza desses recursos ou

para expressar idéias que não podem ser concebidas por verbos simples, ou para

evitar repetições desnecessárias no discurso. Em todo caso, o autor limitou-se a

abordar o SVI em relação a uma única ocorrência (fazer), o que restringe o

entendimento desse fenômeno.

Em sua Gramática normativa da língua portuguesa, Rocha Lima (1976, p.

218) trata, em termos de pré-fabricados lingüísticos, apenas do objeto direto interno

(complemento representado por substantivo do mesmo radical, desde que seja

acompanhado de adjunto), ex.: morrer morte gloriosa, dançar danças malditas,

sonhar sonhos ruins. O autor reconhece que esse fenômeno ocorre em outras

línguas: beatam vitam vivere (lat.), viver uma vida feliz; morir una santa muerte

(esp.), morrer morte santa. Alega, também, que os objetos diretos internos podem

ser expressos por palavras que pertencem ao mesmo grupo de idéias: dormir um

sono tranqüilo, chorar lágrimas de sangue.

Na 14ª edição de sua gramática, em relação às construções pré-fabricadas23,

Cegalla (1976, p. 127) faz referência a tipos de conjugação composta, também

chamada conjugação perifrástica, que correspondem às locuções verbais,

constituídas de verbo auxiliar mais gerúndio ou infinitivo: Tenho de ir hoje. Estavalendo o jornal. Sandra veio correndo. De forma lacônica, o autor conceitua e

exemplifica esses fatos lingüísticos sem análise dos aspectos semântico-

pragmáticos, e sobretudo sem considerar outros tipos de construções compostas ou

perifrásticas, como, por exemplo, os SVIs aqui investigados.

Autor da Gramática ilustrada, André (1978) não reserva espaço algum para o

estudo dos construtos idiomáticos, nem dos SVIs em particular. Em verdade, adota

procedimentos idênticos aos utilizados por grande parte dos gramáticos, ou seja,

descreve exclusivamente, no campo da morfologia, as locuções (adjetivas, verbais,

adverbiais, prepositivas). Obviamente, esses são exemplos claros de pré-fabricados

lingüísticos, porém, essencialmente, são construções que não incorporam carga

23 A essa altura, é interessante explicitar que todo construto idiomático é um pré-fabricado, mas nem todo pré-fabricado (por ex., as locuções verbais) pode ser considerado idiomático (cf. p. 21).

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semântica cultural; enquanto instrumentos gramaticais apenas veiculam valores

sintático-semânticos relacionais ou circunstanciais.

Com uma proposta integrada de gramática e literatura, Oliveira (1983)

resumidamente descreve as combinações de verbo auxiliar + particípio, gerúndio ou

infinitivo, formando o todo uma locução verbal: haveremos de vencer, tínhamos

saído, estavam pensando, etc. O mesmo autor também alega que essas

combinações recebem o nome de perífrase verbal ou conjugação perifrástica. Esse

é, a meu ver, mais um exemplo de como a orientação teórica tradicional costuma ser

advogada e preservada no círculo de estudos gramaticais.

Sobre o assunto em foco, numa abordagem mais descritiva, Mateus et al.

(1983, p. 227)24 declaram:

Com certos verbos transitivos que exprimem tipos gerais de eventos ou processos, o argumento que deveria ocorrer como OD final pode ser incorporado no verbo, passando este a exprimir um subtipo desse tipo geral de eventos ou processos [grifo dos autores].

O processo de incorporação do OD no verbo tem como entrada, segundo os

autores, um verbo de n lugares e, como resultado, um verbo de n-1 lugares:

(7) (a) O presidente fez (um discurso)OD na Assembléia.

(b) O presidente discursou na Assembléia.

Em seguida (p. 230), esses autores assinalam que com os verbos dar ou

fazer, seguido de um OD que designa um estado de coisas, OI é freqüentemente [-

animado]:

(8) (a) dar (uma pintura)OD a (as estantes)OI

às

(b) fazer (uma limpeza)OD a (a casa)OI à

24 Gramática de língua portuguesa, publicada em Portugal, mas difundida no ambiente acadêmico brasileiro. É uma gramática que se distancia bastante da orientação teórica tradicional.

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Observe-se que estas construções admitem um OBL (= constituinte oblíquo:

argumento sem função sintática central, opcional, em geral regido de preposição,

que pode designar argumentos como, por exemplo, instrumento, locativo,

beneficiário, comitativo) em vez de um OI:

(8) (a’) dar (uma pintura)OD n (as estantes)OBL

(b’) fazer (uma limpeza)OD n (a casa)OBL

As mesmas construções admitem incorporação de OD no verbo passando o

argumento OI a funcionar como OD.

(8) (a”) pintar (as estantes)OD

(b”) limpar (a casa)OD

Para Mateus et al. (1983), essas construções passam pelo processo de

transitividade verbal. Esses autores abordam a combinatória de certos verbos

transitivos que exprimem tipos gerais de eventos ou processos, explicando que o

argumento que deveria ocorrer como OD final pode ser incorporado no verbo, este

esvaziado semanticamente, passando a exprimir um subtipo desse tipo geral de

eventos ou processos. Nota-se, pois, que a abordagem desses autores contempla

alguns aspectos relevantes para a compreensão da lexicalização de sintagmas

verbais constituídos de VT + OD. Nos exemplos (8a) dar (uma pintura)OD às

(estantes)OI e (8b) fazer (uma limpeza)OD à (casa)OI, observa-se que o complemento

OD se integra ao verbo da cláusula, constituindo um grupo sintático unificado

mórfica e semanticamente.

Embora os autores trabalhem – em relação aos pré-fabricados – apenas com

esses dois verbos, a análise proposta por eles torna-se mais clara e pertinente que a

de alguns de seus pares brasileiros, visto que se pode aplicá-la a outros verbos

similares. Os autores também fazem referência à estrutura interna do sintagma

verbal: SV = núcleo + complementos; núcleo = verbo(s) auxiliar(es) + verbo principal;

complementos = SN, SA, SP, Frase. Com efeito, proporcionam um tratamento

descritivo mais adequado do que o apresentado pela maioria das GTs clássicas.

Numa linha teórica mais tradicional, Cunha e Cintra (1985, p. 383) declaram

que conjuntos formados de um verbo auxiliar com um verbo principal chamam-se

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locuções verbais (ou perífrases). Esses mesmos autores não diferem in concreto da

maioria dos gramáticos contemporâneos. Não tratam do SVI em sua gramática.

Analisam apenas as locuções verbais formadas por verbo auxiliar + verbo principal

(este numa das formas nominais: infinitivo, gerúndio, particípio). Embora as locuções

verbais sejam um tipo de pré-fabricado recorrente na linguagem, existem outros

tipos mais significativos do ponto de vista comunicativo e cultural (ver Capítulo 1).

Além disso, pode-se admitir que a concepção de linguagem desses dois gramáticos

se vincula a objetivos estritamente conceituais e normativos.

Seguindo parâmetro teórico análogo ao dos gramáticos retrocitados, Almeida

(1989, p. 242) concebe os verbos ter e haver

como verbos abstratos, isto é, como auxiliares, eles se esvaziam de sentido; têm por função, nesse caso, indicar o tempo, o modo, a pessoa e o número do verdadeiro verbo, que aparece na frase na forma do particípio: tinha visto (ou havia visto) – tiveram feito (ou houvessem feito).25

Almeida trata da formação de locuções verbais no contexto dos estudos da

conjugação verbal, caracterizando apenas aquelas constituídas por verbos auxiliares

(ter e haver) e verbos principais. O autor ainda menciona a existência de verbos

servis, ou seja, verbos transitivos, cujo objeto é outro verbo. Ele exemplifica com os

casos: devo ir, posso fazer, costumava fazer, queria sair, conseguimos escapar (p.

315). Realmente, conforme já afirmei, esses são exemplos de pré-fabricados

lingüísticos (gramaticais), embora o autor não lhes confira um tratamento de

natureza semântico-pragmática.

Aqui chamo a atenção para a expressão “verdadeiro verbo” (ALMEIDA,

1989). Existe verbo falso ou fictício? O “verdadeiro verbo”, além de ser núcleo da

predicação, não é o que se flexiona nas categorias gramaticais de modo, tempo,

pessoa e número? Se o verbo auxiliar dá suporte à predicação e apresenta esses

aspectos inerentes aos verbos prototípicos (plenos), não seria ele, funcionando

auxiliarmente, um “verdadeiro verbo”? Como o autor não elucida a questão, parece

ficar estabelecido um raciocínio obscuro.

25 Segundo Almeida (idem), “o esvaziamento de sentido dos verbos ter e haver é fenômeno operado em português, porquanto o latim não possuía tempos compostos e, conseqüentemente, esses verbos nessa língua sempre possuíam significação própria, concreta”.

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Por sua vez, Luft (1991, p.136) afirma que locução verbal (verbo auxiliar +

verbo principal), em outra nomenclatura, equivale a Sintagma Verbal ou Frase

Verbal, constituinte que exerce a função de predicado completo. Ainda acrescenta

que as locuções verbais têm sido chamadas também de perífrases verbais,

conjugações ou locuções perifrásticas. Afora isso, o autor não disponibiliza o menor

comentário sobre os pré-fabricados lingüísticos, nem toma conhecimento em

particular dos SVIs em sua Moderna gramática brasileira, que, por outro lado,

incorpora no campo da sintaxe algumas contribuições formais da lingüística gerativo-

transformacional (diagramas-árvores).

Na verdade, assim como a maioria dos gramáticos nacionais, ele trata do

assunto apenas quando aborda, prototipicamente, os casos de locuções adjetivas,

verbais, prepositivas, conjuntivas, – que se enquadram na tipologia de pré-

fabricados gramaticais; e de locuções adverbiais, – já categorizadas aqui como pré-

fabricados lexicais (ver Capítulo 1).

A seu tempo, Barros (1991, p.133) trata tão-somente das formas verbais

perifrásticas (ou locuções verbais), que, segundo esse autor,

são constituídas de um verbo auxiliar (o qual traduz as categorias de tempo, modo, número e pessoa, mas se esvazia de significado) e de um verbóide (isto é, verbo numa forma nominal – gerúndio, infinitivo ou particípio –, que se esvazia das categorias citadas mas traduz o significado da locução: ando estudando, tenho visto etc.).

Apenas no glossário de sua gramática (p. 331), o autor define o termo lexia: a

unidade lingüística correspondente à palavra. A lexia, segundo ele, pode ser simples

quando formada por uma única palavra; e composta se formada de frases feitas,

siglas, nomes compostos, etc.

De maneira semelhante a outros gramáticos brasileiros, Mesquita (1995, p.

265) compreende por locução verbal ou perífrase verbal a “expressão verbal

formada por um verbo auxiliar mais um verbo principal nas formas nominais”.

Mesquita também não se distancia metodologicamente de seus pares. Segue a

doutrina tradicional de enfocar a locução verbal somente no espaço restrito da

conjugação verbal, analisando-a exclusivamente no nível da estrutura, que se forma

com a participação de verbo auxiliar + verbo principal. Mesquita ainda comenta

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sucintamente o fenômeno do verbo vicário, já visto em Bueno (1944). Ademais, não

se dispõe de margem para especulações semânticas, pragmáticas, discursivas ou

mesmo sintáticas acerca do fenômeno sob análise (SVI).

Griffi (1996), de modo lacônico, também segue o posicionamento da maioria

dos gramáticos: sem aludir à terminologia aqui adotada, descreve apenas os casos

prototípicos dos tempos compostos dos verbos. Por seu lado, d’Ávila (1997) fala das

formas nominais (infinitivo, gerúndio, particípio) que entram na composição das

locuções verbais. Ambas as autoras também aludem aos casos de locuções

adjetivas, adverbiais, prepositivas. Nada mais além disso.

Com o subtítulo Texto, reflexão e uso, Cereja e Magalhães (1998) abordam

em sua Gramática os construtos formados por Vaux + Vprinc (= locuções verbais),

procedimento de praxe adotado no campo da morfologia. Mas, merece destaque

pelos autores os temas gíria de grupos sociais e as gírias regionais. Por exemplo,

na p. 22, a partir de uma tirinha como texto-suporte, os autores explicitam o

significado de levar um coice, equivalendo a “levar uma bronca” ou “receber uma

ofensa”; na p. 23, chupar uma manguita tem o sentido de “se dar mal”, “cair”; e

tratam das gírias regionais na p. 25: capar o gato, “ir embora” (RN), bater um fio,

“telefonar” (SP), entre outras; de gírias de surfistas na p. 64: pagar mico, no sentido

de “fazer besteira”, “passar vergonha”. Até então já é um vislumbre daquilo que

poderia transformar-se num estudo contínuo, abrangente e produtivo dos construtos

idiomáticos (SVIs).

Na Gramática de usos do português, Neves (2000) oferece contribuições

interessantes sobre os pré-fabricados lingüísticos, embora não seja exatamente

essa a nomenclatura utilizada pela autora. Ela reúne várias passagens sobre o que

chama de expressões fixas. Veja as principais:

Sobre o emprego dos demonstrativos que entram na composição de

expressões fixas, Neves indica algumas expressões correntes referentes à

situação: Nesta / nessa / a esta / a essa altura (dos acontecimentos / do

campeonato); neste / nesse ponto; nesta / nessa conjuntura; entrar nessa;

esta / essa é boa (p. 507-508).

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A preposição a na composição de expressões fixas (p. 624): ter à mão (ter

disponível); estar a fim de (estar interessado em); estar a nenhum (=

estar absolutamente sem dinheiro).

A preposição com formando expressões fixas (p. 640): ter (a ver) com;

(não) ter (algo / nada) com (= ambas significando dizer respeito a).

A preposição contra na composição de expressões fixas (p. 644): ser

contra / ficar contra / ir contra (= opor-se a); falar contra (declarar que está

na oposição); dar o contra (opor-se, recusar algo a); ser do contra / andar

do contra (= ser / estar contra tudo).

A preposição de formando expressões fixas (p. 669-670): dar de ombros

(= não dar atenção, não se tocar); dar de cara / dar de frente / dar de testa

com (= encontrar repentinamente); cair de cama (= enfermar); cair de

queixo (= ficar perplexo); cair de quatro (= cair com as mãos no chão,

render-se a uma sedução); ficar de quatro (= abaixar-se pondo as mãos

no chão, ficar embevecido); ter muito de (= ser parecido com).

A preposição em formando expressões fixas (p. 681): dar em nada (= não

ter nenhum efeito).

A preposição entre na formação de expressões fixas (p. 690): entre outras

coisas (= entre outros dados que poderiam ter sido mencionados); estar /

formar entre + SN (= pertencer a um grupo que tem as mesmas idéias ou

o mesmo comportamento).

Expressões fixas formadas com a preposição para (p. 701): para o que

der e vier / para o que desse e viesse (= para tudo); vir para ficar (= ser

definitivo); para dar e vender (= enorme, bastante).

A preposição por formando expressões fixas (p. 710): vez por outra (= às

vezes); nem por sonho[s] (= de modo algum); não ter por onde (= não ser

justificável).

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A preposição sob na composição de expressões fixas (p. 714): viver sob o

mesmo teto (= coabitar).

Expressões fixas construídas com a preposição ante (p. 722): pé ante pé

(= devagar, com cuidado).

Expressões fixas formadas com a preposição sem (p. 731): sem quê nem

para quê / sem quê nem pra quê / sem quê nem porquê (= sem razão

nenhuma); sem mais (= sem outras interveniências, sem que haja nada

mais a acrescentar); sem mais nem menos / sem mais nada (= sem

explicação); sem mais aquela [de] (= desconsiderando, abolindo uma

situação); sem essa [de] (= não venha com essa).

Convém destacar, também, que Neves (2000) alude a expressões verbais

(deu na vista / deu por certo), e a locuções prepositiva, conjuntiva, adverbial, adjetiva

(nos moldes teóricos da GT).

Sem dúvida, a contribuição mais pertinente e relevante sobre construtos

idiomáticos do tipo SVI, Neves (2000, p. 53-61) somente proporciona quando

descreve as construções com verbo-suporte (VS). A autora então define VS como

sendo o verbo de significado bastante esvaziado que forma, com seu complemento

(objeto direto), um significado global, geralmente correspondente a um outro verbo

da língua de carga semântica similar. Veja alguns exemplos dados pela autora:

(9) Odete deu um grito, alguém acendeu a luz. (= gritou)

(10) E então o falante deu um riso e soltou a injúria suprema. (= riu)

(11) Aí então resolvi dar uma investida de leve. (= investir)

(12) Severino faz um aceno para o Cangaceiro. (= acena)

Segundo a autora, algumas das construções com VS não têm um verbo

simples em relação de paráfrase com a estrutura verbo + SN complemento:

(13) O próximo que der um pontapé vai ser anão.

(14) A polícia impede as manifestações, dando cacetadas e prendendo todo mundo.

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Neves ainda cita alguns casos de construções com verbo (semanticamente

esvaziado) + objeto que podem manter relações de paráfrase com verbos simples,

embora não constituam casos de verbo-suporte visto que são expressões fixas,

cristalizadas. Veja exemplos delas:

(15) O homem faz parte da natureza.

(16) O suco de fruta, porém, faz sucesso no exterior.

Aludindo às construções de verbo pleno + objeto direto, Neves assevera que

ambos guardam total individualidade semântica, podendo assim o verbo pleno

corresponder completamente a uma construção com VS. Eis um caso:

(17) Fiz exame pré-nupcial e descobri que era estéril, não podia ter filhos.

(= gerar filhos).

Para Neves (2000, p. 54), as construções com VS compõem-se de: (i) um

verbo com determinada natureza semântica básica, que funciona como instrumento

morfológico e sintático na construção do predicado; e (ii) um SN que entra na

composição com o verbo para configurar o sentido do todo, bem como para

determinar os papéis temáticos da predicação.

Com isso, a autora alega que essa caracterização faz surgir um conjunto

variado de construções, mais próximas ou mais distantes das construções

reconhecidas como prototípicas. Assim afirma:

A indicação básica é, prototipicamente, que os verbos-suporte têm como complemento um sintagma nominal não-referencial, de modo que o complemento típico de verbos-suporte traz um substantivo sem determinante (NEVES, 2000, p. 55). [grifos da autora]

Para ilustrar essa assertiva, Neves cita algumas ocorrências:

(18) A Alquimia deu origem à arte real.

(19) Já fiz uso da música em algumas peças.

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Entretanto, nesse ponto de sua abordagem, é possível identificar um leve

contra-senso na categorização das construções com VS. Basta comparar os casos

de (9) a (14) com (18) e (19) para constatar que todos são considerados pela autora

exemplos de construções com VS, indiferentemente se o SN complemento

apresenta ou não elementos determinantes. Para atenuar esse descompasso

metodológico, seria suficiente descrever inicialmente os casos centrais, mais

prototípicos, então depois citaria os exemplos mais periféricos, isto é, menos

prototípicos. Interessante notar que, proporcionalmente e em primeiro plano, Neves

propicia mais exemplificações com casos periféricos que com casos centrais, mais

prototípicos (cf. nota 71, p. 143) .

Outro ponto controverso passível de ser mencionado, a meu ver, é a série de

terminologias utilizada pela autora para se referir às construções cristalizadas (nesta

pesquisa, pré-fabricados lingüísticos, mais especificamente sintagmas verbais

idiomatizados). Acompanhe a seqüência: construções com verbo-suporte (p. 54),

expressões fixas p. (54), paráfrase (p. 54) construções de verbo pleno (p. 54),

construção sintática verbo-suporte + objeto (p. 57), perífrases ou locuções (p. 63),

sintagmas verbais cristalizados (p. 399). Com efeito, a ilustre autora, peço vênia,

poderia ter uniformizado ou reduzido o leque de nomenclaturas. Ou, inclusive, ter

situado e definido de forma mais esclarecedora cada tipo de construção,

caracterizando suas multifaces formais e funcionais. Para isso, seria oportuno e

adequado empreender um estudo escalar de natureza gradiente.

A despeito desses pequenos contratempos – mínimos para a dimensão

enciclopédica de sua gramática –, o estudo proposto por Neves sobre a

manifestação de construções com VS privilegia a linguagem em uso e evidencia

aspectos semântico-pragmáticos até então desconsiderados pela maioria das

gramáticas normativas tradicionais. Além disso, a abordagem de vários fatos

lingüísticos, o volume de ocorrências exemplificadas e analisadas, e a exposição

didática acessível tendem a assegurar o valor científico-pedagógico de sua obra.

Ainda sobre as construções com verbo-suporte, é digno de nota o trabalho de

Neves (1997a) inserido na Gramática do português falado, volume VI. Nesse estudo,

a autora procede à análise da estrutura argumental preponderante no uso efetivo

dos verbos. Em estudos funcionalistas, tem-se denominado tal estrutura de

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“estrutura argumental preferida” (cf. DU BOIS, 1985, 1987). Volto a esse tema, com

mais profundidade, no Capítulo 3.

Em seus estudos gramaticais, Proença Filho (2003, p.193) define locução

como um conjunto de palavras que vale por uma única palavra. Embora numa forma

dialógica envolvente, o autor aborda as construções verbais ainda segundo a

orientação tradicional. Descreve somente os tipos de locuções gramaticais, as

formas cristalizadas de tratamento e cita, a título de adorno, muitas máximas e ditos

populares ao longo de sua gramática. Os construtos idiomáticos, inclusive os SVIs,

como são reconhecidos e analisados neste trabalho, não recebem desse gramático

atenção específica e profunda.

Em sua Moderna gramática portuguesa, Bechara (2004, p. 230), além de

tratar do conceito de locução verbal (Vaux + Vprinc), discute também o conceito de

composição e de lexia. O autor afirma que já está assentada a distinção entre os

dois fenômenos. Segundo ele, “por composição entende-se a junção de dois

elementos identificáveis pelo falante numa unidade nova de significado único e

constante: papel-moeda, boquiaberto, planalto” (p. 351). Por outro lado, a lexia

complexa, termo cunhado pelo lingüista francês Bernardo Pottier, também dita

sinapsia (termo de outro lingüista francês, Emilio Benveniste – em grego “junção”,

“conexão”, “coleção de coisas juntas”), é formada de sintagmas complexos que

podem ser constituídos de mais de dois elementos: negócios da China, ou seja,

“transação comercial vantajosa”; pé-de-chinelo, diz-se da “pessoa de poucos

recursos”, etc. (p. 352).

Estranha é a posição do ilustre gramático quando ensina: “Idiotismo ou

expressão idiomática é toda a maneira de dizer que, não podendo ser analisada ou

estando em choque com os princípios gerais da Gramática, é aceita no falar culto”

(p. 603). Percebe-se que Bechara, apesar de rotular de moderna a sua gramática,

também defende parcialmente a preservação do legado purista tradicional. Mesmo

rejuvenescendo teoricamente a sua gramática ao longo das reedições, ainda se

constata lacunas em relação à descrição de alguns fenômenos correntes no uso

interacional da linguagem. Em particular, o SVI simplesmente não recebe nenhum

tratamento em sua gramática.

Última representante dessa lista de gramáticos, Sarmento (2005) segue

estritamente a doutrina normativa da gramática tradicional, embora apresente uma

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obra de design moderno e atraente, com bastantes elementos de comunicação

verbal e visual (ilustrações). Os textos-base de leitura se constituem de charges,

tirinhas e fragmentos de textos literários. Por outro lado, na questão específica dos

pré-fabricados lingüísticos, essa autora se restringe à descrição exclusivamente

morfológica das construções verbais compostas, ou seja, das locuções verbais (Vaux

+ Vprinc): O técnico vai mudar o time. O público está aplaudindo o espetáculo de pé

(SARMENTO, 2005, p. 233). A autora ainda aborda de relance o tema das

variedades estilísticas e regionais, quando analisa o fenômeno das gírias, jargões e

dos dialetos regionais e sociais. En passant, nada mais.

Neste ponto da exposição, ante a amostragem dos depoimentos aqui

arrolados, cotejando aspectos da doutrina tradicional no campo dos estudos

gramaticais em língua portuguesa, constato que o modelo normativo da GT não

concede um tratamento adequado, científico, sincrônico e abrangente ao estudo dos

SVIs enquanto fenômeno corrente e presente em todos os níveis de funcionamento

sociodiscursivo da língua.

Estudando a língua na condição de produto perfeito e acabado, dissociado

das circunstâncias (im)previsíveis da atividade sociocomunicativa humana, alguns

desses gramáticos – em que pesem as boas intenções – se debruçam sobre a

língua, na ânsia de sondá-la, examinando minuciosamente as anomalias ou

sintomas maléficos causados pelos “maus-tratos” de iletrados ou desleixados

falantes do idioma pátrio, “a última flor do Lácio”. A partir dessa ótica, a descrição

lingüística de perfil tradicional costuma subordinar-se prioritariamente à injunção

prescritiva, na busca pela normatização dos atos comunicativos de todos os falantes

de português, não considerando onde e como eles possam estar. Esse enfoque

tende a se harmonizar com a noção de mito da unidade lingüística nacional

(BAGNO, 2000).

É possível, portanto, observar algumas lacunas nessas gramáticas que

deveriam ser preenchidas, necessariamente, por esclarecimentos teórico-

metodológicos pertinentes e indispensáveis ao exame de fatores morfológicos,

sintáticos, semânticos e pragmáticos que revestem o fenômeno dos SVIs, estes

vistos como exemplos de ocorrências potenciais de pré-fabricados lingüísticos. Em

verdade, tais esclarecimentos poderiam situar-se, de bom termo, no espaço

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destinado aos estudos da transitividade verbal. Ou mesmo no estudo sintático das

tipologias frasais.

Por outro lado, não se sabe se os procedimentos de estudo desses autores

se devam aos ditames legais da NGB (1959), instituto jurídico do Estado (MEC) que

orienta, há mais de meio século, geralmente com fins pedagógicos, a elaboração

dos compêndios gramaticais em nosso país, ou mesmo ao peso da tradição

clássica, dogmaticamente defendida e preservada pela grande maioria de nossos

estudiosos da linguagem. Talvez seja conseqüência das duas hipóteses associadas.

Tomando parte no final deste debate, com uma proposta crítica e instigante,

Bagno (2000)26 lançou a Dramática da língua portuguesa, onde aborda a tradição

gramatical, o papel da mídia e o problema da exclusão social. Tudo isso analisado

pela ótica dos estudos científicos da linguagem. Trata-se de uma obra esclarecedora

e de considerável valor pedagógico, pelo desvendamento de vários preconceitos

sociolingüísticos e pela crítica aos exageros do purismo gramatical, fatos que

tacitamente motivam e fortalecem o processo de exclusão sociocultural no país.

Bagno analisa, entre outros assuntos relevantes, as estratégias de

relativização, a retomada anafórica de objeto direto de 3ª pessoa, o pronome sujeito-

objeto (sujeito acusativo na GT), a pseudopassiva sintética ou pronominal e a

regência dos verbos ir e chegar com idéia de movimento. Contudo, no tocante à

questão dos pré-fabricados verbais, em particular dos SVIs – considerados aqui

como fenômeno lingüístico universal presente na comunicação cotidiana de

indivíduos pertencentes a todas as classes sociais –, Bagno deixa de fazer

quaisquer comentários, explícitos ou implícitos.

Mesmo não integrando o grupo de obras ora selecionadas, menciono aqui um

dos trabalhos mais recentes de Travaglia (2004), intitulado Gramática plural, que

aborda pedagogicamente vários fatos lingüísticos, com um leque de sugestões e

propostas didáticas na área de ensino e aprendizagem da língua portuguesa.

Confirmando esse estranho desinteresse pelos estudos das construções verbais

lexicalizadas, Travaglia, assim como Bagno, não sinaliza em nenhum momento para

a realidade desse fenômeno lingüístico.

26 Menciono aqui, entre outros autores modernos, os nomes de Bagno e Travaglia, pela profundidade e alcance de suas obras. O intuito não é o de minimizar o valor de seus trabalhos, mas de apontar algumas lacunas em relação a temas relevantes (como, por ex., os SVIs) que não são objeto de descrição, pelo menos, nas obras em referência.

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Dito isso, encerrando esta seção, apresento um quadro onde tento resumir

algumas informações sobre a realidade dos construtos idiomáticos, especialmente

da possível presença de SVIs nas obras aqui investigadas. Para esse fim, mantenho

a mesma ordenação temporal (edição / reedição) em que foram apresentadas as

declarações desses gramáticos.

Quadro 1 – A Gramática Tradicional e o estudo dos construtos idiomáticos

AUTORES CONSULTADOS / ANO

TIPO DE ABORDAGEM

CONSTRUÇÕES ANALISADAS

TERMINOLOGIAADOTADA

PEREIRA (1926) Morfológica Vaux + Vprinc- Expressões perifrásticas / Circunlóquios verbais

BUENO (1944)

Morfológica

Sintática

Vaux + Vprinc

Vvicário + SN

- Expressões perifrásticas/ Expressões compostas

- Expressões com verbo vicário (fazer)

ROCHA LIMA (1976) Morfológica Sintática

Vaux + Vprinc V + OD interno

- Locução verbal- Verbo com OD interno

CEGALLA (1976) Morfológica Vaux + Vprinc

- Locução verbal - Conjugação composta - Conjugação perifrástica

ANDRÉ (1978) Morfológica Vaux + Vprinc - Tempos compostos / Locuções verbais

MATEUS et al. (1983) Sintática VT + OD - OD incorporado ao verbo

OLIVEIRA (1983) Morfológica Vaux + Vprinc

- Locuções verbais / Perífrases verbais / Conjugações perifrásticas

CUNHA e CINTRA (1985) Morfológica Vaux + Vprinc - Locuções verbais / Perífrases

ALMEIDA (1989) Morfológica Vaux + Vprinc - Locução verbal / Locução perifrástica

LUFT (1991) Morfológica Vaux + Vprinc - Locução verbal = SV BARROS (1991) Sintática Vaux + Verbóide - Formas perifrásticas /

Locuções verbais MESQUITA (1995) Morfológica Vaux + Vprinc - Locução verbal /

Perífrase verbal GRIFFI (1996) Morfológica Vaux + Vprinc - Tempos compostos

D’ÁVILA (1997) Morfológica Vaux + Vprinc - Locuções verbais

CEREJA e MAGALHÃES (1998)

Morfológica Semântica

Vaux + VprincVT + SN

- Locuções verbais - Gírias / expressões populares

NEVES (2000) Funcional (Gramática de usos)

VS + SN complemento Vvazio + SN VT + SN

Vaux + Vprinc

- Construções com VS - Expressões fixas - SVs cristalizados - Perífrases / Locuções

PROENÇA FILHO (2003) Morfológica Vaux + Vprinc - Locução verbal

BECHARA (2004) Descritivo-normativa

(Morfologia) Vaux + Vprinc - Locução verbal

SARMENTO (2005) Morfológica Vaux + Vprinc - Locução verbal

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A partir da leitura dos aspectos demonstrados no Quadro 1, é possível

enumerar uma série de observações pertinentes acerca das estratégias didáticas e

metodológicas adotadas pelos gramáticos no estudo das construções lingüísticas

pré-fabricadas, dentre as quais destaco as seguintes:

1. Profusão terminológica. Primordialmente, convém ressaltar que os

construtos idiomáticos – aqui delimitados e denominados de SVIs – não recebem

esse mesmo rótulo nas gramáticas tradicionais. Em verdade, as vinte gramáticas

pesquisadas empregam, quando raramente se referem a esse fenômeno lingüístico,

várias outras nomenclaturas. O caso mais notório de múltiplas nomenclaturas se

evidencia na Gramática de usos do português (NEVES, 2000), embora se trate de

uma importante obra pedagógica de vanguarda no campo dos estudos da língua

materna. A autora usa três denominações e equações para fenômenos análogos

(VS + SN, Vvazio + SN, VT + SN) que, em princípio, estão apenas orbitando em

pontos distintos de um mesmo continuum.

Cegalla (1976) e Oliveira (1983) também incorrem nesse mesmo conflito

terminológico em relação às locuções verbais. Por outro lado, é sabido por todos

que o refinamento e a parcimônia de termos técnicos corroboram com o ajuste

metodológico, com a compreensão e agilizam o fluxo das informações.

2. Ênfase na descrição morfológica. Quanto ao tipo de abordagem adotada

pelas gramáticas investigadas, constata-se que a maioria delas centraliza o estudo

dos pré-fabricados lingüísticos (SVIs) na área morfológica. Embora a codificação

desses construtos verbais incorporem essencialmente aspectos sintático-

semânticos, inclusive pragmáticos, assim mesmo os gramáticos restringem a análise

e a interpretação dos múltiplos matizes inerentes à estrutura e, sobretudo, à

funcionalidade dessas construções lingüísticas. A ausência de discussão dos fatores

textuais ou discursivos que envolvem os construtos idiomáticos limita, portanto, a

compreensão e o debate adequado e produtivo em torno deles.

3. Estudo centrado nas locuções verbais. O tipo de construção pré-

fabricada recorrente na análise morfológica da gramática tradicional consiste da

combinação de Vaux + Vprinc (o que caracteriza restritamente a formação de locução

verbal, também conhecida nas gramáticas aqui investigadas pelas denominações

locução perifrástica, conjugação perifrástica, perífrase verbal, tempo composto,

conjugação composta). Sem dúvida, aplicar-se apenas ao estudo das locuções

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verbais enquanto pré-fabricados gramaticais é desconsiderar a multiplicidade dos

pré-fabricados em uso na língua, é limitar-se à descrição de um conjunto de

elementos já plenamente sistematizados, ou em processo avançado de

estabilização. Com isso, ficam de fora da abordagem os pré-fabricados lexicais e

pragmáticos (ERMAN; WARREN, 2000), que correspondem principalmente aos

construtos idiomáticos mais recorrentes na interação comunicativa, reconhecidos

como potenciais portadores de valores subjetivos e culturais.

4. Predomínio da práxis normativa. As gramáticas de Mateus et al. (1983),

Neves (2000)27, e, com reservas, a de Bechara (2004) se distanciam

qualitativamente dos padrões epistemológicos que fundamentam a GT. Em outras

palavras, essas três gramáticas incorporaram muitas contribuições teórico-

metodológicas proporcionadas pela ciência lingüística durante o século XX, e por

isso propõem uma abordagem dos fatos lingüísticos norteada por princípios

científicos e respaldada por dados empíricos. Com efeito, Mateus et al., e

principalmente Neves, já oferecem uma descrição sincrônica e funcional de alguns

construtos idiomáticos dos inúmeros que circulam na língua.

As demais gramáticas, desde as mais antigas até as mais recentes, do ponto

de vista conceptual, ainda se situam no centro da tradição gramatical. Quer sejam

adotadas ou não pelo ensino escolar no país, são compêndios gramaticais que

prezam e preservam as razões prescritivas e puristas em relação ao domínio da fala

culta e da escrita formal em quaisquer ambientes sociais. O fenômeno da variação

lingüística, principalmente num país de dimensões continentais e miscigenação

étnica como o Brasil, não recebe um tratamento de ordem quer cognitivo-funcional,

quer sociolingüística ou sociointeracionista.

5. Ausência dos SVIs em estudos gramaticais recentes. É, realmente,

interessante ressaltar que a Dramática da língua portuguesa (BAGNO, 2000) e a

Gramática plural (TRAVAGLIA, 2004) não constituem compêndios gramaticais

propriamente ditos, pelo menos ao estilo tradicional. Todavia, fiz questão de citá-los

por causa da postura crítica e reflexiva desses autores no estudo dos fatos

lingüísticos. Acredito que Bagno não tem intenção de denegrir a GT – escurecer seu

27 Tanto Mira Mateus quanto Neves são lingüistas, mas figuram nesta primeira etapa da pesquisa na condição de autoras de gramática. Na seção 2.2.2, Neves reaparece na sua plena condição de lingüista.

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valor histórico e pedagógico – mas se posiciona contra os preconceitos e mitos

enraizados no gramaticismo anacrônico, muitas vezes pedante e inócuo. Além disso,

cito-os para demonstrar que o estudo dos pré-fabricados lingüísticos (SVIs) não é,

pelo menos nos compêndios em foco, alvo de apreciação teórica por parte dos

citados autores.

Por fim, gostaria de registrar que não adotei, como já demonstrado pelo título

e subtítulo desta pesquisa, nenhuma das nomenclaturas utilizadas pelas gramáticas

tradicionais pesquisadas. Desse modo, no intuito de assegurar a uniformidade

terminológica, as combinações de V + O recebem neste trabalho, invariavelmente, a

terminologia sintagma verbal idiomatizado (SVI), embora se saiba que existem várias

matrizes verbais de SVIs. Em conseqüência, há os casos de SVI em fase inicial,

outros se acham em posição mediana e muitos já atingiram o grau máximo na

escala de lexicalização.

Sabe-se que o rigor terminológico, necessário para a compreensão científica

do processo analítico de um fenômeno, não tem um fim em si mesmo. No entanto, a

imprecisão conceitual e a confusão terminológica imperante são responsáveis por

acentuados efeitos negativos na explicitação adequada dos fundamentos e na

compreensão das abordagens metodológicas sobre determinado objeto de estudo.

Assim sendo, enfatizo, este estudo objetiva a focalização exclusiva dos SVIs

com as matrizes verbais VT + OD e VT + OD + [(AA1) (AA2) (CN)] no universo

multifacetado dos pré-fabricados lingüísticos.

2.2.2 Hora de bater papo com pesquisadores e lingüistas

Pertencentes ao universo dos pré-fabricados lingüísticos, as formas

cristalizadas nas quais o complemento verbal apresenta máxima aderência ao verbo

comportam-se funcionalmente como autênticos amálgamas sintáticos, que venho

denominando neste trabalho de sintagmas verbais idiomatizado (SVIs). Eles podem

atingir um grau de aderência sintático-semântica tão forte, que se assemelham a

vocábulos, caracterizados pela estabilidade funcional e identidade semântica

indissociável.

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A observação sistemática dos dados indica que os SVIs apresentam

diferentes graus de integração entre o verbo e seu objeto, sendo possível, então,

alinhá-los num continuum, a partir de critérios sintáticos e semânticos que refletem

essa aderência. Por outro lado, merecem investigação as pressões pragmáticas,

cognitivas e discursivas que, por hipótese, atuem no processo de emergência e

estabilização das estruturas VT + OD idiomatizadas.

Nesse debate28, breve mais pontual, com pesquisadores dos problemas

lingüísticos, pretendo reunir informações sobre o status funcional dos pré-fabricados

verbais, especialmente dos SVIs.

Isso posto, inicio o colóquio com Saussure (1995, p. 144), que admitia haver

um grande número de expressões pertencentes à língua: as “frases feitas”, nas

quais o uso vetaria qualquer modificação, mesmo quando fosse possível distinguir,

pela expressão, as partes significativas. O insigne lingüista cita exemplos em

francês. Veja alguns: prendre la mouche (estar de lua), forcer la main (forçar a mão),

rompre une lance (quebrar lanças em defesa de algo), pas n’est besoin de (dar de

mão a). Para Saussure, o caráter usual dessas construções depende das

particularidades de sua significação ou de sua sintaxe, pois são considerados

torneios que não podem ser improvisados. São fornecidos pela tradição.

Sobre esse assunto, numa visão cognitivista, Langacker (1972, p. 90) assim

se posiciona: “uma expressão idiomática [unidade lexical complexa] é uma locução

cujo significado não pode ser predito a partir dos significados individuais dos

morfemas que a compõem”. É interessante observar, segundo esse autor, que as

expressões idiomáticas não são apenas semanticamente diferentes da seqüência

correspondente de morfemas em sentido literal. Langacker, assim como Carone

(1995), reconhece que a peculiaridade semântica das expressões geralmente é

acompanhada de características sintáticas especiais. Em Penelope kicked the

bucket, tem-se a variante passiva The bucket was kicked by Penelope. Todavia,

28 Não sigo aqui uma ordem rigorosamente preestabelecida na apresentação dos trabalhos. Também não organizo os fragmentos sob uma filiação teórica explícita, nem mesmo com base numa caracterização epistemológica. Apenas tentei seguir, precariamente, uma ordenação temporal das obras. Sob a perspectiva temática, observa-se pontos convergentes e divergentes entre os autores. Contudo, priorizei as informações mais pertinentes e acessíveis, seja por meios físicos ou virtuais, sobre construtos idiomáticos. Obviamente, ficaram de fora dessa varredura vários outros autores que provavelmente também estudem o fenômeno dos construtos idiomáticos, mais conhecidos entre eles como expressões idiomáticas.

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quando Kicked the bucket significa “morreu”, a correspondente passiva torna-se

gramaticalmente inaceitável.

É sabido que as línguas estão cheias de expressões idiomáticas, cuja

formação parece assentar-se mais em bases idiossincrásicas do que em esquemas

regulares. Na concepção de Langacker (1972, p. 90-91):

As expressões idiomáticas em muitos casos são semelhantes a metáforas padronizadas como Stir up trouble [causar confusão] ou The heart of the matter [o coração da matéria]. Na realidade, aorigem metafórica de muitas expressões idiomáticas é bastante evidente, e não há motivos para se tentar traçar uma linha divisória. Mas nem todas as expressões começam como metáforas. Se Kickthe bucket [bater as botas = morrer] teve uma origem metafórica, a natureza dessa metáfora já não é evidente para os falantes do inglês. Outras expressões resultam não de metáforas, mas de elipses. O espanhol No hay de que, “não há de que”, corresponde ao inglês You’re welcome ou Don’t mention it. A expressão é enigmática enquanto não percebemos que a expressão total significa “Não há nada de que agradecer-me” ou algo semelhante. O francês Il n’y a pas de quoi é exatamente paralelo. O mesmo acontece com o português.

Dessa forma, expressões idiomáticas e metáforas padronizadas – para não

mencionar outras construções lexicais complexas – são elaboradas claramente,

segundo Langacker, pelo uso da língua.

Por sua vez, Pottier (1974) afirma ser a lexia (aqui SVI) uma “unidade de

comportamento”, ou seja, trata-se de um SV que se fossiliza mediante um lento

processo de cristalização, resultado de um hábito associativo. Embora seja

importante o trabalho de Pottier sobre as lexias simples e complexas, o tipo de

abordagem adotado por ele – essencialmente estruturalista – não proporciona

maiores contribuições à natureza conceptual desta pesquisa.

Em estudo realizado na mesma década, Weinreich (1977, p. 240) afirma que

“não podemos ignorar a obrigação de discutir a estrutura gramatical de expressões

idiomáticas”. Essas deveriam ser incorporadas ao dicionário, identificadas como

palavras únicas da categoria lexical principal apropriada, por exemplo: by heart, “de

memória”, como um advérbio, shoot the breeze, “bater papo”, como um verbo. Outra

alternativa seria fazer no dicionário uma listagem das expressões idiomáticas como

“correspondentes a símbolos não-terminais da base”: by heart como um

circunstancial, shoot the breeze como um verbal.

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Citando Katz e Postal (1963), Weinreich até reconhece que algumas

expressões idiomáticas não são bem formadas. Ilustra isso com o caso de um verbo

normalmente intransitivo poder ser seguido de um sintagma nominal objeto: come a

cropper, “estar gripado”.

Chamando a atenção para a constituição desses construtos idiomáticos,

Elson e Pickett (1978, p. 39-40) advertem: “uma seqüência de morfemas em uma

língua estrangeira não deveria ser considerada como expressão idiomática

simplesmente porque a tradução nos soa estranha”.

Nesse contexto, para estes autores, as expressões idiomáticas são definidas

dentro da própria língua e podem ou não coincidir com uma expressão idiomática,

em outra língua. Assim sendo, o estudante não deveria considerar como fidedignas

certas transferências semânticas, atentando para o fato de não traduzir literalmente

algumas expressões idiomáticas nativas para uma segunda língua.

Por outro lado, autora de um estudo sobre as lexias verbais do português

contemporâneo, Soares (1990) constata que se trata de um assunto sério mas sem

exclusividade no campo das discussões gramaticais. “Há referências esporádicas

em gramáticas e outros tratados, porém pouco profundas e não uniformes” (p. 244).

Soares aborda as lexias verbais a partir de três enfoques: morfossintático,

semântico, semântico-discursivo. Com isso, ela define a lexia verbal (LV) como um

conjunto de palavras formado, basicamente, por um verbo + nome, que possui um

significado unitário e que tem, quase sempre, um correspondente lexical constituído

de apenas um verbo. Este verbo, geralmente, possui o mesmo lexema do N da LV.

Sobre a estrutura funcional da LV, Soares explica que o N pode ser

preenchido por um substantivo, um adjetivo ou um advérbio, e pode também exercer

variadas funções sintáticas, com mais restrição para a função de sujeito.

A autora classifica os tipos de LVs com base no Verbo Correspondente (VC):

a) As que têm VC cognato do N da LV: ficar triste (= entristecer)

b) As que têm VC não cognato do N da LV: dar no pé (= fugir)

c) As que não têm VC: andar de carro = Ø

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A partir daí, ela admite que o N é base semântica da LV, embora o V,

empregado em sentido literal ou figurado, contribua semanticamente para o seu

significado global ou unitário. Concordo com a autora, quando adverte, porém, que o

significado da LV pode, às vezes, apresentar-se opaco, desbotado em relação ao

significado individual de cada constituinte da LV.

No seu Ensaio de semântica, Bréal (1992, p.119-120) postula:

Como peças de uma engrenagem que estamos tão habituados a ver se adaptar uma à outra que não imaginamos apresentá-las separadas, a linguagem apresenta palavras que o uso reuniu há tanto tempo que não existem mais para nossa inteligência em estado isolado. É o que se denomina grupos articulados [grifos meus]. Sua importância em sintaxe é muito grande. Bastará citar como exemplo as locuções como pourve que [desde que], attendu que [visto que], en raison de [em razão de], en égard à [em consideração a] etc. Não há língua que não tenha um certo número deles. Foi o pensamento dos ancestrais que os ajustaram assim, e que os legaram às épocas posteriores como um apoio ou como uma alavanca. O que os formulários são para o direito ou para a administração, esses grupos articulados são para o raciocínio de todos os dias. [...] Não somente esses grupos articulados guardam inteira a significação dos elementos dos quais eles são compostos, mas se beneficiam, além disso, de um valor que não lhes pertence propriamente, mas que resulta da posição que ocupam habitualmente na frase.

A respeito da “força transitiva”, Bréal afirma não ter dúvida de que os verbos

intransitivos seriam os mais antigos, a ponto de ter havido um período em que só

existia esse tipo de verbos. Acredita que as palavras foram criadas para ter uma

plena significação em si mesmas, e não para servir a uma sintaxe ainda não

existente. Entende que alguns verbos intransitivos eram comumente associados a

palavras que determinavam seu alcance, que dirigiam sua ação sobre um certo

objeto. “O espírito habituou-se a um acompanhamento desse gênero, de tal maneira

que se passou a esperar o que lhe fazia o efeito de um acréscimo obrigatório, de

uma direção necessária” (BRÉAL, 1992, p.133).

Para Bréal, por uma “transposição ideal”, nossa inteligência acreditou sentir

nas palavras o que é resultado de nosso próprio costume. Assim havia verbos que

passaram a exigir depois deles um complemento. Deu-se então a criação do verbo

transitivo. Surgiram daí duas conseqüências: (i) o sentido do verbo fora modificado;

(ii) o valor significativo das desinências casuais ficara enfraquecido.

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A força transitiva29, ainda segundo Bréal (1992, p.136), “não se limita a

estabelecer um laço entre o verbo e seu complemento: ela transforma o sentido do

verbo”.

A seu tempo, Givón (1993) observa que, em alguns verbos, o objeto-paciente

prototípico é estendido para um produto abstrato, atividade ou evento mental. Por

inferência, tal objeto é metaforicamente dotado com as propriedades de um paciente

fisicamente criado. Objetos desse tipo geral são chamados objetos cognatos. A

maioria desses objetos constitui verbos nominalizados. Givón cita, como exemplos:

(20) She sang a song. (She sang; her singing = a song)30

(21) He danced an original dance. (He danced; his dancing = a dance)31

Na medida em que a própria atividade é interpretada como objeto do verbo,

esta de algum modo tende a ser dotada das propriedades do objeto, e é vista como

produto do evento. Nesse processo, conseqüentemente, “song” e “dance” podem ser

registrados em papel ou vídeo, e passam a ser considerados como pacientes

criados.

O que há em comum entre as cláusulas transitivas com objetos cognatos e as

cláusulas com as combinações VT + OD cristalizadas, lembra Givón, é que em

ambos os casos o próprio verbo parece ser semanticamente vazio. Um pequeno

grupo de verbos – dar, tomar, fazer, ter – são recorrentes nessas construções. É o

próprio objeto que carrega o núcleo da informação semântica verbal. Isso está de

acordo com o fato de que o objeto, em tais cláusulas, tende a ser um verbo

nominalizado.

Sobre a natureza dos verbos com objetos cognatos, Givón (1984) já havia

observado que eventos, denotando certas atividades e que são codificados

essencialmente por verbos (semanticamente) sem objeto, podem ser interpretados

29 Aqui acrescento um detalhe imperativo: neste trabalho não faço aplicação direta do processo de transitividade, embora reconheça a sua relevância para a análise sintática e semântico-pragmática dos verbos.

30 Ela cantou uma canção. (Ela cantou; sua canção; uma canção). 31 Ele dançou uma dança original. (Ele dançou; sua dança; uma dança).

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como tomando um objeto que é de fato uma forma nominal do verbo, ou de um

verbo semanticamente relacionado, como nos exemplos dados acima.

A cláusula toda, então, assume a aparência de uma cláusula transitiva, isto é,

se conforma ao padrão sintático de agente-sujeito e paciente-objeto. Mais

comumente, um verbo semanticamente mais vazio (desbotado) é usado com tais

objetos cognatos, como em:

(22) He gave an interesting talk. (He talked)32

(23) She took a deep breath. (She breathed)33

(24) We had a meeting. (We met)34

As expressões sintaticamente transitivas à esquerda claramente têm

perspectivas diferentes das suas respectivas paráfrases intransitivas à direita,

embora elas sejam semanticamente (ou histórica e semanticamente) relacionadas

de modo claro. Presumivelmente, um sentido de “paciente-afetado” é de algum

modo transferido aqui para o “produto” objetivizado do ato, o qual é então

sintaticamente codificado por analogia com os objetos reais criados, como nos

exemplos citados por Givón:

(25) He built a house. [Ele construiu uma casa]

(26) He painted a picture. [Ele pintou um quadro]

(27) She made a dress. [Ela fez um vestido]

Analisando a natureza de verbos de conteúdo baixo (low-content verbs),

Chafe (1994) verificou que em muitas combinações de verbo-objeto há razões para

pensar que o verbo não transmite uma carga total de custo de ativação, no sentido

de demanda de esforço para o processamento da informação. Em lugar de

expressar uma idéia própria independente, o verbo é subserviente à idéia expressa

pelo objeto. Com isso, surgem dois subtipos, o primeiro dos quais é menos

problemático do que o segundo. Baseado nas características prosódicas desses

verbos, Chafe refere-se a verbos de baixo conteúdo não-acentuados e acentuados.

Interessa-nos, aqui, apenas o primeiro subtipo, que está sob o foco desta pesquisa.

32 Ele deu uma palestra interessante. (Ele falou/palestrou) 33 Ela tomou uma respiração profunda. (Ela respirou) 34 Nós tivemos uma reunião. (Nós nos reunimos)

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O subtipo não-acentuado envolve um pequeno inventário de verbos que

ocorrem muito freqüentemente, entre eles ter, dar, fazer, tomar, usar e dizer. Eles

são classificáveis de acordo com o significado que tomam do contexto. Um verbo de

baixo conteúdo pode expressar (os exemplos foram traduzidos/adaptados para o

português):

a) A posse do referente expresso pelo nome objeto. Os casos mais

freqüentes são com o verbo ter : ter seguro; ter uma dor de cabeça.

b) A conversão do referente em evento: ter uma aula, fazer exercícios, tomar

um lanche.

c) Uma propriedade característica do objeto: usar tamanho 42, comprar um

38, pegar o [ônibus] 66.

d) Um arranjo de itens em uma configuração complexa: botar você e ele

juntos, botar os alunos em fila.

e) A atribuição de uma citação direta ou indireta à sua fonte: ela disse muito

obrigada.

Sobre este assunto, Chafe declara que há também muitas combinações de

verbo-objeto que podem ser interpretadas como sintagmas lexicalizados –

colocações convencionais que já estão estabelecidas no repertório do falante. Elas

constituem uma escala, que se estende daquelas que são mais convencionais para

aquelas que chegam quase a ser combinações livres, mas sua propriedade crucial é

que nenhuma delas é reunida pelo falante pela primeira vez no enunciado corrente.

O extremo da convencionalidade é representado significativamente pelas

expressões idiomáticas, sintagmas que ganharam, semântica e sintaticamente, vida

própria, como dar dois dedos de prosa, dar carta branca, dar um tempo, dar com os

burros n´água.

Muito mais comum que essas expressões são combinações de palavras que

se tornaram convencionalizadas pelo uso freqüente, mas cujos significados são

predizíveis dos significados das suas partes. Ex.: lavar pratos. Lavar pratos é uma

experiência familiar, unitária, que é convencionalmente expressa com essas

palavras. Freqüentemente tais colocações adquirem usos especializados, como em

curtir o show.

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Convém frisar, com base nesse mesmo autor, que dificilmente alguém pode

se comportar lingüisticamente como um falante nativo de uma língua, sem antes

aprender o grande estoque de sintagmas idiomatizados que os falantes nativos

produzem e reconhecem. Esses sintagmas expressam idéias que são ativadas

como blocos integrados – casos cristalizados de construção verbo-objeto que não

mostram verbos e objetos ativados independentemente.

Em princípio, como saber se uma combinação particular é idiomatizada ou

não? Segundo Chafe, a pergunta não tem uma resposta única ou fácil, embora

talvez a resposta definitiva esteja na hipótese de que os falantes nativos de uma

língua simplesmente sabem o que é lexicalizado.

Adotando uma postura preventiva, Jakobson (1995, p. 65) adverte:

A tradução intralingual de uma palavra utiliza outra palavra, mais ou menos sinônima, ou recorre a um circunlóquio. Entretanto, via de regra, quem diz sinonímia não diz equivalência completa [...]. Uma palavra ou um grupo idiomático de palavras, em suma, uma unidade de código do mais alto nível, só pode ser plenamente interpretada por meio de uma combinação equivalente de código, isto é, por meio de uma mensagem referente a essa unidade de código.[grifo meu]

Dessa forma, no uso das significações – gramaticais ou lexicais – se deveria

redobrar os cuidados para não se compreender inadequadamente as noções de

“regularidade” e “desvio”. As criações metafóricas não seriam casos de desvio.

Seriam processos regulares de determinadas variedades estilísticas que

funcionariam como subcódigos de um código total (JAKOBSON, 1995).

Carone (1995, p. 76), a seu modo, afirma que “a coesão entre verbo e objeto

direto pode chegar a um grau máximo de aderência, que o conjunto (SV) torna-se

cristalizado, dando origem a uma lexia”. A autora ilustra esse fenômeno com as

lexias (chamo-as de SVIs) – pular corda, levar um tombo, fazer parte – nas

seguintes frases:

(28) As crianças pulam corda.

(29) João levou um tombo.

(30) Eu faço parte da equipe.

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Segundo a autora, essas frases não podem sequer sofrer transformação

passiva, pois o objeto direto, que entra no processo da transformação, não pode

desvincular-se do verbo. Para ela, são inaceitáveis as construções “corda foi pulada

pelas crianças”, “um tombo foi levado por João”, “parte da equipe é feita por mim”.

Carone identifica diferença entre pular corda e pular a corda, esta última podendo

aceitar a conversão para a passiva: “a corda foi pulada”, embora o sentido seja

totalmente diverso da outra construção.

Com base nas frases acima transcritas, Carone identifica que, dos dois

argumentos (actantes: S e O) que compõem o evento comunicativo, o objeto direto é

o mais fortemente articulado à base verbal, constituindo o que se chama predicado.

Para ilustrar o desinteresse ou inadequação de abordagem dos construtos

idiomáticos (SVIs) por parte de gramáticos e até mesmo de lingüistas, registro aqui o

entendimento do ilustre lingüista brasileiro Camara Jr. (1996, p. 142). Trata-se de

uma posição idêntica a de Bechara (2004), porém soa mais estranhamente devido a

seu profundo conhecimento dos estudos da linguagem, tanto nos aspectos

diacrônicos quanto sincrônicos. No seu conhecido Dicionário de lingüística e

gramática35, Camara Jr. define o termo idiotismo, no sentido lato, como sendo os

traços lingüísticos de uma língua, que melhor a caracterizam em face das outras que

lhe são cognatas. Em sentido estrito, seriam as “construções vocabulares e frasais

que não se prestam a uma análise satisfatória na base dos valores atuais da língua”,

porque foram resultados de fenômenos de analogia e atração, e só se explicariam,

segundo Camara Jr., à luz da história da língua. Acrescenta ainda que “são

especialmente dignos de nota os idiotismos locucionais, cuja significação não

decorre das dos vocábulos componentes e da sua articulação sintática: dar as da

Villa-Diogo, chorar pitangas” (idem).

Nesse cenário, Perini (1996) admite que o léxico precisa incluir certas

expressões idiomáticas fixas, tais como: bater as botas, a olhos vistos, etc.

Compreende também que essas não são propriamente palavras. As expressões

idiomáticas, segundo ele, não podem tampouco ser consideradas frases ou

35 Cito J. Mattoso Camara Jr. não como representante da tradição gramatical clássica, embora ele fosse um profundo conhecedor dela. Tomo seu depoimento de lingüista em relação aos construtos idiomáticos, contudo, como parece, seu Dicionário não apresenta noções mais profundas e consistentes sobre esse fenômeno.

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sintagmas regulares36. Primeiro, na fala, jamais podem ser interrompidas por

hesitações, sem destruir o efeito de sentido peculiar e seu status funcional. Assim

ilustra: Cidinha bateu – ééé... – as botas. Nesse caso, bateu as botas não significa

“morreu” (talvez apenas a ação de tirar a poeira delas). Segundo, essas expressões

se compõem de elementos fixos. Não podemos sequer mudar certas flexões. Na

frase Cidinha bateu a bota, novamente quer dizer que ela somente limpara o

calçado. Na visão dele, tais “expressões não são estruturas montadas pela sintaxe e

interpretadas pela semântica, mas verdadeiros itens compostos, listados

separadamente no léxico” (PERINI, 1996, p. 347). Isso constitui, a meu ver, mais

uma razão para se meditar sobre o teor estigmatizante de seus argumentos, sobre

os quais faço comentário no rodapé da página anterior. Além do mais, pergunto:

pode se conceber um ato discursivo sem sintaxe? Pois bem, se os construtos

idiomáticos não são construídos no discurso – no efetivo exercício da linguagem – e

nem passam por uma formatação morfossintática, então como realmente eles são

codificados? De onde eles vêm e como eles vão parar no léxico?

Sobre os construtos do tipo SVI, aqui focalizados, Marques (apud AZEREDO,

2000b, p. 221) considera que “numerosos verbos, em si esvaziados de significado

preciso, têm como complemento substantivos ou adjetivos, em combinatórias [verbo

+ SN ou SA predicativo] que se repetem”. São exemplos dessas construções a

estrutura verbo fazer + substantivo: fazer barba, fazer cabelo, fazer compra, fazer

comida.

Numa linha de raciocínio distinta de Camara Jr., Perini e Bechara, essa autora

alega que, geralmente, essas construções verbais são mais prestigiadas pelo uso

corrente da língua, em substituição aos verbos que, em princípio, designariam as

respectivas atividades: barbear, pentear, comprar, cozinhar.

Ainda conforme Marques (apud AZEREDO, 2000b), na sintaxe da língua

falada, destacam-se os seguintes pontos:

36 É interessante observar em Camara Jr. (1996) e Perini (1996) um latente ranço preconceituoso relacionado aos construtos idiomáticos em geral. Ambos os autores parecem considerar essas construções pré-fabricadas como estruturas irregulares e anômalas, não passíveis de análise à luz do cânon gramatical. Mais intrigante é o termo idiotismo – empregado por Camara Jr. (1996) e Bechara (2004) – que denota ligação com idiota, idiotice. Se essas construções não são consideradas “palavras” nem “frases ou sintagmas regulares”, é por que seriam produtos oriundos da linguagem “irregular” de possíveis falantes culturalmente “idiotizados”? Certifico que não levanto esta suspeição motivado apenas por uma atitude irônica.

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a) A seleção e a estruturação de verbos como indicadores de tipos de

processo;

b) O emprego de estruturas sintáticas mais ou menos fixas de V + SN(OD);

c) A precisão e a especificidade de significado – maior carga semântica –

recaem no substantivo, geralmente OD ou PRED [predicativo], que se

torna um elemento de teor informativo essencial.

Em Fundamentos de gramática do português, Azeredo (2000a) descreve,

laconicamente, um mecanismo derivacional atualmente bastante produtivo. Trata-se

da construção dar + SN derivado de verbo por meio dos sufixos -ada e -ida; segundo

o autor, usual sobretudo no registro informal de língua falada: dar palpite, dar um

golpe, dar uma mordida, dar uma fugida / fugidinha, dar uma cochilada, etc. Aqui

deixo a pergunta: por que “usual sobretudo no registro informal de língua falada”?

Seria esta modalidade o repositório de construções mal engendradas?

A seu turno, Alves (2000) denomina de construções lexicais complexas

(CLCs) as construções constituídas com o verbo levar – levar na conversa, levar um

frango, levar um tiro, (não) levar recado pra casa. A autora procura descrever o

funcionamento semântico-sintático-pragmático dessas construções a partir de dados

coletados em entrevistas do corpus oral VALP – Variação Lingüística do Estado da

Paraíba. A mesma autora declara que tanto as influências externas (contexto

comunicativo-situacional) quanto as influências internas (co-textuais: sintáticas,

semânticas, pragmáticas) determinam o processo de constituição de sentido das

CLCs.

A respeito do princípio da composicionalidade, Cann (1994, apud ALVES,

2000) afirma que os papéis semânticos são solidária e contextualmente mantidos

durante o processo de identificação e conseqüente representação semântica dessas

construções. A seu modo, Alves (2000, p.10) considera que “ocorre, entre as partes

constitutivas desse tipo de expressão (CLC), uma espécie de troca ou de entropia

semântico-sintático-pragmática”, em que os sentidos e os papéis temáticos dos itens

envolvidos convergem para o sentido final, ou discursivo da expressão lexicalizada.

Alves admite que, embora o sentido seja construído, a unidade de comunicação é a

sentença (enunciado) e não a palavra.

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Enquanto isso, para Xatara et al. (2002, p. 184), “expressão idiomática é uma

lexia complexa indecomponível, conotativa e cristalizada em um idioma pela tradição

cultural”. Assim, para se identificar uma expressão idiomática, é preciso considerar

prioritariamente as seguintes características: a indecomponibilidade da unidade

fraseológica (quase não existindo possibilidade de substituição por associações

paradigmáticas), a conotação (sua interpretação semântica não pode ser feita com

base nos significados individuais de seus elementos constituintes) e a cristalização

(consagração de um significado estável).

Embora haja um número considerável de idiomatismos nos dicionários

monolíngües gerais, em várias línguas, talvez pelo fato de os objetivos de tais obras

serem totalmente distintos de cultura para cultura, muitas vezes não se encontra a

expressão desejada, ou as informações são insuficientes quando encontradas.

Segundo Xatara et al. (2002), na verdade, os dicionários gerais não incluem

sistematicamente, ou não delimitam com precisão, tais lexias.

Avançando este debate, Neves (2002)37, estudando as construções com

verbo-suporte + objeto, propõe um continuum diversificado internamente pelo grau

de integração existente entre os dois elementos do sintagma verbal. Segunda essa

autora, num extremo há expressões cristalizadas ou fossilizadas, sem apresentar

liberdade entre os elementos constituintes. Seriam vistas como autênticas fórmulas

de significado unitário. Não seria possível admitir um SN em posição de objeto,

como em:

(31) Acho que vou dar um pulo até a casa do tio Baltazar.

(32) O Capitão Aparício tem cabeça para tudo.

(33) Dona Carolina deu as costas, foi-se embora às pressas.

Para Neves (2002, p. 190),

essas expressões verbais, com extrema soldadura, funcionam em conjunto na atribuição de papéis temáticos (formam em conjunto um predicado), e se apresentam como um bloco cristalizado em que existe um significado global unitário.

37 Nesse estudo, diferentemente de Neves (2000), ela propõe-se a trabalhar com a noção de continuum, ou seja, adota um tratamento escalar em que as construções pré-fabricadas seriam categorizadas pelo seu status gradiente.

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Noutro extremo, existem combinações que reúnem verbos plenos e nomes

complementos. Tais construções são totalmente livres, mas pouco previsíveis. Veja

estes casos:

(34) E pudesse, com um dia apenas, consolidar a estrada em chão firme.

(35) Isso pacifica corpo e alma.

(36) Uma melodia sublinha a fala de Joana.

Para Neves, nessas construções, os dois elementos exercem papéis

temáticos independentes na estrutura argumental (predicado e argumento), e são

semanticamente autônomos.

Assim, a partir desse continuum diversificado internamente pelo grau de

integração existente entre os dois elementos, seria interessante investigar, como

enfatiza Neves (2002, p. 206),

se é diferente dizer dar um riso e rir, ou dar uma olhada e olhar,pois essa diferença, que é especialmente semântica e que reflete alterações na versatilidade sintática, passa, entretanto, pela pragmática, tudo isso com grande importância como guia de uso para o falante.

Dessa forma, Neves entende que uma seqüência de grau medeia entre os

dois extremos do continuum. Os verbos-suporte38 estariam situados, portanto, nesse

espaço intermediário, apresentando um certo grau de esvaziamento do sentido

lexical, embora conservando uma acepção ainda relevante para a composição do

significado total da combinação sintagmática. Veja os seguintes exemplos:

(37) Aí então o falante deu um riso e soltou a injúria suprema.

(38) Aí então resolvi dar uma investida de leve.

(39) O povo então começou a ter confiança em que o voto era sua arma.

38 O verbo-suporte, segundo Houaiss (2002), é usado com um complemento com o qual forma uma unidade semântica, perdendo neste emprego parte de sua significação como verbo pleno, mas mantendo alguns traços gerais de seu sentido, entre os quais noções de ação (fazer ginástica, fazer uma viagem), processo (tomar impulso), estado (ter conhecimento). Este tipo de noção, segundo o dicionarista, pode também se alterar; p.ex.: com levar verbo pleno, o sujeito pratica a ação (levar um presente para alguém), mas com levar verbo-suporte, o sujeito a sofre: levar um soco, levar um susto.

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Esses últimos exemplos se situam ora mais próximos de um, ora mais

próximos de outro extremo, conforme o grau de “gramaticalização” alcançado pelo

bloco sintático ou pelo verbo que as integra (NEVES, 2002). Lembro que, de modo

diferente, aqui tenho assumido que os construtos idiomáticos, inclusive os SVIs,

passam por um processo de lexicalização (cf. Capítulo 1, seção 1.1).

Acerca do SN objeto, assim se posiciona Neves (2002, p. 203):

[...] nas construções aqui propostas como fixas [expressões cristalizadas], esse elemento [elemento-objeto do verbo] não é um “constituinte”, isto é, não tem individualidade, compondo um todo com o verbo da construção. Nas construções aqui propostas como de verbo-suporte, por outro lado, esse elemento comporta-se como um sintagma nominal, com lugar na estrutura de constituintes da oração. [...] Os dois tipos de construção têm o mesmo comportamento: em ambos os casos o conjunto se comporta como um constituinte da oração (sintagma verbal). [cf. nota 71, p. 143]

Ainda me reportando a esse estudo, pude observar que Neves se respalda

em Guilbert (1977) para explicar que cada unidade lexical que constitui entrada de

dicionário é instituída por definição arbitrária do lexicógrafo, que a coleta no uso

cotidiano da língua numa dada comunidade lingüística. Toma para si a

responsabilidade de interpretar o sentido veiculado culturalmente entre os falantes.

Assim, tanto as combinações mais rígidas (expressões fixas) quanto as

combinações menos rígidas (expressões com verbo-suporte) são tratadas

tradicionalmente no campo da fraseologia, embora não estejam listadas nos

dicionários como unidades fraseológicas. Reconhece que, em princípio, os

dicionários gerais da língua (monolíngües ou bilíngües) costumam registrar como

entradas apenas palavras isoladas, e não construções gramaticais, combinações ou

frases feitas (NEVES, 2002).

Ranchhod (2003), estudando algumas expressões fixas nominais e verbais

do português, reconhece que as divergências terminológicas e a ausência de

critérios de análise adequados no estudo dessas expressões têm induzido a

decisões de considerá-las objetos lingüísticos excepcionais, não integráveis na

gramática das línguas (cf. BECHARA, 2004).

Ainda sobre essa questão, a mesma autora afirma:

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Apesar de as expressões fixas terem sido relegadas pelos estudos gramáticos e sintácticos para uma zona de indefinição, tem-se assistido ultimamente a um crescente interesse por esses objectos lingüísticos “anómalos”, sobretudo na área do processamento das línguas naturais. É que as formas fixas, isto é, as seqüências de elementos lexicais que não possuem as propriedades combinatórias que era suposto possuírem, são tão numerosas em qualquer tipo de texto, que não podem ser ignoradas (RANCHHOD, 2003, p. 2).

Estudando as estruturas cristalizadas de verbo + advérbio de lugar no

português, Viaro (2003, p. 464) admite que tal combinação forma uma imagem

básica, donde derivam outros significados menos evidentes. Como são também

abundantes no inglês e no alemão, o autor alega que essas construções não são

decalque de nenhuma língua dessas, “mas surgiram espontaneamente, pelo mesmo

mecanismo de associação entre verbo e advérbio de lugar, presente desde o latim,

ainda que os advérbios se mascarassem sob a forma de prefixos”, pois preservavam

seu antigo valor locativo. Esse mesmo autor assume o argumento, então, de que a

essência da formação de tais construções seria a metaforização do item locativo.

Veja alguns exemplos: estar por cima (estar bem de vida), estar por baixo (estar mal

de vida), passar por cima (sentir-se superior), dar a volta por cima (superar uma

situação difícil), baixar a bola (assumir uma postura mais humilde, modesta), estar

por dentro (saber, compreender um assunto), etc.

Criticando a postura de quem defende a influência das línguas inglesa ou

alemã no surgimento dessas construções no português, Viaro replica:

Falar de “matéria românica em alma germânica” é impróprio e realça antigos preconceitos sobre “línguas puras” e “línguas mistas”. Também o purismo se acerca dessas formas, uma vez que a gramática tradicional, numa tentativa secular e artificial de aproximar o vernáculo do latim, sempre privilegiou as formas sintéticas às analíticas na morfologia e na sintaxe (2003, p. 466).

Em sua proposta de estudos na área de português para estrangeiro, Alencar

e Meyer (2004) abordam o uso de expressões formulaicas (rotinas conversacionais),

que não seriam nem expressões idiomáticas, nem metáforas cristalizadas. Assim,

por expressões formulaicas, os autores particularizam as combinações de palavras

associadas na mente de todos, freqüentemente repetidas em uma seqüência, que

tomam parte de uma interação social e enfocam a relação entre os interlocutores:

Tudo bem?, Você tem horas?, Você tem filhos?, entre muitas outras.

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Esses dois autores inclusive reconhecem as dificuldades de análise e a

proliferação de termos acerca das expressões fixas existentes nos estudos de

português.

Estudando também as expressões formulaicas, mas sob o enfoque dos

aspectos sociocognitivos da atividade referencial, Morato (2005, p. 80)39 concebe-as

como “um testemunho expressivo da natureza sócio-cognitiva da nossa apreensão e

organização da realidade”. Para essa autora, a referenciação pode ser considerada

um ato remissivo, um ato de memória, pois o mundo que o sujeito constrói em sua

atividade enunciativa depende sobremaneira de suas escolhas lexicais, de suas

intenções discursivas, do reconhecimento de implícitos culturais, do reconhecimento

de elementos temáticos, das posturas meta-enunciativas dos interlocutores, de

estratégias textual-interativas utilizadas para transformar referentes em “objetos-de-

discurso” (cf. MONDADA; DUBOIS, 1995).

Morato assinala ainda que “tais aspectos da referenciação não deixam de

estar relacionados a propriedades que são tributárias da natureza sócio-cognitiva da

relação entre linguagem e memória” (p. 81). Desse modo, tanto enunciados pré-

construídos, fragmentos narrativos ou processos de criação lexical, quanto

processos referenciais, expressões formulaicas e formas meta-enunciativas,

segundo a autora, mobilizariam diferentes formas dessa relação que tem na

remissividade uma de suas propriedades mutuamente constitutivas.

Em trabalho de inspiração gerativista, Gomes (2004) estuda a estrutura

argumental dos verbos leves40 dar, ter e fazer. Para o verbo dar, em particular, ele

aponta três usos distintos:

I. uso idiomático: não dar a mínima, dar pano pra manga;

II. verbo leve: Roberto deu um beijo na mãe;

III. verbo lexical regular: Esmeralda deu um presente ao marido.

39 A autora relaciona ainda nesse trabalho a questão das afasias. Mas se trata de um viés teórico que não me cabe discutir nesta pesquisa. 40 O termo verbo leve, light verb, foi introduzido na literatura lingüística por Jespersen (1949). Sua intenção era remeter a uma tendência geral do inglês moderno de fazer uso de um verbo tematicamente vazio, ao qual se associam marcas de pessoa e tempo, antes da “idéia central” do evento verbal, ou seja, da “ação”, que vem expressa pelo nome (SN) seguinte. Na verdade, essa tendência não é uma exclusividade do inglês moderno, pois é observável em muitas das línguas naturais.

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Dessa forma, na condição de verbos leves, ter e fazer se comportariam,

respectivamente, como nos exemplos: Sergio gostaria de ter as pessoas em suas

mãos, Pedro teve dores horríveis; Bianca fez aniversário semana passada, Luciana

fez compras no sábado.

Segundo o mesmo autor, as estruturas com verbos leves possuem as

seguintes características (cf. SCHER, 2003):

a) o verbo principal é semanticamente vazio;

b) o complemento nominal tem como núcleo um nome de ação, em geral

deverbal, que predica sobre os eventos;

c) há uma paráfrase correspondente à construção com verbo leve.

Nessa perspectiva, os verbos dar, ter e fazer possuem apenas uma entrada

lexical. Com efeito, a variedade de significados apresentada por esses verbos seria

motivada pelo esvaziamento semântico, que restringiria seu valor predicativo,

passando a depender de outros itens lexicais para a construção de seu significado.

Para Gomes, o léxico só possui “raízes lexicais neutras e morfemas funcionais que

especificam a categoria e a estrutura argumental dessas raízes no esqueleto

configuracional sintático” (p. 5). As diferentes interpretações dessas construções

estariam condicionadas, assim me parece, ao arcabouço sintático que as codifica.

Todavia, no meio acadêmico e científico já se sabe das críticas e resistência ao

postulado gerativista da autonomia da sintaxe. Ademais, não cabe aqui alongar esta

discussão.

Sob o rótulo de “derivação delocutiva”, Flores e Vernes (2004) declaram que

delocutivos são os verbos derivados de uma locução que passam a denotar uma

atividade do discurso. Com efeito, uma frase em uso reiterado numa dada situação

passa a designar nominalmente essa ação ou a própria situação. Exemplifica com

esses casos: Ela está muito cheguei. Foi um deus-nos-acuda quando o diretor

chegou à sala. Ela é cheia de não-me-toques. É um tal de toma-lá-dá-cá que

ninguém agüenta.

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Quanto à “composição sintagmática”, esses mesmos autores concebem que o

processo composicional envolve vários elementos frasais e não apenas dois,

necessariamente.

Os integrantes de um segmento frasal que constituem uma composição sintagmática encontram-se numa relação sintática íntima, tanto morfologicamente quanto semanticamente, de forma a constituírem uma única unidade léxica. [...] Em geral, a estrutura encontra-se em vias de lexicalização, por isso não costuma aparecer unida por hífen. Uma formação está lexicalizando-se se não admitir a inserção de outro elemento em sua estrutura, pois isso implicaria a alteração semântica do conjunto. Ex.: Ele levou uma camaçada de pau (FLORES; VERNES, 2004, p. 76).

Numa proposta de inclusão das construções cristalizadas do tipo V + SN em

um tradutor automático bilíngüe (português / inglês), Garrão e Dias (2003) puderam

reconhecer a relativa dificuldade de se trabalhar com expressões cristalizadas,

principalmente com as expressões idiomáticas. Para as autoras, esse problema tem

suas raízes no cerne da teoria lingüística: a questão de delimitação entre sintaxe e

léxico no que se refere à definição de itens lexicais com estrutura maior do que o

vocábulo.

Essas autoras se ancoram, entre outros estudos, nos trabalhos de Cruse

(1986) e Neves (1999). Para Cruse, a expressão idiomática deve ter duas

características básicas: (i) ser lexicalmente complexa (composta de mais de um

constituinte lexical), e (ii) ser um constituinte semântico único (não segmentável em

constituintes semânticos elementares). Quanto à contribuição de Neves (1999), esta

se restringe aos estudos das construções com verbo-suporte, já mencionados aqui

anteriormente (cf. NEVES, 2002).

Em trabalho semelhante ao de Alves (2000), Silva (2005) analisa as

construções lexicais complexas (CLCs) com o verbo dar – dar uma voltinha, dar uma

lição, dar graças, etc. Alves propõe-se a estudar as construções com o verbo dar

sob uma perspectiva teórica funcionalista, denominada de sociocognitivismo, que

toma como paradigma a concepção de que a linguagem humana não é alheia aos

demais processos cognitivos. Dessa forma, uma abordagem de índole

sociocognitiva implicaria a observação de fatores estritamente cognitivos e,

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simultaneamente, de estratégias pragmáticas validadas pelos interlocutores nas

mais variadas situações de interação (ver CHIAVEGATTO, 2002).

Para Silva, as CLCs situam-se no inventário aberto da língua, o que

representa o principal motivo de não se poder apresentar uma sistematização

rigorosa e fechada desse tipo de construção lexicalizada. Ainda segundo a autora,

uma CLC é normalmente usada em substituição a um verbo, quando este perde o

poder funcional de predicar e assume um caráter mais gramatical (gramaticalizado).

Também reconhece que as CLCs exigem ”muito mais dos falantes do que o

conhecimento do sentido primário (transitividade) do verbo dar. (...) fica claro que as

CLCs não são portadoras de significado e sim instrumentos de construção de

sentidos” (SILVA, 2005, p. 267). Essa é uma posição polêmica e questionável: não

seria o caráter sintético e dinâmico dessas construções responsável por um

conteúdo semântico compacto, versátil e convencional no fluxo discursivo das

interações comunicativas?

Noutra perspectiva, Scher (2006) indica que as construções com o verbo leve

(CVL) dar em português brasileiro (PB) podem ser de dois tipos41 gerais: o primeiro

deles é representado pelas sentenças em (40a), (41a) e (42a), que está, geralmente,

associado à denotação de uma eventualidade interpretada como diminutivizada se

comparada à eventualidade denotada pela sentença com um verbo pleno cognato

da mesma raiz da qual se origina a nominalização em -ada na CVL. Os exemplos

com verbos plenos em (40b), (41b) e (42b) apontam para a estreita relação entre as

eventualidades denotadas por essas sentenças e aquelas denotadas pelas CVLs em

(40a), (41a) e (42a).

(40) a. O João deu uma lida no artigo.

b. O João leu o artigo.

(41) a. O João deu uma martelada no prego.

b. O João martelou o prego na parede.

41 Para Scher (2006), o segundo tipo de CVLs, de natureza um pouco diferente do anterior, envolve sentenças como (43a) e (43b), que denotam, canonicamente, eventos singulares de atingir alguém ou alguma coisa com um objeto específico, um martelo, no caso de (43a), e um remo no caso de (43b):

(43) a. O João deu uma martelada no ladrão. b. O João deu uma remada no ladrão.

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(42) a. O João deu uma remada até a margem.

b. O João remou até a margem.

A sentença em (40a), segundo Scher, é a expressão de uma eventualidade

que pode ter se desenvolvido rapidamente, incompletamente ou, até mesmo,

descuidadamente; o leitor não leu o artigo em detalhes. O exemplo em (41a) é

interpretado como se o João tivesse batido no prego uma vez. E (42a) denota uma

eventualidade que se desenvolveu rapidamente. As interpretações de

eventualidades diminutivizadas, descritas para (40a), (41a) e (42a) sugerem que os

efeitos de incompletude, de singularização ou de falta de cuidado, observáveis nas

CVLs com dar no PB podem ser considerados subcasos do efeito geral de

diminutivização captado em eventualidades denotadas por essas construções.

Fecho esta discussão reportando-me a Garcés (2006), que afirma que as

expressões idiomáticas podem se configurar como modismos (to hit below the belt,

"dar um golpe baixo"), frases feitas (Ladies and Gentlemen, "Senhoras e Senhores")

e provérbios (practise what you preach, "fazer o que diz"). Essas construções

cristalizadas, no seu modo de ver, constituem problemas difíceis da aprendizagem

de uma L2 e da tradução. Todavia, lembra que seu conhecimento e uso servem para

comunicar-se com maior rapidez e, em muitas ocasiões, com maior estilo.

2.2.3 Juntando as pedras do caminho

A preleção com os estudiosos elencados na seção anterior, entre outros

aspectos de não somenos relevância, assegura indubitavelmente a hipótese de que

as construções verbais pré-fabricadas ou construtos idiomáticos – nos quais insiro

os SVIs – constituem-se num fenômeno marcante na linguagem.

Diferentemente dos gramáticos – que se detêm mais no estudo das locuções

verbais ou locuções perifrásticas –, em relação ao tema sob análise, os lingüistas

consultados – especialistas em pesquisas empíricas sistemáticas com a linguagem –

tendem a abordar sintomaticamente o fenômeno das construções lexicalizadas ou

cristalizadas, geralmente reconhecidas como expressões idiomáticas. Em tese,

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85

estes estudiosos comumente atêm-se mais aos fatores de natureza pragmático-

discursiva e cultural, e menos às nuances de caráter gramatical. Com exceção

apenas para os autores de formação estruturalista, que se atêm mais aos aspectos

formais.

Assim, constatam que, pela alta freqüência de uso, algumas construções

sintáticas tendem a cristalizar-se, lexicalizar-se, formando construtos idiomáticos que

se sedimentam no léxico.

Dito isso, especifico na síntese abaixo, sem adotar critério de preferência ou

relevância, as diferentes terminologias que esses construtos recebem nas obras

consultadas:

a) Expressões idiomáticas: Langacker (1972); Weinreich (1977); Elson e

Pickett (1978); Cruse (1986); Chafe (1994); Perini (1996); Garcés (2006).

b) Grupos articulados: Bréal (1992).

c) Lexias: Pottier (1974); Carone (1995).

d) Sintagmas lexicalizados: Chafe (1994).

e) Combinações cristalizadas de V + SNOD: Givón (1994).

f) Composição sintagmática: Flores e Vernes (2004).

g) Expressões fixas: Neves (2002); Ranchhod (2003).

h) Construções com verbo-suporte: Neves (1999, 2002).

i) Estruturas cristalizadas de verbo + advérbio de lugar : Viaro (2003).

j) Construções cristalizadas: Garrão e Dias (2003).

k) Expressões formulaicas: Alencar e Meyer (2004); Morato (2005).

l) Construções com verbo leve (CVL): Alves (2000); Gomes (2004); Silva

(2005); Scher (2006).

Com isso, mostra-se o quanto é realmente problemático tentar definir uma

terminologia padrão que pretenda englobar todas as ocorrências de construções

pré-fabricadas manifestas na linguagem cotidiana.

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Após exame dos principais aspectos que envolvem os exemplos discutidos

pelos lingüistas supracitados, frente a esse conflito terminológico, decidi assumir

uma posição sincrética, holística, em relação ao tratamento dos dados empíricos a

serem examinados mais adiante (ver Capítulo 4). Explico: para dirimir parte da

confusão com o uso de inúmeros termos técnicos, resolvi chamar de modo uniforme

mas abrangente – como está exposto no título deste trabalho – as expressões fixas

em geral (cristalizadas, lexicalizadas, fossilizadas, idiomáticas) de pré-fabricados

lingüísticos. Entretanto, nesse universo, focalizo enfaticamente os SVIs – que são

construções pré-fabricadas de VT + OD.

Convém ressaltar, a essa altura da exposição, que uso a nomenclatura pré-

fabricados lingüísticos para tentar denominar, genericamente, toda e qualquer

construção lingüística que já entra “pronta” no processo discursivo, isto é, que

depende apenas relativamente da competência lingüístico-comunicativa do falante

para reuni-las na enunciação discursiva. Trata-se, pois, de material lingüístico

disponível no léxico mental – individual e coletivo – que já passara pelo

processamento sintático-semântico e pragmático-discursivo, encontrando-se

potencialmente estocado no inventário léxico-cultural dos usuários da língua.

Dessa forma, quando muito, os usuários podem, mediante as circunstâncias

sociointerativas e as habilidades lingüísticas individuais, atualizar ou adaptar alguns

aspectos morfossintáticos superficiais dessas construções pré-fabricadas, como, por

exemplo, as categorias de modo e tempo, de número e pessoa, ou a permuta, via

analogia, de um item léxico nominal ou verbal na estrutura interna da construção.

Isso posto, encerro esta seção destacando algumas declarações42 dos

pesquisadores e lingüistas consultados sobre a realidade do fenômeno aqui sob

estudo. Em seguida, tento extrair algumas proposições, como síntese, dessas

declarações.

42 A maioria das obras consultadas não trata com exclusividade dos construtos idiomáticos (ou mais comumente chamados de “expressões idiomáticas”). Esse assunto, na verdade, é focado estritamente em breves seções. No entanto, algumas dessas obras são marcos históricos, e me parece certo admitir que as afirmações em destaque sintetizam a visão desses autores sobre o fenômeno em foco. Em razão disso, acredito ser interessante e oportuno registrar, mesmo que sucintamente, seus posicionamentos teóricos e/ou metodológicos. Na conclusão deste trabalho, volto a mencionar alguns desses tópicos em questão.

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87

As pressões idiomáticas e metáforas padronizadas são elaboradas pelo

uso da língua e são, semanticamente, diferentes da seqüência

correspondente de morfemas em sentido literal (LANGACKER, 1972).

Deve-se discutir a estrutura gramatical das expressões idiomáticas, que

poderiam ser incorporadas ao dicionário, e identificadas como palavras

únicas da categoria lexical principal apropriada (WEINREICH, 1977).

As expressões idiomáticas são definidas dentro da própria língua e podem

ou não coincidir com uma expressão idiomática, em outra língua (ELSON;

PICKETT, 1978).

As expressões idiomáticas são um assunto sem exclusividade no campo

das discussões gramaticais (SOARES, 1990).

Como peças de uma engrenagem, a linguagem apresenta palavras que o

uso reuniu há tanto tempo que não existem mais para nossa inteligência

em estado isolado. É o que se denomina grupos articulados. Sua

importância em sintaxe é muito grande (BRÉAL, 1992).

As cláusulas transitivas com objetos cognatos e as cláusulas com as

combinações V + SN(OD) cristalizadas têm em comum um verbo

semanticamente vazio. A cláusula toda assume a aparência de uma

cláusula transitiva, que se conforma ao padrão sintático de agente-sujeito

e paciente-objeto (GIVÓN, 1993).

Em muitas combinações de verbo-objeto, o verbo não expressa uma idéia

própria independente, mas é subserviente à idéia expressa pelo objeto.

São combinações de verbo-objeto que podem ser interpretadas como

sintagmas lexicalizados – colocações convencionais que já estão

estabelecidas no repertório do falante (CHAFE, 1994).

Os sintagmas lexicalizados constituem uma escala, que se estende

daquelas que são mais convencionais para aquelas que chegam quase a

ser combinações livres, mas sua propriedade crucial é que nenhuma delas

é reunida pelo falante pela primeira vez no enunciado corrente (CHAFE,

1994).

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88

O extremo da convencionalidade é representado pelas expressões

idiomáticas, sintagmas que ganharam, semântica e sintaticamente, vida

própria. É difícil se comportar lingüisticamente como um falante nativo de

uma língua, sem antes aprender o grande estoque de sintagmas

idiomatizados que os falantes nativos produzem e reconhecem (CHAFE,

1994).

Frases cujos predicados são constituídos por lexias não podem sofrer

transformação passiva, pois o objeto direto, que entra no processo da

transformação, não pode desvincular-se do verbo (CARONE, 1995).

Idiotismo, no sentido lato, são os traços lingüísticos de uma língua, que

melhor a caracterizam em face das outras que lhe são cognatas. Em

sentido estrito, são as “construções vocabulares e frasais que não se

prestam a uma análise satisfatória na base dos valores atuais da língua”,

porque foram resultados de fenômenos de analogia e atração, e só se

explicariam à luz da história da língua (CAMARA Jr., 1996; BECHARA,

2004).

Expressões não são estruturas montadas pela sintaxe e interpretadas pela

semântica, mas verdadeiros itens compostos, listados separadamente no

léxico (PERINI, 1996).

Numerosos verbos, em si esvaziados de significado preciso, têm como

complemento substantivos ou adjetivos, em combinatórias [verbo + SN ou

SA predicativo] que se repetem. Essas construções verbais são mais

prestigiadas pelo uso corrente da língua, em substituição aos verbos que

poderiam designar especificamente essas atividades (MARQUES apud

AZEREDO, 2000a).

A construção dar + SN derivado de verbo por meio do sufixo -ada / -ida é

um mecanismo derivacional atualmente bastante produtivo, usual

sobretudo no registro informal de língua falada (AZEREDO, 2000a).

As influências externas (contexto comunicativo-situacional) e as

influências internas (co-textuais: sintáticas, semânticas, pragmáticas)

determinam o processo de constituição de sentido das CLCs. Papéis

semânticos são solidariamente e contextualmente mantidos durante o

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89

processo de identificação e conseqüente representação semântica dessas

construções (ALVES, 2000).

Os dicionários gerais não incluem sistematicamente, ou não delimitam

com precisão, as lexias (XATARA et al., 2000).

Existe um continuum diversificado internamente pelo grau de integração

existente entre os dois elementos do sintagma verbal (NEVES, 2002).

Os dicionários gerais da língua (monolíngües ou bilíngües) costumam

registrar como entradas apenas palavras isoladas, e não construções

gramaticais, combinações ou frases feitas (NEVES, 2002).

As divergências terminológicas e a ausência de critérios de análise

adequados no estudo das expressões fixas nominais e verbais do

português têm induzido a decisões de considerá-las objetos lingüísticos

excepcionais, não integráveis na gramática das línguas (RANCHHOD,

2003).

As expressões formulaicas (rotinas conversacionais) não são nem

expressões idiomáticas, nem metáforas cristalizadas. São combinações de

palavras associadas na mente de todos, frequentemente repetidas em

uma seqüência, que tomam parte de uma interação social e enfocam a

relação entre os interlocutores. Existem dificuldades de análise e

proliferação de termos acerca das expressões fixas existentes nos estudos

de português (ALENCAR; MEYER, 2004).

Tanto enunciados pré-construídos, fragmentos narrativos ou processos de

criação lexical, quanto processos referenciais, expressões formulaicas e

formas metaenunciativas mobilizam diferentes formas da relação entre

linguagem e memória que tem na remissividade uma de suas

propriedades mutuamente constitutivas (MORATO, 2005).

O léxico só possui raízes lexicais neutras e morfemas funcionais que

especificam a categoria e a estrutura argumental dessas raízes no

esqueleto configuracional sintático (GOMES, 2004).

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Uma CLC é normalmente usada em substituição a um verbo, quando este

perde o poder funcional de predicar e assume um caráter mais gramatical

(SILVA, 2005).

O conhecimento e uso das expressões idiomáticas servem para

comunicar-se com maior rapidez e, em muitas ocasiões, com maior estilo

(GARCÉS, 2006).

A partir dessas declarações, reafirmo, é possível enumerar alguns aspectos

relevantes sobre a provável postura teórico-metodológica desses lingüistas frente à

questão dos pré-fabricados lingüísticos. Para efeito de síntese, reúno em breves

proposições essas noções básicas:

1. Adoção de inúmeros termos para nomear as construções pré-fabricadas.

2. As construções pré-fabricadas são produzidas no uso efetivo da língua, e

posteriormente ficam estocadas no léxico cultural dos falantes.

3. Ausência de estudos gramaticais acerca dos aspectos estruturais e

funcionais dos pré-fabricados lingüísticos.

4. Os dicionários gerais da língua – monolíngües ou bilíngües – não

costumam registrar as construções pré-fabricadas.

5. As orações que alojam construções pré-fabricadas podem apresentar

verbos com diferentes graus de transitividade.

6. As construções pré-fabricadas se estendem ao longo de um continuum de

acordo com o nível de lexicalização.

7. O grau de lexicalização determina a irreversibilidade ou maleabilidade da

estrutura interna das construções pré-fabricadas.

8. As construções pré-fabricadas manifestam-se plenamente tanto na língua

falada quanto na escrita, seja no nível coloquial ou erudito.

9. As influências externas (comunicativo-situacionais) e as influências

internas (sintáticas, semânticas, pragmáticas, discursivas) determinam o

processo de constituição de sentido das construções pré-fabricadas.

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10. As construções pré-fabricadas (expressões idiomáticas) podem emprestar

dinamismo e ornamento estilístico ao processo discursivo.

A par disso, pode-se admitir que gramáticos e lingüistas convivem com

dificuldades comuns e enfrentam em suas pesquisas obstáculos semelhantes

relacionados ao estudo dos pré-fabricados lingüísticos. No que concerne à série de

proposições acima mencionadas, a meu ver, algumas delas representam temas já

validados pelas investigações lingüísticas hodiernas (1, 3, 4, 8, 9), contudo existem

as que configuram apenas hipóteses ou pressupostos (2, 5, 6, 7, 10) que estão à

espera de validação empírica. É provável que neste trabalho haja oportunidade para

se tentar validar o conteúdo hipotético-dedutivo de algumas dessas supracitadas

proposições (Ver Capítulo 4). No entanto, é bem verdade que o escopo

metodológico desta pesquisa aponte, noutra direção, para um trabalho indutivo, ou

seja, a partir do exame dos dados empíricos selecionados se tentará chegar à

validação ou refutabilidade das hipóteses formuladas no Capítulo 1.

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3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Para não dar ponto sem nó...

Neste capítulo, procedo, primeiramente, a um relato sucinto sobre o advento

e trajetória dos estudos filosóficos da linguagem, em particular, na Grécia antiga. Em

seguida, proponho-me mapear os percursos históricos projetados pelos mais

importantes movimentos lingüísticos ao longo dos dois últimos séculos no mundo

ocidental. Ao pontuar as principais rupturas e continuidades no cotejo das mais

significativas correntes lingüísticas, assumo o objetivo específico de descrever os

aspectos centrais de seus paradigmas científicos43.

Nesse cenário, tento reunir elementos teórico-metodológicos para a

construção dos parâmetros de análise filiados à interface entre Lingüística Funcional

(LF) e Lingüística Cognitiva (LC), teorias estas herdeiras, em certa medida, do

legado histórico dos grandes movimentos lingüísticos. A partir daí, procuro construir

um quadro teórico que sintetize os postulados basilares da LF – vinculada à escola

norte-americana –, e da LC. Com isso, formaliza-se um paradigma de natureza

cognitivo-funcional, cujos princípios teóricos fundamentam a investigação do

fenômeno lingüístico em foco.

Com efeito, esse conjunto de pressupostos teóricos tende a estabelecer as

diretrizes e as fronteiras epistemológicas dessa interface no universo das grandes

correntes científicas dos estudos lingüísticos contemporâneos, situados no vasto

período que abrange os séculos XIX, XX e XXI. Ficam, pois, demarcados, por um

lado, os limites entre as perspectivas historicista (gramática comparada),

estruturalista (saussuriana) e gerativista (chomskiana) e, por outro, as tendências44

de ordem funcionalista, semântico-pragmática e sociocognitiva.

43 Pela natureza intrínseca deste capítulo, considero-o o menos subjetivo e intuitivo. Isso se deve, essencialmente, à objetividade do discurso científico, que o torna, simultaneamente, reiterativo e impessoal. Não obstante, a fundamentação teórica exerce papel primordial na sustentação e delineamento dos pressupostos investigativos da pesquisa. Principalmente, porque tem-se o intuito de ser um trabalho direcionado para uma clientela em estágio de aprofundamento nas questões histórico-lingüísticas (professores do Ensino Médio e alunos de Letras).

44 Entre outras vertentes, posso mencionar a Lingüística Funcional (HALLIDAY, GIVÓN, DIK); Teoria da Variação (LABOV); Lingüística Cognitiva (LAKOFF, JOHNSON, LANGACKER).

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Endosso a convicção de que este trabalho, em razão de seus pressupostos

teóricos e metodológicos (epistemológicos), apresenta uma análise empírico-

interpretativista que encontra respaldo no contexto interfacial sustentado pelas duas

teorias lingüísticas antes mencionadas (LF e LC).

3.1 BREVE HISTÓRICO DOS ESTUDOS DA LINGUAGEM

3.1.1 Abordagens filosóficas45

O interesse pela linguagem advém da Antigüidade clássica46. Na Grécia, as

primeiras especulações sobre a linguagem surgem no cerne da filosofia. Filósofos

antigos, como Pitágoras (570-496 a.C.), Demócrito (460-370 a.C.) e Empédocles

(483-430 a.C.), trataram da origem da linguagem entendendo que ela é o espelho

imediato das coisas – natureza ou divindade. Esses dois aspectos expressariam,

revelariam a linguagem. Demócrito, segundo Cassirer (1977, p. 183), “foi o primeiro

a propor a tese de que a linguagem humana se origina de certos sons, de caráter

puramente emocional”. Cassirer reporta-se ao princípio cosmológico do ser de

Heráclito (540-470 a.C.) quando diz que o logos transforma-se no princípio do

universo e no primeiro princípio do conhecimento humano. Ou seja, a palavra é o

princípio da existência do ser, porque sustenta o próprio ser (cf. ALMEIDA, 2006).

Ainda na concepção de Cassirer, os sofistas foram os primeiros estudiosos a

tratar os problemas lingüísticos e gramaticais de maneira sistemática. Isso porque

viam o lado pragmático da linguagem e entendiam que a verdadeira função dos

nomes não é descrever as coisas, mas despertar emoções humanas; não é

45 Mesmo sendo um breve histórico, de natureza introdutória, esta retrospectiva dos estudos filosóficos da linguagem constitui um pré-requisito teórico-metodológico que garante subsídios conceptuais relevantes à leitura e à compreensão dos paradigmas lingüístico-filosóficos (formação, rupturas e continuidades), que sustentam as muitas teorias da linguagem.

46 Aqui particularizo o mundo ocidental. Todavia, sabe-se que no século V a.C., na Índia, Panini já desenvolvia trabalhos de natureza descritiva e prescritiva com a gramática da língua sânscrita. Sabe-se, também, que as culturas mesopotâmica, chinesa e árabe se preocuparam com a gramática, mas suas análises eram tão restritas aos seus idiomas que na prática não exerceram impacto sobre a tradição lingüística ocidental (cf. WEEDWOOD, 2002).

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transmitir simples idéias ou pensamentos, mas levar os homens a certas ações47 (cf.

ALMEIDA, 2006).

Em o Crátilo48 – diálogo acerca da justeza dos nomes – Platão (427-347

a.C.) apresenta como problema primordial a origem da linguagem: será que a

linguagem surgiu por convenção humana ou se trata de uma origem natural?

Em resumo, para Crátilo cada coisa tem por natureza um nome apropriado, e

que não se trata de uma denominação que o homem convencionou dar-lhe, o que

está de acordo com a teoria naturalista dos nomes, segundo a qual as palavras têm

sentido certo e permanente. Para Hermógenes, ao contrário, os nomes das coisas

são estabelecidos por convenção humana (PIQUÉ, 1996). Essa questão tomou em

geral o nome da controvérsia / physis – nomos (natureza – uso,

costume)49 ou physis – thesis (natureza – convenção).

Na visão de Kristeva (1983), Platão – em sintonia com Sócrates (470-399

a.C.) – tenta conciliar as duas teses postulando que a linguagem é uma criação

humana e, nesse sentido, convencional. Entretanto, em face da essência das coisas

que representa, a linguagem torna-se uma obrigação, uma lei para a sociedade.

Assim, o nome tem então o sentido de lei, costume, uso. Na visão platônica, falar é

distinguir-se das coisas exprimindo-as, dando-lhes nomes. Nomear constitui o ato

que dá lugar à fala.

Ainda segundo Platão, essa ordem fundamental do mundo impõe um limite à

arbitrariedade da linguagem. Essa arbitrariedade só se manifestaria no que se

chama hoje de significante do signo lingüístico. O onoma, geralmente traduzido por

47 Na vida ateniense do século V, a linguagem se tornara instrumento para propósitos práticos definidos e concretos, sendo a mais poderosa das armas nas grandes lutas políticas. Sem ela ninguém poderia esperar desempenhar um papel importante no contexto social (CASSIRER, op. cit., p. 182).

48 O diálogo Crátilo é o texto básico da filosofia helênica concernente à linguagem. Trata-se de uma obra de Platão, cujo objeto é a controvérsia entre Hermógenes e Crátilo, que resolvem ouvir Sócrates sobre a questão “da justeza dos nomes” (cf. PLATÃO, 2001). 49 As noções da Filosofia clássica sobre a natureza da linguagem oscilam entre as concepçõesnaturalista e convencionalista. Os naturalistas afirmam existir uma íntima e necessária conexão entre a linguagem e a realidade, sendo a análise da linguagem fundamental para a construção de uma teoria do conhecimento acerca da realidade. A linguagem reproduz a realidade em virtude da conexão entre os componentes lingüísticos e seus elementos ontológicos. Para os convencionalistas, os nomes designam mediante as convenções constituídas em hábitos comunitários. Trata-se de uma postura fundamentalmente crítica, pois rejeita a necessidade de vínculo necessário entre a linguagem e a realidade e suas conseqüências epistemológicas.

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95

"nome" em Platão, é instrumento para informar sobre as coisas e para discriminá-las

de acordo com sua natureza, pois só enquanto de alguma forma ligada ao mundo, a

linguagem, sendo uma téchne (arte, técnica), poderá operar sobre ele (PIQUÉ,

1996).

Dessa forma, Dietzsch (2007, p. 47) reconhece que

durante séculos, desde os pré-socráticos até o renascimento aristotélico, as discussões a respeito da linguagem eram perpassadas pelo questionamento entre natureza e convenção.Ser natural significava ter origens em princípios eternos e imutáveis fora do próprio homem, e por isso invioláveis. Por convencionalentendia-se o que resultava do costume e da tradição, advindos de algum acordo tácito, ou de um contrato social, praticado por membros da comunidade. Acordo que, se uma vez feito pelos homens, poderia por eles ser modificado, violado. [grifos da autora]

Por outro lado, para poder tratar do juízo, seria preciso estudar a estrutura do

enunciado. Esse fato levou Platão a estabelecer a primeira classificação das

palavras de que se tem conhecimento. Para ele, as palavras podem ser nomes e

verbos. Posteriormente, Aristóteles (384-322 a.C.), seu mais notável discípulo,

formulou uma outra classificação das palavras: nomes, verbos e partículas. Com

isso, parece que se tem a primeira divisão da cadeia de sinais lingüísticos pelo

reconhecimento de uma diferença de categoria entre palavras, o que implica

reconhecer também uma posição que toma como interesse a relação da linguagem

com o conhecimento. Assim, a divisão entre nomes e verbos objetiva descrever a

estrutura do juízo, que deve falar de como é o mundo (GUIMARÃES, 2001). Sem

dúvidas, Aristóteles muito contribuiu para o estudo da linguagem e para seu

aprofundamento, pois as distinções e considerações feitas por ele – e Platão – foram

utilizadas mais tarde, pelos estóicos, para construir as bases da gramática

tradicional.

A propósito, para Aristóteles, a linguagem é instrumento do pensamento e

tem como função representar as coisas. Na concepção aristotélica, as coisas

passam a existir à medida que são nomeadas. De acordo com Aristóteles, a

linguagem é natural na sua função e convencional na sua origem, ou melhor, a

linguagem está presente na natureza humana no seu aspecto funcional de

representar as coisas para instrumentalizar o pensamento. A partir da necessidade

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intrínseca funcional da linguagem é que o homem inventa-a num contexto

sociocultural (ALMEIDA, 2006).

Assim sendo, Aristóteles não prioriza a polêmica entre naturalismo/

convencionalismo, embora se posicione em favor desta última concepção.

Aristóteles não está interessado na gramática, senão no uso da linguagem, em

particular no uso filosófico, na produção do conhecimento. A teoria aristotélica do

significado estabelece uma correspondência entre os símbolos lingüísticos

(palavras), os conteúdos mentais e as realidades experimentadas. Com isso, a

relação entre as imagens, enquanto conteúdos da experiência, e os conteúdos

mentais parece ser um problema epistemológico. Já a relação entre os conteúdos

mentais e os símbolos lingüísticos consiste num problema de teoria da linguagem.

Na visão de Lyons (1979, p. 6), “a disputa entre os ‘naturalistas’ e os

‘convencionalistas’ devia prolongar-se por séculos, dominando toda a especulação

acerca da origem da língua e da relação entre as palavras e o seu significado”.

Dessa forma, é notória a sua importância para a evolução da teoria gramatical, visto

ter propiciado a profusão de investigações etimológicas que estimularam e

mantiveram, segundo Lyons, o interesse dos estudiosos na classificação das

relações entre as palavras. Essa disputa teórica estabeleceu o estudo da Gramática

no interior do arcabouço da indagação filosófica geral.

As palavras gregas para “regularidade” e “irregularidade”, no sentido que nos ocupa, eram analogia e anomalia. Daí, os que sustentavam que a língua era essencialmente sistemática e regular são chamados geralmente analogistas e os que tomavam a posição oposta, anomalistas (LYONS, 1979, p. 6).

Delleuze (1975) assinala que foram os filósofos gregos da corrente estóica,

posterior a Sócrates, quem primeiro realizou uma grande reviravolta na valorização

que Platão concebia ao mundo das Idéias, uma espécie de suposto paraíso da

grandeza que o ser está sempre perseguindo. Os estóicos valorizaram o humor e o

paradoxo, como ferramentas para demonstrar que a superfície da linguagem – o

puro jogo de palavras – está, realmente, carregado de sentido.

Ancorado na concepção de linguagem dos estóicos, Deleuze postula que o

sentido das manifestações lingüísticas é um acontecimento, visto não estar presente

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nem nas coisas, nem nas palavras, nem nas imagens às quais estas se referem. O

sentido não é determinado nem no ato da designação (relação das palavras a um

estado de coisas), nem na manifestação (relação da proposição ao sujeito que fala),

nem na significação (relação da palavra com conceitos gerais). O sentido surge,

emerge, na “fina lâmina” situada entre o mundo, as palavras e as pessoas. Ele não

está dado a priori pelo sujeito, nem existe como estado definitivo, mas acontece em

uma dada situação. O eu não diz o sentido do que diz (DELEUZE, 1975).

Para Chauí (2000), uma outra inovação importante trazida pelos estóicos

refere-se à proposição. Esta não é, como era para Aristóteles, a atribuição de um

predicado ao sujeito (S é P), mas consiste em um acontecimento expresso por

palavras: o predicado é um verbo que indica algo que acontece ou aconteceu com o

sujeito: “Pedro morre” (e não “Pedro é mortal”); “É dia, está claro” (e não “O dia é

claro”); “João adoece” (e não “João é doente”).

Assim é possível afirmar que a lógica estóica diferencia-se substancialmente

da lógica aristotélica. Enquanto esta é uma lógica predicativa, que se interessa por

juízos que ligam qualidades (essenciais ou acidentais) aos seres, a lógica estóica

apenas anuncia acontecimentos e suas conseqüências. Segundo Brun (1986, p. 9),

“aristotelismo e estoicismo são ambos empirismos, mas estes dois empirismos

sustentam visões do mundo totalmente diferentes uma da outra – Aristóteles tem

uma visão do mundo mais estática e hierarquizada”.

Desse ponto de vista, Braida (2001, p. 12-13) afirma que, para os estóicos,

o enunciado é anterior em relação aos seus constituintes, no que concerne ao sentido, pois é no enunciado que se realiza a união entre um significante e um significado. Em outras palavras, os estóicos abandonam a análise das palavras, tratando unicamente do “enunciado”, portanto, da lógica do dizer. As palavras serão compreendidas enquanto ocupam um lugar no enunciado; quando isoladas, elas, não obstante, serem já expressão, não significam. Somente o discurso é significativo, o que permite qualificar como “incompleto” e “subordinado” as partes componentes de um discurso. Esta maneira de conceber a linguagem parece, à primeira vista, ser contra-intuitiva, pois, quando se diz “pedra”, “sol”, “anda”, parece que se significa alguma coisa. Nesse ponto os estóicos seguem Platão, o qual já havia definido o discurso significativo mínimo como sendo a união de um termo-agente e um termo-ação, e se afastam de Aristóteles, que concebia as palavras como sendo significativas em si mesmas.

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Entretanto, Braida também reconhece que não se pode traçar um paralelismo

perfeito entre os pontos de vista dos estóicos, de Platão e Aristóteles, visto que as

suas teorias e estruturas conceituais não são isomórficas.

Na visão de Platão, segundo Streck (2000, p. 107), o significado precede o

significante e o determina, porém de modo distinto de como vai ser abordado por

Ferdinand de Saussure (1857-1913), dois milênios depois, que ressaltará “o caráter

arbitrário do signo, ao passo que para Platão existe uma relação de semelhança

entre as idéias e as coisas e entre estas e as palavras”.

Seguindo na esteira dos estóicos, Agostinho (354-430) – grande pensador

cristão – entendia que os objetos exteriores exercem uma ação contínua sobre o

corpo, e este é impressionado por eles sem que, no entanto, a alma seja afetada. Na

relação com o mundo apenas o corpo é afetado. Daí que, para Agostinho, “as

palavras são signos, e estes signos não nos remetem diretamente às coisas, mas a

outros signos, formando um sistema fechado no qual a significação, ao invés de se

fazer pela articulação signo-coisa, faz-se pela articulação signo-signo” (apud

STRECK, 2000, p. 114).

Já os escolásticos50 classificam a linguagem em três modos: linguagem

literal, linguagem analógica e linguagem simbólica. Assim, os signos lingüísticos

classificam-se em naturais e artificiais. Pode-se, desse modo, perceber a relação

existente entre os signos naturais com a linguagem analógica, principalmente, e

simbólica, enquanto os signos artificiais se relacionam com a linguagem literal.

Nessa perspectiva relacional da linguagem, Cassirer (1977, p. 186-187)

observa o seguinte:

Transferência metafórica que encerra, em poucas palavras, todo nosso problema, e significa que emissões de som, que até então haviam sido simples gritos, descargas involuntárias de emoções fortes, estavam realizando uma tarefa inteiramente nova. Estavam sendo usadas como símbolos contendo um significado definido.

50 Referem-se ao período do pensamento cristão (início do século IX até o fim do século XVI) designado com o nome de escolástica, já que a filosofia era ensinada nas escolas da época pelos mestres, chamados, por isso, escolásticos. As matérias ensinadas nas escolas medievais eram representadas pelas chamadas artes liberais, divididas em trívio – gramática, retórica, dialética – e quadrívio – aritmética, geometria, astronomia, música. O conhecimento se caracterizava pelo absoluto formalismo e imobilismo. A escolástica surge, historicamente, do desenvolvimento da dialética (ALMEIDA, 2005).

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Com efeito, o ser humano, à medida que foi usando toda sua competência

lingüística, gradativamente também aprimorava e recriava novas formas

significativas através do meio sociocultural onde se encontrava inserido.

Os filósofos escolásticos, assim como os estóicos, entendiam a linguagem

enquanto instrumento para analisar a realidade. A questão do significado

prioritariamente era a mais estudada. Em virtude dessa grande importância do

significado, surgiram várias obras com o título “Modis significandi“ (modalidades do

significar). Por isso, muitos gramáticos do período são chamados modistae

(modistas). Esses gramáticos tentaram aproximar as categorias da gramática das

categorias da lógica, da epistemologia e da metafísica. Tentaram também fazer com

que as categorias dessas quatro instâncias derivassem dos mesmos princípios

gerais. A escolástica via a ciência como busca das causas universais ou invariantes.

Os filósofos queriam explicar cientificamente a linguagem, isto é, queriam observar

os fatos da linguagem, deduzindo-os de causas universais (LYONS, 1979).

Mais tarde, os renascentistas deram início aos estudos filológicos (e

filosóficos) da linguagem. Eles perceberam que a linguagem tem papéis

importantíssimos na vida do ser humano. É pela linguagem que o ser humano atua,

passa a existir como um ser único.

De fato, o Renascimento, inaugurando a Idade Moderna, rompe com a

mundividência que a antecede imediatamente e debruça-se sobre a tradição

clássica, pela retomada dos modelos gregos na origem, desprezando, assim, o

aristotelismo medieval da filosofia escolástica. Os estudos lingüísticos direcionam-se

ao descritivismo das línguas modernas, inspirado nos modelos gregos,

principalmente na gramática de Dionísio da Trácia, contemplando a língua literária.

Nesse sentido, os estudos sobre a linguagem assentavam-se, primordialmente, no

seu papel estético (SABÓIA, 1998).

Convém enfatizar que, nas pegadas dos estóicos, abre-se então uma longa

tradição gramatical da qual um dos primeiros representantes é Apolônio Díscolo de

Alexandria (séc. II d.C.), acrescentando a seu tempo uma descrição sintática à que

Dionísio de Trácia dera às partes do discurso, três séculos antes. Mais tarde Donato

(séc. IV d.C.) e Prisciano perpetuariam o que Lyons (1979, p. 14) chama de "erro

clássico", descrevendo a língua dos "melhores autores" em tratados que se

utilizariam até o século XVII.

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No que concerne, especialmente, à natureza da linguagem, Dionísio e

Apolônio eram gramáticos analogistas, mas enquanto o primeiro revelava um

compromisso com a linguagem literária, o segundo defendia a descrição da língua

em uso. Para Apolônio, a palavra é um todo constituído de forma (som e sentido).

Daí ser possível vislumbrar a formulação teórica de uma concepção de signo, bem

próxima da concepção saussuriana (SABÓIA, 1998).

Para Ricoeur (1987), a distinção entre semântica e semiótica é a chave de

todo o problema da linguagem. Esta é a decisão metodológica que vai marcar toda a

análise da linguagem em si mesma ou como instrumento (mediação) para o acesso

ao ser. Assim, a análise da linguagem pode ser feita de duas formas: uma que

pretende compreender a linguagem em si mesma e outra que, pela linguagem,

procura conhecer algo diferente dela. Essa distinção é uma revalorização do

argumento de Platão no Crátilo e no Teeteto, segundo o qual o funda-se no

entrelaçamento de, no mínimo, duas entidades diferentes, o nome e o verbo.

Dessa forma, não se pode falar de linguagem ou pensamento sem a relação

ou entrelaçamento mínimo de um sujeito e um predicado. Compreende-se, por isso,

que a palavra, embora comporte algum significado, só adquire sentido na cadeia

frasal. A linguagem não é feita de palavras soltas, mas é um discurso que adquire

sentido pela disposição das palavras na proposição e sobretudo pelo seu contexto,

ou seja, pela relação dela com a pessoa. Essa ligação entre o nome o verbo é que

se pode chamar de discurso51, ou .

Em síntese, para além dessa questão teórica e histórica, a cultura ocidental

não deve obscurecer a importância dos tratados (diálogos) filosóficos, de modo

especial os promovidos pelos estóicos. Estes propiciaram a sistematização das

discussões em torno da natureza da linguagem e, em particular, a organização da

gramática tradicional, em suas primeiras versões (a de Dionísio da Trácia e a de

Apolônio Díscolo). Ambas serviriam de inspiração ao registro gramatical das línguas

ocidentais vernáculas, desde seu processo de gramatização,52 durante e nos

51 De acordo com Ricoeur (1987), discurso é o evento da linguagem que é, por sinal, algo evanescente em contraposição ao sistema, mas, por outro lado, o discurso tem primazia ontológica sobre o sistema que resulta da atualidade do primeiro em oposição à virtualidade do segundo.

52 Auroux (1992, p. 65) propõe o conceito de gramatização, definindo-o como “o processo que conduz a descrever e a instrumentar uma língua na base de duas tecnologias, que são ainda hoje os pilares de nosso saber metalingüístico: a gramática e o dicionário”. Segundo esse autor, do século XV ao

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séculos finais da Idade Média, até a Modernidade e a Idade Contemporânea, quer

para contestá-las, quer para reafirmá-las (SABÓIA, 1998).

Nessa perspectiva, quando a filosofia retoma a linguagem comum,

sabe que esta no está cumpliendo un rol secundario, muy por el contrario, por ella accede al centro de la reflexión filosófica. El análisis de las formas cotidianas reviste importancia también desde el punto de vista de la educación, si de verdad pretendemos que esta trascienda el ámbito meramente formal para convertirse en un proceso de autentica autorrealización – mediante el cual la persona accede al contenido y al significado antropológico que se oculta debajo de las formas (LAUAND, 1999, não paginado).

Essas implicações filosóficas propiciaram grandes debates nos círculos

lingüísticos em volta do mundo, ora servindo de ponto de partida, ora de contraponto

às abordagens teóricas sobre as gramáticas das línguas naturais.

3.1.2 Paradigmas lingüísticos: rupturas e continuidades

Todo conhecimento científico – em qualquer área de atividade humana –

tende a reger-se por um conjunto de princípios que o identifica e distingue de outros

saberes a partir de suas especificidades teóricas e metodológicas. No cenário

científico, costuma-se denominar esse conjunto de princípios pelo termo paradigma.

Segundo Kuhn (1992), paradigmas são as realizações científicas

universalmente conhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e

soluções modelares para uma comunidade praticante de uma ciência. Com isso,

segundo ele, o paradigma, em ciência, não pode ser “copiado” ou “imitado”, ou seja,

não permite “reprodução”. O paradigma, por esse prisma, é um objeto a ser

articulado e testado em condições novas ou mais rigorosas. Dessa forma, os

paradigmas adquirem seu status porque são mais bem sucedidos que seus

século XIX, ocorreu então uma massiva gramatização das línguas do mundo a partir de uma só tradição, a greco-latina, tradição que garantiu a homogeneidade conceptual, a identidade de metalinguagem, representando um fator de unificação teórica sem equivalente na história. Para Orlandi (2001), a gramatização pode ser pensada nas várias instâncias de instrumentalização de uma língua.

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competidores na resolução de alguns problemas que parte da comunidade científica

reconhece como relevantes.

Kuhn explica ainda que as anomalias podem levar a uma modificação do

paradigma ou contribuir para isso. A anomalia é verificada quando, com a utilização

de um paradigma, não se obtém os resultados almejados por determinado segmento

científico. A crise, então provocada, pode obrigar a modificar ou construir um novo

paradigma.

Em A estrutura das revoluções científicas, Kuhn (1992, p. 44) admite,

contudo, que

[para o paradigma] ser bem sucedido não significa nem ser totalmente bem sucedido com um único problema, nem notavelmente bem sucedido com um grande número de problemas. Nesse sentido, uma promessa de sucesso pode ser descoberta em exemplos selecionados e ainda incompletos. Isso porque a ciência normal consiste na atualização dessa promessa, atualização que se obtém ampliando-se o conhecimento daqueles fatos que o paradigma apresenta como particularmente relevantes, aumentando-se a correlação entre esses fatos e as predições do paradigma e articulando-se ainda mais o próprio paradigma.

Por fim, Kuhn esclarece que as revoluções científicas são como os episódios

de desenvolvimento não-cumulativos, nos quais um paradigma mais antigo é total ou

parcialmente substituído por um novo, incompatível com o anterior. Por isso mostra

que as revoluções científicas não ocorrem de forma cumulativa, e sim por rupturacom as teorias até então adotadas.

Isso posto, de um modo geral, ao contemplar-se a história dos estudos sobre

a linguagem, conforme a breve exposição feita na seção anterior, pode-se observar

que as especulações de natureza filosófica sempre permearam os debates e as

discussões entre os estudiosos, fossem estes filósofos antigos ou modernos, sejam,

inclusive, filósofos ou lingüistas contemporâneos.

É bem verdade que, ao combater o paradigma metafísico-essencialista que

sustentava as primeiras especulações filosóficas, foram os estóicos que

proporcionaram as bases para a formulação de uma futura gramática. Sobretudo,

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procederam à ruptura entre as palavras e as coisas, pois não reconheciam relação

intrínseca entre o discurso e o mundo do qual o discurso fala.

Entre os estóicos, a função especulativa da gramática cede lugar à

praticidade. Assim, os estudos gramaticais ganham certa autonomia com relação

aos estudos filosóficos propriamente ditos, concentrando-se especialmente na

descrição estrutural do grego, e não em sua relação com a epistemologia.

De acordo com Brito (2004), o interesse prático dos estóicos nos estudos

gramaticais justifica o seu caráter particular, em oposição ao caráter universalista

dos estudos aristotélicos sobre o logos. O objetivo prático e utilitário da gramática

está relacionado com um problema de natureza essencialmente política, e não

gramatical. As gramáticas estóicas propunham um conjunto de informações que

fosse capaz de instruir os falantes a utilizar o grego do passado helênico, e não o

grego daquele presente que refletia a decadência.

Assim sendo, a descrição lingüística previa a conservação de valores e

prescrevia a forma correta de uma fala padrão. Com isso, o princípio da

normatização verbal é introduzido nos estudos lingüísticos. De acordo com Brito

(2004), essa orientação normativa se sustentava com base na crença equivocada de

que (i) era possível impedir que a língua sofresse modificações ao longo da história

e que (ii) a preservação de um determinado momento da língua seria capaz de

assegurar status quo à cultura grega.

É possível admitir que a finalidade prática da gramática dos estóicos faz

evocar de imediato o princípio da ciência aplicada. De fato, tais gramáticos visavam,

sobretudo, ao ensino do grego clássico, particularmente do seu complexo sistema

de casos, que sofrera grande simplificação no grego coloquial. Por isso, a gramática

estóica privilegiava em sua organização o componente morfológico, no qual o tempo

havia interferido com maior intensidade. Para Brito, é exatamente essa a origem das

gramáticas normativas que até hoje freqüentam as nossas escolas.

Segundo Camara Jr. (1979), os fundamentos da gramática grega foram

idealizados por Aristóteles e ampliados pelos estóicos. Porém, Aristóteles via a

língua através da lógica e daí desenvolveu o estudo lógico da linguagem, que

prevaleceu até o advento da lingüística propriamente dita. Camara Jr. afirma

também que a gramática grega atingiu seu auge no período helenístico, quando

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suas formulações foram compiladas no sucinto trabalho de Dionísio da Trácia

(século II a.C.), mas que exerceria influência inegável sobre todas as gramáticas

subseqüentes.

Assim, depois de mais de dois séculos, quando já haviam florescido na

Grécia os debates filosóficos sobre a linguagem, os estudos gramaticais53 em Roma

tiveram seu momento culminante no século I a.C., quando Varrão, sob influência

grega, escreveu o estudo De língua latina.

No período entre o século V e o século XI, houve muitas mudanças políticas,

grandes guerras e pestes atingiram as civilizações, sendo considerado o período

negro para as ciências. Todavia, no século XI, ocorreu a retomada dos estudos das

ciências, com a tradução de grandes obras da Antigüidade, estendendo-se até o

século XII – o século das traduções. A partir daí, os gramáticos latinos traduziram a

gramática do grego para o latim, seguindo-se, mais tarde, traduções para as línguas

européias. É oportuno lembrar que esse processo foi acelerado principalmente pela

invenção da imprensa (CARDOSO, 2001).

Muito tempo depois, já no século XVII, a gramática passou por outro

momento de marcante revitalização, através dos mestres de Port Royal com a

publicação da Gramaire Générale et raisonéé (1660), "cujo objetivo era demonstrar

que a estrutura da língua é um produto da razão, e que as diferentes línguas são

apenas variedades de um sistema lógico e racional mais geral" (LYONS, 1979, p.

17-18).

Com o advento do método cartesiano, no qual se inspirou a Gramática geral e

razoada (Gramática de Port-Royal), fica explícita a noção de signo como recurso

mediante o qual os homens expressam seus pensamentos. Na relação pensamento

/ linguagem, os gramáticos de Port-Royal elaboraram teorias, pelas quais essa

relação era estabelecida por princípios gerais, que se estenderiam a todas as

línguas. Assim sendo, afirmaram que, através das operações do espírito, o homem

concebia, julgava e raciocinava. Tais operações serviam ao aspecto interno da

linguagem e, a partir delas, os homens utilizavam-se dos sons e das vozes, isto é,

do aspecto externo da linguagem, para expressar o resultado daquelas operações

53 Segundo Camara Jr. (op. cit., p. 18-20), tanto a gramática grega quanto a gramática latina (romana) eram assentadas em bases filosóficas, isto é, na lógica e seguiam uma forte orientação do certo e do errado na consolidação dos dialetos hegemônicos, o ático (Grécia) e o latim clássico (Império Romano).

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(ARNAULD; LANCELOT, 1992). Entretanto, levantaram-se muitas críticas a essa

abordagem lingüística, pois na língua nem tudo pode ser reduzido à razão. Além do

mais, os gramáticos faziam muita abstração, baseada em poucas línguas, todas

provenientes do indo-europeu. Este e outros fatores tornaram impossível o projeto

de uma Gramática Geral que descrevesse todas as variantes lingüísticas da

Humanidade. Tem-se esse como o último grande acontecimento em torno da

gramática tradicional ou filosófica.

Outra ruptura se opera, no período renascentista, quando se retoma a

gramática empírica, recusando o formalismo abstrato da gramática medieval. É

novamente a gramática normativa posta em sintonia com o ideário clássico de

Donato, Prisciano e Quintiliano (os dois primeiros gramáticos e o terceiro retórico e

pedagogo, contemporâneos do século IV d.C.), que atende somente ao cultivo e

estudo das autoridades (auctoritas).

Paralelamente, as línguas vulgares, ou seja, as línguas faladas nos diversos

reinos haviam ganhado estatuto de línguas de cultura e assumem-se como objetos

de investigação gramatical. São publicadas nos séculos XV e XVI as primeiras

gramáticas do espanhol, do italiano, do francês e do português (1536, Fernão de

Oliveira; 1540, João de Barros). Apesar de tudo, o latim continua a ser o alvo

privilegiado da teorização lingüística. Além disso, com os Descobrimentos, o mundo

descobre também inúmeras línguas, cujas primeiras gramáticas se devem em larga

medida aos missionários jesuítas.

A rigor, independentemente das Idéias e de seu debate54 secular, seria

necessário identificar no fim da Idade Média, em matéria de Iinguagem, sinais de

ruptura com a tradição. De acordo com Jacob (1984, p. 38-39), a relevância dada à

Iíngua vulgar por Dante, que distingue dela uma Iíngua secundária "que os romanos

chamaram de gramática", "feita antes por arte", privilegiava enfim a primeira, natural

e própria ao conjunto do gênero humano. Assim, a reflexão sobre a linguagem

incidia na prioridade dada à linguagem de fato falada, desembaraçada de toda

normatividade, e ao uso das línguas vernaculares, destronando os modelos

clássicos (grego e latino).

54 Para se ter um panorama mais completo das reflexões filosóficas e das idéias gramaticais no Ocidente, sugiro a consulta, entre outros, de Malmberg (1974), Camara Jr. (1979), Auroux (1998), Mussalim e Bentes (2001), Neves (2002), Weedwood (2002) e de Paveau e Sarfati (2006).

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Em conseqüência, mais tarde, no início do século XIX surge Franz Bopp

(1791-1867) com a Gramática comparada55, trazendo uma visão mais historicista

dos estudos gramaticais e abrindo perspectivas para o surgimento dos estudos

lingüísticos.

Nesse tempo, a questão da arbitrariedade e da motivação em torno da

linguagem ainda persistia. Essa questão polêmica, já se sabe, remonta aos tempos

clássicos com a discordância entre Platão (linguagem natural) e os estóicos

(linguagem convencional). Pode-se acreditar que, naqueles momentos iniciais de

estruturação da gramática, os seus princípios se destinavam mais a pensar que

falar. No entanto, tal ênfase essencialista dominou a gramática até o advento das

idéias de Bopp.

Advogando essa ruptura com a tradição clássica, Bopp preferiu abordar o

fenômeno à essência, almejando estudar a língua por si mesma, através da sua fala.

Para realizar seu intento, ele começou por comparar diversas línguas tradicionais,

tentando descobrir seus pontos de interseção e suas estruturas mais antigas. Com

isso, o privilégio anterior dos estudos gramaticais, que focalizavam o significado,

passou a priorizar o significante e, gradativamente, a filosofia da escritura foi se

ampliando em lingüística da fala, inaugurando-se assim, com Bopp, uma nova idade

na arqueologia lingüística. A gramática passa a se preocupar mais com o signo, as

flexões, as raízes, etc. (LIMA, 2001).

Privilegiando a fala, no seu Ensaio sobre a origem das línguas, Rousseau56

(1983, apud DOMINGUES, 1991, p. 333) postula:

A gramática não deve ser tida como a arte de pensar, mas como a arte de falar, e que em sua origem, a língua não é um instrumento de conhecimento, mas um instrumento de comunicação, veículo dos afetos e dos sentimentos e não da razão e do pensamento. Sendo o

55 Essa gramática aborda O sistema de conjugação do sânscrito comparado aos das línguas grega, latina, persa e germânica (1816). Bopp demonstrou a afinidade genética que existe entre essas línguas, deduzindo os princípios gerais de sua formação. Sua monumental Gramática comparada das línguas indo-européias (1833-1852), traduzida para o francês por Michel Bréal (1832-1915), exerceu uma influência profunda.

56 Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) nasceu em Genebra (Suíça) e mudou-se para Paris em 1741. Filósofo de expressão francesa, formou, com Montesquieu e os liberais ingleses, o grupo de brilhantes pensadores pais da ciência política moderna. Rousseau faleceu em Paris, aos 66 anos. Suas obras não se resumem somente a escritos filosóficos, escreveu também romances, cartas e uma autobiografia.

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que ela é, língua de poetas e não de geômetras, e nascendo não das necessidades práticas dos homens mas da abundância do coração e das exigências morais, os homens ao falarem não começam por racionar mas por sentir, e não foi a fome nem a sede, mas o amor, o ódio, a piedade, a cólera etc., que lhes arrancaram as primeiras palavras. Eis por que, segundo Rousseau, as primeiras línguas foram cantantes e apaixonadas antes de serem simples e metódicas, de modo que suas primeiras expressões foram os tropos, e o sentido próprio o último a nascer (cf. DOMINGUES, 1991).

Na esteira desse pensamento rousseauniano, Bopp investigou, em línguas

mais primitivas, as raízes e pontos de interseção que clareassem a origem dos

falares. Como conseqüência, surgiu sua Gramática comparada, comprovando os

laços comuns do sistema lingüístico indo-europeu. Através de seus estudos, Bopp

concluiu que o sânscrito, entre as línguas comparadas, é a que mais se faz presente

no conjunto geral, muito mais que o latim, o grego e o hebraico. De fato, as

evidências assegurariam que a língua sagrada dos hindus constitui uma espécie de

irmã mais velha de todo o sistema lingüístico estudado na Gramática comparada.

Por outro lado, segundo Cardoso (2001), convém ressaltar que, no século

XIX, prevaleceu a concepção de ver o homem como um ser cultural, dotado de

inteligência e com poder de criação, e a noção de que as línguas modificavam-se no

decorrer dos tempos. Os lingüistas comparativistas procuraram então identificar

essas modificações e estudá-las no arcabouço de cada língua. Tais estudos foram

desenvolvidos adotando-se métodos específicos. Cabia, portanto, ao lingüista

estudar os fenômenos e classificá-los.

O método comparativo foi primordial para realizar tais estudos. Porém, de

acordo com Elia (1978, p.12), o lingüista Antoine Meillet (1866-1936) observou que

as aproximações históricas dos comparativistas eram precárias, pois “as

transformações lingüísticas não tomam sentido senão quando se considera o

conjunto de que fazem parte”. O próprio Meillet afirmou que o método comparativo

no estudo dos fatos lingüísticos é insuficiente, visto que não é capaz de identificar as

condições em que ocorrem esses fatos, isto é, torna-se incapaz de estabelecer

relações entre as transformações das estruturas sociais e as transformações na

estrutura lingüística.

No entanto, reconhecendo o papel histórico assumido pela gramática

comparativa, transcrevo aqui as palavras de Costa (2003, p. 4):

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Atribuindo-se ou não caráter científico aos estudos sobre a(s) língua(s) desde a Antigüidade, certamente não se pode negar esse estatuto aos estudos desenvolvidos durante o século XIX, pois [são] detentores dos requisitos que se costumam exigir para reconhecer a cientificidade de uma área do conhecimento: objeto e metodologia definidos, formulação de hipóteses, procedimentos explícitos de testagem, conclusões passíveis de fundamentar o avanço da pretendida ciência. Como afirmam Dascal e Borges Neto (1991:33), no século XIX, “ao invés de se estudar a linguagem para ‘fazer filosofia’ ou para ‘fazer crítica literária’, como nos séculos anteriores, passa-se a estudar a linguagem pensando-se um ‘fazer ciência’”. Talvez pudéssemos adotar a postura de que as investigações, os novos questionamentos produzem resultados, talvez provisórios, mas que, na sua vigência, configuram saberes, dos quais o saber sobre a linguagem humana, sobretudo sobre as línguas naturais, que, apenas por economia de referência significativa, estamos chamando Lingüística.

As últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX constituem um

momento extraordinário na cultura ocidental e, em particular, na História da Ciência.

De acordo com Condé (2004), nesse intervalo de tempo, concentrou-se grande parte

das principais idéias que caracterizariam a ciência contemporânea, imprimindo uma

nova perspectiva concernente, inclusive, à própria concepção ocidental de

racionalidade científica. Por diversos aspectos, essas novas teorias, presentes em

diferentes campos de estudos, colocaram-se em oposição à idéia de racionalidade

científica moderna erigida a partir do século XVII por cientistas como Galileu Galilei

(1564-1642) e Isaac Newton (1643-1727), e filósofos como René Descartes (1596-

1650), Francis Bacon (1561-1626) e Immanuel Kant (1724-1804).

A crise das matemáticas, a teoria da evolução e o surgimento das ciências humanas, a partir da segunda metade do século XIX, juntamente com a mecânica quântica e a teoria da relatividade na física, a partir do início do século XX, acabaram por exigir um modelo de racionalidade diferente daquele que caracterizou a ciência moderna. Assim, a ciência contemporânea constitui novas possibilidades do saber que, diferentemente da ciência moderna obriga, entre outras coisas, a desconstrução da idéia de fundamentos (verdades) últimos na formulação de nosso conhecimento e conseqüente compreensão da realidade. Nesse novo contexto, as novas idéias científicas, por mais que sejam de campos variados (biologia, física, matemática, etc.), contrapõem-se em bloco à idéia de uma racionalidade científica universal “sintetizada” pela mecânica newtoniana e ratificada pela filosofia de Kant (CONDÉ, 2004, p. 2).

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Esse novo paradigma de racionalidade científica possível de ser consolidado

a partir de Wittgenstein (1889-1951), em especial de suas noções de gramática e

pragmática da linguagem, configura-se como um peculiar tipo de sistema que tem

como aspecto essencial uma perspectiva holista, porém não totalizante.

Diferentemente da racionalidade científica moderna – totalizante –, esse novo

paradigma de racionalidade não se constitui mediante uma ordem a priori e

hierárquica, ao contrário, ela se desenha como uma “teia”, uma rede multidirecional

flexível que se estende através de semelhanças de família (CONDÉ, 2004).

Condé (2004) ainda explica que esse novo paradigma não é totalizante

porque, além de não possuir fundamentos irrevogáveis, não pretende fornecer a

inteligibilidade total e completa do mundo, como se todas as visões de mundo

fossem convergentes. No entanto, é holista porque revela uma dimensão

panorâmica refletindo um tipo de sistema aberto e descentralizado no qual a

racionalidade não está assentada em nenhum lugar privilegiado, mas se configura

pelas múltiplas relações no interior do sistema. E, embora componha um sistema

autônomo, não se fecha no relativismo extremo, de modo que está aberto a outros

sistemas.

Em sintonia com a visão de Condé (2004), a linguagem em Wittgenstein pode

ser pensada como um modelo de racionalidade que se contrapõe à razão moderna

para superá-la em suas dicotomias e paradoxos. É preciso observar, também, que a

expressão “gramática”, no sentido em que Wittgenstein a emprega, não deve ser

confundida com a gramática normativa de uma dada língua em particular.

De acordo com Wittgenstein, o uso no interior de um jogo de linguagem não é

uma prática aleatória. Mesmo sendo relativamente livre, o uso é regido por regras

que distinguem o emprego correto do incorreto das palavras nos diversos contextos.

Essas regras não são apenas lingüísticas, mas também pragmáticas (envolvem

ações). Com efeito, é o conjunto dessas regras, de aspecto dinâmico e em contínuo

fluxo, que compõe a Gramática. Na medida em que a gramática, mais que a

dimensão sintático-semântica, incorpora a pragmática, ela insere-se na prática

social. Uma regra pode apenas constituir-se efetivamente como tal pela práxis

social. Em suma: a gramática é um produto social (CONDÉ, 2004).

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Assumindo a defesa da noção wittgensteiniana de gramática, Condé (2004, p.

11) também adverte:

Poder-se-ia argumentar que esse posicionamento de Wittgenstein, ao estabelecer os critérios de nosso conhecimento e julgamento na gramática e jogos de linguagem, acaba por encerrar o conhecimento no relativismo. No entanto, esse talvez tenha sido o maior equívoco atribuído à filosofia de Wittgenstein. Se a gramática fosse impermeável a outras gramáticas teríamos o relativismo, mas na medida em que a gramática é um sistema aberto, podemos mitigar o relativismo. A partir da minha gramática, posso estabelecer relações e critérios para compreender outras gramáticas com base em eventuais pontos de aproximação, mas sobretudo no compartilhar semelhanças no modo como atuamos no mundo. Embora a gramática seja o lugar onde construo os meus critérios de julgamento, é possível compreender outras gramáticas através dela.

Essa mudança de postura no pensamento filosófico, a partir da segunda

metade do século XIX, convencionou-se chamar de virada lingüística57. Segundo

Araújo (2007), essa virada foi o estrado epistemológico no qual surgiu a ciência da

lingüística com Saussure e Louis Hjelmslev (1899-1965), a lógica matemática com

Gottlob Frege (1848-1925) e Bertrand Russell (1872-1970), a solução ao problema

da denotação com Wittgenstein, a hermenêutica através de Hans-Georg Gadamer

(1900-2002) e Martin Heidegger (1889-1976), a semiótica de Charles Peirce (1839-

1914), e o estruturalismo da Escola de Praga com Roman Jakobson (1896-1982) e

Roland Barthes (1915-1980).

Reportando-se especificamente ao recorte da virada lingüística, observa-se

que essas idéias foram fortemente impulsionadas por Wittgenstein já em meados do

século XX. Trata-se de um movimento que instigou vários filósofos a retomarem as

57 Virada lingüística, ou giro lingüístico, designa o predomínio da linguagem – em todas as suas formas – sobre o pensamento (metafísica) como objeto da investigação filosófica. Trata-se de uma mudança de foco, da “filosofia da consciência” para a “filosofia analítica “. Foi o abandono de todo e qualquer psicologismo em filosofia. George Moore (1873-1958) e Bertrand Russell (1872-1970) defenderam o afastamento do psicologismo filosófico, fazendo surgir a filosofia analítica. Defendiam, ao invés da análise psicológica das idéias, a análise das idéias através de uma linguagem logicamente perfeita, que espelharia o mundo e propiciaria um estudo lógico das idéias. Foram protagonistas desse movimento, além dos já mencionados (Moore e Russell), Edmund Husserl (1859-1938), Wittgenstein, Richard Rorty (1931-2007) e outros filósofos do chamado Círculo de Viena (WIKIPÉDIA, 2007). Fala-se ao menos em três “viradas”, na tentativa de se estabelecer uma divisão entre a filosofia antiga e a moderna, uma outra divisão entre a filosofia moderna e a contemporânea e, por fim, uma divisão no interior da filosofia contemporânea. A partir disso, o filósofo alemão Jürgen Habermas (1929-) tem adotado essa terminologia, falando em “virada epistemológica”, “lingüística” e “lingüístico-pragmática” (GHIRALDELLI, 2004).

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questões filosóficas sob essa nova perspectiva lingüística. Uma das contribuições de

Wittgenstein para essa mudança foi a de ter sugerido que não se pensasse, mas se

olhasse como de fato se utiliza a linguagem cotidiana. Para ele, reafirmo, o

significado de uma palavra estava no uso que se faz dela em um determinado

contexto. As palavras só adquirem sentido ao serem empregadas dentro de um

jogo58 de linguagem.

Convém observar que o pressuposto comum a esses estudos é que a

linguagem – nos aspectos sintáticos, lógicos, estruturais, semânticos – permite

operações como pensar, conhecer, deduzir. Em outras palavras: as operações

supostamente “mentais” ou “cognoscitivas”, de acordo com Araújo (2007), não

passam de uma cortina de fumaça platônica, cartesiana. Araújo ainda alega que a

linguagem não se configura como um mero instrumento para o pensamento

representar as coisas, pois sua estrutura articulada é independente de um sujeito ou

de uma vontade individual e subjetiva.

Nesse contexto histórico, vem Saussure deter-se à idéia de sistema e

também de língua como instituição social. O Curso de lingüística geral (1916), obra

póstuma de Saussure, influenciou muitos lingüistas no período entre a I e a II

Grandes Guerras. Para Weedwood (2002), o estruturalismo saussuriano pode ser

resumido em duas dicotomias: (i) langue em oposição a parole e (ii) forma em

oposição à substância. Isso equivale, em certa medida, ao que Wilhelm von

Humboldt (1767-1835) já se referia em termos de sua própria descrição da forma

interna e externa da língua. Assim, Weedwood (op. cit., p. 127) afirma que langue,

mesmo significando língua em geral, “como termo técnico saussuriano fica mais bem

traduzido por ‘sistema lingüístico’, e designa a totalidade de regularidades e padrões

de formação que subjazem aos enunciados de uma língua”. Enquanto o termo

parole, segunda ela, traduzido por “comportamento lingüístico”, designa os

enunciados reais. Em síntese: o estruturalismo – no sentido europeu – é um termo

que se refere à visão de que existe uma estrutura relacional abstrata, subjacente,

58 O significado de uma palavra seria então atribuído pela regra, ou por um conjunto de regras a que se segue ao empregar uma palavra num determinado contexto, e não por uma experiência que fosse extraída de determinados objetos empíricos. Daí o termo "jogo de linguagem”. “Utilizamos as palavras dentro de uma linguagem que tem regras de uso, que não se confundem com nossas experiências empíricas, são regras públicas, que são ensinadas e aprendidas. Estas regras não decorrem naturalmente de nossas ações sobre a realidade, pelo contrário: são elas que instituem os objetos sobre os quais falamos” (GHIRALDELLI, 2004, não paginado).

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que deve ser diferenciada dos enunciados reais, constituindo-se como objeto

prioritário de pesquisa do lingüista.

Não obstante, a partir do estruturalismo de Saussure, Leonard Bloomfield

(1887-1949) desenvolveu, nos EUA, sua própria versão de lingüística estrutural.

Bloomfield passa a conceber a língua como algo puramente físico, com a adoção do

behaviorismo, rejeitando totalmente qualquer traço mentalista na explicação do

comportamento lingüístico.

Por sua vez, Hjelmslev na Escandinávia e, na França, Antoine Meillet e Émile

Benveniste (1902-1976) continuariam ampliando as teorias de Saussure. No

entanto, mais notadamente, membros da Escola de Lingüística de Praga, como

Jakobson e Nikolai Trubetzkoy (1890-1938), conduziram pesquisas59 que seriam

muito influentes nos anos subseqüentes.

Importa também relembrar que Edward Sapir (1884-1939) e Benjamin Whorf

(1897-1941) se posicionaram favoráveis à compreensão do objeto da lingüística

como instrumento de expressão de uma sociedade. Nesse caso, somente a função

social da língua é ressaltada, desconsiderando os seus traços psicológicos e

mentalistas.

Vale registrar ainda que, durante a primeira metade do século XX, a aplicação

às línguas do conceito de estrutura, legado saussuriano, produziu inúmeros

trabalhos. Contudo, conseqüentemente, houve muitos recortes, além da descoberta

de pontos polêmicos ou impossíveis de análise por esse modelo. Com isso, o

estruturalismo saussuriano acumulou “excluídos” e entreabriu vertentes que não

podia explorar. Essa acumulação, provavelmente, arrastou o seu paradigma à crise.

Como conseqüência disso, na segunda metade do século XX, assistiu-se à explosão

de novas teorias ou, no mínimo, de novas abordagens para o estudo da linguagem

(COSTA, 2003).

Nesse cenário, surge o expoente da escola gerativista, o lingüista Noam

Chomsky, que defende ser a linguagem uma realidade depositada no cérebro dos

indivíduos, cujas regras que comandam a linguagem são inatas. O lingüista detém-

se ao mentalismo, descartando a função comunicativa do objeto em questão. No

59 Não há espaço aqui para inventariar os estudos desses e outros autores filiados às diversas vertentes de pesquisa legatárias do estruturalismo saussuriano.

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entanto, a teoria chomskiana não se prendeu a questões semânticas, pois nela a

sintaxe e a fonologia de uma língua poderiam ser analisadas sem considerações

relativas ao significado dos elementos formais.

De fato, a ascendência da lingüística de inspiração chomskiana, desde a

década de 1960, teve como efeito inicial colocar em descrédito a lingüística

essencialmente descritiva dominante até então, principalmente nas suas versões de

influência behaviorista. Para McCleary (2005), ao limitar o âmbito da investigação

lingüística ao conhecimento da língua – e não à sua realização em uso –, e ao

estabelecer como fonte de dados lingüísticos intuições de gramaticalidade, e não

corpora empíricos, Chomsky conseguiu, ao mesmo tempo, reintroduzir na lingüística

um viés cognitivista, e colocar à margem fenômenos até então considerados como

tópicos legítimos para os estudos da linguagem: mudança lingüística, variação,

gêneros textuais, retórica e estilística, metáfora.

Em todo caso, a lingüística gerativa também não conseguiu livrar-se de

problemas oriundos do uso concreto da língua. Por exemplo, a ambigüidade da

língua natural, através da formalização, isto é, das várias interpretações geradas

pela semântica e pelas próprias situações intertextuais nas quais o texto/discurso

está inserido. Sobre isso o próprio Chomsky se pronunciou: “Não há aspecto do

estudo lingüístico mais sujeito a confusão e mais necessitado de clara e cuidadosa

formulação do que aquele que se ocupa dos pontos de conexão entre sintaxe e

semântica” (apud ELIA, 1978, p. 253).

No tocante ao advento dessas novas concepções, Costa (2003) reconhece

que as vertentes foram muitas, não hegemônicas, e a maior parte motivada pelo

resgate de um ou alguns dos “excluídos” do estruturalismo, o que produziu a

atenção também sobre trabalhos de cunho funcionalista, que já se desenvolviam. A

partir da preocupação com a contextualização da língua na interação social, que,

segundo a égide funcionalista, gera as estruturas, tende-se a privilegiar o discurso e

a semântica. As abordagens desses dois níveis passam a ser mais amplas que as

propostas pelo paradigma estruturalista.

Com efeito, o sujeito, a historicidade, a interação na comunicação humana, a

dinamicidade avultam em muitas tendências, assegurando o caráter interdisciplinar

das investigações. Observa-se o predomínio do foco no discurso e não na langue,

na questão do significado / sentido, nas circunstâncias de produção do falar, nas

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seleções de formas lingüísticas historicamente consolidadas, no diálogo como

elemento constituinte da língua. Além disso, não se pode obscurecer que a chamada

revolução chomskiana trouxe à tona a questão do aparato genético humano,

contestando as teorias de aquisição da linguagem de modelo behaviorista e

apelando para uma interface lingüística/biologia, não mais nos moldes deterministas

do século XIX, porém voltada para o estudo do cérebro e da mente (COSTA, 2003).

Para Araújo (2007), sob a concepção funcionalista, é através do léxico e da

estrutura sintático-semântica que a linguagem exerce sua função de significar e

comunicar. Mas, para analisar essas funções, o instrumental teórico de Saussure

não bastaria. A capacidade que as línguas têm de semiotizar a realidade não resulta

do código, dos signos estruturados no sistema de uma língua. Uma resposta

possível, segundo ela, vem da sociolingüística: a concepção de Sapir, um dos

primeiros estudiosos a reconhecer os estreitos vínculos entre língua e cultura, afirma

que “a língua não existe isolada de uma cultura, isto é, de um conjunto socialmente

herdado de práticas e crenças que determinam a trama de nossas vidas”

(SAPIR,1980, p.165). E segundo Whorf, seu discípulo, a própria organização

sintática é exclusividade de cada língua, componente capaz de manifestar o papel

ativo da linguagem. Enfatiza ainda que não há estruturas universais nas línguas,

nem mesmo no nível sintático, ao contrário do que postula a tradição que vai da

Gramática de Port-Royal até Chomsky, Katz e Fodor.

Dessa forma, se a linguagem não é o instrumento precário e imperfeito do

qual o pensamento se serve para realizar as operações de representação mental da

realidade, então a função da linguagem vai além da simples nomeação de objetos

ou designação de algo da realidade. O signo significa e sinaliza instruções ao

pensamento, e sua significação não se vincula a uma suposta relação direta com a

coisa nomeada. “Sem linguagem, com suas estruturas, regras de formação, e uso

de atos de fala, não há pensamento, não há designação, não há referência”

(ARAÚJO, 2007, p. 2). Consolida-se, a partir daí, a ruptura definitiva com as

pressuposições de base naturalista e/ou representacionista ainda remanescentes

nos círculos de estudos lingüísticos.

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Nesse ínterim, ainda recorro a Costa (op. cit., 2003), que sintetiza:

Enfim, os interessados no fenômeno das línguas começaram o século XX com a utopia do recorte objetivo, da documentação empírica, do isolamento do objeto para observações sistemáticas, etc. O avançar do século evidenciou as suas limitações. Estamos adentrando o século XXI com a utopia da multi / interdisciplinaridade que, na verdade, começou na Lingüística por volta da década de 70 do século XX, quando os lingüistas se deram conta dos excluídos que a sua jornada como pretensa ciência “dura” havia colecionado, e começou a se tornar evidente a necessidade de diálogo, por um lado, com as chamadas ciências da natureza (a Neurobiologia, a Genética, a Lógica simbólica, por exemplo), e, por outro lado, com as ciências do homem (a Antropologia, a Sociologia, a História, a Filosofia da Linguagem, as ciências da informação e da comunicação), além da grande vertente das ciências da mente, sem dúvida propício lugar para o encontro entre os dois “tipos” de saber. Pense-se na riqueza da interdisciplinaridade entre a Lingüística e a Psicanálise (por exemplo, o conceito de sujeito, as reflexões sobre o processo de enunciação); a Filosofia da Linguagem (por exemplo, as relações com o conceito de verdade e de motivação); os estudos do cérebro (por exemplo, a afasia, a aquisição de língua por deficientes auditivos e portadores da síndrome de Down, as línguas de sinais); os estudos para o processamento das línguas naturais nos computadores, ou, mais amplamente, os estudos sobre inteligência artificial.

Inequivocamente, a virada lingüística foi útil, sobretudo, para fazer a atenção

dos filósofos (e lingüistas) passar do tópico da experiência em direção ao do

comportamento lingüístico. Essa mudança ajudou, realmente, a consolidar a rupturacom a crença no empirismo e, mais amplamente, no representacionismo.

Com o passar do tempo, principalmente a partir da segunda metade do

século XX, segundo Araújo (2007), surge uma virada pragmática no interior da

própria virada lingüística, inaugurando uma perspectiva pragmática de análise da

língua(gem), mesmo que fundamentada em discussões filosóficas anteriores. Essa

nova postura consiste em considerar a língua(gem) nos seus vários contextos de

uso e não centrar-se no sistema, como estava se fazendo desde o advento do

modelo estruturalista, inspirado no Curso de Saussure.

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Por esse novo ângulo, a virada pragmática mostra que o uso, o contexto60 e

os falantes negociam entre si aspectos da situação de fala e do próprio ato de fala. A

sentença proposicional requer elementos da situação, visto que uma proposição

pode ter seu valor de verdade preenchido por informações do contexto

comunicativo. Nesse tipo de abordagem lingüística, admite-se uma postura

amplamente pragmática, uma vez que se toma a língua(gem) em ação, sendo

impossível interpretar a mensagem sem se ter acesso aos elementos do contexto

que estão representados na produção verbal (ARAÚJO, 2007). Daí que um conjunto

compartilhado de contextos de situação constitui um dado contexto de cultura,

sistema de experiências com significados compartilhados. Assim, o sujeito passa a

constituir-se pela soma de suas próprias interações e pelos códigos semióticos em

funcionamento nos grupamentos sociais de que participa.

De fato, a linguagem é constituída por aspectos semânticos e pragmáticos, os

quais se imbricam e dependem um do outro, de modo que defender que a semântica

basta para a ciência da linguagem não passa de um formalismo estéril. E defender

que a semântica pouco representa, que falante e situação de discurso são

suficientes, é ignorar que não é possível ato discursivo sem significação.

Nesse sentido, não tardou para que muitos lingüistas sentissem a

necessidade de ir além da abordagem sintático-semântica, visto ser o texto a

unidade básica de comunicação / interação humana. A princípio, reservadamente,

mas logo a seguir com maior vigor, a adoção da perspectiva pragmática vai-se

impondo e conquistando proeminência nas pesquisas sobre o texto: surgem as

teorias de base comunicativa, nas quais ora apenas se procurava integrar

sistematicamente fatores contextuais na descrição dos textos, ora a pragmática era

tomada como ponto de partida e de chegada para tal descrição.

60 O termo contexto tem muitas aplicações nos diversos segmentos das ciências humanas. Em geral, entende-se por contexto, em lingüística, o conjunto de conhecimentos e crenças compartilhados pelos interlocutores de um intercâmbio verbal e que são pertinentes para produzir e interpretar seus enunciados. A partir daí, menciono apenas as três acepções adotadas nesta pesquisa: (i) contextolingüístico: está formado pelo material lingüístico que precede e segue a um enunciado (= co-texto); (ii) contexto situacional: o conjunto de dados comuns acessíveis aos participantes de uma conversação, que se encontram num entorno físico imediato; e (iii) contexto sociocultural: a configuração de dados que procedem de condicionamentos sociais e culturais sobre o comportamento verbal e sua adequação a diferentes circunstâncias (HALLIDAY; HASAN, 1989; DUBOIS et al., 1993).

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Segundo Halliday (1978, p. 3), “o contexto intervém na determinação do que

dizemos, e o que dizemos intervém na determinação do contexto. À medida que

aprendemos a significar, aprendemos a predizer um a partir do outro ".

Assim, na segunda metade da década de 70, passa a ser desenvolvido um

modelo de base que compreendia a língua como uma forma específica de

comunicação social, da atividade verbal humana, interconectada com outras

atividades (não-lingüísticas) do ser humano. Para Koch (2004), os impulsos

decisivos para esta nova orientação vieram da Psicologia da Linguagem –

especialmente da Psicologia da Atividade de origem soviética, e da Filosofia da

Linguagem, em particular da Filosofia da Linguagem da Escola de Oxford, que

desenvolveu a Teoria dos Atos de Fala.

Da década de 80 em diante, os enfoques pragmáticos, funcionais e cognitivos

vêm ganhando terreno nos Estados Unidos e na Europa. As figuras mais

importantes nesse movimento são Michael Halliday, cuja gramática sistêmico-

funcional é muito estudada no Reino Unido, Canadá, Austrália, China e Japão; Dell

Hymes, que desenvolveu o enfoque pragmático em A etnografia do falar ; George

Lakoff, Leonard Talmy, e Ronald Langacker, que foram os pioneiros da lingüística

cognitiva; Charles Fillmore e Adele Goldberg, que estão associados com a gramática

da construção; e entre os lingüistas que desenvolvem vários tipos da chamada

gramática funcional estão Simon Dik, Talmy Givón e Robert Van Valin Jr. (cf.

WIKIPÉDIA, 2007).

De modo especial, na década de 80, delineia-se uma nova orientação nos

estudos do texto, a partir da tomada de consciência de que todo fazer (ação) é

necessariamente acompanhado de processos de ordem cognitiva, pois quem age

precisa dispor, segundo a visão cognitivista, de modelos mentais de operações e de

tipos de operações.

Com ênfase nas operações de ordem cognitiva61, o texto passa a ser

construído mediante processos mentais: é a abordagem procedural (procedimental),

61 A “virada cognitiva” iniciou-se com a abordagem da relação intrínseca entre o sujeito cognoscente e sua potencialidade de conhecer. A problemática da abordagem sistêmica da informação passa a estar associada às necessidades do sujeito em um determinado ambiente informacional – a “abordagem centrada no usuário”, caracterizada pelas possibilidades de se ver a informação sob a ótica das estruturas cognitivas do emissor da informação, codificadas e transmitidas àquele que procura informação, que entende os códigos, interpreta-os e aprende em função deles (NASCIMENTO, 2006).

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de modo que os parceiros da comunicação possuem saberes acumulados quanto

aos diversos tipos de atividades da vida social, têm conhecimentos representados

na memória que necessitam ser ativados objetivando atingir o sucesso. Assim, eles

já trazem para a situação comunicativa determinadas expectativas e ativam

conhecimentos e experiências quando da motivação e estabelecimento de metas,

em todas as fases reparatórias da construção textual, não apenas na tentativa de

traduzir seu projeto em signos verbais – comparando entre si diversas possibilidades

de concretização dos objetivos e selecionando as que, na opinião deles, são as mais

adequadas –, mas também em face da atividade de compreensão dos textos

(KOCH, 2004).

A esse respeito, assim se manifesta Koch (2004, p. 30):

O processamento estratégico depende não só de características textuais, como também de características do usuário da língua, tais como seus objetivos, convicções e conhecimento de mundo, quer se trate de conhecimento de tipo episódico, quer do conhecimento mais geral e abstrato, representado na memória semântica ou enciclopédica. Isto é, as estratégias cognitivas são estratégias de uso do conhecimento. E esse uso, em cada situação, depende dos objetivos do usuário, da quantidade de conhecimento disponível a partir do texto e do contexto, bem como de suas crenças, opiniões e atitudes, o que permite, no momento da compreensão, reconstruir não somente o sentido intencionado pelo produtor do texto, mas também outros sentidos, não previstos ou mesmo não desejados pelo produtor.

Dessa forma, a cultura e a vida social seriam partes desse ambiente e

exigiriam a representação, na memória, de conhecimentos especificamente

culturais. Entender a relação entre cognição e cultura seria, portanto, entender que

conhecimentos os indivíduos devem ter para agir adequadamente dentro da sua

cultura. Segundo essa visão, a cultura é um conjunto de dados a serem

apreendidos, um conjunto de noções e procedimentos a serem armazenados

individualmente. É fácil ver que, partindo desse ponto de vista, a cultura é subsidiária

e dependente do conjunto de mentes que a compõem, ou seja, um fenômeno em

geral passivo, sobre o qual as mentes atuam.

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Concluindo essa temática, retorno a Koch (op. cit., p. 31-32), que declara:

A concepção de mente desvinculada do corpo, característica do cognitivismo clássico, que predominou por muito tempo nas ciências cognitivas e, por decorrência, na lingüística, começa a cair como um todo quando várias áreas das ciências, como a neurobiologia, a antropologia e também a própria lingüística dedicam-se a investigar com mais vigor esta relação e constatam que muitos dos nossos processos cognitivos têm por base mesma a percepção e capacidade de atuação física no mundo. Uma visão que incorpore aspectos sociais, culturais e interacionais à compreensão do processamento cognitivo baseia-se no fato de que existem muitos processos cognitivos que acontecem na sociedade e não exclusivamente nos indivíduos. Essa visão, efetivamente, tem se mostrado necessária para explicar tanto fenômenos cognitivos quanto culturais. Mente e corpo não são duas entidades estanques. Muitos autores vêm defendendo a posição de que a mente é um fenômeno essencialmente corporificado (‘embodied’), que os aspectos motores e perceptuais e as formas de raciocínio abstrato são todos de natureza semelhante e profundamente inter-relacionados. Para autores como Varela, Thompson e Rosch (1992), nossa cognição é o resultado das nossas ações e das nossas capacidades sensório-motoras. Estes autores enfatizam a enação, ou seja, emergência e desenvolvimento dos conceitos nas atividades nas quais os organismos se engajam como a forma pela qual eles fazem sentido do mundo que os rodeia.

Conseqüentemente, dada a complexidade do assunto ora discutido – as

referências históricas aos grandes paradigmas da filosofia e da lingüística62 –, não

se deve supor que uma teoria, por ser hodierna, é superior à outra precedente. O

pensamento científico é cíclico: pode-se voltar às teorias passadas e verificar em

que elas contribuem para o estado atual. Por exemplo, Noam Chomsky trouxe uma

contribuição à lingüística contemporânea que tem origem na Gramática lógica de

Port-Royal (século XVII); e, mesmo o estruturalismo, “combatido” pelo gerativismo,

62 Para Guimarães (2001), sob o ponto de vista das ciências da linguagem no contexto histórico atual, se tem um embate entre (a) um cognitivismo naturalista que o pensamento chomskyano reintroduziu e que localiza a lingüística no interior da biologia (enquanto ciência psicológica), ou seja, das ciências naturais; (b) posições derivadas do estruturalismo, como os estudos enunciativos, para os quais o funcionamento da língua se dá porque a língua está marcada por formas próprias para seu funcionamento no processo enunciativo, posições então que mantêm a questão da autonomia do componente lingüístico posta por Saussure; (c) posições que procuram estabelecer diálogos entre as diversas disciplinas das ciências humanas que levam a pensar o lingüístico como definido por uma correlação com o que está fora do lingüístico: o antropológico, o social, o psicológico, etc.; (d) posições, como a da análise de discurso, que põem em cena a questão de que não se pode reduzir o lingüístico nem ao social (antropológico) nem ao psicológico, pois a linguagem é, de modo simultâneo, integralmente lingüística – num certo sentido saussuriano – e também integralmente histórica [texto não paginado].

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proporciona uma base para a teoria chomskiana, de onde se origina a divisão binária

da proposição em dois sintagmas, mas que procura sistematizar os universais

lingüísticos válidos para as línguas em geral.

Nessa perspectiva, as reflexões teóricas tornam-se imprescindíveis para que

as teorias científicas descrevam o fenômeno por elas investigado de forma sempre

eficaz. É por essa ótica que se pode compreender a proposição do notável cientista

Albert Einstein (1879-1955): “É a teoria que determina o que podemos observar”

(apud SCHULTZ; SCHULTZ, 1992, p. 28).

Por isso, vale resgatar a idéia, nesse fim de percurso expositivo63, que

suposições sem fundamento comprobatório resultam em trabalhos inconsistentes e

fomentam (pre)juízos danosos ao meio científico. Por exemplo, considerar a GT

como teoricamente inferior a outros modelos gramaticais, apenas por ser taxada de

“antiga”, configura um posicionamento questionável e preconceituoso. Na verdade, a

GT64 tão-somente não responde, em parte, às dúvidas suscitadas pelos estudiosos

de hoje. Sabe-se também que o estruturalismo, na busca da objetividade científica

positivista, refutava a intuição como fonte para a análise dos fatos lingüísticos, fator

de que se vale amplamente a gramática gerativa, bem como se valeu a antiga

gramática lógica, configurando-se, portanto, uma prova irrefutável de que o conceito

de científico se transforma ao passar do tempo.

É bastante conhecida no cenário científico outra máxima de Einstein (apud

FREITAS, 2000, p. 27): “Não poderia haver melhor destino para qualquer teoria do

que o de indicar o caminho para uma teoria mais abrangente na qual ela continue a

viver, como um caso limite”.

A seguir, de acordo com os estudos de funcionalistas e cognitivistas,

apresento os princípios basilares que intentam assegurar o suporte teórico-

metodológico desta abordagem.

63 Mesmo sem estabelecer diretamente uma relação entre esta exposição e o objeto de análise aqui proposto, pode-se observar, ao longo do percurso, pontos de convergência temática em torno das questões lingüísticas que envolvem o uso, o contexto, os falantes. Considero, portanto, de suma relevância a compreensão desses fatores histórico-culturais que compõem o cenário social das manifestações lingüísticas.

54 Por outro lado, defender que a GT pode descrever todos os padrões de manifestação lingüística de uma comunidade, inclusive elegendo-lhe uma norma de prestígio em detrimento de outras socialmente aceitáveis, sem dúvida, trata-se mais, a meu ver, de um nonsense no campo da pesquisa (e da política) lingüística.

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3.2 CONSTRUÇÃO DO PARADIGMA COGNITIVO-FUNCIONAL

Esta pesquisa, como vem sendo enfatizado nas páginas precedentes,

constrói seus suportes teórico-metodológicos a partir dos pressupostos básicos da

Lingüística Funcional (funcionalismo norte-americano), fazendo aplicação,

principalmente, dos trabalhos de Givón, e de outros estudiosos como Du Bois,

Hopper, Thompson, Chafe, Croft; e da Lingüística Cognitiva, agregando algumas

propostas formuladas pelos pesquisadores Lakoff, Johnson, Langacker. Ademais,

acrescente-se a esses trabalhos alguns estudos específicos de Wittgenstein, Rosch

e Goldberg.

3.2.1 Lingüística Funcional65

A partir da década de 1960, o mundo vem experimentando as grandes

convulsões sociológicas de que fala Thomas Kuhn. Assistiu-se a gênese de uma

nova era dos estudos da linguagem: a lingüística da comunicação. Esta nasce como

desdobramento de alguns pressupostos não desenvolvidos pelo paradigma

estrutural-gerativista. Tais pressupostos, com base em Ordóñez (1992), estão

relacionados à:

(i) dimensão sociológica: mesmo que o caráter social já fosse uma

característica da língua definida por Saussure, estava desprovido de todo

valor sociológico: porque se partia do suposto de que a língua (ou a

competência) era idêntica em todos os usuários. Estudos funcionalistas e

sociolingüísticos rompem com esse postulado; e a

(ii) dimensão comunicativa: o modelo estrutural-gerativista se centrava no

código (ou competência), desconsiderando de modo sistemático a

65 De minha parte, julgo necessário e oportuno apresentar os principais autores e pressupostos teóricos da LF – principalmente na vertente norte-americana – em contraponto com os postulados do formalismo gerativista. Creio se tratar de um procedimento simples que pode dar relevo aos pontos centrais da presente exposição e garantir aos iniciados nas teorias lingüísticas uma melhor compreensão de seus aspectos históricos e metodológicos. Igualmente, adoto esses mesmos procedimentos, mais adiante, em relação aos aportes teóricos emanados da LC.

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influência de elementos relevantes como, por exemplo, o emissor, o

destinatário, o contexto, o meio para a configuração da mensagem. O

lingüista chegava até o significado, porém ficava impossibilitado de

explicar os efeitos de sentido que têm lugar no discurso. Então a

Pragmática se apresenta como a disciplina que estudaria a comunicação

em todos seus fatores pertinentes. Supera o puro significado lingüístico

para intentar oferecer uma explicação ao sentido global e particular da

mensagem.

Em razão disso, aconteceram desdobramentos teóricos e metodológicos

consideravelmente relevantes. Em especial, tornou-se notória nos círculos de

estudos lingüísticos a idéia de que há dois grandes paradigmas na Lingüística

hodierna: o formalismo e o funcionalismo. Sob o prisma do formalismo, o estudo da

forma está centrado na língua (mais especificamente, na sintaxe). Para o

funcionalismo, suas estratégias incidem no estudo da função e centram-se nos

domínios da semântica e da pragmática.

Seguindo os passos de Hjelmslev (1975, apud MARTELOTTA; AREAS,

2003), no enfoque formalista66 a língua não deve ser interpretada como o reflexo de

um conjunto de fenômenos não-lingüísticos, e sim como uma estrutura autônoma

em si mesma.

Com efeito, a decisão formalista (estruturalista / gerativista) de estudar a

língua em si mesma e por si mesma (langue / competência) e de descrever cada

subdomínio (nível / constituinte) mediante a adoção de critérios internos resultou

numa perspectiva centrada nos dados formais. Para Neves (1997b), tal ênfase no

plano formal da língua desviou o estudo dos dados funcionais concernentes ao uso

efetivo da língua (parole / performance) ou mesmo à interação entre os

subdomínios.

Com isso, questões essenciais inerentes à natureza interativa e dialógica da

linguagem são desconsideradas, tais como fatores extralingüísticos (espaço, tempo,

66 O pólo formalista apresentou, nos seus primórdios, forte manifestação com o descritivismo americano (BLOOMFIELD, TRAGER, BLOCH, HARRIS, FRIES). Todavia, alcançou máxima aplicabilidade com os vários modelos da lingüística gerativa a partir dos meados do século XX. Para mais informações sobre o gerativismo, indico a leitura de Ruwet (1975), Lopes (1995), Mussalim e Bentes (2001), Weedwood (2002), Paveau e Sarfati (2006), entre outros.

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interlocutor, ações) e aspectos psicológico-emocionais (humor, volição, desejos,

etc.).

Nesse sentido, segundo Borges Neto (1996), a perspectiva do formalismo não

é a da Lingüística, mas a da teoria dos conjuntos e a da teoria das linguagens

formais, ou seja, a perspectiva da Lógica-matemática de Montague67.

Isso talvez tenha levado Flenik (2000) a defender a tese de que as línguas

naturais seriam reedições (imperfeitas) de uma língua platonicamente lógica. Por

essa razão, o trabalho dos formalistas – com relação à semântica –, é o de construir

modelos de mundo, estabelecendo um mecanismo formal que relacione as

expressões lingüísticas com "os estímulos recebidos da Natureza" que "não são

imagens da realidade, mas documentos a partir dos quais construímos nossos

modelos pessoais" (CHERRY, 1957, apud JAKOBSON, 1995, p. 78).

Nesse ponto, a visão formalista se revela como uma investigação que se

preocupa primordialmente com as propriedades estruturais da língua. Chomsky, o

arquiteto da Gramática gerativa, adota uma perspectiva formalista nos processos de

análise dos dados lingüísticos. Assim, pelo estudo da língua – em termos de suas

partes constitutivas – busca determinar os princípios de sua organização, visando

estabelecer as relações entre elas e seu uso (ideal).

Além disso, na visão de Berlinck, Augusto e Scher (apud MUSSALIM;

BENTES, 2001), a pesquisa em gramática gerativa da linha chomskiana segue o

método dedutivo, que se baseia na introspecção do lingüista. Seus postulados são

em favor de um fundamento inatista para explicar o processo de aquisição da

linguagem. O tratamento dos fatos lingüísticos acontece de forma modular. Para

essas autoras, esse conjunto de características é peculiar a uma abordagem formal

de análise lingüística.

67 Modelo de gramática gerativa iniciado pelo lógico norte-americano Richard Montague (1930-1971), embasado na semântica formal e na lógica matemática. Não considera a referência à fonologia, à morfologia e às transformações, pelo que tampouco distingue nitidamente uma estrutura subjacente ou profunda de outra ou outras superficiais, o que, por outro lado, a aproxima de determinados desenvolvimentos ulteriores da própria gramática gerativa. Circunscreve-se, pelo contrário, ao componente sintático e semântico, em que postula regras veritativas de composição léxica derivadas da teoria de verdade de modelos, que aplica quase exclusivamente ao conteúdo proposicional das orações na delimitação de um determinado “mundo possível“ (SÁNCHEZ, 2000). Leia tambem sobre a gramática de Montague em Marcuschi (2007).

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Por outro lado, focando o paradigma funcional68, tem-se também várias

abordagens funcionalistas. Com base em Kato (1998), se admite na escola

funcionalista a existência de diferenças quanto às funções privilegiadas e o método

de trabalho. Por isso, é importante estabelecer de imediato uma distinção entre

lingüistas que propõem explicações funcionalistas na descrição de línguas

particulares e aqueles que procuram explicar os padrões formais possíveis nas

línguas através de princípios funcionais. Para essa autora, os primeiros são os

funcionalistas que trabalham em variação intralingüística, e os últimos são

funcionalistas que se alinham a uma perspectiva interlingüística (ou translingüística).

Dessa forma, segundo Kato, existem os teóricos que estão mais direcionados

ao estudo da variação interlingüística (GREENBERG, 1966: KUNO, 1972; KEENAN

e COMRIE, 1977; CLARK e CLARK, 1977; JOHNSON, 1977; DIK, 1978), enquanto

outros buscam a causa da variação intralingüística (HALLIDAY, 1967; LI e

THOMPSON, 1975; GIVÓN, 1979; HOPPER, 1979; KUNO, 1987; DU BOIS, 1985;

VOTRE e NARO, 1989; CASTILHO, 1994)69. No entanto, parece haver um

denominador comum que aproxima esses estudos, visto que todos eles estão

sintonizados, em maior ou menor escala, com a pesquisa da competência

comunicativa dos usuários em situações concretas de interação sociodiscursiva.

De fato, a linha funcionalista da linguagem se tem caracterizado pela

diversidade de modelos e propostas que se reconhecem como integrantes dessa

corrente, em oposição ao paradigma formal elaborado por Chomsky. Desde novas

metodologias de análise do uso lingüístico em determinados grupos sociais até

gramáticas que introduzem elementos da pragmática, encontram-se múltiplos

aportes que advogam pela necessidade de descrever a linguagem a partir do estudo

dos usos reais dos falantes em situações comunicativas concretas.

68 Esse paradigma, segundo Nichols (1984, apud NEVES, 1997b, p. 55-56) e Furtado da Cunha (1989), recebe um tratamento feito de três modos: o modo conservador, moderado e extremado. Afirma que há um Funcionalismo Conservador, que aponta a inadequação do formalismo ou do estruturalismo, sem propor uma análise de estrutura; o Moderado, que não apenas aponta essa inadequação, mas vai além, propondo uma análise funcionalista da estrutura; o Extremado, que nega a realidade da estrutura enquanto sistema autônomo e considera que as regras se baseiam internamente na função, não havendo, pois, restrições sintáticas. Adoto neste trabalho, em consonância com a maioria dos estudiosos funcionalistas, a postura moderada – pelas razões acima explicitadas.

69 Nesta mesma perspectiva, no plano local, considero também as pesquisas de Furtado da Cunha (1989), Costa (1995), Silva (2000), Vidal (2000), Costa (2001), Costa (2005) e Furtado da Cunha e Souza (2007), entre outros trabalhos de alguns desses referidos autores.

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Segundo Cabré e Lorente (2003), a sociolingüística, a dialetologia urbana de

Labov, a análise crítica do discurso, a tipologia lingüística de Givón, as contribuições

de Halliday à análise do discurso, a gramática de Dik – são manifestações distintas

que compartilham a idéia de que a linguagem é motivada pragmaticamente. Em

todos os casos, trata-se de relacionar a estrutura da linguagem com as

necessidades, os propósitos, os meios e as circunstâncias da comunicação humana.

A esse respeito, acho oportuno reportar-me às palavras de Kato (1998, p. 13)

quando afirma que, em se tratando da forma da gramática, “não se deve

menosprezar a importância dos autores funcionalistas-processualistas, que propõem

suas análises principalmente com base em dados experimentais e de introspecção”.

Pois, segundo Kato, é a sua capacidade imaginativa de descrever contextos

possíveis e sentenças possíveis “a responsável heurística das explicações funcional

e psicologicamente interessantes”.

Dito isso, encontra-se com a denominação de Gramática funcional tipológica

alguns trabalhos de natureza interlingüística, cujos autores mais representativos são

Li, Givón e Croft. Pode-se afirmar, também, que as teorias funcionais têm estado

sempre preocupadas com análise contrastiva, visando produzir generalizações

válidas para o estabelecimento de tipos lingüísticos e para a detecção de

correlações entre forma e função (CABRÉ; LORENTE, 2003).

Retomando a concepção de língua como objeto social, pode-se asseverar

que, sob a dimensão comunicativa, ela projeta-se no uso e pelo uso. Entretanto,

essa manifestação pelo uso deixa-a sujeita a constantes modificações. Na visão de

Hopper (1987), a gramática é emergente e por isso as estruturas lingüísticas não

podem ser aprioristicamente definidas, nem fixas. A estrutura da língua é moldada

pelo discurso: assim, quanto mais uma construção for utilizada, maior a

probabilidade de ela tornar-se plenamente estruturada. Estudos recentes elaborados

por Bybee e Hopper (2001) ressaltam a importância do papel da freqüência de uso

na formação daquilo que se convencionalizou chamar gramática.

A propósito, a gramática funcional, concentrando-se na comunicação dos

falantes, tem como ponto de partida as significações das expressões lingüísticas e

procura investigar como essas se codificam gramaticalmente.

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Nesse sentido, a abordagem funcionalista concebe a linguagem como um

sistema não-autônomo, cuja origem advém das necessidades de comunicação70

entre os membros de uma comunidade e que está sujeito às diferentes limitações

impostas pela cognição humana e às diferentes pressões oriundas do contexto

sociocultural em que se processa a interação verbal71.

Com efeito, para Berlinck, Augusto e Scher (apud MUSSALIM; BENTES,

2001, p. 212), “pensar a Sintaxe segundo uma perspectiva funcionalista implica,

então, alargar a análise para além dos limites da sentença”. Assim, os processos

sintáticos são compreendidos nas inter-relações do componente sintático da língua

com os componentes semântico e discursivo (pragmático). Somente nesse espaço

ampliado de investigação pode-se identificar e descrever as motivações das

escolhas que o falante faz em termos estruturais.

Importa ainda registrar, com base em Cabré e Lorente (2003), que os

funcionalistas tomaram como referência a obra de Greenberg (1966, 1974), cujos

postulados sobre tipologia lingüística se centram na formulação de universais

sintáticos, a partir da análise contrastiva de um conjunto de trinta línguas. Daí que a

aproximação ao estudo dos universais lingüísticos por parte de Greenberg difere

ostensivamente do realizado por Chomsky. Greenberg e a tradição funcionalista

operam com um maior número de dados e buscam uma explicação funcional ou

pragmática para cada universal proposto. A tradição gerativista, a seu modo, opta

por trabalhar em detalhe um número menor de línguas, fazer propostas com um

maior grau de abstração, centrando a explicação da gramática universal em

hipóteses do inatismo da linguagem.

70 É importante observar que, para a GF, o conceito de comunicação não se restringe à codificação e à transmissão de informação, mas abrange um conjunto de fatores envolvidos no evento discursivo. Dessa forma, o objeto de estudo da GF é a língua em uso, isto é, a competência comunicativa. Na perspectiva funcionalista, a língua é estudada considerando-se a integração dos vários níveis de análise, inclusive os níveis semântico e pragmático, que são centrais para qualquer modelo de investigação funcionalista.

71 Essa parece ser a idéia central do funcionalismo norte-americano, que corresponde ao postulado básico – a língua é uma estrutura maleável, sujeita às pressões do uso e constituída de um código parcialmente arbitrário – defendido por Du Bois (1985, apud FURTADO DA CUNHA; SOUZA, 2007, p. 17), e por vários pesquisadores da área, entre estes, destaco aqui alguns trabalhos de representantes da UFRJ/UFF: Oliveira (1994), Martelotta, Votre e Cezário (1996), Furtado da Cunha, Oliveira e Martelotta (2003), e da UFRN: Furtado da Cunha (1989), Silva (2000), Costa (2001), Costa (1995, 2005).

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Contudo, segundo Comrie (1981), essas duas posições, mais que se opõem,

se complementam, seja metodologicamente ou do ponto de vista teórico, podendo

ser defendida uma solução de compromisso que busca a explicação dos universais

lingüísticos tanto no âmbito da cognição como dos aspectos pragmáticos da

comunicação (CABRÉ; LORENTE, 2003).

Charles Li, por sua vez, parte dos resultados de Greenberg para buscar a

motivação funcional dos universais lingüísticos detectados. Entre os anos de 1975 a

1977, Li publica três livros em que aborda as noções funcionais de topicalização e

focalização, entendidas como variações lingüísticas de transmissão de informação

motivadas pela adaptação ao propósito comunicativo do falante, e defende a

integração da sincronia e da diacronia no estudo das línguas.

Em se tratando da linha funcionalista72 givoniana, Votre e Oliveira (1997)

afirmam que, como estratégia de equilíbrio dos estudos funcionalistas, Givón (1995)

propõe a rejeição ao autoritarismo estrito das correntes lingüísticas e a adoção da

diversidade teórica e metodológica. Outros dois pontos relevantes da proposta de

Givón consistem em (i) manter o isomorfismo entre marcação sintática e semântica –

cláusulas que são mais complexas semanticamente também tendem a ser mais

complexas sintaticamente, e (ii) demonstrar que as relações gramaticais não formam

categorias discretas, pois são caracterizadas por indeterminação e por gradação.

Talvez, considerando essa postura de Givón como eclética e democrática,

possa justificar-se que teóricos como Li e Thompson, Keenan e Comrie, Hopper,

Bever, e o próprio Givón, entre outros, procurem legitimar a forma das gramáticas

usando como base de estudo os padrões lingüísticos nas várias línguas, pois seu

ponto de partida é a forma sentencial (mesmo dispensando estruturas arbóreas),

identificando-se nesse caso, segundo Kato (1998), metodologicamente com os

formalistas.

72 Por extrapolar os limites práticos e teóricos desta pesquisa, não descrevo aqui o conjunto das teorias funcionalistas. Lembro, apenas, que, sob o rótulo de funcionalista, enquadra-se o Círculo Lingüístico de Praga – hoje designado de Escola de Praga – movimento pioneiro do pensamento funcionalista encabeçado pelos expoentes Mathesius, Trubetzkoy e Jakobson; a Escola de Genebra com Bally e Frei; os trabalhos de Martinet (França); a Escola de Londres com Firth e Halliday; e o Grupo da Holanda com Reichling e Dik (cf. LYONS, 1979; NEVES, 1997b; NEVES, 1999; MARTELOTTA e AREAS, 2003; CABRÉ e LORENTE, 2003; FURTADO DA CUNHA e SOUZA, 2007).

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Kato entende também que a linha de Halliday, por outro lado, usa como ponto

de partida não as funções gramaticais para descrever padrões sentenciais, e sim

funções de vários níveis como primitivos, incluindo-se aí as funções pragmáticas do

tipo ilocucionário, procurando descrever como esse conjunto de funções

determinaria o formato das enunciações. Nesse caso, a perspectiva mostra-se

interativa entre níveis, embora os níveis enfatizados na descrição sejam aqueles

relacionados à comunicação. Com isso, para Halliday, a unidade de estudo é o

texto, e não a sentença (unidade sintática), apesar de não se esquivar,

metodologicamente, ao uso de unidades sentenciais em sua descrição e

argumentação73.

Sobre essa interseção de domínios teóricos, também Rocha (2004, p. 6)

vislumbra áreas fronteiriças e de contatos entre estudos funcionalistas e

sociocognitivistas:

É verdade que o Sociocognitivismo, apesar de suas características intrínsecas, tem sido confundido com Funcionalismos de toda sorte, muito em virtude do fato de estudar a sensibilidade da expressão lingüística às pressões de uso e tratar a gramática como fenômeno, não como estrutura. É relevante dizer ainda que os sociocognitivistas de hoje foram funcionalistas no passado, o que justificaria, em princípio, o mal-entendido. Na última década, produziam-se artigos científicos a partir da moldura da Lingüística Funcional-Cognitiva (LFC), como o trabalho de Chiavegatto e Ferrari (1997). Na verdade, este foi um modelo de transição para o sociocognitivismo. Nesse artigo, as autoras defendem a motivação conceptual da gramática a partir da LFC, através da qual “buscam-se descobrir, no efetivo desempenho lingüístico dos falantes, em integração com suas experiências psico-sociais, discursivas e culturais, as bases internas, de natureza cognitiva, que sustentam a Gramática” (CHIAVEGATO; FERRARI, 1997).

Com base em Gumperz e Levinson (1996), tem-se afirmado que os

sociocognitivistas reivindicam a concepção de contexto como modo de ação

73 Pode-se acrescentar que o funcionalismo de Halliday difere ainda do de autores americanos, sobretudo pela dimensão cognitivo-sócio-cultural que ele adota em contraposição à perspectiva cognitivo-psicológica dos demais. Assim, por exemplo, se Keenan e Comrie, de um lado, e Kuno, de outro, independentemente, explicam a forma das relativas nas várias línguas usando argumentos de processabilidade, mostrando que as línguas elegem as alternativas que favorecem o processamento automático, Halliday já relaciona complexidade lingüística com complexidade da própria interação social. Nesse sentido, ele se alinha com os funcionalistas sociolingüistas como Sankoff e Brown (1976), para quem o desenvolvimento da crioulização, por exemplo, se dá por necessidades comunicativas (KATO, 1998, p. 16).

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construída socialmente, sustentada interativamente e temporalmente delimitada.

Entretanto para Salomão (1999), essa concepção é inconciliável para os

cognitivistas formalistas e para alguns representantes funcionalistas. Salomão

também elucida o fato de que o cognitivismo praticado pelos sociocognitivistas

diferencia-se do cognitivismo modularista praticado por Chomsky, Fodor e Pinker.

Segundo ela, o sujeito cognitivo que se pretende abordar não é “desencarnado”,

mas inserido no meio social, afeito à experiência comunicativa, cultural e histórica.

Com efeito, os falantes – em condições normais de sociabilidade – estão

permanentemente imersos no universo sociocultural de uma determinada

comunidade lingüística. A sua produção discursiva está permeada pelas marcas

emanadas das crenças e saberes locais. Em suas interações comunicativas

cotidianas, pode-se observar a veiculação de repertórios temáticos convencionais,

socialmente compartilhados e negociados dialeticamente.

Dessa forma, torna-se insustentável o postulado que concebe a linguagem

como sistema autônomo, imutável, em que se projeta um sujeito falante, mas

usuário passivo desvinculado do processo histórico e sociocultural das práticas

discursivas. Na verdade, desde pequenas, as crianças já estão dotadas de

extraordinária capacidade cognitiva, que as torna aptas à aprendizagem da

linguagem. Progressivamente, elas se inserem nas trocas verbais com os membros

da coletividade, dominando os usos cada vez mais sofisticados de sua gramática

vernacular (COSTA, 2005).

Ainda lembro que Camacho (1994) afirma que o sistema lingüístico não é

arbitrário – como declaram estruturalistas, gerativistas e formalistas em geral –, pois

um texto, escrito ou falado, deixa-se modelar pelos usos da linguagem. Assim, o

modo como é organizada a linguagem é funcional porque se desenvolve para

satisfazer as necessidades humanas. Por isso, não há espaço para algum tipo de

"sintaxe autônoma" como quer o formalismo.

Daí que os funcionalistas consideram a sua perspectiva mais abrangente, de

alcance mais amplo. Para eles, os formalistas se preocupam com uma parte muito

específica da lingüística – a sintaxe – e acabam por esquecer da Lingüística como

um todo.

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Nesse sentido, julgo oportuno proceder, aqui, à projeção de um conjunto de

tópicos contrastivos entre esses dois paradigmas (Paradigma Formal = PFO;

Paradigma Funcional = PFU), apresentado em Dik (1989, apud NEVES, 1997b):

Quadro 2 – Tópicos contrastivos entre os paradigmas formal e funcional

Fonte: Dik (1989, apud NEVES, 1997b, p. 46-47).

Observa-se, portanto, a partir do confronto de tópicos listados acima, que

ficam muito mais salientes os pontos de divergência entre o paradigma formal e o

funcional, de modo que se justifica a adoção de parâmetros de análise bastante

distintos por parte de cada modelo lingüístico.

Todavia, nesse ínterim, proponho um recorte temático em relação aos

questionamentos teóricos e metodológicos relativos ao cotejo entre esses dois

TÓPICOS PARADIGMA FORMAL PARADIGMA FUNCIONAL Definição de língua Conjunto de orações. Instrumento de interação

social.Função da língua Expressão de pensamentos. Comunicação.

Correlato psicológicoCompetência: capacidade de produzir, interpretar e julgar orações.

Competência comunicativa: habilidade de interagir socialmente com a língua.

O sistema e seu usoO estudo da competência tem prioridade sobre o da atuação.

O estudo do sistema deve ser feito dentro do quadro do uso.

Língua e contexto/situação

As orações da língua devem ser descritas independentemente do contexto/situação.

A descrição das expressões deve fornecer dados para a descrição de seu funcionamento num dado contexto.

Aquisição da linguagem

Ocorre a partir do uso de propriedades inatas, baseando-se em um inputnão estruturado de dados.

Faz-se com a ajuda de um input extenso e estruturado de dados apresentado num contexto natural.

Universais lingüísticosPropriedades inatas do organismo humano.

Explicam-se em função de restrições de natureza comunicativa, biológica ou psicológica e contextual.

Relação entre a sintaxe, a semântica e a pragmática

A sintaxe é autônoma em relação à semântica e ambas o são em relação à pragmática. Dessa forma, as propriedades vão da sintaxe à pragmática, via semântica.

A pragmática é o quadro dentro do qual a semântica e a sintaxe devem ser estudadas. Logo, as prioridades vão da pragmática à sintaxe, via semântica.

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paradigmas, retomando aqui os postulados do funcionalismo norte-americano –

partindo de alguns estudos realizados por Givón (1979, 1995) e Croft (1991).

Nos seus primeiros trabalhos, Givón (1979) revela a preocupação por

encontrar argumentos antiformalistas e dados empíricos que demonstrem a

motivação funcional das estruturas gramaticais. Em suas análises assinala as

funções semânticas e as funções pragmáticas das estruturas, e defende o

isomorfismo entre forma e função. Redefine, mediante a introdução do critério de

adaptação, o conceito de competência comunicativa dos falantes que Hymes (1972)

havia proposto como complemento ao de competência gramatical de Chomsky

(1957). Outra das novidades que sua Gramática tipológica funcional apresenta é o

afastamento programático de alguns postulados do estruturalismo que tinham sido

herdados pelos primeiros modelos funcionalistas. Givón defende a integração da

sincronia e diacronia, põe em questão a arbitrariedade do signo lingüístico e

considera que o estudo da lingüística deve centrar-se, não na língua como sistema

social idealizado, mas sim nas realizações da fala, a responsável direta pela pressão

de adaptação funcional.

Mais adiante, nos anos 80 e 90, os trabalhos de Givón, e também os de Croft,

representam, de acordo com Cabré e Lorente (2003), o ponto de transição nos

estudos sobre tipologia lingüística entre o funcionalismo e o novo paradigma

estabelecido pelas ciências cognitivas. Essa evolução envolve a maioria dos

lingüistas que têm centrado suas obras no estudo da mudança lingüística. Assim, os

postulados do funcionalismo antiformalista têm incorporado pressupostos

psicologistas com o fim de completar a explicação da linguagem como conjunto de

estratégias motivadas. Para Cabré e Lorente, a gramática universal consiste em

uma variedade de funções a que a linguagem pretende servir (CROFT, 1991).

A motivação da gramática universal para a aproximação funcionalista é, em

última instância, também biológica, porém centrada no conceito evolutivo de

adaptação ao meio. Fenômenos, como a iconicidade da linguagem ou os processos

de gramaticalização, são apresentados como motivadores funcionais de muitas

estruturas e como elementos de validação psicológica, já que estão relacionados

com habilidades cognitivas do tipo geral.

Segundo Givón (2001), o sistema de representação cognitiva humana

compreende três níveis interconectados:

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(i) o léxico conceptual > que é o repositório dos conceitos temporalmente

estáveis, socialmente compartilhados e bem-codificados (isto é, cada

bloco de informação é associado ao seu próprio código perceptual,

fonogestural) que, tomados juntos, constituem-se no mapa cognitivo de

nosso universo experiencial, englobando: a) o universo físico externo; b) o

universo sociocultural; c) o universo mental interno. O léxico conceptual

corresponde, em termos psicolingüísticos, à memória semântica

permanente (GIVÓN, op. cit., p. 8). As categorias lingüísticas que se

relacionam aos conceitos são as palavras de conteúdo/lexicais;

(ii) informação proposicional > são as informações sobre os estados e

eventos nos quais as entidades tomam parte e que, combinando-se aos

conceitos (palavras lexicais), são codificadas como orações;

(iii) discurso multiproposicional > é o resultado da combinação de orações,

que codificam estados e eventos, formando um discurso coerente. Note-se

que o discurso humano é predominantemente multiproposicional e que

sua coerência transcende os limites das orações que o constituem

(envolvendo diversos tipos de contexto). Tanto o discurso

multiproposicional como a informação proposicional são estocadas e

processadas como memória episódico-declarativa (GIVÓN, op. cit., p. 8).

Em síntese, na visão funcionalista, os estudos de uso da língua em situação real

de comunicação enfatizam de forma especial o usuário, o qual passa a ser identificado

como criador, autor, ator, transformador das estruturas e dos processos que ocorrem na

e com a língua, isto é, o responsável pelos processos e formas da língua em toda a

sua plenitude de uso efetivo.

Dito isso, transcrevo aqui, na tentativa de agrupar os principais pressupostos

funcionalistas, a síntese proposta por Costa (2001) – acrescentada de algumas

proposições advindas do próprio Givón (1995)74 – dos princípios pertinentes à

perspectiva funcionalista de descrição dos fatos lingüísticos. Trata-se, na verdade,

de um conjunto de premissas norteadoras que devem ser observadas pelos

pesquisadores da área no processo investigativo e na elaboração de seus trabalhos

teóricos. Veja-as:

74 Com os créditos de Furtado da Cunha, Oliveira e Martelotta (2003), e de Costa (2005).

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(i) A linguagem humana possui um sistema semântico-cognitivo de base

experiencial.

(ii) O uso no processo real de comunicação modela o sistema lingüístico.

(iii) A gramática de uma língua é sempre um sistema adaptativo, uma

estrutura maleável e emergente.

(iv) As categorias não são discretas, demonstram-se instáveis, variáveis e

flexíveis.

(v) A análise lingüística deve abordar as questões gramaticais tomadas em

situações reais de comunicação.

(vi) Os domínios da sintaxe, da semântica e da pragmática são relacionados

e interdependentes.

(vii) Os fenômenos lingüísticos devem ser estudados com base numa

perspectiva pancrônica.

(viii) As regras de gramática permitem algumas exceções.

Nessa perspectiva, pode-se afirmar que o funcionalismo norte-americano tem-

se pautado por uma série de princípios epistemológicos que o faz distanciar-se da

tradição lingüística, quer estruturalista ou gerativista. Sob a égide funcionalista, a

língua tem que ser estudada de forma pancrônica, enquanto sistema e enquanto

uso, focando os aspectos formais e funcionais, históricos e discursivos, individuais e

coletivos.

A partir da próxima seção, resta-me descrever as proposições específicas da

Lingüística Cognitiva, que se associam ao conjunto de premissas funcionalistas,

acima arroladas, com vistas à construção do aparato teórico-metodológico desta

pesquisa. Portanto, ancorado nesses pressupostos, formulo as diretrizes da

proposta de descrição para o fenômeno dos SVIs sob uma perspectiva cognitivo-

funcional75.

75 A respeito dessa perspectiva de análise, pode-se encontrar mais subsídios em Croft (1991); Bybee (1999); Givón (2001); Croft e Cruse (2004).

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134

3.2.2 Lingüística Cognitiva

Alguns estudiosos do campo cognitivista, entre esses menciono Johnson

(apud CASTANHO, 2007), costumam identificar três “revoluções cognitivas”. A

primeira revolução, iniciada nos finais dos anos 50, representa, na verdade, o

estágio inicial de uma revolução em cadeia. Foi protagonizada por lingüistas, entre

os quais se distinguiu especialmente Chomsky, e estimulou sobretudo as pesquisas

no âmbito da Inteligência Artificial e da Psicologia da Informação. A segunda começa

a delinear-se nos meados dos anos 70, a qual se prolonga por todos os anos 80 e

90, mantendo-se válidos os seus princípios gerais, até os dias de hoje, para um

número significativo de pesquisadores, entre os quais se destacam Lakoff e

Johnson. A terceira revolução, ainda em decurso, se relaciona às investigações

empreendidas pelas Neurociências.

Sobre a primeira revolução, Johnson designa-a como a fase da “ciência

cognitiva da mente desencarnada” (desincorporada). No entanto, reconhece como

mérito fundamental dessa revolução cognitiva a contestação e superação do

conceito de mente humana até então imposta pelo behaviorismo, que a considerava

um elemento inobservável, inútil à análise psicológica e, por acaso, inexistente. Na

exata expressão de Johnson (2002, p. 25) – retomada de Lakoff e Johnson (1999, p.

108) –, a mais importante descoberta chomskiana foi a da existência do

"inconsciente cognitivo", ainda que Chomsky nunca se tenha referido a tal entidade

nesses termos precisos. O "inconsciente cognitivo" é constituído por estruturas que

funcionam de modo automático e em nível subconsciente, as quais dão origem a

todas as manifestações humanas de tipo simbólico – e também, portanto, à

linguagem humana articulada (CASTANHO, 2007).

Para Johnson (2002), apesar das fundamentais mudanças de perspectiva

introduzidas pela primeira revolução concernentes à concepção behaviorista da

mente humana, é ainda nesse mesmo contexto de concepção da mente que a

chamada primeira revolução cognitiva denuncia as suas maiores limitações. Assim,

numa visão que ainda depende, no essencial, da concepção cartesiana de mente,

esta era concebida, no âmbito da Gramática Gerativa, como um programa

computacional, instalável em diversos tipos de "máquinas" ou de hardware: uma

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135

realidade separada do corpo, que usa este apenas como "suporte de instalação" e

fonte de energia.

Todavia, contrariariamente à primeira revolução cognitiva, a segunda já

implica a concepção de mente humana como necessariamente incorporada, isto é,

radicada numa realidade corpórea e numa experiência do próprio corpo que são os

alicerces de todas as fases de desenvolvimento dos processos de cognição, e não

apenas meros suportes materiais destes últimos.

Nesse sentido, os estudos sobre os protótipos e as categorias conceptuais

básicas – realizados por E. Rosch e U. Neisser; sobre as imagens esquemáticas –

estudadas por L. Talmy, R. Langacker; e sobre os frames – através de C. Fillmore,

R. C. Schank, muito contribuíram para reforçar a convicção, cada vez mais

generalizada, de que existe uma ampla rede de metáforas conceptuais que

condicionam a formação da linguagem desde a base, aos níveis mais profundos dos

processos mentais subjacentes à criação, à aquisição e ao uso da língua. A segunda

revolução cognitiva fixa-se, pois, na tese de que todas as formas de raciocínio e de

conceptualização assentam numa base imaginativa e, simultaneamente, numa

incontornável base corpórea (CASTANHO, 2007).

Por outro lado, segundo Castanho, é o problema em torno da compreensão

do que seja base corpórea que inspira a terceira revolução cognitiva – e que explica

o papel central que vem sendo assumido pelas Neurociências. Nestas, desenvolve-

se o conceito de corpo fenomenológico, atinente à experiência que os seres

humanos têm de si próprios como "habitantes" de um corpo, e o conceito de corpo

neural, que implica a tomada de consciência do fato de serem organismos dotados

de sistemas neurais complexos, os quais – ao contrário do que preconizavam as

correntes até então dominantes nas Ciências da Cognição – condicionam fortemente

o desenvolvimento das capacidades linguísticas humanas.

Dessa forma, a Lingüística Cognitiva (LC) tem seus primeiros fundamentos

nos últimos anos da década de 60 e início da década de 70, emancipando-se em

definitivo a partir dos anos 80. A LC então surge dos questionamentos da relação

entre forma sintática e significado, no âmbito do pensamento gerativista, mas se

diferenciando deste por repelir a similaridade língua vs. mundo.

Em trabalho defendido na UFRJ, Nascimento (2006, p. 25) declara:

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136

O gerativismo, ao contrário do cognitivismo, postula, ainda, que a gramática – e, por conseguinte, o significado – se articula em camadas. Tais camadas, ou blocos, [...] por princípios sintáticos, apresentariam cada vez um grau maior de complexidade, segundo o falante entrasse em contato com estruturas também mais elaboradas. Para os cognitivistas, a construção gramatical está intrinsecamente associada a seu significado, e os elementos (lexicais) é que podem variar. O novo paradigma em que se constitui a LC vê a linguagem como um sistema cognitivo de conceptualização do mundo, portanto não há, para esta vertente, os sistemas computacionais, inscritos de maneira modular e descontextualizada na mente humana, capazes de “gerar” enunciados. Nesta nova visão, vários elementos se articulam na realização da capacidade cognitiva da linguagem – a percepção corpórea, o conhecimento de mundo, os modelos interacionais, por exemplo. A linguagem, sob essa perspectiva, é apenas mais uma das potencialidades cognitivas, ao lado de tantas outras que estruturam nossa conceptualização do mundo.

De fato, a perspectiva cognitiva da linguagem surgiu como resposta ao

descontentamento de alguns gerativistas que defendiam a necessidade de uma

semântica que estudasse o indivíduo e suas habilidades cognitivas. Isso os obrigou

a romper com a tradição gerativo-transformacional e propor postulados básicos

distintos, por parte, entre outros, de Johnson, Lakoff e Langacker.

Ainda assim esse não foi o primeiro intento de integrar a perspectiva

extralingüística (psicológica, antropológica, neurológica, etc.) na lingüística, pois uma

década antes houve tentativas multidisciplinares de abordar essas áreas

conjuntamente. Entretanto, realmente, essas colaborações fomentaram o

surgimento da LC frente à autonomia gerativista da linguagem, defendendo uma

relação entre linguagem e outros aspectos cognitivos e perceptivos. Salienta-se, por

exemplo, que as duas principais capacidades cognitivas relacionadas à linguagem

são a categorização e os processos de metáfora e metonímia.

Dessa forma, a LC76 que toma relevo nos anos 80, a partir da tradição

funcionalista, enfatiza, como pré-requisito para a descrição lingüística, o uso de um

conhecimento prévio do mundo (backstage, cognition) de que fazem parte diversos

76 Com efeito, deu-se início à publicação de obras fundamentais sob essa perspectiva, destacando-se, entre outras, Metaphor we live by (1980), Philosophy in the flesh (1999), ambas de G. Lakoff e M. Johnson; os dois volumes de Cognitive grammar (1987, 1991), de R. Langacker; Women, fire and dangerous things (1987), de G. Lakoff; Mental spaces (1994), de G. Fauconnier; Toward a cognitive semantics (2000), de L. Talmy. Também têm sido produzidas importantes obras coletivas como Topics in cognitive linguistics (1988), editada por Rudzka-Ostyn, e Cognitive Linguistics in the Redwoods (1996), editada por E. Casad.

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137

fatores. Assim, Langacker (1999, apud ABREU, 2003) reconhece que a maior parte

dos lingüistas – basicamente funcionalistas e cognitivistas – acredita que a

linguagem é moldada e delimitada pelas funções para as quais serve e por uma

variedade de fatores inter-relacionados: ambientais, biológicos, psicológicos,

evolutivos, históricos e socioculturais.

Em princípio, a abordagem cognitiva, contrariando a tradição milenar

(objetivista) da epistemologia ocidental, sustenta-se numa visão do significado

lingüístico que emerge com o nome de experiencialismo. Em outras palavras,

pressupõe-se que a compreensão humana opere através de estruturas decorrentes

da interação do organismo com o meio ambiente que o rodeia, tais como a

experiência perceptiva, a deslocação no espaço e a manipulação de objetos

(ABREU, 2003).

Nesse sentido, a premissa central do paradigma cognitivo, para a LC, é a

natureza do significado e como lidar com ele (LANGACKER, 1987).

Convém lembrar que a LC representa, inclusive, uma associação mais

estreita com a psicologia cognitiva. O impulso inicial, para o estabelecimento da LC

como um campo teórico específico, veio de trabalhos como os de E. Rosch,

psicóloga cognitiva, sobre a natureza da categorização humana.

Para Guadaño (2004), a LC não concebe a linguagem como um sistema

autônomo e independente pelo qual se percebe e categoriza o mundo, ou as

experiências do mundo. Com isso, o axioma fundamental da LG, se é possível esta

afirmação, é que a linguagem humana é a forma privilegiada pela qual se concebe o

mundo e se raciocina acerca dele. A linguagem expressa o pensamento e a

experiência dos indivíduos, porém não é o reflexo direto de uma realidade

autônoma, alheia ao ser humano. Quando se prescinde desse simples fato, segundo

Guadaño, a investigação lingüística perde seu foco: se esquece que analisar a

linguagem é averiguar como é e como funciona a mente humana.

Assim sendo, uma das coisas que a LC estuda, em sua vertente semântica, é

a conceptualização, isto é, a forma como os humanos agrupam suas experiências,

as relacionam com outras e raciocinam sobre elas. Em suma, trata de como as

pessoas constroem os conceitos, como aprendem e utilizam tais conceitos na

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interação com o mundo; como integram e manejam a informação que extraem do

entorno natural e social em que se desenvolve a sua existência (GUADAÑO, 2004).

A natureza humana está relacionada causalmente com a existência de

universais, tanto lingüísticos como culturais. Cada cultura – e cada língua –,

segundo Guadaño (2004), conforma uma concepção de mundo e da vida social que

é preciso compreender em seus próprios termos e que não se pode comparar

literalmente com outras concepções. Para esse autor, se existe uma natureza

humana, é uma questão empírica, não um postulado de princípio, e não implica

necessariamente a existência de universais inatos, porque a mente humana pode

ser o suficientemente flexível ou plástica para ser capaz de elaborar formas

(culturais e lingüísticas) de ver o mundo e a vida social radicalmente diferentes.

Na linha dessas investigações, a LC tem se ocupado especialmente dos

problemas de categorização conceptual (teoria dos protótipos e das categorias de

nível básico), dos modos de organizar e estocar conhecimento sob uma concepção

enciclopédica da semântica (HAIMAN, 1980; LANGACKER, 1987), da conexão entre

a conceptualização, o razoamento e as categorias conceptuais enraizadas na

experiência sensorial e motora em relação ao entorno – a teoria dos esquemas de

imagens (JOHNSON, 1987).

Pode-se destacar, em geral, três grandes linhas (IBÁÑEZ, 2001):

a) os estudos de metáfora e metonímia, instigados por trabalhos já clássicos

como Lakoff e Johnson (1980), Lakoff (1987), Lakoff e Turner (1989),

Lakoff (1993, 1996), Lakoff e Johnson (1999); nessa linha se inserem

também aplicações inovadoras como a teoria dos espaços mentais

combinados de Turner e Fauconnier (cf. FAUCONNIER e TURNER, 1996,

1998, 2002; TURNER e FAUCONNIER, 1995), que intentam explicar as

projeções metafóricas como uma questão mais de integração conceptual;

b) a semântica de marcos (FILLMORE, 1985; FILLMORE e ATKINS, 1994;

LOWE, BAKER e FILLMORE, 1997) ou de modelos cognitivos

proposicionais (LAKOFF, 1987), cujo objetivo é descrever com detalhe os

componentes e a organização das estruturas conceptuais em toda sua

complexidade;

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c) os estudos de diversos aspectos da gramática desde o ponto de vista da

sua motivação cognitiva. Nesse sentido, destacaremos duas linhas de

trabalho: uma, a Gramática Cognitiva, de Langacker, cuja primeira

apresentação se fez em Langacker (1982), porém os estudos mais

elaborados se encontram em Langacker (1987, 1990, 1991); outra, a

Gramática de Construções nas versões de Kay e Fillmore (1994), por um

lado, e de Goldberg (1995), por outro.

A propósito, para Nuyts (1993, apud IBÁÑEZ, 2001), a LC é de orientação

pragmática, pois se trata de um modelo focado no usuário e que resulta em

considerações funcionais. Não obstante, na prática, sua principal preocupação se

tem voltado para o estudo do reflexo na gramática de diversos fenômenos

semânticos.

A LC é, de acordo com a posição defendida aqui, complementar de uma

teoria inferencialista da pragmática. Os modelos cognitivos representam estruturas

conceptuais ricas que guiam o trabalho inferencial com base no jogo de informação

proporcionado pela relação texto-contexto. Nesse sentido, uma teoria de modelos

cognitivos se torna fundamental para a descrição lingüística.

Isso posto, importa registrar que os temas de especial interesse da LC são os

seguintes:

os princípios funcionais da organização lingüística (iconicidade e

naturalidade);

a interface conceptual entre sintaxe e semântica;

a base pragmática ligada à experiência da linguagem em uso;

a relação entre linguagem e pensamento (incluindo questões sobre o

relativismo e sobre os universais conceptuais), e

as características estruturais da categorização lingüística, tais como a

prototipicidade, assunto a ser tratado neste estudo.

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Nesse estudo, defende-se a noção de construção gramatical que se

caracteriza não somente como uma associação de forma-sentido, mas como um

sistema de instanciações das condições semânticas de modelos cognitivos

genéricos, instanciações essas guiadas pela natureza do potencial funcional das

diversas expressões lingüísticas e por fatores contextuais.

Dessa forma, Castilho (2003, p. 61) entende que “a perspectiva realmente

mais suculenta é a da exploração das categorias cognitivas, do modo como elas se

gramaticalizam na língua, e do modo como elas aparecem ali”. Para Castilho, levar a

lingüística do estudo dos produtos para o estudo dos processos de criação dos

produtos lhe parece o grande lance que poderá atrair novos pesquisadores.

Entretanto, deve-se reconhecer que a gramaticalização é apenas um desses

processos, pois a semantização, a discursivização e a lexicalização (foco desta

pesquisa) são igualmente outros processos relevantes.

A essa altura, redirecionando-se o foco das discussões para o campo da

lexicalização – sobretudo em relação à idiomaticidade –, observa-se que os aportes

da LF e da LC propiciam contribuições relevantes ao estudo dos sintagmas verbais

idiomatizados.

Faz-se imperativo, portanto, selecionar entre os vários princípios

funcionalistas e cognitivos aqueles que melhor se coadunam com o objeto de estudo

e com os objetivos desta pesquisa. Dessa forma, seleciono os princípios /

parâmetros cognitivo-funcionais da marcação, figura-fundo, prototipicidade,

motivação metafórica, mediante os quais tento descrever as propriedades sintáticas,

semânticas e pragmáticas dos SVIs focalizados nesta pesquisa.

Em suma, a abordagem cognitivo-funcional da língua consiste na exploração

de fenômenos cognitivos, socioculturais, históricos, além dos aspectos formais e

funcionais inerentes à organização e processabilidade comunicativa.

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3.3 PRESSUPOSTOS COGNITIVO-FUNCIONAIS

3.3.1 Princípio da marcação

Na perspectiva da lingüística funcional, os estudiosos adotam sobre a

marcação um outro enfoque diferente daquele adotado pelos seguidores da

lingüística estrutural. Esta, cuja tendência fundamental é a ênfase na autonomia das

estruturas lingüísticas e sua independência em relação a realidades não lingüísticas,

afasta-se, portanto, da concepção funcionalista, que considera os aspectos e fatores

da interação social, dos propósitos comunicativos dos usuários e das pressões

estruturais e semânticas que incidem sobre o sistema lingüístico.

A esse respeito, Croft (1990) explica que a hipótese de binaridade proposta

pela noção tradicional de marcação tende a ser inadequada. Segundo esse autor,

geralmente as formas lingüísticas não podem ser analisadas com base num

parâmetro totalmente dicotômico, uma vez que existem nas línguas naturais

evidências incontestáveis da plena inaplicabilidade desse procedimento.

Com isso, mediado por vários tipos específicos de assimetria, o conceito

tipológico de marcação está relacionado às propriedades gramaticais assimétricas

ou irregulares de elementos lingüísticos regulares. Esse fato, na verdade, impõe a

necessidade de se associar o estudo da marcação com os conceitos básicos de

hierarquia (= graduação) e de protótipos.

De fato, muitas categorias gramaticais têm mais que dois valores. Em função

disso, seria mais produtivo e coerente falar-se de uma marcação relativa, gradiente.

Por isso, configura um engano identificar marcação tão-somente com a evidência de

marcas formais de natureza binária.

Votre (1994), Silva (2000) e Costa (2001) assumem posição idêntica em torno

da abordagem dessa matéria. Em trabalho, aqui mencionado, Silva reconhece um

“caráter gradiente” para a marcação, e propõe o emprego dos termos +marcado e

-marcado, em substituição à terminologia clássica de marcado e não-marcado.

Convém destacar que Lyons (1979, p. 81) também já admitia a estratégia de

empregar os termos marcado e não-marcado num sentido mais abstrato, de modo

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142

que os termos marcado e não-marcado de um par opositivo não se distinguissem

“necessariamente pela presença ou ausência de uma certa unidade manifesta”. Com

base nesses fatos, faço opção pelo emprego desses termos ajustando-os à natureza

escalar do fenômeno aqui em análise.

Com vistas à análise da marcação prototípica, enumero abaixo os critérios

propostos por Givón.

a) Complexidade estrutural > a estrutura marcada tende a ser mais extensa

ou mais complexa do que a estrutura não-marcada correspondente.

Segundo Meillet (apud CROFT, 1990), a expressão discursivamente

recorrente sofre encurtamento físico, ficando mais econômica estruturalmente. Esse

fato atesta uma maior versatilidade funcional das formas não-marcadas. Pois, caso

contrário, seria antieconômico que as formas não-marcadas tivessem mais

informações categoriais que as marcadas.

b) Distribuição de freqüência > o elemento marcado tende a ser menos

freqüente do que o correspondente não-marcado.

Em conseqüência, do ponto de vista cognitivo, os membros prototípicos de

uma categoria tendem a ser mais usados pelos falantes. Assim, tornam-se as formas

mais recorrentes e menos marcadas, nos textos, sejam estes orais ou escritos.

c) Complexidade cognitiva > a categoria marcada costuma parecer

cognitivamente mais complexa do que a não-marcada correspondente.

Considerando os fatores dispêndio de energia mental e tempo de

processamento, seja na codificação ou decodificação de mensagens, nota-se haver

uma correlação direta deste critério com os dois anteriores. Ou seja, as pessoas

tendem a empregar verbalmente as formas lingüísticas menos extensas, mais

recorrentes, mais simples e conhecidas (COSTA, 2001).

De acordo com Furtado da Cunha (1999), as línguas demonstram uma

tendência geral para a combinação desses três critérios de marcação, e isso é prova

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143

da existência do fenômeno global da iconicidade77 na gramática. Em outras

palavras, o isomorfismo entre correlatos substantivos – comunicativos e cognitivos –

e correlatos formais de marcação pressupõe que as categorias lingüísticas que são

estruturalmente +marcadas tendem a ser conceptualmente +complexas, +marcadas

e -freqüentes.

Votre e Oliveira (1997) afirmam que Givón (1995) apresenta a marcação

(markedness) como meta-iconicidade. Mostra a relevância desse conceito para a

análise das tendências de mudança e estabilização da língua em uso. Givón

reconhece que o conceito é dependente do contexto, no sentido de que uma

construção pode manifestar-se como marcada num contexto e não-marcada noutro.

Desse modo, constata também que os critérios de marcação se entrelaçam e

interagem para definir determinada unidade lingüística como marcada. O item

marcado é mais complexo em termos estruturais e cognitivos e menos freqüente que

seus pares. Nesse sentido, os argumentos de Givón são particularmente

interessantes na análise da correlação entre marcação e tipo de texto, em que ele

examina as oposições oral-escrito, acadêmico-informal, narrativa-procedimento.

Nesse sentido, no tocante aos pré-fabricados lingüísticos, de modo particular

os construtos idiomáticos (SVIs), serão submetidos à análise de sua estrutura formal

e conceptual, para verificação dos padrões peculiares de marcação.

A respeito dessas construções lexicalizadas (cristalizadas), ou em vias de

lexicalização, cabe ainda mencionar aqui o trabalho de Garrão e Dias (2003), baseado

em Neves (1999), que trata da delimitação das unidades lexicais partindo da

investigação do comportamento de construções com verbo-suporte, em contraste com

o funcionamento de outras construções de formação semelhante. Veja o gráfico a

seguir:

77 Embora seja mencionado em alguns lugares deste trabalho, o fenômeno da iconicidade não se constitui foco desta investigação. Os aspectos, possivelmente descortinados pela aplicação desse princípio cognitivo-funcional, se enquadrariam, necessariamente, numa pesquisa específica ulterior.

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144

Gráfico 2 – Escala de unicidade lexical

Fonte: Garrão e Dias (2003).

Segundo os autores supracitados, na extremidade esquerda, tem-se as

combinações formadas com verbos plenos e sintagmas nominais complementos, que

são completamente livres – consolidar a estrada; findar propostas, com os dois

elementos exercendo papéis independentes na estrutura argumental; na extremidade

direita, tem-se as expressões que exibem um significado unitário, em que “nem mesmo

parece ser possível postular um SN em posição de objeto” (NEVES, 1999, p. 99), como

dar um pulo, tomar partido. E entre estes dois graus extremos de construção, existem

as construções intermediárias78, constituídas dos chamados verbos-suporte, que

apresentam certo grau de esvaziamento do sentido lexical, no entanto,

semanticamente contribuem para o significado total da construção – dar um riso, ter

confiança.

Numa tentativa de interpretação da escala de unicidade lexical, poderia afirmar-

se – sob a perspectiva teórica norteadora desta pesquisa – que as construções

posicionadas no continuum escalar são todas ocorrências de pré-fabricados

lingüísticos do tipo SVI. Em princípio, as construções situadas à esquerda da escala

seriam -marcadas, as localizadas à direita seriam +marcadas, e aquelas que orbitam

78 Particularmente, considero difícil de compreender o procedimento de Neves (1999), visto que as “construções livres”, as “construções intermediárias” (com verbo-suporte) e as “expressões cristalizadas” exibem morfológica e sintaticamente o mesmo perfil funcional: verbo transitivo + objeto direto. E semanticamente são interpretadas como um bloco compacto e unitário (unidade lexical). Além disso, considerar dar um riso e ter confiança construções com verbo-suporte apenas porque ainda podem ser “traduzidas” por verbo pleno de semântica similar, “rir” e “confiar”, respectivamente, é metodologicamente insustentável. Vejo mais: por exemplo, a autora classifica o verbo das construções livres, das construções com verbo-suporte, mas nada diz sobre o verbo das construções cristalizadas. Seria mais plausível, a meu ver, descrevê-las todas como construções idiomatizadas(pré-fabricadas) com diferentes graus de lexicalização.

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145

no espaço intermediário seriam ± marcadas. Com isso, quanto maior o grau de

unicidade lexical, menos variação estrutural e funcional a construção exibirá,

configurando um amálgama morfossintático, com sentido e uso pragmaticamente

definidos (cf. seção 4.1.1).

3.3.2 Parâmetros de prototipicidade

Nos estudos filosóficos de Aristóteles, já se observa a preocupação com os

procedimentos de nomear, definir e categorizar. Com o advento da ciência cognitiva,

a visão de categorização do mundo passou por profundas modificações. De fato, a

categorização, antes vista como um processo cognitivo individual, tornou-se um

processo cultural e social de construção da realidade, a partir do qual se organiza os

conceitos.

Desse modo, a informação perceptiva é fundamental na definição das

extensões de uma categoria, pois a categorização, não sendo feita artificialmente,

considera as informações empíricas do mundo. Na categorização, o reconhecimento

das similaridades e diferenças possibilita a criação de um conhecimento novo, pelo

agrupamento de entidades, conforme as similaridades e diferenças observadas

(LIMA, 2007).

Jacob e Shaw (1998, p. 155) afirmam que “a categorização é um processo

cognitivo de dividir as experiências do mundo em grupos de entidades, ou

categorias, para construir uma ordem física e social do mundo”. Esses autores,

baseando-se em Markman (1989), descrevem a categorização como um

mecanismo fundamental que simplifica a interação individual com o ambiente, não

apenas facilitando o armazenamento e a recuperação de informações, mas também

reduzindo a demanda da memória humana.

A propósito, nos círculos de debates lingüísticos, sabe-se que a

categorização lingüística pode ser feita mediante duas fontes. A primeira fonte se

relaciona à Teoria Clássica aristotélica, que predominou nos âmbitos da Lingüística

Estrutural e da Lingüística Gerativa. Para essa teoria, os traços são binários

(positivos ou negativos), podendo as unidades lingüísticas exibi-los ou não. É próprio

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146

dessa teoria postular que as categorias têm limites precisos, excluindo, portanto, os

itens ambíguos.

Lakoff (1987) destaca que a teoria clássica não é o resultado de um estudo

empírico, e afirma que ela não era um assunto de debates. De fato, até

recentemente, o estudo clássico das categorias não desfrutava de autonomia como

teoria. Dessa forma, tratavam-na, na maioria das disciplinas, como uma verdade

definida e inquestionável, e não como uma hipótese empírica.

A segunda fonte de categorização lingüística refere-se à Teoria Natural de

Wittgenstein, que se contrapõe à Teoria Clássica de Aristóteles. Wittgenstein (1953)

observa que as classes possuem limites imprecisos, podendo apresentar vários

tipos de integração. É tanto que, segundo Taylor (1992), o mundo apresenta uma

grande variabilidade. As categorias são, portanto, inumeráveis e expansíveis. Lyons

(1979) também vê com desconfiança a pretensão da validade universal de certos

traços e põe em dúvida o grau de validade cognitiva, pelo fato de a interpretação e

atribuição dos traços semânticos se basearem na introspecção ou intuição do

lingüista e em seus próprios julgamentos culturais.

Na verdade, foi Eleanor Rosch quem primeiro transformou a categorização

em objeto de pesquisa. Em seus trabalhos na década de 70, formulou o modelo de

protótipo baseado na tese de que, se no modelo clássico as categorias são definidas

tão-somente pelas propriedades que todos os membros da classe possuem, então

nenhum membro pode exemplificar a categoria melhor que outro (ROSCH, 1975;

1978). O princípio fundamental deste modelo sustenta que as categorias são

organizadas em torno de protótipos centrais. Um item é considerado como membro

de uma categoria não por ele possuir um determinado atributo ou não, mas por se

considerar o quanto as dimensões desse membro se aproximam das dimensões

ideais de sua classe.

Em outras palavras, um exemplo representativo de uma classe seria aquele

que compartilhasse com os outros membros da categoria do maior número de

características e que, por outro lado, compartilhasse de poucas características (ou

nenhuma) com elementos estranhos à sua classe. De acordo com o modelo de

protótipo, conceitos são representados por um grupo de características, e não por

suas definições. Um novo membro é categorizado como um tipo de conceito se é

suficientemente similar ao seu protótipo. O agrupamento de conceitos em uma dada

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147

categoria se daria, segundo a pesquisadora, não pela alternância dos traços

binários, mas pela semelhança com o protótipo, em que o membro condensasse os

traços mais característicos da categoria (LIMA, 2007, p. 163).

Nesse sentido, tomando como referência a segunda fonte de categorização

lingüística, Givón (1986) desenvolve um estudo sobre a Teoria dos Protótipos79.

Estabelece que um item é apontado como protótipo, quando possuir todos os traços

característicos da sua categoria. Existem outros membros dessa categoria que

compartilham apenas alguns traços comuns e, por isso, são identificados como

elementos periféricos, podendo migrar para outras categorias.

Não obstante, para alguns críticos80, a versão padrão da Teoria dos

Protótipos possui problemas sérios, cuja solução advém da transformação da teoria

padrão em versão prototípica ampliada, sustentada pelo conceito de semelhança de

família, formalizado por Wittgenstein.

Com efeito, os problemas concernentes à Teoria dos Protótipos motivaram

seus formuladores a modificá-la. Dessa forma, a primeira modificação ocorre com a

noção de protótipo. A compreensão de protótipo como exemplar proeminente de

uma categoria permanece, porém, como o protótipo já não exibe uma origem única,

não detém mais o status de entidade fundadora da estrutura categorial, assim

atribuído pela versão padrão. Assim, por manifestar várias origens, a prototipicidade

passa a ser considerada como um efeito. Isso motivou os autores-revisores

(ROSCH, 1978) a falarem mais de graus de prototipicidade do que de protótipo (cf.

KLEIBER, 1990).

Com isso, postula-se que o conceito de semelhanças de família passa a

exercer o papel decisivo na versão revisada. De acordo com esse conceito, os

elementos se vinculam nas categorias de forma lateral e não central. Em outras

palavras: os elementos não se agrupam por força de uma característica comum a

todos eles, mas numa projeção de um a um. Esse fato faz surgir uma cadeia

gradiente, onde o primeiro e o último dos membros, aparentemente, não

79 O estudo da língua, no entanto, segundo Lakoff (1987), impõe restrições tanto à categorização clássica quanto à prototípica. Entre as questões relacionadas à teoria do protótipo padrão, ressalta-se as de que: 1) Rosch apenas estudou a categorização de objetos físicos e do mundo natural, não considerando conceitos culturais; e 2) seus postulados estão fundamentados principalmente na noção de traços distintivos.

80 Hampton (1981), Osberson e Smith (1981), Kleiber (1990), Eysenck e Keane (1990).

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148

compartilham traço algum. A vinculação de cada membro só é identificável mediante

a visualização da cadeia inteira.

Dessa forma, uma organização centrada da categoria, que tem o protótipo

como centro, passa a ser substituída por uma organização colateral de todos os

membros. Veja abaixo o esquema proposto por Givón (1986), que Kleiber utiliza

para ilustrar seu ponto de vista.

Gráfico 3 – Escala de protótipos proposta por Givón

Fonte: Givón (1986, p. 153).

Entretanto, nos estudos lingüísticos o modelo mais difundido da teoria

continua sendo, majoritariamente, a versão padrão. Em razão disso, retomo aqui a

abordagem da teoria padrão de prototipicidade, haja vista que será este o modelo

referencial para análise das ocorrências de SVIs, no Capítulo 4.

Nesse sentido, de acordo com Kleiber (1990, apud LIMA, 2007, p. 164), a

teoria padrão se apóia nas seguintes teses:

a) a categoria tem uma estrutura interna prototípica;

b) o grau de representatividade de um exemplar corresponde ao seu grau de

vinculação à categoria;

c) as fronteiras das categorias ou dos conceitos são imprecisas;

d) todos os membros de uma categoria não apresentam as mesmas

propriedades comuns;

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149

e) o preenchimento de uma categoria se efetua sobre a base do grau de

similaridade com o protótipo;

f) a similaridade não se opera de maneira analítica, mas de modo global.

Nessa perspectiva, por compartilhar traços típicos, um pardal seria o protótipo

da categoria pássaro, a águia seria um membro intermediário e o pingüim, periférico.

Assim, objetos e fatos do mundo também apresentariam propriedades acidentais,

irrelevantes para a categorização (por exemplo, um cachorro pode ser branco,

marrom ou preto), e propriedades essenciais, fundamentais para a categorização

(um cachorro tem patas, cauda e late). Para Lima, a simples combinatória dos traços

essenciais permitiria o mapeamento do mundo, encerrando-se sob o termo

“representação” a idéia de que a mente reflete a estrutura previamente existente no

mundo. E categorias e hierarquias de categorias, segunda essa autora, são a melhor

maneira de organizar o conhecimento para recuperação, pelo motivo óbvio de que a

informação estruturada é mais fácil de ser recuperada do que uma informação

desorganizada.

Os princípios norteadores do modelo padrão de protótipo são apresentados

por Eysenck e Keane (1990, apud LIMA, 2007, p. 164):

a) as características têm uma estrutura baseada num protótipo;

b) não há um conjunto delimitador de atributos necessários e suficientes

(teoria clássica) para determinar a inclusão numa categoria. Embora possa

haver um conjunto de atributos necessários, eles não são suficientes para

a inclusão;

c) os limites das categorias são imprecisos a ponto de alguns membros

poderem pertencer a mais de uma categoria, como acontece, por

exemplo, com o tomate em relação a “fruto” e “vegetal”;

d) os exemplares de uma categoria podem ser ordenados em termos do grau

de tipicidade que possuem. Existe um gradiente de tipicidade entre os

exemplares;

e) a classificação dos exemplares numa categoria é determinada pela

similaridade dos atributos de um objeto com o protótipo da categoria;

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150

f) as categorias são ordenadas, segundo uma hierarquia, em três níveis:

superordenados, básicos, subordinados, por exemplo, “fruta”, “laranja” e

“laranja pêra”. Segundo Rosch et al. (1978) estes níveis refletem a melhor

maneira como cada um pode organizar um conjunto de categorias.

Segundo Costa (2001), Hopper e Thompson (1985) defendem a hipótese de

que a categorização humana não é arbitrária, haja vista ela proceder de instâncias

centrais para instâncias periféricas da categoria, sendo que as instâncias

prototípicas parecem ser mais salientes para os falantes, de acordo com a maioria

das evidências. Com efeito, entidades prototípicas tendem a apresentar traços

“visíveis”, “tangíveis”. Em princípio, esses parâmetros semânticos correspondem às

observações de Brown (1958) sobre a primazia das categorias concretas, tangíveis,

visíveis na aquisição da linguagem pela criança. Também mantêm estreita relação

com a hipótese de Rosch (1973), que instâncias prototípicas de categorias são

adquiridas muito cedo.

Por outro lado, embora tais traços semânticos sejam necessários, eles

parecem ser insuficientes para inserir uma dada forma na sua respectiva classe

lexical. Pois, o conceito de prototipicidade das categorias lingüísticas depende não

apenas das propriedades semânticas verificáveis livremente, mas também, e talvez

mais substancialmente, da função lingüística assumida no discurso. Assim, um nome

prototípico qualquer não é funcionalmente prototípico em todos os contextos de uso.

Ainda segundo Hopper e Thompson (1985), parece que o papel discursivo de

uma forma é o primeiro fator que possibilita sua identidade como um membro central

em oposição aos membros periféricos de sua categoria. Assim sendo, haveria uma

relação icônica direta entre o uso, por exemplo, de um verbo prototípico e o grau

mediante o qual ele serve para reportar um evento discursivo particular.

Portanto, uma forma que é prototípica de sua categoria tenderá a manifestar

todas as características que são representativas dessa categoria e que não sejam

representativas de outra categoria. Essa dupla categorização de prototipicidade tem

importante conseqüência para a teoria icônica da categorização lingüística.

Croft (1990) também vislumbra uma aproximação conceptual e funcional entre

os parâmetros da prototipicidade e os critérios do princípio de marcação. Ele

reconhece que a freqüência textual de um membro categórico satisfaz a definição de

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151

protótipo, que corresponde ao critério de freqüência de marcação. A marca zero dos

membros centrais de uma categoria faz evocar o critério estrutural de marcação

(entidades mais recorrentes são menos marcadas formalmente). A combinação de

valores que define o protótipo é não-marcada, e qualquer outra combinação de

valores é marcada para um maior ou menor grau, dependendo de quão aberta é a

combinação para uma série prototípica de valores. Em muitos casos, entretanto, há

mais de uma combinação não-marcada de valores.

Em outras palavras, não apenas uma combinatória de valores, mas um

conjunto de valores opositivos também forma um protótipo. Essas evidências

fortalecem o argumento de que as unidades semânticas não são discretas e o fato

de pertencer a uma categoria é sobretudo uma questão de grau: os elementos que

se encontram mais distantes do referencial prototípico tendem a parecer imprecisos,

vacilantes.

Nesse sentido, Givón (1984) admite que existe uma vaguidade dos limites das

categorias que permite a extensão pela qual membros menos prototípicos podem

associar-se, por determinação do contexto, do propósito ou da perspectiva. Daí que

as unidades lingüísticas – sintagmas ou orações – consideradas mais prototípicas

são as -marcadas, +econômicas, -complexas, +freqüentes. De modo contrário, as

unidades vistas como menos prototípicas tendem a ser as +marcadas, -econômicas,

+complexas, -freqüentes.

A seguir, para melhor visualização, reúno esses aspectos em forma de

esquema:

Quadro 3 – Categorização dos traços de prototipicidade

UNIDADES TRAÇOS ESTRUTURAIS E CONCEPTUAIS

Prototípicas -marcada -complexa +econômica +freqüente

Não-prototípicas +marcada +complexa -econômica -freqüente

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Convém ressaltar que os dados acima esquematizados devem ser

considerados numa perspectiva tipológica, ou seja, as unidades lingüísticas estão

demarcadas numa escala em cujos extremos encontram-se os exemplares

prototípicos, de um lado, e os exemplares não-prototípicos, do outro. Obviamente,

no espaço intermediário dos extremos orbitam exemplares que ora se aproximam

dos membros centrais, ora se avizinham dos membros periféricos. Isso revela o

caráter dinâmico das unidades lingüísticas, cuja oscilação categorial – em termos

funcionais e conceptuais – tende ao contínuo e incessante deslocamento dessas

unidades no interior dos atos discursivos, acarretando novos valores semânticos e

pragmáticos.

Com efeito, considerando os pressupostos acima mencionados, percebe-se

que um dos critérios mais importantes para a questão dos protótipos tipológicos é a

exclusão completa de membros não-prototípicos da categoria prototípica. Pois que,

como já fora explicitado, quando um membro periférico não manifesta aspectos

comportamentais da categoria prototípica, é possível classificá-lo como pertencendo

a outra(s) categoria(s).

Desse modo, no tocante à questão dos protótipos, Perini (1996) afirma que o

fundamental é compreender que existem casos desviantes, que precisam ser

descritos em particular, visto que a análise global não contempla. Ele ainda sugere

que o estudo dos protótipos não se limita apenas às classes de palavras e de

formas, mas se estende também às funções sintáticas.

Esse argumento do lingüista brasileiro vem respaldar a minha intenção de

abordar o fenômeno dos SVIs sob a perspectiva da prototipicidade, em sua versão

padrão. Tentarei identificar qual tipo de verbo é mais recorrente na formação regular

dos SVIs, e qual estrutura morfossintática do SN resulta como mais prototípica no

conjunto dos dados analisados.

Esta análise se baseará em pressupostos cognitivo-funcionais que, como se

sabe, em oposição a outros suportes teóricos, consideram os construtos idiomáticos

como elementos centrais que repercutem na produção e compreensão lingüística.

Como se pode comprovar no Capítulo 4 deste trabalho, os construtos idiomáticos se

constroem mediante processos de metaforização (LAKOFF; JOHNSON, 1980).

Também se comprova, seguindo a Teoria de Protótipos, que existem construtos

mais centrais, isto é, aqueles que se aproximam mais do protótipo e, por outro lado,

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153

existem outros mais periféricos, que não compartilham todas as características

definidoras do protótipo.

Dito isso, concordo com Kleiber (1990) que, mesmo sendo um crítico da

versão padrão, reconhece a Teoria dos Protótipos e seus princípios como um amplo

campo de aplicação, pois não só domina toda a semântica léxica, mas também é

aplicável a todo fenômeno que implique uma categorização. Há, segundo esse

autor, diferentes campos nos quais pode ser aplicado o conceito de protótipo:

gramática cognitiva, fonética, morfofonologia, sintaxe, etc.

Entretanto, há quem advogue que as explicações81 propostas pelos modelos

clássicos e de protótipo não são ainda consideradas satisfatórias. Consideram ser

muito difícil estabelecer linhas claras entre os pontos de vistas de cada modelo e os

pontos que são mais satisfatórios. Por um lado, o modelo clássico tem dificuldades

em explicar os efeitos da tipicidade; por outro, os modelos alternativos não são

capazes de explicar satisfatoriamente a organização das categorias, ou seja, o que

faz com que as categorias sejam psicologicamente coesas. Talvez as diferentes

naturezas das categorias resultem em tipos diferentes. Pode ser que existam

categorias que se adequam melhor ao modelo clássico e outras, ao modelo de

protótipo. Uma solução híbrida combinando o aspecto central com um processo de

identificação do conceito poderia ser considerada a mais eficiente na categorização

como um processo cognitivo.

Em suma, ao invés de conclusivo, o presente estudo82 aponta para a

necessidade de um avanço das pesquisas nesta área, no intuito de poder vislumbrar

explicações mais consistentes para as estratégias de como as pessoas formam e

utilizam as categorias.

81 Osberson e Smith (1981), nessa visão crítica, argumentam que a teoria do modelo de protótipo não pode explicar as condições pelas quais os conceitos complexos (por exemplo, o conceito “peixe de aquário”) são aparentemente compostos de conceitos simples. Assim sendo, esses autores propõem uma teoria híbrida, na qual a categorização continue a necessitar de um conceito nuclear, na linha do modelo clássico de conceitos e na qual esse aspecto central deve ser combinado com um processo de identificação. Na concepção de Osberson e Smith (1981, p. 55), uma teoria híbrida é importante porque “a habilidade para construir pensamentos e conceitos complexos a partir de algum armazenamento básico de conceitos parece se encontrar perto do coração da atividade mental humana”.

82 Discussões à parte, reafirmo: neste estudo adoto os postulados da Teoria dos Protótipos em sua versão padrão, cujos postulados continuam a orientar a maioria dos especialistas em pesquisas lingüísticas de natureza cognitivo-funcional.

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154

A seguir, procuro estabelecer, com base nos estudos de Goldberg (1995), os

padrões sintático-semânticos das construções com SVIs e, fundamentado em Du

Bois (1985), Thompson e Hopper (2001) e Furtado da Cunha (2007), entre outros,

procedo à identificação da estrutura argumental preferida (EAP) dessas construções

idiomatizadas.

3.3.3 Construção gramatical e estrutura argumental

3.3.3.1 Construção gramatical

Em 1995, a Gramática das construções (GC), de base cognitivista, é

implantada por Adele Goldberg. Essa teoria lingüística prioriza a natureza da

competência comunicativa do falante, analisando a integração entre estruturas

lingüísticas e processos cognitivos, estando focada, essencialmente, no ser humano.

Na GC, a unidade básica é a construção gramatical, definida como uma

correspondência entre parâmetros de forma (incluindo informações lexicais,

sintáticas e morfofonológicas) e parâmetros de significado (incluindo informações

semânticas e pragmáticas).

Eis as hipóteses básicas da GC (apud JESUS, 2005):

1. a continuidade essencial entre léxico e gramática (sintaxe), pois ambos

constituem pares forma-sentido;

2. a indissociabilidade entre Semântica e Pragmática;

3. o caráter gerativo da gramática – análise e explicação dos elos entre as

construções centrais e as "periféricas" e "residuais", aplicando-se os

mesmos princípios (motivação e herança);

4. a monoestratalidade da gramática – um único estrato analítico para léxico

e gramática em sua constituição sintático-semântico-pragmática, sem

derivações e transformações.

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Desse modo, morfemas, palavras, sintagmas e orações são construções,

visto que são configurações de forma pareada a um significado e distinguem-se

apenas no tocante à complexidade interna.

Convém ressaltar, nesse ínterim, que Goldberg, em suas pesquisas sobre

construções gramaticais, difere dos trabalhos de Langacker (1987) e Fillmore (1990).

Para Langacker (1987), uma construção gramatical consiste numa integração bipolar

de duas ou mais estruturas componentes, visando formar uma expressão compósita.

Nesses casos, ele reconhece que a maioria dos componentes são simbólicos por

natureza: as estruturas componentes, a integração aos dois pólos (sintático e

semântico) e, inclusive, a estrutura compósita resultante dessa integração, de modo

que a construção gramatical se configura como um conjunto de categorias

complexas representadas numa rede esquemática.

A propósito, o conhecimento que o falante dispõe diz respeito não somente

ao esquema, mas aos subesquemas, o que lhe permite estabelecer diversas

relações com a rede esquemática. Trata-se, portanto, de uma abordagem que

oferece uma compreensão da língua em que se tem estabelecida uma rede de

esquemas inter-relacionados e, a partir daí, estrutura-se outras redes. A mente seria,

então, um repertório de esquemas inter-relacionados de que os falantes se valem

para estabelecer outras relações que lhes permitem compreender eventos e

estruturas lingüísticas novas (LEITE, 2006).

Por outro lado, Fillmore (1990) reconhece a gramática como repertório de

fontes formais que habilitam o falante a produzir ou entender qualquer expressão

lingüística em seu próprio vernáculo. Entretanto, diferentemente de outras

abordagens, Fillmore adota a idéia central de que a informação ou o conhecimento

que os falantes têm de gramática pode ser analisado em partes que se combinam,

as quais ele denomina de construções. As descrições dos planos ou padrões que

organizam as palavras e sentenças – construções – sempre incluem informações

sobre a forma lingüística (informação sintática) e sobre o sentido (informação

semântica), bem como informações lexicais e pragmáticas, ou seja, as relacionadas

com o uso corrente das formas lingüísticas (LEITE, 2006).

Noutra linha de entendimento, Goldberg (1995) oferece um enfoque mais

amplo. A autora aborda a relação entre os pólos sintático e semântico e procura

estabelecer um paralelo entre as percepções sensório-motoras humanas mais

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básicas e as construções mais usadas na língua, focando as relações que elas

(percepções e construções) estabelecem entre si, para formar uma rede de

relacionamentos.

Dessa forma, Goldberg afirma que a abordagem construcional rejeita o

pressuposto de que é possível segmentar a gramática em componentes separados

– o léxico e o sintático. Na verdade, segundo essa autora, não há divisão estrita

entre o léxico e a sintaxe. Esses dois componentes interagem fortemente no

processo de construção das expressões lingüísticas. Com isso, construções lexicais

e construções sintáticas diferem em complexidade interna e na extensão específica

de suas formas fonológicas, mas ambas são essencialmente o mesmo tipo de

estrutura: constituem um par forma com significado.

Goldberg (1995, apud JESUS, 2005, p. 145) postula como hipótese que as

construções não formam um conjunto aleatório, no entanto constituem uma rede

organizada por relações de herança que motivam as propriedades das construções

particulares. A partir daí, a herança permite capturar não só generalizações, mas

também as prováveis exceções e irregularidades das construções. A autora

apresenta alguns princípios relevantes à organização da linguagem:

1. Princípio da motivação maximizada – se uma CA relaciona-se com uma

CB, o sistema de CA relaciona-se semanticamente com a CB.

2. Princípio da não sinonímia – se duas construções são sintaticamente

distintas, elas devem-se diferenciar semântica ou pragmaticamente.

3. Princípio da expressividade maximizada – o repertório de C será

maximizado do ponto de vista da suficiência comunicativa.

4. Princípio da economia maximizada – o repertório de C será referenciado

pelas necessidades comunicativas, não as excedendo.

As relações de motivação, sintáticas e semântico-pragmáticas, podem ser

capturadas a partir da identificação de “links de herança”, os quais possibilitarão a

determinação das diferenças e das semelhanças entre construções relacionadas,

isto é, entre redes. Goldberg (1995) propõe quatro tipos de links, descritos a seguir:

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Polissemia (LP) captura a natureza da relação semântica entre um sentido

particular de uma construção e qualquer extensão.

Subparte (LS): uma construção é subparte de uma outra, existindo

independentemente.

Extensão metafórica (LM): duas construções são relacionadas

metaforicamente se a semântica da construção dominante for mapeada na

semântica da construção dominada.

Instanciação (LI): uma construção é motivada por outra construção (pode

haver associação com outras construções, ou seja, múltipla herança).

O nosso ponto de partida coincide, portanto, com o da Gramática de

Construções (GOLDBERG, 1995) em que, por um lado, os verbos envolvem uma

detalhada descrição dum marco conceptual (frame), e por outro lado, as construções

mais esquemáticas possuem o seu próprio significado abstrato em parte

independente dos elementos léxicos que instanciam o esquema.

Cada construção oracional codifica como seu sentido central uma cena

básica da experiência humana, por exemplo, alguém transferindo algo a alguém,

alguém fazendo algo mover-se, alguém modificando o estado de algo, algo

movendo-se, alguém experienciando algo, etc.

Nessa perspectiva, Goldberg (1995) descreve cinco tipos de construções

básicas, constituídas a partir da associação entre uma estrutura argumental básica e

uma cena dinâmica, básica à experiência humana. As construções83 e sua

semântica básica são:

1. Construção bitransitiva

Significado básico: X CAUSA Y RECEBER Z Configuração sintática: Sujeito + Verbo + Objeto1 + Objeto2 Exemplo: Pat faxed Bill the letter.84

83 No Capítulo 4, a partir da análise dos dados de fala, pode-se verificar que tipos de construções são mais recorrentes na formação dos SVIs.

84 Pela dificuldade de fazer corresponder, de modo adequado e equivalente, uma tradução em português para os exemplos dados por Goldberg, preferi usá-los na versão original (inglês).

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2. Construção de movimento causado

Significado básico: X CAUSA Y MOVER-SE PARA Z Configuração sintática: Sujeito + Verbo + Objeto + Obl Exemplo: Pat sneezed the napkin off the table.

3. Construção resultativa

Significado básico: X CAUSA Y TORNAR-SE Z Configuração sintática: Sujeito + Verbo + Objeto + Xcomp. Exemplo: She kissed him unconscious.

4. Construção de movimento intransitivo

Significado básico: X MOVE-SE EM Y Configuração sintática: Sujeito + Verbo + Obl Exemplo: The fly buzzed into the room.

5. Construção conativa

Significado básico: X DIRECIONA UMA AÇÃO PARA Y Configuração sintática: Sujeito + Verbo + Oblat

Exemplo: Sam kicked at Bill.

Analisando os padrões oracionais básicos do inglês, Goldberg ressalta a

importância de uma abordagem bottom-up (do item lexical para a construção) e top-

down (da construção para o item lexical), uma vez que os significados da construção

e do verbo interagem. A construção contribui para a semântica do verbo, do mesmo

modo que o verbo contribui para a semântica da construção. Isto é, a

compatibilidade de um verbo em uma construção específica determina a atualização

de um sentido do verbo, ao mesmo tempo em que o sentido do verbo instanciado

completa a significação da construção.

A semântica do verbo especifica papéis participantes (referentes aos

participantes da cena evocada pelo verbo), enquanto a construção especifica papéis

argumentais (referentes aos papéis temáticos, como agente, paciente, alvo, etc.). O

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verbo lexicalmente perfila as entidades obrigatoriamente presentes na cena que ele

evoca. Segundo Goldberg, as construções podem

(i) especificar de que modo os verbos combinam-se com elas;

(ii) restringir a classe de verbos que pode ser integrada com elas;

(iii) especificar o modo como o tipo de evento designado pelo verbo integra-se

no tipo de evento designado por elas.

Tendo isso em vista, é correto dizer que vender compatibiliza com a

construção bitransitiva porque o evento designado por vender encerra uma

transferência. Em outras palavras, o tipo de evento designado pelo verbo é uma

instanciação do tipo de evento mais geral designado pela construção.

A integração entre verbos e construções é governada por dois princípios:

Princípio da Coerência Semântica: apenas papéis que são

semanticamente compatíveis podem fundir-se.

Princípio da Correspondência: cada papel participante que é

lexicalmente perfilado e expresso deve ser fundido com um papel

argumental da construção.

Dessa forma, pretendo aplicar a noção de construção associada à noção de

estrutura argumental, que será explicitada a seguir.

3.3.3.2 Estrutura argumental

A terminologia estrutura argumental preferida (EAP) foi utilizada por Du Bois

(1985) para definir, no âmbito gramatical e pragmático, o perfil estrutural dos verbos

no sacapulteco, língua maia. A EAP reflete, pois, os arranjos gramaticais dos

argumentos que são estatisticamente mais freqüentes nas cláusulas85 produzidas

durante as atividades discursivas (FURTADO DA CUNHA; COSTA, 2001).

85 Emprego o termo cláusula como equivalente de oração.

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Na verdade, baseando-se em Oliveira (2007, p. 28), sabe-se que

a noção de Estrutura Argumental provém da filosofia, em que era concebida, de acordo com Frege, como um instrumento para a formulação do ‘pensamento puro’, usado precisamente para descrever os significados proposicionais em termos lógicos. Os lingüistas se apropriaram do conceito para seus propósitos e, em vista de seu interesse intrínseco pela linguagem, o ponto focal é a relação da estrutura argumental com a organização da expressão lingüística. Em princípio, a noção de estrutura argumental diz respeito às relações semântico-gramaticais que se estabelecem entre um predicado – tradicionalmente o Verbo – e seus complementos ou argumentos – o Sujeito e o Objeto. Mais recentemente, a complexidade da estrutura argumental vem sendo posta em evidência em vários modelos da teoria lingüística.

Seguindo Furtado da Cunha e Costa, a estrutura argumental – a relação entre

verbo e seus argumentos –, tem sido uma questão central nas investigações

gramaticais das línguas humanas. Para esses autores, parece haver uma forte

tendência nos textos para se manter um limite de um SN pleno (nome ou pronome)

por cláusula. Com isso, nas cláusulas ativas semanticamente intransitivas, esse SN

é preenchido geralmente pelo sujeito. Nas cláusulas ativas semanticamente

transitivas, o objeto preenche o SN. A preferência pelos argumentos sujeito da

intransitiva e objeto da transitiva se explica, conforme Du Bois, em razão de serem

esses argumentos os que introduzem informação nova no discurso. Inclusive,

pesquisas86 constatam a hipótese de que os falantes utilizam mais freqüentemente

um dado tipo de cláusula ou estrutura argumental, considerando a dimensão

gramatical (número e tipo de argumentos presentes) e a dimensão pragmática

(status informacional do argumento presente).

Dessa forma, a configuração dos argumentos do verbo na EAP é a seguinte:

o sujeito intransitivo (S) e o objeto transitivo (O) são tratados de uma mesma

maneira, ao passo que o sujeito transitivo (A) é tratado de forma diferente (DIXON,

1979, apud ANTONIO, 2007). A EAP é composta por quatro restrições, duas de

ordem gramatical (evite mais de um argumento lexical por oração e A não lexical) e

duas de ordem pragmática (evite mais de um argumento novo por oração e A não-

novo).

86 Em português, aponto as pesquisas de Dutra (1987) e Furtado da Cunha (1989).

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Em orações cujos verbos apresentam dois argumentos, as restrições

desfavorecem a introdução de informação nova (veiculada lexicalmente) pelo

argumento A. Assim, a informação nova deve ser introduzida, nessas orações, pelo

argumento O. O constituinte mais complexo (o que traz informação nova), portanto,

geralmente se posiciona no final da oração, uma vez que a posição do argumento O,

no português brasileiro, é após o verbo.

De acordo com os aportes cognitivo-funcionais desta pesquisa, os padrões

gramaticais estão estritamente relacionados aos tipos de estrutura discursiva. Nesse

sentido, esta investigação prioriza os modos efetivos de organização das orações no

processamento interativo da comunicação. Para isso, é preciso desconsiderar a

concepção de que verbos/predicados estão submetidos, a priori, a estruturas

argumentais ou valência fixas. Com respaldo em Furtado da Cunha (2007), sou

partidário da idéia, corrente na lingüística contemporânea, de que verbos são

listados no léxico como molduras (frames) que especificam os argumentos

obrigatórios e os argumentos opcionais.

De fato, a estrutura argumental de um verbo especifica gramaticalmente

quantos nomes vão acompanhá-lo, e que papéis vão desempenhar, na cláusula

(CHAFE, 1979; FILLMORE, 1977). De um ponto de vista cognitivo, uma estrutura

argumental nada mais é do que uma estrutura de expectativas desencadeadas pelo

verbo (DU BOIS, 2003). Assim sendo, a EAP é a configuração dos argumentos mais

amplamente utilizada pelos falantes. Segundo Du Bois (1985, p. 349), “não é uma

estrutura do discurso, mas uma preferência por uma estrutura sintática”.

Nesta pesquisa, adoto a noção de estrutura argumental sintática, como

equivalente de valência. A estrutura argumental de um verbo representa, então, o

número de argumentos que ele pode (argumento opcional) ou deve tomar

(argumento obrigatório). O termo argumento identifica qualquer elemento sintático

vinculado ao verbo. Com base em Furtado da Cunha (2007), estrutura argumental e

valência referem-se ao mesmo fenômeno.

No tocante a predicados sem estrutura argumental, Thompson e Hopper

(2001) argumentam que corpora de conversações do dia-a-dia registram muitas

expressões lexicalizadas, sendo (de)codificadas como unidades pré-fabricadas que

não se submeteriam a uma análise baseada em verbos com padrões prototípicos.

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Em português, cito, como exemplos, as expressões dar uma mão, ter medo, perder

a esperança.

Com isso, é possível observar que determinados verbos podem exibir uma

estrutura argumental rígida, cristalizada, cujo domínio de uso e sentido evitaria

transtornos de interpretação do enunciado produzido. Embora, para Furtado da

Cunha (2007, p. 120), “o modo como os verbos se combinam com nomes não é uma

propriedade estável dos itens no léxico mental, mas um fato altamente variável.

Nessa perspectiva, não há espaço para estruturas argumentais fixas ou rígidas”.

Com efeito, as construções complexas de V + O abrangem um sem-número

de expressões lingüísticas, dentre as quais destaco as formadas por verbos leves

(SCHER, 2006) ou por verbos-suporte (cf. BORBA, 1996; NEVES, 2000). Os verbos

participantes dessas construções complexas se combinam com um nome que

funciona como núcleo do predicado, enquanto o verbo esvazia-se de significado

lexical, exibindo as marcas categoriais de tempo, modo, etc.

Para Furtado da Cunha (2007, p. 127),

não se pode analisar a estrutura argumental sem deparar com construções desse tipo ou sintagmas verbais fixos, idiomatizados, o que constitui um problema para qualquer análise. Parece não haver critérios bem estabelecidos que diferenciem as construções com verbo-suporte do tipo que estou denominando complexo V + Objeto das construções que também apresentam verbo semanticamente esvaziado + objeto, que podem corresponder a verbos simples, mas que são tidas como expressões cristalizadas ou idiomatizadas por alguns autores, como fazer questão, fazer sucesso (cf. NEVES, 2000).

Todavia, é preciso reconhecer a existência de motivações externas à língua,

isto é, existe alguma relação de similaridade entre forma e conteúdo, e saber que a

gramática não é autônoma. Em outras palavras, deve-se considerar que “os padrões

não se impõem ao uso, mas, pelo contrário, os usos estabelecem padrões” (NEVES,

2003, p. 34).

Posto isso, enfatizo que esta análise pretende ser uma alternativa de

contraposição à concepção do significado sentencial como resultado da soma dos

significados de seus itens lexicais, ou seja, é uma resistência ao princípio da pura

composicionalidade. A análise dos dados desta pesquisa visa demonstrar, em

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primeiro plano, que os construtos idiomáticos (SVI) integram uma rede de

construções em que é possível depreender-lhes o caráter de regularidade,

analisabilidade e produtividade.

No estudo das construções, diversos teóricos elegem a análise processual

para a construção do significado, considerando o processo cognitivo de mesclagem

como crucial para o equacionamento de uma gramática das construções. Em

síntese, propõem que uma abordagem construcional deve ser capaz de caracterizar

toda a classe de construções existentes no repertório de uma língua.

Mandelblit (1997, apud JESUS, 2005) assume que o processo (icônico) de

integração lingüística ocorre paralelamente ao processo de integração conceptual.

Já Salomão (2003) enfatiza o contexto e a mesclagem como imprescindíveis para

explicar e interpretar, principalmente, as construções inéditas. Em seus termos,

existem criações lingüísticas cuja descrição seria impossível se mantido o

tratamento tradicional de composicionalidade.

Nesse sentido, através da postulação da rede de SVIs, as complexas

operações de integração conceptual e formal nesses construtos idiomáticos podem

ser pistas nítidas do poder criativo e imaginativo da mente humana, manifesto na

linguagem. Convém registrar que essa evidência contribui para desmistificar as

construções de SVIs como expressão de pobreza imaginativa e vocabular da

maioria dos falantes.

3.3.4 Plano discursivo: figura-fundo

Segundo Martelotta (1998), figura e fundo são instrumentos analíticos

construídos com base na psicologia da Gelstalt por Paul Hopper. Hopper (1979)

formulou a categoria plano discursivo, dividindo-a em figura (foreground) e fundo

(background), com aplicação imediata e exclusiva em textos narrativos. Para esse

autor, as narrativas se organizam em dois planos distintos e complementares.

Em um primeiro plano – figura –, situam-se os eventos principais, mais

salientes cognitivamente, alvo do foco narrativo. Tais eventos são organizados

hierarquicamente, seguindo o reflexo da realidade do mundo físico-social,

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evidenciando, assim, a iconicidade entre expressão lingüística e conteúdo

experiencial. Em segundo plano – fundo –, tem-se o espaço narrativo das

informações adjacentes ao foco, a saber, dados complementares sobre o cenário

onde acontecem os eventos centrais da narrativa.

Com efeito, a maioria dos trabalhos sobre a distinção entre figura e fundo se

destina à análise do discurso narrativo. Entretanto, a narrativa não é o único tipo de

discurso cujo enfoque sobre a informação de primeiro plano deva ser considerado.

Martelotta (1998) ainda alude às diferenças entre o relato de opinião e a narrativa,

sob a perspectiva analítica da categoria figura-fundo.

Em estudo de Haido (1996), a organização discursiva em entrevistas

jornalísticas é analisada mediante o enfoque da relação figura-fundo. Essa autora

ainda examina a aplicação dessa categoria analítica nos textos de descrições de

local.

Todavia, atualmente se observa uma tendência de não mais se trabalhar com

a concepção dicotômica de figura e fundo. Já existem algumas pesquisas87 que

evidenciam a necessidade de redefinir a categoria plano discursivo em termos

escalares, num continuum onde os “pólos seriam a superfigura, do lado mais

saliente ou relevante, superfundo, do lado mais difuso ou vago” (FURTADO DA

CUNHA; COSTA; CEZARIO, 2003, p. 42).

Nesse sentido, em consonância com a postura de Martelotta (1998), que

sinaliza ser possível dar uma dimensão maior à distinção figura/fundo, deixando de

relacioná-la apenas à narrativa, pretendo adaptar as características dessa categoria

na descrição dos SVI nos registros de fala selecionados do corpus desta pesquisa.

3.3.5 Motivação metafórica

Durante séculos predominou uma suposição, baseada em teorias tradicionais,

de que a mente humana é literal, responsável pela objetividade e veracidade na

representação simbólica dos referentes do mundo físico-social.

87 Ver Tomlin (1987), Silveira (1991).

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Nessa visão tradicional, a linguagem poética seria oriunda do coração. A

natureza estética dos textos poéticos – a discursividade metafórica – estaria

intimamente condicionada às palpitações emocionais do coração, fonte primeira dos

sentimentos humanos.

Dessa forma, a princípio, impunha-se fortemente a distinção entre linguagem

poética ou literária e a linguagem comum. A partir dessa visão dicotômica, a

metáfora era vista como recurso exclusivo da linguagem dos poetas (literatos),

cabendo às outras pessoas comuns (povo) o uso coletivo da linguagem vernacular,

o linguajar comum cotidiano (LIMA, 1999).

Certamente, a dicotomia metafórico/literal já está posta na Grécia antiga, pela

filosofia platônico-aristotélica. Platão fazia uso, conscientemente, de abundantes

alegorias, analogias, metáforas em seus discursos. Mas, em princípio, foi Aristóteles,

nos livros Retórica e Poética, quem primeiro estabeleceu, de modo mais didático,

algumas definições sobre metáfora (“a metáfora consiste no transportar para uma

coisa o nome de outra”). Assim, Aristóteles teria dado início à tradição que concebe

a metáfora enquanto um uso desviante da linguagem em oposição a um uso normal

e comum.

Em nossos dias, tal concepção ainda se mantém vigente em alguns círculos

de estudos lingüísticos. Contudo, muitos estudiosos da linguagem têm formulado

críticas rigorosas a essa suposta concepção aristotélica. Sustentam uma posição

que compreende a metáfora não como um instrumento na organização discursiva.

Ao contrário, a metáfora estaria na origem e no fundamento da linguagem, e teria

primazia sobre o plano literal.

Nesse sentido, durante o crescimento de uma criança, pode se observar que

ela usa a linguagem para se referir a objetos ou pessoas concretas. Seu primeiro

léxico constitui-se de palavras designativas de referentes próximos e tangíveis (pai,

mãe, água, etc.). Com o passar do tempo, adquirindo maturidade social e lingüística,

ela amplia seu restrito vocabulário, inserindo novos registros lexicais com base nas

famílias de objetos (fruta, comida, roupa, etc.). A tendência, com o avançar da idade,

é a criança combinar ou associar essas famílias de objetos com outras famílias de

objetos, nos processos de designação das inúmeras experiências humanas,

passando de um nível concreto a um nível abstrato de representação conceptual. Ao

comentar, por exemplo, que “o professor é um pai para mim”, a criança estaria

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conjugando famílias de objetos diferentes, fazendo uso, portanto, da metáfora

(ALVES, 2006).

Descobrindo primeiro as palavras e a linguagem, para referir e designar os

objetos e pessoas do seu convívio social imediato (família), a criança – no compasso

contínuo e progressivo de seu desenvolvimento intelectivo-cultural – alcança o

estágio de compreensão que lhe permite interpretar que as palavras também

constroem os próprios objetos.

Isso posto, importa entender que a linguagem não é tão-somente um veículo

de conhecimento, mas também o encontro da experiência humana com o mundo

real. É exatamente nesse confronto de paradigmas que a Lingüística Cognitiva vai

estabelecer as bases para descortinar as nuances que envolvem a metáfora.

Como foi mencionado antes, a metáfora sempre recebera um tratamento sob

o enfoque da criatividade poética, vista enquanto figura de estilo. Contudo, para a

Lingüística Cognitiva, a metáfora se constitui num processo cognitivo. Em função

disso, interessa-lhe a metáfora literária, mas sobremaneira a metáfora que emana

da linguagem cotidiana. São as “metáforas mortas”88 – cujo sentido foi totalmente

apreendido pelos falantes de determinada comunidade, que se tornam objeto de

estudo pelos pesquisadores filiados à ciência cognitiva. A metáfora, com a LC,

deixou o mundo exclusivo das palavras e do seu jogo artístico para se situar no

mundo dos pensamentos (ALVES, 2006).

A percepção de que a linguagem é impregnada de metáforas levou muitos

estudiosos a adotarem uma nova visão da mente. A metáfora passa a ser concebida

como elemento importante no processo de entendimento da própria compreensão

humana e não mais como um mero ornamento do discurso (LAKOFF; JOHNSON,

1980).

Cabe ressaltar que a função da metáfora, portanto, é estender as

capacidades de comunicação e conceitualização do ser humano. A metáfora é um

instrumento que incorpora e transporta conhecimentos relevantes e centrais numa

88 A “metáfora morta” equivaleria a uma simples expressão que não tem mais uso metafórico. Assim sendo, um leitor competente do inglês não compreenderia a expressão familiar “falling in love” (estar/ficar apaixonado) como uma metáfora (BLACK, 1979). Igualmente, um falante de português não recupera mais a transferência analógica (metafórica) do SVI “morrer de fome”, que soa como uma expressão comum e literal.

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dada cultura, sendo responsável pela redução da distância entre argumentos lógicos

e emocionais no plano da produção verbal.

Sob a ótica cognitivista, as metáforas são mapeamentos entre domínios

conceituais: a passagem de um domínio fonte para um domínio alvo. Na interação

verbal, o falante transporta seus conhecimentos e inferências da fonte para o alvo.

Fazendo uma leitura de Lakoff e Turnner (1989), Cançado (2005, p. 100)

afirma que “as metáforas nos permitem entender um domínio de experiência em

termos de outro.” Essa autora enumera, ainda, uma série de metáforas comuns, na

tentativa de mostrar a relevância desse fenômeno na linguagem cotidiana. Adaptado

diretamente de Lakoff e Johnson (1980), Cançado expõe um grupo de metáforas

espaciais, associadas à orientação para baixo – para cima. Observe alguns

exemplos:

(44) Eu estou para cima hoje. Eu estou de alto astral. (Feliz é para cima)

(45) Hoje eu estou me sentindo para baixo. (triste é para baixo)

(46) Ela é uma cidadã de alta categoria. Ela é uma pessoa de alto valor. (virtude é

para cima)

(47) Ele é um cidadão de baixa categoria. Ela é baixa em seu comportamento.

(depravação é para baixo)

Essas metáforas, segundo Lakoff e Turnner (1989), parecem ser baseadas

em nossa experiência corporal de deitar e levantar e associações com as noções de

consciência, saúde, poder, entre outras. Esses autores também identificam um

conjunto de características que funcionam como propriedades sistemáticas da

metáfora: convencionalidade, sistematicidade, assimetria e abstração.

A convencionalidade está relacionada ao grau de novidade da metáfora. Eis

alguns exemplos89:

(48) O candidato voou no concurso.

(49) O computador nos prende em suas janelas.

89 Exemplos meus inspirados em Cançado (2005).

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Em (48) temos um caso de metáfora mais velha que em (49). O exemplo (48)

já se tornou uma expressão fossilizada ou uma metáfora morta (SEARLE, 1979).

Todavia, para os autores cognitivistas, prevalece um entendimento contrário a essa

posição, quando argumentam que as metáforas comuns e familiares podem ser

renovadas, revitalizadas, preservando o seu status metafórico.

A sistematicidade refere-se a uma associação não apenas entre um conceito

e outro, mas entre vários dos conceitos participantes do campo semântico

concernente ao domínio alvo e ao domínio fonte (CANÇADO, 2005). A partir da

metáfora cristalizada tempo é dinheiro, muitos dos conceitos relacionados a noções

financeiras são transferidos para os conceitos que envolvem tempo. Veja alguns

exemplos90.

(50) Esta casa me custou metade de minha vida.

(51) O pai investiu muito no futuro dos filhos.

(52) Estou perdendo tempo com esse carro enguiçado.

(53) Aproveitei o feriado para adiantar meu relatório.

(54) Com o computador, economizei horas de trabalho.

A assimetria se refere à natureza direcional da metáfora. As comparações

entre dois conceitos não são simétricos, visto que a metáfora provoca tão-somente

uma transferência de propriedades da fonte para o alvo. Pode-se ilustrar essa

trajetória com a metáfora a vida é uma viagem. Nessa metáfora, o mapeamento é

assimétrico e funciona em uma única direção: da viagem para a vida. Não se realiza

a direção contrária, da vida para a viagem. Formulo, com base em Cançado (2005),

alguns casos91:

(55) A sua informação é meu ponto de partida.

(56) Aposentado, agora deseja navegar em outros mares.

(57) Cansado de lutas, achava que já ultrapassara o fim da estrada.

90 Exemplos também adaptados de Cançado (2005). 91 Idem.

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169

A abstração se relaciona com a falta de simetria no processo metafórico. É

ponto consensual entre os estudiosos conceber a noção de que uma metáfora típica

usa uma fonte mais concreta para descrever um alvo mais abstrato.

Consequentemente, é muito mais concreta a experiência comum de se locomover,

fisicamente, de um lugar para outro no espaço geográfico, do que a fantástica e

mais abstrata experiência de nascer, viver, envelhecer, morrer.

Na visão de Cançado (2005, p. 103), “esse ponto de vista do concreto para o

abstrato permite relacionar as metáforas a um papel central de organizadora de

novos conceitos e organizadora de experiências”. Na verdade, contudo, há a

tendência na língua de ocorrer também metáforas em que a fonte e o alvo podem

ser igualmente concretos ou abstratos.

Sendo assim, os domínios integrados equivalem a conhecimento lingüístico,

enciclopédico, social, etc., dos quais se extraem os inputs para a mesclagem92.

Podem ser eventos, atividades, papéis sociais, etc. Na linguagem, há significados

produzidos a partir de irradiações de conceitos já existentes. A expressão “vírus de

computador”, por exemplo, advém de se saber que o organismo humano (domínio

biológico) pode ser atacado por vírus, que vai provocar-lhe alguma doença e/ou

dano. A metáfora conceptual CORPO É MÁQUINA nos possibilita “ver” o

computador (máquina) como organismo. Mesclando tais conhecimentos, temos a

metáfora COMPUTADOR É ORGANISMO, que permite uma nova projeção: a

expressão lingüística “vírus de computador”. Tal expressão referencia um tipo de

programa destinado a danificar os dados armazenados no sistema (domínio de

artefato) de modo a comprometer sua integridade, assim como acontece com o

organismo humano vitimado por uma doença virótica. Nesta mesclagem, ocorre um

processo de integração multidirecional, bem distinto do processo de integração

composicional linear (cf. JESUS, 2005).

Feitas essas considerações acerca do estatuto da metáfora, adianto que os

pré-fabricados lingüísticos do tipo SVI – alvo desta pesquisa – serão submetidos à

92 A mesclagem (blending, em FAUCONNIER, 1997) é entendida como uma operação cognitiva genérica que está presente nos diversos processos criativos (arte, construções lingüísticas, etc.). Tal processamento implica esta configuração: dois domínios de conhecimento (Inputs 1 e 2); um terceiro domínio, o espaço genérico, que reflete as estruturas dos dois inputs, definindo a correspondência entre esses espaços; e um quarto domínio, o espaço mescla, que combina propriedades de ambos os inputs, mas também apresenta propriedades originais e organização estrutural própria, que é a sua estrutura emergente (FAUCONNIER, 1997; MIRANDA, 2000).

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170

análise das motivações semânticas e pragmáticas. Para isso, é preciso descrever as

configurações morfossintáticas (construções e estrutura argumental) projetadas pelo

processo de metaforização, considerando a natureza prototípica e o caráter de

figuratividade dos SVIs nos vários tipos de textos do corpus foco desta pesquisa.

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171

4 ANÁLISE DOS DADOS

Hora de botar a mão na massa.

Neste capítulo, procedo à análise de natureza interpretativa do fenômeno em

foco sob o suporte dos princípios teórico-metodológicos arrolados no capítulo

precedente. Com base na descrição dos dados de fala, selecionados junto ao corpus

integrante desta pesquisa, construo um conjunto de leituras sobre os SVIs

inspiradas nos créditos de estudiosos da área, mas, em parte, condicionadas

sobretudo à minha liberdade intuitiva93.

E é nesta perspectiva teórica – abordagem da linguagem em uso – que

pretendo descrever os SVIs, tomando como premissas as evidências de que esses

construtos idiomáticos são recorrentes na comunicação cotidiana, constituídos

basicamente de V + O que ingressam, como expressões compósitas, no léxico94

vernacular de uma coletividade.

Trata-se, na verdade, de estudos explanatórios e descritivos sobre o objeto

de análise que não exaurem os múltiplos aspectos – funcionais, semânticos e

pragmáticos – que envolvem esta temática lingüística. E evoco essa delimitação

investigativa em razão de propor-me a descrever, no universo das ocorrências de

SVI, tão-somente as construções consideradas prototípicas em relação às matrizes

verbais formadas por VT + OD e por VT + OD + [(AA1), (AA2), (CN)]. Em outras

palavras, esta análise se deterá no exame dos SVIs lexicalizados, ou em pleno

93 A postura intuitiva ante a interpretação dos dados deve-se, em certa medida, à escassez de trabalhos com o perfil teórico-metodológico adotado nesta abordagem.

94 A concepção de léxico como algo caótico deve-se, segundo a semântica estruturalista, à confusão entre léxico e dicionário. O léxico é estruturado, e o caos fica relegado para o dicionário, que é apresentado como um suplemento da gramática em forma de listagem de irregularidades essenciais (VILELA, 1979, p. 33). Para Gleason (1975), o léxico como nível de análise ou setor da estrutura lingüística, nunca teve um tratamento adequado e foi sempre posto de lado nas investigações lingüísticas. Arrastava-se, segundo este autor, a herança da tradição bloomfieldiana, que considerava o léxico como um apêndice da gramática, em forma de listagens de irregularidades, – “Indeed ‘irregular’ is almost a tabooed word for many of us”, escreve Gleason (1975, p. 86-87). Enquanto isso a lingüística descritiva estava interessada quase exclusivamente nas regularidades (ou na “estrutura”). Gleason (1975, p. 85) distingue entre níveis de análise lingüística e instrumentos ou produtos da investigação lingüística. Assim, há distinção, por um lado, entre léxico e gramática (sintaxe), considerando-os como dois níveis de análise ou dois setores da estrutura da língua, e, por outro lado, entre dicionário e gramática (tratado gramatical), considerando-os agora como dois instrumentos ou produtos da investigação lingüística (ver p. 27 e 186).

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172

processo de lexicalização, cujas propriedades morfossintáticas e semântico-

pragmáticas já estão arquivadas na memória léxica e são, comunicativamente,

compartilhadas pelos falantes de uma dada comunidade lingüística.

Em particular, as construções sintagmáticas que já percorreram o itinerário,

ou estão em pleno curso de lexicalização, são as que denomino de construtos

idiomáticos, mais especificamente de sintagmas verbais idiomatizados.

Convém enfatizar que adoto este posicionamento respaldado pela própria

teoria funcionalista que, através de suas estratégias procedimentais, avaliza a

abertura para se desenvolver uma abordagem lingüística, entre outras opções,

direcionada à descrição de fenômenos prototípicos (regulares, sistemáticos e

recorrentes).

De fato, tanto a teoria funcionalista quanto a cognitiva prevêem a alternativa

metodológica de se trabalhar com fenômenos tipológicos, que são, em princípio,

mais salientes conceptual e discursivamente. Obviamente, os casos atípicos e

desviantes são também merecedores de atenção e de um tratamento adequado e

consistente. Porém, didaticamente, parece ser mais profícuo e atrativo um trabalho

que procure dosar, gradativamente, conteúdos simples com conteúdos mais

complexos. Essa estratégia, a meu ver, garante um processo de aprendizagem

ascendente, produtivo e coerente.

Essa preocupação metodológica tem muito a ver com o viés pedagógico

pertinente a esta pesquisa, de modo que se tenta aproximar a análise das

ocorrências de SVIs dos fatos lingüísticos costumeiramente estudados em sala de

aula, seja do Ensino Médio ou do Ensino Superior. Com isso, repito, as categorias

de análise aqui selecionadas e aplicadas procuram manter, em primeiro plano, o

exame dos casos mais típicos e freqüentes, para em seguida cobrir alguns

exemplares de casos desviantes.

Ancorado nestes fundamentos, passo a descrever, nas seções seguintes, os

SVIs mais representativos em relação a cada categoria ou parâmetro de análise.

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173

4.1 ASPECTOS QUALITATIVOS DOS DADOS95

4.1.1 Estrutura dos SVIs: marcação e prototipicidade

Faço aplicação dos critérios de marcação em consonância com os

parâmetros de prototipicidade, procurando descrever a estrutura organizacional e

funcional dos SVIs, e buscando decodificar a combinação tipológica dos elementos

internos constitutivos – verbo + nome – na formação do sintagma verbal. Convém,

nesse caso, identificar a dimensão física dos SVIs (V + N) mais recorrentes e

regulares (-marcados) e dos SVIs menos típicos e freqüentes (+marcados) na

produção discursiva dos informantes tomados como clientela-alvo da pesquisa.

Com isso, o princípio da marcação, associado aos aspectos categoriais do

protótipo, permite fazer a descrição da embalagem morfossintática dos SVIs,

possibilitando definir quais construções são mais cognitivamente salientes e

iterativas e aquelas que são mais restritas e inusitadas semântica e

pragmaticamente.

Veja os exemplos a seguir:

(58) ... aquelas ferida cicatrizando... aí eu fiz uma plástica... tive que fazer uma

plástica aqui e aqui né... (D&G, p. 22).

(59) ... aí abraçou o filho né... aí chamou ele pra casa pra tomar um banho né... aí

ele num quis tomar banho... (D&G, p. 31).

(60) ... saindo desse vãozinho você entra na cozinha ... uma cozinha relativamente

grande ... onde eu tenho freezer ... geladeira ... fogão ... uma mesa ... televisão

... à esquerda ... saindo dessa cozinha à esquerda eu tenho uma pequena

cozinha auxiliar ... né ... pra ... lavar louça é:: todas essas outras coisas mais

pesadas ... (D&G, p. 57).

95 Nesta seção, focaliza-se os aspectos relacionados à natureza teórico-empírica do fenômeno em questão. Ou seja, reúne-se informações sobre a estrutura, funcionamento, significado e contexto de uso dos SVIs, mas ainda sem mensuração dos indicadores de ocorrência e freqüência, que serão detalhados na seção 4.2.1.

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174

No exemplo (58), tem-se a situação trágica de um acidente automobilístico. O

informante relata os detalhes de seus ferimentos, realçando, pela reiteração, a

necessidade de uma cirurgia plástica para recompor partes lesadas devido ao

acidente. Conseqüentemente, considerando a natureza coloquial da interação

comunicativa, torna-se mais fácil expressar a necessidade dessa cirurgia através do

SVI “fazer uma plástica” do que tentar parafrasear essa informação, o que

demandaria mais tempo e mais material fonético, segundo o critério de

complexidade estrutural. Sem esquecer que, em princípio, não há um verbo

específico, disponível na língua, para codificar unitariamente esse sentido, o que

tornaria a paráfrase uma tarefa mais complexa conceptualmente, conforme o critério

de complexidade cognitiva.

O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao exemplo (59). “Tomar (um) banho”

é um evento tão habitual e próprio do asseio diário das pessoas, que se torna de

fácil assimilação o sentido veiculado pelo SVI em foco. A possível alternativa de

“banhar-se”, embora mais curta estruturalmente, poderia gerar dúvidas para alguns

interlocutores, visto que “tomar (um) banho” corresponde ao lavamento do corpo

inteiro, e “banhar-se”, às vezes, e em determinadas culturas ou regiões, significa

tanto lavar o corpo inteiro quanto apenas lavar partes dele (mãos, rosto, pés). Isso

acarretaria, possivelmente, a vagueza semântica em torno da expressão “banhar-

se”, tornando-a, pelo menos, funcional e cognitivamente +complexa e -freqüente.

Instalado esse problema semântico-pragmático, a compreensão literal do evento só

seria explicitada pelos aspectos contextuais da situação comunicativa.

Em (60) tem-se o SVI – lavar louça – que manifesta alto grau de colagem

entre V e N. Com isso, dificilmente ocorreria a sua segmentação ou a inserção de

outros itens léxicos no interior do SVI em questão, sob pena de destruir a sua

integridade sintático-semântica e desfazer a sua identidade de construto idiomático.

Essas características refletem-se na carga semântica do referido SVI, que codifica

um evento impessoal (sem marca de pessoa/agente), habitual (atividade repetitiva),

exclusivo (próprio da cozinha) e atemporal (sem referência cronológica). No caso,

esse SVI se configura como prototípico, cuja estrutura e freqüência de uso – no

contexto doméstico – torna sua construção -marcada, -complexa, +econômica,

+freqüente, pois exibiria um grau elevado de unicidade lexical na escala de

lexicalização.

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É preciso observar ainda, nos exemplos (58) e (59), as alterações flexionais

processadas na estrutura morfossintática das cláusulas. A moldura construcional de

fazer + SN, em (58), ocorre de dois modos sucessivos e distintos. Explico: em (i) fiz

uma plástica, o verbo se ajusta às marcas de pessoa (eu) e de tempo (pretérito)

para codificar as nuances subjetivas e temporais do evento narrado (agente

enunciador); em (ii) fazer uma plástica, percebe-se que as marcas de pessoa e

tempo são apagadas e predomina o valor impessoal e atemporal do evento (“cirurgia

plástica”), ante a situação de urgência vivida pelo informante. No caso de (59), tem-

se (i) tomar um banho e (ii) tomar banho, em que ambas ocorrências manifestam os

traços de impessoalidade e atemporalidade do evento. Contudo, pela inserção de

um item gramatical (artigo indefinido) no interior do SVI em (i) do exemplo (59),

rompe-se a soldagem entre V e O, o que faz surgir uma construção derivada,

passando, portanto, a coexistir as duas alternativas de codificação de um mesmo

evento. Isso também prova que a maioria dos SVIs pode revelar duas ou mais

facetas morfossintáticas, ou seja, aparecer num contexto X com um formato

fortemente cristalizado e num contexto Y com um formato flexível, passível de

atualização perante as demandas discursivo-gramaticais.

Dessa forma, com base nesses traços particulares acima apontados, pode-se

afirmar que os exemplos (58) e (59) são, de fato, ocorrências de SVIs de múltipla

funcionalidade. Já o exemplo (60) se enquadra no tipo de SVI que apresenta

estrutura invariável e sentido monorreferencial.

Observe mais estes casos:

(61) ... aí eu fiquei esse tempo lá [hospital] e só no final no final de sema/ depois de

um certo tempo é que... (...) eu pude receber visita né... (...) ... não poderia

receber visitas assim... (D&G, p. 23).

(62) o professor ficou:: culpado ... né ... porque ... não culpado ... porque um

professor fazendo uma experiência não tem nada ... não tem culpa no cartório

... né ... (D&G, p. 50).

(63) ... quando terminaram as aulas eu ajudava o professor a limpar o laboratório...

nesse dia não houve aula e o professor me chamou pra fazer uma limpeza

geral no laboratório... (D&G, p. 50).

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176

(64) ... então a rodoviária de Porto Alegre tem umas lanchonetes assim super

apetitosas ... umas tangerinas ... uns ... uns bolos super transados ... com

glacês e tudo mais ... ((riso)) o pessoal tem um bom gosto pra comida muito

grande ... sanduíches ... meals e bolos confeitados ... pastéis super quentinhos

e leite quente ... chocolate quente ... (D&G, p. 101).

(65) ... então nós tínhamos um que nós não gostávamos dele... era um professor de

mecanografia e ele era louco... o professor era simplesmente louco... louco...

daquele de jogar pedra na lua... (D&G, p. 51).

O caso (61) aponta na mesma direção dos casos (58) e (59), pois manifesta

tendências de modificações flexionais (entre elas, observa-se a pluralidade do

complemento objetivo visita / visitas). No entanto, em relação ao evento verbal,

também compartilha traços de impessoalidade (sem marca de agente),

atemporalidade (sem referência cronológica) e monorreferência semântica (sentido

único) presentes no exemplo (60). O informante, no decurso de sua conversação,

narra um episódio trágico (acidente com automóvel) e expõe, num dado momento,

um fato (“receber visita”) de forma genérica, sem preocupar-se em sinalizar as

circunstâncias próprias desse evento social (gesto humanitário). Vejo a repetição do

SVI em (61) como ênfase na certeza de alguém estar internado e poder receber,

após autorização médica, algumas visitas (em particular, familiares e amigos). Pode-

se aludir, também, à gravidade das lesões sofridas pelo informante mediante o

contraste (afirmação vs. negação) entre as duas cláusulas que enquadram os SVIs:

(eu pude receber visita) vs. (não poderia receber visitas assim). É relevante dizer,

ainda, que o SVI receber visita(s) pode dispor de variados contextos sociais de

ocorrência. Afinal, receber / fazer visitas se trata de uma ação recorrente nas rotinas

sociais, quer seja em ambientes familiares, políticos, empresariais, ou religiosos e

institucionais, entre outros. De fato, tais características tornam esse tipo de SVI mais

comum e recorrente em razão da simplicidade formal e cognitiva que o envolve.

O exemplo (62) apresenta dois SVIs bastante diferenciados entre si quanto à

estrutura morfossintática. Em fazendo uma experiência, o verbo está flexionado na

forma gerundial, exibindo as marcas genéricas de atemporalidade e impessoalidade

atinentes à ação circunscrita à forma atualizada no discurso do SVI (fazer

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177

experiência). Pode-se verificar que o SN sujeito (professor) aparece no SVI marcado

pela indefinição referencial com a adjunção do artigo indefinido (um), enquanto

anteriormente, no mesmo fragmento enunciativo, o SN sujeito vem marcado pela

indicação referencial mediante emprego do artigo definido (o). Ou seja, o informante

vem falando de uma experiência real feita em laboratório pelo seu professor, em

seguida, genericamente, alude à possibilidade de uma experiência poder ser

realizada por qualquer professor. De fato, os aspectos formais e funcionais de

fazendo uma experiência se projetam na embalagem morfossintática (maior volume

de material morfológico: forma +marcada do gerúndio, com acréscimo do artigo

indefinido) e na codificação cognitiva (maior densidade conceptual: vagueza

semântico-pragmática da forma gerundial).

No tocante ao segundo SVI do exemplo (62), tem culpa no cartório, configura

um tipo de construto idiomático em avançado estágio de lexicalização (fossilização).

Trata-se de uma construção marcada gramaticalmente pelo ajuste flexional do verbo

(tem: 3ª pessoa / singular) e pelo acréscimo de um SP (AA2), no cartório, além de

estar marcada pela complexidade cognitiva da combinatória dos itens léxicos, em

face do seu desbotamento semântico e pragmático. Em outras palavras, a

significação abstrata emanada desse SVI se distancia inteiramente de uma possível

referenciação concreta a ser manifestada literalmente pelos seus itens léxicos

constituintes. Nesse contexto, toda essa estratégia discursivo-gramatical está a

serviço da intenção comunicativa do informante para dar relevo à informação (ponto

de vista pessoal) de que um professor, ao fazer uma experiência em ambiente

escolar, está isento de responsabilidade com possíveis acidentes.

O caso ilustrado em (63) torna-se interessante pela ocorrência simultânea de

um verbo pleno numa construção livre (limpar o laboratório) e de um SVI com

correspondência semântica aproximada (fazer uma limpeza geral)96. Observa-se

que o SVI surge após a expressão com verbo pleno, o que pode indicar a ênfase na

relevância semântico-pragmática do ato proposto. Ou seja, nos dias normais de

aula, fazia-se apenas uma “limpeza” (parcial) no laboratório, porém, em dias

feriados, propunha-se fazer uma “limpeza geral“ (completa). Com isso, a estrutura

formal do SVI tende a ser marcada, com acréscimo de artigo (uma) e adjetivo

96 Em contextos metafóricos, esse SVI pode também significar “roubar”, “pilhar”.

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(geral), correspondendo, assim, à necessidade comunicativa de ser claro e enfático

(marcação no plano semântico-pragmático).

Já no exemplo (64), tem-se o SVI tem um bom gosto, que apresenta um

distanciamento na conexão entre V e N (núcleo do objeto) mediante a inserção de

duas formas lingüísticas (artigo – um; adjetivo – bom). Pode-se observar, por

conseguinte, que o alongamento da construção concorre com a pressão de ser

discursivamente claro e eficiente no contexto da interação. A propósito, observe a

seguinte gradação: ter gosto > ter um gosto > ter um bom gosto; verifica-se uma

complexidade progressiva da cadeia morfossintática, com a colagem de dois itens

gramaticais no último formato do SVI, agregando-lhe, simultaneamente, maior

complexidade semântico-pragmática. Daí que se deduz que a demanda cognitiva

por ser claro e eficiente nas interações comunicativas exige, proporcionalmente, o

reforço na alocação de material fonológico / gramatical para o empacotamento das

mensagens (cf. GIVÓN, 1995).

Por outro lado, o exemplo (65) mostra um SVI que se caracteriza pelo

alongamento da cadeia morfossintática, tal como ocorre em (62), mas deste se

diferencia pela forte abstratização do conteúdo referencial. Basta observar a

gradação ascendente (superlativa) dos traços subjetivos do excêntrico professor de

mecanografia (disciplina não muito comum): ele era louco / o professor era

simplesmente louco / louco daquele de atirar pedra na lua. Percebe-se, portanto,

que o ápice da comparação acontece com a presença do SVI no final da cláusula-

comentário. Esses arranjos sintático-semânticos se coadunam com os postulados de

Givón (1995) acerca do princípio de marcação (maior densidade cognitiva > maior

volume de material lingüístico; maior complexidade estrutural > menor freqüência de

uso). Pode-se aventar a disponibilidade de duas construções opcionais,

condicionadas às pressões cognitivas e discursivas: louco de atirar pedras / louco de

atirar pedras na lua. É sintomático que a segunda construção mostre um grau

superlativo na avaliação subjetiva do falante. Mais: a segunda opção revela uma

forte soldagem dos itens léxicos, que a faz resistente à fragmentação e

reversibilidade de seus elementos constituintes. Essa irredutibilidade estrutural

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reflete também a irredutibilidade semântica, ou seja, a significação do SVI acha-se

sedimentada, configurando um sentido97 unívoco, monorreferencial.

Eis mais dois exemplos:

(66) ... os jovens começaram a se... a se identificar um mais com o outro... a gente

começou a criar um laço de amor entre os jovens e era como se fosse todos

irmãos... (D&G, p. 73).

(67) ... e eu firme e forte dizendo que tinha colocado... sabe? eu não ia mentir... né?

depois ele ia saber... ia ser pior... num ia tapar o sol com a peneira... aí eu sei

quando eu cheguei ... aí ele foi e disse ... “Rose... olha ... eu não dormi ontem à

noite” ... e foi eu disse ... “por quê?” aí ele disse ... “porque eu acho que você

não colocou chifre em mim ... eu acho que é mentira ... diga que é mentira” ...

(D&G, p. 230).

Em (66) aparece um construto idiomático formado por cinco unidades léxicas.

Em (67), vejo um SVI composto por seis unidades. Ambos exibem um desenho

estrutural extenso para os padrões prototípicos de SVI. Além disso, a carga

semântica veiculada pelos dois SVIs é marcada por elevado nível de abstratização

conceptual, com um grau mais acentuado, obviamente, no exemplo (67).

A propósito, em (66), o informante no intuito de comunicar o clima de amizade

que envolvia os participantes de um retiro espiritual, utilizou-se de arranjo sintático

mais marcado, porém mais saliente pragmaticamente para a situação social (círculo

de amigos) e mais ilustrativo semanticamente para o contexto discursivo (conversa

informal). Em (67), o SVI em destaque mostra uma acentuada assimetria entre forma

e sentido, se desconsiderar-se o plano figurativo da intenção discursiva. Em outras

palavras, o sentido referencial dos itens léxicos, associados no interior da cadeia

morfossintática, não garante a significação global do SVI. Tem-se um perfil

extremamente marcado no plano semântico – e baixa freqüência de uso – que

corresponde a uma marcação dilatada no plano estrutural.

Com isso, o SVI de (67) revela-se +complexo e -freqüente do que o SVI de

(66), visto que este último exibe um SP que pode combinar-se com um leque,

97 Os aspectos metafóricos em torno desse tipo de construção serão abordados na seção 4.1.4.

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embora restrito, de outros SPs (CN): criar um laço de amor / de amizade / de afeição

/de união / de solidariedade, o que tende a provocar leves alterações de sentido no

contexto pragmático. Percebe-se, assim, que os contextos de uso dos SVIs (66) e

(67) apontam, diametralmente, para interpretações contrastantes: o SVI (66)

assinala uma leitura positiva em todas as situações comunicativas, enquanto o SVI

(67) demarca uma leitura negativa do(s) ponto(s) de vista do falante no contexto

discursivo. Convém frisar, a essa altura, que a proposição com carga negativa tende

a ser +marcada, +complexa, -econômica e -freqüente do que a proposição

afirmativa, o que torna mais sofisticado o seu invólucro lingüístico-gramatical.

Conclui-se, dessa forma, que as pressões lingüísticas (internas) e as

pressões cognitivo-funcionais (externas) tendem a acarretar a sobrecarga de

material fonológico e de esforço mnemônico nos momentos de codificação e

decodificação da mensagem veiculada pelos SVIs em (66) e (67). Nesses casos, os

fatores internos e externos que se manifestam na interação comunicativa alinham-se

conforme os postulados givonianos de marcação.

A título de ilustração, faço uma síntese dos traços cognitivo-funcionais mais

salientes (da marcação e prototipicidade) que incidem na descrição do conjunto de

SVIs aqui focalizados.

Quadro 4 – Graus de marcação e prototipicidade dos SVIs

SVIsGraus

de prototipicidade Traços formais e conceptuais

de marcação

GRUPO

1

- tomar banho

- lavar louça

- receber visita

- receber visitas

+prototípicos

-marcados

-complexos

+econômicos

+freqüentes

GRUPO 2

- fazer uma plástica

- tomar um banho prototípicos

-marcados

-complexos

+econômicos

+freqüentes

GRUPO 3

- fazendo uma experiência

- fazer uma limpeza geral+/-prototípicos

+/-marcados

+/-complexos

+/-econômicos

+/-freqüentes

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GRUPO4

- fiz uma plástica

- tem um bom gosto +/-prototípicos

+/-marcados

+/-complexos

+/-econômicos

+/-freqüentes

GRUPO 5

- criar um laço de amor

- tem culpa no cartório

- jogar pedra na lua

- tapar o sol com a peneira

-prototípicos

+marcados

+complexos

-econômicos

-freqüentes

A partir das informações projetadas no Quadro 4, é possível elencar uma

série de observações relevantes para entender-se a natureza cognitiva e semântico-

pragmática dos SVIs ora contemplados.98

Eis as principais anotações:

Os SVIs, listados no grupo 1 (G1), tendem a enquadrar-se no perfil de

maior grau de prototipicidade: apresentam o V na forma infinitiva, sem

marcação de pessoalidade e temporalidade, dando ênfase ao evento

verbal em sua potencialidade latente. Também exibem um SN objeto

ligado diretamente ao V, sem auxílio de elementos adjacentes. Essa

aderência máxima do SNOD ao V caracteriza, nesses casos, um nível

ascendente de lexicalização do SV no processo de idiomaticização. São

estes, portanto, os formatos de SVIs mais simples e mais freqüentes

identificados nas produções discursivas (orais) cotidianas.

Os SVIs, listados no grupo 2 (G2), são exemplos de construtos idiomáticos

que exibem estruturas -marcadas, embora sofram a inserção de apenas

um elemento periférico ou adjacente (geralmente, artigo), minando a

soldagem do SV e diminuindo a aderência entre V e O. Convém observar

que o verbo permanece na forma infinitiva impessoal, como acontece nos

exemplos do grupo 1. Não obstante, a inserção de um único item léxico na

cadeia morfossintática não justifica classificar os SVIs do grupo 2 como

-prototípicos ou +/-prototípicos, senão como prototípicos, já que os

+prototípicos rejeitam a inserção de elementos adjacentes entre V e O.

98 Na verdade, o Quadro 4 representa apenas uma amostra tipológica das inúmeras ocorrências de SVIs no Corpus D&G-Natal. Em todo caso, essa pequena amostra é bastante sintomática e ilustrativa com relação à manifestação desse tipo de pré-fabricado lingüístico, entre outros, na produção discursiva dos falantes-informantes.

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182

No grupo 3 (G3) são listados dois casos de SVIs que ostentam, com leve

distinção, o mesmo número de traços demarcativos. Explicando: em

fazendo uma experiência tem-se a alteração na forma verbal (gerúndio) e

adição de um item gramatical (artigo) entre o V e o N; e em fazer uma

limpeza geral, observa-se o acréscimo de dois elementos constituintes

(artigo e adjetivo), sem alteração da forma verbal (infinitivo), que é, em

princípio, a forma padrão na formulação dos SVIs. Nesse sentido, por

apresentar um número equivalente de modificações e preservar aspectos

similares no plano cognitivo-funcional (impessoalidade, atemporalidade,

potencialidade latente), creio ser mais plausível e econômico distribuí-los

numa mesma categoria (+/-prototípicos).

O grupo 4 (G4) é composto por duas amostras de SVIs que combinam

alterações ainda não exibidas pelos demais SVIs até então focalizados.

Em fiz uma plástica, o ajuste flexional do verbo à marca de pessoa do

discurso (eu) é resultante da pressão comunicativa (pragmática) de tornar

saliente a focalização do sujeito enunciativo, durante o evento verbal,

como o beneficiário da cirurgia plástica. Quanto ao SVI tem um bom gosto,

constata-se também um ajuste flexional do verbo à terceira pessoa do

discurso (assunto), mais o acréscimo de dois itens gramaticais (artigo e

adjetivo). Assim, devido à pressão semântico-pragmática para ser

transparente e eficiente na interação com seus interlocutor(es), impõe-se

ao informante a necessidade de adensar a arquitetura morfossintática dos

enunciados, atualizando, em primeiro plano, as marcas verbais associadas

ao sujeito / beneficiário (fiz uma plástica) e ao sujeito / experimentador

(tem um bom gosto). Com isso, justifica-se a locação destes SVIs no

grupo dos casos +/-prototípicos, embora, diga-se de passagem, que estes

exibem um grau levemente mais alto de complexidade cognitiva,

semântica e gramatical, por isso devem ser considerados +marcados e

+complexos que os exemplares do grupo 3.

Os SVIs do grupo 5 (G5), por sua vez, exibem um status sintático-

semântico bastante distinto dos demais casos até agora enfocados. São

construtos mais longos e mais complexos formal e conceptualmente, com

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maior custo cognitivo e pragmático despendido em processualidade.

Observe que, com exceção de tem culpa no cartório que apresenta um

ajuste flexional do verbo, e de criar um laço de amor que pode ser

receptivo a leves alterações no preenchimento do SP adjacente ao V,

como ficou demonstrado anteriormente, o G5 fornece exemplos de SVIs

que convergem para um padrão análogo de lexicalização. Ou seja,

atingiram um grau acentuado na trajetória de cristalização idiomática, o

que os torna construtos verbais funcional e cognitivamente +marcados,

+complexos, -econômicos, -freqüentes e, portanto, mais resistentes à

reversibilidade sintática e semântica de seus componentes internos. Daí

que devem pertencer ao último grupo (-prototípicos) que se situa no

extremo de uma escala de lexicalização99.

Dessa forma, não prestigiando a probabilidade de pequenos desvios, a

categorização dos SVIs nesse número de grupos possibilita à análise estabelecer a

distinção substantiva de suas ocorrências. Com efeito, a leitura do Quadro 4 pode,

ainda, ser simplificada da seguinte maneira: os SVIs nele classificados podem ser

redistribuídos em quatro grupos majoritários – (i) grupo dos +prototípicos, constituído

pelo G1; (ii) grupo dos prototípicos, formado pelo G2; (iii) grupo dos +/-prototípicos,

composto pelos G3 e G4; e (iv) grupo dos -prototípicos, liderado pelo G5.

Para ilustrar o comportamento funcional dos SVIs ora analisados, mostro no

gráfico abaixo a sua distribuição baseada num continuum escalar, a partir de um

centro prototípico, além de indicar o número médio de unidades (léxicas e

gramaticais) que forma a arquitetura morfossintática desses construtos idiomáticos.

99 A essa altura da análise, cabe mais um esclarecimento sobre a idiomatização dos SVIs. Segundo a hipótese aqui defendida, o SVI configura um recurso discursivo bastante econômico, dinâmico e plástico na veiculação de idéias. Todavia, como se trata de um fenômeno multifacetado nos planos sintático e semântico, reflexo das pressões pragmático-discursivas, tem-se optado por um tratamento escalar desse fenômeno. Isso significa dizer que um SVI (+)prototípico como, por exemplo, atirar pedra, composto por V + N, poderá atingir um grau maior de densidade estrutural e semântica em uma forma ampliada como atirar pedra na lua, caracterizando-se como um SVI -prototípico, que exige dos interlocutores (falante e ouvinte) mais dispêndio de esforço cognitivo para codificar e decodificar, respectivamente, a sua significação. Observa-se, assim, que a idiomaticização cobre um vasto universo onde orbitam variados tipos de SVIs: dos mais prototípicos, passando pelos prototípicos e pelos mais ou menos prototípicos, até os menos prototípicos.

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Gráfico 4 – Escalaridade prototípica dos SVIs

centro aproximação distanciamento

G3 G2 G1 G4 G5

3 ou 4 itens até 3 itens 2 itens 3 ou 4 itens acima de 4 itens

É interessante destacar que a variação do número de constituintes (itens

léxicos e gramaticais) no design de cada grupo de SVIs vai correspondendo ao seu

deslocamento para o centro ou para a periferia da escala prototípica. Assim, a

distribuição dos grupos no continuum gradiente condiciona-se exatamente a esse

pré-requisito de comportamento funcional e estatístico.

Importa ressaltar que os SVIs de G3 e G2 podem, sob pressões comunicativas

eventuais, funcionar em contextos menos marcados com o perfil do G1, isto é,

podem reduzir o número de unidades lingüísticas e assumir, assim, um esboço

funcional +prototípico. Isso faz com que esses grupos se movimentem em direção

ao centro prototípico da escala. De modo contrário, os SVIs de G4, e principalmente

de G5, aumentando o volume de unidades lingüísticas, tendem a afastar-se do

centro prototípico. Em conseqüência, sofrem desbotamento de sua identidade

funcional e tornam-se construtos extremamente marcados nos planos sintático e

semântico e pragmático.

No quadro abaixo, para complementar a leitura do Gráfico 4, pretendo

destacar apenas alguns aspectos de natureza gramatical em relação às distinções

estruturais entre os SVIs pertencentes aos grupos aqui categorizados.

SVIs+Prototípicos

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Quadro 5 – Descrição dos aspectos gramaticais dos SVIs

G1 VT na forma infinitiva / ausência de Dt (art.) e Md (adj.)

G2 VT na forma infinitiva / presença de Dt (art.)

G3 VT no infinitivo ou gerúndio / presença de Dt (art.) e/ou Md (adj.)

G4 VT flexionado / presença de Dt (art.) e/ou de Md (adj.)

G5 VT no infinitivo ou flexionado / presença de SP e/ou de Dt (art.)

De acordo com os postulados teóricos aqui referendados, verifica-se a

simetria entre as ocorrências empíricas de SVI e comandos dos critérios e princípios

aplicados na análise desses grupos categorizados. Quer dizer, a complexidade

crescente da massa morfossintática de um SVI move-o na direção oposta do centro

prototípico; e a diminuição de volume dessa massa morfossintática o atrai ao centro

prototípico. Convém observar, também, que o VT em G3 assume uma forma

impessoal (infinitivo/gerúndio) e em G4 se apresenta flexionado em uma das pessoas

do discurso. Essas modificações flexionais têm valor distintivo maior na medição do

comportamento prototípico dos SVIs.

Com vistas a fixar melhor as informações sobre a estruturação organizacional

e funcional dos SVIs aqui estudados, acrescento mais um quadro que sintetiza o

mapeamento léxico-gramatical das unidades lingüísticas recorrentes na cadeia

morfossintática desses construtos idiomáticos. Observe:

Quadro 6 – Mapeamento da organização morfossintática dos SVIs

G1 +prototípico VT + N = receber visita

G2 prototípico VT + Dt + N = fazer uma limpeza

G3 +/-prototípico VT + Dt + N + (Md) = fazer uma limpeza geral

G4 +/-prototípico VT + Dt + Md + N = tem um bom gosto

G5 -prototípico VT + (Dt) + N + SP = criar um laço de amor

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De acordo com os postulados de marcação (GIVÓN, 1995; CROFT, 1990) e

de prototipicidade (ROSCH, 1973; GIVÓN, 1986; TAYLOR, 1992), associados aos

argumentos de Kleiber (1990) sobre a Teoria dos Protótipos, estão em processo de

aproximação do grupo central de SVIs (+prototípicos) os SVIs periféricos que

tendem a incorporar os traços característicos daqueles. Por outro lado, estão em

processo de distanciamento do grupo central os SVIs periféricos que tendem a

suprimir os traços de similaridade com os SVIs +prototípicos. É relevante que se

diga que um distanciamento extremo, em relação ao modelo central, pode ser

responsável pela fundação de novas categorias prototípicas no campo da

idiomaticidade.

Em síntese, a partir do conjunto de dados ora analisados sob o enfoque da

marcação e da prototipicidade, é oportuno apresentar uma série de proposições

conclusivas, resultantes da aplicabilidade desses parâmetros de análise, e, em

parte, marcadas pelo viés de minhas intuições. Quais sejam:

a. Os SVIs constituem um fenômeno recorrente na língua e se apresentam

em grupos com graus diversos de prototipicidade e marcação;

b. Os SVIs distribuídos, à esquerda, mais próximos do centro prototípico

tendem a exibir um comportamento oscilante, dispondo de duas ou mais

alternativas de construção (+/-prototípico, +prototípico), preservando sua

carga semântica similar;

c. Os SVIs situados, à direita, no ponto mais distante do centro prototípico

dificilmente alteram seu perfil estrutural e funcional;

d. Quanto maior a proximidade de um grupo de SVIs do centro prototípico,

maior será o número de contextos de uso deles;

e. Quanto maior o distanciamento de um grupo de SVIs do centro prototípico,

menor será a sua variação de contexto de uso;

f. Os SVIs localizados na distância extrema do centro prototípico atingiram

um grau máximo de cristalização e se configuram cognitiva e

gramaticalmente +marcados, +complexos, -econômicos e -freqüentes, daí

exigirem maior demanda cognitiva (codificação / decodificação) para o seu

domínio pleno;

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187

g. Os SVIs distribuídos no centro prototípico, ou em sua proximidade,

demonstram um comportamento + ou +/-prototípico, tornando-se

construções, relativamente, -marcadas, -complexas, +econômicas e

+freqüentes, por isso são as mais preferidas comunicativamente pelos

falantes.

Feitas essas considerações em torno da aplicação conjunta dos critérios de

marcação e dos parâmetros de prototipicidade, é possível observar que a

distribuição dos SVIs – selecionados para análise – em cinco grupos100 tipológicos

responde, basicamente, pela diversidade desses construtos idiomáticos em termos

morfossintáticos e semântico-pragmáticos.

A seguir, procedo à descrição das propriedades sintáticas e semântico-

pragmáticas pertinentes às noções de construção gramatical e de estrutura

argumental aplicadas ao fenômeno dos pré-fabricados lingüísticos (SVIs).

4.1.2 Construção gramatical e estrutura argumental dos SVIs

Não é mera casualidade que se tem sustentado que a gramática é o meio

mais evoluído de que dispõem as línguas para a comunicação (GIVÓN, 2001),

graças à qual é possível “formar expressões complexas para transportar significados

complexos” (DIK 1997, p. 8). Esse é considerado, portanto, um dos traços do

pensamento abstrato, último estágio da maturidade intelectual. Além disso, não é

casualidade tampouco que muitos deslizes verbais de falantes imaturos se

identifiquem no manejo e interpretação de determinadas construções e de outros

procedimentos gramaticais dotados de uma elevada dose de abstração (SÁNCHEZ,

2004).

Para Sánchez, ainda que o núcleo da gramática se situe no plano do sistema,

seu objetivo final – a construção e reconstrução de enunciados –, impulsiona a

100 Como esta análise contempla somente as ocorrências tipológicas de SVIs constituídos, basicamente, de VT + OD, estão excluídos aqui os possíveis casos desviantes, objeto de outro estudo em particular.

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gramática a não se isolar de tudo o que tem a ver com as dimensões mental101 e

cultural da língua. Isso conduz, segundo esse autor, a uma nova distinção:

gramática interna / externa. Dessa forma, sem a gramática externa é impossível

explicar tudo o que supõe a construção e interpretação dos enunciados. Ademais,

certos fenômenos próprios da construção e interpretação dos enunciados (a

enunciação, as informações pragmático-discursivas) e seus reflexos formais

(marcadores) não podem ser entendidos, a rigor, limitando-se exclusivamente ao

sistema lingüístico e ao nível sintático-semântico dos enunciados.

Nesse cenário, a Gramática das construções estabelece que o

emparelhamento forma-significado define as estruturas nucleares e não-nucleares

de uma língua. Esta é a concepção básica e ponto de partida da noção de

construção gramatical (FILLMORE, 1990; FILLMORE; KAY, 1993; GOLDBERG,

1995). Assim, independentemente de serem consideradas estruturas standard ou

não-standard, as construções gramaticais são definidas como unidades básicas e

constitutivas da representatividade de uma língua.

Dessa forma, tanto Fillmore quanto Goldberg têm fixado sua atenção, por

exemplo, no estudo das unidades fraseológicas estáveis em que se associam

convencionalmente forma-sentido. Nesse ponto, as construções idiomáticas, dada

sua condição de arquétipos conceptuais, são moldadas como esquemas

construtivos (constructional schemas), caracterizados em vários níveis de

esquematicidade e limitados por relações categorizadoras de elaboração e extensão

(LANGACKER, 2000)102.

Por isso, as descrições dos planos ou padrões que organizam as palavras e

sentenças – construções – sempre incluem informações sobre a forma lingüística

(informação sintática) e sobre o sentido (informação semântica), bem como

informações lexicais e pragmáticas, ou seja, as relacionadas com o uso corrente das

formas lingüísticas.

101 A percepção da realidade (iconicidade) através da condição intencional de todos os fenômenos da consciência.

102 Segundo Langacker (1987), uma construção gramatical consiste numa integração bipolar de duas ou mais estruturas componentes, visando formar uma expressão compósita. Enquanto Fillmore (1990) adota a idéia central de que a informação ou o conhecimento que os falantes têm de gramática pode ser analisado em partes que se combinam, as quais ele denomina de construções.

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Dito isso, evoco a teoria da GC de Goldberg (1995), cuja abordagem

construcional rejeita o pressuposto de que é possível segmentar a gramática em

componentes separados – o léxico e o sintático –, posto que esses dois

componentes interagem fortemente no processo de construção das expressões

lingüísticas. Com isso, construções lexicais e construções sintáticas diferem em

complexidade interna e na extensão específica de suas unidades fonológicas, no

entanto formam basicamente um tipo similar de estrutura: ambas constituem um par

forma-significado.

Como ficou registrado no Capítulo 3, o ponto de partida desta análise

coincide, portanto, com o da GC (GOLDBERG, 1995) em que, por um lado, os

verbos envolvem uma detalhada descrição de um marco conceptual (frame), e por

outro lado, as construções mais esquemáticas possuem o seu próprio significado

abstrato em parte independente dos elementos léxicos que instanciam o esquema

em questão.

Nessa perspectiva, associo ao conceito de construção a noção de estrutura

argumental. Para Fillmore (1977) e Chafe (1979), a estrutura argumental de um

verbo especifica gramaticalmente quantos itens léxicos (nomes) vão acompanhá-lo,

e que papéis vão desempenhar, na cláusula. Segundo Du Bois (2003)103, do ponto

de vista cognitivo, uma EA nada mais é do que uma estrutura de expectativas

desencadeadas pelo verbo.

Convém lembrar, de acordo com Votre (1992), que o grau de integração e

liberdade relativa entre constituintes de um sintagma, de uma cláusula, de um

período ou de um parágrafo são indícios do grau de integração entre os

componentes cognitivos desses constituintes. Por isso, a EAP reflete os arranjos

gramaticais dos argumentos que são estatisticamente mais freqüentes nas cláusulas

produzidas durante as atividades discursivas (FURTADO DA CUNHA; COSTA,

2001).

Para Goldberg, as construções de estrutura argumental são uma subclasse

especial de construções que fornecem os meios básicos de expressão na língua.

Cada uma dessas construções de estrutura argumental designa um modelo básico

de experiência. A partir dessas noções, Goldberg formula a hipótese da cena

103 Segundo Du Bois (1987), a EAP não deve ser concebida como uma estrutura sintática por si mesma, mas como uma preferência discursiva mensurável por meio da estrutura sintática.

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codificada, ao afirmar que construções que correspondem aos tipos de sentença

básica codificam, com seus sentidos nucleares, tipos de evento que são básicos à

experiência humana. Com isso, verbos que lexicalmente designam a semântica

associada às construções de EA são incorporados mais cedo ao léxico mental e

usados mais frequentemente pelos falantes, daí que sejam verbos mais

relacionados a cenas prototípicas.

Nesse cenário, a meu ver, deve-se admitir que a noção de construção

relaciona-se com o estatuto tradicional de transitividade, a partir do qual um verbo é

categorizado, por exemplo, como transitivo quando estabelece uma relação entre

dois participantes em que sobressai o domínio de um dos participantes sobre o

outro.

Feita essa breve explanação, passo à análise de duas séries de exemplos.

Veja, então, a primeira série:

(68) ... na hora que tocou pro término da aula ... né ... dez e meia ... aí eu me

lembrei que eu tinha deixado ... que eu tinha deixado um livro meu lá na sala ...

né ... aí eu corri pra sala ... quando eu cheguei lá ... tava lá o professor

sentado... esperando que alguém fosse abrir a porta pra ele sair... (D&G, p. 51).

(69) ... por exemplo loja de surfe ... com artigos de surfe ... só tinha uma na cidade

... então eu acho que aquela uma era:: se entrasse outra ... nenhuma das duas

ia vender ... talvez a que entrasse depois fosse vender menos ainda ... né ...

porque a freguesia já era daquela outra ... então só tinha uma ... acho que eles

fazem isso ... quer dizer ... quem quiser abrir um negócio ... num vai abrir do

mesmo jeito que ... que um que já tem ... né ... porque aí não vai adiantar

porque a população é pequena ... num dá... (D&G, p. 191).

(70) ... aí o velho expulsou ele de casa né ... porque num queria que ele visse é:: a

mulher dele lá ... a velha lá e o cachorro dele lá ... um pastor alemão bem

grande ... aí ele foi pra casa né ... e ficou encucado com aquele negócio ali ... e

ficou pensando né ... aí no outro dia de manhã ... disse ... “eu vou deixar chegar

o outro dia de manhã pra conversar direito com ele” ... então quando foi no

outro dia de manhã ele foi lá né ... aí o velho tava só ... aí o velho resolveu abrir

o jogo ... (D&G, p. 32).

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(71) ... já no último dia ... eu fiquei sabendo que a gente tava concorrendo com três

igrejas só ... né ... de várias igrejas ficamos mais perto de ganhar ... né ... a

minha igreja e mais duas igrejas e ... e ... aí já começou a ficar mais animado e

tudo porque eu queria esse prêmio de todo jeito pra ela ... lá pra igreja ... né ...

no último dia já tinha acontecido uma coisa ... já muito interessante pra mim

porque eu queria participar do cargo ... quer dizer ... abriram ocasião lá pra um

cargo pra presidência da diretoria da JUBALESTE ... que todo congresso tem

uma eleição ... né ... (D&G, p. 178).

Inicialmente, é preciso extrair os SVIs do interior desses fragmentos textuais

(na ordem dos exemplos dados):

a) abrir a porta104

b) abrir um negócioc) abrir o jogo d) abriram ocasião

Tomando como ponto de apoio a estrutura morfossintática de (a), observa-se

que se trata de uma construção transitiva livre, com sentido e referência definidos

literalmente, bastante recorrente no dia-a-dia dos intercâmbios verbais. Nela, tem-se

o verbo abrir na forma infinitiva combinado com um SN (a porta) na condição de OD.

Numa apresentação esquemática, ficaria assim:

SV V + SNOD

Evocando a teoria construcional da GC (GOLDBERG, 1995), pode-se afirmar

que o esquema acima corresponde ao modelo da construção transitiva, cuja

estrutura argumental seria indicada da seguinte forma:

Tipo Significado Padrão Sintático

Construção transitiva X atua sobre Y S V O

104 Lembro: no contexto dado, esta é uma construção livre (SV) e não um SVI. Seu uso aqui serve como ponto de partida para as considerações acerca das noções de construção e estruturaargumental.

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Com base nesse esquema centrado no exemplo (68), encontro respaldo para

ampliar a aplicação das noções de construção e de estrutura argumental do plano

literal (denotativo) e livre (regular) – próprio das construções plenas – para o plano

figurativo (conotativo) e restrito (irregular) – peculiar às construções lexicalizadas.

Dessa forma, testarei agora se a estrutura sintático-semântica dos SVIs aqui

selecionados se enquadram no perfil construcional em referência. Para isso, valho-

me da matriz valencial da construção transitiva (transitive construction) apresentada

acima para introduzir a primeira série de exemplos a serem examinados. Veja:

Tipo Significado Padrão Sintático

Construção transitiva X atua sobre Y S V O

(68) alguém fosse abrir a porta X atua sobre Y S V O

(69) quem quiser abrir um negócio X atua sobre Y S V O

(70) o velho resolveu abrir o jogo X atua sobre Y S V O

(71) abriram ocasião X atua sobre Y (S)V O

Na leitura dos dados acima expostos, é preciso lembrar primeiramente que o

exemplo (68) serve de modelo gerador (analógico) para sustentar as bases

motivadoras da extensão dessa moldura estrutural aos demais exemplos. Assim

sendo, observa-se que (68) tipifica um caso de construção argumental (transitiva)

com referenciação certa e concreta. Nela, constata-se, pois, a presença de dois

argumentos: sujeito / agente (alguém) que atua (abre) sobre um objeto (a porta).

Dessa forma, o exemplo (68) caracteriza pragmática e discursivamente uma

experiência básica recorrente no cotidiano das pessoas (“alguém atuando sobre

alguma coisa”). Com efeito, o exemplo (68) se coaduna com o postulado da EAP

(DU BOIS, 1985), que aponta para a codificação de um evento verbal (frame)

prototípico.

Partindo para o exame dos outros casos, vê-se que em (69) conserva-se a

moldura estrutural da construção transitiva, no entanto se diferencia de (68) pela

abstratização da ação verbal em relação ao SN (OD): um negócio. A extensão

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metafórica105 de (69) torna-se possível pela conexão similar e verossímil do ato de

abrir abrir uma porta / janela / gaveta (= ações concretas, objetivas, físicas) e abrir

um negócio / comércio / vaga (= ações abstratas, subjetivas). Nessa última acepção,

abrir gera um OD efetuado (resultativo). Esse uso especializado do verbo abrir se

aplica também aos exemplos (70) e (71). Se em (69), abrir um negócio (loja de surfe)

se aproxima de (68) pela verossimilhança nos aspectos semântico e pragmático

envolvidos no processo verbal, em (70) tem-se um caso mais especializado

pragmática e discursivamente. Pois, em (70), abrir o jogo (falar / contar a verdade)

configura um arranjo sintático de construção transitiva, porém no plano semântico-

pragmático, devido à acentuada extensão metafórica, se distancia

consideravelmente de (69) e, ainda mais, de (68). E o que dizer do exemplo (71)?

Este, na verdade, preserva o mesmo arranjo estrutural da construção transitiva,

embora tenha o papel sintático de sujeito apagado na cláusula. É possível inferir, por

analogia metafórica, a idéia de “abrir” em (71), abriram ocasião, ou em pares

análogos: abrir uma chance / uma oportunidade. Em todo caso, o exemplo (71) se

trata de uma ocorrência de SVI com carga semântica e uso pragmático

extremamente abstratos e subjetivos.

Em face do exposto, é oportuno frisar que as construções, que especificam a

integração entre verbo e papéis semânticos dos participantes da cena discursiva,

estão associadas a conjuntos de sentidos relacionados e não a um sentido fixo, por

isso são identificadas como construções polissêmicas. O sentido de uma construção

está relacionado a um enquadre (frame) semântico subjacente à cena representada

simbólica e parcialmente pela expressão verbal. Esses enquadres integram o

conhecimento de mundo partilhado pelos falantes, que podem codificar a cena de

diferentes formas, colocando em foco determinados participantes e deixando outros

subespecificados (BERNARDO, 2006).

Eis agora os exemplos da segunda série:

(72) aí ela chorou ... né? chorou ... mas ela se conformou ... porque sabia que ele ia

pra um lugar bom ... menina ... foi uma coisa assim ... e ela teve todos os

momentos com ele depois que ele morreu ... sentiu ... né? ela sentiu a mão

dele ... assim ... e era a mulher que tava ... passando a mão ... mas ela sentia

105 Aprofundo esse tema na seção 4.1.4.

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... a mão dele ... sabe? o corpo dele ... o calor dele ... foi muito emocionante ...

eu assisti muitos filmes ... eu gosto muito de filme ... (D&G, p. 239).

(73) ... o banheiro é ... sei lá ... condições subumanas ... ali o povo vai ter que ... se

... se precisar realmente ... vai ter que sair ... ir em casa ... fazer e voltar ... se

quiser ainda ... é realmente o ... mas num deixa ... apesar dos pesares ... num

deixa de ser uma ... uma boa praia pra veranear ... pra passar o veraneio todo

... vá ... branco volta preto... (D&G, p. 372).

(74) ... em que a pessoa pode trabalhar com a mão livre... você pode fazer o que

quiser... você tem mais chance de passar um sentimento... uma idéia através

do desenho... (D&G, p. 311).

(75) ... vinha aqueles pratos finíssimos de lagostas é ... como é que se diz ...

enroladas ... empanadas ... e ... e:: e vinha ... ele pensava que ia acabar e num

acabava ... ((riso)) cada prato diferente ... então ele resolveu ... ele ... como ele

viu que ia descer muita coisa ainda no ... naquele almoço ... ele resolveu ir

comendo pequenas porções para não passar vergonha ... (D&G, p. 112).

(76) ... o sistema de polícia aqui do Brasil que é super falho ... só funciona quando

... só faz ... só faz entrar em greve ... por melhores salários ... num sei quê ...

daí quando conseguem melhores salários não sabem como ... como gastar ...

ou então quando conseguem verbas ... os vereadores ... passam a mão ...

entre aspa ... passam a mão entre aspas ... daí a polícia é super mal equipada

... (D&G, p. 381).

Observe em destaque os exemplos dessa última série:

a) passando a mão

b) passar o veraneio todo

c) passar um sentimento

d) passar vergonha

e) passam a mão

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195

Agora, com base na matriz valencial da construção transitiva, ilustrada pelo

exemplo (a), a distribuição desses casos fica da seguinte maneira:

Tipo Significado Padrão Sintático Construção transitiva X atua sobre Y S V O

(72) passando a mão X atua sobre Y S V O

(73) passar o veraneio todo X experiencia Y S V O

(74) passar um sentimento X move Y S V O

(75) passar vergonha X experiencia Y S V O

(76) passam a mão X atua sobre Y S V O

Já é possível observar que a segunda série reúne exemplos com variado

status semântico-pragmático. Mas, o exemplo (72), a meu ver, não constitui um SVI

segundo a perspectiva conceitual adotada nesta pesquisa. Trata-se mais de um SV

livre, com significado referencial transparente no referido contexto lingüístico,

sinônimo de “tocar a pele”, não precisando ter sua interpretação referencial

dependente de outra expressão. Por isso, ora serve de ponto de partida para

representar a estrutura argumental da construção transitiva básica.

No exemplo (73), o verbo passar exibe uma moldura estrutural de construção

transitiva, mas codifica um sentido diferente (sujeito experienciador) do significado

básico (sujeito agentivo) da matriz valencial. Ou seja, em (73) o sujeito

experienciador, impessoal (apagado sintaticamente) corresponde a um agente

potencial (indefinido semanticamente) que experiencia a ação atribuída ao SVI

(passar o veraneio todo), cujo sentido, nesse contexto, equivale ao do verbo

veranear. Entretanto, pragmaticamente, passar o veraneio todo é diferente, em

termos de ênfase nos aspectos subjetivo e temporal, do significado objetivo e

habitual codificado pelo verbo pleno e unitário (veranear). Basta conferir no exemplo

(73) que o SVI se localiza logo depois da cláusula formada com o verbo unitário, o

que faz ativar o escopo semântico-pragmático da idéia de completude (temporal)

contida no SVI.

Em (74), tem-se um SVI que se enquadra na matriz de construção argumental

transitiva, mas revela também um significado distinto daquele codificado pela matriz

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valencial. O significado sedimentado em passar um sentimento mostra a idéia de

que um argumento efetuado (desenho) é metaforicamente interpretado como meta e

a mudança de estado como mudança metafórica de lugar (o sentimento vai da

mente para o papel). Nesse contexto, o sujeito (agente) é o participante animado,

volitivo, que inicia e completa a ação especificada pelo verbo passar. Enquanto isso,

no exemplo (75), passar vergonha se adequa à matriz de construção argumental

transitiva, no entanto manifesta um evento verbal (frame) em que o sujeito ele

(anáfora) assume um papel semântico de experienciador. Por sua vez, o exemplo

(76) conserva o perfil da construção transitiva, contudo a aderência entre V e N está

extremamente acentuada, resultando na opacidade do N (mão) como OD (perda de

referencialidade). Na verdade, passam a mão seria uma forma eufemística de

parafrasear o sentido literal pertinente aos verbos, por exemplo, roubar, pilhar e

fraudar.

Neste cenário, a construção transitiva prototípica (S) + V + O [sujeito agentivo

+ verbo transitivo + objeto direto paciente] serve efetivamente como ponto de partida

nesta análise dos SVIs. É importante destacar que nem sempre a construção

transitiva representa uma transferência de energia para o objeto. Como

conseqüência, a partir dos exemplos enfocados, pode-se constatar que a construção

transitiva apresenta algumas variações relacionadas aos papéis semânticos

incorporados pelo SN sujeito e pelo SN objeto. Não obstante, os sentidos

metafóricos das construções derivadas se enquadram no mesmo esquema sintático

(SVO) da matriz valencial da construção transitiva, ajustando-se tão-somente às

pressões semânticas e pragmáticas inerentes ao contexto sociocomunicativo.

Isso posto, de acordo com Goldberg (1995), a exemplo dos itens lexicais,

também as construções sintáticas são categorias tipicamente polissêmicas e

estruturadas segundo o parâmetro da prototipicidade. Assim sendo, se a experiência

do mundo é perceptualmente transitiva, isso reforça a hipótese de que o evento

verbal prototípico seja codificado, preferencialmente, por uma estrutura argumental

baseada na construção transitiva.

A construção transitiva instancia um modelo de evento canônico, e seus

participantes são codificados com papéis arquétipos. Na construção transitiva

prototípica, os verbos transferem energia para o paciente (X fazendo alguma coisa

com / em X). Em outras palavras: as construções sintáticas codificam esquemas

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conceptuais de evento. Entenda-se por esquema de evento um padrão conceptual

que associa um tipo de ação, processo ou estado com os participantes (argumentos)

mais salientes que desempenham na cena verbal papéis definidos.

Dessa forma, é preciso considerar que os verbos sofrem variações na

dimensão pragmática, tendo seus valores semânticos definidos a partir das relações

com o argumento de primeiro grau (S), com função sintática de sujeito e,

eventualmente, das relações com o argumento de segundo grau (O), com função de

objeto direto. Com isso, os significados das construções de estrutura argumental são

claramente relacionais, e assim estas construções são as candidatas para

categorização do frame verbal por meio de alinhamento estrutural. Por isso, na

gramática há que se distinguir os aspectos criativos, livres e pessoais dos aspectos

fixados, em que o falante se limita a reproduzir combinações já memorizadas

(construções, locuções, enunciados fraseológicos).

Nesse sentido, a gramática “incorpora o conhecimento do falante não só dos

modelos gramaticais senão também de sua aplicação no uso convencional”

(LANGACKER, 2000, p. 20). Com esse último conhecimento106, a gramática entra no

terreno da pragmática.

Em síntese, a partir das duas séries de exemplos aqui analisados, pode-se

atestar, com base em Goldberg (1995), que as construções de SVIs são

processadas seguindo o princípio da economia maximizada (o repertório de C será

referenciado pelas necessidades comunicativas), tendo as relações de motivação,sintáticas e semântico-pragmáticas capturadas a partir da identificação de alguns

“links de herança”, a saber: polissemia (LP) – captura a natureza da relação

semântica entre um sentido particular da construção básica (matriz valencial) e outra

construção derivada por extensão; extensão metafórica (LM) – as múltiplas

construções são relacionadas metaforicamente, pois a semântica da construção

dominante é mapeada na semântica da construção dominada; e instanciação (LI) –

as construções são motivadas pela construção básica (associação entre

construções, ou seja, múltipla herança).

Também é possível afirmar que, segundo Du Bois (1987), a EAP dos SVIs

apresenta duas dimensões. Primeiro, na dimensão gramatical, percebe-se a

106 Givón (2001) postula que as unidades léxicas codificam conceitos estáveis, culturalmente compartilhados, ou tipos de experiência que são passíveis de assimilação.

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restrição a preencher o locus de sujeito com argumento lexical (N). Na maioria dos

casos analisados, o sujeito mostra a tendência de ser representado por pronomes

ou anáfora zero. Segundo, na dimensão pragmática, observa-se a restrição de um

único argumento novo por cláusula, ou seja, a informação nova geralmente incide no

OD. Ainda pode-se verificar, segundo Givón (1995), que a EA dos SVIs ora

examinados sedimenta o sujeito na posição pré-verbal, lugar preferencial das

informações velhas (mais pressupostas), e o objeto direto na posição pós-verbal,

onde se estocam as informações novas (menos predizíveis). É preciso dizer, no

entanto, que isso não vale para todos os SVIs, pois existem alguns que exibem um

OD não-referencial, cuja informação codificada não é nova.

Cabe ressaltar ainda, seguindo as palavras de Goldberg (1995), que a

abordagem construcional permite entender aspectos finais da interpretação

envolvendo movimento causado, intenção de transferência, ou resultado causado

como sendo uma contribuição da construção e não do item lexical (verbo).

Com isso, conforme postula Goldberg (1995, p.13), “a semântica das

expressões completas é diferente onde quer que um verbo ocorra em construções

diferentes”. Mas essas diferenças não precisam ser atribuídas aos diferentes

sentidos do verbo; economicamente, elas são mais atribuídas às próprias

construções. Essa afirmativa configura um argumento plausível de que a criança

adquire uma língua não a partir de seu léxico, mas das construções pertinentes e

compatíveis aos usos convencionais da mesma.

Concluo, dessa forma, que a língua apresenta uma gama de construções

básicas (originárias) que expressam as relações mais primárias entre falantes e

mundo: deslocamento, posse, mudança de estado, etc. A partir daí, essas

percepções moldam arranjos lingüísticos em que as formas lexicais se ajustam e

constroem o sentido na língua mediante a relação estabelecida entre item e

construção / construção e item (cf. LEITE, 2006).

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4.1.3 Figuratividade cognitiva dos SVIs

Nesta pesquisa, procuro refinar as categorias de relevância discursiva figura

(foco central) e fundo (foco secundário), formuladas primeiramente por Hopper

(1979) e depois, entre outros, por Langacker (1991) e Martelotta (1998).

A princípio, parto do pressuposto que, na cadeia enunciativa, o falante

tenderá a dar maior relevo informacional, entre outros elementos textuais, à porção

do discurso que corresponderá ao SVI. Assim sendo, dependendo do tipo de texto e

da criatividade e intencionalidade comunicativa do falante, supõe-se haver

condicionalmente uma maior ou menor presença de SVIs na sua produção

discursiva.

Dessa forma, a parte do discurso que não contribui imediatamente ou

substancialmente para os objetivos do informante, no entanto auxilia, amplia ou

comenta, é denominada de fundo (background). Por outro lado, o material que

embasa os pontos principais do discurso é tratado como figura (foreground).

Em conseqüência, a estrutura morfossintática que projeta o processo figura–

fundo não é arbitrária, mas motivada por fatores pragmáticos (orientação discursiva,

por exemplo) e pelo propósito comunicativo de cada produtor de discurso, pois

permite sombrear que tipo de informação fica no plano de fundo. Com isso, a

escolha por dar maior saliência conceptual e perceptual a uma informação fica sob o

controle do produtor do discurso. Esse jogo de planos discursivos projeta-se na

sintaxe como reflexo de um processo cognitivo-pragmático.

É interessante destacar, primeiramente numa perspectiva microestrutural, ou

seja, no âmbito do enunciado ou da cláusula, que sendo, por hipótese, a parte

central a ser focalizada, o SVI assume o papel de figura e as demais partes (sujeito,

adjuntos, complementos) que orbitam no perímetro do predicado representariam o

fundo. Contudo, numa perspectiva macro, no plano da amplitude textual, o mais

importante é estabelecer um confronto entre a porção textual que aloca um SVI

(figura) e as demais partes sombreadas (fundo) do texto situadas no entorno do SVI.

Assim, importa sublinhar que pretendo demonstrar a atuação dessa categoria

analítica cognitivo-funcional na descrição e interpretação da figuratividade

(focalidade) dos SVIs selecionados, sob a segunda perspectivação (macro).

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No gráfico abaixo, tento ilustrar o processo de figuratividade dos SVI pelo viés

da perspectiva micro (interior da cláusula).

Gráfico 5 – Processo microestrutural de figuratividade dos SVIs

Numa leitura preliminar deste esquema gráfico, atribuo ao SVI o papel de

elemento central na cadeia morfossintática da cláusula107 (frase / oração, na teoria

da GT). O sujeito, enquanto argumento externo, em geral, corresponde à informação

velha, pode ser apagado do cenário e nem sempre coincide com o agente verbal,

em razão disso identifico-o aqui como elemento de fundo. Por sua vez, o predicado,

ou o espaço maior onde ocorre a predicação verbal, serve também de paisagem de

fundo (presença de adjuntos), mas, sobretudo, aloca a informação nova codificada

pelo SVI. Identifico, portanto, o SVI como o elemento central (figura) na cadeia

sintática da cláusula, pela relevância semântica e ênfase pragmática, – o que na fala

pode também corresponder a um ápice da entonação.

Acompanhe meu raciocínio acerca do exemplo seguinte:

(77) ... e foi ali também sentado naquela duna que ela bateu umas fotos de ... perfil

meu... minhas... ((riso)) muito interessantes... (D&G, p. 121).

Num passeio ecológico pelas dunas, o informante relata o momento em que a

amiga fotografa-o. Observe que ele, enquanto narrador e participante do passeio,

107 Esta abordagem não considera a dicotomia entre cláusulas principal e subordinada(s) na organização textual, distinção esta que é relevante na versão canônica do estudo de figura–fundo.

+

Cláusula Predicado

Enunciado / Fragmento textual

SVI (Figura)

Sujeito (Fundo)

Adjuntos (Fundo)

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preocupa-se em destacar o ato de bater as fotos como o evento central no trecho

enfocado, que se deixa circundar de alguns detalhes subjetivos (“minhas”, “muito

interessantes”) e objetivos (“ali”, “naquela duna”, “sentado”, “perfil”) relacionados ao

ambiente natural e às fotografias produzidas. O SVI bateu umas fotos constitui,

portanto, o centro da predicação (figura), correspondendo, na passagem textual

analisada, ao único evento perceptualmente mais saliente. Os demais elementos

descritivos (adjuntos) compõem o cenário circundante, mas este está em perspectiva

de sombreamento (fundo). Inclusive o sujeito anafórico (ela) torna-se um elemento

sombreado, pois qualifica a informação já conhecida no contexto da narrativa.

Em todo caso, estou mais centrado na possibilidade de averiguar as

ocorrências de SVI em espaços enunciativos que funcionem como “ilhas” de

relevância pragmática e discursiva na organização textual. Essas “ilhas”

funcionariam, a meu ver, como sinalizadores pontuais e enfáticos dos propósitos

comunicativos do falante. Dessa forma, numa perspectiva macro, os SVIs seriam as

porções textuais que codificariam os eventos (cenas) de uma experiência humana.

Os SVIs podem, inclusive, incorporar as marcas da subjetividade do falante

concernentes às explicações e justificativas com as quais ele vai assinalando

determinados fatos no decurso, por exemplo, de um relato de procedimento ou de

opinião.

Eis a seguir um esquema de figuratividade dos SVIs sob a perspectiva

macroestrutural, ou seja, na dimensão mais ampla do texto:

Gráfico 6 – Processo macroestrutural de figuratividade dos SVIs

Fragmento textual Texto SVIs

(Figura)

Partes sombreadas (Fundo)

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Através da ilustração acima, pode-se afirmar que um texto (de dimensão mais

ampla), considerando sua tipologia, tende a apresentar um ou mais SVIs como

“ilhas” de alta informatividade, acompanhados de porções sombreadas (enunciados

descritivos ou narrativos) que expressam as informações menos relevantes no plano

pragmático-discursivo.

Nessa ótica, os SVIs pela sua natureza compacta e convencional permitem

uma embalagem sintático-semântica que exibe mais força retórica, sendo

estilisticamente mais versátil e conclusiva. Além disso, devido a esses fatores aqui

aludidos, o processamento do conteúdo informacional veiculado por um SVI tende a

ocorrer, na emissão e recepção, de modo imediato, sem maior custo cognitivo para

os parceiros da interação sociocomunicativa. A menos que se trate de uma interação

com interlocutores de idades bastante assimétricas ou de nacionalidades diferentes,

marcadas por fortes contrastes lingüístico-culturais.

Vê-se, por esse ângulo, que estou reafirmando a decisão de aplicar essa

categoria analítica não nos moldes da sua versão mais tradicional (HOPPER, 1979),

mas orientado pela abertura teórico-metodológica sugerida por Martelotta (1998) e

Langacker (1987, 1991).

Observe os exemplos a seguir:

(78) ... porque imagine você ... uma criança pobre... mal nutrida... ali no chão

precisando de alguém que lhe levantasse... que lhe desse uma força... (D&G,

p. 76).

(79) (...) Então aconteceu que o Atheneu tava uma baderna tão grande que foram

buscar um diretor famoso que tinha lá no Salesiano... para assumir a direção

do Atheneu... então quando o cara chegou simplesmente botou chave em

todos os corredores... todas as portas... (D&G, p. 51).

(80) ... aí o velho expulsou ele de casa né ... porque num queria que ele visse é:: a

mulher dele lá ... a velha lá e o cachorro dele lá ... um pastor alemão bem

grande ... aí ele foi pra casa né ... e ficou encucado [sic] com aquele negócio ali

... e ficou pensando né ... aí no outro dia de manhã ... disse ... “eu vou deixar

chegar o outro dia de manhã pra conversar direito com ele” ... então quando foi

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no outro dia de manhã ele foi lá né ... aí o velho tava só ... aí o velho resolveu

abrir o jogo ... (id., p. 32).

(81) ... mas é isso aí ... se é a partir do momento que derem liberdade pro técnico

escalar a seleção ... só ... vai a tendência é ... é melhorar e também ... também

a ... por parte dos jogadores se houver mais vontade ... menos interesse pelo ...

pelo dinheiro mas ... se ... se preocupar mais em jogar futebol do que em

ganhar dinheiro né? como já aconteceu agora com ... com Careca eu acho que

ele pediu dispensa né? pediu pra sair ... pediu pra sair e ... todo mundo sabe ...

porque ele pediu pra sair ... porque ele já tem um bom contrato no Japão ... né?

num vai ... num vai arriscar a cabeça ... só pra pertencer a essa seleção

bagunçada aí ... se o interesse dele é em dinheiro ele ... já tá com bom ... um

contrato bom lá e num vai ... se preocupar mais com a seleção brasileira ... é

isso aí ... (D&G, p. 42).

(82) ... lá eu faço de tudo um pouco ... atendo telefone ... atendo telefone quando

toca ... aí lá vai ... Clínica Asclepíades Oliveira boa tarde ... boa ... aí tem dia

que eu ... sabe? troco ... porque às vezes eu tô ... eu tava muito de tarde ... aí

ia atender de manhã ... disse ... boa tarde ... já acostumada ... ainda bem que

foi meu noivo que tinha ligado pra mim ... e ... também ... atendo telefone ...

limpo a clínica ... porque até isso tem que fazer ... e não reconhece ... e ele não

reconhece ... limpo a clínica ... é:: atendo os pacientes ... como assim ...

convênios ... aí tem que preencher cada papel ... são doze convênios ... quer

dizer ... cada convênio é um procedimento diferente ... tem que preencher ... os

papéis ... com coisas completamente diferente ... e depo/ quer dizer ... tava

onde? atendia os pacientes ... que mais ... atender os pacientes ... marcar

consulta ... sabe? marcar consulta ... e quando os pacientes chegam ... minha

filha ... aí que o trabalho aumenta ... porque um quer água ... aí lá vai eu pegar

água ... (D&G, p. 260).

O informante em (78) relata a saga dos retirantes nordestinos representada

em romance por Graciliano Ramos. Observa-se a descrição de alguns traços físicos

e sociais da criança personagem. Mas, a ênfase informacional reside no espaço

preenchido pelo SVI “desse uma força”, como providência última esperada pela

personagem e desejada pelo leitor-informante. O SVI funciona, então, como um

ponto de culminância subjetiva (figura) na superfície textual, mas capaz de

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concentrar uma carga semântico-pragmática relevante e orientadora da postura

retórica do falante durante seu fluxo discursivo. Nesse sentido, o SVI se institui como

figura à medida que os detalhes descritivos (fundo) que o precedem, no referido

contexto, projetam uma ordem psicológica gradativa ascendente culminando com o

escopo da cena narrada.

O SVI “botou chave”, no exemplo (79), introduz uma nova realidade no

ambiente escolar (Atheneu). Antes, segundo relato do informante, a situação estava

“uma baderna”. De modo que, com a mudança de diretor da instituição, estabeleceu-

se uma filosofia diferente. E a primeira medida do “diretor famoso” foi drástica: botar

chave em todas as portas, o que significa controlar entrada e saída de todos os

alunos da escola. A partir desse ato marcante (figura), inicia-se uma nova gestão.

No exemplo (80), o informante relata a história do filme “Cemitério maldito”.

Percebe-se que, em meio às marcas descritivas de tempo e espaço, o informante-

narrador, no trecho ora selecionado, conduz a atenção do leitor para um ponto

culminante da sua fala. Em abrir o jogo (falar, contar toda a verdade) tem-se o

desfecho da expectativa criada em torno da figura excêntrica e silenciosa do “velho”,

que parecia esconder alguns “mistérios” em sua casa. A partir desse ponto,

descortina-se um novo momento na narrativa: passa-se a saber dos segredos que o

“velho” carregava consigo. Por essa razão, a prioridade em marcar a saliência

pragmático-discursiva desse ponto de referência discursiva resulta também na

necessidade de fazê-lo sobressair materialmente na superfície do texto. Isso me

parece bastante plausível sob o prisma dos princípios da marcação e da

figuratividade (figura–fundo).

O exemplo (81) apresenta parte do relato de opinião de um informante

(masculino) sobre futebol. A Seleção Brasileira estava sendo escalada visando à

Copa do Mundo de 1994 (EUA). No trecho selecionado é possível observar a

distribuição gradativa dos SVIs, pautando uma progressão temática e retórica no

discurso do informante. Os fatos vão sendo expostos de forma concatenada, mas

elegendo tópicos (SVIs) como mais salientes conceptual e pragmaticamente no

processo de organização discursiva. Veja então: “derem liberdade” (para o técnico) >

“jogar futebol” X “ganhar dinheiro” (os jogadores) > “pediu licença” > “arriscar a

cabeça” (exemplo do jogador Careca, que estava no Japão). A partir da seqüência

de SVIs, pode-se assimilar as questões centrais, no trecho sob análise, alvo da

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preocupação e apreciação do informante. Isso me leva a afirmar que essa série de

SVIs é responsável pelos picos de saliência cognitiva (conhecimento) e de

relevância comunicativa (organização textual), provavelmente, correspondendo às

intenções discursivas (persuasão) do informante (cf. GIVÓN, 1995). Dessa forma,

os picos de saliência perceptual (“ilhas”) equivalem, na perspectiva macro, ao

escopo da figura, enquanto as demais áreas sombreadas, de menos saliência

perceptual (cognitiva), indicariam o cenário de fundo. Nesse espaço sombreado,

estariam os elementos de apoio discursivo (marcadores, operadores, etc.).

Por último, o exemplo (82) representa o ambiente de uma clínica médica, com

sua rotina diária de atendimento ao público. Ao longo de sua fala, a informante, na

condição de funcionária da clínica, vai pontuando as tarefas mais específicas sob

sua responsabilidade. Parece que pela repetição do SVI “atendo telefone” (três

vezes), esta tende a ser sua tarefa mais constante. Em seguida ela expõe as ações:

“atendo os pacientes”, “preencher cada papel”, “preencher os papéis”, “atender os

paciente”, “marcar consulta” (duas vezes), “pegar água”. É plenamente perceptível a

polivalência funcional da informante em seu ambiente de trabalho. Isso fica

nitidamente demonstrado pelo corolário de ações que ela desempenha sozinha;

funções, obviamente, que poderiam ser compartilhadas com outros funcionários da

clínica.

Na verdade, tomando como referência o trecho ora selecionado, observa-se

que os SVIs vão compondo as várias porções textuais (“ilhas”) que correspondem

aos picos de saliência informativa na fala da informante. Dessa forma, parece mais

plausível falar de vários pontos de figura, em contraposição a outros tantos de fundo.

Consciente ou não, a informante procura apresentar informações perceptualmente

salientes, com carga semântica de factualidade, dominando os recursos de atenção

da memória do(s) ouvinte(s).

Em função desses e de muitos outros exemplos, que não são possíveis de

análise neste trabalho, identifico o SVI como a porção do discurso, no interior da

cláusula (perspectiva micro) ou dos enunciados (perspectiva macro), que representa

o locus e o foco de maior informatividade. Como decorrência dessa hipótese, sou

motivado a caracterizá-lo não só como figura da predicação circunscrita ao espaço

do evento verbal, mas também da(s) área(s) conceptualmente mais saliente(s)

refletidas no(s) planos sintático-semântico e cognitivo-pragmático.

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Dessa forma, é a visão de um sujeito singular, pragmaticamente envolvido na

situação discursiva, que impõe a assimetria figura-fundo, estrategicamente

gerenciando os recursos de atenção de seus interlocutores. Possivelmente, os

leitores não se apercebem disso, pois a assimetria figura–fundo canaliza todos os

recursos de atenção para a informação figura.

Essa função de destacar algum evento importante, Hopper (2002) também

atribuiu à construção “go ahead”, que, entre outras coisas, tem a função de sinalizar

pontos que o ouvinte supostamente deve valorizar.

Ademais, os estudos de Thompson (1987), Langacker (1991) e de Grundy e

Jiang (2001), em última instância, elucidam como a linguagem é reflexo de

estratégias psicopragmáticas mediante as quais se percebe a relação entre figura e

fundo no discurso. Diferentes de aplicações meramente inter-sentenciais, ou

temáticos, muito comuns em trabalhos funcionalistas, esses estudos debatem a

possibilidade de o fundo estar no contexto e não necessariamente no discurso.

Com efeito, os SVIs que constituem o foco desta investigação tornam-se

salientes cognitiva e discursivamente em razão do contexto discursivo, inclusive da

moldura comunicativa e do ponto de vista do emissor do discurso. Segundo

Langacker (1991, p. 318), o contexto inclui “o evento de fala, seus participantes, e as

circunstâncias (tempo e lugar da fala)”.

A linguagem, na integração dos níveis semântico, sintático e discursivo

projeta as representações sociais, os modelos culturais, o posicionamento do

falante, imprimindo a cada segmento do discurso, via ordem das cláusulas, maior ou

menor relevância, ênfase ou importância. As escolhas cabem ao produtor do

discurso que, em função delas, transmite crenças e ideologias próprias.

O volume de informações sintáticas, semânticas e pragmáticas que

caracterizam plenamente o elemento verbal constitui uma constante semântico-

funcional e formal, profunda, que suporta toda a sua utilização em discurso. Esse

esquema virtual concretiza-se em discurso mediante a projeção de operações de

enunciação, que, em função das finalidades comunicativo-expressivas do locutor,

orientam essa existência virtual para uma existência real modelada em soluções

formais diversificadas permitidas pela língua, nas quais se atualizam valores

semânticos e efeitos de sentido variados.

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Desse modo, em princípio, as restrições semânticas a priori dos itens léxicos,

principalmente do verbo, não bloqueiam a liberdade de opção sintático-semântica e

funcional por parte do locutor. Este tende a organizar a construção dos seus

enunciados a partir de diferentes “pontos de vista” ou de diferentes “visões”, com a

eventual economia ou com a valorização (por tematização, focalização, etc.) de

algum ou de alguns termos actanciais (FONSECA, 1986).

Ademais, é relevante para este estudo ressaltar que, segundo Halliday (apud

LYONS, 1970), bem como Brown e Yule (1983), a forma de uma frase (cláusula) não

parece determinar o status de informação nova ou velha, todavia parece indicar

pressuposições por parte do falante. Em outras palavras, embora existam

regularidades que possibilitam associar a estrutura da informação a aspectos

sintáticos e fonológicos, elas devem ser observadas no contexto discursivo,

considerando todos os fatores operantes no evento comunicativo. Além disso, os

autores aqui mencionados concordam que a estrutura da informação é determinada

pelo falante, e não pela estrutura do discurso (embora creio que esta também seja

determinada pelo falante).

Por fim, evoco Marcuschi (2002) que questiona se a língua em si mesma

providencia a determinação semântica para as palavras, já que as palavras isoladas

não garantem sua própria dimensão semântica. Assim, somente uma rede lexical

instalada num sistema sociointerativo permitiria a produção de sentidos. Isso

também não quer dizer que as palavras são vazias de sentido, mas que o sentido

efetivamente atribuído às palavras em cada uso é providenciado por uma atividade

cognitiva situada. Nesse contexto, a língua não tem uma semântica determinada e a

cognição não é apenas um fenômeno mental, porém construída sócio-

historicamente. Além do mais, Marcuschi (2003) afirma que a língua é um sistema

de indeterminações sintático-semânticas que se resolvem nas atividades dos

interlocutores em situações sociocomunicativas (cf. MELO, 2006).

Na seção seguinte, concluindo a análise de natureza qualitativa dos dados,

trato das motivações metafóricas na formação e uso dos SVIs.

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208

4.1.4 Motivação metafórica nas construções de SVI

Nesta parte da pesquisa, procedo à investigação das influências analógicas

de natureza metafórica na composição e uso dos SVI. As metáforas são entendidas

como mapeamentos entre domínios conceituais: a passagem de um domínio fonte

para um domínio alvo. Na interação verbal, o falante transporta seus conhecimentos

e inferências da fonte para o alvo (LAKOFF; JOHNSON, 1980).

Já foi dito anteriormente que é ponto consensual entre os estudiosos

conceber a noção de que a metáfora típica usa uma fonte mais concreta para

descrever um alvo mais abstrato. Seguindo este postulado, procurarei demonstrar a

relação do processo de metaforização na criação e funcionalidade dos SVI.

Vale ressaltar que a metáfora – entre outras “figuras de estilo” – tem a função

de veicular de forma compacta e criativa informações socialmente relevantes numa

comunidade. Essas informações se tornam de domínio coletivo e passam a desfrutar

histórica e culturalmente de valor axiomático. O conjunto de expressões metafóricas

cristalizadas ajuda, portanto, a desenhar o perfil cultural dessa comunidade. Os

sentimentos, crenças, ritos, mitos, tabus e demais valores subjetivos seriam assim

formatados por meio das molduras semânticas da metáfora.

Nesse particular, resta-me saber o quanto dos SVI analisados revelam um

fundamento metafórico, mapeando, paralelamente, os domínios envolvidos na sua

gênese empírico-cognitiva e projetados na sua formatação sintático-semântica.

Observe a série de exemplos a seguir:

(83) Ele ia sempre lá pra pegar o material pra fazer limpeza esse negócio... (D&G,

p. 28).

(84) ... as muriçocas só paravam de aperrear quando a gente... de encher o saco...

quando a gente deixava a luz acesa... (D&G, p. 273).

(85) ... aí que eu namorava mesmo escondido ... namorava escondido mesmo ...

apanhei por causa dele ... sabe? tudo ... tudo por ele ... e não valeu a pena ...

realmente ... num valeu ... mas pelo menos eu fiz o que eu queria ... isso é que

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im/ importa pra mim ...sabe? porque a vida num é ... num é um mar de rosas ...

né? se você ... se fosse era muito bom ... porque tudo que você ... você fizesse

... você tivesse certeza que ia dar certo ... era muito bom ... mas você não ...

você tem que ... passar por aquilo pra ver ... se der certo ... melhor ainda ... se

num der né? levantar a cabeça e seguir em frente ... (D&G, p. 227).

(86) ... eu quero falar com o:: o:: dono desse negócio aqui ... o gerente ... o ... o

representante mesmo ... porque você é só um vendedor” ... aí o doutor [...] era

muito ( ) ele era quando mais jovem era muito é:: um homem muito também

... polêmico ... gostava de encrenca mesmo ... se ... comprava uma briga ... se

fosse o caso pra defender o território dele... (D&G, p. 110).

(87) ... aí a gente entrou nesse shopping ... a gente fomos lá ... mas menina ... ave

Maria ... grande demais ... e bonito ... cheio de rapaz bonito ... rapaz bonito ... e

a gente tava procurando os presentes pros amigos secreto né ... eu ia dá um

chaveiro com o nome dele ... [...] ... aí ela disse ... “não ... vamo” ... aí depois

ela viu os cinto num sabe? aí naquele tempo ... era o dia dos namorados ... dia

treze né? dia doze ... aí:: a gente ficou ... aí ficou ... “é você vai dá o cinto ...

num sei quê ... é pra amarrar homem...” (D&G, p. 341).

(88) ... aí pulou pra cama dela e dormiu com ela ... aí ... ela queria mandar o:: o

sapo embora da cama dela ... aí ... ela teve pena ... como ela teve pena ... aí o

sapo se transformou num príncipe ... aí:: naquele mesmo momento ... ele pediu

a mão dela em casamento ... aí eles se casaram e viveram felizes ... (D&G, p.

390).

(89) ... a solução do país tá nas minhas mãos ... a solução dos meus filhos

futuramente tá nas minhas mãos ... mas ele tem medo de enfrentar ... de

encarar a realidade ... de pegar o seu direitos de voto e dizer assim ... “eu vou

usar essa arma” ... não ... eles se deixa enganar ... se deixa iludir por um

dinheiro ... por uma cara bonita ... por um ... por um:: meio de comunicação

como é a televisão ... (D&G, p. 85).

(90) ... ontem o presidente Itamar esperando que o ... o ... o ministro da justiça

chegasse pra dizer alguma coisa ... o ministro da fazenda também pra ver se

ele dizia alguma coisa como é que ia fazer a economia ... um plano melhor pra

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economia ... quer dizer ... um sempre esperando e a solução num vem ... num

tem mais ... é tipo assim ... um espera:: um senta e espera que fulano traga

resposta ... fulano chega e diz ... “ah ... eu num sei ... vamos procurar outro

fulano” ... chega também disso ... vamos buscar uma solução ... quando reúne

as cabeças tudo junto ninguém mais sabe ... entra em desespero e diz ...

“vamos deixar a corda correr solta” ou então demite ... se um tem uma idéia

brilhante e num é de acordo com eles ... demite ... bota outro ... quer dizer ...

há sempre essa rotatividade ... nós vemos que o nosso país é um país onde

mais existe presidente ... onde reforma diversas leis ... onde a constituinte é

elaborada agora ... tira bota outro ... emenda ... desmenda ... é um país onde::

num é ... a política:: num é coisa levada a sério ... (D&G, p. 87).

No exemplo (83) observa-se o SVI “fazer uma limpeza”, que corresponde

semanticamente a “limpar”. Mas, pragmaticamente, “fazer uma limpeza” parece

implicar a limpeza da totalidade de um objeto ou local, e “limpar” carece dessa

noção de completude manifesta no SVI. Na verdade, o foco aqui almejado é

esclarecer que tanto o SVI quanto o verbo isolado mantêm um sentido literal, central

e consensual, de “limpeza”, podendo ter seu uso alternado, em contextos

relativamente similares, sem maiores problemas para a comunicação interpessoal.

Dessa forma, os falantes, sejam eles adultos ou crianças, cultos ou menos

instruídos, não percebem mais o deslizamento semântico do verbo fazer na

construção lexicalizada (SVI).

Dito isso, trato, a seguir, de uma amostra de SVIs que veiculam uma carga

semântica resultante de motivações metafóricas com menos opacidade. Portanto,

assumo uma posição alinhada ao pensamento de Lakoff e Johnson (1980), quando

postulam que a metáfora

(i) é uma propriedade dos conceitos, e não das palavras;

(ii) possibilita a compreensão de conceitos relevantes, e não apenas

ornamenta esteticamente o discurso;

(iii) é acessível às pessoas comuns na vida cotidiana, e não mero artifício

retórico de usuários comunicativamente talentosos;

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(iv) consiste em um processo engenhoso e habitual do pensamento

(raciocínio) humano, e não apenas um recurso estilístico superficial e

esporádico.

Por esse ângulo, a interpretação dos exemplos aqui selecionados se orienta

pelo viés da relevância informacional dos SVIs, focando seu caráter funcional e

ilustrativo na produção textual dos informantes.

Assim sendo, começo discutindo o SVI “encher o saco”, no exemplo (84)108.

Nele, o informante relata que, numa certa ocasião, experimentou a situação

incômoda de tentar dormir com o barulho e as picadas de muriçocas, obrigando-o a

deixar a lâmpada acesa para afugentá-las. O SVI em questão resume, pois, a cena

desagradável descrita pelo informante, e possibilita externar o seu ponto de vista

sobre a situação vivida. Para isso, ele utilizou-se de um construto idiomático

metafórico, mas de domínio público, com vistas a manifestar, rápida e

enfaticamente, a idéia de extremo desconforto (“chateação”). Em contraposição, um

arranjo parafrástico, embora equivalente semanticamente no plano denotativo, não

seria, alegoricamente, tão saliente, estético e conclusivo no plano pragmático-

discursivo. Tem-se assim as noções de esquema e recipiente, associadas à idéia de

capacidade física relacionada à tolerância.

Em (85), a informante fala sobre as incertezas relacionadas às escolhas feitas

no dia-a-dia de sua existência. Em particular, ela relata os desatinos cometidos

numa relação amorosa não bem-sucedida. Mas, nesse processo contínuo de

escolhas, e refeita dos abalos emocionais sofridos, a jovem decide seguir em frente,

adotando uma postura firme diante da nova realidade. Essa mudança de perspectiva

fica clara quando desabafa: “levantar a cabeça”. Essa expressão exibe uma

embalagem morfossintática compacta e uma plasticidade semântico-pragmática

pictórica (alegórica). A informante parece desenhar com esse SVI o desejo de

mudança em relação ao futuro: esquecer as desventuras e buscar novos caminhos,

novas conquistas. Obviamente, por se tratar de assunto que requer análise e

108 Na verdade, parece que as expressões “puxar o saco”, “encher o saco” e “haja saco” não têm muito a ver com a anatomia masculina. Conta-se que, antigamente, os militares em campanha carregavam sacos com suas roupas e outros objetos pessoais, e os subordinados (“bajuladores”) dos oficiais puxavam os sacos para eles. Em princípio, “encher o saco” e “haja saco” devem ter a mesma origem. O fato de hoje se pensar de modo tão diferente pode ser um reflexo da influência sexual no cotidiano das pessoas.

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posicionamento subjetivos, a informante vai tecendo sua argumentação em meio às

pausas e hesitações próprias da fala. Por isso, a escolha por um SVI agiliza e facilita

o desfecho de um argumento no fluxo discursivo. Além disso, a analogia metafórica

entre “abaixar a cabeça” e “levantar a cabeça”, diante de situações adversas, reflete

psicológica e ideologicamente atitudes antagônicas: pessimismo X otimismo,

conformismo X obstinação.

No exemplo (86) estão em destaque dois SVIs: “comprava uma briga” e

“defender o território”. As idéias básicas do domínio (origem), “comprar” e “defender”,

parecem muito adequadas em sua aplicação no domínio (alvo). Mais

especificamente: as ações concretas expressas pelos verbos no plano literal são

estendidas ao plano figurativo, refletindo ações abstratas (psicológicas) que são,

nesse contexto, analógicas e compatíveis cognitiva e discursivamente. Esses SVIs,

em princípio, se colocam em uma seqüência de progressão temática, marcando uma

relação de causa–efeito, quer dizer, enfatiza a noção de que primeiro se “compra”

para, depois, poder “defender”. Por trás desses SVIs, é possível vislumbrar também

traços subjetivos da pessoa foco da narrativa recontada, tais como, “polêmico”,

“gostava de encrenca”. Na verdade, trata-se de uma situação em que aconteceu

uma descompostura de um vendedor no atendimento a esse cliente. Por isso

mesmo, o informante (testemunhar ocular) relata que, enquanto “doutor”, essa

pessoa não queria falar com um simples vendedor, mas sim com o “dono” (gerente /

representante) do “negócio”. Daí que acho estarem os SVIs convergindo para a

compreensão de uma situação de acirramento, culminando com a atmosfera hostil

do cenário retratado.

Em (87) tem-se uma narrativa de experiência pessoal, em que a informante

relata a ida a um shopping, com uma amiga, para comprar os presentes do “amigo

secreto”. Na tentativa de escolher os presentes, a amiga sugere à informante que

compre um cinto para seu “amigo secreto”, pois, segundo um costume popular, o

cinto funciona como uma simpatia e tem o objetivo de “amarrar” o homem amado.

Vê-se que o sentido primitivo do verbo, atribuído à peça do vestuário, se conserva

na sua ampliação para o domínio derivado (alvo). Mesmo assim, o sentido alegórico

estabelecido pela analogia metafórica entre os dois domínios reveste o SVI “amarrar

homem” como uma expressão enfática e pitoresca discursivamente. Pode-se

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213

imaginar a força persuasiva dessa expressão a ponto de, no desdobramento da

narrativa, a informante ter aderido à sugestão da amiga e comprado o referido cinto.

O exemplo (88) refere-se à fala de uma informante (criança) que usa o SVI

“pedir a mão” na narrativa de um conto de fadas. Esse SVI, no âmbito social de

muitas comunidades, configura um evento peculiar a um estágio intermediário entre

o namoro e casamento, denominado de “noivado”. “Pedir a mão” sinaliza um

momento significativo numa relação amorosa, cujo desfecho, nas situações

auspiciosas, incide no ponto mais culminante que é o casamento. Seja em situações

reais ou fictícias (conto de fadas), o SVI “pedir a mão” já exibe um conteúdo

convencional e de domínio amplo entre os falantes de uma comunidade

lingüística109. É preciso dizer que a força ilustrativa desse SVI parece residir, a

princípio, mais na transferência de sentido por contigüidade (metonímia) e não tanto

por similaridade (metáfora). Em todo caso, tem-se dois domínios na organização do

enunciado: o domínio literal (fonte / origem) que mostra a “mão” como parte do corpo

humano, e o domínio abstrato (alvo / destino) que insere “pedir a mão” na estrutura

do SVI, funcionando, no contexto discursivo, enquanto equivalente semântico

(analógico) de “solicitação”, “permissão”, “anuência”.

Nos exemplos (89) e (90), tem-se um contexto temático marcado por

conotações políticas. O informante, em ambos os diálogos, tece comentários

avaliativos de natureza política: em (89) sobre a questão do voto, e em (90) sobre a

situação político-econômica do governo brasileiro nos anos 90. No caso de (89), o

informante argumenta que é preciso “encarar a realidade”, não se deixar iludir por

propagandas atraentes mas enganosas. Reforça seus argumentos dizendo que não

se deve votar por dinheiro, nem em pessoas cujo principal atributo é a beleza, nem

se deixar seduzir pela publicidade apelativa da mídia televisiva. O uso do SVI

“encarar a realidade” resgata o sentido original (concreto) de ficar “cara a cara” com

uma pessoa ou objeto, e transfere-o de forma metafórica para um domínio abstrato,

cujo conteúdo semântico corresponde a “enfrentar os fatos / desafios” de uma

situação real. Quanto ao exemplo (90), mantém-se a temática política, mas as

críticas do informante são direcionadas para outro alvo. Desta vez, o foco recai na

109 Todavia, parece inegável que, em tempos de liberdade irrestrita como hoje, esse costume secular venha sendo abolido consideravelmente nas sociedades urbanas. Talvez, nas localidades rurais do interior do país, esse costume ainda exista e resista por força da tradição e de uma visão patriarcal (considerada decadente).

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rotina das reuniões e discussões polêmicas do alto escalão da administração federal

(presidente e ministros). O informante chama a atenção para o fato de essas

autoridades ficarem, por exemplo, no campo da economia esperando soluções de

algum especialista no assunto, porém a solução não vem e a responsabilidade

continua sendo repassada para outrem. Nesse cenário de hesitações e de ”jogo de

empurra”, o informante se conscientiza da gravidade da situação vivida pelo país.

Mesmo quando o governo “reúne as cabeças” (líderes e ministros), ainda assim o

desentendimento parece ser geral, entra em desespero110 a ponto de ele expressar

esse desalento com o SVI “deixar a corda correr solta”. No final, por força da

rotatividade nos cargos executivos, sobram demissões em todos os setores do

governo.

Coincidentemente, esse último SVI é bastante complexo sintática, semântica

e cognitivamente. Nele, o processo de metaforização tende a envolver a reanálise111

composicional de seus elementos constituintes. Em outras palavras, em razão dos

arranjos sintáticos, provavelmente seria razoável mapear mais de um domínio

conceptual amalgamados, a saber: “a corda solta” (esfera da teoria musical); “a

corda correr solta” (esfera da mecânica / maquinário de relógio ou de caçamba de

poço)112.

Nesse sentido, segundo a concepção cognitiva, as conceituações básicas da

experiência, na sua maioria figuradas, determinam a maneira de pensar

criativamente e de expressar as idéias através das muitas facetas do discurso

cotidiano.

Lakoff e Johnson (1980, p.159-160) demonstram que os processos do

pensamento são amplamente metafóricos. De acordo com esses autores,

110 Usei esse construto idiomático só para reforçar o quadro crítico, pois, na verdade, trata-se de um SVI constituído por VI, com matriz valencial distinta.

111 Ademais, parece plausível pressupor que, em se tratando de interlocutores infantis ou não-nativos, seja possível admitir estar o sentido literal de corda solta e correr bastante sedimentado em suas mentes, impedindo-os de assimilar, de imediato, o sentido analógico do SVI resultante do processo metafórico. Todavia, os falantes adultos em geral (no caso, os brasileiros) tendem a compreender prontamente o conteúdo semântico desse SVI, ainda que se configure menos prototípico e icônico do que outros de estrutura mais simples e menos marcada no plano sintático-semântico. 112 Interessante registrar que, em algumas regiões rurais, especialmente do Nordeste, é comum ouvir-se a expressão: “deixar o boi comer com a corda solta”, referindo-se, no plano concreto, a uma situação de abundância de pasto livre e, no plano abstrato, à possibilidade de deixar alguém bastante à vontade para tomar decisão, mesmo erroneamente, sobre algum assunto. Isso comprovaria a existência de um terceiro domínio conceptual, derivado, e relacionado à esfera da agropecuária.

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a verdade é sempre relativa a um sistema conceptual que é, em grande parte, definido pela metáfora. A maioria de nossas metáforas evoluíram em nossa cultura através de um longo período, mas muitas nos foram impostas pelas pessoas do poder – líderes políticos, religiosos, comerciantes, publicitários, etc., e pelos meios de comunicação em geral.

Convém salientar que o processo de projeção é unidirecional, por seu

intermédio, comumente, se conceptualiza domínios abstratos em termos de

domínios concretos e familiares. Isso significa dizer que a conceptualização de

categorias abstratas tende a fundamentar-se, em grande parte, na experiência

concreta cotidiana. Essa constatação vai ao encontro da hipótese cognitiva de que a

experiência diária e comum é o ponto de partida para domínios mais complexos e

menos comuns. A projeção do pensamento nos processos de conceptualização

ocorre, portanto, de baixo para cima (buttom up), e não no sentido de cima para

baixo (top down), como costumava preconizar a abordagem tradicional.

A propósito, com relação aos construtos idiomáticos (SVIs), observa-se a

ressemantização das palavras que os compõem. Nesse processo, cada palavra

tende a perder sua função nominativa própria (no domínio concreto) e o SVI em

conjunto adquire uma nova função nominativa (no domínio abstrato). Em razão

dessa realidade lingüística, torna-se complicado, às vezes, delimitar criteriosamente

as fronteiras estruturais dos construtos idiomáticos, geralmente designadas de

“expressões idiomáticas”. Na verdade, sabe-se que eles formam uma classe

heterogênea113, sendo plausível concebê-los como um fenômeno lingüístico passível

de enquadrar-se numa categoria radial.

Entretanto, como construções convencionais que emanaram regularmente do

uso cotidiano da língua, os construtos idiomáticos (SVIs) em geral apresentam

configurações morfossintáticas derivadas de estruturas básicas, resultantes de

processos polissêmicos ou metafóricos. Em função disso, é possível viabilizar a

aplicação de procedimentos descritivos, no intuito de explicitar aspectos formais e

semânticos de seu funcionamento nos atos discursivos. Creio, pois, ser esta uma

estratégia mais adequada e responsável, do que desfazer-se, indiferentemente, do

compromisso de tentar abordá-las substancialmente.

113 Lembro que analiso aqui apenas duas matrizes verbais: [VT + OD] e [VT + OD + (AA1/AA2/CN)].

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Em suma, procurei nesta seção, de maneira não sistemática, aplicar os

seguintes procedimentos: (1) identificação da metáfora114, (2) focalização do

processo construcional da metáfora, (3) análise da metáfora, e (4) explicação do

contexto funcional da metáfora. Para tanto, procurei também manter-me alinhado à

perspectiva cognitivo-funcional, cuja preocupação com o estudo da função,

freqüência e rotinização de um fenômeno lingüístico é imprescindível para averiguar-

se a fixação de padrões sintático-semânticos (gramaticais). Segundo essa

abordagem, os usos lingüísticos resultam como um conjunto de procedimentos

regulares e irregulares, emergentes no processo de interação sociocomunicativa, e

marcados pelas motivações do domínio individual e do coletivo, da casualidade e da

convenção.

A seguir, apresento um quadro síntese, adaptado de Roncolatto (2001)

acerca do mapeamento dos domínios conceptuais (fonte – alvo) envolvidos no

processo de metaforização dos construtos idiomáticos (SVIs) aqui analisados.

Quadro 7 – Mapeamento do processo metafórico dos SVIs

S V IImagem mental

(fonte)Metáfora

condutoraSignificado

alegórico (alvo)

Encher o saco

O enchimento de um saco até o seu volume máximo (recipiente)

A paciência tem um limite. Certas ações extrapolam o seu limite

Encher a paciência; Irritar; chatear; incomodar

Levantar a cabeça

Erguer a cabeça para ver de frente os objetos ou os obstáculos físicos do ambiente (metáfora espacial)

Frente aos muitos problemas da vida, é preciso resolvê-los de cabeça erguida, com destemor

Ser otimista; ter perseverança; enfrentar os desafios

Comprava uma briga A compra de um objeto ou produto (desejo)

Valorizar uma idéia ou ponto de vista, e lutar para obter a razão em torno dele(a)

Gostar de polêmica; tomar partido em querelas; defender com intransigência uma causa

Defender o território

Armar-se para defender a posse ou uso de um bem material (idéias são propriedades)

Defender as próprias idéias como se defende um patrimônio

Argumentar com energia; dominar uma situação; prevalecer o ponto de vista

114 Vê-se que poderia aplicar a teoria da prototipicidade ao processo de metaforização: metáforas mais prototípicas envolvem maior quantidade de espaços mentais ativados, de mapeamentos entre elementos de diferentes domínios cognitivos, de mesclagens conceituais e maior número de framesdiferenciados (SOUZA, 2003).

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Amarrar o homem Manter amarrado um animal

A pessoa amada precisa manter-se ligada à outra

Conquistar alguém; manter um relacionamento estável

Pedir a mão A mão como parte do corpo

Ao dar-se as mãos, pode-se andar juntos por um caminho comum

Solicitar permissão, anuência dos pais de uma moça, para casar-se com ela

Encarar a realidade

Ver de frente um ambiente físico, paisagem natural

É preciso solucionar os problemas cotidianos, com consciência e coragem

Enfrentar os desafios da vida; não fugir dos problemas comuns do dia-a-dia

Deixar a corda correr solta

Liberar a corda de um objeto (relógio, caçamba de poço, brinquedo, violão) ou de um animal para andar e comer livremente no pasto

Diante de algumas dificuldades sem imediatas soluções, prefere-se aguardar o desenrolar dos próprios fatos

Não fazer nada para controlar ou resolver problemas pessoais ou sociais de um determinado setor; dar liberdade plena a alguém

A partir da próxima seção, tratarei de demonstrar a validade de algumas

hipóteses mediante a mensuração de freqüência de uso, controlando algumas

variáveis como idade / escolaridade e tipos de texto mais favoráveis ao emprego de

SVIs.

4.2 ASPECTOS QUANTITATIVOS DOS DAD0S

Conforme foi mencionado anteriormente, os procedimentos de ordem

estatística têm nesta investigação a função de complementar e respaldar as

interpretações e constatações em torno das hipóteses formuladas sobre o fenômeno

estudado.

4.2.1 Tipologia textual e freqüência de SVI

Aqui procuro comprovar se a ocorrência de SVI (e, por conseqüência, de pré-

fabricados lingüísticos em geral) torna-se mais acentuada em tipos específicos de

textos. As hipóteses lançadas no fundamento desta pesquisa sinalizam que o grau

de formalidade discursiva, de perfil mais objetivo, tende a restringir a manifestação

de SVI. Por outro lado, textos de natureza mais subjetiva, marcados pela

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intencionalidade discursiva do falante, manifestariam um índice mais acentuado da

presença de SVI. Cabe-me, portanto, apresentar os dados numéricos para reafirmar

ou refutar a veracidade dessas proposições.

Veja o comportamento estatístico dos dados na tabela seguinte:

Tabela 1 – Tipologia textual e freqüência de SVI

Tipo de texto Quantidade Percentual (%)

NEP 155 34,29 %

NR 100 22,12 %

RO 98 21,68 %

RP 57 12,61 %

DL 42 9,29 %

T O T A L 452 100 %

A respeito da Tabela 1, convém lembrar, primeiramente, que cada tipo de

texto abrange a totalidade das produções enunciativas de todos os informantes

pesquisados, sem distinção de faixa etária ou nível de escolaridade. Dito isso, a

seguir, procedo à leitura dos dados dessa tabela.

Os SVIs, como construções emergentes do uso, são mais recorrentes em

tipos de textos mais próximos do cotidiano das práticas discursivas ordinárias

(narrativas). Assim, os textos de Narrativa de Experiência Pessoal (NEP)

apresentam o maior volume de ocorrências (34,29%) de SVI. Em segundo lugar, os

textos de Narrativa Recontada (NR) mostram o percentual de 22,12%. Esses dados

parecem evidenciar uma explicação bastante razoável: o ato de narrar (fatos vividos)

ou recontar histórias (lidas ou ouvidas) tende a exigir uma demanda maior de tempo

e de volume textual. Associados a esses fatores, pode-se aludir, então, ao caráter

informal da interação sociocomunicativa (entrevista dialogada) e à espontaneidade

criativa dos informantes como elementos motivadores do uso mais acentuado de

SVIs.

Com índice de 21,68%, os textos de Relato de Opinião (RO) situam-se num

faixa intermediária das ocorrências. Esse percentual, considerando a natureza

subjetiva e argumentativa do texto de opinião, propende a justificar o uso de SVIs

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como recurso ilustrativo para enfatizar aspectos discursivos salientes e relevantes

retoricamente. Digo mais, embora os informantes tenham graus de escolaridade

diferentes, os textos de RO, aqui selecionados, são marcados pela informalidade

discursiva. Com isso, poderia refutar-se a alegação de que apenas falantes mais

instruídos sejam capazes de argumentar e persuadir de forma técnica e culta,

reduzindo, assim, a incidência de SVIs como elementos estratégicos de

figuratividade na produção textual (veja o cruzamento desses dados com os da

Tabela 2).

Já os textos de Relato de Procedimento (RP), com índice de 12,61% das

ocorrências, e os textos referentes à Descrição de Local (DL), com percentual de

9,29%, situam-se representativamente numa faixa de menor freqüência de SVIs. É

provável que esse decréscimo no uso de SVIs possa ser atribuído às características

pertinentes aos referidos textos, isto é, DL e RP constituem textos marcados,

respectivamente, por fortes inserções descritivas e comandos instrucionais, por isso

estão propensos a exibir conteúdos mais objetivos e técnicos, menos favoráveis à

presença figurativa (metafórica) dos SVIs.

Na tabela seguinte, procuro ampliar e detalhar os dados estatísticos,

distribuindo-os segundo as variáveis tipo de texto X nível de escolaridade.

Tabela 2 – Freqüência de SVIs por tipo de texto X nível de escolaridade

NÍVEL DE ESCOLARIDADE TIPO DE TEXTO

Superior 2º grau 8ª série 4ª série Alfabetização

NEP 37 63 40 11 05

NR 26 34 27 11 02

RO 24 37 22 06 07

RP 16 19 19 03

DL 23 09 09 02

Subtotal 126 162 117 33 14

Total 452

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220

Desse conjunto de informações, pode-se concluir que todo e qualquer texto,

em maior ou menor escala, é susceptível à presença de SVI, pois, como construto

idiomático, o uso de SVI propicia aos usuários da língua – falando ou escrevendo –

maior plasticidade e cromaticidade às mensagens transmitidas.

É importante destacar alguns pontos comuns entre as duas tabelas acima

mostradas. Primeiro, pode-se ratificar que a freqüência de SVIs em relação aos tipos

de textos narrativos (NEP e NR) mantém-se elevada em todos os níveis de

escolaridade, em comparação aos demais tipos textuais.

Já os textos de natureza objetiva e técnica (DL e RP), marcados por

injunções descritivas ou instrucionais, tendem a mostrar declínio no uso de SVIs.

Inclusive, de acordo com a Tabela 2, no nível da alfabetização não houve produção

de SVIs.

Por último, observa-se que os textos opinativos (RO) reafirmam a hipótese de

que artigos tangenciados pela subjetividade e criatividade do falante poderiam

apresentar maior volume de SVIs, seguindo de perto a tendência dos textos

narrativos.

Isso posto, apresento na próxima seção os informes estatísticos atinentes às

relações entre as variáveis associadas de faixa etária e grau de escolaridade no

domínio de SVIs.

4.2.2 Faixa etária / grau de escolaridade e domínio de SVI

A variável idade será testada em sintonia com o grau de escolaridade dos

informantes envolvidos na pesquisa. Importa comprovar se essas duas variáveis,

combinadas, exercem influência na performance comunicativa dos falantes no que

concerne ao emprego de SVI em suas interações verbais. Observe a tabela

seguinte:

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221

Tabela 3 – Faixa etária / escolaridade e uso de SVI

Faixa etária Escolaridade Quantidade Percentual (%)

21 a 31 anos 3º Grau 126 27,87 %

16 a 19 anos 2º Grau 162 35,84 %

14 a 17 anos 8ª Série 117 25,88 %

09 a 13 anos 4ª Série 33 7,30 %

06 a 07 anos Alfabetização 14 3,09 %

T O T A L 452 100 %

A leitura dos dados numéricos da Tabela 3 permite formular quatro

posicionamentos mediante a constatação de alguns argumentos, a saber:

(i) Informantes crianças, com idade entre 6 e 7 anos, em nível de

alfabetização, tendem a apresentar um volume muito reduzido de SVIs em

suas práticas discursivas. Basta dividir as 14 ocorrências de SVI pelo

número de informantes (4), que se verifica uma média de 3,5 por

informante. E se dividir ainda esse número pela quantidade de tipos

textuais (5), tem-se uma média ínfima de 0,7, o que significa menos de um

SVI para cada tipo de texto. Na verdade, em alguns tipos de textos (DL e

RP), nota-se a ausência absoluta de SVI. A esse respeito, é possível

defender a tese de que as crianças, por estarem em processo de imersão

no complexo e mutável mundo sociocultural, onde a língua é mais um

elemento de aquisição / aprendizagem, não teriam ainda pleno domínio de

estruturas lingüísticas mais sofisticadas e abstratas (metafóricas).

(ii) Os falantes cursando a quarta série do ensino básico, com idade entre 9 e

13 anos, demonstram um aumento de mais de cem por cento em relação

aos informantes da alfabetização. Esse número mostra-se bastante

significativo, a meu ver, por duas razões: primeiro, nessa faixa etária os

informantes são considerados pré-adolescentes e já desfrutam de um

círculo maior de convivência social, tanto no seu bairro quanto na escola;

segundo, com o nível mais elevado de escolarização, esses falantes

apresentam um domínio crescente, mais consciente e mais qualificado de

estruturas discursivas. Portanto, essa combinação de fatores positivos

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222

pode influenciar sobremaneira no uso de recursos gramaticais mais

especializados, tais como os construtos idiomáticos (SVIs).

(iii) Os informantes cursando a oitava série seguem na mesma linha

ascendente de domínio e ampliação do uso de SVIs. Com índice de

25,88% das ocorrências, esse grupo de estudantes apresenta uma

diferença expressiva em relação aos dois primeiros grupos acima

descritos. Isso vem reforçar a tese já prefalada de que a elevação da

idade e do grau de escolaridade proporciona, conseqüentemente, um

maior domínio de recursos discursivos, dentre esses, destaco os

construtos idiomáticos (em particular, os SVIs).

(iv) No topo das ocorrências (35,84%), os informantes cursando o terceiro ano

do segundo grau demonstram maior preferência pelo uso de SVIs.

Considerando que a produção dos textos orais e a coleta de dados foram

marcadas pela igualdade de regras e condições para todos os

informantes, resta, portanto, atribuir o alto índice de SVIs à maturidade

intelectiva e à sociabilidade mais intensa desses informantes. Nesse caso,

concluindo o segundo grau, é perceptível que esses estudantes exibam

maior versatilidade comunicativa, incorporando arranjos sintáticos mais

complexos, com a utilização, inclusive, de gírias e clichês próprios da

juventude urbana.

(v) Por fim, com índice de 27,87%, os representantes do terceiro grau (ensino

superior) apresentam uma redução de 8,09% em relação aos informantes

do segundo grau. À primeira vista, levando em conta o raciocínio aplicado

aos grupos anteriores, esse movimento estranho dos dados parece

implicar uma inversão de tendência (maior escolaridade / idade maior

uso de SVI). Na verdade, analisando alguns aspectos peculiares aos

informantes desse grupo, pode-se aludir que o convívio acadêmico –

orientado pela formalidade dos ritos científicos – tende a imprimir nos

indivíduos certa prudência na enunciação de juízos de valores e opiniões,

deixando-os numa posição preventiva, quer dizer, de automonitoramento

discursivo. Assim sendo, sua produção discursiva estaria marcada por um

estilo menos coloquial, com a redução de construções cristalizadas, às

vezes julgadas como expressões estereotipadas. Além disso, o ambiente

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223

universitário propicia intercâmbios de linguagens técnicas e artísticas,

fomentando sempre o debate das idéias, o que resulta no aprimoramento

das habilidades comunicativas e retóricas. Dito isso, parece plausível

admitir esse declínio no uso de SVIs, principalmente em relação aos

informantes mais veteranos, ou seja, estudantes do último ano do ensino

superior.

Convém ratificar, nesta seção, que o grau de escolaridade dos informantes –

em consonância com a hipótese formulada no Capítulo 1 – oscila em relação à

freqüência de uso dos SVIs na sua produção verbal. Ficou estipulado, a priori, que

um baixo nível de escolaridade pode determinar um correspondente nível de baixa

freqüência de SVI. Em contraposição, um nível mais elevado de escolaridade tende

a manifestar um maior domínio de SVI na comunicação cotidiana.

Sob hipótese, com base na leitura dos dados, tento reafirmar aqui o

argumento de que falantes infantis – crianças em idade de alfabetização,

provavelmente de 4 aos 8 anos – (cf. FURTADO DA CUNHA, 1998, p.12),

apresentam um baixíssimo domínio de pré-fabricados lingüísticos, em particular de

SVI.

Por outro lado, como os indicadores numéricos reforçam esta constatação,

suponho também que uma pessoa mais instruída, culturalmente falando, demonstre

uma performance comunicativa intensa e criativa. Isso resultaria no domínio de um

vasto vocabulário e na apreensão de um número considerável de estruturas

lingüísticas pré-fabricadas (provérbios, adágios, clichês, SVIs, chistes, jargões) em

sua língua nativa ou idioma pátrio. Isso somente poderia não ocorrer se os falantes,

como pareceu na situação descrita pela Tabela 3, estivessem sob um estresse

comunicativo, com uma atitude preventiva no resguardo da imagem pessoal

(acadêmicos) e da polidez da própria linguagem (formal).

Em todo caso, a verificação desses fatos implicou identificar a variação na

freqüência de SVI nos registros orais de cada grupo de falantes, comparando-os

entre si, com vistas à mensuração dos dados e comprovação das respectivas

hipóteses. Sobretudo, devo ratificar que a produção de SVIs na comunicação de

todos os informantes pesquisados, com presença em todos os tipos de textos

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224

selecionados, é a contraprova de que esses construtos idiomáticos não podem ser

taxados de um fenômeno eventual, superficial e periférico.

A essa altura da análise, passo a etapa seguinte que trata da classificação

semântica dos verbos formadores dos SVIs.

4.2.3 Tipologia semântica dos verbos

Em relação ao estudo do verbo, Chafe (1979) desenvolve uma noção de

centralidade do verbo na frase que contempla alguns aspectos considerados aqui a

partir da estrutura actancial do verbo. Para esse autor, o verbo determina como o

restante da sentença pode configurar-se; particularmente, determinará que nomes o

acompanharão, quais serão as relações desses nomes, e como esses nomes serão

semanticamente especificados. Por isso, na visão de Chafe, o verbo apresenta-se

como o “centro de controle” de uma sentença, determinando pela sua própria

especificação interna o que o restante da sentença conterá.

Por isso, a análise dos elementos formais que realizam o predicado mostra

que nele está regularmente presente um item verbal em forma pessoal. Esta

presença regular de um item verbal no enunciado sinaliza que o verbo preenche

nessa unidade lingüística um papel fundamental, de centralidade do verbo no

enunciado.

A centralidade do verbo no enunciado consubstancia, pois, imediatamente na

própria viabilização dessa unidade, a cuja configuração é indispensável o dinamismo

específico que o verbo comporta, particularmente marcado quando surge atualizado

em forma pessoal.

Outra dimensão da centralidade do verbo está na função predicativa que ele

desempenha. Ao participar de modo específico na predicação, o verbo adquire no

todo do enunciado um relevo particular, já que o predicado é um elemento

indispensável à constituição daquela unidade lingüística, nele se concretizando de

modo privilegiado o próprio objeto do ato comunicativo.

Dessa forma, todo enunciado desempenha, numa dada situação, uma função

comunicativa específica. Sinaliza no desenvolvimento textual a atitude de locução

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225

(comentário ou narração, ou soluções que os combinam), a perspectiva de locução,

e a configuração de planos narrativos, dentro do mundo narrado. O texto se realiza

necessariamente em enunciados e, por conseguinte, as macroestruturas

determinam as microestruturas e simultaneamente são por estas determinadas

(ANTONIO, 2007).

Nesse sentido, existe a preocupação de se reconhecer quais tipos de verbos

(ação, processo, ação-processo) se enquadram mais fácil e freqüentemente na

moldura sintático-semântica dos SVIs.

Como não foco diretamente a questão da transitividade, procuro orientar-me

pelo princípio da previsibilidade valencial. Mais especificamente, o valor actancial de

um constituinte frasal (sujeito, objeto) dependerá da valência verbal: a valência do

verbo deve prever, pois, um espaço que potencialmente pode ser preenchido pelo

constituinte em pauta. Para isso, sigo Chafe (1979) e Borba (1996), cujos trabalhos

permitem definir a valência verbal como o conjunto de relações estabelecidas entre

o verbo e seus argumentos ou constituintes indispensáveis.

A tipologia de verbos de Chafe, fonte primária do modelo de Borba, parte de

expressões semânticas que são resultados da combinação de elementos

predicativos, que expressam estados ou eventos (verbos), com elementos nominais.

As categorias verbais são definidas por Chafe de acordo com os valores semânticos

tanto do verbo como dos argumentos que o acompanham.

Isso posto, apresento a seguir a classificação sintático-semântica dos verbos

proposta por Borba (1996, p. 58-60):

(i) Ação > expressa atividade associada a um sujeito agente, ou seja,

aquele que, por si mesmo, desencadeia uma atividade, física ou não,

sendo origem dela e seu controlador. Ex.: “O pássaro voa”; “O sábio

pensa”; “O garoto brinca”.

(ii) Processo > expressa evento ou sucessão de eventos cujo suporte está

num sujeito paciente, experimentador ou beneficiário. Um verbo de

processo traduz algo que se passa com o sujeito ou que ele experimenta

ou recebe. Ex.: “A chuva parou”; “O bebê acordou”; “O ancião sente frio”;

“O jovem ouve música”.

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226

(iii) Ação-Processo > expressa uma ação realizada por um sujeito agente ou

uma causação levada a efeito por um sujeito causativo, que afetam um

complemento. A ação-processo sempre atinge um complemento que

imprime uma mudança de estado, de condição ou de posição, ou, então,

algo que passa a existir (afetado ou efetuado). Ex.: “José quebrou o

pires”; “José escreveu um romance”; “O medo afugentou o rapaz”.

(iv) Estado > é aquele cujo sujeito é mero suporte de uma propriedade

(estado, condição, situação) localizada no sujeito, experimentador ou

beneficiário. Ex.: “Mário permaneceu em silêncio”; “Fernando tem três

filhos”; “Tadeu ama Dirce”. [Este tipo de verbo não será considerado

nesta análise]115

Entre outras razões, considero esse modelo de taxionomia mais adequado

para a língua portuguesa, pois se mostra relativamente simples, com um conjunto

restrito de classes de verbos. Até então é o único modelo adaptado para a língua

portuguesa, com o dicionário de Borba (2002) contendo a classificação dos

principais verbos da língua. Nesse dicionário, além da classificação dos verbos, são

definidas a subcategorização e as restrições de seleção desses verbos.

Dito isso, apresento a próxima tabela com os indicadores quantitativos das

ocorrências desses tipos de verbo na composição dos construtos idiomáticos (SVIs)

presentes em cada tipo de texto aqui focalizado.

Tabela 4 – Tipologia semântica dos verbos formadores de SVI

Tipo de texto Tipo de verbo Quantidade Percentual (%)

Ação 50 11,06%

Processo 76 16,81% NEP

Ação-processo 29 6,41%

Ação 44 9,73%

Processo 31 6,85% NR

Ação-processo 25 5,53%

115 Existem limitações de natureza sintático-semântica e pragmática em torno da proposta de Borba. Em particular, na abordagem dos tipos de verbos, a classe dos verbos de estado (estativos) apresenta pontos confusos ou em aberto. No capítulo final desta tese (p. 259-260), aponto algumas questões especificamente sobre esse problema.

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227

Ação 17 3,76%

Processo 15 3,31% DL

Ação-processo 10 2,21%

Ação 22 4,86%

Processo 15 3,31% RP

Ação-processo 20 4,42%

Ação 31 6,85%

Processo 40 8,84% RO

Ação-processo 27 5,97%

T O T A L 452 100%

Na totalidade dos números acima expostos, é possível identificar alguns

pontos de reconhecimento prioritário. A partir desses pontos, formulo, respaldado

pelos percentuais aferidos, as seguintes proposições:

(i) os verbos de processo se revelam em maior índice como formadores de

SVI: os verbos ter, dar, passar e levar são, por exemplo, os que mais se

destacam neste setor;

(ii) os verbos de ação referem-se à participação do sujeito, exprimindo

movimento, modificação ou afetação de um objeto (animado/inanimado).

Os verbos dar, fazer, pedir e jogar se enquadram nesta taxionomia e se

mostram bastante requisitados na formação de SVIs;

(iii) os verbos de ação-processo se configuram como de menor freqüência na

composição de SVIs: os principais verbos selecionados são fazer, abrir,

tirar.

No intuito de proporcionar uma visão plena do conjunto de verbos formadores

de SVIs, selecionados no corpus D&G-Natal, referentes aos registros de fala,

apresento a próxima tabela.

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228

Tabela 5 – Verbos e freqüência de uso dos SVIs

VERBOS QUANTIDADE PERCENTUAL

1. Abrir

2. Adotar

3. Amarrar

4. Arregaçar

5. Arriscar

6. Arrumar

7. Assistir

8. Assumir

9. Atender

10. Atirar

11. Bater

12. Botar

13. Caçar

14. Cantar

15. Causar

16. Cheirar

17. Colocar

18. Cometer

19. Comprar

20. Contar

21. Correr

22. Cozinhar

23. Criar

24. Curtir

25. Dar

26. Debater

27. Defender

28. Deixar

29. Descer

30. Descobrir

31. Despistar

32. Discutir

33. Encarar

34. Encher

35. Escovar

36. Enganar

37. Exercer

38. Expandir

06

01

01

01

01

03

03

01

03

01

03

05

01

02

01

01

03

03

02

02

01

01

03

01

89

01

01

01

01

01

01

01

02

01

01

01

01

01

1,32 %

0,22 %

0,66 %

0,22 %

0,66 %

0,22 %

0,66 %

1,10 %

0,22 %

0,44 %

0,22 %

0,66 %

0,44 %

0,22 %

0,22 %

0,66 %

0,22 %

19,69 %

0,22 %

0,22 %

0,44 %

0,22 %

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229

39. Falar

40. Faturar

41. Fazer

42. Fechar

43. Ferrar

44. Formar

45. Ganhar

46. Gastar

47. Grampear

48. Inventar

49. Jogar

50. Juntar

51. Lavar

52. Levantar

53. Levar

54. Marcar

55. Meter

56. Mostrar

57. Ocupar

58. Pagar

59. Passar

60. Pedir

61. Pegar

62. Perder

63. Pôr

64. Preencher

65. Prestar

66. Pular

67. Puxar

68. Quebrar

69. Receber

70. Rodar

71. Sair

72. Sentir

73. Sofrer

74. Soltar

75. Tapar

76. Ter

77. Tirar

78. Tocar

03

01

97

01

01

01

06

01

01

01

07

01

02

01

05

01

01

01

01

02

10

12

08

03

01

03

02

01

01

03

02

01

02

05

01

03

01

57

11

01

0,66 %

0,22 %

21,46 %

0,22 %

1,32 %

0,22 %

1,54 %

0,22 %

0,44 %

0,22 %

1,10 %

0,22 %

0,44 %

2,21 %

2,65 %

1,76 %

0,66 %

0,22 %

0,66 %

0,44 %

0,22 %

0,66 %

0,44 %

0,22 %

0,44 %

1,10 %

0,22 %

0,66 %

0,22 %

12,61 %

2,43 %

0,22 %

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230

79. Tomar

80. Torrar

81. Trancar

82. Valer

83. Varrer

84. Ver

85. Vestir

86. Violentar

87. Virar

22

01

01

01

01

03

01

01

05

4,86 %

0,22 %

0,66 %

0,22 %

1,10 %

É bem verdade que, por razões de tempo e espaço, esse conjunto de verbos

não foi analisado em sua totalidade. Essas limitações externas impuseram a

necessidade de se trabalhar com um corpus restrito (dados de fala), mas altamente

representativo do universo das ocorrências de SVIs.

É interessante destacar, sobretudo, que os verbos dar (19,69%), fazer

(21,46%) e ter (12,61%) foram os mais produtivos e recorrentes nas construções de

SVIs. São verbos altamente funcionais, que admitem maior maleabilidade da

estrutura argumental e maior versatilidade semântica. Em contraposição, 50 verbos

(11,06%) manifestaram, individualmente, uma única ocorrência de SVI. Isso parece

demonstrar a tendência de que o processo de idiomaticização é dinâmico e amplo,

ou seja, construtos idiomáticos antigos passam a inspirar e modelar a formação de

novos construtos. De modo que as matrizes de verbos mais produtivos e recorrentes

tendem a influenciar o comportamento de verbos de matrizes mais fixas (menos

recorrentes).

É preciso observar ainda, de acordo com o comportamento dos números na

Tabela 4, que, numa relativa regularidade, os percentuais aferidos mostram-se

gradativamente decrescentes na seguinte ordem dos tipos de verbos: processo >

ação > ação-processo. Constate isso no gráfico abaixo:

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Gráfico 7 – Distribuição de SVI por tipo de verbo

177 164 111

ProcessoAçãoAção-processo

Sob o ângulo de investigação desta pesquisa (linguagem em uso),

considerando sobretudo os dados aqui exibidos, é possível admitir que os eventos

verbais que se configuram como ações e processos são os frames

preferencialmente acionados pelos falantes-informantes. Nesse sentido, parece

confirmar-se a tese da correspondência (icônica) entre processos perceptuais e

processos discursivos, visto que os verbos prefalados (transitivos, ativos,

processuais) são os que melhor codificam as cenas semânticas que retratam as

ações humanas.

Todavia, o número de SVIs referentes aos verbos de ação-processo é, a meu

ver, consideravelmente significativo no cômputo geral de ocorrências, uma vez que

os índices dos três tipos de verbos estão circunscritos na casa dos três dígitos

(cem).

Para enfatizar essas informações de ordem estatística, apresento-as em

forma de gráfico, visando resumir a correlação entre os índices de SVIs distribuídos

segundo os tipos de textos e os tipos de verbos aqui citados. Observe, então, os

números do gráfico seguinte:

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Gráfico 8 – Tipos de verbos distribuídos segundo os tipos de textos

NEP NR DL RP RO

ProcessoAçãoAção-processo

76

50

29 31

44

25

1517

1015

2220

40

3127

Em relação ao Gráfico 8, o tipo textual NEP apresenta o maior número de

verbos de processo, com 76 itens verbais que equivalem a 16,81% do volume total

das ocorrências (ver Tabela 4). O tipo textual RO vem logo em seguida, com 40

ocorrências de verbos de processo, o que corresponde a 8,84% do cômputo global.

Convém frisar que o índice de verbos de processo apresenta ligeiro declínio em

referência aos verbos de ação nos tipos textuais NR, DL e RP, mas ficando um

pouco acima do número de verbos de ação-processo nos tipos textuais NR e DL;

somente no tipo textual RP o número de verbos de processo mostra-se abaixo dos

demais tipos de verbo.

Como já foi dito anteriormente, os tipos textuais NEP, NR e RO são mais

propensos à incidência de verbos de processo e de ação, enquanto o tipo RP é mais

receptivo aos verbos de ação e de ação-processo (comandos instrucionais). No

entanto, em contraposição, o tipo DL parece contrariar a natureza estática dos textos

descritivos116, haja vista apresentar um número maior de verbos de ação, superando

os índices de verbos de processo e de ação-processo.

116 Não foi possível detectar as causas reais desse fato. Lembro que não houve controle do verbo de estado (estativos). Desse modo, pretensamente, imagino que o “estilo” narrativo dos informantes possa ter influenciado o processo discursivo peculiar aos textos descritivos, que são marcados quase sempre pela atemporalidade e não-dinamicidade (ausência de ações / movimentos).

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233

Em todo caso, fica confirmado que os tipos textuais DL e RP são os menos

receptivos à ocorrência de SVIs, em razão de sua natureza técnica e objetiva. Por

isso mesmo, constata-se neles, proporcionalmente, a redução dos três tipos de

verbos aqui focalizados, registrando os percentuais mais baixos (ver Tabela 4).

Em seguida, a título de ilustração, transcrevo alguns exemplos de SVIs

formados pelos tipos de verbos aqui abordados.

(91) ... eu corro daqui da Praia do Meio até a praia ... é ... a Praia de Areia Preta ...

que ali próximo do Farol de Mãe Luiza ... e de lá volto até ... o Forte dos Reis

Magos ... onde não tem mais lugar pra gente adiantar então a gente faz o

retorno e volta pra ... e eu volto pra Praia do Meio ... faço um descanso e ...

(D&G, p. 117).

(92) (...) enrolou ... disse ... inventou uma mentira lá que ... parece que ... inventou

uma mentira lá que ... o velho lá que morava vizinho lá tinha levado o gato pra

passear num canto ali né ... aí ... aí por enquanto acreditaram né ... mas

também foi durante o dia ... mas quando foi à noite né ... foi perguntar de novo

pelo gato né ... ele num sabia mais o que dizer né ... (D&G, p. 27).

(93) Brasil ele... ele enfrenta uma transformação muito grande agora... vem

enfrentando... agora vai tá piorando e a gente vê aí os brasileiros... os

nordestinos... os sertanejos... ninguém abre os olhos... ta todo mundo iludido...

(RO, p. 85).

(94) ... por isso ... que eu digo ... tá no fim do mundo ... a gente vai ter tanta coisa

feia daqui pra frente ... e a gente tem que se pegar com Deus ... cada vez mais

porque ... a gente vai sofrer muito daqui pra frente ... vai ter tanta coisa feia ...

gente passando fome ... (D&G, p. 255).

Em (91) ocorrem dois SVIs formados com o verbo fazer. No caso de faz o

retorno, o verbo fazer pode ser classificado como um verbo de ação-processo, isso

porque se observa um sujeito agentivo (animado, volitivo, controlador) e um N que

preenche a casa de objeto direto, ou seja, codifica o sentido da manobra no espaço

físico (movimento efetuado). Portanto, nesse particular, considerando as nuances

semânticas de natureza analógica, tem-se uma ação deliberada associada ao

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234

processo de deslocamento no espaço. E, certamente, usar o verbo pleno retornar no

mesmo contexto discursivo pode causar ligeiro desvio semântico. Por outro lado, em

faço um descanso observa-se mais a indicação de um processo, no qual um sujeito

experimentador (eu) usufrui de um descanso em determinado momento de sua

atividade esportiva. O verbo fazer mostra-se mais desbotado semântica e

pragmaticamente do que no exemplo anterior (embora preserve o traço +controle).

Essa cena verbal poderia ser representada pelo verbo pleno descansar, com similar

equivalência semântica.

No exemplo (92), o SVI inventou uma mentira traz o verbo inventar com um

escopo analógico de verbo de ação-processo: tem-se um sujeito agentivo (“velho”),

caracterizado pelos traços animado, volitivo, controlador; apagado na estrutura

superficial da cláusula, mas pragmaticamente identificado no contexto narrativo.

Apresenta também um SN (“uma mentira”) que assume a função sintática de objeto

direto e o papel semântico de efetuado abstrato.

No caso de (93), o SVI abre os olhos se enquadra funcionalmente no perfil de

evento verbal transitivo. Nele, o verbo de ação-processo, abrir, tem um sujeito

semanticamente indefinido, impessoal (“ninguém”), que resume no referido contexto

discursivo, numa escala hiperônima, os termos “brasileiros”, “nordestinos”,

“sertanejos”. Vale dizer, “ninguém” atua, nem reage, e não toma consciência sobre a

gravidade dos problemas nacionais. Segundo as palavras do informante, estão

todos iludidos. Nesse sentido, mesmo numa extensão metafórica, tem-se um padrão

sintático de estrutura argumental transitiva (SVO), com preenchimento dos dois

argumentos aderentes ao verbo: sujeito (agente) e objeto (afetado).

O exemplo (94), gente passando fome, também apresenta, enquanto

construção semanticamente derivada, um padrão sintático SVO: sujeito

experimentador (“gente”), verbo transitivo passar (gerúndio) e N abstrato como

complemento (“fome”). Talvez alguém alegue que a função do verbo, nesse caso,

oscile entre a de um elemento de semântica quase vazia (mero suporte) e a de um

verbo não exatamente pleno, mas é perceptível que esse verbo ainda é portador de

certo valor semântico. Metaforicamente, tem-se a “passagem” por um período de

tempo em que predomina a “fome” (escassez ou falta de alimentos). Por essas

razões, prefiro manter a linha metodológica adotada na classificação dos verbos

aqui selecionados (CHAFE, 1979; BORBA, 1996, 2002), e considerar passar, no

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contexto em foco, como verbo de processo. Para Neves (2000, p. 26), “os verbos [de

processo] envolvem uma relação entre um nome e um estado, e o nome é paciente

do verbo (afetado)”.

É possível que as entradas lexicais dos verbos processuais não incluam

referência a um agente explícito. Isso não impede, porém, que esses verbos possam

ser empregados para descrever situações agentivas ou causativas. Os verbos em

questão, às vezes, podem não especificar um agente, mas isso não significa dizer

que neguem a existência de um agente ou causa da situação. Essa informação pode

ficar "em aberto". A existência ou não de um agente, nesses verbos, não é, portanto,

uma propriedade do significado lexical. Trata-se, ao invés, de uma propriedade do

significado dos enunciados onde esses verbos estão situados.

Assim sendo, pela própria base metafórica sobre a qual são construídos

vários SVIs, não há como desconsiderar a possibilidade de se expressar um

processo com o complemento livre à direita assumindo a posição de objeto. Essa

interpretação pode contradizer uma idéia corrente em manuais de lingüística,

segundo os quais "(...) tais expressões [idiomáticas] não são estruturas montadas

pela sintaxe e interpretadas pela semântica" (PERINI, 1996, p. 347), ou ainda "De

um ponto de vista gramatical, não haverá nenhum proveito em considerar tais

enunciados [estereotipados] como frases (...)" (LYONS, 1979, p.185). Pelo contrário,

o número significativo de SVIs formados com os tipos de verbos aqui abordados

demonstra que este fenômeno está sob o domínio múltiplo da sintaxe, semântica e

pragmática.

Com isso, parece-me relevante e plausível admitir que as cláusulas com SVIs

são analisáveis tanto quanto as cláusulas (frases) comuns. Vejo, portanto, como um

contra-senso metodológico conferir a esses construtos idiomáticos um estatuto

excepcional, conforme orientam certos estudos lingüísticos que defendem o

argumento de que os SVIs são exceções, devendo ser colocados num glossário de

curiosidades da língua.

A seguir, será abordada a questão do perfil semântico do complemento verbal

(OD), que, na qualidade de elemento co-participante do SV, assegura junto ao verbo

a base da estrutura funcional dos SVIs.

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4.2.4 Categorização sintático-semântica do complemento verbal

Nesta seção, de forma sucinta, procuro descrever os aspectos formais e

semânticos que caracterizam o objeto direto como elemento nominal integrante dos

SVI. Será possível identificar se esse complemento verbal corresponde, com mais

freqüência, a um nome (substantivo) concreto ou abstrato, humano ou não-humano,

animado ou inanimado, referencial ou não-referencial.

Será oportuno verificar quais desses aspectos categoriais proporcionam a

formação +prototípica de SVI, permitindo construir SVIs marcados por um grau

maior de unicidade sintático-semântica.

Todavia, antes de proceder à abordagem dos tópicos acima mencionados,

introduzo aqui algumas noções de objeto direto resgatadas em algumas gramáticas

tradicionais. Por exemplo, o objeto direto é visto como:

“o complemento que, na voz ativa, representa o paciente da ação verbal”

(ROCHA LIMA, 1976, p. 212);

“o complemento que normalmente vem ligado ao verbo [transitivo] sem

preposição e indica o ser para o qual se dirige a ação verbal” (CUNHA;

CINTRA, 1985, p. 136);

“o complemento exigido pelo verbo transitivo, para que o verbo tenha

sentido completo” (ALMEIDA, 1989, p. 424);

“o complemento direto (...) representado por um signo léxico de natureza

substantiva (substantivo ou pronome) não introduzido por preposição

necessária” (BECHARA, 2004, p. 416).

Para Dutra (2003), essas definições tradicionais não só dependem de

informações relacionadas a outros fenômenos gramaticais, como também de

informação proveniente dos vários níveis que compõem o arcabouço gramatical

(morfológico, sintático e semântico).

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Dessa forma, o objeto direto típico, segundo Dutra, apresenta as seguintes

características (i) morfológicas: representado por substantivo concreto, admite flexão

de número; (ii) sintáticas: posiciona-se após o verbo, pode ser substituído por um

pronome oblíquo (átono), na passiva, assume a função de sujeito ou pode ser

deslocado para o início da oração (tópico); e (iii) semânticas: é não-animado, e

paciente da ação verbal (afetado).

Nas palavras de Dutra, considerando os traços acima listados, o objeto direto

“é um sintagma que semanticamente representa um objeto, algo não-animado, sem

volição, cujas propriedades físicas são visivelmente alteradas pela ação expressa

pelo verbo” (p. 81). A partir desse perfil conceptual, o OD típico (prototípico) seria um

substantivo concreto, determinado, específico.

Nesse sentido, Slobin (1980), em suas pesquisas, pôde verificar que as

crianças demonstram perceber, de modo mais nítido e imediato, as ações em que

um agente animado causa intencionalmente uma mudança física perceptível no

estado ou locação de um objeto ou pessoa (paciente), mediante contato físico direto.

Para Givón (2001), mesmo que as caracterizações semânticas e sintáticas da

transitividade pareçam independentes, elas comumente se sobrepõem. Isso significa

dizer que a maioria das cláusulas que são semanticamente transitivas também são

sintaticamente transitivas. Com isso, se uma cláusula codifica um evento

semanticamente transitivo, o agente e o paciente do evento são, via de regra, o

sujeito e o objeto direto dessa cláusula.

Segundo Du Bois (1987), referentes humanos tendem a ocupar papel central

nas narrativas, aparecendo, portanto, como sujeito ou agente, em contraposição,

referentes inanimados, que têm passagem efêmera pela narrativa, são introduzidos

pelo argumento objeto.

Ainda de acordo com Dutra (2003), o objeto direto atípico não é o paciente da

ação verbal, não pode ser substituído por um pronome oblíquo (átono), nem pode

ser movido para a esquerda da oração, e rejeita a transformação da passiva.

Para Duarte e Brito (2003), os verbos transitivos podem exprimir processos,

desde que haja a incorporação do objeto (95), plurais simples ou massivos com

objetos (96 e 97).

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(95) Ele já comeu [a comida].

(96) A Rita pinta [quadros].

(97) A Rita bebe [água] quando tem sede.

Com base em estudos de Hopper e Thompson (1980), Abraçado (2000)

apresenta um quadro que reúne os traços prototípicos da individuação do objeto.

Quadro 8 – Traços pertinentes à individuação de OD

INDIVIDUADO NÃO-INDIVIDUADO

Próprio

Humano, animado

Concreto

Singular

Contável

Referencial, definido

Comum

Inanimado

Abstrato

Plural

Incontável

Não-referencial

Fonte: Abraçado (2000).

Tomando como referência esse conjunto de traços caracterizadores do OD,

pretendo, pois, mapear o caráter morfológico e semântico do SNOD, seu

posicionamento em relação ao verbo e o papel temático frente à ação ou processo

expresso pelo verbo.

Entretanto, a título de adaptação do quadro acima exposto, esclareço que uso

o binômio simples / composto para distinguir o OD constituído por um único item

léxico de um outro formado mediante a combinação de itens léxicos adjacentes

(determinantes, modificadores). Também emprego a distinção entre a posição do

OD na cláusula: situado depois do verbo (pós-verbo), antes do verbo (pré-verbo).

Veja, na tabela abaixo, o conjunto de traços caracterizadores do OD.

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Tabela 6 – Categorização dos traços formais e semânticos do OD nos SVIs

TRAÇOS QUANTIDADE PERCENTUAIS

Morfológicos (número)

Singular

Plural

379

73

83,84%

16,15%

Simples

Composto

212

240

46,90%

53,09%Sintáticos(posição) Pós-verbo

Pré-verbo

452 100%

Animado

Inanimado

19

433

4,20%

95,79%

Referencial

Não-referencial

138

314

30,53%

69,46%Semânticos I

(aspectos)

Concreto

Abstrato

113

339

25%

75%

Semânticos II(papel semântico)

Objetivo

Paciente / Afetado

Efetuado

68

22

362

15,04%

4,86%

80,08%

As primeiras características examinadas se referem à morfologia do nome.

Observa-se o predomínio da forma singular (83,84%) sobre o plural (16,15%).

Associando-se esse aspecto flexional aos traços semânticos concreto / abstrato,

verifica-se que a forma singular converge com o status de abstrato da grande

maioria das ocorrências.

Pode-se observar também que os traços sintáticos de composicionalidade

(simples / composto) mantêm-se relativamente equilibrados. A pequena diferença

entre os percentuais, em favor dos itens compostos, parece apontar para o fato da

atualização dos SVIs no contexto discursivo, fazendo coexistir duas ou mais

alternativas de construções de SN objeto (fazer limpeza > fazer uma limpeza > fazer

uma limpeza geral).

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Quanto aos atributos semânticos, em I se lê que 95,79% dos objetos

apresentam o traço inanimado. O índice de objetos de traço animado representa a

minoria das ocorrências, e dentre essas, embora não computado, o percentual de

objeto animado não-humano mostrou-se insignificante. Por outro lado, em II, mesmo

não havendo o controle do tipo de verbo, para fins estatísticos, com relação às

propriedades de seleção semântica dos verbos dos SVIs, verifica-se que papel

semântico mais selecionado pelo verbo para o objeto117 foi o de efetuado (80,08%),

seguido de longe pelo objetivo (15,04%), e mais distante pelo paciente (4,86%).

Convém frisar que o alto índice de objetos efetuados pode justificar a

predominância de SVIs constituídos por verbos de processo e de ação-processo.

Esse fato pode ser corroborado pela estimativa aferida para esses verbos no Gráfico

7. Para isso, estou considerando como efetuados os objetos realizados ou

construídos no plano literal (físico), mas também os objetos processados no plano

figurado (abstrato). Posso ilustrar essa situação com os exemplos seguintes: fazer

feira (evento mais concreto) e fazer vista grossa (evento mais abstrato).

Para enfatizar a justificativa em torno dos efetuados de natureza abstrata,

basta ver os índices aferidos pelos objetos diretos de traços não-referencial

(69,46%), abstratos (75%) e também pelos inanimados (95,79%). Esse conjunto de

dados numéricos indica que os SNs objeto tendem a representar produtos

resultantes de processos mentais (ter vontade, criar um clima), de processos

subjetivos, socioculturais (fazer amizade, fazer piada, fazer um curso, fazerviagem), ou de processos corporais (fazer alongamento).

Por último, sobre a distribuição do SN objeto na cadeia sintagmática, a

preferência absoluta (100%) está no posicionamento pós-verbo. Essa ordem vem

reafirmar o padrão sintático canônico (SVO) dos argumentos em português.

A esse respeito, Furtado da Cunha (2007) afirma que o OD (explícito)

corresponde ao objeto prototípico, expresso por um SN cuja distribuição é pós-

verbal, e tende a constituir o foco do enunciado, representando o papel semântico

de paciente, ou objeto afetado. Segundo a autora, o objeto explícito é o tipo mais

freqüente, seja nos dados de fala ou de escrita.

117 Segundo Borba (1996), entende-se por efetuado (chamado de resultativo por outros autores) e afetado os ODs relacionados a um verbo de ação-processo; efetuado é o OD que somente ganha existência própria depois de receber a energia do verbo, e afetado é o OD que se deixa apenas afetar por essa energia.

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Convém lembrar aqui um trabalho de Thompson e Hopper (2001, p. 33), em

que usam a expressão “compostos V-O” para se referir às combinações de V + N

que exibem um ou mais dos seguintes traços: (i) a combinação é altamente

lexicalizada; (ii) o objeto é não-referencial; (iii) o verbo é “leve” ou “baixo em

conteúdo”. Nessa perspectiva, por exemplo, construções com fazer + OD são

consideradas lexicalizadas, embora pareçam comportar-se como construções livres

de V-O, com dois argumentos (cf. SILVA, 2007).

Assim, na medida em que há um sujeito agente, mas um objeto não-paciente, a

cláusula, então, afasta-se da transitiva prototípica. No entanto, é plausível considerar

tais construções como sendo relativamente transitivas: a ação tende a ser dinâmica e

o objeto da cláusula, mesmo sendo abstrato, é “perceptível” conceptualmente. Isso

resulta de uma transferência de sentido de natureza metonímica da construção

básica, propiciando uma extensão metafórica de sentido, para a construção derivada.

Na literatura lingüística, freqüentemente aponta-se a não proeminência

pragmático-discursiva dos nomes objetos nas construções cristalizadas, sua

ausência de relevância e persistência tópica. Givón, por exemplo, em vários de seus

trabalhos, alerta para o fato de o objeto direto, nessas situações, ser previsível,

estereotipado, ou não-referencial e topicamente não-relevante. Em outras palavras,

trata-se de objetos atípicos, que não introduzem nem retomam participantes do

discurso. Isso sugere que há uma tendência de a posição de sujeito ser ocupada

pelo agente e a do objeto ser ocupada por um paciente ou tema. Comumente,

assume-se que os papéis temáticos de paciente ou de tema são mais recorrentes na

posição de objeto direto, ou seja, associam-se mais freqüentemente a um

argumento interno. A meu ver, diferentemente, estas ocorrências não constituem

minoria e não podem ser desconsideradas. Sobretudo, porque uma análise de

corpus é um recorte, e o que parece ser minoria em um corpus pode não ser em

outro.

No próximo capítulo, intento apresentar uma série de sugestões de natureza

didática e metodológica, almejando que se traduzam em subsídios utilitários e

exeqüíveis ao alcance dos docentes nas aulas de português do Ensino Médio e do

Ensino Superior (Letras).

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5 QUESTÕES PEDAGÓGICAS

Momento de passar o bastão.

Neste capítulo, procuro reunir, sucinta e objetivamente, informações de

natureza pedagógica concernentes ao ensino da língua portuguesa em nível do

segundo grau e do Ensino Superior (curso de Letras).

Na abordagem das questões pedagógicas atinentes ao segundo grau (Ensino

Médio), oriento-me pelas propostas curriculares emanadas do MEC (PCNs, 1999).

Na discussão das questões pedagógicas pertinentes ao ensino superior, observo os

ditames da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9.394/96), de 20 de

dezembro de 1996, combinados com as diretrizes para o curso de Letras (Parecer

CNE/CES 492/2001), de 3 de abril de 2001, homologado pelo MEC em 21 de julho

de 2001.

Convém ressaltar que o teor desta explanação visa a demonstrar tão-

somente uma possível aplicação de algumas estratégias investigativas na

abordagem didática deste conteúdo temático (SVI), em salas de aula do Ensino

Médio e do Ensino Superior. Não cabe aqui, por razões de alcance e de espaço,

reivindicar a (re)formulação de propostas pedagógicas na área de língua materna

para esses graus de ensino. Nem tampouco cabe resgatar os infindáveis debates

político-pedagógicos sobre as metodologias de ensino. Esquivo-me também do

desejo de inventariar as críticas dirigidas por especialistas às limitações e / ou

contradições dos institutos legais do Estado (LDB, PCNs, etc.) que procuram, entre

outros aspectos, organizar e normatizar a estrutura e funcionamento dos currículos e

programas nessas esferas educacionais.

Por esse prisma metodológico, pretendo descrever, nas seções seguintes, o

conjunto de competências e habilidades a serem desenvolvidas em língua

portuguesa no Ensino Médio e no curso de Letras, conforme os instrumentos

normativos acima mencionados. Com base nesse conjunto de competências e

habilidades, proponho-me a formular, a título de sugestões, um roteiro de atividades

práticas envolvendo os construtos idiomáticos (SVIs).

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5.1 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Em princípio, nos círculos de estudos lingüísticos, se discutem três

concepções de linguagem: concepção tradicional, concepção estrutural e

concepção interacionista (KOCH, 2003). A primeira considera a linguagem

expressão do pensamento. Portanto, segundo essa concepção, se as pessoas não

conseguem expressar-se plena e adequadamente, é sinal de que também não

podem raciocinar bem, não sendo capazes de organizar as idéias com lógica. Para

Travaglia (2002, p. 21), nesse cenário, "a enunciação é um ato monológico,

individual, que não é afetado pelo outro nem pelas circunstâncias que constituem a

situação social em que a enunciação acontece".

Na segunda concepção, a linguagem é instrumento de comunicação. A língua

é uma estrutura disponível ao uso dos falantes, mas com reduzida atuação destes

sobre a mesma. Nessa perspectiva, "a língua é vista como um código, ou seja, como

um conjunto de signos que se combinam segundo regras, e que é capaz de

transmitir uma mensagem, informações de um emissor a um receptor" (TRAVAGLIA,

2002, p. 22).

A terceira concepção considera a língua um lugar de interação de sujeitos

ativos (KOCH, 2003). Nesse contexto, a concepção interacionista da linguagem

prestigia o texto como um instrumento fundamental para se adquirir conhecimento,

capacidade produtiva, comunicativa e de estruturação gramatical. Sob essa

concepção, tem-se em vista a ampla possibilidade de fazer o indivíduo assimilar e

compreender a realidade a partir dos discursos (textos), estabelecendo a ponte entre

a linguagem e a vida. Por esse ângulo, produzir um texto (oral ou escrito) é dialogar

com outrem, é instaurar a conexão entre o sujeito e o mundo circundante, por

intermédio da intertextualidade e da intersubjetividade.

Isso posto, considero imperativo admitir que, face às concepções acima

mencionadas, o que ainda se verifica, no ensino de língua materna no país, é a

permanência nas escolas de um ensino monológico, prescritivo, improdutivo,

tradicional. Mesmo que, às vezes, se deixe envernizar por matizes estruturalistas ou

“construtivistas”, esse paradigma de educação lingüística não tem priorizado o

desenvolvimento da gama de potencialidades do aluno em qualquer nível de

escolaridade.

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É preocupante a demasiada importância dada pelo sistema escolar – e

reafirmada por vários segmentos sociais (família, mídia, e instituições jurídicas,

religiosas, militares) – à gramática normativa. Essa postura118 tende a projetar-se em

sala de aula, resultando em atividades mecânicas e metalingüísticas, onde se repete

muito e se reflete pouco. A aplicação de regras gramaticais, de valor

reconhecidamente coercitivo, prestigia uma única modalidade de língua (culta,

padrão), em detrimento do amplo leque de variedades lingüísticas, autênticas,

consolidadas e operantes.

Não se deve esquecer que existem os trabalhos com textos, no entanto,

dadas as estratégias adotadas em sala de aula, os textos (quase sempre produtos

da língua escrita) tornam-se meros pretextos para introduzir normas e terminologias

da gramática normativa tradicional.

De acordo com Travaglia (2004, p. 9), “a gramática não é um fato ou

fenômeno singular, o ensino de gramática é plural”. Assim, na condição de

profissionais da língua (lingüistas, gramáticos ou professores), é preciso estar

preparados para trabalhar com essa pluralidade de aspectos (sociais, ideológicos,

científico-epistemológicos, políticos, educacionais, entre outros) presentes nas

múltiplas e variadas situações de interação comunicativa.

Em suma, não sou advogado do diabo nesta matéria119, por isso não estou

aqui difamando ou proclamando a ruína da gramática normativa. Longe disso. Esses

fatos são verídicos e públicos. Assim sendo, antes de tentar abolir a importância e o

espaço da gramática normativa, é preferível e mais sensato redimensionar o alcance

de suas regras e reorientar as estratégias didáticas (práticas docentes), que devem

voltar-se substancialmente para um ensino reflexivo e produtivo da língua materna.

Afinal, o mal não reside nas regras, visto que sem regras o social e o coletivo, em

qualquer perspectiva, mergulhariam no caos. E isso é uma verdade para todos

inquestionável. Indesejável.

118 Obviamente, sou sabedor de inúmeras experiências louváveis e bem-sucedidas no ensino de português neste país. Contudo, falando em tese, o que se observa é a supremacia de um ensino escolar oficial calcado nos valores normativos inspirados pela tradição gramatical e cultivados, consciente ou inconscientemente, pela grande maioria da sociedade.

119 Para mais informações sobre essa problemática, sugiro a leitura de Ilari (1992), Dell’Isola e Mendes (1997), Cunha e Cunha (2000), Azeredo (2000b), Bagno (2003), Travaglia (2004), entre outros.

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245

5.1.1 Ensino Médio: competências e habilidades lingüísticas

Sob a égide dos PCNs (1999, p. 125), a linguagem é considerada como a

“capacidade humana de articular significados coletivos e compartilhá-los, em

sistemas arbitrários de representação, que variam de acordo com as necessidades e

experiências da vida em sociedade”.

Nesse sentido, para os PCNs, a linguagem é uma herança social, que

envolve os indivíduos e faz com que as estruturas mentais, emocionais e

perceptivas sejam reguladas pelo seu simbolismo. Com isso, sinalizam que a razão

principal de qualquer ato de linguagem é a produção de sentido.

A linguagem permeia o conhecimento e as formas de conhecer, o pensamento e as formas de pensar, a comunicação e as formas de comunicar, a ação e os modos de agir. Ela é a roda inventada, que movimenta o homem e é movimentada pelo homem. Produto e produção cultural, nascida por força das práticas sociais, a linguagem é humana e, tal como o homem, destaca-se pelo seu caráter criativo, contraditório, pluridimensional, múltiplo e singular, a um só tempo (PCNs, 1999, p. 125).

Isso equivale a dizer que o estudo e o ensino de uma língua não podem

deixar de considerar (como se fossem não-pertinentes) as diferentes instâncias

sociais, pois os processos interlocutivos ocorrem no interior das múltiplas e

complexas instituições de determinada formação social. A língua, enquanto produto

desta história e enquanto condição de produção da história presente, vem marcada

por usos e pelos espaços sociais destes usos (GERALDI ,1996).

Feitas essas considerações gerais, passo a enumerar os principais tópicos

sobre as habilidades e competências preconizadas pelos PCNs (1999, p. 135) para

o Ensino Médio.

1. Representação e comunicação

Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e

suas manifestações específicas.

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246

Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora

de significação e integradora da organização do mundo e da própria

identidade.

2. Investigação e compreensão

Analisar, interpretar e aplicar os recursos expressivos das linguagens,

relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função,

organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de

produção / recepção (intenção, ambiente, momento, interlocutores

participantes da criação e propagação das idéias e escolhas).

Recuperar, pelo estudo, as formas instituídas de construção do imaginário

coletivo, o patrimônio representativo da cultura e as classificações

preservadas e divulgadas no eixo temporal e espacial.

3. Contextualização sociocultural

Considerar a linguagem e suas manifestações como fontes de legitimação

de acordos e condutas sociais, e sua representação simbólica como forma

de expressão de sentidos, emoções e experiências do ser humano na vida

social.

Respeitar e preservar as manifestações da linguagem, utilizadas por

diferentes grupos sociais, em suas esferas de socialização; usufruir do

patrimônio nacional (e internacional), com as suas diferentes visões de

mundo; e construir categorias de diferenciação, apreciação e criação.

Nesse sentido, em torno dessas proposições pedagógicas (competências e

habilidades)120, torna-se esclarecedor transcrever o que preconizam os PCNs (1999,

p. 24):

120 As competências e as habilidades são inseparáveis da ação, porém exigem domínio de conhecimentos. Assim, as competências se constituem num conjunto de conhecimentos, atitudes, capacidades e aptidões que habilitam o indivíduo para vários desempenhos da vida. Já as habilidades se ligam a atributos relacionados não apenas ao saber-conhecer, mas também ao saber-fazer, saber-conviver e ao saber-ser. As competências pressupõem operações mentais, capacidades para usar as habilidades, emprego de atitudes, adequadas à realização de tarefas e conhecimentos (ZACHARIAS, 2007).

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247

De que competências se está falando? Da capacidade de abstração, do desenvolvimento do pensamento sistêmico, ao contrário da compreensão parcial e fragmentada dos fenômenos, da criatividade, da curiosidade, da capacidade de pensar múltiplas alternativas para a solução de um problema, ou seja, do desenvolvimento do pensamento divergente, da capacidade de trabalhar em equipe, da disposição para procurar e aceitar críticas, da disposição para o risco, do desenvolvimento do pensamento crítico, do saber comunicar-se, da capacidade de buscar conhecimento. Estas são competências que devem estar presentes na esfera social, cultural, nas atividades políticas e sociais como um todo, e que são condições para o exercício da cidadania num contexto democrático.

Nesse cenário, de acordo com os PCNs, as habilidades são consideradas

como dispositivos menos amplos do que as competências. Assim, uma competência

estaria constituída por várias habilidades. No entanto, uma habilidade não é

exclusiva de determinada competência, visto que uma mesma habilidade pode

contribuir para competências diferentes.

Percebe-se então que o papel do professor tem de estar centrado em um foco

diferente do tradicional transmissor de informações. Torna-se necessária a

contextualização dos conteúdos transmitidos ou produzidos em sala de aula. Dessa

forma, a meu ver, é imperativo educar para as competências, mediante a

convergência dos processos da contextualização e da interdisciplinaridade.

Com isso, parece impreterível a ruptura com as práticas tradicionais, com

vistas a avançar em direção a uma nova prática pedagógica, interdisciplinar e

contextualizada. Esta nova atitude, em particular no campo de ensino da língua

materna, deve voltar-se para o aluno enquanto sujeito imerso no processo de

aprendizagem com todas as suas potencialidades criativas e cognitivas, em meio ao

conjunto de fatores inerentes à sua identidade subjetiva (fatores afetivos, sociais e

cognitivos).

Sob esse prisma pedagógico, a produção de textos, orais e escritos, deve ser

considerada como ponto de partida e de chegada de todo o processo de ensino-

aprendizagem da língua(gem). Para isso, segundo Geraldi (1997), é necessário

entender que a língua só se revela em sua totalidade e plenitude no texto. Daí que,

no decorrer do processo de produção, o professor deve propor ao aluno a reflexão

sobre o que lê e o que produz, intensificando o ensino, e tendo por base a

experienciação e o manuseio de diferentes tipologias textuais.

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248

5.1.2 Ensino Superior: competências e habilidades lingüísticas

As diretrizes para o curso de Letras (Parecer CNE/CES 492/2001, homologado

pelo Ministro da Educação em 21 de julho de 2001) postulam que os profissionais em

Letras devem ter domínio do uso da língua ou das línguas que sejam objeto de seus

estudos, em termos de sua estrutura, funcionamento e manifestações culturais. Deles

se espera múltiplas competências e habilidades para atuarem como professores,

pesquisadores, críticos literários, tradutores, intérpretes, revisores de textos,

roteiristas, secretários, assessores culturais, entre outras atividades.

Vale lembrar que o processo articulatório entre habilidades e competências no

curso de Letras pressupõe o desenvolvimento de atividades de caráter prático durante

o período de integralização do curso. Dentre as múltiplas competências listadas, em

consonância com os instrumentos legais prefalados, destaco as seguintes,

indispensáveis à formação do aluno (futuro professor) na área de Letras:

domínio dos conteúdos básicos que são objeto dos processos de ensino e

aprendizagem no ensino fundamental e médio;

domínio dos métodos e técnicas pedagógicas que permitam a

transposição dos conhecimentos para os diferentes níveis de ensino;

capacidade de resolver problemas, tomar decisões, trabalhar em equipe e

comunicar-se dentro da multidisciplinaridade dos diversos saberes que

compõem a formação universitária em Letras.

No quesito das habilidades a serem adquiridas na graduação em Letras,

ainda conforme os dispositivos reguladores, almeja-se preparar o futuro professor

para:

a reflexão analítica e crítica sobre a linguagem como fenômeno

psicológico, educacional, social, histórico, cultural, político e ideológico;

a visão crítica das perspectivas teóricas adotadas nas investigações

lingüísticas e literárias, que fundamentam sua formação profissional;

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249

compreender, avaliar e produzir textos de tipos variados em sua estrutura,

organização e significado, em língua materna;

produzir e ler competentemente enunciados, em diferentes linguagens e

traduzir umas em outras;

descrever e justificar as peculiaridades fonológicas, morfológicas, lexicais,

sintáticas e semânticas do português brasileiro, com especial destaque

para as variações regionais e socioletais e para as especificidades da

norma padrão;

interpretar adequadamente textos de diferentes gêneros e registros

lingüísticos e explicitar os processos ou argumentos utilizados para

justificar sua interpretação;

pesquisar e articular informações lingüísticas, literárias e culturais em

língua materna;

articular o conhecimento teórico-conceitual em língua portuguesa e

respectivas literaturas à sua prática em sala de aula, colocando em ação

os instrumentos didático-pedagógicos e lingüísticos adequados à

realidade educacional.

Quanto aos conteúdos, as diretrizes enfatizam que os estudos lingüísticos (e

literários) devem fundar-se na percepção da língua (e da literatura) como prática

social e como forma mais elaborada das manifestações culturais.

Por esse ângulo teórico, impõe-se a importância do discurso e das relações

contextuais, uma vez que a comunicação não se processa por meio de frases, mas

sim por intermédio do discurso multiproposicional. A produção de discursos, pois,

não acontece no vazio. Ao contrário, todo discurso se relaciona de alguma forma

com os que já foram produzidos, possibilitando o jogo de polifonias subjetivas no

eixo espaço–tempo.

A partir desses pressupostos, procuro na seção seguinte orientar algumas

sugestões de atividades com os SVIs na disciplina de Língua Portuguesa,

direcionadas para os alunos do curso de Letras e do Ensino Médio.

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250

5.2 SUGESTÕES DIDÁTICAS: UMA ABORDAGEM PRODUTIVA DOS SVIs

É fundamental reiterar que as sugestões aqui propostas, em consonância

com os pressupostos emanados dos textos legais (LDB, PCNs, PARECER/CNE

492/2001), não devem ser tomadas, unicamente, como “receitas” ou “soluções” para

incrementar ou inovar as aulas de língua portuguesa, e sim como referenciais que,

uma vez discutidos e compreendidos, devem ser adaptados ao contexto da ação

docente, podendo efetivamente orientar as abordagens adotadas nas práticas de

ensino e de aprendizagem da língua materna.

Dessa forma, as atividades devem focar os SVIs nos usos efetivos da língua e

suas formas de atualização nos eventos de interação (tipos de textos / discursos). As

atividades devem contemplar as questões relativas à análise lingüística (elementos

formais da língua) e à análise do funcionamento sociopragmático dos textos

(produções dos alunos e textos utilizados em situação de leitura ou práticas afins).

Em síntese, o foco das atividades didáticas precisa incidir nos elementos

pragmáticos envolvidos nas situações de interação em que emergem os SVIs, assim

como nos elementos de sua materialidade morfossintática e também nos efeitos de

sentidos por eles projetados. Além disso, deve-se atentar para as diferentes

relações intertextuais, isto é, textos de configurações formais similares que circulem

num mesmo domínio sociocultural ou em domínios diferentes, assumindo pontos de

vista convergentes ou divergentes.

Convém ressaltar que as sugestões apresentadas não envolvem “grades de

exercícios” com seus respectivos “gabaritos”. As sugestões, repito, são tópicos

ilustrativos que tencionam subsidiar a criatividade docente, estimulando o trabalho

com construções idiomatizadas, consideradas geralmente como estruturas

irregulares, informais e marginais, embora sua presença massiva e utilitária na

linguagem, em todos os seus níveis de funcionamento, desqualifique tais rótulos e

preconceitos.

Dito isso, a seguir trato de elaborar algumas estratégias didáticas para serem

objeto de apreciação e aplicação em cada nível de ensino ora focado.

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251

5.2.1 Ensino Médio – sugestões de atividades

Antes é importante relembrar que as aulas de português precisam considerar

a dinamicidade da língua. Os alunos sempre demonstram interesse em atividades

significativas que envolvem trabalhos individuais e grupais, criatividade e pesquisa.

Com efeito, uma atividade é produtiva quando possibilita ao aluno a construção e a

desconstrução do conhecimento, e é desafiadora quando apresenta dificuldades,

exigindo do aluno maior envolvimento e desenvoltura.

Nesse sentido, sugiro que, de modo contextualizado, a análise lingüística dos

SVIs observe dois aspectos: (i) a mobilização dos recursos lingüístico-expressivos,

propiciando a produção de sentidos (escrita e leitura), de acordo com a tipologia

textual abordada; e (ii) o momento da (re)escrita, onde se analisa a produção de

sentidos, o emprego de elementos léxicos referentes ao arranjo composicional, as

marcas enunciativas do sujeito-autor, de acordo com os tipos textuais selecionados

e as situações contextuais de produção.

Isso posto, apresento uma série (não exaustiva) de sugestões de atividades

com os construtos idiomatizados (SVIs), para fins de adaptação e aplicação em sala

de aula. Veja o esquema abaixo:

Quadro 9 – Sugestões de atividades para o Ensino Médio

ATIVIDADES OBSERVAÇÕES

Pesquisar conceitos sobre construções lexicalizadas em gramáticas e livros didáticos.

Identificar exemplos de construções lexicalizadas (expressões idiomáticas) nos textos lidos ou produzidos.

Reconhecer os sentidos veiculados pelas construções lexicalizadas no interior dos enunciados.

Essas atividades podem ser feitas em grupo ou individualmente. Têm o objetivo de colocar o aluno em contato com as construções pré-fabricadas, lexicalizadas, seus conceitos usuais e significados convencionais.

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252

Descrever a estrutura dos construtos idiomáticos do tipo SVI.

Classificar os elementos léxicos (verbo, substantivo, artigo, etc.) constituintes dos SVIs.

Essas são atividades voltadas para o reconhecimento da estrutura funcional dos construtos idiomáticos (SVIs) e dos seus elementos léxicos formadores.

Discutir a presença e importância do uso de SVIs nos vários tipos de texto.

Identificar a relação de SVIs com determinados grupos sociais e / ou regionais.

Trata-se de atividades mais reflexivas sobre o uso dos SVIs e as implicações de natureza social e cultural. O trabalho em grupo propicia mais espaço para o debate e veiculação das idéias.

Consultar dicionários para localizar os significados de SVIs encontrados em jornais e revistas usados em sala de aula.

Substituir SVIs por construções alternativas de significado equivalente (paráfrases).

Reconhecer as bases metafóricas de sustentação de alguns SVIs.

As atividades com esses tópicos visam estimular a pesquisa em sala de aula, além de incentivar a produção textual e o trabalho com as relações semânticas resultantes de analogias metafóricas.

Associar a freqüência de SVIs aos tipos de texto estudados em sala de aula.

Comparar textos orais e escritos para verificar questões de freqüência de uso dos SVIs.

Pesquisar, entre os alunos, quais os tipos temáticos de SVIs mais recorrentes.

Essas são atividades de foco estatístico,visando dar suporte às discussões teóricas sobre SVIs e tipos de textos (orais / escritos), principalmente no quesito da freqüência de uso dos SVIs. O trabalho em grupo facilita a divisão das tarefas e o debate dos resultados.

Produzir textos, com temas variados, empregando SVIs.

Refletir sobre os valores semânticos e socioculturais embutidos nos SVIs (ironia, crítica, advertência, censura, etc.).

São atividades adequadas para o trabalho individual, estimulando a produção textual livre e a curiosidade em tornos dos conteúdos culturais embutidos nos SVIs.

Com base nessa série de sugestões, pressupõe-se que as atividades devam

inserir-se no roteiro cotidiano das demais atividades gramático-textuais em sala de

aula, abrangendo as múltiplas manifestações comunicativas em contexto real de uso

concreto da língua. Para isso, é essencial estreitar as relações entre os níveis de

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253

descrição lingüística (morfológico, sintático, semântico), e avançar além do nível da

frase como unidade de análise.

Importa ressaltar ainda que esse assunto (SVIs) pode ser enfocado durante o

transcurso dos três anos regulares do Ensino Médio, com as atividades sendo

distribuídas, adaptadas e recriadas ao longo desse período. Na verdade, trata-se de

um assunto bastante versátil, susceptível de ser abordado nas aulas de morfologia,

de sintaxe e de semântica.

Em suma, o professor, em sintonia com os alunos, dispõe de toda liberdade

para adotar, remodelar e incrementar essas sugestões de atividades, segundo os

interesses, as necessidades e as condições de cada turma em particular.

5.2.1 Ensino Superior – sugestões de atividades

A princípio, torna-se fundamental explicitar que, no curso de Letras, as

atividades com construtos idiomáticos, em especial os SVIs, implicam análises que

devem ultrapassar, necessariamente, o limite da frase. É imprescindível envolver

outros componentes não puramente lingüísticos, mas relacionados e

complementares, tais como: intenções comunicativas, interesses pessoais e

coletivos, situação de produção e de percepção, relações entre os interlocutores,

conhecimento prévio, conhecimento compartilhado, informação nova.

Dessa forma, é preciso avançar da competência gramatical (domínio do

código da língua enquanto sistema de regras e itens lexicais) para a competência

sociolingüística (escolha de formas e significados de acordo com diferentes

contextos). Obviamente, essas orientações devem nortear as atividades didáticas no

Ensino Médio, mas, no Ensino Superior (Letras), torna-se imperativo segui-las com

maior rigor e constância.

Veja, a seguir, um esquema das principais sugestões de atividades didáticas

envolvendo construtos idiomáticos (SVIs) no curso de Letras.

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Quadro 10 – Sugestões de atividades para o Ensino Superior (Letras)

ATIVIDADES OBSERVAÇÕES

Identificar a presença de construções pré-fabricadas nos vários tipos de textos que circulam socialmente.

Pesquisar e comparar os conceitos de construções lexicalizadas em autores de obras lingüísticas.

Essas atividades podem ser realizadas em grupo ou individualmente. Objetivam colocar o aluno em contato com as construções pré-fabricadas, lexicalizadas, seus conceitos usuais e significados convencionais.

Descrever a estrutura morfossintática dos construtos idiomáticos (SVIs).

Classificar os verbos quanto ao tipo de evento verbal.

Identificar os aspectos formais e semânticos do SN objeto nos SVIs.

Delimitar os SVIs +prototípicos e os -prototípicos.

Essas são atividades voltadas para o reconhecimento da estrutura funcional dos construtos idiomáticos (SVIs), focando os aspectos formais e semânticos de seus elementos léxicos formadores.

Fazer paráfrases para os enunciados com SVIs, preservando os sentidos contextuais.

Produzir textos empregando os SVIs como recursos expressivos.

Reconhecer as formas alternativas de atualização de alguns SVIs.

São atividades destinadas à produção textual e à compreensão dos usos de SVIs com múltiplas formas de ocorrência. Focalizam as mudanças morfológicas e sintáticas produzidas na estrutura interna dos SVIs. São mais adequadas ao trabalho individual.

Comparar SVIs entre duas ou mais línguas estrangeiras.

Pesquisa interlingüística sobre a equivalência semântica e cultural de SVIs.

Identificar as motivações metafóricas presentes na formação de SVIs.

Analisar as implicações cognitivas e pragmáticas (frames) no uso de SVIs.

Essas atividades visam estimular a pesquisa em sala de aula, além de incentivar a produção textual e o trabalho com as relações semântico-pragmáticas resultantes do emprego da analogia metafórica na formação dos SVIs.

Discutir os possíveis preconceitos relacionados ao uso de SVIs em textos formais.

Refletir sobre os valores semânticos e socioculturais embutidos nos SVIs (ironia, crítica, advertência, etc.).

São atividades adequadas ao trabalho em grupo, propiciando mais espaço para o debate e veiculação das idéias.

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Convém frisar que, assim como foi estabelecido para o Ensino Médio, no

curso de Letras121 também a aplicação dessas atividades deve pautar-se pela

liberdade e criatividade do professor da área, buscando promover entre os alunos a

reflexão crítica sobre a relação entre sintaxe, semântica, pragmática e cognição, no

trabalho com construtos idiomáticos (SVIs).

Nesse sentido, organizar situações de aprendizagem, nessa perspectiva,

supõe planejar situações de interação nas quais esses conhecimentos sejam

construídos e / ou tematizados pela turma; organizar atividades que procurem recriar

na sala de aula situações enunciativas de outros espaços que não o escolar

(acadêmico); e saber que a faculdade / universidade é um espaço de interação

social onde práticas sociais de linguagem acontecem e se circunstanciam,

assumindo características bastante específicas em função de seus objetivos (ensino

e pesquisa).

Enfim, é preciso entender com acuidade, seja em nível do Ensino Médio ou

Ensino Superior, que o uso de uma ou outra forma de construto idiomático (SVI)

pode depender, sobretudo, de fatores geográficos, socioeconômicos, de faixa etária,

de gênero (sexo), da relação estabelecida entre os falantes e do contexto de fala.

Isso muito tem a ver com os processos de variação e mudança presentes

substancialmente nos sistemas lingüísticos. Portanto, a imagem utópica de uma

língua padrão única, orientada pela modalidade escrita formal e subalterna às

prescrições modelares da gramática normativa, dos manuais didáticos e inclusive

dos programas paragramaticais da mídia, não se sustenta na análise sistemática

dos fatos empíricos da língua.

121 Aqui particularizo o curso de Letras, mas reconheço que este tema (pré-fabricados lingüísticos) poderia ser discutido e trabalhado em outros cursos afins (em Jornalismo, por exemplo).

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256

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Hora de pôr as cartas na mesa.

Na página inaugural deste trabalho, a primeira declaração que introduz o

tema de pesquisa reconhece que a linguagem verbal está repleta de pré-fabricados

lingüísticos. Com essa declaração instituiu-se, primordialmente, a premissa de que

os pré-fabricados (prefabs), e entre estes, de modo especial, os sintagmas verbais

idiomatizados (SVIs), configuram um fenômeno lingüístico de caráter universal

(presente nas línguas naturais), atemporal (presente em todas as épocas) e

multifacetado (com diferentes tipos de construções em variados tipos de textos).

Nessa perspectiva, entende-se que os pré-fabricados circulam de modo livre

e criativo no universo do sistema lingüístico – locus das unidades e categorias

lingüísticas e suas relações sintagmáticas e paradigmáticas, e no universo do

acontecimento lingüístico – locus onde operam o texto, o contexto e os usuários,

instâncias que constituem a complexidade da organização funcional da linguagem

humana.

Embora não tenha sido plenamente demonstrado nesta pesquisa, o estudo da

linguagem pré-fabricada, segundo Erman e Warren (2000), mostra-se relevante nos

campos da sintaxe e da semântica, mas também na área da psicolingüística.

Segundo esses autores, a pesquisa psicolingüística sobre o processamento de pré-

fabricados tem revelado que a compreensão deles é mais rápida do que a de frases

compostas. Ainda esclarecem que o esforço para codificar e decodificar textos

envolve todos os tipos de linguagem pré-fabricada, não apenas as expressões

idiomáticas genuínas.

Com base nesse pressuposto, portanto, sinto-me motivado a sintetizar, nestas

últimas palavras, um raciocínio analógico que pautou, implicitamente, todo o

percurso desta investigação, o qual denomino aqui “metáfora do atalho”. Em outros

termos, a lógica empírica discursiva pertinente à utilização de pré-fabricados

lingüísticos em variados tipos de textos assemelha-se à lógica empírica não-

discursiva concernente ao encurtamento de um trajeto mediante a opção de um

atalho. Mais especificamente: usar com freqüência pré-fabricados lingüísticos

(construtos idiomáticos) constitui um modo mais econômico e expressivo de

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comunicar certos estados emotivos e expressar opiniões, assim como se toma entre

muitos caminhos um atalho, certo e seguro, que possibilita alcançar mais

rapidamente o destino desejado. Basta lembrar como são naturais e recorrentes os

atos de fazer economia – “lei do menor esforço” – no cotidiano das pessoas: desde

encurtar um caminho, reduzir o percurso de uma viagem, até resumir uma conversa,

abreviar uma história, ou mesmo reduzir o volume de exemplos e citações numa

dada justificativa ou explicação, entre tantos outros casos ilustrativos da “metáfora

do atalho”.

No contexto particular dessa metáfora, o atalho representa o uso de SVI

(dinâmico e convencional) e os outros caminhos simbolizam as alternativas

parafrásticas (densas, opacas, polissêmicas) que tentam denotar referencialmente

os sentidos das construções verbais.

Isso posto, volto a atenção para a relevância investigativa dos SVIs enquanto

objeto de estudo, repassando concisamente os pontos centrais desta pesquisa.

A princípio, ficou dito no capítulo introdutório que os SVIs configuram-se como

recursos léxico-gramaticais que refletem, mediante as manifestações discursivas

correntes, os matizes da identidade cultural de um povo ou de uma comunidade em

particular. Dessa forma, os SVIs foram concebidos aqui como molduras de eventos

verbais estocados no léxico coletivo, colocados à disposição dos falantes, visando

atender às suas estratégias discursivas e aos seus propósitos comunicativos. Então,

associado a esse fato, procurou-se justificar a relevância temática e pedagógica do

objeto de estudo, abonada pelas convicções de serem os SVIs um fenômeno regular

e freqüente nos usos reais da linguagem em situações sociointerativas.

Em se tratando dos dados de análise, foi adotado o corpus do D&G-Natal,

com enfoque exclusivo nos registros de língua falada. Em especial, deu-se a escolha

pelo controle das variáveis nível de escolaridade e faixa etária; tipos de textos; tipo

semântico do verbo; e categorização sintático-semântica do objeto direto. Como

defendi, desde o princípio, que se tratava de uma abordagem sincrônica, qualitativa,

de caráter interpretativista, por conseguinte, a mensuração estatística dos dados

estaria voltada para enfatizar e corroborar com as análises teóricas do objeto de

estudo. Defendi, também, a inserção deste trabalho no campo da pesquisa em

Lingüística Aplicada, em consonância com as premissas teórico-metodológicas que

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258

sustentam a sua natureza empírica e asseguram o seu status científico (MOITA

LOPES, 1996).

Notadamente, convém admitir que o escopo da pesquisa limitou-se a um

recorte do vasto universo dos SVIs, por razões teórico-metodológicas, fato que

motivou um olhar focado estritamente nos aspectos formais e funcionais mais

salientes do fenômeno em estudo. Com isso, não foi possível abranger um número

mais elevado de matrizes verbais de SVIs, para certificar-se, com maior grau

comprobatório, que o conjunto de proposições, mais adiante enumeradas, manteria

a equivalência ou a tendência dos índices de confirmação. Também não se mostrou

exeqüível a ampliação dos dados de análise desta pesquisa. Pelas mesmas razões

já aludidas, não se tornou viável trabalhar com mais de um corpus. Seria

interessante, portanto, examinar o fenômeno dos SVIs em textos de língua escrita,

não somente em textos produzidos por alunos-informantes, mas também por outros

informantes atuando em ambientes sociais diversificados, inclusive os autores de

reportagens e artigos veiculados pelos jornais e revistas com circulação em nível

local e nacional. Igualmente importante seria investigar a razoabilidade da

proposição de que, numa idade bastante avançada, as pessoas naturalmente vão se

limitando mais no espaço físico e, conseqüentemente, vão restringindo também as

fronteiras de seu espaço social. Em razão disso, com a pouca mobilidade no plano

geográfico e a reclusão no plano social, esses falantes tenderiam a reduzir o léxico,

distanciando-se das inovações comunicativas, olvidando grande parte do acervo

lingüístico, antes ativo e compartilhado com os membros da comunidade local. Fica

este tópico, também, como sugestão de pesquisa futura.

A propósito, com o objetivo de delimitar o objeto de pesquisa e selecionar o

corpus de referência, tornou-se imperativo escolher, como amostras, duas matrizes

verbais representativas do universo dos SVIs. Nesse sentido, foram priorizadas as

matrizes verbais constituídas de verbo transitivo (VT) com adjunção de um sintagma

nominal na função sintática de objeto direto (OD), seguido ou não de adjunto

adnominal / adjunto adverbial /complemento nominal.

Como norteamento teórico da pesquisa, optei primeiro por apresentar um

breve histórico dos estudos da linguagem, focando as abordagens filosóficas mais

significativas desde o período helênico, passando pela Idade Média, Idade Moderna

até os tempos hodiernos. Associado a esse mapeamento histórico-filosófico,

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259

focalizei também os paradigmas científicos da lingüística, com suas rupturas e

continuidades. Como se trata de um trabalho que se propõe contribuir com o ensino

da língua materna, considerei relevante fundamentar questões teóricas e práticas,

ainda hoje alvo de constantes debates, a partir das discussões filosóficas e

científicas promovidas pelos mais notáveis filósofos e estudiosos da linguagem ao

longo dos últimos dois milênios.

Isso exposto, tratei de construir a base teórica de sustentação dos

pressupostos norteadores da pesquisa. Para tanto, combinei alguns princípios

basilares funcionalistas (inspirados em Givón, Hopper, Thompson, entre outros) com

alguns postulados cognitivistas (creditados a Rosch, Lakoff, Johnson, Goldberg).

Nesta interface teórico-metodológica, mostrou-se aplicável um conjunto de

categorias de análise, de natureza cognitivo-funcional, tais como marcação,

prototipicidade, figuratividade (figura–fundo), construção e estrutura argumental, e

motivação metafórica.

A partir daí, busquei a verificação das questões de pesquisa elencadas e

combinadas com objetivos específicos e pontuais. Com efeito, pela minha ótica, os

resultados práticos puderam ratificar as hipóteses propositivas abonadas pelo

alcance concreto dos objetivos. Assim sendo, mostraram-se exeqüíveis e

confirmados os seguintes postulados:

1. Os SVIs são de domínio coletivo e estão presentes de forma recorrente

nas produções discursivas interpessoais. Verificou-se que todos os

informantes pesquisados utilizaram-se, em menor ou maior volume, dos

SVIs.

2. O uso de SVIs tende a contribuir na redução do custo cognitivo na

produção e recepção dos conteúdos discursivos. Observou-se, em muitos

casos, que os informantes pareciam usar vários SVIs, repetidas vezes,

num mesmo espaço enunciativo, com a finalidade de comunicar

enfaticamente seus pontos de vista, ou dar maior saliência perceptiva a

idéias consideradas mais relevantes.

3. O baixo nível de escolaridade e faixa etária restringem o domínio de SVIs.

A aferição dos dados revelou que informantes da quarta série e da

alfabetização, com idade entre 9 e 11 anos e entre 6 e 8 anos,

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260

respectivamente, demonstraram domínio mínimo de SVIs em todos os

textos produzidos. Considerado a data de coleta dos dados (1993), esses

alunos-informantes estavam no período da infância, o que explica fatores

como limitado conhecimento enciclopédico e, portanto, pouco

conhecimento partilhado. Além disso, as restrições de espaço físico e

sociocultural, associadas à imaturidade cognitiva e experiencial do falante

infantil, limitam sobremaneira o domínio de estruturas lingüísticas

derivadas e semanticamente sofisticadas e convencionais. Menos idade:

menos uso, menos repetição.

4. O automonitoramento discursivo reduz o volume de SVIs nas interações

comunicativas formais e científicas. Essa evidência foi parcialmente

confirmada depois de confrontar os indicadores estatísticos referentes aos

informantes do Ensino Superior com os do Ensino Médio. Os números

atinentes aos informantes universitários tiveram um declínio considerável

em relação aos informantes secundaristas. Em todo caso, a ampliação dos

dados (outros corpora de língua falada e escrita que contemplassem maior

número de informantes e de centros urbanos) seria, a meu ver, necessária

para poder, com mais consistência e segurança, reafirmar ou refutar essa

tese.

5. Os propósitos subjetivos e intencionais dos falantes influenciam o

aumento de SVIs em textos de perfil narrativo e opinativo. Os indicadores

estatísticos mostram que os tipos de textos (NEP, NR e RO) são mais

susceptíveis ao uso de SVIs. Essa tendência pode estar relacionada à

liberdade criativa e subjetiva do informante-narrador, associada também à

maior demanda textual para processar os enredos de episódios

experienciados ou de histórias lidas / ouvidas.

6. Os SVIs exibem variações prototípicas de estrutura e funcionamento. De

acordo com Goldberg (1995) e Givón (2001), as estruturas sintáticas de

eventos transitivos prototípicos apresentam um padrão canônico do tipo

SVO, ou seja, S-agente + V-transitivo + O-paciente. Mas, o deslocamento

do foco sobre os elementos de uma mesma cena semântica provoca o

surgimento de novas codificações sintáticas (construções derivadas). No

exame das variadas ocorrências de SVIs, esses postulados tornaram-se

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efetivamente verdadeiros. Muitos SVIs apresentaram, via extensão

metafórica, um leque de arranjos sintáticos no empacotamento dos

conteúdos idiomáticos, no entanto preservaram similar mapeamento

sistemático da estrutura argumental preferida (S+V+O). Raramente,

verificou-se o apagamento do sujeito da oração. Em síntese, sobre a

relação entre estrutura argumental e construções gramaticais, observou-se

os seguintes aspectos: (a) o verbo possui dois argumentos X (sujeito) e Y

(objeto); (b) o argumento X exerce o papel de agente / experimentador /

beneficiário; (c) o argumento Y, mesmo no plano abstrato, preserva traços

de um afetado ou efetuado; (d) a oração que aloja o SVI está na voz ativa.

7. A maioria dos SVIs surge de analogias metafóricas cotidianas no contexto

sociocultural. Os dados analisados evidenciam que grande parte dos SVIs

tem um fundamento metafórico que suporta a extensão de sentido de um

domínio fonte para um domínio alvo. Para Lakoff e Johnson (1989), a

metáfora é acessível às pessoas comuns na vida cotidiana, e não mero

artifício retórico de usuários comunicativamente talentosos. Trata-se,

portanto, de um processo engenhoso e habitual do pensamento humano,

e não apenas um recurso estilístico superficial e esporádico.

Sobre os aspectos sintáticos e semânticos da classificação dos verbos, pode-

se afirmar, com respaldo dos indicadores estatísticos aferidos no Capítulo 4, que os

verbos de processo e de ação se mostraram predominantemente mais recorrentes

nas produções discursivas de todos os informantes selecionados. Isso implica

reconhecer que foram estes os tipos de verbos mais freqüentes em todos os tipos de

textos trabalhados. Uma razoável justificativa para essa nítida preferência pode estar

na natureza semântica e pragmática desses tipos de verbo. Explicando: os eventos

que envolvem as atividades físicas (ações concretas) ou as atividades psicológicas

(ações abstratas, mentais) revelaram-se, no exame das ocorrências, melhor

codificados, representativa e economicamente, por verbos de ação e de processo,

seguidos pelos verbos de ação-processo. E para efeitos de uma estrutura

argumental preferida dos SVIs, conforme os dados analisados, ela teria de levar em

conta as seguintes constatações: todos os verbos representaram ações, processos

ou ações-processos; exibiram um OD (afetado ou efetuado); mantiveram a

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ordenação linear (S) + VT+ OD, seguidos ou não de determinantes e / ou

modificadores.

Em contraposição, os verbos de estado, pelo índice ínfimo (e duvidoso) de

ocorrência, não entraram no cômputo estatístico da análise dos dados.

No tocante à tipologia semântica dos verbos, devo ainda esclarecer que esta

continua a reclamar uma abordagem mais profunda e consistente nos aspectos

semântico-pragmáticos. Mesmo nos estudos de Chafe (1979) e, mais comumente,

nos de Borba (1996, 2002), lacunas de natureza teórico-metodológica relativas ao

estudo dos verbos estão perceptivelmente à espera de melhores refinamentos. Em

especial, o tratamento dos verbos de estado, em Borba (1996, 2002), configura-se

um capítulo merecedor de revisão e ampliação.

A título de ilustração, posso exemplificar algumas dessas limitações

vivenciadas nesta pesquisa, relacionadas aos trabalhos de Borba já prefalados, com

as seguintes questões:

a) Quando se diz: ter paciência, ter interesse, ter mais liberdade, etc., o

verbo TER seria de estado (estativo)? Parece que Borba assim o faz. Mas,

o nome que se segue ao verbo não é um SN (objeto direto)?

b) Os sintagmas verbais acima não são mais representativos enquanto

processos psicológicos (mentais, emocionais)? O verbo TER, nesses

casos, com sujeito experienciador, não seria de processo?

c) Qual a implicação de classificar um verbo como estativo, se sua descrição

preenche o esquema sintático VT + OD? Sendo de estado, o verbo pode

comportar OD? Na teoria tradicional, os verbos de estado (copulativos)

não admitem OD, e sim Predicativo. Ex.: em Lucas parece cansado, o

verbo é de estado (copulativo), com adjunção de um predicativo

(cansado). Esta é uma descrição comum à GT e à Gramática de valências

(BORBA, 1996). Mas em Maria tem olhos verdes, a GT classifica o verbo

grifado como sendo de ação; já a Gramática de Borba descreve-o como

de estado.

d) Os verbos de ação-processo tendem a ser, prototipicamente e por

definição, verbos transitivos (VT), e os de ação e de processo podem ser

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considerados, funcionalmente, transitivos ou intransitivos (VI). Todos os

VTs e VIs seriam, em princípio, verbos plenos (com carga semântica

ativada). Diferentemente, os verbos de estado são classificados como

“esvaziados semanticamente”, resumindo-se a meros suportes da

significação total da cláusula. Essa não seria uma posição inconsistente e

contraditória, visto que estes verbos ainda resguardam subjacente e

parcialmente uma carga semântica122 bastante significativa?

e) Como fazer, então, para associar satisfatoriamente, conforme a proposta

de Borba (1996), os componentes sintático e semântico envolvidos,

principalmente, na descrição dos verbos de estado?

Assim sendo, em face dessa problemática referente aos verbos de estado,

agravada pela escassa e opaca presença desses verbos nos textos selecionados,

decidi deixá-los de fora da investigação. Propostas futuras de pesquisa poderão

contemplar estes questionamentos e outros temas em aberto.

Até porque, de fato, constatou-se, a partir da ampla varredura investigativa de

gramáticas e compêndios de lingüística, que os construtos idiomáticos, e em

especial os SVIs, continuam sendo superficialmente estudados. Da parte dos

gramáticos, constata-se a completa ausência de estudos sobre construções

lexicalizadas, mais conhecidas como “expressões idiomáticas”. Como exemplos de

pré-fabricados lingüísticos, as gramáticas normativas tradicionais tratam, no campo

da morfologia, apenas das construções perifrásticas (locuções verbais, prepositivas,

conjuntivas). Realmente, conforme ficou esclarecido no Capítulo 1, estes são tipos

de pré-fabricados gramaticais, no entanto são objeto de análises restritas aos

aspectos flexionais e derivacionais, acompanhadas de listas com os exemplos mais

comuns. Em algumas gramáticas, os autores taxaram os construtos idiomáticos de

idiotismos. Curiosamente, os principais dicionários de língua portuguesa reúnem em

torno deste verbete as noções de construção peculiar, modismo, e idiotice. Em

contrapartida, os estudiosos da esfera lingüística chancelam trabalhos que discutem

com mais propriedade os construtos idiomáticos em geral. Todavia, conforme leitura

122 Compare os exemplos: ficar doente, continuar doente, parecer doente, estar doente, ser doente.Não seria um contra-senso nivelar semântica e pragmaticamente todos esses casos, tratando-os numa descrição reducionista e inadequada da natureza conceptual de cada evento (cena semântica) em particular?

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das obras selecionadas, as análises ressentem-se ainda de um maior

aprofundamento científico da questão, com vistas a descortinar nuances sintáticas,

semânticas, pragmáticas, cognitivas e discursivas, que se vinculam à formação e ao

uso dessas construções, consideradas por muitos pesquisadores como estruturas

idiossincráticas.

Sem pretender esgotar essa discussão, dada sua complexidade, os SVIs, na

condição de elementos significativos, são aqui concebidos como recursos

expressivos postos à disposição dos informantes, colaborando na modelagem

estilística do discurso e na identificação do falante pelas peculiaridades de sua

linguagem. Assim, enquanto recursos expressivos, presumivelmente se admite que

os SVIs podem também ser considerados instrumentos capazes de contribuir para a

coesão textual e a coerência temática (SOARES, 1990).

Por essas razões, de um modo geral, as reflexões teóricas em lingüística,

produzidas e fomentadas nos ambientes acadêmicos, têm chegado às escolas,

contribuindo para a melhoria da prática pedagógica. Reconhecidamente, inclusive

pelos textos oficiais (LDB, PCNs, etc.), os estudos lingüísticos hodiernos são

instrumentos científicos dinâmicos que auxiliam significativamente os professores na

tarefa de inovar e incrementar o ensino de língua materna. Em função da

necessidade premente de transposição didática e criatividade nas estratégias

pedagógicas, no processo de reflexão sobre a prática, os professores de português

precisam, quer em nível de Ensino Médio ou no Ensino Superior (Letras), estarem

abertos ao debate e à interação com autores, pesquisadores e estudiosos da área.

Nesse sentido, ancorado em pareceres dos expedientes legais supracitados,

formulei algumas sugestões de atividades relacionadas ao uso e estudo dos SVIs,

numa dimensão bastante modesta, com o objetivo de subsidiar a reflexão e a prática

docente dos profissionais engajados nos graus de ensino em foco.

Na verdade, as atividades estão orientadas para a ação e criação de

contextos de aprendizagem. Por um lado, tais atividades podem ajudar cada

professor a encontrar suas próprias estratégias de ensino, e, por outro lado,

estimulam a autonomia dos alunos para que lhes permita aproveitar ao máximo

todas as tarefas a fim de melhorar a própria capacidade de comunicação, tanto em

sala de aula como em outros espaços sociais.

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Nesse contexto, resta reconhecer que, diferente da visão tradicional, falar

uma língua implica dominar mais do que suas regras gramaticais e palavras

individuais. Fundamentalmente, uma língua representa um vasto universo de

conhecimentos, cujo domínio funcional, implícito e explícito, requer, de acordo com

Canale e Swain (1980), competência gramatical (conhecimento de componentes

lingüísticos: morfologia, sintaxe, semântica, fonologia); competência sociolingüística

(conhecimento dos usos sociais da linguagem contextualmente adequados);

competência discursiva (capacidade de assegurar coesão e coerência na

comunicação oral e escrita); e competência estratégica (conhecimento para reparar

problemas e tornar a comunicação efetiva).

É interessante registrar, neste ápice, que o presente trabalho ressentiu-se da

(quase) inexistência de dados descritivos e explicativos sobre os SVIs nas obras

especializadas. Isso me obrigou a vivenciar o problema como um desafio, tendo de

inúmeras vezes proceder pelo bom senso prático, intuitivo, na ausência de

comandos teóricos pertinentes. Não obstante, devo confessar, com satisfação, que

ante as agruras vividas nas travessias áridas da investigação, a voz de minha

orientadora me guiava pelas trilhas comuns, atalhos precisos, o que me impediu de

enredar-me no cipoal das especulações inócuas.

Registro isso, finalmente, para enfatizar a imprescindível necessidade de

estudos ulteriores sobre os SVIs, a fim de continuar investigando esse fenômeno

lingüístico, universal e dinâmico, em todas as suas manifestações formais e

funcionais, discursivas e cognitivas. Sem descurar, em paralelo, das implicações e

reflexos desses estudos no âmbito das práticas pedagógicas atinentes ao ensino da

língua portuguesa no país.

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ANEXOS

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CORPUS DISCURSO E GRAMÁTICA: A LÍNGUA FALADA E ESCRITA NA CIDADE DO NATAL

CORPUS RESTRITO: LÍNGUA FALADA EM NATAL

Inf 1, m, 3G, 26a

... aí o motorista também tava muito melado né ... aí passou ... aí na ... na ... na ... aí o motorista não deixou passar ... aí ele cortou pela direita e trancou a gente e jogou todo mundo na BR ... aí foi aquele aperreio todo né ... [NEP, p. 22].

... ficou todo mundo estendido na... na... na... lá na BR... na pista... e passou algumas pessoas e prestou socorro à gente né... [NEP, p. 22].

... aquelas ferida cicatrizando... aí eu fiz uma plástica... tive que fazer uma plástica aqui e aqui né... (id., p. 22).

... aí eu fiquei esse tempo lá e só no final no final de sema/ depois de um certo tempo é que... (...) eu pude receber visita né... (...) ... não poderia receber visitas assim... (id., p. 23).

eu vou contar um filme né ... que o meu irmão assistiu ... gosta muito de filme de terror ... é mais suspense do que terror ... é esse filme é ... o nome dele é ... cemitério ... cemitério maldito né ... ele ... aconteceu no ... no ... no ... era ... era uma história de uma família ... que ia passar um tempo ... num sei ... ia sair da cidade né ... dos Estados Unidos e ia passar um tempo no interior ... (NR, p. 24).

... muitos dias aí ... chegou esse velho lá na casa dele ... chegou esse velho na casa deles

... esse velho que morava em frente a eles ... na outra casa do outro lado da pista ... aí ... como é ... fez ... é pra ... chegou a eles ... pra fazer amizade com eles né ... (NR, p. 25).

... o pai do menino resolveu ir pra cidade né... parece que ele ia... parece que ele ia dar um curso lá... aí ele ia dar um curso... foi dar um curso de primeiros socorros assim né... (NR, p. 26).

(...) enrolou ... disse ... inventou uma mentira lá que ... parece que ... inventou uma mentiralá que ... o velho lá que morava vizinho lá tinha levado o gato pra passear num canto ali né ... aí ... aí por enquanto acreditaram né ... mas também foi durante o dia ... mas quando foi à noite né ... foi perguntar de novo pelo gato né ... ele num sabia mais o que dizer né ... (id., p. 27).

Ele ia sempre lá pra pegar o material pra fazer limpeza esse negócio... (id., p. 28).

... os menino resolveram um dia que tava sozinho em casa... ir pra... pra... ir dar uma voltapra conhecer o cemitério... (id., p. 28).

... aí ... a ... os menino resolveram num dia que tava sozinho em casa ... ir pra ... pra ... ir dar uma volta pra conhecer o cemitério ... vamo lá ver o cemitério lá que a gente num conhece ... aí quando entraram lá no cemitério né ... aquela fumaça ... aqueles negócio lá né ((riso)) de assombração ... (id., p. 28).

... aí ele à noite né sozinho ... botou lá um agasalho ... tava muito frio ... aí foi aí seguiu o cara né ... seguiu o cara ... ele tava sempre assim um pouco de longe ... uma certa distância

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... aí seguiu até lá em cima né ... quando chegou lá em cima ... o cara desapareceu e ele levou um escorrego que foi bater lá em baixo ... (id., p. 29).

... aí abraçou o filho né... aí chamou ele pra casa pra tomar um banho né... aí ele num quis tomar banho... tomar banho...(id., p. 31).

... aí o velho expulsou ele de casa né ... porque num queria que ele visse é:: a mulher dele lá

... a velha lá e o cachorro dele lá ... um pastor alemão bem grande ... aí ele foi pra casa né

... e ficou encucado com aquele negócio ali ... e ficou pensando né ... aí no outro dia de manhã ... disse ... “eu vou deixar chegar o outro dia de manhã pra conversar direito com ele” ... então quando foi no outro dia de manhã ele foi lá né ... aí o velho tava só ... aí o velho resolveu abrir o jogo ... (id., p. 32).

...bem melhor do que... a que existe... que também num é... pra falar a verdade num existe... complexo esportivo na UNIPEC não existe... (DL, p. 38).

... mas é isso aí ... se é a partir do momento que derem liberdade pro técnico escalar a seleção ... só ... vai a tendência é ... é melhorar e também ... também a ... por parte dos jogadores se houver mais vontade ... menos interesse pelo ... pelo dinheiro mas ... se ... se preocupar mais em jogar futebol do que em ganhar dinheiro né? como já aconteceu agora com ... com Careca eu acho que ele pediu dispensa né? pediu pra sair ... pediu pra sair e ... todo mundo sabe ... porque ele pediu pra sair ... porque ele já tem um bom contrato no Japão ... né? num vai ... num vai arriscar a cabeça ... só pra pertencer a essa seleção bagunçada aí ... se o interesse dele é em dinheiro ele ... já tá com bom ... um contrato bom lá e num vai ... se preocupar mais com a seleção brasileira ... é isso aí ... (RO, p. 42).

... a seleção ... não foi bem convocada né ... eu acho que ... os jogadores estrangeiros ... é que são considerados ... os que jogam fora ... os brasileiros que jogam fora na Europa ... não deveriam ser convocados po/ pois tem ... o Brasil tem grandes jogadores aqui dentro ... né ... ganham menos ... têm mais interesse de mostrar seu futebol num é? (RO, p. 43).

não ... eu acho que ... o ... o futebol quando virar empresa ... vai melhorar né? mas enquanto ... enquanto está essa situação ... num tem condições porque ... todos os jogadores ... cada um procurando ... cada um queria ganhar mais ... então ... é ... cada um procurando ga/ querendo ganhar mais do que o outro né ... por aí ganhar dólar na Europa e tudo ... (RO, p. 43).

Inf 2, f, 3G, 31a

... quando terminaram as aulas eu ajudava o professor a limpar o laboratório... nesse dia não houve aula e o professor me chamou pra fazer uma limpeza geral no laboratório... (REP, p. 50).

... o professor quando chegou viu que tinha sido eu que tinha feito o serviço ... aí ele disse que tinha sido ele fazendo uma experiência ... eu não tinha dinheiro pra pagar aquele material todo do laboratório ... aí ficou todo mundo ... “quem foi ... quem não ... quem não foi” ... e terminou ficando o professor com a culpa ... e depois toda a turma ... o colégio inteiro ... fez uma coleta ... todo mundo colaborou pra repor o material do laboratório ... (REP, p. 50).

o professor ficou:: culpado ... né ... porque ... não culpado ... porque um professor fazendo uma experiência não tem nada ... não tem culpa no cartório ... né... (REP, p. 50).

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(...) uma outra experiência fantástica que eu passei ... foi o seguinte ... a escola pública em mil novecentos e oitenta ... não ... setenta e nove ... tava numa sacanagem tão grande ... a escola pública ... que resolveu adotar outro sistema ... colocaram diretores nas escolas ... diretores mais ... é ... rigorosos ... né ... (REP, p. 51).

(...) Então aconteceu que o Atheneu tava uma baderna tão grande que foram buscar um diretor famoso que tinha lá no Salesiano... para assumir a direção do Atheneu... então quando o cara chegou simplesmente botou chave em todos os corredores... todas as portas... (id., p. 51).

... então nós tínhamos um que nós não gostávamos dele... era um professor de mecanografia e ele era louco... o professor era simplesmente louco... louco... daquele de jogar pedra na lua... (id., p. 51).

... com a ocupação nazista ... acontecia o seguinte ... todos os dias naquelas vistorias ... né

... a ocupação pegava transeuntes e levava pra confinamento ... né ... pra aquela prisão ... e chegando lá ... eles saíam é ... eliminando determinados indivíduos ... nesse dia ... esse advogado estava chegando ao seu escritório quando foi pego por essa ... pela ocupação ... né ... chegando lá nesse ... na cela ... tinha uma série já de outros ... anteriormente pegos ... e nesse dia chegou o cara dizendo que dez ia pra o fuzilamento ... então ... eles decidiram fazer um sorteio ... quem era que ia ... então quando chegou o décimo do dia ... quem foi sorteado foi esse advogado ... que agora eu não lembro o nome ... ele ficou apavorado ... né ... com a idéia da morte ... (NR, p. 53).

... aí foi quando ele soube que havia um antagonismo muito forte por parte da família em relação à pessoa que vendeu ... que trocou a vida lá ... com ele ... então ele se faz passar por outro ... ele se faz passar por apenas amigo do morto e que esse morto tinha pedido para que ele as procurasse quando ele conseguisse sair da prisão e realmente ele foi lá ... então pediu emprego e foi aceito como empregado da casa ... na sua própria casa ... exato ... e a partir do momento que ele foi vivendo com essa família ... foi sentindo realmente a raiva ... (NR, p. 54).

... então a família ... mesmo com raiva desse cara ... resolveu hospedar ... como ele ... o advogado sabia que ele estava mentindo ... começou a pesquisar para saber quem era aquele cara ... aquele impostor ... e descobriu ... né ... e ao descobrir ... o outro também faz uma descoberta ... que ele era o cara tão odiado pela família ... o advogado ... né ... então resolve que vai fazer uma trégua .. né ... os dois ... se ele contasse pra família quem era ele ... o assassino ... o cara lá ... ele também contava que ele era o cara tão odiado pela família ... né ... (NR, p. 55).

... que até então ele era um cara bem quisto ... né ... um trabalhador ... um cara honesto ... trabalhador ... morava com as meninas ... uma família e tudo ... só que a polícia tava se aproximando ... né ... tá chegando ... tá fechando o cerco ... com esse cerco fechado ... o que aconteceu ... eles começaram a discutir ... né ... e aí a menina descobriu quem era ele ... a menina descobriu quem era o cara procurado pela polícia e ia entregá-lo ... (NR, p. 55).

... você entra na sala de estar ... na sala de estar ... é uma sala relativamente pequena ... que ao lado direito tem uma ... a:: a sala de jantar né ... então quando você termina essa sala de jantar ... composta de mesa ... cadeiras ... e alguns quadros ... você pega um pequeno vão ... que fica perto da escadaria que sobe para o segundo pavimento ... (DL, p. 56).

... saindo desse vãozinho você entra na cozinha ... uma cozinha relativamente grande ... onde eu tenho freezer ... geladeira ... fogão ... uma mesa ... televisão ... à esquerda ...

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saindo dessa cozinha à esquerda eu tenho uma pequena cozinha auxiliar ... né ... pra ... lavar louça é:: todas essas outras coisas mais pesadas ... (DL, p. 57).

... eu sei que eu tenho uma série de plantas ... né ... um pergolado ... um pequeno pergolado onde eu coloco plantas para dar mais vida ao banheiro ... esse é o meu quarto ... (DL, p. 57).

... a varanda onde a gente faz a nossa sala íntima para ver televisão ... assistir filme ... essas coisas ... então lá tem duas cadeiras grandes e duas redes armadas para a gente ver televisão ... e tem uma mesinha com televisão ... vídeo ... essas coisas ... (DL, p. 58).

... então essa posta de peixe eu coloco num prato específico pra peixe ... corto umas cebolinhas ... isso ele bem quente ainda ... coloco umas cebolinha ... bem cortada ... bem fina em cima desse peixe ... umas coisas de tomate também ... que é pra ... e umas rodelas de limão ao lado do peixe ... porque determinadas pessoas gostam que ele fique mais puxado pro limão ... aí eu coloco ... então esse prato tá arrumado ... então eu ponho a mesa... (RP, p. 61).

... você vê ... por exemplo ... uma Assembléia de Deus totalmente restrita ... que corta assim

... todas as asas do indivíduo pensante ... sabe a religião da Assembléia de Deus ... principalmente ... ela não deixa o indivíduo raciocinar ... ela lhe joga aquele pensamentodela e você não:: você apenas aceita ... sem fazer questionamentos ... (RO, p. 62).

... porque se você observar as pessoas que não têm um deus ... elas não têm um caminho

... elas são desgarradas de tudo ... elas não têm assim um ... elas não têm assim um direcionamento ... enquanto que as:: uma pessoa que tem Deus dentro de si ... não importa que caminho ela utilize para chegar a esse deus ... é por isso que eu digo que discutir religião é um problema muito complexo ... porque cada pessoa tem a sua forma de chegar a Deus ... (RO, p. 65).

Inf 3, f, 3G, 21a

... eu vou:: tem uma experiência que marcou a minha vida ... foi no mês de fevereiro ... no feriadão do carnaval onde a gente fez um retiro para ... pra uma praia de Coqueiros ... fica depois de Touros ... (NEP, p. 72).

... o trabalho foi muito organizado ... foi posto cartaz lá na casa pra obrigação de cada um ... cada horário .. hora de dormir ... hora de acordar ... hora de fazer leitura bíblica ... hora da gente ter os momentos de perguntas ... que tinha os estudos e tinha gente fazendo ... que ia fazer perguntas:: (NEP, p. 72).

... os jovens começaram a se...a se identificar um mais com o outro... a gente começou a criar um laço de amor entre os jovens e era como se fosse todos irmãos... (id., p. 73).

... ao toque de alerta pra todo mundo ir fazer suas obrigações ... aí ele colocava lá o:: som né ... um corinho ... bem acelerado que a gente num tinha condições de ficar mais deitada né ... a gente se levantava né ... cada um tinha hora também determinada pra ir ao banheiro ... né ... fazer suas necessidades ... depois ... não tomava café ... a gente ia logo fazer o culto doméstico ... né ... de manhã ... (id., p. 73).

... nessa consagração pela manhã ... não só eu senti como todo mundo sentiu ... a gente tava lá ... e era um amor tão grande ... todo mundo assim sabe ... aquela união ... todo

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mundo dizendo pro outro que amava como:: como pessoa ... que a vida era maravilhosa ... cada um dando uma força de um conselho... (id., p. 73).

... uma criança pobre... mal nutrida... ali no chão precisando de alguém que lhe levantasse... que lhe desse uma força... (NR, p. 76).

... nós temos uma quadra ... nessa quadra nós encon/ nós encontramos uns jovens esportistas que todas as noites estão lá ... fazendo competições ... todas as noites tem uma competição ... (DL, p. 80).

... todo mundo ficava com aquela tensão ... aproveitava o máximo pra quando ... enquanto não chegava esse policial ... quando chegava todo mundo corria ... aí vol/ quando dava um tempinho que ele saía ... todo mundo via que ele saía ... aí todo mundo que tava escondido voltava de uma vez ... porque era o lugar nos mato aí dava pra se esconder ... era gostoso por causa disso ... (DL, p. 82).

... termina a festa ... ( ) todo mundo triste ... porque trabalhou muito ( ) aí diz e acabou

... pois então a cidade volta ao normalzinho ... é uma cidade pacata ... mas todo mundo se encontra ... então quando tem festa todo mundo vai lá ... se encontra ... todo mundo fica:: é:: num sei quê ... “como foi?”... aí “quando vai embora” ... aí todo mundo fica falando desaforo( ) aí volta aquela vidinha ... novamente que todo mundo acha:: chato ... né ... (DL, p. 82).

... aí eu coloco o recheio no centro do bolo ... pra ela ... ela ficar:: ficar na metade mesmo ... que aí quando leva ao fogo num dá tempo dela descer ... já vai esquentando e de preferência no fogo:: no fogo brando ... pelo menos nos vinte minutos de início no fogo brando ... (RP, p. 84).

... ao nordestino lhe é negado o direito de:: de aprender a se revoltar e ele fica na vidinha dele ... leva aquilo sossegado é:: como a história que te falei ... daquela família nordestina que ele era obrigado a:: a sair de uma cidade pra outra e é assim que eu vejo o nosso país ... ele num sabe como recorrer ... como tirar suas próprias riquezas e ele vive correndo de um país a outro em busca de uma melhor condição e:: e fica abrindo as portas pra os outros países implantar:: (RO, p. 85).

... a solução do país tá nas minhas mãos ... a solução dos meus filhos futuramente tá nas minhas mãos ... mas ele tem medo de enfrentar ... de encarar a realidade ... de pegar o seu direitos de voto e dizer assim ... “eu vou usar essa arma” ... não ... eles se deixa enganar ... se deixa iludir por um dinheiro ... por uma cara bonita ... por um ... por um:: meio de comunicação como é a televisão ... (RO, p. 85).

Brasil ele... ele enfrenta uma transformação muito grande agora... vem enfrentando... agora vai tá piorando e a gente vê aí os brasileiros... os nordestinos... os sertanejos... ninguém abre os olhos... ta todo mundo iludido... (RO, p. 85).

... a gente vê que:: numa forma que a gente não nos valoriza:: tá na:: no cinema ... no cinema brasileiro ... a gente num dá valor o cinema brasileiro ... a gente deixa que as pessoas nos ... nos iluda realmente ... a gente tem medo de assistir os cinemas brasileiros porque eles nos despertam o:: a verdade do Brasil ... (id., p. 86).

... na hora que tocou pro término da aula ... né ... dez e meia ... aí eu me lembrei que eu tinha deixado ... que eu tinha deixado um livro meu lá na sala ... né ... aí eu corri pra sala ... quando eu cheguei lá ... tava lá o professor sentado ... esperando que alguém fosse abrir a porta pra ele sair ... (D&G, p. 51)

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... você vai assistir um filme brasileiro ... você só vê o quê? só vê droga ... você só vê destruição ... você só vê as pessoas se matando ... aquela favela ... aquela prostituição ... aí a cara do Brasil ... as pessoas não go/ não querem assistir ... são elas ... são muito:: num é valorizado ... mas você vê né ... uma novela né ... é modelo americano ... um filme estilo americano ... tá todo mundo lá vidrado porque:: porque eles querem sonhar com a vida melhor ... mas eles só sonham ... no entanto ... querem receber aquilo ... não vê e pra abrir os olhos é difícil ... (id., p. 86).

... quando chega a época de eleição ... o que é que faz? podem ter duas pessoas boas candidatas ... que acontece o seguinte ... eles compra o voto ... pega lá ... vai ... dá um dinheiro e diz “olhe ... vote em fulano” ... ele vai e vota ... num sabe pra quê ... mas vivem em condições miseráveis ... eles têm um dinheirinho a mais ... eles não vão negar ... quer dizer ... o ... daí já lhe tira o direito de ... de escolher o número melhor ... eles são obrigado a viverem ruim ... passam uns dias melhores em busca do dinheiro ... depois continua a na/ naquela mesma rotina de que num presta ... e num sabe mais como votar e depois mete o pau ... comentam ... se lastimam ... (id., p. 86).

... não temos mais esperança ... hoje o presi/ ontem o presidente Itamar esperando que o ... o ... o ministro da justiça chegasse pra dizer alguma coisa ... o ministro da fazenda também pra ver se ele dizia alguma coisa como é que ia fazer a economia ... um plano melhor pra economia ... quer dizer ... um sempre esperando e a solução num vem ... (id., p. 87).

... e eu acho que o nosso país ... ele vai entrar num caos grande e que não há mais solução

... se tiver ... vai ser muito difícil ser encontrada ... terá que ser uma revolução muito grande pra ele sair do abismo em que se encontra ... é uma revolução muito grande ... ele pode até criar os pés e pular um degrau ... mas sair de onde ele tá ... eu acho muito difícil ... é quase impossível ... (id., p. 87).

Inf 4, m, 3G, 30a

... e ... eu participava de um grupo de jovens onde a gente tinha a oportunidade de ... de colocar as coisas em comum e ... alguns ... alguns amigos trabalhavam uns para os outros e quando alguém precisava fazer uma viagem ou estava com as necessidades financeiras ... e eu me lembro que nessa época eu fui muito ajudado pelos meus amigos ... para essa viagem ao Rio Grande do Sul ... (NEP, p. 94).

(...) ele baixava mais... mais e mais e já se via prédios... cidade... arranha-céus ((riso)) aí eu fiquei um pouco com medo pois eu comecei a sentir a fragilidade daquela máquina ((riso)) de metal... aquele pássaro gigante só faltava bater as asas lá em cima ((riso))... (NEP, p. 96).

... minhas malas não precisavam ... ((riso)) eu num precisava carregar minhas malas ... porque tudo acontecia automático e eu ficava numa sala de espera e ... e ... a como é que se diz ... um ... um comissário de bordo dava o toque que já ... a gente já poderia se aproximar do outro avião e ... passava pro outro avião ... ((riso)) e ... eu achava isso fantástico ... (NEP, p. 97).

... eu consegui nesse mo/nesse período... que era de quinze minutos eu acho... a ponte aérea só dura quinze minutos... eu consegui dar uns cochilos e quando eu dava um cochilo Marcos... (id., p. 98).

... eu num relaxava porque existia um ... um período de turbulência né? o avião ... passou por umas nuvens e ... houve uma certa trepidação ... então nesse momento eu tava com profundo sono ... mas eu num ... como eu num conseguia me entregar totalmente ao sono ...

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eu ... é ... no meio do sono quando dava a turbulência ... eu acordava dum sopapo e ... aí eu perdia a classe sabe? ((riso)) (id., p. 98-99).

... aqueles senhores olhavam assim assustados ... porque eu dava sopapo na cadeira ... ((riso)) mas aí ... cada vez que vol/ recobrava a consciência eu ... tomava a minha postura séria ... usava aquele meu personagem quarenta e três ((riso)) (id., p. 99).

... Porto Alegre todo ainda adormecido... umas sete e meia da manhã eu acho... minto... oito horas... oito e meia... mas porque era inverno então dava idéia de cinco horas da manhã entendeu? (id., p. 99).

... o local a que eu deveria procurar quando chegasse nessa cidade que era Santo Ângelo

... Porto Xavier ... próximo de Santo Ângelo ... nas missões ... mas eu teria que ir sozinho ... fazer esse percurso sozinho ... (id., p. 100).

(...) fui à alfândega ... peguei minhas malas e tomei um táxi e fui pra ... rodoviária ... em Porto Alegre ... no centro de Porto Alegre ... o ... o motorista de táxi muito receptivo ... perguntou de onde eu era e ... super ... super hospitaleiro assim ... me deixou bem à vontade e me explicou alguns trechos ... dali do centro como eu deveria ... se ... se eu voltasse a Porto Alegre sozinho como eu deveria ... é ... pegar ônibus e táxi ... onde era os lugares mais fáceis ali do centro ... (id., p. 101).

... então a rodoviária de Porto Alegre tem umas lanchonetes assim super apetitosas ... umas tangerinas ... uns ... uns bolos super transados ... com glacês e tudo mais ... ((riso)) o pessoal tem um bom gosto pra comida muito grande ... sanduíches ... meals e bolos confeitados ... pastéis super quentinhos e leite quente ... chocolate quente ... (id., p. 101).

... mesmo que... o cara que... mesmo que não goste de mulher... ((riso)) mesmo que ele num tenha tendência nenhuma encontrando-se com uma mulher daquela ele... faz a cabeça... (id., p. 105).

... a noite tinha sido muito boa ... todos estavam morrendo de medo de estar só ... entendeu? e eu acho que naquela noite ... aquela garota preencheu muito a minha solidão e eu preenchi a solidão dela ... (id., p. 108).

... ele disse ... “olhe... o senhor me desculpe mas é que hoje talvez num vá... num vá ter tempo não pra... resolver... esse seu pro/ e a gente num vá ter tempo pra resolver pequenos ... pequenos clientes não”... ((riso))... (NR, p. 109).

... esse ele era quando mais jovem era muito é :: um homem muito também polêmico... gostava de encrenca mesmo... se... comprava uma briga... ... se fosse o caso pra defender o território dele ... (id., p. 110).

... Pedro Malazarte lá em Recife vivendo aquilo ... porque nessa história de Pedro Malazarte ou Pedro Capitu que eu num me lembro bem direito o nome ... Pedro era um ... um homem pobre e todo desengonçado e atrapalhado também ... que foi convidado pra um ... um jantar e nu/ numa casa muito rica e fez a maior vergonha lá nesse jantar né... (id., p. 111).

... é... passar vexames... então ele disse que começaram a descer os pratos finos... e começaram a chegar as bandejas quentes e os salgados... (id., p. 111).

... vinha aqueles pratos finíssimos de lagostas é ... como é que se diz ... enroladas ... empanadas ... e ... e:: e vinha ... ele pensava que ia acabar e num acabava ... ((riso)) cada prato diferente ... então ele resolveu ... ele ... como ele viu que ia descer muita coisa ainda

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no ... naquele almoço ... ele resolveu ir comendo pequenas porções para não passar vergonha ... (id., p. 112).

... parece que o doutor Carrilho no outro dia ... no mesmo dia ele conseguiu falar com o gerente principal e:: teve um negócio desagradável como ... puxar arma ... um negócio assim sabe? (id., p. 113).

(...) ele fazia um trabalho de mordomo né ... tipo um mordomo ... um jardineiro ... e ele foi fazer um:: uma experiência pra ver se ... é:: morava mais tempo ... mas a família foi transferida ... algum um ... as pessoas que moravam nessa casa foram para ... morar na Europa ... (id., p. 115).

(...) quando chega uma filha do doutor Carrilho da Europa ou de qualquer lugar do mundo... manda chamar ele porque quer revê-lo e quer conversar... contar histórias e botar as coisas em dia... (id., p. 119).

... durante a semana tenho corrido aí na praia ... eu corro dois dias e três dias eu faço exercícios parado ... localizados mesmo ... (DL, p. 117).

... eu corro daqui da Praia do Meio até a praia ... é ... a Praia de Areia Preta ... que ali próximo do Farol de Mãe Luiza ... e de lá volto até ... o Forte dos Reis Magos ... onde não tem mais lugar pra gente adiantar então a gente faz o retorno e volta pra ... e eu volto pra Praia do Meio ... faço um descanso e ... (DL, p. 117).

... porque eu prefiro é ... correr na Via Costeira ... porque eu acho mais amplo ... o ar é mais puro ... menos ... menos é ... carbonizado porque ... você correndo próximo de ... de ... de pistas ... é ... onde trafegam muitos carros ... você corre o risco de tá ... de tá ... jogando pro seu pulmão tudo que é gás nocivo né ... processado pelo ... pelos automó/ processados pelos automóveis ... (DL, p. 117).

... toda água de Natal é quase mineral... e... esse... esse reservatório alguns urbanistas não têm é... eles não têm cons/ é nem conhecimento desse que existe... eu acho que num têm... ou fazem vista grossa... (DL, p. 119).

... contemplamos um pouco ... falamos um pouco com essa formiga ... ((riso)) demos nossas é ... nossas é ...congratulações ... pedi licença a ela ... de estar invadindo o terreno dela ... a área dela ... e fomos mais à frente e fizemos umas fotografias belíssimas sobre uma duna ... (id., p. 121).

... e foi ali também sentado naquela duna que ela bateu umas fotos de ... perfil meu... minhas... ((riso)) muito interessantes... (id., p. 121).

... uma floresta ... ficamos escutando o barulho dos pássaros ... porque nessa hora eles começam a ... a voltar pra ... pra mata né ... começam a voltar pra ali pra aquelas dunas ... e elas faziam um canto lindo sabe? a gente ficou ouvindo o:: sussurrar dos pássaros ... o piu-piu de cada um ... de cada espécime rara chegando e ... e se despedindo do dia né? (id., p. 122).

... um pássaro... amarelo com marrom e branco com uma crista assim sobre a cabeça... um cocar assim de penas... rapaz que pássaro lindo... ele cantou um canto... que me parecia um lamento ou sei lá um... um alerta à natureza de que ele... de que ele tava sendo ameaçado na sua... na sua vida... (id., p. 124).

... e essa é... um dos meus projetos no... para o futuro é participar de algum movimento ecológico em Natal... fazer algum trabalho de ecologia sério mesmo... me empenhar é ...

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tomar partido... eudiri/ eu disse a você um dia que eu nem mais iria vestir bandeira... nem partido nenhum... nem camisa de partido nenhum mas... (id., p. 125).

... eu sinto necessidade hoje em dia de ... de fazer alguma coisa que ... pela preservação dessas praias ... da natureza e ... a gente tem que defender uma bandeira e a minha bandeira vai ser a bandeira da ecologia ... a bandeira da ... da vida sabe? (id., p. 125).

... eu acho que a praia... o mar tem um poder sobre mim... de... um poder mágico sobre mim que quando eu estou nele eu me transporto pra... uma outra dimensão... (...)... e já se torna um processo de desopilação mental... porque eu consigo fazer viagens... (id., p. 125).

... era noite e a lua tava cheia ... o mar quebrava sobre o ... assim ... sobre o ... o rochedo que eu estava sentado ... sobre a pedra que eu estava sentado ... então eu num precisava nem tomar banho ... (id., p. 126).

(...) eu tinha eu... pensei que tivesse concluído o tra/ concluído o trabalho mas quando cheguei na parte em que eu achava que ia dar nó mesmo... que seria essa parte de registrar os pássaros ... no último momento eu... eu dei uma borrada que.... (RP, p. 130).

... porque o aluno ... sente dificuldade de fazer um mar ou ... um quebra-mar um negócio assim ... um ... um animal que num tava acostumado a pintar ou uma árvore ... uma tonalidade que ... que ele não sabe como ... aí ele chama o professor ... Lavoisier ... e ... o professor dá um toque ... (id., p.131).

... eu chamei o meu professor aqui só pra ele ... pra ele dar umas coordenadas na pintura desse mar aí ... porque eu tava meio inseguro de pintar o mar e ... quando ele veio aqui disse ... “Ítalo ... falta algumas ... alguns detalhes nesse mar ... é:: dá um ... falta ... dá uma idéia de volume a essa onda ... o é:: talvez você jogar um azul da prússia aqui mais forte ... um mais claro ali ... e um mais claro ali ... (id., p. 135).

... conversando com uma colega minha da ...da escola de pintura ... eu ... eu disse a ela que eu tinha esse telefone ... e a gente ... a gente se propôs a ir lá ... depois do trabalho ... dar uma passadinha lá no seu Carlos ... (id., p. 138).

... eu não pretendo... por enquanto fazer mestrado em filosofia não... eu pretendo fazer um outro curso aí na universidade que será... o educação artística... (id., p. 143).

... sinceramente eu acho que eu já ... é ... matei toda a minha curiosidade no campo da filosofia ... no campo da filosofia ... eu estou muito satisfeito ... eu fiz o curso que eu gostaria de ter feito ... tô feliz ... vou terminar muito feliz ... (id., p. 147).

... e agora educação artística é como ... essa coisa de manusear com as mãos ... isso vem de muito longe ... desde pequeno que eu noto que eu tinha uma tendência natural pra fazer trabalhos manuais ... casinhas de papel ... é autorama de papel ... é fortes de palito ... (id., p. 147).

... quando eu decidi ... ou quando eu vi que eu tinha um potencial e que eu deveria desenvolver ... como a filosofia ... um fazer uma escolha como a ... como eu fiz da filosofia na minha vida ... então eu ... eu comecei a me dedicar e ... (id., p. 148).

... seria importante eu... eu... me controlar e não dar vazão a esses impulsos de criação... (id., p. 148).

... é... fizessem parte da minha afetividade maior também... esses... esses quadros que fazem parte da minha afetividade maior... (id., p. 150).

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... eu tô nessa fase ... eu acho que ... sombra e luz num quadro eles são essen/ elas são essenciais ... se ... se você não as coloca fica um quadro é ... infantil ... entendeu? ou incompleto ... se você quer reproduzir uma é ... uma imagem ou uma paisagem é ... é difícil você ... reproduzi-la sem é ... esse contraste de luz e de sombra ... de claro e escuro ... é difícil você dar volume às cores se num houver ... essa ... essa ... como é que se diz ... essa percepção de luz ... (id., p. 152).

(...) eu gostaria de pedir a sua permissão pra um dia... pintá-lo no... em outros tons assim de lilás... sei lá... (id., p. 152).

... é meio impossível de se formar um caráter de uma criança... e até os sete anos e pronto... (RO, p. 156).

... se tem passado algumas comedias são tão bobas que eu num... eu num tenho assistido... eu num tenho nem... num tenho estômago pra assistir... (id., p. 157)

... a soltura dos relacionamentos hoje em dia que se passa na TV ... e que eu acho uma coisa séria ... um ... é:: uma mi/ vai minar ... já está minando eu acho ... tem minado a família brasileira ... eu acho que tem minado essa questão da estrutura família ... que é uma coisa super importante e que deve ser preservada se nós quisermos é ... ter noção do que formos daqui algum ... do que somos a algum tempo ... (id., p. 160).

Inf 1, m, 2G, 19a

... gosto de fazer amizade e tudo mais e sem interesse nenhum assim depois de... de ganhar qualquer coisa em troca por essas amizades... (REP, p. 175).

... e eu puxei Sandrinho pra lá e comecei a cantar corinho e tudo... cantar música lá do Catedral e tudo mais... (id., p. 176).

... tinha gente que eu nem conhecia e falava comigo só por eu conhecer algumas músicas e essas pesso/ e essa pessoa me conhecer ou essas pessoas conheciam e eu ... eu não conhecia e por aí ia né ... aí foi ... pegando mais amizade com o pessoal e tudo ... (id. 176).

... num é comum dançar em música evangélica... né... se mexer em música evangélica... bater palmas... fazer coreografias e tudo mais... (id. 176).

... certo que tem ou... que tem vez que eu brigo e tudo mais... brigava com algumas pessoas... com uns meninos lá... que:: que tirava brincadeira sem graça comigo... (id., p. 177).

... teve um cara até que::que brigou comigo... de Parnamirim... brigou comigo mas depois veio pedir desculpas e tudo mais... (id., p. 177).

... poucos meninos fazem amizade comigo ... geralmente as meninas e tudo fica brincando e eu sou muito palhaço ... brinco ... faço piada com tudo e não sei que e solto piada com o pessoal da minha igreja e tudo mais ... aí por aí vai e sempre passando o tempo ... (id., p. 177).

... a gente tinha uma chapa que de última hora desistiu um cara lá ... Ribamar ... aí desistiu e começou a eleger ... quer dizer ... teve uma discussão lá pra ver se colocava um cara no lugar de Ribamar ou se não ... (id., p. 178).

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... já no último dia ... eu fiquei sabendo que a gente tava concorrendo com três igrejas só ... né ... de várias igrejas ficamos mais perto de ganhar ... né ... a minha igreja e mais duas igrejas e ... e ... aí já começou a ficar mais animado e tudo porque eu queria esse prêmio de todo jeito pra ela ... lá pra igreja ... né ... no último dia já tinha acontecido uma coisa ... já muito interessante pra mim porque eu queria participar do cargo ... quer dizer ... abriram ocasião lá pra um cargo pra presidência da diretoria da JUBALESTE ... que todo congresso tem uma eleição ... né ... (D&G, p. 178).

... teve o vestibular bíblico e Júnior tinha ganho... e Júnior é da minha igreja... né.. aí... eu pensei que era Júnior... mas no fundo... no fundo eu ainda dei uma pensadinha que era eu... (id., p. 180).

... quando a pessoa não liga pra certas coisas ... aí ... acontece sem a pessoa nem ... mais nem ... esperar ... sem interesse nenhum e findei lucrando com isso ... né ... questão de prêmio num poderia me dar nada ... nem um confeito se num me desse nada ... bastava ganhar a homenagem ali ... (id., p. 181).

... então se você:: se fosse uma coisa à força ... se você quisesse ajudar uma pessoa à força só para ganhar o prêmio ... nem faça ... porque você acaba sendo falso ... (id., p. 182).

... doutor Brown consegue ... ou ... cria lá uma máquina do tempo ... né ... uma máquina do tempo e por acidente eles voltam ... aliás ...eles não ... ele ... né ... Michael J. Fox ... que no caso é Martin ... faz o papel de Martin ... é:: consegue:: volta para o passado ... (NR, p.185).

... então ele lembra daquilo... aí então eles dão uma bobeira... (id., p. 186).

... tem horas lá que quase ele altera essa mesma história... ia dar uma confusão maior... entendeu? (id., p. 187).

... é muito interessante ... muito bem bolado o filme ... sabe ... agora é ... realmente é para quem ... é pra quem ... é pra quem não ... é para quem assistiu mesmo... para quem assistiu mesmo o um... né... se num assistiu o um é... se ele num tirar o olho da televisão... você num di/ num entende o dois... que é muito complicado e tudo... (id., p. 190).

... por exemplo loja de surfe ... com artigos de surfe ... só tinha uma na cidade ... então eu acho que aquela uma era:: se entrasse outra ... nenhuma das duas ia vender ... talvez a que entrasse depois fosse vender menos ainda ... né ... porque a freguesia já era daquela outra ... então só tinha uma ... acho que eles fazem isso ... quer dizer ... quem quiser abrir um negócio ... num vai abrir do mesmo jeito que ... que um que já tem ... né ... porque aí não vai adiantar porque a população é pequena ... num dá... (DL, p. 191).

... e quadra organizada demais ... com receptor ... com banheiros chique ... parecia até o palácio dos esportes aqui de Natal ... e ... com vigia tomando conta ... trancado e tudo mais na grade ... e protegido assim para o pessoal num balançar ... num quebrar as coisas e tudo ... e a gente tinha carta branca porque o congresso a cidade todinha ficou sabendo que a gente tava na cidade ... aí ... a gente do congresso tinha ... carta branca para entrar lá ... (id., p. 193).

... e alguém vai querer ganhar mais do que alguém e finda... e finda:: como é que chama::? aí... meu Deus como é? Finda roubando... aí por aí vai... por isso eu acho que tem que ser uma pessoa humilde... muito:: né... pra dar um jeito ... (RO, p. 202).

... tem professor que ensina em colégio particular e em colégio público... então... só que agora em colégio particular ele recebe muito mais... dá vontade de ensinar... (id., p. 203).

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(...) e de oito a dez são as melhores médias do ensino particular... eu acho que deve se dar chance a essas pessoas... (id., p. 203).

Inf 2, m, 2G, 16a

... minha mãe morava no Piauí com toda família... né... meu... meu avô... materno no caso... era maquinista... ele sofreu um acidente... (NEP, p. 209).

... meu padrinho ... tinha dezessete e ele foi obrigado a trabalhar ... foi trabalhar no banco ... e ... ele foi ... o banco ... no caso ... estava ... com um número de funcionários cheio e ele teve que ir para outro local e pediu transferência prum local mais perto de Parnaíba que era a cidade onde eles moravam e por engano o ... o ... escrivão entendeu Paraíba ... né ... (NEP, p. 209).

... e com ... o desenrolar do filme ... o professor vai adquirindo a confiança dos ... dos alunos

... né ... e vai criando um clima superagradável entre eles ... e um determinado grupo desses alunos ... né ... descobre que o professor fazia parte ... quando aluno ... de um grupo de ... de alunos que se reuniam às noites numa caverna ... pra ler ... pra debater poesias ... né ... esse grupo era chamado sociedade dos poetas mortos ... (NR, p. 211).

... eram aulas bem ... bem diferentes ... né ... que vai fazer tempo que eu assisti ... num lembro mais de detalhes ... mas ... eram aulas diferentes ... num era aquela aula metódica ... né ... eles ... expunham ... certas vezes os alunos a debater ... né ... (NR, p. 211).

... o único hotel... que é um hotel também super agradável... fica no pé da serra... que dele pode ter uma visão... total da serra... (DL, p. 213).

... agora eu tô treinando na ASSEN ... apenas três vezes por causa do pré-vestibular ... né ... que eu num posso mais me dedicar tanto quanto antes ... e o treino tinha bastante aquecimento e você dava vários tiros ... pega tempo ... você faz um alongamento fora da piscina ... né ... (RP, p. 214).

... tem que se alimentar bem ... a alimentação antes da prova não pode ser uma alimentação muito reforçada ... né ... tem que comer ... é bom sempre mel ... né ... que tem muito açúcar ... e isso tudo é ... unido a ... ao próprio treino ... né ... que você pratica ... porque é muito treino realmente e você não pode quebrar a seqüência ... é um dos esportes [natação] é ... que você não pode quebrar a seqüência ... (RP, p. 214-215).

... no caso outra coisa pra pensar são os presídios... o cara fica lá dentro mofando... torrando dinheiro... nosso dinheiro... (RO, p. 215).

... eu num seria capaz de matar ninguém ... e também num seria capaz de matar nem o assassino ... eu acho que depois ... só em você pensar no ... na frieza ... se ele matasse um familiar meu ... eu poderia até ter vontade de matá-lo ... mas ... será que dois dias ... três dias depois ... essa vontade ... eu ainda teria essa vontade? eu num taria arrependido? (RO, p. 216).

... eu acho que você poderia colocar ele pra trabalhar ... no próprio presídio ... e tudo aquilo que ele produzisse ... a parte daquilo que ele produzisse ... certo ... ele ... daria ... seria remetido pra família ... entendeu? pra amenizar o sofrimento que aquela pessoa que foi morta causou ... porque aquela pessoa devia ter algum ... dar uma ajuda financeira na própria família ... (RO, p. 216).

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... eu acho que se você puser essa pessoa pra trabalhar ... no momento que ela trabalha o dia todo ... que ela tem uma ocupação.... um serviço ... ela passa a esquecer ... ela passa a se preocupar com aquele trabalho dela ... (RO, p. 217).

Inf 3, f, 2G,19a

(...) eu vou contar duma viagem que a gente fez ... hoje faz quinze dias ... lá pra casa de minha avó ... sabe? Bom Jesus ... aí quando meu pai chegou lá ... no Bom Jesus começou beber umas ... né ... (REP, p. 220-221).

... e ela já tava sentindo dores ... né ... pra ganhar ... minha mãe já tava com nove meses completo ... tava sentindo dores ... então ... minha vó ... a mãe dela ... tava lá em São Paulo ... que ela mora aqui em Bom Jesus ... pra passar uns dias com minha mãe ... porque quando ela ... quando eu nascesse ... ela ia ajudar ... (REP, p. 221).

... quando vinha lá do rio Tietê... tava chovendo muito... a pista escorregadia... né? aí... o carro perdeu o controle... o motorista perdeu o controle... né... (REP, p. 222).

(...) deformado ... num sabe? teve que fazer uma plástica ... porque ... era assim os pedaços do rosto dele ... sabe? que o vidro ... na hora ... bateu todinho no rosto dele ... minha mãe só machucou o joelho ... porque meu pai segurou ... na hora né? minha vó ... que ... que minha vó também vinha dentro do carro ... até esqueci de falar ... aí quebrou os lábios todinhos ... também ficou assim ... caiu os pedaços ... minha vó também tava sem enxergar ... porque ela tinha ido fazer uma operação também ... porque ela ... no momento ... agora ... tá sem ver ... porque fez a operação mas não deu resultado ... porque ela levou uma pancada muito grande ... (NEP, p. 222-223).

... aí meu pai não teve controle e capotou quatro vezes... quatro vezes... eu... fraturei o braço... machuquei o rosto... porque eu levei uma pancada muito grande... (id., p. 223). ... aí na hora minha mãe foi pro hospi/ começou a sentir dor ... meu pai levou ela pro hospital ... aí me ganhou no mesmo dia ... (id., p. 223).

... e a gente tudo morto... como mortos... minha mãe pedindo socorro... aí passou um carro de reportagem... ó...foi logo tirando fotografias de todo mundo... (id., p. 224).

... foi um sufoco ... ele passou muitos dias assim ... sabe? aéreo ... pessoa chegava lá em casa ... tudo bem Bigode? aí ele ia dar dinheiro pra pessoa ... você acredita? era desse jeito ... e quando ele:: ele saía assim de pé descalço ... sabe? pra todo canto ... e num dizia pra onde ia ... saía sem camisa ... ia pro supermercado fazer feira ... ia assim por instinto ... sabe? num dizia nada pra ninguém ... passou quase uma semana ... e desse mesmo jeito ele foi pra Belém fazer um curso ... (id., p. 224).

... tá certo ... que beba ... mas ... na hora ... assim ... pronto ... ele chegou lá em Bom Jesus era umas oito horas ... aí começou a beber de oito a uma ... sabe? quer dizer ... oito horas ... quando desse doze ... “não ... vou almoçar ... vou tomar um banho ... almoçar e vou dormir” ... porque quando ele acordar assim umas quatro horas ... já tava ... bom ... né? (id., p. 225).

... eu sou uma pessoa assim que quero viver assim ... depen/ independente ... sem ninguém assim ... porque me dá logo raiva ... se eu casar com um homem assim ... eu acho que eu me separo logo ... logo porque ... porque ... é muito triste ... a liber/ a liberdade é uma coisa muito importante ... você viver assim ... dando satisfação a ... a tudo ... bom a pessoa ter confiança em você ... tanto a mãe ... como o namorado ... qualquer pessoa ... que confie em você ... não ... toda hora perguntando ... pra onde é que você vai ... o que você fez ... o que deixou de fazer ... isso é triste ... (id., p. 226).

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... mas tem dias que eu num gosto de dizer... sabe? porque eu já to abusada... já sabe de onde é que eu venho... aí fica perguntando aí... aquilo vira rotina sabe? e é ruim porque você bota em costume... e eu coloquei costume na minha mãe... tudo que eu faço ... digo a ela ... às vezes ela ... chega até a ... me aborrecer ... porque às vezes ela não concorda e fica soltando piada ... num sei o quê ...sabe? aí eu num gosto dessas coisas ... (id., p. 226).

... aí eu já botei muito costume na minha mãe ... sabe? (id., p. 226).

... namorava escondido mesmo... apanhei por causa dele... sabe? tudo... tudo por ele... e não valeu a pena... realmente... num valeu... (id., p. 227).

... aí que eu namorava mesmo escondido ... namorava escondido mesmo ... apanhei por causa dele ... sabe? tudo ... tudo por ele ... e não valeu a pena ... realmente ... num valeu ... mas pelo menos eu fiz o que eu queria ... isso é que im/ importa pra mim ...sabe? porque a vida num é ... num é um mar de rosas ... né? se você ... se fosse era muito bom ... porque tudo que você ... você fizesse ... você tivesse certeza que ia dar certo ... era muito bom ... mas você não ... você tem que ... passar por aquilo pra ver ... se der certo ... melhor ainda ... se num der né? levantar a cabeça e seguir em frente ... (D&G, p. 227).

... um dia desse eu tava me lembrando ... ontem mesmo ... eu tinha vergonha de comer na frente de Alexandre ... às vezes a gente ia lanchar ... e eu ficava entalada ... era ... e com ele não ... o Tarcísio ... sabe? nem sinto vergonha ... pelo contrário ... como ... aí como ainda mais ... (id., p. 227).

... aconteceu tudo isso... da gente ter terminado o namoro... porque ele colocou chifre em mim... aí... eu também coloquei nele... (id., p. 229).

... quando eu cheguei lá... eu já ia com o intuito de ir mesmo pra... passar um chifre... (id., p. 229).

... e disse pro rapaz... que eu tinha um namorado... que gostava muito dele... sabe? e ele sem entender nada... como é que gosta dele e tá botando chifre... né? (id., p. 229).

... e eu firme e forte dizendo que tinha colocado... sabe? eu não ia mentir... né? depois ele ia saber... ia ser pior... num ia tapar o sol com a peneira... (id., p. 230).

então tá certo ... já que não é mentira ... eu não posso passar por cima do meu orgulho ... então ... a gente termina por aqui” ... e fiz ... “tá certo” ... mulher ... eu era tão cínica ... sabe? ele sempre disse pra mim que eu era muito fria assim ... calculista ... eu não me rebaixava sabe? dizia ... “não meu filho ... tá certo” ... toda fria ... como se não ia fazer falta ... num fosse fazer falta ... (id., p. 230).

... e aí aquele amor que eu sentia por Alexandre que não podia dar o braço a torcer... nem demonstrar... porque ele não reconhecia... passou tudo pra ele... pro Tarcisio... (id., p. 231).

... tive uma crise de garganta super... sabe? forte mesmo... daquela que... você num pode engolir... nem a saliva... (id., p. 231).

... meus braços já tava tudo dolorido... e eu morro de medo de tomar injeção... mas dessa vez eu me acostumei... porque foi tanta injeção... ( id., p. 232).

... minha garganta ... eu tenho o maior medo que aconteça isso de novo ... quando eu sinto

... que minha garganta tá seca ... eu já começo a tomar remédio ... ( id., p. 232).

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(...) e esse homem muito rico... parece que ele tinha... tomado posse de algum... de alguma coisa assim... (...) ela levava uma vida super diferente da dele... era prostituta... saía toda noite... né... pra ver se faturava dinheiro e ele era muito rico... aí... nunca tinha dirigido... imagine... ele nunca pegado num carro... sempre teve motorista né... (NR, p. 233).

... porque ela... assim na avenida... né? rodando bolsinha... (id., p. 233).

... mas num foi pra isso... que ele gostou dela mesmo... como pessoa... pra fazer companhia... (id., p. 234).

... ele começou a se comunicar com ela e tudo ... aí explicou que tinha ... uma ... uma noiva

... e que queria se comunicar com ela que desse um jeito pra eles ... pra ele penetrar dentro dela ... pra começar conversar com ela ... aí ela não acreditou ... (id., p. 237).

... algumas coisas que ele ... que ele fazia ... pra identificar ... sabe ... parece que uma moedinha de um cruzeiro que ... que ele tinha dado pra ela ... ela mostrou ... aí ela começou a ver que ela não tava mentindo ... aí ... eu sei que teve ... quando ela tomou con/ conhecimento que a moça não tava mentindo ... essa morena ... essa morena ... aí ... ela convidou ela pra ir na casa dela ... (id., p. 238).

... depois da primeira vez ... aí começou ... né? começou a acreditar mais ... aí ... fazer contato sempre ... (id., p. 238).

... um jovem... muito rico... como eu disse pra você da outra vez... e ele tinha que fazer uma viagem... uma viagem... é... parece que era... pra... Nova Iorque... (id., p. 239).

... já tinha um carro super chique pra ele... então ele teve que:: botar... arregaçar as mangase dirigir... então ele... saiu pela cidade... (id. p. 240).

... aí ela repetiu... “eu fico por tanto”... aí ele disse... “eu dou tanto”... era... muito mais do que ela pediu... ela chega caiu assim na espuma sabe? aí ficou supercontente... aí ele começou a... tomar amizade né? (id., p. 241).

... ele foi convidado pra ir pra um jantar... e um parece que era um sócio dele... do... do setor que ele trabalhava... que ele era dono né? aí tinha um sócio... aí ele levou ela pra ir... chegando lá ele pediu um prato... que ela foi enfiar o garfo e o negócio voou... (id., p. 242).

... ela disse que não era ... que era mentira que tinha rejeitado ... mas ele não acreditou ... aí ela se sentiu assim ... é:: humilhada ... porque ... acreditar mais no amigo do que nela que tava vivendo com ele ... né? aí então ela começou a arrumar as coisas dela ... só as roupas que ela tinha ... trago sabe? só aquelas mesmo ... michuruca mesmo ... num levou nada de luxo ... só levou as ... as roupas que ela vinha mesmo ... pegou ... botou tudo na mala ... bem direitinho ... e foi pra casa ... pra velha casa ... e tava satisfeita já que num tinha dado certo ... tinha que né? levantar a cabeça e seguir em frente ... num deu certo ... (id., p. 243).

... porque era uma coisa impossível... era só uma fantasia... ela pensava que num ia ter condições nunca de ser realizada... (id., p. 244).

... essa pena... de morte aqui no Brasil... também tem o seu lado negativo... que só quem poderia pagar... se... se fosse adotado mesmo a pena de morte... também é:: seria possível assim só quem fosse pagar os pobres... quem não tivesse condições de botar um advogado... (RO, p. 245).

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... eu acho que se o Brasil adotasse essa lei ... essa pena de morte ... a ... criminalidade ia diminuir bastante ... sabe? bastante mesmo ... porque não tem cabimento ... se não tomarem uma providência ... já ... cada vez vai aumentar ... (id., p. 246).

... estrupou [sic] e depois de estrupar... matou e enterrou... isso é um crime muito... irracional... sabe? eu acho que a pessoa... porque a pessoa que faz uma coisa dessa... é irracional... não tem... não tem sensibilidade... (id., p. 247).

... brasileiro é assim... quando tem uma folguinha... minha filha... quando tem uma... uma brechinha pra... levar vantagem... (id., p. 249).

... principalmente essas pessoas... essas crianças de rua... sabe mais do que... sabe o que é certo e o que é errado... eles fazem porque quer... esse negócio de... de cheirar cola... (id., p. 250).

... porque isso é um crime que não... que não me conformo... sabe? a pessoa tirar a vida de outra assim... sem pensar... (id., p. 250).

... então se matar pra defender vai morrer os dois... porque um... por exemplo assim... matar pra defender... deixe eu dar um exemplo... (id., p. 250).

(...) aí o pessoal tá mais calmo... né... já pensa com mais raciocínio... e não com tanta emoção... mais eu também não tomei conhecimento... assim... não sei o que o povo tá pensando... (id., p. 252).

(...) tem agora esse assunto do plebiscito... aí pronto... já é outro assunto pra... pra ocupar a cabeça do brasileiro... né? (id., p. 252).

... uma pessoa da sua família comete um crime ... aí já pesa ... mais um pouco ... você gosta daquela pessoa ... então você não vê com os mesmos olhos que eu tô vendo agora ... né? que é um estranho ... tem que morrer ... num sei o quê ... quando é uma pessoa da família ... próxima ... você gosta ... cometeu um crime ... mas às vezes tava no seu estado ... num tava no seu estado normal ... né ? tava bêbado ... porque ... a pessoa bêbada comete crimes assim ... num instante ... tá bêbado ... estranha outro ... pronto ... mete a faca ... (id., p. 253).

... eu acho que tudo devia ser assim ... o povo decidir ... porque se der errado ... foi o povo que decidiu ... como Collor ... né? não deu certo ... então foi o povo que quis assim ... agora ... minha filha ... é levantar a cabeça ... teve impeachment ... né? pronto ... (id., p. 254).

... por isso ... que eu digo ... tá no fim do mundo ... a gente vai ter tanta coisa feia daqui pra frente ... e a gente tem que se pegar com Deus ... cada vez mais porque ... a gente vai sofrer muito daqui pra frente ... vai ter tanta coisa feia ... gente passando fome ... (id., p. 255).

(...) um sonzinho ... que vai mais velho do que eu ... acho que tem uns sete anos ... desde que a clínica foi fundada ... tem hora que ele quer parar ... sabe? me dá uma raiva tão grande ... (DL, p. 257).

... o primo dele ... que vigia a clínica ... mora ele ... a esposa e os dois filhos ... uma menina e um menino ... aí ... nesse quarto menor ... ele moram nesse quarto menor porque não fica de frente ... o maior fica de frente ao portão ... então dá pra ver o movimento ... né? (DL, p. 258).

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... as rugas vão aparecendo ... baixinho ... gordinho ... enjoado ... chato ... sabe? porque ... reclama de tudo ó ... falando em dinheiro ... pra ele ... é o ponto fraco dele ... sabe? você quer machucar ele ... é você querer tirar dinheiro dele ... (DL, p. 259).

... lá eu faço de tudo um pouco ... atendo telefone ... atendo telefone quando toca ... aí lá vai

... Clínica Asclepíades Oliveira boa tarde ... boa ... aí tem dia que eu ... sabe? troco ... porque às vezes eu tô ... eu tava muito de tarde ... aí ia atender de manhã ... disse ... boa tarde ... já acostumada ... ainda bem que foi meu noivo que tinha ligado pra mim ... e ... também ... atendo telefone ... limpo a clínica ... porque até isso tem que fazer ... e não reconhece ... e ele não reconhece ... limpo a clínica ... é:: atendo os pacientes ... como assim ... convênios ... aí tem que preencher cada papel ... são doze convênios ... quer dizer ... cada convênio é um procedimento diferente ... tem que preencher ... os papéis ... com coisas completamente diferente ... e depo/ quer dizer ... tava onde? atendia os pacientes ... que mais ... atender os pacientes ... marcar consulta ... sabe? marcar consulta ... e quando os pacientes chegam ... minha filha ... aí que o trabalho aumenta ... porque um quer água ... aí lá vai eu pegar água ... (RP, p. 260).

... a gente liga pro paciente... pra avisar... pro paciente num dar viagem perdida... (RP, p. 261).

... já quando é queimadura... coisa urgente... não pode... né... pedir autorização... é logo atendido e depois é que a gente pede autorização no correr do tempo... (id., p. 261).

... aí no caso de queimadura ... como é que a gente ... né? é uma ... uma ... inse/ uma coisa

... que não é segura ... porque de repente num pode dar ... o paci/ o paciente num tem direito né ... vai ter que pagar particular e você quer fazer um tratamento ... (id., p. 262).

... um rapaz que machucou no serviço ... ele trabalha na Petrobrás ... na máquina ... comeu

... o começo assim do dedo ... sabe? o começo do dedo ... a cabeça do dedo ... como dizem

... né? aí foi fazer o tratamento lá ... não foi bem um caso de urgência ... porque já tinham dado ... tomado os primeiros cuidados lá mesmo na Petrobrás ... fizeram curativo e tudo ... e em seguida ele foi lá no doutor Asclepíades porque ia ficar com defeito ... sabe? ia ficar ... comido ... o começo ... tem muita gente que tem acidente de trabalho ... perde o dedo né? e lá não ... ele faz enxerto ... (id., p. 262).

... porque se esquecer ... é carão na certa ... pra pagar ... pra pagar o patrão num quer nem saber ... tem que pagar o que ele quer ... mas na hora que quer as coisinha pronta ... num quer saber não ... minha filha ... é muito triste ... sabe ... você trabalhar ... minha filha ... pra patrão ... é coisa ... todo dia você tem aborrecimento ... (id., p. 263).

Inf 4, f, 2G,19a

... lá na cidade ... a cidade é pequena ... é tudo próximo ... a:: foi ... foi interessante ... não é

... a hospedagem ... quanto à hospedagem a única coisa que a gente tem a reclamar ... mesmo foi quanto a ... tinha um pouquinho de muriçocas né ... e geralmente dá uns problemas no ... no banheiro ... por ser muita gente ... às vezes acaba a água e tal mas ... (NEP, p. 270-271).

... e também tinha pessoas... lá da cidade... visitantes e... teve a abertura no caso... um grupo... o grupo Agraphos dirigiu a música... (NEP, p. 271).

... é da Primeira Igreja Batista de Natal... e teve cânticos... teve louvores... foram músicas... né... que nós cantamos... (id., p. 271).

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... foi muito interessante... e na parte de... depois nós tivemos debate... fizemos um debate...sobre... bíblia e cultura e a gente teve que usar assim um assunto... (id., p. 272).

... nós tivemos... tivemos... um grupo saiu pra fazer... turismo né... por lá na praia... (id., p. 272).

... e a gente no caso ficou ensaiando uma peça que foi apresentada à noite... nós apresentamos uma peça... (id., p. 273).

... passar essa mensagem para essas pessoas eram... os crentes... né... os evangélicos... as pessoas que têm um conhecimento maior na bíblia... (id., p. 273).

... e esse culto foi culto dos talentos espirituais... ou seja... as pessoas têm seus dons... (id., 273).

... as muriçocas só paravam de aperrear quando a gente... de encher o saco... quando a gente deixava a luz acesa... (id., p. 273).

... teve a brincadeira lá de sujar de pasta ... pegaram pasta e foram entrar nos quartos para sujar o pessoal ... e sujou todo mundo ... e quatro horas a gente conseguiu dormir um pouquinho né ... dar um cochilo ... (id., p. 274).

... e na hora que ele chegou lá na casa dele ... um apartamento ... ela viu quando ele ... e os capangas lá dele estavam pra matar um homem ... né ... porque ele não tinha ... num tinha feito lá um serviço direito ... o rapaz ... o homem ... não tinha feito o serviço direito ... então ela viu ... não é ... na hora ... ela escutou ... na hora que eles estavam brigando com o rapaz ... na hora que ela abriu a porta ... foi na hora que eles deram o tiro e mataram o cara ... (NR, p. 276).

... a mulher né ... ela era ... era negra e era super ... assim ... a maneira dela ... o jeito dela era assim muito doida sabe ... muito bagunçada ... se vestia muito bem à vontade ... um dia tava de um jeito ... outro dia tava de outro totalmente diferente ... fazia umas loucuras no cabelo ... (NR, p. 277).

... tinha hora pra acordar e elas acordavam lá de cinco horas da manhã... porque tinha aquele de tomar café da manhã... tudo na hora... tudo certinho... (NR, p. 277).

... a regente do coral... tava errando lá um monte de coisa né... quando ia... dar as notas pra pessoa... (id., p. 278).

... o ex-amante né... tava procurando ela... e a polícia investigando e tal... pra descobrir pistas de onde ele tava... (id., p. 280).

... e ela continuou ajudando lá no coral né ... era super animado ... as freiras gostavam ... gostavam muito ... ela conversava muito com as freiras ... era super amiga das freiras ... e aí ela falou pra madre que a igreja tinha que fazer um trabalho na rua ...pra assim ... pras pessoas conhecerem ... (id., p. 280).

... que a religião né... que ela estava no convento... procurou... porque ela deu um telefonema... (id., p. 280).

... porque ela era meio doidinha da cabeça ... a noviça ... e quando o rapaz conseguiu ... quando ele grampeou o telefone conseguiu descobrir onde ela tava ... (id., p. 281).

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... o lugar que eles tavam tinha muita gente ... era uma espécie de ... de algumas ( ) era um local ... que eles tinham entrado mesmo pra procurar despistar ... despistar a polícia ... despistar pra sair ... (id., p. 281-282).

... as carteiras são ... são pregadas no chão né ... são aparafusadas no chão né ... eu acho que ... eu acho assim inclusive isso um ponto ... um ponto ruim do colégio ... por elas serem aparafusadas né ... às vezes a gente quer fazer um trabalho em grupo e dá um pouco de dificuldade ... (DL, p. 285).

... o suco que fez antes com a liga e mais essa sobremesa ... depois que tira do congelador

... e volta pro congelador e espera dar o ... o ponto certo ... não é? isso é a receita básica ... (RP, p. 287).

... que a religião é que é o certo... que a religião é que pode... te levar ao céu... que a religião pode te dar salvação... (RO, p. 288).

... agora falando assim bem na parte ... na parte espiritual ... assim no relacionamento delas com Jesus ... elas também têm um medo de aceitar que elas estão erradas ... que o comportamento delas são errados né ... que o comportamento é errado ... e aí ... elas ... preferem também não dar a mínima ... né ... preferem não dar a mínima pra bíblia ... pra palavra de Deus ... (RO, p. 289).

... quando você é cristão ... você procura realmente fazer o que Jesus quer ... o que ele deseja ... as coisas que ele ensinou ... não é ... saber a vontade de Deus ... no caso que foram ditas através de Jesus ... Jesus mostrou pra gente ... e os não-cristãos ... num têm interesse ... eles num têm interesse nisso ... em fazer essa vontade né ... (RO, p. 290).

... se você faz alguma coisa pra demonstrar que você crê... né... quando a gente faz pesquisas por aí a fora [sic]... (id., p. 291).

... justamente porque nós temos o interesse de viver num mundo melhor... de ter uma vida... de viver num mundo onde realmente... possa ter uma vida melhor... onde você possa ter mais liberdade... (id., p. 291).

... fazem rituais e mais rituais querendo... pedir perdão... ou querendo mudar alguma coisa... mas na verdade elas não... num levam... né... num vão a lugar nenhum... (id., p. 292).

... porque as pessoas ... na verdade ... tão muito preocupadas em religião né ... nessa palavrinha ou em outras seitas sei lá ... mas na verdade esquecem o principal disso tudo que é Jesus Cristo ... né ... que é Deus ... então surgem muitas religiões ... mas muitas dela ... muita dela ... mas muitas não têm ... é ... num têm interesse ... em falar sobre a vontade de Deus ... não têm interesse de mostrar sobre ... a vontade de Deus ... (id., p. 292).

... você vê nas seitas ... vários deuses ... vários tipos de santos ... né ... quando na verdade isso é totalmente contra os ensinos de ... de Deus ... tem também aquelas ... é ... vários rituais que ... na verdade ... num po/ num podem ... trazer uma verdadeira felicidade às pessoas ... fazem rituais e mais rituais querendo ... pedir perdão ... (id., p. 292).

... a descrença das pessoas ... o fato delas não acreditarem ... não ... acharem que essa história de ser cristão né? como falam ... não tem nada a ver é justamente por isso ... por esses escândalos que existem ... só que eu acho que essas pessoas que ... muitas vezes causam escândalos esse tipo de coisa ... tem alguma coisa errada com elas ... (id., p. 293).

... eles faziam aquilo porque eles amavam... não é? Porque tinham misericórdia... sentiam pena daquelas pessoas... sentiam amor... (id., p. 295).

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... mas no meio evangélico existe... existe muitas pessoas que querem se aproveitar... querem se aproveitar do nome... para conseguir algumas coisa né... existe... existe políticos dentro da igreja querendo ganhar votos... querendo se candidatar... (id., p. 296).

Inf 1, m, 8s, 15a

... foi uma experiência muito gratificante... o acampamento teve início assim na base de umas três horas... (NEP, p. 303).

... e a gente tinha que encontrar um local agradável que pudesse... que pudesse ser... que pudesse acampar... e a gente tirou umas duas horas... (id., p. 304).

... depois teve instrução física... depois reconhecimento de área... depois... teve combate por isso que era preciso... por isso que era preciso fazer reconhecimento da área... (id., p. 304).

... e eu tratei logo de vim pra casa porque... num agüentava mais a fome e vinte e quatro horas sem tomar banho... (id., p. 305).

... alguns gatos que estão por ali ... começam a lamber o sangue dela ... por esse motivo ela fica com algumas características dos gatos e acha isso estranho depois que volta a si ... porque ela começa a ficar ... igual a gato ( ) é ... tem hora que ela tem vontade de miar ... e assim por diante ... (NR, p. 305).

... o Pingüim ele tem um plano de pegar os pingüins que faziam parte da turma dele... (NR, p. 306).

... ele ia arriscar sua vida ... principalmente a dos pinguins ... então pra ele conseguir esse plano ele tinha que ter o apoio do presidente ... que também ... que também fazia partedessa máfia ... (NR, p. 306).

... já era o começo do plano do Pingüim... ele queria fazer uma armadilha para despistar o Batman da cidade... (id., p. 306).

... foi ela que... impediu que ele colocasse a usina nuclear... construísse essa usina nuclear... então ele começa a dar tiro nela... (id., p. 307).

... e no banheiro fica duas portas ... de lado ... uma do lado da outra ... que é a do quarto e a do banheiro ... no banheiro nós vamos encontrar ... um espelho ... um box ... onde é o local que a gente toma banho ... (DL, p. 309).

... em que a pessoa pode trabalhar com a mão livre... você pode fazer o que quiser... você tem mais chance de passar um sentimento... uma idéia através do desenho... (RP, p. 311).

... é assim que eu costumo fazer desenho... (id., p. 311).

... porque você pode criar ... diferentes tipos de letras ... a letra não ... pronto ... eu tô dizendo o formato das letras ... então através do desenho ... pode se passar várias mensagens ... (id., p. 312).

... então eu faço com minha própria imaginação ... eu consigo fazer um desenho sem estar olhando para a paisagem ... para uma pessoa ... para ... ampliando desenhos eu também consigo fazer meus próprios desenhos ... (id., p. 313).

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... eu seria a favor apenas da prisão perpétua ... não da forca ... da câmara de gás ... da cadeira elétrica ... em que o assassino tem uma morte muito instantânea ... onde ele não paga o que ele realmente fez ... enquanto na forca e outras ... enquanto quer dizer ... na cadeira ... na ... enquanto na prisão perpétua ... ele vai realmente sofrer ... ele realmente vai pagar os seus pecados ... (RO, p. 314).

... às vezes pessoas que roubam... um saco de feijão... um relógio... tá na cadeia... enquanto que outros que deu prejuízo à sociedade... (RO, p. 314).

... eu acho que deve acabar ... essa pena em outros países que ainda está predominando ... deve acabar ... de qualquer maneira deve acabar ... temos que fazer um movimento para acabar com a pena de morte ... (RO, p. 314-315).

Inf 2, f, 8s, 17a

... e fazia a quarta serie num jardim... chamava-se Pica-Pau esse jardim... teve passeio no dia das crianças... (NEP, p. 322).

... a saída foi no colégio... no ônibus... o pessoal se reuniu todo mundo... fizemos fila né... todo mundo fez fila... (id., p. 322).

... a turma todinha ... chegamos no Vale das Cascata ... tivemos que fazer um examemédico ... porque ... num podia entrar na piscina antes ... se tivesse algum tipo de doença num podia entrar na piscina ... na piscina ... e antes de entrar ... tinha que fazer o examemédico e depois ... tomar um banho de chuveiro né ... frio ... depois ... todo mundo foi liberado pra tomar banho de piscina ... todo mundo tomou banho de piscina ... depois teve a hora do almoço ... cada um tinha su/ a sua mesa ... né ... na sombra ... a árvore ... todo mundo teve a sua hora de almoço ... almoçamos e depois ... continuamos à tarde ... jogando bola ... lá tinha um campo de futebol ... o pessoal ... os meninos se reuniam numa turma ... cada um dividia uma turma ... um professor e os meninos iam jogar bola ... as meninas ... ou tinha uma aulazinha de ginástica ... é:: aula de vôlei também ... a gente jogava vôlei também ... tinha um timezinho pequeno de vôlei ... tinha aula de educação física... (id., p. 322).

... eram dois meninos... (...) combinam de fazer uma aventura... (NR, p. 324).

... se agruparam todo mundo né... arrumaram as malas e tudo... e foi todo mundo pra fazenda... (id., p. 324).

... a casa tava muito suja e tudo... e foi todo mundo arrumar a casa né... (id., p. 324).

... foram tomar conta das vacas... porque tinha uma festa lá que chamava Ferra do gado... que:: tinha que ferrar o gado pra... com as iniciais da letra do dono né... (id., p. 324).

... como é que eles iam fugir... porque tinha que fazer uma fuga... o pai não ia deixar eles irem né... (id., p. 324).

... eles tinham combinado se acontecer alguma coisa ... nesse caso aí que eles se separaram ... que eles se perderam um do outro ... aí fazia um sinal de qualquer jeito né ... aí pronto ... o outro soube ... o nome do outro era até Marquinhos ... e um era Ricardo ... aí o Ricardo foi o que conseguiu escapar ... subiu na árvore ... e quando foi no dia seguinte ... ele fez o sinal dessa fogueira né ... (id., p. 325).

... ficou muito caro... aí o colégio perdeu muito aluno... (DL, p. 327).

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... com o tempo elas começaram... florir... dão umas rosinhas vermelhas... (id., p. 327).

... a gente fica reclamando que faz frio dentro da sala... fica as janelas aberta... (id., p. 328).

... a diretora botava a culpa em cima da gente... aí pronto... bota a culpa em cima da gente... (id., p. 329).

... a gente conversa bastante... mas aí quando chegou a hora da aula todo mundo é na sua... cada um presta atenção ( ) no professor... (id., p. 329).

... bem antes... né... o pessoal já fazia vestibular... pra... pra exercer um cargo né... (RO, p. 331).

... o preparamento que a gente tem pra poder ... entrar numa faculdade ... pra fazer vestibular deve ser o seguinte ... é:: terminar né ... o terceiro ano ... daí ... deve fazer um cursinho ... (id., p. 332).

... eu nem fui nesse dia... porque... adoeci... num tive condições de ir... (id., p. 333).

Inf 3, f, 8s, 16a

... aí tava chovendo ó... a chuva pegou a gente... aí... ai que droga... (NEP, p. 338).

... eu disse... “ah sabe o que que eu fazia com esse pinico? um jarro... fazia um jarro... assim bem bonitão”... (id., p. 339).

... aí... nesse dia ela fazia uma festa num sabe? (id., p. 339).

... quase todo canto tirava foto... eu num gosto de tirar foto porque eu saio feia... (id., p. 339).

... aí ele mandou eu dar uma desfilada... eu fiquei morta de vergonha... (id., p. 340).

... tava vendo aquele coquetel né... (...) eu gosto de caçar palavra... (id., p. 340).

... aí a gente entrou nesse shopping ... a gente fomos lá ... mas menina ... ave Maria ... grande demais ... e bonito ... cheio de rapaz bonito ... rapaz bonito ... e a gente tava procurando os presentes pros amigos secreto né ... eu ia dá um chaveiro com o nome dele ... Luciano ... aí ela disse ... “não ... vamo” ... aí depois ela viu os cinto num sabe? aí naquele tempo ... era o dia dos namorados ... dia treze né? dia doze ... aí:: a gente ficou ... aí ficou ... “é você vai dá o cinto ... num sei quê ... é pra amarrar homem ... num sei o quê” ... (id., p. 341).

... aí ela disse ... “ei ... num tirei ... aí Cristiane ... ei ... eu num tirei foto não ... eu num tirei foto não ... pode dá outro beijo” ... aí todo mundo ... “beija ... beija ... beija ... beija” ... pena que num foi na boca ... foi no rosto ... (id., p. 342).

... outro guia .... num sabe? a mas ele era assim ... era assim ... bicha toda ... aí ele convidou pra gente ir pro restaurante dele ... aí minha filha ... só sei que foi uma confusão danada do gay ... ele disse que:: ele disse que tinha uma promoção ... num sabe? que a gente se fosse comer ... ia acontecer uma confusão lá menina ( ) saiu briga ... aí ele ... aí num ... saiu uma confusão danada ... (id., p. 342).

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... ele disse que a senhora fez o strip tease lá e ele... “minha senhora... num faça isso”... (id., p. 343).

... aí os rapazes passava aí a gente... “ei... bicho aquele... ei bicho aquilo...num sei quê”... aí a gente soltando beijo... (id., p. 343).

... aí quando foi um disse ... “pra que ... pra que é aquela estrela?” aí só que todo mundo ... ficou calado num sabe? todo mundo ficou calado ... aí ... aí ficaram assim sabe? aí ele disse ... “num era pra gente ter perguntado isso não” ... aí ele disse ... “olha ... vocês tenham cuidado ... não andem sozinho e não vá pela floresta ... só vá pela ... na estrada né?” (NR, p. 344).

... aí bom que ele passou ligeiro por dois casal num hotel que tava sentado num:: num:: banco de praça ... aí pegou o casaco da mulher ... vestiu ... aí foi pegar o metrô... (NR, p. 345).

... ele ficou no beco né ... ficou já lá e os policiais querendo matar ele ... mas só que pra matar lobisomem precisa de uma bala de prata né? aí os policiais todinho lá com revólver ... querendo matar ele ... aí foi ... só sei que a namorada chegou ... aí começou a falar com ele num sabe? ela disse ... “olha ... eu sou ... sou sua amiga” ... falando com ele mesmo ... e ele em ar de atacar ela ... e ela disse ... “ó ... sou sua amiga ... vamo pra casa ... num sei o quê” ... quando ele ia atacar ... aí deu um tiro ... nele ... aí ele morreu ... (NR, p. 346).

... quando começa a ferver ... aí eu boto ... macarrão ... claro que antes ... antes eu tenho que quebrar ... pra coisar né? aí eu ... boto ... fica lá ... aí eu dou uma mexidinha ... aí pronto... (RP, p. 350).

... tem vez que eu não faço que me dá preguiça sabe? de botar... de fazer molho... (id., p. 351).

... tá noivo e paquerando lá com uma menina... podendo paquerar comigo... foi paquerando com outra... me dá raiva... (RO, p. 352).

... ninguém quer casar mais... quer fazer... quer se juntar... juntou... juntou os trapos... (id., p. 352).

... e as mulheres de hoje é mais sem vergonha ainda que deixa pegar ... podendo num deixar ... ter respeito ... se valorizar ... não ... se desvalorizam... podendo ela chegar... quando tiver... pegando... dá um tapa na cara... (id., p. 352).

... tá certo que... que beba... mas que saiba beber... não que fique bêbado... bem assim caído... falando besteira... (id., p. 354).

... namoro que sai... vai... fica dentro de carro... faz isso... faz aquilo... esquece... de colocar preservativo... e:: assim... aí acontece as coisa... (id., p. 357).

... porque tem mo::ça ... que é:: muito avançada ... passa também do sinal ... tem vez que num é nem o rapaz ... tem vez que o rapaz num quer nada ... tem vez que o rapaz nem pensa ... aí ela já vai ... dá o sinal ... (id., p. 358).

... os namoros de hoje ... tá ... tá ói ... lá embaixo ... tá 100 por cento lá embaixo 90 assim ... por cento em cima assim ... que dá ainda pra quebrar o galho ... (id., p. 359).

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Inf 4, m, 8s, 14a

... que era um ambiente... num era muito propício pra... pra qual... pra uma pessoa passar uma infância não... (NEP, p. 364).

... eu só tinha um ... o meu mundo seria o que ... dois amigos que eu tinha no colégio ... então eu era um cara super fechado assim ... um ... num falava com ninguém ... num abria os ... num abria os olhos pra ver o mundo ... (NEP, p. 364).

... aí quando a gente mudou pra cá ... todo o meu mundo sei lá parece que ... expandiu os horizontes assim ... (id., p. 365).

... conheço... conheço alguém... sei lá fiz muitos amigos aqui nesse bloco... (id., p. 365).

... meu mundo num ficou mais restrito só a duas pessoas ... só a dois amigos lá no colégio

... posso tranqüilamente viver sem os amigos lá do colégio ... claro que vai fazer uma falta ... são amigos ... cativaram ... num sei quê ... mas eu posso tranqüilamente viver sem os amigos do colégio ... posso ... sei lá posso ... fazer amigos assim ... quer dizer ... foi aqui que me ensinaram a como fazer amigos ... (id., p. 365).

... aqui quando me der na telha eu vou... chamo os amigos... “vamo embora pro shopping?”... “bora... gastar dinheiro”... (id., p. 366).

... muitos amigos fazem aniversário... faz a festinha... convida... (id., p. 366).

... ele... “tenha paciência de Jó”... aí eu... “pronto... quem diabo é Jó?” (NR, p. 366).

... Jó é um ... um ... um homem da bíblia num sei quê” ... aí começou a contar a históriatodinha... (id., p. 366).

... era primogênito era o filho que ele dava mais valor né... (id., p. 367).

... ele ficou só com a roupa do corpo e na miséria ... ficou pedindo esmolas por ... mendigando por ... sei lá acho que uns cinco anos ... uma coisa assim ... (id., p. 368).

... aí o diabo e Deus se encontraram de novo ... aí Deus ... “ó tá vendo?” e o diabo ... “ó pron/ eu já botei ... eu desisto ... eu já botei todos os castigos que ... que poderia botar nele ... eu já botei até uma doença” ... uma coisa assim ... tava doente também ... tava mendigando ... de ver ele que era rico virou mendigo ... (id., p. 368).

... como Deus mesmo... o salvador... a única coisa que pode... que pode... que toma jeito na vida dele... (id., 368).

... parece que ele serviu a um rei... aí o rei num tinha a quem deixar a herança dele... (id., p. 368).

... botar a cadeira lá na areia... fica lá curtindo o frio... (DL, p. 370).

... não tem quintal tem só a ... o quintal é na frente ... o que seria o quintal atrás ... é na frente ... tem um poço antes ... tem ... um poço onde a gente toma banho ... quando chega da praia ... (id., p. 370).

... a gente vai pescar lá com... com... com... ( ) ele num deixa a gente pegar nas varas... ele morre de medo da gente fazer uma besteira... (id., p. 371).

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... o banheiro é ... sei lá ... condições subumanas ... ali o povo vai ter que ... se ... se precisar realmente ... vai ter que sair ... ir em casa ... fazer e voltar ... se quiser ainda ... é realmente o ... mas num deixa ... apesar dos pesares ... num deixa de ser uma ... uma boa praia pra veranear ... pra passar o veraneio todo ... vá ... branco volta preto... (id., p. 372).

... pra poder tocar teclado tem que ter duas coisas... paciência... (...) a segunda é... como eu diria... é ouvido... (RP, p. 373).

... se você num tiver ouvido vai ficar no marcha soldado ... no atirei o pau no gato ... e num sai do lugar ... eu no caso ... ainda bem que eu tenho alguma coisa de ouvido ... num é lá grandes coisas não mas ... ao menos dá pra ... dá pra enganar o povo... (id., p. 373).

... eu fiquei uma aula inteira ... com as mãos assim na bola de frescobol até ... os dedos ficarem redondos ... pra depois ... quando acostumou ... eu aprendi a como se posicionar os dedos num ... pra fazer um acorde ... (id., p. 374).

... porque agora quem tá tocando é... quem tá... quebrando o galho agora sou eu... (id., p. 374).

... sei lá o que ... ele num ... num fez num sei se foi escola de música ... ele só usava três dedos ... esses três dedo ((mostra os dedos)) ... ou seja ... o polegar ... indicador e médio ... pra fazer o solo ... (id., p. 374).

... essa é ... essa é a:: regra ... pra fazer solo ... e isso é pra fazer solo direito ... se quiser fazer ... bem feito ... bonito ... dá gosto assim de olhar ... é pra ser com es/ com essa seguinte técnica ... que eu acabei de dizer ... e pra fazer o mínimo ... o médio e o polegar ... ou então ... o anelar ... o indicador e o polegar ... de acordo com o acorde ... você pode mudar ... isso aí é facultativo ... é ... pra leitura de partitura você tem que ... tem que ... tem que ter paciência porque ... o negócio ... você ... quando ... quando a pessoa tem ouvido pra ... quer pegar logo todas as músicas de ouvido ... (id., p. 375).

... num sei ... e ... deixe eu ver ... não ... eu acho que ... teclado ... num tem esse negócio não ... agora violão é que é bicho ... violão não é difícil ... porém e trabalhoso ... é muito trabalhoso você tem que fazer calo ... nos dedos ... (id., p. 377).

... artista o povo me chama lá ... por música mesmo ... por partitura num sei quê ... todo nos

... todos nos trinquizinho ... só tem eu e eu sou o mais renegado... e meu primo que tá ... tá começando agora ... ele tem mais paciência aí... eu tô com medo de ele tomar meu lugar... (id., p. 379).

... saiu no jornal... um cara que... que... além de violentar uma criança... RO, p. 380).

... a delegacia de Candelária tá su/ hiper lotada... fui lá pra fazer a carteira aí eu... chi... dei uma... dei uma olhada lá... (id., p. 380).

... o sistema de polícia aqui do Brasil que é super falho ... só funciona quando ... só faz ... só faz entrar em greve ... por melhores salários ... num sei quê ... daí quando conseguem melhores salários não sabem como ... como gastar ... ou então quando conseguem verbas ... os vereadores ... passam a mão ... entre aspa ... passam a mão entre aspas ... daí a polícia é super mal equipada ... (id., p. 381).

... um salário justo como sei que num ganha ... tenho certeza absoluta ... daí ele num se alimenta bem ... sei lá ... num deve consumir o ... a quantidade mínima de calorias ... daí deve ser uma coisa fraca assim né ... aí vai encarar um bandido todo raquítico velho... aí pronto... o bandido ganha o policial na maior... (id., p. 381).

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... deveria sim ter uma... uma multa... uma coisa assim sei lá... vai pagar salário... (id., p. 383).

Inf 1, f, 4s, 10a

... naquela noite... teve o aniversário... teve a festa... (NEP, p. 388).

... e lá naquele hotel tinha um rio... (...) perto desse tinha um parque... (id., p. 389).

... esse parque ... não ... num estava muito bom não ... tava velho já ... então a gente desistiu e foi pra:: pra piscina ... na piscina a gente brincou ... lá:: a minha prima ... a Lídia ... se machucou ... e lá foi legal ... a gente passou também ... a gente jogou sinuca ... jogou totó ... ping-pong também... (id., p. 389).

... aí pulou pra cama dela e dormiu com ela ... aí ... ela queria mandar o:: o sapo embora da cama dela ... aí ... ela teve pena ... como ela teve pena ... aí o sapo se transformou num príncipe ... aí:: naquele mesmo momento ... ele pediu a mão dela em casamento ... aí eles se casaram e viveram felizes ... (NR, p. 390),

... no teatro a gente faz peças... (DL, p. 390).

... a professora de natação bota logo os pequenininhos no raso... depois eles vão indo pro fundo e ficam lá no fundo... fazem natação deles lá no fundo... (id., p. 391).

... eu gosto de uma escola assim ... pequena ... não tão pequena e não tão grande ... porque:: pequena:: é ruim de se brincar e grande demais eu num gosto ... eu sinto agonia ... então eu gosto de uma escola pequena ... pequena ... média ... mais ou menos assim ... é legal ... é:: quando chega assim final do ano ... a gente faz fes/ faz festas ... faz várias coisas... (RO., p. 392).

Inf 2, m, 4s, 9a

... aí a mãe dela mandou ela pegar água no poço... (NEP, p. 397).

... você só pode fazer gol depois do meio de campo e só pode dar dois toques ou três... (RP, p. 400).

... eles chutam... dão murro... fazem o que querem e o juiz num ta/ num marca nada... (id., p. 401).

Inf 3, f, 4s, 13a

... e então eu cheguei lá no sábado de manhã ... com minha tia ... meu avô ... e meu primo

... depois quando foi de tarde minhas primas chegaram e tudo ... e eu tomei banho de praia

... (NEP, p. 404).

... o pai dele é dono da casa vizinha da minha tia ... eu até tirei uma foto ... eu ... ele e minha prima ... tá aqui em casa ... (NEP, p. 405).

... no sábado quando eu cheguei ... logicamente eu vi ele primeiro ... daí:: como eu fiquei olhando pra ele ... ele deu tchau ... daí eu dei ... depois eu entrei ... quando foi lá pra de

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tardezinha mi/ ... de noite ... minha prima chegou ... eu chamei ela e disse ... daí minha tia na terça-feira chamou ele ... a gente ficou conversando ... tiramos a foto ... (NEP, p. 405).

... quando eu cheguei fiquei um pouco na área ... guardei as ... as malas e depois fui tomar banho ... (NEP, p. 405).

... porque lá na frente ... onde a gente costuma tomar banho ... ele tava jogando bola e a gente ficou lá no canto ... daí passa minha mãe e todo mundo lá da casa chamando a gente pra tomar banho em outro lugar ... melhor ... a gente não foi ... a gente ficou lá ... depois ele foi tomar banho também e a gente tava com a irmã dele ... (NEP, p. 405).

... nós fomos pra beira da praia ... tudo ... quando foi na terça de manhã ... nós não tomamos banho de mar mais lá na frente ... (NEP, p. 409).

... quando ela entrou e queria fazer a entrevista um homem num deixou ... daí a mulher pegou ... subiu onde o homem tava trabalhando ... rapaz né ... onde ele tava trabalhando e ficou lá e dando o show ... (NR, p. 411).

... chegaram sabendo que ele estava com o dinheiro ... pra matar ele e pegar o dinheiro ... daí eles viram o homem lá em cima ... deram um tiro ... ele fugiu com a moça ... daí fugiram ... (id., p. 411).

... daí quando o homem virou as costas o amigo dele deu um murro no homem... (id., p. 411).

... daí eles fugindo ... fugindo ... daí eles pararam num lugar ... bateram... numa banca do homem... fizeram a maior confusão... (id., p. 412).

... o rapaz deu uma cassetada (sic)... na cabeça do... do homem... (id., p. 413).

... estavam lá em cima ... daí começaram a jogar o dinheiro ... todos homens pegaram ... o povo tudinho pegando os dinheiro ... ele disse assim ... ( ) disse assim pra mulher ... “esse daqui é pra gente ... a gente merece né” ... daí ele deu um beijo nela ... (id., p. 414).

... porque quando a pessoa crescer pode ter um bom emprego... (RO, p. 417).

... num souber fazer conta nem nada... perde o emprego... (id., p. 418).

(...) aumentar o salário dos professores para eles num fazer greve... (id., p. 419).

Inf 4, m, 4s, 13a

... eu jogo bola ... o primeiro campeonato que eu fui foi aqui mesmo na rua ... quem tava jogando era eu e Loamir ... contra Klibson e Welton ... (NEP, p.422).

... aí ... no úl/ no último:: dia que ele ... tinha que ir pra:: o planeta dele ... o pai dele ... ( ) deveria buscar ... então o menino conseguiu tirar ... tirou ele de lá e:: deu tchau a ele ... beijou ele ... e terminou ... (NR, p. 423).

Inf 1, f, Alfa, 6a

... aí passou um ... um homem que só ficou ... que só ficou rindo ... aí a amiga de Lúcia ... aí passou um velhinho ... aí a ... aí a amiga de Lúcia teve pena do velhi/ do velhinho ... aí ela

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ficou chorando ... eu fiquei foi rindo porque ela tava chorando ... gente grande chorando ... ((riso)) ... (NEP, p. 427)

... aí a vovozinha disse... ”não vá porque hoje vai ter um casamento... vai ter bolo... (NR, p. 428).

... adulto faz é:: tanta coisa... varre casa... lava louça... cozinha coisa... de cuidar de criança ((riso))... (RO, p. 431).

... eu só tomei mamadeira ate cinco ano... (id., p. 431).

Inf 2, m, Alfa, 6a

... foi o Pica-Pau é... dando uma furada no pé do homem aí o homem coisou aí terminou... (NR, p. 434).

Inf 3, f, Alfa, 6a

... aí minha irmã chamou eu ... as colega da rua ... pra gente brincar ... é:: dentro de casa ... aí a gente brincou ... brincou ... brincou ... até que foi dormir ... quando dormiu ... amanheceu o dia ... aí a gente ... foi é:: escovar os dente ... fazer um bocado de coisa ... aí como foi depois ... a gente foi brincar ... aí a gente tinha que ir pro colégio ... fazer ... essas coisa ... ir pro colégio ... é:: fazer tarefa ... (NEP, p. 438).

... como a gente terminou de brincar ... veio é:: veio assistir televisão ... aí a nossa mãe chamou a gente pra dormir ... aí a gente dormiu ... (NEP, p. 438).

Inf 4, m, Alfa, 7a

... é:: eu gosto de:: assitir filme ... ô ... a novela ... depois do jornal ... pode falar de de noite? (RO, p. 450).

( ) eu só num gosto de assistir a televisão cedo ... porque ... quando começa ... o jornal ... aí eu ... aí eu fico:: com raiva ... aí vou do/ aí ... aí minha vó manda eu ... tomar banho((bocejo)) aí vou ... pego no sono ... lá no:: na minha cama ... aí eu num fui tomar banho ... (RO, p. 451).