prÁticas pedagÓgicas inclusivas com … prÁticas pedagÓgicas... · de acordo com as diretrizes...

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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INCLUSIVAS COM CRIANÇAS SURDAS NO CONTEXTO DA CRECHE Wilma Pastor de Andrade Sousa Universidade Federal de Pernambuco Resumo O objetivo deste estudo é discutir as práticas pedagógicas propiciadoras da inclusão da criança surda nas creches da rede municipal do Recife. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, realizada nas seis Regiões Político-AdministrativasRPAs, totalizando vinte e uma creches. Participaram deste estudo dezessete professoras, todas do quadro efetivo de funcionários. Os dados foram coletados por meio de um questionário contendo vinte questões, seis de caráter objetivas e catorze subjetivas. As questões foram elaboradas com o intuito de descrever, principalmente, que práticas pedagógicas as professoras consideram prioritárias para viabilizar a inclusão da criança surda na creche; se elas se sentem preparadas para tal e se já tiveram dificuldade em trabalhar com crianças surdas. Os resultados mostraram que 71% (setenta e um por cento), ou seja, a maioria dos participantes, não têm experiência com estudantes surdos, apesar de 7, dos 17 participantes, lecionarem em creches há mais de 10 anos. Sendo assim, deparamo-nos com uma realidade em que um número significativo de professores leciona na creche e nunca teve contato com estudantes surdos em sala de aula. Constatou-se também que as participantes voluntárias não têm conhecimento sobre como deve ser feita a inclusão da criança surda na creche, bem como que não se sentem preparadas devido à falta de formação continuada. Apesar de os dados indicarem que os professores não estão preparados para fazer a inclusão de crianças surdas estes sabem que o estudante surdo necessita de um acompanhamento diferenciado e que a principal dificuldade da pessoa surda é a comunicação, já que tem uma língua diferente da comunidade ouvinte. Palavras-chave: Inclusão. Creche. Crianças surdas. Introdução Este artigo tem como objetivo discutir as práticas pedagógicas propiciadoras da inclusão da criança surda nas creches da rede municipal do Recife. Trata-se de uma pesquisa que faz parte de um estudo maior intitulado: a inclusão do estudante surdo na perspectiva dos professores da educação infantil da rede municipal do Recife-PE. No Brasil, a Carta Magna de 1988 define a educação como um direito de todos e estabelece a igualdade de condições de acesso e permanência na escola como um dos princípios para o ensino. Entretanto, necessário se faz discutir em que medida esse direito está sendo garantido e efetivado para a criança surda, e se as práticas pedagógicas estão Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade EdUECE - Livro 3 03497

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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INCLUSIVAS COM CRIANÇAS SURDAS NO

CONTEXTO DA CRECHE

Wilma Pastor de Andrade Sousa

Universidade Federal de Pernambuco

Resumo

O objetivo deste estudo é discutir as práticas pedagógicas propiciadoras da

inclusão da criança surda nas creches da rede municipal do Recife. Trata-se de uma

pesquisa qualitativa, realizada nas seis Regiões Político-Administrativas–RPAs,

totalizando vinte e uma creches. Participaram deste estudo dezessete professoras, todas

do quadro efetivo de funcionários. Os dados foram coletados por meio de um questionário

contendo vinte questões, seis de caráter objetivas e catorze subjetivas. As questões foram

elaboradas com o intuito de descrever, principalmente, que práticas pedagógicas as

professoras consideram prioritárias para viabilizar a inclusão da criança surda na creche;

se elas se sentem preparadas para tal e se já tiveram dificuldade em trabalhar com crianças

surdas. Os resultados mostraram que 71% (setenta e um por cento), ou seja, a maioria

dos participantes, não têm experiência com estudantes surdos, apesar de 7, dos 17

participantes, lecionarem em creches há mais de 10 anos. Sendo assim, deparamo-nos

com uma realidade em que um número significativo de professores leciona na creche e

nunca teve contato com estudantes surdos em sala de aula. Constatou-se também que as

participantes voluntárias não têm conhecimento sobre como deve ser feita a inclusão da

criança surda na creche, bem como que não se sentem preparadas devido à falta de

formação continuada. Apesar de os dados indicarem que os professores não estão

preparados para fazer a inclusão de crianças surdas estes sabem que o estudante surdo

necessita de um acompanhamento diferenciado e que a principal dificuldade da pessoa

surda é a comunicação, já que tem uma língua diferente da comunidade ouvinte.

Palavras-chave: Inclusão. Creche. Crianças surdas.

Introdução

Este artigo tem como objetivo discutir as práticas pedagógicas propiciadoras da

inclusão da criança surda nas creches da rede municipal do Recife. Trata-se de uma

pesquisa que faz parte de um estudo maior intitulado: a inclusão do estudante surdo na

perspectiva dos professores da educação infantil da rede municipal do Recife-PE.

No Brasil, a Carta Magna de 1988 define a educação como um direito de todos e

estabelece a igualdade de condições de acesso e permanência na escola como um dos

princípios para o ensino. Entretanto, necessário se faz discutir em que medida esse direito

está sendo garantido e efetivado para a criança surda, e se as práticas pedagógicas estão

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EdUECE - Livro 303497

sendo inclusivas desde a creche, já que, geralmente, é nesse ambiente que a criança inicia

a sua vida na educação infantil.

Segundo Sassaki (1997), para que haja a inclusão social, é preciso que também haja

uma transformação na sociedade de forma que venha garantir a inserção plena do sujeito.

Essa mudança apontada pelo autor (op. cit.) deve fazer parte também dos objetivos da

educação, já que ela é influenciada por um conjunto de aspectos da sociedade, logo,

necessita sofrer transformação para atender às necessidades das pessoas, sejam elas quais

forem.

Em se tratando da inclusão da criança surda no espaço da creche, outra reflexão

nos vem à tona: a qualidade da formação inicial do professor e a garantia de uma formação

continuada para atender a demanda social. Acreditamos que essas questões são relevantes,

pois o professor é o principal ator no cenário da inclusão escolar, uma vez que ele trabalha

diretamente com a criança em sala de aula. É na sala de aula que a inclusão educacional

se concretiza, não somente na inserção física nem na relação com o outro, mas, sobretudo,

na aceitação do outro na sua singularidade. Nessa direção, Lopes (2009, p. 12) defende

que “os professores são profissionais essenciais nos processos de mudanças das

sociedades”. Para tal, é fundamental que eles tenham uma formação consolidada em

práticas que possibilitem ações inclusivas.

Nesse contexto, segundo a autora (op. cit.), a democratização do ensino é algo que

passa pela formação do professor e também pela sua valorização profissional. A formação

do professor de ensino infantil é nova na história de educação do nosso país. De acordo

com Cabral (2005), a educação infantil só ganhou maior importância depois da

promulgação da Constituição Federal de 1988 e da vigência da Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional-LDBEN, Lei nº 9394/96. Desde então, a criança passou a ser

reconhecida como sujeito de direitos e a sua educação passou a ser considerada como

nível de ensino. Esses documentos fomentaram a discussão sobre formação docente para

a educação infantil e possibilitaram avanços significativos na discussão sobre a inclusão

da pessoa com deficiência, à medida que a educação passou a ser vista como direito do

cidadão e, portanto, dever do Estado.

Em decorrência da inserção da educação infantil na educação básica, conforme

menciona a Lei n.º 9.394/96 - Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional (LDB), a

formação exigida para o profissional que atua com essa faixa etária passa a ser a mesma

daquele que trabalha nas primeiras séries do Ensino Fundamental: nível superior em curso

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

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de licenciatura, de graduação plena, admitindo-se, como formação mínima, a oferecida

em nível médio, na modalidade Normal. Com isso, essa Lei promoveu a integração da

educação infantil no âmbito da educação básica e, teoricamente, garante à sociedade a

atuação de profissionais qualificados para o trabalho nesse nível de ensino.

Concomitantemente ao reconhecimento da importância da educação infantil, a

educação inclusiva também vem ganhado espaço nos estudos acadêmicos. Nesse

contexto de reformulações educacionais, insere-se o processo de inclusão de alunos com

deficiência, e, com ele, diversas rupturas têm ocorrido nos antigos paradigmas

educacionais e na atuação profissional dos professores. O resultado dessas mudanças tem

provocado à busca de novas estratégias didático-metodológicas de ensino, as quais

resultam em práticas pedagógicas inclusivas.

Em relação à educação das pessoas surdas, a partir da homologação do Decreto

n.º 5.626/05, que regulamenta a Lei n.º 10.436/02, a Língua Brasileira de Sinais (Libras)

foi inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores

para o exercício do magistério (licenciaturas, normal de nível médio, normal superior,

pedagogia e educação especial), em nível médio e superior. Essa conquista favorece a

preparação, ainda que insuficiente, de profissionais que atuarão junto à pessoa surda, no

processo educacional em todos os níveis.

De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil -

DCNs (2010, p.12) a educação infantil tem como finalidade o desenvolvimento integral

de crianças de zero a seis anos em creches e pré-escolas, compreendendo os aspectos

físicos, emocionais, afetivos, cognitivos e sociais. Portanto, é de competência das creches

o atendimento às crianças de zero até três anos de idade.

Segundo Michelli e Fischer (2005), muitas instituições ainda têm uma visão

assistencialista, filantrópica e comunitária da creche e isso se faz presente também na

prática de alguns profissionais que atuam nesses espaços. Nessa direção, os Parâmetros

Curriculares Nacionais da Educação Infantil (1998) trazem alguns objetivos para a prática

docente no sentido de que as crianças desenvolvam várias capacidades, dentre elas

destacamos: a) desenvolver uma imagem positiva de si, atuando de forma cada vez mais

independente, com confiança em suas capacidades e percepção de suas limitações; b)

estabelecer vínculos afetivos e de troca com adultos e crianças, fortalecendo sua

autoestima e ampliando gradativamente suas possibilidades de comunicação e interação

social.

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

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Para que essas capacidades sejam possíveis de serem desenvolvidas pelas crianças

– acreditamos – é necessário que elas sejam atendidas respeitando-se o grau de

desenvolvimento biopsicossocial e a diversidade social, cultural e linguística, como

garantia da promoção do seu desenvolvimento integral. Em virtude da privação sensorial

auditiva, a criança surda não tem as mesmas condições de desenvolvimento da língua oral

se comparada à criança ouvinte. Essa realidade a coloca, na maioria das vezes, com

dificuldade de construir uma imagem positiva de si quando não convive com um surdo

adulto. Segundo Bakhtin (1979, p 378), “Tomo consciência de mim, originalmente,

através dos outros: deles recebo a palavra, a forma e o tom que servirão para a formação

original da representação que terei de mim mesmo (...)”. Por isso, a importância de termos

na creche profissionais surdos adultos proficientes na língua de sinais, para que as

crianças surdas possam perceber-se enquanto sujeitos plenos.

Durante décadas a escola ignorou as peculiaridades dos alunos surdos, não

considerando que eles são sujeitos visuais, que percebem e compreendem o mundo

prioritariamente pelo canal da visão, conforme defende (SKLIAR, 1997). Com isso, a

escola, equivocadamente, utilizou-se das mesmas metodologias e estratégias de ensino

utilizadas para os estudantes ouvintes. Desconsiderando que as pessoas surdas são

diferentes linguisticamente e, como tal, elas devem ter acesso desde a educação infantil à

educação por meio de estratégias de ensino pautadas em metodologias visuais.

Além disso, a partir regulamentação do Decreto no. 5.626, de 22 de dezembro de

2005, ficou estabelecido o direito de o estudante surdo ter acesso a uma educação

bilíngue, na qual a Libras deve ser considerada a primeira língua (L1) e a língua

portuguesa, na modalidade escrita, a segunda (L2).

Para isso, o Decreto no. 5.626/05, no capítulo VI, artigo 22 inciso I, garante que

as instituições federais de ensino responsáveis pela educação básica devem garantir a

inclusão de alunos surdos, através da organização de escolas e classes de educação

bilíngue, com professores bilíngues, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino

fundamental.

Acreditamos que a presença de um surdo adulto no espaço da creche,

provavelmente, proporcionará à criança surda um desenvolvimento para além da

aquisição da Libras sem atraso, já que viabilizará também o desenvolvimento do processo

de identificação com o seu semelhante. Com isto, as chances de a criança aceitar e se

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reconhecer enquanto sujeito completo, diferente linguisticamente e não deficiente,

desenvolvendo a autoestima positiva, seguramente serão bem maiores.

O destaque dado a importância da presença de um adulto surdo falante da Libras

sinaliza o quanto é imprescindível que as crianças surdas tenham o contato com a língua

de sinais e a cultura surda desde bebê, evitando, assim, um distanciamento dos padrões

do desenvolvimento psicomotor, socioafetivo, cognitivo e de linguagem. De acordo

Kober (2008), é imprescindível considerar o acesso à língua de sinais pela criança surda

o mais cedo possível, oferecendo a ela uma vivência estruturante com surdos usuários

dessa língua e com seus pares linguísticos. Chamamos aqui a atenção para outro ponto

importante, o contato da criança surda com os seus pares.

Outro aspecto essencial na consolidação da inclusão na creche diz respeito às

adaptações curriculares. Para isso, é fundamental que as práticas pedagógicas sejam

pautadas com base em adaptações curriculares a serem realizadas, sobretudo, no âmbito

da expressão corporal e da linguagem. Isso implica em o professor ter a sensibilidade de

empregar estratégias metodológicas facilitadoras que possibilitem a aprendizagem dos

alunos surdos, considerando o modo peculiar de aprendizagem desses sujeitos.

Como garantia de um currículo para a escola inclusiva, os Parâmetros Curriculares

Nacionais orientam ainda que as adaptações curriculares devem ser entendidas como

“estratégias e critérios de atuação dos docentes, as quais admitem decisões que

oportunizam adequar à ação educativa escolar às maneiras peculiares de aprendizagem

dos alunos” (BRASIL, 1998, p. 15).

Para Novaes (2010, p. 80), “Esquece-se de que oferecer o mesmo ‘espaço escolar’

para todas as crianças, ouvintes ou surdas, não significa igualdade de condições de acesso

aos saberes, e isto por uma simples razão: diferenciação de língua e cultura natural”. É

necessário entender que, em virtude de as crianças surdas possuírem uma língua de

natureza espaço-visual, a inclusão escolar que elas vivem é diferente da vivida pelas

demais crianças com deficiência. O material publicado pelo MEC, Educação Infantil:

Saberes e práticas da inclusão: dificuldade de comunicação e sinalização – Surdez

(2006) traz diversos esclarecimentos sobre as crianças surdas e, principalmente,

orientações sobre a educação de crianças com surdez na Educação Infantil, tanto em

creches quanto em pré-escolas:

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 303501

Assim como para as demais crianças, o ideal é que a criança surda, na

faixa etária do nascimento aos três anos, frequente creches e conte com a

presença de um professor para o ensino de língua portuguesa e de um

professor/instrutor surdo (para que ela tenha contato diário com a

Libras), além de outros profissionais. (BRASIL, 2006, p. 44 grifo nosso).

O fato de serem crianças surdas, não as exclui do processo educativo e nem os

objetivos da Educação Infantil serão diferentes, pois, como já mencionado anteriormente,

a única diferença entre elas é linguística e cultural. Esse documento esclarece ainda que

a socialização e o desenvolvimento das crianças com ou sem surdez é o principal objetivo

da Educação Infantil, inclusive nas creches. Com as crianças surdas, além das finalidades

apresentadas anteriormente, sinaliza-se outro objetivo:

(...) ela seja reconhecida e aceita por todos do ambiente escolar como

uma criança do grupo, embora precise de um tipo de relacionamento

específico, devido à sua forma de comunicação. Deverá haver

possibilidades de adaptações nas atividades que envolvam a audição e

a fala, procurando sempre, na medida do possível, que a criança não se

sinta diferente das demais, e que os outros não a rotulem como tal.

(BRASIL, 2006, p. 45).

Logo, ao adotar práticas inclusivistas em sua sala de aula, o professor estará

garantindo a efetivação de uma educação que garanta o desenvolvimento pleno, nos

aspectos físico, psicológico, intelectual e social das crianças, respeitando a diferenciação

de língua e cultura que existe entre elas.

Para este trabalho em tela, mapeamos as seis Regiões Político-Administrativas–

RPAs da cidade do Recife-PE, em um total de 21 creches. Participaram deste estudo 17

professoras que atuam nas turmas: Berçário (bebês de até 1 ano), Grupo I (crianças de 1

ano), Grupo II (crianças de 2 anos) e Grupo III (crianças de 3 anos), e 45 professoras que

atuam em pré-escolas, nos Grupos IV e V.

Visitamos 03 creches da RPA 1, 01 creche da RPA 2, 03 creches da RPA 3, 09

creches da RPA 4, 2 creches da RPA 5 e 3 creches da RPA 6, porém apenas os professores

de 10 creches contribuíram com a pesquisa. Dos 17 sujeitos participantes da pesquisa, 6

(seis) são de professores do Grupo III, 6 (seis) professores do Grupo II, 4 (quatro)

professores do Grupo I e 1 (um) professor do Berçário. No total, foram entregues às

creches 62 questionários, mas apenas 17 foram respondidos e devolvidos. Os requisitos

para a seleção dos participantes foram ser professor efetivo da rede municipal de Recife

e lecionar em creche.

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

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Os dados foram coletados por meio de um questionário contendo 20 questões, 06

de caráter objetivas e 14 subjetivas. Tais questões foram elaboradas com intuito de

descrever que práticas pedagógicas as professoras consideram prioritárias para viabilizar

a inclusão da criança surda na creche; se elas se sentem preparadas para tal e se já tiveram

dificuldade em trabalhar com crianças surdas.

A ideia inicial era aplicar o questionário e fazer a observação das práticas

pedagógicas, porém, não localizamos estudantes surdos nas creches visitadas. Desta

forma, tomamos conhecimento das práticas pedagógicas meio dos depoimentos das

voluntárias participantes nas repostas dadas nos questionários. Os dados analisados

seguiram a orientação de análise de conteúdo de Bardin (1979).

Resultados e discussão

Os dados revelam que todos os participantes deste estudo têm nível superior, seja

em Pedagogia ou outros cursos, logo, está sendo atendido o que preconiza a Lei n.º

9.394/96, sobre a formação mínima exigida para o profissional que atua com educação

infantil.

Outro destaque que damos é quanto ao número de professores que têm Pós-

Graduação. Neste estudo, 13 participantes têm especialização e 01 tem mestrado, o que

nos indica um interesse deles pelo aprofundamento de seus conhecimentos, além de uma

maior preparação acadêmica para lidar com as crianças desta etapa da educação infantil.

Esses dados também quebram a ideia de profissionalização mínima para professores da

educação infantil, uma vez que esse nível de ensino traz em seu processo histórico o

“rótulo” de exigir pouco estudo e pouca formação na área. Contrário a esse mito, sabemos

que a ideia é oposta: quanto mais formação e preparação o professor tem, melhor a

qualidade de ensino e de aprendizagem das crianças em qualquer nível de ensino,

principalmente na creche, dada a importância que tem na base educacional do sujeito que

se encontra em pleno desenvolvimento global.

Em relação à participação dos professores em cursos, palestras e/ou seminários para o

trabalho com estudantes surdos, é importante destacar que, dentre os 17, apenas 07

participaram. Os professores que mais participaram dessas formações continuadas foram

os dos Grupos II e III. Portanto, esses professores provavelmente têm um conhecimento

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

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melhor para trabalhar com crianças surdas, comparados aos professores do Grupo I e do

Berçário. Acreditamos que o acesso à educação dessas crianças (Grupo I e Berçário) fica

comprometido, já que a educação de surdos exige uma especificidade devido à diferença

linguística e cultural.

Outro aspecto em relação a esse resultado é o fato de mais de 90% (noventa por

cento) das crianças surdas serem filhas de pais ouvintes, logo, a creche se apresenta como

o ambiente que vai facilitar a aquisição da língua de sinais pela criança surda, isso

evidencia mais uma preocupação na efetivação da inclusão do estudante surdo, caso o

professor ouvinte não seja bilíngue.

Esse resultado também nos leva a alguns questionamentos, tais como: será que

esses cursos, palestras e/ou seminários não estão sendo oferecidos pela Prefeitura? Se

estiverem sendo oferecidos, por que os professores não têm interesse em participar? Isso

nos preocupa quanto à efetivação das políticas de inclusão do aluno surdo desde a

educação infantil, conforme consta no Decreto 5626/05, já que esse documento garante

que a primeira língua da pessoa surda seja a Libras.

Quanto às práticas pedagógicas, ao serem questionadas sobre o que consideram

prioritário na inclusão do aluno surdo na creche, todas as 17 participantes elencaram, no

mínimo, 2 aspectos que consideram prioritários para que a escola promova a inclusão de

estudantes surdos no espaço da creche. Neste sentido, 82% (oitenta e dois por cento) dos

aspectos elencados pelos professores dão destaque à formação tanto do docente, quanto

dos profissionais que trabalham na escola. Esses dados revelam uma conscientização por

parte das participantes para o fato de que a responsabilidade da inclusão não é apenas do

professor, mas de toda a comunidade escolar. Elas também apontaram a necessidade da

inserção da Libras no currículo da escola. Isso mostra que elas sabem da importância do

contato com a Libras desde cedo. Entretanto, não houve referência a atividades com base

em estratégias visuais, nem a importância da presença de pessoas surdas adultas.

Constatamos que 71% (setenta e um por cento), ou seja, a maioria dos

participantes, não têm experiência com estudantes surdos, apesar de 7, dos 17

participantes, lecionarem em creches há mais de 10 anos. Sendo assim, deparamo-nos

com uma realidade em que um número significativo de professores leciona na creche e

nunca teve contato com estudantes surdos em sala de aula.

Sendo assim, é importante destacar que 50% (cinquenta por cento) dos professores

que atuam no Grupo III das creches relataram não possuir dificuldade para trabalhar com

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

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estudantes surdos, enquanto 25% (vinte e cinco por cento) dos professores que atuam no

Grupo I declararam possuir essa dificuldade. Neste sentido, retomamos os resultados em

relação à participação dos professores dos Grupos II e III em cursos preparatórios,

palestras e/ou seminários na área de educação de surdos é significativamente maior do

que a participação dos professores dos Berçário e Grupo I, confirmando a nossa hipótese

de que os professores dos Grupo II e III possuem um conhecimento maior para trabalhar

com crianças surdas, se comparados aos professores dos Grupo I e Berçário. Os

professores, em sua maioria, entendem que a Libras é uma língua e é necessário o

conhecimento desta para manter uma comunicação eficiente com os estudantes surdos,

corroborando com o pensamento de Goldfeld (1997) quando a autora comenta que o

ambiente linguístico deve ser o mais adequado possível à criança surda, para facilitar a

aquisição da língua de sinais e evitar o atraso da linguagem e todas as suas consequências,

em nível de percepção, generalização, formação de conceitos, atenção e memória.

Os dados indicam que os professores não estão preparados para fazer a inclusão

de crianças surdas, entretanto, apesar da falta de formação continuada, os professores

sabem que o estudante surdo necessita de um acompanhamento diferenciado e que a

principal dificuldade da pessoa surda é a comunicação, já que tem uma língua diferente

da comunidade ouvinte.

Relembrando Novaes (2010), os professores estão cientes que não é simplesmente

colocar um estudante surdo em sala de aula, na convivência com os estudantes ouvintes.

A maior barreira apresentada pelas participantes desta pesquisa para que a inclusão seja

feita está na formação profissional que, segundo elas, ainda se apresenta insuficiente para

atender as crianças com deficiência. Porém, esta não é a única causa para falta de preparo

dos docentes, uma vez que alguns dos sujeitos não se sentem preparados para fazer esta

inclusão devido a falta de conhecimento também da Libras, pois é travada uma barreira

comunicacional que dificulta a realização de um trabalho mais efetivo com o aluno surdo.

A língua, além de facilitar o processo de aprendizagem, dá autonomia e poder ao sujeito.

Com isso, esses participantes mostraram que têm clareza da necessidade de estabelecer

uma comunicação efetiva com o aluno surdo, para que ele seja de fato incluído no

processo educacional.

Esse resultado nos aponta para uma necessidade urgente de formação continuada para que

o trabalho do professor seja realizado de forma satisfatória, suprindo as necessidades

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

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educacionais dos estudantes surdos. Além disso, o ensino da língua de sinais também

deve ser oferecido aos professores para que estes possam se sentir capazes para se

comunicar com a criança surda, mediando, assim, o processo de ensino-aprendizagem.

Considerações finais

Apesar dos significativos avanços na educação de pessoas surdas nos últimos

anos, verificamos que ainda falta muito para a efetivação do direito a uma educação de

qualidade para a criança surda desde a educação infantil. Um dado que nos chamou a

atenção foi o fato de apenas 07, dos 17 sujeitos terem feito cursos, palestras e/ou

seminários destinados à educação de surdos. Acreditamos que isso tem uma implicação

direta nas práticas pedagógicas quando se pensa em estratégias metodológicas

educacionais.

De acordo com os resultados deste estudo, por não haverem participado de

capacitações na área de educação de surdos, além de não saberem Libras, apesar da

formação superior e de estarem formados e lecionarem há mais de 10 anos, muitos

professores ainda não se sentem preparados para fazer a inclusão de estudantes surdos em

sala de aula, pois entendem que é necessária uma maior preparação acadêmica para lidar

com eles, uma vez que os professores geralmente relatam a falta de formação específica.

Embora os professores participantes deste estudo não se considerem preparados

para fazer a inclusão de estudantes surdos, eles entendem que escola inclusiva é aquela

que prepara o espaço e os profissionais, ou seja, eles entendem que na perspectiva

inclusivista não é o sujeito que se adapta à escola, mas é esta que deve se preparar para

receber todos, proporcionando uma imersão total no que se refere à educação.

Para alguns professores, a prioridade para que aconteça a inclusão de crianças surdas na

educação infantil está na preparação tanto deles, quanto de todos os profissionais que

trabalham na instituição. Eles têm a consciência de que para uma escola ser realmente

inclusiva, as ações inclusivistas não devem se deter à sala de aula, já que alguns enfatizam

que o conhecimento da Libras é fundamental para o trabalho junto ao estudante surdo.

Observamos também que, embora muitos dos sujeitos participantes não tiveram

formação continuada para trabalhar com alunos surdos, eles têm a compreensão do

princípio da inclusão, inserir todos e eliminar as barreiras da aprendizagem. Entretanto,

em se tratando do que eles priorizam na inclusão do aluno surdo na creche, não houve

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

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menção a figura do adulto surdo ou de um professor bilíngue, o que consideramos

fundamental para viabilizar a inclusão da criança surda, sobretudo no espaço da creche

Além disso, o fato de nenhuma participante fazer referência a alguma estratégia de ensino

pautada em recursos visuais, mostra-nos a falta de conhecimento acerca de como a pessoa

surda aprende, já que se trata de um sujeito visual.

Por fim, constatamos que a falta de formação específica ou mesmo continuada dos

professores é um dos maiores problemas enfrentados para o desenvolvimento de

estratégias pedagógicas inclusivas. Sem o conhecimento necessário sobre como essas

crianças compreendem o mundo, quais as metodologias específicas e quais as estratégias

pedagógicas que consideram a diferença linguística, fica difícil avançar na educação

desses sujeitos.

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Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 303508