práticas educomunicativas e teorias interdisciplinares no ... · de consciência, de...

10

Click here to load reader

Upload: buiquynh

Post on 05-Dec-2018

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Práticas educomunicativas e Teorias interdisciplinares no ... · de consciência, de homogeneidade, com todo o complexo de vontade coletiva, é claro que também a teoria correspondente

1

Práticas educomunicativas e Teorias interdisciplinares no combate ao

racismo.*

Rosangela Malachias1

A lei 10.639 de 9 de janeiro de 2003 determina a obrigatoriedade do ensino de história da África e cultura afro-brasileira nos níveis fundamental e médio em todo o país. Este fato tem ampliado a demanda por experiências que atendam essas temáticas. Com este artigo esperamos compartilhar, com um número maior de educadores, algumas conceituações que têm embasado nossas palestras e oficinas, que, em geral, apoiam-se na História, na Comunicação e no campo da Educação.

Palavras-chave: teoria-prática, interdisciplinaridade, educomunicação, transdisciplinaridade, transculturação, movimentos negros.

Toda a prática educativa deve ser respaldada pelo conhecimento oriundo da reflexão

crítica. Ao propormos e realizarmos encontros2 pedagógicos que objetivam o estudo das

relações raciais entre brancos e negros no Brasil e sua visibilidade na mídia, servimo-nos de

uma bibliografia interdisciplinar. Acreditamos que, ao narrar fatos históricos decorrentes

das ações dos movimentos negros3, poderemos contribuir para a propagação de um

conhecimento ainda novo, capaz de reverter preconceitos e propiciar autoestima às crianças

e jovens negros(as).

* Artigo publicado na Revista Identidade Científica do Grupo de Pesquisa GEPEC – Faculdade de Comunicação social de Presidente Prudente – UNOESTE – vol. 01 – número 03 – Novembro de 2004 – ISSN 1678-0787, p. 68-73. 1 A autora é Doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Fellow Ryoichi Sasakawa (Japão), consultora acadêmica do Programa Raça, Desenvolvimento e Desigualdade Social – Brasil Estados Unidos (USP-UFBA-Howard University – Vanderbilt University) e co-fundadora do Grupo Mídia e Etnia, oriundo do CCA-USP. 2 Referimo-nos especificamente às palestras, oficinas e cursos que temos ministrado a professores, estudantes e agentes escolares da rede municipal de ensino. Dentre eles destacamos o Educom.Radio, do NCE-ECA-USP implantado pela Prefeitura de São Paulo; o curso da UNOESTE em maio de 2004; o ciclo A presença

africana na cultura brasileira, na Estação Ciência – USP (1999-2003) e as ações de formação de professores promovidas pelas Coordenadorias de Educação e Subprefeituras de SP em diferentes regiões. 3 Priorizamos o enfoque aos movimentos negros na cidade de São Paulo, início do século XX à contemporaneidade.

Page 2: Práticas educomunicativas e Teorias interdisciplinares no ... · de consciência, de homogeneidade, com todo o complexo de vontade coletiva, é claro que também a teoria correspondente

2

Desse modo, teoria e prática seguem juntas, dinamicamente. A oposição entre

ambas é uma questão filosófica4 inesgotável porque polariza idéias, conceitos:

espírito/matéria; sonho/realidade; razão/emoção.

E assumir o compromisso da intervenção nos causa insegurança, muito mais intensa

que a modéstia, pois nossas idéias e ações devem ser explicitadas e, portanto, sujeitas à

crítica. Surge, então, o auto questionamento: “quem sou eu para filosofar?” Felizmente a

resposta é dada por um filósofo, propositor de uma nova concepção da história, da filosofia

da práxis5 e da cultura.

É preciso destruir o preconceito muito difundido de que a filosofia é qualquer coisa de muito difícil pelo fato de ser atividade intelectual própria de uma determinada categoria de cientistas especializados ou de filósofos profissionais e sistemáticos. É preciso, portanto, demonstrar preliminarmente que todos os homens são “filósofos”, definindo os limites e as caracterísitcas desta “filosofia espontânea”, “própria de toda a gente”... (Gramsci: 1978, 21).

Mais tranqüila, decido incluir-me nessa categoria, toda a gente, que pensa, sonha,

trabalha e se observa e se percebe como um ser capaz de refletir e propor mudanças. O ato

de filosofar espontaneamente nos leva a tomar consciência do nosso existir e, portanto, do

nosso papel na história. Por isso, a proposição de “novas concepções de mundo” acontece,

em geral, no campo das idéias; por isso, talvez, essas “concepções” concretizadas na prática

ou na produção epistemológica sejam uma forma específica de intervenção.

Gramsci (1978, 56) explica que há uma adesão entre teoria e prática, pois

toda ação é o resultado de vontades diversas, com diverso grau de intensidade, de consciência, de homogeneidade, com todo o complexo de vontade coletiva, é claro que também a teoria correspondente e implícita será uma combinação de crenças e pontos de vista igualmente desarticulados e heterogêneos.

4 O quadro “Escola de Athenas”, de Rafael (período da Renascença – séc. XVI) mostra a oposição entre as visões objetivista e relativista na figura de Platão (à esquerda, apontando o dedo para o céu) e de Aristóteles (com a mão direita voltada para a Terra). Platão, o mais velho, segura uma cópia de seu livro Timeos e o seu gesto indica o mundo das formas ideais (ou matemáticas). Aristóteles, discípulo divergente de Platão, segura uma cópia de seu livro Ética e indica, com seu gesto, a sua preocupação com o mundo material e real.

Essa antiga polêmica entre objetivismo e subjetivismo também emerge no trabalho de Bourdieu, P, que pretende articular dialeticamente o ator social e a estrutura social (conhecimento praxiológico). 5 Conceito marxista, que designa a reação do homem as suas condições reais de existência, sua capacidade de inserir-se na produção (práxis produtiva) e na transformação da sociedade (práxis revolucionária). Ver Gadotti: 1991, p.155.

Page 3: Práticas educomunicativas e Teorias interdisciplinares no ... · de consciência, de homogeneidade, com todo o complexo de vontade coletiva, é claro que também a teoria correspondente

3

A consciência como um estado de compreensão da realidade é também questionável

em sua manifestação, que pode ser fragmentada, influenciada e referendada por ideologias,

aqui compreendidas tanto pelo conjunto de idéias emanadas pela classe dominante, quanto

as idéias elaboradas no campo da ciência, da resistência política e cultural de grupos

excluídos como práxis à transformação.

Entendemos a práxis como a união que se deve estabelecer entre o que se faz

(prática) e o que se pensa acerca do que se faz (teoria) (Gadotti: 1991, 155). Ao tentarmos

elaborar uma teoria sobre uma determinada prática, estamos identificando e aproximando

elementos fundamentais a essa concretização, ao mesmo tempo em que a teoria fornece o

sentido, a coerência, além de acelerar o processo histórico de transformação. (Gramsci, 56).

Este artigo tenta, portanto, relatar como a tomada de consciência do meu

pertencimento a grupos histórica e internacionalmente excluídos – as mulheres/a população

negra - associada à práxis da vida, do estudo, do trabalho, do viver social impulsionou-me a

refletir sobre a adoção de uma metodologia, que instrumentalizasse as proposições práticas

junto a educadores com elementos teóricos suficientes à possíveis intervenções anti-racistas

em sala de aula e demais espaços sociais.

Oliveira (2001, 17-18) discorre sobre os caminhos de construção da pesquisa em

ciências humanas. Ao tratar a importância do método, ele nos dá um alerta de que, além de

um caminho a percorrer, o método é a segurança de que nossa proposição venha a ser

interpretada com coerência. Para tanto, Oliveira recorre à imaginação sociológica de

Wright Mills, que defende a adoção de uma sólida fundamentação teórica para que o

pesquisador seja autor de sua “própria teoria, de seu próprio método”. Outra referência

“sólida”, a qual Oliveira recorre é Marilena Chauí. A filósofa defende uma aproximação

maior entre as diferentes áreas do conhecimento, sobretudo quando a pesquisa se dá nas

ciências humanas, pois a busca de resultados completos e satisfatórios levam o(a)

pesquisador(a) ao caminho da interdisciplinaridade.

Para a melhor compreensão deste artigo, vamos, resumidamente, definir os

conceitos com os quais trabalhamos.

A interdisciplinaridade deve ser entendida como caminho viável à prática

educativa, pois ela aproxima e, por vezes, ultrapassa diferentes disciplinas, que se utilizam

Page 4: Práticas educomunicativas e Teorias interdisciplinares no ... · de consciência, de homogeneidade, com todo o complexo de vontade coletiva, é claro que também a teoria correspondente

4

de temas geradores, comuns, aprofundados em cada quadro de referência da pesquisa

disciplinar. Desse modo, a obrigatoriedade do ensino de história da África e da cultura afro-

brasileira nas escolas, possibilita o exercício interdisciplinar entre fatos históricos,

geográfícos, lingüísticos, artísticos e até matemáticos, referentes ao tema gerador.

A transdisciplinaridade, por sua vez, tem sido um ideal a ser alcançado, visto que

não apenas promove a aproximação de fronteiras disciplinares, como também as ultrapassa,

explora, aprofunda, sem hierarquizações valorativas, respeitando e preservando identidades

políticas, culturais, étnicas e de gênero. O conceito transdisciplinar compreende uma visão

holística do mundo, que percebe a interdependência da natureza. Portanto, quando tratamos

de relações raciais, consideramos pertinente a busca do conhecimento produzido por grupos

étnicos que, historicamente, foram alijados6 do poder.

Como tal conhecimento é ainda novo para a maioria dos educadores, dentre os quais

me incluo, aliamos à perspectiva transdisciplinar, outro conceito importante, o da

transculturação7, que se refere ao choque étnico-cultural entre indígenas, europeus e

africanos ocorrido nas Américas e Caribe durante o processo colonizatório. A

transculturação provocou dor, assimilação, resistência e reelaborações ocorridas ao longo

dos séculos, em especial, pelos africanos e afrodescendentes, cujo legado compõe e

enriquece a cultura brasileira e internacional: arquitetura, escultura, música, culinária,

capoeira, candomblé, irmandades, danças, poesia...

Didática: sugerindo passos8

Falar de racismo, discriminação e preconceito racial no Brasil não é algo tão

simples, considerando a crença no mito da democracia racial, ainda presente na

mentalidade de muitos brasileiros. Falar de práticas racistas na escola também não é fácil,

porque o tema obriga um olhar interiorizado de cada indivíduo agente educativo, que

precisa assumir suas limitações e dificuldades no relacionamento com a diferença.

6 Referimo-nos aos indígenas e africanos no Brasil. Todavia, nossa formação direciona-se aos estudos referentes à população negra. 7 Fernando Ortiz, etnólogo cubano descreve as diferentes fases da transculturación pelas quais os 8 Trecho extraído do artigo Movimentos Negros: passado e presente. Resistências e conquistas, de nossa autoria, redigido nos meses de julho e agosto de 2004, no prelo.

Page 5: Práticas educomunicativas e Teorias interdisciplinares no ... · de consciência, de homogeneidade, com todo o complexo de vontade coletiva, é claro que também a teoria correspondente

5

Por isso sugerimos, como caminho didático ao enfrentamento das relações raciais, o

exercício dos quatro pilares da educação abaixo comentados.

Aprender a conhecer a diferença e a cultura de outros grupos, sem hierarquizações

e preconceitos.

Aprender a conviver exercitando a tolerância e o respeito intercultural.

Aprender a fazer promovendo aulas, exercícios, oficinas, seminários que

contemplem o conhecimento bibliográfico alusivo à cultura e história da população negra

no Brasil e no mundo.

Aprender a ser reconhecendo em si as posturas preconceituosas em relação aos

negros, mulheres, homossexuais, nordestinos, pobres... E, a partir dessa auto crítica agir,

cotidianamente, em prol da superação. O aprender a ser é um exercício pessoal necessário

que contagia a coletividade em nosso entorno.

Outro conceito que empregamos como técnica metodológica em nossas oficinas é a

educomunicação, que pode ser definida como a análise crítica da mídia (conjunto dos

meios de comunicação) seguida de propostas criativas de novas linguagens midiáticas

expressas e/ou impresssas em veículos comunicacionais alternativos (jornais murais,

internet, blogs, sites, fanzines, filmes VHS etc) que podem ser elaborados na escola.

O poder midiático na propagação de mensagens é inegável. Por isso, se essas

mensagens são mediadas com reflexão, podem reverter estereótipos e auxiliar na

elaboração de novas mentalidades.

História, Comunicação e Educação

Quando a mídia (conjunto dos meios de comunicação) abre espaço para questões

alusivas à população negra (índices que mensuram a desigualdade socio-econômica, níveis

de violência, mobilizações reivindicativas em tono das cotas nas universidades e mercado

de trabalho), de uma forma geral, as pessoas não fazem idéia de que tamanha visibilidade é

recente e decorre de um processo histórico de militância.

Page 6: Práticas educomunicativas e Teorias interdisciplinares no ... · de consciência, de homogeneidade, com todo o complexo de vontade coletiva, é claro que também a teoria correspondente

6

A prática educomunicativa obriga os educadores a observarem a ação dos

indivíduos contextualizada histórica e dinamicamente9. Fatos ocorridos no passado podem,

muitas vezes, explicar o presente. Dessa forma, ao se estudar as relações étnico-raciais no

Brasil, a escravidão10 surge como evento imprescindível para a compreensão das

desigualdades hoje explicitadas nas pesquisas que mensuram o IDH – Índice de

Desenvolvimento Humano da população.

Uma cronologia dos estudos étnico-raciais produzidos por autores brancos como

Nina Rodrigues, Oliveira Vianna, Gilberto Freire, Roger Bastide, Florestan Fernandes,

Otávio Ianni, Emília Viotti da Costa, Fernando Henrique Cardoso, Sidney Chaloub, Fúlvia

Rosemberg dentre outros deve ser feita. Ela indicará as rupturas ocorridas no período final

do século XIX, quando Nina Rodrigues e Vianna, influenciados pelos estudos racistas

produzidos na Europa, contrapunham-se à miscigenação considerada, por eles, fator de

“degenerescência”. Freire, ao contrário, num viés culturalista verá harmonia no encontro

cultural entre indígenas, europeus e africanos. Sua obra internacionalmente famosa – Casa

Grande e Senzala – será responsável pelo fortalecimento do mito da democracia racial

brasileira. Após a Segunda Guerra, a Unesco promove uma pesquisa internacional sobre o

racismo, objetivando rechaçar as idéias racistas que culminaram com o holocausto judeu.

No Brasil, Bastide e Florestan Fernandes são escolhidos pelo francês Jean Claude Levis-

Strauss, que era o coordenador geral desse trabalho, para pesquisar o Preconceito Racial em

São Paulo. Este estudo, datado dos anos 50, coloca em dúvida o mito freireano e abre

espaço para a chamada Escola Paulista (Ianni, Cardoso, Viotti da Costa) que, nas décadas

de 60 e 70, reestuda o sistema escravista, demonstrando o quanto o Brasil construiu suas

riquezas com o trabalho compulsório dos negros.

9 Embora citemos eventos ocorridos no Brasil e na cidade de São Paulo, os leitores devem considerar uma necessária visão histórica internacionalizada, que inclui as teorias racistas do século XIX (Gobineau); o movimento literário dos jovens negros africanos e caribenhos, que estudavam na França denominado Negritude (final do séc.XIX, início do XX); o Pan-africanismo liderado por WEB Du Bois (Inglaterra), Marcus Garvey (EUA); a luta pelos direitos civis nos EUA, na década de 60, pautada pelo discurso pacifista de Martin Luther King Jr e pelo discurso dos Black Panters e Malcomn X, em prol da luta armada. 10 Em nossos encontros optamos por apresentar o que chamamos de “dimensão trágica do tráfico” ou “Holocausto negro” – uma tabela que demonstra o número de negros apresados e trazidos para o Brasil durante os séculos XVI a XIX. Segundo o historiador Alencastro (1988) (8.330.000 de africanos foram trazidos para o Brasil. Apenas 2.000.000 sobreviveram). Ver: Pinski – A escravidão no Brasil, São Paulo, Ed. Contexto, 1988.

Page 7: Práticas educomunicativas e Teorias interdisciplinares no ... · de consciência, de homogeneidade, com todo o complexo de vontade coletiva, é claro que também a teoria correspondente

7

Assim como as organizações negras anteriores como a Imprensa Negra (1910-

1947), a FBN – Frente Negra Brasileira (1930) e o TEN - Teatro Experimental do Negro

(1944), nasce, nos anos 70, o Movimento Negro Unificado, instituição que rapidamente se

torna nacional, nasce com o intuito de combater o racismo11. Alguns de seus fundadores

alcançam a universidade influenciando e sensibilizando os pesquisadores brancos a

revisarem12 e/ou a promoverem estudos voltados às relações raciais.

Os poucos intelectuais negros que acessavam a universidade também produzem

conhecimento, propiciando uma nova problemática metodológica – ser sujeito do próprio

estudo. Lélia Gonzales é referência obrigatória e inclui-se nesse grupo. Filósofa, jornalista,

mestre e doutora em antropologia, ela teoriza sobre a identidade negra aprofundando

questões políticas e culturais dos negros no Brasil, Estados Unidos, África e Caribe.

Gonzales também é pioneira na percepção e reflexão das especificidades referentes às

mulheres negras, num momento em que as feministas internacionais iniciavam seus estudos

sobre gênero e suas pautas reivindicativas.

A partir dos anos 80, as pesquisas quantitativas produzidas pelo IBGE sobre

educação13, mercado de trabalho, nível de renda passam a revelar índices de cor, que

favorecem a identificação das carências que afetam os afro-brasileiros (pretos e pardos) e

respaldam a proposição de políticas públicas.

Cabe ressaltar que 1988, ano do Centenário da Abolição, é ilustrativo aos estudos da

mídia impressa pois observa-se a preocupação e ao mesmo tempo o despreparo (Ferreira:

1992) dos jornalistas para falar sobre a população negra. O período também evidencia um

11 Vale ressaltar que a Imprensa Negra paulista e a Frente Negra Brasileira, contemporâneas no início do século XX propagavam um discurso político em prol da integração do negro à sociedade brasileira. O Teatro Experimental do Negro, fundado por Solano Trindade e Abdias Nascimento, denunciava o racismo e buscava a valorização do negro utilizando de uma linguagem inovadora – teatral. O Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial e Violência Policial nasce em 1978, após o assassinato pela polícia paulistana do jovem negro Robson da Luz. Sem antecedentes criminais, Robson somava a crescente lista de suspeitos, em geral negros. O MNU adota um discurso socialista, em prol de uma sociedade sem classes. Com o fim da ditadura militar, em 1985, milhares de organizações negras espalham-se pelo país. 12 Os historiadores Sidney Chaloub e Sílvia Lara, brancos, promovem estudos revisionistas da história. Ambos compunham um grupo da Unicamp preocupado em observar e centralizar as ações produzidas pelos sujeitos da história – negros(as) escravizados(as) que em atos cotidianos revelavam sua resistência. Além de atuarem na universidade, ambos apresentaram seus trabalhos a instituições e militantes do movimento negro, para que pudessem se apropriar desse conhecimento, em geral invisibilizado na escola. 13 Rosemberg (1988) coordena pesquisa da Fundação Carlos Chagas sobre O Negro e a Educação, aplicando dados do IBGE e Pesquisas Nacionais de Audiência Domiciliar (PNADs).

Page 8: Práticas educomunicativas e Teorias interdisciplinares no ... · de consciência, de homogeneidade, com todo o complexo de vontade coletiva, é claro que também a teoria correspondente

8

enfoque cultural majoritário, visto que prioriza shows e programações comemorativas14 ao

centenário da abolição. Na década seqüente, ao contrário, observa-se um enfoque de caráter

mais político-reivindicativo, sobretudo pelo debate15, ainda novo no Brasil, sobre Ações

Afirmativas e cotas para negros na universidade e na mídia.

Considerações finais

A lei 10.639 de 9 de janeiro de 2003 que obriga as escolas a ensinarem a história da

África e da cultura afro-brasileira não é, como alguns pensam, um ato arbitrário e

preconceituoso. A lei é fruto das ações anteriormente narradas e ao ser implementada

possibilita também o estudo e a valorização dos povos indígenas, como os negros,

oprimidos e expropriados no processo histórico colonizador e transcultural.

Os conceitos apresentados neste artigo são alternativas às pessoas que, preocupadas

com o respaldo teórico de suas prática, poderão encontrar subsídios nas diferentes

fronteiras disciplinares apresentadas pela inter e pela transdisciplinaridade.

A mídia, poder inegável de profusão de mensagens, idéias e valores, deve ser

criticamente mediada, pois é um caminho obrigatório, ao menos aos estudos

comunicacionais, para a reversão e combate de estereótipos. A educomunicação é, portanto,

uma perspectiva ao exercício cotidiano dos pilares da educação, ou seja, à disposição

individual e coletiva ao aprendizado constante, tornando verossímel a construção de uma

sociedade equânime e igualitária em direitos e deveres.

14 O paradoxo das comemorações oficiais em torno do Centenário da Abolição era a postura do Movimento Negro que, inspirado nas ações do MNU, transformou o dia 13 de maio em Dia de Denúncia contra o Racismo. Portanto, um dia de reflexão e não de comemoração da história brasileira. 15 Consideramos este debate unilateral, visto que articulistas favoráveis às ações afirmativas e às políticas de cotas são minoritários em comparação aos contrários. Esta opinião baseia-se num monitoramento pessoal do jornal Folha de S.Paulo, feito desde 2000. Embora a Folha tenha pautado matérias no Caderno Cotidiano explicitando dados de desigualdade entre brancos e negros, seus editoriais são explícitos na discordância da implementação de cotas raciais. No que se refere à implementação de ações afirmativas na mídia, tanto o Jornal da Tarde, quando o jornal o Estado de S. Paulo apresentaram matérias, em 2001, contrárias à obrigatoriedade de inclusão de 25% negros nos programas televisivos e mensagens publicitárias, conforme defendia o então deputado (hoje Senador) Paulo Paim do PT-RS. (Ver: Malachias, 2002).

Page 9: Práticas educomunicativas e Teorias interdisciplinares no ... · de consciência, de homogeneidade, com todo o complexo de vontade coletiva, é claro que também a teoria correspondente

9

Bibliografia

ANDREWS, George Reid – Ação Afirmativa: Um modelo para o Brasil. In: Multiculturalismo e Racismo - uma comparação Brasil e Estados Unidos. Jessé Souza (Org.), Brasília, Paralelo 15, 1997.

BOURDIEU, Pierre – Sociologia – org. Renato Ortiz, São Paulo, Ática, 1983.

CAPPELIN, Paola - Discriminação positiva - ações afirmativas em busca da igualdade, São Paulo, CFEMEA/ELAS, 1996.

CARNEIRO, Sueli - A organização nacional das Mulheres Negras e as perspectivas políticas. In: Cadernos Geledès no. 4. São Paulo, Geledès Instituto da Mulher Negra - Programa de Comunicação, nov./1993.

CASHMORE, Ellis – Dicionário de Relações Étnicas e Raciais, São Paulo, Selo Negro/Summus, 2000.

D’AMBRÓSIO, Ubiratan - Transdisciplinaridade - São Paulo, Palas Athena, 2002.

DELORS, Jacques, Educação: um tesouro a descobrir – relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. Trad. José Carlos Eufrázio. Brasília/São Paulo: MEC/UNESCO/Cortez, 4ª ed., 2000.

FREIRE, Paulo – Pedagogia da Autonomia – saberes necessários à prática educativa, São Paulo, Paz e Terra, 2000. 16ªed.

FRIGOTTO, Gaudêncio - A interdisciplinaridade como necessidade e como problema nas Ciências Sociais. In: Revista Educação e Realidade, Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, vol. 18, no. 2 - jul./dez./1993 - p.63-72.

GILLIAM, Angela – O ataque contra a ação afirmativa nos Estados Unidos. In: Multiculturalismo e Racismo - uma comparação Brasil e Estados Unidos. Jessé Souza (Org.), Brasília, Paralelo 15, 1997.

GONZALES, Lélia e HASENBALG, Carlos A. - Lugar de Negro, Rio de Janeiro, Editora Marco Zero, 1982.

GRAMSCI, Antonio – Obras escolhidas – trad. Manuel Cruz; revisão Nei da Rocha Cunha. São Paulo, Martins Fontes, 1978.

GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo – Políticas Públicas para a ascensão dos negros no Brasil: argumentando pela ação afirmativa. In: Afro-Ásia, 18 (1996), 235-261.

KELLNER, Douglas – A Cultura da Mídia. Estudos culturais: identidade e política entre o moderno e o pós moderno. (Trad. Ivone Castilho Benedetti), Bauru, São Paulo, EDUSC, 2001.

LEITE, José Correia - E disse o velho militante... (Org.) Cuti, São Paulo, Secretaria Municipal de Cultura, 1992.

MALACHIAS, Rosangela – Ação Transcultural: a visibilidade da juventude negra nos bailes black de São Paulo (Brasil) e Havana (Cuba). Dissertação de Mestrado, São Paulo, PROLAM/USP - Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo, Outubro, 1996.

Page 10: Práticas educomunicativas e Teorias interdisciplinares no ... · de consciência, de homogeneidade, com todo o complexo de vontade coletiva, é claro que também a teoria correspondente

10

________________ – Os sonhos podem acontecer. Teorias e práticas à ampliação do discurso preventivo ao abuso de drogas, com a inclusão de jovens negros e mulheres. Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de Comunicações e Artes da ECA/USP – Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Outubro, 2002.

MUNANGA, Kabengele - Negritude - usos e sentidos - São Paulo, Ed. Ática, 1986.

OLIVEIRA, Pedro Salles de - Caminhos de Construção da Pesquisa em Ciências Humanas. In: Metodologia das Ciências Humanas - Org. Paulo Salles de Oliveira. São Paulo, Hucitec/Unesp, 2001.

SANT’ANNA, Wânia – Relações Raciais no Brasil: entre a unanimidade e a paralisia. In: Perspectivas em Saúde e Direitos Reprodutivos. Informativo semestral/ The John D. and Catherine T,. MacArthur Foundation – maio/2001 / no. 4/ano 2 (p.53-68).

SOUZA, Neuza Santos de - Tornar-se negro ou as vicissitudes da identidade do negro em ascensão social, Rio de Janeiro, Ed. Graal, 1983 - 1a. ed.