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PRÁTICAS EDUCATIVAS E FORMATIVAS EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA: LINGUAGENS E SABERES As práticas pedagógicas desenvolvidos no contexto escolar e na formação de professores, ainda hoje, têm sido pautadas na dicotomia entre os processos de ensinar e aprender, o que implica em uma determinada maneira de considerar os processos formativos docentes. Tal distanciamento implica conceber a Didática numa perspectiva normativa e técnica. Entretanto, novas perspectivas estão sendo evidenciadas diante da complexidade que envolve a prática educativa. Isso traz inúmeros desafios, para além das singularidades existentes entre os diferentes níveis de ensino, componentes curriculares e contextos formativos docentes. É preciso compreender essa heterogeneidade não como entrave, mas como oportunidade de buscar convergências. Nesse contexto, este painel tem como objetivo discutir resultados de três pesquisas que buscaram analisar a prática pedagógica de Ciências e Matemática nos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental, relacionando-a a um contexto colaborativo de formação docente. As pesquisas se articulam ao romper com mecanismos que podem atuar como dispositivos de domesticação de práticas educativas e formativas. Para isso, baseiam-se na valorização dos estudantes e dos professores, considerados como sujeitos sociais, e na centralidade das experiências pedagógicas e formativas para pensar a educação. Enfatizam a abordagem investigativa na construção de práticas científicas na sala de aula, bem como a importância de contextos colaborativos na formação docente. Os resultados apresentados se convergem no sentido de discutir alternativas metodológicas e de formação docente, possibilitando um diálogo entre a Didática e os saberes docentes. Ressalta-se a importância de repensar a prática pedagógica e a formação docente a partir de uma perspectiva investigativa e colaborativa, contribuindo para avanços no campo da Didática, especificamente no que se refere à reflexão sobre os processos de ensinar e aprender. Palavras-chave: Ensinar e Aprender. Abordagem Investigativa. Contextos Colaborativos. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 8708 ISSN 2177-336X

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PRÁTICAS EDUCATIVAS E FORMATIVAS EM CIÊNCIAS E

MATEMÁTICA: LINGUAGENS E SABERES

As práticas pedagógicas desenvolvidos no contexto escolar e na formação de

professores, ainda hoje, têm sido pautadas na dicotomia entre os processos de ensinar e

aprender, o que implica em uma determinada maneira de considerar os processos

formativos docentes. Tal distanciamento implica conceber a Didática numa perspectiva

normativa e técnica. Entretanto, novas perspectivas estão sendo evidenciadas diante da

complexidade que envolve a prática educativa. Isso traz inúmeros desafios, para além

das singularidades existentes entre os diferentes níveis de ensino, componentes

curriculares e contextos formativos docentes. É preciso compreender essa

heterogeneidade não como entrave, mas como oportunidade de buscar convergências.

Nesse contexto, este painel tem como objetivo discutir resultados de três pesquisas que

buscaram analisar a prática pedagógica de Ciências e Matemática nos anos iniciais e

finais do Ensino Fundamental, relacionando-a a um contexto colaborativo de formação

docente. As pesquisas se articulam ao romper com mecanismos que podem atuar como

dispositivos de domesticação de práticas educativas e formativas. Para isso, baseiam-se

na valorização dos estudantes e dos professores, considerados como sujeitos sociais, e

na centralidade das experiências pedagógicas e formativas para pensar a educação.

Enfatizam a abordagem investigativa na construção de práticas científicas na sala de

aula, bem como a importância de contextos colaborativos na formação docente. Os

resultados apresentados se convergem no sentido de discutir alternativas metodológicas

e de formação docente, possibilitando um diálogo entre a Didática e os saberes

docentes. Ressalta-se a importância de repensar a prática pedagógica e a formação

docente a partir de uma perspectiva investigativa e colaborativa, contribuindo para

avanços no campo da Didática, especificamente no que se refere à reflexão sobre os

processos de ensinar e aprender.

Palavras-chave: Ensinar e Aprender. Abordagem Investigativa. Contextos

Colaborativos.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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CONSTRUÇÃO DE PRÁTICAS CIENTÍFICAS NOS ANOS INICIAIS: UMA

ABORDAGEM INVESTIGATIVA

Cláudia Starling Bosco

Faculdade de Educação/Universidade Federal de Minas Gerais

Resumo

Este trabalho apresenta o recorte da tese de doutorado concluída em 2015 e objetiva

compreender e caracterizar como as práticas científicas foram se constituindo na sala de

aula, no contexto de uma sequência didática orientada por uma abordagem investigativa

nas aulas de ciências. A pesquisa foi realizada em uma turma do 3º ano do Ensino

Fundamental de uma escola pública, na região sudeste do Brasil. A construção dos

dados e as análises foram orientadas por pressupostos teórico-metodológicos da

etnografia interacional (GREEN et al.). A partir da imersão no campo, filmagem das

aulas, registro no diário de campo, fotografias e artefatos presentes no cotidiano escolar

foram elaborados mapas de eventos e quadros das interações discursivas, a partir das

transcrições das falas em unidades de mensagem, considerando as interações

estabelecidas entre os participantes. Para isso, nos apoiamos na vertente sociocultural

(Vygotsky); na concepção dialógica da linguagem e nos estudos sobre gêneros

discursivos (Bakhtin; Swales); na análise do discurso (Bloome; Gee); na argumentação

(van Eemeren; Jiménez-Aleixandre; Osborne) e no campo da Educação em Ciências

(Candela; Carvalho; Driver; Duschl; Kelly; Lemke; Lorenzetti; Moje; Mortimer;

Munford; van Zee). Os resultados evidenciam que as práticas científicas não foram

situações previamente estabelecidas em sala de aula, mas foram construídas no processo

interativo e dialógico entre os participantes, vivenciando diversos modos de ser, agir e

falar. As crianças construíram diversas práticas científicas como observar fenômenos,

elaborar procedimentos, comunicar resultados, elaborando conceitos, a partir de um

ensino baseado na abordagem investigativa. As análises reforçam as perspectivas atuais

de considerar a importância do papel do pedagogo na abordagem investigativa como

aquele que instiga e valoriza a participação das crianças nas interações discursivas.

Palavras-chave: abordagem investigativa; interações discursivas; práticas

científicas.

Problematizando a prática pedagógica nos anos iniciais: os objetivos da

investigação

Uma visão tradicional do ensino para crianças enfatizou, ao longo do tempo, a

aprendizagem individualizada. Especificamente, o ensino de ciências esteve vinculado à

transmissão de conhecimentos científicos como exatos e rígidos, atemporais,

desvinculados da ação humana e descontextualizados historicamente. Nesse contexto,

os estudos em Educação em Ciências enfocavam o aspecto individual da aprendizagem

e a transmissão pelo professor, de maneira direta, do conhecimento científico,

considerado como produto final: “transmitiam-se os conceitos, as leis, as fórmulas. Os

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alunos replicavam as experiências e decoravam os nomes dos cientistas” (CARVALHO,

2013, p. 1).Pesquisas como as de Delizoicov et al. (2002) têm enfatizado a importância

das mudanças no campo educacional no que diz respeito ao ensino de ciências nos anos

iniciais, envolvendo a formação do professor, a concepção do que ensinar e como

ensinar a partir de um processo de aprendizagem baseado na compreensão e não na

memorização de conteúdos descontextualizados. Novas perspectivas de ensino

consideram a aprendizagem de ciências em relação à apropriação de práticas da

comunidade científica. Vários estudos enfatizam a importância da interação social na

sala de aula, tendo a linguagem como elemento fundamental, possibilitando ao aluno a

inserção em práticas culturais da ciência (JIMÉNEZ-ALEIXANDRE e ERDURAN,

2007; MORTIMER, 1998; DRIVER et al., 1998). Esses estudos reforçam que aprender

ciências está relacionado ao fato de inserir o aluno em um mundo de novos significados,

favorecendo diferentes modos de pensar, ver e explicar o mundo. Por conseguinte, a

criança passa a ter contato com outra linguagem, a científica, que traz características da

cultura científica.

Para a construção de conhecimentos científicos é fundamental que sejam

propostas situações em sala de aula para as crianças apresentarem seus pontos de vista e

confrontarem resultados, principalmente no início do processo de escolarização. Nesse

sentido, ganha relevância a concepção do ensino de ciências por investigação baseada

nos estudos de Munford e Lima (2008), ressaltando a importância da argumentação e do

engajamento dos estudantes em práticas científicas. O ensino por investigação está

relacionado a construção de práticas argumentativas, não no sentido de conhecer e

nomear simplesmente os fatos, mas possibilitar que os estudantes possam construir

evidências para promover argumentos convincentes no campo científico(DUSCHL e

GRANDY, 2010).

Outra vertente importante na nossa pesquisa foi pensar as contribuições e

implicações da Análise do Discurso para o campo da Educação em Ciências, já que a

Análise do Discurso traz determinados construtos teórico-metodológicos, representando

um determinado jeito de ver e de fazer a pesquisa. Identificamos alguns elementos

fundamentais que deram suporte à nossa pesquisa.

Um aspecto então é pensar a ciência como cultura, não como algo já pronto e

acabado, mas como uma prática social.

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Também se faz necessário valorizar o papel das interações sociais, como

elementos que possibilitam que crianças negociam significados e constroem novos

conhecimentos.

Outro importante aspecto relacionado a Análise do Discurso é refletir sobre a

construção de identidades envolvendo o conceito de sujeito e relações de poder, o papel

do sujeito, o lugar que ele assume e como suas identidades são construídas na relação

com o outro. Ele é considerado um sujeito histórico e social. Essa perspectiva nos ajuda

a compreender o modo como o sujeito constrói o mundo pela linguagem. Nessa direção,

a construção de identidades está relacionada às práticas culturais e ao uso da linguagem

(GEE, 2010).

Outro aspecto discutido envolve questões relacionadas ao saber disciplinar, aos

conhecimentos científicos, escolares e cotidianos. Os discursos disciplinares são

dinâmicos, definidos socialmente co-construídos por meio da linguagem, interação, e

nas práticas culturais. Mortimer (1998) discute algumas características da linguagem

científica e da cotidiana, reforça a necessidade de reconhecer suas diferenças e analisa

como essas características contribuem para compreender as dificuldades na

aprendizagem de ciências. Ele argumenta que as características da linguagem científica,

como por exemplo, a complexidade lexical e a estrutura conceitual, foram construídas

no decorrer do desenvolvimento científico, com objetivo de registrar e ampliar o

conhecimento, o que a torna uma linguagem difícil para os estudantes.

A partir desse contexto que embasa nossa investigação, a questão de pesquisa

que norteia a investigação é: Como acontece a construção de práticas científicas na sala

de aula? Mais especificamente, este trabalho tem como objetivo compreender e

caracterizar as práticas científicas nas aulas de ciências em uma turma do 1º ciclo do

ensino fundamental, no contexto de uma sequência didática, orientada por uma

abordagem investigativa.

Nesse objetivo, estão evidenciados os principais pressupostos teóricos que

subsidiam nosso estudo: consideramos a argumentação como uma prática discursiva e,

por isso, construída no processo de interação, reconhecemos a especificidade do ensino

de ciências para crianças e a importância do ensino por investigação, adotando uma

concepção de linguagem em uma perspectiva dialógica.

O percurso da pesquisa: pressupostos teórico-metodológicos

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Como opção metodológica adotamos a perspectiva qualitativa, especificamente

um estudo de caso como instrumento de investigação, já que esse tipo de modalidade de

pesquisa é pertinente quando se pergunta “como” e “por quê?”, questões que norteiam o

nosso estudo (Yin,2001).

A orientação metodológica do estudo de caso foi articulada à apropriação de

alguns aspectos e ao uso de ferramentas da etnografia em educação (CASTANHEIRA;

GREEN; DIXON, 2001).A sala de aula na abordagem etnográfica interacional passa a

ser considerada como um espaço de construção social, enfatizando a heterogeneidade de

aspectos que a envolvem. Ela passa a ser considerada como um espaço social em que

diferentes práticas e múltiplos discursos estão presentes e, simultaneamente, são

construídos.

Para a realização da pesquisa, utilizamos elementos como a observação

participante, a transcrição das falas em unidades de mensagem, anotações em diário de

campo, observação das aulas, gravação das aulas em áudio e vídeo, fotografias e

registro das atividades desenvolvidas pelas crianças.

Para a realização da nossa pesquisa, desenvolvemos uma sequência didática em

uma turma do 3º ano sobre o tema microorganismo. Ela foi elaborada pela pesquisadora

juntamente com um grupo de trabalho, constituído por professores do ensino superior,

estudantes e licenciandos em Ciências Biológicas, em parceria com a professora da

turma.

Esta diversidade de formações e experiências tanto no nível acadêmico quanto

na sala de aula, potencializou ainda mais a elaboração do planejamento como um

momento de pensar e refletir sobre a prática pedagógica.

Nosso objetivo ao propor o trabalho com sequência didática oi engajar os

estudantes no estudo do tema, explorar os conhecimentos prévios e os interesses das

crianças. Propusemos atividades que pudessem favorecer aos estudantes oportunidades

de discutir novas ideias e conceitos, em pequenos grupos e coletivamente, além de

importante oportunizar reflexões sobre o conteúdo, de modo a sistematizar e generalizar

os conceitos apreendidos(AGUIAR, 2005).Procuramos desenvolver atividades em que a

dimensão da investigação estivesse presente, propor situações nas quais as crianças

pudessem discutir, experimentar, colocar em ação suas ideias, discutir, avaliar e

comunicar os resultados obtidos.

Apresentando e discutindo as análises: Quadro das Interações discursivas

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Escolhemos representar nossas transcrições dos eventos nos Quadros das

Interações Discursivas, elaborados considerando as questões de pesquisa. Eles foram

elaborados a partir de três blocos que orientaram nossas análises sobre as interações

discursivas: interações discursivas gerais, argumentação e práticas científicas. Nesse

trabalho, iremos discutir especificamente as Práticas científicas, entendendo que ela se

articula com os demais blocos de análise.

QUADRO DAS INTERAÇÕES DISCURSIVAS

INTERAÇÕES DISCURSIVAS NO ENSINO DE CIÊNCIAS

Transcrição Interações Discursiva

Gerais Argumentação Práticas Científicas

Linha Locutor Unidade de

Mensagem

Su

jeit

os

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ced

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tos

Co

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nic

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res

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os

Ela

bo

ran

do

co

nce

ito

s

Fonte: STARLING-BOSCO e MUNFORD (2015)

O eixo “práticas científicas” está intimamente ligado ao eixo argumentação,

enfatiza outros aspectos fundamentais nas práticas da comunidade científica, como:

observando fenômenos, elaborando procedimentos, comunicando resultados e

elaborando conceitos.

Apresentamos a seguir a análise de um evento que possibilita discutir o processo

de construção de práticas científicas nos anos iniciais do ensino fundamental.

Descrição do evento: “Congresso dos cientistas: comer ou não o pão?”

O evento analisado denomina-se “Congresso dos cientistas: comer ou não o

pão?”. Aconteceu na aula número 7 no total de 15 aulas no dia 2 de maio de 2012,

quando as crianças participaram de uma atividade de elaboração de procedimentos para

investigar o processo de decomposição dos alimentos, no caso o pão.

As carteiras estavam em círculo, e a professora andava no meio, indagando e

orientando as crianças no preenchimento da atividade que discutia sobre a investigação

do pão, orientada pelas seguintes questões: i) O que queremos saber? ii) O que

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precisamos fazer? iii) Que materiais, iremos utilizar? iv) O que você pensa que vamos

descobrir?

A professora iniciou a aula retomando quais foram as investigações já

realizadas, e as crianças relembraram com facilidade: “a primeira foi do ovo, depois do

lixo e depois nós fizemos outra do lixo”. A professora, então, continuou a aula lendo a

primeira pergunta da atividade: “para investigar o pão, o que, primeiro, precisamos

fazer?” Uma criança respondeu que era preciso observar e outra que era necessário

comprar o pão. A professora continuou reforçando que então era preciso planejar a

investigação.

A professora questionou as crianças “o que nós queremos saber sobre o pão?”.

As crianças manifestaram várias ideias, como por exemplo: “do que ele é feito?”; “se

ele está estragado ou não?”; “quem criou o pão?”; “se ele tem energia?”; “quem

inventou o pão?”; “o pão pode estragar”?; “se pode ser feito doce”?.

A professora solicitou, então, que as crianças registrassem as perguntas. Nesse

momento, ficou clara a intenção da professora de direcionar as questões para aquelas

que estavam ligadas à decomposição, pois foram selecionadas as seguintes questões:

“quando ele estraga ou não?”; “quanto tempo ele demora para estragar?”. Ela finalizou a

primeira parte da atividade dizendo que a última pergunta a ser registrada seria a da

aluna Flávia, pois “cita a ideia de muita gente: o que acontece quando o pão estraga?”.

Logo, a seguir, a professora iniciou a discussão da segunda questão da atividade

perguntando “para saber essas coisas, o que precisamos fazer?” e retomou as perguntas

que foram registradas. Praticamente, todo o grupo respondeu que iriam precisar do pão.

A professora aceitou esse ponto de vista e continuou questionando com as crianças:

“mas e depois o que precisaríamos fazer com o pão?”. Revisitando a filmagem ficou

evidenciado que a professora alcançou o que pretendia que era instaurar na sala uma

discussão sobre determinadas práticas científicas na investigação do pão. Ela continuou

questionando as crianças sobre os procedimentos metodológicos “o que mais?”. Pedro

respondeu: “pegar o pão era importante para ver se ele estava duro”, e Henrique

reforçou dizendo: “temos que saber se está mole ou duro, se está estragado ou não”, e,

para isso, seria necessário colocá-lo “em algum lugar”.

Importante mencionar que as crianças se posicionavam na frente da sala e

usavam microfone, vivenciando um congresso de cientistas, inclusive eram chamadas

pela professora de “cientistas”.

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Uma criança verbalizou a opção que, para investigar, seria necessário “comer

um pedaço do pão”, a turma ficou agitada, conversando e dando gargalhadas. É esse

evento que selecionamos para discutir a seguir.

Resumindo, o segundo evento iniciou-se quando as crianças participavam de

uma atividade sobre os procedimentos necessários para investigação do processo de

deteriorização de alimentos, no caso o pão. Quando uma das crianças expôs seu ponto

de vista de que “comer o pão era uma boa ideia para investigá-lo”, outras crianças se

posicionaram de maneira contrária. Nesse momento, iniciou-se então o “Congresso dos

cientistas: comer ou não o pão?”, com intuito de debater se comer o pão era ou não um

procedimento adequado e necessário para investigá-lo.

A seguir, apresentamos o Quadro das Interações Discursivas que representando a

análise desse evento.

QUADRO - “CONGRESSO DOS CIENTISTAS: COMER OU NÃO O PÃO?”

INTERAÇÕES DISCURSIVAS NO ENSINO DE CIÊNCIAS

Transcrição Interações Discursiva

Gerais Argumentação Práticas Científicas

Linha Locutor Unidade de

Mensagem

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s 38

se para

fazer esta

investigação

X X

39

vai ser

preciso

comer ou

não o pão?

X X

40

o que você

acha?

[Alunos

em

silêncio,

ouvindo a

entrevista

X X

41 Renata eu acho

que não X X X

42 P

não deve

comer o

pão?

X

43 por quê? X X

Continua.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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TERAÇÕES DISCURSIVAS NO ENSINO DE CIÊNCIAS

Transcrição Interações Discursiva

Gerais Argumentação Práticas Científicas

Linha Locutor Unidade de

Mensagem

Su

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os

e a

ções

na

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raçã

o

Mo

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ult

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os

Ela

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co

nce

ito

s

44 Renata

porque ele

será um

objeto de

experiência

X X

45 Ahhhh X

46 boa

resposta X

47 vamos

agora X

48 pode sentar

Eduarda X X

49

palmas

para

Eduarda

[Crianças

batem

palmas]

X X X

50 P

agora

quem já

pensou e

quer

responder?

X

51 criança eu X

52

59 [...]

60 Henrique

nós

podíamos

investigar

X X X

61

trazer um

pão pra cá

e olhar ele

bem direito

X X X X

62

ver se ele

está

estragado

ou não

X X

63

66 [....]

67

por que

você acha

que comer

o pão não é

uma boa

estratégia?

X X

Continua.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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Conclusão.

TERAÇÕES DISCURSIVAS NO ENSINO DE CIÊNCIAS

Transcrição Interações Discursiva

Gerais Argumentação Práticas Científicas

Linha Locutor Unidade de

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ênci

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s

68 P

atenção...

[Professora

chama

atenção de

uma

criança]

X X

69

e aí

quando

você

investigar

X X

70

pode estar

todo

babado

[Muitos

risos]

X X X

71 ok X

72

palmas

para o

Henrique

X

Fonte: STARLING-BOSCO e MUNFORD (2015)

Nessa parte, a professora, então, direcionou a discussão para o aspecto

metodológico: se seria preciso comer ou não o pão para investigá-lo. Como evidenciado

no quadro, as crianças apresentaram seus pontos de vista, eram encorajadas pela

professora a participarem e eram valorizadas pela participação, como nas linhas 45 e 46

“ahhhh” “boa resposta” e pelas crianças (linha 49), a partir da solicitação de

participação feita pela professora “palmas para Renata”. Esse trecho retoma a

importância da argumentação no ensino de ciências diante da apresentação e das

justificativas de pontos de vista.

Para se engajar na discussão, a criança precisa se posicionar diante do mundo,

demonstrando seus pontos de vista e interagindo com o outro. Para justificar, é preciso

olhar de outra maneira para a situação e construir um discurso que apoie seu ponto de

vista de maneira coerente, o que no início da escolarização é um grande desafio para as

crianças.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

8717ISSN 2177-336X

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Logo a seguir, a professora solicitou a participação de Henrique no papel de

“cientista”, orientando para a mudança de postura e espaço ocupado na sala “dá um

passo a frente” (linha 54). Aqui fica evidente um exemplo de como os modos de agir e

de falar no congresso foram se instituindo na turma. O posicionamento de Henrique

(linhas 60 a 62) evidencia aspectos fundamentais da necessidade de introduzir práticas

científicas no ensino de ciências, se considerarmos a perspectiva investigativa,

mencionando a importância da observação e elaboração de procedimentos e evidências.

O evento prosseguiu quando outra criança, chamada aqui de Sofia, apresentou

suas investigações sobre o pão e explicitou seu ponto de vista sobre o tema em

discussão, se comer era uma boa estratégia ou não (linhas 73 a 107). Sofia não

concordou em comer o pão e justificou dizendo que “se você compartilhar todo o pão

com as pessoas”, “se a gente precisar do pão a gente” “a gente não vai poder ter” (linhas

103 a 105).

Continuando a análise do “Congresso dos cientistas: comer ou não o pão?”, nas

linhas 108 a 117, há uma importante sinalização sobre os modos de interação que

aconteceram na sala de aula no decorrer dos congressos. Como vimos, até então, a

professora constantemente solicitava o reconhecimento das crianças após a fala do

“cientista” quando dizia “palmas para o cientista”, o que foi ao longo do tempo sendo

apropriado pelas crianças e se tornando uma regularidade durante esses momentos.

Entretanto, a construção de significados e de modos de ser e de agir é flexível e

se altera a partir de novas interações que são estabelecidas na turma, pois um evento

está sempre conectado com eventos passados e futuros, como sinalizou os estudos de

Bloome (2009, 2010).

Alguns apontamentos finais

A partir da análise do evento “Congresso dos cientistas: comer ou não o pão?”,

descrevendo as atividades desenvolvidas e focalizando as ações e discurso dos sujeitos

foi possível perceber que os aspectos investigativos de uma pesquisa foram

privilegiados pela professora e crianças, na medida em que ao discutirem sobre se

comer o pão era ou não importante para investigá-lo.

Observamos como as crianças vivenciaram e construíram práticas científicas,

explicitando pontos de vista, justificativas, indicando diferença de opinião, propondo

novas estratégias de metodológicas.

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Quando as crianças elaboraram e discutiram os procedimentos para investigar o

processo de conservação e decomposição do pão foi possível perceber maneiras

particulares de construção de determinados modos de ser e de agir em consonância com

as práticas científicas e argumentativas. Isto reforça a importância de considerar a

abordagem investigativa para o desenvolvimento de práticas científicas nos anos iniciais

do Ensino Fundamental e reforçar o papel do professor de oportunizar, instigar e

valorizar as interações discursivas na sala de aula.

Nessa perspectiva, a mediação do professor nos momentos de interação torna-se

um elemento fundamental para proporcionar ao aluno novas oportunidades de

aprendizagem, favorecendo a construção e inserção das crianças nas práticas científicas.

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DIDÁTICA E SUBVERSÃO DE SABERES: UM OLHAR PARA PRÁTICAS

MATEMÁTICAS NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Resumo

Fundamentalmente, as pesquisas em Didática da Matemática têm se ocupado com a

constituição de mecanismos de valoração dos aspectos didáticos que circunstanciam os

processos de ensino, de aprendizagem e de avaliação da matemática escolar. Neste

artigo, apresentamos um ensaio teórico-filosófico que busca problematizar como esses

mecanismos, se tomados de modo descuidado, podem atuar como dispositivos de

domesticação da escola: uma série de táticas e de estratégias que visam eliminar,

restringir, coagir, neutralizar ou controlar o espaço escolar, desviando-o de um sentido

de tempo livre que, outrora, lhe fora atribuído. Junto a um episódio sobre o ensino de

funções em uma turma de nono ano do Ensino Fundamental, apresentamos as

dimensões epistêmica e cognitiva do mecanismo de valoração da idoneidade didática

(GODINO et al., 2006) e, ao questioná-lo, tratamos dos modos como os saberes

institucionalmente construídos e priorizados pelos processos didáticos podem ser

subvertidos, convidando-nos a pensar novas práticas educativas no espaço escolar. Essa

subversão não pretende vincular o saber produzido a um mundo dado, com objetivos e

finalidades previamente definidos, mas produzir um mundo no qual os objetos, as

linguagens e as subjetividades vão se compondo na medida em que o próprio mundo é

produzido. Defendemos, assim, uma didática que tome o traduzir, o verter, o recriar, o

romper e o recomeçar como ações. Procuramos pensar a educação como ato criador e

os processos didáticos como acontecimentos abertos nos quais os saberes rompam com

as formas inerciais de relacionar-se com a matemática, preocupando-se com as

experiências formativas dos sujeitos da educação.

Palavras-chave: Didática. Educação Matemática. Filosofia da Educação Matemática.

Apresentando a discussão

Segundo Godino et al. (2006), a didática da matemática deveria aportar

conhecimentos para a análise da adaptação e pertinência dos conteúdos matemáticos a

um determinando projeto educativo; dos meios tecnológicos e temporais adequados

para colocar em movimento um processo de estudo matemático; do tipo de interação

entre professor e alunos que permita identificar e resolver as dificuldades e conflitos nos

processos de estudo matemático; da adaptação entre os objetos formativos e as

capacidades e competências prévias dos alunos, assim como seus interesses, afetividade

e emoções; da pertinência dos significados pretendidos (e implantados), dos meios

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usados e dos padrões de interação ao projeto educativo da escola e o contexto em que se

desenvolve o processo de estudo.

Ao analisar o percurso das investigações sobre a didática da matemática,

percebemos que, inevitavelmente, essas investigações centram seu interesse na

problematização de como deve ser uma aula de matemática, com atenção ao ensino,

como divulgação de ideias, ou à aprendizagem, como pesquisa empírica (D’AMORE,

2007). Seja construindo críticas e/ou vislumbrando cenários de melhoria, essas

pesquisas, por meio da descrição e análise de práticas escolares, constituem mecanismos

de valoração dos aspectos didáticos que circunstanciam os processos de ensino, de

aprendizagem e de avaliação da matemática escolar.

Nesse sentido, Godino et al. (2006), em um estudo teórico, propõem um modo

de descrever os processos de ensino e aprendizagem da matemática, bem como valorar a

idoneidade didática – expressão utilizada pelos autores – de tais processos. Nosso

objetivo ao convidar esse trabalho é discorrer sobre como a valoração das diversas

dimensões da sala de aula de matemática, amplamente empreendida pelas investigações

em didática da matemática, está associada a um processo de domesticação da escola,

propondo pensar como esses critérios, em seus componentes e descritores, atuam como

“uma série de táticas e de estratégias para eliminar, restringir, coagir, neutralizar ou

controlar a escola” (SIMONS; MASSCHELEIN, 2014, p. 98. Tradução nossa).

Note-se, contudo, que não pretendemos nos contrapor às discussões presentes no

trabalho de Godino et al. (2006). O objetivo ao mobilizar tal trabalho é apenas o de

apropriarmo-nos das ferramentas de valoração da idoneidade didática propostas pelos

autores para, junto a elas, promover deslocamentos que dizem de sentidos outros para a

educação.

A didática da matemática entre critérios de valoração e domesticação da escola

Como destacamos, Godino et al. (2006) propõem um modo de descrever os

processos didáticos envolvidos na dinâmica do ensinar e aprender matemática no

ambiente escolar, valorando tais processos. Para a valoração da idoneidade didática, são

estabelecidos critérios em diversas “dimensões”, sendo destacada pelos autores a

epistêmica, a cognitiva, a interacional, a mediacional, a emocional e a ecológica. Cada

uma dessas dimensões não é, evidentemente, tratada de modo isolado, já que a

configuração de uma pode afetar diretamente outra, outras ou todas.

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Optamos neste momento por percorrer duas dessas dimensões, a epistêmica e a

cognitiva, buscando evidenciar que, se tomada de modo descuidado, essa proposta de

valoração pode atuar como instrumento de domesticação da escola, desvinculando-a do

sentido de tempo livre que discutimos anteriormente. Procuramos, assim, promover

sutis deslocamentos nessas dimensões, problematizando-as não em um sentido de

desqualificação, mas na abertura de discussões que coloca em questão os modos como

temos pensado a relação entre a Didática da Matemática e os processos de valoração tão

presentes na atualidade da educação escolar.

A dimensão epistêmica estaria ligada ao “grau de representatividade dos

significados institucionais implantados (ou previstos), no que diz respeito a um

significado de referência” (GODINO et al., 2006, p. 4. Tradução nossa), incluindo

também outras configurações epistêmicas que constituem a trajetória que envolve os

problemas, as ações, as linguagens, as definições, as propriedades e os argumentos

mobilizados em situações de ensino-aprendizagem de conceitos matemáticos.

Poderíamos dizer, dada essa compreensão, que a idoneidade epistêmica refere-se à

qualidade da matemática ensinada; interessando olhar, fundamentalmente, para como a

dinâmica da sala de aula opera com os significados institucionais.

Ao valorar um processo de ensino-aprendizagem da matemática a partir desse

aspecto, estamos atribuindo uma centralidade à matemática institucionalizada – aquela

prevista em currículos, programas oficiais, livros-didáticos e tantos outros documentos

– na educação escolar. Essa centralidade supõe uma maior valoração dessa matemática,

tornando secundárias outras matemáticas que permeiam ou que podem permear o

ambiente escolar. Nesse sentido, a aprendizagem matemática ganha uma

responsabilidade muito específica do ponto de vista epistêmico: ela deve reportar-se aos

conteúdos matemáticos institucionalizados, respondendo positivamente a essas

imposições.

Por mais que a análise da idoneidade epistêmica avalie a riqueza do processo de

ensino-aprendizagem da matemática, levando em consideração a multiplicidade de

questões, linguagens e implicações que o processo dispõe e/ou pode gerar, centralizar a

matemática institucionalizada é um modo de domesticar a escola. Nessa domesticação,

a possibilidade que tem o aluno de implicar-se com o objeto matemático e mobilizá-lo

em um sentido de profanação se perde em nome das significações usuais, sendo o tempo

escolar, o tempo livre, convertido em tempo produtivo no qual a matemática se mantem

na via da estratificação. Aprender matemática significaria, então, conservar as

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finalidades dos conteúdos matemáticos institucionalizados, seja no âmbito da

reprodução ou da aplicação usual de cada um deles.

Contudo, como pensar a idoneidade epistêmica para além desse aspecto de

submissão à matemática institucionalizada? Um movimento interessante poderia ser

partir de uma contraposição à ideia de que a escola é um ambiente de aprendizagem.

Ora, se aprendemos em várias dimensões de nossa vida, dentro ou fora da escola, não é

a aprendizagem que faz com que uma escola seja uma escola. Isso, no entanto, não quer

dizer que em uma escola não se aprenda: nela acontece uma “forma de aprendizagem na

qual se desconhece de antemão o que poderá aprender”, configurando-se como um

“acontecimento aberto que só pode suceder se não há um propósito final e uma

funcionalidade externa estabelecida” (SIMONS; MASSCHELEIN, 2014, p. 85.

Tradução nossa).

Se a aprendizagem na escola implica, então, abertura sem finalidade, o próprio

sistema de valoração necessita ser revisitado. A convergência entre as aprendizagens

escolares de matemática com aquelas institucionalizadas deve ser apenas um dos

aspectos levados em consideração no processo de valoração da idoneidade didática em

sua dimensão epistêmica, permitindo que outras compreensões emerjam e se sustentem.

Aqui, tomaremos as palavras de D’Ambrósio (2007): “a crítica que faço à epistemologia

é o fato dela focalizar o conhecimento já estabelecido, de acordo com os paradigmas

aceitos no tempo e no momento” (p. 37). Evidentemente, cabe também ao processo

mostrar ao educando que existem aprendizagens historicamente legitimadas e que, pela

importância social, devem ser perseguidas e compreendidas. Encontrar um território

fronteiriço seja, talvez, uma dos maiores compromissos da educação escolar.

Outra dimensão destacada no processo de valoração da idoneidade didática é a

cognitiva, que “expressa o grau em que os significados pretendidos/implantados estão

na zona de desenvolvimento potencial dos alunos, assim como a proximidade dos

significados pessoais alcançados aos significados pretendidos/implantados” (GODINO

et al., 2006, p. 5. Tradução nossa). Nessa dimensão importam, por exemplo, aspectos

ligados ao conhecimento prévio dos estudantes para aprendizagem de um determinado

tema e aos modos como os significados pretendidos podem ser alcançados em seus mais

variados componentes.

Ocorre que, muitas vezes, o sentido da cognição em matemática, com foco na

aprendizagem, é dado pelo viés do reconhecimento. Clareto (2013) afirma que “Talvez

possamos dizer que a educação matemática tem colocado o problema da aprendizagem

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em termos de representação, em sentido forte, na acepção de uma imagem universal do

pensamento”, importando, assim, os sentidos que tratam a “aprendizagem como

passagem ou transição natural e um estado de não saber para um estado de saber”

(CLARETO, 2013, p. 65). Ao operar ao lado de uma imagem universal do pensamento,

a aprendizagem torna-se modo de representação do mundo e o conhecimento se

configura por meio de regras e saberes previamente estabelecidos. Trata-se, então, de

uma política cognitiva em que a aprendizagem está indissociavelmente ligada ao ensino:

“aprender é reter algum conhecimento ensinado por alguém” (CLARETO, 2013, p. 66).

Contudo, a autora aponta outros caminhos para essas perspectivas, propondo um

olhar sobre uma constituição mútua si-matemática que interroga a própria matemática

como ciência preexistente ao sujeito do conhecimento. Abre-se a possibilidade de

pensar a matemática inventando-se e sendo inventada no processo de ensino-

aprendizagem; uma matemática mais distante daquela estabelecida na reprodução de

conteúdos em sala de aula. A dimensão cognitiva assim pensada desloca o olhar dos os

extremos do processo de aprendizagem – dos pré-requisitos para os conteúdos

almejados – para a atenção aos processos de invenção de uma matemática singular no

espaço da sala de aula.

Ainda sobre essa perspectiva, Cammarota (2013)i destaca que:

A aprendizagem aqui surge muito mais como processo de

subjetivação que aquisição de conhecimentos ou informações.

Aprender é tornar-se. Aprendizagem como invenção de si. […]

colocar o problema da aprendizagem inventiva implica em um

desaprender regras de funcionamento constitutivas da subjetividade a

todo o tempo, colocando-a em movimento. Correlata, simultânea e

reciprocamente, a invenção de si implica a invenção, naquela

atividade, de uma geometria singular. Assim, aprendizagem como

invenção de si e do mundo. Aprendizagem como problematização.

Uma política cognitiva de invenção. (CAMMAROTA, 2013, p. 104)

.

Se a aprendizagem se aproxima do constituir-se matemática e educando,

mutuamente, como olhar para dimensão cognitiva? Talvez, desviando nossos olhares

das distâncias que ligam os pré-requisitos aos objetivos para os processos que dizem de

uma matemática inventando-se sem caminhos antecipáveis ou, como comenta

Cammarota (2013), na desaprendizagem do estabelecido. Trata-se de uma educação do

olhar para o não normatizado e o não normalizado: uma matemática que também na

singularidade, na constituição de novos modos de existir, encontra sua legitimidade e

importância.

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Tomadas essas concepções epistemológicas e cognitivas, apresentaremos a

seguir um episódio ocorrido em uma aula de matemática de uma turma de nono ano do

Ensino Fundamental. Esperamos, com essa narrativa, delinear algumas discussões que

coloquem a didática da matemática como problema.

Palitos e triângulos: colocar a Didática da Matemática como problema

O episódio que apresentaremos nesta seção ocorreu em uma atividade

desenvolvida com alunos do nono ano do Ensino Fundamental de uma escola pública do

município de Juiz de Fora (MG)ii. O objetivo da atividade era buscar uma associação

numérica para a situação apresentada, a partir de um processo de experimentação O

passo inicial foi o de incentivá-los, individualmente, a construir tabelas, criar desenhos e

outras formas de registro para perceber como se comportava a relação entre o número

de palitos e o número de triângulos. Procurávamos chegar a uma lei que descrevesse o

número de triângulos em função do número de palitos, observando uma possível

dependência existente entre essas duas grandezas nesse contexto. Tratava-se, então, de

aula introdutória sobre o tema funções.

Vamos tentar vencer um desafio? Trata-se de uma atividade com

palitos de fósforo na qual você deve construir triângulos que tenham

todos os lados iguais, de tal maneira que os triângulos sejam todos

iguais entre si. É possível formar triângulos com quaisquer números

de palitos? O grande desafio é tentar uma forma de saber quantos

triângulos poderiam ser construídos com um número qualquer de

palitos (esse número qualquer pode ser muito grande). Pense sobre

isso e tente explicitar uma forma de sempre saber o número de

triângulos formados, dado o número de palito e vice-versa.

Os alunos foram construindo, livremente, seus padrões e

confeccionando suas tabelas e outras formas de registros. Algumas

folhas de papel pardo foram fixadas na lousa – de modo a serem

preenchidas pelos alunos – contendo tabelas com duas colunas:

número de palitos e número de triângulos.

Os alunos foram convidados a apresentar suas elaborações.

Cassiana foi, voluntariamente, a primeira aluna. Pedimos que a aluna

desenhasse o padrão por ela elaborado e completasse uma das

tabelas. O trabalho de Cassiana consistia no seguinte:

Figura 1 – Representação do padrão geométrico elaborado por Cassianaiii

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Tabela 1 – Representação da tabela elaborada por Cassiana

Número de Palitos Número de Triângulos

0 0

1 0

2 0

3 1

4 1

5 1

6 2

… …

Perguntamos aos demais alunos se alguém havia utilizado um

padrão diferenciado. Nesse momento, Luiz Fernando se ofereceu para

ir à lousa e apresentar o seu trabalho.

Figura 2 – Representação do padrão geométrico elaborado por Luiz

Fernando

Tabela 2 – Representação da tabela elaborada por Luiz Fernando

Número de Palitos Número de Triângulos

0 0

1 0

2 0

3 1

4 1

5 2

6 2

… …

A turma parecia perceber, até aqui, a possibilidade de

existência de padrões distintos. Perguntados sobre o porquê de serem

diferentes, os alunos apontaram para a tabela, afirmando que,

segundo o padrão de Luiz Fernando, era necessário um número

menor de palitos para formar triângulos. “No primeiro [de Cassiana]

os palitos vão de três em três e no segundo [de Luiz Fernando] vão de

dois em dois”, justificaram.

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Marina disse, nesse momento, que seu padrão era diferente dos

dois outros expostos na lousa. Pedimos que ela mostrasse aos demais

alunos o padrão geométrico e a tabela por ela desenvolvidos,

resultando na seguinte apresentação:

Figura 3 – Representação do padrão geométrico elaborado por Mariana

Tabela 3 – Representação da tabela elaborada por Mariana

Número de Palitos Número de Triângulos

0 0

1 0

2 0

3 1

4 1

5 2

6 2

… …

Os alunos notaram que o padrão de Marina gerava a mesma

tabela do padrão de Luiz Fernando. Contudo, quando perguntamos se

as duas relações eram iguais, os alunos disseram que não, pois “os

desenhos são diferentes”.

Destacamos como ponto central da narrativa a última afirmação dos alunos: as

relações não são iguais, pois “os desenhos são diferentes”. É possível que,

matematicamente, duas relações numéricas idênticas, que associam o número de palitos

e o número de triângulos, produzam funções diferentes?

Na perspectiva de uma matemática institucionalizada, duas funções (relações

com condições específicas entre conjuntos) são iguais quando possuem o mesmo

domínio, lei de formação e imagem. A igualdade de funções não estaria pautada,

portanto, na disposição geométrica dos palitos na folha, mas na relação numérica que

essa disposição promove. Funções se relacionam com relações numéricas promovidas

entre dois conjuntos e não com os modos pelos quais essas relações são confeccionadas.

A questão que se coloca, contudo, é a seguinte: a operação dos alunos – “as relações não

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são iguais, pois os desenhos são diferentes” – pode ser compreendida como um

conhecimento matemático?

Suspeita-se que muitos desviariam de uma resposta direta para essa questão.

Outros, provavelmente, diriam que se os alunos seguissem na aprendizagem escolar

mantendo-se nessa afirmação obstáculos apareceriam, já que o produto dessa operação

não se produz em meio aos conhecimentos estabelecidos pela matemática

institucionalizada. Poderiam, ainda, dizer que o feito dos alunos em designar tais

relações como diferentes aponta para uma potente possibilidade de produção de um

conhecimento matemático institucionalizado, já que permite, após reconfigurações,

convergir para o conceito de função, fim do processo didático em questão. Depois de

construído o conceito, pouco importariam as disposições geométricas dos triângulos,

mas apenas as relações numéricas que podem ser estabelecidas e as leis e condições que

dizem dessa relação.

As propostas para pensar a educação escolar de Simons e Masschelein (2014)

levam, contudo, a outros esboços de uma resposta para essa questão. Ao pensar a escola

em seu sentido de tempo livre, dois aspectos parecem basais: a conversão do saber em

bem comum e o espaço escolar como espaço não produtivo.

O saber como bem comum rompe com as posições hierárquicas dos saberes e

com a individualização de sua produção, insinuando uma postura pedagógica atenta à

dimensão coletiva do conhecimento. No episódio, a fala dos alunos – as relações não

são iguais, pois os desenhos são diferentes – permite modulações de um saber em que as

hierarquias que definem posições de estados, como aquele que sabe e aquele que não

sabe, são colocadas em jogo na medida em que o conhecimento brinca com o

estabelecido e com o esperado.

Quando perseguido, esse saber pode trazer ao processo didático a possibilidade

de remodelar e torcer com as formas de existir da escola, do professor, do currículo, do

aluno e, dentre tantas outras, da própria matemática. Percebe-se que o que garante a

igualdade entre as relações palito-triângulo nesse episódio não é somente a regularidade

numérica expressa pela tabela, mas também a disposição geométrica dos palitos na

folha. Esse saber não se encontra arraigado somente na correspondência entre o número

de palitos e o número triângulos, mas também no processo pelo qual se confeccionou

esse tipo de relação: um saber que mergulha em problemáticas de um coletivo, que se

situa localmente nas micropolíticas da sala de aula e que pode ser tratado em sua

potência criadora, convertendo-se em bem comum.

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Essa criação, contudo, não pode ser pensada na direção do produto, mas do

processo. De tal modo, a escola converte-se em espaço não produtivo, insinuando

também outros caminhos para os processos didáticos da matemática. Aqui, o aprender

não está direcionado à finalidade, mas à operacionalidade: aprender como modo de

dispor objetos, linguagens e subjetividades em um espaço que institucionalmente se

legitima como matemático. Aprender não seria, então, reportar-se aos conhecimentos

previamente estabelecidos, mas justamente desviar-se desses: trata-se de escapar.

A relação palito-triângulo, institucionalmente concebida na exclusão do padrão

geométrico, toma no episódio a configuração de um saber sem finalidade. Para que

serve pensar relações numéricas levando em consideração disposições geométricas? A

resposta a essa pergunta direciona a uma página em branco na qual nenhuma finalidade

pode ser previamente rascunhada. O saber construído não pretende, portanto, vincular-

se a um mundo dado, com objetivos e finalidades postas, mas produzir um mundo no

qual os objetos, as linguagens e as subjetividades vão se compondo na medida em que o

próprio mundo é produzido, em medos e inseguranças. Ao convidar o padrão

geométrico para delimitar a igualdade dessa relação e ao sair de um espaço reconhecível

pela tradição, permite explorar as bordas, as periferias, os espaços de problematização

dos saberes instituídos. Por que o saber institucionalizado não considera as disposições

geométricas? Nos limiares do pensamento, no aventurar-se no exterior, questões que

ainda não possuem uma forma de expressão estabelecida, que nascem e morrem e já não

existem, são autorizadas e podem ser perseguidas.

Os dois aspectos que dizem da escola em seu sentido de tempo livre – o bem

comum e o espaço não produtivo – convidam, inevitavelmente, a colocar algumas

questões. Se a didática da matemática deve reporta-se aos conhecimentos para a análise

da adaptação e pertinência dos conteúdos matemáticos, como afirma Godino et al.

(2006), seria possível pensá-la junto aos processos de diferenciação dos saberes? É

possível pensar uma didática da matemática sensível aos saberes singularmente

produzidos nas micropolíticas de uma sala de aula?

Compondo com uma questão próxima, Corazza (2015, p. 107) escreve que

“didática e diferença seriam incompossíveis; logo, a princípio, uma didática da

diferença seria impossível de ser pensada”. Para colocar a didática como problema é

fundamental, então, deixar vazar seus significados usuais: uma didática que se afasta da

adaptação e da pertinência para ser pensada como tradução da tradição, que se impregna

por atos criadores e que consegue “maquinar didaticamente, com uma especificidade

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prazerosa, aventureira e aventurosa” (CORAZZA, 2015, p. 105). Didática que briga e

brinca com conceitos estabelecidos, que traduz as matérias originais da tradição – da

arte, da ciência e da filosofia – e que as leva a compartilhar espaços/tempos de inter-

esse, explorando distâncias entre objetos e linguagens que, em suas heterogeneidades,

vão se compondo de forma anacrônica. Trata-se, então, de uma

[…] concepção de didática como um movimento do pensamento, uma

direção tradutória dos atos curriculares – por si próprios,

transcriadores de elementos artísticos, filosóficos e científicos.

Tradução, que implica menos transportar ou transpor […] os sentidos

de uma língua para outra e mais verter ou recriar: dotando-se da

consistência de romper com o estabelecido; empreendendo novos

recomeços; apropriando-se do antigo ou do estrangeiro e tornando-os

seus, ao entrecruzá-los com a língua didática e fazer ressoar a sua voz.

(CORAZZA, 2015, p. 108)

Porém, a didática como traduzir, verter, recriar, romper ou recomeçar pede por

uma escola que tencione, invente, suspenda e profane. Instiga pensar a educação e a

tradução como atos criadores e os processos didáticos como acontecimentos abertos nos

quais os saberes rompam com as formas inerciais de relacionar-se com a matemática,

preocupando-se com os processos formativos dos sujeitos da educação. Uma didática da

tradução firma, assim, uma luta contra os processos da tradição que impregnam o

espaço escolar com a definição e a imposição dos usos sociais e laborais dos saberes.

No episódio, diferentes objetos, linguagens e modos de subjetivar-se se

encontram: há uma relação palito-triângulo de um currículo que, por meio de uma

língua didática, direciona-se a fins estabelecidos e a modelos representacionais; e há

pelo menos uma outra relação palito-triângulo que exige por uma língua didática “com a

condição de que cada língua esqueça a própria origem para se tornar dupla de si

mesma”, fazendo com que a tradução, o ato de criação que dispõe objetos, linguagens e

subjetividades outros, “não assimile, mas aproxime distâncias, numa espécie de

heterofilia, que desfaz as identidades sedentárias” (CORRAZA, 2015, p. 110). Uma

língua didática menos balizada por teorias e práticas pedagógicas e mais atenta às

experiências e seus desdobramentos na produção de pensamento e subjetividade.

Não se sabe, ainda, em que medida as provocações – e, porque não, proposições

– apresentadas neste texto podem ser desdobradas em propostas e ações. Entretanto, está

claro que a atenção a essas questões pode produzir novos caminhos para os aspectos

ligados ao ensino, à aprendizagem e à avaliação da matemática escolar, minimizando as

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tentativas de eliminar, restringir, coagir, neutralizar ou controlar o espaço escolar por

meio do previamente estabelecido. Pensar essas questões é criar elos com modos de

pensar a educação que a desvencilham dos mundos sociais e laborais tão fortemente

tomados como fins últimos da educação escolar. É, portanto, uma tentativa de

minimizar as ações de domesticação da escola.

Referências

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operam em educação matemática. 2013. 154 f. Dissertação (Mestrado em Educação)

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Tradução de Antonio F. R. Esteban. Buenos Aires: Miño y Dávila, 2014.

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PRÁTICAS DE LETRAMENTO ESTATÍSTICO EM CONTEXTOS

COLABORATIVOS E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE

Keli Cristina Conti

Faculdade de Educação/Universidade Federal de Minas Gerais

Resumo: Este artigo é baseado numa pesquisa de doutorado que buscou compreender a

experiência formativa e o desenvolvimento profissional de professores e futuros

professores da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental na

perspectiva do letramento estatístico em contextos colaborativos. Tais contextos se

constituíram a partir da formação de um grupo que se reuniu para estudar Estatística. O

grupo foi formado por professores, futuros professores e uma pesquisadora de uma

cidade do interior do estado de São Paulo. No percurso da pesquisa foram utilizados,

entre outros autores, aportes teóricos de Barton e Hamilton (2004), Street (2004; 2008)

e Rojo (2009; 2010) relativos ao letramento; Batanero (2002; 2013); Gal (2002),

Watson (2002; 2006) e Lopes (2008; 2011) relativos à Educação Estatística e ao

letramento estatístico; no que diz respeito ao desenvolvimento profissional, nossos

principais aportes foram Ponte (1995; 2011) e Fiorentini (2009; 2010), além de

Hargreaves (1998) para compreender nosso contexto colaborativo. Em abordagem

qualitativa (BOGDAN; BIKLEN, 1994), este configurou-se como um estudo de caso

composto pelos participantes do grupo de estudos. Depois da observação e da descrição

dos dados (vídeos, diário de pesquisa e outros materiais), escolhemos alguns momentos

videogravados que, após transcritos, foram analisados à luz do referencial teórico. Com

o trabalho no grupo que buscou ser colaborativo, consideramos que contribuímos para o

desenvolvimento profissional de professores e futuros professores da Educação Infantil

e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, os quais foram se percebendo capazes de

lidar com a Estatística, confiantes de que poderiam trabalhar com seus estudantes numa

perspectiva de letramento estatístico e assumindo-se como produtores de conhecimento.

Palavras-chave: Estatística – Estudo ensino. Letramento. Práticas formativas.

Introdução

A literatura especializada em Educação Estatística é clara quanto aos desafios que

lança à comunidade educativa. Os professores, em particular os dos anos iniciais,

constituem um grupo bastante solicitado a se desenvolver e a aperfeiçoar a prática

pedagógica por serem eles os que despertam os estudantes para o conhecimento,

inclusive o de Estatística. Partindo desse pressuposto, criou-se um grupo de estudos

sobre aprender e ensinar Estatística – de nome Estatisticando –, que se almejava

colaborativo, composto por diferentes profissionais ligados à educação, formados ou em

formação e com experiências diversas no âmbito da Educação Estatística.

Este artigo portanto, é baseado em uma pesquisa de doutorado, concluída em 2015,

cujo objetivo principal foi compreender a experiência formativa e o desenvolvimento

profissional de professores e futuros professores da Educação Infantil e dos Anos

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Iniciais do Ensino Fundamental na perspectiva do letramento estatístico em contextos

colaborativos.

Começamos por explicitar o que entendemos sobre letramento e letramento

estatístico, num segundo momento, revisitamos o conceito de desenvolvimento

profissional dos professores, em particular no que se refere à Educação Estatística,

destacando como o envolvimento em contextos colaborativos promove tal

desenvolvimento. Por fim, apresentamos e discutimos os resultados que apontam como

o envolvimento num contexto colaborativo pode levar ao desenvolvimento profissional.

Letramento e letramento estatístico

Quando analisamos o termo “letramento” no contexto brasileiro, temos

articulados a ele os conceitos de alfabetização e de letramento. Segundo Soares (2003),

alfabetizar-se é deixar de ser analfabeto, e ela esclarece, também, que o termo

“alfabetizado nomeia aquele que apenas aprendeu a ler e a escrever, não aquele que

adquiriu o estado ou a condição de quem se apropriou da leitura e da escrita,

incorporando as práticas sociais que as demandam” (p. 19). Referindo-se a letramento,

Soares (2003) menciona “o estado ou condição de quem interage com diferentes

portadores de leitura e de escrita, com diferentes gêneros e tipos de leitura e de escrita,

com as diferentes funções que a leitura e a escrita desempenham em nossa vida” (p. 44),

e o define, resumidamente, como “estado ou condição de quem se envolve nas

numerosas e variadas práticas sociais de leitura e de escrita” (p.44).

Para Gal (2002, p. 2), o vocábulo letramento tem sido “combinado com termos que

denotam domínios de conhecimento específico” ou, dito de outro modo, com dimensões

de outra natureza, como letramento escolar, letramento social ou não escolar, letramento

computacional, letramento científico, letramento estatístico, entre outros.

Gal (2002, p. 1) considera o letramento estatístico como “uma competência

esperada de cidadãos em sociedades sobrecarregadas de informação, frequentemente

vista como um resultado esperado da escolaridade e como componente necessário do

letramento e da numeracia de adultos”.

Gal (2002) propõe o que chama de “um modelo de letramento estatístico”, ou

seja, um modelo das bases de conhecimento que os adultos, e também os estudantes em

processo de formação, deveriam ter disponíveis para poderem compreender, analisar e

criticar as estatísticas que nos cercam, baseado em “elementos de conhecimento” e

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“elementos de disposição” que, segundo o autor, não ocorrem separadamente, embora

sejam descritos dessa forma para facilitar a apresentação e o entendimento de suas

dimensões. Budgett e Pfannkuch (2007) acrescentaram ao modelo de letramento

apresentado por Gal (2002), o que chamam de “componente de raciocínio”. Procuramos

sintetizar as ideias de letramento estatístico de Gal (2002) e Budgett e Pfannkuch (2207)

no esquema a seguir (Figura 1):

Figura 1: Modelo de letramento estatístico baseado em Gal (2002) e Budgett e Pfannkuch

(2007).

Fonte: Elaborado pela autora.

Explorando o que Gal (2002) classifica como “elementos de conhecimento”,

temos as “habilidades de letramento” – letramento compreendido em seu sentido mais

geral e próximo do que trouxemos com Soares (2003). A necessidade dessas habilidades

surge do fato de as mensagens estatísticas apresentarem-se em textos orais ou escritos e

porque informações dessa natureza, muitas vezes, estão inseridas em textos complexos.

Ou seja, tais habilidades são essenciais para as de ler e escrever em práticas sociais. Gal

(2002, p. 7) aponta ainda que “o letramento estatístico e o letramento geral estão

interligados”. O “conhecimento estatístico” implica: saber como os dados podem ser

produzidos e por que são necessários; familiarizar-se com os termos básicos, com ideias

da estatística descritiva, com representações em gráficos e tabelas, incluindo sua

interpretação, com noções básicas de probabilidade; conhecer como as conclusões são

alcançadas naquela realidade, traduzindo esse conhecimento de modo que esclareçam se

houve compreensão. Com relação ao “conhecimento estatístico”, Gal (2002) ainda

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completa que incluir em um curso uma grande quantidade de conteúdo estatístico não é

suficiente para garantir o letramento estatístico.

Com relação ao “conhecimento matemático”, destacamos o papel de apoio que

este vem dar não só ao letramento estatístico, mas ao conhecimento estatístico;

entretanto, ele – o conhecimento matemático – não pode ser o centro do processo, pois

existem recursos tecnológicos de apoio, como calculadoras e computadores. O

“conhecimento contextual”, segundo Gal (idem), “é a fonte de significado e a base para

a interpretação dos resultados obtidos”, ou seja, é por meio dele que se compreende o

que significam, no contexto, os dados que foram gerados. E o “questionamento crítico”

aparece como forma de avaliação crítica das informações estatísticas, principalmente

devido à forma que, muitas vezes, essas informações podem assumir, como, por

exemplo, a do abuso intencional dos dados, apresentados de forma sensacionalista.

Quanto ao que Gal (2002) chama de “elementos de disposição”, que estamos

entendendo como posicionamento, há uma ênfase na interligação dos conceitos de

posição crítica, de concepções e de atitudes. A posição crítica está relacionada à atitude

de questionamento das informações que nos chegam, pois certas concepções e atitudes

estão “na base da posição crítica das pessoas” e estas devem confiar em seu poder de

ação crítica.

Segundo Budgett e Pfannkuch (2007) o “componente de raciocínio”, acrescentado

ao modelo é composto por dois elementos: o conhecimento da argumentação estatística

e a visualização em eventos diários a partir de uma perspectiva estatística. Os autores

acrescentam ainda que o conhecimento da argumentação incluiria o raciocínio

inferencial da Estatística e a construção de declarações estatísticas baseadas em dados e

gráficos e o conhecimento em eventos cotidianos envolveria a consciência heurística

que as pessoas usam para o raciocínio e a visualização sobre generalizações, todos os

dias, em eventos da vida, do ponto de vista estatístico.

Em síntese, Gal (2002, p. 19) afirma que o “comportamento estatisticamente

letrado” precisa da ativação inter-relacionada dessas bases de conhecimento (elementos

de conhecimento), mencionadas na Figura 1, na presença da disposição crítica com

apoio de crenças e atitudes. Gal (2002, p.19) realça “o papel-chave que fatores e

componentes não-estatísticos desempenham no letramento estatístico e refletem a

natureza abrangente frequentemente multifacetada das situações nas quais o letramento

estatístico pode ser ativado”, que chamamos de elementos de disposição. Acreditamos

também que os componentes acrescentados por Budgett e Pfannkuch (2007), o

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elemento de raciocínio, amplia a percepção de que, ao dar um parecer, seu raciocínio

deve ter evidências baseadas não apenas em opiniões pré-existentes.

Relacionando a letramento e a Estatística, Watson (2002, p. 27) completa: “o

letramento estatístico não deveria ser considerado como responsabilidade exclusiva dos

professores de Matemática, excluindo professores de outras áreas curriculares”; ou seja,

é quase impossível levar o estudante a construir conhecimento, argumentar e apropriar-

se das ideias estatísticas, fechando-nos no conteúdo estatístico e/ou matemático

Questionamo-nos sobre como formar estudantes nessa perspectiva de letramento

estatístico, por meio da qual os estudantes podem realizar uma efetiva e significativa

aprendizagem, ou seja, aquela que lhes sirva de ferramenta para que consigam interagir

nas mais diversas práticas sociais que vivenciam no seu dia-a-dia de cidadãos, ao invés

de um conhecimento instrumental estatístico, baseado em uma coleção isolada de regras

e algoritmos aprendidos pela repetição e pela rotina, com professores que atuam ou

atuarão em todas as disciplinas – inclusive a Matemática – dos anos iniciais do Ensino

Fundamental (estudantes de 6 a 10 anos), cujos conhecimentos são ainda incipientes.

O contexto colaborativo e o desenvolvimento profissional dos professores em

Estatística

Segundo Batanero (2002), o fato de conteúdos estatísticos fazerem parte dos

currículos oficiais de muitos países – a exemplo dos Parâmetros Curriculares Nacionais

(Brasil, 1997)– não implica, obrigatoriamente, que sejam ensinados nos diversos níveis

escolares.

Paralelamente às questões curriculares e do domínio de competências pela

população, surgem os questionamentos relativos à necessidade de formação – didática e

de conteúdo – dos professores que ensinam Estatística (Batanero, 2002), pois esse pode

ser o motivo, muitas vezes, para não se dar a devida importância à temática. Sobre essa

formação de professores, Ponte (2011), menciona os caminhos que podem ser

assumidos, com foco maior ora no conteúdo, ora no currículo, ora na investigação.

Formação de professores emestatísticapode seguirmuitos

caminhos.Depende,por exemplo, de qual é a perspectiva assumidapara o

ensino deestatística.Na verdade, o caminhofaz a diferença quandotal ensinoé

centradoem: (a) conceitos-chave e procedimentos, medidas de computação

estatística eque representam dadosemexercícios de rotina, (b) manipulação de

dados,coleta,representação einterpretação de dadosprontos,fornecidos

peloprofessor, pelolivro didático ou pela internet, ou (c) fazendoinvestigações

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estatísticas, que envolvem um ciclo completodesde levantar questões,coletar,

analisar, interpretar e criticardadose argumentos (PONTE, 2011, p. 300).

Uma possibilidade para a formação dos professores, na perspectiva do letramento

estatístico e do caminho apontado por Ponte (2011), em que eles possam se formar

fazendo investigações é torná-los protagonistas de seu processo de desenvolvimento

profissional, ou seja, incorporando-os em grupos de investigação.

Nessa perspectiva de desenvolvimento profissional, “professores da escola e da

universidade, mestrandos e doutorandos e futuros docentes podem, juntos, aprender a

enfrentar o desafio da escola atual” (Fiorentini, 2011a, p. 7, grifo do autor). Estamos

assumindo, com Fiorentini (2004), que em um grupo colaborativo:

[...]todos trabalham conjuntamente (co-laboram) e se apoiam mutuamente,

visando atingir objetivos comuns negociados pelo coletivo do grupo. Na

colaboração, as relações, portanto, tendem a ser não-hierárquicas, havendo

liderança compartilhada e co-responsabilidade pela condução das ações.

(Fiorentini, 2004, p. 52)

Desejávamos que o grupo colaborativo se constituísse como uma comunidade de

aprendizagem profissional e de pesquisa sobre a prática de ensinar e aprender Estatística

nas escolas, na perspectiva que Fiorentini (2010) descreve:

Em cada grupo colaborativo os formadores, professores e futuros professores

analisam e discutem os problemas e desafios trazidos pelos professores,

episódios de aula narrados e documentados pelos professores, e negociam

conjuntamente significados e outras possibilidades de intervenção em suas

práticas escolares, sobretudo tarefas e atividades exploratório-investigativas

(FIORENTINI, 2010, p. 582).

Quando nos envolvemos nesse processo de desenvolvimento profissional, num

contexto colaborativo, o formador que investiga e apoia o processo, o professor e o

futuro professor, juntos desenvolvem um trabalho que requer, de acordo com Ferreira

(2003), identificar os conhecimentos teóricos e práticos para desenvolver um ensino

efetivo e significativo para os estudantes e assumir que os professores também

constroem conhecimento, analisando-os; tomando a aprendizagem como um processo

contínuo; levando em conta a contextualização e também a realidade escolar na qual

está inserido ou da qual futuramente fará parte.

Desejando criar um contexto colaborativo, na perspectiva de Fiorentini (2004,

2010), e constituir uma comunidade de aprendizagem profissional e de pesquisa sobre a

prática de ensinar e aprender Estatística nas escolas, é que planejamos o trabalho de

campo da pesquisa, que passará a ser detalhado a seguir, com a apresentação do grupo

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Estatisticando e seus participantes. Também detalharemos os aspectos metodológicos da

pesquisa

Metodologia da investigação

Querendo compreender as aprendizagens e o desenvolvimento profissional de

professores e futuros professores da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino

Fundamental (estudantes de 6 a 10 anos) quando estão num contexto colaborativo e são

instigados a trabalhar com Estatística numa perspectiva de letramento(s), caminhando

em direção ao letramento estatístico, objetivamos, do ponto de vista investigativo:

• Compreender o processo de desenvolvimento profissional na perspectiva do

letramento estatístico em contextos colaborativos, evidenciando indícios de

desenvolvimento de conhecimento e de desenvolvimento pessoal como participantes de

um grupo de professores e futuros professores que se reúnem para estudar Estatística.

Do ponto de vista formativo, enquanto grupo, também objetivamos:

• A partir dos eventos de letramento, contribuir para o desenvolvimento

profissional dos participantes, no que diz respeito ao conhecimento, perspectivando o

letramento estatístico, para que possamos criar situações em que eles venham a se

desenvolver pessoal e profissionalmente.

Na abordagem qualitativa, optamos pelo estudo de caso que, segundo Ponte

(2006), “visa conhecer uma entidade bem definida como uma pessoa, uma instituição,

um curso, uma disciplina, um sistema educativo, uma política ou qualquer outra unidade

social” (p. 2) e seu objetivo “é compreender em profundidade o “como” e os “porquês”

dessa entidade, evidenciando a sua identidade e características próprias, nomeadamente

nos aspectos que interessam ao pesquisador” (p. 2).

Assim, quisemos esquadrinhar os saberes, as reflexões, os conflitos, as

aprendizagens dos participantes desse grupo, a partir dessa proposta de investigação e

tendo como questão norteadora: Que indícios de desenvolvimento profissional

apresentam os professores e futuros professores da Educação Infantil e dos anos iniciais

do Ensino Fundamental, em contextos colaborativos em práticas de letramento

estatístico?

Então, a partir de um convite enviado, por e-mail, aos professores das escolas

vizinhas que atuavam na Educação Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental e

aos estudantes dos cursos de Pedagogia e Matemática de uma Instituição de Ensino

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Superior, de cunho privado, foi criado, no segundo semestre de 2010, o grupo

“Estatisticando”, considerado “nosso caso” que se reuniu regular e voluntariamente, de

Setembro de 2010 até Dezembro de 2011, totalizando 20 encontros.

No que se refere a recolha dos dados, foram utilizados gravações de áudio e vídeo,

ficha de identificação do perfil dos participantes preenchida individualmente e uma

caracterização oral, respondida em grupo, materiais trazidos pelos participantes do

grupo e narrativas produzidas pelos participantes do grupo.

O grupo chegou a ter 20 interessados, mas na maior parte do tempo, foi formado

por 9 participantes: Keli, pesquisadora e formadora de professores, que atuava nos

cursos de Pedagogia e Matemática; Silvana, professora aposentada, com experiência de

atuação na Educação Infantil (crianças de 3 a 6 anos); Eduardo, professor em início de

carreira, atuando nos anos iniciais do Ensino Fundamental (crianças de 6 a 10 anos);

Rosana, estudante de Pedagogia, que já atuava como professora na Educação Infantil;

cinco estudantes de Pedagogia, sendo que Roseli e Mie já realizavam atividade de

estágio nos anos iniciais do Ensino Fundamental, por estarem no último ano da primeira

graduação, e Thaynara, Érica e Cíntia encontravam-se no período inicial de estágio nos

anos iniciais do Ensino Fundamental, por estarem no 2.º ano da primeira graduação.

Todos os participantes concordaram que fosse usado seu primeiro nome na pesquisa.

Nos encontros, com duração aproximada de 50 minutos, procuramos nos inspirar

na dinâmica de trabalho e pesquisa de grupos colaborativos proposta por Fiorentini

(2011b). Nessa dinâmica de trabalho, os formadores atuam em função das demandas

dos professores e futuros professores, que trazem problemas e desafios das práticas

escolares, para juntos poderem estudar, problematizar, refletir, investigar e escrever

sobre a complexidade de se ensinar e aprender Estatística nas escolas.

Vale destacar, como previsto, que o grupo não agiu cooperativamente desde o

início. Nos primeiros encontros era esperado que a pesquisadora trouxesse os materiais

e conduzisse as reuniões; porém, gradualmente, todos passaram a participar mais das

decisões, assumindo responsabilidades no trabalho do grupo, preparando ou indicando

materiais, e o espaço foi se tornando mais colaborativo na medida em que a afinidade na

relação entre os participantes aumentava.

Nesse processo de efetiva colaboração, surgiu também o desejo de relatar, por

escrito, o processo vivido e as experiências desenvolvidas no grupo e com o apoio do

grupo, o que passaremos a expor.

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Produção de saberes no grupo

Embora almejássemos que os participantes pudessem escrever e compartilhar suas

experiências, essa não foi uma exigência para a participação no grupo e acreditamos

que, se isso fosse apresentado de início, poderia afastar os professores que não se

sentiam capazes de produzir saberes a partir da prática de suas salas de aula. Então,

procurando incentivar a escrita, sem exigi-la, esse processo ganhou força no segundo

semestre de 2011, quando o grupo já se reunia por mais de dois semestres. Também se

prolongou para além dos encontros do grupo, ocorrendo principalmente via e-mail.

Consideramos que os estudos realizados no contexto colaborativo do

Estatisticando incentivaram a investigação da prática pedagógica, inicialmente em

momentos em que o destaque era para o ensino e a aprendizagem da Estatística com

estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Os resultados, assim como

acontece no Grupo de Sábado (GdS), foram textualizados em forma de narrativas. De

acordo com Carvalho e Fiorentini (2013), essa modalidade de investigação, se aproxima

mais de uma análise narrativa. Esses autores afirmam que as “análises narrativas”

[...] expressam um conhecimento da prática, pois, embora geralmente tenham

origem na prática, as situações foram problematizadas,analisadas e

sistematizadas narrativamente, tendo como mediaçãoleituras dos campos

acadêmico e profissional e as múltiplas percepções e interpretações de

parceiros críticos[...] (p.22, grifo dos autores).

Ainda sobre as textualizações narrativas que se aproximam de análises

narrativas, de acordo com Carvalho e Fiorentini (2013, p. 17, grifo nosso), “mais que a

conceitualização de um gênero textual, esta afirmação nos remete a um processo”,

complementando que nesse processo são gerados textos que são “ouvidos/lidos/vistos”.

Nesse contexto, pensando no processo vivenciado, chamamos as textualizações

narrativas produzidas pelos participantes de “análises narrativas de situações de sala de

aula”.

Nesse sentido, foram produzidos onze textos, dos quais participei como

coautora, fazendo parceria com um dos participantes, buscando atuar como parceira

crítica: dez análises narrativas de situações de sala de aula e um artigo, fruto de

iniciação científica. Oito análises narrativas de situações de sala de aula foram

produzidas em parceria com dois participantes do grupo Estatisticando, Mie e Eduardo,

exclusivamente sobre a temática ali estudada; o artigo foi escrito em parceria com

Roseli, também com temática versando sobre a Estatística, com destaque para o livro

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didático; e duas análises narrativas foram feitas em parceria com Rosana, contando

também com a colaboração de duas outras estudantes de Pedagogia, sobre temática que

não era o foco principal de nossos estudos, mas sempre almejando, como defende

Kilpatrick(1996, p. 118), o “professor como pesquisador”, mais do que simplesmente

sujeito da pesquisa. Importante mencionar, também, que os trabalhos produzidos pelos

integrantes do Estatisticando foram apresentados em eventos da área de Educação e de

Educação Matemática, como forma de discutir com a comunidade acadêmica a prática

de sala de aula e a do grupo.

Algumas considerações

As atividades vivenciadas no grupo Estatisticando buscaram considerar a escola

como local de trabalho e de aprendizagem profissional, mas, também, a oportunidade

para que os participantes exercitassem protagonismo em seu desenvolvimento

profissional.

Consideramos, no espaço proporcionado pelo grupo Estatisticando, que os

participantes puderam se relacionar colaborativamente, assim como apresenta Fiorentini

(2011a), “envolvendo formadores, pesquisadores e futuros professores, que assumem a

pesquisa como postura e prática social” (p. 17), e concluindo que esse contexto “é rico e

poderoso de desenvolvimento profissional, de transformação das práticas pedagógicas e

curriculares, de produção de conhecimento e de uma nova cultura de ensinar e

aprender” (p. 17). Com o trabalho no grupo que buscou ser colaborativo, consideramos

que contribuímos para o desenvolvimento profissional de professores e futuros

professores da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, os quais

foram se percebendo capazes de lidar com a Estatística, confiantes de que poderiam

trabalhar com seus estudantes numa perspectiva de letramento estatístico. Esperamos

estar contribuindo também com a formação de pessoas estatisticamente mais

competentes, capazes de usar a Estatística na resolução de problemas do dia a dia,

posicionando-se e usando-a na tomada de decisões, conscientes de seu poder de ação

crítica. Por isso, consideramos importante prosseguir o estudo sobre grupos e contextos

colaborativos onde diferentes profissionais partilham e refletem sobre práticas

profissionais nas aulas de Estatística, por ser um domínio de conhecimento muitas vezes

associado a uma simplicidade no seu ensino e na sua aprendizagem, procurando

documentar as várias etapas da história destes grupos, mostrando a sua exequibilidade e

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a sua relação com aprendizagens significativas tanto para os professores quanto para os

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i A dissertação de Cammarota (2014) tem como objetivo investigar como políticas cognitivas operam na

Educação Matemática. Por um lado, o autor evidencia a existência que políticas cognitivas que

“instauram modelos representacionais [que] acabam por levar a cabo uma constituição moral e

moralizante do conhecimento” (p. 147) e, por outro, percorre um pensar sobre as políticas cognitivas que,

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desviando dos modelos representacionais e das tentativas de domesticação da escola, toma a sala de aula

de matemática como campo no qual diferentes modos de subjetivar-se – também pela matemática –

emergem e coexistem.

ii Esse episódio decorre de uma ação desenvolvida pelo projeto Tornar-se o que se é: a escola como

espaço de produção de subjetividade-professor de matemática, financiado pela Fundação de Amparo à

Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).

iii

As figuras e tabelas apresentadas neste texto são representações daquelas confeccionadas pelos alunos

no momento da aula e servem, aqui, como recurso ilustrativo para a narrativa.

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