prado, eduardo - a ilusão americana

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Conselho E ditorial Edições Eletrônicas  A Ilusão  Americana Biblioteca Básica Classicos da Política Brasil 500 anos Memória Brasileira O Brasil Visto por Estrangeiros  Eduardo Prado Se você nâo possui esta versão i nstalada em seu computador, Para visualizar esta obra é necessário o acrobat reader 4.0.  clique aqui, para faz er o download.

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ConselhoEditorial

Edições Eletrônicas

 A Ilusão

 Americana

Biblioteca BásicaClassicos da Política

Brasil 500 anosMemória Brasileira

O Brasil Visto por Estrangeiros

 Eduardo Prado

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 A  ILUSÃO A MERICANA 

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 Mesa DiretoraBiê nio 2003/ 2004

Senador José Sarney Presidente

Senador Pa u lo Paim1º Vice-Presidente

Senador Eduardo Siqueira Campos2º Vice-Presidente

Senador Ro meu Tuma1º Secretário

Senador Alberto Sil va 2º Secretário

Se na dor Heráclito Fortes3º Secretário Senador Sér gio Zambiasi 4º Secretário

Suplentes deSecretário

Senador João Alber to Souza Senadora Serys Slhessarenko

Senador Geraldo Mesquita Júnior Senador Marcelo Cri vella

Conselho Editorial

Senador José Sarney Presidente

 Joaquim Campelo MarquesVice-Presidente

Conselheiros

Carlos Henrique Cardim Carl yle Coutinho Madruga

  João Almino Raimundo Pontes Cunha Neto

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 Edições do Senado Federal – Vol. 11

 A ILUSÃO A MERICANA 

 Eduardo Prado

 Brasília – 2003

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EDIÇÕES DO

SENADO FEDERAL Vol. 11

O Conselho Editorial do Senado Federal, criado pela Mesa Diretora em31 de janeiro de 1997, buscará editar, sempre, obras de valor histórico

e cultural e de importância rele vante para a compreensão da história política,econômica e so cial do Bra sil e re fle xão so bre os des ti nos do país.

Pro jeto gráfico: Achilles Milan Neto© Senado Federal, 2003Congresso NacionalPraça dos Três Poderes s/ nº – CEP 70165-900 – Brasília – [email protected]:/ / www.senado.gov.br/web/conselho/conselho.htm

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Prado, Edu ar do, 1860-1901. A ilusão americana / Eduardo Prado. -- Brasília :Senado Federal, Conselho Editorial, 2003.

118 p. – (Edições do Senado Federal ; v. 11)

1. Relações exteriores, Estados Unidos, Brasil. 2.Doutrina Monroe. I. Título. II. Série.

CDD 327.73098

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 Aos Entusiastas da AmizadeAmericana

 EQUANDO Ulysses Grant, mais tarde, vindo à Europacobiçou a honra devisitá-lo (Victor Hugo), o poeta republicano recusou-sea

receber na sua casaun tel gou jat. As nossas contas comos negociantes de fraternidade nor-te-americana são ainda mais sérias. Entretanto, há, entrenós, nativitas,quepro jetamestátuas a Monroe, julgampraticar ato derepublicanos,suscitando para amparo do Brasil o protetorado dos Estados Unidos.

Seesses entusiastas quisessemrefletir, eu lhes encomendaria o folheto precioso, comqueo Sr. Eduardo Prado acaba deenriquecer a li -teratura brasileira: A Ilusão Americana (2ª edição). Esselivro teve

singular destino: no Brasil foi proibido uma hora depois deposto à ven -da, isto é, proibido antes delido; emPortugal, depois decomposto na Imprensa Nacional, não pôdeser editado por ela. A sua publicação emSão Paulo comprometia as boas relações entre o Marechal Peixoto eo

 PresidenteCleveland; a sua tiragememLisboa embaraçava a reconciliaçãoentreo Ministério Hint zeeo Marechal Peixoto. Sejamos gratos à polí cia

 florianistaeà política lusitana. A primeira fez passar o livro pelo cadinhodenovos estudos, habilitando o autor a reti ficar, pelo examedas fon tes no

British Museum, os elementos da sua narrativa; a segunda levou-o a

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sair à luz empleno Paris. Uma eoutra conspirarampara dar a maior 

notoriedadea esseopúsculo, absolutamentenovo no assunto, emque,como repositório deverdades ignoradas, éo mais oportuno serviço ao Bra-sil. Se, lido ele, ainda restarem, nessePaís, fundidores demonumentosmonroinos ecunhadores demedalhas benhamitas, estarão, nessecaso,con firmadíssimas as palavras, emqueo famoso Almirante, no seu discursoaoUnited States Ser vice Club, sereferiu às mani festações oficiais dasimpatia brasileira, queselarama nossa humilhação como reconhecimentodos humilhados. O egrégio Benhamatribuía publicamenteessas festas a

umsentimento, quetevea gentileza denão definir, mas cuja natureza li-son jeira à nossa honra as gargalhadas do auditório militar emNova Ior -quenão deixamdúvida ra zoável: “Essa ami zadebaseia-seno respeito, etalvez emalguma coisa mais. That friendship is founded on res-pect with perhaps a little tinge of something else.”

R UI B ARBOSA 

(Obras completas, vol. XXIII, 1896, Tomo 1 – Cartas de Ingla-terra, edição do Ministério da Educação e Saúde – 1946, págs. 42 e 43.)

8 Eduardo Prado

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 Prefácio da 2ª Edição

 ESTE trabalho, já editado no Brasil eagora reimpressono estrangeiro, merece vir de novo à luz, ainda na falta de próprio

interesse. Estedespretencioso escrito foi con fiscado eproibido pelo governorepublicano do Brasil. Possuir estelivro foi delito, lê-lo, conspiração, cri me,havê-lo escrito.1

 Antes da dolorosa provação quesob o nomederepública tan totemamargurado a Pátria brasileira, nenhumgoverno sejulgou fraco eculpado ao ponto denão poder tolerar contradições ou verdades, nemmes moas deuma crítica impessoal eelevada.

 Eramjovens os nossos bisavós quando foi extinto o SantoOfício. Desdeentão, emnosso País, nunca mais o poder ousou inter-por-seentreos nossos raros escritores eo seu escasso público. Julgavamtodos definitiva esta conquista liberal, mas o governo republicano do Bra -sil, tristementepredestinado a agir semprecontra a civili zação, a todosdesenganou. Na República o livro não tevemais liberdadedo queo jor nal,do quea tribuna, nemmais garantias do queo cidadão.

1 Vide Apêndice.

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 Disseumromano queos livros têmo seu destino. O destenão

 foi dos piores, honrado, como foi, comas iras dos inimigos da liberdade. A própria verdadenão proclamou feli zes os queso fremperseguição pela justiça?

 Londres, 7 denovembro de1894.

EDUARDOPRADO

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 A Ilusão Americana

 P ENSAMOS que é tempo de reagir contra a insanidade da absoluta

confraternização que se pretende impor entre o Brasil e a grande re-pública anglo-saxônia, de que nos achamos separados não só pela gran -de distância, como pela raça, pela religião, pela índole, pela língua, pelahistória e pelas tradições do nosso povo.

O fato de o Brasil e os Estados Unidos se acharem no mes -mo continente é um acidente geográfico ao qual seria pueril atribuiruma exagerada importância.

Onde é que se foi descobrir na história que todas as naçõesde um mesmo continente de vem ter o mesmo go verno? E onde é que ahistória nos mostrou que essas nações têm por força de ser irmãs? Emplena Europa monárquica não existem a França e a Suíça republicanas?Que fraternidade há entre a França e a Alemanha, entre a Rússia e a

 Áustria, entre a Dinamarca e a Prússia? Não pertencem estas nações aomesmo continente, não são próximas vizinhas, e deixam, por ventura, deser inimigas figadais? Pretender identificar o Brasil com os Estados Uni-dos, pela razão de serem do mesmo continente, é o mesmo que quererdar a Portugal as instituições da Suíça, porque ambos os países estão na

Europa.

  I

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 A fraternidade americana é uma mentira. Tomemos as ações

ibéricas da América. Há mais ódios, mais inimizades entre elas do queentre as nações da Europa. O México deprime, oprime e tem, por vezes,in vadido a Guatemala, que em sangrentíssimas guerras com a Repúblicade El Sal vador, inimiga rancorosa da Nicarágua, feroz ad versária deHonduras, que não morre de amores pela República da Costa Rica. A embrulhada e horrí vel história de todas estas nações é um rio de sangue,é um contínuo morticínio. E onde fica a solidariedade americana, ondefica a confraternização das repúblicas?

 A Colômbia e a Venezuela odeiam-se de morte. O Equador é

 vítima, nunca resignada, ora das violências colombianas, ora das preten-sões do Peru. E o Peru? Já não assaltou a Bolí via, já não se uniu depoisa ela numa guerra in justíssima ao Chile? E o Chile, já não in vadiu duas

 vezes a Bolí via e o Peru, não fez um hororroso morticínio de boli vianose peruanos na última guerra, tal vez a mais sangrenta deste século? E oChile não tem somente estes inimigos: o seu grande ad versário é a Re -pública Argentina. Este país, que tem usurpado territórios à Bolí via,obriga o Chile a conser var um exército numeroso, e ninguém ignora que

um conflito entre aqueles países é uma catástrofe que, de um momentopara o outro, poderá rebentar. O ditador Frância, o verdugo taciturnodo Paraguai, que Augusto Comte coloca entre os santos da humanidade

 venerados no calendário positi vista,2 por ódio aos argentinos e aos ou -tros po vos americanos, enclausurou o seu país durante dezenas de anos.

 A República Argentina é a ad versária nata do Paraguai. López atacou-a,e ela secundou o Brasil na sua guerra contra o Paraguai. E que senti-mento tem a República Argentina pelo Uruguai? Não há um só homemde estado argentino que não confesse que a suprema ambição do seu

país é a reconstituição do antigo vice-reinado de Buenos Aires, pelaconquista do Paraguai e do Uruguai.Eis aí a fraternidade americana.

∗  ∗  ∗

 Voltando para o sol que nasce, tendo, pela facilidade da via-gem, os seus centros populosos mais pertos da Europa que da maioria

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2 É antiga, como se vê, a predileção positi vista pelos déspotas sul-americanos.

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dos outros países americanos; separado deles pela di versidade da origem

e da língua; nem o Brasil físico, nem o Brasil moral formam um sistemacom aquelas nações. Dizem os geólogos que o Prata e que o Amazonasforam em tempo dois longos mares interiores que se comunica vam. OBrasil, ilha imensa, era por si só um continente. As alu viões, os le vanta-mentos do fundo daquele antigo Mediterrâneo soldaram o Brasil às

 ver tentes orientais dos Andes. Esta junção é, porém, superficial; sãopropriamente suas e independentes as raízes profundas e as bases eter -nas do maciço brasileiro. Por isso não vem até as praias brasileiras ascon vulsões vulcânicas do outro sistema. Quando muito, chegam as

 vibrações longínquas, tênues e sutis que os instrumentos registram, masque os sentidos não percebem. Conta o missionário jesuíta Samuel Fritzque, em 1698, uma terrí vel erupção andina transmudou o Solimões, orio brasileiro, num “rio de lama”, e que, apa vorados, os índios viamnaquilo a cólera dos deuses. Parece que, na ordem política, tais têm sidoas erupções espanholas re volucionárias que, afinal, conturbaram aságuas brasileiras. A torrente, porém, não é só de lama, porque é de lamae é de sangue.

Estudem-se, um por um, todos os países ibéricos americanos.O traço característico de todos eles, além da contínua tragicomédia daditadura, das constituintes e das sedições, que é a vida desses países, é aruína das finanças.

E na ruína das finanças o ponto principal é o calote sistemáti co,o roubo descarado feito à boa-fé dos seus credores europeus. Os minis-tros da Fazenda das repúblicas espanholas, por meio de empréstimosque não são pagos, têm extorquido mais dinheiro das algibeiras européias

do que jamais a Europa tirou das minas de ouro e prata da América.Tomemos os fantásticos orçamentos destes países; e, no meio dosdeficitspa vorosos e das mais indecentes falsificações, na irregular contabilidadepública que conser vam estes países, onde os dinheiros do estado sãogastos e apropriados pelos presidentes com uma sem-cerimônia de queé incapaz o Czar da Rússia, o que é que vemos? Lá está o celebérrimoorçamento da guerra a tudo de vorar. Lá estão as dezenas de generais, ascentenas de coronéis e os milhares de oficiais.

É a pro va de que não existe fraternidade americana.

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Se as nações americanas vi vessem ou pudessem sequer vi ver

como irmãs, não precisariam esmagar de impostos o contribuinte nemarrebentar os respecti vos tesouros, defraudando os credores com acompra desses armamentos e aparatos bélicos tão destruidores da pros -peridade nacional.

Falemos agora da grande república norte-americana, e ve ja-mos quais os sentimentos de fraternidade que ela tem demonstrado pela

 América Latina, e qual influência moral ela tem tido na ci vilização detodo o continente.

∗  ∗  ∗

No último quartel do século passado, homens extraordinários,da velha estirpe saxônia, re vigorada pelo puritanismo, e alguns delesbafe jados pelo filosofismo, surgiram nas treze colônias inglesas da

 América do Norte. Resol veram constituir em nação independente asua pátria, e não lhes entrou nunca pela mente fazer proselitismo deindependência ou de forma republicana na América. Nem isso erapróprio da sua raça.

O fim que ti veram em vista foi um fim imediato, restrito eprático. Fazendo a independência da sua pátria, tinham como aliadosos reis de França e de Espanha. Como poderiam eles querer que esteúltimo, a quem eram gratos pela sua inter venção em fa vor da inde-pendência, perdesse as suas ricas colônias americanas? Se algumasimpatia hou ve entre eles pela emancipação de outros países da Amé-rica, essa simpatia apareceu trinta ou quarenta anos depois quando játoda a América Latina, à custa de sacrifícios, ultima va a sua indepen-

dência sem auxílios norte-americanos. É altamente cômica a ignorantepretensão com que escritores franceses superficiais procuram ligar aRe volução Americana à Re volução Francesa, querendo por força queas idéias re volucionárias francesas tenham influído na América,quando, a ter ha vido alguma influência, foi antes da América sobre aFrança. A pessoa de Franklin, com os seus calções pretos, sem espa-da ao lado, nem bordados, nem plumas, com os seus grossos sapatosde enfiar, com o seu prestígio de sábio e de libertador, passeandoatra vés das galerias de Versalhes; a fama de ter ele sido um simples

operário na sua mocidade, isso, sim, foi uma influência real em França.

14 Eduardo Prado

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Quando ele, no seu ceticismo cheio de bonomia, ria-se da pomposa di -

 visa que lhe arran jou Turgot, o célebre: Eripuit coelo fulmen sceptrumquetyrannis, dava uma pro va de que ao seu terrí vel bom-senso não escapa vaa insensatez suicida da aristocracia francesa. Quando rebentou a re volução,quando ela começou a matar e a incendiar, hou ve em toda a Américauma grande simpatia por Luís XVI e Maria Antonieta, os antigos aliados,os generosos protetores da independência americana. Pouco tempo de -pois o go verno de Washington rompeu relações diplomáticas com a re -pública francesa. Onde a solidariedade republicana, onde a fraternidade?

 Ve jamos na história: Que auxílio prestou o go verno america-

no à independência das colônias ibéricas da América – Qual tem sido aatitude dos Estados Unidos quando estes países têm sido atacados pelogo vernos europeus – Como os tem tratado o go verno de Washington –Qual tem sido o papel dos Estados Unidos nas lutas internacionais eci vis da América Latina – Qual a sua influência política, moral e econô-mica sobre estes países.

Tudo o que se vai ler neste trabalho é referente a esses pon -tos, que serão todos discutidos, embora nem sempre na ordem da sua

enumeração.∗ ∗ ∗

 À Inglaterra, principalmente, e não aos Estados Unidos deve a América Latina a força moral que lhe permitiu fazer a sua independência.Foi William Burke a primeira voz que na Europa se declarou em seu fa vorescre vendo um vibrante panfleto, ad vogando a independência da Américado Sul,3 o Abbé de Pradt e posteriormente Canning, que foi quem pratica-mente tornou possí vel, isto é, tornou efeti va e certa esta independência, já

oficialmente aconselhada por Lord Wellington no congresso de Verona.4 A independência das nações latinas da América em nada foi

protegida pelos Estados Unidos. À Inglaterra de veram então ser viços considerá veis as nações

que luta vam pela sua emancipação política.

 A Ilusão Americana 15

3 William Burke, South American independence, or theemancipation of South America, theglory and interest of England,London, 1807.

4 Chateaubriand. Lecongrés deVérone,chap. XVI.

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O Sr. Carlos Cal vo diz que a atitude dos Estados Unidos e a

proclamação da doutrina de Monroe pesaram de uma maneira decisi vano ânimo do go verno inglês quando este, em agosto de 1822, pelo ór -gão de Lorde Wellington, tomou no congresso de Verona a defesa dospaíses hispano-americanos, contra quem a Santa Aliança pretendia inter-

 vir em fa vor da Espanha.

Esta afirmação é errônea. Em primeiro lugar a chamada dou -trina de Monroe só foi proclamada pelos Estados Unidos quinze mesesmais tarde, isto é, em dezembro de 1823. E qual foi a atitude dos EstadosUnidos em relação às colônias re voltadas? Um autor hispano-americano,o Sr. Samper, da Colômbia, diz: “Enquanto á los Estados Unidos, es curiosoob -servar quesiendo esa potencia la más interesada en favorecer nuestra independencia,bajo el punto devista político yno pocobajo el comercial, semostró sin embargo muchomenos favorablequeInglaterra, indi ferentepor lo comun hácia nuestra revolucion y muy tardia en sus mani festaciones oficiales, como parcimoniosa en procurar-nos los auxílios dearmamento quesolicitabamos, con nuestro dinero, delos negociantes y armadores.”5

Muito antes da mensagem de Monroe, o embaixador america-no Rush tinha recebido de Canning a confidência de que a Santa Aliança

pensa va em inter vir na América a fa vor da Espanha, e Canning acres -centara estar disposto a se opor diretamente a esse plano se ti vesse a co o-peração dos Estados Unidos. Rush mandou as declarações de Canningao seu go verno, que as recebeu com grande satisfação porque até àquelaocasião, segundo o contou depois Calhoun, que fazia parte do gabinete,os Estados Unidos não tinham julgado prudente inter vir, em vista dogrande poder da Santa Aliança. Monroe trata va os seus secretários comconsideração di versa da que usam os semibárbaros presidentes de ou tras

repúblicas da América com os irresponsá veis que se prestam a ser seusministros; comunicou a notícia de Londres ao gabinete, e consultou a Jefferson se de via aceitar o proposto auxílio da Inglaterra.6 Até en -tão, a atitude dos Estados Unidos tinha sido toda de reser va, de abs -tenção, e, para uma nação que se quer apresentar como a protetora

16 Eduardo Prado

5 J. M. Samper, Ensa yosobrelas revoluciones políticas y la condicion social delas republicas his -pano-americanas, pág. 195. Paris, 1861.

6 Von Holst, Constitutional History of theU. S. of America, vol. 1, pág. 420; Jefferson’s,

Werks; vol. VII, págs. 315 e 316.

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dos latino-americanos, é forçoso confessar que essa política não era de

fraternidade, mas sim de egoísmo. Ainda em 1819 o go verno americanorecusara receber os cônsules nomeados por Venezuela e pelo go vernode Buenos Aires, alegando vários pretextos,7 e só a 9 de março de 1823é que reconheceu a independência das repúblicas espanholas.

Fortalecido e animado pela iniciati va da Inglaterra, em 2 dedezembro de 1823, o presidente Monroe disse na sua mensagem:

“De vemos declarar, por amor da franqueza e das relaçõesamigá veis que existem entre os Estados Unidos e aquelas potências

(européias), que consideraremos qualquer tentati va da sua parte paraestender o seu sistema a qualquer parte deste hemisfério como coisatão perigosa para a nossa tranqüilidade como para a nossa segurança.Com as colônias existentes e as dependências das mesmas potências,não temos inter vindo nem inter viremos. Em relação, porém, aos go -

 vernos que declararam a sua independência e que a têm mantido, inde-pendência que, depois de grande reflexão e por justos princípios, nósreconhecemos, toda interferência, por parte de qualquer potência eu -

ropéia, com o fim de oprimi-los e de qualquer modo dominar os seusdestinos, não poderá ser encarada por nós senão como uma manifesta-ção pouco amigá vel para com os Estados Unidos.”

Eis aí a famosa doutrina!

 A nunca assaz ludibriada e escarnecida ingenuidade sul-america-na viu nesta declaração um compromisso formal, solene e definiti vo, dealiança com os Estados Unidos, aliança tão sensata aliás como a do pote deferro com o pote de barro. Há setenta e um anos que o go verno americano

tem acumulado declarações sobre declarações, que equi valem quase que aretratações; há setenta e um anos que escritores, oradores, políticos ameri-canos explicam que aquilo não é um compromisso nem uma aliança; há se -tenta e um anos que, por pala vras, atos e omissões, o go verno de Washing-ton praticamente demonstra a significação restrita, e, por assim dizer, platô-nica das pala vras de Monroe, e, ainda hoje, há quem tenha a superstição detomar aquilo ao pé da letra. A estultícia parece que é in vencí vel.

 A Ilusão Americana 17

7  Annual register of theyear 1819. 1820; pág. 233, London.

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Poderíamos encher páginas e páginas de extratos de li vros, de

 jornais e de discursos de americanos interpretando a chamada doutrinanum sentido bem di verso da interpretação jacobina que hoje é acredita-da no Brasil. Preferimos, porém, relatar simplesmente os fatos.

Quem conhece os documentos oficiais americanos daquelaépoca sabe que toda a política interior e exterior dos Estados Unidos esta-

 va subordinada aos interesses da instituição peculiar, eufemismo com quese costuma va designar a escra vidão. Os Estados Unidos, desde que sabiamque qualquer país americano esta va disposto a abolir a escra vidão, eramimediatamente hostis à independência desse país. O pobre Haiti era oob jeto de ódio americano. Hamilton, da Carolina do Sul, declarou naCâmara dos Representantes que a independência do Haiti, por formaalguma, de via ser tolerada; Hayne, acompanhado por todo o seu partido,queria que o simples fato de um país qualquer reconhecer a independênciado Haiti fosse moti vo para a ruptura das relações diplomáticas com osEstados Unidos. Em 1825, o go verno de Washington pediu ao Czar daRússia a sua inter venção junto à corte de Espanha, para que esta cessassede hostilizar as suas antigas colônias, já de fato independentes, especial-

mente a Colômbia e o México. E isto, dizia o secretário de estado HenryClay a Middleton, ministro americano em S. Petersburgo, porque o Méxi-co e a Colômbia, prosseguindo em sua hostilidade contra a Espanha, po -diam eventualmente tomar conta de Cuba e ali acabar com a escra vidão.Henry Clay mandou também pedir ao México e à Colômbia que adiassema sua expedição libertadora de Cuba, e Middleton recebeu ordem para in -sistir junto ao Czar, chefe da Santa Aliança, porque os Estados Unidos fa-ziam questão de impedir a independência de Cuba. Por esse tempo jul -

gou-se que a França, então em guerra contra a Espanha, ia mandar umaexpedição a Cuba. O México e a Colômbia lembraram aos Estados Uni -dos o cumprimento da sua promessa contida na célebre mensagem deMonroe. Henry Clay respondeu que a mensagem continha com efeitouma promessa, mas que os Estados Unidos tinham-na feito a si mesmose não a um outro país, e que por isso nenhum país tinha o direito de exi -gir o cumprimento da mesma promessa.8

18 Eduardo Prado

8 Von Holst, vol. I, págs. 422-428.

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Os países hispano-americanos quiseram, parece, mais que

uma lição prática da doutrina de Monroe. Con vocaram o célebre con -gresso de Panamá, assembléia destinadaa la alliança detodas las Americas,à mútua fraternidade, etc., etc. Compareceram só os representantes dequatro países. Os Estados Unidos, depois de muita hesitação, nomearamdois representantes que nunca chegaram ao Panamá. As instruções da -das a estes (1826) são tal vez o melhor comentário da doutrina de Mon-roe. Delas resulta principalmente que os Estados Unidos não esta vam porforma alguma dispostos a fazer suas as brigas da América Latina com aspotências européias. E nunca, mas nunca, os Estados Unidos mudaram

o modo de pensar e de proceder. Vamos ver os muitos fatos em que aquele go verno, por

seus atos, deu a interpretação autêntica da doutrina que os sul-ameri-canos têm falseado. Antes, porém, daremos uma opinião valiosa, eque destrói pela base a crendice que se quer espalhar no Brasil que osEstados Unidos não consentem na América outro go verno senão o re-publicano.

Os sul-americanos que isto dizem afirmam uma falsidade e os

que se regozi jam com isso bem merecem o desprezo que os americanoslhes votam. Ha verá coisa menos digna do que um cidadão dese jar que asua pátria não tenha a li vre disposição dos seus destinos e este ja, quandose trata da escolha ou da mudança da sua forma de go verno, dependenteda vontade do estrangeiro?

Felizmente a nação americana, tenham sido embora grande asfaltas dos politiqueiros que tanta vez a têm desonrado, conta no mundodo pensamento homens do mais alto valor, herdeiros legítimos dos

heróis da independência.Eis aqui como um desses homens julga a doutrina de Mon-

roe, na interpretação forçada e indigna que lhes querem dar os jacobinosbrasileiros, que põem a república acima da pátria:

“Querer firmar o princípio de que os Estados Unidos não po-dem consentir na América nenhum sistema político diferente do seu, ouque não podem tolerar nenhuma mudança política tendo por fim substi-tuir a forma republicana pela forma monárquica, seria ir além das pre -

tensões do congresso da Laybach e de Verona que, pelo menos, tinham

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temor da destruição da sua obra política, enquanto que os Estados

Unidos não podem ter esse temor.”

9

Em 1786, um jo vem brasileiro, Maia, estudante de Mont-pelier, disfarçando-se com o pseudônimo de Wandek e rodeando-sede mil mistérios, tentou aproximar-se de Jefferson, então embaixa-dor dos Estados Unidos em Versalhes. Apro veitando-se de uma via-gem de Jefferson pelo sul da França, encontrou-se com ele em Ni-mes, e aí falou-lhe da independência do Brasil, com que sonha va, epediu-lhe o auxílio dos Estados Unidos. Jefferson desanimou-o,como se evidencia das cartas que o embaixador escre veu a Jay, Se -

cretário de Estado, dando-lhe conta da entre vista que ti vera com o jo vem brasileiro. Em 1817, um emissário pernambucano foi aosEstados Unidos pedir auxílio; foi ludibriado, e o go verno de Was hingtonapressou-se em dar conta de tudo ao ministro português Correia daSerra. Por ocasião da independência do Brasil, não recebemos pro vaalguma de boa vontade por parte dos americanos, e só depois deoutros países reconhecerem a emancipação do Brasil é que os Esta-dos Unidos reconheceram a nossa autonomia. Note-se que a céle-

bre doutrina de Monroe data de 1823; foi na mensagem presidencialdesse ano que aquele presidente estabeleceu a não-inter venção daEuropa nas coisas da América. Ora, dois anos depois, em 1825, éque a nossa independência foi reconhecida por Portugal, pela inter-

 venção inglesa, representada na pessoa deSir  Charles Stu art, depois Lor-de Rothesay. Mais tarde é que os Estados Unidos celebraram com oBrasil um tratado de amizade, comércio e na vegação. O ministro ame -ricano no Rio, Raguet, opôs grandes embaraços à nossa nascente nacio-nalidade, embaraços que foram só em parte remo vidos pelo seu suces-

sor, William Tudor.Para se fazer uma idéia do que foi a missão de Raguet basta

percorrer, rapidamente, a sua correspondência.10 Raguet acusa a nos-sa esquadra no rio da Prata de co vardia (pág. 20); diz que com o povobrasileiro é inútil apelar para a razão e para a justiça (pág. 32); Raguetem termos grosseiros ameaça o ministro dos Estrangeiros de uma

20 Eduardo Prado

9 Wo!sey, Introduction to theStudy of International Law, § 74.

10 U. S. Houseof R. Docs. 20th Congress, Session 1st., vol. 7, Doc. 281.

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guerra com os Estados Unidos (pág. 27): “Isto não é um povo ci vili-

zado” (pág. 54).Tal foi o procedimento de Raguet e tais foram as suas gros-serias, que Henry Clay, Secretário de Estado, mandou-lhe um despa-cho (pág. 108), estranhando as suas maneiras, e dizendo-lhe que erapreciso não esquecer que, afinal de contas, o Brasil era um país cristão.

O go verno americano ligou-se por esta época inteiramenteaos go vernos que faziam pressão sobre o Brasil por moti vo de questõesde presas marítimas no rio da Prata.

Durante as nossas lutas no rio da Prata, encontramos sem-pre a oposição norte-americana entorpecendo a ação das nossas es -quadras, desrespeitando os nossos bloqueios, conluiando-se com osnossos inimigos, e para depois, valendo-se das dificuldades iniciais danossa independência política, fazer-nos exigências desmedidas eexorbitantes reclamações. O primeiro representante americano que

 veio ao Rio de Janeiro, ao findar o período colonial, deu origem a umdesagradá vel incidente diplomático, faltando com o respeito à família

real, o que era uma in júria feita ao País.O representante americano que tratou das reclamações de

presas no rio da Prata, depois de atropelar as negociações, rompeu brus -camente e retirou-se sem que hou vesse moti vo para essa desfeita, quefoi aliás reparada pelo sucessor daquele diplomata William Tudor, quefirmou conosco um tratado de amizade, comércio e na vegação.

Leiam-se as insolentes mensagens do Presidente Jackson ao

Congresso americano, referindo-se ao Brasil e aos outros países da América do Sul.

 Aquele general sem escrúpulos, que foi o patriarca da cor-rupção na sua pátria, em suas mensagens ao Congresso, exprime-secom grosseira arrogância em relação ao Brasil e aos outros países da

 América do Sul. Em 1830, não ha vendo mais guerra no Prata nemno Pacífico, o Secretário da Marinha insiste pelo aumento da forçana val nas costas da América do Sul: “É preciso”, diz o secretário

 John Branch, “não diminuir as nossas forças, que são indispensá veis

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para a defesa dos nossos interesses perante aqueles go vernos instá veis

e incapazes.”

11

 As exigências do go verno americano foram enormes, e daprópria correspondência do Ministro Tudor se evidencia o desarrazoadode algumas das reclamações.

 Assim, trata va-se, por exemplo, da escunaUnited Statescap-turada pela nossa esquadra quando tenta va forçar o bloqueio le vandomunições de guerra aos nossos inimigos. Era por ventura possí vel du-

 vidar da legitimidade da apreensão? William Tudor, num dos seusdespachos ao seu go verno, refere-se a exagerações das reclamações, enoutro despacho parece sentir que as coisas se ti vessem arran jado pa-cificamente, e compraz-se em dar o plano de uma possí vel expediçãona val americana contra o Brasil para bloquear Pernambuco, a Bahia eo Rio de Janeiro. E enquanto assim se exprimia o diplomata america-no, da sua própria correspondência resulta que, por esse tempo, a es cunade guerra brasileira Ismênia sal va va de piratas na costa de África umnegociante americano, conser vando-lhe um grande carregamento demarfim.

Da correspondência de Raguet vêem-se os contrabandosfeitos na costa do Brasil pela MorningStar de Filadélfia; a insolênciado comandante Biddle da Cyane com a nossa flotilha ao mando doalmirante Pinto Guedes; vê-se a manobra fraudulenta do na vio ame-ricano President Adams, saindo de Monte vidéu com falso manifestopara Boston, e tentando ir abastecer o porto de Buenos Aires que oBrasil bloquea va.12

O Brasil teve de ceder às imposições norte-americanas, epagou pelas reclamações a quantia de 427:259$546 réis, que naqueletempo valiam seis ou sete vezes o que valem hoje.13

Leiam-se os StatePapers americanos do tempo, e há de se verque, quando trata va com o nosso go verno o almirante francês Roussin,que se apresentou na barra do Rio de Janeiro com a sua esquadra a nos

22 Eduardo Prado

11 U. S. SenateDocuments: Congress,12st Sess. 2. 1830 e 31, vol. 1, pág. 38. Doc. 1.12  Executivedocuments presented to theH. of Representatives, 25th Congress. Doc. 32, pág. 32.

13  Ibidem.

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fazer exigências, o ministro americano deu-lhe o seu apoio moral, e es -

te ve bem esquecido de Monroe e da doutrina.

14

Quando a Inglaterra e aFrança inter vieram na República Argentina contra Rosas, o go vernoamericano, que con vi via em perfeita harmonia com aquele monstro, oque fez? Nada.

Entre as recomendações que o go verno de Washington faz aWilliam Tudor há a de preparar o espírito do go verno brasileiro para anotícia que logo lhe seria dada do go verno americano ha ver reconhecidoD. Miguel como rei de Portugal. Com efeito, no dia 1º de outubro de1830, o presidente dos Estados Unidos recebeu oficialmente o Sr. Torla-

des, encarregado de negócios de D. Miguel. O go verno americano foi oúnico governo que reconheceu o rei absoluto e usurpador de Portugal!

Por essa época, o go verno dos Estados Unidos tinha já orga-nizado o seu plano de guerra contra o México, outra pro va da solidarie-dade e da fraternidade americana. A má-fé do go verno de Washingtoncomeçou com a questão do Texas. Fa voreceu quanto pôde a re volta da -quele território, animou-o a separar-se do México para mais depressaabsor vê-lo e depois declarou a guerra ao México, verdadeira guerra de

conquista, humilhou aquela república até ao extremo, e arrebatou-lhemetade do seu território. Ó fraternidade!

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14 Listas das quantias (capital e juros) pagas em virtude das reclamações americanas:

 Navio QuantiasTell-tale. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37:924$850Pionner. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21:134$676Sarah Geoger. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42:472$199

Rio . .. . . . . . .. . . . . .. . . . . . .. . . . . . .. . . 8:081$034Panther. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4:229$918Hero. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12:048$979Nile. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3:313$178Budget . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30:939$993Hannah . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37:197$774Spermo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92:245$803Hussar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28:337$824 Amily . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16:922$878Ruth . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29:428$440Ontario. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1:742$000Spark . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61:250$000

Total . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 427:259$545

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E a doutrina de Monroe, o que era feito dela? A Inglaterra es -

tendia as suas conquistas ao oeste do Canadá até chegar ao oceano Pací-fico. Antes já arrebatara, contra todo o direito, as ilhas Mal vinas, ouFalkland, à Confederação Argentina.

E será possí vel falar nas ilhas Mal vinas sem recordar um dosmaiores atentados contra o direito das gentes, neste século, atentadoperpetrado por uma força na val dos Estados Unidos e apro vado e sancio-nado pelo go verno de Washington? Em 1831, os argentinos tinham umacolônia nas ilhas Mal vinas. Alguns na vios de pesca, americanos, não qui-seram obedecer a umas ordens do go vernador da colônia. Daí um con -

flito administrati vo e diplomático entre o cônsul americano em Buenos Aires e o go verno argentino.

Esta va a questão neste pé quando a cor veta americana Lexing-ton saiu de Buenos Aires, comandada pelo capitão Silas Duncan, foi àsilhas Mal vinas, bombardeou o estabelecimento argentino, desembarcoutropa, matou muitos colonos, incendiou todas as casas, arrasando asplantações e le vando os sobre vi ventes presos, uns para os Estados Unidos,e abandonando outros em grande miséria na costa deserta do Uruguai.

Destruído o estabelecimento argentino, a Inglaterra tomou conta dasilhas.O go verno argentino, em 1839, reclamou satisfação.E o que lhe respondeu o go verno americano, pela pala vra do

Secretário de Estado Daniel Webster?Que o go verno americano aguarda va a decisão final do confli-

to existente entre a Inglaterra e a República Argentina a respeito da so-berania das ilhas Mal vinas.

Ora, em 1831, por ocasião do atentado americano nas Mal vi-nas, a soberania argentina existia de direito e de fato sobre as Mal vinas.De direito, reconheceram-no os mesmos Estados Unidos, porque namensagem presidencial de 17 de no vembro de 1818, referente à inde-pendência das antigas províncias unidas do rio da Prata, atribuía-se-lhe asoberania dentro dos limites do antigo vice-reinado de Buenos Aires,que compreendia as Mal vinas; de fato, eram argentinas as Mal vinas, por -que eram colonizadas por argentinos e administradas por autoridadesargentinas desde 1829; só dois anos depois é que a Inglaterra se apossou

dessas ilhas.

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Como é que os Estados Unidos, de quem tantas vezes tem-se

dito que não consentirão que um país europeu se aposse de uma polegadade território americano, não du vidaram, no caso presente, da soberaniaargentina nas Mal vinas em conflito com a usurpação inglesa?

E a República Argentina, em 1884, reno vando a sua reclamaçãoobte ve a mesma resposta. Propôs submeter o caso a arbitramento; ogo verno de Washington negou-se.

Eis aí a sinceridade americana quando fala na doutrina deMonroe e sustenta a teoria do arbitramento para a solução dos conflitosinternacionais.

Mais tarde, em Honduras, alargou a Inglaterra impunementeos seus domínios sem que saísse a campo a tal doutrina, e quandoSchomburgh intrometeu-se em território brasileiro na lagoa dos Piraras,na fronteira da Guiana Inglesa, retirou-se diante da energia da diplomaciabrasileira, que nessa ocasião não encontrou, e alti va nem pediu então omenor apoio de Washington, apesar de Monroe e da sua doutrina.

Correm os tempos e o Brasil, a República Argentina e o Uru -guai, em legítima defesa, empreendem a mais justa das guerras contraLópez, do Paraguai. Lá encontramos a diplomacia americana a nos criarembaraços e, representada nas pessoas dos ministros Washburn e gene-ral Mac-Mahon, íntimos de López, espectadores mudos e impassí veisdas suas crueldades, seus verdadeiros cúmplices pelo silêncio e até pelolou vor.

Quantas dificuldades não criaram esses homens aos exércitosaliados? Ainda aí mostraram os americanos do norte qual a sua compre-ensão da fraternidade americana. Washburn e Mac-Mahon, abusando

das suas imunidades, eram espias e auxiliares de López, traindo o exércitoaliado.

E o procedimento do Brasil tinha sido todo de correção elealdade em emergências bem gra ves para a república norte-americana.

 Aquele grande país dera ao mundo um exemplo bem desmo-ralizador pelo seu apego à escra vidão. Enquanto no Brasil não hou ve es -cra vocratas que ti vessem o cinismo de querer legitimar a iníqua instituição,nos Estados Unidos, onde os senhores de escra vos foram muito mais

cruéis que no Brasil, publicaram-se li vros, sermões, com a apologia cien-

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tífica e até religiosa da escra vidão, e chegou o momento em que metade

do país julgou que, para conser var e estender a escra vidão, valia a penasacrificar a própria pátria americana. O escra vismo sobrepu jou o patrio-tismo. E rompeu a guerra ci vil mais terrí vel e mais sangrenta de que rezaa história. O go verno de Washington deixou, logo, aos primeiros tirosdo forte Sumter, em Charleston, de dominar parte do território. Os re -beldes criaram uma verdadeira esquadra de corsários. O go verno ameri-cano, que a ignorância ou a má-fé estão agora querendo apresentar aosbrasileiros como indefesso propugnador do progresso e das idéias libe-rais e humanitárias em matéria de direito internacional, tinha-se recusa-

do a aderir ao tratado de Paris, de 1856, pelo qual fora abolido o corsocomo recurso bárbaro abandonado pelas nações cultas. Por uma puni-ção pro videncial, foi contra os interesses do go verno americano que seorganizou o corso mais ati vo e terrí vel de que há notícia. Os corsáriossulistas correram todos os mares do globo. Nesse tempo, a marinhamercante americana era tal vez a segunda do mundo. Com o desen vol vi-mento da corrução política nos Estados Unidos, o fa vor feito aos pou -cos ricos armadores nacionais, a pretexto de protecionismo, tornou por

tal forma cara a construção na val que a marinha mercante americana,por assim dizer, desapareceu. Os corsários sulistas tinham, pois, naqueletempo, presas ricas e numerosas em que saciar a sua sede de vingança eprincipalmente de lucro.

Diante do incremento tomado pela re volta sulista, não foipossí vel às nações estrangeiras desconhecer, nas relações internacionais,a personalidade jurídica dos confederados, nome esse que os re voltososassumiram. De fato, senhores de vários pontos, dispondo de fortalezas,os rebeldes domina vam uma parte do território de que o go verno deWashington, ao cabo de muito tempo, não se tinha podido apoderar. Asnações estrangeiras não podiam deixar de considerar os confederadoscomo beligerantes. Nem outra doutrina podia pre valecer. De outromodo, bastaria a qualquer go verno declarar simplesmente rebeldes oupiratas as forças de terra ou de mar ao ser viço dos seus ad versários parapri vá-las de todos os direitos de guerra. Ora, a re volução é um direito,segundo as teorias modernas, e as nações estrangeiras não de vem entor-pecer, por qualquer modo, ainda que indireto, o exercício desse direito.

Grócio diz que uma nação onde há uma re volta deve ser considerada

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pelos terceiros, isto é, pelos outros países, como duas nações separadas,

cada uma com os seus direitos de beligerante. Os tratadistas de direitointernacional dizem que para isso é preciso: 1º que a re volta tenha já al -gum tempo de duração, não tendo podido o go verno sufocá-la; 2º queos recursos da re volta se jam importantes; 3º que ela domine uma partedo território, quer marítimo quer terrestre. Ora, os confederados esta-

 vam nesse caso, e o próprio go verno americano criara um precedentecontra si quando, em 1837, reconhecera como beligerantes os re volto-sos do Texas, sem fazer caso das reclamações do México.

O reconhecimento dos insurgentes como beligerantes é cousa

muito das tendências do direito internacional moderno. É uma medidaaconselhada pelos próprios interesses da humanidade. O título de beli-gerante confere certos direitos; mas, a esses direitos correspondem cer -tos de veres que, a bem de todos, de vem ser cumpridos pelos beligeran-tes. Se se nega todos os direitos aos insurgentes, como pretender im -por-lhes os de veres gerais da guerra? E ao interesse da humanidade con -

 vém que esses de veres se jam respeitados. Ora, se não há direito a quenão corresponda um de ver, também não há de veres a que não corres-pondam também direitos. Bluntschli, o oráculo do direito internacional,diz que, desde que os rebeldes se acham militarmente organizados,de vem ser reconhecidos como beligerantes, e diz, mais, que o direito in -ternacional atual fez um progresso mostrando-se disposto a conceder aqualidade de beligerante a um partido re volucionário. As leis da humani-dade, diz ele, assim o exigem.15

Não tardaram os corsários sulistas em aparecer nos portos doBrasil, e o go verno brasileiro mante ve-se na maior discrição e na atitudea mais correta, somente permitindo que os na vios fizessem água e rece-

bessem car vão apenas em quantidade suficiente para, em marcha lenta,se transportarem ao mais próximo porto estrangeiro. O go verno ameri-cano julgou de ver reclamarpro forma, e o ministério dos negócios estran-geiros do Brasil, numa nota luminosa e digna, nota que é hoje clássicaem direito internacional, defendeu o procedimento do go verno imperial,e o próprio secretário de estado do go verno de Washington, o eminenteMr. Seward, um dos mais notá veis estadistas americanos, deu-se por

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15 Vide Ledroit international codi fié,§ 512.

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satisfeito com a justificação contida na nota brasileira, assinada pelo mi -

nistro de estrangeiros, o conselheiro Magalhães Taques. Seward disse,em resposta, que se rendia à evidência demonstrada naquela nota habi-líssima (most ablenote).16 O amor-próprio brasileiro, naquele tempo, po -dia ter satisfações destas.

Terminada a guerra ci vil, hou ve o grande litígio entre a Ingla -terra e os Estados Unidos, a célebre contenda conhecida pelo nome deQuestão Alabama.O go verno do Brasil foi escolhido pelas altas parteslitigantes para ser um dos árbitros entre as duas grandes nações. Nãopodia ser mais solenemente reconhecida do que foi então a lealdade e a

correção do go verno do Rio de Janeiro.17 Anos mais tarde, surgiu umlitígio deri vado ainda da guerra ci vil americana. O conflito era entre asduas grandes repúblicas do mundo, entre a França e os Estados Unidos.O árbitro único escolhido foi o Imperador do Brasil. No tribunal quefuncionou em Washington, representou o soberano brasileiro o Sr.barão de Arinos. No tribunal do Alabama, que funcionou em Genebra,o juiz brasileiro foi o falecido barão, depois visconde de Ita jubá. Vê-se,por isso, qual não era o prestígio do Brasil. Hoje, querendo os Estados

Unidos fechar o mar de Behring, e, retrocedendo estranhamente paraépocas passadas, restabelecer omareclausum, que Selden e Freytas defen-deram no século XVII contra Grócio, o fundador do direito internacio-nal moderno, a Inglaterra opôs-se à pretensão, e os dois países recorre-ram a um arbitramento. Parece que os tempos esta vam mudados... OsEstados Unidos já não apelaram para o go verno do Brasil, e o go vernode Washington, que querem agora apresentar como o paladino dafraternidade americana, nem por sombras pensou em recorrer aos seuscolegas presidentes de repúblicas latinas. Os Estados Unidos preferiram

a arbitragem de algumas anacrônicas chancelarias de velhas e carcomidasmonarquias européias!

Não seríamos completos em nossa demonstração de que osEstados Unidos, embora contem ilustres escritores de direito internacional,são mais egoístas e prepotentes em suas práticas do que as monarquiaseuropéias, se não nos referíssemos ao célebre incidente do Trent. O

28 Eduardo Prado

16  Houseof Representatives Exec. Docs. 5th session, vol. IV, 38th Congress.

17  Ibidem, 37th Congress; 2d session, vol. IV.

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 vapor deste nome, vapor inglês, le va va, como passageiros, dois en viados

diplomáticos representantes dos Estados Confederados, os Srs. Sliddel eMason, que iam como en viados extraordinários e ministros plenipoten-ciários, em missão especial, um deles para Londres outro para Paris. Poisbem, um na vio de guerra americano, em alto mar, dete ve o vapor inglêse violentamente arrancou de bordo os dois passageiros. Esse ato, con -trário ao direito das gentes, esse desrespeito ao pa vilhão de uma naçãoneutra, essa felonia contra os dois diplomatas despertou a indignação detodos os go vernos, e o go verno de Washington viu-se obrigado a censu-rar o oficial que perpetrou tão feia ação, mas apro veitou-se dela conser-

 vando por muito tempo os dois prisioneiros. Este ato é apenas menoscondená vel do que a vilania que contra nós praticou Solano López, apri-sionando em plena paz o vapor brasileiro Marquês de Olinda, vapor quele va va o coronel Carneiro de Campos, presidente de Mato Grosso. Estaproeza parece que foi vi vamente aconselhada a López pelo cidadão uru -guaio o Sr. Varquez Sagastume, hoje ministro no Rio de Janeiro, e por -tanto um dos corifeus da fraternidade americana.

Com o seu imediato vizinho meridional, o México, a política

dos Estados Unidos terá sido uma política de fraternidade?O fato mais importante dessa política, qual foi?

Foi uma guerra.

E essa guerra contra o México é pintada com verdade eeloqüência pelo historiador americano H. H. Bancroft:

“A guerra dos Estados Unidos contra o México foi um negó-cio premeditado e determinado de antemão. Foi o resultado de um pla -no de salteio, que o mais forte organizou deliberadamente contra o maisfraco. As altas posições políticas de Washington eram ocupadas porhomens sem princípios, tais como os senadores, os membros do con -gresso, sem falar do presidente e do seu gabinete, e ha via a grande hor -da dos demagogos e dos politiqueiros, que se comprazia em satisfazeros instintos dos seus partidários. Estes eram os senhores de escra vos, oscontrabandistas, os assassinos de índios, que, com as suas ímpias bocasmaculadas de tabaco, jura vam pelos sagrados princípios, de 4 de julho,que ha viam de estender o predomínio americano do Atlântico até o

Pa cífico. E esta gente, despida das noções do justo e do in justo, esta va

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disposta cinicamente a reter tudo quanto pudesse saquear, e in vocando

para isso o princípio único da força.“O México, pobre, fraco, lutando para obter um lugar entre asnações, vai agora ser humilhado, espezinhado, algemado e vergastadopela brutalidade do seu vizinho do norte. E este é um povo que tem omaior orgulho da sua liberdade cristã, dos seus antecedentes puritanos!

 Veremos como os Estados Unidos começaram, então, a empregar todaa sua energia em descobrir plausí veis pretextos para roubar a de um vizi-nho mais fraco uma vasta extensão de terra. E para que? Para aí estabe-

lecer a escra vidão.”

18

 A guerra foi precedida da intrusão americana no Texas, dossubsídios que os americanos deram à re volta por eles mesmos fomenta-da naquele território, cuja independência não tardaram em reconhecer,como medida preparatória da anexação, que foi a gota de água que feztransbordar a paciência dos mexicanos. E esta paciência já tinha sidoposta à pro va de mil modos, por anos e anos numa longa série de vexa-mes. As reclamações americanas multiplica vam-se. Extintas hoje, isto é,

pagas a bom dinheiro pelo México, renasciam daí a meses. E as reclama-ções eram extraordinárias. Bancroft, entre outras, cita a reclamação deum ame ricano que por cinqüenta e seis dúzias de garrafas de cer ve jarecebeu 8:260 dólares.19

Uma vez, o comissário americano Voss recebeu o dinheiro, eeste não apareceu (Bancroft, pág. 320).

Em 1818, estando os Estados Unidos em paz com a Espa nha,o general Jackson in vadiu a fronteira da Flórida, capturou e guarneceu

um forte espanhol, apoderando-se de Pensacola e de Barrancas.Mais tarde, também sem declaração de guerra, o general Gai-

nes fez incursões no México. Esta va, pois, nas tradições do go verno deWashington ao começar a guerra contra o México, sem pré via declara-ção para de surpresa romper as hostilidades e in vadir o território. Eassim foi.

30 Eduardo Prado

18 H. H. Bancroft,Works, San Fran cis co, 1885, vol. XIII, cap. 13.

19  Ibidem, pág. 318, nota.

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 Ve jamos agora como foi feita a guerra. Os americanos fize-

ram-na de um modo bárbaro. “O bombardeio de Vera Cruz durou qua -tro dias; foi horrí vel e inteiramente desnecessário” (Bancroft, pág. 547).“O saque, as matanças de feridos no campo de batalha, os prisioneirosqueimados vi vos, são fatos confirmados pelas mais ele vadas autoridadesoficiais.”20 “As barbaridades ilegítimas cometidas quase sempre com im -punidade por uma massa indisciplinada como era o exército americanoestão, infelizmente, por demais verificadas (Bancroft, pág. 547). E istoesta va de acordo com a opinião pública.

Leiamos as expressões dos jornais americanos:

Dizia um: “De vemos destruir a cidade do México, arrasan-do-a ao ní vel do solo. Façamos o mesmo com Puebla Perote, Jalapa,Saltillo e Monterey, e, feito isto, de vemos ainda aumentar as nossas exi -gências.”

Dizia outro: “Aniquilemos os mexicanos: le vemos a destrui-ção e a morte a todas as famílias, façamo-lhes sentir um jugo de ferro, eassim seremos respeitados.”21

E o México perdeu quase metade de seu território.Faz-se muito cabedal do fato dos Estados Unidos terem maistarde intimado à França a retirada das suas tropas do México. Foi umser viço, mas como não tem o México pago caro este ser viço? O go ver-no de Maximiliano não se pôde manter, embora tenha sido o go vernomais honesto que o México tem tido desde a independência. Maximilia-no era um estrangeiro. Hou vesse um príncipe mexicano, que aquela po-pulação de índole monárquica aceitaria unânime a monarquia. Demais,Maximiliano não quis sancionar os grandes abusos do clero, sobretudoem relação aos bens da Igre ja. Não esqueçamos que o decreto abolindoos contratos agrícolas dos peones, re vogação de uma lei antiga pela qualos trabalhadores das haciendas fica vam verdadeiros escra vos, su jeitos atéaos açoites, atraiu, contra o príncipe liberal, os ódios das chamadas clas -ses conser vadoras, que sabemos o que são, em toda a América Latina.Parece que há uma fatalidade para os chefes de estados libertadores:

 A Ilusão Americana 31

20 Li vermore,Warwith Mexico, pág. 263.

21 Jay, Reviev of theMexi can War , pág. 259.

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 Alexandre II da Rússia, despedaçado pelas bombas nihilistas, Maximilia-

no fuzilado, Lincoln assassinado, e D. Isabel do Brasil exilada. O martí-rio é a consagração dos grandes feitos em prol da humanidade! No Mé-xico, o sentimento monárquico é irresistí vel. Não pode restaurar a mo -narquia mas tem tornado impossí vel a república. Porque no México nãohá, não hou ve, nem há de ha ver república. O notá vel escritor americanoGronlund diz que, se os Estados Unidos, na época da sua independên-cia, ti vessem encontrado um príncipe inglês, como o Brasil encontrouum príncipe português, a monarquia se teria estabelecido nos EstadosUnidos.22 E o tempo teria feito desta monarquia um regime bem dife-

rente do regime de opressi vo monopólio e de cruel plutocracia que éhoje a essência mesma do go verno norte-americano. Se se pode dizeristo dos Estados Unidos, com muito mais razão se dirá o mesmo doMéxico. A república, no México, como noutros países da América Latinanunca será uma cousa impessoal; a república aí será sempre um homem.Foi Juárez, homem representati vo, homem que representou o ódio aoestrangeiro. Ora, o ódio pode destruir; o ódio pode ser a verdadeira ex -pressão do sentimento nacional num momento dado, mas o ódio não

cria cousa alguma. Augusto Comte tem uma das suas intuições geniais,quando quer que as sociedades humanas tenham o amor por base. Só oamor é criador. Por isso Juárez nada criou. Don Sebastian Lerdo de Te-

 jada, ministro e sucessor de Juárez, foi uma transição entre a política doódio indígena e a concepção jurística da sociedade. Homem de lei, juris-consulto, pretendeu por tudo, em artigos de códigos. Espia va-o o milita-rismo, sorte comum e ine vitá vel de toda a América ibérica. Deposto eexpulso Lerdo, pelo general Díaz, voltou o México ao militarismo siste-mático. O general Díaz e o general González re vezam-se, há vinte e tan-

tos anos, no poder, e o poder deles é praticamente absoluto. A Consti-tuição, copiada da Constituição americana, dá ao Pre sidente quase todosos poderes. O Congresso é nada, as eleições, uma farça.

O furor imitati vo dos Estados Unidos tem sido a ruína da América. Péricles, no seu célebre discurso do Ceramico, disse: “Dei-vos,ó, atenienses, uma Constituição que não foi copiada da Constituição de

32 Eduardo Prado

22 Gronlund, Co-operativeCommonwealth. London, 1891. Swan & Sonnenschein. Pág.

157.

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nenhum outro povo. Não vos fiz a in júria de fazer, para vosso uso, leis

copiadas de outras nações.” Há muita grandeza na exclamação do gêniogrego. Há uma presciência de tudo quanto descobriu a ciência socialmoderna que, afinal, se pode resumir nisto: As sociedades de vem serregidas por leis saídas da sua raça, da sua história, do seu caráter, do seudesen vol vimento natural. Os legisladores latino-americanos têm uma

 vaidade inteiramente in versa do nobre orgulho do ateniense. Gloriam-sede copiar as leis de outros países.

Todos os países espanhóis na América, declarando a sua inde-pendência, adotaram as fórmulas norte-americanas, isto é, renegaram as

tradições da sua raça e da sua história, sacrificando o princípio insensatodo artificialismo político e do exotismo legislati vo.

O que colheram desse absurdo, diz a triste história hispa-no-americana deste século. O Brasil, mais feliz, instinti vamente obede-ceu à grande lei de que as nações de vem reformar-se dentro de si mes -mas, como todos os organismos vi vos, com a sua própria substância,depois de já estarem lentamente assimilados e incorporados à sua vidaos elementos exteriores que ela naturalmente ti ver absor vido. No Brasil

ti vemos a independência, fato lógico do desen vol vimento da sociedadecolonial; a monarquia mantida foi o respeito da tradição e a conser vaçãodo país na sua índole histórica que ninguém pode mudar. O constitucio-nalismo e o sistema parlamentar adotados foram, até certo ponto, umare vi vescência do passado, uma reprodução das cortes lusitanas, e cousaque muito se harmoniza va com a organização quase espontânea, massempre representati va e mais poderosa do que se julga dos governosmunicipais e locais da colônia.

 As idéias liberais do século, consagradas nas instituiçõescoe vas da independência, acharam uma base histórica em que se firma-ram. E isto deu ao Brasil setenta anos de liberdade.

Mais tarde, foi em 1889 cometido no Brasil o mesmo grandeerro em que os hispano-americanos tinham caído no primeiro quarto doséculo, isto é, quando artificialmente se quis impor ao Brasil a fórmulanorte-americana.

 A perda da liberdade foi a conseqüência imediata, fatal, dadesgraçada idéia. E nós, tardiamente, fomos tomar parte na fastidiosa e

desalentadora tarefa em que vi vem, há no venta anos, os hispano-ameri-

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canos, isto na longa, vã, tormentosa, sangrenta e já degradante e inútil

tentati va, quase secular, de querer implantar na América Latina as insti-tuições de uma raça estranha.O grande orador americano Henry Clay fala va, uma vez, em

1818, no Congresso americano em fa vor das colônias espanholas re vol-tadas contra a metrópole: “Acredita-se geralmente em nosso País que ossul-americanos são muito atrasados e supersticiosos para se constituí-rem em nações li vres. É uma in justiça. E a pro va de que eles não estãotão atrasados é que estão adotando as nossas instituições e as nossasleis.”23 O insigne historiador Von Holst diz que Clay afirma um contra-

senso; porque esta imitação ser vil, essa sim, é pro va de incapacidade.24O México copiou pois a Constituição norte-americana. Uma

disposição constitucional dizia mais que o Presidente era inelegí vel parao período presidencial imediato à sua presidência. Daí o híbrido e imo-ralíssimo pacto de Díaz e de González. Díaz elege González com a con-dição de González eleger de novo a Díaz. E isto dura há mais de vinteanos. Agora, parece que Díaz não quer largar, e já fez reformar a Cons -tituição, re vogando a incompatibilidade, vai-se fazer reeleger, e Gonzá-

lez vai ficar logrado. Fala-se já em re volução gonzalista, e o estado desítio funciona no México com a mais in ve já vel regularidade.Eis aí o ser viço que os Estados Unidos prestaram ao México

li vrando-o de um go verno que, embora incriminado de estrangeiro, foio mais brando, o mais ci vilizado, numa pala vra, que jamais teve aqueledesgraçado país. E não se limitaram a isso os bons ofícios da irmã repú-blica. Depois de ha ver retalhado o território mexicano em 1848, e so -bretudo depois da vitória definiti va da república no México, os EstadosUnidos constituíram sobre aquele país um verdadeiro protetorado, quemexicanos impre videntes foram aceitando, sem ver que era a ruína e odescrédito da sua pátria. O duun virato Díaz–González atraiu para oMéxico uma nu vem de aventureiros que, patrocinados pela legação ame-ricana, apresenta vam-se, querendo concessões e pri vilégios, que lheeram dados a troco de fa vores pessoais, de ações beneficiárias e de ou -tras mil formas de fraude financeira. O México, a pretexto de arma-

34 Eduardo Prado

23 Henry Clay,Speeches, vol. 1, págs. 89 e 90.

24 Von Holst, Constitutional history of theU. S., vol. 1, pág. 415.

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rem-no com todos os instrumentos modernos de progresso, foi a presa

submissa e opima dos americanos. Tudo foi ali ob jeto de pri vilégio, tudomoti vo para concessões com garantia de juros e outras vantagens one -rosas para o tesouro. Os concessionários corriam para Nova Iorque, ena bolsa de Wall Street obtinham dos incautos o dinheiro que dese ja-

 vam. Quer im perasse Díaz ou reinasse González, o método era sempre omesmo. Mu itas vezes, membros do go verno de Washington eram sóciosdessas alicantinas, e se o go verno mexicano fazia alguma pequena difi-culdade em entregar o dinheiro, logo agia sobre ele a pressão diplomáti-ca. Díaz e González amontoa vam grandes fortunas, e Washington re ju-

bila va. Os jornais americanos anuncia vam com entusiasmo os progres-sos da iniciati va americana, dizendo que a conquista financeira do Méxi-co era apenas o prelúdio da conquista política que mais tarde viria. Nes-se tempo, o ilustre Lerdo de Te jada, que vi via em Nova Iorque exilado,dizia a quem escre ve estas linhas: “Os generais mexicanos, no meu tem -po, rouba vam nas estradas; agora roubam nas companhias. É um pro -gresso.” A principal figura desta roubalheira, figura pouco simpática,mas parece que um pouco inocente nesses crimes, foi o general Grant.

 Aquele soldado feliz era um homem de curta inteligência, ignorante emmatéria de negócios e, em todo o caso, um indi víduo sem grandes deli-cadezas. Logo que se trata va de um assalto qualquer às piastras mexica-nas, o iniciador da idéia ia ter com o general Grant, e este logo dava-lheo seu nome, o seu prestígio e a sua influência. Chegou então ao auge a

 jogatina e a imoralidade. O México, a pretexto de aplicação no seu solode capitais yankees, era praticamente go vernado pela legação americana.O México deixou de ser dos mexicanos. Alguns patriotas protesta vam;mas os generais Díaz ou González dispunham logo do recurso de pren-der os patriotas e de proclamar o estado de sítio. O ilustre orador, o notá-

 vel poeta do México, o Sr. Altamirano, no meio do abaixamento geral, er-gueu, contra a aliança americana, a sua voz eloqüentíssima: “Não!”, bra -da va ele no Congresso, “mil vezes a nossa pobreza antiga do que a igno-mínia que presenciamos. O leão mexicano era li vre na liberdade ampladas nossas serranias. O es trangeiro desleal e corrutor tem-no agrilhoa-do, e julga-se ainda seu benfeitor, dizendo que são de ouro as cadeiascom que o sub juga! Não! “Vincula quamvis  aurea tamen vincula sunt!”

Enquanto esta voz ilustre se le vanta va no México, em Nova Iorque,

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num grande banquete de confraternidade (financeira já se vê) entre figu-

rões americanos e notá veis mexicanos, banquete presidido pelo generalGrant, o Sr. Evarts, um dos mais conhecidos estadistas americanos, anti-go secretário de Estado, usa va de linguagem que bem justifica va a indig-nação patriótica de Altamirano. O Sr. Evarts passa va por ser o homemmais espirituoso dos Estados Unidos, mas, muitas vezes, apesar de ho-mem letrado, toca va a raias da vulgaridade. Isto é muito comum nosEstados Unidos. Há ali muita gente com reputação de espirituosa, masnaquele país que, tendo tido a honra de ser a pátria de Edgard Poe, odeixou morrer na miséria e no desprezo geral, negando-lhe até hoje um

monumento; as chocarrices dospro fessional wits ou espirituosos de profis-são, são muita vez acolhidas com entusiasmo. Eis o que dizia o Sr.Evarts, entre as gargalhadas dos yankees e os sorrisos amarelos dos mexi-canos: “A doutrina de Monroe é por certo uma boa cousa, mas, comotodas as cousas boas antiquadas, precisa ser reformada. Essa doutrinaresume-se nesta frase: A América para os americanos. Ora, eu proporiacom prazer um aditamento: Para os americanos, sim senhor, mas, enten-damo-nos, para os americanos do norte (aplausos). Comecemos pelo nos -so caro vizinho, o México, de que já comemos um bocado em 1848. To-memo-lo (hilaridade). A América Central virá depois, abrindo nosso ape -tite para quando chegar a vez da América do Sul. Olhando para o mapa

 vemos que aquele continente tem a forma de um presunto. Uncle Sam ébom garfo; há de de vorar o presunto (aplausos ehilaridadeprolongada). Istoé fatal, isto é apenas questão de tempo. A bandeira estrelada é bastantegrande para estender a sua sombra gloriosa de um oceano a outro. Umdia ela flutuará única e ovante do pólo norte ao pólo austral.”

Comentários são estes do sentimento geral do povo americano.

Em 1836, no Congresso americano, exclama va o senadorPreston:

“A bandeira estrelada não tardará em flutuar sobre as torresdo México, e dali seguirá até o cabo Horn, cu jas ondas agitadas são oúnico limite que o yankee reconhece para a sua ambição.”

∗  ∗  ∗

Continua va, porém, no México a orgia dos melhoramentos. A

repartição mexicana de estatística começou a ser de uma fantasia e de

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uma imaginação pasmosas. Concessão de caminho de ferro que fosse

ob jeto de um decreto do Executi vo era imediatamente inscrita nos rela-tórios e nos outros documentos oficiais, não como um simples ato legis-lati vo, mas como uma realidade efeti va. Eram mais tantos e tantos mi -lhares de quilômetros de linha que se da vam como feitos, e que os ma -pas do go verno, destinados ao estrangeiro, traça vam orgulhosamente emlongos riscos multicores. Qualquer tentati va de uma nova indústria, deuma cultura estranha, era imediatamente classificada como uma fonte jácriada e abundante de riquezas imensas. Foi então que no Brasil hou ve in-gênuos que começaram a se inquietar com a grande balela do café do

México, e foi, depois de ler algumas daquelas estatísticas ultrafantasistas,que o Sr. Quintino Bocaiú va fez propaganda republicana nuns artigoscom este título:Olhemos para o  México. Muita outra gente quis, mais ou me -nos por esse tempo, que os brasileiros olhassem também para a República

 Argentina, e via jantes boçais que dali vinham, depois de curto passeio, vinham republicanos. Tinham visto os restaurantes luxuosos de Buenos Aires, admirado as carruagens dascocottes e dos empregados públicos pre - varicadores, tinham contemplado a arquitetura riquíssima dos bancos sem

 ver a fraude e a ruína que lá iam por dentro. Volta vam para o Brasil, e vendo os nossos ministros e parlamentares andando de bonde, vendo osmodestos edifícios dos nossos bancos (então ainda acreditados), concluíamque o Brasil era um país atrasado e que a culpa era da monarquia.

É, porém, muito grande a força das coisas. Antes de rebentar afalência fraudulenta, não da República Argentina, mas dos maus go vernosdaquele belo país, terminou escandalosamente o consórcio financeiro doMéxico e dos Estados Unidos. Partiram as primeiras reclamações dos pobresacionistas defraudados; os infelizes que contribuíram para as extraordináriasempresas, pomposamente patrocinadas pelos generais de uma e de outrarepública, começaram a perceber, embora tardiamente, que tinham sidoatrozmente espoliados. As minas nada rendiam, as terras concedidas eramlhanos estéreis, serras inacessí veis ou pântanos e mangues pestilentos nascostas inóspitas do golfo ou do Pacífico. E nessas fantásticas criações, nosordenados das diretorias, nos estipêndios à imprensa, nas remunerações afuncionários mexicanos e a diplomatas dos Estados Unidos, escoaram-se,

 volatilizaram-se os milhões de dólares subscritos. O grito das vítimas foi

medonho. A princípio, o grande prestígio do general Grant foi um dique que

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por algum tempo conte ve a onda da indignação que afinal irrompeu por toda

a parte, nos meetings, na imprensa e nos tribunais de Nova Iorque. A célebreempresa do caminho de ferro do Tehuantepec foi declarada em falência;os bancos suspenderam pagamentos, hou ve suicídios entre os figurõescomprometidos, um filho de Grant foi arrastado aos tribunais, e o pobregeneral sofreu grandemente na sua popularidade, quando o seu nome seachou en vol vido em tantos litígios escandalosos. A maior parte dos decan-tados melhoramentos do México ficaram adiados indefinidamente, otesouro daquela república saiu arrebentado da luta, mas, continuandodebaixo do domínio de Díaz e de González, o México é ainda hoje uma

 vítima, depauperada, da amizade e da fraternidade norte-americana.

∗  ∗  ∗

Esta rápida exposição demonstra o que é a fraternidade dosEstados Unidos para os países latinos. Vimos o México; vamos agora à

 América Central.

“Está no destino de nossa raça”, dizia na sua mensagem de7 de janeiro de 1857 o presidente Buchanan, “o estender-se por toda

a América do Norte, e isto acontecerá dentro de pouco tempo se osacontecimentos seguirem o seu curso natural. A emigração seguiráaté o sul, nada poderá detê-la. A América Central, dentro de poucotempo, conterá uma população americana, que trabalhará para o bemdos indígenas.” O senador G. Brocon em 1858: “Temos interesse empossuir a Nicarágua. Temos manifesta necessidade de tomar conta da

 América Central, e, se temos essa necessidade, o melhor é irmos jácomo senhores àquelas terras. Se os seus habitantes quiserem ter umbom go verno, muito bem e tanto melhor. Se não quiserem, que vãopara outra parte. Vão-me dizer que há tratados, mas que importam ostratados se temos necessidade da América Central? Saibamo-nosapoderar dela, e se a França e se a Inglaterra quiserem inter vir, avanteó doutrina de Monroe!”

 A extraordinária história do flibusteiro Walker é das que me -lhor pintam a má-fé norte-americana e o desprezo profundo que os go -

 vernos dos Estados Unidos têm pela soberania, pela dignidade e pelosdireitos das nações latinas da América. Hou ve um momento em que os

americanos julgaram chegada a ocasião de conquistar a América Central.

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Tendo já conquistado metade do México, a conquista da América Cen -

tral deixaria o que hoje resta do México independente, apertado entredois territórios americanos, isto é, fadado a uma absorção rápida. Umaventureiro, William Walker, saiu em 1853 de S. Francisco, à frente deum pequeno exército de bandidos, formado debaixo das vistas proteto-ras das autoridades americanas. Este bando armado in vadiu o territóriomexicano de Sonora, e Walker proclamou-se presidente do novo territó-rio, anexando-o por sua própria autoridade aos Estados Unidos. Teve,porém, de desistir do seu propósito e de render-se às autoridades federaisamericanas de San Diogo, que o ti veram de julgar pelo crime cometido e

pela quebra da neutralidade, mas que, como era de esperar, absol ve-ram-no. Por esse tempo, na infeliz república de Nicarágua trata va-se deuma eleição presidencial, o que nas repúblicas hispano-americanas ésinônimo de guerra ci vil. Esta vam em campo dois candidatos, generais,

 já se vê, por sinal chamados, um Castellon e outro Chamarro. Mais oumenos eleito Chamarro, foi meio deposto por seu ri val Castellon que,para fortalecer a sua situação, teve a idéia desastrada de con vidar a Wal kera vir a Nicarágua ajudá-lo a defender a Constituição e o princípio daautoridade. Walker formou novo exército, e partiu de S. Francisco emmaio de 1855.

Imediatamente, o ministro da Nicarágua em Washington, oSr. Marcoleta, queixou-se energicamentes, mas o Secretário do EstadoMarcy fingiu ignorar o caso e não atendeu ao reclamante. Logo tevelugar a primeirabatalha. Os nicaragüenses aliados de Walker parece quefugiram aos primeiros tiros, mas os 56 americanos que ele comanda vale varam tudo de vencida, dando a Walker um imenso prestígio.

Logo depois, outras vitórias do mesmo teor na Baía das Vir -gens, San Juan del Sur e Ri vas, e sem resistência, Walker entrou em Gra -nada. A cidade foi saqueada durante três dias, e Walker tendo feito umaproclamação garantindo a vida dos moradores, os principais destes vol-taram às suas casas e foram fuzilados sem demora nem processo. O mi-nistro americano Wheeler, que esta va feito com Walker, empenhou-sesobretudo para que aparecesse um cidadão importante chamado Ma yorga,a quem deu todas as garantias, dizendo-lhe que fica va debaixo da prote-ção da bandeira estrelada dos Estados Unidos. Ma yorga caiu na armadi-

lha, e o ministro americano entregou-o a Walker que o fuzilou logo com

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muitos outros cidadãos da Nicarágua.25 Walker arran jou logo uma espé-

cie de tratado de paz com um general Corral, e fez presidente nominalda república D. Patrício Ri vas que, sob a pressão do medo, logo quepôde, fugiu das mãos de Walker, no que andou com prudência, porquedias depois o general Corral (outro protegido da legação americana) foifuzilado. Walker ficou senhor absoluto do país, e a 12 de julho de 1856proclamou-se ditador, tendo já o seu embaixador Vigil sido recebido so-lenemente pelo go verno de Washington a 12 de maio do mesmo ano. A 22 de setembro, Walker expediu um decreto restabelecendo a escra vidãona Nicarágua. A escra vidão ha via sido abolida ali ha via trinta e dois

anos. Grande parte da imprensa americana e a maioria do Congresso sa u-dou com júbilo este decreto escra vagista. As outras nações da AméricaCentral reconheceram o perigo, declararam guerra a Walker, que come-çou a receber grandes recursos dos Estados Unidos. A guerra seguiucom vária sorte. Walker incendiou completamente a cidade de Granadae recolheu-se a Ri vas, praça que se rendeu ao general Mora em 1º demaio de 1857; e graças à inter venção do capitão Da vis, comandante dona vio de guerra americano Saint Mary’s, Walker pôde escapar, refugian-

do-se com o seu estado maior e 260 soldados a bordo do mesmo na viode guerra, que os transportou para Nova Orléans, onde foram recebidosno meio de aplausos populares.26

Em Nova Iorque hou ve ummeetingem honra e fa vor de Walker.O presidente dos Estados Unidos, Buchanan, mandou um telegrama

40 Eduardo Prado

25 Walker on Nicaragua, pág. 6. Co jutepec, 1856.26  Haydn’s, Dictionary of Dates, 1889, pág. 635.

O relatório do ministro da marinha Toucey em 1857 fala a respeito do asilo con -

cedido a William Walker nos seguintes termos:“Julgou o go verno necessário, como medida de humanidade e de política, dar ins-truções ao comodore Mer vine (chefe da di visão na val), no sentido de facilitar aogeneral Walker e aos seus companheiros, no caso deles solicitarem a retirada daNicarágua. A ação do comandante Da vis, facilitando por meio do na vio Saint

 Mary’sa retirada da Nicarágua ao general Walker e aos seus soldados, foi poisapro vada por este ministério.”Inglês: “It was deemend necessary, as a measure of humanity and policy, to direccommodore Mer vine to give general Walker and such of his men, as were willingto embrace it, an oportunity to retreat from Nicaragua. And the action of com -mander Da vis, so for as he aided general Walker and his men, by the use of theSaint Mary’s to retreat from Nicarágua,was approved by this Departement.”

Congressional Globe, part. I, 1.st session, 35.th congress, 1857-1858, pág. 356.

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encomiástico a respeito de Walker, dizendo que “os héroicos esforços

de Walker excita vam a sua admiração e sua solicitude”.

27

Em Nova Orléans, sempre com a bene volência do go vernode Washington, começou o aventureiro a organizar outra expedição. De-nunciado pelos agentes diplomáticos centro-americanos, foi preso, sen -do, porém, logo solto mediante pequena caução. Equipando o na vio

 Fashion, partiu a 11 de no vembro para Punta Arenas, onde desembarcoucom 400 homens, sem que se opusesse a isto o Saratoga, vaso de guerraamericano. O capitão Paulding, da marinha americana, chegando depois,obrigou Walker a render-se e trouxe-o para Nova Iorque. Walker foi en-

tregue aos tribunais, mas estes não o processaram, sendo, porém, pro -cessado e repreendido o capitão Paulding, por ter excedido às suas ins -truções e ter contrariado o go verno de Washington, declarado protetorde Walker. Em agosto de 1860, Walker desembarcou em Truxillo (Hon -duras), apoderou-se da fortaleza e saqueou a cidade. O capitão Salmon,comandante do Icarus, na vio de guerra inglês, intimidou Walker a restituira propriedade roubada. Walker recusou e fugiu. Foi perseguido, apanha-do, e o go verno de Honduras fê-lo julgar e fuzilar.28 O desastre final deWalker produziu indignação nos Estados Unidos. Quiseram fazer deleum herói sublime. O poeta Joaquim Miller exaltou-o e atribuiu-lhe:

 A piercingeye, a princely air  A presencelikea chevalier Half angel, half Luci fer.

∗  ∗ ∗

Quem há, versado na história latino-americana, que não tenhana lembrança o bárbaro bombardeamento de S. João de Nicarágua(Greytown) em 1854? O comandante de um vapor americano matoucruelmente com um tiro de carabina, à entrada daquele porto, o patrãode um barco de pesca. As autoridades exigiram a entrega do criminoso.O ministro americano opôs-se; hou ve manifestações de desagrado aoministro, e tanto bastou para que os Estados Unidos mandassem àNicarágua a cor vetaCyane, que exigiu todas as reparações, o pagamento

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27 Von Holst, Constitucional History of the United States, 1856-1859, pág. 160.

28 Haydn’s, Dictionary of dates,1889,ibidem.

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de uma longa lista de pretendidos pre juízos sofridos por americanos e

30.000 dólares de indenização ao ministro pelas assuadas. Isto sob penade bombardeio em vinte e quatro horas. A população, julgando que ocaso se limitaria a algumas bombas arremessadas contra a pequena cida-de, que apenas contaria umas quinhentas casas, retirou-se para o interior.O comandante do vaso de guerra inglês Bermuda protestou solenemente,declarando que só a fraqueza do seu na vio impedia-o de opor-se pelaforça ao bombardeio. No dia seguinte, depois de atirar algumas bombas,o comandante operou um desembarque, e as suas tropas incendia ramtodas as casas. A cidade ficou inteiramente destruída, e o pre juízo cau-

sado a estrangeiros pela destruição de mercadorias subiu a mais de2.000.000 de dólares.29

Este crime não teve outra punição além do justo estigma dahistória.

Quando a Inglaterra começou a se apoderar dos territóriosque cercam Belise e das ilhas Honduranas que constituem hoje a Hon -duras inglesa, a pobre república de Honduras em vão apelou para a pro-teção do go verno de Washington, alegando contra a violência que lhe

era feita a doutrina de Monroe.Nesta questão da Centro-América, longe de se opor à inter-

 venção européia, o go verno americano solicitou até a interferência daInglaterra no assunto, pelo tratado de 19 de abril de 1850, conhecidopelo nome de tratado Clayton-Bulwer. Por esse tratado os Estados Uni-dos associaram-se à monarquia européia para regularem a construção ea neutralidade do pro jetado canal de Nicarágua. E, coisa notá vel, umadas conseqüências deste tratado foi os Estados Unidos reconhecerem

solenemente o domínio inglês em Honduras em detrimento das repúblicas

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29 Cal vo,Traitétheoriqueet pratiquededroit international. Von Hoist, vol. IV, pág. 11.Na grande obra do Sr. Cal vo, a data do bombardeio é dada como em 1834, e nou -tra sua obra, como em 1835. Erros de re visão desta ordem são numerosos naspreciosas e utilíssimas compilações do Sr. Cal vo. Por isso é preciso um certocuidado com as informações que elas nos fornecem, sendo sempre bom ir verifi-car as fontes citadas que, sen do nu me ro sís si mas, nem todas puderam ser con veni-entemente resumidas pelo autor. Assim, o Sr. Cal vo não fala do protesto, impor-tantíssima aliás, do comandante do Bermuda, e é de estranhar que episódios da im-

portância das expedições Walker não se jam sequer tratados pelo escritor ar gen tino.

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espanholas do Centro-América. Na cláusula primeira deste tratado, os dois

go vernos concorda vam que nem um nem outro poderia ocupar, fortificar,colonizar, assumir ou exercer qualquer domínio sobre, Nicarágua, CostaRica, Costa dos Mosquitos ou qualquer parte da América Central.

Em 29 de junho de 1850 o ministro inglês em WashingtonSir Henry Lytton Bulwer declara va que o go verno inglês excluía daquelacláusula os estabelecimentos ingleses de Honduras, e a 4 de julho osecretário de Estado anuía numa nota admitindo que fica vam fora dotratado os estabelecimentos ingleses em Honduras.30

Só em 1855 o ministro americano em Londres, Buchanan,

solicitou que a Inglaterra abandonasse a ilha de Ruatan e outras de que aInglaterra se tinha apoderado na costa de Honduras, assim como o ter -ritório entre os rios Sibun e Sarstoon, e que a possessão inglesa de Beli-se se limitasse à parte dos tratados anglo-espanhóis de 1783 e 1786, eque a Inglaterra abandonasse a Costa dos Mosquitos. Lorde Clarendon,ministro dos negócios entrangeiros da Inglaterra, respondeu com umaredonda negati va. E Monroe?31

Quando se formou na Europa, com sede em França, a malo-grada companhia do canal interoceânico, que obte ve uma concessão doCongresso colombiano, o go verno de Washington saiu-se logo com adoutrina de Monroe, fazendo um terri vel escarcéu. O velho Lesseps,

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30 Hertslet, A completecollection of treaties, etc., vol. VIII, pág. 969, e vol. X, pág. 645.31 Elisée Réclus, Geographieuniversel, tomo XVII, pág. 484, diz: “La cóte dite de Mos-

quitia ou des Mosquitos fut re vendiquée par le gou vernement anglais, et si lesE’tats Unis n’étaient inter venus, tout l’espace compris entre la re viére de Nicaraguaet la baie de Honduras serait de venu territoire britannique comme l’est actuellementle pays de Belize. En vertu de la doctrine de Monroe, l’Amérique reste aux Amé ri-

cains et le littoral de la mer des Caraibes est restitué à la Republique du Nicaragua.”Esta afirmação do ilustre geógrafo é inteiramente falsa. A inter venção dos EstadosUnidos foi seguida da negati va de Lorde Clarendon. Em 1860, pelos tratados de28 de janeiro e 11 de fe vereiro, assinados em Manágua, a república de Nicaráguafez muitas concessões à Inglaterra quanto ao trânsito do istmo; a Inglaterra garantiua neutralidade do istmo e cedeu à república de Nicarágua o protetorado da Costado Mosquito.Em troca de concessões análogas feitas por Honduras, a Inglaterra reconheceu,com várias restrições, o domínio dessa república sobre as ilhas de Honduras pelotratado de 28 de no vembro de 1859.Nos Estados Unidos esses tratados foram considerados como vitórias da diplo-macia inglesa e foram muito atacados, pro va de que não foram celebrados, graças

aos Estados Unidos, como diz o Sr. Réclus.

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porém, foi de Panamá a Nova Iorque, foi a Washington e, como por en -

canto, toda a oposição cessou, por parte da secretaria de Estado. Anosdepois, tudo isto ficou explicado por ocasião do célebre processo de Pa -namá, e soube-se porque as influências americanas, os homens de go -

 verno de Washington deixaram de lado Monroe e a sua doutrina. Noprocesso de Panamá verificou-se que milhões de francos foram misteriosa-mente gastos para acalmar escrúpulos e sua vizar a doutrina de Monroe.Eis qual tem sido o papel dos Estados Unidos em relação à grandiosaidéia do canal interoceânico. Aquele país tem empregado toda a sua in -fluência para atrasar e embaraçar por todas as formas a grandiosa em -

presa, prometedora de benefícios para a humanidade, e isto para nãopre judicar as companhias dos caminhos de ferro transcontinentais. Émais um ser viço que lhe de vem a Colômbia, o Equador, o Peru, a Bolí viae o Chile, países cuja prosperidade tanto necessita do canal de Panamá.

Quando em 1888 a esquadra italiana ameaçou os portos daColômbia e do Equador, exigindo violentamente satisfações e indeniza-ções, que proteção às suas irmãs violentadas deu a república norte-ame-ricana?

Nenhuma.Quer-se apresentar o go verno americano aos brasileiros comoo grande amigo das nações deste continente, como o seu protetor nato.Há jornais brasileiros, de tão atrofiado patriotismo, que chegam a colocaro Brasil como que debaixo do protetorado americano, fazendo do Riode Janeiro o vassalo e de Washington o suzerano. É contra esta falsaidéia, contra este esquecimento do pundonor nacional, que queremosreagir, relembrando aos nossos compatriotas o que tem sido a políticaamericana.

Para o México, ela tem sido um algoz, e para a América Central,um inimigo.

∗ ∗ ∗ 

Continuemos agora a ver o que os Estados Unidos têm feitocontra outros países, sem esquecer a pobre república do Haiti, a quemos Estados Unidos tanto tem atormentado, a pretexto de indenizaçãopor pre juízos sofridos por americanos, nas muitas re voluções haitianas.

Haiti e S. Domingos já têm sido várias vezes ameaçados por na vios de

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guerra da união americana, sempre a pretexto de indenizações reclamadas.

E aqueles pobres países julga vam-se isentos destas reclamações; todosos seus go vernos tinham decerto, cautelosamente, expedido decretos di-zendo de antemão que não se responsabiliza vam pelos pre juízos que assuas re voltas causassem, tanto em terra como no mar!

Não é tão grande como se pensa no Brasil o empenho quetêm os Estados Unidos de que a Europa não possua territórios na Amé -rica.

 A Dinamarca já lhes quis ceder a ilha de S. Tomás; os habitan-

tes aceitaram a idéia, mas os Estados Unidos recusaram. No momentodomina va naquele país uma política de retraimento, reação do períodoanterior das in vasões do México e da América Central. O presidenteGrant mostrou-se disposto a adquirir Cuba, e hoje, que os Estados Uni-dos preparam-se com uma nova esquadra para fazer política exterior,32

as vistas americanas são para outro porto das Antilhas, para o portomagnífico do Haiti, o Molhe S. Nicolas, cuja posse é exigida pela mari-nha americana para centro da estação na val do golfo e para dominarcompletamente a passagem dos estreitos antilhanos. O go verno ameri-

cano, nestes últimos tempos, tem já tido as necessáriascomplicações com oHaiti, desa venças preparatórias para a conquista, que em documentosoficiais já ultimamente tem sido aconselhada e reclamada.

De vemos, a respeito de Cuba, mencionar de passagem aexpedição que fracassou em Round Island em 1849, a que foi batida emCardenas em 1850, a de 1851, comandada pelo caudilho López, que,batido, foi executado, com cinqüenta dos seus companheiros.33

Os patriotas cubanos que têm sonhado com a independência

da pérola das Antilhas puseram, a princípio, grandes esperanças na dou -trina de Monroe. Julgaram que os Estados Unidos não podiam deixar deprotegê-los contra a metrópole. Como poderia a águia americana con -sentir que, à sombra das suas asas poderosas, continuasse uma parte do

 A Ilusão Americana 45

32 A construção desta esquadra foi ense jo para grandes escândalos administrati vosentre o ministério da marinha e os construtores. Ficou pro vado que os construto-res e empregados superiores da marinha roubaram descaradamente o tesouro.Basta dizer que o go verno pagou como encouraçados na vios que o não são.

33 Sobre esta expedição ler: America yEspaña, de D. José Fer rer de Couto. Cádiz, 1859.

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li vre solo americano debaixo do jugo espanhol? Nova Iorque por muitas

 vezes tem-se tornado o quartel-general dos conspiradores cubanos. A legação da Espanha, em Washington, di versas vezes tem protestadocontra a quebra das leis da neutralidade por parte do go verno america-no, que tem deixado organizarem-se verdadeiras expedições armadascontra esse go verno, sem falar na célebre expedição López? A princípio,deixa que a conspiração gaste dinheiro em Nova Iorque, frete na vios,compre armas, e à última hora vira-se contra ela, a polícia americanapõe-se de acordo com o ser viço de vigilância mantido pela legação espa-nhola, e os pobres patriotas são burlados nas suas esperanças. Mais deuma vez, as expedições têm chegado a sair de portos americanos, têmaportado a Cuba e têm sido in varia velmente batidas pelos espanhóis. Ospatriotas cubanos, tal vez in justamente, acusam sempre os seus auxilia-res, americanos mercenários, de traição. Uma vez, a tripulação in teirade um na vio, composta de americanos, foi inexora velmente fuzilada emCuba e, apesar da emoção que este fato produziu nos Estados Unidos, ogo verno de Washington nem por isso tomou a defesa da causa da inde-pendência cubana. Tem sempre abandonado esta causa, vendendo à

Espanha a posse indefinida de Cuba, a troca de fa vores comerciais, isen-ções de direitos para produtos americanos, etc. O frio egoísmo e o re -quintado maquia velismo não são, pois, pri vilégio exclusi vo da negrega-da diplomacia das cortes européias.

Ninguém ignora que a república, então chamada de NovaGranada (hoje Colúmbia), concluiu com os Estados Unidos um tratadoa respeito da construção de um caminho de ferro no istmo de Panamá,o mesmo caminho de ferro que Mr. de Lesseps comprou depois por

 vertiginosa quantidade de milhões, por conta dos pobres acionistas dacompanhia do Canal.

Fez-se o caminho de ferro, e Panamá tornou-se um lugar deum trânsito espantoso. Trânsito do ouro que vinha da Califórnia e deamericanos que iam para a Califórnia. Do ouro nada fica va em Panamá,mas dos americanos alguns fica vam, e estes exerciam diariamente a suabrutalidade contra os pobres habitantes, desgraçadossouth americans des -tinados a su cumbir ao contato do yankee. No dia 15 de abril de 1856 as

pro vocações americanas cansaram a paciência dos naturais de Panamá.

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Os americanos começaram a fazer fogo de re vól ver contra os

passantes; estes reagiram a pedra, depois a tiro. Numa pala vra, hou veum tumulto enorme e muitos mortos de parte a parte. Resultado: inter- venção americana, intimação para o go verno do istmo ser independentede Bogotá (isto é, entregue aos yankees) e 400:000 dólares de indenização.

Quem, porém, de via pagar as vidas dos neo-granadinos, tira-das pelos americanos, e as suas casas incendiadas por estes? Veio o cos -tumado ultimatume o go verno de Bogotá deu-se por muito feliz por tersomente de pagar a exorbitância que lhe era exigida pela força e contratodo o direito.34

Os Estados Unidos têm muitas relações com o Peru, e estasrelações não têm trazido grandes benefícios para esta república latina.

 A república do Peru sofreu também violências americanas.Durante uma das muitas re voluções daquele país, vários na vios

americanos, entre outros a LizzieThompson e a Georgiana, apro veitan-do-se do fato dos na vios de guerra peruanos estarem com os re voltosos,empregaram-se ati vamente no contrabando do guano contra disposiçãoexpressa das leis peruanas. Os na vios de guerra re voltosos entrega-

ram-se ao go verno, fato que deu muito prestígio ao princípio da autori-dade e consolidação da república no Peru, que depois disso (1860) temgozado de inalterá vel felicidade de riqueza e poderio, como sabemos.Um desses na vios re voltosos, o Tumbes, logo que voltou ao ser viço dalegalidade, aprisionou, como era direito e de ver do go verno peruano, osna vios contrabandistas. O que fez o go verno de Washington? Reclamoucada vez mais insolentemente, rompeu as relações diplomáticas, andouprocurando nos arqui vos quanta espécie de reclamação ha via, juntoutudo, lançou umultimatum, e o pobre Peru teve de pagar.35

 A história do Peru, depois do grande período trágico e heróicoda conquista e depois de findo o domínio colonial, é bem simples. Temsido setenta anos de desgraça, que transformaram a mais rica possessão

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34 Vide Nueva Granada y los Esta dos Uni dos deAmerica, Final contestacion diplomatica.Bogotá, 1857; Manifesto dirigido á la nacion por algunos representantes sobre elcon venio Herran – Cass. Bogotá, 1858.

35 O direito do Peru é demonstrado à saciedade na correspondência oficial trocada aesse propósito entre os go vernos de Washington e de Lima. Vide Question between

theUnited States andPeru.  Diplomatic correspondence. Lima, 1861.

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da coroa espanhola num dos países mais pobres e infelizes do mundo.

Quatorze lustros de regime republicano! Hou ve, porém, um período deilusória prosperidade, e é de estranhar que então alguém também nãonos dissesse:Olhemos para o Peru! O grande período da ne vrose e da me -galomania financeira na Argentina foi o período da grande importaçãodo ouro europeu; o período correspondente, no Brasil, foi o da funda-ção das finanças republicanas, foi a época do papel. No Peru, a épocapode ser chamada a época do guano.

Durante centenas se não milhares de anos, segundo os cálcu-los do sábio Raymondi, os pelicanos do mar, as aves dos rochedos, as

gai votas das praias, re vestiram as fraldas dos penhascos, as planuras eencostas dos ilhotes e das enseadas fragosas, de uma grande e profundacoberta de de jeções que constituíram uma enorme massa de matéria al-calina e fosfatada com que a indústria começou, há uns trinta anos, a re -

 vigorar as terras exaustas pelas culturas seculares. Para os vales da Virgí-nia depauperados pela esgotante cultura do tabaco, para os campos daInglaterra e da Alemanha, foi le vado, em grandes carregamentos, o adu -bo sal vador, comprado a peso de ouro no Peru. Isto que de via ser a ri -

queza da infeliz nação foi uma causa de desgraça. O esterco, que ia aolonge fertilizar as terras estéreis, ser viu para ati var a putrefação do go - verno e do país todo. O guano foi declarado propriedade nacional e asua extração era ob jeto de concessões feitas a particulares. Os particula-res eram, em regra, parentes ou amigos dos homens do go verno, e tor-na vam-se, em todo o caso, seus sócios. O tesouro recebia grandes pro-

 ventos do guano, já em troca das concessões, já sob a forma de direitosde exportação. Foi nesse tempo que o go verno peruano viu-se presa deum bem singular moti vo de inquietação ou de susto, susto que parece

ser próprio aos estadistas financeiros, em vésperas de grandes desastres.Também no Peru se pergunta va na imprensa, no congresso, em con ver-sas particulares: O que fazer dos saldos do tesouro? Pergunta insensata!

Há um conto oriental – do homem a quem o destino deu ummilhão por dia com a condição do homem gastá-lo todo no tempocompreendido entre duas auroras.

 A falta do cumprimento desta condição era a morte do infeliz.Prazeres, gozos, prodigalidades, tudo isto bastou, nos primeiros dias,

para consumir o milhão diário. Em pouco tempo vem a fadiga, o esgo-

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tamento e debalde trabalha va a imaginação do homem para achar o

meio de es vaziar os últimos sacos de ouro que ainda esta vam cheiosquando já al vorecia a aurora do novo dia. Apareceu o Anjo da Morte eanunciou ao desgraçado o seu fim. Lamentou-se o homem: Não conseguigastar o meu milhão! E o Anjo da Morte respondeu-lhe: – É que tu es -queceste o único meio que ha via para isso! – Qual era? – Fazer o bem!

Ora, os países, vitimados pela superabundância de dinheiro,só têm um meio de escapar a esse mal, aliás singularíssimo. É fazer obem. E há tantos modos de um go verno ser benfaze jo! Não falamos desocorros públicos, de grandes esmolas coleti vas, de dinheiro distribuídopelos pobres ou pelos soldados, sinais certos estes do esfacelamento docaráter nacional, fatos próprios das tiranias expirantes e dos pretorianis-mos insaciá veis. A ciência política caminhou desde a antiguidade. Hoje,o dinheiro público, que vem do imposto, sendo mais do que é necessáriopara os ser viços públicos, o que há a fazer é pagar as dí vidas do estado,se o estado tem dí vidas. Se as não tem ou se não con vém liquidá-las porqualquer razão, não há outro al vitre honesto senão a diminuição dos im-postos.

Os Estados Unidos, há bem pouco tempo, tinham um saldoembaraçoso, uma grande reser va metálica que muito deu que falar. Poralguns anos pre valeceu, até certo ponto, nesse particular, a política ho -nesta e sensata de aplicar esse saldo à amortização da dívida. Os proteci-onistas não queriam consentir na diminuição dos impostos de entrada,que eram os que mais avoluma vam o saldo. A tentação era, porém, mu itogrande e muito pequenos eram os escrúpulos dos políticos. Em pensõesescandalosas, em subsídios in justificá veis foi malbaratado o saldo.

 Apareceu o déficit no orçamento. O tesouro, para fa voreceros ricos proprietários das minas, continuou a permitir a li vre cunhagemda prata, foi transformando um metal des valorizado numa moeda tam bémdepreciada e, em virtude da célebre lei de Gresham – que a moedadepreciada faz emigrar a moeda de valor –, o ouro emigrou para a Eu -ropa, e o país todo caiu na pa vorosa crise econômica em que hoje se de -bate, sobrenadando no naufrágio os grandes capitalistas e os homensdo monopólio, sendo, porém, a classe pobre, os operários, mergulhados

na miséria a mais negra.

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O Peru, dizíamos, achou-se em sérias dificuldades diante de

tanto dinheiro. Não lhe veio à mente a idéia de fazer o bem, que seria,no seu caso, o pagamento das dí vidas nacionais ou a diminuição dosim postos. Por essa época, o ministro das relações exteriores mandouuma circular às legações peruanas, ordenando-lhes que, con vocando osprincipais economistas dos países onde se achassem acreditadas, expu-sessem-lhes a situação financeira do Peru e pedissem àqueles luminaresda ciência conselho e opiniões para aquele gra ve caso. O Peru sofria, oPeru ia morrer tal vez e desesperado recorria à ciência, perguntando-lhequais os remédios para o seu mal, para a terrí vel doença: a pletora de

dinheiro. Variaram tal vez os al vitres, mas a doença desapareceu por si,antes de ser aplicado ao enfermo o receituário da douta faculdade. Doisgenerais de boa vontade, os generais Pardo e Prado, secundados porou tros colegas, por muitos coronéis e por um exército todo metido apolítico, acabaram com os saldos, e o Peru deixou de ser exceção na

 América espanhola, ficou tão falido como qualquer outra república,dando-se a integralização na quebradeira hispano-americana.

Nessa época de desmoralizações administrati vas que chegam

até à legenda, foi grande no Peru a maléfica influência dos Estados Unidos.Os aventureiros americanos enchiam Lima. Como no México, essesaventureiros eram apresentados pela legação americana, por ela patroci-nados, e o posto de ministro americano no Peru tomou-se muito lucrati vo.De vez em quando, lá iam boas somas de indenizações a yankees conces-sionários de guanos ou de qualquer outra cousa e que se pretendiamlesados pelo go verno. Ora, esses mo vimentos de capitais não se dãosem deixar algumas aparas nas mãos da diplomacia de Washington. Fala-

 va-se também, às vezes, em doutrina de Monroe, o que não impediu aEspanha de agredir o Peru e o Chile, bombardear Valparaíso sem quedos Estados Unidos partisse uma voz sequer em fa vor dos países víti-mas da violência daquela nação européia. A esse propósito escre via umilustre argentino:

“A doutrina de Monroe não con vém à América do Sul, e oexemplo mais curioso que citei é o desse bombardeio de Valparaíso. A esquadra norte-americana dos mares do sul assistiu impassí vel ao bom -bardeio de Valparaíso, porque, em virtude da doutrina de Monroe, as

potências européias ficam excluídas de toda a inter venção na América.

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Em virtude dessa doutrina aquela esquadra de veria opor-se ao bombar-

deio, mas para se opor eficazmente ela precisaria do apoio das esquadrasda França e da Inglaterra presentes no porto, e essas esquadras, aindaem virtude da tal doutrina, absti veram-se e deu-se o bombardeio. Poreste exemplo vê-se de que utilidade pode ser a doutrina Monroe para a

 América do Sul.”36

 Voltemos, porém, ao Peru.

O guano foi diminuindo pouco a pouco.

O go verno do Peru lançou mão do trabalho dos chins, redu-

zidos nas guaneiras a verdadeiros galés e na realidade escra vizados nasestâncias e nas fazendas de açúcar. Esse tráfico de escra vos amarelos erafeito por umas casas americanas, e quase sempre sob a bandeira estreladaque protegia a escra vidão asiática, já no Peru, já em Cuba. O porto desaída desses desgraçados era Macau. O go verno português começou ase impressionar com o escândalo, e o relatório que Eça de Queiroz,cônsul de Portugal em Ha vana, apresentou ao go verno demonstrandoas monstruosidades cometidas contra os chins apressou tal vez o fecha-mento do porto de Macau à emigração chinesa. Hou ve americanos esta-belecidos no Peru e ligados aos agricultores peruanos que se enfurece-ram com asupressão do tráfico amarelo, e foi então que se organizouuma das mais hediondas empresas de pirataria de que há notícia. Foiar mado um grande na vio, que saiu mar em fora e demandou o pequenogrupo de ilhas perdido no oceano Pacífico conhecido pelo nome de ilhada Páscoa, e que hoje foi anexado pelo Chile.

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36 Alberdi, tradução de Th. Mannequin, Paris, 1866. Antogonismeet solidaritédes états

orientaux et des états occidentaux del’Amériquedu Sud, pág. 155 – Enquanto os EstadosUnidos mostra vam esta indiferença diante do assalto da Espanha às repúblicas doPacífico, o Brasil monárquico, embora a braços com as dificuldades da guerra doParaguai, respondia ao apelo do Chile pela seguinte forma:“Correspondendo ao honroso apelo do go verno chileno, o go verno de SuaMa jestade o Imperador autoriza o abaixo-assinado a assegurar a V. Exª que, deperfeito acordo com as considerações exaradas por V. Exª, o go verno imperialnão vacilará em prestar com o maior prazer o concurso dos seus bons ofícios e doseu apoio moral para que não pre valeçam princípios que ofendam a autonomia eos legítimos interesses dos estados do continente sul-americano.”Estas pala vras são de uma nota dirigida a 7 de junho de 1864 a D. Manuel A.Tocornal, ministro das relações exteriores do Chile pelo conselheiro João Pedro

Dias Vieira, ministro dos negócios es tran ge i ros do império.

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Essas ilhas, célebres pelos estranhos monumentos graníticos

que lá deixou uma raça desaparecida, pelos vultos colossais de pedraesculpida plantados nas encostas das montanhas, por uma ci vilizaçãoignota, eram po voadas de polinésios, raça sua ve e inofensi va, de umainocência paradisíaca, que o contágio exterminador do homem ci vilizadoainda não vitimara. Os flibusteiros desembarcaram na ilha, mataram ascrianças, os velhos e quase todas as mulheres, e acorrentaram e algema-ram os homens válidos que, atirados ao porão do na vio, foram trazidospara o Peru como escra vos. Quando a notícia deste horrí vel atentadoecoou na Europa, o go verno inglês como veu-se e ordenou ao ministroda Inglaterra em Lima que informasse sobre o assunto. Verificada a exa-tidão da notícia, o go verno inglês exigiu inexora velmente que os infeli-zes escra vizados lhe fossem entregues pelos cidadãos republicanos da

 América.

Recolhidos a bordo de um na vio de guerra inglês, os desgra-çados que tinham escapado à ferocidade americana foram restituídos àssuas ilhas, de vendo sua sal vação ao espírito cristão da Inglaterra, às so-ciedades humanitárias compostas de burgueses, de mulheres religiosas ede curas de aldeia, que naquele país, que é o mais poderoso e li vre domundo, têm bastante influência para mo ver a imprensa, a opinião e ogo verno em fa vor de uns míseros sel vagens, perseguidos a milhares deléguas de distância.

Era esta, e origina va fatos desta ordem, a situação política efinanceira do Peru, quando hou ve a guerra com o Chile. Depois da utili-zação das guaneiras que esta vam quase esgotadas, no extremo sul dopaís e na costa boli viana, descobriram-se, ou antes, começaram a ser utili-

zados os chamados campos de nitrato de soda, isto é, grandes e espessascamadas dessa substância pro vindas parece que de feldspatos decom-postos pela ação das águas termais e sepultados hoje nos areais dodeserto de Atacama. Esses nitratos são, como o guano, adubos de gran de

 valor para as terras. Assim, aquela região de absoluta aridez começou adar a terras distantes a fertilidade que ela mesma não tinha. Afluírampara Atacama os grandes capitais e as grandes energias dos chilenos. A concorrência foi fatal a peruanos e a boli vianos. O Chile foi logo senhor

da indústria dos nitratos. Começaram as autoridades boli vianas a vexar

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por todas as formas fiscais e administrati vas os chilenos. Daqui inciden-

tes diplomáticos, conflitos, questões e, por fim, a guerra.Nessa guerra ha via, de um lado, o pequeno exército chileno tri -plicado pelo número de voluntários; do outro, ha via dois exércitos des -moralizados por longos anos de inter venções na política, desorganizadospelos pronunciamentos, desprestigiados pelas confraternizações, aviltadospelas traições e pelas falsidades que são a sorte comum da vida de todo oexército que se mete em política. A vitória, árdua, gloriosa nas suas difi-culdades, terrí vel nos seus efeitos, coroou a energia da administração chi -lena. A guerra esta va a findar quando se deu a célebre inter venção nor -

te-americana, episódio curiosíssimo da história da América do Sul.O ministro americano Hurlbuth era o legítimo representante

dos interesses fundidos das casas americanas e dos políticos peruanosnos escândalos da exploração do guano e dos mil negócios que, à som -bra da diplomacia norte-americana, tinham já arruinado o Peru. A vitó-ria chilena era a desorganização de toda aquela federação de interesses ede corrução. Era presidente dos Estados Unidos o general Garfield echefe do gabinete ou secretário de estado, o famoso James C. Blaine.

Singular e estranha personalidade era a deste quase grande ho -mem! Ha via nele como que um último alento do sopro heróico dos tem -pos da independência e da grandeza intelectual dos estadistas americanos.Ele era uma espécie de Hamilton, de Clay, de Webster ou de Seward, masera incompleto, era desigual e desequilibrado. Falta va-lhe a grandeza moraldaqueles vultos ou tal vez simplesmente a sua estrela. Na audácia, na vasti-dão dos seus pro jetos, era de um arro jo quase genial. Na execução, os seusmeios eram fracos, as suas hesitações eram longas, os seus recursos pare-ciam poucos, os seus aliados eram ignóbeis, seus moti vos dir-se-iampessoais e mesquinhos, tal vez imorais; a sua política era tortuosa e amise-en-scène, embora espetaculosa, nunca deu-lhe, aos olhos dos seus com -patriotas, senão esse prestígio incompleto que sempre lhe bastou paradar-lhe a audácia dos grandes intuitos sem, contudo, garantir-lhes o sucesso.

 A razão de tudo isto era, quem sabe, se simplesmente a diferença que háentre o tempo dos grandes homens a quem Blaine sucedeu na política e adegenerescência da antiga tradição dos velhos estadistas americanos.

Os pais da pátria americana, os fundadores da Constituição,

 vi veram num período histórico de pureza moral, em tempos de patrio-

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tismo e de abnegação. Blaine floresceu no império do industrialismo e

da finança, na expansão de todos os despotismos do monopólio e de to-das as corrupções da plutocracia. Não é uma simples banalidade a velhaproposição do Montesquieu de que as repúblicas precisam ter comofundamento a virtude. Esse foi o fundamento da república norte-ameri-cana. Será in viá vel e uma fonte perene de males qualquer outra repúbli-ca que não ti ver o seu berço banhado na atmosfera da virtude cí vica. Associedades políticas e as formas do go verno precisam nascer puras parater a vida longa e próspera. Os organismos políticos são como os orga-nismos animais e vegetais; quanto mais perfeitos nascem e quanto mais

robusta é a sua infância, mais garantias apresentam de duração.Nunca se viu uma república nascer disforme para a vida da

 violência, do crime, da discórdia, da corrupção e do erro para daí se adi-antar até à virtude, à paz e à verdade.

Imaginará alguém por ventura a república romana nascendocom Sylla e Catilina e acabando em Fabrício e Cincinato? A crença uni -

 versal sempre atribuiu à humanidade em seu aparecimento a frescura detodas as forças vi vas.

 A podridão é própria dos túmulos e não dos berços. O que háa esperar de um existência humana cuja infância não ti ver sido inocente?Querer justificar a corrupção e o crime quando aparecem, por

assim dizer, identificados e consubstanciados com uma república quecomeça, dizendo que tudo isto é próprio das instituições no vas, é falseara verdade histórica. Não; o nascer das repúblicas, se não for rodeado doperfume da abnegação, se não fumegarem em roda do seu berço o in -censo puro e a mirra incorruptí vel do sacrifício e do patriotismo, nãopromete e não dará nunca no futuro senão crimes e desgraças.

 A república norte-americana não teve a sua infância corroídapela corrupção, nem a sua puerícia se passou nos jogos sangrentos dasguerras ci vis. Era ela já quase secular quando o seu solo foi fratricida-mente regado pelo sangue de seus filhos; e os vícios contra os quais lu tamhoje os patriotas, as faltas que lhe apontam os pensadores, são vícios dehoje, faltas atuais, que se não podem justificar no exemplo dos antepas-sados. A lição da história da independência e os exemplos das geraçõesextintas são espelhos de virtude.

Blaine foi e tinha que ser o estadista da sua época.

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Tinha bela presença, a sua voz era insinuante, o seu olhar era

agudíssimo, o seu sorriso era cheio de finura. Foi chamado o homem mag -nético. Era um grande orador e um escritor de raça. A sua ilustração era vasta em assuntos da política nacional, deficiente no resto dos conhecimen-tos humanos, mas o seu talento supria tudo. Fez-se grande e subiu por si.Os seus ad versários atribuíam-lhe grande número de capitulações de cons -ciência com os interesses de grandes financeiros, e a sua pobreza sabida eraum pouco contraditória com o luxo de sua vida, com o seu belo palácio deWashington, com os vastos salões, cheios de ob jetos de arte e de retratos,bustos, estátuas, medalhas, quadros, gra vuras e mil outras recordações de

Napoleão, herói da especial admiração de Blaine. O estadista republicanotinha idéias dominadoras e o temperamento cesariano. De todas as paredesda casa de Blaine, o olhar profundo de Bonaparte cra va-se nos visitantes.Napoleão não terminara a conquista da Europa e nos abismos dos seuspensamentos esta va a ambição de dominar o Oriente e a Ásia. Blaine via napolítica mais do que a arte de ganhar eleições; o seu talento de orador pediatal vez um teatro igual ao teatro em que representam os Gladstone e os Sa-lisbury. Debaixo das ogi vas de Westminster, a pala vra da eloqüência pode

decidir a sorte de um povo. Nas estreitezas do sistema presidencial, o presi-dente pode ser um incapaz, um incompetente teimoso, armado de imensopoder contra o qual são inúteis todos os esforços do talento. Blaine sen -tia-se afogado naquele meio, e toda a sua imaginação vol via-se para a políti-ca exterior. Na política exterior ele foi o lison jeiro por excelência do espíritoda dominação americana sobre todo o continente. Ele imagina va a águiaamericana pairando, de pólo a pólo, com as asas poderosas expandidas. A águia simbólica ele não a via protegendo os fracos com a sua sombra,como acredita a ingenuidade de alguns sul-americanos. Ele queria que ela

dominasse, que o seu olhar perscrutasse as solidões geladas do pólo, os va-les profundos dos Andes, as planuras do Amazonas, a vastidão dospampas e o infinito dos mares. Ele queria que o bico adunco daquele pás -saro apocalíptico rasgasse os inimigos, e que as garras colossais se apoderas-sem de todo o continente de Colombo. Blaine no poder era uma ameaçapara toda a América.

Quando chega va ao seu termo a guerra do Pacífico, Blaine erasecretário de Garfield, e teve uma ocasião de tentar fazer pre valecer a

política que ele mesmo chamou a política imperial dos Estados Unidos.

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O presidente Ha yes, embora ti vesse sido derrotado pelos elei-

tores, acaba va de exercer o seu mandato usurpado, ocupando ilegalmentea cadeira de presidente em que o colocara um voto fraudulento doSupremo Tribunal encarregado da apuração eleitoral. O patriotismo deseu competidor, o presidente eleito, Tilden, preferiu deixar o usurpadorna suprema magistratura a abrir um conflito que le varia, com certeza, opaís a uma nova guerra ci vil. O general Garfield, apenas eleito, confiou adireção da política internacional a Blaine, e a atenção deste vol veu-selogo para a luta entre o Chile, o Peru e a Bolí via.

 A primeira destas nações esta va em vésperas de colher o frutodas suas árduas vitórias, impondo aos vencidos uma paz garantidora dosinteresses, da tranquilidade e da segurança do Chile no presente e nofuturo. Começaram a se agitar no Peru e em Nova Iorque os interessadosamericanos, sócios de peruanos e boli vianos nas concessões de guanos e naextração dos nitratos. A consagração da vitória chilena era o fim definiti vodo regime das concessões, dos pri vilégios e dos mil abusos, tão úteis aosamericanos, na desordem financeira do Peru e da Bolí via. O ministro ame -ricano Hurlbuth, em Lima, os seus colegas generais Adams, em La Paz, e

Kilpatrik, em Santiago, entraram na combinação. Era preciso uma inter- venção dos Estados Unidos em fa vor dos vencidos, e contra o Chile, e embenefício direto dos especuladores americanos e seus sócios.

 Já dissemos que, por ocasião da guerra do Paraguai, os minis-tros americanos Washburn e o general Mac-Mahon constituíram-se osdefensores acérrimos de López, foram seus comensais, testemunhas, e,pelo silêncio, cúmplices das suas horrí veis atrocidades. Iludido pelas no-tícias dos seus diplomatas, o go verno de Washington considerou López,

por muito tempo, como a vítima simpática do bárbaro exército aliado.Foi preciso que o ilustre coronel Von Versen, que há pouco morreu ge -neral do exército alemão e ajudante de ordens do Imperador GuilhermeII, foi preciso que este europeu, um dos prisioneiros de López que maissofreram na sua tirania, fosse libertado depois de Lomas Valentinas pelomarquês de Caxias e, indo aos Estados Unidos, escre vesse a verdadesobre López, para desfazer no espírito do go verno de Washington indis-posição que, contra o Brasil, tinha criado a falsidade das informações di-plomáticas. O go verno americano este ve até em termos de mandar uma

esquadra à América do Sul para proteger López.

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Em relação ao Chile, deu-se a mesma cousa. O go verno ameri-

cano quis arrancar do Chile o resultado das suas vitórias. As informaçõesdos ministros americanos no Pacífico medraram depressa no ânimo deBlaine, sempre disposto à politica da inter venção, da arrogância e de quasedespotismo em relação aos outros países da América. Os especuladores doguano e dos nitratos falaram-lhe de grandes lucros para o comércio ameri-cano e, entre a administração americana e os especuladores, hou ve acordos,combinações e arran jos muito suspeitos. Em resultado disto tudo, Blainedespachou para o Chile, como medianeiro de paz, Mr. Trescott, que le va vacomo seu secretário Mr. Walker Blaine, filho do Secretário de Estado. O

en viado extraordinário, em missão especial, le va va instruções de proteger atodo o transe os interesses dos homens dos guanos e dos nitratos e ordempara, esgotados os meios suasórios e de conciliação destinados a apressar apaz, dar um ultimatumao Chile, impondo-lhe dentro de certo prazo aretirada das suas tropas do território do Peru e da Bolí via. Era a maisbrutal inter venção, a mais in justificá vel das prepotências.

Mr. Trescott, em Lima e em Santiago, tinha-se posto de acordocom o ministro da França, e sua ação contra o Chile de via ser con junta

com a da diplomacia francesa. Era interessada nesta questão dos guanosuma grande casa judia, os Dreyfus, de Paris, de quem fora ad vogado o en -tão presidente da República francesa, que os jornais republicanos, nessetempo, chama vam ainda o íntegro Grévy, alguns anos antes do processoem que ficou pro vado que o seu genro Wilson tinha, no palácio do presi-dente, agência montada de venda de empregos e condecorações.

Onde esta vas ó doutrina de Monroe!? As duas grandes repú-blicas do mundo acha vam-se reunidas num esforço comum em razãodos interesses pessoais dos seus chefes. Os Estados Unidos, que são

contra a ingerência européia em negócios americanos, associaram-se auma nação européia contra uma nobre república sul-americana numaempresa de verdadeira extorsão.

Neste ínterim, numa estação de caminho de ferro, em Washing-ton, ao lado de Blaine, caía assassinado pelo fanático Guiteau o presidentedos Estados Unidos, o general Garfield. Em menos de vinte anos, dois pre -sidentes dos Estados Unidos eram assim trucidados: Lincoln e Garfield.

O presidente assassinado foi substituído pelo vice-presidente

 Arthur. Diz-se que os príncipes herdeiros são em geral os chefes da opo -

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sição. Nas repúblicas, o vice-presidente é o inimigo natural do presidente

efeti vo. Quem é segundo é sempre contra quem é primeiro. Nas repúbli-cas sul-americanas, o vice-presidente acaba, quase sempre, conspirandocontra o presidente, muitas vezes depondo-o, a menos que, mais pronta-mente, o presidente em exercício não suprima por qualquer forma o seuri val. Nos Estados Unidos as cousas não chegam a este ponto, mas os

 vice-presidentes que têm assumido o go verno têm feito sempre o contrá-rio dos seus antecessores. A subida de Arthur foi um grande golpe paraBlaine e para a sua política. Enquanto o diplomata Trescott acha va-se noChile, foram pouco a pouco transpirando na libérrima imprensa america-

na, imprensa que atra vessou mais de um século sem a menor coerção, im-prensa que, mesmo durante a tremenda guerra ci vil, não sofreu grandespeias nem restrições as notícias vagas a princípio e depois afirmati vas epositi vas do conluio de Garfield, de Blaine, e dos negociantes de NovaIorque contra o Chile. Acha va-se reunido o Congresso, e nos EstadosUnidos o go verno não ousa sonegar documentos nem esclarecimentos decerta ordem ao Poder Legislati vo. A comissão dos negócios estrangeiros,da Casa dos Representantes, ocupou-se da missão Trescott e, numa reu-

nião, le vantou-se o deputado democrata Perry Belmont que, com pro vasnas mãos, demonstrou a iniqüidade e a vergonha do go verno americano irser o procurador dos especuladores peruanos e americanos junto ao Chile.

 A impressão foi imensa nos Estados Unidos. O go verno chileno, comuma audácia extraordinária, mandou aparelhar os seus encouraçados, em -penhados na guerra contra o Peru, à espera do ultimatumde Mr. Trescott.

 Viesse esse ultimatum, e os na vios de guerra chilenos partiriam para S.Francisco para vingar a afronta. O presidente Arthur, porém, pôs um ter-mo ao grande escândalo. Despediu Blaine do poder e substituiu-o pelo Sr.Frelinghuysen. Este telegrafou logo a Trescott dizendo-lhe que se retirassedo Chile, e teve a franqueza de dar ao ministro chileno em Washingtonuma cópia das instruções de Blaine a Mr. Trescott. Deu-se então um inci-dente de um cômico singular. O ministro dos negócios estrangeiros doChile perguntou a Mr. Trescott se era verdade que ele tinha ordem deapresentar-lhe umultimatum. Trescott negou a pés juntos. Então o ministrochileno mostrou-lhe a cópia das próprias instruções dadas a Trescott.Desmoronou-se tudo, e assim terminou, no opróbrio e na vergonha, a

orgulhosa embaixada que os Estados Unidos mandaram ao Pacífico!

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Blaine, porém, e o espírito de intrusão e de prepotência diplo-

mática que existe em certos meios americanos, ti veram, anos depois, a suadesforra. Rompera a guerra ci vil no Chile, e Blaine acha va-se de novo nasecretaria de Estado, ser vindo desta vez com o presidente Harrison, quemais tarde também o despediu. Os homens de grande superioridade inte-lectual são, nas repúblicas, pouco compatí veis com a mediocridade doscírculos go vernamentais. Desde o começo da guerra ci vil chilena o minis-tro americano Patrick Egan, anarquista irlandês de mau nome, declarou-seem fa vor dos insurgentes, protegendo-os por todos os modos com que -bra manifesta dos seus de veres. Como é sabido, os principais chefes da

re volução eram os homens mais ricos do Chile, grandes capitalistas, in -dustriais e banqueiros opulentos. Esta circunstância explica tal vez a singu-lar atitude da legação americana. Derrotado e aniquilado o partido de Bal-maceda, hou ve reclamações americanas, já por pre juízos sofridos, já pordesacatos feitos a marinheiros americanos. O novo go verno chileno, aindaem luta com mil dificuldades, pediu um prazo. A resposta que lhe deu ogo verno americano foi a ordem à esquadra de mandar alguns encouraça-dos a Valparaíso e um insolentíssimo ultimatum. O go verno chileno teveque ceder. Blaine tirou a sua desforra, e mais uma vez o go verno deWashington humilhou uma república sul-americana.

Temos visto que não há país latino-americano que não tenhasofrido as insolências e às vezes a rapinagem dos Estados Unidos. Paraterminar, lembraremos dois fatos acontecidos com o Paraguai e com a

 Venezuela.

Em 1853 o Paraguai fez um tratado-geral de comércio e na vega-ção com os Estados Unidos. O Senado americano não ratificou o tratado,mas apesar disso o go verno de Washington nomeou seu cônsul no Para-guai o Sr. Hopkins. Este senhor, apesar das suas funções consulares, pre -tendeu logo, à moda americana, ganhar muito dinheiro em mil especula-ções. Embalde tentou le vantar capitais em Londres e em Paris. Teve então aidéia genial de comprar em Nova Iorque um na vio em péssimo estado(não é de hoje que ali se vendem na vios avariados!) e fê-lo segurar por60:000 dólares.

Este na vio naturalmente naufragou na viagem, e com odinheiro do seguro Hopkins achou-se à testa do capital necessário para

fundar a “Companhia do comércio e na vegação do Paraguai”.

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Este cônsul tornou-se logo exigentíssimo junto do go verno

paraguaio, e foi tão insolente que o go verno de Assunção cassou-lhe oexequatur . Para se ver li vre de embaraços, Hopkins declarou que a sua se -gurança pessoal esta va ameaçada, assim como a dos seus compatriotas, ereclamou o auxílio do na vio de guerra americano Water  Witch, e esteauxílio lhe foi dado. O Sr. Hopkins, à testa de marinheiros armados,desembarcou e foi ao consulado buscar os papéis da tal companhia.

Esta vam as coisas neste pé quando a situação ainda mais seagra vou. O comandante da Water  Witch quis passar por um canal, cujotrânsito era proibido aos na vios. O forte de Itapiru fez alguns tiros de

pól vora seca para pre venir o americano. Este, porém, desprezou o aviso,e respondeu com uma descarga geral de bala contra o forte, que por sua

 vez fez-lhe fogo vivo e certeiro que causou sérias avarias aWater  Witch,onde morreram muitos marinheiros, mas, e só então, o na vio americano

 virou de bordo, desistindo do seu propósito.

O go verno de Washington mandou contra o Paraguai uma es -quadra de vinte na vios e de dois mil homens de desembarque, para extor-quir à pobre república um milhão de dólares que lhe reclama va o Sr. Hop-

kins. Esta esquadra custou ao go verno perto de sete milhões de dólares dedespesas, e voltou de Monte vidéu graças à mediação do go verno argentino,sendo celebrado um tratado em virtude do qual as reclamações de Hopkinsforam su jeitas a uns árbitros, e estes declararam, como não podiam deixarde declarar, inteiramente fantásticas as reclamações do cônsul americano.

O Paraguai, porém, não obte ve reparação alguma pela violaçãodo seu território cometida pelo agente americano.37 

O fato com Venezuela é também característico. O go verno

americano tinha uma porção de reclamações contra a Venezuela, a pro -pósito de pre juízos sofridos por cidadãos americanos durante as guer-ras ci vis venezuelanas. Pela con venção de 25 de abril de 1866 foi no -meada uma comissão mista que, em 1868, deu sentença contra a Vene-zuela, obrigando esta a pagar 1.253:310 dólares.

 Ve rificou-se mais tarde que o comissário americano Da vidM. Talmage, e que o ministro americano em Caracas, ajudados pelo

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37 Cal vo, Droit internationaI théoriqueet pratique, § 1.268.

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americano William P. Murray, formaram uma sociedade para ganhar di -nheiro com o negócio, já defraudando os próprios reclamantes america-nos, exigindo-lhes 40 e 60 por cento das indenizações concedidas, já pre ju-dicando o go verno da Venezuela, admitindo reclamações fraudulentas,aumentando mesmo estas reclamações para mais folgadamente pode remos reclamantes pagar-lhes as percentagens. Isto ficou pro vado perante acomissão dos negócios estrangeiros do Senado americano em 1878.38

 Ainda ultimamente desembarcou em Nova Iorque um general venezuelano que, como go vernador de um estado, era acusado de tercausado certo pre juízo, em Venezuela, a um cidadão americano.

Contra todas as leis, este general foi preso a pedido do ameri-cano e su jeito em processo por ato de go verno praticado na sua pátria!Não há nação latino-americana que não tenha sofrido nas

suas relações com os Estados Unidos.Demonstrado isto, voltemos de novo a falar do que tem sido

as relações entre o Brasil e os Estados Unidos.

II

 Já mostramos, de passagem, a frieza com que no século pas -sado Jefferson acolheu a idéia da independência do Brasil, e o procedi-mento indigno do go verno de Washington denunciando ao go vernoportuguês as aberturas dos re voltosos de Pernambuco em 1817. Vimosa demora no reconhecimento da nossa independência, vimos o ministroamericano no Rio fazendo causa comum com a violência do go verno deCarlos X contra o Brasil e, de passagem, aludimos as intrigas americanasem fa vor de López e contra o Brasil, a República Argentina e o Uruguai.

Nesses conflitos, porém, o amor-próprio brasileiro sempresaiu vencedor, porque de um lado esta va a integridade dos nossos ho mensde Estado, e do outro a diplomacia flibusteira e gananciosa dos EstadosUnidos. O ministro americano Washburn, que tanto intrigou contra oBrasil no acampamento paraguaio, traiu por fim os seus amigos López emadame Lynch, que o acusa vam de ter desencaminhado valores que lheha viam confiado em depósito.

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38  Defensa delos derechos deVenezuela, Caracas, 1878.

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Washburn escre veu um li vro, que é a sua condenação,39 e, ao

mesmo tempo, a pro va de que aquele diplomata americano, como todosaqueles com quem nos encontramos neste trabalho, votou aversão espe-cial ao Brasil. Da própria narrati va de Washburn (vol. II, pág. 180)tira-se a pro va da veracidade da acusação de espionagem que era feitacontra ele.

 Adiante (pág. 558) confessa que os valores lhe foram realmen-te entregues por madame Lynch, que esti veram na sua casa guardados,mas que ele, Washburn, ignora o seu paradeiro, supondo que foram en-terrados algures (!).

O exército brasileiro e a armada são cobertos de ridículo e decalúnias pelo ministro americano.

 A batalha de Riachuelo é descrita como uma cousa vergonhosapara nós (pág. 10, vol. II), e Caxias é vilipendiado.

 As indelicadezas, as incorreções, as faltas de Washburn foramtão gra ves que os oficiais da marinha americana, que se acha vam no Pa -raguai, romperam com ele. Washburn ataca-os com violência, qualifican-do de “per versa e de antipatriótica” a atitude dos oficiais superiores,

seus compatriotas (pág. 467, vol. II).Depois de Washburn veio Mac-Mahon, cuja amizade pelomé-

nageLópez-Lynch foi sempre firme. Mac-Mahon e Washburn dizem-secousas bem desagradá veis nos seus escritos posteriores. Só estão deacordo nas in júrias contra os brasileiros.

Esta polêmica fez escândalo nos Estados Unidos, e o go vernoabriu um inquérito em que figura vam Washburn, Mac-Mahon, os oficiaisDa vis, Kirkland, Ramsey e dois aventureiros Bliss e Masterman. Toda a

gente in juriou-se no inquérito, fizeram-se gra ves acusações uns aosoutros, sendo uma verdadeira vergonha aquela la vagem oficial de roupasuja, aquela briga de ministros com almirantes, de almirantes com minis-tros, etc.40

Durante a guerra do Paraguai o ministro americano generalMac-Mahon, em desprezo de todos os usos internacionais, escre via para

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39 Washburn, History of Paraguay, 2 vols.

40  Paragua yan Investigation. Report of Co mit teeof Foreign af fairs.

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os jornais americanos41  artigos difamatórios dos aliados. Dizia que

López era inocente das crueldades que caluniosamente lhe imputa vamos aliados, que as centenas de mortes atribuídas a López tinham sidoperpetradas pelos brasileiros, enquanto os paraguaios trabalha vam nastrincheiras;42 que o povo brasileiro era fraco e efeminado;43 que o seuexército (a cuja co vardia o diplomata americano constantemente alude)era composto de escra vos e galés;44 que a “honra nacional” como nós aentendemos na zona tórrida é coisa bem di versa da honra nacional ame-ricana, etc.

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41 Vide Harper’s NewMonthly Maga zine, vol. XL.42 Vide Harper’s NewMonthly Maga zine, vol. XL, pág. 423.43 Ibidem, pág. 428.44 Ibidem.

Segundo um correspondente do Paísde New York, este nosso velho inimigo vol-tou agora à cena numa circunstância humilhante para o Brasil.“O United States Ser vice Club recebeu solenemente o almirante Benham. O dis-curso de felicitação foi proferido pelo general Mr. T. Mac-Mahon, muito conheci-do no Brasil como amigo particular de So la no Ló pez e nosso implacá vel difama-dor durante a guerra do Paraguai.“Eis o discurso: ‘Almirante. Preferiria nada dizer para não colocar-vos na contin-gência de fazer um discurso, o que será para vós uma prespecti va terrí vel; entre-tanto é necessário que eu exprima a satisfação de vos ver entre nós, e vos mani-feste quanto nos encheis de justo orgulho, não só como cidadão americano comona qualidade de oficial da nossa armada. O vosso procedimento no Brasil foi ins-pirado pelo de ver em honra da nação e da sua bandeira. Que ele era indispensá vel,posso afirmá-lo pela experiência pessoal de um quarto de século. Era necessáriopara con vencer aqueles amigos nossos (se são com efeitos amigos) que a naçãoamericana nada perdeu ain da do seu pres tí gio, que será man ti do sem pre à facedo mundo inteiro. O vosso proceder demonstrou que o direito internacional das rela-ções do nosso país não pode ser desrespeitado impunemente. As repúblicassul-americanas de vem ser-nos agradecidas pelo que fizemos e estamos fazendo

por elas, ou antes, pela humanidade, com o exemplo que lhe damos.’“O almirante respondeu: ‘Do fundo do coração agradeço-vos cordial recepção queme fazeis. Quanto ao meu procedimento no Brasil e aos efeitos que ele tenha pro -duzido, penso que, sem contestação, concorreu para tornar-nos bons amigosdaquele país. Esta ami za deba seia-seno respeito, etalvez emalguma cousa mais(That friend-ship is founded on respect with perharps a lit tle tin ge of something else).’“Estas pala vras”, diz o correspondente do País, “pro vocaram uma tempestade deaplausos e gargalhadas.”“Seguiram-se oscocktails do estilo e um grande bródio, em que foi nota dominantedo humor yankee a pilhéria do almirante, considerada genuína e rude expressão da

 verdade.”Eis como um almirante americano diz de ver ser a amizade do Brasil para com os

Estados Unidos. Respeito e... alguma coisa mais, isto é, medo e subser viência!

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Entretanto os fatos eram os fatos, e, sendo inegá veis as vitórias

brasileiras, o americano nosso inimigo expli ca va o sucesso das armasbrasileiras pela seguinte forma:“D. Pedro, no modo por que tem dirigido a guerra, dá a melhor

pro va da sua extraordinária habilidade; é um rei sábio e perfeito. E alémdisso, está cercado de conselheiros que, se ti vessem a honestidade comumque só a nossa raça saxônia dá aos indi víduos como aos go vernos (!),poderiam ser colocados ao par dos primeiros estadistas do nosso tempo.Isto dá grande força à diplomacia do Brasil, enquanto que a habilidadedos seus financeiros tem-lhe permitido manter ileso o seu crédito.”

Washburn teve várias conferências com o general em chefe doexército aliado, o marquês de Caxias, e diz cinicamente que, em troco deuma grande quantia, López de via aceitar a paz nas condições que o Brasilqueria. Nos arqui vos do Ministério da Guerra, no Rio de Janeiro, há ofíciosdo marquês de Caxias bem pouco honrosos para Washburn.45

Não foi só pela corrupção que a diplomacia norte-americanase distinguiu. Falamos já da violação do território marítimo do Brasilpor um na vio de guerra americano. Ve jamos as particularidades do fato.

No mês de outubro de 1864, o vapor confederado Flórida e ona vio federalWachusset acha vam-se ancorados no porto da Bahia. O pri-meiro desses na vios, que tinha entrado no porto para consertar as suasavarias e para tomar víveres, recebeu a ordem, que executou, de se colo-car ao lado da cor veta brasileira Dona Januária. Na manhã do dia 7 deoutubro, o na vio federal americano deixou o seu ancoradouro e aproxi-mou-se do Flórida. Ao passar pela proa da cor veta brasileira, recebeu or-dem de voltar para o seu ancoradouro. Esta ordem foi desobedecida e,momentos depois, ou viam-se tiros trocados entre os dois na vios ameri-canos. O comandante brasileiro mandou um oficial a bordo do Wachus-set, e o comandante deste vaso de guerra prometeu ao oficial nada tentarcontra o Flórida. Faltando indignamente à sua promessa, o comandanteamericano tomou repentinamente a reboque o Flórida e foi saindo com elefora do porto sem dar tempo ao na vio brasileiro, que confiara na pala vrade um militar de opor-se ao atentado. O que aumenta ainda a re voltante

64 Eduardo Prado

45 Ofícios de Caxias ao ministro brasileiro em Buenos Aires, de 13 de março de

1867; idem de 15 do mesmo mês e ano ao ministro da Guerra.

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deslealdade é que o cônsul americano na Bahia tinha dado sua pala vra

de honra às autoridades brasileiras de que o Wachusset respeitaria a neu-tralidade do território do Brasil e, na ocasião em que o atentado foi co-metido, o cônsul esta va a bordo do Wachusset. O comandante do Flórida,confiando na neutralidade do território do Brasil e na pala vra do co -mandante americano, tinha deixado desembarcar quase toda a sua mari-nhagem, e, apro veitando-se disso, oWachusset traiçoeiro o atacou.

O go verno de Washington deu todas as satisfações possí veis aoBrasil, mas cometeu a indelicadeza final de mandar pôr a pique o Flórida noporto de Hampton Roads, para não entregá-lo ao Brasil, e depois disse

oficialmente que um incidente impre visto tinha causado a perda do Flórida.Outro fato:Em 1842 a barca peruanaCarolina, em conseqüência de grossas

avarias, arribou ao porto de Santa Catarina. Não ha via ali cônsul perua-no, e as autoridades nomearam uma comissão de exame que condenouo na vio, o qual por isso foi vendido de conformidade com as leiscomerciais brasileiras.

O na vio esta va seguro em Nova Iorque e em Filadélfia, e as

companhias acionaram perante os tribunais do Brasil o capitão americano,acusando-o de ter obtido por fraude a condenação. A condenação foi re vo-gada e a venda anulada, mas o capitão tinha desaparecido com o dinheiro.

Um certo Wells, antigo cônsul americano demitido por indeli-cadezas no exercício do seu emprego, comprou os direitos das compa-nhias de seguros e intentou uma ação contra o go verno do Brasil. Ogo verno americano transmitiu a reclamação ao ministro dos EstadosUnidos no Rio de Janeiro, mas o go verno brasileiro, com toda a razão,recusou-se a pagar, e o go verno americano, que então luta va com asdificuldades da guerra ci vil, recomendou até ao seu ministro que nãole vasse as cousas por diante. Era ministro americano no Rio o Sr. Webb,que por essa ocasião reconheceu a in justiça da reclamação.

Ora, em 1867 o Sr. Webb mudou de opinião e, depois de seter encontrado com Wells, nos Estados Unidos, o ministro começou afa zer exigências, e no momento em que ia sair um paquete para aEuropa o Sr. Webb ameaçou romper as suas relações diplomáticas como go verno do Brasil se este não pagasse. O go verno arca va então com as

grandes dificuldades da guerra do Paraguai e temeu o mau efeito que

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produziria na Europa a notícia de um rompimento com os Estados

Unidos. Pagou, mas debaixo de protesto, a quantia de £ 14:252 ao câm -bio de 16, taxa que naquela época se considera va desastrosa, porqueainda não se tinham visto os câmbios de 10, de 9 e 8¾ que fazem hojea glória das finanças republicanas.

Em 1872, o ministro do Brasil em Washington, Sr. Car valhoBorges, solicitou da Secretaria de Estado um novo exame da questão, eo ad vogado do go verno americano opinou que o Brasil tinha sido víti-ma de uma extorsão, e que a quantia lhe de via ser restituída com os res -pecti vos juros.

De conformidade com esse parecer, o go verno americanomandou entregar à legação brasileira a quantia de £ 5:000. Falta vam pois£ 9:252 que a legação reclamou, pois Webb tinha recebido £ 14:252,conforme mostrou com recibo do próprio Webb; este diplomata tinhades viado, pois, £ 9:252, de cujo paradeiro não pôde dar conta. Só em1874 é que finalmente o go verno de Washington reembolsou o Brasil daquantia total.46

Não foi esta a única reclamação de dinheiro que, com mais violência que razão, nos fizeram os americanos, além das reclamaçõesde Raguet e Tudor.

Em 1849, o go verno brasileiro viu-se constrangido a ceder auma nova e importante reclamação feita então pelo ministro americanoDa vid Tod. Adiante veremos a justiça e a moralidade dessa reclamação.O fato, porém, é que a 20 de janeiro de 1850 foi ratificada uma con vençãoamericano-brasileira pela qual o Brasil paga va aos Estados Unidos qui -

nhentos e trinta contos (530:000$000 réis) que o go verno americanodistribuiria entre os reclamantes.

Da vid Tod exultou. A 23 de agosto de 1840 escre vera ao seugo verno: “Quanto mais examino este assunto e reflito sobre ele maisme con venço de que este negócio foi muito satisfatório, e a quantia re -cebida muito suficiente para serem pagos todos os reclamantes.” Tod,porém, órgão dos reclamantes negociantes americanos do Rio, insistia

66 Eduardo Prado

46 Cal vo, Droit international théoriqueet pratique, § 1.269.

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para que a distribuição fosse feita no Rio e não em Washington debaixo

das vistas do go verno americano.

47

 O ministro Tod e os americanos do Rio não conseguiram, po-rém, que o comissário encarregado de distribuir esse dinheiro viesse fa -zer este trabalho no Rio de Janeiro. O go verno americano nomeou paraessa comissão o Sr. Geo P. Fisher, e o relatório deste funcionário é curio-síssimo. Desse relatório vê-se que os reclamantes americanos, em regra,não podiam apresentar pro va nenhuma dos seus direitos, que eram namaior parte fantásticos.

Depois de, durante dois anos, ou vir todas as reclamações, o

comissário Geo P. Fisher dizia:“A quantia paga pelo go verno do Brasil, em virtude da con -

 venção de 1849, foi de 500:000$000 réis que perfizeram 300:000 dólares.“Ora, pagas as quantias que já foram atribuídas e as quantias

reclamadas restará um saldo de 130:000 a 150:000 dólares, isto é, maisou menos, metade do que o Brasil pagou.

“Acho que o nosso go verno vai ficar em posição esquerda emrelação ao go verno do Brasil, que terá razão de se queixar da in justiça

que sofreu.”48

Este documento, melhor do que qualquer outra demonstração,pro va a cônscia má-fé com que foram feitas as reclamações norte-americanas.

∗ ∗ ∗

Nos países sul-americanos, e alguns há onde, apesar das re volu-ções, os cargos de ministro são ocupados por homens instruídos e conhe-cedores da história diplomática; há uma grande pre venção contra a políticaabsor vente, in vasora e tirânica da diplomacia norte-americana. A última vezque foi ministro de negócios estrangeiros do Brasil o visconde de Abaeté,este estadista teve notícia de que se trama va em Nova Iorque uma expedi-ção de flibusteiros contra o Pará e o Amazonas e, se a legação brasileira emWashington não contrariasse ati vamente a conspiração, tal vez chegasse a sereproduzir no vale do Amazonas um novo atentado, igual ao da expediçãodo pirata Walker contra a América Central.

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47 U. S. Houseof Representatives docs. 31 st. Congress, vol. 7, doc. 19.

48 U. S. Houseof Representatives docs. Congress, 32. Sess. I. 1851-52.

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Estas pretensões americanas sobre o Amazonas tornaram-se

então ameaçadoras. Em seguida à exploração feita no grande rio pelo te-nente Herndon, da marinha americana (que aconselhara aos brasileiros ouso da força para os índios, em vez da catequese),49 começou a agitaçãoamericana a propósito do Amazonas.

Foram despachados agentes diplomáticos para o Peru e para aBolí via, com o fim de le vantarem os go vernos daqueles países contra oBrasil e de os aconselharem a pedir o auxílio dos Estados Unidos.

O célebre geógrafo e meteorologista americano Maury escre- veu um violento panfleto contra o Brasil,50 que foi vitoriosamente res -

pondido por De Angelis.51 Fala va Maury, não na con veniência que oBrasil teria com a abertura do Amazonas à na vegação, mas no direitodos Estados Unidos de nos forçarem a isso.

 As intrigas americanas não foram bem recebidas no Peru,mas a Bolí via hesitou um pouco, e tanto bastou para começar nos Esta -dos Unidos a conspiração flibusteira a que aludimos.

Prepara va-se evidentemente uma in vasão armada do Amazonasquando o ministro do Brasil em Washington interpelou numa nota positi va

o go verno americano, perguntando-lhe se seria permitida tal pirataria.O Secretário de Estado, respondendo ao ministro52 que tãooportuna e energicamente reclama va pelos interesses do Brasil, res-pondeu por duas vezes53 que “os funcionários da União, com conheci-mento decausa, não facilitariam a partida de nenhum na vio que fosse

 violar as leis do Brasil”, e que “a empresa que ti vesse por fim forçar aentrada do rio seria ilegal e implicaria violação dos direitos do Brasil, eque, se algum cidadão da União ti vesse a temeridade de intentá-la,sobre ele cairia o rigor da lei”.

Declarações igualmente categóricas tinha já feito o go vernoamericano ao México em relação ao Texas, e de via mais tarde fazê-las à

 América Central, e estas declarações não impediram os atentados queconhecemos.

68 Eduardo Prado

49 Vide Herndon.TheValley of theAma zon.50 TheAma zon and theAtlanticslo pes of South America. Washington, 1853. 51  Dela navegacion del Ama zonas. Monte vidéu. 1854.52 O Sr. barão do Penedo.

53 Notas de 20 de abril e de 23 de setembro de 1853.

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O go verno do Brasil não diminuiu a sua vigilância, denuncioumais de uma conspiração planeada por Maury, oficial da marinha ameri-cana e funcionário público, e por seus companheiros. Uma vez este veaparelhada uma expedição, e só à última hora foi detida em Sandy Hookà saída do porto de Nova Iorque.

Todos estes americanos, nos seus escritos, fala vam muito dosinteresses comerciais dos Estados Unidos nos seus capitais imensos queesta vam ansiosos por um emprego no Amazonas. Chegou o momentodas circunstâncias da política permitirem a decretação da liberdade dana vegação, e não apareceram os tais capitais americanos. Os magníficos

 vapores que hoje sulcam o Amazonas são os de uma companhia inglesa,que tem sido o maior propulsor do progresso e do enriquecimento daregião amazônica. Isto, porém, não quer dizer que os americanos não te -nham mais vistas sobre o grande rio sul-americano.

O general Grant, num discurso pronunciado em 1883, numarecepção ao general mexicano Porfirio Díaz, chegou a dizer que osEstados Unidos necessita vam de três coisas somente, porque o restotudo tinham no seu país. As três coisas eram: café, açúcar e borracha. Eo general disse:Seja como for , ha vemos de ter café, açúcar e borracha.

O general acentuou bem a fraseSeja como for (by any means), e noMéxico esta frase foi tomada quase como uma ameaça. O problema doaçúcar esta va até certo ponto resol vido pela absorção das ilhas Havaí,que, embora não admitidas na União americana, estão, para to dos os finspráticos, como que anexadas aos Estados Unidos;

O café, julga va o general Grant que viria com o México. A borracha, para tê-la, é preciso ter o Amazonas.No Havaí a usurpação americana foi simples e rápida. A raça

indígena, isto é, perto de um milhão de habitantes, raça que tem a bran-

dura de índole própria de todo os polinésios, ha via perto de um séculoque ia sendo educada por missionários de várias nações, e tinha chegado

 já a um grau de ci vilização que lhe permitiu constituir um go verno regu-lar. Há no arquipélago uns quinhentos americanos e uns seis ou oito milportugueses. Pois bem, os americanos, auxiliados por um vaso de guerrado seu país, expeliram do go verno os indígenas, e, fazendo desembarcartropa, tomaram conta de todo o país, excluindo inteiramente os ha vaia-nos de toda a administração de sua terra. Os go vernantes americanos, im -postos pelas baionetas, decretaram a federação com os Estados Unidos

tal qual queriam tal vez os insensatos brasileiros que em 1834 apresenta-

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ram um pro jeto análogo na Câmara dos Deputados. O Congresso deWashington não quis a anexação do Havaí, mas ficou aquele país semprego vernado pelos americanos. Esta grande e clamorosa iniqüidade, esteabuso da força, não encontra justificati va.

Os empregados públicos e jornalistas oficiais e oficiosos queescre vem no Brasil dizem-se muito entusiasmados pela amizade dosEstados Unidos, e facilmente conseguirão tal vez iludir a boa fé dos bra -sileiros.

 A política internacional dos Estados Unidos é egoística, ar -rogante às vezes, outras vezes submissa, segundo os interesses da oca -

sião. E, em todo o caso, ela nunca se deixa guiar por sentimentalismosde forma de go verno.Durante a guerra franco-prussiana, depois de 4 de setembro,

isto é, depois da proclamação da república, quando a França continua vaa arcar com o inimigo alemão, os Estados Unidos manifestaram, por to-das as formas, as suas simpatias pelo império teutônico contra a repúbli-ca latina. A realeza e a aristocracia européia têm um imenso prestígionos Estados Unidos. Toda a ambição da enorme colônia americana naEuropa é aproximar-se das cortes. Não há família americana de algumafortuna que não tenha, nos seus pratos ou nas suas colheres, algum bra -são, um mote nobiliárquico, um elmo ou qualquer outra cousa heráldica.É com des vanecimento que elas querem, à força, ligar os seus apelidosobscuros aos nomes fidalgos do Reino Unido, pretendendo sempre des-cender da nobreza. O li vro da nobreza inglesa Burke’s Peerageand Barone-tage é sabido de cor pelas senhoras americanas, cuja maior ambição ésempre casar com fidalgos europeus, ir vi ver na Europa, deixando o

 velho Uncle Sam lá do outro lado do Atlântico.

Essa tendência admirati va em relação a todos os ouropéis darealeza pro vém, decerto, de que, a muitos respeitos, os Estados Unidossão ainda uma colônia. A ci vilização vem-lhe da Europa, e por isso oamericano, desde o mais rude até ao homem mais eminente, perguntasempre ao estrangeiro: Então o que acha deste país? Tal qual como oparvenu enriquecido gosta de mostrar a sua casa, os seus carros, aohomem de boa sociedade e, dando a beber ao gentleman elegante os seus

 vinhos preciosos, pergunta-lhe com insistência: Então, que tal acha?Ora, as americanas entendem que o fidalgo é mais competente

em matéria de elegância e de apuro social do que qualquer outro indi ví-

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duo. Daí a preferência das americanas pelas nações aristocráticas da

Europa. Isto quanto aos indi víduos. Quanto ao go verno, também nãohá dú vida que os Estados Unidos são mais amigos da Inglaterra e da Alemanha, apesar da França ser república.

E esta preferência pela Alemanha, por parte do go verno ame-ricano, chegou até à brutalidade por ocasião da guerra franco-prussiana.O ministro americano em Berlim, Bancroft, homem ilustre por seusaber, o que é raríssimo entre a diplomacia americana, que é ordinaria-mente a escória da politicagem, pri va va com o Imperador Guilherme ecom Bismarck, e a sua atitude foi sem generosidade e sem tato. Acom -panhou o Rei da Prússia em campanha, e os seus despachos para Was -hington, publicados pouco depois, eram insultuosos para a França.Girando ao redor das negociações de armistícios e de paz, foi sempreum ser vidor zeloso da Alemanha. O general americano Sheridan jul -gou-se tal vez muito honrado por ser admitido como ajudante de ordensdo príncipe Frederico Carlos, e tomou parte em toda a campanha, pres -tando bons ser viços ao exército alemão. Sheridan era um americanonotá vel, um ilustre general, e com ele ser viram contra a república fran -

cesa grande número de oficiais norte-americanos. E o general Grant?Esse era presidente dos Estados Unidos, e numa mensagem ao Con -gresso americano, em 1870, felicitou a Alemanha pelas suas vitórias, emostrou-se jubiloso com a derrota da França.

Foi a 7 de fe vereiro de 1871, isto é, seis meses depois da quedade Napoleão III, contra quem o go verno americano podia ter ressenti-mentos em razão da guerra mexicana, foi seis meses depois da procla-mação da república na França, que o presidente Grant expediu a sua

célebre mensagem ao Congresso, mensagem insultuosa para a França, eem que exalta va o go verno li vre da Alemanha e apro va va a guerra de1870, e a conseqüente anexação da Alsácia e da Lorena. Dias depois,Grant, recebendo o ministro da Alemanha, disse-lhe que o go vernoamericano não podia deixar de simpatizar com a Alemanha na luta queela acaba va de sustentar, e por esse tempo Bancroft escre via a Bismarck felicitando-o pela sua obra “destinada”, dizia o americano “a re ju venes-cer a Europa”. Todas estas baixezas que tinham um mesquinho fim elei-toral, isto é, ganhar os votos dos alemães nos Estados Unidos, ficaram

imortalizadas por Victor Hugo, que pergunta va:

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 Est-cedonc pour cela quevint sur sa frégate

 La fa yettedonnant la main à Rochambeau?

54

72 Eduardo Prado

54 Certes, que le Peau Rouge admire le Borusse.C’est tout simple; il le voit aux brigandages prêtFau ve atroce; et ce bois comprend cetteForêt;Mais que l’homme incarnant le droit de vant’ l’Europe.L’homme que de ra yons Colombie en veloppeL’homme en qui tout un monde héroïque est vi vant,Que cet homme se jette a plat ventre de vantL’affreux sceptre de fer des vieux âges funèbresQu’il te donne, ó Paris, le soufflet des ténèbres,..................................................................................Qu’il montre à l’univers sur un immonde charL’ Amérique baisant le talon de César,Oh! cela fait trembler toutes les grandes tombes!Cela remue, au fond des pâles catacombes,Les os des fiers vainqueurs et des puissants vaincus!Kosciusko frémissant ré veille Spartacus;Et Madison se dresse et Jef fer son se lève;

 Jackson met ses deux mains de vant ce hideux rêve;“Déshonneur!” crie Adams; et Lincoln étonnéSaigne, et c’est au jourd’hui qu’il est assassiné...................................................................................Bancroft, este fica para sempre imortalizado pela extraordinária ode que o poetalhe dedicou:

BANCROFTQu’est ce que cela fait à cette grande France?Son tragique dédain va jus qu’à l’ignorance,Elle existe te ne sait ce que dit d’elle un tasD’inconnus, chez les rois ou dans les galetas.Sa yez un va nu pieds ou so yez un ministre,

 Vous n’avez point du mal la ma jesté sinistre; Vous bourdonnez eu vain sur son éternité. Vous l’insultez. Qui donc avez-vous insulté?ElIe n’aperçoit pas dans ses deuils ou ses fêtes,L’espèce d’ombre obscure et vague que vous êtes.Tâchez d’être quelqu’un. Tibère, Gengiskan

So yez l’homme fléau, so yez l’homme volcan,Ou examinera si vous valez la peineQu’on vous méprise. Sinon, allez-vous en. Un nainPeut à sapetitesse ajouter son veninSans cesser d’être un nain et qu’importe l’atome?Qu’importe l’affront vil qui tombe de cet homme?Qu’importent les néantsqui passent et s’en vont?Sans faire remuer la tête énorme, au fond,Du désert où l’on voit rôder le lynx féroce,Le stercoraire peut prendre avec le colosseImmobile à jamais sous le ciel étoilé,Des familiarités d’oiseau vite en volé.

 Vid. Aron, Les républiques soeurs.

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Esta inqualificá vel grosseria, esta quebra dos usos da mais

comezinha urbanidade entre as nações, esta falta de generosidade,en vergonharia decerto a sombra dos grandes homens que fundaram osEstados Unidos, que fizeram a sua independência com o auxílio daFrança, e que junto aos muros de Yorktown foram os companheiros deLafa yette e de Rochambeau. Quando, anos depois, o general Grant fezuma viagem ao redor do mundo, quis em Paris apartar-se um pouco doque aconselha o Baedeker, guia dos via jantes, e dese jou ver VictorHugo. Sem dú vida ha via chegado aos ou vidos de Grant o nome do poetadas Orientais, embora, ignorante como era o general, decerto nunca ti -

 vesse lido um só verso do vate imortal. Mandou pedir uma audiência.Foi terrí vel a cólera do velho Hugo. Em termos violentos, disse ao en viadode Grant que nunca receberia semelhante miserá vel alar ve (un tel gou jat).Este episódio da vida de Victor Hugo é bem diferente da con vi vênciado Imperador do Brasil com o autor de NotreDame deParis.

Outro fato:Em 1891 (o caso foi publicado e discutido), o capitão Borup,

adido na val dos Estados Unidos em Paris, foi surpreendido em flagrante

espionagem feita a fa vor da Alemanha. Ficou verificado que documentosque este diplomata americano solicitou para o seu go verno do ministérioda guerra francês, ele os comunicou traiçoeiramente à Alemanha.

∗ ∗ ∗

Em 1883, falecendo nos Estados Unidos o chefe socialistaalemão, Lasker, o Congresso de Washington, no mesmo ano em queeram presos e enforcados os socialistas de Chicago, mandou uma men -sagem de pêsames pela morte de Lasker, ao Reichstag alemão, e nessamensagem elogia vam-se as idéias e os ser viços do socialista. O Congres-so acha va muito bons na Alemanha os mesmos princípios que o go ver-no americano perseguia no seu território.

O go verno alemão de vol veu a mensagem estranhando-a, oque não deixou de en vergonhar os seus autores. Por essa época, ha via océlebre conflito entre os Estados Unidos e a Alemanha, porque esta re -cusa va receber a carne de porco infeccionada de triquina que lhe vinhada América, e Bismarck declarou que não trataria mais com um tal Mr.

Sargent, ministro americano em Berlim, que se tinha mostrado incorreto

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e incon veniente. A moralidade de tudo isto é que a subser viência do go -

 verno americano à Alemanha em 1870-1871 não conquistou a estima dogo verno do Imperador Guilherme.Não foi somente naquela época que hou ve americanos entusias-

tas pelo vencedor e pelo mais forte. Na guerra da China, em 1859, uma es -quadra americana, neutra, pois a expedição contra a China era anglo-fran-cesa, esta va ancorada no Peiho, quando, a 25 de junho daquele ano, hou vecombate entre os beligerantes. Inesperadamente, sem moti vo nem aviso, osna vios neutros americanos, ao mando do comodoro Tattnal, romperamfogo contra os chins. Esta deslealdade não teve outro moti vo senão o de -

se jo de figurar, foi umsport. É verdade que, com chins não fazem os ameri-canos grandes cerimônias. Os pobres chins são linchados nos Estados Uni -dos sem nenhuma forma de processo, sendo até às vezes queimados vi vos.Nem com eles há respeito pela fé internacional. Os Estados Unidos obti ve-ram da China um tratado de amizade, comércio e na vegação, em virtude doqual era li vre a entrada e saída dos chins e dos americanos, reciprocamente,nos dois países. Pois, não obstante a solenidade desse compromisso nacio-nal, o Congresso americano votou uma lei proibindo a entrada dos chins

nos Estados Unidos. Não teria mais audácia na quebra da pala vra da nação,a mais maquia vélica chancelaria carunchosa da Europa decrépita. A política americana, em relação aos índios que ela ainda não

acabou de exterminar, é uma política de ferocidade inacreditá vel nestefinal do século XIX. Os documentos oficiais que se referem à adminis-tração dos índios são trágicos.55 

Os inquéritos sucessi vos têm demonstrado que o roubo é aregra, quase sem exceção, no trato do go verno americano com os índi os.O go verno falta com cinismo à fé dos tratados, mata os índios à fome ea tiro, rouba-lhes as terras onde os instala. Os empregados na adminis-tração dos índios são de uma desonestidade pro verbial nos EstadosUnidos. Não há uma voz que conteste isto, e há muitos li vros americanosem que as particularidades desta longa campanha de sangue, de morticínio,de roubo e de incêndio vem miudamente narrados.56 

55 Official Reports of the war department or the department of the interior.56 Resume muito bem essa questão e confirma com mil casos o que dizemos o

seguinte li vro: A century of Dishonour by H. X . London, 1881.

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 A história dos tratados dos Estados Unidos com os países do

Extremo Oriente está cheia de imposições violentas, de trapaças e deatos de má-fé. Os americanos têm sido na China os maiores contraban-distas de ópio, e é péssima a sua reputação.57 Em 1828 o go verno chimexpediu um decreto especial contra as fraudes norte-americanas. Essedecreto foi a resposta dada a uma súplica dos negociantes americanosde Cantão. Ve jamos o tom em que aqueles orgulhosos republicanos sedirigiam ao vice-rei de Cantão:

“Prostrados”, diziam eles “prostrados aos pés de V. Exªsupli-camos-lhe que se digne lançar as suas vistas sobre nós e estender até nósa sua compaixão...”

“Não há melhor pro va da exageração das reclamações ameri-canas contra a China, diz o americano James A. Whitney,58 do que ofato da soma que a China nos pagou ultrapassar as exigências dos recla-mantes ao ponto de um grande saldo estar ainda no tesouro americanosem ha ver quem o reclame. E é preciso lembrar”, continua o mesmo au -tor, “que as reclamações originaram-se de pre juízos reais ou supostosque os americanos diziam ter sofrido em 1856, por ocasião do bombar-

deio de Cantão pelas forças inglesas ou dos trabalhos de defesa entãoefetuados pelo go verno chim. E deve-se lembrar ainda que o nosso pró-prio go verno virtualmente simpatiza va com o bombardeio. Dois anosdepois, um oficial da nossa esquadra, embora esti véssemos em paz coma China, secundou a ação dos ingleses contra as fortificações da embo-cadura do Peiho. Cinco anos depois, estando nós ligados à China porum tratado de paz e amizade, dois na vios americanos e quatro lanchasquiseram, à força, le vantar carta de um canal. Os americanos já esta vampreparados para uma recusa por parte dos chins, o que era muito justo enatural. Os chins opuseram-se, mas os canhões americanos impuseramsilêncio às baterias de terra, e, alguns dias depois, cinco dos fortes chine-ses foram arrasados pelos na vios americanos, sendo mortos 250 chins.

“Quanto ao perigo que correram as nossas forças, faça-sefacilmente uma idéia dele dizendo que perdemos três homens.”

57 Quarterly Review, vol. LXII, pág. 150.

58 James A. Whitney, TheChineseand theChineseQuestion, New York, 1880, pág. 41.

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 Ao Japão os Estados Unidos extorquiram um tratado, e assim

foi nas ilhas Samoa onde os americanos não só aceitaram uma espéciede protetorado ou condomínio con junto com a Alemanha e a Inglaterra,como tomaram aos indígenas parte da ilha de Tutuila, como depósito decar vão. Assim foi em Sião e em Madagascar, países onde a indústriaamericana quer introduzir os seus produtos de fancaria, falsificando asmarcas, e, a despeito das con venções internacionais, rotulando, como in-gleses, os seus algodões inferiores e outros produtos de manufatura dis -farçados fraudulentamente.

Tratados de comércio! Eis aí a grande ambição norte-america-na, ambição que não é propriamente do povo, mas sim da classe plutocrá-tica, do mundo dos monopolizadores que, não contentes com o mercadointerno de que eles têm o monopólio contra o estrangeiro, em virtude dastarifas proibiti vas nas alfândegas, em detrimento do pobre que se vê pri -

 vado de grande benefício que a concorrência uni versal lhe traria com oforçado abaixamento dos preços. Esta classe plutocrática go verna o povoamericano com muito mais rigor e tirania do que o Czar da Rússia empre-ga na suprema direção de seu povo. Ela suga a sei va americana, e, pratica-

mente, pelo poder do ouro, tem pri vilégios reais e positi vos muito maio-res do que os da nobreza e do clero na Europa, nos tempos passados. A milionocracia domina os caminhos de ferro, as docas, as fábricas e, dassobras dos seus pro ventos, tira com que go vernar, e subsidiar e con verterem seus ser vos obedientes todos os políticos dos Estados Unidos, paísúnico na história do mundo em que a simples designação do político (politi-cian) tornou-se, com muita e muita razão, uma verdadeira in júria.

Os plutocratas americanos não se satisfazem já com o mercado

nacional que o protecionismo lhes entregou. Nas suas indústrias emprega-ram eles já capitais enormes que exigem remuneração. Em igualdade decondições, eles não podem concorrer nos mercados do mundo com osprodutos manufaturados da Europa. O protecionismo que permitiu nosEstados Unidos a criação das imensas fortunas industriais trouxe também oencarecimento da vida e, com ele, a ele vação dos salários, que já de siseriam mais ele vados do que na Europa pela raridade relati va damão-de-obra perita e técnica (killed labour ). Sendo os salários mais ele vados,o custo da produção é maior do que na Europa, e por isso, na concorrência

uni versal, os Estados Unidos são vencidos pelos produtores europeus.

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Sendo assim, a indústria americana sucumbe sob o peso da sua

produção exagerada. Daí a crise industrial, agra vada pelo des valor de parteda moeda, a moeda de prata, porque, como já dissemos, até em matéria decunhagem de moeda os legisladores americanos têm querido e têm conse-guido proteger os milionários em detrimento do povo. Como conseguiriamos proprietários das grandes minas de prata vender por bom preço o seumetal, se o valor deste não se manti vesse pelas compras contínuas do te -souro americano que adquiria barras de prata para transformá-las em moe-das? Tanta moeda de prata cunhou o tesouro americano que rompeu oequilíbrio do valor entre a moeda de prata e a moeda de ouro. A supera-

bundância rebaixou a prata, encareceu o ouro e o ouro emigrou para o es -trangeiro. Moeda desigual e em parte depreciada, eis o que o protecionismoproduziu no sistema da circulação monetária dos estados. A estagnação daindústria, pro veniente do excesso de produção e da sua incapacidade paraconcorrer no estrangeiro com os produtos europeus, agra va-se de dia emdia. Há quinze anos, os americanos diziam que no seu país não ha via ques -tão social, que os tumultos operários, as lutas e as crises pro venientes dasdificuldades do proletariado eram males das velhas sociedades européias,

que na li vre América ha via espaço, luz e comida para todos os pobres, sobo regime do trabalho. Hoje, o que é que vemos? A questão operária é maisterrí vel e mais ameaçadora nos Estados Unidos do que na Europa.

O proletário americano tem uma organização de ataque e de de -fesa contra a sociedade que na Europa ainda não foi igualada. Parece que,na Europa, a chamada paz armada, com a consciência do perigo que correa própria existência nacional em vista da hostilidade de vizinhos poderosos,dá ainda a consciência de que é necessária a união para garantir a existênciada própria pátria. Nos Estados Unidos, a questão social tem uma gra vidadeúnica. Grande parte da massa operária é estrangeira, estando ainda na pri -meira fase da existência do imigrante, fase intermédia, na qual tendo-se des -prendido da pátria antiga ainda não adotou a pátria nova. A massa dos imi -grantes é constituída por uma verdadeira seleção de entre os operários dosrespecti vos países de origem. Seleção de fortes, de enérgicos, de resolutos,pois, o simples ato de emigrar é uma pro va de espírito audacioso. Quemnão du vidou abandonar a pátria do seu nascimento não tem escrúpulos emperturbar a pátria adoti va. Por isso, nas dificuldades da luta social, o exér -

cito operário, nos Estados Unidos, é mais de temer do que na Europa.

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 A política financeira e econômica dos Estados Unidos produ-

ziu, depois de uma notá vel expansão industrial, uma reação extraordiná-ria. O operário hoje não tem trabalho, ou, quando o tem, o patrão nãopode remunerar esse trabalho como noutro tempo, embora o operárioprecise sempre do mesmo dinheiro, porque o preço da vida não baixou.

Sem dú vida, a questão operária é de todos os países, e o pro -blema da riqueza e da pobreza é tão antigo como o mundo. Todas as so -luções desse problema são soluções muito relati vas e sempre pro visórias.

 A antiguidade tinha a escra vidão, que é um modo de dar umacerta estabilidade e organização ao proletariado coagindo-o a trabalhar eobedecer. O cristianismo acalmou as re voltas da miséria humana quandoexacerbada pela pobreza, prometendo o céu e a felicidade futura e fa -zendo do próprio sofrimento um título à ventura eterna. A sociedadepagã apela va para a força material dominando materialmente o proletá-rio; a sociedade cristã prendia-o pelas cadeias, ainda mais fortes, da es -perança e da fé. O espírito moderno suprimiu a escra vidão e deixou defalar no céu. O operário foi abandonado, e a ciência não encontrou aindauma fór mula que substituísse a escra vidão da antiguidade ou a crença na

outra vida que o cristianismo infundia.Nos Estados Unidos, a agitação operária é mais gra ve do que

na Europa, porque o operário não tem nenhuma das peias materiais enão tem os incenti vos morais que em parte o dominam na Europa e deque ele se acha liberto na América.

 As monarquias européias preocupam-se seriamente em melho-rar a sorte dos operários. As monarquias têm todo o interesse em adiar eevitar a grande crise do proletariado, porque as dinastias sabem que, numa

grande catástrofe social, os tronos desapareceriam.59

 Nas repúblicas nãohá esse interesse de conser vação que leva os go vernantes a querer bemgo vernar por interesse próprio. Na república tudo é transitório; os ho -mens sabem que, quer encham o seu país de benefícios, quer acumulem

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59 Ainda ultimamente, num congresso, em Milão, vimos os representantes da Ale-manha cesarista e da Itália monárquica manifestarem-se a fa vor das pensões aosin vá li dos do trabalho, enquanto que os en viados da república francesa Yves Gu yote Léon Say, republicanos, opuseram-se com ardor a essa medida humanitária, já

adotada na Alemanha.

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erros sobre erros e cheguem até ao crime, terão, em certo período, de dei-

xar o poder, e, se a república comete faltas gra ves, mudam-se os homens,continuando sempre a república, ainda que seja para repetir as faltas quese procura, em vão, reprimir com a periodicidade das re voluções. A repú-blica, bem que seja pessoalíssima quanto à influência dos funcionários,beneficia de uma espécie de impersonalidade que a torna irresponsá vel.Na gestão dos negócios e dos dinheiros públicos, a monarquia arrisca asua própria existência; é como que uma firma solidária que responde coma sua pessoa e com a totalidade de seus bens. A república é uma compa-nhia anônima de responsabilidade limitada. E conhecemos países onde o

simples nome de companhia é quase sinônimo de desonestidade. A história demonstra que as repúblicas, uma vez falseadas,

nunca se regeneram. Cada forma de go verno tem a sua tendência, e temo seu modo peculiar de resol ver os sucessi vos problemas da histórianacional. Tomemos, por exemplo, os Estados Unidos e o Brasil, ambosem frente do mesmo problema: a abolição da escra vatura.

Ti veram os Estados Unidos a sua solução genuinamente re -publicana e norte-americana, isto é, a solução pela violência, pela força,

pelo grande fragor da guerra fratricida. Teve o Brasil uma solução genui-namente brasileira e monárquica, a solução que todos vimos, soluçãoque excedeu os sonhos dos otimistas mais humanitários. Por venturade veremos en vergonhar-nos da solução que soubemos e podemos darao problema e sentir o não termos imitado os Estados Unidos tambémnesse ponto? Dissemos que no Brasil o problema escra vo teve uma so -lução monárquica, não só porque a monarquia brasileira teve a glória deser punida pela sua ação libertadora, como porque, desde que o mundoé mundo, nenhuma grande reforma social se realizou sem ser debaixoda ação de um go verno monárquico. Ouçamos um dos mais profundospensadores do século, Dollinger: “O testemunho da história nos demons-tra que a solução das questões sociais, a reforma das instituições, a abo -lição de abusos tradicionais, realizam-se com mais facilidade e segurançanum go verno monárquico do que numa república. Quando a corrupçãoda república romana chegou aos seus extremos limites, todos os roma-nos inteligentes admitiram a impossibilidade da república reformar-se asi mesma e a ine vitá vel necessidade da monarquia. O mesmo aconteceu

com a república polaca e com a república francesa no tempo do diretório.

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“Se os Estados Unidos, em 1862, ti vessem um monarca em

 vez de um presidente eleito por poucos anos, certamente lhes teria sidopossí vel dirigir o problema ser vil para uma solução pacífica, evitandouma sangrenta guerra ci vil, cu jos efeitos ainda perduram.”60 Isto dizia oilustre pensador em 1880, e oito anos depois os fatos vieram dar-lhera zão, porque o único país monárquico da América foi também o únicopaís que pacificamente extinguiu a escra vidão.

O seu destino manifesto, o seu natural instinto de conser vaçãoleva as monarquias a procurarem resol ver os problemas sociais, enquantoque as oligarquias republicanas temem esses problemas e adiam-lhes

in definidamente as soluções.E é por isso que vemos as monarquias européias, compreen-

dendo o perigo e o encargo da sua responsabilidade, encarando de fren teo problema do proletariado que, nos Estados Unidos, é desleixado pelospoderes públicos. Na Europa há, na velha tradição monárquica, a remotalembrança da antiga aliança da realeza com os burgueses contra ossenhores feudais, que eram os opressores dos fracos. Hoje, os opressoressão os burgueses que confiscaram em seu pro veito todas as chamadas

conquistas da re volução de 1789. O capitalismo semita ou não semitagoza hoje de pri vilégios reais e efeti vos muito mais vexatórios do que ospri vilégios antigos da nobreza e do clero. No antigo regime, a nobrezapouco a pouco ia-se enfraquecendo, e o terceiro estado ia-se fortalecendo.Na vida moderna o capital cresce por si mesmo, cada vez mais se avoluma,e é fora de dú vida que a fatalidade faz com que os ri cos fiquem cada

 vez mais ricos e os pobres, cada vez mais pobres. A forma republicanaburguesa, como existe na França o nos Estados Unidos é a que maisprotege os abusos do capitalismo. Há como que uma repercussão de

antigas eras, nos tempos de hoje, quando vemos de um lado a ferocidadeburguesa contra o proletário, abroquelando-se em leis protecionistas, emmonopólios industriais, e falando a todo o momento emprincípio da auto-ridade,em direito da legalidade, emobediência.61

60 J. I. von Dollinger, tradução inglesa sob o título: Studies in European History, trans-lated by Margaret Warre. London, 1890, pág. 24.

61 Dizia Stendhal que quando se começa a falar muito no princípio de alguma cousa éporque essa cousa já não existe. Fala-se muito hoje no Bra sil emprincípio deauto-

ridade. É porque já não exis te a au to ri da de, que foi subs ti tu í da pela opres são.

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Do outro lado vemos o representante das velhas tradições do

Santo Império Romano e o Papa, procurando estender a mão aos ope -rários, que afinal são a força, são o número, são a justiça e serão o poderde amanhã. O Papa e o Imperador, com a compreensão superior quelhes dá a fé nos seus destinos, estão vendo que no vos tempos de reno-

 vação social se aproximam, e que é preciso, na imensa Bastilha em que aburguesia re volucionária encarcerou o proletariado, rasgar uma janelapara o azul. A aliança da Igre ja e do Império, com a multidão infelizcontra a burguesia gozadora que se diz republicana ou pelo menosdemocrática, é o grande fato do findar deste século. A Alemanha preo-

cupa-se com a sorte dos operários; Bismarck fez votar a célebre lei garan-tindo a velhice e a in validez do trabalhador; o socialismo penetrou nasaltas esferas do go verno inglês, e ele já existe de fato na grande demo-cracia russa consagrado em usos e instituições seculares. Ainda há muitopor fazer, mas as grandes monarquias deram o sinal, e este foi principal-mente o congresso europeu que o Imperador Guilherme II forçou a sereunir em Berlim para estudar os meios de melhorar a sorte dos proletá-rios. O mo vimento está iniciado; onde ele encontra mais resistência é na

França, baluarte da burguesia republicana, e nos países latinos que maisou menos se inspiram do espírito francês. A Igre ja patrocina o socialismocristão, e não o faz somente por pala vras. Por um instinto admirá vel, oproletariado inglês compreendeu que nada podia esperar da sua Igre jaoficial, e, na grande crise de 1890, o seu arauto, o seu chefe, o juiz dasua causa, o seu paladino, foi o velho cardeal Manning, que reconcilioupatrões e operários, feito digno dos tempos heróicos da Igre ja. NosEstados Unidos e na Austrália há a aliança tácita da Igre ja e do proletaria-do. Ve jam-se os esforços do cardeal Gibbons e de Monsenhor Ireland, eadmire-se como o mo vimento operário nos Estados Unidos ganhou emgrandeza com o influxo da Igre ja.

 A classe dos donos de caminhos de ferro, dos monopolistas edos industriais que a ferocidade do protecionismo enriqueceu em detri-mento do conforto e do bem-estar do pobre, armam-se, nos EstadosUnidos, de grandes recursos para a batalha suprema que têm de tra var,mais dia menos dia, com o povo americano. O go verno e os políticos deWashington são os representantes diretamente interessados ou indireta-

mente subsidiados que hão de procurar por todos os meios proteger os

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ricos e os satisfeitos contra os famintos. Os financeiros e os monopolis-

tas americanos votam ódio à Europa, porque para lá se escoou o ouroamericano, e porque na Europa os go vernos estão dando o exemplo dadefesa das classes operárias. O defensor desses monopolistas, maisconhecidos, é o Sr. Andrew Carnegie, um escocês prodigiosamente enri-quecido nos Estados Unidos, e que, no fim da vida, figura em todas asmanifestações antieuropéias ou antes antiliberais que se dão nosEstados Unidos. O Sr. Carnegie é dono de umas fundições gigantescas eautor de uns li vros em que exalta o capitalismo, a felicidade da riqueza ea superioridade dos Estados Unidos, país que ele apresenta como o pri-

meiro do mundo. O mais conhecido dos li vros do Sr. Carnegie cha-ma-se Democracia Triun fante, li vro ricamente impresso que na primeira pá-gina traz uma coroa real in vertida e um cetro quebrado para indicar a vi-tória da democracia. O li vro é mal escrito, é insolente e, para dar umaidéia do seu modo de argumentar, diremos apenas que, querendo pro var asuperioridade artística dos Estados Unidos sobre a Europa, ele diz que assalas de espetáculo são maiores em Den ver e em Cincinnati do que emParis e Londres. No mais, o Sr. Carnegie entoa um hino entusiasta à feli-

cidade do povo americano, cuja existência, segundo o autor, é um idíliosem fim. O Sr. Carnegie fala do bem-estar do operário americano, dasua ca sinha risonha à beira de campos sempre verdes e de águas murmu-rantes e, em raptos bíblicos, quase que diz que os rios são de leite e demel. Ora, a ser isso verdade, que paraíso não de via ser o estabeleci-mento in dustrial do Sr. Carnegie, as célebres fundições de Homestead?Pois bem! Em 1891 rompeu em Homestead uma greveterrí vel, pro voca-da, como depois demonstrou o inquérito oficial, pela dureza do proprie-tário que, do infeliz operário, exigia um horrí vel máximo de trabalho atroco de um mínimo ridículo de salário. Não parou aí o patriarcal e idílicoSr. Carnegie. Nos Estados Unidos, a polícia consente que existam gran-des e poderosas agências que se encarregam de fazer a polícia por contados particulares, e são muitas vezes empregadas em obras de vingança ede evidente criminalidade. A mais conhecida destas agências, a agênciaPinkerton, organizou por conta de Carnegie um verdadeiro exército de dete-tives, armados de re vól veres e de carabinas, destinados a reprimir os ope-rários re voltados, verdadeiros bravi como os da Itália medie val ou antes

capangas, como diríamos no Brasil. Os Pinkertons entraram em guerra

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com os operários, hou ve grandes tiroteios, muitas mortes, ataques por

terra e por água, assédios, uma verdadeira guerra. A imprensa indig-nou-se e exigiu explicações do go verno, de como deixa va ha ver no seuterritório uma verdadeira guerra sem inter vir a autoridade, e verberou oescândalo de se consentir que um milionário pudesse ter assim tropasorganizadas ao seu ser viço. Onde iria parar, pergunta vam os jornais, esteabuso? Os Pinkertons foram algumas vezes batidos e noutras trucida-ram sem piedade os operários que tinham a felicidade de vi ver na li vre

 América, tendo como patrão o intransigente republicano Sr. Carnegie. Apesar do imenso escândalo que produziu na opinião pública americana

a carnificina de Homestead, as tropas federais e do Estado respecti vomanti veram-se inertes. Quanto a Carnegie, logo aos primeiros sinais dotumulto, refugiou-se na velha, na tirânica Europa, porque, alvo do jus toódio dos operários e incurso nas leis penais, a permanência na tal Demo-cracia Triun fantepoderia ser-lhe desagradá vel. Com o go verno e comos tribunais, Carnegie, na sua qualidade de milionário, muito facilmentese arran jaria. Não tinha sido ele o grande protetor eleitoral do presidenteHarrison? Com os operários, a coisa era mais difícil, e o apologista da

democracia plutocrática deixou-se ficar tranqüilamente na Europa.Este episódio de Homestead nós o mencionamos porque é tí-pico e cheio de re velações para o futuro da América republicana. O po-der do milionário não encontra nos Estados Unidos nenhum correti voeficaz nas leis ou na ação da autoridade pública. Tudo lhe é lícito, tudolhe é possí vel. Isto entrou tanto na consciência nacional que os homensmais cultos do país, os seus escritores, os seus sábios, os seus poetas, osseus filantropos, evitam todo o contato com a política, por que sabemque as posições políticas são dadas a homens subser vientes, pelos mag -natas da finança. Noutros países do continente, os homens de valor des-denham ser políticos, porque não querem ser títeres irresponsá veis nasmãos do militarismo. Em todo o caso o resultado é o mesmo, porque,quer tenha de ser ser vidor dos financeiros, quer tenha de ser o instru-mento dos militares, o homem público perde, com a sua dignidade, asua independência. Eis aí a situação do político na América.

O milionário empregará até agora a arma poderosíssima da cor -rupção. O Sr. Carnegie foi um ino vador; com o dinheiro organizou uma

força e com ela bateu os que perturba vam a sua indústria. Isto foi tal vez

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um ensaio. Em pouco tempo, os milionários e bilionários americanos orga-

nizarão exércitos. Ha vendo dinheiro, há meios para se defender qualquerindi víduo, e quem sabe se, no futuro, não ha verá nos Estados Unidos guer-ras indi viduais como as da idade média? A instituição dos mercenáriospode deixar de ser pri vilégio dos go vernos que, sentindo-se fracos no inte-rior, procuram no estrangeiro braços para defendê-los e coragem e ambi-ções para sustentá-los. Em bre ve ha verá mercados francos de armamentose de in venções bélicas; alugar-se-ão, por meio de agências, capitães valentes,soldados decididos, que reno varão os feitos das tropas mercenárias deCartago ou dos suíços e lansquenetes da Renascença. Quanto custa um

general? Por quanto um almirante? Alugar-se-ão Temístocles por mês,Nelsons por empreitada e Napoleões a tanto por dia, com comida.

Os go vernos que têm chamado mercenários, tarde ou cedoti veram de se arrepender. A lealdade do mercenário é nula, e o país quelhes cabe defender é muita vez a sua primeira vítima. O estrangeirochamado para, a qualquer título, tomar parte nas lutas nacionais, tor na-se,depois da luta, uma calamidade. O mesmo acontecerá tal vez com ocapitalismo; os braços que ele ti ver armado contra o proletariado se

 voltarão um dia contra ele. O imaginoso no velista Edmund Boisgilbert,escre vendo no intuito de adi vinhar o que vai ser a vida das geraçõesfuturas, no seu romance Coesar’s Columndescre ve a grande luta armadaque os pensadores vêem como ine vitá vel no por vir norte-americano.62

Nesse li vro, vê-se o capital onipotente dominando exércitos e tudo ven-cendo à força do ouro, que põe ao seu ser viço todos os progressos daciência aplicada, todos os requintes do gozo e todos os meios materiaisde destruir e sub jugar as multidões. Há contra essa longa tirania umaimensa re volta; o capital defende-se, a mortandade é horrí vel e a socie-dade americana rui com entrondo, numa catástrofe absoluta. A imagina-ção do literato é grande, mas a in venção do escritor corresponde a umsecreto instinto de todos. Hoje, o industrialismo ainda tem algumasesperanças de se sal var e o povo não tem ainda a consciência nítida dasua força. As dificuldades do presente já são, portanto, bastante gra vespara o capitalismo, e a plutocracia americana procura, a todo o transe,

84 Eduardo Prado

62 Estas linhas foram escritas em fins de 1893. Em 1894 as espantosas paredes de

Chicago vieram dar razão ao autor.

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sair das suas dificuldades e para isso volta-se para o estrangeiro. É para

o estrangeiro que os políticos norte-americanos querem abrir uma vál - vula para o excesso da produção.Não é só o fim de lucro monetário imediato que guia esses

homens, é uma necessidade absoluta de segurança nacional. Fechadosos mercados estrangeiros, como já explicamos, a produção americanaterá de se retrair, e, retraída, crescerá em enorme proporção o númerode operários desempregados, que aumentarão o já tão perigoso exércitodos descontentes. Neste empenho de sal vação pública, foi uma missãoespecial de representantes do Tesouro americano à Europa solicitar dos

go vernos europeus a adoção do bimetalismo para dar saída à quantidadede prata que tantos embaraços está criando aos Estados Unidos. A Eu ropa,na conferência de Bruxelas, recusou atender ao pedido. Foi no mesmointuito, de dar saída a seus produtos e de criar-lhes vantagens especiaisnos mercados estrangeiros, que os Estados Unidos quiseram importratados de reciprocidade comercial a todos os países da América.

Essa empresa, de extorquir tratados dos países latino-americanosa troco de vantagens ilusórias, este ve confiada a Blaine quando ele foi

Secretário de Estado pela segunda vez.III

Quando o ambicioso estadista voltou ao poder em 1889, coma eleição do Presidente Harrison, voltou disposto a tirar a sua desforrado descrédito em que caíra em 1881, quando se descobriu a indelicadezados seus processos e dos seus intuitos na inter venção na luta entre oChile, o Peru e a Bolí via. Em 1884 ele ousara já ser candidato à presi-

dência da República, e isto bastou para um grande número de votos, doseu próprio partido, con vergir para o seu ad versário, o candidato Cle ve-land, que foi então eleito pela primeira vez. Em 1888, Blaine não foracandidato, mas empregara toda a sua influência em fa vor de Harrisoncom a condição deste entregar-lhe a Secretaria de Estado, de ondeBlaine, com o seu extraordinário talento, acharia facilmente o meiode dirigir todo o país. Assim foi. O regime presidencial leva a absur-dos dessa ordem; um homem repelido positi vamente pelas urnas,pela vontade expressa do eleitorado, basta que ele tenha por si a von-

tade do presidente para que esse homem tome conta do go verno e

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exerça-o sem ha ver meio algum de fazê-lo sair enquanto durar o pre-

sidente, a não ser por uma re volução. Blaine, pois, assenhoreou-se daSecretaria de Estado. Em 1881, um dos pontos do grande plano deBlaine fora a reunião de um congresso pan-americano onde, sob aégide e a proteção dos Estados Unidos, de veriam os representantesde todos os países da América discutir assuntos de interesse recípro-co. As re velações conseqüentes à frustrada inter venção no Pacíficodesacreditaram completamente os pro jetos de Blaine, e o primeiroato do seu sucessor consistiu em expedir aviso às nações con vidadaspara o congresso, dizendo-lhes que a grande reunião dos represen-

tantes de toda a América fica va indefinidamente adiada.Blaine, voltando ao poder em 1889, trazia um plano de dupla

 vingança: queria humilhar o Chile e reunir o Congresso. Conseguiu asduas coisas. Teve ocasião de lançar, como mostramos, um ultimatumaogo verno chileno, exigindo em prazo dado satisfações e indenizações, e

 viu reunidos em congresso em Washington, debaixo da sua presidência,os representantes de todos os países da América.

 A primeira parte do congresso consistiu em banquetes, pas -

seatas, recepções e festas. Os en viados da América Latina, pela lingua-gem da imprensa, pela atitude geral do go verno, ficaram logo con venci-dos de que só o interesse dos Estados Unidos lucraria com o que sepretendia deles no tal Congresso. O go verno americano pôs em discus-são três pontos: 1º, a adoção do arbitramento obrigatório para a soluçãodos conflitos internacionais; 2º, a celebração de tratados com o go vernode Washington estabelecendo uma parcial ou total e recíproca isençãode direitos de importa ção entre o país contratante e os Estados Unidos;3º (este apenas para encher tempo), o estudo de um caminho de ferro dosEstados Unidos à Patagônia, ligando entre si as repúblicas americanas.

 A questão do arbitramento não ofereceu grandes dificuldades.Em matéria de promessas, de tratados e de compromissos internacionais,as repúblicas da América não são difíceis. O Corpus Diplomaticumsul-americano, isto é, a coleção dos seus tratados, dos seus acordos e dassuas con venções, é enorme. Fazem-se, desfazem-se, esquecem-se e

 violam-se tratados com a maior facilidade. Quase todas as repúblicasconcordaram que, no futuro, decidiriam as suas questões por arbitra-

mento. Era um acordo platônico, de bonito efeito, que parecia dar pra zer

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a Blaine e que, em suma, a nada obriga va. O go verno chileno, porém,

foi mais correto e sincero, e não assinou a cláusula do arbitramento. OPresidente do Chile justificou esta recusa perante o Congresso do seupaís, pronunciando as seguintes pala vras:

“Foi também proposta e aceita por alguns representantesdo Congresso de Washington a arbitragem internacional na formamais compressi va e obrigatória. Não prestamos assentimento a estepro jeto, porque o Chile não necessita, para o exercício da sua sobera-nia no mundo ci vilizado, de outra lei que não seja a lei geral das na -ções. Os po vos, como o nosso, que vi vem do seu trabalho, e que

cum prem fielmente as suas obrigações e compromissos internaciona is,terão de recorrer a arbitragem nos casos especiais e concretos emque assim o aconselharem a justiça pública, a prudência e o respeitorecíproco dos estados soberanos; julgo, porém, que não nos será líci-to limitar à arbitragem a ação das gerações futuras para fazer vingar odireito. Só a elas compete apreciar e resol ver sobre os meios que a leiinternacional lhes faculta para a defesa do seu direito. A restrição dosdireitos do Estado por meio da adoção obrigatória de um processo

excepcional, como é o da arbitragem, não se coaduna com a liberda-de, que, em qualquer eventualidade, dese jo reser var aos poderes pú -blicos da minha pátria e aos meus concidadãos.”

Esta é a linguagem de um verdadeiro homem de Estado, ex pli-cando uma resolução das mais patrióticas e baseada na mais verdadeiracompreensão dos direitos e dos de veres internacionais.

Sal vador, Guatemala, Haiti e S. Domingos assinaram a obri -gação de recorrer ao arbitramento, mas poucos meses depois hou ve

uma guerra mortífera entre Sal vador e Guatemala e as tropas de S.Domingos e Haiti. Ó fraternidade, ó lealdade americana e republicana!Na parte comercial, as repúblicas hispano-americanas, embora assinas-sem algumas das conclusões impostas pelos Estados Unidos, não seapressaram em concluir os tratados que os Estados Unidos tanto ambi-ciona vam. O ministro do Chile nos Estados Unidos, num banquete quelhe foi oferecido em Chicago, teve a franqueza de declarar que, em vistadas exigências do go verno norte-americano, o Chile tinha de continuar ater só em vista a Europa, e a trabalhar por estreitar cada vez mais as

suas relações com o velho mundo.

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 A república brasileira, então ainda na primeira das suas di ver-

sas e sucessi vas ditaduras, foi o primeiro país que cedeu aos dese jos dosEstados Unidos, assinando o tratado de reciprocidade comercial, queficará conhecido na história pelo nome de tratado Blaine–Sal vador, por -que os seus signatários são aquele estadista americano e o ministrobrasileiro em Washington, Sr. Sal vador de Mendonça.

Esse tratado foi moti vo para o Brasil ser pre judicado sem amínima vantagem, e deu ocasião a uma grande deslealdade por parte dogo verno norte-americano.

O que concederam os Estados Unidos ao Brasil por esse tra -tado? A isenção de direitos de importação sobre o café brasileiro e so-bre alguns tipos de açúcar. Ora, o café já não paga va direitos nosEstados Unidos desde 1873. E por que naquela época suprimiram osEstados Unidos aquele imposto? Não foi para obsequiar o Brasil; foiporque assim con vinha aos interesses do povo america no. A tarifaaduaneira americana é protecionista; as suas ele vadas taxas não têmpor fim aumentar os rendimentos do Tesouro, mas simplesmente pro-teger as indústrias e as culturas nacionais. Os Estados Unidos têm por

força importar café, gênero que não produzem. Um imposto sobre aentrada do café viria a recair, na verdade, sobre o consumidor americano.Grande produtor de café, pelas condições geográficas e pelo seu mo -nopólio dessa produção no ocidente, o Brasil tinha fatalmente de abas-tecer o mercado americano. Não é uma verdadeira burla querer fa -zer-nos acreditar que a isenção de direitos sobre o café brasileiro é umfa vor feito ao Brasil? Se os Estados Unidos voltassem de novo a impordireitos sobre o café, o Brasil nem por isso perderia o mercado ameri-cano onde não temos concorrência. Somente o consumidor americanopagaria mais caro aquela bebida que lhe é indispensá vel. Quanto aoaçúcar, a isenção de direitos seria na realidade útil à indústria açucareirado Brasil, se esta isenção fosse concedida só ao produto brasileiro.Ora, um tratado anterior e em vigor já dava li vre entrada no territórioamericano aos açúcares do Ha vaí, mas, apesar disso, o Brasil lucrariamuito se não ti vesse outro concorrente senão aquelas ilhas, a gozar dali vre entrada.

Quando em fe vereiro de 1891 foi publicado no Brasil o texto

do tratado Blaine–Sal vador, todo o mundo entendeu que só o Brasil se

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beneficiaria da isenção de direitos sobre o açúcar. Imediatamente depois,

o Jornal do Comércioanunciou, em telegrama de Madri, que o go ver no ame-ricano fizera aberturas à corte de Espanha, solicitando a celebração de umtratado em virtude do qual os açúcares de Cuba e de Porto Rico entrariamnos Estados Unidos li vres de direitos. Desaparecia assim para o Brasil aúnica vantagem que se espera va do tratado. Postos os produtos do Brasilem pé de igualdade com os das colônias espanholas, tratada a jo vem repú-blica de modo igual à velha monarquia que mantém em ferrenho jugo colo-nial uma parte riquíssima da li vre América, onde fica vam as vantagens parao Brasil, onde esta va a fraternal preferência que a grande república de via

também à outra repúbli ca, que, embora menor, é ainda grande? Comoera possí vel que o go verno de Washington equiparasse no tratamentofiscal a carunchosa e antipática monarquia da Europa decrépita com a

 virente e fraternal no víssima república da América do Sul? Não! Era im -possí vel. Assim pensou por certo o go verno da república brasileira, quese apressou em desmentir o jornal no Diário Oficial, dizendo que erafalso que se esti vesse tratando de um con vênio comercial qualquer entreos Estados Unidos e a Espanha. O ministro do Brasil em Washington,

quando aconselha va para o Rio o tratado comercial com os EstadosUnidos, afirma va que os Estados Unidos não dariam li vre entrada aosaçúcares de nenhum outro país. Essa era a promessa que lhe tinha feitoo go verno de Washington, e só a confiança nessa promessa é que faziacom que o go verno no Rio fosse tão afirmati vo. O Jornal do Comércioin sistiu, deu esclarecimentos, anunciou que o Sr. Foster ia à Espanhatratar – tudo foi em vão. O go verno mante ve a sua negati va. Semanasdepois era assinado o tratado! Os açúcares de Porto Rico e de Cuba tinhamli vre entrada nos Estados Unidos, e desaparecia assim a única vantagem

que ao Brasil poderia trazer o tratado Blaine–Sal vador. E não parou aí ogo verno de Washington; fez logo outros tratados com a América Cen -tral, com a Alemanha e com a Holanda. A Venezuela também fez umtratado, mas o Congresso venezuelano re jeitou-o.

O Go verno brasileiro foi assim ludibriado pela espertezaamericana. Em troca de um fa vor fictício e ilusório, em seguida a umanegociação em que a má-fé norte-americana tornou-se evidente, o Brasilconcedeu isenção de direitos às farinhas de trigo dos Estados Unidos,

deu igual isenção a vários outros artigos americanos, e para todos os ou-

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tros introduziu uma redução de 25 por cento nas tarifas da alfândega.

Esta concessão trouxe considerá vel pre juízo para a renda do Tesouro,

63

que já não atra vessa va época para tanta generosidade. E mais do queisto, ela causou dano muito grande às indústrias já estabelecidas no Bra -sil e em via de prosperidade. Há uma vantagem muito grande para ospaíses im portadores de pão em transportar de preferência o trigo parareduzi-lo a farinha nos mercados ou próximo dos mercados consumido-res. O consumidor beneficia duplamente por esta forma, já porque ofrete é muito menor (pois num volume reduzido se transporta maiorquantidade de substância alimentária), já porque a qualidade é superior,

pois o transporte por mar e o tempo facilmente alteram a farinha queaté corre o risco de grande avaria, risco que, junto ao maior frete, é tudocomputado pelo vendedor em detrimento do consumidor. Ha via noBrasil muitos moinhos de moer trigo em que esta vam empregados capitaisimportantes e grande número de trabalhadores. Estas empresas ficaramarruinadas, os trabalhadores sem trabalho e o consumidor lesado,desde que as farinhas americanas, pelo tratado, foram admitidas li vresde direitos. Não há quem tenha esquecido os importantíssimos depoi-

mentos em que a grande maioria dos negociantes, dos industriais e dosfinanceiros do Brasil, em cartas escritas ao Jornal do Comércio, se manifes-taram, em quase unanimidade, contra o desastroso tratado.

Estas manifestações e estas queixas de nada valeram. Manda vaquem podia, e o mal esta va feito, sofresse embora o povo brasileiro,gemessem embora as nossas indústrias.

Eis aí mais um benefício que recebemos dos Estados Unidos.64

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63 A Comissão do Orçamento da Câmara dos Deputados do Brasil, em 1894, avaliouo pre juízo do tesouro em 3:000 por trimestre, se jam 12:000 contos de réis porano. Ora, o tratado durou quatro anos, dando assim ao Brasil um pre juízo de48:000 contos de réis!

64 As últimas eleições americanas foram contrárias à politica ultraprotecionista e dereciprocidade. Com quebra da fé internacional que estipula va um prazo de trêsmeses de aviso à outra parte contratante, para a cessação do tratado, os EstadosUnidos restabeleceram os antigos direitos, dando grande pre juízo aos produtoresde açúcar do norte do Brasil e ao comércio brasileiro, que conta va com os trêsmeses de avi so. No mo men to em que es cre ve mos, a Ale ma nha re cla ma ener gi ca-mente contra fato idêntico, em relação aos seus produtos. O go verno do Brasildenunciou o tratado Blaine-Sal vador, e de janeiro de 1895 em diante os produtos

americanos pagam os mesmos direitos aduaneiros que os de outras nações.

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IV 

Seria um erro colossal acreditar que nos Estados Unidos hásimpatias pela América do Sul, Brasil e especialmente pela forma dego verno que lhe foi aplicada há quatro anos.

Por mil modos se re vela o desprezo americano pelos irmãosdo sul do continente. Em frente ao capitólio de Washington há umaestátua do fundador da independência americana. O escultor Gree-nough fez-lhe uns baixos rele vos simbólicos tirados da história de Hér -cules. Hércules e seu irmão Iphicles, infantes, repousa vam no mesmo

berço e foram assaltados por duas serpentes. Iphicles, simples mortal,filho de Anfitrião e de Alcmene, rompeu em clamores; Hércules, fruto doadultério olímpico de Alcmene e de Jove, com as mãos estrangulou asserpentes, mostrando assim a sua origem di vina. Esta é a cena que oescultor pôs no pedestal da estátua de Washington. O que quis o artistasimbolizar? Os guias descriti vos das grandezas da cidade de Washingtonesclarecem o pensamento do estatuário. Depois de nos indicarem minu-ciosamente (como con vém a uma crítica de arte à moda americana) o

preço da estátua, o seu volume, o seu peso, a qualidade do mármore, asperipécias do seu transporte desde Florença até às margens do Potomac,dizem-nos finalmente os guias que os dois meninos de mármore, osdois gêmeos da fábula, representam a América do Sul e a América doNorte. Aquela é a cobardia, a fraqueza de Iphicles, e esta é a ma jestadedi vina de Hércules.65

Nos Estados Unidos, a pala vra América significa a parte donovo continente que obedece ao go verno de Washington. Respeitam osamericanos a soberania da Inglaterra no Canadá e, por todas as outras

nações, há, nos bené volos, numa grande indiferença e nos outros, umsentimento de acentuada superioridade que é feito de amor-próprio e dedesprezo pelos sul-americanos. Basta dizer que, entre os norte-ameri-canos, é moti vo de chacota ha ver países como o México, Venezuela,Colômbia e um outro que conhecemos, que têm a petulância de seintitular Estados Unidos... Isto parece-lhes de um cômico irresistí vel.Quando se fala dessesUnited States, há nos lábios americanos o mesmo

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65 Ed. Winslow Martin,  Behind thescenes in Washington, pág. 140.

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sorriso que teria o duque de Wellington, ou vindo nomear um dos

presidentes do Haiti, o general Salomon, que se intitula va duque deCrique-Mouillée.O Imperador D. Pedro II tinha grande prestígio nos Estados

Unidos. O seu amor à liberdade, o seu espírito aberto a todas as no vidadesdo século, a sua ati vidade, a singeleza da sua pessoa, impressionaramsempre os americanos, que de um rei só faziam a idéia de um homemrodeado de fausto, de um defensor do passado contra o espírito ino vador.Os discursos pronunciados no Senado americano, quando se discutiu oreconhecimento da República brasileira, consistiram, quase que exclusi-

 vamente, não no elogio dos vencedores, mas na exaltação das virtudesdo grande vencido. O go verno americano foi o último, de todos os go ver-nos do novo continente, que reconheceu a República no Brasil, e se ins -pirou, decerto, para essa demora, na frieza, na quase hostilidade, comque a imprensa recebeu a re volução. Ainda há bem pouco tempo, o cor-respondente do País, em Nova Iorque, rememora va estes fatos, insistin-do na pouca simpatia que os americanos manifesta vam pela nova ordemde cousas no Brasil. Basta lembrar o que disseram os jornais americanos

quando, em 1890, chegou a Nova Iorque uma esquadrilha brasileira que,segundo diziam os jornais do Rio, ia participar ao go verno americano aproclamação da República e apresentar os cumprimentos do novogo verno ao presidente dos Estados Unidos.

Com a precipitação com que foi organizada a esquadrilha,esqueceram-se no Rio de que os na vios iam chegar a Nova Iorque empleno in verno. O frio em 1890–91 foi intensíssimo, e os pobres mari-nheiros, vestidos ligeiramente, sofreram imenso. O go verno americanoforneceu-lhes roupas grossas e cobertas. Era de ver como os jornais deNova Iorque noticia vam estes fatos. Uns, descre viam os negros brasi-leiros chorando de frio, escondidos no porão, os na vios abandona-dos, o con vés não varrido, os oficiais com frieiras nos pés, enfim, umdestroço completo. Tudo isto acompanhado de ditos picantes e deuma insistência enorme nos fa vores com que o go verno americanoesta va acu dindo à miséria e à desgraça daqueles maltrapilhos. No mes-mo ano, veio uma esquadra americana ao Rio, dizendo-se que vinhaexpressamentecumprimentar o go verno. O generalíssimo Deodoro con vi-

dou-os para um baile; o comandante da esquadra pediu-lhe que apres -

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sasse o baile, e, como hou vesse alguma demora, a esquadra partiu sem

sequer esperar pelo tal baile.Dois anos depois, uma outra esquadra brasileira vai a NovaIorque a pretexto da exposição de Chicago e do centenário de Colom-bo. Os oficiais brasileiros ficaram vexados da linguagem da imprensa aseu respeito e da desconsideração com que foram tratados. Sempre co -locados em último lugar, sempre preteridos em todas as atenções, o seudesgosto, se não faltou à verdade o correspondente do País, foi muitogrande e não se ocultou.

Quando hou ve o con vite à oficialidade para ir a Chicago, osoficiais brasileiros todos recusaram, declarando a um representante daimprensa que o faziam por se acharem justamente melindrados. Nãolhes foi dada satisfação alguma, e, de volta ao Brasil, vieram decertomuito pouco inclinados a acreditar ainda na pilhéria da fraternidadeamericana.

O ministro do Brasil em Washington, o Sr. Sal vador deMen donça, tem experimentado, muitas vezes, à sua própria custa, que,nos Estados Unidos, a sua entidade de ministro dos Estados Unidos do

Brasil não merece nenhum respeito por parte da imprensa. S. Exª temtido na sua carreira incidentes desagradá veis, que a imprensa americanahá longa e maliciosamente glosado, sem ter em vista que S. Exª, na suaqualidade de republicano intransigente, histórico e tudo o mais, e peloseu título de ministro de uma república, de via ser tratado com mais res -peito. O Senhor ministro é amador de belas artes; tinha uma galeria dequadros to dos assinados pelos maiores pintores antigos e modernos.Era uma galeria que valia muitos milhões; S. Exª mandou-a para Parispara ser vendida em leilão. Os peritos parisienses, encarregados daavaliação, de clararam que os quadros eram todos falsos; S. Exª, em tele-grama para Paris, disse que esta va de boa fé e que tinha sido enganado.Retirou os quadros, e, mais tarde, ofereceu alguns deles à Academia deBelas-Artes do Rio de Janeiro, que comeu por lebres primorosas todosaqueles gatos a óleo,66 pois esta anedota, que é apenas um pouco cômicapara o nosso ministro, e que só pro va que S. Exª não entende de pintura,

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66 Todas as particularidades des te in ci den te acham-se na obra de Paul Eudel, L’Hotel

 Drouot em1885. Paris, 1886, pág. 145.

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e que foi roubado, comprando por enorme soma aquela galeria, foi de -

cantada nos jornais de Nova Iorque, e o representante do Brasil cobertode ridículo. Outro fato: O Sr. Sal vador de Mendonça foi encarregadopelo go verno de comprar uma grande quantidade de prata nos Esta-dos Unidos. Os ministros da Fazenda do Brasil têm todos, depois disso,pretendido que as contas não estão certas, que falta prata ou que falta di-nheiro, conforme se tem visto pelas correspondências oficiais publica-das. Que tem a imprensa americana com esta questão inteiramente brasi-leira? É um ponto que deve ser ventilado entre dois altos funcionários daRepública brasileira, entre o ministro da Fazenda e o ministro diplomáti-

co. Assim não têm pensado, porém, os jornais americanos e várias vezestêm voltado a esta desagradá vel história da prata, publicando artigos depri-mentes para o representante do Brasil. Sem dú vida que o go verno deWashington não pode proteger o representante da República irmã con -tra a imprensa, porque esta é li vre. Mas a má vontade é evidente emtoda a sociedade americana. O representante republicano do Brasil parecesentir isto, porque, seguindo o exemplo de diplomatas de outros países que

 já foram pessoalmente agredidos pela imprensa, S. Exª podia, deixando de

lado as suas imunidades, chamar os seus detratores aos tri bunais. S. Exªtem com certeza confiança na justiça da sua causa, e se não lançou aindamão deste recurso é porque não acredita muito na justiça americanaquando esta tem de decidir entre um compatriota e um sul-americano.

O go verno norte-americano, ainda há pouco, deu uma novapro va da pouca consideração que lhe merece a República brasileira. Ogo verno de Washington ele vou à categoria de embaixadores o seuministro em Paris e os seus representantes junto às cortes de Londres,Berlim, Viena, Roma, Madri e S. Petersburgo. Ora, o Brasil é a segundanação da América, por todos os títulos; há a consideração importantíssimade que, pelo istmo do Panamá, temos a honra de estar presos ao mesmocontinente ocupado pelos Estados Unidos; temos, como eles, presiden-tes, ministros irresponsá veis, etc. Sendo assim, está claro que o Brasilmerece muito mais dos Estados Unidos do que as carunchosas e decré-pitas monarquias européias. Não obstante tudo isto, o go verno deWashington conser va no Rio um qualquer representante diplomático desegunda categoria, não dando ao Brasil a confiança de tratar o seu

go verno com a consideração com que trata o go verno espanhol ou o

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go verno austríaco. É mister confessar que Washington usa para com o

Brasil de fraternidade em dose muito moderada.Desde que falamos em imprensa, de vemos falar de outromodo, pelo qual também se manifesta sempre, pela maneira que temos

 visto, a amizade dos norte-americanos pelo Brasil. Falamos da notíciaalarmante falsa ou verdadeira.

Nem tudo são rosas na vida do corpo diplomático sul-ameri-cano. Representantes do general A, nomeados pelo general B, estãoprontos a ser vir o general C. Um belo dia chega um telegrama: “Ogeneral C atacou o general A.” O que dirá o pobre diplomata aosrepórteres

que o assaltam e perguntam quem tem razão, coisa já gra ve, e, coisa ain damais gra ve, quem vencerá? É dificílima a resposta. Alguns há que sear riscam; se acertam, muito bem. Mas, se se enganam, estão perdidos,porque o vencedor demite-os sem piedade. Os espertos calam-se. A reportagem, porém, é feroz; a reportagem ganha por linha de notíciafornecida; e um repórter, quando não tem essa notícia, in venta-a. Muita

 vez há ingênuos que enxergam profundos maquia velismos, intrigas habi-líssimas e pérfidos intuitos de partidários ou conspiradores misteriosos

numa notícia que foi arran jada num pobre quinto andar, numa águafurtada de um repórterqualquer, que for jou essa notícia para equilibrar oseu orçamento da semana. Há, porém, outro gênero de notícia falsa quedeve cair, e cai dentro da ação dos tribunais. É a notícia falsa, com finsde especulação, para a qual há penalidade nas legislações de certospaíses. Ora, estas notícias falsas para fazer subir ou descer o café nosmercados, para fazer subir a cotação dos títulos brasileiros, nem sempresão notícias contrárias ao Go verno do Brasil. A especulação é de umaimparcialidade pro vada; às vezes anuncia os mais lison jeiros aconteci-mentos, outras vezes as catástrofes as mais terrí veis. Em todo o casoNova Iorque é que é o ponto de concentração e de expedição destas no-tícias. Os jornais americanos têm gasto muito dinheiro para ter notíciasdo Brasil nas diferentes crises agudas e periódicas da República; mas, em

 vez de receberem diretamente estas notícias, recebem-nas via Buenos Aires e Monte vidéu, onde as notícias são todas exageradas e apimentadascom a má vontade dos nossos irmãos argentinos e uruguaios que sãonossos inimigos, apesar de nós termos seguido o seu exemplo adotando

a forma de go verno da Argentina e do Uruguai. Os Estados Unidos são,

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para o resto do mundo, o veículo transmissor da bílis argentina contra o

Brasil; são os correspondentes de jornais americanos que atacam o Bra sil;são as agências telegráficas americanas que en viam, para todos os pon tosdo globo, as notícias deprimentes do Brasil, notícias muitas vezes falsas,por vezes exageradas, e, ai de nós! às vezes também verdadeiras. E o queé curioso é que os jornais da Europa, que recebem dos Estados Unidosessas notícias, que transcre vem-nas, é que passam por difamadores doBrasil. Se os jornais americanos são insolentes para com o Brasil, o quepode verificar facilmente toda a gente, o mundo comercial dos EstadosUnidos também nos é ad verso.

Nunca dos Estados Unidos veio o mínimo auxílio para asnossas indústrias, para a nossa la voura ou para a nossa viação férrea. Háperto de quatrocentos mil contos de réis da Inglaterra empregados noBrasil, quer em empréstimos ao Go verno, quer em caminhos de ferro eoutras indústrias. O Brasil era pobre quando iniciou a sua existência, eradespo voado, tinha às portas inimigos ameaçadores, tinha problemas in -ternos gra víssimos – e a Inglaterra teve confiança no Brasil, a Inglaterranos confiou os seus capitais, mesmo em épocas críticas. E o povo inglêsé tão superior que, em 1865 estando o Brasil de relações rotas com aInglaterra, por moti vo de questão Christie67 (questão de que a dignidadedo Brasil saiu ilesa), conseguiu le vantar em Londres um empréstimo, naocasião em que iniciá vamos uma guerra terrí vel. E os capitais inglesesnão corriam pequeno risco; aventura vam-se a todas as emergências daguerra com o Paraguai, e aos possí veis e mesmo pro vá veis desastres daabolição. E em quantas empresas estes capitais, em ações ou em obriga-ções, não estão por assim dizer enterrados? Se se aponta a S. Paulo Rail-way como empresa até há pouco tempo remuneradora, e a Rio Claro

Railway, em todas as outras estradas feitas com capital inglês os acionistasnão recebem di videndos, ou recebem-nos mínimos. E que enorme capitalnão há empregado na Alagoas Railway, Bahia e São Francisco, ramal do

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67 Como se sabe a questão foi su jeita ao juízo arbitral do Rei dos Belgas, que deu ra zãoao Brasil. Quase toda a imprensa inglesa foi a nosso fa vor. Na câmara dos co munslutaram por nós oradores ilustres como John Bright, Cobden, Lorde Cecil (hojeLorde Salisbury) e muitos outros. O ministro Christie apresentou-se candidato àCâmara dos Comuns por Oxford, declarando que a sua ele i ção se ria con si de ra da aapro vação do seu procedimento no Brasil. Oxford derrotou-o. Encontraríamos

por ventura nos Estados Unidos tanto amor à justiça?

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Timbó, Brasil Great Southern, Imperial Bahia Company, Natal e Nova

Cruz, Campos e Carangola, Conde d’Eu, Cara velas Na vigation Com -pany, Dona Tereza Cristina, Leopoldina, Macaé e Campos, Porto Alegree Nova Hamburgo, Recife São Francisco, Norte do Rio, Southern Brazi-lian, Bahia Central Sugar C.º, North Brazilian Sugar Factories, Rio de Ja-neiro Flour Mills C.º, Gaz da Bahia, Gaz do Pará, do Ceará, Gaz do Rio(capitais belgas), Águas de Pernambuco, etc.? Todas estas empresas, queenumeramos, representam milhões de libras esterlinas que nada, ou qua -se nada, rendem aos capitalistas. Entretanto estes capitais aí estão frutifi-cando para o Brasil, mantendo a facilidade de transporte em regiões que

dela se apro veitam, e dando luz e água às populações. E as empresas quedão alguma remuneração, de quantos benefícios não enchem o Brasil? Eque enorme pre juízo já não têm dado aos capitalistas europeus as nossasdesgraças? Confiados num longo passado de tranqüilidade, os capitalistaseuropeus tinham os títulos brasileiros no mesmo apreço que os das pri-meiras nações do mundo. O 4% brasileiro esta va a 90 a 14 de no vembrode 1889; hoje vale 54.68 Os capitalistas confiaram em nossa estrela; esta-

 vam ao nosso lado nos dias prósperos, perdem hoje conosco nos dias

maus. E, se algum capitalista europeu se queixa, não somos nós, os de - vedores, que de vemos protestar. As nossas desgraças não pro vêm de ca -usas físicas; se esti véssemos arruinados por algumas causas naturais, se ocafé ti vesse tido uma moléstia destruidora, como Hemileia vastatrix deCeilão e de Java, se terremotos, secas ou inundações nos ti vessem re-duzido ao ponto em que estamos, então a queixa seria insensata. Mas,não... tudo caminha, na parte que compete à Pro vidência ou ao acaso,admira velmente; agora, na parte que cabe aos homens, sabemos todos oque têm tido. Dizem, porém, que há por aí uma coisa que precisa se

consolidar e que, para essa consolidação se dar, é preciso que todos osbrasileiros so fram. As vítimas têm o seu bom-senso e elas já dizem oupensam: se é preciso sofrermos tanto, é melhor que a tal coisa não seconsolide! Esta opinião é fatalmente a de todo o homem isento da su -perstição partidária.

 Voltando aos americanos, de vemos perguntar: De que auxíliotêm eles sido para o desen vol vimento da prosperidade material do Bra -

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68 Outubro de 1893.

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sil? Os capitais deles para cá não vêm, os seus braços para cá não emi -

gram. As duas empresas de na vegação que organizaram acabaram na fa -lência culposa e mesmo fraudulenta, fugindo o americano gerente deuma delas com o dinheiro dos acionistas brasileiros e com a sub vençãoque lhe pagou o go verno.

Fala-se que os americanos são nossos grandes fregueses decafé. Em primeiro lugar, é absurdo fazer-se deste fato moti vo para umagratidão sentimental. Os americanos não compram café por amizade,nem por filantropia. Compram porque querem bebê-lo, e, não o tendoem casa, procuram-no onde encontram, e o país produtor que mais lhes

con vém é o Brasil. Mais, ainda em relação ao café, é força confessar quea feição dos mercados europeus é mais fa vorá vel ao Brasil do que omercado de Nova Iorque. Seja pelo que for, o moti vo, a tendência cons -tante dos mercados europeus é para a alta, e em Nova Iorque é para abaixa. Sem dú vida, de um e de outro lado, o que determina esta atitudeé a es peculação, mas é inegá vel que de vemos ter mais simpatias poraqueles que, embora só por interesse próprio, promo vem a valorização deum produto brasileiro, valorização que redunda em pro veito do Brasil.

Fala-se que a França impõe um pesado direito de entrada sobre o café; masquem paga esse direito é o próprio consumidor francês. Demais o Ha vre, Antuérpia e Hamburgo, têm, no seu papel de mercados distribuidores, es -palhado pela Europa toda o nosso café e desen vol vido muito o seu comér-cio. Nova Iorque, porém, pesa sempre no mercado do mundo pelos seusgrandes esforços para fazer cair o café; quando a la voura do Brasil este vequase desanimada pela baixa do café, foi porque a especulação de NovaIorque esta va triunfante! E hoje mesmo, afrouxem os mercados europeusos seus esforços, e o fazendeiro verá que os americanos en vilecem logo o

seu produto e se verá câmbio baixo e café também baixo, o que não éimpossí vel, como muita gente crê.

∗ ∗ ∗

Temos visto o que os Estados Unidos têm sido para toda a América Latina.

Insistimos especialmente no que têm sido para nós na diplo-macia e na ordem econômica. Terminaremos vendo qual a influência

daquele país na ordem moral e intelectual.

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 A influência dos Estados Unidos sobre o Brasil fez-se sentir

em nossa grande questão social – a escra vidão.Não teríamos conser vado por tanto tempo aquela instituiçãoiníqua, se a maior nação da América não ti vesse tentado legitimá-la, e se,da parte escra vocrata dos Estados Unidos, não nos viesse o incenti vo, senão chegasse até nós a notícia do que se dizia e do que se fazia nosEstados Unidos para defender a escra vidão.

 A corrupção política e administrati va é a própria essência dofuncionamento do go verno americano. Os Estados Unidos são o paísmais rico do mundo; rico pelas opulências naturais, pela sua enorme ex -tensão, pela fertilidade do solo, pelos seus portos, suas baías, seus lagos,seus grandes rios na vegá veis, suas minas incompará veis. Po voado umsolo destes pela raça saxônia, como poderia deixar este país de ser umanação forte e poderosa? O solo mais rico do mundo, habitado pela raçamais enérgica da espécie humana – eis o que são os Estados Unidos.

 Aquele país é grande, mas não é por causa de seu go verno. Aoamor-próprio de outras nações pobres ou, por outra, menos ricas em

 vantagens naturais do que os Estados Unidos e habitadas por indi víduos

de raças menos enérgicas – repugna o confessar esta inferioridade.Insensi velmente, a gente é le vada a não reconhecer as alheias superiori-dades ou atribuí-las a causas pouco desagradá veis para a nossa vaidade.Não há desar algum em dizermos que há po vos go vernados com maisacerto do que nós – mas, quanto a confessarmos que esses po vos o quesão é melhores do que nós, quanto a dizermos que a terra deles é maisrica do que a nossa –, a isso é que nunca nos ha vemos de resignar. Poressa razão, é explicá vel que alguns brasileiros, de espírito simplista, quei-ram por força ver, nas vantagens que nos le vam os Estados Unidos emprosperidade, um efeito, não de causas naturais e irremediá veis, masuma resultante da diferença dos go vernos. O solo não se pode trocar, araça não se pode substituir, mas, em todo o tempo, é possí vel mudar ogo verno. Não podendo dar-nos o solo dos Estados Unidos, nem as qua -lidades éticas do seu povo, hou ve quem quisesse dar-nos ao menos oseu go verno, isto é, o que de menos in ve já vel tem a grande nação.

E a escola fatal dos imitadores de instituições não atende aocontra-senso do seu sistema, nem aos funestos resultados que produzem

as leis transplantadas arbitrariamente de um país para outro. Quando os

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romanos ainda rudes conquistaram a culta Grande Grécia, Valério Messa-

la trouxe de Catânia um relógio solar que mandou colocar no Fórum, junto aos Rostros. Não atendeu Valério Messala nem à diferença de longi-tude nem à orientação do gnomo, e dispô-lo ao acaso. Só um século maistarde é que se descobriu em Roma que o relógio solar marca va a horacom grande erro de tempo, e só então é que foi substituído. O relógioque dava o tempo certo em Catânia erra va em Roma.69 Assim as institui-ções podem dar certo nos seus países de origem, e trazer a confusão e adesordem nos países para onde arbitrariamente as transmudam.

No Brasil aconteceu o mesmo com a idéia funestíssima de

copiar os Estados Unidos nas suas leis políticas. Copiemos, copiemos,pensaram os insensatos, copiemos e seremos grandes! De veríamos antesdizer: Se jamos nós mesmos, se jamos o que somos, e só assim seremosalguma coisa. Imagine-se um indi víduo qualquer que, admirando umatela de Velásquez, dese je pintar como ele. De que ser virá ter a tela, ospincéis, a palheta e as tintas perfeitamente iguais, em matéria-prima,tamanho e dosagem às do pintor espanhol? Debalde arran jará as tintas eesforçar-se-á para pintar como Velásquez. Terá tudo quanto tinha Velás-

quez, menos o gênio, e, mesmo tendo gênio, terá outro gênio e não ogênio de Velásquez. Assim, os países sul-americanos querem ser ricos eprósperos como os Estados Unidos, e pensam que conseguirão istocopiando artigos da Constituição norte-americana. E como é muito danatureza humana imitar mais facilmente os vícios do que as virtudes, aimitação das práticas corruptas da administração americana é cousa muitonatural. “Nos Estados Unidos, rouba-se muito”, pensa o empregadopú blico sul-americano, “e, apesar disso são um grande país; ora, porquetambém não será grande o meu país, apesar de eu roubar e dos meus

colegas roubarem?” Este raciocínio apresenta-se forçadamente à fragili-dade do funcionário, a tentação fortalece-se e... o resto temos visto. Nãohá salteio à propriedade que não encontre escusa no fato de ser essesalteio muito comum nos Estados Unidos. Essa é a influência deletériaque os Estados Unidos exercem na América. Os vícios dos grandescorrompem os pequenos, e o mau exemplo dos poderosos é a perdiçãodos humildes.

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69 Plí nio, Hist., Nat. liv. VII, 60.

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 A ci vilização norte-americana pode deslumbrar as naturezas

inferiores que não passam da concepção materialística da vida. A ci vili-zação não se mede pelo aperfeiçoamento material, mas sim pela ele va-ção moral.O verdadeiro termômetro da ci vilização de um povo é o res -peito que ele tem pela vida humana e pela liberdade.

Ora, os americanos têm pouco respeito pela vida humana.Não respeitam a vida de outrem e nem a própria. Herbert Spencer diziaaos americanos que eles cometem um erro fundamental no programa da

 vida, gastando-a com a febre, em que mutuamente se exaltam, e que dálugar ao deperecimento precoce do animal homem, pela aparição dasmais medonhas e freqüentes formas de ne vrose. A vida de outrem écousa de pouca consideração nos Estados Unidos. Os tribunais regula-res matam juridicamente com freqüência, os assassinatos criminosos são

 vulgaríssimos e os linchamentos crescem em número todos os dias.Tudo isto são formas acentuadas de desprezo pela vida humana. O lin -chamento é o assassinato coleti vo, e o fato da vítima ser, às vezes, crimi-nosa, em nada diminui, já pelos requintes freqüentes de ferocidade, jápela irresponsabilidade do ajuntamento que resol ve e executa a preten-dida sentença. No Brasil, há uma pequena colônia americana; a partedela estabelecida na zona cafeeira do sul veio, quase toda, ao findar aguerra de secessão e era composta de sulistas que, pri vados de ter escra-

 vos na sua pátria, emigra vam para o país onde ainda lhes era permitidoesse prazer. A população brasileira viu chegar esses no vos hóspedes, e

 viu os que se instalaram na agricultura excederem em ferocidade aos maisrudes e per versos atormentadores de escra vos. Os americanos introdu-ziam no vas formas de tormentos e no vos aparelhos de suplício. Como

os in gleses transportam-se aos confins do mundo le vando as suas pásdecricket e as suas redes de lawn-tennis e conser vam o amor dos exercíciosfísicos, que é a força da sua raça, os americanos traziam, para usar nosescra vos, azorragues aperfeiçoados e algemaspatent, e trataram logo depropagar o linchamento. Nos vários casos de linchamentos de que te mosnotícia, há sempre um americano instigador e co-participante. Esses ca sostêm sido raros até e circunscritos à zona de São Paulo onde há americanos.O exemplo é, porém, funestíssimo, o contágio, rápido, tanto mais quan to

a impunidade é certa.

 A Ilusão Americana 101

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O espírito americano é um espírito de violência; o espírito

latino, transmitido aos brasileiros, mais ou menos deturpado atra vés dosséculos e dos amálgamas di versos do iberismo, é um espírito jurídicoque vai, é verdade, à pulhice do bacharelismo, mas conser va sempre umcerto respeito pela vida humana e pela liberdade. O rábula de aldeia é,sem dú vida, um ente inferior, mas, em todo o caso, é superior comounidade social ao capanga e ao mandão. O período de desbra vamentoda terra, da derrubada das matas, do estabelecimento das primeiras cul -turas, é, no interior e nas localidades no vas, a idade do capanga; o escri vão,o promotor, o juiz, que vem depois, expelem e eliminam o capanga. É a

lei que substitui a violência. O espírito americano infundido nas popu-lações é antes fa vorá vel ao capanga do que à gente do foro; é o estran-geiro, cujo prestígio é sempre grande, é o homem de cabelo louro e deolhos azuis sempre acatado pelos nossos negróides, influindo em fa vorda violência, nobilitando-a pela sua prepotência. O americano, mescladocom as camadas inferiores da população rural, não é um fator de pro gresso.Ele age sobre o meio e o meio reage sobre ele, ha vendo uma comunicaçãorecíproca de defeitos que afoga as qualidades de ambos. Uma ou outra

enxada aperfeiçoada que o americano traz, algum cani vete de mo lasengenhoso, que ele introduz na ferramenta nacional, não são benefíciosque compensem os males que ele nos faz.70

 Já falamos do muito que contribuíram os Estados Unidospara a duração da escra vatura no Brasil pela força danosa do seu exem -plo, e também por ter inspirado aos tímidos o receio de que a solução

102 Eduardo Prado

70 Poderíamos citar vários episódios de tentati va de colonização americana no Brasil,que mostram quão grande foi o seu in su ces so. O Sr. Quintino Bocaiú va escre veu

em1867 um folheto aconselhando a vinda dos chins para o Brasil. Em seguida àsua publicação recebeu o Sr. Bocaiú va uma comissão do go verno imperial para irbuscar essescolonos americanosnos Estados Unidos. A comissão redundou em puraperda; o Sr. Bocaiú va voltou trazendo bandos de desordeiros e assassinos quemuito deram que fazer à po lí cia do Rio.Vide os jor na is do tem po.No relatório do Sr. Saldanha Marinho, presidente de São Paulo (1868), lê-se:“Tendo mais de cem famílias americanas se estabelecido em terras que demoramnas proximidades do rio S. Lourenço, município de Iguape, e pretendendo-se aabertura de uma estrada que ligue tal colônia à cidade de Santos, a lei vigente doorçamento pro vincial au to ri zou o go verno a auxiliar a aber tu ra des sa via de co mu-nicação com a quantia de cinco contos de réis. Esta quantia foi entregue, por or -dem do meu antecessor, ao coronel norte-americano Bowen. Ignora-se qual o

emprego que teve essa quantia.”

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do problema no Brasil fosse a mesma tragédia da América do Norte.

Não de vemos, porém, esquecer que os americanos contribuíram muitopara o tráfico africano no Brasil. O presidente Taylor, na sua mensagemde 4 de dezembro de 1849, dizia: “Não se pode negar que este tráfico éfeito por na vios construídos nos Estados Unidos pertencentes a ameri-canos e tripulados e comandados por americanos.” E isto não nos devecausar maior admiração do que nos causa lermos, na mensagem presi-dencial de 1856, que “é indubitá vel que o tráfico africano encontra nosEstados Unidos muitos e poderosos sustentadores”. De entre as muitaspro vas da grande parte que os americanos do Brasil tomaram no tráfico,

destacaremos o depoimento juramentado do capitão W. E. Anderson,americano, depoimento prestado na legação americana do Rio de Janei-ro no dia 11 de junho de 1851. Diz o capitão Anderson que, em 1843,fez o conhecimento de Joshua M. Clapp, cidadão americano, que “antese depois daquela época ocupa va-se em larga escala da compra e frete dena vios americanos para o tráfico”. Refere-se ainda Anderson a um outroamericano, Franck Smith, que também era negreiro. O ministro ameri-cano no seu despacho remetendo este depoimento, queixa-se muito de

Clapp e de Smith como grandes negreiros que, diz o ministro, “deson-ram a bandeira dos Estados Unidos”. O depoimento de Anderson re velatodos os ardis dos americanos do Rio na costa da África, as suas cruel-dades e os seus grandes lucros.71

Isto quanto à massa popular é o que temos obser vado no Sul doBrasil, onde, em pontos isolados, hou ve, em tempos, pequenos nú cleos decolonos americanos. No Norte do Brasil, cremos que não há america-nos senão como negociantes no litoral, além do clássico dentista, e tal -

 vez de um ou outro médico desgarrado. Nos sertões do Norte, cremosque o americano é conhecido apenas sob a forma nômada de compra-dor de couros de cabra por conta dos negociantes da costa. Os Clapp eSmith, negreiros de outro tempo, variam de profissão, mas conser vamos mesmos instintos.

Na ordem intelectual, os benefícios da América do Norte emrelação ao Brasil não são em nada especiais. O Brasil não tem beneficiado

 A Ilusão Americana 103

71 Este curioso documento acha-se nos U. S. SenateDocs., Congress 32, session I,

1851–1852, vol. 9, doc. nº 73, pág. 5.

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mais do que as outras nações do mundo, dos in ventos americanos. Têm

sido via jantes alemães, franceses, ingleses e dinamarqueses que têm es -crito os melhores li vros sobre o Brasil e melhor estudado a nossa natu-reza. Se excetuamos Hart, americano, cu jas monografias são re veladorasde uma profundeza de obser vação notabilíssima, se excetuamos OrvilieDerby, cu jos trabalhos são do mais alto valor e cu jos ser viços à ciênciabrasileira têm sido e hão de ser ainda inestimá veis, onde estão os escri-tores americanos que se têm ocupado de modo sério do nosso país? Osprofessores que aqui se apresentam têm sido de uma mediocridade de -sesperante, nada têm feito, nada têm criado. E poderíamos encher duas

páginas com os nomes dos europeus que pelo li vro, pelo estudo, pelaobser vação e pelo ensino, têm trabalhado no reconhecimento científicodas nossas riquezas e ele vado o nosso ní vel intelectual.

E dos via jantes americanos que têm escrito sobre o Brasil,quais têm sido simpáticos ao nosso país? Se não todos, a grande maio-ria deles fala de nós com in justo desfa vor. Se europeus da estatura deMartius, Auguste Saint-Hilaire, Sir  Richard Burton, Bates, Elisée Ré -clus e tantos outros nos são simpáticos, os americanos exprimem-se

até com desprezo a nosso respeito. Numa narrati va de viagem, que éum documento oficial americano, isto é, a relação da expedição explora-dora americana em 1838–1842,72 somos vilipendiados por tal modo queuma re vista americana censurou acremente o go verno de Washingtonpor ter consentido, numa publicação nacional, expressões tão grosseiras ebaixas contra um país estrangeiro.73

E o que diremos dos estudos que têm feito brasileiros nosEstados Unidos? Sal vo algumas exceções, pode-se dizer que os for -

mados nos Estados Unidos são, na concorrência brasileira, os que me -nos sabem e os que menos preparo têm. São engenheiros incapazes,médicos que, às vezes, nem ousam afrontar o exame de suficiência emuitos outros doutores em artigos de fantasia como agricultura, arquitetu-ra, etc., e a quem faltam os rudimentos de toda e qualquer instru ção geral.É verdade que, em certas famílias brasileiras, mandam-se para os Estados

104 Eduardo Prado

72  Narrativeof theU. S. Explorin Expedition du ringthe years 1838–1842, by Charles Wil -kes, U. S. N.

73  North-American Review, vol. 61, pág. 57.

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Unidos os incapazes, os repro vados nas escolas do Brasil, enfim os

mesmos rapazes que, noutro tempo, iam para padres ou para soldados.Seja como for, a verdade é que os torna-viagens dos Estados Unidos,embora voltem um pouco desasnados, não vêm em geral trazer, ao con-curso das ati vidades brasileiras, senão a sua perturbadora, ou, pelo menos,inútil e grande incompetência, agra vada pela presunção. Isto pro vém deque, nos Estados Unidos, há uni versidades para todas as inteligênciascomo há hotéis para todas as bolsas. Há também gradações nos diplomas.Há para todas as capacidades e para todos os preços. E esta mocidade

 julga as cousas americanas, compara os Estados Unidos com o Brasil,não vê as nossas qualidades, não conhece os antecedentes da nossa his -tória, os feitos dos nossos maiores, e por isso quer lançar tudo aodesprezo, rompendo com o passado, e, se eles pudessem, transforma-riam a sociedade brasileira num arremedo simiesco dos Estados Unidosque eles julgam o primeiro país do mundo, porque há por lá muitaeletricidade e bons Water  Closets. Não tendo a ponderação que à raçasaxô nia dá a harmonia do seu desen vol vimento, estes nossos pobresluso-índio-negróides desequilibram-se de todo, no meio da febricitação

americana.E é muito real a ação perturbadora do ner vosismo nor te-ame-

ricano nas organizações latinas. Temos conhecido muitos casos indi vi-duais bastante curiosos. Uma vez entrá vamos em Nova Iorque vindo dePanamá, e os passageiros sobre a tolda contempla vam o espetáculogrande e cheio de vida daquele porto imenso. Ou víamos já o alarido doscarregadores e dos operários nas pontes de desembarque. Nos estaleirosmartela va-se infernalmente o ferro; no vapor ha via um reboliço ruidoso

das bagagens tiradas do porão, puxadas pelos guindastes. Junto a mim esta va um velho, não sei se da Nicarágua, da

Guatemala ou de Honduras, mas certamente de um desses ilustres paísesque, mais ci vilizados do que o Brasil de então, goza vam já dos benefíciosda forma republicana. O velho contempla va as três grandes cidades deNova Iorque na frente, de Brooklyn à direita e de Jersey à esquerda, quese espraia vam cinzentas e esfumaçadas diante de nós. O velho, mestiço tal -

 vez de Azteca e de conquistador espanhol, olha va vagamente com ins -

tintos atá vicos de presa e de salteio:

 A Ilusão Americana 105

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Quien sabe? Exclamou ele, quem sabe um dia nós, os da Nicará-

gua, não viremos a tomar Nova Iorque?! – Centenares de vapores, gran -des, pequenos, lentos como elefantes ou rápidos como cer vos, cruza- vam-se ao redor de nós, badalando as campanhas de bronze e estrugin-do no ar os seus sil vos agudos e as notas roucas e longas de seus ui vosde vapor. – Ninguém respondeu à profecia interrogati va do velho, eeste, sorrindo tristemente, disse: “Só com os assobios esta gente nos ha -

 via de enlouquecer.” (Solo con los pitos nos volveriamlocos.) Não queremosdizer que os assobios das máquinas americanas enlouqueçam os brasilei-ros dos Estados Unidos; o que é certo, porém, é que não encontramos

na vida da nacionalidade brasileira nenhum traço luminoso de um discí-pulo americano. Nem ao menos, por esse lado, temos cousa alguma queagradecer à república norte-americana.

 V 

De vemos concluir de tudo quanto escre vemos:Que não há razão para querer o Brasil imitar os Estados Unidos,

porque sairíamos da nossa índole, e, principalmente, porque já estão paten-

tes e lamentá veis, sob nossos olhos, os tristes resultados da nossa imitação;Que os pretendidos laços que se diz existirem entre o Brasil ea república americana são fictícios, pois não temos com aquele paísafinidades de natureza alguma real e duradoura;

Que a história da política internacional dos Estados Unidosnão demonstra, por parte daquele país, bene volência alguma para co noscoou para com qualquer república latino-americana;

Que todas as vezes que tem o Brasil estado em contato comos Estados Unidos tem tido outras tantas ocasiões para se con vencer deque a amizade americana (amizade unilateral e que, aliás, só nós apregoa-mos) é nula quando não é interesseira;

Que a influência moral daquele país, sobre o nosso, tem sidoperniciosa.

∗ ∗ ∗

Se a longa série de fatos que apresentamos, se as razões queexpendemos não bastassem para chamar à verdade os espíritos ainda os

mais rebeldes, bastaria citarmos a opinião do maior dos americanos,

106 Eduardo Prado

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para dissipar as veleidades de afeto e os ingênuos sentimentalismos que

nos querem impor a respeito dos Estados Unidos.Não! Toda a tentati va para, em troca de qualquer ser viço,colocar a pátria li vre e autonônoma em qualquer espécie de su jeiçãopara com o estrangeiro é um ato de inépcia e é um crime.

George Washington, na sua mensagem de adeus, verdadeiro esublime testamento, escre veu as seguintes pala vras que a veneração ame-ricana tem conser vado por meio das gerações:

“... DEVEIS TER SEMPRE EM VISTA QUE É LOUCURA OESPERAR UMA NAÇÃO FAVORES DESINTERESSADOS DEOUTRA, E QUE TUDO QUANTO UMA NAÇÃO RECEBECOMO FAVOR TERÁ DE PAGAR MAIS TARDE COM UMA PARTE DA SUA INDEPENDÊNCIA... NÃO PODE HAVER MAIOR ERRO DO QUE ESPERAR FAVORES REAIS DE UMA 

NAÇÃO A OUTRA...”74

Que o conselho de Washington não sir va somente para osseus compatriotas... Os brasileiros de vem aceitar a lição, e, se jam quaisforem as fatalidades do momento, saibam eles repelir o estrangeiro que

só conseguirá aviltar o país que aceitar os seus ser viços.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

No recanto do solo brasileiro de onde escre vemos estas linhas,os meses de setembro e de outubro deste ano de 189375 não se distin-guiram em cousa alguma dos outros anos. Estas semanas são as da pri-meiracarpa das roças e do plantio do milho. Quanta filosofia incons-ciente e prática, quanta sabedoria inata neste povo! E quanto sentimos

que a ci vilização destruísse em nossa alma a serenidade desta gente!Clama alto em nosso espírito a voz da experiência fria e im pla-

cá vel e, pessimista, ela nos diz: A colonização ibérica da América foi uminsucesso, foi uma desgraça para a ci vilização do nosso planeta. Não

 A Ilusão Americana 107

74 … constantly keeping in view that it is folly in one nation to look for desinteres-ted fa vours fromanother; that it must pay with a portion of its independence forwhate ver it may ac cept un der that character. There can be no greater error than toexpect or calculate upon real fa vours from nation to nation.

75 Os primeiros meses da re volta na val de 1893–1894.

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chegam a ser nações os agrupamentos em que gânglios de populações

mestiças, oriundas de todas as inferioridades humanas, querem por forçafingir de po vos... O amálgama artificial chamado Brasil está desfeito, ape sarde duas ou três gerações terem chegado a vi ver e morrer na ilusão doartifício, que agora vai findar.

 Vemos, porém, o bloco imenso de uma rocha ferruginosa; oradecomposta, e que forma uma montanha de terra arroxada, como queembebida do sangue, ainda fresco, de hecatombes recentes. Aquela terra

 já existia há milhares de anos, antes de existir tudo quanto hoje existe efaz ruído. Ela existia antes do tempo em que o exército de Cé sar era

contra a armada de Pompeu. Existirá ainda, quando, de outros ambicio-sos, não restarem nem os nomes pouco ilustres.

7 de no vembro de 1893.

108 Eduardo Prado

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. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 Apêndice

 N O DIA  4 de dezembro de 1893 foi posto este li vro à venda nas li vrarias de São Paulo. Vendidos todos os exemplares prontosnesse dia, foi às li vrarias o chefe de polícia e proibiu a venda. Na manhãseguinte a tipografia em que foi impresso o li vro amanheceu cercadapor uma força de ca valaria, e compareceram à porta da oficina um dele-gado de polícia acompanhado de um burro que puxa va uma carroça. Odelegado entrou pela oficina e mandou juntar todos os exemplaresdo li vro, mandando-os amontoar na carroça. O burro e o delegado le varamo li vro para a repartição da polícia. No mesmo dia a Platéa publica va oseguinte:

Uminter viewcomo Dr. Eduardo Prado. – Como sabem os nos -sos leitores, apareceu à venda o novo li vro do Dr. Eduardo Prado, A

 Ilusão Americana, de cuja aparição nos ocupamos no último número des tafolha.

Todos os exemplares postos à venda no sábado foram vendidos.Soubemos nesse dia que a polícia proibiu a venda do li vro.

O nosso colega Gomes Cardim, por ir lendo num bonde aobra proibida, foi le vado à polícia. O mesmo aconteceu com um ca va-lheiro, de cu jas mãos, na Paulicéia, foi arrancado um exemplar por um

polícia secreta.

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Um redator desta folha foi procurar o autor para ou vir da sua

boca as suas impressões relati vas ao sucesso do seu li vro e o seu parecersobre a proibição.O Dr. Eduardo Prado recebeu muito graciosamente o nosso

companheiro, e não pareceu dar muita importância nem ao li vro nem àsua proibição.

Eis, mais ou menos, o que ele nos disse:– Na minha infância, ha via na rua de São Bento um sapateiro

que tinha uma tabuleta onde vinha pintado um leão que, rai voso, metiao dente numa bota. Por baixo lia-se: Rasgar pode – descoser não.Dê-me licença para plagiar o sapateiro e para dizer: Proibir podem, res-ponder não.

Quanto ao honrado chefe de polícia, penso que S. Exª li-son jeou-me por extremo julgando a minha prosa capaz de derrotar ins-tituições tão fortes e consolidadas como são as instituições republicanasno Brasil.

Demais, S. Exª pode dizer-se que, só por palpite, proibiu oli vro. Saiu o volume às quatro horas e, às cinco, foi proibido antes daautoridade ter tempo de o ler.

Confesso que a publicação foi um ato de ingenuidade da mi-nha parte. Não quero dizer que confiei, e por isso digo antes que es-tribei-me no art. 1º do Decreto nº 1.565 de 13 de outubro passado,regulando o estado de sítio. O vice-presidente da República e o senhorseu ministro do Interior disseram nesse artigo:

“Art. 1º É li vre a manifestação do pensamento pela im prensa,sendo garantida a propaganda de qualquer doutrina política.”

E com suas assinaturas empenharam a sua pala vra nessagarantia. Escre vo um li vro sustentando a doutrina política de que o Bra-sil deve ser li vre e autonômo perante o estrangeiro, e adoto o aforismode Montesquieu, de que as repúblicas de vem ter como fundamento a

 virtude.O go verno é contrário a essas opiniões, e está no seu direito.

Manda, porém, proibir o li vro! Onde está a pala vra do go verno, dadasolenemente num decreto, em que diz garantir a propaganda de qualquer

doutrina política?

110 Eduardo Prado

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 A sabedoria popular diz: Pala vra de rei não volta atrás.

– O povo terá de in ventar outro pro vérbio para a pala vra do vice-presidente da República.

∗ ∗ ∗

O autor recebeu de todos os pontos do Brasil grande númerode cartas pedindo-lhe um exemplar do li vro proibido. Estas cartas vinhamassinadas por nomes dos mais distintos do País, e a todos estes corres-pondentes peço desculpa por me ter sido impossí vel aceder aos seuspedidos. Mencionarei somente, para pro va de que os republicanos brasi-

leiros, alguns não são inimigos da liberdade de pensamento, uma cartado Sr. Saldanha Marinho, em que este patriarca do republicanismo, sau-doso decerto das práticas liberais da monarquia e rebelde às idéias liberti-cidas de hoje, protesta va contra a proibição deste trabalho. A to dos e acada um cabem o agradecimentos do autor.

  N. B. Este trabalho, tal qual foi escrito para a primeira edição, foi redigido sem oautor ter os seus li vros à mão, nem as suas notas. Na edição atual todos os fatos citadossão justificados com a citação das fontes oficiais ou dos autores que relatam os mes mos

fatos.

 A Ilusão Americana 111

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. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

 ÍndiceOnomástico

 A 

 ABAETÉ (visconde de) – 67

 ADAMS– 56, 72

 ALBERDI – 51 ALCMENE – 91

 ALEXANDRE II – 32 ALTAMIRANO – 35

 ANDERSON, W. E. – 103 ANFITRIÃO – 91

 ARINOS (barão) – 28 ARON – 72

 ARTHUR – 57, 58

B

BAEDEKER – 73

BALMACEDA – 59

BANCROFT, H. H. – 29, 30, 31, 71, 72

BATES – 104BELMONT, Perry – 58

BISMARCK – 71, 73, 81

BLAINE, James C. – 53, 54, 55, 56, 57,58, 59, 85, 86, 87

BLAINE, Walker – 57BLISS – 62BLUNTSCHILI – 27

BOCAIÚVA, Quintino – 37, 102

BOISGILBERT, Edmund – 84BONAPARTE, Napoleão – 55

BORUP – 73

BOWEN – 102

BRANCH, John – 21

BRIGHT, John – 96

BROCON, G. – 38

BUCHANAN – 38, 40, 43

BULWER, Henry Lytton (sir ) – 43

BURKE, William – 15

BURTON, Richard – 104

C

CAHTEUBRIANT – 15CALHOUN – 16CALVO, Carlos – 16, 42, 60

CAMPOS, Carneiro de – 29CANNING – 16

CARNEGIE, Andrew – 82, 83

CARVALHO BORGES – 66

CASTELLON – 39

CATILINA – 54

CAXIAS (mar quês de) – 56, 62, 64

CECIL (lorde) – 96

CÉSAR – 72, 108CHAMARRO – 39

CINCINATO – 54

CLAPP, Joshua M. – 103CLARENDON (lorde) – 43CLAY, Henry – 18, 21, 34, 53

COBDEN – 96

COMTE, Au gus to – 12, 32CORRAL – 40

COUTO, José Ferrer de – 45CRIQUE – MOUILÉE (duque de) – 92

CRISTIE – 96

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D

DAVIS – 40, 62DE ANGELIS – 68DÍAZ, Porfirio – 32, 34, 35, 38, 69

DOLLINGER, J. I. von – 79, 80

DREYFUS – 57DUNCAN, Silas – 24

E

EGAN, Patrick – 59

EUDEL, Paul – 93EVARTS – 35

F

FABRÍCIO – 54FISHER, Geo P. – 67

FRÂNCIA – 12

FREDERICO CARLOS – 71

FRITZ, Sa mu el – 13

G

GAINES – 30

GARFIELD – 53, 55, 56, 57, 58

GENGISKAN – 72GHUYSEN, Frelin – 58

GIBBONS (cardeal) – 81GLADSTONE (os) – 55

GOMES, Cardim – 109

GONZÁLEZ – 34, 35, 38GRANT – 35, 36, 37, 38, 45, 69, 71, 73

GRENOUGH – 91

GRÉVY – 57GRÓCIO – 28

GROLUND – 32GUILHERME II (imperador) – 56, 71,

74, 81

GUITEAU – 57GUYOT, Yves – 78

H

HAMILTON – 18, 53HARRISON – 59, 83, 85

HART – 104HAYDN’S – 41

HAYES – 56HAYNE – 18

HÉRCULES – 91HERTSLET – 43HOLST, von – 16, 18, 34, 41

HOOK, Sandy – 69HOPKINS – 59, 60

HORN – 36HURLBUTH – 53, 56

I

IPHICLES – 91IRELAND – 81

ISABEL – 32

J

 JACKSON – 30, 72 JAY – 20, 31 JOVE – 91

 JUÁREZ – 32

KILPATRIK – 56KIRKLAND – 62

KOSCIUSKO – 72

L

LAFAYETTE – 72, 73

114 Eduardo Prado

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LASKER – 73

LESSEPS – 43, 46

LINCOLN – 32, 57, 72

LIVERMORE – 31

LOPÉZ, F. Solano – 12, 25, 29, 45, 46,56, 61, 63

LUÍS XVI – 15

LYNCH – 61, 62

M

MAC-MAHON, T – 25, 56, 62, 63

MADISON – 72

MAGALHÃES TAQUES – 28

MAIA – 20

MANNING – 81

MARCOLETA – 39

MARCY – 39

MARIA ANTONIETA – 15

MARTIUS – 104MASON – 29

MASTERMAN – 62

MAURY – 68, 69MAYORGA – 39

MENDONÇA, Sal vador de – 88, 93, 94

MERVINE – 40

MESSALA,Valério – 100

MIGUEL (dom) – 23MILLER, Joaquim – 41

MONROE – 16, 17, 19, 20, 24, 25MONTESQUIEU – 54, 110

MORA – 40MURRAY, William P. – 61

N

NAPOLEÃO III – 71

P

PARDO – 50PAULDING – 41PEDRO II (dom) – 64, 92

PENEDO (barão de) – 68PÉRICLES – 32PINKERTONS(os) – 82, 83PINTO GUEDES – 22

PLÍNIO – 100POE, Edgard – 36

POMPEU – 108PRADO, Eduardo – 50, 109, 110

PRADT, Abbé de – 15

Q

QUEIROZ, Eça de – 51

RAGUET – 20, 21, 22, 66RAMSEY – 62RAYMONDI – 48

RÉCLUS, Elisée – 43, 104RIVAS, Patrício – 40

ROCHAMBEAU – 72, 73ROSAS – 23

ROTHESAY (lorde) – 20ROUSSIN – 22

RUSH – 16

S

SAGASTUME, Varquez – 29SAINT- HILAIRE, Auguste – 104

SALDANHA MARINHO – 102, 111SALISBURY (lorde) – 96

SALISBURY (os) – 55

SALMON – 41

  A Ilusão Americana 115

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SALOMON – 92SAMPER, J. M. – 16SARGENT – 73

SAY, Léon – 78SELDEN – 28SEWARD – 27, 53

SHERIDAN – 71SLIDDEL – 29

SMITH, Franck – 103SPARTACUS – 72

SPENCER , Herbert – 101STENDHAL – 80STUART, Charles – 20SYLLA – 54

T

TALMAGE, Da vid M. – 60TATTNAL – 74

TEJADA, Sebastian Lerdo de (don) – 32THOMAS JEFFERSON – 16, 20, 61, 72

TIBÉRE – 72TILDEN – 56TOCORNAL, Ma nu el A. (dom) – 51

TOD, Da vid – 66, 67TRESCOTT – 57, 58

TUDOR, William – 20, 21, 22, 23, 66TURGOT – 15

V

 VALENTINAS, Lomas – 56

 VELÁSQUEZ – 100 VERSEN, Von – 56 VICTOR HUGO – 71, 73 VIEIRA, João Pedro Dias – 51 VIGIL – 40

 VOSS – 30

W

WALKER, William – 38, 39, 40, 42, 67WARRE, Margaret – 80WASHBURN – 25, 56, 61, 62, 64

WASHINGTON, George – 15, 107WEBB – 65, 66

WEBSTER, Daniel – 24, 53WELLINGTON (duque de) – 92WELLINGTON (lorde) – 15, 16WELLS – 65

WHEELER – 39WHITNEY, James A. – 75WILSON – 57

116 Eduardo Prado

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