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1 POTENCIALIDADES DE RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO COMO MATERIAL ALTERNATIVO SUSTENTÁVEL PARA CONSTRUÇÃO DE PAVIMENTOS M. F. MATUELLA L. DELONGUI Eng.º Civil MSc. Eng.ª Civil UFRGS UFRGS Porto Alegre; Brasil Porto Alegre; Brasil [email protected] [email protected] W. P. NÚÑEZ L. C. P. SILVA FILHO Prof. Dr. Eng.ª Civil Prof. Dr. Eng.ª Civil UFRGS UFRGS Porto Alegre; Brasil Porto Alegre; Brasil [email protected] [email protected] RESUMO Pensando em reduzir a quantidade de matérias-primas extraídas da natureza, e ao mesmo tempo em atribuir um destino mais nobre a esses materiais, percebe-se, na área da pavimentação, a possibilidade de combater esses dois problemas. Desta forma, o presente trabalho visou analisar as características físicas e mecânicas dos RCD em seu estado natural, provenientes de usinas de reciclagem, e desse material misturado com cimento Portland, aplicados em camadas inferiores de pavimentos. Utilizando métodos mecanísticos de dimensionamento, com auxílio do software Everstress 5.0, foi possível um melhor entendimento dos resultados e das implicações do uso dos resíduos de construção e demolição melhorados com cimento Portland em camadas suporte de pavimentos, mostrando que é possível aliar um relevante desempenho estrutural às questões ambientais. 1. INTRODUÇÃO A construção civil é, sabidamente, uma das áreas mais importantes para o desenvolvimento de uma sociedade. Desde as mais antigas civilizações conhecidas, percebe-se que, ligadas ao crescimento, estão sempre presentes a construção de edificações, de estradas e de outras obras, para facilitar a vida das pessoas. Entretanto, para que esse grande conjunto de obras possa ser executado, uma grande quantidade de matéria prima é necessária, gerando, as vezes, uma exploração desordenada e irresponsável das reservas naturais do planeta. Essa extração de material, em geral, promove a degradação do meio ambiente, por exemplo, com a destruição de florestas, de pedreiras, e o com o expurgo, de forma inadequada e em locais inapropriados, do que não é aproveitado. Fora algumas iniciativas pontuais, como a reutilização de escombros na geração de concreto após a Segunda Guerra Mundial (NAGALLI [1]), pouco reaproveitamento era realizado. Buscando amenizar essa situação, pesquisas sobre a utilização de Resíduos de Construção e Demolição (RCD) vêm sendo feitas, de forma que a indústria da construção civil possa se desenvolver de uma forma mais sustentável. A exemplo disso, temos a pesquisa desenvolvida por Delongui [2], que estudou a geração e o gerenciamento dos resíduos sólidos do município de Santa Maria, no estado do Rio Grande do Sul (RS), e a possibilidade de sua aplicação em pavimentação. Buscando-se a aplicação destes resíduos como material alternativo aos agregados clássicos da pavimentação em camadas inferiores de pavimentos e assim um modo menos agressivo, em termos ambientais, propõe-se a utilização dos RCD em seu estado natural e também desse material misturado com Cimento Portland. Por serem resíduos gerados em diferentes etapas construtivas, em sua maioria, os RCD são compostos de uma gama diversa de materiais, como concreto, argamassa, gesso, materiais cerâmicos, derivados de rocha e contaminantes, que apresentam características diferentes entre si, e, quando em conjunto, normalmente apresentam baixa resistência devido a fatores como a alta porosidade e abrasividade. Essas pesquisas, portanto, se mostram necessárias para cada fonte geradora de RCD, e forma que seja possível avaliar o comportamento desse material, e sua utilização possa ser feita de maneira viável, segura e ecologicamente correta.

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1

POTENCIALIDADES DE RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO COMO

MATERIAL ALTERNATIVO SUSTENTÁVEL PARA CONSTRUÇÃO DE PAVIMENTOS

M. F. MATUELLA L. DELONGUI

Eng.º Civil MSc. Eng.ª Civil

UFRGS UFRGS

Porto Alegre; Brasil Porto Alegre; Brasil

[email protected] [email protected]

W. P. NÚÑEZ L. C. P. SILVA FILHO

Prof. Dr. Eng.ª Civil Prof. Dr. Eng.ª Civil

UFRGS UFRGS

Porto Alegre; Brasil Porto Alegre; Brasil

[email protected] [email protected]

RESUMO

Pensando em reduzir a quantidade de matérias-primas extraídas da natureza, e ao mesmo tempo em atribuir um destino

mais nobre a esses materiais, percebe-se, na área da pavimentação, a possibilidade de combater esses dois problemas.

Desta forma, o presente trabalho visou analisar as características físicas e mecânicas dos RCD em seu estado natural,

provenientes de usinas de reciclagem, e desse material misturado com cimento Portland, aplicados em camadas

inferiores de pavimentos. Utilizando métodos mecanísticos de dimensionamento, com auxílio do software Everstress

5.0, foi possível um melhor entendimento dos resultados e das implicações do uso dos resíduos de construção e

demolição melhorados com cimento Portland em camadas suporte de pavimentos, mostrando que é possível aliar um

relevante desempenho estrutural às questões ambientais.

1. INTRODUÇÃO

A construção civil é, sabidamente, uma das áreas mais importantes para o desenvolvimento de uma sociedade. Desde as

mais antigas civilizações conhecidas, percebe-se que, ligadas ao crescimento, estão sempre presentes a construção de

edificações, de estradas e de outras obras, para facilitar a vida das pessoas. Entretanto, para que esse grande conjunto de

obras possa ser executado, uma grande quantidade de matéria prima é necessária, gerando, as vezes, uma exploração

desordenada e irresponsável das reservas naturais do planeta. Essa extração de material, em geral, promove a

degradação do meio ambiente, por exemplo, com a destruição de florestas, de pedreiras, e o com o expurgo, de forma

inadequada e em locais inapropriados, do que não é aproveitado.

Fora algumas iniciativas pontuais, como a reutilização de escombros na geração de concreto após a Segunda Guerra

Mundial (NAGALLI [1]), pouco reaproveitamento era realizado. Buscando amenizar essa situação, pesquisas sobre a

utilização de Resíduos de Construção e Demolição (RCD) vêm sendo feitas, de forma que a indústria da construção

civil possa se desenvolver de uma forma mais sustentável. A exemplo disso, temos a pesquisa desenvolvida por

Delongui [2], que estudou a geração e o gerenciamento dos resíduos sólidos do município de Santa Maria, no estado do

Rio Grande do Sul (RS), e a possibilidade de sua aplicação em pavimentação.

Buscando-se a aplicação destes resíduos como material alternativo aos agregados clássicos da pavimentação em

camadas inferiores de pavimentos e assim um modo menos agressivo, em termos ambientais, propõe-se a utilização dos

RCD em seu estado natural e também desse material misturado com Cimento Portland. Por serem resíduos gerados em

diferentes etapas construtivas, em sua maioria, os RCD são compostos de uma gama diversa de materiais, como

concreto, argamassa, gesso, materiais cerâmicos, derivados de rocha e contaminantes, que apresentam características

diferentes entre si, e, quando em conjunto, normalmente apresentam baixa resistência devido a fatores como a alta

porosidade e abrasividade.

Essas pesquisas, portanto, se mostram necessárias para cada fonte geradora de RCD, e forma que seja possível avaliar o

comportamento desse material, e sua utilização possa ser feita de maneira viável, segura e ecologicamente correta.

M.F. Matuella, L. Delongui, W.P. Núñez, L.C.P. Silva filho. Potencialidades de resíduos de construção e demolição

como material alternativo sustentável para construção de pavimentos

2

Desta forma, para que se possa avaliar o comportamento desses resíduos, propôs-se um estudo envolvendo a

caracterisação física e a avaliação do comportamento mecânico dos RCD in natura e misturado com Cimento portland,

provenientes de uma usina de beneficiamento do município de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.

2. DESENVOLVIMENTO EXPERIMENTAL

2.1 Material utilizado

Para o desenvolvimento deste trabalho, foram utilizados RCD provenientes de uma organização não governamental

(ONG), situada na zona sul de Porto Alegre. Essa organização foi montada, em parceria com o prefeitura da cidade,

para gerar renda às famílias que foram realocadas de suas residências para a construção de um shopping center,

concomitante à entrada em vigor da legislação que proibiu a circulação de veículos de tração animal, impossibilitando

essas pessoas de gerar renda com o recolhimento de papelão, metais, plásticos, etc. Com essa nova opção de trabalho,

além do benefício social, o meio ambiente foi favorecido de uma forma economicamente viável. Ao invéz deste

material ser disposto de forma inadequada (as vezes clandestina) em aterros ou mesmo em terrenos baldios, na ONG

esse material foi aproveitado como agregado para a confecção de blocos intertravados para pavimentação e blocos de

concreto para construções de alvenaria, posteriormente comercializados pela ONG.

Esses resíduos são recolhidos na cidade pelo Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), que entrega o

material na ONG, onde é feito seu beneficiamento; nesse processo, o material é despejado em um local específico para

armazenamento. Na sequência, os resíduos são levados a uma mesa de catação, onde são retiradas suas impurezas,

como vidros, plásticos, madeiras, metais, gesso, entre outros. Estes resíduos perigosos, de acordo com o que é

estabelecido pela Resolução Conama n. 307 (CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE [3]), são recolhidos e

enviados para locais adequados, enquanto o restante do material, em uma etapa seguinte, é levado ao britador, onde o

tamanho das partículas é reduzido, de forma que o material passe em uma peneira com abertura de 2”.

Além da análise dos RCD em seu estado natural, este estudo foi conduzido utilizando-se RCD misturados com Cimento

Portland, em uma proporção de 3% do peso de agregado reciclado. Com isso, foi possível comparar a utilização deste

material mais resistente com os RCD in natura, de modo que menores quantidades de material atingissem um mesmo

desempenho ou que com o mesmo volume de material, se conseguisse obtermaiores resestências.

2.2 Ensaios de caracterização física

Antes de se escolher os tipos de agregados a serem utilizados nas camadas constituintes de um pavimento, deve-se

assegurar que estes atendam às recomendações mínimas normativas, evitando problemas estruturais posteriores. A

utilização de materiais com baixa resistência mecânica pode levar a deformações excessivas, enquanto materiais

altamente abrasivos podem, durante o processo de compactação, sofrer uma grande variação de granulometria.

Evidencia-se, então, a necessidade da realização de ensaios laboratoriais para verificar se as características dos materiais

são adequadas.

2.2.1 Ensaio de granulometria

A caracterização granulométrica de um agregado é feita de acordo com o procedimento indicado na Norma DNER–ME

083 (DEPARTAMENTO NACIONAL DE ESTRADAS DE RODAGEM [4]). Este ensaio é de grande importância,

pois é com base nas curvas granulométricas que se verifica se o material pode ou não ser utilizado em determinada

camada.

Para realização do ensaio, foi utilizado um peneirador mecânico, onde foram trabalhadas 6 amostras secas (B01 a B06)

de aproximadamente 25 kg de RCD cada, provenientes de quarteamento. Após realizado o ensaio, foram obtidas 6

curvas granulométricas e a curva granulométrica média que as representa, apresentadas na figura 1.

M.F. Matuella, L. Delongui, W.P. Núñez, L.C.P. Silva filho. Potencialidades de resíduos de construção e demolição

como material alternativo sustentável para construção de pavimentos

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Figura 1: Curvas Granulométricas (à esquerda) e Curva Granulométrica Média (à direita)

2.2.2 Ensaio de abrasão Los Angeles

Durante as etapas de transporte e de compactação dos agregados em campo, pode haver uma grande variação na

granulometria, devido à abrasão do material, causando mudança no seu comportamento e podendo levar ao

comprometimento da percolação de água e do intertravamento dos agregados graúdos. Desta forma, a realização desse

ensaio é importante para verificar o desgaste físico sofrido pelo agregado.

A separação da amostra de material a ser ensaiado foi feita de forma que esta se enquadrasse na graduação A da Norma

NBR NM 51 (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS [5]). A escolha desta graduação derivou da

curva apresentada no ensaio de granulometria. Essa amostra foi então colocada dentro da Máquina Los Angeles,

juntamente com 12 esferas metálicas. O equipamento foi fechado e deu-se início ao ensaio. Após 500 revoluções do

cilindro, cessaram os giros e o material foi retirado da máquina e peneirado na peneira 1,7 mm. O material retido nessa

peneira foi pesado e, a partir desse peso, procedeu-se com o cálculo da abrasão, utilizando-se a equação 1, que resultou

em uma perda de material de 59,35%.

𝑃 = 𝑚−𝑚1

𝑚𝑥100 (1)

Onde:

P é a perda de massa por abrasão em %;

m é a massa da amostra seca;

m1 é a massa de material retido na peneira 1,7 mm.

2.2.3 Ensaio de compactação

Buscando-se obter a umidade que um material deve estar para que, quando compactado, tenha o máximo peso

específico e, consequentemente, a menor quantidade de vazios em seu interior, deve-se realizar o ensaio de

compactação. No presente estudo, este ensaio foi realizado tanto para os RCD misturados com Cimento Portland,

quanto para o RCD em seu estado natural, buscando observar possíveis variações nos parêmetros de umidade ótima e

peso específico aparente seco.

A partir da curva granulométrica média, foram dosadas 20 porções de RCD de mesma composição, sendo a metade

delas separada para o desenvolvimento do ensaio com os RCD em seu estado natural, e o restante para os RCD com

adição de cimento Portland. Inicialmente, trabalhou-se com pequenas quantidades de água, que deixaram o material

com umidade em torno de 9,5%. Para cada nova amostra ensaiada, um teor de umidade levemente maior foi utilizado,

visando abranger um intervalo representativo para esse tipo de material, chegando a valores de 17%, no qual já ficou

evidente a ocorrência de exsudação da água.

O ensaio foi conduzido conforme a a Norma DNIT 164 (DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA

DE TRANSPORTES [6]), utilizando-se energia intermediária de compactação. Após graficar os diversos pontos

encontrados, com auxílio de planilha eletrônica, traçou-se as curva de tendência que ligam esses pontos, para o RCD

com e sem cimento, apresentados na figura 2. Nos pontos de máximo dessas curvas, encontrou-se o valor do peso

0

20

40

60

80

100

0.01 0.1 1 10 100

% p

assa

nte

# peneira (mm)

B01

B02

B03

B04

B05

B06

0

20

40

60

80

100

0.01 0.1 1 10 100

% p

assa

nte

# peneira (mm)

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como material alternativo sustentável para construção de pavimentos

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específico aparente seco máximo desses materiais; associado a esses pontos, encontrou-se a umidade ótima para cada

situação analisada. Esses valores são apresentados na tabela 1.

Figura 2: Curvas de compactação dos RCD com Cimento (à esquerda) e sem Cimento (à direita)

Tabela 1 – Umidade ótima e peso específico aparente seco máximo

RCD ω0 γd

Com Cimento 15,8 1,688

Sem Cimento 15,2 1,695

Com este ensaio, foi possível perceber um comportamento atítipo nas curvas de compactação desses materiais. Grandes

variações na umidade de compactação, não resultaram em grandes variações no peso específico. Tal comportamento de

deve, provavelmente, à elevada absorção de água desses resíduos. Desta forma, optou-se por adotar como umidade

ótima a quantidade de água presente no material antes de ocorrer exsudação, de forma que não falte água para atuar

como agente lubrificante entre as particulas, mas que também não haja líquido ocupando espaços que poderiam ser

ocupados por materiais sólidos.

2.3 Ensaios de comportamento mecânico

Além da caracterização física, compreender comportamento mecânico dos materiais é de suma importância para que

seja estudada sua aplicabilidade. Desta forma, foram realizados os ensaios de compressão simples, de carregamento

axial monotônico e de carregamento axial de cargas repetidas. Para a realização destes ensaios, foram utilizados corpos

de prova cilíndricos de 10 cm de diâmetro e 20 cm de altura, com auxílio de um cilindro metálico tripartido.

Os ensaios realizados com os RCD sem cimento, foram realizados imediatamente após a moldagem dos corpos de

prova, sem variação no tempo de cura. Já os ensaios realizados com os RCD onde houve adição de Cimento Portland,

foram feitos em 3 diferentes tempos de cura: 3, 7 e 14 dias, buscando avaliar o aumento da resistência com o passar do

tempo, sem realizar ensaio imediatamente após a moldagem.

2.3.1 Ensaio de compressão simples

Comumente utilizado para avaliação da resistência de materiais cimentados, este ensaio foi realizado também para

corpos de prova moldados com os RCD em seu estado natural para que se pudesse avaliar o ganho de resistência do

material, quando moldado com cimento. O valor da resistência à compressão simples (RCS) do material com cimento

foi, posteriormente, utilizado como parâmetro para o dimensionamento de pavimentos, utilizando-se o método

mecanístico do South African Pavement Engineering Manual (SAPEM) (SOUTH AFRICAN NATIONAL ROADS

AGENCY LTD [5]). Os resultados obtidos são apresentados na figura 3, onde pode-se perceber um grande elevação na

resistência co material.

1.400

1.500

1.600

1.700

1.800

1.900

2.000

9 10 11 12 13 14 15 16 17

γ d (

gf/cm

3)

Umidade (%)

1.400

1.500

1.600

1.700

1.800

1.900

2.000

9 10 11 12 13 14 15 16 17

γ d (

gf/cm

3)

Umidade (%)

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Figura 3: Resistência à compressão simples

2.3.2 Ensaio de carregamento monotônico

Para obter os valores de coesão (c) e ângulo de atrito (ϕ), dentre outros ensaios, em função do tamanho das partículas,

optou-se pela realização do ensaio de carregamento monotônico. De simples realização, este ensaio consiste no

confinamento do corpo de prova em uma determinada tensão, seguido da aplicação de um deslocamento vertical

constante, até a sua ruptura. Neste estudo, cada um dos corpos de prova foi confinado em uma diferente tensão (25 kPa,

50 kPa e 100 kPa) em uma câmara triaxial.

Durante a realização do ensaio, para cada corpo de prova, é traçada uma curva de tensão versus deformação, na qual o

ponto de máximo é a tenção de ruptura. Dispondo ta tensão de ruptura para cada uma das três situações de tensão

confinante, são geradas as trajetórias de tensão para cada um dos corpos de prova ensaiados. Com estas trajetórias, no

diagrama p versus q (figura 4), é gerada a linha kf, de onde foram obtidos os parâmetros a e α; com estes, utilizando as

equações 2 à 6, foi possível calcular os valores de c e ϕ , apresentados na tabela 2.

Figura 4 – Câmara triaxial aberta, antes do ensaio (à esquerda) e fechada, depois do ensaio (à direita)

q = σ1 − σ3

2

(2)

p = σ1 + σ3

2

(3)

q = a + p ∗ tg(α) (4)

sen(ϕ) = tg(α) (5)

c = a

cos (ϕ)

(6)

3 dias

7 dias 14 dias

0.00

0.50

1.00

1.50

2.00

2.50

3.00

3.50

0 5 10 15

Res

istê

nci

a (M

Pa)

Tempo (dias)

Com Cimento

Sem Cimento

y = 0.8087x + 7.2455

R² = 0.9988

0

100

200

300

400

500

0 200 400 600

p

q

100 kpa

50 kpa

25 kpa

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como material alternativo sustentável para construção de pavimentos

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Onde:

Q é a tensão desvio dividida por 2;

p é a média das tensões principais;

ϕ é o ângulo de atrito;

c é a coesão;

σ1 é a tensão vertical;

σ3 é a tensão confinante;

a e α são parâmetros do diagrama p x q.

Tabela 2 – Parâmetros de resistência do RCD in natura

RCD a α c Φ

Sem Cimento 7,25 38,96 12,3 54º5

2.3.3 Ensaio de módulo de resiliência

O ensaio de módulo de resiliência, atualmente, é um dos principais ensaios realizados para avaliação da rigidez de

materiais utilizados na pavimentação; é um experimento que ajuda a avaliar a capacidade dos materiais de se

deformarem sob ação de um carregamento e de retornarem à condição inicial. É com base neste ensaio que se

fundamenta o dimensionamento mecanístico de pavimentos. Para sua realização, diferentes pares de tensão (confinante

e desvio) são aplicados com valores crescentes, avaliando o deslocamento vertical do corpo de prova quando essas

cargas são aplicadas.

No presente trabalho, o comportamento resiliente dos RCD in natura e melhorados com cimento foram desenvolvidos

seguindo o modelo MR-θ, apresentado pela fórmulas 7 à 9. Para cada tempo de cura, três corpos de prova foram

ensaiados e os valores médios utilizados para essa modelagem. Na figura 5 são apresentados os comportamentos

resilientes médios para cada diferente tempo de cura e para os corpos de prova de RCD sem cimento. A partir desses

comportamentos foram então encontrados os valores de k1 e k2, apresentados na tabela 3.

MR = k1 ∗ (θ

Patm)

k2

(7)

θ = 3 ∗ σ3 + σd (8)

σd = σ1 − σ3 (9)

Onde:

MR é o módulo de resiliência;

k1 e k2 são parâmetros estatísticos dos modelos;

Patm é a pressão atmosférica;

σ3 é a tensão confinante;

σ1 é a tensão principal;

σd é a tensão desvio.

Figura 5 – Comportamento resiliente doscorpos de prova, segundo o modelo MR- θ

1

10

100

1000

10000

0.1 1 10

Módulo

de

Res

iliê

nci

a (M

Pa)

θ

3 dias de cura

7 dias de cura

14 dias de

curaSem cimento

M.F. Matuella, L. Delongui, W.P. Núñez, L.C.P. Silva filho. Potencialidades de resíduos de construção e demolição

como material alternativo sustentável para construção de pavimentos

7

Tabela 3 – Parâmetros do modelo MR- θ

Amostra k1 k2 R²

Sem cimento 53,47 0,79 0,83

3 dias 91,94 0,58 0,61

7 dias 110,05 0,55 0,66

14 dias 222,39 0,92 0,83

3. COMPARAÇÃO DE ESTRUTURAS DIMENSIONADAS COM RCD

Dispondo dos valores obtidos com a execução do plano experimental, partiu-se para o dimensionamento de estruturas

de pavimentos, com auxílio do software Everstress 5.0, utilizando o método mecanístico. Tais estruturas foram

dimensionadas com 3 tipos diferentes de materiais (RCD in natura, RCD com cimento e brita graduada simples) nas

camadas de base e diversas espessuras para essas camadas, de forma que fosse possível sua comparação, em função do

número N de passagens de um eixo padrão até a ruptura das mesmas. Essa combinação de materiais e espessuras está

representada na figura 6.

Figura 6. Modelo das estruturas analisadas

A partir das análises realizadas, foram compiladas, na tabela 4, as espessuras mínimas das camadas de base, em

diferentes circunstâncias, para que o pavimento atinja uma determinada vida útil, quando dimensionado com RCD

melhorados com cimento Portland. Além disso, foram geradas também as tabelas 5, 6 e 7, mostrando os valores

alcançados de N, com os diferentes materiais utilizados, para as várias espessuras de camada de base.

Tabela 4. Espessuras de camadas de base quando analisada a ruptura por fadiga da camada cimentada

Tabela 5. Variação do N em um subleito com MR de 100 Mpa na avaliação da deflexão no topo do pavimento

N 50 MPa 100 MPa 150 MPa

10^5 32 cm 21 cm 15 cm

10^6 41 cm 30 cm 24 cm

10^7 52 cm 44 cm 38 cm

MR subleito

RCD+CP BGS RCD

15 2,5E+07 8,3E+06 6,4E+06

20 2,8E+07 5,7E+06 4,1E+06

25 3,1E+07 4,2E+06 2,9E+06

30 3,4E+07 3,3E+06 2,2E+06

35 3,6E+07 2,7E+06 1,8E+06

40 3,9E+07 2,3E+06 1,4E+06

45 4,1E+07 1,9E+06 1,2E+06

50 4,3E+07 1,7E+06 1,0E+06

Material

Esp

essu

ra (

cm)

M.F. Matuella, L. Delongui, W.P. Núñez, L.C.P. Silva filho. Potencialidades de resíduos de construção e demolição

como material alternativo sustentável para construção de pavimentos

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Tabela 6. Variação do N em um subleito com MR de 100 Mpa na avaliação da deformação no topo do subleito

Tabela 6. Variação do N em um subleito com MR de 100 Mpa na avaliação da fadiga da camada asfáltica

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos ensaios promovidos durante este estudo, dos resultados provenientes destes experimentos, da análise dos

dados e da comparação das estruturas de pavimentos feita no capítulo anterior, podemos inferir algumas considerações:

a) Os RCD, por serem materiais muito heterogêneos, implicam em contínua avaliação de suas características,

já que diferentes usinas de beneficiamento podem receber materiais de diferentes composições;

b) Em geral, o RCD sem cimento apresentou resistências no mesmo nível da brita graduada, enquanto o RCD

com cimento apresentou resistência (no pior caso) três vezes maior qur o RCD in natura;

c) Embora haja uma aumento de aproximadamente 1% na umidade ótima dos RCD quando misturados com

cimento, o peso específico aparente seco do material não apresentou uma variação significativa;

d) Os RCD in natura apresentaram abrasividade superior ao valor estabelecido por norma (50%), mostrando

que deve-se ter atenção quanto a esta característica;

e) Os ensaios de compressão simples e módulo de resiliência mostraram que há um grande ganho de

resistência ao se adicionar cimento portland aos RCD; tal comportamento tem influência direta no

comportamento apresentado pelas estruturas dimensionadas;

f) A análise mecanística do comportamento de pavimentos é indispensável, hoje em dia, ao se dimensionar

estruturas das quais esperamos um bom comportamento, pois sem essa análise, diversos fatores relevantes

não são abordados, comprometendo a vida útil dessas estruturas;

g) Ao utilizar os RCD em camadas inferiores de pavimento, um grande benefício estará sendo gerado para o

meio ambiente, ao se evitar danos na extração e deposição de materiais na natureza.

5. REFERÊNCIAS

[1] NAGALLI, A. Gerenciamento de resíduos sólidos na construção civil. São Paulo: Oficina de Textos, 2014..

[2] DELONGUI, L. Caracterização e adequação dos resíduos da construção civil produzidos no município de Santa

Maria-RS para aplicação em pavimentação. 2012. 220 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil e Ambiental) –

Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil e Ambiental, UFSM, Santa Maria, 2012.

[3] CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE. Resolução Conama n. 307: Estabelece diretrizes, critérios e

procedimentos para a gestão dos resíduos da construção civil. Brasília, DF, 2002

[4] DEPARTAMENTO NACIONAL DE ESTRADAS DE RODAGEM. DNER-ME 083/98: agregados – análise

granulométrica. Rio de Janeiro, 1998.

[5] SOUTH AFRICAN NATIONAL ROADS AGENCY LTD. South African pavement engineering manual: Chapter

10 – Pavement Design. Pretória, 2013.

RCD+CP BGS RCD

15 5,1E+06 2,9E+06 2,8E+06

20 1,8E+07 8,7E+06 8,5E+06

25 4,8E+07 2,1E+07 2,0E+07

30 1,1E+08 4,2E+07 4,0E+07

35 2,1E+08 7,5E+07 7,2E+07

40 3,8E+08 1,3E+08 1,2E+08

45 6,3E+08 2,0E+08 1,9E+08

50 1,0E+09 3,0E+08 2,8E+08

Esp

essu

ra (

cm)

Material

RCD+CP BGS RCD

15 3,5E+06 8,6E+05 6,3E+05

20 3,2E+06 7,0E+05 5,2E+05

25 2,9E+06 6,0E+05 4,5E+05

30 2,7E+06 5,2E+05 4,0E+05

35 2,6E+06 4,7E+05 3,6E+05

40 2,4E+06 4,3E+05 3,3E+05

45 2,3E+06 3,9E+05 3,0E+05

50 2,2E+06 3,6E+05 2,8E+05

Material

Esp

essu

ra (

cm)