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FINANÇAS PÚBLICAS: O “PONTO CEGO” DA AÇÃO DO ESTADO Vanice Regina Lírio do Valle A falta de compreensão sobre o orçamento público – como ele se constrói, mas cima de tudo, como se executa – está na raiz do conhecido problema de desatendimento pelo Estado de compromissos que a Constituição lhe traça. Notícia recente no CONJUR mostra outra manifestação disso. A notícia é de uma decisão da 6ª Vara Federal de Campinas, onde se proíbe a União de empreender ao contingenciamento de recursos do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. Vamos traduzir o que isso quer dizer. No orçamento público, é possível a criação por lei, de “fundos especiais”. Isso nada mais é do que associar uma determinada receita (na hipótese da notícia, são recursos que venham de condenações judiciais por violação a direitos coletivos) a uma finalidade específica. A expressão comum é “carimbar o dinheiro” – tudo que venha daquela fonte só pode ser aplicado naquela destinação. Criar fundos especiais é um mecanismo relativamente comum de garantir que determinadas atividades (que nem sempre são prioridade dos governantes) venham ter conte de recursos, de financiamento. O FDD, mencionado na notícia, se relaciona a violação a direitos coletivos – pense por exemplo, no desastre de Mariana, onde além da população ribeirinha, há uma lesão ao direito coletivo de proteção ao meio ambiente. A notícia dá conta de que esse “dinheiro carimbado” não vem sendo objeto de aplicação – não se tem realizado o empenho, que é a primeira providencia técnica para aplicar os recursos. E porque isso? Aparentemente para favorecer o saldo final das contas do governo – para não agravar o déficit público, a circunstância de que se está gastando mais do que se arrecada. O resultado final, todavia, é que o fundo especial não tem utilidade nenhuma, porque embora os recursos fiquem “carimbados”, eles não são Visiting Fellow junto ao Human Rights Program da Harvard Law School. Pós-doutorado em Administração pela EBAPE – Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV/Rio); Doutorado em Direito pela UGF. Professora Permanente do PPGD/UNESA, Membro do Instituto de Direito Administrativo do Estado do Rio de Janeiro e Procuradora do Município do Rio de Janeiro.

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FINANÇAS PÚBLICAS: O “PONTO CEGO” DA AÇÃO DO ESTADO

Vanice Regina Lírio do Valle

A falta de compreensão sobre o orçamento público – como ele se constrói,

mas cima de tudo, como se executa – está na raiz do conhecido problema de

desatendimento pelo Estado de compromissos que a Constituição lhe traça.

Notícia recente no CONJUR mostra outra manifestação disso.

A notícia é de uma decisão da 6ª Vara Federal de Campinas, onde se

proíbe a União de empreender ao contingenciamento de recursos do Fundo de

Defesa dos Direitos Difusos. Vamos traduzir o que isso quer dizer.

No orçamento público, é possível a criação por lei, de “fundos especiais”.

Isso nada mais é do que associar uma determinada receita (na hipótese da

notícia, são recursos que venham de condenações judiciais por violação a

direitos coletivos) a uma finalidade específica. A expressão comum é “carimbar

o dinheiro” – tudo que venha daquela fonte só pode ser aplicado naquela

destinação.

Criar fundos especiais é um mecanismo relativamente comum de garantir

que determinadas atividades (que nem sempre são prioridade dos governantes)

venham ter conte de recursos, de financiamento. O FDD, mencionado na notícia,

se relaciona a violação a direitos coletivos – pense por exemplo, no desastre de

Mariana, onde além da população ribeirinha, há uma lesão ao direito coletivo de

proteção ao meio ambiente.

A notícia dá conta de que esse “dinheiro carimbado” não vem sendo objeto

de aplicação – não se tem realizado o empenho, que é a primeira providencia

técnica para aplicar os recursos. E porque isso? Aparentemente para favorecer

o saldo final das contas do governo – para não agravar o déficit público, a

circunstância de que se está gastando mais do que se arrecada.

O resultado final, todavia, é que o fundo especial não tem utilidade

nenhuma, porque embora os recursos fiquem “carimbados”, eles não são

Visiting Fellow junto ao Human Rights Program da Harvard Law School. Pós-doutorado em Administração pela EBAPE – Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV/Rio); Doutorado em Direito pela UGF. Professora Permanente do PPGD/UNESA, Membro do Instituto de Direito Administrativo do Estado do Rio de Janeiro e Procuradora do Município do Rio de Janeiro.

aplicados. Você que é da área jurídica, e do direito público, deve ter ouvido

notícia parecida com relação ao fundo penitenciário – o STF na ADPF 347

ordenou, na mesma linha de conclusão dessa decisão aqui, que não houvesse

o contingenciamento (em linguagem vulgar, o “bloqueio”) destes recursos.

Importante avançar no estudo do real regime jurídico destes fundos

especiais – que estão sendo frustrados na sua intenção, com essa manobra

prática de simplesmente, não se aplicar o saldo que ali está acumulado. O Direito

Financeiro preciso entrar na nossa esfera de estudo e consideração.