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Possibilidades do Método de História Oral nos Estudos em Administração.

Autoria: Priscila Ferreira Perazzo, Carla Sortino Bassi

Resumo

Este trabalho tem como objetivo analisar a obra de alguns autores que refletem sobre o método da história oral e apresentar possibilidades deste em estudos no campo da Administração. Por meio da análise dos vários autores que expõe sobre as potencialidades e as restrições acerca da metodologia de história oral, sua evolução, sua forma de aplicação e os possíveis resultados diante da dinâmica da interdisciplinaridade, desenvolver-se-á um estudo bibliográfico que analise tais questões. Em seguida, propor-se-á uma análise das narrativas de memória dos principais gestores das associações comerciais e industriais das cidades do ABC paulista, como proposta de estudos organizacionais com a metodologia da história oral, fornecendo condições propícias para tratar da subjetividade e da pesquisa qualitativa. Essa proposta justifica-se pela necessidade da compreensão de questões atuais, cada vez mais complexas, que exigem novas possibilidades de pesquisa de forma a permitir um pensamento multidimensional capaz de entender as dimensões dos seres humanos e da sociedade em geral.

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1. Introdução

A compreensão de questões atuais, cada vez mais complexas, parece exigir novas possibilidades de pesquisa que permitam um pensamento multidimensional capaz de entender a amplitude dos seres humanos e da sociedade em geral para enfrentar os desafios correntes. Sob essa ótica, este artigo visa apresentar as possibilidades do método da história oral na produção científica no campo da Administração. Parte-se de princípios de Edgard Morin que defende “a arte de utilizar as informações que surgem durante a ação, integrá-las, formular subitamente esquemas de ação e ser capaz de reunir o máximo de certezas para defrontar o incerto” (MORIN, 2002, p. 149).

Dessa forma, os objetivos desse trabalho são: analisar a obra de alguns autores que refletem sobre o método da história oral e apresentar as possibilidades desse método em estudos de Administração. Esse trabalho justifica-se pelo uso dessa metodologia em consonância com a perspectiva da complexidade e da subjetividade, adjetivos tão presentes no atual cenário em que vivemos. A Administração, assim como muitas outras disciplinas, apropria-se do estudo da memória social para, conforme Martín-Barbero (2003, p. 61) “entender a complexidade das imbricações entre fronteiras e identidades, memórias amplas e imaginários do presente em que um passado apagado emerge tenaz, embora nebuloso, nas entrelinhas que escrevem o presente”. De forma complementar, Morin (2002, p. 8) atesta que não “haverá transformação sem reforma do pensamento, ou seja, revolução nas estruturas do próprio pensamento”. Obras como Pesquisa Qualitativa em Estudos Organizacionais: Paradigmas, Estratégias e Métodos de Godoi, Bandeira de Mello e Silva (2006) revela as possibilidades de utilização da história oral na Administração, bem como a valorização de estudos qualitativos. Por meio da análise dos vários autores que expõem sobre as potencialidades e as restrições acerca da metodologia de história oral, sua evolução, sua forma de aplicação e os possíveis resultados diante da dinâmica da interdisciplinaridade, desenvolver-se-á um estudo bibliográfico que analise tais questões. Em seguida, propor-se-á uma análise das narrativas de memória dos principais gestores das Associações Comerciais e Industriais das Cidades do ABC Paulista, como proposta de estudos organizacionais com o emprego da metodologia da história oral.

Como alternativa à linha estritamente positivista, fragmentada do pensamento tradicional no campo da Administração, surge, nos anos 1990, a utilização de depoimentos gravados que permitem uma nova abordagem para a técnica de entrevistas. Isto, atrelado a um formato sistêmico sem dispensar o rigor científico necessário à pesquisa acadêmica, abre um novo campo de atuação ao pesquisador, fornecendo-lhe condições propícias para tratar da subjetividade e da pesquisa qualitativa.

Espera-se que este estudo no campo da Administração e das Organizações possa contribuir para a ampliação das possibilidades de construção do conhecimento próprio desse campo, por meio da discussão de novas metodologias de caráter interdisciplinar, como se dá com a história oral. Este artigo se justifica pelo fato de que vivemos hoje um novo tempo, que na visão de Martín-Barbero (2003, p. 66) contém “novas comunidades, com novos modos de perceber e de narrar a identidade. Culturas eletrônicas, audiovisuais e musicais ultrapassando as culturas letradas ligadas à língua e ao território”.

Tendo em vista essa atual pluralidade, vê-se que a abrangência da história oral, por meio das lembranças narradas pelos entrevistados, está além das fronteiras pedagógicas e interdisciplinares, ou seja, está relacionada ao seu importante papel na interpretação do imaginário, da relação do tempo presente na percepção do passado e na análise das representações sociais (FREITAS, 2002).

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A história oral permite a apreensão dos fatos que não foram registrados na escrita, pois esta normalmente expressa a situação escolhida, a decisão tomada e não todas as posições discutidas. Dá voz às minorias e mesmo dentre segmentos privilegiados, possibilita a apreensão do significado das entonações, do silêncio, das pausas e da história de sensações e sentimentos não explícitos nas fontes escritas. Nesse cenário tem-se a ciência voltada a novos rumos, enquanto

a ciência clássica dissolvia a complexidade aparente dos fenômenos para revelar a simplicidade oculta das imutáveis Leis da Natureza, não oferece possibilidade de respostas para as perguntas da contemporaneidade. [Atualmente] a complexidade começa a aparecer não como inimigo a ser eliminado, mas como desafio a ser enfatizado (MORIN, 2002, p.8).

O raciocínio sobre a história oral concretiza-se como método de pesquisa potencialmente útil no estudo qualitativo e na compreensão das organizações enquanto um espaço de narrativas de múltiplos atores sociais, a partir dos quais é possível captar os ditos, os não-ditos e os entreditos. Dessa forma, responde ao que preconiza Morin (2002, p. 15): “a ciência é, portanto, elucidativa (resolve enigmas, dissipa mistérios), enriquecedora (permite satisfazer necessidades sociais e, assim, desabrochar a civilização); é, de fato, e justamente, conquistadora, triunfante” (MORIN, 2002, p.15). A relevância da história oral apresenta-se como uma orientação teórico-metodológica capaz de propiciar reflexões sobre a subjetividade presente no contexto organizacional, transcendendo os limites das perspectivas tradicionais de pesquisa. 2. A História Oral

A história oral é uma metodologia contemporânea, que nos anos 1990, no Brasil, viveu um período de expansão quantitativa, momento em que se detectaram três grandes linhas de trabalho: a história oral da academia, a história oral comunitária e à história oral como instrumento de marketing (FERREIRA, 1994).

Hoje, diversos autores têm contribuído para ampliar o conhecimento sobre essa metodologia, esclarecendo assim as questões iniciais que fomentaram o debate de oposição acerca das premissas da história oral.

Constituída a partir da coletânea de relatos, a história oral foi questionada, quanto à precisão de seus dados orais, uma vez que se apóia nos depoimentos, produto da memória subjetiva dos depoentes. Ainda que no processo da memória estejam presentes as distorções dos depoimentos, os esquecimentos, a seletividade e criações do imaginário; verificou-se que se tratam de situações que podem ser interpretadas e mediatizadas, do ponto de vista psicanalítico, uma vez que, conforme Freitas (2002, p. 61) “[...] o esquecimento não é visto como um fenômeno passivo ou uma simples deficiência do organismo. As lembranças que ‘incomodam’ são expulsas da consciência, mas continuam atuando sobre o comportamento no inconsciente.

Esse debate conduziu a uma série de reflexões sobre a validade também dos dados escritos e suas qualidades segundo os historiadores. A precisão na forma, na cronologia e na multiplicação, não foram suficientes para garantir que o resultado das investigações com base em dados escritos tivesse maior veracidade. Uma vez que se constatou que a história é reescrita em função de interesses pessoais e da época, portanto estaria também a escrita condenada aos questionamentos de sua validade (SILVA, 2002).

Em contrapartida, as evidência orais, apesar de sua forma não fixa, de uma cronologia imprecisa e uma comunicação, muitas vezes, não comprovada, sustentaram-se em razão de

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sua força, pois “a força da história oral vem da extensão e da inteligência com que muitos tipos de fontes são aproveitados para operar em harmonia” (PRINS, 1992, p. 194).

A história oral avançou após o debate teórico inicial. Os eventos históricos deixaram de ser vistos sob o prisma da linha do tempo e foram problematizados em função de um contexto mais amplo. Dessa forma, a história oral responde às necessidades de uma nova época, alinhada ao desenvolvimento tecnológico, mais precisamente ancorada na utilização do gravador. Permite registrar “o que não estava nos documentos escritos” (MENEZES, 2005, p. 28), ou seja, reconhecer a história do testemunho verbal, a partir de culturas restritamente alfabetizadas, incluir a reflexão acerca de questões desprezadas, do cotidiano e de grupos excluídos. Segundo Alberti (2000),

a história oral é uma metodologia de pesquisa e de constituição de fontes para o estudo da história contemporânea surgida em meados do século XX, após a invenção do gravador a fita. Ela consiste na realização de entrevistas gravadas com atores e testemunhas do passado (Alberti, 2000, p. 1).

Nesse sentido as pessoas narram acontecimentos já vividos a partir de seu ponto de

vista, com base no momento presente, ou seja, o acontecimento ou o objeto motivo das rememorações estão ausentes (LE GOFF, 2003).

Dessa forma, no campo da Administração, explorar a possibilidade das lembranças por meio da recuperação da memória individual, a partir dos métodos de história oral, possibilita diversos estudos como o que ora se apresenta; a dos gestores das Associações Comerciais e Industriais do ABC Paulista. A análise do discurso dos depoimentos desses gestores carrega em si a marca do empresariado regional, permitindo acompanhar a evolução do processo local, as preocupações frente aos fatos de cada época, a forma como suas ações relacionaram-se com o desenvolvimento das cidades e principalmente como entendem e praticam o associativismo nas suas entidades.

Assim sendo, organizar a memória de um fato, lugar e/ou época ajuda a construir a identidade e a entender o desenvolvimento de determinada região pela valorização da cultura e da história local, regional ou nacional, pois conforme Le Goff (2003), a memória é um elemento essencial da construção da identidade, seja individual ou coletiva, que vem sendo buscada nas atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje.

O tempo e o espaço são variáveis fundamentais na atuação da memória e esta, por sua vez, tem um papel fundamental no processo de representação. Para Alves (1999, p. 78), “a memória se faz condição de conhecimento do novo acontecer, determinante de sentido que não esgota o real em sucessão, mas se apresenta como laço em meio a tantas rupturas”.

Na visão de Zanini (2005), a memória carrega uma forma de exercício de poder, já que não são todos os acontecimentos, personagens e fatos que permanecem nas lembranças das pessoas. O exercício da memória é antes, um exercício de escolha, produto de partilhas, encontros e atos coletivos que lhe propiciam sobrevivência e sentido.

A utilização das narrativas dos depoimentos dos gestores das Associações Comerciais e Industriais no ABC Paulista busca contribuir para o entendimento do curso dos acontecimentos e dos fatos e utiliza-se do exercício da memória que permite a relação do corpo presente, interferindo também no processo atual das representações. Bosi (1979) considera que

“Pela memória, o passado não só vem à tona das águas presentes, misturando-se com as percepções imediatas, como também empurra, ‘desloca’ estas últimas, ocupando o espaço todo da consciência. A memória aparece como força subjetiva ao mesmo tempo profunda e ativa, latente e penetrante, oculta e invasora” (BOSI, 1979, p.9).

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A rememoração das Associações Comerciais e Industriais partirá de levantamento

documental e de depoimentos orais gravados em entrevistas de história oral. Essas entrevistas carregam experiências de pessoas dispostas a falar sobre aspectos carregados de sentidos e significações não captados pela documentação escrita e oficial.

A manifestação de memórias individuais decorre da inserção delas em campos de significados de domínio coletivo, pois conforme Barros (1989):

“[...] No ato de lembrar nos servimos de campos de significados – os quadros sociais – que nos servem de pontos de referência. As noções de tempo e de espaço, estruturantes dos quadros sociais da memória, são fundamentais para a rememoração do passado na medida em que as localizações espacial e temporal das lembranças são a essência da memória” (BARROS, 1989, p. 30).

Nessa proposta de pesquisa, na qual lança-se o método da história oral, a participação

dos presidentes das associações ao longo de suas existências revela um espaço de responsabilidades que remete às parcerias e relações mutuamente proveitosas, cujas transformações caminham em etapas, solidária e sustentadamente organizadas em suas memórias. Estas, por sua vez, fazem-se conscientes e ativas do seu próprio desenvolvimento.

Dessa forma, a pesquisa servirá como um referencial sobre o passado e o presente de um grupo social específico - o dos executivos nas Associações Comerciais ancorados nas suas tradições e intimamente associados às mudanças sócio-políticas e culturais, pois conforme Freitas (2002):

“A pluralidade de culturas orais, tanto tradicionais como urbanas e contemporâneas, é muito intensa no Brasil, isso confere à História Oral brasileira uma dimensão intrinsecamente interdisciplinar [...] de tal maneira que não é mais possível definir os tradicionais limites entre as disciplinas” (Freitas, 2002, p. 11).

Rama (1985) corrobora a idéia de que a sociedade não se transforma apenas na sua perspectiva material, pois outras formas de transformação ocorrem nos aspectos culturais e filosóficos, onde a partir do mundo das idéias, surge a capacidade de abstração, de simbolização, planejamento e organização da sociedade, resultados da busca por uma sociedade mais racional e pragmática.

3. Análise e Discussão dos Dados

A história oral propicia a geração de fontes de consulta capazes de reunir visões de

mundo similares, antagônicas e/ou complementares, sobre acontecimentos narrados por depoentes selecionados de acordo com um projeto de pesquisa, respeitado o contexto de uma investigação científica. Dessa forma, “trata-se de estudar acontecimentos históricos, instituições, grupos sociais, categorias profissionais, movimentos, conjunturas, etc., à luz de depoimentos de pessoas que deles participaram ou os testemunharam” (ALBERTI, 2004, p. 17-18). Tal possibilidade é percebida na análise das narrativas de memória dos gestores das associações comerciais, conforme depoimento de Wilson Ambrósio da Silva, ex-presidente da Associação Comercial e Industrial de Santo André (ACISA):

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“Um fato importante foi, por exemplo, quando era presidente desta casa o Emílio Sortino, que a Associação não tinha um prédio próprio, e naquela ocasião existia em Santo André o Clube Comercial, além da ACISA. Então o Sortino conseguiu unificar essas duas entidades e a ACISA acabou sendo proprietária de um prédio” (Wilson Ambrósio da Silva, 13 jul. 2006).

Desse trecho, pode-se verificar a amplitude do fato histórico. A união das entidades

Associação e Clube Comercial não aparece como possibilidade de se fortalecer o setor comercial, mas sim é ressaltada a obtenção de um prédio próprio. Preocupação essa subjacente em grande parte dos depoimentos coletados, igualmente tratados pela análise do discurso como metáfora da casa.

Outra possibilidade de emprego da metodologia de história oral no campo da Administração consiste em:

“Dirigir o foco de interesse não para aquilo que os documentos escritos podem dizer sobre a trajetória da empresa, e sim para as versões que aqueles que participaram de, ou testemunharam, tal trajetória podem fornecer sobre o assunto. Isso pressupõe que o estudo de tais versões seja relevante para o objetivo da pesquisa” (ALBERTI, 2004, p. 30).

Demonstra-se essa orientação empregada nas narrativas de Valter Moura, atual

presidente da Associação Comercial e Industrial de São Bernardo do Campo (ACISBEC) e Zoilo de Souza Assis, atual presidente da ACISA, quando inquiridos sobre o associativismo:

“O próprio comerciante é desunido, ele vê no outro comerciante um concorrente dele. Isso não é verdade, ele tem que ver no outro um aliado, é a índole do brasileiro, lamentavelmente.” (Valter Moura, 19 jun. 2007); “Tristemente, é uma característica dos brasileiros, ou melhor, dos latino-americanos que se comparados com outros povos, especialmente os anglo-saxões, constata-se o individualismo e não o associativismo” (Zoilo de Souza Assis, 14 jul. 2006).

Nesses recortes buscam-se conhecer não só os conceitos formulados sobre o associativismo, descritos nos documentos oficiais, mas o processo e o sentimento com relação ao associativismo, retratados claramente através dos adjetivos.

Pelo método da história oral se constrói as próprias fontes de dados a partir da gravação de depoimentos de pessoas que narram suas lembranças – os presidentes das Associações Comerciais e Industriais; constituindo, mais que os próprios sujeitos da pesquisa, um corpus documental oral.

Para tanto a história oral fundamenta-se nas lembranças dos indivíduos, que segundo Halbwachs (1990) podem ser entendidas como construções coletivas, pois são:

“[...] em larga medida como uma reconstrução do passado com a ajuda de dados emprestados do presente, e, além disso, preparada por outras recordações feitas em épocas anteriores e de onde a imagem de outrora se manifestou já bem alterada” (HALBWACHS, 1990, p. 71).

Esse contínuo passado/presente encontra-se expresso no depoimento de Roberto Rodrigues Fiúza, ex-presidente da Associação Comercial e Industrial de São Caetano do Sul (ACISCS):

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“[...] associação dura não faz nada pra ninguém, não consegue nada. Eu digo isso com muita propriedade, porque também hoje, sou presidente da associação das concessionárias Peugeot do Brasil” (Roberto Rodrigues Fiúza, em 10 jul. 2006).

Segundo Kulcsar (2002), o depoimento oral é considerado uma ferramenta para o entendimento do significado da ação humana individual e coletiva e sua interação com o ambiente. Para Freitas (2002, p. 49), por meio dele, identificam-se valores que marcaram a memória dos indivíduos no passado, como também valores que são impingidos a esses fatos no presente e na busca por “características de uma coletividade, a realização de depoimentos pessoais permite-nos captar, a partir das reminiscências, o que as pessoas vivenciaram e experimentaram”. Na pesquisa, percebeu-se uma característica comum a esse grupo de gestores das Associações Comerciais e Industriais: todos fazem parte de outra entidade associativa, como a Ordem dos Advogados (OAB), Associação Brasileira de Agência de Publicidade (ABAP), Rotary Club, Lions Club, Associação de Concessionárias da Peugeot, Sindicato das Empresas de Fretamento (SINFRET) e do Sindicato das Indústrias Gráficas de Santo André e Baixada Santista (SINGRAFS). 4. Conclusão A história oral é constituída por um conjunto metódico, variado e articulado de depoimentos gravados em torno de um tema, que possibilita analisar diversas abordagens e mover-se num terreno multidisciplinar. Esse é um dos principais fatores que levou à opção por um trabalho de memória com os métodos de história oral, pois se propõe a recuperar informações sobre as Associações Comerciais e Industriais sob o ponto de vista dos seus gestores. Nesse sentido, todo depoimento oral é interpretado em função das representações que sobre ele repousam, e tomados como uma versão individual e fragmentada acerca de determinada situação e acontecimento, porém carregados de novos conhecimentos, pois são baseados em argumentos sentidos, nos quais as redes de sociabilidade, o poder e o contra poder existentes, as coerências e contradições, coexistem por meio de ações construídas e negociadas pelos personagens, presentes e lembrados. O desafio é discernir além da subjetividade natural impingida tanto nos dados escritos como orais, porém sem perder suas propriedades específicas, procurando manter o equilíbrio para a busca da verdade. Outra questão é considerar as influências externas que condicionam o que é lembrando, bem como toda sorte de interferências que carrega o pesquisador, por conta de sua formação, de seus princípios e ideologias pessoais. Pois o trabalho de investigação e reflexão carrega consigo princípios básicos que direcionam suas dúvidas e questionamentos. Ampara-se esta posição no pensamento de Gilberto Velho (1999) ao discorrer que:

“a realidade (familiar ou exótica) sempre é filtrada por determinado ponto de vista do observador, ela é percebida de maneira diferenciada. [...] Não estou proclamando a falência do rigor científico no estudo da sociedade, mas a necessidade de percebê-lo enquanto objetividade relativa, mais ou menos ideológica e sempre interpretativa“ (VELHO, 1999, p. 129).

Esse estudo da Administração em consonância com a obra Ciência com Consciência de Edgar Morin remete-se as questões acerca das teorias cientificas, pois:

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“Dão forma, ordem e organização aos dados verificados em que se baseiam e, por isso, são sistemas de idéias, construções do espírito que se aplicam aos dados para lhes serem adequadas. Mas, incessantemente, meios de observação ou de experimentação novos, ou uma nova atenção, fazem surgir dados desconhecidos, invisíveis” (MORIN, 2002, p. 22).

Por todo esse contexto desenvolvido, credita-se à história oral a possibilidade de sustentação para o desenvolvimento de uma pesquisa com rigor científico, de forma a se construir entrevistas acompanhadas pelo pesquisador, baseadas em um roteiro pré-estabelecido, atreladas a um projeto, em condições de fomentar as lembranças dos depoentes para seu relato, gravação, transcrição e análises, conforme os manuais e a vasta bibliografia sobre o tema. REFERÊNCIAS

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