positivismo ilustrado no brasil

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Trilhas, Belém, v.1, n.2, p. 56-65, nov, 2000 21 Artigo O Positivismo Ilustrado no Brasil Carlos Jorge Paixão* RESUMO Este artigo tem por objetivo destacar alguns pontos característicos da relação entre a Filosofia Positiva de A. Comte e um grupo de intelectuais brasileiros, denominados de positivistas ilustrados, que atuaram na Segunda metade do século XIX. PALAVRAS-CHAVE: Positivismo Ilustrado, Filosofia Positiva, Intelectuais brasileiros, Positivistas ilustrados. INTRODUÇÃO A Filosofia positiva de Augusto Comte (1798-1857) desponta no contexto do século XIX, um século marcado pela sombra das influências da Revolução Industrial, da Revolução Francesa e da Independência dos E.U.A. Os ideais de liberdade ecoavam e atravessavam as fronteiras originárias, somadas a um esforço de implantação da lógica das ciências exatas e naturais, na busca do conhecimento através do formalismo, da experimentação, da mensuração e da crítica a qualquer representação metafísica. Em seu “Curso de Filosofia Positiva”, COMTE (1830), expõe de maneira pedagógica a natureza de sua doutrina, que é um reflexo de seu tempo: Para explicar convenientemente a verdadeira natureza e o caráter próprio da filosofia positiva, é indispensável ter, de início, uma visão geral sobre a marcha progressiva do espírito humano, considerado em seu conjunto, pois uma concepção qualquer só pode ser bem conhecida por sua história. Para uma compreensão da filosofia de COMTE é preciso uma leitura sobre o êxito das ciências exatas e naturais, traduzido nas aplicações técnicas de um tempo em que a industrialização será determinante de todas as transformações sociais, uma vez que, o saber positivo, aquele que se constitui pela observação e pelas leis, segue o molde da física e da matemática, em busca de sínteses definitivas para a sociedade humana, leis invariáveis, que constituam um paradigma da ordem, única certeza da evolução do homem na direção do estado científico e de seu afastamento dos objetos tradicionais da metafísica, estes destituídos das características de positividade e avessos aos encaminhamentos da abordagem objetiva das ciências. Doutrina da prática, cuja substância consiste na matematização das coisas e dos fatos, na busca da unificação e progressão das ações sociais; uma filosofia que tinha a pretensão de apresentar “a solução prática da crise da história moderna”, no dizer de Cruz Costa (1959 p. 15). O positivismo penetra no contexto histórico do Brasil da segunda metade do século XIX, marcado por ideais republicanos, pelo liberalismo político, pela luta para a abolição dos escravos, pelo ecletismo e pela ascensão de uma burguesia urbana, que vai ser decisiva na transição império- república. * Mestre em Educação pela PUC/SP. Doutor em Educação pela UNESP. Prof. do C.C.H.E./Unama.

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Page 1: Positivismo Ilustrado No Brasil

Trilhas, Belém, v.1, n.2, p. 56-65, nov, 2000 21

Artigo

O Positivismo Ilustrado no Brasil

Carlos Jorge Paixão*

RESUMO

Este artigo tem por objetivo destacar alguns pontoscaracterísticos da relação entre a Filosofia Positiva de A.Comte e um grupo de intelectuais brasileiros, denominadosde positivistas ilustrados, que atuaram na Segunda metadedo século XIX.

PALAVRAS-CHAVE: PositivismoIlustrado, Filosofia Positiva, Intelectuais

brasileiros, Positivistas ilustrados.

INTRODUÇÃO

A Filosofia positiva de Augusto Comte(1798-1857) desponta no contexto do século XIX,um século marcado pela sombra das influênciasda Revolução Industrial, da Revolução Francesae da Independência dos E.U.A. Os ideais deliberdade ecoavam e atravessavam as fronteirasoriginárias, somadas a um esforço de implantaçãoda lógica das ciências exatas e naturais, na buscado conhecimento através do formalismo, daexperimentação, da mensuração e da crítica aqualquer representação metafísica.

Em seu “Curso de Filosofia Positiva”,COMTE (1830), expõe de maneira pedagógica anatureza de sua doutrina, que é um reflexo de seutempo:

Para explicar convenientemente a verdadeiranatureza e o caráter próprio da filosofia positiva, éindispensável ter, de início, uma visão geral sobrea marcha progressiva do espírito humano,considerado em seu conjunto, pois uma concepçãoqualquer só pode ser bem conhecida por suahistória.

Para uma compreensão da filosofia deCOMTE é preciso uma leitura sobre o êxito dasciências exatas e naturais, traduzido nas aplicações

técnicas de um tempo em que a industrializaçãoserá determinante de todas as transformaçõessociais, uma vez que, o saber positivo, aquele quese constitui pela observação e pelas leis, segue omolde da física e da matemática, em busca desínteses definitivas para a sociedade humana, leisinvariáveis, que constituam um paradigma daordem, única certeza da evolução do homem nadireção do estado científico e de seu afastamentodos objetos tradicionais da metafísica, estesdestituídos das características de positividade eavessos aos encaminhamentos da abordagemobjetiva das ciências.

Doutrina da prática, cuja substância consistena matematização das coisas e dos fatos, na buscada unificação e progressão das ações sociais; umafilosofia que tinha a pretensão de apresentar “asolução prática da crise da história moderna”, nodizer de Cruz Costa (1959 p. 15).

O positivismo penetra no contexto históricodo Brasil da segunda metade do século XIX,marcado por ideais republicanos, pelo liberalismopolítico, pela luta para a abolição dos escravos,pelo ecletismo e pela ascensão de uma burguesiaurbana, que vai ser decisiva na transição império-república.

* Mestre em Educação pela PUC/SP. Doutor em Educação pela UNESP. Prof. do C.C.H.E./Unama.

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Sobre a nova burguesia emergente, JoãoCruz COSTA (1967, p. 124), apresenta o seguintecomentário:

Um nova modalidade de burguesia, que se opõe àtradicional, a que em regra era tirada daaristocracia proprietária da terra e do instrumentode trabalho mais importante naquele tempo – onegro...

Em boa parte, eram representantes e herdeiros daincipiente burguesia de comerciantes ou deburocratas que surgira nas aglomerações urbanase que em meados do século XIX, graças atransformações econômicas que então seprocessavam, procuravam dar às suas ações maiorexpressão e sentido.

Essa “nova burguesia” vai ser responsávelpela circulação de diversas formas de pensamento,originárias dos grandes centros europeus e daAmérica do Norte onde buscavam inspiração nãosomente nas idéias e crenças, mas nas própriasrealizações de países como França, Inglaterra eEstados Unidos da América. É dentro dessacamada social que se esboça a intelectualidadebrasileira, formada por jornalistas, escritores,tribunos, professores, militares e religiosos.

Nossos principais representantes da “novaburguesia” e adeptos da filosofia positiva são: LuísPereira Barreto, Benjamin Constant, MiguelLemos, Teixeira Mendes, Silva Jardim, Júlio deCastilhos, entre outros. Estes, dividiam-se empositivistas: ortodoxos, revolucionários, evolu-cionistas e ilustrados.

Neste trabalho, vamos evidenciar algunspontos referentes a um grupo de intelectuaisbrasileiros, adeptos do “positivismo ilustrado”, quesegundo PAIM (1981), teve como figurasdestacadas: Luís Pereira Barreto (1840/1923),Alberto Sales (1857/1904), Pedro Lessa (1859/1921) e, contemporaneamente, Ivan Lins (1904/1975).

A FILOSOFIA POSITIVA NO BRASIL

O positivismo no Brasil não é uma merareprodução da filosofia de COMTE, como esta sedesenvolveu no cenário francês de sua origem, esim, uma versão temperada pelo ecletismo quemarcava os pensamentos dos intelectuais dasegunda metade do século XIX, formadores deopinião dentro dos partidos políticos e das famíliasde prestígios da época.

A respeito do século XIX e o movimento debusca na “Física Social” Comteana de um sentidopara organização da sociedade humana à luz dadinâmica cientificista, BARROS (1986, p.109) nosexplica que:

A perspectiva dinâmica-histórica é o quesingulariza o novo cientificismo. O filósofo devecompreender que a evolução humana obedece a leisrigorosas; que o determinismo presente no mundonatural é o mesmo que rege o desenvolvimento dahumanidade.

A Filosofia de Augusto Comte desejavaelevar o “espírito humano” ao seu nível maisevoluído, conhecido como estado positivo, atravésde seu afastamento progressivo do plano teológicoque representava o grande atraso da humanidade.

L. P. BARRETO (1876), líder dos“Positivistas Ilustrados” e um apaixonado pelopositivismo, declara a sua crença dizendo:

Sabemos agora para aonde vamos. Temos a chavedo futuro; possuímos o fio condutor que, comsegurança, nos dirige através do presente dédalosocial; podemos nitidamente determinar a nossasituação mental e prever o desfecho inevitável queo complexo do passado reserva às gerações que noshão de suceder.

Mesmo com o Império ainda de pé, as idéiassurgidas na Europa do século XIX ganhavamadeptos no Brasil, fortalecendo em nossosintelectuais as aspirações de um governorepublicano baseado na liberdade e capaz de,através dessas novas idéias, colocar o país emsintonia com o moderno espírito científico.

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A esse respeito BARROS (1986) observaque:

Pensando a história das idéias no Brasil nas suasconexões com os países que a polarizam, 1870lembra logo o advento da terceira república emFrança, a guerra Franco-Alemã, de inegáveisrepercussões sobre o nosso pensamento; pensando-a em função dos acontecimentos internos, é o anoque marca o fim da guerra do Paraguai e a fundaçãodo partido republicano. Além disso, os própriosintelectuais do tempo tomam a data por marco: sebem que deitando raízes em um passado pouco maislongínquo, é a partir desse momento que ganhamcorpo as novas idéias do século – positivismo,darwinismo, materialismo, etc.

Entre as “novas idéias”que iam penetrandono Brasil, isto é, no diminuto círculo de letrados,do fim do império, o darwinismo, o monismo deHAECKEL, os materialistas, SPENCER etc., opositivismo, talvez por vir precisamente da França,fonte perene das idéias brasileiras da época, era oque melhor se adaptava às condições econômicase sociais da pequena classe média que procuravaaproximar-se da “Ciência Positivista” –principalmente na Escola Politécnica e no Exército,afastando-se um pouco da influência da igrejacatólica e de sua cultura tomista.

A verdade é que a “Ciência Positivista”,apesar do seu apego às fontes idealistas de ondeprovinha, era para o Brasil um “progresso” deconsciência, no sentido que era uma contrapartidaaos dogmas cristãos que predominavam emdetrimento do saber racional. Politicamente, ospositivistas se “aproximavam” dos republicanos.Mas, “eram republicanos à sua maneira, à suaoriginalíssima maneira” e não estavam de todo emacordo com o manifesto de 1870. Essa “maneirapositiva” era uma espécie de “ditadurarepublicana”, que o apostolado positivista, emsetembro de 1888, sugeria a Pedro II, pela palavrade Teixeira Mendes. Era uma transplantação parao Brasil da posição do positivismo, ou seja, daburguesia francesa, que se colocavasimultaneamente contra a “aristocracia” e a“democracia anárquica” – segundo caracterização

e a classificação Comteana – isto é, em outraspalavras, contra a reação de um lado e o avançodas massas populares que ameaçam destruí-la, deoutro. (BASBAUM, 1957).

Na França de Napoleão III, quase todos osempresários que lograram exercer uma influênciaeconômica duradoura pertenciam a um grupo bemdefinido: não eram bonapartistas, mas “socialistas”sansimonianos. O utopista francês de que AugustoComte foi discípulo e secretário entre 1817 e 1824,idealizava a sociedade do futuro como uma espéciede nação-estado corporativa na qual líderes daindústria assumiriam funções políticas de relevo.O termo “dévéloppement” no sentido forte deprogresso material e social já comparece em Saint-Simon e no jovem Comte. Para estabelecer osistema seria indispensável instaurar uma economiaplanejada que regulasse o desenvolvimento danação como um todo (BOSI, 1994).

A “iluminação” positivista espalha seus raiosno Brasil do século XIX, influenciando naorganização da sociedade republicana com baseno culto ao cientificismo, que desafia a dominaçãocatólica, instalando um novo apostolado, o daIgreja da Humanidade, a religião positiva – o cultoà ciência.

A cultura positiva toma conta dos estudantese intelectuais do final do século XIX. A vontadede reformar a sociedade política e socialmente,estava na ordem do dia. É bom lembrar que a“Comuna de Paris” abalara a tranqüilidade deespírito das classes endinheiradas; que no Brasil, a“questão religiosa”, abrindo um abismo entrebispos e o poder do Estado, entre Maçonaria e aIgreja, estimulara a difusão do ateísmo e doutrinasagnósticas; que o regime escravista agonizava,pondo em xeque a estrutura semifeudal doscampos; que engrossava o caudal da propagandarepublicana, em meio ao desprestígio crescente dasidéias ligadas ao Império. Nas pensões e“repúblicas” de estudantes, entre brincadeiras eliteralices, lia-se LITTRÉ e LAFFITE, adeptos deAugusto Comte.

Assim, os “Positivistas Ilustrados”,intelectuais, adeptos da filosofia de Augusto

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Comte, despontam no cenário histórico dasociedade brasileira da segunda metade do séculoXIX, preocupados com os aspectos culturais daobra positivista, que elevassem o Brasil aos“tempos modernos”, por meio da racionalidade docaminho da ciência.

O POSITIVISMO ILUSTRADO

Os homens de idéias, transmissores de idéiassão comumente denominados de intelectuais. Nosocuparemos, nesta parte do trabalho, de um grupode homens que podem ser categorizados comointelectuais de seu tempo, os “PositivistasIlustrados”.

Ao menos desde a República de Platão, osfilósofos (homens de idéias) sempre se ocuparame se preocuparam, ainda que sob denominaçõesdiversas, com o que fazem ou devem fazer osfilósofos, isto é, eles próprios, na sociedade, coma influência que têm ou devem ter nas relaçõessociais para que essas relações não sejamabandonadas à cegueira do acaso ou ao arbítrioda vontade igualmente cega do mais forte. Os“intelectuais” são um velho problema da históriadas idéias.

O tema é antigo e perene porque, bem vistasas coisas, ele nada mais é do que um aspecto deum dos problemas centrais da filosofia, o da relaçãoentre teoria e práxis (ou entre pensamento e ação)ou, em termos ainda mais gerais e filosoficamenteainda mais tradicionais, entre razão e vontade,quando tratado do ponto de vista daqueles que, apartir de um determinado período histórico e emdeterminada circunstâncias de tempo e espaço, sãoconsiderados os sujeitos a quem se atribui de fatoou de direito a tarefa específica de elaborar etransmitir conhecimentos, teorias, doutrinas,ideologias, concepções do mundo ou simplesopiniões, que acabam por constituir as idéias ouos sistemas de idéias de uma determinada época ede uma determinada sociedade. Que esses sujeitoshistóricos sejam prevalentemente chamados“intelectuais” apenas há cerca de um século e meio,não deve obscurecer o fato de que sempre existiram

os temas que são postos em discussão sobre oproblema dos intelectuais, embora esses sujeitostenham sido chamados, segundo os tempos e associedades, de sábios, sapientes, doutos, filósofos,homens de letras, literatos etc. (BOBBIO, 1997).

As idéias de Augusto Comte vão ser filtradase introduzidas no Brasil por grupos de políticos eintelectuais do século XIX e início do século XX.O cientificismo da época entra na sociedadebrasileira por meio de personagens “ilustrados”,componentes de uma espécie de classe média,composta por bacharéis das Faculdades de Direito,Faculdades de Medicina, escritores, filósofos emilitares, que vão dar um tom abrasileirado para afilosofia positiva.

As idéias em uma sociedade, em geral, estãorelacionadas ao processo de urbanização. No casodo Brasil, o crescimento de algumas cidadescomeça a ser impulsionado pelo crescimento dalavoura cafeeira em São Paulo. O progressoeconômico paulista, notadamente, exerceráinfluências nos destinos da política e da culturanacional, durante a segunda metade do século XIX,juntamente com o Rio de Janeiro.

Segundo Ivan A. MANOEL (1996, p. 28):

Enriquecidos pelo café, que na região passou de808 arrobas colhidas no ano de 1836 para 200.000arrobas colhidas em 1850, e atingiu a casa de3.342.251 arrobas, em 1870, no conjunto daprovíncia, esses cafeicultores se empenham tantopara aumentar a área cultivada, quanto paramelhorar a produtividade.

Assim, o café no eixo centro-sul expande asfinanças e funda a urbanização, favorecendo oaparecimento e a ampliação de uma camada média,na qual irão circular “novas idéias”, nem semprecasadas com os interesses da oligarquia, formadapelos “barões do café”.

A cidade é o ambiente propício para afilosofia. As idéias filosóficas carecem de umcenário urbano. O crescimento da populaçãourbana e o desenvolvimento econômico-financeiroem torno do café, ampliam por conseqüência omovimento cultural da região.

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A nova lavoura representava, sem dúvida, umacriação original brasileira gerada de condiçõesinternas e particularmente de recursos internos. Sópor isso, já anunciaria o novo. O que a distingue,entretanto, com mais importância, é a capacidadepara, aproveitando o que existia de velho no Brasil,gerar o novo. Trabalhando um gênero novo, em umazona nova, dá os seus primeiros passos naobediência a condições imperantes e valendo-se dosmeios de produção disponíveis...

Por outro lado, a lavoura cafeeira oferecia margemde compatibilidade com lavouras de subsistência.À medida que alicerça o surto demográfico e levaa urbanização ao interior, chega a impulsionar adiversificação das culturas, embora para efeitointerno. (SODRÉ, 1973, P. 226)

Dentro do contexto de transformaçãopolítica e econômica, surgem os positivistas de SãoPaulo, conforme descreve Ivan A. MANOEL(1996, p. 64):

O grupo positivista tornou-se muito representativoem São Paulo, e a Província se constituiu em umcentro irradiador dessa doutrina, tendo em LuisPereira Barreto um de seus expoentes máximos. NaFaculdade de Direito de São Paulo, o grupopositivista publicou vários jornais divulgando suasidéias, como por exemplo, A LUTA, periódico noqual colaboram Alberto Sales, Rangel Pestana,Argemiro Galvão, Pedro Lessa, Assis Brasil,Martinho Prado Junior, Américo de Campos,Campos Sales e outros. Pelos nomes acima, pode-se perceber que o grupo positivista forneceu quadrospara a administração local e nacional, no Impérioe na República.

Os “intelectuais” de São Paulo assumiram adoutrina de Augusto Comte, valendo-se muitomais de seus aspectos culturais e pedagógicos,deixando as questões próprias da política, emsegundo plano; os interesses e idéias do grupopaulista foram concentrados na mudança decostumes e na preparação mental dos membros dasociedade para adequação ao novo tempo, o tempoda Ciência. “A vertente considerada denominou-se ‘Positivismo Ilustrado’ e teve como figurasdestacadas Luís Pereira Barreto (1840-1923),

Alberto Sales (1857-1904), Pedro Lessa (1859-1921)” (PAIM, 1981, p. 3).

A efervescência política, a luta pelo poderapresenta aspecto peculiar a esse tempo que é abusca do conhecimento científico com a finalidadede adequação em nível do século. “Os homens dadécada de setenta e oitenta se propõem, realmente,a ilustrar o país; a iluminá-lo pela ciência e pelacultura; a fazer da escolas ‘focos de luz’, dondehaveria de sair uma nação transformada”(BARROS, 1986, P. 10).

Os filósofos do século XIX respondem aoapelo de seu tempo com idéias de organização dasociedade dentro dos padrões das ciências físicase naturais. A razão, o desenvolvimento intelectuale a aplicação do instrumento, elementos presentesnão só na obra de COMTE, mas também, nas obrasde SPENCER ou STUART MILL ganham espaçono território cultural brasileiro.

Pois, que não se continue a pretender que as teoriassão uma bagagem de luxo, que a ciência pura deveser proscrita dos programas de ensino. Muito longede serem uma bagagem de luxo, as teorias sãosimplesmente um instrumento de trabalho, e de ummomento para outro elas podem converter-se emuma fonte de riqueza pública.

A recomendação acima é de um discursode Luís Pereira Barreto, publicado em 1896, quede alguma forma representa o anseio e aexpectativa dos homens que viviam o “espírito”da época, pois a defesa da ciência fazia parte dodiscurso dos que se diziam sintonizados com asnecessidades da modernização, através daconstrução de uma sociedade racional, liberta dosdesvios causados pelos elementos da Teologia.

L. P. BARRETO (1840/1923) é o principalrepresentante e articulador do positivismo ilustradono Brasil. E chega a propor um esquema de“educação dos espíritos”, para que a ciênciaaplicada ao fato social seja base de uma “sociedaderacional”; chegando a considerar lícitas as aliançascom os “metafísicos” (republicanos liberais,bacharéis ecléticos, etc), para a derrota docatolicismo e de sua cultura tomista.

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As teses centrais de BARRETO poderiamser enunciadas da forma seguinte: como apossibilidade da sociedade racional só pode serapreendida por uma elite reduzida, quem quer quehaja ascendido a semelhante apreensão adquire odireito (e certamente que também o dever) deconduzir o povo naquele rumo, tanto mais que adoutrina ensina que o homem é determinado pelascondições sociais. A ênfase deve, pois, recair namudança destas últimas. Em semelhante esquemamental não cabe a idéia de representação, que seevidenciaria como a conquista propriamentemoderna no plano político. Em seu lugar, coloca-se a de tutela e hegemonia. (PAIM, 1974).

Assim, a segunda metade do século XIX,impulsionada pelo desenvolvimento econômico doeixo centro-sul, provocado pela produção daslavouras de café, será marcada pelo surgimentode cidades, ferrovias, comércio, “imigração” epersonagens históricos, como os “PositivistasIlustrados”, que dentro dessa nova geografia dasociedade brasileira, irão lutar pelo domíniointelectual, tendo como matriz a teoria da ordem(física social) e a teoria do progresso (dinâmicasocial), com a ilusão de que a ciência positiva deA. COMTE, seria o grande sinal de modernizaçãoe ilustração dos brasileiros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O positivismo de Augusto Comte representano século XIX o sentimento da necessidade daordem, como pulsação principal para o progressodo homem e da sociedade.

A ordem, no sentido mecânico da ausênciade movimento, definida por COMTE como“estática social”, destaca-se como a legenda dessetempo e o fundamento da engenharia positivista,para a evolução da humanidade.

A cultura positivista baseia-se no que podeser diretamente observado, medido, experimentadoe confirmado em termos exatos; então, qualquermodo de pensar ou ação que foge ao padrão

matemático, não passa no crivo positivo e sãotratadas como fantasias metafísicas.

A “luz” do pensamento de Augusto Comte,ganha espaço na emergente “ camada média”brasileira da segunda metade do século XIX,quando “nossos positivistas” entrincheirados nasinstituições de ensino, nos quartéis, nas repartiçõespúblicas etc., somam seus esforços contra oImpério e a favor de uma República, sem negrosno pelourinho, sem catolicismo hegemônico e comuma “nova religião” – a religião da humanidade,que com seus sacerdotes da ordem, implantaria oestandarte do “amor por princípio, a ordem porbase, o progresso por fim”, acreditando que nossa“eclética” sociedade da época, convertida ao novocredo seguiria rumo ao patamar experimental ecientífico do estado positivo, abandonando osdogmas teológicos e as obscuridades metafísicas.

Heterodoxos com relação a doutrina deCOMTE, os “Positivistas Ilustrados”, liderados porLuis Pereira Barreto, confiavam que a iluminaçãocientificista, viria inaugurar um tempo sem o mal-estar social gerado pelas idéias e ações baseadasnas emoções e impulsos metafísicos – um tempomatemático, físico e positivo, um estado onde ohomem dependerá unicamente da razão e daordenação das coisas para o domínio da natureza.

Então, neste inventário inicial sobre “homensde idéias” do século XIX, denominados depositivistas ilustrados, cabe destacar que, mesmonão conseguindo implantar a “sociedade racionalpositivista”, com suas cidades iluminadas pelalâmpada de Augusto Comte e com sua sedemundial localizada em Paris (cidade luz), esses“intelectuais”, que foram derrotados politicamentepelos liberais, conseguiram um feito que perpetuoua “Moral Positivista” neste país, o carimbo de“Ordem e Progresso”, no símbolo mais exibido aosbrasileiros, a Bandeira Nacional; o que nos leva apensar, que apesar dos avanços intelectuaiscontemporâneos, a sombra de COMTE e de seusadeptos está presente em nosso cotidiano eatravessará o novo milênio.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BOBBIO, Norberto. Os Intelectuais e o Poder.São Paulo: Ed. da UNESP, 1997.

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MANOEL, Ivan A. Igreja e Educação Feminina(1859-1919): Uma Face do Conservadorismo.São Paulo: Ed. da UNESP, 1996.

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