portfolio digital fabio2
TRANSCRIPT
Entre o luar e a folhagem,Entre o sossego e o arvoredo,
Entre o ser noite e haver aragem,Passa um segredo.
Segue-o minha alma na passagem.Ténue lembrança ou saudade,Princípio ou fim do que não foi,
Não tem lugar, não tem verdade,Atrai e dói,
Segue-o meu ser em liberdade,Vazio encanto ébrio de si,Tristeza ou alegria o traz?
O que sou dele a quem sorri?Nada e nem faz,
Só de segui-lo me perdi.
Fernando Pessoa 19-08-1933
Um princípio leve de primavera fria,Um sabor primaveril a longínquo
verãoNesta manhã, que o sol se enfia
No meu coraçãoSoluço improfícuo da saciedade da
vidaBaldada imprecisão de sonhar e
querer.Passo por um desalento como na
descida Que vae ter a viver.
Fernando Pessoa 1915-1920
sombras que a lua leva
Sombras que a lua levaNo seu rosto sombrio,
Pálidas sombras no frio,Halos que a hora eleva,E em quem o é vazio.
Numero oculto d’astrosPostos em redemoinhoCongruente alabastros
Fernando Pessoa 12-2-1917
Não foi por acaso que o meu sangue que veio do sul se cruzou com o meu sangue que veio do norte.
Não foi por acaso que o meu sangue que veio do oriente se cruzou com o meu sangue que veio do ocidente.
Não foi por acaso nada de quem sou agora.Em mim se cruzaram finalmente todos os lados da terra.
A natureza e o tempo me valeram; séculos e séculos ansiosos por este resultado um dia
e até hoje fui sempre futuro.Faço hoje a idade do antigo e agora nasço novo como ao
principio:Foi a natureza que me guardou a semente apesar das
épocas e gerações.Cheguei ao fim do fio da continuidade e agora sou o que até
ao fim fui desejo:O centro do mundo já não é no meio da terra vai por onde
anda a rosa dos ventos vai para onde ela vai
Agora chego a cada instante pela primeira vez à vida já não sou o caso pessoal mas sim a própria pessoa
Rosa dos ventos
Almada Negreiros, Poemas
Sou um guardador de rebanhos.O rebanho é os meus pensamentos E os meus pensamentos são todos
sensações.Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pésE com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-laE comer um fruto é saber-lhe o
sentido.Por isso quando num dia de calor Me sinto triste de gozá-lo tanto,E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,Sinto todo o meu corpo deitado na
realidade,Sei a verdade e sou feliz.
Alberto Caeiro