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11 RESUMO POR UMA SOCIOLOGIA HISTÓRICA DA CIRCULAÇÃO E DA RECEPÇÃO DE TEXTOS: ROBERT MICHELS E SOCIOLOGIA DOS PARTIDOS POLÍTICOS NOS ESTADOS UNIDOS 1 Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 20, n. 44, p. 11-30, nov. 2012 Recebido em 6 de setembro de 2012. Aprovado em 1º de outubro de 2012. Mario Grynszpan DOSSIÊ 1 Este artigo é uma versão modificada de uma apresentação feita no seminário “O centenário de Sociologia dos partidos políticos, de Robert Michels”, realizado em agosto de 2011 pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos, sob a coordenação de Maria do Socorro Braga, a quem agradeço pelo convite e a oportunidade. O objetivo deste artigo é, partindo das ponderações de Pierre Bourdieu acerca da importância do estudo das condições sociais da circulação internacional de ideias, fazer uma sociologia histórica da circulação e da recepção do livro Sociologia dos partidos políticos, de Robert Michels. Toma-se como foco a passagem de Michels e de seu livro pelos Estados Unidos, procurando mostrar como consolidou-se a partir daí uma forma de leitura do texto e uma representação do autor que é hoje predominante e que está na base da sua celebração e da sua consagração como um clássico da Ciência Política. Para tanto, faz-se uma comparação sistemática de diferentes edições e traduções do livro, bem como de resenhas que dele foram produzidas, procurando identificar distintas leituras feitas ao longo do tempo, associando-as com elementos da trajetória biográfica do autor, bem como com a história das Ciências Sociais nos Estados Unidos e, em particular, com a história da Ciência Política nesse país. De um autor pessimista em relação à democracia, ou mesmo com um viés antidemocrático, associado ao fascismo, Michels foi sendo visto no pós-Guerra como um pensador realista e suas teses como base para a formulação de uma noção de democracia identificada com o pluralismo liberal. PALAVRAS-CHAVE: Robert Michels; partidos políticos; circulação de idéias; recepção de idéias; Ciência Política; pluralismo. I. INTRODUÇÃO Em uma conferência a propósito das relações culturais entre França e Alemanha, em 1989, o sociólogo Pierre Bourdieu chamou a atenção para a importância de uma análise fina das diversas operações sociais envolvidas na circulação de ideias, como forma de promover uma efetiva internacionalização da vida intelectual. Segundo ele, diferentes fatores estruturais são potenciais geradores de mal-entendidos nas trocas intelectuais internacionais. Um deles é o fato de que os textos circulam fora dos contextos nos quais foram produzidos, como textos puros, contendo em si tudo que é necessário à sua plena compreensão, sendo lidos a partir de perspectivas, referenciais, contextos por vezes muito distintos dos originais. Daí decorre que o sentido e a função de uma obra estrangeira são determinados também pelo seu novo campo de recepção. Mas essa produção de sentido e função não se dá apenas como resultado de uma leitura descolada do contexto original da obra a partir de um campo de recepção diferente. Ela resulta igualmente de uma série de operações de seleção nos países de destino, como, entre outras, o que será traduzido, por quem, o que será publicado, como, com que marcas, por que editora, coleção, quem será o prefaciador, os resenhistas, como será o lançamento, a divulgação, a distribuição, o que, por sua vez, envolve um conjunto diversificado de agentes e de interesses (BOURDIEU, 2002). Essas operações e as distintas estratégias de seus agentes são constitutivas das leituras de uma obra, o que nem sempre é percebido ou levado

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 44: 11-30 NOV. 2012

RESUMO

POR UMA SOCIOLOGIA HISTÓRICA DACIRCULAÇÃO E DA RECEPÇÃO DE TEXTOS:

ROBERT MICHELS E SOCIOLOGIA DOS PARTIDOSPOLÍTICOS NOS ESTADOS UNIDOS1

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 20, n. 44, p. 11-30, nov. 2012Recebido em 6 de setembro de 2012.Aprovado em 1º de outubro de 2012.

Mario Grynszpan

DOSSIÊ

1 Este artigo é uma versão modificada de uma apresentaçãofeita no seminário “O centenário de Sociologia dos partidospolíticos, de Robert Michels”, realizado em agosto de 2011pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política daUniversidade Federal de São Carlos, sob a coordenação deMaria do Socorro Braga, a quem agradeço pelo convite e aoportunidade.

O objetivo deste artigo é, partindo das ponderações de Pierre Bourdieu acerca da importância do estudodas condições sociais da circulação internacional de ideias, fazer uma sociologia histórica da circulaçãoe da recepção do livro Sociologia dos partidos políticos, de Robert Michels. Toma-se como foco a passagemde Michels e de seu livro pelos Estados Unidos, procurando mostrar como consolidou-se a partir daí umaforma de leitura do texto e uma representação do autor que é hoje predominante e que está na base da suacelebração e da sua consagração como um clássico da Ciência Política. Para tanto, faz-se uma comparaçãosistemática de diferentes edições e traduções do livro, bem como de resenhas que dele foram produzidas,procurando identificar distintas leituras feitas ao longo do tempo, associando-as com elementos da trajetóriabiográfica do autor, bem como com a história das Ciências Sociais nos Estados Unidos e, em particular,com a história da Ciência Política nesse país. De um autor pessimista em relação à democracia, ou mesmocom um viés antidemocrático, associado ao fascismo, Michels foi sendo visto no pós-Guerra como umpensador realista e suas teses como base para a formulação de uma noção de democracia identificada como pluralismo liberal.

PALAVRAS-CHAVE: Robert Michels; partidos políticos; circulação de idéias; recepção de idéias; CiênciaPolítica; pluralismo.

I. INTRODUÇÃO

Em uma conferência a propósito das relaçõesculturais entre França e Alemanha, em 1989, osociólogo Pierre Bourdieu chamou a atenção paraa importância de uma análise fina das diversasoperações sociais envolvidas na circulação deideias, como forma de promover uma efetivainternacionalização da vida intelectual. Segundoele, diferentes fatores estruturais são potenciaisgeradores de mal-entendidos nas trocasintelectuais internacionais. Um deles é o fato deque os textos circulam fora dos contextos nosquais foram produzidos, como textos puros,

contendo em si tudo que é necessário à sua plenacompreensão, sendo lidos a partir de perspectivas,referenciais, contextos por vezes muito distintosdos originais. Daí decorre que o sentido e a funçãode uma obra estrangeira são determinadostambém pelo seu novo campo de recepção. Masessa produção de sentido e função não se dá apenascomo resultado de uma leitura descolada docontexto original da obra a partir de um campode recepção diferente. Ela resulta igualmente deuma série de operações de seleção nos países dedestino, como, entre outras, o que será traduzido,por quem, o que será publicado, como, com quemarcas, por que editora, coleção, quem será oprefaciador, os resenhistas, como será olançamento, a divulgação, a distribuição, o que,por sua vez, envolve um conjunto diversificadode agentes e de interesses (BOURDIEU, 2002).

Essas operações e as distintas estratégias deseus agentes são constitutivas das leituras de umaobra, o que nem sempre é percebido ou levado

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POR UMA SOCIOLOGIA HISTÓRICA DA CIRCULAÇÃO E DA RECEPÇÃO DE TEXTOS

2 Para uma reflexão interessante nessa linha, tomando asdiferentes leituras do Ensaio sobre o dom, de MarcelMauss, ver Sigaud (2002).3 Daqui em diante Sociologia dos partidos políticos, títuloda edição brasileira (Michels, 1982).4 A recepção e o reconhecimento de Sociologia dospartidos políticos e a notoriedade de Michels tornarampossível a circulação maior, inclusive com a tradução emlínguas distintas das originais, em particular o inglês, deoutros textos do autor. Para um inventário da sua produçãointelectual, ver Michels (1937, p. 39-76). Uma discussãoimportante, que poderia ser feita a partir do caso deSociologia dos partidos políticos, mas que não serápossível desenvolver aqui, é a das condições sociais deprodução do reconhecimento de uma obra como umclássico. Alguns insights para uma reflexão como essapodem ser tomados, por exemplo, de estudos sobre aafirmação e o reconhecimento da genialidade, como o quefaz Norbert Elias (1994) sobre Mozart.5 As versões italiana e francesa foram traduzidas do alemãoe a inglesa do italiano. A versão inglesa foi uma só,publicada por duas editoras distintas. A publicação que se

em conta. É certo que muitas dessas operaçõessão também realizadas nos campos originais deprodução das obras, pesando igualmente sobresuas leituras, produzindo também seus mal-entendidos. Nesse caso, porém, a proximidadedo autor permite algum grau de controle sobre asmarcas que serão atribuídas aos seus textos e suarecepção. Na circulação internacional o controleé limitado, por mais que nos tempos atuais afacilidade de comunicação e a mobilidade dosindivíduos venham aumentando rapidamente. Umimportante limitador é a tradução, feita em línguasmuitas vezes desconhecidas dos autores, o quetorna impossível a estes qualquer averiguação dafidelidade da versão estrangeira ao original. Espe-cialistas locais, reconhecidos como autoridadesno tema tratado ou no pensamento do autor, sãoentão envolvidos como revisores técnicos,avalizando a versão, atestando com o seu prestígioa sua confiabilidade. O que em contrapartida, éclaro, reforça também o prestígio do revisor.

Algumas obras alcançam visibilidade ecirculação mais amplas por meio de suastraduções do que em suas versões originais,ganhando aquelas uma autonomia e importânciamaior do que estas. Isso se dá não apenas quandoum texto é traduzido em uma língua que se afirmacomo internacional, como por exemplo o inglês,mas também quando o país da tradução exercealguma hegemonia ou imperialismo intelectual,como se refere Bourdieu (idem, p. 3). Nesse caso,a tradução e a sua recepção podem produzirefeitos sobre as obras e as leituras no própriopaís de origem, acrescendo a sua importância,gerando debates, tomadas de posição, impondoredefinições em edições futuras. E não é apenassobre as obras que as traduções produzem efeitos,mas também sobre os autores. Projetando-se parafora, ganhando reconhecimento para além dosespaços intelectuais nacionais – o que é tomadocomo demonstração de excelência –, elesaumentam a sua visibilidade interna nessesmesmos espaços. Portanto, a circulaçãointernacional não é uma via de mão única, queparte de um ponto original e segue sempre adiante.

Mas se é fundamental atentar para as condiçõessociais da circulação internacional de ideias, é nãosomente para evitar os mal-entendidos, asincompreensões, mas também para, tomando-oscomo entendimentos e compreensões possíveisem contextos deteminados, produzir umasociologia fina da recepção, da apropriação, das

diferentes leituras e usos dos textos. E mais, umavez que as leituras e os usos se alteram ao longodo tempo, o que fica especialmente evidente nocaso das obras que se afirmam como clássicos,com suas várias traduções e reedições, aumenta-se a fineza e a efetividade dessa sociologia com aincorporação de uma perspectiva histórica2.

O objetivo deste artigo é trazer elementos dedemonstração do poder heurístico dessaabordagem, tomando por foco o sociólogo alemãoRobert Michels. Ele é autor de um livroconsiderado clássico pelas Ciências Sociais, aCiência Política em especial, Zur soziologie desparteiwesens in der modernen demokratie. Untersuchungen über die oligarchischen tendenzen desgruppenlebens (MICHELS, 1911)3. Emborativesse produzido centenas de outros textos, entrelivros, ensaios, artigos de natureza diversa, sobretemas tão diferentes como castidade, moralsexual, eugenismo, socialismo, sindicatos,economia, comércio exterior, patriotismo,imperialismo, fascismo, foi com Sociologia dospartidos políticos que Michels se consagrou eobteve reconhecimento internacional4. Nos quatroanos que se seguiram ao aparecimento em alemão,o livro foi editado em italiano (1912), francês(1914), japonês (1914) e em inglês (1915), sendoque, neste último caso, por duas editoras: umaestadunidense e outra inglesa. Desde então, tevenumerosas reedições nessas e em outras línguas5.

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Até hoje, é como o autor de Sociologia dospartidos políticos que Michels é celebrado. Mais,sua maior notoriedade vem da sua associação auma das teses centrais do livro, qual seja, emlinhas bastante gerais, a de que toda organização,mesmo igualitária, democrática, desemboca nadominação de delegados sobre delegantes,mandatários sobre mandantes, eleitos sobreeleitores, conhecida como “lei de ferro daoligarquia” (MICHELS, 1982, p. 238). Essaassociação, por sua vez, conduziu a outra,vinculando o autor, juntamente com os italianosVilfredo Pareto e Gaetano Mosca, às origens dateoria das elites e ao que seria uma perspectivarealista da democracia, destacando os limites daampla participação política e do governo dasmassas, a inevitabilidade da formação e daimposição de minorias dirigentes6. É desse modoque ele é predominantemente apropriado pelasCiências Sociais, sendo referência obrigatória emcursos, discussões, textos sobre elites, partidos,democracia, teoria política.

Essa cadeia de associações foi produzida ese afirmou ao longo do tempo, sendo alguns deseus elos posteriores à morte do autor7. Damesma maneira, variaram ao longo do tempo asleituras que dela e de cada um de seus elos foramfeitas, os significados que lhes foram atribuídos,as conclusões e consequências que foramextraídas e também, por essa via, asrepresentações que foram produzidas do autor.Os modos pelos quais Michels e Sociologia dospartidos políticos são hoje vistos e celebradossão inseparáveis da constituição histórica dessacadeia, de seus elos, de suas distintas leituras.

São seus herdeiros, trazem a sua marca e, porconseguinte, não decorrem apenas dascaracterísticas e dos elementos internos ao texto,nem somente das intenções do autor. Para melhordar conta do texto, da sua relevância, do seureconhecimento, da sua repercussão, da suacirculação, das suas apropriações, das suasexegeses e, da mesma maneira, das formas comoMichels foi percebido, é importante ir além dotexto em si8.

Cabe ressaltar que não se tem aqui a pretensãode ser exaustivo. Seria inviável, no espaço restritode um artigo, dar conta da enorme quantidade ediversidade de conjunturas, contextos nacionaise atores envolvidos na circulação e na recepçãodas muitas versões de Sociologia dos partidospolíticos. O que se tentará, mais específicamente,é, analisando formas de recepção e de apropriaçãode Michels e de Sociologia dos partidos políticosnos Estados Unidos, mostrar como se consolidouuma cadeia de associações que está na base dosmodos pelos quais são ambos, hoje, lidos ecelebrados. A passagem pelos Estados Unidosconfluiu, sobretudo, para a afirmação dapercepção do trabalho de Michels como umareflexão realista sobre a democracia e nãoestritamente como expressão de um pensamentoantidemocrático.

Na verdade, a passagem pelos Estados Unidosfoi definidora de uma forma de apropriação nãoapenas de Michels, que vivia na Itália quandoescreveu e publicou Sociologia dos partidospolíticos, mas também dos outros dois pensadoresitalianos aos quais é associado como formuladorda teoria das elites, Mosca e Pareto. Foi a partirdos Estados Unidos que, em larga medida, a teoriadas elites se difundiu com maior força,incorporando-se à reflexão nas Ciências Sociais demaneira mais ampla, e na Ciência Política emparticular. Isso é reconhecido mesmo por autoresitalianos, como Luigi Graziano (1991, p. 128),Giorgio Sola (1996, p. 48-49), Ettore Albertoni(1985; 1989a, p. ix-lxii) e também Norberto Bobbio

está utilizando neste artigo é a americana (Michels, 1915).A edição italiana a que foi possível ter acesso foi a segunda,de 1924 (Michels, 1924 [1912]). Por desconhecimento dalíngua e pela impossibilidade de ter acesso ao original, atradução japonesa não será aqui objeto de tratamento. Areferência dessa tradução bem como as de outras e dereedições podem ser encontradas em Worldcat (s/d).Michels faz menção à tradução japonesa no prefácio deoutras versões e na segunda edição em alemão, de 1925(MICHELS, [1925] 2001, p. 13).6 Para um balanço geral da produção bibliográficaassociada à teoria das elites ver Grynszpan (1996).7 Michels nasceu em Colônia, na Alemanha, em 1876, emorreu em 1936 na Itália, em Roma. Ver sua biografia,entre outros, em Linz (1968; 2006), Cook (1971) eBeetham (1977a; 1977b).

8 David Beetham (1977a) chama a atenção para o fato deque a associação exclusiva entre Michels e Sociologia dospartidos políticos, produzindo uma indiferença em relaçãoaos seus demais textos, gera limitações e equívocos nainterpretação deste livro. Para ele, portanto, Sociologiasó pode ser compreendido de forma mais densa quandolido conjuntamente com os outros textos do autor.

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(1976, p. 365), que chega a afirmar que foi naquelepaís que o elitismo conquistou o seu direito decidadania na Ciência Política contemporânea9.

II. TRAJETÓRIA, REDES, EDIÇÕES E TRA-DUÇÕES

Uma variável a ser levada em conta na leiturade Sociologia dos partidos políticos é a de queedição se tem em mãos. O livro teve duas ediçõesem alemão anteriores à morte do autor: a de 1911e uma de 1925. Michels inicia o prefácio àsegunda edição fazendo referência à boa acolhidae ao reconhecimento de Sociologia, evidenciadospor suas diferentes traduções e pelas váriasrecensões (MICHELS, 2001 [1925], p. 13-14).Esclarece ainda que, motivado pelas críticas ecomentários nestas contidos, bem como pelosimpactos e mudanças de conjuntura relacionadosa eventos significativos ocorridos desde 1911,como a I Guerra Mundial, a Revolução Russa ea ascensão do fascismo, fez alterações no livrosegundo ele mesmo de fundo, ainda que semmodificar suas conclusões e argumentoscentrais. Estes, em sua opinião, longe de seremnegados pelos desenvolvimentos históricosrecentes, viam-se reforçados ao mesmo tempoem que suas previsões ganhavam realidade(idem, 19-22).

Mas não foi apenas a história europeia queexperimentou mudanças entre as duas edições. Oautor também. As edições correspondem a doiscontextos distintos da trajetória de Michels. Em1911 ele era professor na Universidade de Turime, por ter abandonado a militância de esquerdahavia apenas poucos anos, em 1907, era aindavisto como próximo a esse campo. Já em 1925,embora ocupando uma cátedra na Suíça, naUniversidade da Basiléia, mantinha seus laços coma Itália e se acercava do fascismo.

Boa parte da reflexão de Michels emSociologia dos partidos políticos e da empiria quea embasa vem da sua militância no Partido Social-Democrata da Alemanha (SozialdemokratischePartei Deutschlands (SPD)), mais especifica-mente na sua seção de Marburg10, e também noPartido Socialista Italiano (PSI) e de suas relaçõescom as esquerdas de outros países, como aFrança. Suas críticas ao SPD, à organizaçãopartidária, à luta parlamentar, o aproximaram dosindicalismo revolucionário francês, emboranunca tivesse a ele formalmente aderido. Publicouartigos em Le Mouvement Socialiste e acercou-se de Georges Sorel e desenvolveu uma relaçãode amizade com Hubert Lagardelle que durou atéa sua morte11. Essa experiência marcou de modoprofundo seu pensamento e muitas das tesescontidas em Sociologia dos partidos políticos,inclusive a do seu caráter oligárquico, tiveram suaprimeira formulação em textos anteriores deanálise e crítica das organizações de esquerda(BEETHAM, 1977a, p. 5-9). Ao mesmo tempo, amilitância de esquerda produziu impactossignificativos em sua trajetória, com efeitosdiversos. Na Alemanha ela resultou no bloqueiode sua carreira acadêmica, determinando a recusade sua tese de habilitação à docência por parte daUniversidade de Marburg. Na Itália, porém, suasrelações com simpatizantes e militantes deesquerda lhe garantiram a incorporação como livredocente na Universidade de Turim, vinculado àcátedra de economia política ocupada pelosocialista Achille Loria.

Michels passou a buscar uma posição na Itália,onde já havia vivido para realizar estudos, emTurim mesmo, entre 1900 e 1901, após ter a suahabilitação recusada na Alemanha12. Para isso,acionou sua rede de relações, solicitando a ajudade Achille Loria que, além de realizar gestões junto

9 Isso ganha uma evidência maior no caso de Mosca, cujoreconhecimento inicial circunscrevia-se basicamente aoslimites de seu país, ganhando maior projeção internacionalapenas com a publicação, nos anos 1930, de The RulingClass (s/d), tradução de seu livro Elementi di scienzapolítica (1923). É em grande parte pelo título da ediçãoem inglês que Mosca é, até hoje, lido e citado fora daItália. E mesmo edições mais recentes dos Elementipassaram a ter a tradução americana como referência, comofoi o caso da de 1966 organizada por Norberto Bobbio(1966, p. XL), que foi intitulada La classe política. A esserespeito, ver Grynszpan (1999).

10 Sobre a seção de Marburg do SPD e sua influência nostextos de Michels, ver Bonnell (2011).11 Sobre as relações de Michels com o sindicalismorevolucionário francês e com Lagardelle, ver Gianinazzi eLagardelle (1999). Ver também Pouthier (1986).12 Michels estudou História e Economia na Sorbonne,em Paris, e nas universidades de Munique, Leipzig e Halle-Wittenberg em Halle an der Saale, onde também fez seudoutorado em História, sob a orientação de GustavDroysen (MÜLLER, 2002). Ele chegou a ocupar postostemporários de professor em Bruxelas e em Paris, antesde estabelecer-se em definitivo na Itália.

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à direção da Universidade de Turim, buscouneutralizar as resistências iniciais do economistaliberal Luigi Einaudi, que não considerava que ostrabalhos de Michels se enquadrassem no campoda economia13. Foi também importante paraassegurar o ingresso de Michels na Universidadede Turim uma carta de recomendação que pediua Max Weber (POUTHIER, 1986, p. 51;MALLANDRINO, 2005). Os contatos entre osdois remontavam a 1906, quando Michelspublicou seu primeiro artigo em Archiv fürSozialwissenschaft, analisando o socialismoalemão (BEETHAM, 1977a, p. 12). Desde entãosua correspondência tornou-se frequente e Weberacompanhou de perto e comentou a produçãointelectual de Michels, inclusive Sociologia dospartidos políticos. Ele chegou mesmo aposicionar-se publicamente de maneira contráriaà recusa às pretensões acadêmicas de Michels,tomando-a como exemplo da falta de liberdadede ensino na Alemanha, em um artigo que publicouem Frankfurter Zeitung em 1908 (POUTHIER,1986, p. 51; RINGER, 2000, p. 142). O contatoentre os dois durou até meados da década de 1910,quando divergências políticas sobre, entre outrostemas, a participação da Alemanha na I Guerra,levaram-nos a um afastamento14.

Michels instalou-se em Turim em 1907 epermaneceu até 1914, quando foi convidado aocupar uma cátedra na Universidade da Basiléia,onde ficou até 192815. Em Turim ele seaproximou de Mosca, que ensinava na mesmauniversidade, e dos escritos de Pareto, LesSystèmes socialistes (1965 [1902]) em

particular16. Para alguns autores, foi a partir docontato e da incorporação sistemática das idéiasde Mosca e de Pareto que Michels passou a vernos problemas que identificava na organização enas práticas do SPD a manifestação de leisuniversais incontornáveis, base de Sociologia dospartidos políticos (BEETHAM, 1977a, p. 12).

Portanto, as duas edições de Sociologia dospartidos políticos em alemão com Michels aindavivo foram controladas por ele e apresentavamvariações que refletiam não somente as críticas eas distintas conjunturas mais gerais em que forampublicadas, mas também os diferentesengajamentos e momentos da vida do autor.Contudo, não é apenas para as diferenças entreas edições que se deve atentar, mas igualmentepara as que existem entre as suas traduções, sendoque algumas, como a inglesa, eram traduções detraduções.

Michels também procurava exercer algumcontrole sobre as traduções, revisando o textoquando possível17 e negociando com os editoresos títulos e quem seriam os tradutores, escolhaque expressava suas vinculações políticas e o tipode leitura do livro que buscava impor. A ediçãoitaliana foi a primeira, surgindo já no ano seguinteao da publicação do original em alemão. Ela saiupor uma editora de Turim, cidade onde Michelsse encontrava, e a tradução do alemão foi feitapor Alfredo Polledro, que teve uma trajetóriapolítica semelhante à sua: militou no socialismo,aproximou-se do sindicalismo revolucionário evinculou-se depois ao fascismo. Michels (1924[1912], p. XVI-XVII) acentua no prefácio que apreparação do volume foi um trabalho longo decolaboração entre ele e Polledro, que resultou nareformulação de partes do texto, o que se feztambém a partir das críticas à primeira ediçãoalemã, e na sua ampliação, com o acréscimo de

13 As relações com Luigi Einaudi estreitaram-se depois, aponto de Manon, filha do meio de Michels, casar-se como filho daquele, Mario. A edição italiana de Sociologia dospartidos políticos é dedicada a Luigi Einaudi, além deGaetano Mosca, ao político de origem aristocráticaAnnibale Marazio e ao político e médico socialista GiulioCasalini.14 A primeira edição de Sociologia dos partidos políticosé dedicada a Weber, referido como querido amigo(MICHELS, 1911). Sobre as relações entre os dois verScaff (1981). Para uma análise sistemática do pensamentodos dois autores sobre a democracia moderna, ver Tuccari(1993).15 A mudança para a Itália foi também o momento da suaruptura com o SPD. Mais adiante Michels veio mesmo aabrir mão da cidadania alemã, trocada pela italiana a partirde 1913.

16 Ele se aproximou pessoalmente de Pareto, visitando-o seguidas vezes em sua residência em Lausanne, na Suíça,especialmente a partir dos anos 1910, quando tambémpassou a morar nesse país. As visitas são relatadas porsua filha, Manon Michels Einaudi (1935).17 Na segunda edição em alemão, Michels (2001 [1925],p. 13) refere-se às edições italiana, francesa, inglesa,americana e japonesa como as que conhecia diretamente eque haviam sido autorizadas por ele. Esclarece que a ediçãojaponesa ficou sob a responsabilidade de um ex-governadorde Formosa, Kozo Mori, e contou com a introdução deum nobre com atuação ministerial, barão Goto.

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um capítulo sobre carcaterísticas acessórias dasmassas na parte I, B, concernente às causaspsicológicas da liderança. Quanto ao título, seguiua grosso modo o original alemão, que imprimiaum caráter amplo à reflexão, abrangendo osagregados políticos de maneira geral: Lasociologia del partito politico nella democraziamoderna: studi sulle tendenze oligarchiche degliaggregati politici18. Já na segunda edição italiana,em 1924, Michels optou por um título que sugeriaum foco mais circuncrito ao livro: Il partitopolitico nella democrazia moderna.

O responsável pela segunda tradução, afrancesa, de 1914, S. Jankélévitch, foi escolhidopor Gustave Le Bon, diretor da coleção na qual olivro foi publicado, a Bibliothèque de PhilosophieScientifique, da editora Ernest Flammarion19. Acoleção foi criada em 1902, da confluência deduas estratégias: a de Flammarion buscandomudar o perfil e a abrangência de sua editora, atéentão mais identificada com a publicação de obrasliterárias de apelo popular, e a de Le Bon no sentidode ampliar sua entrada nos meios intelectuais euniversitários, o que não havia conseguido deforma plena mesmo com o sucesso de seu livroPsychologie des foules, de 1895 (LE BON, 1922[1895]). A coleção visava difundir saberescientíficos para para um público não familiarizado,a preços mais baixos e com tiragem maior. Deinício, foram sobretudo autores da rede de Le Bon,além do próprio, que publicaram na Bibliothèque.Com o sucesso da coleção, porém, outros autorespassaram a se interessar. A partir dos anos 1910,e da I Guerra em particular, o padrão inicial daBibliothèque começou a se alterar, assim como oconteúdo, que passou a contemplar também textosde atualidade, até como forma de ampliar asvendas. Foi nesse contexto que se deu apublicação de Michels20.

A edição alemã de Sociologia dos partidospolíticos já tinha tido algumas resenhas na Françae sua publicação nesse país resultou da iniciativado próprio Michels, que abordou Le Bon arespeito. Os contatos e negociações entre os doisse iniciaram ainda em 1911. Para convencer LeBon, Michels afirmou em uma de suas cartas queo que fazia no livro era aplicar aos partidospolíticos as teses desenvolvidas em Psychologiedes foules (MOSCOVICI, 1985, p. 85, n. 61).Das exigências do diretor e do perfil da coleçãoresultaram alterações no livro (GIANINAZZI &LAGARDELLE, 1999, p. 104, n. 1) – incluindo ofato de que, à diferença do que ocorreu comoutras traduções, a francesa não trazia o prefácioà primeira edição alemã. Quanto ao título, que foitambém negociado, manteve o foco nos partidospolíticos mas, eliminando o adjetivo “moderna”,identificou a oligarquia como uma tendência dademocracia em geral: Les partis politiques: essaisur les tendances oligarchiques des démocraties.

III. LEITURAS INICIAIS NOS ESTADOSUNIDOS: MICHELS PENSADOR PESSI-MISTA

Uma das edições mais citadas de Sociologiados partidos políticos é a de língua inglesa, aestadunidense em particular. O livro vinha sendolido nos Estados Unidos desde que foi publicadoem alemão. Uma das primeiras resenhas, do anomesmo da publicação, foi de Robert C. Brooks(1911), cientista político da Universidade deCincinnati, em Ohio. Para ele, o livro era umacrítica dura à organização e à liderança do SPD,feita por um socialista. Depois de elogiar otrabalho por seus insights, pelo uso que fazia daPsicologia, embora não tanto o da Psicologia dasMultidões, o resenhista destaca como um limiteseu tom excessivamente pessimista quanto àparticipação das massas na política. Afirma eleque, se Michels tivesse dado maior atenção àhistória e à organização dos partidos na Inglaterrae nos Estados Unidos, suas conclusões seriammatizadas. Outra resenha nesse mesmo ano foi ade Albion Woodbury Small (1911), que ocupou aprimeira cadeira de Sociologia nos EstadosUnidos, a da Universidade de Chicago. Para ele,o livro era leitura obrigatória para todo estudiosode Psicologia Social. Aqui já não é o socialismoque é destacado como o problema central deMichels, mas a democracia e, nela, os partidospolíticos. Small destaca que, em parte, questõeslevantadas por Michels já se encontravam em

18 O título alemão, que foi mantido na edição de 1925, erabasicamente o mesmo, sendo que, ao final, referia-se àstendências oligárquicas não dos agregados políticos, masda vida em grupo. Cf. Michels (1911).19 Há uma extensa lista de textos traduzidos do alemãoao francês por Jankélévitch, em especial de filosofia epsicanálise, não exclusivamente na coleção de Le Bon.20 A difusão de textos impressos na forma de coleções seiniciou na França na década de 1830. Psychologie des foulesfoi publicado em uma coleção anterior de outro editor,Alcan. Sobre a coleção de Flammarion e as estratégias deLe Bon, ver Marpeau (1991; 2010).

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Ostrogorski. No entanto, o livro de fato abrianovas vias de análise, sobretudo no que diziarespeito à questão da liderança. Não se podiaignorar, porém, seu argumento de que ademocracia era essencialmente patológica. Nesseponto, Small levanta a possibilidade de queMichels fosse um adepto da monarquiaeclesiástica, uma vez que cita Karl Ludwig vonHaller, defensor da restauração21.

Ou seja, não havia ainda uma percepção deMichels como um analista realista da democracia.Era como um crítico pessimista, ou mesmoantidemocrático, que era visto. Sua tese central,embora reconhecida como pregnante, tinha a suavalidade restrita à Alemanha, ou mesmo ao SPD.Além disso, o autor ainda era relativamentedesconhecido, como fica claro no texto de Small.Por outro lado, o fato de alguém na posição deSmall dedicar seu tempo à redação de uma resenhado livro é também um indicador da suarepercussão. Michels (1924 [1912], p. XXI)observa, no prefácio à primeira edição italiana,em 1912, que Sociologia dos partidos políticosvinha sendo tema de discussão de estudantes deCiências Sociais de Chicago. De fato, Chicagoteve um papel importante na difusão do livro nosEstados Unidos.

A edição americana de 1915 resultou datradução da italiana de 1912, feita pelo casal inglêsEden e Cedar Paul. Maurice Eden Paul era ummédico, filho do editor Charles Kegan Paul, eCedar Paul, originalmente Gertrude MaryDavenport, uma cantora oriunda de uma famíliade músicos de renome. Ambos eram militantesde esquerda, com passagem pelos partidosTrabalhista Independente e Comunista da Grã-Bretanha. O subtítulo de Political partiesreintroduziu a ideia de que se tratava de um estudosociológico sobre as tendências oligárquicas dademocracia moderna. Esta edição também não

contém o prefácio alemão, nem o italiano, mas otexto de abertura que Michels escreveu para aedição em inglês é bem semelhante a ele. O autorobserva que a versão em inglês trazia alteraçõesem relação às anteriores, resultado da incorporaçãodas críticas que foram feitas. Também foiintroduzida uma reflexão sobre a I Guerra, iniciadano ano precedente, o que resultou em um capítulonovo sobre a vida partidária em tempo de guerra(MICHELS, 1915, p. IX).

Recensões surgiram no período imediatamenteapós a publicação. Nelas, a novidade do trabalhode Michels estava não na sua tese central de que ademocracia produzia minorias e de que estasbuscavam se consolidar no poder como oligarquias.Para alguns, como o historiador da Universidadede Columbia Charles Austin Beard, a tese de Michelsera quase um truísmo para quem conheciaAristóteles, Ostrogorski ou o líder de sualocalidade. O autor, segundo ele, apenasacrescentava um capítulo novo a uma históriaantiga. E o que Michels trazia de novo, na avaliaçãogeral, era a empiria, a grande quantidade de dadose detalhes que organizou e trabalhousistematicamente para demonstrar sua tese. E isso,também na avaliação geral, era o que conferiaimportância ao trabalho. Contudo, diziam osresenhistas, os dados trazidos por Michels eramespecíficos da sua experiência com partidos desocialistas da Europa continental, o alemão emparticular, o que, para Edwin D. Dickinson, cientistapolítico do Dartmouth College, tornava enganadoreso título e o prefácio do livro. Segundo ele,Sociologia não era um estudo da natureza dospartidos políticos e sim uma análise da organizaçãoe do controle especificamente de partidos deesquerda, e da Europa continental. O principalproblema do livro, até como decorrência do focoexclusivo do seu material empírico e da experiênciaconcreta do autor, como parecia ser consenso nasrecensões, era o fato de que expressava uma visãopessimista em relação à democracia, podendo servirà causa dos que buscavam negá-la. Segundo ClydeLyndon King, cientista político da Universidade daPensilvânia, o tom hipercrítico do argumentobeirava a virulência, o que era seu maior defeito(DICKINSON, 1916; KING, 1916; BEARD, 1917;BURNS, 1917).

A leitura de Michels como um pensadorpessimista ou mesmo antidemocrático ganhouespaço na década de 1920, com a sua associação

21 Michels tomou conhecimento das duas resenhasrapidamente e fez referência a elas já no prefácio à primeiraedição italiana, em 1912. Quanto a Brooks, a quem chamade amigo, diz que suas críticas eram um tanto injustas,sobretudo no mau uso da psicologia das multidões, masque não dedicaria tempo a respondê-las. No caso de Small,a reação foi mais dura e dizia que citar alguém em umtrabalho científico objetivo, como o dele, não significavauma adesão às ideias políticas do citado (MICHELS, 1924[1912], p. XXI-XXII).

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ao fascismo, que se deu na mesma época em queliberais que apoiaram a ascensão de Mussolini,como Gaetano Mosca, começaram a se opor22.E foi tendo Michels como um pensador associadoao fascismo que dele se aproximou CharlesEdward Merriam, cientista político daUniversidade de Chicago e um dos principaisnomes no processo de afirmação eprofissionalização das Ciências Sociais nosEstados Unidos, a Ciência Política em particular.

IV. CONTEXTO INSTITUCIONAL DE RE-CEPÇÃO NAS CIÊNCIAS SOCIAISESTADUNIDENSES

Os estudos de história das Ciências Sociaisnos Estados Unidos apontam para o final da IGuerra Mundial como um momento de mudançassignificativas23. Ele marca, se não um abandonodos ideais reformistas que caracterizaram operíodo anterior, pelo menos uma alteraçãofundamental nas visões acerca da sociedade, dastransformações pelas quais passava e, mais doque isso, do lugar e do papel dos cientistas sociaisnessas transformações, da sua competência e dasua capacidade de intervenção nos processossociais e políticos. Até então, não havia, de modoclaramente demarcado, uma autonomia entreatividade intelectual e militância social e política.A questão principal que se colocava para oscientistas sociais, diante das migrações, dosdeslocamentos, dos conflitos, da acentuadadiferenciação social, da desarticulação da vida empequenas comunidades, entre outras decorrênciasda crescente urbanização e da industrialização, eraa de como combinar progresso e democracia. As

Ciências Sociais deveriam estar comprometidascom reformas que reinstaurassem uma situaçãode igualdade e que promovessem a participação –percebidas como valores originais, fundadores dasociedade americana –, sem obstar odesenvolvimento.

O que se observou de fato a partir da I Guerrae durante toda a década de 1920, no entanto, foium movimento de autonomização, dedistanciamento, de separação entre ciência eatividade política. Embora não tivesse ocorridouma ruptura com os princípios democráticos, ootimismo do período anterior foi substituído porum marcado ceticismo. A própria guerra, a recenterevolução russa, as crescentes críticas aoliberalismo na Europa em geral e, nos EstadosUnidos, a derrota eleitoral e o fracasso políticode líderes identificados como portadores de umdiscurso e de propostas progressistas colocarampara os cientistas sociais a necessidade de refletirsobre o fato de que princípios tidos como justos,por si sós, não eram suficientes para produzirum reconhecimento generalizado, uma adesãodos indivíduos que se traduzisse em ações, ematitudes consideradas mais adequadas ouracionais. Na verdade, a idéia mesmo deracionalidade das atitudes humanas passou a serobjeto de questionamento.

Mais do que simplesmente promover reformas,tratava-se agora de conhecer seus obstáculos, sabero que as impedia, de modo a elaborar políticas maiseficazes, cientificamente orientadas. Não cabia aoscientistas sociais fazer as reformas, mas oconhecimento por eles produzido poderia e deveriaser utilizado por aqueles que tinham essa função.

O modelo de Ciência Social que se foiconformando aproximava-se do das CiênciasNaturais, o que implicou na incorporação e nageneralização da crença cientista de que, da mesmaforma que na natureza, os processos sociais eramcognoscíveis e, assim também, previsíveis peloemprego de um método objetivo, rigoroso, quese baseasse na exaustividade e em medidasprecisas. Mais do que a imposição de um métodocientífico legítimo, isso significou que o seucontrole, a competência no seu emprego, passoua ser um dos atributos básicos de reconhecimentodos cientistas sociais. A formação dessacompetência específica, por sua vez, tornou-seuma atribuição exclusiva dos departamentosuniversitários.

22 Mussolini chegou ao poder em 1922, com o apoio dosliberais. Eles foram tornando-se oposição a partir de 1924,com o assassinato do deputado socialista GiacomoMatteotti por fascistas.23 Ainda que variem em relação aos seus objetivos, à finezade sua análise, de suas demonstrações, e ao sentido de suasexplicações, há uma forte concordância entre os estudos noque diz respeito aos cortes cronológicos fundamentais dahistória das Ciências Sociais nos Estados Unidos, àscaracterísticas básicas de cada período, suas preocupações,temáticas principais e atores centrais. A análise aquidesenvolvida tomou por base Easton (1964), Somit eTanenhaus (1967), Carey (1975), Waldo (1975), Ricci(1984), Karl (1985), Seidelman e Harpham (1985),Bannister (1987), Farr e Seidelman (1993), Ross (1997),Worcester e Sibley (2001) e Calhoun (2004).

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Operou-se, portanto, um processo deprofissionalização que se traduziu na crescenteexigência de títulos universitários e que teve comocontrapartida a gradual ilegitimação e exclusão doamadorismo. Isso levou não apenas a umaexpansão numérica dos departamentos de CiênciasSociais, mas também a uma redefinição dasposições de importância relativa de cada um deles,assistindo-se ao declínio dos identificados composturas e visões tidas como mais antigas e àascensão dos que puderam se afirmar comoinovadores, colocando-se à frente de todo esseconjunto de mudanças, impondo como gerais osseus próprios padrões de excelência, de relevância,de reconhecimento.

Para que os porta-vozes da nova perspectivacientífica consolidassem sua posição foiimportante a sua presença à frente de associaçõesprofissionais como a American Political ScienceAssociation (APSA). Fundamental, contudo, foio fato de terem sido eles os responsáveis pelacriação, em 1923, do Social Science ResearchCouncil (SSRC). Intermediando, definindo aalocação dos recursos que começavam a fluir paraa pesquisa em Ciências Sociais a partir deentidades filantrópicas como o Laura SpelmanRockefeller Memorial Fund, a CarnegieCorporation, o Julius Rosenwald Fund e a RussellSage Foudation, o SSRC pôde propiciar a criaçãoou a expansão de departamentos, possibilitar aprojeção de pesquisadores e produzir,objetivamente, uma confluência para o que seriao método científico legítimo24. Para além disso,foi a própria agenda de pesquisas, a hierarquia deobjetos cientificamente relevantes que se redefiniu,passando a ganhar maior importância aqueles queeram passíveis de mensuração. Atitudes,participação eleitoral, opinião pública, propaganda,liderança, tornaram-se algumas das temáticasprivilegiadas, articuladas a uma preocupaçãocentral com o problema do controle social,tomando-se a Psicologia, particularmente de basecomportamental, como referencial explicativodominante.

Foi esse o momento em que Merriam se projetou,tornando-se, a partir dos 1920, uma das figuras demaior visibilidade e importância nas Ciências Sociaisamericanas, ocupando postos de prestígio e de

poder, impondo padrões e objetos legítimos detrabalho, formando aqueles que passariam a ocuparposições dominantes na Ciência Política. Identificadocom a perspectiva reformista progressista que haviacaracterizado o período anterior à I Guerra Mundial,ele se envolveu diretamente com a política municipalde Chicago, galgou cargos eletivos e se afirmoucomo forte possibilidade para a prefeitura da cidade.Derrotado em 1919, porém, operou umredirecionamento de seus investimentos pessoais, oque lhe permitiu não apenas projetar seudepartamento na Universidade de Chicago, mastambém tornar inseparável de sua trajetória individuala própria história da Ciência Política, e mesmo dasCiências Sociais, nos Estados Unidos25.

Das lutas partidárias, Merriam passou a investirpesadamente na militância e nas disputas científicas,tornando-se um dos principais promotores doprocesso de profissionalização das Ciências Sociais.Foi ele um dos mais notórios porta-vozes de umaperspectiva cientista, defensor de um métodoobjetivo, rigoroso e preciso como o das ciênciasnaturais, o que lhe parecia ser o único meio deromper com uma inferioridade das Ciências Sociaisno que dizia respeito tanto à verificabilidade e àvalidade científica de seus conhecimentos, quantoà sua aplicabilidade e ao seu prestígio social(ALMOND, 1988, p. 838). Sua possibilidade degeneralizar e objetivar suas propostas, fazendo comque fossem reconhecidas e incorporadas em práticascientíficas efetivas, estava diretamente associada aofato de ter sido ele o criador e um dos principaisnomes do SSRC.

Merriam soube capitalizar sua competência e seusrecursos políticos, mobilizando suas redes derelações de modo a canalizar os investimentos defundos e instituições filantrópicas, viabilizando aestratégia do SSRC. Igualmente importantes foramos seus vínculos pessoais no campo das ciênciasnaturais, tomadas como paradigma não apenascientífico, metodológico, mas também deorganização profissional. Seu irmão mais velho erao biólogo John C. Merriam, que em 1918 dirigiu oNational Research Council, então focado nasciências naturais e uma das inspirações do SSRC.

Com Merriam à frente do SSRC, o departamentode Ciência Política de Chicago passou a receberrecursos consideráveis, ascendendo, ganhando

24 Para uma história especificamente da FundaçãoRockefeller, ver Fosdick (1989).

25 Para um acompanhamento sistemático da trajetória deMerriam, ver Karl (1974).

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prestígio e projeção no espaço universitário,produzindo uma boa parte das investigações e dostrabalhos reconhecidos como mais relevantes,afirmando a percepção de seus pesquisadores comoalguns dos mais brilhantes, capazes e influentes, ede seus alunos como bem formados e competentes(DAHL, 1961, p. 763). Afastado da atividade políticaem sentido estrito, Merriam fez dela um dos objetoscentrais de reflexão da Ciência Política, buscandoconsolidá-la enquanto ciência da política, elaborandosua própria experiência pessoal, da qual advinha partedo elenco daquelas que se impuseram comotemáticas relevantes de pesquisa: atitudes políticas,comportamento eleitoral, liderança e popaganda. Efoi pensando em propaganda e educação cívica comoformas de controle social e como bases importantesdo comportamento político que Merriam aproximou-se de Michels, esperando deste uma visão de comoambas operavam na experiência fascista.

O interesse de Merriam pela propaganda e pelocaso italiano vinham da I Guerra. Assim como outrosintelectuais, ele colaborou com o esforço de guerraamericano, trabalhando no U. S. Committee onPublic Information, cujo objetivo era formar umaopinião pública nacional unificada favorável àparticipação, legitimando-a, garantindo bases deapoio eficazes, o que significava, igualmente,exercer a censura e neutralizar vozes discordantes(GRUBER, 1975; ROSS, 1997). Sua açãocomeçou a voltar-se também para a Europa a partirda Revolução Russa e da conseqüente saída do paísda guerra, que forneceu combustível às campanhasantibelicistas promovidas por grupos pacifistas e,em especial, por partidos de esquerda, queexperimentavam um claro fortalecimento. Foi parafazer face a isso, e aos seus possíveis efeitosnegativos sobre o desenrolar do conflito, que ogoverno americano abriu escritórios do comitê naEuropa, um deles em Roma. Merriam esteve à frentedo escritório de Roma em 1918, estabelecendocontato com políticos, intelectuais e empresáriositalianos, difundindo a ideia de que a participaçãodos Estados Unidos e a vitória eram fundamentaispara o futuro da democracia no mundo. Ao retornar,publicou um artigo na American Political ScienceReview, “American Publicity in Italy”, em queafirmava que a grande guerra desenvolvera diversasarmas novas, sendo uma das mais letais apropaganda (MERRIAM, 1919, p. 541).

Merriam começou a corresponder-se comMichels em 1926, convidando-o a publicar em umasérie de estudos monográficos sobre educação cívica

cujo título seria Studies in the Making of Citizens.Autores de diferentes países escreveriam sobre suasrespectivas experiências nacionais. Caberia a Michelso volume sobre a Itália. O foco desejado por Merriam,nesse caso, era o do fascismo. Além disso, pretendiaque Michels viesse a Chicago para dar um cursosobre partidos políticos e teoria política e socialrecente. A viagem terminou por se concretizar em1927, tendo Michels proferido palestra no Institutode Política em Williamstown, Massachussets, e dadoum curso de verão em Chicago sobre partidospolíticos em perspectiva comparada, juntamentecom Merriam e dois de seus alunos e assistentesque se tornaram mais reconhecidos, Harold FooteGosnell e Harold Dwight Lasswell. O texto, porém,frustrou Merriam, não tocando na questão dofascismo (KARL, 1974, p. 169-185).

Para os cientistas sociais americanos, portanto,Michels era associado ao fascismo na década de1920. De fato, pouco tempo após retornar dosEstados Unidos, em 1928, ele deixou a Universidadeda Basiléia pela de Perugia, encarregado pelo próprioMussolini de ministrar cursos de Ciência Políticacujo objetivo era formar a elite do sistema fascista,o que fez até 1936, com a sua morte. Seus obituáriosnos Estados Unidos enfatizaram seu vínculo com ofascismo. Em uma pequena nota de 7 de maio de1936, o jornal The New York Times comunicou ofalecimento e destacou o fato de Michels serProfessor de Perugia por nomeação de Mussolini(ROBERTO MICHELS, ECONOMIST, DEAD,1936). O texto em memória de Michels publicadona American Sociological Review era de autoria deum sociólgo também vinculado ao fascismo, DinoCamavitto (1936), da Universidade de Roma. E oAmerican Journal of Sociology (OBITUARY, 1936)lembrou que o afastamento de Michels do socialismoalemão levou-o ao encontro dos movimentossindicalistas e antidemocráticos na França e na Itália,o que resultou, mais tarde, na sua associação aofascismo. Ressaltou ainda a importância deSociologia dos partidos políticos, que definiu comosendo essencialmente uma análise do socialismo pré-guerra na Alemanha, com algumas miradas para aFrança, Itália, Inglaterra e América, mas que seafirmou também como uma das grandes fontes daargumentação teórica contrária à democracia.

V. OS CIENTISTAS SOCIAIS AMERICANOS, OFASCISMO E A DEMOCRACIA

Até meados dos anos 1930, a associação deMichels com o fascismo não era exatamente um

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problema para os cientistas sociais americanos.Embora houvesse oposição, não havia ainda, atéaquele momento, uma condenação mais ampla aMussolini e ao fascismo nos Estados Unidos. Entreos cientistas sociais havia mesmo mais do que umacuriosidade, uma certa fascinação por ele e pelo quese poderia aprender com ele. O próprio Merriam sereferia ao fascismo italiano como um experimentonotável, cuja natureza antidemocrática não deveriaser um obstáculo ao estudo dos seus aspectospositivos26.

É preciso ver que, se de um modo ou de outroforam as possibilidades de promover e aperfeiçoara democracia que estiveram no centro daspreocupações dos cientistas políticos, a partir defins dos anos 1920 observa-se uma importantemudança. Até a I Guerra Mundial, o que se buscavaera a promoção de valores então consideradosbásicos da democracia, a igualdade, a participação,tidos como fundadores, marca específica dasociedade americana. A partir dali, ainda que nãomais prevalecesse o otimismo anterior, o que seprocurava descobrir eram os obstáculos à efetivaçãodaqueles valores, de modo a que pudessem serretirados. Já no final da década de 1920, e durante aseguinte, era a própria noção de democracia quepassava a ser objeto de questionamento, tomando-se os problemas políticos e sociais então existentesnão como decorrentes de uma inobservância ou deuma aplicação incompleta dos valores democráticos,mas, ao contrário, como resultantes mesmo da suaefetivação.

Noções como “igualdade”, “participação”,“soberania popular”, “vontade da maioria”começavam, se não a serem dissociadas da ideia dedemocracia, a serem vistas de modo distinto,relativizadas. Isso era feito tomando por evidênciaos próprios regimes totalitários que, ao menos noscasos da Alemanha e da Itália, ascenderam a partirde mecanismos eleitorais, que tinham sem dúvida oapoio de uma parcela expressiva das respectivaspopulações, podendo, portanto, apresentar-se comoexpressão da vontade popular, que se legitimavam,entre outras formas, por grandes mobilizações oumanifestações de massa, e que se diziam, o que navertente do comunismo alcançava o paroxismo,realizações mais autênticas da ideia de igualdade.

Questões como essas vinham se tornandocentrais nos Estados Unidos não apenas pela suarelevância no quadro externo, pelo crescente climade tensão nas relações internacionais, mas tambémporque se referiam a problemas concretosenfrentados no país, mais intensamente a partir dacrise de 1929. Um dos desdobramentos da crise, dadepressão econômica e de seus extensos edramáticos efeitos sociais, foi o processo decentralização que resultou na reorganização, nocrescimento, no fortalecimento, na afirmação doExecutivo como um ator primordial, deslocando-sedo Congresso para ele o eixo dinâmico fundamentalda política, o que se efetivou com Roosevelt e oNew Deal27.

A necessidade dessa mudança vinha sendoacentuada por autores como Walter Lippmann, quefalava da incapacidade das democracias liberaisrepresentativas para lidar com os problemaspresentes, resultado de um desequilíbrio entre ospoderes que conferia um peso excessivo àsassembléias eleitas e às opiniões das massas. Erapreciso romper com isso, liberando o Executivo daspressões de uma opinião pública que, por via deregra, mostrava-se equivocada, de assembléias que,na verdade, representavam interesses particularesde grupos oligárquicos28. A discussão que secolocava, por conseguinte, era a de como operar acentralização do Estado e o fortalecimento doExecutivo sem romper com a democracia, semdesembocar no totalitarismo.

Essa discussão assumia, em especial para odepartamento de Ciência Política de Chicago, umsentido bastante prático, tendo em vista oenvolvimento direto de Charles Merriam com oprocesso de reorganização do poder Executivo. Areaproximação de Merriam com a atividade política,agora na condição de consultor, de especialista, vinhase dando desde fins dos anos 1920 – período quecoincidiu com a redução gradual dos recursos paraa pesquisa científica advindos das fundaçõesfilantrópicas –, quando o presidente Herbert Hoover

26 Sobre as visões dos cientistas políticos americanos emrelação ao fascismo, ver Oren (2000).

27 Para um estudo do processo de reorganização doExecutivo e seus efeitos ver Karl (1979).28 Ainda que escrito nos anos 1930, o texto referidoapareceu em Lippmann (1955). Na verdade, já em seusescritos da década de 1920 Lippmann (1922; 1925)argumentava que a opinião pública era essencialmenteirracional, o que representava um problema para ademocracia.

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criou o Committee on Recent Social Trends.Tratava-se de uma comissão de caráter técnico,coordenada por aquele cientista político, pelosociólogo William Ogburn, então também emChicago, e pelo economista Weslley Mitchel, deColumbia, cujo objetivo era traçar um diagnósticodos recursos e dos problemas sociais do país,bem como indicar suas possíveis tendências.

A iniciativa de Hoover marcava a abertura denovos espaços de intervenção, de possibilidadesextra-acadêmicas de afirmação para os cientistassociais americanos, processo que veio a seintensificar com a vitória de Roosevelt, em 1932, eo New Deal. Foi nesse momento que eles passarama se impor como técnicos, especialistas, consultores,planejadores, atuando junto aos diversos órgãos ecomissões que foram sendo criados pelo Executivo.Colocando suas competências específicas a serviçoda formulação e da análise de políticas públicas, elesse projetaram como provedores de orientaçõespolíticas, acumulando prestígio, notoriedade,relações e um conhecimento interno da máquinagovernamental e do processo de tomada de decisõesque, em contrapartida, fortalecia também suasposições acadêmicas, garantia o acesso afinanciamentos e traduzia-se em publicações.Merriam esteve à frente de tudo isso, passando porfunções de planejamento e vindo a afirmar-se comoum dos principais conselheiros de Roosevelt (KARL,1979).

Em um tal quadro, as ideias de Michels, mastambém as de Mosca e Pareto, constituíram-separa os cientistas políticos em fundamento delegitimidade, ao mesmo tempo de uma novaconfiguração política e da posição que nelapassaram a ter. Diferentemente do que ocorreuna Itália, em que foram tomadas como base defundamentação do fascismo, mesmo que nãonecessariamente por iniciativa dos autores, comofoi o caso de Pareto, que morreu no ano seguinteao da chegada de Mussolini ao poder, ou deMosca, que se tornou um opositor, essas ideiasforam apropriadas não de modo a negar, mas aelaborar uma perspectiva distinta de democracia.Nela a ênfase recaía sobre a noção de liberdadeem vez de igualdade, relevava-se a representaçãoem detrimento da participação, deslocava-se docentro de sua definição a idéia de governo do povo,de vontade da maioria, de soberania popular, parasubstituí-la pela de minorias dirigentes,salientando-se, contudo, a absoluta necessidade

de procedimentos que garantissem a aberturadessas minorias e o pluralismo, a amplaconcorrência entre elas.

VI. DE PESSIMISTA A REALISTA: RELEI-TURAS DE MICHELS

A apropriação de Michels, Mosca e Paretocomo bases para uma concepção de democracianão se deu sem problemas nem sem operaçõesintelectuais e justificativas complexas, sobretudoa partir de meados da década de 1930, quando oregime de Mussolini foi se ilegitimando nosEstados Unidos. No caso de Mosca, visto comoum opositor, o contexto foi positivo, criandocondições favoráveis à publicação de The RullingClass, que já vinha sendo preparada, e postergada,desde os anos 1920 (ALBERTONI, 1989a, p. xviii-xix). Contribuiu também para isso o trabalho decríticos de Mussolini que se encontravamrefugiados nos Estados Unidos, como o filho deLuigi Einaudi e genro de Michels, Mario, cujaintervenção junto à editora McGraw-Hill foifundamental para garantir a publicação(LIVINGSTON, s/d, p. xli; ALBERTONI, 1989a,p. xxvi). No caso de Pareto, cultuado porMussolini, o que buscaram seus intérpretes ecomentadores foi dissociá-lo do totalitarismo,negando o epíteto de “Karl Marx do fascismo”que lhe era atribuído29. Enfatizou-se a neutralidadepolítica de suas formulações, apresentando-ascomo estritamente científicas, objetivas,desinteressadas, destacando que a única relaçãoque havia entre Pareto e o fascismo era o fato deque a ascensão deste comprovava as leis científicasdescritas por aquele (BONGIORNO, 1930). Emsegundo lugar, buscou-se caracterizar o autor comouma personalidade absolutamente independente e,portanto, impossível de ser rotulada, o que fazia deleum crítico e não um adepto ou apologista dasideologias (EINAUDI, 1935).

No caso de Michels, reconhecidamentevinculado a Mussolini e ao fascismo, uma operaçãosemelhante foi realizada. Passaram a ganhar espaçoleituras de Sociologia dos partidos políticos comouma análise puramente científica, objetiva, baseadaem evidências incontestáveis, cujas tesesexpressavam, portanto, não uma tomada de posição,

29 O termo, que já vinha sendo usado na Europa, apareceuno artigo de Worthington (1933).

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mas uma constatação da inevitabilidade da oligarquiacomo um obstáculo incontornável à efetivação dademocracia. Mas a democracia inviável, segundoessas leituras, era a ideal, fundada nas ideias deRousseau ou no igualitarismo radical pregado pelasesquerdas. Era quanto a ela que Michels mostrava-se reticente, pessimista. Se apontava a suainviabilidade era não a partir de uma perspectivaantidemocrática, mas realista. O que permitia queSociologia fosse visto como uma negação dapossibilidade da democracia em geral era o fato deque, nele, Michels olhava apenas para a estruturainterna dos partidos, deparando-se com a “lei deferro da oligarquia”. Um investimento seguinte, queo autor não pôde realizar, o estudo das relações entreos partidos, revelaria a viabilidade de mecanismosde controle da oligarquização, de garantia da liberdadede expressão e de concorrência, do pluralismo, deuma democracia real. Mas se na ciência Michelsera um realista, na política, concluíam essas leituras,ele era em grande parte um idealista que se ligou aosocialismo na juventude e que, mais adiante, vinculou-se ao fascismo, vendo em Mussolini o lídercarismático que poderia conduzir as massas.

Um dos autores importantes na releitura das ideiasde Michels, Mosca e Pareto foi o filósofo JamesBurnham, da Universidade de Nova York. Antigomilitante do Socialist Workers Party, de orientaçãotrotskista, Burnham apoiou-se naquelas ideias na suacrítica e ruptura com a esquerda30. Em 1943 elepublicou The Machiavellians, qualificando os trêspensadores como defensores da liberdade, subtítulodo livro. Longe de serem opositores da democracia,o que Michels, Mosca e Pareto faziam, segundoBurnham (1943), era atacar a crença no mito dademocracia enquanto governo da maioria, expressãoda soberania, da vontade popular, apresentando umanoção mais concreta, viável, fundada na percepçãode que todo governo é sempre de uma elite e que oimportante era a existência de mecanismos efetivosde mudança e de controle do poder da elitegovernante, garantindo a existência de uma oposiçãolivre, pública. Porém, em meio à II Guerra Mundial,alardeada como uma luta entre a liberdade e ototalitarismo, relativizações da democracia nãoencontravam grande espaço. A repercussão do livrode Burnham, assim, não foi imediata.

Foi também apenas depois da guerra, em 1949,que Sociologia dos partidos políticos teve a sua

primeira reedição nos Estados Unidos, a primeira demuitas. Foi a partir daqui que o livro se difundiu demaneira mais ampla nesse país31. Embora resenhasda edição de 1949 ainda ressaltassem o pessimismodo autor e os possíveis desdobramentos totalitáriosde suas teses, destacava-se igualmente a suaimportância para uma reflexão sobre os marcos eas garantias de uma democracia real. Esse era otom da análise de John W. Lederle (1949), daUniversidade de Michigan. Segundo ele, o temacentral do livro eram as limitações organizacionaisque impediam a realização do ideal ou teoria dademocracia, tratando-se, assim, de leiturafundamental naquele contexto de pós-guerra, emque ficava claro que a democracia não era umainevitabilidade histórica. Para o cientista políticoDavid Easton (1949), de Chicago, identificadocom a perspectiva comportamental da suadisciplina, um dos principais méritos de Michelsfoi trazer a Psicologia e a Sociologia para o estudodo fenômeno político. Segundo o resenhista, osusos políticos do trabalho de Michels terminaramproduzindo efeitos negativos para a pesquisacientífica sobre temas a ele relacionados, comopoder e burocracia, colocando-os sob suspeição.Ao mesmo tempo, podiam levar à falsa conclusãode que a distribuição de poder democrática eradefinitivamente impossível. Já para o sociólogoMorris Janowitz (1949-1950), também daUniversidade de Chicago, o trabalho de Michels,analisando as complexidades do comportamentopolítico de modo compreensivo, era dotado deatualidade. Suas generalizações, além disso, eramformuladas com grande concretude e insight.Embora não formule explicitamente a sua opinião,Janowitz responde à acusação feita ao autor deque seria um pessimista, totalitário, citando umtrecho de Sociologia em que se diz que o que setratava não era de saber se a democracia ideal erarealizável, mas sim se ela era possível e desejávelem um contexto concreto. E na visão de GabrielA. Almond (1950), cientista político de Yale, quefez seu doutorado em Chicago trabalhando comLasswell, o livro era importante sobretudo paraos que conduziam pesquisas sobre comporta-mento político. Na sua leitura, Michels, era um

30 Sobre a trajetória de Burnham, ver Borgogne (1999).

31 Seria importante refletir sobre a reedição e a difusão deMichels nos Estados Unidos em um quadro de GuerraFria. Não há, porém, condições de fazê-lo no momento,dadas as informações disponíveis e, também, os limites deespaço deste artigo.

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pensador realista, destruidor de ilusões liberais,partindo da premissa de que a verdade científicaera oposta à utopia. O problema das conclusõesde Michels, avaliava Almond, advinha do fato quese baseavam em um estudo interno dos partidose não das relações entre eles.

A partir dos anos 1950, a leitura de Michelscomo um realista e de Sociologia dos partidospolíticos como uma crítica não da democraciaem geral, mas da utopia e do radicalismodemocráticos foi ganhando espaço e, mesmo comcontestações, se generalizando. Em um artigo de1953 na American Political Science Reviewintitulado “The law of oligarchy”, C. W. Cassinelli,do Whitman College, afirmava que a lei formuladapor Michels era uma das mais interessantesgeneralizações do campo das Ciências Sociais.Dizia que os comentários sobre ela foram, emgeral, motivados por um desejo de de atacá-la oude apoiá-la, mas que ninguém havia ainda feitouma tentativa séria de entendê-la antes de julgá-la. E era isso que buscava fazer no texto,concluindo que a lei não era incompatível com ademocracia. Se a oligarquia era inevitável, o seucontrole não era, vindo justamente de fora, daconcorrência entre organizações, impedindo queuma se sobrepusesse às demais.

Um elemento importante nessa generalização,já na década de 1960, foram as introduçõesagregadas a novas edições de Sociologia dospartidos políticos, como a do sociólogo SeymourMartin Lipset, de 1962, à época professor daUniversidade de Berkeley. Sua análise é em parteinfluenciada pela de Burnham. Assim como este,Lipset, que também militou no trotskismo najuventude, teve em Michels uma base, de início,para criticar o stalinismo. À diferença deBurnham, que terminou por ser identificado comoum pensador de direita, Lipset, depois de passarpor diferentes grupos de orientação socialista,assumiu a posição política definida por ele mesmocomo a de um democrata conservador (LIPSET,2003). Quando escreveu a introdução, Lipsetabandonara o Partido Socialista havia cerca deum ano. Para ele, Michels produziu umargumento contrário à concepção de democraciapopular direta de Rousseau, fundamento de boaparte das teorias democrática e socialistatradicionais. Mostrou que os problemas dademocracia eram característicos de qualquersistema social complexo. A precisão de suas

previsões em relação ao comportamento futurodos partidos políticos e de outras organizaçõesdemocráticas, combinada com o fato de queidentificou os processos responsáveis por isso,tornaram Sociologia dos partidos políticos umclássico, um dos livros mais influentes do séculoXX. Lipset afirma que Michels foi criticado comoum pessimista, enxergando apenas os limites dademocracia como um fim e, assim, deixando deatentar para o quanto ela pode ser um meio paraque grupos alcancem seus objetivos. Para ele,porém, o autor, que terminou aceitando que omelhor governo era aquele sob a chefia de umlíder carismático, ainda lutava por maisdemocracia como forma de contrabalançar astendências oligárquicas à época em que escreveuo livro. O possível pessimismo traduzido emSociologia dos partidos políticos devia-se, seguiaLipset o diagnóstico formulado também por outrosautores, à sua ênfase exclusiva na estrutura internados partidos. De todo modo, o livro influenciou aprodução de uma visão mais realista dademocracia, fundada não na negação das elites,mas na competição entre elas. Mesmo podendoser internamente oligárquicas, as organizações,concorrendo entre si, contribuem para manter ademocracia (LIPSET, 1966 [1962]).

Outra introdução que traduzia essa visão, agorana Itália, mas produzida por um autor que, emborade origem europeia, fez seu doutorado e suacarreira acadêmica nos Estados Unidos, foi a docientista político Juan J. Linz na edição deSociologia dos partidos políticos de 196632. Linz(2006) sustenta que, em 1911, Michels aindapregava a democracia e o socialismo, mas comoideais que apenas de forma imperfeita poderiamser alcançados. Apontar obstáculos à democracia,como fez Michels, não era o mesmo que assumiruma postura antidemocrática. Era legítimo tentarprovar a impossibilidade empírica da democraciae ao mesmo tempo desejá-la em uma perspectivanormativa. Afinal, uma teoria científica não podia

32 O texto da introdução foi editado em inglês, em 2006,mas não como apresentação a uma nova edição do livro esim como uma coletânea de ensaios de Linz. Segundo oautor (LINZ, 2006, p. 1), que dedica o texto a Lipset,chamado de amigo e professor, a edição atual mantinha oargumento básico da versão original que, embora publicadaem italiano, foi escrita em inglês. Foi à versão atual que foipossível ter acesso para este artigo.

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ser rotulada de pró ou antidemocrática. O queimportava era se era verdadeira, adequada aosfatos e logicamente consistente. A introdução deLinz é obviamente mais complexa e densa do queo que dela aqui se reteve. Entretanto, os pontosdestacados indicam o sentido mais geral doargumento, que conflui para as leituras de Michelsque foram se conformando a partir de fins dosanos 1930, como um pensador realista e não umpessimista antidemocrático, e para Sociologia dospartidos políticos como uma contribuição objetiva,consistente e escorada na empiria, à identificaçãodos obstáculos que se contrapõem à afirmaçãoda democracia e à formulação de uma noção dedemocracia efetiva, que não nega a inevitabilidadedas minorias dirigentes, mas que impõe limitesao seu poder pelo livre exercício daconcorrência33.

Introduções definem um roteiro e um quadrode leitura de uma obra, bem como de questõesque suscitará. Intoduzindo a edição italiana de 1966de Sociologia dos partidos políticos, Linzcontribuiu para internacionalizar uma forma derecepção e de apropriação do livro e de Michelsque tinha raízes nas Ciências Sociais americanas,a Política em particular, a partir de fins dos anos1930. E, se pôde fazê-lo, foi porque erareconhecido na Itália como portador de umacompetência e de uma autoridade no assunto, oque remete a uma questão enunciada no iníciodeste artigo. Embora Michels vivesse na Itália naépoca em que Sociologia dos partidos políticosfoi escrito, foi sua apropriação nos Estados Unidosque, imbricando-se com uma forma própria deconceber a democracia, generalizou-se e, aindaque contestada, impôs-se como dominante. Detal forma que foi um autor formado e radicadonos Estados Unidos quem redigiu a introduçãoitaliana do livro. Na verdade, também como já seapontou, a projeção maior da leitura americananão foi uma exclusividade de Michels,observando-se igualmente, ainda que em diferentesgraus, com os demais autores italianos cujas ideiasforam tomadas como fundamento daquelaconcepção, Mosca e Pareto. Isso guarda relação

também, é claro, com a posição dominanteocupada pela Ciência Política americana nahierarquia internacional da disciplina. Discutir essaquestão de maneira sistemática, todavia, seriainviável nos limites deste artigo. Por ora ésuficiente relembrar a observação de NorbertoBobbio referida no início, de que embora tenhanascido na Itália, foi nos Estados Unidos que oelitismo ganhou sua cidadania na Ciência Políticacontemporânea.

VII. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se extrair como conseqüência daafirmação de Bobbio que, tivesse o elitismo ficadorestrito aos limites da Itália, seu destino seriadiverso. Afinal, nas trocas acadêmicasinternacionais os países têm pesos diferenciaisna definição de hierarquias de objetos,metodologias e teorias legítimos, bem como deagentes individuais e institucionais reconhecidoscomo mais capazes e autorizados. Se a passageme o reconhecimento pelos Estados Unidosconferiram projeção e relevância ao elitismo, issovale inclusive para a Itália do pós-II Guerra, comum debate intelectual fortemente marcado pelomarxismo e buscando exorcizar o fantasma dofascismo. Ou seja, ganhando projeção fora daItália, o elitismo se impôs como tema legítimo dedebate acadêmico nesse próprio país. Mais, oreconhecimento fora da Itália, sobretudo pelaCiência Política norte-americana, equivaleu aconferir um selo de qualidade ao pensamentosocial italiano. E isso de tal modo que Michels, deorigem alemã e tendo sua experiência na social-democracia alemã como principal base para aelaboração de Sociologia dos partidos políticos éreivindicado como um pensador italiano.

Discutir a matriz fundamental do pensamentode Michels, de todo modo, não é o mais relevantepara os objetivos deste artigo. O que importa éque as questões acima indicam que não dependeunicamente da qualidade de um texto, do poderdas suas idéias o seu reconhecimento. Além disso,como se procurou demonstrar, o reconhecimentoé, ao mesmo tempo, a atribuição de umadeterminada representação ao texto e seu autor, aimposição de leituras e interpretações legítimaspor processos que escapam muitas vezes aocontrole deste, levados a efeito em contextosdistintos do original. Isso se faz por um conjuntode agentes que envolve, além ou não do próprioautor, departamentos, universidades, professores,

33 O verbete sobre Michels escrito por Linz (1968) paraa International Encyclopedia of the Social Sciences seguea mesma estrutura da introdução italiana de 1966. Nele,porém, o autor assume um tom menos assertivo em relaçãoao realismo de Michels.

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agências de fomento, editoras, tradutores,resenhistas, revistas, entre outros, posicionadosde forma diferencial, com estratégias diversas,para os quais o investimento nos textos e nosautores pode ter sentidos e objetivos distintos. Ena medida em que as estratégias são conformadasem configurações históricas determinadas, comhorizontes de possibilidades e expectativasdefinidos, investimentos e leituras se alteram aolongo do tempo. Com isso, mesmo os chamadosclássicos podem não permanecer inalterados, sejapor iniciativa do próprio autor, como no caso deMichels, que promovia modificações a cada nova

edição de Sociologia dos partidos políticos demodo a responder às críticas, ou não. Mesmoque o texto em si não seja modificado, as marcasque lhe vão sendo agregadas nas capas,contracapas, orelhas, prefácios, entre outros,pesam sobre sua recepção, sua leitura, suainterpretação.

O que se procurou demonstrar por meio datrajetória de Michels e de Sociologia dos partidospolíticos, com ênfase na sua passagem pelosEstados Unidos, foi o quanto a análise históricadas condições sociais de circulação e de recepçãode um texto permite ganhar em compreensão edesnaturalizar leituras impostas.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 44: 199-203 NOV. 2012ABSTRACTS

TOWARD A HISTORICAL SOCIOLOGY ON THE CIRCULATION AND RECEPTION OFTEXTS: ROBERT MICHELS AND HIS SOCIOLOGY OF POLITICAL PARTIES IN THEUNITED STATES

Mario Grynszpan

Taking Pierre Bourdieu’s considerations on the importance of studying the social conditions of theinternational circulation of ideas as my point of departure, my purpose here is to advance a historicalsociology of the circulation and reception of Robert Michels’ Sociology of political parties. I focuson Michels and his book’s trajectory in the United States, attempting to show how a way of readingthe text and representing its author took hold which still prevails today becoming the basis for itscelebration and consecration as a classic of Political Science. With these purposes in mind, I engagein a systematic comparison of different editions and translations of the book, as well as reviews thatwere written of it. I attempt to identify different types of interpretations that were made over time,associating them with elements of the author’s biographical trajectory and the history of the socialsciences in that country - and political science in particular: from early perceptions as an author whowas pessimistic about democracy or even anti-democratic and associated with fascism to his post-war interpretation as a realist thinker whose theses became the basis for a notion of democracyassociated with liberal pluralism.

KEYWORDS: Robert Michels; Political Parties; Circulation of Ideas; Reception of Ideas;Political Science; Pluralism.

* * *

REALISM AND UTOPIA IN ROBERT MICHELS

Pedro Floriano Ribeiro

This article discusses what the major influences on Robert Michels were in writing his book, PoliticalParties. I seek to move beyond the most commonly recognized sources, such as Gaetano Mosca,Vilfredo Pareto, Max Weber and Gustave Le Bon. Although Michels was not concerned with providingclear definitions of his major theoretical concepts, I attempt to reveal the essence of his reasoning,presenting the major conceptions and influences in this book and emphasizing the changes that weremade from the first edition in 1911 to the second, in 1925. For these purposes, I study the 989explanatory notes appearing in this second edition (in addition to the main text) that are revealing ofthe author’s reasoning as well as his theoretical and empirical sources. In addition to discussing thesources that inspired the book, I also provide a genetic analysis of the work, considering somebiographical information on the period prior to the book’s publication and the interval between thetwo editions. I look at other things Michel wrote in order to get a grasp on how his thought wastransformed. Finally, I point to both fragilities and contributions of his work and argue that the key tounderstanding his life and work resides in capturing the tense disjunctions he establishes betweenrealism and utopia, and separating Michels the militant from Michels the political analyst.

KEYWORDS: Robert Michels; Political Parties; Iron Law of Oligarchy; Organization;Biography.

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OLIGARCHY AND PROCESSES OF OLIGARCHIZATION: MICHELS’ CONTRIBUTIONTO CONTEMPORARY POLITICAL ANALYSIS

Cláudio Gonçalves Couto

The term “oligarchy” has lost most of its analytical usefulness in Political Science, in virtue of howloosely it has been employed, becoming more of a subjectively-applied label than a conceptual tool

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 44: 207-211 NOV. 2012RESUMÉS

POUR UNE SOCIOLOGIE HISTORIQUE DE LA CIRCULATION ET DE LA RÉCEPTIONDE TEXTES : ROBERT MICHELS ET LA SOCIOLOGIE DES PARTIS POLITIQUES AUXÉTATS-UNIS

Mario Grynszpan

L´objectif de cet article est, en partant des considérations de Pierre Bourdieu autour de l´importancede l´étude des conditions sociales de la circulation internationale d´idées, de faire une sociologiehistorique de la circulation et de la réception du livre La Sociologie des partis politiques, de RobertMichels. Dans l´article, l´accent est mis sur le passage de Michels et son livre par les États-Unis,cherchant à montrer comment, à partir de là, s´est consolidée une forme de lecture du texte et unereprésentation de l´auteur qui est aujourd´hui prédominante et à la base de sa célébration et de saconsécration comme un classique de la Science Politique. Pour cela, on fait une comparaisonsystématique de différentes éditions et traductions du livre, bien comme d´analyses produites à partirde lui, cherchant à identifier des lectures distinguées faites au fil du temps, en leur associant à deséléments de la trajectoire biographique de l´auteur, bien comme à l´histoire des Sciences Socialesaux États-Unis et, en particulier, à l´histoire de la Science Politique dans ce pays . D´un auteurpessimiste par rapport à la démocratie, ou même avec une tendance antidémocratique, associé aufascisme, Michels a été vu dans le post-Guerre comme un philosophe réaliste, et ses thèses autantqu´une base pour la formulation d´une notion de démocratie identifiée avec le pluralisme libéral.

MOTS-CLÉS: Robert Michels; partis politiques; circulation d´idées; réception d´idées; SciencePolitique; pluralisme.

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LE RÉALISME ET L´UTOPIE CHEZ ROBERT MICHELS

Pedro Floriano Ribeiro

L´article présente et discute les principales influences théoriques et politiques de Robert Michelsdans la conception de son livre La Sociologie des partis politiques, en essayant d´aller au-delà dessources les plus connues, comme Gaetano Mosca, Vilfredo Pareto, Max Weber et Gustave Le Bon.Puisque Michels ne s´est pas préoccupé à offrir des définitions claires de ses principaux conceptsthéoriques, on a cherché à extraire l´essence de son raisonnement, en présentant les conceptions etles influences prédominantes dans son livre, et en soulignant les changements entre la premièreédition, de 1911, et la deuxième, de 1925. Pour cela, on a réalisé une étude des 989 notes explicativesde cette deuxième édition (en plus de son texte principal), qui révèlent beaucoup du raisonnement etdes sources théoriques et empiriques de l´auteur. En plus de la discussion des sources explicitéesdans le livre, l´article fait aussi une analyse génétique de l´oeuvre, en vérifiant quelques faitsbiographiques antérieurs à sa publication, et dans la période entre les deux éditions. La transformationde la pensée de Michels est aussi remarquée en ayant recours à d´autres publications de l´auteur.L´article démontre enfin quelques faiblesses et contributions de l´oeuvre de Michels, et souligne quela clé pour que l´on comprenne la vie et l´oeuvre de l´auteur c´est d´apercevoir les séparationstendues établies entre le réalisme et l´utopie, et entre Michels autant que militant et Michels autantqu´analyste.

MOTS-CLÉS: Robert Michels; partis politiques; loi de fer de l´oligarchie; organisation;biographie.

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