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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11& 13 th Women’s Worlds Congress(Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X POR UMA CARTOGRAFIA TRANS: ESCRITAS, PERFORMANCE E A NARRATIVA DE SI PARA UMA ARTE DA EXISTÊNCIA Alexandre Luiz Polizel 1 Fabiana Aparecida de Carvalho 2 Resumo: Este trabalho trata a narrativa de si como possibilidade de produção de uma estética da existência, exploração de potencialidades e compreensão sobre o se narrar como obra de arte e cuidado de si. Parte-se da problematização do relato da trajetória de vida de uma jovem travesti, estudante do curso de Artes Cênicas de uma Universidade Pública. Reverberando a própria vida e o protagonismo na descoberta de um corpo não pertencente a uma ordem binária de sexo/gênero, a jovem ex-põe seu percurso na universidade marcada por violências físicas, psicológicas e simbólicas. Atos violentos postos em evidência que perpassam o silenciamento durante debates, o sentir-se sozinha e o ter sua feminilidade invalidada perante os discursos biológicos e naturalizantes circulantes na universidade. Deparar-se com regramentos teatrais e sociais, tentativas de se narrar, interpeladas por regimes normativos e excludentes. Contudo, linhas de fuga são acessadas na dinâmica de uma narrativa de si que visa a supervalorização da perfomatividade evidenciada, principalmente por: a) buscar no uso de acessórios, expressões corpóreas e no deboche um requerimento de voz e legitimação de própria identidade travesti; b) na performatividade, por meio intermedio da apropriação da linguagem do Clown e da estética da Drag a fuga das regras teatrais e quebra das convenções; c) na arte e na escrita, como espaço de militância, memória e reivindicação de si, de sua travestilidadeede seu modo de ser como valido. Palavras-chave: Travestilidade, História de vida, Narrativa de si, Estética de Si, Performance de Gênero. (Re)contando A proposta deste trabalho é proporcionar um conto; perfomar um pequeno conjunto de enredos e personagem que estiveram imersos em tramas conflituosas as quais tentamos organizar e valorar com o intuito de tecer uma "narrativa de si", de vislumbrar os territórios de negociações, dissidências e resistências vividos pela pessoa que trazemos à cena para dizer da produção de uma estética da existência, da exploração de potencialidades e de costuras que a levaram a adotar um cuidado de si transgênero e multifacetado. Ao darmos preferência pela palavra conto, compreendemos que no (re) contar entremeamos nossas mãos e pontos de vistas na reconfiguração da história apresentada, de maneira que ela também incide e sensibiliza nossas próprias histórias e atitudes como pessoas militantes e LGBTTQIA. Que(m) nos inspira a proposta deste conto? 1 Mestrando em Ensino de Ciências e Educação Matemática pela Universidade Estadual de Londrina, Londrina (PR). E- mail: [email protected] 2 Professora Assistente, Departamento de Biologia da Universidade Estadual de Maringá, Maringá (PR). E-mail: [email protected].

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11& 13thWomen’s Worlds Congress(Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X

POR UMA CARTOGRAFIA TRANS: ESCRITAS, PERFORMANCE E A NARRATIVA DE

SI PARA UMA ARTE DA EXISTÊNCIA

Alexandre Luiz Polizel1

Fabiana Aparecida de Carvalho2

Resumo: Este trabalho trata a narrativa de si como possibilidade de produção de uma estética da

existência, exploração de potencialidades e compreensão sobre o se narrar como obra de arte e

cuidado de si. Parte-se da problematização do relato da trajetória de vida de uma jovem travesti,

estudante do curso de Artes Cênicas de uma Universidade Pública. Reverberando a própria vida e o

protagonismo na descoberta de um corpo não pertencente a uma ordem binária de sexo/gênero, a

jovem ex-põe seu percurso na universidade marcada por violências físicas, psicológicas e

simbólicas. Atos violentos postos em evidência que perpassam o silenciamento durante debates, o

sentir-se sozinha e o ter sua feminilidade invalidada perante os discursos biológicos e naturalizantes

circulantes na universidade. Deparar-se com regramentos teatrais e sociais, tentativas de se narrar,

interpeladas por regimes normativos e excludentes. Contudo, linhas de fuga são acessadas na

dinâmica de uma narrativa de si que visa a supervalorização da perfomatividade evidenciada,

principalmente por: a) buscar no uso de acessórios, expressões corpóreas e no deboche um

requerimento de voz e legitimação de própria identidade travesti; b) na performatividade, por meio

intermedio da apropriação da linguagem do Clown e da estética da Drag a fuga das regras teatrais e

quebra das convenções; c) na arte e na escrita, como espaço de militância, memória e reivindicação

de si, de sua travestilidadeede seu modo de ser como valido.

Palavras-chave: Travestilidade, História de vida, Narrativa de si, Estética de Si, Performance de

Gênero.

(Re)contando

A proposta deste trabalho é proporcionar um conto; perfomar um pequeno conjunto de

enredos e personagem que estiveram imersos em tramas conflituosas as quais tentamos organizar e

valorar com o intuito de tecer uma "narrativa de si", de vislumbrar os territórios de negociações,

dissidências e resistências vividos pela pessoa que trazemos à cena para dizer da produção de uma

estética da existência, da exploração de potencialidades e de costuras que a levaram a adotar um

cuidado de si transgênero e multifacetado. Ao darmos preferência pela palavra conto,

compreendemos que no (re) contar entremeamos nossas mãos e pontos de vistas na reconfiguração

da história apresentada, de maneira que ela também incide e sensibiliza nossas próprias histórias e

atitudes como pessoas militantes e LGBTTQIA.

Que(m) nos inspira a proposta deste conto?

1Mestrando em Ensino de Ciências e Educação Matemática pela Universidade Estadual de Londrina, Londrina (PR). E-

mail: [email protected] 2Professora Assistente, Departamento de Biologia da Universidade Estadual de Maringá, Maringá (PR). E-mail:

[email protected].

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Inspiramo-nos na história de vida de uma jovem travesti, estudante do curso de Artes

Cênicas de uma Universidade Pública do Estado do Paraná, que nos relatou sua trajetória

(des)constitutiva na pesquisa: “Histórias, violências e desalojares: a trajetória de LGBT nos

espaços de ensino”3. Em seus relatos, que aqui aparecem como cacos ou fragmentos de memória,

estão tensionados seu protagonismo e a descoberta de si num conjunto de identificações que

performam e ou subvertem os signos da heteronorma (BUTLER, 2003) para a reconfiguração de

identificações cambiantes e transgêneras; são também biopoderes por sobre o corpo (FOUCAULT,

1999) narrados como a memória dos espaços onde ela não foi autorizada a entrar, sofreu violências

físicas, psicológicas e simbólicas e pela passagem em instituições de ensino que deixaram marcas

em seu corpo. Em muitos atos de violação vividos, tecnologias de poder (FOUCAULT, 2014)

atuaram em seu corpo produzindo-o como tal; em outros atos, inscrições sobre sua epiderme

passaram despercebidas e foram naturalizadas, sendo, juntamente ao relato, resignificadas e

(re)pensadas numa presentificação afirmativa da existência.

Não como a uma imposição de categorias apriorísticas, que irá se debruçar em análises

fechadas das falas escolhidas para recompor e recontar a história de Luana, mas como uma

possibilidade de dar voz à sua própria voz, organizamos a apresentação deste trabalho em três

principais eixos: a) Ferramentas de desvelo; b) Luana: uma jovem travesti; b) (R)existências e a

performatividade como narrativa; eles passam a ser contados e re-escritos a seguir.

Ferramentas de desvelo

A condição de velado diz respeito a algo que está encoberto por véu: objetos, pessoas ou

circunstâncias que recebem vigílias e se vigia tanto ao se pensar dores, até o momento do sepulcro

do corpo, quanto ao se pensar nas alegrias da existência quando se pode expô-las. Quando não se

acoberta, não se mantém mais o processo de vigília, então, a coisa, o corpo, o ser, o estar deixam de

serem velados, escondidos, perdidos em silêncios e palavras inconfessas e as condições de vontade

e potência também se descobrem. As pesquisas, mesmo na área de humanas, com seus métodos e

técnicas, muitas vezes, contribuem para que o véu se configure em dados que mascaram a

experiência vivida das pessoas, seus medos e suas negociações; as pesquisas também escolhem de

quais pessoas e vidas se falam, quais pessoas merecem atenção e são materialidades a serem

consideradas na vida política (BUTLER, 2012) ou acadêmica, quais pessoas tem o direito de se

dizer ou de se desvelar.

3 Trabalho de Conclusão de Curso - Licenciatura em Ciências Biológicas.

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Foi com essa preocupação que iniciamos a coleta dos relatos, a troca experiências e afetos

com a pessoa pesquisada, com sua trajetória de vida exposta, com as violências ocultadas em seu

corpo e memória e com os desejos que lhes foram negligenciados nos espaços de ensino que

percorreu (BRITZMAN, 2015; CATANI, 2006). Sua história, interseccionada pelas questões de

gênero e sexualidade, diz também das tecnologias de poder que operaram por disciplinamento e

controle (FOUCAULT, 2014), pela tentativa de docilizar um corpo que não se via e nem se

adequava à normatividade vigente em nossa sociedade - um estado que nele deixou dores e alegrias

que se reverberam vida afora.

As marcas trazidas por Luana foram contempladas a partir de uma análise teórico-

metodológica heteroautobiográfica (RAGO, 2013), compreendida como uma possibilidade de

escrita de si que se adensa e se cruza com a escrita de outrem; os relatos da jovem travesti não

foram compreendidos com uma ficção, tampouco como uma verdade crua e absoluta, mas como

possibilidade experiencial que se hibridizou em nossas próprias experiencialidades.

A voz trazida é performada num corpo jovem e travesti; Luana é licencianda do último ano

de Artes Cênicas. Sua história foi narrada, audiogravada e transcrita, seguindo um roteiro contendo

as seguintes questões: a) Frente às violências contra as minorias sexuais e de gênero, temos desde

agressões físicas, psicológicas à simbólicas. Sob tais aspectos e frente a sua história de vida, o que

você compreende como violência? b) Em um cenário onde a evasão escolar dos indivíduos

LGBTTQIA tem sido recorrente, em nosso país, em sua passagem pela educação básica, você já

sofreu violência? c) Poderia nos relatar histórias dessas violências de vida e comentar se essas

influenciaram no seu processo de ensino e aprendizagem e na ocupação desses espaços

educacionais d) No contexto de ensino superior que você ocupa, você acredita que a violência para

com LGBTTQIAs tem sido ocorrente? e) Você como membro desta minoria sexual, já sofreu

violência? De que forma essa ocorrência influenciou na sua relação com o lugar que você ocupa? f)

No que diz respeito à sua história de vida, frente aos apagamentos realizados no Plano Nacional de

Ensino, qual sua sensação? Dessas questões, selecionamos pequenos fragmentos para compor a

ideia de reinvenção da própria vida travesti.

Para além de registrar essa história de vida em categorias, preocupamo-nos com as

enunciações da fala, buscamos deixar visível o que sabemos estar aí, na sociedade, a acontecer, mas

que, por escaramuças do poder, permanece oculto, velado, ocultante de alegrias.Vislumbramos,

também, discutir que certos processos de disciplinarização nos fazem acostumar ou naturalizar

como não perceptível as violências vividas. Esses mecanismos, portanto, atuaram no corpo da

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jovem travesti e necessitam ser colocados em cena para se pontuar uma história que muitos espaços

e pessoas fazem questão de apagar.

Na tentativa de diagnosticar algumas tecnologias de poder e de desestabilizar naturalidades,

buscamos inspiração no filósofo Michel Foucault para usar parte de suas teorizações e emprestar

sua caixa de ferramentas, especialmente naquilo que tangem os relatos e as narrativas de si.

Particularmente, Foucault denomina de tecnologias de poder toda

[...] técnica que é centrada no corpo, produz efeitos individualizantes, manipula o corpo

como foco de forças que é preciso tornar úteis e dóceis ao mesmo tempo. E, de outro lado,

temos uma tecnologia que, por sua vez, é centrada não no corpo, mas na vida; uma

tecnologia que agrupa os efeitos de massas próprios de uma população (1999, p. 297)

Essas tecnologias de poder são empregadas sob corpos individuais (biopoderes) ou

populacionais (biopolíticas) para constituir, subjetivar, assujeitar as pessoas; entretanto, na relação

consigo mesmas, as pessoas negociam outras tecnologias, as chamadas tecnologias de si, ou seja,

aqueles métodos, táticas e negociações que produzem sujeitos e subjetividades não sucumbidas ao

poder.

Vale dizer que compreendemos estéticas e narrativas como formas de produzir modos de

existência alinhados a como as pessoas lidam com os processos de subjetivação e, eticamente,

produzem suas subjetividades. (FOUAULT, 2014a; ARTIERIS, 2004). Nesse narrar-se, estabelece-

se uma conversão de si, que consiste em “[...] estabelecer certo números de relações consigo

mesmo” (FOUCAULT, 2014a, p. 181). É um exercício de tecnologia de si que permite revisitar-se,

presentificar-se e lidar com as representações que se tem consigo mesmo. É nessa prática do voltar

a si e estar consigo mesmo que as pessoas cuidam de si, governam-se a e se abrem para a

constituição de uma estética existência (FOUCAULT, 2014a).

Se aqui falamos de narrativas, não as observamos como verdades absolutas ou grandes

biografias, preferimos, no entanto, vê-las como narrativas monstruosas e menores que constroem

estéticas outras, assim como Michel Foucault se importou com as narrativas de “loucos”, de pessoas

em prisões, no Irã, sobre sexualidades desviantes, da jovem hermafrodita Alexina/Herculine

(LOURO, 2009; ARTIÉRES, 2004). As falas que trazemos podem ser apropriadas como narrativas

de quem está à margem e como ferramenta para se colocar em cheque as naturalidades e verdades

cristalizadas, abrir espaços para a constituição de novas estéticas, novos modos de ser e estar no

mundo, novas potências de subjetividades - que também possibilitariam trazer à baila modos de

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vida ainda impensáveis, que escapam ao disciplinamento e ao controle e que tentam efetuar uma

arte e uma estética para a própria vida.

Foucault (2014a) apontou a arte da existência em três possibilidades: a) política: resistente

ao poder político e produtora de novas subjetividades; b) ética: ao se negociar com as regras

existentes e questionar a vida a partir delas; c) estético: que teria a subjetivação como produção de

modos de existência artísticos, criadores; e, d) erótico, a concepção do ser erótico e suas

possibilidades. Essa composição estética permite às pessoas a intransigência, a transgressão o dizer

não aos governos e suas reinvenções (FOUCAULT, 2014; PAIVA, 2011).

Sob esse ponto de vista, o processo narrativo convida o sujeito a vislumbrar a si, a se

encontrar na história que traz, em suas memórias, na constituição do eu, possibilitando um trabalho

de união consigo próprio e uma não submissão (Ó, 2010). Trata-se de um exercício semelhante ao

trabalho de Sísifo: um esforço constante para se manter em posse do eu que se diferencia, sempre

num novo início, numa ascese que escuta, escreve sobre e retorna a si mesmo. Também podemos

tomar a narrativa como a um exercício do olhar para os modos com os quais as pessoas se

constituem: o governo de si ao invés de se deixar governar-se pelo outro (FOUCAULT, 2014a;

PAIVA, 2011; Ó, 2010).

Se Foucault (2014a) vê na escrita de si a possibilidade de se revisitar e se reconstituir,

ocupar-se de si e constituir um auto-cuidado, vemos na heteroautobiografia a forma de escrita de si

que praticamos quando nos confrontamos com a escrita de outrem. Uma produção de um

manuscrito ficcional, que se preocupa com os processos de subjetivação que possibilitam modos de

existência outros.

Luana: uma jovem travesti

Nossa protagonista é Luana4, que se descreveu como uma jovem de 22 anos, branca, magra

e licencianda em Artes Cênicas. No início da entrevista, demarcou-se como uma pessoa não binária,

não se reconhecendo dentro do padrão de sexo/gênero binário e cisnormativo; como desafiadora da

heteornormatividade, afirmou jogar com as questões de masculino e feminino, propositadamente,

para que se paire no ar a dúvida e para que as pessoas fiquem instigadas com várias possibilidades

4 Utilizamos um nome fictício, decalcado de uma travesti real, para a protagonista da pesquisa. Luana Muniz foi uma

militante no Rio de Janeiro, morreu aos 56 anos, no dia 6 de maio de 2017, deixando o legado de sua trajetória na

assistência de outras pessoas trans. O nome emprestado não diz respeito à colagem do destino de uma personagem para

a outra, mas, ao contrário, diz do intuito de manter viva uma história, de recobrar a memória para mostrar a

potencialidade da vida trans e do que foi cessado pelos movimentos de ódio para com pessoas travestis, transgêneras e

transexuais.

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sexuais e generificadas num mesmo corpo. Vale a ressalvar que antes da produção desse

manuscrito, Luana passou a se auto-identificar como uma mulher transgênera, por isso a

nominamos como trans na escrita.

Luana construiu, no decorrer de sua graduação, identificações com o teatro, os enfoques

performáticos e uma aproximação com a militância e com o transfeminismo que, segundo sua

acepção, consiste numa vertente do movimento social feminista que traz à cena as pautas das

pessoas trans e se firma, historicamente, pela necessidade de questões específicas do movimento

LGBTTQIA no que diz respeito à consquista de direitos e às especificidades transgêneras.

especificidades.

Sua trajetória e ocupação nos espaços de ensino iniciaram-se, durante a educação básica, em

escola confessional, gerida por uma equipe de freiras, onde sua mãe foi professora e seus irmãos

cisgêneros, também matriculados, reconhecidos como alunos exemplares. Luana gestou um receio

desse momento, pois os irmãos foram o parâmetro comparativo para com a sua potencial formação

e para suas bases estudantis. Ao olhar para seu trajeto pela instituição, Luana enfatizou que passou,

durante seu ensino fundamental, um período no qual não conseguia se olhar, vir-se; não se lembrava

das coisas que gostava de fazer, que gostava de comer, que gostava de ouvir, quem eram seus

professores, o que gostava de estudar. Reconheceu que essa foi uma fase de anulação, ao ser

comparada, pois, com os irmãos. Lembrou-se desse momento escolar como sua pior obrigação,

como um local onde não quis estar, não teve amigos e que teve dificuldade de fazer amizades com

meninos devido as diferenças que reconheceu em seu próprio corpo e as apontadas por outras

pessoas. No mais, ressaltou ser uma "fase de branco", um buraco na memória onde não faz questão

de lembrar suas vivências, um período que passou como se tivesse vivido um trauma forçado por

estar num local onde não quis estar.

As comparações e os parâmetros funcionaram, para Luana, como tecnologias de poder que

assujeitaram suas vontades e potências; a escola, tal qual uma prisão (FOUCAULT, 2014), deu-lhe

o padrão corretivo para se adequar à norma heterossexual e cisgênera, à identidade familiar bem

comportada e para se criar o corpo docilizado, sem trejeitos, adequado à ocupação do espaço

confessional. Nesse momento de sua vida, Luana se viu regida e controlada, por isso, sustenta o

esquecimento como uma estratégia de defesa e recusa do que passou.

Posteriormente, no ensino médio, ela afirmou que, definitivamente, “[...] o problema passou

a ser a escola”. Se antes ela não queria estar, mas não tinha problema em cumprir com a obrigação,

nesse momento, ela quis se distanciar do espaço escolar. Quando desempenhava relações sociais

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dentro da escola, Luana pontuou que “[...] tornou-se negativa e quando se sentia ameaçada, ou, que

seria vítima de bullying de algum colega, atacava-o".

Na tecnologia da violência e da provocação, que perfez momentos negativos em sua

escolarização, ela sentiu que seu corpo pareceu se afetar no espaço escolar. Aprendendo negociar

uma resistência, relatou-nos que se apresentava, visualmente, no espaço escolar, com uma estética

considerada afeminada, apropriando-se dos signos para a construção de uma identidade diferente,

“[...] bem afetada, destoando do papel ‘masculino" que era cobrada. Luana afirmou que todos

reconheciam, de longe, sua sexualidade desviante. Na subversão da lógica do corpo masculino, ela

jogava, para além dos trejeitos afeminados, com os adereços e vestimentas extravagantes, vestia-se

com um tênis vermelho e outro roxo, ia com roupas emperiquitadas, usava o banheiro feminino sem

importar-se com as repressões e proibições. Segundo disse, a resposta registrada para as

expectativas em sua vida futura de estudante eram as de “[...] que nunca ia chegar lá onde às

pessoas queriam que chegasse, a não ser que fosse algo que eu quisesse, mas [...] não queria”.

Assim sendo, passou a fazer o que quis, a discutir com professores e a levar advertências por

transitar entre “[...] polos da invisibilidade ao ser aquela que todos detestam por ver demais”. Esse

foi um período de começar a negociar com as regras impostas, subvertendo-as e questionando a

vida a partir delas.

Ao adentrar no ensino superior, Luana continuou fazendo questão se fazer presente nos

espaços, considerando-se até mesmo alguém que “[...] gostava de causar, bem ‘attent on horn’

mesmo”. Passou a utilizar óculos grandes, pintar o cabelo sempre e a marcar presença na

universidade com a consciência de seu papel e se empoderando pela sua transfiguração, conforme

disse: “[...] Eu produzo conhecimento tanto quanto essas pessoas e minha presença ali é tão valida

quanto a de qualquer um”. “[...] Ia as aulas de leg, se achavam ruim esta colocava leg e salto, se os

olhares persistiam era: leg, salto e peruca”. A estratégia ética-estética iniciada na universidade foi a

de se fazer presente, de mostrar seu corpo como pertencente nesse espaço, de ocupá-lo

Esse se fazer presente não estava isento de violências e veio com ataques para com o seu

corpo, apontando-nos violências simbólicas como: a) ouvir, ao caminhar pela universidade,

comentários como “bicha nojenta”; b) perceber olhares negativos; c) ser apontada pelo namorado de

um amigo como uma reprovação, receber críticas como“[...] essa coisa faz artes cênicas, o que vai

ser dos atores de hoje em dia”; d) ser interditada em discussões por professores; e) ter sua

identidade deslegitimada; e e) até ser agredida fisicamente e roubada no portão da universidade por

estudantes do Colégio de Aplicação Pedagógica.

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O corpo de Luana é um corpo que incomoda, um corpo para o qual a violência está

autorizada, que tem sua integridade física-psicológica ameaçada por existir e se mostrar

esteticamente presente em espaços ‘privilegiados’. Entretanto, seu modo de ser-existir se

presentifica da forma como julga melhor e se sente mais à vontade. Nesse governo de si, incorpora

a afirmação da sua existência como válida, mesmo sendo alvo de violações, interditos e coerções.

Luana provoca e visibiliza sua vida com seus acessórios, suas expressões corpóreas, sua presença,

seu ar debochado, seu querer voz como travesti durante as aulas e nos espaços intra-extramuros.

É com essa estética da existência, a de se recobrar a si num sentido mais ético, que Luana se

situou em sua narrativa.

(R)existências e a performatividade como narrativa

Se o corpo de Luana foi sobrevivente no espaço universitário, isso se deu por intermédio do

mostrar-se (re)existente. Essa resistência ao poder também é um compromisso consigo e com seu

modo de existir. Nos seus confrontos, ela teve escape dos cerceamentos e dos interditos

aproximando-se da linguagem da performance no espaço universitário e de amizades que

permitiram as produções da(s) estética(s) da existência desta jovem trans.

Ao pensar em suas táticas de resistência, Luana apontou que as violências para com sua

identidade foram um caso “[...] um pouco complicado de colocar bem explicito, por que no curso de

artes isto é bem combatido”. Porém, mesmo no universo do teatral de sua formação, violências sutis

foram direcionadas ao seu corpo, negando a possibilidade trans:

[...] Durante a graduação eu percebi que o teatro não é para mim, até pela questão

trans mesmo, por que eu descobri que fazer teatro é uma coisa complicada, quando

se está em um corpo masculino e tem que interpretar personagens femininas. Você

tem pelos, você tem pomo de adão. As pessoas não vão aceitar que aquele

personagem é uma mulher e, para fazer um homem, eu não me sinto à vontade.

Negando tal afirmação, ele migrou para “[...]um lado do Clown e da Drag5, onde eu posso

performar e ser o que eu quero sem ter que me preocupar com regras, não que não há regras, mas

esse tipo de regra não existe”. Para Luana, essa foi sua forma de (r)existir ao espaço que a violava.

5Segundo Luana, Clown e Drag consistem em movimentos performáticos onde se constrói uma personagem que é um

desdobramento de si, que extravasa os padrões ao levá-los ao extremo da exacerbação, ao se valorizar a caricatura. No

caso do Clown, hiperbolizando características pessoais em uma personagem com aparência semelhante a um palhaço e,

na Drag, fazendo usos de signos de feminilidade de maneira intensificada.

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Não estamos, entretanto, afirmando que o espaço da performance é um espaço não regulado,

livre de normas, mas, sim, a ressaltar que ele é um espaço que possibilita uma ampliação de

liberdade, reduzindo os efeitos de tecnologias de governo e ampliando os efeitos de tecnologia de si

(BRANCO, 2015). Dizemos que Luana se movimentou nas possibilidades de existência que sua

potência permitia em dado momento e através da linguagem da performance. A performance é a

potencialização do corpo, consistindo em um desorganizador, perturbador da ordem, aquilo que

bagunça e produz um espaço outro, sem organização e que permite o transbordar dos desejos. É o

espaço onde se pode consumir o ainda impensável, pois é o espaço de experimentação e de

extravasamento (FABIÃO, 2013).

A performance foi, então, o espaço que Luana passou a utilizar para canalizar tudo o que era

negativo e estava consigo, juntamente com os espaços de reverberação e propagação do movimento

feminista, estudantil, greve e outros movimentos sociais que a mesma participava.

Esse modus operanti de canalizar, de colocar para fora, contudo, proveio de um afeto em

especifico: sua relação com a amizade. Luana relatou que o suicídio de sua amiga foi um momento

marcante para que ela passasse a lidar com o narrar suas angústias, suas vivências e para canalizar

sua energia criativa na performance:

[...] Eu estava ensaiando e, quando a gente ensaia, ficamos naquele buraco sem nada.

Quando eu sai do ensaio, tinham milhões de mensagens e ligações para mim, ai quando eu

cheguei em casa, estava sozinha e eu pensei ‘meu deus, o que eu vou fazer’ e, faltava tipo

uma hora para o velório assim [...] Eu demorei tanto para cair a ficha e assimilar eu ela

tinha morrido, morreu e, eu fiquei assim, a semana inteira passada, ia para o ensaio, saia,

fiquei em branco assim [...] Ai ia ter um evento de performance, um festival de apartamento

[...] Ai eu fiz uma performance sobre esta minha amiga, em memória dela, onde eu tinha

uma foto dela, cartolinas e eu compartilhava as memórias que eu tive com ela. E para mim

foi assim, lavar a alma, eu consegui me expurgar mesmo deste sentimento.

É a partir desse momento que Luana passou a utilizar dos meios performáticos, do processo

criativo, do trabalho de “[...] eu escrevo assim, não necessariamente acadêmico ou artístico, mas de

escrever assim, de colocar para fora” - de romper com a dificuldade de se expressar e falar sobre si,

mas de usar dessas escritas para pensar em si. A escrita de suas performatividades passaram a ser

um espaço onde pegava “[...] essas opressões e transformo em militância”

É neste sentido que nas amizades, como diria Michel Foucault (2014a; PAIVA, 2011), são

espaços decisivos na produção de existência outras. São nos amores das amizades que se busca uma

alternativa às instituições disciplinares e de controle. A amizade, portanto, seria uma soma de

possibilidades pelas quais se pode obter prazer, uma vez que ela se configura como a reconciliação

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da philia (afeição) e do eros (paixão). Se novas potencialidades podem ser alcançadas é por que a

modalidade relacional, que é a amizade, permite a criação de “[...] novos modos de vida” (PAIVA,

2011, p. 64).

Percebemos isso ao Luana transformar seu modo de ser após o falecimento da colega,

quando ela se apropria das narrativas/experiências da amiga para aprender a narrar a si mesmo e a

manter memórias circulantes (a sua e a da amizade). Assim, as performances e a amizade citada

deixam rastros na constituição de Luana como pessoa que encontra o sentido erótico que ruma

contra as tecnologias de poder e governo.

Considerações em cacos

A trajetória da jovem travesti potencializa momentos marcantes de sua subjetividade e de

suas negociações ao longo de seu percurso educacional. A relação familiar, os esquecimentos

traumáticos, os reencontros com a resistência e com a amizade são marcas que atravessaram seu

corpo sexuado e generificado. Numa relação de conhecer a si mesma e a buscar novas

subjetividades, Luana segue a construir quebras com a ordem compulsória e normativa da

heterossexualidade, das violências e das marginalizações. Em sua narrativa, compôs essa

aproximação com a linguagem performática, quer seja do Clown ou da Drag, buscando nos

acessórios, expressões corpóreas, no deboche e na voz um teatro (sem regramentos) dos gêneros e a

legitimação da própria identidade travesti. Na arte da escrita de si, construiu e segue por um espaço

de militância acadêmica, ressignificação da memória, reivindicação de si e de sua travestilidade seu

modo válido de existir.

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FOR A TRANS CARTOGRAPHY: WRITINGS, PERFORMANCE AND THE

NARRATIVE OF SI FOR AN ART OF EXISTENCE

Astract: This work treats the narrative of it self as the possibility of producing an a esthetic of

existence, exploring potentialities and understanding about narrating as a work of art and caring for

one self. Part of the problematization of the story of the life trajectory of a young transvestite,

student of the course of Performing Arts of a Public University. Reverbering the own life and the

protagonism in the discovery of a body not pertaining to a binary order of sex/gender, the young ex-

puts its course in the university marked by physical, psychological and symbolic violence. Violent

acts put in evidence that permeate the silence during debates, the feeling of being alone and having

their femininity invalidated before the biological and naturalizing discourses circulating in the

university. To meet with the atrical and social regulations, attempts to narratet hem selves,

questioned by normative and exclusive regimes. However, escape routes are accessed in the

dynamics of a narrative of one self that aim satover valuing the perfomability evidenced, main ly

by: a) seeking in the use of accessories, corporeal expressions and in the debauch a voice request

and legitimation of its own transvestite identity; b) in performativity, through the appropriation of

Clown's language and Drag's aesthetics, the escape of the atrical rules and breaking of conventions;

c) in art and writing, as a space of militancy, memory and claimof self, of its transvestility and of its

way of being as valid.

Keywords: Travestility, Life history, Self-narrative, Aesthetics of Si, Gender Performance