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XV Concurso de Ensayos del CLAD “Control y Evaluación del Desempeño Gubernamental”. Caracas, 2001 POR UMA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (GERENCIAL OU NÃO) MAIS ACCOUNTABLE NO BRASIL: ENTRE OUTRAS COISAS, UMA QUESTÃO DE RESPEITO ÀS SALVAGUARDAS CONSTITUCIONAIS Elida Graziane Pinto _____________________________ Mención honorífica “Guardadas estas distinções [limitação supra-individual, às gerações presentes e futuras, sendo não só auto-limitação, mas também limitação às correntes vencidas no embate constituinte], a imagem de Ulisses atado ao mastro de sua embarcação, por vontade própria, com a finalidade de se autopreservar [em relação ao canto mortal das sereias], é paradigmática dos sistemas constitucionais democráticos, em que a sociedade, através de um instrumento constitucional rígido, restringe seu próprio poder de decisão, objetivando perpetuar sua liberdade de decidir. Sua autonomia. Nos dois casos a possibilidade de ação por parte do indivíduo ou do corpo político é bloqueada com o objetivo de auto-preservação.” Oscar Vilhena Vieira (1997, p. 55) “Como a apropriação, o controle e a transferência dos recursos públicos e a prerrogativa de concessão de estímulos, quotas e subsídios sempre consistem numa formidável fonte de poder, é a preocupação com risco de eventuais arbítrios que, nos períodos de transição e consolidação democrática, leva os juristas a se converterem nos profissionais dos procedimentos, dos prazos e das argumentações lógico-formais – numa palavra, nos guardiães da legalidade.” José Eduardo Faria (1993, p. 39) “... quem quiser reformas ou justiça social articuladas com a democracia terá de propô- las, articulá-las e, provavelmente, realizá-las, porque o sistema democrático não as realiza por si só, embora faça algo imprescindível, isto é, garanta o terreno onde elas podem se realizar.” José Álvaro Moisés (1989, p. 61) “Nada resolve o problema, nada é suficiente. A administração, seja pública ou privada, é um processo de aperfeiçoamento constante e de correção permanente de rumos. Eu sempre digo que administrar alguma coisa é consertar hoje o que foi desmanchado ontem. Porque não existe vôo de cruzeiro na administração pública. A burocracia pensa que existe, que você faz uma lei e ela significa um vôo de cruzeiro. Mas não existe.” Luiz Carlos Bresser Pereira (1998, p. 23), em resposta à pergunta sobre o preparo do alto escalão do governo para lidar com os “novos mecanismos” introduzidos pela EC n.º 19/98 e para resolver os problemas atuais da Administração Pública brasileira. Apresentação Perante o diagnóstico de uma Administração Pública constitucionalmente normatizada demais e tida como verdadeiro “retrocesso burocrático” 1 pelos governantes que deveriam implementá-la, foram lançados, nesta última década, no Brasil, temas de reforma do Estado francamente controversos. 1 É este um dos principais argumentos do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE, 1995) para estimular e angariar apoio às propostas de emenda constitucional levadas a cabo na discussão sobre o modelo de administração estatal adotado no Brasil, até que, de fato, veio a Emenda Constitucional n.º 19/98, que, segundo Bresser Pereira (1998), “acabou representando a opção pela administração gerencial”.

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XV Concurso de Ensayos del CLAD “Control y Evaluación del Desempeño Gubernamental”. Caracas, 2001

POR UMA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (GERENCIAL OU NÃO) MAIS ACCOUNTABLE NO BRASIL: ENTRE OUTRAS COISAS, UMA QUESTÃO DE

RESPEITO ÀS SALVAGUARDAS CONSTITUCIONAIS

Elida Graziane Pinto _____________________________

Mención honorífica

“Guardadas estas distinções [limitação supra-individual, às gerações presentes e futuras, sendo não só auto-limitação, mas também limitação às correntes vencidas no embate constituinte],

a imagem de Ulisses atado ao mastro de sua embarcação, por vontade própria, com a finalidade de se autopreservar [em relação ao canto mortal das sereias], é paradigmática dos sistemas

constitucionais democráticos, em que a sociedade, através de um instrumento constitucional rígido, restringe seu próprio poder de decisão, objetivando perpetuar sua liberdade de decidir. Sua

autonomia. Nos dois casos a possibilidade de ação por parte do indivíduo ou do corpo político é bloqueada com o objetivo de auto-preservação.”

Oscar Vilhena Vieira (1997, p. 55)

“Como a apropriação, o controle e a transferência dos recursos públicos e a prerrogativa de concessão de estímulos, quotas e subsídios sempre consistem numa formidável fonte de poder, é

a preocupação com risco de eventuais arbítrios que, nos períodos de transição e consolidação democrática, leva os juristas a se converterem nos profissionais dos procedimentos, dos prazos e

das argumentações lógico-formais – numa palavra, nos guardiães da legalidade.” José Eduardo Faria (1993, p. 39)

“... quem quiser reformas ou justiça social articuladas com a democracia terá de propô-

las, articulá-las e, provavelmente, realizá-las, porque o sistema democrático não as realiza por si só, embora faça algo imprescindível, isto é, garanta o terreno onde elas podem se realizar.”

José Álvaro Moisés (1989, p. 61)

“Nada resolve o problema, nada é suficiente. A administração, seja pública ou privada, é um processo de aperfeiçoamento constante e de correção permanente de rumos. Eu sempre digo que administrar alguma coisa é consertar hoje o que foi desmanchado ontem. Porque não existe vôo de cruzeiro na administração pública. A burocracia pensa que existe, que você faz uma lei e

ela significa um vôo de cruzeiro. Mas não existe.” Luiz Carlos Bresser Pereira (1998, p. 23),

em resposta à pergunta sobre o preparo do alto escalão do governo para lidar com os “novos mecanismos” introduzidos pela EC n.º 19/98 e para resolver os problemas atuais da Administração

Pública brasileira. Apresentação

Perante o diagnóstico de uma Administração Pública constitucionalmente normatizada demais e tida como verdadeiro “retrocesso burocrático”1 pelos governantes que deveriam implementá-la, foram lançados, nesta última década, no Brasil, temas de reforma do Estado francamente controversos. 1 É este um dos principais argumentos do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE, 1995) para estimular e angariar apoio às propostas de emenda constitucional levadas a cabo na discussão sobre o modelo de administração estatal adotado no Brasil, até que, de fato, veio a Emenda Constitucional n.º 19/98, que, segundo Bresser Pereira (1998), “acabou representando a opção pela administração gerencial”.

XV Concurso de Ensayos del CLAD “Control y Evaluación del Desempeño Gubernamental”. Caracas, 2001

Temas como a dispensa de servidores estáveis pela insuficiência de desempenho e pelo excesso de comprometimento da receita com folha de pagamento; a retirada do Estado da prestação de serviços sociais tidos, pela própria CR/88, como deveres dele; ou ainda a mera ênfase no controle de resultados de entes que gerem verbas públicas, vieram a mitigar, além da alcunha de “cidadã”2 da Constituição de 88, o próprio respeito à ordem constitucional estatuída, na medida em que frustraram um considerável número de direitos e garantias teoricamente intangíveis.

Nesse sentido, em se repassando o muito que se disse no país sobre uma “crise de governabilidade” tão paralisante que demandava um Executivo cada vez mais forte e programas de reformulação impostos em bloco, de maneira cada vez mais incisiva (Diniz, 1997), há de se perceber na “reforma” do Estado brasileiro um claro caráter experimentalista3. Tal “experimentação” reformadora se deu testando medidas, por vezes, inconstitucionais para crises ad hoc, sem maiores contrapontos democráticos e, por isso, sem coerência política, já que faltava aqui uma necessária responsabilidade política estendida4. (Stark & Bruszt, 1998)

Emergiram, então, programas econômicos, muitas das vezes, intocados sequer pela menor das tentativas de controle de constitucionalidade (Arantes, 1997). E, sem negociar pactos duradouros para grandes e imprevisíveis mudanças, só se fez pensar na espiral inflacionária em curtíssimo prazo, independentemente de garantias e valores constitucionais de referência democrática (Diniz, 1997).

Uma vez controlada a problemática da inflação, voltaram-se os Executivos – então, legisladores inquestionáveis da crise5 – para o necessário redimensionamento da dívida pública e daí emergiu, com grande força, na agenda política nacional, a pauta da reforma dos mecanismos de gestão da coisa pública, do papel que o Estado deveria desempenhar e do tamanho que ele deveria ter.

Ora, esteve-se e ainda se está lidando aqui com a premência do princípio da eficiência e a retirada massiva do Estado (mínimo?) de núcleos onde é imprescindível salvaguardar alguns dos mais caros princípios ao modelo de Estado democrático fundado na ordem constitucional vigente, como o da indisponibilidade do interesse público pela Administração, o da continuidade do serviço

2 Adjetivo deveras simbólico dado por Ulysses Guimarães, presidente da Assembléia Nacional Constituinte, por ocasião da sua promulgação, em 5.10.1988, à Constituição da República hoje vigente. 3 Eli Diniz (1996, p. 10-11) tece uma crítica, sobre tal aspecto “voluntarista” das medidas reformadoras do governo, que aqui se mostra deveras pertinente: “... o vonlutarismo da elite estatal não afeta apenas a esfera parlamentar [gerando um comportamento irresponsável e populista do Congresso], senão que seus efeitos perversos atingem o próprio Governo, já que, a longo prazo, a credibilidade de seus atos tende a ser abalada. É preciso considerar que o excesso de poder discricionário abre o caminho para práticas de experimentação irrestrita, dada a inexistência de freios institucionais, favorecendo uma política errática, de avanços e recuos, ensaio e erro, mudanças bruscas nas regras do jogo, na tentativa de corrigir erros no percurso ou de reduzir resistências, sem os percalços da negociação.” 4 É importante explicar aqui a crucial dimensão de tal conceito a partir da própria pesquisa empírica realizada pelos citados sociólogos, em análise dos processos de reestruturação político-econômica ocorridos, durante a década de 90, na Alemanha, Hungria e República Tcheca. Ao defenderem a hipótese de que autoridade (capacidade de implementar medidas de governo) e responsabilidade (constrangimentos institucionais) não são incompatíveis, Stark & Bruszt chegam à inóspita, mas crucial conclusão de que “expondo as políticas a maior vigilância, a responsabilidade política estendida reduz as possibilidades de os executivos cometerem enormes erros de cálculo em políticas extremas e sem consideração para com outros atores.” (1998, p. 26) Daí a fundamental perspectiva de que “as deliberações estendidas não tornaram as políticas mais ‘fracas’: elas amenizaram as políticas, tornando-as mais duráveis por serem mais elásticas. A responsabilidade política estendida não comprometeu os políticos: tornou suas visões mais pragmáticas.” (p. 27) 5 Trata-se ainda hoje de uma das maiores rupturas com o Estado Democrático delineado na CR/88 o abuso das medidas provisórias, alçando o Executivo à condição de legislador por excelência.

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público e o da estrita legalidade a que se encontra submetida a Administração Pública. Note-se que a estrita legalidade, por seu turno, encontra-se performada, na seara do direito

administrativo, em institutos outros como o de licitação (que é um inafastável controle – burocrático – de processos) na contratação com verbas públicas; o de dispensa de servidores através do devido processo legal – seja por insuficiência de desempenho, seja por excesso da folha de pagamento como a EC n.º 19/98 previu –; o de contratação de pessoal mediante concurso público, entre outros. Todos esses institutos comungam de uma mesma importante diretriz, a de que há de haver uma submissão do Poder Público à estrita legalidade porque não cabe ao gestor da coisa pública dispor subjetiva e arbitrariamente do interesse público (Mello, 1999; 2000).

Assim sendo, ao proclamar uma Administração mais autônoma e permeada pela discricionária lógica de mercado, na qual só os resultados bastam6, estaria a se prescindir de controles de um devido processo legal na gestão do interesse público. Em outras palavras, estaria se perdendo de vista mecanismos de controle de um Executivo cada vez mais forte (quiçá mais absoluto) para imprimir uma eficiência que, por si só, não dá conta das garantias constitucionais estatuídas na ordem político-jurídica instaurada em 88 e até os dias atuais (ainda) vigente.

Daí é que se lança o risco incomensurável de que, a uma Administração Pública “gerencial”, não se possa contrapor uma estrita legalidade, sob pena de se estar “retrocendendo” ao modelo burocrático de gestão. E eis que, fora dos limites da legalidade, a preciosa autonomia gerencial não haverá de responder pela mais ancilar das garantias do Estado de Direito, porque, no limite, o risco é de que somente haja uma discricionária avaliação pessoal do administrador, a dizer sobre a “eficiência” das suas decisões e sobre um interesse público marcado unicamente pelo princípio de mercado.

Para o tratamento de tal feixe de problemas, primeiramente será traçado um conjunto de ponderações gerais sobre o contexto em que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 emergiu tanto como ponto culminante no processo de redemocratização nacional, quanto como diretriz político-jurídica inafastável do desenho institucional de Estado que se quer.

Em um segundo momento, cumpre tratar sobre como foi delineado, no Brasil, o diagnóstico da crise do Estado, quais as implicações desta no processo de consolidação democrático-constitucional em curso e como surgiram algumas das mais relevantes propostas de reformulação da atuação do Estado.

Aqui, notadamente, há de ser retomada a discussão de como se deu a proposta de reforma introduzida pelo Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) de 1995, no sentido de se questionar a premência de uma reforma para setores dentro do aparelho do Estado e não para todo ele, uma vez que os inúmeros jogos de redesenho institucional (Tsebelis, 1998) propostos não diziam da qualidade de Estado que se queria buscar, nem da conformação de mudanças na relação Estado-sociedade, mas tão somente do tamanho (mínimo?) que o tornaria mais eficiente...

Já, em sede de avaliação específica sobre alguns dos principais pilares de mudança da dita “reforma administrativa” contemporânea, o foco da presente análise se voltará para a crítica da pretensa conformação de um “novo paradigma” (?) de gestão pública, qual seja, o da Administração Pública gerencial.

Tal crítica cabe na medida em que, sob um tal modelo gerencial, vêm sendo negligenciadas, precisamente, garantias constitucionais que corroboravam a célebre alcunha de “cidadã” dada à CR/88, quando de sua promulgação. Também cabe referida crítica, uma vez que seguem sendo ultrapassadas impunemente salvaguardas primordiais da indisponibilidade do interesse público pela atuação da Administração.

A partir dos elementos acima, cumpre concluir com o levantamento de alguns riscos na nova

6 Segundo Bresser Pereira, “o que acontece é que esses administradores públicos, no modelo burocrático, são obrigados a administrar o Estado de acordo com a norma legal estrita, seguindo procedimentos muito rígidos, sem nenhuma liberdade para tomar decisões. O que faz a reforma gerencial é dar autonomia aos administradores públicos e aumentar suas responsabilidades.” (1998, p. 21-22)

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lógica de atuação da Administração Pública, cujos limites não mais se dariam “burocraticamente” até onde a Constituição e as leis assim estipulassem, mas até onde as metas de mercado discricionariamente conduzissem, quiçá até em arbitrário desrespeito à própria Constituição.

Em última instância, o que se pretende é o resgate da CR/88 – em alguns dos seus imprescindíveis dispositivos burocratizantes – como uma garantia dos administrados de que se está sob um Estado de Direito, dentro do qual a Administração não pode fugir ao império das leis, por mais que a eficiência deva ser levada em conta. Em igual medida, está a se pretender no presente estudo também o resgate da Constituição como ordem política que deve produzir interdependências não mercantis com o democrático intuito de incentivar uma cidadania inclusiva, daí que qualidade e não só tamanho do Estado é que deve ser reformulado.

1. Introdução

Não mais que dois anos foram necessários para que, sob os auspícios da pregação fatalística da crise do Estado a partir de 1990, a então extremamente recente Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 passasse a ser questionada, pelos próprios governantes do país, no mérito da sua (in)capacidade de fornecer instrumentais normativos para se gerenciar “eficientemente” o aparato estatal em prol do interesse público7.

Se, em 5.10.1988, a interpretação político-ideológica do “interesse público” acabou resultando numa nova ordem jurídica fundamental, que era entregue à sociedade brasileira, como fruto último do árduo e sinuoso caminho de redemocratização, assim o foi porque o contexto nacional fora amadurecido para aquele momento por quase toda uma década, em amplas mobilizações político-sociais ao longo dos anos 80.

Contra a memória do período ditatorial, surgia uma nova Constituição mais generosa em liberdades civis, em direitos dos cidadãos e em garantias sociais, cujo objetivo no médio prazo era consolidar a transição do Estado brasileiro, então ditatorial e intervencionista, rumo a um modelo de Estado Democrático de Direito.

Contudo, em 88, para além da conquista formal de uma “Constituição Cidadã”, ficara o desafio do efetivo implemento da maior parte dos ganhos sociais por ela assegurados como direitos fundamentais. Como poderia o Estado brasileiro, no início dos anos 90, ter um horizonte de investimento em todas as áreas demandadas, se economicamente envolto em questões de instabilidade monetária e deficits públicos paralisadores, e administrativamente abandonado seja a interesses clientelistas, seja a trâmites onerosa e excessivamente burocráticos?

Em face de um contexto de precário planejamento institucional de governos cada vez mais reféns de suas dívidas políticas e financeiras, restaria a culpa das incapacidades em cumprir a Constituição da República para ela mesma. A Constituição de 88, sob esse âmbito de análise, passou a ser tida como uma verdadeira fonte de mais e mais burocracia e também de mais e mais ineficiência, assim como passou a figurar como causa crítica, independentemente da avaliação singularizada de governos passados e presentes, do acirramento de várias frentes de endividamento estatal (funcionalismo público, crescimento explosivo do número de municípios, maior controle por processos e não por resultados etc).

Ora, segundo essa lógica e em unissonância com correntes econômicas (diz-se do ismo “neoliberal”) pela redução da intervenção e do tamanho do Estado, em 1995, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) lançou as bases do projeto governamental brasileiro de reestruturação do aparato estatal, não só enquanto “resposta à crise generalizada do Estado”, mas também, segundo o discurso político vigente, enquanto “forma de defendê-lo como ‘res publica’ ”,

7 Segundo Olavo Brasil Jr. (1998, p. 19), “um aspecto crucial no Plano Diretor é o reconhecimento de que as tentativas de reforma no início dos anos 80 foram inteiramente abortadas pelos constituintes, que produziram uma Constituição que ‘promoveu um surpreendente engessamento do aparelho estatal’. (Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, 1995, p. 27). É com base nisto que se pode entender o amplo programa de reformas constitucionais promovido pelo governo [Cardoso] desde os seus primeiros meses de atuação.”

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o que determinou, segundo o próprio Plano Diretor, o caráter “imperativo” da reforma nos anos 90. (PDRAE, 1995:19)

Mal saído da ditadura militar, o povo brasileiro, em um curto intervalo de tempo (não mais que sete anos), se viu diante da propagação da idéia de que o Estado se encontrava em tal profunda crise, que o único e preciso remédio seria justamente uma gradativa e densa reestruturação daquela Constituição “cidadã”, que, de tão “generosa”, se transformara em entrave ao desenvolvimento econômico do país.

É justamente embalada no discurso de que a ordem constitucional brasileira e o aparato estatal precisavam de reformas profundas e urgentes que surgiu a noção de uma “Administração Pública gerencial”.

Sob um rótulo de modelo de administração pública como esse, incentivou-se, por exemplo, a consecução de contratos de gestão, na exata medida do trade-off entre maior autonomia e a correspondente assunção de maior responsabilidade por metas e resultados, sem, contudo, garantir apropriadamente a objetividade e legalidade de um tal controle de resultados. Incentivou-se a participação de camadas da sociedade presumida e potencialmente mais organizadas e eficientes que o próprio Estado; além da progressiva cobrança, junto aos servidores, de desempenhos para além de satisfatórios, ainda que pendente uma devida delimitação de instrumentos objetivos de como se avaliaria tal desempenho.

Nesse mesmo diapasão, na seara da organização administrativa, privatizou-se onde se acreditava que o Estado não deveria continuar e fez-se entender que o âmbito de atuação do Estado deveria, para ser “eficiente”, restringir-se ao seu “Aparelho”.

No plano orçamentário, buscou-se racionalizar o comprometimento das receitas orçamentárias com a folha de pagamentos e, em igual medida, criaram-se mecanismos para que se pudesse responsabilizar, mais rigidamente, os administradores públicos pelo crescimento desordenado das despesas e das renúncias fiscais. Em contrapartida ao reposicionamento orçamentário proposto, tentou-se, na questão tributária, pensar mecanismos de ampliação das receitas e de redefinição das competências tributárias.

Por outro lado, na abordagem da relação entre a Administração Pública e o administrado/ usuário de serviço público/ cidadão, mitificou-se a idéia do cidadão-cliente, justamente cliente da eficiente empresa na qual o Estado pretende se transformar. Assim como, no concernente aos servidores e empregados públicos, pregou-se o fim dos “privilégios”, a relativização da estabilidade e um menor comprometimento do sistema previdenciário especial junto ao Tesouro, além de se ter “enxugado” a máquina pública com a demissão de muitos servidores não-estáveis.

Ao cabo de um elenco meramente exemplificativo e descritivo, fato é que, já no plano das práticas organizacionais de cunho eminentemente ideológico, tentou-se aplicar noções de qualidade total, de reengenharia e de gestão gerencial e empreendedora à uma Administração Pública teoricamente burocrática demais, que sequer ultrapassara algumas constantes práticas clientelistas...

E reformou-se a Constituição da República, não uma, nem duas, nem uma dezena de vezes, mas outras tantas dezenas de vezes, em que o que menos se respeitou foi a alegação de que as reformas não poderiam ferir direitos adquiridos, uma vez que, de tão cidadã, a Constituição passara a ser observada como retrocesso burocrático: eis a perplexidade estrutural da presente proposta de trabalho.

2. A Conquista da Constituição da República de 1988 e a Meta de Construção do Estado Democrático de Direito brasileiro 2.1. Constituição e Defesa do Estado Democrático de Direito

Embora surgida de uma necessidade emblemática de refutar o passado ditatorial; bem como tolhida pela dificuldade material de implementar reformas de cunho includente no curto prazo; além de francamente conciliadora de posições, por vezes, incompatíveis, a Constituição de 88 tentou instaurar uma institucionalidade democrática que carrega consigo as metas de democracia liberal e

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de justiça social. E, para o cumprimento de tais metas, o Estado concorreria decisiva, ainda que não exclusivamente, haja vista a qualidade que a Constituição lhe imprimiu: Democrático de Direito.

Por maiores que tenham sido e ainda sejam as críticas8, é ela (a Carta de 88) fruto de uma histórica expectativa de que seria possível, democraticamente, dar novos rumos para o país; daí a alcunha (utopia?) de “cidadã”; daí a inversão do seu curso em prol do homem e dos direitos deste; daí a necessidade de retomar o modelo dirigente, como se fosse possível conduzir normativamente uma reforma socializante das instituições brasileiras...

Se se buscar uma fundamentação político-constitucionalista para tal papel fundante e reformador da Constituição da República de 88, será possível resgatar que constitucionalismo, no dizer de Andrew Arato, implica “elevar o patamar de aprendizado possível; ou seja, que não se tente aprender imediatamente frente às frustrações empíricas.“ (1997, p. 39) A Constituição, nesse sentido, seria um verdadeiro instrumento de “segurança” dos cidadãos sobre a regularidade democrática e a transformação social. (Faria, 1993, p. 40)

Para além da garantia das “regras do jogo” (Bobbio, 1986), a Constituição brasileira trouxe consigo uma ideologia inafastável, que, se hoje a fragiliza em tempos de reforma minimalista do Estado, à época era um dos seus mais caros fundamentos de validade. Era a ideologia/tentativa de elevar o aprendizado da democracia liberal brasileira pré-64 para uma democracia substantiva e mais igualitária.

Em se dando destaque a essa conotação da CR/88 de ordem reformadora para uma maior justiça social e regularidade democrática, não se pode perder de vista que, segundo Habermas (apud in Vieira, 1997, p. 61,78), as constituições, para serem válidas, devem se pautar por um fundamento que as legitime como ordem justa, devendo ser “intrinsecamente boas”, ou, em outras palavras, conter uma verdadeira “reserva de justiça”.

Sob o referido marco teórico, trata-se, portanto, de elevar a exigência de que a constituição cumpra meramente determinada forma para uma outra exigência mais densa, qual seja, a de que seu fundamento de validade ( = legitimidade) se dê por meio da dignidade de seu reconhecimento como ordem justa e por meio da convicção, por parte da coletividade, de sua “bondade intrínseca”.

8 Segundo Uadi Lammêgo Bulos (1999, p. 122-123): “Num esforço extraordinário, a grande meta era implantar um Estado Democrático, após vinte e cinco anos de regime militar e quase doze de abertura lenta e gradual. Enfeixaram num texto extenso, minudente, detalhista – apelidado de ‘constituição cidadã’ – uma considerável dose de utopismo, bem intencionado, porém delirante. Em contrapartida, teve a virtude de espelhar a reconquista das liberdades públicas, superando o vezo autoritário que se impusera ao País. (...) Nesse íterim, predominava: o corporativismo, dos grupos que manipulavam recursos; o ideal socialista, daqueles que queriam fazer justiça social sem liberdade econômica; o estatismo, dos que acreditavam que a sociedade não poderia prescindir de tutela; do paternalismo, daqueles que queriam que o governo tudo lhes prodigalizasse, sem a necessidade do trabalho e do esforço próprio; do assistencialismo, dos que supunham que a palavra escrita se converte, de um súbito, em benefícios imediatos; do fiscalismo, dos despreocupados com a sobrecarga tributária. Conseqüência disso: 1º) implantação de um texto constitucional xenófobo, arremedo mal formulado de ‘constituição dirigente’; 2º) hegemonia dos grupos de pressão de caráter proteiforme, dos lobbies e das classes corporativas; 3º) superposição de minúcias írritas, totalmente impróprias para um documento equilibrado e duradouro; 4º) as matérias foram prescritas de maneira reiterada, prestigiando-se uma sistematização pleonástica, desuniforme, confusa, com nítido predomínio de normas de eficácia contida e limitada, por princípio institutivo e por princípio programático. (...) Essa desconfiança com o legislador ordinário fez com que matérias de todo jaez fossem constitucionalizadas. Resultado: as constituições tornaram-se projetos inacabados, documentos pretenciosamente exaustivos, porém impossíveis de serem vividos na sua plenitude. E a única saída encontrada é apelar para o recurso instituído das reformas constitucionais, a fim de adequar o instrumento basilar superado aos influxos do fato social cambiante.”

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(Canotilho, apud in Vieira, 1997, p. 61) Assim, a crítica de Habermas e Rawls, da qual emerge a necessidade de se pensar a

Constituição pelas suas qualidades intrínsecas, é, na verdade, uma crítica ao processo de redução da normatividade e legitimidade do direito à sua própria força, por ter se revelado frustrada a proposição weberiana de que “o direito moderno seria o fruto de uma racionalização autônoma, moralmente neutra, e que constituiria a base de sua própria legitimidade”. (Vieira, 1997, p. 61, 78)

Retomando já a própria Constituição de 88, há de parecer controverso o fato de que grande parte dos direitos fundamentais e dos valores de justiça social que a legitimam não sejam contrastáveis com a realidade, na medida em que somente representariam um programa a ser cumprido progressivamente9.

Note-se que o embate entre o caráter programático da Constituição de 88 rumo a um Estado Democrático de Direito, na forma de um extenso rol de direitos e garantias cidadãs, e a dificuldade material de cumprir a pauta inclusiva ali estipulada é a principal matéria de sérios questionamentos e contrapontos sobre sua viabilidade:

“grande parte da controvérsia que o texto constitucional suscitou proveio de ter ele criado, durante a sua redação, esperanças exageradas, que não poderiam ser satisfeitas pelo fiat legislativo. Não obstante, o novo texto é agora não só um documento altamente simbólico, mas também a alavanca para a implementação de uma ampla redistribuição dos recursos de poder no Brasil. Obviamente, não estamos afirmando que a estrutura do poder fica alterada imediatamente por causa disto, mas sim que mudanças nos critérios de legitimidade subjacentes a uma série de ações políticas, administrativas, judiciais e outras abrem caminho para a futura transformação das relações de poder. Vista sob este ângulo, a nova Constituição pode de fato ser considerada democrática.” (Souza & Lamounier, 1989, p. 33, grifos acrescidos ao original)

Se o dito “constitucionalismo dirigente” ou o “reformismo social”, como Boaventura de Sousa Santos mesmo alerta (1998), passaram a ser tidos, a partir da década de 90, em franca derrocada como planilha de atuação de um Estado endividado e sem forças para seguir “organizando” (expressão cara a Przeworski) o capitalismo; como, então, tiveram sobrevida na Constituição de 88?

Foi sonhando com o Estado de Bem-Estar, já em crise na Europa Ocidental, mas inexistente no modelo desenvolvimentista brasileiro, que a Assembléia Constituinte elevou à categoria de garantia fundamental um rol generoso de direitos sociais e trabalhistas, de participação inclusiva, de garantias públicas, entre os já tradicionais direitos de liberdade política e autonomia privada. Atrasado ou não, tal elenco de valores fundantes de justiça social na Constituição de 88 a estigmatiza como um verdadeiro desafio aos governos presentes e futuros no sentido de conseguir implementá-la.

Por uma clara opção política oriunda das correlações de força e pactos possíveis ocorridos durante a Assembléia Constituinte – que, por si só, encerrara um verdadeiro jogo de múltiplas arenas (Tsebelis, 1998) para redefinir o desenho institucional da ordem política suprema –, é a Constituição de 1988, tomada por muitos como na contramão da história (Prado, 1994), uma

“(...) das representantes mais típicas do constitucionalismo ‘dirigista’ ou de caráter social, que se iniciou com a Constituição mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919. Diferentemente das constituições liberais, que buscavam limitar o Estado assegurando o maior espaço de liberdade para o mercado, as constituições sociais organizam um Estado que visa promover o bem estar da sociedade, sendo, portanto, necessariamente mais amplas do que as constituições liberais clássicas.” (Vieira, 1997, p. 59) 9 Sobre a “ineficácia social” da Constituição de 88, Uadi L. Bulos (1999, p. 127) segue criticando: “Os dez anos de Texto Constitucional, do ponto de vista da efetividade, esbarrou-se [sic] na inação legislativa. Esse foi um dos principais fatores responsáveis pela ineficácia social de grande parte da manifestação constituinte originária de 1988, pois os constituintes eleitos em 1986 criaram, no papel, direitos constitucionais de primeiro mundo, porém não os definiu, tornando-os inoperantes.”

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Muito embora a própria Constituição possa ser vista como objeto de um processo ainda não concluído (Vianna, 1999), instável e contingente10 (Barroso, 1998), dentre seus maiores méritos encontra-se a pretensão de conformação cidadã na exata linha de confronto com o momento de crise do Welfare State11.

Daí que a maior fragilidade da nova Constituição talvez tenha sido depositar um vasto número de dispositivos – a serem realizados e/ou cumpridos como se em um programa político estivessem – nas mãos de uma sociedade detentora de uma cultura política ainda incipiente (daí também a falta, no contexto político nacional, da noção de responsabilidade política estendida de Stark & Bruszt, e de capital social de Putnam).

Justamente sobre o risco de serem pouco factíveis tais dispositivos, sem um mínimo de comprometimento e participação social, é que Souza & Lamounier (1989, p. 35) alertam para o fato de que:

“a mobilização social, num contexto de desigualdades gritantes, gera necessariamente um estado de tensão entre a democracia entendida apenas como arranjo político e a democracia enquanto programa substantivo, de medidas sociais ou econômicas concretas. Por isso, mesmo o sistema democrático definido na nova Constituição pressupõe (ou requer) avanços substanciais na politização, ou seja, na capacidade de reconhecer e lidar com a complexidade, de aceitar a existência e a ação de grupos cujos objetivos frequentemente colidem com os próprios e de conviver com problemas para os quais não existem soluções imediatas. Na ausência da politização, assim entendida, os novos arranjos e avanços constitucionais podem revelar-se bastante ilusórios.” (grifo acrescido ao original)

Bem ou mal, correndo o risco de ser desacreditada e tida como ilusória (como o foi por vários autores e governantes), a Constituição de 88 incorporou, em seu núcleo de cláusulas pétreas – essa verdadeira reserva de justiça –, direitos individuais e garantias públicas imutáveis (art. 60, § 4º) que, embora muitas das quais estivessem por se realizar12, foram deliberadas como meta devida no pacto político que tornou possível o sistema de solidariedade (questão tomada a Pizzorno), no qual ela

10 Sobre o fenômeno da mutação constitucional constante, Barroso (1998, p. 24) chama a atenção para o fato de que: “A Carta de 1988 (...) não é a Constituição da nossa maturidade institucional. É a Constituição das nossas circunstâncias. Transformada em um espaço de luta política, a constituinte de 1988 produziu um documento que sofre em demasia o impacto de certas modificações conjunturais. Ao lado disso, há no Brasil uma crônica compulsão dos governantes de modificar a Constituição para fazê-la à imagem e semelhança de seus governos. Uma espécie de narcisismo constitucional.” 11 Segundo Habermas (1987b, p. 97, grifo nosso), “o projeto do welfare state se tornou problemátco na consciência pública também na medida em que os meios burocráticos, mediante os quais o Estado intervencionista pretendia realizar a “domesticação social do capitalismo”, perderam sua ingenuidade. Já não é somente a monetarização da força de trabalho, mas também a burocratização do mundo da vida que é sentida como um perigo por amplos setores da população. O poder político-administrativo perdeu a aparência de neutralidade para a experiência cotidiana dos clientes das burocracias do welfare state. Estas novas atitudes são exploradas pleos neoconservadores, com o fim de vender a bem conhecida política de deslocamento dos problemas do Estado para o mercado, sob o manto das palavras de ordem “liberdade e democracia” – uma política que, sabe Deus, nada a tem a ver com democratização, que, ao contrário, promove uma crescente desvinculação da atividade do Estado da pressão legitimadora da esfera pública, e que entende por liberdade não a autonomia do mundo da vida, mas a liberdade de ação dos investidores privados.” 12 Severa é a crítica de Bulos (1999, p. 134) nesse ínterim, senão veja-se o teor de sua indagação: “Haverá razões que alimentem essa esperança [do resgate de nossa sociedade]? Por um lado, não. Em um País de significativa inflação legislativa e de reformas inoportunas e despropositadas, como o Brasil, onde tudo é nivelado por baixo e o respeito ao homem é quase inexistente, os nossos legisladores ainda estão no período da programaticidade dos comandos constitucionais positivados. Fazem promessas, propõem programas de ação futura, erigem normas de eficácia contida ou limitada, sem fornecerem aos Poderes Públicos as condições para as cumprirem plenamente.”

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própria (Magna Carta) se funda. Em não se pondendo contar, no médio prazo, com bons governantes13 (em sua acepção

cívico-republicana) e com uma sociedade politizada, para dar vazão ao projeto constitucional de construção de um Estado Democrático, tentou-se limitar os futuros legisladores com a preservação de um núcleo rígido, conformador da própria essência da nova ordem então estatuída. Assim o fez, de tal modo que:

“Os princípios a serem protegidos do poder constituinte reformador, por intermédio de cláusulas super-constitucionais, devem constituir a reserva básica de justiça constitucional de um sistema: um núcleo básico que organize os procedimentos democráticos, como mecanismo de realização da igualdade política, e do qual possam ser derivadas as liberdades, garantias legais, inclusive institucionais, e direitos às condições materiais básicas. Mais do que isso, as cláusulas super-constitucionais seriam uma pretensiosa usurpação da autonomia de cada geração por aqueles que elaboraram o documento constitucional. Menos do que isso, essas cláusulas seriam insuficientes. Proteger as liberdades civis e políticas sem assegurar condições materiais é o mesmo que não defendê-las.” (Vieira, 1997, p. 83)

Daí é que sobreleva, no presente estudo, a perspectiva de que representa, sim, uma verdadeira ruptura constitucional a ocorrência de emenda constitucional, ainda que regular, contra cláusulas pétreas14. (Rawls apud in Vieira, 1997, p. 69) Já que “ao retirar do âmbito de deliberação majoritária aqueles direitos, princípios e instituições que constituem a reserva de justiça da Constituição, as cláusulas super-rígidas se transformam em legítimo instrumento de preservação da democracia, paradoxalmente, ao limitá-la.” (Vieira, 1997, p. 61)

2.2. Transição Política e Consolidação Democrática

Nenhuma contextualização político-social melhor definiria as circunstâncias donde emergiu a Constituição da República de 88 do que a expressiva noção de conquista a partir de “pactos políticos modelados por forças históricas poderosas”. (Souza & Lamounier, 1989, p. 18)

Mesmo perante um lento e tumultuado processo de “abertura”, a retomada da democracia já vinha se mostrando inafastável, fruto de um “consenso básico de que chegara a hora de mudanças profundas”, o que, por si só, restou “implícito na própria convocação de uma assembléia constituinte”. (Souza & Lamounier, 1989, p. 21)

Fugindo à facilidade de uma mera avaliação a posteriori, faz-se mister retomar o andamento de tal processo desde o seu advento. Assim, tem-se que a transição política – conformada pela transformação do regime autoritário, vigente no Brasil desde o golpe militar de 1964, em direção a uma ordem político-democrática – foi iniciada na presidência do General Geisel através de um processo de distensão lenta, gradual e de alcance limitado. (Diniz, [s.d.])

Segundo Eli Diniz, o caso brasileiro representou uma das mais longas transições ocorridas na História, em que o embate entre as forças de conservação e as de renovação assumiram um significado particular, sendo ora atenuado, ora exacerbado pelo movimento de liberalização controlado pela elite dirigente, a qual pretendia conter o ritmo das mudanças com a finalidade de preservação do regime e do status quo.

São bastante diferenciadas as posições assumidas pelos mais diversos autores a respeito da “abertura” política no Brasil, sendo, em alguns casos, até mesmo contrárias. Em linhas gerais, pode-

13 É o governo das leis e não de homens falíveis a principal garantia estabelecida pelo surgimento do Estado de Direito, até hoje preservada por ser demasiado perigoso depositar nas mãos e na boa-fé de agentes públicos cívicos o destino de toda uma sociedade. As leis, de fato, aqui significam garantia e exercício de soberania (rousseuaniana) dos cidadãos. 14 Como há de ser visto que vem ocorrendo na implementação do dito “paradigma” da Administração Pública “gerencial”, através da precarização de direitos e garantias individuais, principalmente dos servidores públicos, bem como na “flexibilização” de salvaguardas de interesse público, como a dispensa indevida de licitação na celebração de contratos de gestão com as chamadas organizações sociais.

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se agrupar as abordagens da transição política do país em três categorias básicas, de acordo com o tipo de explicação que propõem.

A primeira interpretação enfatiza as pressões que emergem da sociedade - em decorrência principalmente de contradições econômicas - como o fator propulsor da mudança. No caso brasileiro, segundo Eli Diniz [s.d.], os fatores econômicos tiveram importância em diferentes momentos do processo de abertura, mas não foram determinantes, visto que a política de distensão teve início antes que os efeitos da crise econômica se tornassem completamente visíveis.

Uma segunda corrente explicativa dá ênfase a autonomia do núcleo dirigente governamental e sua capacidade de iniciar as mudanças – antecipando-se às pressões da sociedade – como fonte dos impulsos transformadores. Neste sentido, conflitos e alianças no interior do próprio regime seriam os fatores determinantes do processo de liberalização. A abertura política brasileira refletiria, portanto, um ato de escolha das elites dirigentes do regime – fundamentalmente os militares – que formulariam a trajetória a ser seguida pelo processo.

Há ainda uma terceira modalidade de interpretação – considerada mais adequada pela autora – em que a explicação do processo de abertura reside na integração (conciliadora) de duas dinâmicas básicas: uma de negociação e pacto conduzidas pelas elites e uma de pressões e demandas advindas da sociedade.

O processo de abertura brasileiro deve ser entendido, segundo Eli Diniz, como um projeto de mudança política concebido pelos mentores do regime autoritário como uma maneira de recompor suas bases de apoio, desgastadas em sua legitimidade social pelas restrições políticas impostas ao país. Além disso, a estratégia distensionista não obedeceu a um programa previamente formulado, mas foi sendo gradualmente elaborada e redefinida em função das pressões e resistências sociais enfrentadas pelos governos responsáveis pela sua implementação.

Dessa forma, o processo de abertura extrapolou as intenções do projeto de abertura da elite governamental. Disso resultou a não-linearidade de sua evolução, marcada por avanços, recuos e movimentos contraditórios nem sempre previsíveis. Apesar de o governo deter o controle das regras do jogo político, a distensão foi, em grande parte, uma resposta à oposição sistemática e contínua enfrentada pelo regime.

O vai e vem estratégico do governo, que hora caminhava para a democratização, hora utilizava de práticas repressivas para não perder o controle do processo foi progressivamente minando a credibilidade de seu projeto de liberalização.

Finalmente, chegou-se a um ponto em que a única solução para que este permanecesse no poder seria ou uma reedição da intervenção militar (que seria contra seus projetos de transformismo) ou então uma negociação com as forças oposicionistas que gerasse apoio popular. Com a eleição de um candidato oposicionista para presidente, tal dilema se encerrou, sendo necessário naquele momento somente uma consolidação (institucionalização) do processo democrático.

O coroamento do referido processo veio com a CR/88, na medida em que: “Catorze anos depois de iniciada a chamada ‘abertura política’, ou seja, cerca de 2/3 do

tempo total de duração do regime autoritário, o Brasil promulga uma nova Constituição. Para além do significado estritamente jurídico-formal do que deverá ser a 8ª Constituição do país (a 7ª Republicana), a nova Carta representa, mais uma vez na história, a tentativa de se criarem condições políticas e institucionais para que a sociedade possa ter ao alcande das mãos mecanismos efetivos para permitir que os distintos grupos que a compõem possam influir, através da competição eleitoral e das instituições da representação (partidos e parlamentos) na definição de seus rumos.” (Moisés, 1989, p. 65)

É evidente que a dinâmica da redemocratização não se esgotaria com o advento da Carta Constitucional de 88, nem se formalizaria em sua totalidade com as eleições de 89.

Tanto é assim que não raros foram os alertas de que “a estratégia de construção da democracia não é uma decorrência natural do fim do autoritarismo.” (Moisés, 1989, p. 47) Ou mais

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ainda de que era necessário, além de garantir liberdades políticas, instrumentalizar minimamente garantias de igualdade social:

“... longe de ser linear ou racional, tal processo [de transição democrática] não se esgota com a dissolução de um regime autoritário, mediante uma simples liberação do sistema político. A elaboração teórica dos processos de ‘abertura’, especificamente aquela produzida nos anos 80, afirma que eles só se consolidam efetivamente quando o regime recém-liberalizado, além de restaurar o pleno exercício do pluralismo, restituir os direitos políticos e as garantias públicas, restabelecer institutos jurídicos abolidos ou pervertidos durante o regime autoritário e definir regras democráticas para o jogo representativo, também institucionaliza os direitos sociais e econômicos e promove reformas e mudanças estruturais.” (Faria, 1993, p. 36)

Uma vez que o advento da nova Carta alimentara o anseio de que a transição política pudesse instaurar um novo quadro de instituições formal e materialmente mais democráticas, o processo de negociação durante a Assembléia Constituinte foi inflado a um patamar de agenda de desejos programáticos, o que, mais tarde, deu causa à imensa maioria das críticas sobre sua inefetividade15. Veja-se que:

“Formulada num ambiente democrático, sob a influência de uma participação social jamais vista na história legislativa e constitucional brasileira, a Constituição de 1988 foi também impregnada pelo corporativismo da política brasileira. Constituiu-se a partir de um compromisso entre os diversos setores da sociedade e do Estado que detinham poder naquele momento. Porém, ao invés de um compromisso em torno de regras fundamentais sobre os parâmetros sob os quais se deveria desenvolver o sistema político, deu-se um comopromisso maximizador, no qual cada setor organizado da sociedade, através de um largo processo de barganha, alcançou a constitucionalização de interesses e demandas substantivas. Assim, ao lado de uma atualizadíssima carta de direitos e de uma ambígua distribuição vertical e horizontal dos poderes, o legislador de 1988 constitucionalizou diversos temas que pertenciam tradicionalmente aos corpos constitucionais, mesmo que se tenha em mente constituições de Estados sociais.” (Vieira, 1997, p. 59)

Aludida crítica sobre a natureza prolixa da Constituição e a dificuldade de consensos durante a Assembléia Constituinte encerra, na verdade, uma dificuldade histórica da transição política no Brasil, que se deu por continuidade, uma vez que a Nova República foi estruturada em “pactos de não-competição entre as elites políticas”. (Moisés, 1989, p. 63)

Assim sendo, é de se considerar que, “no período de elaboração da nova Carta, a exigência de quorum qualificado permitiu a

minorias na Constituinte obstacularizarem certas iniciativas constitucionais ou condicionarem sua aprovação a uma barganha: para que votassem favoravelmente a uma dada medida, diversas minorias parlamentares exigiam como contrapartida o apoio dos interessados na ocasião em que fosse votado um outro dispositivo, daquela feita de seu interesse. Em conjunto à inexistência de um consenso inicial mínimo – que estivesse expresso num anteprojeto constitucional, capaz de propiciar um cerne inicial à nova Carta – este outro elemento explica o caráter prolixo da Constituição brasileira. Ela acabou por se tornar o desaguadouro de uma série de reivindicações contra as quais não houvesse uma oposição minimamente consistente. Ao mesmo tempo, medidas mais arrojadas [como a questão da reforma agrária] eram postas de lado por contarem com a resistência de minorias significativas.” (Couto, 1997, p. 43-44)

Ora, como não poderia deixar de ser, tamanha discussão em torno do excesso de temas e em torno das possibilidades de implementação dos dispositivos (programas) constitucionais se deu em face de um contexto já acirrado pela complexificação da questão social e do endividamento estatal deixados pelo regime autoritário.

Este, por seu turno, “não foi um mero parêntesis que, por exemplo, justificasse repetir formas 15 É esta a pauta de discussões do próximo capítulo, em que será reavaliada a própria consolidação democrática e o papel da Constituição de 88 na busca de soluções institucionais para a crise político-econômica do Estado no início dos anos 90.

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de organização política e institucional próprias dos períodos históricos anteriores.” (Moisés, 1989, p. 49) Justamente porque “os regimes autoritários agravaram, até quase o paroxismo, velhos problemas estruturais dos países latino-americanos (questão social, questão nacional)” (Moisés, 1989, p. 49), é que houve tanto espaço para a ilusão/encantamento de que o retorno à mera democracia formal pudesse suplantar tais problemas.

Fato é que as estratégias brasileiras de crescimento econômico privilegiaram, durante a ditadura, os recursos da autoridade (estatal), acima da competição do princípio do mercado. Tal opção conferiu ao Estado o duplo encargo de tutela tanto o mercado econômico como do mercado político-social. (Reis & Cheibub, [s.d.])

Descrita na literatura como “Corporativismo do Estado” ou “Modernização autoritária”, essa trajetória histórica evidenciava nítido viés conservador que restringia o significado da cidadania (acuando, até mesmo, o princípio da solidariedade)16 e ajudava a perpetuar os mais variados tipos de privilégios sociais.

Entretanto, tal padrão histórico de incorporação política associado à desigualdade social pôde se sustentar ao longo da história brasileira, devido sobretudo às altas taxas de crescimento econômico experimentadas pelo país após a 2ª Guerra Mundial e, em especial, durante o regime militar, o que permitiu ainda a manutenção de um certo grau de esperança e otimismo quanto ao futuro do país. (Reis & Cheibub, [s.d.])

Infelizmente o período da redemocratização falhou em sua premissa básica de resgatar a “dívida social”, adquirida pelo Estado durante a ditadura militar. O período pós-ditadura se revelou extremamente difícil, com elevadas taxas de inflação e precário crescimento econômico, agravando, por conseguinte, tanto a crise de desigualdade social quanto a crise (fragilidade) da consolidação democrática, já que os índices de apatia e alienação política têm crescido assustadoramente, concomitantemente com o aumento da má distribuição de renda. (Reis & Cheibub, [s.d.])

Propõe-se hoje, como alternativa à crise do Estado de modo geral, a sobrevalorização do princípio do mercado, advogando competição, mercados livres e eficiência como as lógicas fundamentais de todas as atividades do país, não só das produtivas como também das de caráter público-estatais. Sabe-se porém, que o princípio do mercado pouco atende às necessidades de igualdade social e melhoria da qualidade de vida do povo. (Boaventura de Sousa Santos, 1998)

É importante trazer para um primeiro plano a dimensão moral da sociedade, tendo em vista o atual contexto sócio-político do Brasil. Em outras palavras: faz-se necessário que o princípio da solidariedade se destaque em relação aos demais (o da autoridade e o do mercado) e que a preocupação primordial de todos os setores e classes do Brasil seja a de consolidar um (novo) padrão de cidadania e solidariedade, explorando de maneira adequada e original os recursos do mercado e da autoridade, para assim serem superados os desafios do presente. (Reis & Cheibub, [s.d.])

O Estado brasileiro hoje, dito em reforma, posicionado cada vez mais perante uma sociedade apática (apesar das “ondas” sucessivas de indignação instantânea em relação ao universo vasto de escândalos políticos) e perante um mercado cada vez mais selvagem atrás de eficiência estrita, “está entre a cruz e a espada” literalmente, já que seus dois maiores desafios são justamente reduzir sua esfera de atuação em termos de gastos e de influência direta, com o que estaria atendendo à lógica

16 Nesse sentido, é célebre a crítica habermasiana ao Estado do Bem-Estar Social (Habermas, 1987), na medida em que a emergência de um verdadeiro Estado Administrativo ofuscara a própria sociedade, tornando-a meramente dependente das prestações estatais, sem lhe conferir uma livre e real possibilidade de participação democrática. Os indivíduos, sindicalizados e conformados numa estrita fronteira de direitos de seguridade social, tornaram-se passivos perante o Estado, senão verdadeiros “cidadãos-clientes” daquele. Note-se que essa é uma relação de clientela diversa da proposta pelo modelo de Administração Pública gerencial, mas que merece igual crítica, na medida em que reduz a relação cidadão-Estado a um feixe mercantilizável de serviços ou valores. (Vianna, 1999)

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do mercado e também conduzir efetivamente a realidade social brasileira a um contexto em que falar de consolidação democrática não seja um mero exercício de modificar os problemas pelo “condão” nem tão mágico assim das leis.

O nexo entre crescimento econômico, democracia política e igualdade social vai ao encontro de um processo de consolidação democrática apenas iniciado na sociedade brasileira dos últimos vinte anos. Trata-se, a saber, de uma abertura que requer participação do conjunto da sociedade, seja em se tratando da prevalência necessária do princípio da solidariedade, seja porque a distensão só tomou os contornos que tomou na medida das pressões sociais.

Para um Estado que atualmente se volta para um movimento de contração da sua atuação, o maior desafio e alternativa de solução primordial ao problema de conciliar mercado e solidariedade é proporcionar, na medida de um efetivo exercício da cidadania, uma base democrática consolidada.

3. O Diagnóstico da Crise do Estado perante a Constituição da República de 88

Contemporaneamente, não há como se falar em reforma do Estado e suas implicações, sem necessariamente se tratar da crise do Estado, mais propriamente da crise de um determinado tipo de Estado, qual seja, o que, em coerência com a perspectiva de que os mercados possuem falhas e geram grandes distorções sociais, seguia intervindo ali para promover não só uma maior eficiência mercadológica, mas também para processar intermediações não-mercantis includentes. (Boaventura de Sousa Santos, 1998; Maria da Conceição Tavares, 199-)

Esse tipo de Estado – dito, em tantas acepções, social, fordista, keynesiano, reformista, do Bem-Estar, desenvolvimentista etc. – emergira sustentado pelo sentido político imprimido pelas revoluções oriundas dos movimentos operários internacionais no início do século XX e pela grande ruptura que houve no cerne do liberalismo econômico com a Crise de 29.

Nesse sentido, pertinente é a análise feita por Boaventura de Sousa Santos (1998) de que o reformismo da sociedade e do mercado (como paradigma moderno de transformação social) promovido pelo Estado tinha claras tendências socializantes, ao mesmo tempo em que promovia a legitimação do capitalismo, “organizando-o” de modo a minimizar a lógica deste de exclusão e desagregação social.

Contudo, no auge dos anos 70 e 80 do século passado e já diante de um processo de globalização, desde então, visualizado como inevitável, os Estados nacionais, com um aparelho inflado e à merce dos fluxos intermitentes do capital internacional, se viram sob a premência de mudança para uma melhor gestão dos recursos de que dispunham. (Diniz, 1997)

Assim sendo, a dita “crise de governabilidade” (Diniz, 1997) a demandar reformas profundas no Estado por todo o mundo emergiu com grande alarde, tão logo se constatou univocamente o enfraquecimento do antigo padrão fordista de industrialização e das políticas econômicas estatais, bem como quando se evidenciou a ruptura com o sustentáculo político-ideológico (Boaventura de Sousa Santos, 1998) que mantinha as bases do intervencionismo estatal nos moldes em que ele vinha sendo instrumentalizado.

Sem como seguir processando as bases da acumulação capitalista com a lógica de inclusão promovida pelo Estado-Providência nos países centrais e pelo Estado Desenvolvimentista nos periféricos, caíra (?) por terra a crença de que o capitalismo organizado poderia, de fato, ser um caminho certo e progressivo em direção à democracia e à justiça social.

O Estado, então, passara a ser questionado no mérito da sua capacidade de alocação (in)eficiente de recursos – recursos esses tomados à sociedade e ao mercado –, ainda mais se se considerar que, dado o crescimento da dívida pública e da extrema dificuldade de geri-la, ele sequer (?) continuaria sendo capaz de conformar maior inclusão cidadã, tão dispendiosa e inchada que se tornara a sua máquina.

Assim, segundo Eli Diniz (1997), tal “crise de governabilidade”17 fora alçada à condição de 17 Segundo a autora citada, “apontando a ingovernabilidade do país como um dos principais desafios da atualidade brasileira, o diagnóstico dominante enfatiza os efeitos perversos advindos da democratização

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uma espécie de “bomba-relógio” armada contra a própria democracia reformista. Em outras palavras, estar-se-ia diante de uma explosão de demandas (questão tomada a Samuel Huntington) incentivada por um Estado mais aberto à pluralidade de reivindicações, o que, por si só, colocaria em xeque a continuidade de tal sistema, na medida em que o Estado, diante de restrições orçamentárias e institucionais, não mais conseguiria processar e responder a todas elas.

Que remédio, então, dar a esse Estado enfermo – e cambiante de pernas sociais não mais factíveis – que senão o do poderosíssimo princípio de eficiência? (Reis & Cheibub, [s.d.]; Boaventura Santos, 1998) E o receituário neoliberal, note-se, era de uma eficiência mercadológica porque os mecanismos do mercado seriam os únicos capazes de imprimir naturalmente e a menores custos um efetivo controle (de eficiência), sob a lógica da competição e do equilíbrio natural entre as forças da oferta e da demanda18.

Nesse ínterim e com o retorno a todo vapor das teorias de que o mercado sempre (?)19 aloca mais eficientemente que o Estado, notadamente insculpidas nos marcos do Consenso de Washington (1981) e da derrocada do signo socialista (último contraponto ao capitalismo?), sobrelevaram programas que simplesmente tratavam o Estado como se irreformável fosse, por ser assim uma estrutura tão ineficiente e contrapoducente. Foi, portanto, o auge das pregações pelo Estado Mínimo e pela retirada da intervenção do Estado em todas as áreas quantas e onde fosse possível, por si só, a iniciativa privada. Eis o que Bursztyn chamara de “retorno ao fetichismo de mercado”. (1998)

Paradoxal, porém, como muito pertinentemente Boaventura de Sousa Santos (1998) alerta, é que tal Estado Mínimo, fraco nas intervenções para consecução de políticas públicas includentes, haveria de ser erigirido cada vez mais forte – com Executivos dotados de “hiperatividade decisória” (Diniz, 1996) – para garantir a liberdade do mercado.

Aqui se mostra um ponto de especial relevo no tocante à Reforma do Estado que se quis implementar no Brasil, que, de fato, é o objeto do presente estudo. Nesse sentido, note-se que tanto era necessário robustez na atuação do Estado que o que mais se fez, no Brasil, foi argumentar que, crescente da ordem social e política. (...) Nessa linha de raciocínio, a liberação das demandas reprimidas pelos vinte anos de regime autoritário e a exacerbação das expectativas por políticas sociais mais efetivas reforçariam as restrições do Governo acossado pela multiplicidade de pressões contraditórias, gerando paralisia decisória e perda de credibilidade”. (Diniz, 1996, p. 08-09) 18 Questionando essa assunção do princípio da eficiência mercadológica como único factível nos processos de Reforma do Estado, Marilena Chauí (1999) fala da intensa redução de significado que se dá com a transformação das universidades de instituições sociais em organizações: “uma organização difere de uma instituição por definir-se por uma outra prática social, qual seja, a de sua instrumentalidade: está referida ao conjunto de meios particulares para obtenção de um objetivo particular. Não está referida a ações articuladas às idéias de reconhecimento externo e interno, de legitimidade interna e externa, mas a operações definidas como estratégias balizadas pelas idéias de eficácia e de sucesso no emprego de determinados meios para alcançar o objetivo particular que a define. É regida pelas idéias de gestão, planejamento, previsão, controle e êxito. Não lhe compete discutir ou questionar sua própria existência, sua função, seu lugar no interior da luta de classes, pois isso, que para a instituição social universitária é crucial, é, para a organização, um dado de fato. Ela sabe (ou julga saber) por que, para que e onde existe”. (Grifo sublinhado nosso) 19 Eis um contraponto fundamental: “O choque liberal por ele [pelo neoliberalismo] proclamado parte de um suposto engenhoso, mas falso: o de que, esgotados os modelos de enfretamento da crise pela via de intervenção estatal, teria chegado a hora do retorno à plena vigência do mercado, regulador ideal da economia capitalista. O que tal discurso desconsidera é que a projeção liberal clássica ficou sem sustentação histórica: em tempos de cartéis e monopólios, de drástica redução do número mesmo de agentes econômicos, o mercado tende a se concentrar cada vez mais e vê desaparecer no horizonte a velha competição, mecanismo pensado como perfeito que, historicamente, lhe havia até mesmo garantido a existência. O mercado plenamente desenvolvido conhece um novo tipo de competição, tem uma baixíssima capacidade de auto-regulação e só pode existir às custas do planejamento e da intervenção estatal.” (Nogueira, 1989/90, p.14-15)

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para enfrentar tamanha crise de governabilidade, era necessário um Executivo forte, sem constrangimentos, capaz de responder rapidamente às imprevisíveis (e artimanhosas) pressões do mercado. (Diniz, 1997; Stark & Bruszt, 1998)

Interessante é considerar a progressiva legitimação de um Executivo cada vez mais forte (absoluto?), inclusive legislando (!) costumeiramente mediante medidas provisórias, na proporção em que, simultaneamente, era colocada em xeque a própria necessidade das garantias estatuídas pela ordem constitucional vigente; essas, por seu turno, tidas como “engessadoras do aparelho estatal” (PDRAE, 1995, p. 27).

Em tal contexto de crise, ao deslegitimar o texto constitucional de 88, o Executivo ganhava peso e capacidade para reformar20, sem um mínimo de coerência política e de definição de aonde se pretendia chegar, partes significativas (algumas até cláusulas pétreas) da Constituição, o que se deu em um jogo ardoroso de redesenho institucional21 (Tsebelis, 1998), em que a própria sociedade ficou de fora, já que as reformas foram impostas, na maioria das vezes, à custa de compras de votos dos parlamentares ou de jogos de interesses superpostos (“nested games” para tomar a preciosa lição de Tsebelis) ou, quando não, pela reedição sucessiva de medida provisórias.

Ao longo de incessantes (e grande parte das vezes fracassadas) tentativas de estabilização econômica, todo o poder – dado pela imensa abrangência das medidas provisórias – foi disponibilizado aos Executivos nacionais (vide medidas do Governo Collor e recentemente do Governo Cardoso).

É tal fenômeno de enclausuramento das decisões políticas na alta burocracia estatal, sem transparência e debate com a sociedade, que Eli Diniz segue criticando como uma continuidade absurda das premissas do regime ditatorial, já que

“ao contrário do que ocorreu em alguns países, em que políticas de ajuste dos anos 80 apoiaram-se em pactos de ampla envergadura, a opção das elites estatais brasileiras privilegiou vias coercitivas de implementação, o que se traduziu pela preferência por instrumentos legais capazes de garantir a precedência do Executivo em face do Legislativo.” (1996, p. 09, grifo nosso)

Tais Executivos imbuídos da “missão” de resolver a aludida crise de governabilidade, apesar de progressiva e inacreditalvemente mais fortes, somente faziam desacreditar a Constituição da República de 88 para não desacreditarem a si próprios. Nesse diapasão, também severa é a crítica de Eli Diniz:

“a prioridade atribuída aos programas de estabilização econômica e o acirramento dos conflitos em torno da distribuição de recursos escassos terminaram por esvaziar importantes itens da agenda pública, sobretudo aqueles relacionados com as reformas sociais. Não só a definição de uma estratégia de crescimento econômico, como as perspectivas de atenuação das desigualdades sociais tornaram-se metas cada vez mais distantes. A urgência do controle da inflação se fez acompanhar do abandono dos projetos igualitários, tão enfatizados pela Aliança Democrática responsável pela instauração da Nova República, crescentemente avaliados sob o ângulo de sua extemporaneidade. De acordo com a nova orientação, em nome de um enfoque racional e não

20 Haveria, se estivéssemos em searas, de fato, democráticas, de causar indignação a perplexidade levantada por Barroso (1998, p. 24) de que “por paradoxal que possa parecer, a reiterada sucessão de emendas revela uma preocupação nova: a de não descumprir a Constituição, de não atropelá-la, como de nossa tradição, mas reformá-la na disputa política pelo quorum qualificado. É consolo pequeno. E é preciso reconhecer que, nesse particular, o ciclo do amadurecimento institucional brasileiro ainda não se completou.” 21 Acerca da intensa reformulação no desenho institucional da ordem político-jurídica brasileira, Celso Antônio Bandeira de Mello, em entrevista à Revista Caros Amigos, n.º 31, out/99, respondendo à pergunta sobre qual seria a maior característica do governo atual, dizia “teve uma obra para a qual não tem havido tanta atenção, foi uma obra normativa. Ele está desmontando aos poucos as linhas mestras da Constituição brasileira através das reformas. E está desmontando o sistema normativo infraconstitucional para ajustar o Estado brasileiro a uma concepção de Estado diferente daquela que estava na Constituição de 1988, e que ainda está na Constituição.” (Mello, 1999, p. 17)

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populista da pauta de prioridades, a exigência de maior inflexibilidade na gestão dos recursos públicos viria a desaconselhar qualquer postura favorável ao aumento de gastos sociais. Em conseqüência, privilegiou-se uma agenda minimalista, em franco desacordo com a dinâmica democratizante, esta alargando a participação, diversificando as demandas e multiplicando os canais de vocalização à disposição dos diferentes segmentos da sociedade.” (1996, p. 08, grifos acrescidos ao original)

Pela absoluta falta de responsabilidade política estendida (Stark & Bruszt, 1998) no contexto brasileiro, tais Executivos somente se preocuparam com a pretensa meta última de controle inflacionário e reformas econômicas de fundo, sem respeitar as salvaguardas constitucionais aos direitos individuais e garantias públicas. É este o mesmo alerta feito por José Eduardo Faria:

“Esse bloqueio [da própria dinâmica do processo de pós-transição democrática] fica nítido quando o padrão de governabilidade imposto em nome da ‘salvação nacional’ requer uma separação autoritária entre a gestão ‘administrativa’ da economia e a formação política da ‘vontade geral’, a pretexto de neutralizar a explosão de reivindicações, e/ou exige uma ‘conciliação’ cooptadora entre diferentes setores sociais – o que perverte a transição e a consolidação democráticas ao convertê-las numa continuidade disfarçada do regime político anterior.” (1993, p. 37, grifo nosso)

Como única e última baliza de controle, os brasileiros só tiveram o Judiciário para acorrer em defesa de seus direitos (Vianna, 1999), o que nem sempre foi a melhor defesa do marco constitucional democrático vigente perante as “reformas” de controle da ingovernabilidade, já que, até no STF, foi acolhida a premissa de que as MPs eram instrumentos imprescindíveis e a economia era mais nefasta que a regularidade democrática. (Arantes, 1997)

Também aqui é ácida a crítica de Faria: “Por meio da ‘aplicação seletiva’ dessa ordem jurídica assimétrica e fragmentária, mediante a

instrumentalização de normas numa direção distinta da que foi originariamente formulada e não-regulamentação de certos direitos para bloquear a implementação dos benefícios que eles asseguram, o Estado subsidiário do corporativismo ‘social’ revelar-se-ia capaz de gerar um ‘efeito de distanciamento’ em relação à ordem constitucional em vigor. (...) Em outras palavras, esse efeito permite que a contínua ruptura da legalidade formal do Estado, por causa da ‘aplicação seletiva’ da lei, não seja acompanhada automaticamente pela quebra da legitimidade desse mesmo Estado.” (1993, p. 64-65, grifo acrescido ao original)

Se se retomar a questão em uma perspectiva histórica, ela se mostrará justamente mais problemática, quando se lembrar que a legitimidade do sistema de solidariedade (tema caro a Pizzorno) que estatuiu a ordem política consolidada na Constituição de 88 emergira de um contexto contraditório, mas plural de reconstrução democrática.

Senão veja-se que, como bem alerta Canotilho (2001, p. 13), “as Constituições dependem muito das circunstâncias em que foram feitas. A Constituição portuguesa tem a revolução dentro dela e a brasileira tem as ‘Diretas Já’ e o ‘centrão’ lá dentro. Portanto, temos que interpretá-las à luz das circunstâncias em que foram realizadas.”

Justamente por serem as propostas de reforma do Estado, no Brasil, carentes de uma imersão crítica no processo maior de consolidação democrática é que elas pecam tanto pelo desrespeito à Constituição/88 e seguem alimentando a própria crise de (in)governabilidade22.

Ainda há pouco falava-se da univocidade da percepção sobre a crise do Estado e como esta repercutiu em processos de reforma míopes (ênfase em tamanho do aparato estatal), conquanto só se 22 Eli Diniz assevera que “com o advento da Nova República, tais problemas seriam agravados pelo estilo tecnocrático de gestão que se tornou dominante. Assim, a tensão entre as formas de alcançar os objetivos da nova agenda pública (estabilização econômica, reinserção internacional e institucionalização da democracia) tornou-se parte constitutiva da crise do Estado, já que os meios postos em prática para realizar as metas econômicas dificultariam o aprimoramento das instituições democráticas. Eficácia na administração da crise e consolidação democrática foram conduzidas como alvos contraditórios.” (1996, p. 11)

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voltassem para o controle administrativo-financeiro da aludida crise. E é nessa linha de revaloração da situação crítica em que o país se encontra que se mostra necessário retomar a interface primordial entre a reforma do Estado e o tema da consolidação democrática, na medida em que:

“tratada de maneira isolada, como ocorre com freqüência, ou exclusivamente em função dos seus aspectos administrativos, a reforma do Estado tende a ser conduzida de forma a acentuar tensões com os requisitos da institucionalização da democracia. Desta forma, o objetivo de reformar o Estado é parte intrínseca de um processo mais amplo de fortalecimento das condições de governabilidade democrática.” (Diniz, 1996, p. 05-06, grifo acrescido ao original)

Ora, a dissociação entre o projeto de reforma do Estado e o fortalecimento das instituições democráticas se funda, em última instância, na própria incapacidade governamental de negociação e problematização do “processo de constituição dos fins, necessariamente múltiplos”. (Reis, apud in Diniz, 1996, p. 14)

Assim, deslegitimado em sua basilar função de respeito e consolidação da “ordem justa” (Habermas, apud in Vieira, 1997), os governantes, ao se enviesarem meramente nas questões sobre estabilidade econômica, deixam de responder pelo interesse público conformado constitucionalmente, além de não conseguirem fazer valer suas deliberações normativas. É essa uma contraface perversa da crise que também assola a própria legitimidade dos Executivos.

Segundo Diniz (1996, p.15-16), o ciclo de “rarefação do poder público” é gerado, desta forma, a partir da “lacuna deixada pela omissão do Estado no atendimento às necessidades fundamentais, bem como pela inexistência de políticas sociais efetivas”. Essa lacuna, por sua vez, “abre o espaço para a proliferação de práticas predatórias e a disseminação da insegurança generalizada”. E é neste contexto que “as áreas social e territorialmente periféricas criam sistemas paralelos de poder que tendem a alcançar níveis extremos de violência e arbitrariedade.”

O alerta final de onde se pode chegar com uma tal crise do próprio Estado há de ser dado em face da “subversão cotidiana das normas e preceitos legais”, na medida em que, uma vez perdido o referencial último da democracia brasileira que a Constituição de 88 representa, não muito longe se estará de uma verdadeira situação de “hobbesianismo social”. (Diniz, 1996, p. 16) Daí porque é necessário ressaltar, uma vez mais, que a crise tem contornos mais graves do que a retórica governamental sobre a reforma do Estado faz crer...

4. Reformando a Constituição da República de 88 rumo à Administração Pública Gerencial

É, neste capítulo, que será tratada propriamente a questão da reforma do Estado que foi proposta no Brasil, a partir da década de 90, para, desde já, contrastar seus principais pilares 23 (redimensionamento do aparelho estatal, controle de resultados, controle de endividamento e avaliação de desempenho) com o marco constitucional já analisado anteriormente.

Tal contraste não visa meramente buscar classificar uma ou outra medida como constitucional ou não, mas antever, na promessa de uma “Administração Pública gerencial”, as possibilidades de melhoria e os riscos de precarização da atuação do Estado brasileiro – por si só, carecedor de um agregado mais amplo de reformas sérias e democratizantes.

Embora a Constituição de 88 tenha deixado em aberto o próprio processo de consolidação democrática (Vianna, 1999), é importante se considerar que, com ela, fora instaurada uma

23 É o próprio Bresser Pereira – grande mentor da dita “reforma administrativa” da Constituição de 88, qual seja, a EC n.º 19/98 – quem destaca os “mais importantes pontos” da mesma. Para o aludido ex-ministro do antigo MARE, “todos sabem quais são os pontos mais importantes: a flexibilização da estabilidade, a demissão por excesso de quadros, a avaliação de desempenho, o fim do regime jurídico único, a adoção de um teto e de um subteto de remuneração, a exigência de projeto de lei para a concessão de aumento de salário, a retirada da palavra isonomia do texto constitucional. Mais do que as coisas concretas que a emenda efetivamente muda, ela tem um caráter emblemático. Nós podíamos optar ou não pela administração moderna e gerencial. E a aprovação da emenda constitucional acabou representando a opção pela administração gerencial.” (1998, p. 23)

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regularidade institucional, sob a qual, qualquer novo modelo de Administração Pública (mais ou menos “flexível”, não vem ao caso) deve respeitar e fazer respeitar os direitos e garantias ali constantes.

O que importa, aqui, é a garantia de que, ao menos, seja mantido o mesmo patamar de salvaguardas constitucionais oriundo do processo de redemocratização. Para além disso, será a própria realidade cotidiana dos que virão a aderir ou não ao novo “modelo gerencial” (primordialmente, servidores e administrados) é que atestará o grau de mudança factível das promessas – elaboradas de cima para baixo – do Plano Diretor de 1995 e da EC n.º 19/98.

4.1. Redimensionamento da Atuação Estatal

Introduzindo uma nova forma de trabalhar os questionamentos a respeito do papel e do tamanho do Estado, sob o diagnóstico de sua crise, foi lançado, em 1995, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE).

A mudança na forma de tratamento da crise, da forma como é justificada no Plano Diretor, pressupõe a insuficiência ou inadaptação das posturas político-ideológicas anteriores, que, em grande medida, abriram espaço, segundo o plano, para agravá-la ainda mais.

Fato é que o PDRAE tentou representar uma lógica diversa da “indiferença” pós-transição democrática quanto à existência e à dimensão da crise, bem como se propôs a refutar (algo discutível) a via neoliberal (ideologia do Estado Mínimo) colocada em voga no cerne das discussões políticas brasileiras a partir do início da década de 90.

Ora, o discurso governamental, à época do lançamento do plano, era pensar a crise sob o foco do desafio de sua superação, donde a noção de que havia que se “reformar”, “reconstruir” o Estado, “de forma a resgatar sua autonomia financeira e sua capacidade de implementar políticas públicas”. (PDRAE, 1995, p. 15)

Relevante considerar o posicionamento governamental quanto a tal reforma: o Plano Diretor representa uma via de ação para o aparelho do Estado; distinguindo, nos níveis de dimensão e responsáveis, entre reforma do Estado e reforma do aparelho do Estado.

O desafio da crise diante da necessidade de reformar o Estado é tarefa, segundo o Plano Diretor, para o conjunto de toda a sociedade, tratando-se de um “projeto amplo”, “enquanto que a reforma do aparelho do Estado tem um escopo mais restrito: está orientada para tornar a administração pública mais eficiente e mais voltada para a cidadania”. (1995, p. 17)

Focando sobre a perspectiva mais ampla da reforma do Estado, o PDRAE determina que tal reforma deve ser entendida e conformada a partir do contexto da “redefinição” do seu papel. Redefinir o papel do Estado seria, segundo a lógica governamental, fazer com que ele abandonasse a responsabilidade direta pelo “desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse desenvolvimento”. Em termos mais claros, para o PDRAE, “reformar o Estado significa transferir para o setor privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado”. (1995, p. 17)

Neste sentido, cabe questionar o limite e as bases que regulamentam tais transferências, sabendo que todo o processo de reforma delineado no plano está pautado e intimamente marcado pela busca por eficiência, busca que vai ao encontro das duas dimensões da reforma: a política e a administrativa.

Em termos de reforma política, a transferência da atuação estatal para o setor privado vai corresponder à necessidade de gerar maior capacidade de governo (“governança”), a partir da limitação dos custos e do dimensionamento a áreas “exclusivamente” estatais, bem como pretende corresponder a um aumento da legitimidade para governar (“governabilidade”) à medida que há a valorização da participação social em várias instâncias do processo de reforma e há também o objetivo de melhorar a qualidade dos serviços “tendo o cidadão como beneficiário”. (1995, p. 21)

Já em se tratando de reforma administrativa (estrito senso), o principal marco de renovação

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seria a proposta de implementar um novo “paradigma”24 de organização administrativa, a saber, a “Administração Pública gerencial”, que vem introduzir a perspectiva do desenvolvimento de uma cultura gerencial nas organizações estatais.

Ora, analisando os impactos e mesmo o grau de novidade/ ruptura com o modelo de gestão burocrático até então e ainda hoje adotado pela Administração Pública, o “modelo” gerencial visualizado pelo Plano Diretor como alternativa reformadora possui, em grande medida, apenas dois pilares “revolucionários”: “em suma, afirma-se que a administração pública deve ser permeável à maior participação dos agentes privados e/ou das organizações da sociedade civil e deslocar a ênfase dos procedimentos (meios) para os resultados (fins)”. (1995, p. 22, grifos nossos)

Cumpre aqui trazer à tona a crítica deveras pertinente de Olavo Brasil Jr. (1998, p. 19) a essa falácia governamental de superação do modelo burocrático:

“... a retórica modernizante prevalecente não leva em conta o que se me afigura como sendo da maior importância: trata-se, efetivamente, de superar a administração no que ela tem de essencial, isto é, a racionalidade e a norma? Ou não é bem isto, o que se quer é que a racionalidade e a norma atendam de forma gerencialmente superior às necessidades da população? Introduzir a administração gerencial implica que os controles essenciais, e isso apenas em certos níveis hierárquicos, devem referir-se aos resultados, substituindo-se, quando for o caso, os controles a priori típicos da administração burocrática pelo controle de resultados. Além do mais, a formulação forte que supõe a substituição da administração burocrática pela gerencial deve ser bastante relativizada, dependendo, inclusive, da natureza da burocracia que se quer reformar: um exército não deve ser a mesma coisa, quer do ponto de vista organizacional quer do ponto de vista dos resultados, que um hospital, para dar um exemplo simples.” (grifos em negrito acrescidos ao original)

Diante da análise, por outro lado, sobre a necessidade do plano de romper com a Administração Pública burocrática, descobre-se que tal tentativa de superação não é recente. O embate com o modelo de gestão burocrático, no nível de “reforma” do Estado brasileiro, tem sua origem, segundo o próprio PDRAE, no Decreto-Lei 200, de 25.2.1967 que já determinava princípios de racionalidade administrativa, os quais seriam, em outras palavras, a eficiência mesma, que hoje toma ares de jargão técnico-gerencial inusitado. Igualmente criado para tentar promover a eficiência no setor público, há que se falar de outro precedente que foi o Programa Nacional de Desburocratização, lançado no início dos anos 80 também com vistas à reformulação da estrutura estatal burocrática.

O Plano Diretor fez questão de colocar em evidência tal embasamento histórico justamente para conformar a noção de processo de reforma, que, em grande medida, fora interrompido, segundo ele, pela Constituição da República de 88.

Diante do “retrocesso burocrático de 1988”, que resultou em “encarecimento significativo do custeio da máquina administrativa, tanto no que se refere a gastos com pessoal, como bens e serviços e um enorme aumento da ineficiência dos serviços públicos” (1995, p. 29), o PDRAE tenta significar uma retomada da lógica de mudança anterior, a partir da definição dos principais problemas, da forma de tratamento de cada qual e da divisão (segmentação) do Estado em setores que possam trabalhar em específico com os questionamentos e soluções que lhes forem cabíveis em se tratando de reforma estatal.

Para enfrentar as dimensões (de problemas) institucional-legal (“obstáculos de ordem legal”), cultural (coexistência de valores patrimonialistas e burocráticos com os novos valores gerenciais) e

24 O emprego de tal expressão deve ser relativizado: há uma certa distância entre paradigma e modelo de gestão que não foi considerada pelo PDRAE. A administração gerencial não ultrapassa os três tipos ideais de dominação proposto por Max Weber. Se assim fosse, haveria, além da dominação carismática, tradicional e racional-legal, uma quarta forma de conceber as relações de poder legitimamente aceitas pelos dominados. A Administração Pública gerencial é apenas uma amálgama de “receitas gerenciais” que flexibilizam e reinterpretam a racionalidade meios-fins presente nos moldes burocráticos, aplicada às organizações estatais.

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gerencial (nível de práticas administrativas), o Plano Diretor estabelece a setorização do Estado de modo a redimensionar o próprio Estado, sua crise e as formas de resolução dessa crise.

O Estado passa, então, a ser entendido, segundo o plano, como uma espécie de amálgama das seguintes esferas de atuação: o primeiro setor, que seria o núcleo estratégico; o segundo, que representaria o setor de atividades exclusivas do Estado; o terceiro, por sua vez, seria o setor de atuação simultânea do Estado e da sociedade civil, setor este que engloba as entidades de utilidade pública, as associações civis sem fins lucrativos, as organizações não-governamentais e as entidades da Administração Indireta que estão envolvidas com as esferas em que o Estado não atua privativamente, mas que têm um caráter essencialmente público e, finalmente, o quarto e último setor seria o menos característico em termos de intervenção “exclusiva e/ou necessária” do Estado, já que trata da produção de bens para o mercado. A reforma direcionada no PDRAE perpassa o entendimento que se tem sobre justamente o quão necessária e mesmo eficiente é a atuação estatal em cada um desses setores.

Por um lado, o núcleo estratégico, que representa o governo em si (âmbito de tomada de decisões), pode prescindir relativamente da eficiência em face da efetividade. Já que, segundo o Plano Diretor, as decisões políticas, mais que eficientes, devem ser eficazes, ou seja, devem ser certas em sua legitimidade junto à população; devendo tal setor conciliar o modelo burocrático de gestão (que é um conformador de eficácia por excelência) com o gerencial.

Por outro lado, “já no campo das atividades exclusivas do Estado, dos serviços não exclusivos e da produção de bens e serviços o critério eficiência torna-se fundamental. O que importa é atender milhões de cidadãos com boa qualidade a um custo baixo”. (1995, p. 53, grifos nossos) Cabe, desta forma, aos três setores em questão, seguir os rumos da Administração Pública gerencial, o que se justifica, segundo o PDRAE, a partir do fato de não ser característica basilar deles a prevalência estrita da dimensão política (enquanto âmbito de demandas e decisões políticas), mas de implementação prática do politicamente já delineado.

Dimensionada sob tal espectro para esses três setores, segundo o Plano Diretor, a eficiência é não só pertinente, mas imprescindível, isto porque o setor de atividades exclusivas representa o nível de execução das decisões tomadas pelo núcleo estratégico no tocante a serviços ou agências em que se exerce o poder extroverso do Estado, bem como porque os serviços não-exclusivos são o âmbito de atuação simultânea do Estado e de instituições públicas não-estatais e privadas na prestação de serviços sociais, e mesmo porque a própria natureza do quarto setor é de produção para o mercado.

Atendendo à premência de se gerar cada vez mais eficiência na abordagem introduzida pelo PDRAE sobre a organização estatal brasileira, foram constituídos, nestes dois últimos setores (atividades não exclusivas e produção para o mercado), movimentos específicos de transferência da responsabilidade direta do Estado pela prestação de serviços e pela produção de bens para a iniciativa privada, seja através de entes da sociedade organizada sem fins lucrativos no terceiro setor (a saber, o próprio processo de publicização), seja através da privatização de empresas estatais que passam para o domínio de entes do mercado.

Aprofundando a análise sob uma perspectiva global, quando foi considerado, no Plano Diretor, que a reforma do Estado é tarefa para o conjunto da sociedade, tendo em vista que o papel do Estado, a partir da reforma, seria tão somente o de promover e regular o desenvolvimento econômico e social, a lógica governamental abria a discussão, junto à sociedade, de que os atores no processo de reforma não se restringem aos setores exclusivos do Estado, ou seja, a responsabilidade deve passar a ser compartilhada (e note-se que compartilhar é diferente de compartimentalizar) com a sociedade e com o mercado.

Na mesma medida em que o Estado restringe sua atuação direta ao seu aparelho (núcleo estratégico + atividades exclusivas), cada vez mais a sociedade civil é chamada a fazer “parcerias” com o Estado, tomando para si os outros dois setores e tendo como apoio estatal o nível de promoção, regulação e fiscalização desses.

Eis que neste ponto reside o maior risco à luz da realidade brasileira: o risco de a reforma do

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Estado não significar uma reestruturação positiva de todos os setores, mas acabar se transformando em uma precarização das relações Estado-sociedade, o que pode ocasionar a aproximação da proposta trazida pelo PDRAE com os marcos de um Estado mínimo excludente diante de um mercado avassalador, afrontando diretamente boa parte dos mais importantes princípios constitucionais da Carta de 88.

Tanto é assim que, de fato, a agenda de reformas instituída pelo Plano Diretor (1995) ao passar meramente por questões de retirada da atuação estatal, porque “excessiva e ineficiente”, o faz sem atentar para a real dimensão politíco-democrática da crise do Estado. Não é o tema, por exemplo, da privatização de estatais (quantidade de Estado) o que mais importa, mas sim o da democratização da relação Estado-sociedade. Veja-se, assim, que

“seja como for, a pregação neoliberal não chega à raiz da questão: o intervencionismo econômico do Estado brasileiro não se constitui em nenhuma disfunção, mas num pressuposto básico do desenvolvimento, numa imposição da própria estrutura social. A solução da crise em que se encontra o padrão atual deste intervencionismo, portanto, não repousa no discurso contrário ao tamanho do Estado, ao seu papel na economia ou ao alegado ‘prejuízo crônico’ das empresas estatais, como se fosse viável e possível passar grossas fatias da economia a uma iniciativa privada desprovida de grandeza e refratária à chamada livre concorrência. Do que se trata é de um tema bem mais vasto e complexo, pertinente à esfera do Estado como um todo: qual seja, o de recuperar a capacidade de coordenação e planejamento do Estado, para o que é necessário tanto uma reforma da administração – de modo a adequá-la ao imperativo de prestar com eficiência serviços públicos fundamentais, adquirir plena racionalidade em seu funcionamento e dar suporte efetivo aos atos de governo – quanto, acima de tudo, uma reforma do Estado, de modo a passar em revista as práticas, as funções e as instituições estatais, bem como as relações Estado-sociedade civil, cujo padrão histórico é perverso e de baixíssima qualidade. Em outros termos, a questão é política; diz respeito à democracia, à criação de consensos nacionais mínimos, à participação da cidadania, não apenas a uma mera ‘racionalização’ administrativa.” (Nogueira, 1989/90, p. 15, grifos em negrito acrescidos ao original)

Pouco adianta redimensionar os “setores” do aparelho do Estado, se é o Estado inteiro que está em profunda crise, não só administrativo-financeira, mas de legitimidade. Mais do que isso, tal posicionamento minimalista só tende a agravar o contexto de desalento com o crescimento das desigualdades sociais e da violência privada.

Sem viabilizar interdependências não mercantis para amenizar os conflitos oriundos da exacerbação da linha de exclusão, hoje a proposta de reforma estabelecida no Plano Diretor – que segue pregando a retirada do Estado de áreas de interesse social onde a Constituição estipula ser dever dele estar ali – nem mesmo consegue se mostrar crível, ou passível de merecer uma honesta atenção no cumprimento das finalidades globais a que veio (“reforma do Estado” para torná-lo mais eficiente e mais acessível à população), já que:

“não há na argumentação proposta elementos que, ipso facto, eliminem possibilidades de mudanças alternativas. A retórica aproxima-se, assim, perigosamente da fé, exceto, é claro, quando o único objetivo é a política de fazer caixa, ou, na melhor das hipóteses, de ajudar a garantir o equilíbrio macroeconômico. Ora, retórica por retórica, há várias, e aí se estabelece a primeira base para o dissenso.” (Brasil Jr., 1998, p. 21-22)

Ao adiar para uma arena indefinida e um espaço temporal longínquo a questão da reforma, propriamente dita, do Estado, o que seria “uma tarefa da sociedade em bloco” (1995, p. 17), o Plano Diretor se propôs uma restrição do seu alcance (aparelho do Estado) que ele mesmo não cumpriu, pois “alterar todos os dispositivos constitucionais que afetam a organização, a estrutura e o funcionamento da administração pública brasileira implicaria (...) reescrever a Constituição de 1988”. (Carneiro, apud in Brasil Jr., 1998, p. 26, grifo nosso)

A incongruência acima apontada era – e ainda é – uma questão de como definir quantidade de Estado, sem discutir com a sociedade a qualidade de Estado que se quer; sem discutir, tampouco,

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em um foro legítimo e aberto, sobre um novo desenho institucional que passasse por um padrão mais democrático de relacionamento desse com aquela.

Como Nogueira mesmo conclui, “tudo isto quer dizer que a questão da crise do Estado e da reforma administrativa – embora comporte diversas ações tópicas de caráter mais ou menos compensatório – depende sobremaneira de uma intervenção sobre a esfera pública no seu todo.” (1989/90, p. 16)

Ou se busca uma reforma democrática que, inevitavelmente, passará por um maior respeito à Constituição da República em vigor e às garantias ali estatuídas, ou “fora disso, será a reafirmação de uma história já conhecida, que sempre desvalorizou a política e a democracia e, por isso, problematizou todas as esperanças.” (p. 16)

4.2. Controle do Endividamento Público e dos Gastos com Folha de Pagamentos

Em se repassando, um a um dos dispositivos constitucionais que tratam do regime de remuneração, contratação e exoneração dos servidores públicos que foram alterados pela Emenda Constitucional n.º 19/98, será possível visualizar, de fato, as mudanças em prol da dita “Administração Pública gerencial” e quais foram os reais impactos das mesmas.

De antemão, cumpre não perder de vista que os dispositivos de controle de despesas da dita reforma administrativa à Constituição de 88, em sua grande maioria, ou estão, eles próprios, a depender de lei regulamentadora posterior25 – para não ferir os direitos dos servidores e o próprio pacto federativo–; ou pouco alteraram, de fato, o regime que fora estatuído originalmente; afora aqueles dispositivos irremediavelmente controvertidos (ainda hoje questionados como inconstitucionais).

Nesse sentido, o que se fez, com a EC n.º 19/98, foi abrir caminho para um processo mais lento e sedimentado de reestruturação financeira das administrações federal, estaduais e municipais.

Em um tal processo, contudo, o maior risco, infelizmente, é o de não serem feitas as leis que deveriam vir em proteção aos servidores (regulando, por exemplo, os cargos típicos de Estado, a forma como será procedida a dispensa por insuficiência de desempenho e o teto constitucional) e em proteção a Estados e Municípios (controle facultativo do comprometimento das receitas correntes líquidas com folha de pagamentos na forma do art. 169, §1º).

E, diante dessa altamente possível “omissão” legislativa, o risco há de se agravar ainda mais com a não muito rara prática do Executivo federal de ir simplesmente “trancando” administrativamente direitos e garantias ao máximo, para que somente aqueles que acorram ao Judiciário consigam fazê-los valer.

Somente assim forçando a litigiosidade da garantia de direitos funcionais é que a Administração conseguiria, no médio prazo, responder às mudanças e quotas de contenção não só da Emenda, mas já da Lei de Responsabilidade Fiscal. Seria mais um abuso corriqueiro, do qual servidores, administrados e cidadãos em geral somente conseguiriam se proteger a partir do represado veio institucional que o Judiciário vem representando ultimamente. (Vianna, 1999)

Afiada a crítica, é hora, sem mais delongas, de passar ao estudo dos dispositivos:

4.2.1. Vedação de Equiparação Salarial

25 Segundo Pereira Jr. (1999, p. 15), “teme-se que o bom humor não baste para resistir ao desânimo de ver-se a implementação dos princípios e normas da Emenda 19 depender das 31 leis específicas - complementares e ordinárias - a que seu texto se refere, vindo juntar-se às dezenas de outras que a plena consecução da CF/88 já demandava, a maioria das quais sequer projetada. Pelo menos duas dessas 31 novas promessas de incumbências legislativas já não terão sido cumpridas - as dos arts. 27 e 30 da Emenda, que mandaram, aos 04.06.98, que, ’dentro de 120 dias da promulgação desta Emenda’, o Congresso Nacional elaborasse lei de defesa do usuário de serviços públicos, e que, ‘no prazo máximo de 180 dias’, o Poder Executivo remetesse ao Congresso Nacional o projeto de lei complementar a que alude o art. 163 da CF/88. Não se tem notícia, até aqui, de qualquer desses projetos.”

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Apesar da retirada simbólica da equiparação por isonomia do texto constitucional pela EC n.º 19/98, faz-se necessário considerar que o constituinte manteve, com relação aos servidores públicos, normas que visam preservar o princípio da isonomia, em termos de remuneração.

Segue sendo o caso do inciso X, do art. 37, ora sob análise, que assegura a revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos e dos subsídios, em cada nível de governo, sempre na mesma data e sem distinção de índices.

Neste sentido, claro se mostra o intuito do legislador reformador, no sentido de garantir as revisões gerais anuais das remunerações dos servidores e dos subsídios, tendo por objetivo a sua atualização, de modo a acompanhar a evolução do poder aquisitivo da moeda; se assim não fosse, não haveria razão para tornar obrigatória a sua concessão anual, no mesmo índice e na mesma data para todos.

Na prática, a norma sob comento se destina a todos os agentes públicos, pois, sob a expressão “remuneração e subsídios”, se incluem os subsídios, como nova forma de remuneração, ao lado do salário, próprio dos empregados públicos, e dos vencimentos em sentido estrito, próprio dos ocupantes de cargos públicos em geral.

A exigência de lei para fixação e alteração de remuneração nos três Poderes encontra sua necessária ressalva, em uma interpretação sistêmica da Constituição, na fixação de subsídio para os Deputados Federais e os Senadores (art. 49, VII), do presidente e do Vice-Presidente da República e dos Ministros de Estado (art. 49, VIII), que é de competência exclusiva do Congresso Nacional, portanto sem sanção do Chefe do Poder Executivo, contudo, atendendo, em qualquer hipótese, o teto fixado no inc. XI do art. 37.

Todavia, do ponto de vista jurídico, o dispositivo de que deve ser fixado o subsídio dos Ministros do STF (art. 48, XV), através de lei de iniciativa conjunta dos Presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal (dirigentes máximos dos três Poderes), vem causando uma grande discussão acerca da exigência de iniciativa conjunta dos três Poderes, vez que o mesmo procedimento não fora exigido na fixação dos demais subsídios; o que, por conseguinte, acaba por tolher a independência do Poder Judiciário e a harmonia entre os Poderes (em contraste com a cláusula pétrea prevista no art. 60, §4º, III, da CR/88). É o que Celso Antônio Bandeira de Mello bem delineou como “perigosa aproximação dos três Poderes, com prejuízo para a recíproca independência, instituída como garantia básica dos cidadãos.” (1999:192)

Deve ser observada a iniciativa privativa em cada caso: a) do Chefe do Executivo para os cargos, empregos e funções da administração direta,

autárquica e fundacional pública deste Poder (art. 61, §1º, II, “a”, da CR/88); b) dos Tribunais para os cargos da respectiva organização judiciária (art. 96, II, “b”); c) do Procurador-Geral da República (art. 61 c/c art. 127, §2º, da CR/88), quando versar

sobre os servidores do Ministério Público Federal; d) do Senado Federal (art. 52, XIII) ou da Câmara dos Deputados (art. 51, IV), conforme se

trate dos serviços auxiliares de uma ou de outra Casa Legislativa. Como a maior parte das normas da Emenda são cogentes para União, Estados, Distrito

Federal e Municípios, remetendo a disciplina legal à lei de cada um dos níveis de Governo, essas leis independem de alteração das Constituições estaduais e das Leis Orgânicas municipais, até porque estas não podem estabelecer nada diferente do que se contém na Emenda. (Grotti, 1998)

4.2.2. Fixação de Limites de Remuneração

Segundo informa Celso Antônio Bandeira de Mello (1999, p. 189), a Constituição, no art. 37, XI – com a redação que lhe deu a Emenda n.º 19/98 – não mais impõe que a lei fixe uma relação entre a maior e a menor remuneração no serviço público, conquanto a permita; tendo, contudo, mantido, ainda mais energicamente, a fixação de um teto remuneratório de abrangência nacional.

No novo sistema, simplifica-se a fixação de limites de remuneração, na medida que se estabelece um teto nacional. O limite de remuneração passa a se referenciar num único valor, para os três Poderes e para as esferas federal, estadual e municipal, equivalente ao subsídio do Ministro

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do STF, donde o Presidente da República, Governadores, Prefeitos, Ministros de Estado, Deputados Federais e Senadores não poderem receber mais do que for definido como subsídio dos Ministros do STF.

Há que se ressaltar que a superação do teto nem mesmo é admitida quando resultante do acúmulo de cargos constitucionalmente permitido. Aliás, dita vedação está reiterada no inciso XVI, última parte, do mesmo art. 37.

Este teto remuneratório também se aplica às empresas públicas ou sociedades de economia mista, tanto quanto a suas subsidiárias, caso recebam recursos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou custeio em geral (art. 37, §9º).

Essa norma, todavia, deve ser conjugada com as dos arts. 27, §2º, e 29, VI, que estabelecem para os Deputados Estaduais e Vereadores limite inferior para os subsídios; para os primeiros, o subsídio não pode ultrapassar o limite de 75% do estabelecido para os Deputados Federais e, para os segundos, não pode ultrapassar o limite de 75% do estabelecido para os Deputados Estaduais (subteto parlamentar). É isto o que consta da Emenda, não se podendo restringir além das hipóteses ali contempladas. (Grotti, 1998)

No entender da professora Dinorá Adelaide Musseti Grotti, a norma inserta no inciso XI do art. 37 da CR/88 já seria, por si só, de eficácia plena e aplicabilidade imediata, não dependendo, portanto, de regulamentação no concernente ao teto, vez que, com a promulgação da Emenda, converter-se-ia automaticamente em subsídio a soma das parcelas percebidas pelos Ministros do STF para efeito do teto.

O Supremo Tribunal Federal, no entanto, em 24.06.98, deliberou que “não são aplicáveis as normas dos arts. 37, XI, e 39, §4º, da Constituição, na redação que lhes

deram os arts. 3º e 5º, respectivamente, da Emenda Constitucional n.º 19, de 4 de junho de 1998, porque a fixação do subsídio mensal, em espécie, de Ministro do Supremo Tribunal Federal – que servirá de teto – , nos termos do art. 48, XV, da Constituição, na redação do art. 7º da referida Emenda Constitucional nº 19, depende de lei formal, de iniciativa conjunta dos Presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal. Em decorrência disso, o Tribunal não teve por auto-aplicável o art. 29 da Emenda Constitucional n.º 19/98, por depender, a aplicabilidade dessa norma, da prévia fixação, por lei, nos termos acima indicados, do subsídio do Ministro do Supremo Tribunal Federal. Por qualificar-se, a definição do subsídio mensal, como matéria expressamente sujeita à reserva constitucional de lei em sentido formal, não assiste competência ao Supremo Tribunal Federal para, mediante ato declaratório próprio, dispor sobre essa específica matéria.” (Extrato parcial da Ata da 3ª Sessão Administrativa do Supremo Tribunal Federal de 24 de junho de 1998).

O STF, nessa mesma ocasião, entendeu que, até que se edite a lei definidora do subsídio mensal a ser pago aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, prevalecerão os três tetos estabelecidos para os três Poderes da República no art. 37, XI, da Constituição, na redação anterior à que lhe foi dada pela EC n.º 19/98.

4.2.3. Vencimentos do Executivo como Paradigmas para o Legislativo e o Judiciário

Celso Antônio bem delimita o dispositivo do art. 37, XII, ora sob comento, como “vencimentos do Executivo como paradigmas para o Legislativo e o Judiciário”. Assim o é, porque, segundo nos assevera o aludido autor (1999, p. 191),

“sempre com escopo de assegurar contenções e controles na despesa com pessoal, o inciso XII do mencionado art. 37 estatui que os vencimentos dos cargos administrativos do Legislativo e do Judiciário não poderão ser superiores aos de seus correspondentes no Executivo. Ainda que a Constituição não o haja dito expressamente, a mesma regra deverá de valer no que concerne a funções e empregos.”

Em outras palavras, é o mesmo que dizer que os vencimentos pagos aos servidores do Poder Executivo servem de teto para os servidores dos demais Poderes, norma essa que não foi revogada pela Emenda. Tal dispositivo repete o que figurava no art. 98 da Carta de 1969, mas o faz de

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maneira incompleta e defeituosa, por não ter feito referência à parte faltante, que constava do texto anterior: ”para cargos de atribuições iguais ou assemelhadas”. (Grotti, 1998)

4.2.4. Impedimento de reajustes remuneratórios Automáticos

Celso Antônio Bandeira de Mello também ensina que “para evitar aumentos em cadeia, o inciso XIII, do mesmo art. 37, veda a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal no serviço público”. (1999, p. 191) Vale dizer, não tem o servidor direito a qualquer aumento ou reajuste em sua remuneração, sob o argumento de equiparação salarial ou mesmo vinculação de funções e retribuições remuneratórias nos diferentes Poderes e esferas de governos.

Na lição da professora Dinorá Grotti (1998), trata-se de uma norma moralizadora que figura no texto constitucional desde 1967 (art. 96) e que, na CR/88, constou do art. 37, XIII, da CR/88, ressalvadas, unicamente, as hipóteses previstas no próprio texto constitucional.

Era o caso da isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhados dentro ou fora do mesmo Poder, prevista no art. 39, §1º, com as limitações do art. 37, XI, como era também (parcialmente) o da remuneração dos magistrados (art. 93,V), e, ainda, da disposição do art. 135, complementada pelo art. 241, ambos referidos ao pessoal necessariamente dotado do título de bacharel em Direito.

A proibição está destinada ao legislador ordinário, que não pode “amarrar” remunerações de diferentes servidores, de maneira a fazer com que a alteração de uma acarrete, automaticamente, a alteração de outras num processo às vezes até mesmo incontrolável.

A equiparação iguala cargos, empregos ou funções com nomes e atribuições diferentes para fins de remuneração. A vinculação subordina um cargo a outro, dentro ou fora do mesmo Poder, ou a qualquer fator que funcione como índice de reajustamento automático, como o de aumento do salário mínimo, o de aumento da arrecadação ou qualquer outro.

O que se visa impedir, com esse dispositivo, são os reajustes automáticos de vencimentos, o que significa que não está o legislador proibido de fixar remunerações idênticas para cargos diferentes, desde que não condicione uma à outra.

Nem está o legislador ordinário proibido de estabelecer vinculações e equiparações nos cargos em que a própria Constituição da República assim autoriza ou determina.

O inc. XIII do art. 37 da CR/88, com a redação dada pela EC n.º 19/98, ampliou o alcance do dispositivo, ao fazer referência a quaisquer espécies remuneratórias em lugar de vencimentos. Além disso, removeu a remissão ao art. 39, §1º, que tratava da isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhados do mesmo Poder ou entre servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho.

Embora não se possa perder de vista o princípio geral da isonomia na CR/88, a Emenda, nesse sentido, teria tentado acabar com a isonomia interna, externa e a de carreiras. Assim, poderá haver remuneração diferenciada dentro da carreira. Isto é, houve supressão do dispositivo sobre a isonomia remuneratória do texto constitucional como princípio expresso para a política remuneratória, passando a ser simples diretriz de política remuneratória.

4.2.5. Proibição de Incidência Recíproca de Vantagens

O regime de aumentos e acréscimos pecuniários estabelecido a partir da EC n.º 19/98 veda que novos acréscimos sejam concedidos sobre o montante dos aumentos anteriores, somente podendo ser aplicados sobre os vencimentos básicos do cargo que o servidor público ocupa (e respectivo plano de carreira), não incidindo sobre as vantagens pessoais, nem sobre as gratificações, tampouco sobre os aumentos anteriores.

Tal vedação do art. 37, XIV, ao tentar minimizar o crescimento dos gastos com folha de pagamento de pessoal, em relação à exigência de revisão geral anual, gera, não obstante, sérias distorções, como a criação de cargos com vencimentos básicos extremamente achatados e um

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grande número de gratificações e adicionais a ampliar o total da remuneração do servidor. Esse dispositivo teve por objetivo impedir taxativamente o cômputo de vantagens sobre

vantagens, a incidência recíproca de vantagens, o chamado repique de benefícios sob o mesmo título ou idêntico fundamento que produziam um extraordinário efeito multiplicador sobre a remuneração, e que contribuiu para o surgimento da figura do “marajá”. (Grotti, 1998)

A EC n.º 19/98 manteve a redação do inc. XIV, mas suprimiu a exigência de serem os acréscimos ulteriores, “sob o mesmo título ou idêntico fundamento”, que acabava por reduzir a eficácia do disposto na Constituição e permitir a gratificação em cascata.

Dessa forma, foram reforçadas as restrições à concessão de parcelas ou adicionais de remuneração com incidência recíproca. Configura proibição abrangente aplicável somente aos servidores que estejam em regime de vencimentos (não subsídios), para que os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não sejam acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores.

4.2.6. Irredutibilidade de Subsídios, Vencimentos e Proventos

Dentro do regime constitucional dos servidores públicos titulares de cargos e de empregos públicos, a irredutibilidade de vencimentos é uma garantia basilar, vez que a perspectiva da instabilidade política no setor público poderia precarizar a continuidade na prestação do serviço público, caso os servidores não estivessem protegidos das ingerências políticas dos governos e das mudanças neles ocorridas.

Aos servidores e aos empregados públicos é assegurada a irredutibilidade de vencimentos, entendida a expressão “vencimentos” como a designação técnica da retribuição pecuniária legalmente prevista como correspondente ao cargo público.

Tal garantia é ressalvada pelas reduções acaso necessárias para que não excedam ao teto remuneratório, isto é, o correspondente aos subsídios dos Ministros do STF e para que se ajustem, em sua fórmula de cálculo, ao previsto no inciso XIV (que proíbe que os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público sejam computados para fins de concessão de acréscimos ulteriores).

Ainda com relação a vencimentos, a Emenda manteve, no inc. XV do art. 37, a regra da irredutibilidade, como garantia para o servidor, que já constava da redação original, apenas modificando a redação para adaptá-la às alterações introduzidas pela EC n.º 19/98, aplicando-a ao subsídio e aos vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos.

A supressão, no art. 39, §3º, da referência ao inc. VI do art. 7º, na relação de direitos aplicados aos servidores ocupantes de cargo público, constitui aperfeiçoamento de redação, posto que o inciso referido se refere a situações aplicáveis somente aos trabalhadores contratados pelo regime celetista (irredutibilidade de salários, salvo convenção ou acordo coletivo de trabalho).

As ressalvas contidas na parte final do inc. XV do art. 37 (incs. XI e XIV do art. 37 e arts. 39, §4º, 150, II, 153, III, e 153, §2º, I) têm por objetivo assegurar:

a) o cumprimento do teto de remuneração estabelecido num único valor para os três Poderes; b) a aplicação da norma do inc. XIV do art. 37, que prevê a suspensão de acréscimos

decorrentes de incidências recíprocas entre parcelas; c) o respeito, por força da menção ao §4º do art. 39, ao disposto no art. 37, X e XI; d) a igualdade de tratamento tributário, sem discriminação em razão de ocupação profissional

ou função; e) o desconto do imposto de renda e proventos de qualquer natureza.

4.2.7. Planos de Cargos e Salários Com a Emenda Constitucional n.º 19/98, a delimitação dos planos de cargos e salários da

Administração Pública como um todo passa a ser uma exigência estabelecida em sede constitucional, na medida que o sistema remuneratório e correlato sistema de cargos e carreiras encontrou, no dispositivo sob comento, uma diretriz-mor, no sentido de dar aos administradores públicos de cada entidade e órgão da Administração direta e indireta um rol de elementos a serem

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necessariamente trabalhados, quando da fixação dos padrões de vencimentos. A observância da natureza, grau de responsabilidade e complexidade dos cargos componentes

de cada carreira há de ser um plexo normativo definidor de cada cargo, de suas funções, de suas responsabilidades e das suas possibilidades de progressão e promoção ao longo de uma estrutura de carreira, em exata proporção com a complexidade das tarefas desempenhadas e as peculiaridades dos cargos, donde a perspectiva remuneratória só poder advir da confluência destes elementos.

Noutro sentido, exige-se também que os planos de carreiras tratem da forma de investidura em cada cargo, pois, em sendo o plano uma lei de cunho sistêmico e geral, há de abarcar grande parte da relação Estado-servidor, desde sua entrada no serviço público, até sua perspectiva de crescimento e desenvolvimento dentro da carreira em que tiver ingressado.

Tal dispositivo se destina aos administradores, que haverão de elaborar leis, nas respectivas esferas de governo, em cada Poder, criando os planos de carreira dos servidores, donde tratar-se o §1º do art. 39 de uma norma de conteúdo imperativo para outras normas, não se aplicando diretamente por si só, mas devendo ser observada e respeitada por todas as que dela se originarem.

Como a organização em carreira significa que os cargos estejam encartados em uma série de “classes” (é o conjunto de cargos da mesma natureza de trabalho), escalonada em função do grau de responsabilidade e nível de complexidade das atribuições, é evidente que a remuneração correspondente a cada nível também sobe à medida que o servidor é promovido de um nível a outro; se assim não fosse, não teria sentido prever-se a organização em carreira nem a promoção.

Em conseqüência, os subsídios terão de ser fixados em valores diferentes para cada nível da carreira, observada a exigência de “parcela única”. Não se pode, para diferenciar um nível de outro, conceder acréscimos pecuniários que constituam exceção à regra do subsídio como “parcela única”.

4.2.8. Outros Direitos dos Servidores Públicos

Segundo leciona Celso Antônio Bandeira de Mello (1999, p. 199), “também se conferem aos servidores públicos, titulares de cargos, no art. 39, §3º, vários

direitos, dentre os previstos no art. 7º da Constituição em prol dos trabalhadores em geral. São os que ali se contemplam nos incisos a seguir arrolados, a saber: inciso IV: salário mínimo; VII: remuneração nunca inferior ao salário mínimo para quem perceba remuneração variável; VIII: 13º salário anual; IX: remuneração de trabalho noturno superior ao do diurno; XII: salário-família para os dependentes; XIII: duração do trabalho diário não superior a 8 horas e 44 horas semanais; XV: repouso semanal remunerado; XVI: remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, 50% ao do normal; XVII: férias anuais remuneradas com, pelo menos, 1/3 a mais do que a remuneração normal; XVIII: licença à gestante com duração de 120 dias; XIX: licença-paternidade, nos termos previstos em lei; XX: proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos previstos em lei; XXII: redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; XXX: proibição de diferença de remuneração, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil, com ressalva da adoção de requisitos diferenciados de admissão, quando a natureza do cargo o exigir.”

4.2.9. Do Regime de Remuneração dos Servidores Públicos por meio de Subsídios

O termo subsídio não foi utilizado originariamente pela Constituição de 1988, diferentemente da Constituição anterior, em que era previsto como forma de designar a remuneração dos agentes políticos, dividido em uma parte e uma variável, de acordo com o número e o comparecimento do titular às sessões legislativas.

Com a Emenda Constitucional n.º 19/98, o vocábulo voltou, em razão da proposta do Dep. Moreira Franco, já totalmente desvinculado do seu sentido semântico original (do latim subsidium que significa reserva, reforço, auxílio), vindo a designar a importância paga, em parcela única, pelo Estado, a determinadas categorias de agentes públicos, como retribuição pelo serviço prestado. Via de conseqüência, não tem a natureza de ajuda, socorro, auxílio, mas possui caráter retribuitório e alimentar.

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Dentre os agentes públicos, alguns serão necessariamente alcançados pelo regime de subsídios; outros, em caráter facultativo, a critério do legislador de cada ente federativo (art. 39, §8º).

Serão obrigatoriamente remunerados por subsídios: a) todos os agentes públicos mencionados no art. 39, §4º; b) os membros do Ministério Público da União e dos Estados (art. 128, §5º, I, “c”); c) os integrantes da Advocacia Geral da União, os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal e os Defensores Públicos (art. 135); d) os Ministros do Tribunal de Contas da União, dos Estados e do Distrito Federal (art. 73, §3º, e 75); os servidores públicos policiais (art. 144, §9º). Além desses, o art. 39, §8º, prevê que os servidores públicos organizados em carreira poderão ser remunerados mediante subsídios, conforme opção do legislador de cada ente federativo.

O art. 39, §4º, prevê o subsídio como parcela única, à qual não pode ser acrescida vantagem pecuniária, como “gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória”.

Segundo leciona a professora Dinorá Grotti (1998), ao vedar o acréscimo de quaisquer vantagens pecuniárias ao subsídio, buscou o legislador extinguir o sistema remuneratório tradicionalmente vigente na Administração Pública e que compreende o padrão fixado em lei mais as vantagens pecuniárias de variada natureza prevista na legislação estatutária. E, ao se referir à parcela única, proibiu a fixação dos subsídios em duas partes (uma fixa e uma variável), como adotado para os agentes políticos na vigência da CR/67.

Com isso, ficam derrogadas, para os agentes que percebam subsídios, todas as normas infraconstitucionais que prevejam vantagens pecuniárias remuneratórias como parte da remuneração.

Em conseqüência, também, para remunerar de forma diferenciada os ocupantes de cargos de chefia, direção, assessoramento e os cargos em comissão, terá a lei de fixar, para cada um, subsídio, composto de “parcela única”. O mesmo se diga com relação aos vários níveis de cada carreira.

No entanto, a existência de vários dispositivos constitucionais não alterados pela EC n.º 19/98 frustra parcialmente a intenção do legislador contida no art. 39, §4º. Como, por exemplo, as garantias do art. 39, §3º, de que se aplicam aos ocupantes de cargo público (em sentido genérico, sem fazer qualquer distinção quanto ao regime remuneratório) o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, da CR/88, diante das quais a aparente contradição com o fato de o art. 39, §4º se referir a uma parcela única, não se constituem em fator impeditivo da aplicação de um dispositivo em relação ao outro, vez que o art. 39, §3º, assegura o direito a determinadas vantagens também com suporte constitucional.

As situações em que as vantagens extra-subsídio tenham natureza indenizatória também exemplificam a necessidade de compatibilização entre a determinação do dispositivo sob comento e as situações em que o agente público, que perceba subsídio, não receberá uma “parcela única”, já que se trata de compensar o servidor por despesas efetuadas no exercício do cargo.

As expressões empregadas pelo art. 39, §4º, da Constituição, ao arrolar “parcelas” que não podem ser acrescidas à “parcela única” que constitui o subsídio, não têm, por si só, força definitiva, no sentido de que nenhum recebimento fica proibido pelo simples fato de ter sido denominado como “gratificação, adicional, abono, prêmio ou verba de representação”; tampouco permitido por, em esforço de criatividade, haver-se nomeado diferentemente. (Grotti, 1998)

Como bem ensina a professora Dinorá Grotti, a exemplificação feita pretende, de outra parte, deixar bem fincado o sentido da enumeração contida na norma do art. 39, §4º. O que não pode ser acrescido ao “subsídio único” é uma outra parcela “remuneratória”, vale dizer, uma quantia destinada a compensar o agente pelo específico exercício do cargo em causa. Mas seria ridículo, além de inconstitucional, confundir a regra do dispositivo com a interdição, genérica e indiscriminada, ao recebimento de dinheiro estatal a qualquer título.

4.2.10. Relação entre Maior e Menor Remuneração

Através do dispositivo do art. 39, § 5º, há o reposicionamento, no texto constitucional, do

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conteúdo do art. 37, XI, cuja redação foi alterada, pois o que antes constituía uma obrigatoriedade (a relação entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos) passou a ser uma faculdade, sempre a partir de lei ordinária e considerada a iniciativa privativa em cada caso, obedecido o limite máximo constitucional.

O objetivo dessa relação é evitar discrepâncias muito acentuadas entre os que ganham mais e os que ganham menos, estabelecendo-se, assim, entre os distintos níveis de retribuição, intervalos comedidos. No caso dos servidores em geral, a lei que fixará a relação de valor não significa vinculação por força da qual todas as vezes em que se elevem as retribuições mais modestas estejam também elevadas as mais altas e vice-versa. Isto pode ou não ocorrer, dependendo da forma como a lei regule tal relação. (Grotti, 1998)

4.2.11. Publicação Anual dos Valores

Em norma de aplicabilidade imediata e eficácia plena, a Emenda Constitucional n.º 19/98 incluiu na Constituição regra que obriga os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário a publicar anualmente os valores do subsídio e da remuneração dos cargos e empregos públicos (art. 39, § 6º). Desse modo, a sociedade deveria ficar conhecendo com toda a clareza, o quanto percebem os membros dos Poderes do Estado e os funcionários públicos.

4.2.12. Faculdade de Instituir Regime de Remuneração por Subsídios

Dentre os agentes públicos, alguns serão necessariamente alcançados pelo regime de subsídios; outros, em caráter facultativo, a critério do legislador de cada ente federativo (art. 39, §8º).

Se, por um lado, serão obrigatoriamente remunerados por subsídios: a) todos os agentes públicos mencionados no art. 39, §4º; b) os membros do Ministério Público da União e dos Estados (art. 128, §5º, I, “c”); c) os integrantes da Advocacia Geral da União, os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal e os Defensores Públicos (art. 135); d) os Ministros do Tribunal de Contas da União, dos Estados e do Distrito Federal (art. 73, §3º, e 75); os servidores públicos policiais (art. 144, §9º).

Por outro lado, por força da faculdade aberta no dispositivo sob comento (o art. 39, §8º), além dos servidores supra mencionados que, obrigatoriamente receberão mediante o regime de subsídios, prevê que os servidores públicos organizados em carreira poderão ser remunerados mediante subsídios, conforme opção do legislador de cada ente federativo.

Segundo Heraldo Garcia Vitta (1999), o §8º do art. 39 é preocupante, pois permite à Administração Pública organizar o sistema de remuneração dos servidores públicos organizados em carreira mediante o pagamento de subsídios, na forma já estudada.

Ora, teoricamente, em especial Estados e Municípios poderão adotar, como regra, o pagamento de subsídios a seus servidores, de maneira a passarem a receber “parcela única”, e não vencimento (padrão), mais as vantagens (gratificações, adicionais). Com o tempo, poderá ocorrer uma perigosa redução gradual da remuneração dos servidores destas administrações.

4.2.13. Disponibilidade Remunerada

Um dos casos de disponibilidade é a do servidor que, eventualmente, ocupava cargo, que originariamente vinha sendo ocupado por servidor que chegou a ser demitido por força de decisão administrativa e reintegrado ao cargo por força de sentença judicial, que anulou aqueloutra.

No texto original da CR/88, o instituto da disponibilidade remunerada, em contraposição ao da estabilidade, correspondia à previsão da possiblidade de extinção ou da declaração de desnecessidade do cargo ocupado pelo servidor (ocupante de cargo público de provimento efetivo) e, via de conseqüência, seu direito à permanência no serviço público até o seu aproveitamento em outro cargo.

Com a EC n.º 19/98, a disponibilidade remunerada, nas hipóteses constitucionais, passou a ser “proporcional” ao tempo de serviço (art. 41, §§2º e 3º), e não “integral”, como antes vinha sendo

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admitido pela doutrina e pelos tribunais. A atual disciplina (após o advento da EC n.º 19/98), pertinente ao instituto da disponibilidade

remunerada, não sofreu grandes alterações com relação à dicção originária da Constituição. As hipóteses em que o funcionário terá direito a ser colocado em disponibilidade continuam as mesmas.

A novidade fica a cargo da definição de que a remuneração do sevidor colocado em disponibilidade passa a ser proporcional ao tempo de efetivo exercício no serviço público, colocando fim à celeuma doutrinária existente depois da promulgação da Constituição em 5.10.88.

Difere o dispositivo do art. 41, § 3º do anterior apenas no tocante às hipóteses que ensejam a disponibilidade do servidor, todas que já haviam sido previstas na CR/88, vez que agora se trata da hipótese de extinção do cargo, assim como da de declaração de desnecessidade do cargo.

Celso Antônio (1999, p. 201) preleciona no sentido de que “a declaração de desnecessidade, surgida ao tempo do golpe militar de 1º de abril de 1964 e

consagrada constitucionalmente na Carta de 1969 (art. 100, parágrafo único) é um instituto obscuro e rebarbativo. Com efeito, se o cargo não é necessário, deve ser extinto, pura e simplesmente. Sem embargo, assim como a lei pode estabelecer termos, condições e especificações para que o Chefe do Poder Executivo extinga cargo público, já que a Constituição lhe confere a prerrogativa de ‘prover e extinguir os cargos públicos federais, na forma da lei’ (art. 84, XXV), também poderá fazê-lo, para que os declare desnecessários.”

4.2.14. Obrigatoriedade de Previsão Orçamentária para Alterações na Política de Pessoal

De acordo com o §1º do art. 169 da CR/88, com a redação dada pela Emenda Constitucional n.º 19/98, qualquer vantagem ou aumento de remuneração a serem concedidos, bem como a criação de empregos, funções ou cargos públicos e a admissão de pessoal de qualquer entidade ou órgão da Administração direta ou indireta haverão de ser feitas apenas e restritivamente com a previsão orçamentária (dotação orçamentária suficiente, na LOA – Lei de Orçamento Anual –, para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes) e com a respectiva previsão na Lei de Diretrizes Orçamentárias, autorizando tais mudanças na política de pessoal.

No universo das entidades e dos órgãos a que se destina o dispositivo sob comento, há apenas a ressalva, no inc. II do §1º do art.169, às empresas públicas e às sociedades de economia mista, a partir do que pode se extrair o entendimento de que deverá haver, para tais entidades, a previsão na Lei Orçamentária Anual, caso sejam concedidos aumentos, vantagens ou criados cargos e empregos, assim como se houver admissão/contratação de pessoal, mas já não será exigida também a previsão de tais alterações na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Trata-se de uma norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata.

4.2.15. Dispensa de Servidores por Excesso de Pessoal

Uma das mais importantes mudanças em face do texto anterior refere-se à possibilidade (Vitta, 1999) de o Poder Público exonerar, de ofício, seus servidores estáveis, uma vez excedidos os limites de despesa estabelecidos em lei complementar (art. 169).

Segundo nos informa o supra citado autor, a adoção de medidas no sentido da contenção de gastos com pessoal, determinada pelo art. 169 como um todo, é conformada constitucionalmente como uma prerrogativa discricionária da Administração, vez que, no §4º do referido artigo, é conferida ao administrador público a possibilidade de adotar ou não a alternativa de demissão do servidor estável.

Assim, “ainda que adote as providências determinadas no § 3º e não consiga chegar no limite de

despesas de pessoal estabelecido na lei complementar, sua discricionariedade permanecerá inalterável, inarredável.

Nesta situação, ou seja, no exercício da discricionariedade (exoneração de servidores estáveis), a sanção determinada no §2º do art. 169 não se aplica: a suspensão dos repasses de verbas

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federais ou estaduais aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios que não observarem os limites estabelecidos na referida complementar.

De fato, por cuidar-se de mera opção administrativa, a exoneração do servidor estável, segundo critério do poder político competente, no qual o agente público exerça sua função, seria rematado desconchavo, incongruente mesmo, a determinação constitucional de aplicação de sanção por descumprimento de uma discrição administrativa concedida pela própria norma constitucional.

Evidentemente, o Estado ou Município que tiver gastos exorbitantes com os servidores públicos, e não adotar a providência referida, mesmo em se cuidando de discrição administrativa, poderá ter problemas de ordem financeira, na medida em que a transferência voluntária de recursos e a concessão de empréstimos, inclusive por antecipação de receita, pelos Governos Federal e Estaduais e suas instituições financeiras, são vedados para pagamento de despesas com pessoal ativo, inativo e pensionista, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 167, X).

Apenas a não-adoção das providências mencionadas no § 3º, a seguir analisado, levará à sanção determinada no §2º (suspensão de todos os repasses de verbas).” (Vitta, 1999)

Cuida-se de dispositivo que se destina aos administradores dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, cuja eficácia, apesar de ter aplicabilidade plena, é limitada pela dependência de lei complementar posterior que venha a definir os limites de gastos com pessoal, bem como os prazos em que tais parâmetros de contenção devem ser cumpridos (art. 169, caput).

4.2.16. Medidas para Contenção dos Gastos com Folha de Pagamentos

O § 3º do art. 169 estabelece a adoção de providências a cargo do Poder Público no sentido de cumprir os limites contidos na lei complementar. São as seguintes medidas:

I - redução em pelo menos 20% das despesas com cargos em comissão e funções de confiança; e

II - exoneração dos servidores não estáveis, considerados tais os admitidos na administração direta, autárquica e fundacional sem concurso público de provas ou de provas e títulos após o dia 5 de outubro de 1983 (art. 33 da EC n.º 19/98) – isto porque os que ingressaram antes dessa data tornaram-se estáveis, nos termos do art. 19 do ADCT.

Neste parágrafo não se inclui a exoneração dos servidores estáveis, a qual está no §4º do mesmo artigo, portanto, em destaque, separado das providências anteriores. Esta colocação topográfica não é sem sentido. (Vitta, 1999) O § 3º, ao aludir à adoção de providências (redução dos cargos em comissão e funções de confiança; exoneração dos servidores não estáveis) do Poder Público, determina-as, expressamente, de acordo com o termo “adotarão”; em seguida, no §4º, adota-se a palavra “poderá”. Sendo assim, entende-se haver discricionariedade da administração de adotar ou não a alternativa do §4º (exoneração do servidor estável).

4.2.17. Dispensa de Servidores Estáveis

Conforme lição de Luciano Ferraz (1999), “depois de efetivadas as medidas previstas nos incs. I e II do § 3º do art. 169 da CR/88,

respectivamente, a redução em pelo menos 20% dos gastos com cargos em comissão e funções de confiança e exoneração de servidores não-estáveis, assim considerados aqueles previstos no art. 33 da EC n.º 19/98, é imperativo, antes da perda do cargo por parte do servidor estável, na forma prevista no §4º do citado art. 169, a impossibilidade de alcançar o patamar previsto na Lei Complementar n.º 82/95 [LC n.º 101/2000], mediante a adoção de outras duas medidas, a saber:

................................................................................................................................ b) colocação em disponibilidade, com remuneração proporcional e consequente redução da

folha de pagamento, dos que já tenham adquirido a estabilidade (art. 41, §3º, da CR/88). Somente após a implementação de tais medidas, caso não haja a adequação dos gastos

com pessoal ao patamar da Lei Complementar n.º 82/95 [LC n.º 101/2000], tornar-se-á possível (...) a perda do cargo do servidor estável com esse fundamento, aplicando as regras dos §§ 4º, 5º e 6º do art. 169 da CR/88.” (grifo nosso)

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Tem-se, portanto, que apenas se as medidas adotadas não forem suficientes, o servidor poderá perder o cargo, desde que por “ato normativo motivado”, que é o ato geral e abstrato, devidamente fundamentado, a ser editado por cada um dos Poderes, especificando a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa.

4.2.18. Indenização pela Perda do Cargo Conforme ensinamento de Celso Antônio (1999, p. 186), “a determinação da perda dos cargos por parte dos servidores estáveis, com indenização

correspondente a um mês de remuneração por ano de serviço, parece-nos inconstitucional, por superar os limites do poder de Emenda. Tal perda só poderia ocorrer com a extinção do cargo e colocação de seus ocupantes em disponibilidade remunerada, como previsto na Constituição (art. 41, § 3º).”

De igual maneira também expressa seu entendimento Luciano Ferraz (1999), quando assevera que deve haver a

“colocação em disponibilidade de funcionários estáveis com remuneração proporcional, salvo se houver expressa opção pelo desligamento e consequente indenização, na forma do § 5º do art. 169. O aproveitamento desses funcionários ocorrerá nos termos do § 3º do art. 41 da Constituição da República de 1988.

O desrespeito a essa ordem poderá dar ensejo à propositura das pertinentes ações judiciais (mandado de segurança, ação ordinária) com o objetivo de compelir o Poder Público ao respeito aos direitos subjetivos dos funcionários públicos.”

4.2.19. Extinção do Cargo

Medida correlata à perda do cargo pelo servidor estável é a extinção desse, sendo vedada, nos próximos quatro anos subsequentes à exoneração do servidor que o ocupava, a sua recriação, assim como a de empregos ou funções iguais ou assemelhados.

Trata-se de norma de eficácia limitada nos mesmos termos da carência de lei federal delimitadora das garantias dos servidores estáveis, quando da hipótese de exoneração sob comento, vez que o cargo somente será extinto após a vacância do cargo, com a exoneração.

4.2.20. Competência para Dispor sobre a Exoneração do Servidor Estável

O §7º do art. 169 estabelece competência privativa da União para dispor sobre as normas relativas à exoneração do servidor estável; e o art. 247, com a redação da Emenda, determina o estabelecimento de critérios e garantias especiais para a perda do cargo pelo servidor estável o qual desenvolva atividades exclusivas de Estado.

Para Heraldo Garcia Vitta (1999), dois pontos de consideração são necessários: a obediência pelos Estados e Municípios, em face das normas gerais da União, apenas ocorrerá se e quando a entidade política adotar a providência de exoneração do servidor estável; noutro sentido, também haverá a prevalência da lei federal, ao dispor sobre os critérios e garantias ao servidor estável que desenvolva atividade exclusiva do Estado, vez que cabe à lei federal, de competência da União, estabelecê-los, de observância obrigatória às demais entidades políticas, excetuados os casos nos quais o Estado ou o Município, a par das normas da União, editar outras, com maiores garantias a tais servidores.

4.3. Controle de Resultados e Administração Pública Gerencial

Partindo do diagnóstico enviesado de que o maior problema da administração pública brasileira era a burocracia26, bastou a eficiência ter sido alçada à categoria de princípio constitucional expresso da Administração Pública (art. 37, caput), para se dar causa a discursos entusiásticos sobre, nada mais, nada menos, uma verdadeira emergência de algo existente há muito e já caro àquela, como se ele (o princípio da eficiência) tivesse sido reinventado – da “reforma” em 26 Vide críticas em tópicos anteriores.

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diante – sob a veste de um princípio mais imprescindível que os outros. Assim sendo, foi erigida toda uma teoria organizacional, envolvida pela insígnia desse novo-

velho princípio – agora, mais poderoso até do que (e perante) o ancilar princípio da legalidade –, de como conduzir a gestão da coisa pública para o mais perto possível da eficiência de mercado e dos mecanismos de gestão privados.

Segundo Brunsson & Sahlin-Andersson (2000), esse processo de transformação do setor público em organizações, pautadas pela lógica de mercado, é uma tentativa que vem sendo frustrada – na consecução das propostas de reforma do Estado contemporâneas – diante da imensa dificuldade de se imprimir racionalidade (eficiência), sem correspondente autonomia (organização independente) e hierarquia (poder decisório). Mas como conferir absoluta autonomia e amplo poder decisório à Administração Pública, se ela não pode dispor do interesse público, devendo sempre atuar conforme a lei? (Mello, 2000)

Tal ocorre, já que não é a Administração Pública uma “empresa” que origine e termine “organizacionalmente” em si mesma; diferentemente disso, ela necessita compartilhar de uma relação de legitimidade para com o corpo social, porque ela própria representa um agregado indispensável de instituições sociais (Chauí, 1999).

Em outras palavras, ela é essencialmente política, porosa a pressões que inviabilizam aludidas autonomia e hierarquia, sob pena ou de ser tomada como “insulada burocraticamente” ou como “desvirtuada para fins privados”.

Deixando um pouco de lado a Teoria Organizacional e retomando a Ciência Política, tem-se que a abordagem acerca da relação agent x principal (Przeworski, 1998) fornece subsídios importantes para a análise de que são os governantes nada mais do que “agentes”, mandatários da sociedade, que lhes conferiu poderes limitados para atingir uma finalidade estrita, qual seja, o bem comum.

Sob o marco da teoria agent X principal, nesse sentido, tem-se que a questão sobre a adequação da intervenção do Estado e sobre como redimensioná-la depende do “desenho institucional” das relações entre governos e agentes econômicos privados (regulação), entre políticos e burocratas (supervisão/ acompanhamento), e entre cidadãos e governos (responsabilização), na medida em que,

“(...) a tarefa de reformar o Estado consiste, por um lado, em equipá-lo com instrumentos para uma intervenção efetiva e, por outro, em criar incentivos para que os funcionários públicos atuem de modo a satisfazer o interesse público. Alguns desses incentivos podem ser gerados pela organização interna do governo, mas não bastam. Para que o governo tenha um desempenho satisfatório, a burocracia precisa ser efetivamente supervisionada pelos políticos eleitos, que, por sua vez, devem prestar contas aos cidadãos.(...) Se esses mecanismos de responsabilização (accountability) são bem concebidos, a economia de um Estado intervencionista pode obter melhores resultados que a economia de mercados livres”. (1998, p. 40, grifos nossos)

Ainda sob os ensinamentos da Ciência Política, cumpre tentar definir o que vem a ser a rica expressão accountability, para seguir aprofundando na crítica à proposta estrita do “controle de resultados” feita no Plano Diretor (1995).

Não é demasiado lembrar que crítica cabe a essa proposta e à própria Emenda Constitucional n.º 19/98, na medida em que elas têm sido conduzidas sem a devida preocupação com o simultâneo incremento do processo de consolidação democrática, isto é, têm se dado de maneira esvaziada em relação ao contexto político-institucional em que elas se encontram inseridas. (Nogueira, 1989/90; Diniz, 1997)

Doravante, tal miopia é o que se passará a analisar mais detidamente, com a retomada do tema sobre a necessidade de instrumentalizar não só controles voltados para o estrito enfoque administrativo-financeiro da crise do Estado, mas também mecanismos de accountability democrática.

O termo accountability, consagrado pela literatura política anglo-americana, não é

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usualmente traduzido para outras línguas. De qualquer forma, pode-se dizer, segundo O’Donnell (1998) e Cunill (2000), que a idéia por detrás da noção de accountability é a de transparência, a de prestação de contas, sendo ela um atributo dos governos (e governantes).

Geralmente ela é classificada em horizontal e vertical, assumindo como critério diferenciador a origem do controle, ou seja, onde se inserem os atores que demandam essa transparência, essa prestação de contas governamental.

Desse modo, a accountability horizontal pode ser entendida como aquela que enfatiza a aderência das práticas governamentais aos procedimentos legais e constitucionais.

Tal perspectiva está altamente interessada na operação efetiva do antigo, mas sempre atual, sistema de checks and balances (a qual implica a tradicional divisão tripartite das funções estatais), consagrada por Montesquieu no século XVIII.

Essa concepção, contudo, deve ser entendida como uma noção mais clássica de accountability horizontal, uma vez que o estabelecimento, por parte do próprio Estado, de agências estatais legalmente qualificadas para o exercício do controle da atuação governamental pode ser entendido como uma dimensão mais moderna e atual desse tipo de accountability.

De outro modo, uma primeira noção de accountability vertical faz referência à possibilidade de os cidadãos vocalizarem demandas sociais para os representantes públicos (eleitos ou não) e denunciá-los por atos impróprios que possam cometer.

Nessa perspectiva, a accountability vertical enfatizaria os mecanismos que os cidadãos usam para controlar os resultados da atuação governamental. Os governos só seriam accountables na medida em que não apenas seguissem os preceitos constitucionais e legais, mas também agissem de acordo com as preferências dos cidadãos.

A primeira idéia que comumente aparece sobre esse tipo de controle é o mecanismo eleitoral. Sem dúvida, eleições livres e diretas são o ponto de partida para a real fundação de uma poliarquia (O’Donnell, 1998), mas estão longe de garantir, por si só, o advento dessa, sem a combinação de outros mecanismos de accountability. A partir desse debate, vem ganhando mais espaço, a cada dia, na literatura política, uma “espécie” mais moderna de accountability vertical, a qual pode-se citar como accountability societária (ou societal). (Cunill, 2000)

Esse novo tipo de accountability nutre íntima relação com um conjunto de associações de cidadãos, movimentos e mídia, que objetivam expor os atos legais do governo, colocando novas questões na agenda política ou influenciando a revisão das decisões governamentais.

Ao contrário da accountability horizontal e do sistema eleitoral (que atuam sempre via mecanismos institucionalizados), o controle por parte da sociedade se utiliza tanto de prerrogativas institucionais (ativação de processo, supervisão, participação em arenas que monitorem políticas públicas) como não-institucionais (p. ex. denúncias públicas, atuação de ONG’s e de outros movimentos sociais).

É claro que, em última instância, o “poder” de controle exercido por mecanismos não institucionais não passa de um poder simbólico, já que, como a teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas enfatiza, somente o “Poder Administrativo” tem real poder de atuação. Mas o “Poder Comunicativo” da sociedade (segundo ainda Habermas) não pode ser menosprezado, sendo muitas vezes decisivo para que um “gatilho” inicial seja capaz de detonar (trigger) mudanças institucionais.

Ainda nesse tema, percebe-se que os mecanismos de accountability societária têm um espectro de atuação muito mais amplo que o sistema eleitoral, porque permitem um controle do governo não apenas nas eleições, mas entre elas (ou seja, passa a existir um controle contínuo do governo nos mesmos termos da noção de responsabilidade política estendida), além de possibilitarem controle não apenas dos governantes eleitos, mas também do aparato burocrático (Administração Pública). E isso é, sem dúvida, um grande avanço.

Pode-se dizer, portanto, que a existência de mecanismos de accountability horizontal e vertical não é uma constatação nova, já que é possível citar a divisão tripartite das funções do Estado (checks and balances de Montesquieu) e o voto direto como exemplos tradicionais desses

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mecanismos respectivamente. Mas, agora retomando as idéias de O’Donnell (1998), a evolução política do Estado e da

sociedade demonstraram as limitações de tais controles, ante a complexificação das demandas sociais e a cada vez mais incipiente capacidade de o Estado governar de forma satisfatória (culminando numa crise de legitimidade do Estado).

Novas formas de accountability vêm surgindo nessa esteira, como o estabelecimento de uma rede de agências estatais de controle (accountability horizontal) e a insurgência do controle societário, por meio de ONG’s, audiências públicas etc. (accountability vertical) na tentativa de diminuir o deficit que existe entre as (precárias) poliarquias atuais e a poliarquia ideal dahliana.

Para tanto, o grande desafio, em especial no contexto latino-americano, consiste em superar as tendências políticas tão comuns nesses países (cesarismo, populismo, supremacia do Poder Executivo sobre os demais poderes, frouxo sistema partidário, ausência de efetivos planos de governo, desrespeito a prerrogativas constitucionais e a rule of law etc) e as grandes desigualdades socioeconômicas (as quais, se não entravam totalmente, no mínimo, dificultam o amadurecimento de uma atuante sociedade civil), sem o que os mecanismos de accountability não poderão operar adequadamente.

Se na Ciência Política, é pródiga a doutrina sobre os mecanismos de controle da Administração Pública em prol do amadurecimento das instituições democráticas, no Direito Administrativo, também incisivos são os autores no sentido de conformar a Administração como serva do interesse público, sob o marco do Estado de Direito.

Segundo, Celso Antônio Bandeira de Mello, por estar pautado estritamente pelo governo das leis, o Estado de Direito delimita que, à Administração, somente cabe o dever de cumprir os desígnios legais, situação em razão da qual “a atividade administrativa encontra na lei tanto seus fundamentos quantos seus limites”. (2000, p. 49)

Assim, justamente por trazer consigo o primado das leis, conforme a tese da soberania popular, o Estado de Direito garante aos administrados que “fora da lei, portanto, não há espaço para atuação regular da Administração.” (Mello, 2000, p. 50)

A lição de Celso Antônio é de que entre a atividade administrativa e a lei existe uma inafastável relação de subordinação, seja porque é a lei que, positivamente, veda e/ou permite à Administração a prática de determinados atos, seja porque, já negativamente, a Administração “não pode fazer senão o que de antemão lhe seja permitido por uma regra legal.” (2000, p.51) Vale dizer, a Administração só pode atuar secundum legem.

Nesse sentido, ressalta o autor acima mencionado que “a atividade administrativa, para manter-se afinada com os princípios do Estado de Direito e com o regramento constitucional brasileiro, necessita ser exata e precisamente uma atividade pela qual se busca o atingimento dos fins pré-traçados em lei.” (p. 51)

Melhor aprofundando a discussão em torno dos limites a que se encontra adstrita a Administração, Mello traz à tona a célebre distinção de Ruy Cirne Lima entre aquele que é o dono e aquele que não é proprietário, não tendo, por isso, a disposição da coisa. Veja-se que, “perante propriedade, está-se no reino da autonomia da vontade, perante administração, contrariamente, está-se no reino da finalidade, proposta como impositiva, como obrigatória. Na propriedade a vontade – dir-se-ia – é comandante; na adminstração, a vontade é serviente.” (Mello, 2000, p.52)

Daí que Celso Antônio se sente autorizado a concluir que “a atividade administrativa é marcada, sobretudo, pela idéia de função.” (2000, p.53) Explica o autor, então, que “existe função, em Direito, quando alguém dispõe de um poder à conta de dever, para satisfazer o interesse de outrem, isto é, um interesse alheio.” (Mello, 2000, p.53, grifo do original)

Assim se considerando, sobreleva o aviso de que os poderes conferidos, dentro da idéia de função, assim o foram para serem manejados instrumentalmente, ou seja, foram conferidos “como meios reputados aptos para atender à finalidade que lhes justificou a outorga”. (2000, p.53)

Precisamente em consonância com tal lógica, o autor em questão assevera que – por somente ser útil, valoroso e justicável o poder quando servir de instrumento ao cumprimento do dever de

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concretizar a finalidade legal – não há que se falar em poder-dever, pois o que o administrador dispõe, de fato, são deveres-poderes, na medida em que os poderes “têm destino apenas serviente”. Por essa razão é que o direito administrativo “congrega-se ao derredor da idéia de dever”. (Mello, 2000, p.54)

Em relevante paralelo com o desempenho de funções no Direito Privado, Celso Antônio chama a atenção para o fato de que, apesar de ser a regra no Direito Público, a idéia de função aqui nem sempre é respeitada. Nas palavras do aludido autor, tem-se que, “com alarmante freqüência, no Direito Público perde-se esta perspectiva natural [de que os poderes dados em razão do exercício de função o foram para a realização da finalidade por que foram outorgados], inobstante a todos ocorra espontaneamente adotá-la no Direito Privado, justamente onde o exercício de função é excepcional.” (Mello, 2000, p. 55) Donde este autor criticar a proliferação de teorias sobre as “prerrogativas” da Administração, os poderes dos administradores públicos, a imunidade das decisões discricionárias entre outras “deformações da mesma estirpe”. (2000, p. 56)

Ainda sob esse espírito de questionamento, é que há de sobrelevar o alerta de que “nada importa: quer haja incidido em erro de Direito, ao imaginar cabível o meneio da

competência para um fim só objetivável por outra competência, quer haja deliberadamente se servido de uma competência imprópria, pretendendo com isto eximir-se de embaraços, dificuldades ou demoras que o estorvariam ou retardariam – se fora utilizada a competência pertinente – haverá, do mesmo modo, incorrido em desvio de poder.” (Mello, 2000, p. 59, grifo acrescido ao original)

Em ambas as situações o ato é “maculado”, porque “as competências têm (...) endereço certo, não podem ser manejadas para um fim distinto daquele a que estão legalmente preordenadas, sem que, com isto, em última instância, seja violada a própria regra de competência.” (Mello, 2000, p. 60)

Assim ocorre em razão da garantia intrínseca ao Estado de Direito de que os cidadãos não serão surpreendidos pelo proceder administrativo, vez que todo ele, em suas finalidades e em seus meios correspondentes àquelas, deverá sempre se encontrar adstrito ao que o “Direito antecipadamente e adrede concebeu como sendo os [meios] adequados para o atingimento de cada uma delas [finalidades].” Desta maneira, tal “endereço certo” de cada competência chega a representar uma verdadeira espécie de “tipicidade administrativa”. (Mello, 2000, p. 60)

Pois bem, ao cabo de uma tal extensa explanação sobre o tema do controle democrático – seja sob o prisma da relação agent X principal e das mais variadas formas de accountability, ou seja sob o olhar atento do jurista que tenta defender as salvaguardas públicas inerentes ao Estado de Direito –, mostra-se deveras pertinente, aqui, retomar um dos questionamentos feitos logo na apresentação deste trabalho.

Cumpre, portanto, questionar: não seria a mera ênfase nos resultados, prescindindo até do controle do devido processo administrativo (como a licitação por exemplo), uma perigosa prerrogativa entregue a uma Administração sequer mal habituada com o cumprimento das leis, quanto mais de metas pactuadas subjetivamente?

Fato é que, do receituário privado, retirou-se o modelo “gerencial” que, guardadas algumas basilares alterações de percurso, passou a ser pregado em bloco para todo o Estado, na forma de um novo (?) “paradigma” de gestão, como se fosse possível prescindir da interface político-institucional inerente a um feixe vasto de atividades tipicamente estatais, com todas as garantias públicas a ele inerentes.

Assim, como já dito anteriormente, ao conciliar um diagnóstico errático sobre as raízes da “ineficiência” estatal com uma ampla retórica de que se estava “reinventando” a Administração Pública para uma atuação mais “gerencial”, o Plano Diretor (1995) e, mais tarde, a própria EC n.º 19/98 somente apresentaram, na prática, uma interessante e perigosa inovação em relação ao modelo burocrático de gestão, qual seja, a ênfase no controle de resultados.

Ao prescindir de aferir o andamento de processos, padrões e procedimentos, estaria a atividade administrativa mais “solta” para responder, com a “flexibilidade” necessária, às demandas, pois o que passaria a importar seria o cumprimento de metas acordadas, cada vez mais, a

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custos mais baixos e, em tese, com maior qualidade. Por mais instigante que seja na teoria, flagrante é o risco de se conferir maior autonomia em

troca de maiores responsabilidades, no mesmo contexto em que os mecanismos normativos de controle seguem sendo demasiadamente frágeis para conseguir dar conta das garantias de que a Administração não disporá do interesse público em benefício privado.

Para ficar apenas na menor das questões, retome-se, por exemplo, a confiança cega depositada nos agentes não-estatais e de mercado para gerir searas de relevante interesse social (vide questão das organizações sociais), em que a participação do Estado é exigida constitucionalmente, mas que, para o PDRAE (1995), haverá de ser transferida para ser melhor (leia-se mais eficientemente) administrada.

Serão os agentes privados, ainda que organizados associativamente, capazes de imprimir maior caráter público à sua gestão do que o próprio Estado? Aliás, o “mais eficiente” diz sempre a respeito do que é de maior interesse público? Qual é a garantia político-jurídica objetiva de que esses agentes privados não se perderão em interesses pessoais ou corporativos ou de que respeitarão, de fato, minimamente direitos como o tratamento isonômico na contratação com verbas públicas e outras questões?

Resgatando especificamente a questão das organizações sociais, tem-se, segundo Ramos (1997), que

“Uma condição importante, portanto, é que a instância de controle social seja escolhida de forma independente, e sem a participação da administração (ou seja, da burocracia supervisada). Esse é um ponto ainda não totalmente esclarecido, por exemplo, na proposta do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, no tocante aos contratos de gestão a serem selados com as Agências Executivas e Organizações Sociais. Eventualmente, pode ser que o conjunto de representantes da sociedade civil que preenche estas condições seja um conjunto vazio. Em todo caso, a questão do controle social é uma questão de aprendizado, e sempre há um custo associado ao aprendizado (que é o custo de errar). A sociedade deve decidir, portanto, se está disposta a pagar o preço desse aprendizado.” (1997, p. 92-93, grifos nossos)

Ora, é indubitável a necessidade de haver referido controle social27, problema passa a ser a forma como ele será feito e em que medida tal controle poderá determinar, por exemplo, a desqualificação de uma O.S., ou, em que medida os usuários serão ouvidos28 em suas reclamações e respeitados em seus direitos29.

Também cabe perguntar se serão necessárias novas regulamentações para delinear, em termos de competência e de implicações, o que se pode entender, na prática, por controle social (ou público) das atividades desempenhadas pelas organizações sociais – que, nas palavras de Freitas (1998), estarão prestando “serviços de relevância pública”.

Por outro lado, trazendo de volta a análise de Przeworski (1998) e O’Donnell (1998), a sociedade exerceria também uma outra espécie de controle, só que indireto e mais genérico, qual seja: na medida que os cidadãos pressionam os políticos eleitoralmente a cumprir os interesses públicos, os governos devem pressionar para que os contratos de gestão assinados em nome de tais interesses sejam cumpridos à risca. O controle político configurado pelos resultados eleitorais seria, então, uma forma de os cidadãos expressarem seu descontentamento com a linha de ação

27 Melhor seria dizer societal, societário ou público mesmo, para não conflitar com a noção durkheimiana de “controle social”. 28 Há a proposta de algumas correntes da doutrina de se adotar no Brasil a figura do “ombudsman”, no tocante à relação entre usuário e prestador dos serviços sociais. O “ombudsman” seria justamente um ouvidor capacitado a admitir as críticas da sociedade e repassá-las para a organização, tendo em vista que se pretende a constante melhoria do serviço (eficiência) atrelada à satisfação do cidadão. Seria uma forma de controle mais direta e efetiva se o “ombudsman” realmente tiver poderes para influenciar processos e práticas administrativas que geram descontentamento nos usuários. 29 A defesa do usuário, no Brasil, sempre foi considerada um diálogo de surdos para Mello (1999).

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governamental em todos os níveis. Considerando sob a ótica da relação agent x principal, tem-se que, “Mais especificamente, os políticos devem usar a informação privada que os cidadãos têm

sobre o funcionamento da burocracia para monitorar os burocratas, e os cidadãos devem ser capazes de saber quem é o responsável pelo que, e de aplicar, em cada caso, a sanção apropriada, para que os governos com bom desempenho continuem no poder e para que os demais sejam alijados.” (1998, p. 40)

O controle estatal a ser exercido sobre as organizações sociais, a partir da análise de Przeworski (1998), se aproxima bastante do controle que o governo exerce sobre os burocratas, ainda que elas sejam tidas por meros “entes de colaboração com o Estado” (Santos & Pedrosa, 1998) e ainda que não se possa dizer que elas executem serviços públicos delegados pelo Poder Público, porque ambos (burocratas e O.S.) são “agentes” do Estado, que, por sua vez, é “agente” da sociedade como um todo.

Continuando a questionar, para além da problemática inerente ao instituto das organizações sociais – que será retomada mais de perto no tópico sobre a proposta de “contratos de gestão” –, não há como deixar de criticar a perspectiva de “cidadãos-clientes” a controlarem a atuação do Estado como se em uma mera relação competitiva/ privada de prestação de serviços estivessem.

A se tratar o cidadão simplesmente desta forma, estar-se-ia incorrendo na mesma redução fatalmente prejudicial à própria cidadania já denunciada por Habermas, quando de sua crítica à relação paternalística travada entre Estado e sociedade no Welfare State.

Obviamente, resultados são importantes, mas não bastam. Cidadãos devem também incorporar o grau de exigência que o mercado ensina a manejar, mas não é só de interfaces econômico-competitivas que se compõem o feixe de situações e direitos de cidadania. (Boaventura Santos, 1998)

Mesmo porque ao ser meramente cliente do Estado, o indivíduo acaba renunciando à fundação política daquele. Acaba renunciando à condição que lhe conferiria um papel muito mais denso (o de vontade criadora do Estado) capaz de instaurar uma relação de prestação de contas/cobrança – anterior à de mercado – que passa pela própria legitimidade e razão de ser do Estado.

Ora, é justamente nesse sinuoso tema da prestação de contas e da conformação de maior cidadania que a proposta atraente (verdadeiro canto de sereia) da “Administração Pública gerencial” mostra o seu lado mais perigoso, qual seja, o risco de atentar contra as primárias, mas fundamentais bases do Estado (Democrático) de Direito. Daí a necessidade do haver amarras constitucionais, para elevar o aprendizado democrático possível no Brasil. (Vieira, 1997; Arato, 1997)

Noutra linha de questões também pertinentes aqui, paradoxal há de parecer o fato de que se tem buscado suplantar o modelo burocrático justamente onde ele é imprescindível a qualquer administração moderna: racionalidade e norma (Olavo Brasil Jr., 1998, p. 19). Mas, na prática, é possível gerar uma nova administração sem padrões mínimos de operações que processem meios para atingir determinados fins e sem uma organização interna que respeite o andamento de tais operações e processos? Quanto mais, então, no setor público brasileiro, em que foi a reforma burocrática (Dec.-Lei 200/67) a maior conformadora de legalidade e de aprimoramento em relação às práticas (que ainda hoje persistem) patrimonialistas?

Em não se dependendo da confiança na boa-fé e no civismo dos gestores públicos, realmente é ilusório crer ser possível, no Brasil, conferir-lhes autonomia e cobrar-lhes metas de desempenho somente, sem se dar conta da franca possibilidade de acabar ocorrendo uma espécie de “maquiavelismo” gerencial, capaz de colocar em xeque a própria ordem constitucional, com o beneplácito da alta administração do Estado.

Ou se incrementa transparência democrática em todo o processo e também se pressiona pela obtenção de resultados, ou se estará precarizando os parcos mecanismos de controle existentes.

Dada a insuficiência do controle de processos e os riscos do mero controle de resultados, deve haver a democrática possibilidade de responsabilizar/ controlar a qualquer tempo o gestor da

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coisa pública, forçando-o a agir com um mínimo de coerência política. Pois, como Stark & Bruszt (1998, p. 27) visualizaram na Alemanha e na República Theca,

“trazer a sociedade de volta à política no momento da formulação da política significou que os administradores públicos não confrontaram a sociedade apenas no momento da implementação das políticas. Ao contrário as discussões aumentaram a compreensão dos formuladores das decisões, provendo informações críticas que os ajudaram a antecipar conseqüências econômicas, políticas e sociais futuras de suas ações. A responsabilidade política estendida, portanto, estendeu o horizonte temporal dos atores estatais chave, corrigindo erros de cálculo de antemão e os encorajando a pensar vários passos à frente nos jogos estratégicos da política de reformas. Como as deliberações os forçaram a ser mais responsáveis ex ante, as linhas de política pública resultantes já estavam delineadas de forma coesa e coerente, o que facilitou respostas rápidas e adaptações responsáveis com a alteração das circunstâncias.”

De todo o exposto até agora sobre a reforma do Estado em curso no Brasil e suas possibilidades de, efetivamente, melhorar a atuação da Administração Pública nacional, pode-se inferir, em sede de primária conclusão, que é a questão da prestação de contas o seu maior núcleo frágil. Note-se que não se fala aqui apenas em uma prestação de contas de resultados, mas de um regular cumprimento da ordem democrática, compreendido na noção mesma de accountability, tão pouco difundida entre os gestores públicos e os brasileiros como um todo.

Sobressai, desta forma, a questão do controle nos processos de reforma do Estado como uma problemática central, quiçá fundante da diferença entre as possíveis melhorias rumo a um Estado mais acessível e eficiente e a completa precarização do feixe de relações Estado-sociedade.

4.3.1. Avaliação de Desempenho de Servidores

Em resposta à pergunta sobre quem iria determinar os parâmetros para a avaliação de desempenho dos servidores, considerando as diversas (e cada qual com suas peculiaridades) tarefas hoje exercidas pelo Estado, o então ministro do antigo Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser Pereira (1998, p. 23), dizia:

“eu acho que esse parâmetro é uma coisa consensual. Só se vai demitir alguém se ele for realmente muito ruim. Quando todo mundo souber que aquele sujeito não serve, que deve estar fora do serviço público. Senão, ele não vai ser demitido. Só porque um servidor é fraco, tem as suas limitações, não significa que deva ser demitido. Será melhor treinado, será mais exigido, mas e só.”

Nesta paradigmática fala, há dois feixes preciosos de problematização necessária acerca da controversa matéria de relativização da estabilidade do servidor público, com a perspectiva de dispensa, a partir dos resultados (suficientes ou não) da avaliação de desempenho periódica.

Há que se problematizar, como dito, primeiramente, o fato de que nenhum parâmetro de desempenho poderá conter meramente uma avaliação subjetiva de se o servidor é ou não “muito ruim”, sob pena de se estar abrindo uma arbitrária e inconstitucional margem de depredação do direito do servidor de somente ser exonerado a partir de um devido processo legal. Note-se que daí para o desvio de poder seria um passo – com a dispensa de servidores estáveis, ao argumento de insuficiência de desempenho, podendo ter sido, na verdade, por perseguição política.

A propósito, o tema do desvio de poder é algo que merece um maior cuidado. Senão veja-se que “o desvio de poder, com alheiamento a qualquer finalidade pública, é um vício que encontra espaço para medrar precisamente quando o agente público está no exercício de competência discricionária.” Daí que, “uma vez que esta forma de desvio de poder se manifesta através da intenção viciada, é ela que tem de ser investigada” até judicialmente, se necessário for. (Mello, 2000, p. 63, grifo do original)

Celso Antônio Bandeira de Mello critica o fato de que, no Brasil, inúmeros casos de exercício de competência discricionária “parecem assentar-se na concepção ingênua (...) de que as autoridades, sobretudo as investidas em cargos políticos, são como que ‘donos’ dos poderes públicos enquanto titularizam ditos cargos.” (2000, p. 68, grifo nosso)

É, realmente, um temor a mais a ser considerado quando se pensar sobre de quão imenso

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poder, então, não se verão investidos prefeitos e dirigentes políticos de toda sorte ao deterem a prerrogativa de exonerar, a título de “desempenho insuficiente”, servidores concursados e relativamente estáveis.

Embora nem sempre, no desvio de poder, em conformidade com o aludido professor, haja um vício de intenção – ocorrendo, por vezes, um erro de direito –, quando, porém, tal vício de intenção ocorre, é porque o autor do ato tentou sobrepor seu juízo pessoal ao juízo legislativo, insurgindo-se contra o esquema de garantias do administrado e do servidor,vez que se rebelando contra os fins e meios prescritos em lei.

Tal fenômeno, para Celso Antônio (2000), representaria uma “evasão à específica finalidade pública do ato” e, para o pai do autor, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, um “desnaturamento do instituto jurídico”.

Aqui, na presente questão de como está a se exigir desempenho dos servidores, até mesmo relativizando o instituto da estabilidade, o maior risco é de que também esteja sendo aberta a possibilidade de um desvirtuamento em prol das perseguições políticas, do nepotismo e de outras tantas vaidades subjetivas dos avaliadores, em detrimento dos direitos do servidor.

Voltando propriamente à fala de Bresser Pereira mencionada inicialmente (1998), também cabe problematizar, em um segundo momento, a interessante perspectiva de incentivar o treinamento e a profissionalização dos servidores públicos, para, somente a partir de então, passar a se exigir um nível mais elevado de desempenho. Neste aspecto sim, há de ser aplaudida essa relevante inovação em relação ao tratamento original da matéria pela Constituição de 88.

Seguindo adiante, tem-se que, tal como feito na discussão sobre as mudanças constitucionais trazidas pela EC n.º 19/98 no concernente ao controle do endividamento estatal e aos gastos com folha de pagamentos, será procedida uma minuciosa análise da dimensão de referidas alterações no tocante a ambos os feixes de problematização supra citados. Senão veja-se, na ordem em que estão dispostos na própria CR/88:

4.3.1.1. Escolas de Governo

A demanda por escolas de formação e aperfeiçoamento de servidores públicos, no sentido de conferir maior qualidade na prestação de serviços públicos, com a maior qualificação dos servidores, reflete um avanço no que se espera de uma Administração Pública mais eficiente, pois estabelece uma diretriz de resgate do trabalho do servidor, de melhoria na sua formação profissional, bem como de valorização do servidor que se dispõe a se realizar tais cursos, o que ocorre em consonância com a previsão de que a participação em cursos de aperfeiçoamento é um dos requisitos para a promoção na carreira.

Neste sentido, as escolas de governo inserem-se no aparelho estatal como um instrumento de formação e renovação profissional dos servidores e de valorização de tal esforço. Assim é de tal forma que foi aberta a possibilidade de convênios e contratos entre os entes federados para que possa haver um intercâmbio institucional, de modo que os servidores dos mais variados entes conheçam as experiências da Administração dos outros entes.

Trata-se de uma norma de aplicabilidade imediata e eficácia plena, que se destina aos governantes de cada ente federado, para que criem, no seio da Administração local, as suas respectivas escolas de governo.

4.3.1.2. Programas de Treinamento de Servidores e de Modernização Administrativa

Já o art. 39, § 7º trata-se de dispositivo de aplicabilidade imediata e eficácia limitada, vez que ainda aguarda a existência de lei ordinária posterior, na esfera de competência de cada um dos entes federativos supra invocados, para que acarrete efeitos de ordem prática, apesar de já atuar como diretriz básica para o legislador de cada qual de tais esferas.

Tal parágrafo do art. 39 traz um conteúdo mais programático que propriamente um comando normativo, no sentido de se dar vazão a um processo de reestruturação administrativa, com o implemento de programas de qualidade e produtividade, treinamento de servidores e modernização

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da máquina estatal.

4.3.1.3. Dispensa de Servidor Estável por Insuficiência de Desempenho Após a aquisição da estabilidade, o servidor poderá ser exonerado. Afora os casos de

demissão já conhecidos, a Emenda Constitucional n.º 19/98 incluiu o da avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar (art. 41, §1º, III).

Esta lei complementar explicitará a maneira pela qual será realizada a avaliação, e também o período no qual será obrigatória. Se se provar não estar satisfatória a conduta do servidor (no sentido de não ser eficiente – art. 37, caput), perderá o cargo. Mas o art. 247, com a redação dada pela Emenda, quanto ao servidor que atue em atividade exclusiva de Estado, determina o estabelecimento de critérios e garantias especiais para a perda do cargo, a ser efetivado pela lei complementar já referida.

A inserção dessa hipótese de desligamento do funcionário estável, na lição de Luciano Ferraz (1999), coaduna-se com a inclusão, no art. 37, caput, também por intermédio da EC n.º 19/98, do princípio da eficiência, que corrobora com a tendência do governo de rotular o serviço público como ineficiente e, via de conseqüência, dotar a Administração de instrumentos para a suposta transformação dessa realidade.

Por se tratar de dispositivo de eficácia reduzida ou limitada, na estrita noção de Crisafulli, dependerá de lei complementar para ter eficácia, a qual deverá estabelecer critérios objetivos para a mensuração da eficiência de cada servidor, bem como a periodicidade em que se dará a avaliação.

Os funcionários que, porventura, sejam cotados ao desligamento terão a possibilidade de apresentar defesa administrativa e, em caso de nulidade, poderão pleitear a reintegração judicial.

4.3.1.4. Aquisição de Estabilidade

A EC n.º 19/98, em dispositivo ainda carecedor de lei complementar definidora do processo de avaliação periódica de desempenho, nos termos do art. 39, §1º, III, submeteu a aquisição da estabilidade a uma condição, assim a obrigatória avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade, considerando não mais o prazo de dois anos, mas, sim, o de três anos.

Diferentemente do que acontecia sob o regime constitucional original, em que a estabilidade, na prática, era adquirida pelo mero decurso do período de estágio probatório, apesar de necessário algum nível de avaliação; o servidor, agora, aprovado em concurso público, não mais se torna estável por inércia. Depende da avaliação obrigatória do seu desempenho. Isto significa, segundo nos informa Carlos Alberto Menezes Direito (1998), que o simples decurso do tempo não basta para que o servidor adquira a estabilidade. Assim ocorre porque o texto constitucional dado pela Emenda determina que a condição para a aquisição da estabilidade, ademais do prazo de três anos, é a avaliação especial de desempenho na forma do art. 41, §4º.

4.3.2. Controle dos Resultados de Gestões: Particularidades e Riscos no Caso das Organizações Sociais

Se é possível dizer que há um instrumento crucial (mais determinante que qualquer outro) a conferir autonomia aos gestores públicos, para consecução de metas de maior responsabilidade – entre e em qualquer dos setores do Estado arrolados pelo PDRAE (1995) – , eis que tal “pedra angular” seria o contrato de gestão.

Por partes, começando pelo que é e donde veio, nos termos de Lima (1996), o contrato de gestão,

“(...) conforme vem sendo denominado no Brasil, tem sua origem na França no final da década de 60, onde é conhecido como contrato de plano, quando aplicado a empresas públicas, e como contrato de serviços, quando aplicado a órgãos de administração pública não-empresarial (equivalente à administração direta, autárquica e fundacional brasileira). Consiste no estabelecimento periódico e sistemático de compromissos negociados e acordados entre o nível

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local e o central acerca dos objetivos e metas para um dado período de gestão, com o intuito de induzir a uma maior participação e co-responsabilização na operacionalização dos referidos objetivos e metas em cada período. Em contrapartida, o nível central concede ao nível local maior autonomia gerencial, liberando-o do controle de meios, que passa a ser realizado somente sobre os resultados alcançados.” (1996, p. 130, grifos nossos)

Quanto ao questionamento a respeito de ser o contrato de gestão uma “expressão nova no direito positivo brasileiro” (Santos & Pedrosa, 1998, p. 14), tem-se que, no Brasil, segundo Mello (1999), a introdução do contrato de gestão ocorreu no Governo Collor (1990-1992), através do Decreto n.º 137, de 27.5.91 (ato infralegal), que estabelecia a previsão de serem travados contratos de gestão entre o Poder Público e empresas estatais, o que abriu margem para que fossem feitos os primeiros contratos de gestão com a Petrobrás e com a Cia. Vale do Rio Doce. Já a primeira lei a tratar sobre o tema foi a Lei n.º 8.246, de 22.10.91 (ainda no Governo Collor), que autoriza o Poder Executivo a instituir o “Serviço Social Autônomo Associação das Pioneiras Sociais” e com ele travar contrato de gestão, “sem esclarecer o que se entenderia como tal”. (Mello, 1999, p. 146)

A Emenda Constitucional nº. 19/98, para viabilizar a utilização de contratos de gestão por entidades da Administração Direta e Indireta, introduziu no art. 37 da Constituição da República de 88 o § 8º, o qual apesar de, segundo Di Pietro (1999), não mencionar diretamente tal contrato, referiu-se a ele.

Para Mello, “antes da possibilidade que lhes veio a ser aberta pela Emenda Constitucional n. 19 e da lei que disciplinará a matéria, os “contratos de gestão” travados com pessoas da Administração Indireta, do ponto de vista jurídico, ou não existem ou, se existirem, são inválidos” (1999, p. 150).

Apesar de vários decretos e leis citarem o contrato de gestão, mesmo dando-lhe bastante destaque, não existe ainda, segundo Mello (1999, p. 143), “definição legal genérica para identificar o que se pretenda abranger sob tal nomen juris”, sendo que “há, apenas, um conceito legalmente formulado para o contrato de gestão que o Poder Público trave com as organizações sociais”.

O tratamento feito sobre o tema pela Lei n.º 9.637/98 perpassa desde uma conceituação específica (art. 5º), até a previsão (art. 6º) da forma como será elaborado e da matéria básica que deverá discriminar (“atribuições, responsabilidades e obrigações do Poder Público e da organização social”), bem como (art. 7º) trata da necessidade de que o contrato de gestão observe determinados princípios constitucionais essenciais (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e economicidade) e alguns preceitos específicos (inc. I: programa de trabalho proposto pela organização social, a estipulação de metas e respectivos prazos de execução, além da previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de desempenho, mediante indicadores de qualidade e produtividade; e inc. II: limites e critérios para despesa com remuneração).

Para os efeitos da Lei das O.S.(o que delimita a especificidade da conceituação elaborada), seria contrato de gestão “o instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social, com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades relativas às áreas relacionadas no artigo 1º”, a saber, das atividades concernentes às áreas de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção do meio ambiente, cultura e saúde. (art. 5º)

A definição legal acima citada não apresenta nenhum esclarecimento específico, tendo sido considerada por Mello (1999, p. 144) “lamentável do ponto de vista técnico” e “altamente imprecisa, pois não esclarece o que deverá ser entendido por “parceria”, expressão extremamente vaga e que serve para abranger quaisquer formas de colaboração entre o Poder Público e terceiro na realização de algum empreendimento”. A única elucidação a ser considerada, segundo o referido autor, é a delimitação do objeto de tal contrato com as O.S. às áreas de atuação supracitadas.

Basicamente, os requisitos estabelecidos na Lei das O.S. para a qualificação de entidade como tal e para a celebração, propriamente dita, do contrato de gestão, são o registro do ato

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constitutivo com uma série de elementos (nove alíneas ao todo30) ali constantes e a “aprovação, quanto à conveniência e oportunidade de sua qualificação como organização social, do Ministro ou titular de órgão supervisor da área de atividade correspondente ao seu objeto social e do Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado” (inc. II do art. 2º).

A maior problemática da qualificação, e consequentemente da celebração do contrato de gestão, como foi proposta na lei é justamente o nível de discricionariedade excessiva conferida ao Poder Executivo, ao qual compete a “aprovação, quanto à avaliação da conveniência e da oportunidade” na qualificação da entidade como O.S.

Sob este foco, há que se ressaltar o grande risco, o “perigoso excesso de submissão a parâmetros políticos” (Freitas, 1998, p. 100), a dependência de “decisão (inteiramente livre)” (Mello, 1999, p. 155) de alguns Ministros de Estado, dentre várias outras críticas da doutrina, já esboçadas anteriormente no art.10, em relação ao preceito de que “o Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais...”

Aberto esse espaço politicamente inseguro, unilateral, pouco controlável e bastante subjetivo, as organizações sociais passam a ser, portanto, instrumento e alvo da completa discricionariedade do governo, quanto à escolha e definição de quais instituições assim serão classificadas.

Ainda neste sentido, tem-se que a Lei n.º 9.637/98 não exige idoneidade financeira, técnica ou qualificação a priori (não há um processo criterioso de análise prévia), porque basta ser pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, “contanto que a pessoa atenda a determinados requisitos formais óbvios e alguns poucos requisitos substanciais” (Mello, 1999, p. 155) e que seja “agraciada” pela aprovação discricionária do Executivo.

Mais problemático ainda é que a Lei das O.S. não requer nem mesmo a comprovação de patrimônio, havendo o risco/ possibilidade de uma entidade-“fantasma” vir a pleitear e mesmo conseguir a qualificação como organização social, chegando, por tabela, a realizar o contrato de gestão com o Poder Público, e, a partir de então, recebendo verbas, patrimônio e servidores públicos cedidos às expensas do Tesouro.

O despropósito e a amplitude dessa gama de problemas na Lei n.º 9.637/98 são, na análise de Mello sobre as várias inconstitucionalidades presentes nela, tratados com a devida indignação:

“Enquanto para travar com o Poder Público relações contratuais singelas (como um contrato de prestação de serviços ou de execução de obras) o pretendente é obrigado a minuciosas demonstrações de aptidão, inversamente, não se faz exigência de capital mínimo nem demonstração de qualquer suficiência técnica para que um interessado receba bens públicos, móveis ou imóveis, verbas públicas e servidores públicos custeados pelo Estado...” (1999, p. 157-158)

Mais que isso, segundo o referido autor, o fato de ser considerada bastante para a qualificação “a simples aquiescência de dois Ministros de Estado ou, conforme o caso, de um Ministro e de um supervisor da área correspondente à atividade exercida pela pessoa postulante ao qualificativo de ‘organização social’”, trata-se de “outorga de uma discricionariedade literalmente inconcebível, até mesmo escandalosa, por sua desmedida amplitude, e que permitirá favorecimentos de toda 30 Sinteticamente, o ato constitutivo registrado, para ter validade como requisito à aquisição da qualificação como O.S., deve dispor sobre: a) natureza social de seus objetivos em conformidade com a área de atuação; b) finalidade não-lucrativa (obrigatoriedade de investir seus excedentes financeiros em prol da própria atividade); c) conselho de administração e diretoria definidos nos termos do estatuto, sendo que a composição e atribuições normativas e de controle básicas daquele se encontram asseguradas na própria Lei n.º 9.637/98; d) participação no conselho de administração de representantes do Poder Público e de membros da comunidade; e) composição e atribuições da diretoria; f) obrigatoriedade de publicação anual no D.O.U. dos relatórios financeiros e do relatório de execução do contrato de gestão; g) no caso de associação civil, a aceitação de novos associados, na forma do estatuto; h) proibição de distribuição de bens ou de parcela do patrimônio líquido e i) incorporação integral de tudo que lhe tiver sido destinado, bem como dos seus excedentes financeiros, em caso de extinção ou desqualificação, ao patrimônio de outra organização social da mesma área de atuação, ou ao patrimônio dos entes da Federação na proporção dos recursos e bens por eles alocados.

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espécie”. (1999, p. 158, grifos nossos) A partir deste ponto, portanto, faz-se necessário questionar a necessidade ou não (?) de

processo licitatório, em face do risco de se estar ferindo o princípio constitucional de tratamento isonômico (art. 5º, CR/88).

Enquanto para Santos & Pedrosa, “o que poderá determinar a dispensa de licitação será a especificidade do objeto e da finalidade” do contrato de gestão (1998, p. 15), para Mello, “a ausência de licitação é uma exceção que só pode ter lugar nos casos em que razões de indiscutível tomo a justifiquem, até porque, como é óbvio, a ser de outra sorte, agravar-se-ia o referido princípio constitucional da isonomia31”.

Ora, a abordagem de Mello vai ainda mais longe, quando considera que “(...) é inconstitucional a disposição do art. 24, XXIV, da lei de licitações (Lei 8.666, de

21.6.93) ao liberar de licitação os contratos entre o Estado e as organizações sociais32, pois tal contrato é o que ensancha a livre atribuição deste qualificativo a entidades privadas, com as correlatas vantagens; inclusive a de receber bens públicos em permissão de uso sem prévia licitação. (...) A ausência de critérios mínimos que a racionalidade impõe no caso e a outorga de tal nível de discrição não são constitucionalmente toleráveis, seja pela ofensa ao cânone básico da igualdade, seja por desacato ao princípio da razoabilidade...” (1999, p. 158, grifo nosso)

Há que se questionar, por outro lado, a validade do argumento de Freitas (1998) sobre o fato de a discricionariedade, ao longo da Lei n.º 9.637/98, não se restringir ao processo de qualificação como O.S., na medida que, para o referido autor, ela perpassa também todo o preceito acerca da desqualificação; discricionariedade que, nos termos do art. 16, se encontra expressa no fato de que “o Poder Executivo poderá proceder à desqualificação da entidade como organização social, quando constatado o descumprimento das disposições contidas no contrato de gestão.”

Constatado o descumprimento do contrato de gestão, para Freitas, “(...) mostra-se incontornável dever – nunca uma mera faculdade –, efetuar a

desqualificação, revelando-se manifesto o lapso na opção efetuada pelo legislador, que preferiu, no ponto, uma politização exacerbada do regime de tais organizações, quiçá visando a acelerar o processo de privatização, paradoxalmente publicizando uma parcela do terceiro setor...” (1998, p. 100, grifos nossos)

Em termos de hermenêutica jurídica, considerando que, a declarar a inconstitucionalidade de uma norma, é preferível avaliar profundamente o significado interpretativo que ela traz à luz dos princípios constitucionais, faz-se necessário ressaltar que o cuidado de Freitas (1998) com o “poderá” do art. 16 da Lei n.º 9.637/98 é excessivo.

Constitui-se tal argumento excessivo, tendo em vista que não há que se entender o dispositivo legal literalmente, mas aplicar, como é feita com várias outras disposições legais, o “poderá” com o sentido de “deverá”, justamente pelos mesmos argumentos do autor, supracitados, de adaptação e conformidade com o ordenamento jurídico (haja vista a necessária obediência aos parâmetros constitucionais), os quais ele levanta para defender a tese de inconstitucionalidade presente na faculdade “arbitrária” do processo de desqualificação das O.S. conferida ao governo federal.

Não cabe faculdade ao Poder Executivo na desqualificação e é necessariamente porque a

31 Antes de traçar aquela análise aqui citada, Mello considerava o grau de discricionariedade exacerbado do inciso II do art. 2º, da Lei n.º 9.637/98 “uma inconstitucionalidade manifesta”, que afronta o princípio constitucional da licitação (art. 37, XXI) e, consequentemente, o princípio constitucional da isonomia (art. 5º), “do qual a licitação é simples manifestação punctual, conquanto abrangente também de outro propósito (a busca do melhor negócio).”(1999, p. 158) 32 “A Lei n. 9.648, de 27-5-98, que alterou a Lei n.8.666, de 21-6-93 (lei de licitações e contratos), privilegiou as organizações sociais ao prever, entre as hipóteses de dispensa de licitação, a “celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão” (art. 24, XXIV).” (Di Pietro, 1999, p. 312, grifo nosso)

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desqualificação se torna um “incontornável dever” no caso de descumprimento do estabelecido no contrato de gestão, que o “poderá” só tem sentido, em termos de valor jurídico em face do ordenamento, na condição de “deverá”, sob pena de se estar, contrariada essa via de análise, efetivamente criando, então, espaço para uma inconstitucional arbitrariedade.

O risco de se abrir margem à privatização, apesar do discurso publicizante, reside em vários âmbitos de indefinição deixados em aberto pela Lei n.º 9.637/98: é clara, neste sentido, a problemática da discricionariedade na qualificação e na consequente celebração de um contrato de gestão, instrumentalizadas política e legalmente para o Poder Executivo à revelia da sua conformidade com a Constituição; donde Freitas (1998) reclamar, como já citado anteriormente, por um “indispensável aperfeiçoamento do modelo federal”.

Politicamente, o custo de se conferir tamanha discricionariedade na qualificação como organização social e no contrato de gestão daí decorrente é justamente a possibilidade de perda da legitimidade de tais processos junto a toda a sociedade. Ou seja, a possibilidade de perder a sua própria razão de existir, que é a de estabelecer uma efetiva e mais democrática “parceria” entre Estado e sociedade.

Se são deficitárias tanto a definição legal sobre as O.S. quanto a do contrato de gestão, há que se buscar, noutro sentido, o significado adquirido por este em face daquelas junto às concepções que o envolvem em uma dimensão mais ampla que qualquer delimitação do seu conceito estabelecido ou não legalmente.

Ora, diante da segmentação do Estado concebida a partir do PDRAE (1995), o contrato de gestão foi conformado como o instrumento de comunicação entre os setores do Estado, mecanismo que, além de vincular o diálogo institucional, também se propõe a outorgar maior autonomia gerencial, administrativa e financeira ao “contratado” (Mello, 1999, p. 146), bem como “lhe assegurar a regularidade das transferências financeiras previstas em contrapartida da obrigação, que este assume, de cumprir metas expressivas de maior eficiência”.

Visto que maior autonomia em troca de esforço por melhores resultados e maior eficiência não chega a conformar a necessidade de um contrato em si, cabe aqui questionar a perspectiva de estarem ambos, Estado e “contratado” – seja este uma organização social, uma agência executiva, uma agência reguladora, uma universidade em busca de autonomia ou qualquer outra hipótese abrangente que o Executivo entender cabível – envolvidos com o mesmo compromisso.

Obviamente, “no plano jurídico, importa esclarecer se o contrato de gestão é instrumento capaz de criar um vínculo obrigacional típico dos contratos, ou se ele se caracteriza apenas como um protocolo de intenções, como um acordo de mútua colaboração, ou seja como um convênio” (Santos & Pedrosa, 1998, p. 14).

Formalmente falando, contrato de gestão não é contrato, é acordo e se aproxima muito mais da figura do convênio que da figura daqueloutro, porque, em termos de distinção, o contrato engloba duas ou mais vontades distintas que se colocam em pólos opostos na relação jurídica, à espera de um resultado jurídico que faça convergir seus interesses, sem, no entanto, representar um direcionamento comum; enquanto, no convênio, “deseja-se alcançar objetivos institucionais comuns, sem se cogitar de remuneração ou preço” (Santos & Pedrosa, 1998, p. 14).

Diante das dúvidas e questionamentos a respeito da natureza jurídica do contrato de gestão, a via argumentativa presente no discurso do governo constrói a possibilidade de uma figura diversa tanto do contrato (em termos formais estritos), quanto do convênio, a saber:

“O contrato de gestão não tem natureza de convênio nem de contrato administrativo. É muito mais um termo no qual a entidade matriz estabelece responsabilidades assumidas pela entidade que recebe o recurso e que se presta a determinados comportamentos. É um instrumento jurídico muito parecido com o termo assunção de responsabilidades recíprocas, porque, no contrato de gestão em si, não há repasse de recursos. O repasse de recursos ocorrerá posteriormente, por meio de dotação orçamentária. Por isso, no contrato de gestão, não há como fazer procedimento licitatório.” (Anastasia, 1998, p. 24, grifo nosso)

Em grande medida, retomando a linha de questionamentos sequenciais que confrontam o

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instituto jurídico em si com a gama de problemas e riscos a ele relacionados, há que se colocar em pauta ainda, por outro lado, o questionamento, no tocante ao contrato de gestão, feito por Freitas (1998, p. 102) sobre o lapso de tempo entre a qualificação e o estabelecimento desse, visto que, para o autor em questão, tal contrato “deveria integrar, desde logo, o rol dos requisitos específicos do art. 2º, não se justificando este descompasso temporal, seja por razões operacionais, seja por razões estratégicas”.

Não se tratando necessariamente de levantar uma falha e continuando a questionar o significado e a dimensão auferida pelo contrato de gestão para as inúmeras figuras criadas pela atual “reforma administrativa” brasileira (Mello, 1999), mas já apontando, por exemplo, o risco de as O.S. não conseguirem se efetivar por completo, tem-se que o contrato de gestão, como essencialmente forma de controle do Estado, implica mais ônus para as entidades da sociedade civil, que não estarão auferindo maior autonomia, na mesma medida das maiores imposições regulamentares e de controle que estarão cumprindo.

Di Pietro (1999, p. 253) considera que “o contrato de gestão, quando celebrado com entidades da Administração Indireta, tem por objetivo ampliar a sua autonomia; porém, quando celebrado com organizações sociais, restringe a sua autonomia, pois, embora entidades privadas, terão que sujeitar-se a exigências contidas no contrato de gestão.”

Tal risco vai de encontro à noção de que o contrato de gestão, além de ser um instrumento de fomento (e de execução) na prestação de serviços sociais, é também, revisitando a análise da perspectiva agent x principal de Przeworski (1998), um instrumento fundamental de controle, havendo mesmo a possibilidade de desqualificação (art. 16) em caso de descumprimento do que estava previsto no contrato.

Nesta medida, fato é que “o contrato de gestão procura institucionalizar e estabelecer, de forma contratual, uma relação entre o governo (principal), detentor de um mandato político, e uma instituição (agent), responsável pela execução de uma determinada política pública” (Silva, 1995, p. 62).

Ora, o que se questionou até agora a respeito do contrato de gestão, desde a má elaboração de seu conceito, a perspectiva do que está previsto no âmbito das organizações sociais, a dimensão e natureza jurídica de tal vínculo entre Estado e entidade “contratada”, bem como os riscos e falhas em sentido abrangente, está colocado sob o prisma do questionamento maior de como o Estado está a passar a administração (não se fala aqui de transferência de propriedade) de áreas de “relevância pública”, elegendo “agentes” privados (ainda que sem fins lucrativos) para desempenhar o que, até o delinear da crise que deu ensejo ao discurso da reforma do Estado, era desenvolvido por ele mesmo.

Como se transfere a prestação de serviços sociais, tomando como moeda de troca autonomia por eficiência? Como garantir que a autonomia conferida será “maximizada” para a cidadania, se os resultados controlados a posteriori importam maior confiança em quem está sendo “agente”, o que deverá ocorrer simultaneamente com um grau de responsabilização maior? Novamente ressurge a problemática de um controle mais democrático e mais efetivo e, se possível, institucionalizado. (Przeworski, 1998; O’Donnell, 1998; Cunill, 2000; Stark & Bruszt, 1998)

Responsabilizar cada vez mais apenas para o cumprimento de metas de desempenho e de eficiência, ou para o respeito aos direitos do cidadão? Ou, em outras palavras, como controlar as organizações sociais, não só econômica e financeiramente, mas também em termos de promoção de cidadania?

O desafio não se trata meramente de controlar índices de desempenho e de verificar o nível de cumprimento de metas ao longo de prazos determinados, mesmo porque não se pode esquecer a finalidade última de tal prestação de serviços, a saber, o bem-estar da sociedade, que nem sempre pressupõe “minimização” de custos.

Por mais que a gestão contratada junto à esfera pública não-estatal leve à “otimização” dos recursos e das oportunidades, não se fomenta educação para que os níveis de repetência caiam artificialmente; nem para que a produção científica se volte apenas para as demandas do mercado,

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esquecendo-se da formação do conhecimento basilar; nem tampouco para que a cultura seja incapaz de sair do círculo daqueles que podem oferecer retorno por ela; nem ainda para que a prestação pública de saúde passe a mensurar clientes e não mais cidadãos, dentre tantas outras esferas que só poderiam ser efetivamente públicas e conformadoras de participação social se não fossem vistas sob a ótica estrita do mercado. O público, seja estatal, seja não-estatal, no referente à políticas sociais, deve lidar com a perspectiva de investimento a fundo perdido: qualidade de vida de toda uma sociedade não pode ser restringida a um alvo de obtenção de lucro, sob pena de se chegar ao extremo da ideologia de que o mercado resolve tudo.

O contrato de gestão, pautado nos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da economicidade (art. 7º da Lei n.º 9.637/98), deveria ter como diretriz última, no controle ali materializado da relação agente x principal entre entidade qualificada e Estado e entre Estado e sociedade, não o trade off entre eficiência e autonomia, mas o próprio princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Busca-se, aqui, configurar em que medida a “parceria” proposta na reforma estatal sob o “manto” dos modelos de gestão do mercado (dos quais o contrato de gestão seria o instrumento mais paradigmático) corresponderia a uma transformação (mais eficiente seria mais pública?) da própria natureza das entidades que celebrariam um tal contrato. Haveria maior transparência em só se prestando contas das metas cumpridas ou não?

Controlar uma instituição social pública de ensino superior, por exemplo, remete a bases que transcendem qualitativamente, em termos de frutos sociais universais, qualquer controle que priorize, estrito senso, a satisfação do cliente ao menor custo, como se pretende fazer numa organização social. Marilena Chauí (1999), analisando as transformações referentes à universidade pública brasileira, questiona que

“(...) os critérios da produtividade são quantidade, tempo e custo, que definirão os contratos de gestão. Observa-se que a pergunta pela produtividade não indaga: o que se produz, como se produz, para que se produz ou para quem se produz, mas opera uma inversão tipicamente ideológica da qualidade em quantidade.” (Grifo nosso)

Neste sentido, seria o contrato de gestão, além de instrumento paradigmático de tal inversão ideológica, um reflexo mesmo das mudanças ocasionadas por ela.

Como o Estado poderia ser redimensionado em termos de controle qualitativo, em face do seu significado para a sociedade como agente promotor de, no mínimo, uma democracia que fosse sendo substantivada progressivamente, trata-se, como já dito em tópicos anteriores, de uma questão que retoma a própria noção de controle público (accountability) não para a gestão estrita da eficiência dos serviços prestados, mas de controle como conformador de legitimidade junto aos cidadãos.

5. Conclusão: pela Imprescindibilidade do Respeito às Garantias Constitucionais

Enquanto a Constituição de 88 e o próprio processo de consolidação democrática, aos solavancos, sobrevivem e continuam em aberto rumo à meta de construção do Estado Democrático de Direito brasileiro – e quiçá jamais poderão ser dados por encerrados –, a “reforma administrativa” do Estado, no Brasil, segue paralelamente, como se independente estivesse daquele processo maior.

Até mesmo desprestigiando a ordem constitucional, que institucionalizara uma “Nova República” no país, conclamando-a como um verdadeiro “retrocesso burocrático”, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, seis anos já passados do seu advento, atualmente muito pouco pode comemorar, em termos de avanços na relação Estado-sociedade, acerca do seu modelo de “Administração Pública gerencial” em 1995 proposto.

As grandes e realmente inovadoras pautas de mudança ao sistema anterior à Emenda Constitucional n.º 19/98 estão, ainda hoje, a esperar por “leis regulamentadoras”, como, por exemplo, a questão da dispensa de servidores estáveis por insuficiência de desempenho. (Pereira Jr., 1999) Ou mesmo apenas não se tornaram práticas cotidianas da Administração Pública brasileira,

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como o controle de resultados e a consecução de contratos de gestão. Ou, pior, revelaram-se pura e simplesmente inconstitucionais, como a dispensa de licitação na celebração de determinados contratos de gestão.

É inegável que tenha havido uma árdua caminhada de convencimento dos parlamentares de que se precisava mudar ou, pelo menos, emendar a CR/88; contudo, o mesmo não pode ser dito em relação ao processamento e à legitimação da base de alterações propostas onde ela, de fato, seria, mais tarde, conduzida cotidiamente.

Vale dizer que, com servidores e administrados, o que houve e ainda persiste é “um diálogo de surdos”, para tomar a expressão de Mello (1999), no qual aqueles atores sociais ficaram e continuam sem saber dos rumos estipulados pela alta burocracia reformadora, ressalvadas, é claro, as situações em que as patentes inconstitucionalidades tiveram que mobilizar muitos para acorrerem ao Judiciário na defesa de seus direitos.

Ao invés de promover foros mais abertos de participação do cidadão na administração estatal – como já vem acontecendo, no Brasil, em várias instâncias como os orçamentos participativos, as audiências públicas e as câmaras de gestão –, para que ela fosse sendo progressivamente amadurecida junto a uma sociedade cada vez mais complexa e plural; despropositadamente, o que se buscou, na “reforma administrativa” brasileira foi um recrudescimento da descrença em relação aos princípios do Estado e da comunidade. (Reis & Cheibub, [s.d.]; Boaventura Santos, 1998)

Diante de uma tal opção clara pela adaptação generalizada dos entes do Estado às práticas gerenciais – ressalvados apenas o dito núcleo estratégico e o setor de atividades exclusivas –, foram sendo deixadas em segundo plano questões políticas e sociais de extrema importância, para a consolidação democrática brasileira, no médio prazo. Se a premissa inicial era conter a explosão de demandas, hoje o risco é a perda de legitimidade perante poderes paralelos ao Estado que surgem para dar conta do que este não mais sequer tangencia. (Diniz, 1996)

Ora, tal redução de todo o papel do Estado e da sua lógica de atuação ao modus operandi das organizações de mercado está a desacreditar, não só a própria Administração, dita em reforma, mas também o cidadão brasileiro; este, cada vez mais entrincheirado numa linha de exclusão exacerbada e numa relação com o Estado pautada fundamentalmente pela noção de clientela.

Embora tenha trazido à tona propostas boas e até mesmo necessárias para uma Administração Pública mais eficiente, mais acessível à coletividade e, por vezes, mais responsiva, a Emenda Constitucional n.º 19, de 4 de junho de 1998, paradoxalmente ao tentar resolver os males da administração burocrática, conseguiu agravar os riscos de que os gestores da coisa pública afastem ainda mais a possibilidade de controle dos cidadãos sobre a tomada de decisões no seio do Estado.

Não houve a extensão da capacidade de responsabilização (accountability), mas apenas a tentativa de substituição de um modelo mais normativo e, por isso mesmo, mais objetivo (o controle de processos) por um outro, que, embora mais ágil, deposita confiança e discricionariedade demais (ênfase no controle de resultados) nos gestores públicos brasileiros – muitos desses ainda completamente imersos em um cotidiano patrimonialista e atrasado.

Por essa e outras razões, o que mais se tentou priorizar, no presente trabalho, foi a defesa do respeito às mínimas salvaguardas estatuídas na ordem político-jurídica fundante da democracia brasileira em que se vive hoje. A CR/88 trata-se de um texto falho, como toda e qualquer obra humana, fruto de circunstâncias históricas peculiares, já dizia Canotilho (2001), mas também de um texto indubitavelmente merecedor da alcunha de democrático e, por que não, de cidadão.

A se crer que não só a Administração Pública, mas também o Estado e a Constituição precisam ser melhorados, que o sejam de uma forma construtiva e participativamente mais democrática. Daí ser necessário se pensar um agregado de medidas pontuais, porém fecundas que sejam capazes de instaurar uma reforma pela cidadania e não pela mercantilização ou redução do papel do Estado.

Nem se diga que tal processo seria possível pelo mero “aditamento” da Constituição através de Emendas impostas de cima para baixo, ou que ele passaria pela disponibilização aos cidadãos de um “disque-Estado” para formalmente controlarem a transparência da atuação deste.

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A accountability democrática, de que tanto se falou como sendo uma crucial característica ainda a ser implementada no Brasil, passa pelo próprio curso a ser seguido pelo Estado que se tem hoje até o que a Constituição estipulou como devido, qual seja: o que, ao invés de “empreender” gerencial e unilateralmente cidadania, delibera-a, aberta e amplamente, como agenda mínima de construção democrática. É este o Estado Democrático de Direito por ser consolidado aqui e a cuja meta não é dado, a ninguém, furtar-se, sob pena de verdadeira ruptura constitucional.

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