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s duas atividades existem há mais de 500anos, acontecem em cima do bom e velhotabuleiro quadriculado, preto e branco, sãojogos clássicos e praticados por pessoas de
quase todo o mundo. Para quem entende do assun-to, as semelhanças acabam por aqui. O xadrez e ojogo de damas são praticados por milhares de cari-ocas diariamente e para diferentes fins. A fim dedescobrir o que faz dessas duas práticas lúdicasatividades ainda tão presentes em nossa cidade,resolvemos procurar os seus praticantes, ouvir assuas histórias e entender um pouco mais da magiados jogos de tabuleiros.
O jogo de damasJosé de Alencar e Silva é aposentado e trabalhou
a vida toda como representante comercial da redede lojas Mesbla. Sempre foi muito ocupado e ao seaposentar resolveu se dedicar ao aprendizado do
jogo de damas. José joga damas todos os dias epassa praticamente o dia inteiro na praça: “O jogode damas para mim é muito importante. Como eunão tenho mais o que fazer, eu aqui ocupo o meutempo e estou com a mente sempre trabalhando.Isto aqui é a minha área de lazer e o jogo de damaspara mim é uma ‘terapia ocupacional’”. José afir-ma que o jogo de damas é uma atividade extrema-mente difícil e que sempre se pode aprender mais:“Eu ainda não sou um bom jogador, tenho muito oque aprender. A dama parece um jogo fácil, mas émuito difícil. São poucos os seus reais conhecedorese por isso a maioria das pessoas acha que sabejogar.”
A praça Serzedelo Correa, no coração deCopacabana, Zona Sul do Rio de Janeiro, é umespaço eclético e recebe diferentes gerações dejogadores e até profissionais. Segundo Ivan Russo,militar da Marinha aposentado e também freqüen-
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tador assíduo da praça, o localrecebe diariamente um variadogrupo de cerca de 50 pessoas,desde casais, aposentados, jo-vens e até profissionais, e após as16h surgem filas de espera paradisputar as partidas. “Aqui napraça a maioria dos jogadores éamadora, mas alguns pro f i s s i o-nais gostam de vir aqui passar os seus conheci-mentos de damas e ensinar estratégias aosj o g a d o res”.
Segundo Russo, o jogo de damas na praça costu-ma ser equilibrado; como todos se conhecem, sabe-se exatamente quem terá jogo para quem e as par-tidas são sempre muito disputadas. “Às vezes, agente até faz uma competição, joga apostandocinco ou dez reais, mas é coisa pouca. O jogop rofissional é diferente, tem relógio marcando otempo que o jogador leva para mover as peças,não pode demorar e quem fica com as peças bran-cas leva vantagem, porque começa a partida e tema chance de armar primeiro a sua estratégia dej o g o ” .
O clube da terceira idade Mário Culiose é gerente do Clube Cultural e
Recreativo Posto Seis, também em Copacabana. Oespaço existe há 39 anos e, segundo ele, foi funda-do pelos comandantes do Forte de Copacabana,antigos jogadores de xadrez e damas das praçaspúblicas do bairro. De acordo com Culiose, os
comandantes viviam incomoda-dos com a sujeira dos pombosque muitas vezes impedia a rea-lização das partidas, daí resolve-ram se organizar e fundar umlocal fechado e coberto ondepudessem praticar seus jogoscom maior conforto.
Com o passar dos anos, o perfildos adeptos foi se modificando, e hoje, como opróprio nome já sugere, sua clientela principal é opessoal da terceira idade. Para Mário, o convíviodos idosos, a possibilidade de fazer novos amigos,passar o tempo e estar exercitando a mente atravésdos jogos é fundamental para esta faixa etária tãomarginalizada socialmente e que passaria o dia emcasa sem ter o que fazer.
O clube está localizado na praia de Copacabana,no Posto Seis, em frente ao Hotel Sofitel. Contandocom cerca de 150 sócios, o local funciona diaria-mente das 8h às 23h e oferece aos seus sócios: ba-ralho, peças de xadrez e damas e 15 mesas comt a b u l e i ros quadriculados desenhados. Os nãosócios podem freqüentar o clube esporadicamentepagando uma diária de cinco reais. Segundo Mário,o clube é administrado pelos próprios idosos, emcargos de presidente e tesoureiro eleitos a cada doisanos por eles mesmos, o que na visão do gerentefunciona como mais uma maneira de ocupar o pes-soal da terceira idade, fazendo eles se sentiremúteis, responsáveis pela manutenção daqueleespaço.
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Clube da terceira idade na praia de Copacabana Idosos jogando em praça
Erik Hewitt Erik Hewitt
Na PUC-Rio é ministradoum curso de xadrez,dado como matéria eletiva na faculdade
de engenharia da universidade
Os diferentes usos do xadrez Para a psicóloga e professora da Universidade
Santa Úrsula (USU) Irene Gre a t h e r, a import â n-cia do xadrez vai muito além da atividade lúdi-ca. Irene faz parte de um grupo de pro f i s s i o n a i sque usa o xadrez no tratamento de pacientespsicóticos e estuda os resultados dos seus desem-penhos na partida ao longo do processo deanálise: “O xadrez é um excelente instru m e n t ode trabalho para nós, eu costumo estimular osmeus pacientes a jogarem xadrez. Para ospsicóticos ajuda muito a melhorar a concen-tração. Eu e um grupo de terapeutas estudamos ox a d rez e fazemos um excelente trabalho deanálise dos pacientes a partir de suas jogadas eestratégias de jogo. Posso afirmar que já tivemosexcelentes resultados; o xadrez é arte, é filosofia,é cura e é lazer, uma das atividades mais estimu-lantes que eu conheço”.
Na PUC-Rio é ministrado um curso de xadre z ,dado como matéria eletiva na faculdade deengenharia da universidade. Neste curso, lida-secom o jogo como uma ferramenta para a dis-cussão filosófica. O xadrez começou pelo depart a-mento de Educação Física, passou para o depart a-mento de Engenharia, é ministrado numa sala dod e p a rtamento de Artes, fala-se de filosofia, yoga eaté xadrez! E tem pessoas de todas as áre a s .
O mais interessante é que a avaliação obriga-toriamente tem que ter a ver com a sua vida. Ouseja, é pedido que você trace um caminho da suavida até o ponto de encontro, que é o xadrez” dizCarlos Pittella, poeta e aluno da PUC-Rio, que éconvidado ocasionalmente a ler poesia para osalunos do curso. Para Pedro, aluno da faculdadede Engenharia de Produção, este curso seria umaf o rma de fugir da rotina na universidade: “Antesde fazer essa matéria, aqui dentro da PUC-Rio eu
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Alunas disputando uma partida no curso de xadrez da PUC-Rio Sala onde acontecem as aulas de xadrez na PUC-Rio
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Christian Toth, que foi técnico daseleção brasileira de xadrez porcinco anos e participou de trêsolimpíadas, agora ensina xadrez nocurso da PUC-Rio, junto comR o b e rto Cintra. Ele alcançou todasas etapas exigidas de um enxadrista,passando pela federação estadual ea confederação nacional, integran-do torneios locais, nacionais e inter-nacionais, competições individuais epor equipe, até ganhar o título deM e s t re Internacional, mas parece ter
se encontrado ensinando: “Eu acre-dito na busca de uma plenitude.De repente eu estou alcançandomais essa plenitude aqui, falandos o b re esse xadrez do que achandoque sou campeão de alguma coisa.Faz parte do xadrez também acompetição, mas acho que não é ofator mais importante. E é tidocomo o fator mais import a n t e ” .
Segundo ele, a questão do cursoseria traçar um paralelo entre ox a d rez e a vida dos jogadores: “A
questão da melhor jogada emrelação ao objetivo de dar (xeque)mate. A atenção em fazer a melhorjogada, não em dar mate, por que amelhor jogada vai te levar neces-sariamente ao mate.” Dentro dessafilosofia, as peças brancas e pre t a ssimbolizariam mais o encontro doque o antagonismo entre os dife-rentes, entre os jogadores. To t htenta ensinar os alunos a valorizartanto as próprias peças quanto oa d v e r s á r i o .
Ex-técnico da seleção brasileira troca competições pelo ensino
não tinha muito espaço para filosofar um poucomais, ainda mais dentro da engenharia.”
Segundo o professor do curso de xadrez, Robert oCintra, a proporção entre alunos de engenharia ealunos vindos de outras áreas de universidadevaria muito a cada semestre. Atualmente todos osalunos do curso são estudantes de engenharia,com a exceção de Evanize, estudante de Letras:“Eu ouvi falar que estimulava a memória e acheii n t e ressante. Envolve um pouco de filosofia, art e ,ciência. É muito prazero s o ” .
Tanto Evanize como Pedro começaram a jogar
x a d rez a partir do curso. Pedro já tinha umanoção do jogo, mas não o bastante para jogar:“Me sinto mais à vontade para jogar por queagora já estou conhecendo um pouco mais asregras e entendo um pouco mais o raciocínio”.
“É legal porque a gente não fica só jogandoxadrez. A gente discute também temas filosóficosem cima do xadrez. Então isso acaba exercitandonão só o raciocínio no tabuleiro, mas você acabatendo um tempo na semana pra raciocinar sobrequestões que muitas vezes passam batidas no dia adia.”, diz o aluno.
X a d re zExistem várias versões sobre a origem do xadrez. A mais comum é a de que o jogo teria se ori-
ginado na Índia, por volta do século VI, a partir do jogo Chaturanga. O nome “xadrez” teriavindo exatamente desse jogo. Alguns teóricos afirmam que o xadrez, na verdade, surgiu naChina por volta do século II a.C., vindo do mesmo jogo que originou, também, o xadrez chinês.
O objetivo do jogo é dar xeque-mate no rei adversário, o que acontece quando ele está pre s t e sa ser atacado e não há como tirá-lo dessa situação. Cada um dos jogadores controla 16 peças,
brancas ou pretas, no início do jogo: oito peões, duas torres, dois bispos, dois cavalos, uma rainha e um rei. Aescolha de cores é feita por algum método amigável ou por sorteio. Cada uma dessas peças se move de maneirad i f e rente pelo tabuleiro, podendo remover peças adversárias do jogo. Com a exceção do cavalo, não é perm i t i-do pular peças adversárias.
A maioria das peças captura peças adversárias usando seu movimento normal, mas no caso do peão, ele andauma casa em linha reta para frente e remove peças adversárias movendo-se para frente em diagonal. O jogadorcom as peças brancas começa o jogo e os dois vão alternando jogadas a partir de então. Cada jogador podemover uma peça para um espaço vazio ou para um espaço ocupado por uma peça adversária, re m o v e n d o - ado jogo. Além do xeque-mate, é possível que o jogo termine com a desistência de um dos jogadores ou com umempate. Um peão que se mova até a primeira fileira do lado adversário transforma-se em outra peça que nãoseja peão ou rei, normalmente uma rainha.
D a m a sNão é possível especificar a origem do jogo de damas. Existem achados arqueológicos de jogos
s i m i l a res a ele, como o próprio xadrez, em diversos lugares do mundo, mas a partir deles nãoé possível especificar onde e quando este jogo surgiu. Os primeiros re g i s t ros do jogo de damascomo nós o conhecemos datam do século XVI, na Espanha.
Cada jogador começa a partida com 12 peças, que ocupam as casas escuras das três primeirasfileiras. As peças movimentam-se exclusivamente sobre estas casas, sempre uma casa por vez. A exceção é jus-tamente a tomada de uma peça do adversário, quando a peça de um jogador salta sobre a adversária, vindo aocupar a casa vazia imediatamente após a peça pulada, que é então excluída do jogo. O movimento de toma-da pode ser seqüencial, isto é, havendo possibilidade, diversas peças podem ser tomadas no mesmo movimen-to. A tomada é obrigatória, a não ser que haja duas possibilidades distintas, quando então o jogador poderáoptar por tomar uma ou outra peça.
As peças movimentam-se sempre para frente, exceto se for para realizar uma tomada, quando é permitido omovimento para trás. A peça que atingir a primeira fileira do lado adversário torna-se uma “dama”, que dife-rencia-se colocando uma outra peça sobre ela. A dama move-se quantas casas quiser. Mas para tomar umapeça adversária, é obrigada a parar na casa vazia subseqüente àquela. Vence a partida aquele que tomar todasas peças do adversário. Considera-se uma partida empatada, quando tiverem sido jogados 20 lances sucessivos,sem que haja tomada de peça, ou, após uma mesma posição apre s e n t a r-se por três vezes, com o mesmo jogador.
Origens e regras
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