por que os ratos nao falam

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    POR QUE OS RATOS NAO FALAM?1JefersonM. Pinto 2

    Este aporte de doctrina tiene un nombre: es senclilamente ei espritu ciontifico,

    que falta absolutamente en los lugares de reolutamiento de los psicoanalistas3.

    RESUMO O artigo discute as relaes entre o behaviorismo e a psicanlise apartir da teoria dos disoursos de Lacan. Um estudo de caso 4 relatado, para demonstrar como

    se d a exduso do sujeito na atividade ciontffica que tem a finalidade de construir um saberobjetivado. Para tanto, torna-se necessrio calar o sujeito, transformando-o em objeto. A

    psicanlise, por outro lado, recolhe o sujeito da cinoia ao fazer com que a verdade fale.

    Entretanto, para teorizar e pesquisar sobre os efeitos de sujeito nos dados que obtm, ela 4,

    aparentemente colocada no paradoxo de fazer catar o incunsciente.

    A BSTRACT The paper discusses the relationship betwen behaviorism andpsychoanalysis [mm the point of view ot lhe lacanian theoyof discourses. A case study is related

    te demonstrate the exolusion ot the subject in any soiontilio activity that intends to be objective. To

    reaoh this purpose, it is necessary to sienoe the subject and to change hm into a objeot. By other

    hand, the true of the inconsctent can be saidthrough theprooedure of thepsychoanalysis. Howeverpsyohoanalysis, paradoxally depends on the discourse o! the soience when it theodzes and make

    researches about the subjeot effects

    O tema de abertura deste seminrio curioso: Behaviorismo, Psicanlise, Pesquisa. O ltimodos termos d um significado aos dois primeiros, estabelecendo os limites desta conferncia eoferecendo o vis pelo qual abordar o assunto: uma comparao

    1 Conter noia de abertura do IV Seminno de Pesquisa do Departamento de Psicologia da PMC,

    em 25/O 9/06. Protessor.4djunto do Departamento de Psicologis da uFMG.3 LACAN, J. Escritos. Mxico: Siglo Veinduno Editorcs, 1904. p. aio: Posicidn dei lnconsdente,

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    das possibilidades de investigao em um campo e outro, suas semelhanas e diferenas. Novou me deter nos meandros tcnicos desses dois campos de investigao, a no ser para indicarproblemas que exigem mais sistematizao. A dificuldade na delimitao de uma metodologiade pesquisa em psicanlise notria e cabe, sem sombra de dvida, universidade a tarefa

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    de desenvolv-la e legitim-la. Nesse sentido, agradeo comisso organizadora a demanda deproduzir algo nessa direo, embora, como podero constatar, tenha mais inquietaes do quesolues.

    Para iniciar-se uma pesquisa, necessrio um problema, ou uma questo, que merea o esforo

    de ser trabalhado. Assim, j que o tema pesquisa, behaviorismo e psicanlise, comeo comuma pergunta: Por que ser que os ratos no falam? Muitos podem achar que se trata apenasde retrica de psicanalista ou de uma questo esdrxula, sem nenhuma relevncia social, tericaou prtica. Inspirado, porm, porAna Beatriz Freire, retomo, em outros moldes, a questo coma qual Lacan encerra a sua aula de 19/05/55 e com a qual reinicia a aula seguinte, de 25/05/55, transcritas em seu Seminrio 2 : Por que ser que os planetas no falam? E, diantedessa pergunta que espera uma resposta, pergunto lacanianamente: Se obtivermos a resposta queestvamos esperando,ser.ela uma resposta? - No entanto qual o meu interesse na pergunta e porque ccntextualiz-ta com os ratos?

    Normalmente, estamos acostumados a pensar no comportamento dos ratos, mas nunca nos

    perguntamos por que eles no falam. A resposta mais simples e acho que muitos noconcordaro comigo que eles no falam porque no deixamos que falem. O procedimentocientifico est dirigido no sentido de calar-lhes a boca, como vou argumentar. E a que comeaa eterna polmica entre behaviorismo e psicanlise. O primeiro impede a fala, ou, simplesmente,utiliza-a como comportamento verbal para ganhar em controle. A segunda quer que a verdadefale. Olhando desse prisma, so antagnicos. No haveria, porm, nenhum ponto de interseo?Ser a partir da que farei as comparaes

    O behaviorismo, principalmente o behavicrismo radical de Skinner, um movimentocontundentemente crtico de toda a produo em psicologia. O mentalismo e os estadcs subjetivosso afastados como elo causei de explicao do comportamento.

    4 Ana Beatriz Freira 6 doutora do programa de Ps-Ora dua0o em Teoria Psicanaltica da

    IJFRJ e p.scre vou o livro Por que os planetas nao falam, a ser lanado pele Ed. Revintep.

    LACAR, j O Seminrio. Livro 2. O eu na teoria de Preud e na tcnica da psicanlise, Rio deJnneiro: Jorge Zahar Edilor, 1965. p. 292 -296.

    Essas categorias no so vistas nem como variveis intervenientes, como em outras abordagensexperimentais. So encaradas como comportamentos a serem explicados e no, como fonte deexplicao. O homnculo interno que dirige os atos observveis , ento, destitudo em favor dasrelaes funcionais entre condies antecedentes e conseqentes ao comportamento. Procura-se,

    assim, aplicar o mtodo das cincias naturais ao comportamento, visando a alcanar os objetivosde previso e controle. Para isso, o behaviorismo est imerso no empirismo, baseado na suposiode que a realidade no construda, mas dada aos aparelhos do sentido, como se o comportamento o objeto de uma cincia fosse um objeto emprico, da ordem do anedtico.

    Contudo, como argumenta Lacan, no existe comportamento humano. Pode haver uma atuao(acting out) como resistncia a uma elaborao regida pelo processo secundrio. O argumento

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    de Lacan consiste no fato de que falar em comportamento humano implica negar o papel dosimblico na constituio do sujeito e dos objetos com os quais ele ida, inclusive os objetos deestudo das cincias, como veremos em seguida. H ato simblico e a resposta do rato no anatureza do comportamento flagrada pelo dispositivo. Ela fruto de um arranjo simblico quepermitiu ao experimentador inventar aquela situao em

    que o comportamento um fechamento de um circuito eltrico que faz com que um bebedourolibere um estmulo reforador, a partir de certas regras. As regras esto dadas de sada, a fim deconsolidar um objeto de estudo. H uma teoria formulada a partir dessa definio, teoria esta quesustenta a explicao deefeitos caractersticos (no real).

    Apesar de toda a crtica a um mentalismo que estagnava a psicologia, o behaviorismo noproduziu nenhuma reviravolta da tica7 nem poderia, j que seus pressupostos seriam os de umacincia natural. Tem, claro, o grande mrito de expticitar, sem subterfgios, as questes relativasao controle de comportamento. No entanto, o fato de se propor a trabalhar com o empirismo noimplica um acesso direto natureza. A cincia supe que a natureza responde com significantes

    matemticos, mas esquece-se de que cada mtodo uma linguagem que vaiproduzir, se for eficaz,uma resposta nos mesmos termos da pergunta. O mtodo criado como uma imposio doobjeto de estudo e as peculiaridades deste vo determinando modificaes naquele. O que querodizer, em suma, que a realidade no dada aos aparelhos de sentido, mas construda pelascaractersticas do objeto e pela congruncia deste com o mtodo definido.

    Toda a eficcia da produo emprica reside no no fato de esta garantir uro acesso direto realidade, mas, justamente, no de criar, com preciso, as regras de funcionamento experimental.Em outras palavras, o sucesso do programa behaviorista, ou de todo empirismo, reside no fato deambos lidarem de forma precisa com simblico e no como empirico Este depende da linguageme, queira Skinner, ou no, de uma teoria.

    Mesmo em situaes naturais, a possibilidade da observao depende de uma definio sobre qualdeve ser a posio do olhar Dependendo de onde se olha, pode-se no ver nada e o que d ongulo da observao, a posio do olho, a maneira como o cientista recorta aquela realidade.Esse critrio envolve no a observao direta do mundo emprico, mas uma observao mediadapor uma teoria ou, at mesmo, por preconceitos. Qualquer pesquisador, ao constituir seu objeto deestudo, faz, inevitavelmente, uma reduo do mundo emprico e formula, via simblico, uma redede conceitos que lhe permite exercer efeitos sobre o real.

    E evidente que Skinner refuta esses argumentos em vrios artigos, tais como So as teoriasde aprendizagem necessrias? e Definio operacional de termos psicolgicos, em que, brilhantemente, diga-se de passagem, demonstra a inutilidade de se manterem as categoriasmentais, para, em seguida, recorrer-se a uma definio operacional para elas em cadaexperimento. Por isso, ele foi, ainda, um crtico feroz das amarras tericas que um sistemahipottico-dedutivo impe ao pesquisador e valorizou o dado casual e a atitude mente-aberta docientista. A preponderncia de um sistema assim implica problemas metodolgicos, tais como odas definies operacionais, e no leva em conta a realidade quotidiana do cientista, Penso queisso provocou uma i1Fiiirdo pesquisdor, hiitido de fazer com que cada um pesquisasse o que

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    mais lhe agradasse e no, o que o sistema terico recomendasse. Porm a afirmao de que obehaviorismo no uma teoria j , em si, uma teoria. Se no, como justificar o fato de que htodo um laboratrio j montado espera da mente aberta do pesquisador?

    Durante a Ps-Graduaco, eu e os demais colegas estudvamos a crtica e aplaudamos sua

    ousadia e, de repente, nos dvamos conta de que, no Laboratrio da USP, j tnhamos todoo equipamento, todas as instalaes disponveis, todos os animais necessrios, toda a verba depesquisa com que um estudante pudesse sonhar, mas no tnhamos, ainda, um problema a serinvestigado. Este determinado pelas condies existentes no laboratrio, pelas linhas de pesquisaem curso, pela boa vontade dos professores, pela capacidade de negociao poltica, etc. Ou seja,a tecnologia e a poltica acabam por definir o que deve ser investigado.

    Algum pode argumentar que isso acontecia por se tratar de um programa de formao de pesquisadores, mas, mesmo no caso do prprio Skinner, ao formular o princpio docomportamento operante, vale o argumento de que o sistema simblico que instaura umarealidade a ser pesquisada. Sabemos que ele montou uma situao experimental para estudar

    mecanismos de digesto de alimentos, utilizando ratos como cobaias. Para que pudesse ter umamedida mais fidedigna, inventou a famosa caixa de

    Skinner, a fim de liberar os alimentos em quantidades controladas. S depois que ele viuque havia criado uma lei de controle de comportamento. Foi necessrio que ele a enunciassedaquela forma para que a natureza passasse a ser compreendida de acordo com tal formulao.Como se, de repente, tudo o que dizia respeito ao homem passasse a existir de um outro modo.E o mundo da psicologia virou outro. Todo comportando, h sculos, segundo esse princpio,mas uma-certa intehgibihdade do comportamento so foi possivel apos uma reduo do mundoempirico. A regra passou a ser enunciada: operante um comportamento que tem sua freqnciaaumentada quando, seguido de um estmulo reforador e com alguma tautologia, se pode definir

    o reforador pelo efeito no comportamento. Vejam que Skinner s viu isso depois. Ele achavaque estava pesquisando diqesto alimentar, ou seja, ele tinha outra referncia simblica na cabeae agia conforme essa referncia. Ele teve mente aberta, sim, mas para reformular seu aparatosimblico, pois o simblico de que dispunha, at ento, o fazia ver outra coisa a partir dos mesmosdados...

    Tudo isso , apenas, para enfatizar que a realidade construda pefos aparatos simblicos. Ea aparece a fonte de muitos problemas. A reduo imposta cria uma impossibilidade inerente prpria constituio da cincia: a de estarmos afastados do real. H uma perda imposta pelorecorte da definio do objeto. Lidamos com uma realidade mediada, interpretada, constituda esomente compreendida porque a fazemos existir como linguagem codificada atravs da prprialinguagem. A literalizao as frmulas cientificas cria um mundo ideal, terico distante do mundoemprico, ou algum j testemunhou um corpo em movimento ad infinitum como postula a lei dainrcia? Ou um plano inclinado sem atrito que caiba direitinho na frmula?

    Ao fazer essa reduo do mundo emprico, criar um objeto de estudo e tratar a realidade, daderivada, segundo nossa possibilidade de represent-la por meio de uma teoria, criamos umprocedimento de eliminao da causa do desejo do sujeito. O objeto e a linguagem utilizados

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    devem, conforme nossa expresso em psicanlise, forcluir o sujeito, no sentido de que h umsujeito agente do discurso da cincia, mas a causa do seu desejo est colocada sob

    8 FHEIHE Ana eeainzei ali?. cano/a & verdade: um comentrio. Rio de Janeiro: RevinteR, 1996.33

    reserva. Com esse procedimento, passamos a ter certeza no saber produzido, principalmentedepois que outros replicaram o experimento e confirmaram, ou no, nossa certeza. Ou seja, noestamos psicticos sozinhos. H um saber que fala por ns e passa a ser um grande Outro capazde decidir sobre os nosss prximos passos. A certeza buscada to absoluta, que, dependendoda constituio psquica, digamos assim, do cientista, ele sofrer crises imensas, de acordo como grau de crise que sua cincia estiver atravessando. O sujeito eliminado e o saber passa a sercerto.

    Minha adeso objetividade do behaviorismo era to grande, que eu imaginava, por exemplo,que o experimentador era necessrio apenas para ter uma idia de pesquisa. O dehneamento

    experimental decidiria tudo. O meu desejo s apareceria na hora de pedir financiamento ao CNPqe de explcitar que aquele era o projeto que eu gostaria de conduzir.

    Relatei, em um trabalho, as minhas dificuldades em obter um estado estvel no comportamentode ratos mantido em esquema mltiplo. A estabilidade no se enquadrava em nenhum critrioestatstico recomendvel pelos exigentes padres internacionais e de nossos amigos de RibeiroPreto. E, quanto mais o tempo passava, mais eu me agoniava com a rpcusa daqueles ratos emalcanar os padres exigidos. Mudei as medies, aumentei o controle experimental na tentativade dominar, por inteiro, o real da situao, chequei estatsticas e nada. Nas discusses informais,todos os colegas ajudavam, davam palpites, sofriam comigo. Nas discusses tericas, chegvamosa ficar indignados quando experimentadores mais experientes propunham que muitas decises

    em pesquisa behaviorista dependem do desejo do experimentador. Na minha psicose instalada,eu achava um absurdo no encontrar nenhuma resposta naquele saber, a no ser o apoio emuma maturidade de julgamento experimental9. Indignados, propusemo-nos a fazer uma anlisefuncional da maturidade de julgamento experimental, a fim de eliminar o sujeito pesquisadore tornar mais cientfica a conduo da pesquisa. Ou seja, quanto mais longe o real do sujeito,melhor. Quanto mais precisas as regras, mais objetiva ser a pesquisa. Isso quer dizer apenas queobtive como resposta uma realidade coerente com a minha pergunta. O saber fica objetivado, poisa mstica, a magia e as interpretaes ficam eliminadas. E o sujeito s aparecer na cadeia designificantes do discurso da cincia enquanto falta. Essa , portanto, a perda maior de qualquerempreendimento cientfico.

    Assim, o sistema simblico tem de ser capaz de prescindir do inconsciente do sujeito e de fornecera certeza do saber: quanto mais cientfica for minha pesquisa, mais psicotizante ser o saberproduzido. Essa uma verdade da qual a cincia nada quer saber.

    SIDM.4N, tu. Ta(ics of s/entffi researh. New York: Basio Books, 1969.

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    Da, o ideal positivista de criar uma lngua formal sem os equvocos que a lngua naturalpossibilita. Desnaturalizar a lngua para ganhar em saber e perder na produo da verdade dosujeito porque exatamente nesses equvocos, nos atos falhos e nos fracassos do bem dizer quevemos a emergncia do sujeito. Isso implica, ento, que, para haver pesquisa em psicanlise,ela teria de ser mal feita, com vistas a fazer com que o sujeito aparea? A est o aparente

    paradoxo angustiante com o qual o psicanalista convive. A psicanlise s se sustentou athoje, em um mundo to objetivante, porque Freud era um cientista e, como tal, adotou umprocedimento cientfico. Ele formulou o Inconsciente como um objeto de estudo, o que, atento, era inimaginvel. No aceitou o pressuposto da autonomia da conscincia que impunhaa conseqncia errnea de que tudo que no era consciente era fisiolgico. Ele se props ademonstrar que, dependendo de uma formulao terica coerente, muitos fenmenos adquiririaminteligibilidade, mantendo-se o nvel psicolgico. Freud criou, ento, uma rede de conceitos parapermitir caracterizar o modo de incidncia do inconsciente.

    O discurso construdo a partir dessas caractersticas produz, tambm, efeitos tpicos, no real,diferentes, claro, daqueles sustentados pelo behaviorismo. E por isso que no podemos compar-

    los, pois so ordens distintas de produo simblica. E certo que os efeitos tpicos da psicanliseso mais difceis de ser estabelecidos, dada a prpria natureza do objeto. Contudo isso no implicaque n tenham que ser demonstrados, ou, ento, que tenham de ser desprezados.ApcanIise noquer nem pode eliminar seu ide cientifico mas isso a coloca em um paradoxo Esse paradoxo dapsicanalise ode ser resumido assim se o inconsciente do sujeito (e a causa de seu_desejo) o quea cincia tem de eliminarpara se realizar, como fazer pianola ?Jesse objeto Como fazer cienciade um objeto que no se deixa conhecer? Vfam tue estamos em uma situao bastante peculiar e,acredito eu, esse um dos maiores motivos para se resistir psicanlise, ou para empurr-la paraas letras ou para a filosofia...

    De qualquer modo, porm, psicanlise tem uma relao de dependncia com o discurso da cincia.Ela tem um objeto, tem uma estrutura terica, ou seja, um saber sobre um sujeito que expulsoquando se constri um saber. Que verdade esse saber possibilita?

    A verdade para a psicanlise no , ento, a do aparato simblico construdo, mas, exatamente,a impossibilidade de o sujeito se representar nesse saber. Os efeitso dessa excluso do sujeito dacincia (que suporta o discurso da produo do saber, mas que s aparece nele enquanto faltante)reaparecem sob a forma de atos falhos, sonhos, sintomas e, at, crises delirantes.

    No caso especfico daquela pesquisa que eu estava conduzindo, por exemplo, foi necessriaa mestria da minha orientadora para me colocar em um tipo de trabalho que fez com queeu me deslocasse da impotncia frente situao experimental para a constatao de umaimpossibilidade. Esse trabalho permitiu que eu fizesse um ato ( e vejam que eram apenasmanipulaes experimentais j previstas sem as garantias de um saber e pude aprender na carneo que era a tal da maturidade de julgamento experimental. Os dados regulares que obtive a partirdesse ato mostraram-me a impossibilidade de se fazer uma analise funcional da maturidade dojulgamento experimental e ainda, a verdade do sujeito (o pesquisador em questo) nos fracassosque eu vinha encontrando.

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    Encontramos, assim, o ponto de interseo entre os dois discursos, O sujeito que o agentedo discurso da cincia aquele que interessa psicanlise. Com a diferena radical de que apsicanlise um discurso que vincula o sujeito causa de seu desejo. O sujeitoi o ponto deinterface entre os dois discursos, que no devem, nunca, ter a arrogncia de pretender entrar emluta fraticida e buscar uma hegemonia. Um est fadado a eliminar o que o outro pretende recolher.

    Porm a psicanlise s pode recolher o sujeito no a posteriori do discurso da cincia e, at paraisso mesmo, ela tem de manter sua vocao cientfica. A cincia pode, mesmo, pretender eliminara psicanlise, mas tudo o que ela elimina acaba retornando como um recalcado. Vejam como est-ocorrendo o retorno do misticismo, do curandeirismo em nossa sociedade dirigida pela cincia...

    Contudo a especificidade da psicanlise traz questes difceis de ser respondidas: O saber queinteressa psicanlise sobre a posio do sujeito em relao causa de seu desejo noseria contraditrio com o pretendido em uma universidade? Seria possvel, na academia, mantera vobao cientfica da psicanlise e preencher as lacunas de sua produo com a presena dosujeito? A marca dessa presena no torna os relatos psicanalticos muito pessoais? Todos osanalistas vivem citando Freud, o fundador, como se fosse uma religio, porque a psicanlise no

    uma cincia cumulativa? Se no acumula dados, no estaria tendo a postura parasitria de ficarapenas denunciando em que a cincia oficial e ela mesma fracassa? Que cincia essa cujoprogresso se resume a recolocar seus problemas de um modo sempre diferente?

    De fato, o paradoxo ao qual a psicanlise vive submetida terrvel, mas toda a sua produo sfoi possvel graas postura cientfica original de Freud diante das histricas. Se a psicanlise seconstituiu como um saber especfico sobre o que no se encaixa no discurso oficial, foi porque seinventou o mtodo freudiano da inquieto.

    Freud chegou a afirmar que os limitesos limites da compreensa do funcionamento psiquicodependeriam do grau de compreenso do mtodo, ou seja, da interpretao. E isto que o analista

    faz o tempo todo: esmiuar continuamente o que significa interpretar. Os efeitos da interpretaoelucidam a natureza do inconsciente e tornam mais precisa a sua definio. E importantemostrar o valor dos dados obtidos em suas pesquisas e reivindicar a legitimidade do trabalho, jque no existe um manual chamado A Cincia vlido para todos os campos do saber. A tendncia a de eliminar-se a angstia, jogando-se fora a psicanlise. Ao contrrio, porm, achamos quea pesquisa em psicanlise deve ser inserida como um campo de investigao na universidade,porque, aqui, ela se encaixa como qualquer outro saber. A teoriapsicanaltica pode ser ensinada como as outras. O problema continua sendo o da verdade doinconsciente, que s se manifesta quando o sujeito fala e um outro o escuta.

    Reconstituamos o paradoxo: Se o discurso da cincia elimina o sujeito, como fazer uma cinciado inconsciente do sujeito? Fazer o Todo que incluao sistema terico e o real a que se refere impossvel. A perda inevitvel, se se quer fazer cincia. O pesquisador em psicanliseconfronta-se, ento, com essa impossibilidade, porque ele quer o funcionamento do inconscientedo sujeito. Seu trabalho faz-se, portanto, na prpria perda, ao levar em considerao a distnciaentre o simblico e o real e ao verificar como ele lida teoricamente com esse hiato. Ele faz issoexplicitamente e, mesmo assim, tambm se v diante do retorno daquilo que reve de recalcar paraproduzir seus dados.

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    A irredutibilidade do aparato simblico ao real constitui-se, assim, em uma brecha que o cientista preenche mais, ou menos, dependendo de quanto ele pode lidar com o recalcado a fim deproduzir dados objetivos. O que no deixa de ser uma certa soluo de compromisso, um arranjopossvel naquele momento. A cincia no to pura ou neutra como aparenta ser. A atividadecientfica pretende eliminar o hiato entre o conceito e o real, mas, quanto mais a cincia literaliza,

    formula,mais ela demonstra a irredutibilidade di cibceuti ai real que este pretende apreender parapoder ter controle e previso.

    Como o pesquisador, o psicanalista no se confronta com a verdade do sujeito no momentoem que tem a obrigao de teorizar. Porm sua prtica implica no falar sobre o inconsciente,seu objeto de estudo. Em sua prtica, ao contrrio, o psicanalista quer que a verdade, barradapela linguagem, fale. Que o sujeito se confronte com a prpria perda inerente sua fala, sua expresso sobre seu sofrimento/Que se confronte com o fracasso do saber em se superpor verdade de seu desejo fica colocada de forma diferente. Se os ratos no falam, porqueesto submetidos a um imperativo de gozo e nada podem saber da verdade. E mantm o gozodo cientista, porque esto impedidos de se deslocar da repetio. Repetem e repetem. Repetir

    significa dizer novamente, mas o cientista no interpreta esse fato, pois no considera que ocomportamento, dos jatos ou dos planetas, seja interpretvel. J o psicanalista, em sua prtica,no goza, torna-se objeto para que o outro fale e seja surpreendido pela sua verdade. umprocedimento nico de pesquisa, teoria e tcnica teraputica.

    A psicanlise vive, ento, um paradoxo que o behaviorismo, se considerado um legtimorepresentante da cincia, no viveA psicanlise tem a mesma necessidade da cincia, mas umdiscurso construdo para recolher aquilo que a cincia expurga, ou seja, a causa do desejo dosujeito. No entanto, esta s surge como dejeto depois de uma certa postura cientfica. Nessesentido, a associao livre/escuta flutuante caracteriza o que chamei, h pouco, de postura nicade investigao. Esse procedimento visa a fazer com que o inconsciente fale para ser escutado, oque possvel apenas depois que o paciente se coloca em posio de produzir um saber sobre suasidentificaes. Ser no ato falho, por exemplo, ou nas formas de excluso do sujeito presentes nafala que o analista mostrar a dimenso tica de seu trabalhoEle mostrar em cada ato, se foi umanalista ou um tcnica em aplicao do saber. Neste caso, ele estar novamente calando o sujeitoe evitando o seu (do analista e do cliente) encontro com a verdade.

    A pesquisa em psicanlise envolve, assim, dois momentos. O primeiro o da pesquisa na situaoclnica, j que a no se trata de aplicao, e a pesquisa terica visa a refazer a montagem doaparato conceitual, construdo para que haja alguma inteligibilidade do objeto. A primeira, aclnica, como define GARClAROZA10, no se trata de uma prtica revedora de uma verdade

    ja contida no inconsciente de ambos , analista e analisando so pesquisadores-produtores dessaverdade. O saber terico sustenta esta prtica, mas no determina o ato analtico, porque no possvel saver de antemo sobre o inconsciente daquele sujeito singular.

    lO GARC1A-ROZA, 1.. A. Os amantes da sophia: escuta e nele/tara.. Revista da Psicologia e

    Ps/canliae do Instituto de Psicologia da UFPJ, Rio de Janeiro, n. 6, 1994. /7

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    A mediao simblica entre os dois analista e analisando , ento, 1 ida para que surjaa dimenso da transferncia. O analisando preenche as lacunas do seu texto com o trabalho detransferncia, o que permite ao analista interpretatar (como ele faz j um outro problema) asua forma de camuflar inconscientemente sua verdade. O analista faz com que ele no seja tocientista e funda, com cada paciente, uma prtica em que a verdade pode falar. Isso, claro

    continuo insistindo -, se o analista no resistir ao horror da verdade da castrao e colocar-se comoum tcnico.

    Uma variante desse primeiro momento a da pesquisa emprica, utilizando-se oreferencial da psicanlise. Aqui, o trabalho parte do mtodo comum de fazer pesquisa cientfica,utilizando-se a escuta para detectar-se a presena do inconsciente na fala. Essa verdade, assimrecolhida, permite fazer uma teoria universal e, ao mesmo tempo, demonstrar como cada um podefaz-lo. o mtodo clnico da pesquisa sem interveno analtica que visa retificar a posio dosujeito em relao a seu inconsciente.

    J no segundo momento, o que de teorizar, seja sobre os dados escutados, seja sobre a construo

    da prporia teoria, o analista que ser colocado em transferncia. um trabalho no qualo pesquisador ser movido pelas lacunas e o texto funciona como urn analista, para que opesquisador se defronte com suas prprias resistncias em ouvir os relatos. Ao ser incitado pelaslacunas do texto a fazer as perguntas, ele constata que nelas, nas perguntas, que est a verdade.A verdade est na questo e no, na respotsa .Todo o pesquisador em psicanlise acaba por fazero percurso de Freud, porque tem de se perguntar por que teoriza daquela forma e no de outra.Pode, assim identificar com a teoria recalcada algumas questes e favorece outra, como se fossea soluo de compromisso possvel naquele instante. Ao mesmo tempo procura fazer trabalhara rede de conceitos , para que ela melhor caracteriza seus modos de aparecimento. Emborano exista o propsito de psicanasar o pesquisador, a tranferncia ao texto acaba por desnudara verdade do inconsciente do pesquisador, seja ele Freud ou qualquer um de ns. sempre noretorno a um grande Outro Skinner, Freud ou Marx- que identificamos nossa transferncai eo que isso implica, no sentido de nossa resistncia verdade da castrao. o trabalho com osimblico levado s ultimas consequncias: desvelar como at mesmo uma teoria pode funcionarcomo um mecanismo de defesa para o pesquisador, embora esse no deva ser o relato final de umtrabalho. O objetivo a constrauo terica que melhor signifique a realidade do objeto.

    Por isso a verdade que a psicanlise busca no a da regularidade dos dados, nem dasleis que os saberes enunciam, porm a do sujeito barrado , seja ela a cientfica ou a ordinria (a dalngua ptria), mas revelada na transferncia. Se vocs me permitem e tambm o professor LuizAlfredo Garcia-Roza , vou extrapolar uma afirmao dele e fazer uma generalizao que temo

    ser grosseira. Ele afirma que toda a verdadeira e eu concluo, da, que, por mais objetique sejamos dados produzidos , na mais pretensa assepsia cientifica, eles revelam tambm umsinthoma dosujeito. Aquele sintoma que demanda no uma anlise, um trabalho de transferncia, em sim umatransferncia de trabalho. Nesse sentido, qualquer produo revela o estilo como o sujeito lidacom suas questes inconscientes.

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