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Page 1: POR QUE OS CHINESES FALAM MUITO A EXPRESSÃO “DE … · POR QUE OS CHINESES FALAM MUITO A EXPRESSÃO “DE FATO”? SUN Yuqi 1. Introdução: O presente trabalho visa investigar

POR QUE OS CHINESES FALAM MUITO A EXPRESSÃO “DE FATO”?

SUN Yuqi

1. Introdução:

O presente trabalho visa investigar por que os professores brasileiros têm a impressão

de que os intercambistas chineses que estão adquirindo português no Brasil produzem,

com frequência muito alta, a expressão “de fato”. O trabalho possui três etapas de

pesquisa: 1) compilação de dois corpora em português, compostos por textos escritos

por brasileiros e aprendizes chineses; 2) classificação do uso da expressão “de fato” em

português br asileiro com base no corpus; 3) análise contrastiva das estratégias

pragmáticas do uso da expressão entre os dois corpora.

2. Metodologia:

O estudo é baseado em dois corpora. Ambos contêm 61 textos acadêmicos produzidos

por alunos de graduação. O corpus brasileiro, com cerca de 669 mil palavras, é

composto por artigos publicados entre os anos 2009 e 2011, por alunos das Faculdades

de Comunicação, Psicologia, Letras e Administração. O corpus chinês que possui 266

mil palavras é composto por trabalhos de conclusão escritos por aprendizes chineses do

curso de licenciatura em português entre os anos 2009 e 2012. Todos esses trabalhos

podem ser encontrados nas bibliotecas de suas universidades.

Após a compilação do corpus, fizemos uma comparação da frequência do uso de “de

fato” em dois corpora. No corpus brasileiro, o termo apareceu 73 vezes.

Desconsiderando as 13 citações bibliográficas e uma em sentença mal estruturada, a

frequência foi 0.088‰. Quanto ao corpus chinês, o número de ocorrências do termo foi

37, cuja frequência foi 0.139‰, sendo mais alta do que no corpus brasileiro. No entanto,

podemos confirmar que foi essa diferença de frequência que fez com que os professores

tivessem a impressão de que os aprendizes chineses produzem bastante a expressão?

Para responder essa pergunta, fizemos posteriormente uma classificação pragmática do

uso da expressão com base no corpus brasileiro e comparamos o resultado com as

ocorrências da expressão no corpus chinês, que será apresentado na próxima seção.

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3. Análise dos dados

3.1 Classificação da expressão “de fato”

A partir das ocorrências identificadas no corpus brasileiro, classificamos a expressão

“de fato” em três principais categorias, nas quais a segunda categoria pode ser dividida

em cinco subcategorias:

1) “De fato” cujo significado é “verdadeiramente” ou “propriamente dito”: a

expressão é considerada como um intensificador, cuja função é enfatizar o evento

diretamente descrito pela expressão. Como mostrado no exemplo abaixo, “a compra

de fato” é a compra real, ou a compra propriamente dita.

i. A percepção da marca, e até mesmo a decisão de compra seriam inconscientes,

influenciando no plano motor de efetuar a compra de fato.

2) “De fato” que estabelece uma relação lógica entre enunciados que vem antes e

depois:

(1) Relação contrastiva: a expressão é prototipicamente empregada para introduzir

uma proposição que contradiz os enunciados anteriores. Por exemplo:

ii. Para ele, existem dois tipos de erros possíveis: inferir uma infidelidade do

companheiro quando, de fato, nenhuma ainda aconteceu, ou errar em acreditar que o

parceiro lhe é eternamente fiel, quando na verdade, ele é apaixonado por outra pessoa.

(2) Relação explicativa: A expressão é seguida por um enunciado, cuja função é

explicar ou parafrasear os enunciados anteriores, como mostrado no exemplo iii:

iii. Conforme citado no referencial teórico a respeito da metodologia para estudos dos

controles internos, utilizamos nesta auditoria, o método de questionamento através de

questionários que de fato é um papel de trabalho de auditoria.

(3) Relação progressiva: A expressão é seguida por um enunciado que enfatiza,

completa ou repete os enunciados que vem antes, como é visto no exemplo iv.

iv. Porém, não são apenas os casos da Dove e da Nike que possuem características em

comum. De fato, todos os casos até agora apresentados corroboram duas teses.

(4) Relação causal e causativa: a expressão é seguida por um enunciado que

justifica a causa ou o efeito das declarações que vêm antes. Vejamos o exemplo v.

v. “Se o New York Times decide não publicar alguma matéria, pelo menos um dos

inúmeros sites da Internet, os radialistas ou os partidários de algum grupo darão a

informação” (KOVACH & ROSENSTIEL, 2004, p. 40).

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De fato, a tecnologia de geração de conhecimentos, de comunicação de símbolos e de

processamento da informação é tão fundamental que chega a ser percebida, por

Castells (1999), como a principal fonte de produtividade de um novo modo de

desenvolvimento: o informacionalismo.

(5) Relação conclusiva: A expressão é seguida por um enunciado, que conclui os

fatos listados antes.

vi. Na obra “A imagem da cidade”, Kevin Lynch (2006) estudou três cidades diferentes

nos Estados Unidos (Boston, Los Angeles e Jersey City) e, através de entrevistas com

seus usuários, descobriu que as pessoas, no geral, entendem a cidade ao seu redor de

maneira consistente e previsível, formando mapas mentais utilizando-se de cinco

elementos principais – vias, limites, bairros, pontos nodais e marcos.

De fato, a partir dessa categorização é possível perceber que o elemento estruturador

das cidades tanto física quanto perceptivamente é o sistema viário…

3) “De fato”, que demonstra funções preparatórias no discurso, tais como trocar de

tópico da fala e tornar os argumentos que vêm depois mais aceitáveis. Como se

apresenta no exemplo vii, a expressão “de fato” segue um enunciado preparatório

para a colocação posterior de um questionamento.

vii. De fato, conforme o autor, a imagem é percebida de maneira quase imediata; ela se

faz totalmente clara em 1/5 de segundo, enquanto que o prazo de exploração (grifo do

autor) de um cartaz se dá em 1 a 2 segundos. Aqui, porém, cabe um questionamento:

considerando que Moles publicou a obra “O cartaz” pela primeira vez no ano de 1969,

é possível afirmar ...

3.2 Comparação do uso da expressão entre dois corpora:

Conforme a classificação feita na seção anterior, fizemos uma comparação das

estratégias do uso da expressão “de fato” entre o corpus chinês e o corpus brasileiro:

Corpus Chinês Corpus Brasileiro

Categoria Ocorrência Porcentagem Categoria Ocorrência Porcentagem

Verdadeiramente

/Propr. dito 2 5.4%

Verdadeiramente

/Propr. dito 24 40.7%

Contrastivo 9 24.3% Contrastivo 1 1.7%

Explicativo 4 10.8% Explicativo 5 8.5%

Progressivo 5 13.5% Progressivo 10 16.9%

Causal e

causativo 6 16.2%

Causal e

causativo 1 1.7%

Conclusivo 1 2.7% Conclusivo 12 20.3%

Preparatório 10 27% Preparatório 6 10.2%

Observamos que as estratégias utilizadas pelos brasileiros e pelos aprendizes chineses

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são bastante distintas. Os brasileiros interpretam a expressão, na maioria de suas vezes,

como “verdadeiramente” ou “propriamente dito”, enquanto os chineses utilizam a

expressão no discurso preparatório que, em geral, aparece no início de uma frase ou de

um parágrafo e que possui função fática da linguagem. Por isso essa diferença pode ser

o fator principal que faz com que os brasileiros tenham a impressão de que os chineses

produzem muito a expressão “de fato”.

4. Conclusão:

O presente trabalho objetivou analisar por que os brasileiros têm a impressão de que os

aprendizes chineses falam muito a expressão “de fato” em português. Foram coletados

122 textos acadêmicos em português – 61 produzidos por brasileiros e 61 por chineses.

Após uma classificação pragmática do uso da expressão com base no corpus brasileiro,

fizemos uma comparação entre os dois corpora. O resultado mostra que, embora a

frequência da expressão seja maior em corpus chinês, a diferença do uso será o fator

principal que causou a impressão da alta produção do termo por aprendizes. Para futura

pesquisa, pretendemos analisar os termos em chinês, inglês e português que possuem

sentido de “de fato” e discutir o processo de aquisição de português como L3 por

aprendizes chineses.

5. Bibliografia:

ANGELIS, G. D. (2007). Third or Additional Language Acquisition. NY: Multilingual

Matters Ltd.

BIBER, D.; CONRAD, S. e REPPEN, R. (1998). Corpus Linguistics: Investigating

language structure and use. Cambridge: CUP.

HALLIDAY, M.A.K. (1985). An introduction to functional grammar. Londres: Edward

Arnold.

HALLIDAY, M.A.K. e HASAN, R. (1976). Cohesion in English. Londres: Longman .

TAGLICHT, J. (2000). “Actually, there’s more to it than meets the eye.” English

Language and Linguistics, vol. 5, p. 1-16.