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1 População e desenvolvimento humano e sustentável José Eustáquio Diniz Alves 1 A discussão sobre população e desenvolvimento é antiga e teve sua base lançada no final do século XVIII, com as perspectivas abertas pelo pensamento iluminista, os progressos científicos e econômicos da Revolução Industrial e os avanços políticos e socias da Revolução Francesa. Durante quase dois séculos a discussão ficou centrada nos efeitos do crescimento populacional sobre o desenvolvimento e vice-versa. Havia dúvidas se o crescimento populacional iria estimular ou atravancar o desenvolvimento econômico. O fato é que o desenvolvimento econômico e a transição demográfica são dois fenômenos que tem acontecido de forma simultânea. Isto porque os avanços científicos e econômicos – que acompanharam o progresso civilizatório – tiveram um impacto na redução das taxas de mortalidade e propiciaram um enorme crescimento da população (que passou de cerca de 1 bilhão em 1804 para 7 bilhões em 2011). Contudo este crescimento populacional ocorreu em um quadro de aumento ainda maior do PIB mundial que cresceu mais de 50 vezes entre 1820 e 2010, segundo Angus Maddison. Neste sentido, os últimos duzentos anos apresentaram o maior crescimento da renda per capita da história da humanidade. Embora haja muita concentração da riqueza, cada cidadão do mundo hoje em dia tem muito mais disponibilidades de bens e serviços do que seus anscentrais. Certo tempo após o início do declínio da mortalidade e do aumento da esperança de vida – e de maneira concomitante ao desenvolvimento econômico – as taxas de fecundidade começaram a cair e, conseqüentemente, se reduziu o ritmo de crescimento populacional. Os fatores que explicam esta queda da fecundidade são complexos, mas sem dúvida a transição urbana – mudança de uma sociedade agrária e rural para uma sociedade urbana, industrial e de serviços – contribuiu para redefinir a relação custo e benefício dos filhos e para a adoção de um tamanho pequeno de família. Desta forma o mundo passou por revoluções e transições que se complementam e se auto- influenciam: Revolução Francesa, Revolução Industrial, Revolução Cientifica e Tecnológica (pós-industrial), Revolução Feminina (despatriarcalização do mundo), Transição Urbana, Transição Epidemiológica, Transição Demográfica, Transição das Famílias, etc. Podemos dizer que a equação população e desenvolvimento avançou muito em 200 anos e que o mundo do século XXI é muito diferente do mundo do século XVIII. Existe hoje mais liberdade, mais democracia, mais bem-estar, mais acesso ao conhecimento, etc. Porém, ainda existe muita pobreza e muita agressão ao meio ambiente, sendo que o aquecimento global é a ameaça mais iminente ao Planeta. Portanto é preciso avançar na Revolução Verde (transição de uma economia industrial e com base em combustíveis fósseis para uma economia do conhecimento e com base em energia limpa e renovável) e na Revolução Azul e na oxigenação do mundo. Também é preciso 1 Professor titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE/IBGE. Tel: (21) 2142 4689. E-mail: [email protected] Publicado em APARTE (http://www.ie.ufrj.br/aparte/ ) – 15/03/2011

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População e desenvolvimento humano e sustentável

José Eustáquio Diniz Alves1

A discussão sobre população e desenvolvimento é antiga e teve sua base lançada no final do século XVIII, com as perspectivas abertas pelo pensamento iluminista, os progressos científicos e econômicos da Revolução Industrial e os avanços políticos e socias da Revolução Francesa. Durante quase dois séculos a discussão ficou centrada nos efeitos do crescimento populacional sobre o desenvolvimento e vice-versa. Havia dúvidas se o crescimento populacional iria estimular ou atravancar o desenvolvimento econômico. O fato é que o desenvolvimento econômico e a transição demográfica são dois fenômenos que tem acontecido de forma simultânea. Isto porque os avanços científicos e econômicos – que acompanharam o progresso civilizatório – tiveram um impacto na redução das taxas de mortalidade e propiciaram um enorme crescimento da população (que passou de cerca de 1 bilhão em 1804 para 7 bilhões em 2011). Contudo este crescimento populacional ocorreu em um quadro de aumento ainda maior do PIB mundial que cresceu mais de 50 vezes entre 1820 e 2010, segundo Angus Maddison. Neste sentido, os últimos duzentos anos apresentaram o maior crescimento da renda per capita da história da humanidade. Embora haja muita concentração da riqueza, cada cidadão do mundo hoje em dia tem muito mais disponibilidades de bens e serviços do que seus anscentrais. Certo tempo após o início do declínio da mortalidade e do aumento da esperança de vida – e de maneira concomitante ao desenvolvimento econômico – as taxas de fecundidade começaram a cair e, conseqüentemente, se reduziu o ritmo de crescimento populacional. Os fatores que explicam esta queda da fecundidade são complexos, mas sem dúvida a transição urbana – mudança de uma sociedade agrária e rural para uma sociedade urbana, industrial e de serviços – contribuiu para redefinir a relação custo e benefício dos filhos e para a adoção de um tamanho pequeno de família. Desta forma o mundo passou por revoluções e transições que se complementam e se auto-influenciam: Revolução Francesa, Revolução Industrial, Revolução Cientifica e Tecnológica (pós-industrial), Revolução Feminina (despatriarcalização do mundo), Transição Urbana, Transição Epidemiológica, Transição Demográfica, Transição das Famílias, etc. Podemos dizer que a equação população e desenvolvimento avançou muito em 200 anos e que o mundo do século XXI é muito diferente do mundo do século XVIII. Existe hoje mais liberdade, mais democracia, mais bem-estar, mais acesso ao conhecimento, etc. Porém, ainda existe muita pobreza e muita agressão ao meio ambiente, sendo que o aquecimento global é a ameaça mais iminente ao Planeta. Portanto é preciso avançar na Revolução Verde (transição de uma economia industrial e com base em combustíveis fósseis para uma economia do conhecimento e com base em energia limpa e renovável) e na Revolução Azul e na oxigenação do mundo. Também é preciso

1 Professor titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE/IBGE. Tel: (21) 2142 4689. E-mail:

[email protected] Publicado em APARTE (http://www.ie.ufrj.br/aparte/) – 15/03/2011

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avançar na superação da pobreza e da excessiva desigualdade social (desigualdades de classe, de gênero, de raça e de geração). Assim o caminho é articular população com desenvolvimento humano e sustentável. A transição demográfica já está bastante avançada na maior parte do mundo (com exceção de poucos paises da Ásia e da região da África sub-Sahariana) e a perspectiva é que a população mundial se estabilize em torno de 9 bilhões de habitantes após o ano de 2050. O que falta fazer (e não é uma tarefa simples, mas nem por isto impossível) é qualificar o desenvolvimento com as dimensões humana e sustentável. Desenvolvimento humano é aquele que elimina a pobreza, aumenta o bem-estar da população, reduz as desigualdades sociais em todas as suas dimensões e permite a livre manifestação das capacidades dos cidadãos e cidadãs, contribuindo para uma sociedade saudável e feliz. Desenvolvimento sustentável é aquele que não destrói a natureza e garante a disponibilidade de recursos naturais para as futuras gerações, respeitando a biodiversidade. A pergunta que se coloca é: como fazer a transição do desenvolvimento econômico (crescimento da renda per capita) para o desenvolvimento humano e sustentável? O desenvolvimento humano se constrói, em um ambiente de respeito ao Estado laico e democrático, com investimento e políticas públicas universais em educação, saúde, trabalho, habitação, proteção social, etc, e o combate às desigualdade sociais. Desenvolvimento sustentável se faz mudando a matriz energética do mundo (transição da energia fóssil para a energia solar, eólica, das marés e da biomassa), aumentando a eficiência da agropecuária e da piscicultura com a recuperação e enriquecimento dos pastos, dos rios e dos oceanos, com a reforma do modo de vida urbana, melhoria do transporte individual, coletivo e de carga e mudança do padrão de consumo. O importante a considerar é que a humanidade não está condenada ao fracasso e nem o Planeta está condenado à destruição. Existem alternativas. A vontade coletiva e a racionalidade humana podem construir rotas viáveis para um mundo mais justo e melhor para se viver em harmonia com todas as espécies vegetais e animais. As bases do conhecimento das principais ameaças ambientais e as linhas das ações estão lançadas. Mas durante o ano de 2011, o mundo terá que traçar uma estratégia de longo prazo que englobe uma resposta aos desafios ambientais e sociais, em conjunto. A grande meta da Conferência Rio + 20, que acontecerá em maio de 2012, será comprometer os países, as ONGs e a comunidade internacional na construção da ECONOMIA VERDE E INCLUSIVA, que, em outro artigo, defini da seguinte maneira: “A economia verde e inclusiva é uma nova forma de organizar as atividades produtivas, que possibilita a melhoria do bem-estar da humanidade e a redução das desigualdades sociais, ao mesmo tempo que evita expor a bioesfera e as gerações futuras a significativos riscos ambientais e de escassez ecológica. Refere-se ao processo de reconfiguração das atividades econômicas e de infra-estrutura para oferecer melhor retorno sobre os investimentos de capital natural, humano e econômico, enquanto reduz as emissões dos gases de efeito estufa, utiliza menos recursos naturais, gera menos resíduos e possibilita a reciclagem do lixo, a universalização do saneamento básico e o reaproveitamento de matérias-primas e produtos manufaturados. Significa uma economia que faz mais com menos e utiliza menor quantidade de bens materiais e maior quantidade de bens e serviços imateriais e intangíveis. A economia

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verde implica a reconstituição das florestas, a defesa da biodiversidade, a promoção da agricultuta sustentável, da aquacultura e dos recursos hídricos, assim como o planejamento urbano e a promoção de transporte e prédios sustentáveis. É uma economia que incentiva e articula a sociedade do conhecimento com o desenvolvimento sustentável, a criação de empregos verdes com o decrescimento das atividades poluidoras e possibilita o crescimento de novas oportunidades de renda, menor consumismo e maior inclusão social”.