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Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo
PUC-SP
Fabio Marques Ferreira Santos
O limite cognitivo do poder humano judicante a um passo de um novo
paradigma cognitivo de justia: poder ciberntico judicante o direito mediado
por inteligncia artificial
Doutorado em Direito
So Paulo
2016
Fabio Marques Ferreira Santos
O limite cognitivo do poder humano judicante a um passo de um novo paradigma
cognitivo de justia: poder ciberntico judicante o direito mediado por inteligncia
artificial
Tese apresentada Banca Examinadora
da Pontifcia Universidade Catlica de
So Paulo, PUC-SP, como exigncia
parcial para a obteno do ttulo de
DOUTOR em Direito Processual Civil,
sob a orientao do Professor Doutor
Cassio Scarpinella Bueno.
So Paulo
2016
Dedico este trabalho minha amada Me pelo incansvel apoio incondicionado,
mesmo nos instantes em que o tempo a faz pestanejar, s minhas filhas, Brenda,
Julia, Thabata e Hannah Arendt porque me fazem transformar a dor e o sofrimento
em uma substncia mgica e transformadora capaz de me inspirar a cada instante
existencial. Ao meu orientador por acreditar na proposta e abrir caminhos a algo
inusitado irrestritamente. Aos meus leais, fieis, dedicados e incansveis auxiliares de
pesquisa, crtica e correo: Adriana Santos, Diego Rosas, Fernanda Grejo, Flora
Chrisbender, Oryon Melo e Vivian Catarina.
AGRADECIMENTOS
Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo
Ao meu orientador
Ao Professor Dr. Cassio Scarpinella Bueno
Aos demais integrantes da Banca Examinadora:
BANCA EXAMINADORA
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Aprovado em ____ de ___________ de 2016.
SANTOS, Fabio Marques Ferreira. O limite cognitivo do poder humano judicante. A um passo de um novo paradigma cognitivo de Justia: poder ciberntico judiciante. O Direito mediado por Inteligncia Artificial. Tese de Doutorado. Programa de Estudos Ps-Graduados em Direito. Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, SP, Brasil, 2016.
RESUMO
O trabalho cientfico teve como objetivo a investigao do limite cognitivo do Estado/Juiz e suas condies como sistema (modelo de Justia) operado pela inteligncia humana, segundo os estudos de Kahneman, Slovic e Tversky, em Judgment under uncertainty: heuristic and biases, e os reflexos causados a um Direito e uma Justia com dficit histrico de previsibilidade, certeza e segurana. Foi adotada a epistemologia kuhniana, sua metodologia e seus conceitos, apropriando-se deles como fluxo explicativo da dinmica de evoluo do Direito e da Justia. Buscou consolidar um dilogo sem vencedores, flexibilizando as granularidades e as incomensurabilidades, entre as Filosofias, as Lgicas, as Cincias Cognitivas e os Direitos (Constitucional e Processual Civil). Os estudos tericos pinaram informaes e dados, no sentido de demonstrar a falibilidade e a insuficincia do Estado/Juiz como mediador exclusivo do Direito para o alcance da Justia e a potencial possibilidade de realizar essa equao entre o Direito e a Justia por intermdio da tecnologia em Inteligncia Artificial. Considera, ainda, o avano, espcie de tecnologia da inteligncia, e ao mesmo tempo tem-na como meio seguro e eficaz para a realizao de funes mediante estrutura em programao. A pesquisa deu nfase previso Constitucional dos dispositivos constitucionais, em especfico ao encapsulado no inciso LXXVIII, do artigo 5 do laureado diploma que assegura a todos, no mbito judicial e administrativo, so assegurados a razovel durao do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitao. Com base no permissivo Constitucional, simetricamente concentrou anlise ao instituto de Direito Processual Civil, denominado Instaurao de Incidente de Resoluo de Demanda Repetitiva, encampado pela lei 13.105/2015, com a precpua misso de uniformizar e dar concretizao aos estatutos substantivos legais, cuja tcnica processual internalizou por intermdio do novo novel processual, o denominado precedente judicial, o qual tem o condo de verticalizar as decisesjudiciais, vinculando as decises definitivas exaradas pelos Tribunais, tendo como lastro uma tese jurdica fundada em questo de Direito. Seu objetivo de dar tratamento paritrio aos casos anlogos, maior celeridade aos processos, desafogamento do sistema judicirio e buscar, por este meio, a concretizao do Estado Democrtico de Direito idealizado na lei Constitucional. Dentre os valores maiores insculpidos na Carta Magna, esto a acessibilidade material, a previsibilidade, a segurana e a certeza de um tratamento isonmico do Direito ao alcance da Justia Constitucional. Por essas razes e fundamentos, o trabalho cientifico conclui que possvel, considerando os dispositivos legais apontados, defender, dados os limites da pesquisa terica, a Tese do desenvolvimento legal de uma plataforma digital processual programada em Inteligncia Artificial, atuando no armazenamento de dados e informaes, gerindo-os e decidindo casos cuja questo
de Direito tenha precedentes fundados (compreenso interpretativa hermenutica sobre o Direito consensualizado) nos termos adotados pela legislao ptria vigente. Por fim, a pesquisa ainda sinaliza no sentido de que, dada a evoluo da tecnologia em Inteligncia Artificial e todos os demais fatores e influncias, h que considerar a tendncia natural para que o Direito e Justia no somente passem a ser decididos por inteligncia no humana como a mutao irradiada pela tcnica em tecnologia de Inteligncia Artificial gere uma ruptura de conceitos, formas e estruturas em poucas dcadas.
Palavras-chave: Limite cognitivo humano. Paradigma de Justia. Judicirio. Direito mediado por Inteligncia Artificial.
SANTOS, Fabio Ferreira Marques. The cognitive limit of adjudicative human
power. One step of a new cognitive paradigm of Justice: judicial cyber power. The
Law mediated by Artificial Intelligence. Doctoral thesis. Program of Postgraduate
Studies in Law. Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, SP, Brazil, 2016.
ABSTRACT
Scientific work aimed to investigate the cognitive limits of the State / Judge and
their conditions as a system (paradigm of Justice) operated by the human
intelligence, according to studies of Kahneman, Slovic and Tversky, in Judgment
under uncertainty: heuristic and biases, and effects caused to Law and Justice
with a historic deficit of predictability, certainty and security. It was adopted the
Kuhnian epistemology, methodology and concepts, appropriating them as an
explanatory flow of the dynamic of evolution of Law and Justice. It was sought to
consolidate a dialogue with no winners, bringing flexibility to the granularity and
incommensurability between Philosophies, Logics, Cognitive Sciences and Human
Rights (Constitutional and Civil Procedure).Theoretical studies gathered
information and data in order to demonstrate the fallibility and failure of the State /
Judge as an exclusive mediator of law to achieve justice and the potential
possibility of carrying out the equation between Law and Justice through the
Artificial Intelligence technology. These studies also evaluate such evolution as a
kind of intelligence technology and, at the same time, as a safe and effective
means to perform functions using programming structure. The research
emphasized the predictability of constitutional provisions, in particular the content
encapsulated in item LXXVIII of Article 5 of the laureate diploma stating that "it is
assured to everyone at judicial and administrative level, reasonable duration of the
process and the means to guarantee the speed of its proceedings." Based on
permissive Constitution, it focused symmetrically an analysis of the Constitutional
Procedural Law, named Establishment of Repetitive Demands Incident Resolution,
taken over by the Law 13,105 / 2015 with the sole mission to standardize and to
achieve the legal substantive statutes whose procedural technique has
internalized, through the new procedural standard, the so-called judicial precedent,
which has the power to vertically integrate judicial decisions, linking the final
decisions entered by the Courts, having as ballast a legal thesis founded in
question of Law. The objective is to give parity treatment to similar cases, greater
speed to processes, to unburden the judiciary system and therefore, to seek the
realization of the Democratic State of Law envisioned in the Constitution. Among
the most important values contemplated by the Constitution, there are namely
accessible material, predictability, safety and certainty of equal treatment of the
Law according to the Constitutional Justice. For these reasons and rationale, the
scientific work concludes that it is possible, taking into consideration the
mentioned legal provisions, to defend, within the limits of theoretical research, the
Thesis of the legal development of a procedural digital platform conducted by
Artificial Intelligence, using data storage and information, managing them and
deciding cases whose question of Law has legitimate precedents (hermeneutic
interpretive understanding about consensual Law) in terms adopted by the current
Brazilian legislation. Finally, the research also shows that, in view of the evolution
of Artificial Intelligence technology, as well as other factors and influences, we
must consider the natural tendency for the Law and Justice to start being decided
by non-human intelligence and the changes brought about by the Artificial
Intelligence technology that will cause the break of concepts, forms and structures
in the next decades.
Key words: Human cognitive limit. Paradigm of Justice. Judiciary. Law mediated
by Artificial Intelligence.
Como qualquer outra atividade social, a
pesquisa cientfica conduzida por certas
condies biolgicas, econmicas, culturais e
polticas mnimas, que variam relativamente
pouco de uma sociedade para outra. Por
exemplo, um pesquisador, por mais abstrato
que seja o problema com que se ocupa,
precisa ter sade e um salrio regular que lhe
permita concentrar-se em seu trabalho.
Precisa, tambm, ter livre acesso informao,
sem excluir o livre intercmbio de experincias
e opinies com colegas nacionais e
estrangeiros. Tambm necessita de
liberdadeacadmica para discorrer sobre o seu
tema e a maneira de trat-lo, assim como de
liberdade para difundir o resultado de seu
trabalho (liberdade especialmentenecessria se
o resultado contradiz opinies
preestabelecidas).
Mario Bunge
SUMRIO
INTRODUO .......................................................................................................... 14
1 ASPECTOS PROPEDUTICOS FUNDAMENTAIS DO CONHECIMENTO ......... 29
1.1 A formao estrutural do conhecimento .............................................................. 29
2 A IMPORTNCIA DA EPISTEMOLOGIA DE THOMAS KUHN NO
DESENVOLVIMENTO DA CINCIA DO DIREITO E DA JUSTIA ......................... 45
2.1 Aspecto dinmico da ruptura paradigmtica e sua contribuio para um novo
conceito de Direito e de Justia ................................................................................. 45
3 O MOVIMENTO DE RUPTURA COMO PROGRESSO DA CINCIA EM THOMAS
KUHN ........................................................................................................................ 68
3.1 A contribuio da ruptura da cincia no estabelecimento da nova ordem do
Direito e da Justia para o enfrentamento de uma nova Era .................................... 68
4 AS RELAES DINMICAS DA EPISTEMOLOGIA DA CINCIA EM THOMAS
KUHN, SUA LGICA E SEUS CRITRIOS PARA O DESENVOLVIMENTO
CIENTFICO .............................................................................................................. 82
4.1 As propriedades dinmicas da cincia a partir de Thomas Kuhn e sua
contribuio para a explicao do desenvolvimento paradigmtico do Direito e da
Justia ....................................................................................................................... 82
5 AS ESCOLAS DAS PSICOLOGIAS .................................................................... 102
5.1 Estruturas psicolgicas propostas para a explicao do funcionamento da mente
humana ................................................................................................................... 102
6 O SISTEMA COGNITIVO DE DECIDIBILIDADE ................................................. 118
6.1 Aspectos relevantes a respeito do sistema cognitivo humano e as influncias a
respeito de sua percepo no ato de decidir ........................................................... 118
7 O SISTEMA NEUROLGICO HUMANO ............................................................. 138
7.1 A dinmica do crebro humano e sua importante contribuio para o rompimento
de limites ................................................................................................................. 138
8 INTELIGNCIA ARTIFICIAL ............................................................................... 147
8.1 Aspectos estruturais e dinmicos do sistema da Inteligncia Artificial .............. 147
8.2 A Inteligncia Artificial como meio adequado e til para a mediao do Direito e
da Justia ................................................................................................................ 185
9 ASPECTOS ESTRUTURAIS DA VERDADE ....................................................... 214
9.1 O estatuto da verdade, seu tratamento histrico jurdico na validao do Direito e
da Justia e as lgicas relacionadas ....................................................................... 214
10 O ESTADO CONSTITUCIONAL E OS MEIOS PARA A CONQUISTA DOS
DIREITOS E DAS GARANTIAS FUNDAMENTAIS ................................................ 239
10.1 Aspectos de base de um projeto do Estado Democrtico de Direito para um
Estado Constitucional .............................................................................................. 239
10.2 O inevitvel destino do uso da tecnologia como meio para a concretizao do
Projeto do Estado Democrtico de Direito .............................................................. 249
11 CONSIDERAES GERAIS ACERCA DO ATUAL PARADIGMA (DE/DA)
JUSTIA ................................................................................................................. 275
11.1 Uma Justia com natureza judiciria ............................................................... 275
12 PROCESSO CIVIL E SEUS ASPECTOS RELEVANTES SEMPRE
IMANENTES .......................................................................................................... 301
12.1 Aspectos principiolgicos do processo ............................................................ 301
12.2 A relevncia Constitucional processual ........................................................... 306
13 PROCESSO CIVIL E SEU NOVO-REFORMADO ESTATUTO ......................... 311
13.1 Os aspectos desde a estrutura ao novo-reformado CPC ................................ 311
13.2 Uma teoria procedimental simplificada para a resoluo dos conflitos ........... 320
13.3 O papel do Estado/Juiz no novo-reformado CPC na ponderao dos
valores ....................................................................................................... 325
14 ASPECTOS GERAIS PARA UM MODELO ESTRUTURAL PROCESSUAL
TECNOLGICO ...................................................................................................... 334
14.1 A verdadeira funo do conhecer para a devida programao ....................... 334
14.2 As smulas, a jurisprudncia e os precedentes, seus papis sistmicos
processuais embrionrios de linguagens tecnolgicas ........................................... 343
14.3 O desembarque da IIRDR (Instaurao de Incidente de Resoluo de Demanda
Repetitiva) no sistema processual e suas perspectivas no cenrio processual
brasileiro .................................................................................................................. 358
14.4 O Processo Civil enquanto instrumentalidade com caractersticas
tecnologizadas e sua eficaz utilidade ...................................................................... 369
15 O LIMITE COGNITIVO DO PODER JUDICANTE ............................................. 390
15.1 Uma anomalia da natureza humana ............................................................... 390
16 CONSIDERAES GERAIS A RESPEITO DA PRIMEIRA REFORMA DO
PODER JUDICIRIO .............................................................................................. 445
16.1 Os motivos histricos do sistema operacional judicante e a centelha da
tecnologizao proposta entre os pontos e contrapontos da reforma ..................... 445
17 A EXISTNCIA DE UMA RELAO PARADOXAL NA CONCEPO DE
JUSTIA ................................................................................................................. 466
17.1 Por uma redefinio de Justia, uma alquimia fundida a partir da cultura, do
homem e da linguagem para a edificao de um plano Constitucional social
concreto .................................................................................................................. 466
18 CONSIDERAES A RESPEITO DE UM NOVO PARADIGMA DE
JUSTIA ................................................................................................................ 487
18.1 A epistemologia das decises mediadas por um sistema tecnolgico orientado a
partir de uma Inteligncia Artificial ........................................................................... 487
19 ASPECTOS MACROCOGNITIVOS ................................................................... 516
19.1 A relao profusora da Inteligncia Artificial com as cincias fsicas, neurofsica,
neuroqumica e seus impactos no futuro do destino do Direito e da Justia ........... 516
CONCLUSO ......................................................................................................... 564
REFERNCIAS ....................................................................................................... 568
ANEXO A PERCEPO DO BRASILEIRO SOBRE A JUSTIA (SIPS) ........... 589
ANEXO B PESQUISA SOBRE O JUDICIRIO: VISO DO JUIZ ...................... 605
14
INTRODUO
O trabalho de pesquisa algo envolvente, uma via tomada por escolha e
no por opo. Sabe-se que o mais importante dela ser trazer ao mundo
acadmico uma inovao e, se possvel, buscar edificar ideais de originalidade.
Aquela ou esses so o maior desafio em tempos em que o homem ps-
moderno vive a consumir um estoque intelectual de que no foi contribuinte, e, por
vezes injustificadamente, esse comportamento o mantm no amorfo espao da
conservao.
Vive-se em uma poca definida como ps-modernidade, na qual a
efemeridade dos objetos e das ideias se tornam fugazes e sem propsitos, em que
os trabalhos logo que apresentados se perdem no esquecimento ou na
desimportncia de sua real importncia, alm de no encontrar solo fecundo para o
incansvel aprimoramento.
Isso exige do pesquisador um compromisso de vida pelo comprometimento,
pela dedicao manuteno de fazer com que suas ideias e suas aes
sobrevivam no tempo, pela ao, rompendo as dificuldades e os obstculos que
impedem os homens de se emanciparem.
O trabalho vem mesclado por conhecimentos advindos de outras cincias que
no somente a do Direito, posio proposital e vital, cujo objetivo a de oportunizar
uma fertilizao indutiva materialmente diferente na construo no somente do
Direito mas do Processo Civil como ramificao especializada daquele. Essa
concepo j era um iderio concretista no mbito processual, como ilustra o trecho
da exposio de motivos do CPC de 1939:
[...] durante a reunio do Congresso de Direito Judicirio, e na presena de Vossa Excelncia, de declarar que j era tempo que o Direito, e particularmente o Direito judicirio, se beneficiasse da renovao das outras disciplinas do esprito, servindo se, na investigao da verdade.
Como se constata, o Processo Civil uma daquelas reas que esbanjam
riqueza esttica e material (uma obra de arte, porm com peculiaridades e critrios
prprios) atinentes com sua dogmtica.
15
um contribuinte forte e essencial quando se trata de instrumentalizao
para a obteno de um resultado material do Direito, ele representante de uma
categorizao das regras para a organizao de resultados materiais do Direito para
a obteno da Justia. Simplesmente, uma tecnologia em linguagem tcnica jurdica
desenvolvida pelo ator humano, para mediar a relao entre a espcie humana e
suas relaes sociais com o mundo.
No entanto, sua responsabilidade na concretizao da Justia material deve
ser delimitada, como bem justificada , nas exposies de motivo do CPC de 1973,
cujo texto plenamente atual no contexto vigente.1, portanto, na estrutura do
sistema processual que habita a pea central operacional da Justia, o Estado/Juiz,
responsvel por mediar o Direito, dando ao sistema organicidade e coeso para sua
efetiva funcionalidade. Isso significa que essa pea central operacional
responsabiliza-se, em maior parte, em sua precpua e suprema misso, pela no
fragmentao do sistema do Poder Judicirio.
cedio que, no processo, acontecem a entrega do bem da vida e a
resoluo dos conflitos, a partir da aplicao dedutiva da norma objetiva ao caso
concreto, de sua complexidade em conceitos e de sua estrutura procedimental,
operada pelo ator humano judicante, o Juiz.
Mesmo com o advento da Lei 13.105/15, que trouxe a lume o novo Cdigo de
Processo Civil, ainda assim espelha um sistema parametrizado em regras e
procedimentos para o desenvolvimento de um sistema que, ao final, objetiva
proporcionar a entrega do bem da vida mediante um resultado prtico material
previsto pelo Direito, por intermdio da prestao jurisdicional, mediada pela
inteligncia humana.
A prestao jurisdicional, atualmente em que pesem os meios alternativos
para a resoluo de conflitos, tais como arbitragem, mediao, conciliao, dentre
outras formas existentes ou embrionrias no afastam do Poder Judicirio a
responsabilidade maior ao julgar, enfim, por decidir as questes que lhes so
apresentadas, alm do seu papel de sentinela da constitucionalidade, moldada
segundo as regras da organizao judiciria.
1 No se cuide que a reforma processual baste, de per si, para resolver, como que por encanto, todos os problemas da administrao da justia. O melhor sistema processual estar fadado a completo malogro, se no for aplicado por um excelente corpo de juzes. que entre o processo civil e a organizao judiciria deve haver um perfeito equilbrio.
16
O Poder Judicirio e sua organizao almejam, por esse vis, alcanar a
estabilidade do sistema judicirio, como iderio Constitucional reprisado nas
exposies de motivo dos CPCs de 1939, 1973 e 2015, em uma espcie de mantra
ideolgico do Poder Judicirio assentado no solo hermenutico da interpretao.
Esse rgo, porm, criado historicamente como instrumento de orientao,
pacificao e resoluo de conflitos, com escopo voltado para os interesses da
Justia, tem, no tempo, se revelado consoante interesses do prprio Estado e de
pessoas, enquanto propsitos, divorciados dos fins colimados pelos valores maiores
da prpria Justia.
Melhor explicando, o interesse da Justia no o mesmo das pessoas; se
isso acontece, no h Justia, restam somente interesses, como j orientava a
exposio de motivos do CPC de 1973: A aspirao de cada uma das partes a de
ter razo; a finalidade do processo a de dar razo a quem efetivamente a tem.
Infere-se, portanto, dessa assertiva que ningum, nem mesmo o Estado, est acima
da lei.
Destaca-se disso que o ato de julgar ou decidir secularmente se tem
apresentado como exclusivo, reservado a um homem que, legitimado pelo Estado,
atribui-lhe a responsabilidade, depois de investido no cargo de Juiz, de operar como
pea maior e central do Poder Judicirio. Isso evidente, porque dado a esse ator
o poder de tomar as decises jurisdicionais, o que j era verbalizado desde 1939,
por Francisco Campos na exposio de motivos daquele CPC.2
2 O primeiro trao de relevo na reforma do processo haveria, pois, de ser a funo que se atribue ao juiz. A direo do processo deve caber ao juiz; e este no compete apenas o papel de zelar pela observncia formal das regras processuais por parte dos litigantes, mas o de intervir no processo de maneira, que este atinja, pelos meios adequados, o objetivo de investigao dos fatos e descoberta da verdade. Da a largueza com que lhe so conferidos poderes, que o processo antigo, cingido pelo rigor de princpios privatsticos, hesitava em lhe reconhecer. Quer na direo do processo, quer na formao do material submetido a julgamento, a regra que prevalece, embora temperada e compensada como manda a prudncia, a de que o juiz ordenar quanto for necessrio ao conhecimento da verdade.
17
E complementa Francisco Campos:
Prevaleceu-se o Cdigo, nesse ponto, dos benefcios que trouxe ao moderno direito processual a chamada concepo publicista do processo. Foi o mrito dessa doutrina, a propsito da qual deve ser lembrado o nome de Giuseppe Chiovenda, o ter destacado com nitidez a finalidade do processo, que a atuao da vontade da lei num caso determinado. Tal concepo nos d, a um tempo, no s o carter pblico do Direito processual, como a verdadeira perspectiva sob que devemos considerar a cena judiciria em que avulta a figura do julgador. O juiz o Estado administrando a justia; no um registro passivo e mecnico de fatos, em relao aos quais no o anima nenhum interesse de natureza vital. No lhe pode ser indiferente o interesse da justia. Este o interesse da comunidade, do povo, do Estado, e no juiz que um tal interesse se representa e personifica.
Esse ato de exclusividade ante o Estado Democrtico de Direito
contestvel, ao menos em tese. Sendo a exclusividade uma das formas de excluso
de opo ou opes da pluralidade de Direitos, seria ela a demonstrao de uma
tirania democrtica do Direito.
Tal afirmao, todavia, no se sustenta plenamente, na medida em que o
sistema reconhece e autoriza outras formas legtimas para a busca de resoluo de
conflitos, inclusive as j mencionadas, sem afastar, todavia, do Poder Judicirio, sua
responsabilidade por garantir legitimidade aos Direitos e s Garantias Fundamentais,
principalmente quando violados pelas outras vias para a obteno da Justia.
Todavia, o judicirio representa a ltima instncia e o mecanismo
monopolstico constitucionalmente reconhecido e legitimado dentro do Estado
Democrtico de Direito como rgo aplicador ou fiscalizador da ameaa ou leso do
Direito, a quem se reservam a vigilncia e a consequente lida corretivas pelas
ameaas e leses de Direito praticadas pelo prprio Poder Judicirio, por prticas
ativas ou omissivas do seu operador Estado/Juiz, ainda que no exerccio regular de
suas atribuies e funes judicantes.
Em que pese a existncia de meios alternativos para a resoluo de conflitos
em que o homem participa como mediador, em que pese ser o Estado/Juiz um
signatrio maior do controle central do Poder Judicirio, ainda que rgos ou meios
possam vigiar suas aes, em ambos os contextos, no se afastam do risco da
ameaa e/ou da leso de Direito, alis, do prprio Direito quando manuseado por
sua condio humana de falibilidade.
18
Isso se verifica porque o Direito mediado pelo homem para o alcance da
Justia. Suas condies cognitivas refletem-se simetricamente em ltima instncia
nos problemas estruturais e materiais do Direito que, criado a partir da participao
direta e indireta do prprio homem, ao participar ele, quando do processo de
reconstruo e aplicao, prejudica os interesses da prpria Justia.
A Justia, embora idealizada para acontecer por intermdio da jurisdio que
monoplio do Estado, que a exerce de forma soberana por intermdio de um de
seus poderes, o Poder Judicirio, faz-se representada pela figura paternalista do
Estado/Juiz que passa a ser objeto de anlise frente a uma nova estrutura de
conhecimento, dada a ausncia de resoluo das anomalias da imprevisibilidade, da
morosidade e da inefetividade da Justia material ideologicamente prevista e
prometida pelo diploma Constitucional, pelo atual paradigma.
A questo que se prope, dada a responsabilidade encampada pelo Poder
Judicirio, est em torno do limite cognitivo do poder humano judicante, uma vez
que, sendo o ato de julgar uma atribuio outorgada pelo Estado, inquestionvel
serem de responsabilidade extensiva do Estado os atos praticados pelo operador do
sistema Judicirio que lhe subordinado.
Nem sempre, no entanto, os danos causados por esse mediador do Direito
tm o interesse do seu usurio em obter o Direito de reparao; isso significa dizer
que o que o jurisdicionado almeja, na verdade, sua pretenso primria e o mais
importante, o de obter o direito de ter o Direito.
Alm disso, a questo de fundo, quanto ao limite cognitivo pontuado que ser
examinado em pormenores no discorrer da Tese, envolve o conhecimento como um
todo. Causa o desalojamento do Direito e da Justia, pela demasiada demora,
incerteza e insegurana no mago do sistema judicirio, fruto de um conflito
ideolgico travado no campo hermutico de interpretao, ao qual a realidade social
dos novos tempos no permite mais assistir.
Aventa-se, assim, a hiptese de no serem o pensar e a inteligncia, dentre
outras faculdades intelectivas, prerrogativas de propriedade da espcie humana,
dadas as novas formas organizacionais de vida, de problemas, de trabalho, que
exigem solues claras para problemas bem definidos.3
3 Como esclarece Honor: Os especialistas consideram que o crebro opera com dois modos de pensamento. Em seu livro Hare Brain, Tortoise Mind Why Intelligence Increases When You Think Less [Crebro de lebre, mente de tartaruga Por que a inteligncia aumenta quando pensamos
19
Assim, passa a ser plenamente defensvel a existncia de tais faculdades em
outras formas de inteligncia, passando a no ser de exclusividade da espcie
humana para determinados fins, principalmente nos aspectos em que a
tecnologizao da ao humana possa contribuir para o avano da prpria espcie.
Dessa forma, em estando resguardados os Direitos e as Garantias
Fundamentais previstos na Constituio Federal, em oportunidade ao regime
Democrtico de Direito, reconhecer uma nova epistemologia cognitiva responsvel
por decidir, dado o nvel de avano das tecnologias que marcam o novo sculo,
torna-se coerente afirmar que o Direito possa ser mediado por uma Inteligncia
Artificial.
Para isso, o estudo desce artesianamente, filtrando os aspectos da
Constituio Federal de modo a certificar da compatibilidade desse meio como
tecnologia em inteligncia no humana, apta ao pleno funcionamento no mbito de
uma informtica decisria ou de julgamento.
Haveria, assim, o acolhimento e o reconhecimento no sistema jurdico de
mais um meio alternativo para a informao, a orientao e a resoluo de conflitos,
concebendo ao jurisdicionado a oportunidade de recorrer ao Poder Ciberntico
Judicante. esse um dos cernes da Tese, considerando-se opo, desde que no
venha a colidir com os Direitos e as Garantias Fundamentais.
uma das formas de reconhecimento e de concretizao material do regime
Democrtico de Direito o reconhecimento da pluralidade e das diversidades, a
outorga da Justia ao jurisdicionado, diferente da forma como se considera
classicamente o Poder Judicirio dado somente por intermdio de uma Justia
Judiciria cujo operador o Estado/Juiz.
Assim, a Justia mediada por uma Inteligncia Artificial representaria mais um
meio alternativo para a informao, a simulao e a orientao de Direitos bem
como para a resoluo de conflitos: o propsito de um Poder Judicante Ciberntico
como um dos canais do Estado na operao de aplicao do Direito.
menos], o psiclogo britnico Guy Claxton refere-se a eles como Pensamento Rpido e Pensamento Devagar. O Pensamento Rpido e Pensamento Devagar. O Pensamento Rpido racional, analtico, linear e lgico. o que fazemos quando estamos sob presso, ante o tique-taque do relgio; a maneira como os computadores pensam e tambm a maneira como funcionam nossos ambientes modernos de trabalho; graas a ele, podemos obter solues claras para problemas bem definidos (HONOR, Carl. Devagar; traduo Clvis Marques. 7. ed. Rio de Janeiro: Record, 2012, p. 142-143).
20
Isso representaria mais uma forma alternativa na resoluo de conflitos bem
como o reconhecimento do avano da tecnologia como partcipe inafastvel de uma
nova realidade social, em que as regras previstas na lei e a conduta humana, ambas
devidamente categorizadas, possam algoritmicamente ser mediadas por um sistema
tecnolgico.
A tecnologizao da Justia, por intermdio da Inteligncia Artificial (IA), em
decorrncia do seu carter de cientificidade de realizao geraria a entrega de uma
participao neutra e imparcial especfica, reconhecida pelos representantes da
comunidade jurdica.Passaria a ser uma realidade crvel e possvel no campo da
efetividade material do Direito, ainda que seu conceito como um fenmeno mutvel
passasse por um processo de reconceituao. Se convencionado e aprovado pela
comunidade cientfica das cincias jurdicas, passaria a ser legtimo e legal,
internalizando-se ao sistema judicirio.
A base ciberntica contribuiria para a integrao, a uniformizao e a
padronizao exigidas pelas demandas, principalmente as de massas, conforme se
extrai da exposio de motivos do CPC de 2015 Com os mesmos objetivos, criou-
se, com inspirao no direito alemo, o j referido Instaurao de Incidente de
Resoluo de Demandas Repetitivas (IIRDR), que consiste na identificao de
processos que contenham a mesma questo de direito[...].
A acessibilidade e a previsibilidade quanto ao resultado do Direito na
concretizao da Justia passariam a ter uma reconfigurao mais efetiva e estvel
por intermdio de integrao, uniformizao e padronizao de informaes e de
dados, minimizando, dessa forma, o risco de se conviver com decises dspares e
conflitantes.
Sinaliza essa ferramenta tcnica processual, do Incidente de Resoluo de
Demandas Repetitivas (IIRDR) como instituto processual incorporado ao sistema
processual para o alcance da Justia, a partir de 2016 quando vigente, na
preocupao do prprio sistema judicirio por sua fragmentao, diante da
probabilidade de que as decises conflitantes geram pela ausncia de integrao,
unificao e uniformizao.
Essa falha sistmica jurdica causa inevitavelmente o descrdito e
consequente afastamento do Poder Judicirio que estaria a insistir na Justia
ideologicamente formal. Alis, bem verdade que qualquer sistema, quando uma de
suas peas insuficiente ou no compatvel para os seus fins, no caso do sistema
21
judicirio, o ordenamento passa a conviver com uma real ausncia de efetividade
material, o que aparece alardeado nos CPCs de 1939, 1973 e 2015.
Nessa perspectiva, sendo o Direito e a Justia formas secularmente
conhecidas e reconhecidas, desde os perodos mais remotos, como modelos,
paradigmas de transio, legalmente implementados pelo Estado e legitimamente
aceitos pela sociedade, atualmente, dada a excessiva procura, aliada
complexidade advinda em decorrncia da densidade demogrfica, esse sistema,
operacionalizado pelo Estado/Juiz, tem-se mostrado ineficaz.
Destarte, a existncia de um padro reconhecido, independentemente do
seguimento ou da natureza, representa um pressuposto que permite prever que, em
algum momento, haver uma ruptura como modelo anterior, dadas as condies do
no atendimento manifestao das necessidades existentes causadas pelo atual
modelo. Por isso, do questionamento Justia judiciria quanto probabilidade de
ruptura desse modelo e o surgimento de um novo paradigma, em que a
tecnologizao possa aquilatar e participar como elemento central.
Operar na ponderao da aplicao do Direito como mediadora e, com isso,
demonstrar como o apangio dessa mudana e a identificao de que esse
processo de ruptura no est acontecendo aleatoriamente representa, em concreto,
uma fratura incomensurvel no radical e ao mesmo tempo multidisciplinar da
realidade existente, em contraste com uma outra, que exige uma estratgia material
diferente para o enfrentamento de um novo mundo.
A Inteligncia Artificial, nesse contexto, representa uma tecnologia em
inteligncia nutrida de tcnicas multifacetadass, tanto quanto representaram e
representam a oralidade humana e a escrita, com a distino de que a inteligncia
humana da descoberta criou a IA. E essa, para os fins da presente pesquisa, no se
limita como um simples meio alternativo de tecnologia em si, mas como meio cuja
linguagem tem utilidade eficaz inclusive na mutao do Direito Processual em sua
evoluo.
Alis, o Estado detm base cientfica ao compreender que o novo modelo tem
fundamento, a partir de uma demanda de insatisfao reprimida refletida
estatisticamente no atual descrdito do Poder Judicirio, em decorrncia do tipo de
Justia proporcionada ao jurisdicionado, que vem transformando a Constituio
Federal em mera etiqueta ideolgica da Justia.
22
Por isso, do clssico A estrutura das revolues cientficas, de autoria de
Thomas Kuhn, extrado que o conhecimento e tudo por ele gerado em algum
momento pode sofrer mudanas significativas, inclusive dentro dos processos
previamente definidos e estabelecidos pelo conhecimento desenvolvido em
determinado tempo e espao.
O dinamismo um aspecto da cincia merecedor de tratamento exordial na
presente Tese, como pressuposto do estabelecimento da base cognitiva cientfica
para compreenso da concepo de paradigma, que se perfaz no seio da
comunidade cientfica, a partir da percepo que ela faz com relao ao mundo que
a circunda.
Na cincia do Direito, esse fenmeno no parece diferente, uma vez que
evidente a presena de modelo dada a mutabilidade com que o comportamento da
sociedade se desloca de tempos em tempos de insight. Ela ocorre na
concatenao de novos conceitos para a sedimentao dos anteriores.
Atualmente, o que se tem como definido um paradigma de Justia judiciria
(denominao reticulada para os limites do presente estudo), contendo todo um
histrico, uma infraestrutura e uma estrutura de conhecimento que a tornam nica,
exclusiva e responsvel pela entrega da prestao jurisdicional estatal, em que o
Estado/Juiz o central operador.
um sistema fsico-qumico/orgnico que, pela limitao cognitiva comum ao
gnero humano em que o homem/Juiz espcie, apresenta problemas na acepo
maior de Justia e de seus atributos, como j sinalizado.
Sob esse aspecto, os pesquisadores da cincia do Direito debruam-se para
denunciar que o modelo ofertado para a entrega da Justia, alm de questionvel,
supervel, dada sua ineficincia material.4
4 Para Goldstein, A prova e o paradoxo de Kurt Godel..., Em cincia [...] O novo somente nasce com dificuldade, vtima da resistncia, diante de um cenrio proporcionado pela expectativa. Inicialmente, apenas o previsto ou o que conhecemos que nos permitimos experimentar, mesmo que mais tarde a anomalia identificada seja observada e reconhecida (GOLDSTEIN, Rebecca. Incompletude: a prova e o paradoxo de Kurt Gdel; traduo Ivo Korytowski. So Paulo: Companhia das Letras, 2008).
23
O modelo operado pelo Estado/Juiz a partir de uma atribuio realizada pelo
Estado, rgo que organiza, distribui e delega suas funes a seus subordinados,
tem permitido ao longo de sua experincia prtica experimentar problemas das mais
diversas naturezas, dentre elas a impossibilidade da garantia da neutralidade e da
imparcialidade nas decises, e a morosidade na concretizao da Justia.
Isso se d porque o sistema de operacionalizao da lei e da distribuio da
Justia mediado pelo Estado/Juiz na aplicao da lei s questes que lhe so
subordinadas. A questo tem destacado ateno pela fragilidade com que a
intelectualidade humana limitada e pela facilidade com que suas faculdades so
influenciveis.
Nesse processo, o Estado/Juiz, a partir de mtodos lgicos, hermenuticos,
epistemolgicos e sistematizados realiza os processos de decodificao,
interpretao e reconstruo do Direito para a aplicao aos casos concretos. No
entanto, o resultado quase sempre tomado de aceitao duvidosa, pois alguns
princpios, dentre eles os da imparcialidade e da neutralidade, so postulados
geradores de um dilema incontornvel, quando os dogmas da certeza e da
previsibilidade so convocados a prestar contas.
Tem-se, ento, prejudicada a credibilidade do Direito e da Justia, cuja
expectativa de alcance se d a partir da concretizao material do Direito.Tal fato,
episodicamente, no acontece como proposto na Carta Constitucional de forma
plena e sem previsibilidade de que isso venha a acontecer, na medida em que a
base cognitiva v-se impossibilitada de realiz-la, diante das interminveis
contradies ideolgicas realizadas pelo operador do Direito quando da entrega da
Justia.
Isso acontece porque a estrutura do conhecimento humano, pressuposto vital
ao exerccio de um poder denominado Justia judiciria, falvel, em decorrncia
de sua limitao cognitiva.
Observa-se que um dos maiores riscos ofertados ao Poder Judicirio na
operacionalizao do Direito para o alcance da Justia reservado ao risco do
sistema cognitivo humano (e que a pea operacional central do sistema judicirio),
face imprevisibilidade de seus sentidos, os conectores do seu eu, e o eu do
mundo, que, se no se estabelecer de forma clara e objetiva, turvar sua percepo
frente realidade assistida, causando-lhe falhas, erros e equvocos em suas
decises.
24
Dessa forma, uma vez disponvel, o Direito, como regra vigente para sua
aplicao, ou melhor, como conhecimento vlido e legtimo para orientar a
sociedade como regra de conduta aceitvel, passa por um processo de reconstruo
quando de sua convocao para atender determinada ocorrncia no mundo
prtico-social.
No entanto, o conhecimento do Direito para sua aplicao passa a ser
contaminado pela interveno do homem e por seus aspectos ideolgicos, isto , o
Direito comea, em si, a ser desvirtuado por fatores diversos que influenciam seu
operador quando de sua reconstruo, no terminando o ciclo, nem sempre, em seu
incio, que a lei, disso se extrai a injustia.
Nesse cenrio, a Justia passa a no acontecer por ausncia de elementos
essenciais ou para alguns de pressupostos essenciais vlidos ao cumprimento de
seus fins. perceptvel que, se o modelo existente de Justia eficaz ou no, tem
em si, anterior sua estruturao, um conhecimento que lhe d a estatura de poder
(regra de conduta), a fim de legitim-lo como tal, outorgando-lhe poder e
reconhecimento da deciso, pois esteve dentro da moldura proporcionada pela lei,
portanto, Justia a aplicao de um Direito vinculado por uma lei.
A estrutura do conhecimento da norma ponto inconteste, salvo mudanas
da estrutura diante do no atendimento em decorrncia da evoluo da sociedade a
que se destina, o que diferente do conhecimento exercitado pelo homem quando
da aplicao do conjunto normativo disponvel para aplicabilidade.
O modelo do Direito moderno representa a postura da fora para a
manuteno da ordem sobre o caos, porm no o nega, ao contrrio, data o fim do
ciclo com o advento da emancipao do homem, da cincia e da tecnologia como
modelo da ps-modernidade, pois, frente a uma logicidade e a uma racionalidade
distintas, o sistema judicirio mediado pelo Estado/juiz tem-se revelado incompatvel
com as necessidades e as exigncias da vida ps-moderna.5Em um novo momento
5 nesse ponto elementar que a passagem de Boaventura Santos fornece oxignio intelectual a tal propsito, seno vejamos: A ordem que se buscava era, desde o incio e simultaneamente, a ordem da natureza e a ordem da sociedade. Enquanto a tenso entre regular e a emancipao foi protagonista no paradigma da modernidade, a ordem foi sempre concebida numa tenso dialtica com a solidariedade, tenso que seria superada mediante uma nova sntese: a ideia da boa ordem. Desaparecida a tenso, a ideia de boa ordem daria lugar a ideia de ordem tout court. Ao direito moderno foi atribuda a tarefa de assegurar a ordem exigida pelo capitalismo, cujo desenvolvimento ocorrera num clima de caos social que era, em parte, obra sua. O direito moderno passou, assim, a constituir um racionalizador de segunda ordem da vida social, um substituto da conscientizao da sociedade, o ersatz que mais se aproximava pelo menos no momento da plena cientificizao da sociedade que s poderia ser fruto da prpria cincia moderna para desempenhar essa funo, o
25
histrico, dados os avanos das cincias, a pesquisa encontra nesse solo elementos
que demarcam as trincas e as rachaduras do modelo moderno, abrindo, assim,
espao para um novo paradigma encampado por uma nova estrutura cognitiva de
gesto para a aplicao do Direito em todo seu sistema operacional, exigidos pela
ps-modernidade.
Essa fenda gerada no sistema operacional do Poder Judicirio tributria da
insuficincia da estrutura psicolgica do homem como homo sapiens e sua fcil
influenciabilidade quando das tomadas de decises, por fatores dos mais diversos,
tais como pessoalidade, subjetividade, econmico, polticos, dentre outros que o
exponham a aspectos valorativos ou morais.
A realidade perceptiva do homem o torna um ser de limitaes de sua
prpria realidade e do mundo em que vive. E isso objeto de estudo cientfico da
obra Judgment under uncertainty: Heuristics and biases, de Kahneman, Slovic e
Tversky (Julgamento sob incerteza: bases e heursticas), traduo pessoal, que
embasa cientificamente a questo enfrentada quando o dilema da probabilidade
cognitiva enfrenta o desconhecido pntano da representatividade proporcionada
pelos sentidos e o risco dos resultados, quase sempre obtidos pela intuio
perceptiva.
Portanto, o limite cognitivo do poder humano judicante representa um dos
maiores problemas do Judicirio diante da nova era secular, cuja marca se baseia
no avano da tecnologia e com ela na tecnologizaodas aes humanas em todos
os sentidos e em todas as formas pelas machines sapiens.
Sendo o operador da Justia uma pea central do sistema do Poder
Judicirio, poder o representante supremo e cone identidrio da Justia ser um
paradigma? Como todo paradigma, em dadas circunstncias sua ruptura representa
uma condio natural do ciclo.
direito moderno teve de se submeter a racionalidade cognitivo-instrumental da cincia moderna e tornar-se ele prprio cientfico. A cientificizao do direito moderno envolveu tambm sua estatizao, j que a prevalncia poltica da ordemsobre o caos foi atribuda ao Estado Moderno, pelo menos transitoriamente, enquanto a cincia e a tecnologia no pudessem assegurar por si mesmas (SANTOS, Boaventura de Sousa. A crtica da razo indolente: contra o desperdcio da experincia.
8. ed. So Paulo: Cortez, 2013, p. 119).
26
Torna-se insurgente um novo modelo operacional gerido por um sistema
ciberntico parametrizado pela Inteligncia Artificial conteudista de uma gramtica,
da sintaxe e uma semntica estabelecidas segundo a natureza da nova linguagem
e, por consequncia, um novo padro de Justia. Para Giere Uma Reviso de Giere
da Cincia sem Leis e Perspectivismo Cientfico (2009), seja inevitvel.6
O homem, valendo-se da cincia, tem descoberto e reconhecido a
possibilidade de sua complexidade estar sendo aos poucos desvendada. Nesse
processo cientfico, tem observado que a tecnologia e as mquinas que ela produz
so seus aliados.
No que essa nova forma cognitiva ou instrumental o substitua
definitivamente, mas talvez ela possa adiantar o andar da viagem rumo ao futuro,
inclusive na concretizao da Justia em uma era demarcada pela transumanidade.
Sendo ela um produto social essencial, tal status somente poder ser pleno
quando cada cidado puder desfrutar, a qualquer hora do dia e da noite, de um
acesso a consultar e a obter uma resposta, simulada ou concreta, a seus Direitos, a
obter uma Justia rpida que, ao ser concedida, no esteja sob a influncia da
pessoalidade ou da subjetividade humana.
nessa cruzada entre o sistema da Justia judiciria e a condio de seu
maior representante, o Estado/Juiz, que demandado por seus assemelhados
excessivamente, a nveis subumanos, trabalhando em condies hostis, quase que
como uma mquina, por sua prpria condio humana, enfrenta e encontra na sua
prpria limitao a impossibilidade de fazer a entrega da Justia da ps-
modernidade.
Por isso, o insight de um sistema que se afasta da inteligncia humana como
mediadora do Direito e passa para um Direito mediado por uma Inteligncia Artificial
mostra-se factvel. Tal mudana representa um desenvolvimento positivo que a
histria registra a partir da presena inafastvel da tecnologia e da mutao causada
com o seu advento.
6 O comportamento do lgico, matemtico e cientista a parte mais difcil do campo do comportamento humano e, possivelmente, o fenmeno mais sutil e complexo j submetido a uma anlise lgica, matemtica, ou cientfica, mas porque ainda no foi bem analisado no se deve concluir que se trata de um tipo diferente de campo, que ser abordado apenas com um tipo diferente de anlise.
27
Trata-se de um divisor de guas, aqui considerado como estmulo do
progresso histrico, como verbaliza Max Horkheimer (2002, p. 183), em trecho da
obra Eclipse da Razo:
Cada vez mais na histria, as ideias se desfizeram dos seus cueiros e lutaram contra os sistemas sociais que as incomodavam. A causa, em ampla escala, o fato de que o esprito, a linguagem e todos os domnios da mente sempre colocam em jogo, necessariamente, aspiraes universais. At mesmo os grupos dominantes, que pretendem antes de tudo defender os seus interesses particulares, devem acentuar motivos universais na religio, na moralidade e na cincia. Do assim origem contradio entre o existente e ideologia, uma contradio que estimula o progresso histrico.
Por ser o homem uma pea, como todas as demais, orgnicas ou no,
inanimadas ou no, que compem o sistema biofsico ou bioqumico, sua
substituio ou seu reposicionamento so fatos reais a serem considerados,
portanto,crveis e possveis, ainda que no o sejam neste instante.7
No cenrio em questo, a Justia tornar-se- um produto de acesso tambm
pela via de um sistema digital, em que o controle dos casos e das decises
passariam a ser realizadas por uma organizao categorial por intermdio de
algoritmos, geradores de uma sistematizao capaz de integrar, uniformizar e
padronizar as questes tratadas por temas, naturezas, espcies, tipos ou
procedimentos, em uma plataforma institucional digital processual desenvolvida por
intermdio de uma linguagem de programao em matrizes semnticas.
Abastecida, administrada e fiscalizada pela espcie humana, isenta-a
somente do ato de ponderao de aplicao das regras aos fatos formalizados, a
partir dos critrios previamente predefinidos para insero do sistema.
O acesso da sociedade consulta de seus Direitos e Garantias passaria a ser
realizado por intermdio de terminais eletrnicos interligados e integrados s bases
legais de um sistema maior, que permitir por meio de uma Inteligncia Artificial e
de uma linguagem eletrnica entregar a cada cidado o direito de conhecer seus
Direitos, antes mesmo de buscar no Estado uma participao ativa para a resoluo 7 Como bem ilustrado por Braga (SDP), As mquinas no fazem extrapolaes, indues, dedues ou pressuposies. necessrio trein-las, program-las, simular as redes neurais do nosso crebro, gerar artificialmente os modelos de processamento da linguagem e do conhecimento que possumos. Eis o desafio desta tarefa de ensinar as mquinas (BRAGA, Daniela. Mquinas falantes: novos paradigmas da lngua e da lingustica. Disponvel em: . Acesso em: 19 abr. 2013).
28
de seus conflitos, que tambm disponibilizaria facultativamente que o caso fosse
mediado pela Justia Ciberntica.
As decises das questes conflituosas ficariam aos cuidados de profissionais
que gozassem da capacidade postulatria, a partir de sua certificao ao rgo
representativo e de sua capacitao para operacionalizao do sistema junto ao
Poder Ciberntico Judicante, inteligncia essa capaz de gerir um sistema de
mediao de regras, pois nutriria autonomia e independncia em sua
metodologizao de funcionamento.
A proposta supera a fico ou a alucinao futurista de impressionar com
suposies, parafraseando Penrose, a capacidade de pensar observada no
homem que o fez superar suas limitaes e sobrepor-se s demais criaturas, ao
menos em tese (se o inverso acontecesse), o faria inferior s demais criaturas? Se
isso for provado, o pensare a inteligncia no podero ser atributos exclusivos do
homem, mas, ao contrrio, atributos da cognio de que o homem, como um
sistema bioqumico ou biofsico, em algum momento se apropriou.
Nada impede, portanto, que outras espcies de sistemas possuam a
faculdade do pensar e da inteligncia, pois se esses so atributos essenciais ao
desenvolvimento do homem, no sendo esses atributos condicionantes exclusivos
da espcie humana, as demais formas de vida, sejam humanas ou no, no
estariam impedidas de utiliz-las.
Portanto, o rompimento com as formas clssicas do Direito do Processual no
visa apagar a memria do conhecimento produzido, mas, ao contrrio, demonstra
que a produo permite que novas competncias e habilidades possam ser
produzidas, a partir de novos paradigmas, os quais rompem com o totalitarismo
dedutivista no mais aplicveis realidade social vigente como consequncia
natural ao modelo em estgio de superao (ruptura).
Com isso, avaliza o ponto de vista indutivista do cientista/pesquisador no
rompimento com as tradies e com isso produzindo a evoluo da cultura social e
das cincias que esse v como fruto e frutificador.
29
1 ASPECTOS PROPEDUTICOS FUNDAMENTAIS DO CONHECIMENTO
1.1 A formao estrutural do conhecimento
A estrutura do conhecimento como um sistema dialeticamente construda
pelo exerccio prtico do prprio conhecimento, uma relao de constituinte e
constitudo, um processo que tambm histrico e que se faz como na histria, de
uma relao constante, em que se cria e se faz criar. 8
Atualmente, a produo do conhecimento advm das denominadas Big
Science e Small Science, as quais representam uma forma distribuda e integrativa
de realizar-se com maior celeridade e eficincia a produo do conhecimento
promovida pela participao ativa dos rgos, governamentais ou no, no processo
de mudanas nas cincias aps a segunda guerra mundial.
Nesse processo, as cincias norteiam-se para uma melhor compreenso,
explicao e aplicao, tanto no campo terico como no prtico, em prol da
formao do conhecimento da espcie humana e com isso contribuindo para o
progresso cientfico das cincias aplicadas.
Estruturalmente, o conhecimento representado por uma multiplicidade de
elementos responsveis por dar-lhe requisitos para, assim, torn-lo apto no
somente a essa condio de conhecimento, ou seja, contendo pressupostos tais
como sistematizao, cientificidade, dentre outros atributos que lhe concebe tal
estatura.
Por isso, na engenharia da razo e na dialeticidade do espao, o
conhecimento convocado a responder e a justificar suas respostas cognitivas, em
uma espcie de prestao de contas dele prprio, de modo a justific-lo
explicativamente, em uma espcie de desafio do conhecimento consigo mesmo.
8 Segundo Sanvito, O conhecimento do mundo animal depende de um longo processo de maturao, adquirido atravs de mecanismos evolutivos e da decantao das experincias face aos problemas do dia a dia. Uma estratgia particular pode transformar uma circunstncia adversa em uma condio favorvel. Se o comportamento adquirido atravs do conhecimento biolgico bem-sucedido, sua reaplicabilidade mantida. A inteligncia biolgica sobretudo seletiva. A ateno seletiva um aspecto fundamental de nossa atividade mental e as criaturas vivas demonstram sinais claros de seletividade (SANVITO, Wilson Luiz. Inteligncia biolgica versus inteligncia artificial. In: Scielo. Arq Neuropsiquiatr, n. 53, 1995, p. 365. Disponvel em: . Acesso em: 06 dez. 2015).
30
Isso se d tanto no processo emprico, com a utilizao de mtodo, como sem
a utilizao de uma estrutura metodolgica, estendendo-se essa dinmica ao
conhecimento prtico ou terico alhures j mencionado. Em quaisquer desses
aspectos, o conhecimento encontra seus desafios em busca de atender sua
supremacia, para impor-se como conhecimento.
Por isso, a estruturao em seu processo de constituio decisiva e
legitimamente cobrvel. Segundo Abrantes (1994, p. 48), Alm disso, bastante
evidente o fato de que no apenas o conhecimento cientfico, mas tambm o senso
comum consistem de estruturas cognitivas, de redes que articulam os conceitos
referentes a cada domnio da realidade.9
J o era; mas, na contemporaneidade, o conhecimento passou a ser mais
decisivo a cada dia: isso o eleva categoria de elemento essencial da vida em
sociedade, mormente como agente de produo, qualificao e quantificao,
sinalizando para uma participao decisiva cada vez maior em todos os ambientes,
e qui e no menos relevante na orla do Direito e da Justia, diante da necessidade
de se produzir tcnicas processuais (tecnologia em inteligncia) capazes de cumprir
com os ideais e as metas de pacificao dos conflitos sociais.
Uma questo importante que se destaca para ser avaliada nesse processo
a racionalidade do indivduo em aceitar na mesma velocidade as adequaes e as
adaptaes decorrentes da transitoriedade e da simultaneidade que isso representa
dentro e fora da sua vida e dos que se correlacionam com ele, considerando todo o
processo desenvolvido na ps-modernidade.
9 E complementa Abrantes: A noo de conceito desempenha papis importantes em vrias reas do saber. Nosso ponto de partida aqui foi a Psicologia, porm a Lgica e a Filosofia da Cincia compareceram como domnios onde a noo ocorre. A esses se pode acrescentar em primeiro lugar o dos estudos da linguagem de forma cientfica a lingustica (especialmente, claro a Semntica) , e filosfica A Filosofia da Linguagem. Na antropologia tambm se estudam os conceitos, tendo a prpria E. Rosh comeado suas pesquisas com experimentos antropolgicos. A Inteligncia Artificial tanto a tradicional quanto o conexionismo prope modelos computacionais de conceitos, enquanto a Neurocincia mais precisamente, a Neuropsicologia e a Neurolinguistica procura, entre outras coisas, estabelecer relaes entre o conhecimento conceitual e a estrutura e o funcionamento do sistema nervoso. A partir dessa constatao, se pode postular um princpio do seguinte teor: O estudo dos conceitos deve ser multidisciplinar (ABRANTES, Paulo (Org). Epistemologia e cognio. Braslia: Ed. Universidade de Braslia, 1994, p. 54).
31
As mutabilidades do conhecimento sero inevitveis diante de um novo
mundo que se revela, impactando inclusive todas as formas de conhecimento
cientifico ou no em seus respectivos vetores, inclusive no mbito da cincia
processualstica cuja estrutura tem exigido em seu cotidiano condies maior
eficincia e eficcia na gesto de dados, informaes e decises.10
A mudana de modelo significa uma revoluo na estrutura do conhecimento,
a altercao da base cientfica sinaliza para uma nova conexo entre o homem e
mundo que o cerca. Uma distinta engenharia parece ser percebida como
instrumento capaz de atender compreenso e ao funcionamento de uma realidade
ainda no enfrentada, o que demonstra que uma nova forma de tcnica cognitiva se
apresenta.
A distino entre o conhecimento e o indivduo um fator a ser considerado,
como dois corpos distintos que coexistem, que marcam os corpos, embora haja uma
simbiose entre eles, as naturezas so diversas. Disso, exsurge a necessidade de
compreender a racionalidade, a logicidade e seus critrios. A ateno focada, do
homem pelo saber a priori, revela-se essencial aos propsitos subjacentes do
conhecimento.
10 Para Lvy: A massa de informaes armazenadas cresce em um ritmo cada vez mais rpido. Os conhecimentos e habilidades da esfera tecnocientfica e das que dela dependem evoluem cada vez mais rpido. Disto decorre que, em certas reas, a separao entre a memria pessoal e o saber no mais parcial; as duas entidades tendem a estar quase que totalmente dissociadas. Na civilizao da escrita, o texto, o livro, a teoria permanecia, no horizonte do conhecimento, polos de identificao possvel. Por trs da atividade crtica, havia ainda uma estabilidade e unicidade possveis, as da teoria verdadeira, da explicao correta. Hoje, est cada vez mais difcil para um indivduo cogitar sua identificao, mesmo que parcial, com uma teoria. As explicaes sistemticas e os textos clssicos em que elas se encarnam parecem-nos hoje excessivamente fixos dentro de uma ecologia cognitiva na qual o conhecimento se encontra em metamorfose permanente. As teorias, com suas normas de verdade e com a atividade crtica que as acompanha, cedem terreno aos modelos, com suas normas de eficincia e o julgamento de pertinncia que preside sua avaliao. O modelo no se encontra mais inscrito no papel, este suporte inerte, mas roda em um computador. desta forma que os modelos so continuamente corrigidos e aperfeioados ao longo das simulaes. Um modelo raramente definitivo. Um modelo digital normalmente no nem verdadeiro nem falso, nem mesmo testvel, em um sentido estrito. Ele apenas ser mais ou menos til, mais ou menos eficaz ou pertinente em relao a este ou aquele objetivo especfico. Fatores muito distantes da ideia de verdade podem intervir na avaliao de um modelo: a facilidade de simulao, a velocidade de realizao e modificao, as conexes possveis com programas de visualizaes, de auxlio deciso ou ao ensino (LVY, Pierre. As tecnologias da inteligncia: o futuro do pensamento na era da informtica; traduo Carlos Irineu da Costa. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2011, p. 121).
32
Sua percepo tem o levado a insights revolucionrios registrados na seara
natural da histria das humanidades. A mudana de significados ou a descoberta de
equvocos demonstram que o conhecimento em sua concepo clssica transitrio
e que tal fenmeno est intimamente conectado com a filosofia da cincia como
forma de melhor detalhar e explicar a dinmica do conhecimento cientfico, sua
importncia e sua relao com a espcie humana.
A pluralidade de conhecimentos e a interdisciplinaridade mudam os critrios
existentes nos processos tericos metdicos da criao e da integrao das
diferentes formas existentes de conhecimentos, que se alteram e altercam com uma
velocidade incomensurvel, entre a capacidade de perceber e ser percebido. Disso
se extrai um dos problemas da ps-modernidade.
A mudana da base cognitiva nunca se renovou em to pouco tempo. H
poucos sculos, a estrutura cientfica de um conhecimento demandava em torno de
uma gerao para renovar-se; atualmente o tempo encurtou para um quinto. Esse
comportamento gerou mudanas nos mtodos de ensino e aprendizado, no
comportamento dos homens que ensinam e dos que buscam o ensinamento. Tal
mudana de paradigma estabeleceu um niilismo em decorrncia da velocidade
sobre o conhecimento e suas formas, estigmatizado-o ao princpio da complexidade.
As diferentes formas de conhecimentos so de mundos cientficos distintos,
os quais fazem surgir uma viso global que com ela tem fundindo novos horizontes,
novas perspectivas e novas oportunidades, como bem ilustra Minayo (2010, p.19):
[...] do conceito da sociedade do conhecimento, grupos e pessoas esto sob a mira
de um desafio: ou experimentam voos de guia ou se contentam com o
conservadorismo que corri a energia das instituies.
Todavia, a irracionalidade proporcionada pelas novas formas diversidades de
conhecimentos e a implacvel velocidade so bem ilustradas pela mesma autora
apud Bourdieu (2010, p. 22).11
11 [...] conceitos usualmente empregados para a construo do conhecimento e por uma teorizao sobre a prtica so isentas de interesses, de preconceitos e de incurses subjetivas. Conforme adverte Bourdieu, o privilgio presente em toda atividade terica pressupe um corte epistemolgico e um corte social e ambos governam sutilmente essa realidade, portanto, qualquer investigador deve pr em questo pressupostos inerentes a sua qualidade de observador externo que importa para o objeto, os princpios de sua relao com a realidade, incluindo-se a as prprias relevncias (MINAYO, Maria Ceclia de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em sade. 12 ed. So Paulo: Hucitec, 2010, p. 157).
33
O distanciamento pelo desinteresse na participao do processo de
construo e de compreenso da real importncia do conhecimento so sintomas da
ausncia de estmulos proporcionada pelo prprio objeto do conhecimento tornado
transitrio e fugaz, uma espcie de alienao causada pela incompreensibilidade
irracional.
A desiluso causada pela prpria estrutura em que o conhecimento se
encontra para ser obtido, aliada a seu tempo til de efemeridade existencial do
mundo transitrio. As multiplicidades de opes, a transitoriedade e a
simultaneidade geram desestmulo em sua obteno, dada a sensao de
inatingibilidade diante da dimenso enfrentada ou da dificuldade encontrada em
conciliar a utilidade fundamental do corpo invisvel do conhecimento e a sua
complexidade anunciada.
Semelhante racionalidade irracional produto da contemporaneidade, que
passa, porm, a ser advertida por ser geradora do embrutecimento do esprito que
decorre do empobrecimento da intelectualidade do homem ps-moderno, rendido
por um caleidoscpio ilusrio psicologicamente criado por essa atmosfera.
preciso participar ativamente, contextualizando e racionalizando os
conhecimentos de modo a torn-los ferramentas teis ao desenvolvimento positivo
do homem em seu processo de emancipao, sob pena de tornar-se submetido
regulamentao externa, sem que possa ter a efetiva compreenso necessria do
que .
vital que, com o auxlio dessa multiplicidade de conhecimentos, o homem
possa forjar novas ferramentas para desafiar os novos desafios que por certo
surgiro, de modo a venc-los. Para isso, preciso unificar os conhecimentos.12
12 Como esclarece Sanvito: O princpio da complexidade impede (no momento) uma teoria unificadora do conhecimento e no permite exorcizar essa instncia da contradio, da incerteza, do irracional. De acordo com os teoremas de Godel, um sistema formalizado complexo (axiomatizado) no pode ser validado por si mesmo. Isto significa que um sistema lgico, de certa complexidade, no consegue escapar de suas contradies ocultas. Aqui nos deparamos com o problema da autorreferncia, que um paradoxo clssico do pensamento grego, que geralmente se refere a ele como o paradoxo cretense (citado por Sanvito). Conta-se que o cretense Epimnides certa ocasio afirmou: Todos os cretenses so mentirosos e criou um problema aparentemente insolvel. Esse impasse pode ocorrer nos paradoxos que dependem do uso de conceitos cujo mbito de referncia inclui o prprio conceito. Neste modelo cretense, a simples colocao O que eu estou afirmando no verdade gera uma contradio extrnseca: se a afirmativa verdadeira, est demonstrada que falsa; se falsa, devemos entender que contm uma verdade. J Tarski (citado por Bronowski) deu nfase ao problema da linguagem; um sistema semntico no tem capacidade de explicar totalmente a si prprio. A linguagem simblica empregada para descrever partes do mundo, encontrando muitas dificuldades para descrever partes dela mesma. A elaborao de uma metalinguagem poderia remover este obstculo? No a opinio de Morin, para que as linguagens formalizadas no podem
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A partir das cincias, os conhecimentos prticos e tericos dividem o mesmo
espao em seus aspectos objetivo e subjetivo. Para compreender sua histria, ou
melhor, compreender a cartografia (mapa) da histria e seus fenmenos (o que
representa uma gravura decisiva na compreenso da formao dos conhecimentos),
necessrio um esforo pessoal do indivduo que se prope a realiz-lo, alm do
enfrentamento das adversidades proporcionadas pelo desconhecido.
Esse processo encontra obstculos em duas variveis: se, por um lado, a
limitao cognitiva do indivduo algo plausvel, do ponto de vista biolgico
considervel como padro da normalidade, ou seja, o homem um Ser insuficiente
e, por isso, falvel, mas que cultiva o germe gerativo do conhecimento denominado
descoberta que quase sempre o socorre de iminente fatalidade.13
Assim, a completude dos conceitos e das metodologias rende-se a uma
hipossuficincia da realidade ao prprio conhecimento que se funde a partir de um
fluxo de pensamento demarcado por uma realidade lgica e no lgica da espcie
humana como forma de inteligncia.
Isso se d por sua precariedade. Porque, alm da limitao em
equipotencialidade, dada sua condio, humana, mesmo em seu ativismo na busca
do conhecimento pelo conhecimento, nas ltimas dcadas o condicionante
comportamental vem arrefecendo, dada uma nova cartografia social que se destaca,
em que o homem moderno luta contra o vazio, biotipo bem retratado por Rojas
(1996, p. 21):
constituir uma metalinguagem em relao a nossa linguagem (SANVITO, Wilson Luiz. Inteligncia biolgica versus inteligncia artificial. In: Scielo. Arq Neuropsiquiatr, n. 53, 1995, p. 363. Disponvel em: . Acesso em: 06 dez. 2015).
13 Segundo Sanvito: A nossa maneira de pensar est intimamente ligada ao contexto das situaes; de modo geral, no analisamos a coisa em si, mas a relao entre elas. Por exemplo, quando lido com o substantivo ma, a minha representao mental pode ser diversa dependendo do contexto; pode significar o fruto proibido de que fala o Gnesis, o fruto envenenado da fbula da Branca de Neve, a ma de Newton com a conotao da lei da gravidade, a fruta propriamente dita para saborear, a natureza morta do pintor A ou B, e assim por diante. A IA tentou superar essas dificuldades atravs de estratgias para atingir uma representao dos conhecimentos (SANVITO, Wilson Luiz. Inteligncia biolgica versus inteligncia artificial. In: Scielo. Arq Neuropsiquiatr, n. 53, 1995, p. 365. Disponvel em: . Acesso em: 06 dez. 2015).
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Um ser humano hedonista, permissivo, consumista e centrado no relativismo tem pela frente um prognstico ruim. Padece de uma espcie de melancolia new look: instrumento de experincias apticas. Vive na condio de objeto, manipulado, dirigido e tiranizado por estmulos deslumbrantes, mas que no o gratificam, no o fazem mais feliz. Sua paisagem interior est coberta por uma mistura de frieza impassvel, de neutralidade sem compromisso e, ao mesmo tempo, de curiosidade e tolerncia ilimitada. Este o chamado homem cool, que no se preocupa com a justia nem com os velhos temas dos existencialistas (Soren Kierkegaard, Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre, Albert Camus), nem com os problemas sociais ou com os grandes temas do pensamento (a liberdade, a verdade, o sofrimento).
A realidade naturalmente se encontra dentro de um processo marcado por
etapas, por especificidades, por reflexes, por anlises, por avaliaes e por uma
integrao de todo o processo na emisso de posies conclusivas, em que o
conhecimento precisa completar-se para compreender e responder a todas as
etapas do processo taxonmico da realidade que se faz presente e que se
apresenta.
Esse ciclo compete natureza do conhecimento cientfico, uma busca
incessante do acabado, mas sempre provisrio, do conhecimento cientfico, em que
confluem conhecimento humano para a construo do conhecimento tecnolgico.
Esse processo entremeado pela linguagem psicologizada humana e pela
linguagem padronizada tecnolgica.14
A conscincia constitui-se na histria, histrica em sua formao, embora
paire sobre ela o enigma de sua natureza, porm no enfrentada dado o escopo da
pesquisa. Fornece registros (direta e indiretamente) s estruturas complexas das
faculdades cognitivas, o que Abrantes (1994, p. 184) denomina de prottipos e
esquemas dados a forma esttica da percepo da espcie humana e os
14 Cita Minayo: Regras universais e padres rgidos permitindo uma linguagem comum divulgada e conhecida no mundo inteiro, atualizao e crticas permanentes fizeram da cincia a crena mais respeitvel a partir da modernidade. A fora da cincia, que se tornou um fator produtivo de elevada potncia na contemporaneidade, levou o filsofo Popper (1973) a dar nfase em suas anlises lgica externa da comunidade cientfica, utilizando, para isso a expresso o Terceiro Mundo, uma espcie de classe ou casta, com sua economia e lgica prprias, embora permeadas por conflitos e contradies como qualquer outra criao e instituio humana. O certo que o campo cientfico tem suas regras, para conferir o grau de cientificidade ao que produzido e reproduzido dentro e fora dele, suas atividades conciliam sempre em duas direes: numa, ela loca suas teorias, mtodos, princpios e estabelece resultados. Noutra, inventa, ratifica seus cenrios, abandona certas vias e orienta-se por novas rotas. Ao se enveredar nesse terceiro mundo, os cientistas aceitam as condies institudas e no mesmo tempo o condo de historicidade e provisoriedade peculiar do universo em que decidiram investir sua vida (MINAYO, Maria Ceclia de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em sade. 12 ed. So Paulo: Hucitec, 2010, p. 36).
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esquemas previamente armazenados na memria. Isso significa que memria seria
nada mais e nada menos que prottipos e esquemas de uma estrutura cognitiva.
Parafraseando Guriev, no processo de construo do conhecimento, a
conscincia do indivduo acontece a partir do espao que ocupa, portanto, a
conscincia histrica um fenmeno da prpria histria e do tempo em que ela se
faz existir. Registre-se como uma fenda no raciocnio desenvolvido de que, no
mbito da estrutura cognitiva das inteligncias, o que h de comum entre a espcie
humana e a no humana denominada mquina o processamento de informaes.
Para Marx, parafraseando-o, a relao do indivduo na construo da
histria e a histria construindo o indivduo. Esse contexto enfrenta os problemas da
subjetividade e da pessoalidade na edificao interna e externa das ideologias para
cada momento da histria do homem e do conhecimento que produz. Ceticamente
ou em uma viso radicalizada, em ltima instncia nada seria real, portanto, apenas
um sonho em ordem subsequente de circunstancialidade.
O conhecimento como substncia vital ao preenchimento do conceito de
verdade, portanto pode afirmar-se como inexistente, se no fosse a justificao e a
relao de satisfao quando da condio de suficincia da prpria justificao. A
verdade, assim, uma conveno a que adere determinada comunidade e seus
interesses comuns afins.
Nessas condies, o conhecimento nunca est pronto e acabado, uma vez
que, alm de ser convencional, o processo de justificao e satisfao provisrio.
O conhecimento, assim dizendo, dinamicamente alimentado pela incessante e
laboriosa pesquisa, abastecida por uma fonte de busca inesgotvel.
s vezes inusitado, o homem se v circundado pela rdua atividade da
pesquisa e suas adversidades que lhe criam um cisma ao tentar reconhecer ou
simplesmente aproximar-se da realidade com mais exatido possvel, por vezes
dominado diante do limite cognitivo em todos os seus aspectos.
Os problemas e as dificuldades tambm giram em torno dos paradigmas
estabelecidos os quais habitam a comodidade e o parasitismo dos conceitos e das
prticas j superadas, mas que a percepo no captou.15As velhas verdades
15 Observa Abrantes: Outras teses de Kuhn so revisitadas, como as relativas aprendizagem de um paradigma atravs de problemas e solues-padro, num perodo de Cincia normal; ou da resistncia dos cientistas a novos paradigmas. A aprendizagem considerada um processo cognitivo envolvendo modificaes nos pesos das ligaes sinpticas dos homens ou outros animais, em
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passam a no mais se sustentar, pois isso se caracteriza quando nem as
justificativas nem as satisfaes atendem mais como pressupostos de validao do
conhecimento: esvaziado esse, a verdade deixa de ser existir. No mundo das
cincias jurdicas, em especial da processualstica, Francisco Campos, na
exposio de motivos do CPC de 1939, j reconhecia a necessidade de mudanas
dos paradigmas da cincia processual para o alcance dos objetivos ideolgicos de
acesso, previsibilidade e brevidade ao atendimento dos servios da Justia.
[...] durante a reunio do Congresso de Direito Judicirio, e na presena de Vossa Excelncia, de declarar que, j era tempo que o direito, e particularmente o direito judicirio, se beneficiasse da renovao das outras disciplinas do esprito, servindo se, na investigao da verdade.
So as pesquisas sobre o conhecimento e os problemas sociais, diante da
ausncia daquele em padro cognitivo superior para atender aos problemas
vigentes. So indicadores fortes que se originam dentro da dinmica da histria
social e que evidenciam o conhecimento enquanto corpo estrutural fundamental para
a compreenso das realidades e da propositura de mudanas. Para que elas
aconteam, a percepo sinptica da cognio humana d-se por intermdio do
peso expansivo do conhecimento em uma espcie de insight.
A miscigenao das cincias vem nas ltimas dcadas revelando problemas
na base cognitiva, uma vez que a limitao humana interfere diretamente no
ilimitado contexto das cincias, advinda da complexidade das realidades e dos
vocabulrios que buscam justificar a compreenso daquelas.
Esse fato tem demonstrado certo embrutecimento da razo cognitiva do
indivduo, que passa a ser vitimizado pelo mtodo adestrador do condicionamento.
Por outro lado, na medida em que o crescimento demogrfico e a massificao dos
Estados comearam a tornar-se um fato real, comprovvel estatisticamente, esse
homem das massas desconhece suas prprias condies, limitado ao simples
obedecer, ante a ausncia de recursos cognitivos e suficientes que possam dar-lhe
voz, as suas opinies e conhecimentos.
Todavia, o Estado comeou a observar que o crescimento populacional
tornou-se a cada dia um risco maior, responsvel pela formao de um
analogia com o que ocorre durante o treinamento de redes neurais artificiais (ABRANTES, Paulo (Org). Epistemologia e cognio. Braslia: Ed. Universidade de Braslia, 1994, p. 187).
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contingenciamento humano: mesmo que limitado cognitivamente, passa a
representar diferena no questionamento do sistema.
Essa populao passou a contestar a legitimidade do Estado, dada sua m
vocao para a gesto das responsabilidades pblicas coletivas em todos os
rgos, setores e departamentos.
Para evitar o descontrole do conhecimento, a sociedade passou a ser
silenciada. A ausncia de crtica, a participao e o posicionamento do indivduo
refletem uma sociedade desnutrida de intelectualidade, simplesmente regulada e
pouco emancipada. Exigindo esse contexto, uma retomada do conhecimento pelo
conhecimento, sua busca, insofismavelmente, passa a ser uma necessidade em
todos os nveis sociais.
A fragmentao proporcionada pela especializao no permite a existncia
de uma estrutura cognitiva enciclopdica do indivduo, mas somente de um
conhecimento que se v distante, difcil de ser alcanado em sua plenitude pelo
homem. Isso j faz surgir em sua outra extremidade a busca pelo conhecimento
macro.
No entanto, considerando um cenrio diverso do alienante modelo
fragmentrio, em uma nova concepo do conhecimento, a recomposio que se
exige em tempos ps-modernos somente passa a ser possvel de estabelecer-se, se
houver a retomada por uma conscincia enciclopdica interdisciplinar.16
A responsabilidade na prtica e na teoria interdisciplinar deve dar-se nos
mesmos moldes da disciplinar. O agente, nesse processo, precisa dedicar tempo
aos exerccios de cada uma das cincias, medear as interseces e fazer com que
acontea o pleno dilogo das fontes cientficas, proporcionando assim o
desenvolvimento de novos conhecimentos e, com eles, a construo de novos
caminhos e alternativas para atender s necessidades circunstanciais futuras.
A nova estrutura do conhecimento estereotipa mtodos e uma arquitetura
diferente, aceita as adversidades e as multiplicidades e as faz coexistir, respeitando
16 Como afirma Minayo: Para a prtica interdisciplinar, o exerccio terico disciplinar to fundamental quanto o dilogo entre as diferentes reas, contudo, a articulao entre diferentes campos do saber s possvel se passar por tradues das distintas lgicas e critrios de cientificidade, de uma hermenutica do modus operandi de cada metodologia e da arquitetura dos conceitos que cada teoria de referncia apresenta. Sem esse dilogo dos fundamentos de cada uma das cincias, os praticantes das diferentes tradies cientficas estaro restritos ao infrutfero debate dos limites desse ou daquele conceito, s condies de sua operacionalizao ou justaposio de mtodos e tcnicas (MINAYO, Maria Ceclia de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em sade. 12 ed. So Paulo: Hucitec, 2010, p. 75).
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as distintas lgicas e critrios de cientificidade, deixando para trs concepes como
a corrente positivista, representante de uma disposio social e ideolgica
conservadora legitimada a partir da fundamentao de um senso prtico de
realidade e de certeza, sob condies definidas e impostas.
Para isso, a nova estrutura cognitiva investe na crena de que o
conhecimento e a experincia nutrem uma mente geradora de novos pensamentos,
desde que em conformidade com as novas polticas pedaggicas.
Sob esse aspecto, os conhecimentos clssico, sociolgico e fundacional
esteviram estabelecidos de uma forma amoldurada, a servio de um estatuto que
estrategicamente esteve mais comprometido com a dominao do que com sua
prpria promoo, abandonando, assim, o compromisso primrio com o
desenvolvimento do homem.
A ideologia da estrutura do conhecimento sempre esteve a servio da
dominao, principalmente quando observada a proposta de conduzir o homem a
tomar contato com a realidade, mantendo-o na penumbra da abstrao. Segundo
Wilber (2007, p. 38),
Nenhum filsofo moderno ter, talvez, acentuado tanto a importncia fundamental da distino entre esses dois modos de conhecer quanto Alfred North Whitehead. Whitehead assinalou com muito vigor que as caractersticas centrais da forma simblica de conhecer so a abstrao e a bifurcao (isto , a dualidade). Segundo Whitehead, o processo de abstrao, por mais til que seja no discurso do dia a dia, , em ltima anlise, falso, no sentido de que opera notando as caractersticas salientes de um objeto e ignorando tudo o mais, o que faz, portanto, da abstrao nada mais que a omisso de parte da verdade. O modo simblico de conhecer tambm opera por bifurcao, dividindo a tnica inconsultvel do universo, e, por esse modo, violentando o prprio universo que ele procura entender. Whitehead assinalou ainda que esses erros tm sido cometidos porque ns tomamos nossas abstraes por realidades concretas, erro que Whitehead denominou de a Falcia da Concretude Mal Colocada (a que j nos referimos anteriormente ao mostr-la confundindo mapa com territrio). Oposto a esse modo de conhecer est o que Whitehead denominou preenso, um sentir, ntimo, direto, no abstrato e no dual da realidade.17
17 Continua Wilber: Se quisermos conhecer a Realidade em sua plenitude e em sua totalidade, se quisermos deixar de esquivar-nos e de escapar de ns mesmos no prprio ato d