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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP CAMILA COLLPY GONZALEZ FERNANDEZ ENTRE DOIS PAÍSES, SONHOS E ILUSÕES: TRAJETÓRIAS DE E/IMIGRANTES BOLIVIANOS EM SÃO PAULO (1980-2000) DOUTORADO EM HISTÓRIA SOCIAL SÃO PAULO 2015

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

CAMILA COLLPY GONZALEZ FERNANDEZ

ENTRE DOIS PAÍSES, SONHOS E ILUSÕES:

TRAJETÓRIAS DE E/IMIGRANTES BOLIVIANOS EM SÃO PAULO (1980-2000)

DOUTORADO EM HISTÓRIA SOCIAL

SÃO PAULO

2015

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

CAMILA COLLPY GONZALEZ FERNANDEZ

ENTRE DOIS PAÍSES, SONHOS E ILUSÕES:

TRAJETÓRIAS DE E/IMIGRANTES BOLIVIANOS EM SÃO PAULO (1980-2000)

Tese apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como

exigência parcial para obtenção do título de Doutora

em História Social, sob a orientação da Profa. Dra.

Maria Izilda Santos de Matos.

SÃO PAULO

2015

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BANCA EXAMINADORA

______________________________________

______________________________________

______________________________________

______________________________________

______________________________________

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A todos aqueles que um dia deixaram seus lares em busca de um sonho com a mala repleta de coragem, esperança e saudade. Redesenharam a realidade e conquistaram com seu trabalho um novo lugar.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que partilharam desse árduo sonho de quatro anos ao

meu lado com contribuições, materiais e apoio. Durante a fase de concepção da

tese, um olhar, um abraço caloroso, faz toda a diferença.

À professora Maria Izilda Santos de Matos, orientadora e amiga que com

muita dedicação desvendou comigo a trajetória dos e/imigrantes bolivianos em São

Paulo.

À PUC-SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e ao Programa

de História, que me acolheram e deram a oportunidade de desenvolver esta

pesquisa, fornecendo os ensinamentos necessários ao campo da História.

À CAPES, que, em conjunto com a PUC-SP, acreditou no potencial deste

trabalho e custeou parte dos estudos com a bolsa.

Ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, que

proporcionou o Afastamento Ccapacitação, e aos colegas do curso de Gestão em

Turismo que assumiram minhas atividades nesse período.

Aos pesquisadores que trocaram experiências, bibliografias e ofereceram

apoio durante os encontros de história.

Às professoras Senia Bastos e Marcia Cabreira, que me estimularam com

seus questionamentos, correções e colaborações no exame de qualificação.

Aos meus colegas da Pós que me ouviram tantas vezes falar sobre meu

projeto, sempre atenciosos e colaborativos.

Aos e/imigrantes bolivianos e seus descendentes que me cederam suas

histórias de vida, se tornando os protagonistas desta tese, agentes de transformação

de tantos processos emigratórios.

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Aos meus pais, sogros e à Tia Dora, que, com carinho e disposição, me

auxiliaram no cuidado diário com as meninas, buscando, levando à escola, natação,

dando banho ou trocando fraldas. Saibam que o esforço de vocês também está

presente em cada uma destas linhas.

Ao meu companheiro, Leandro, que desde a graduação lê meus textos, me

acompanha nos encontros, me estimula, me dá colo e divide comigo as maiores

lutas e alegrias da minha vida.

E, por fim, às minhas paixões, Maria Antonia e Ana Luiza, frutos do meu

amor que afloraram em meio às produções acadêmicas. Entenderam e respeitaram,

mesmo com pouca idade, os pedidos de silêncio para que eu pudesse escrever e os

momentos de ausência da mamãe. Sempre recompensados com muita alegria e

abraços.

A todos meus sinceros agradecimentos.

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RESUMO

FERNANDEZ, Camila Collpy Gonzalez. Entre dois países, sonhos e ilusões:

trajetórias de e/imigrantes bolivianos em São Paulo (1980-2000). Tese (Doutorado

em História Social), PUC-SP, São Paulo, 2015.

Esta investigação aborda as trajetórias de e/imigrantes bolivianos em São Paulo no

período de 1980 a 2000 e apoia-se nos estudos da História social e cultural para

trazer contribuições sobre esses fluxos. Por meio das histórias de vida de bolivianos

fixados em São Paulo, suas expectativas, sonhos, estratégias, redes e processos de

inserção na sociedade paulistana, descortinam-se as relações e tensões presentes

no cotidiano desses e/imigrantes, muitas vezes indocumentados. Múltiplas

experiências foram relatadas nos depoimentos, permitindo problematizar os traços

culturais e as identidades recriadas nesse processo, além das marcas deixadas não

só nos protagonistas, mas também no espaço e na história da cidade de São Paulo.

Assim, mediante a análise de eventos organizados e/ou frequentados por bolivianos

(religiosos, esportivos ou comemorativos), busca-se discutir as perspectivas e

tensões: aceitação na sociedade de acolhimento, estereótipos negativos e busca

pelo reconhecimento social e econômico dentro e fora da rede. Dessa forma, rezar,

festejar e expressar alegria são observados como estratégicas para romper com

imagens negativas acerca do grupo focadas na exploração da mão de obra na área

da costura.

Palavras-chave: e/imigração, sonhos, bolivianos, redes, costura, festas e São Paulo.

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ABSTRACT

FERNANDEZ, Camila Collpy Gonzalez. Between two countries, dreams and

illusions: Bolivian e/immigrants‟ trajectories in São Paulo (1980-2000). Dissertation

(Doctorate in Social History), PUC-SP, São Paulo, 2015.

The present investigation approaches the trajectories of Bolivian e/immigrants in São

Paulo within the period of 1980 to 2000 and finds support in the social and cultural

History studies to bring contributions regarding these flows. Be means of the life

histories of Bolivians established in São Paulo, their expectations, dreams,

strategies, networks and processes of insertion in the society of São Paulo, the

relations and tensions present in these e/immigrants‟ everyday lives, often

undocumented, are unveiled. Multiple experiences were reported in the statements,

enabling to discuss the cultural traces and the identities recreated in this process,

besides the marks left not only in the protagonists, but also in the space and in the

history of the city of São Paulo. Thus, upon analysis of events organized and/or

attended by Bolivians (religious, sport or celebrations), we seek to discuss the

perspectives and tensions: acceptance in the reception society, negative stereotypes

and search for social and economic recognition inside and outside the network. This

way, praying, celebrating and expressing joy are observed as strategic to break

negative images regarding the group, focused on the exploration of labor in the

sewing business.

Keywords: e/immigration, dreams, Bolivians, networks, sewing, celebrations and São

Paulo.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.....................................................................................................13

CAPÍTULO I – UM PAÍS CHAMADO BOLÍVIA: E/IMIGRAÇÃO ENTRE MEDOS E SONHOS......................................................................................27

1.1 MEDO DE FICAR: SOCIEDADE DE ORIGEM....................................................28

1.2 MEDO NO PARTIR: ROTAS E TRAJETÓRIAS...................................................51

1.3 O SONHO DO “EL DORADO”: ILUSÕES E EXPERIÊNCIAS.............................69

1.4 TRAMAS DAS REDES: ACOLHIMENTO E TENSÕES.......................................85

CAPÍTULO 2 – UM DESTINO CHAMADO SÃO PAULO: ANGÚSTIAS E INCERTEZAS...........................................................................106

2.1 SOCIEDADE DE “ACOLHIMENTO”: CHEGADA E INSTALAÇÃO....................106

2.2 REDESENHANDO O COTIDIANO: TRABALHO E LAZER...............................126

2.3 IDENTIDADE E IDENTIFICAÇÃO: PROCESSOS EM CONSTRUÇÃO............155

2.3.1 Retorno: relações, tensões e expectativas.................................................165

CAPÍTULO 3 – NEM LÁ NEM CÁ: TRAÇANDO TERRITORIALIDADES..............182

3.1 TERRITORIALIDADES TRANSITÓRIAS: TEMPOS DE FESTEJAR................182

3.1.1 Tempo de festejar - Festa das Alasitas.......................................................193

3.1.2 Tempo de festejar - Carnaval da Kantuta....................................................201

3.2 RUPTURAS: REPRESENTAÇÕES E RESISTÊNCIAS....................................215

3.2.1 Buscas: valorização e reconhecimento social...........................................224

3.3 TRÂNSITOS: INVISIBILIDADE E VISIBILIDADE...............................................240

CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................257

REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS........................................................................262

ANEXOS...................................................................................................................291

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - América do sul Político – Bolívia e suas fronteiras...................................32

Figura 2 - Bolívia – departamentos............................................................................33

Figura 3 - Viagem de ilusões......................................................................................58

Figura 4 - Terminal Ferroviário de Puerto Quijarro.....................................................59

Figura 5 - Salão de embarque e desembarque do Terminal Ferroviário de Puerto Quijarro.....................................................................................60

Figura 6 - Grupo Raça Índia – momentos antes da apresentação............................63

Figura 7 - Apresentação do Grupo Raça Índia na Praça da República.....................63

Figura 8 - Rotas e pontos de entrada.........................................................................87

Figura 9 - Ofertas de emprego...................................................................................97

Figura 10 - Envio de remessas...................................................................................97

Figura 11 - Serviços odontológicos direcionados à comunidade latina...................102

Figura 12 - Serviços de saúde direcionados a latinos..............................................102

Figura 13 - Distribuidora de produtos bolivianos......................................................103

Figura 14 - Bailarinos do Sociedad Folklorica Boliviana com trajes típicos da dança Caporelles...............................................................................117

Figura 15 - Folder de divulgação do evento.............................................................141

Figura 16 - Barracas da Kantuta..............................................................................145

Figura 17 - Variedade de produtos da feira..............................................................146

Figura 18 - Barracas de chicha (sucos)....................................................................146

Figura 19 - Salteña Fricassé – Barraca Don Carlos.................................................147

Figura 20 - Banner do salão de cabelereiro da Feira Kantuta.................................148

Figura 21 - Barraca do salão de cabelereiro............................................................149

Figura 22 - Altar de todos os santos.........................................................................153

Figura 23 - Pães antropomórficos............................................................................154

Figura 24 - Grafite na Praça Kantuta........................................................................186

Figura 25 - El tio - Grafite na Praça Kantuta............................................................189

Figura 26 - A benção católica tradicional na Bolívia.................................................194

Figura 27 - Homens representando Ekeko, deus da abundância – Festa das Alasitas, La Paz - Bolívia.......................................................................195

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Figura 28 - Barracas de venda da Festa das Alasitas............................................197

Figura 29 - Alasitas.................................................................................................198

Figura 30 - Carrinho de mão – Alasitas....................................................................199

Figura 31 - Pepino....................................................................................................203

Figura 32 - Pepino, cholitas e turistas......................................................................205

Figura 33 - Variedades de produtos.........................................................................206

Figura 34 - Brincadeiras de carnaval........................................................................207

Figura 35 - A espera da procissão...........................................................................207

Figura 36 - Procissão da Virgem de Socavón..........................................................208

Figura 37 - Padres católicos abençoam a festa.......................................................209

Figura 38 - Desfile das fraternidades.......................................................................209

Figura 39 - Danças tradicionais................................................................................210

Figura 40 - Boliviana vendendo churrasco...............................................................211

Figura 41 - Foliões....................................................................................................211

Figura 42 - Máquina de frango assado.....................................................................212

Figura 43 - Alimentos tradicionais............................................................................213

Figura 44 - Vista da Rua Pedro Vicente tomada pelos foliões.................................215

Figura 45 - Alegria do festejar..................................................................................225

Figura 46 - Jovens bailarinos...................................................................................227

Figura 47 - Novena a Nossa Senhora de Copacabana - Passantes em festa.........229

Figura 48 - Procissão em louvor a Virgem de Copacabana, na Praça Cívica do Memorial da América Latina.............................................................230

Figura 49 - Procissão na Igreja Nossa Senhora da Paz..........................................231

Figura 50 - Convite para Novena e Festa - altos custos..........................................235

Figura 51 - Convite para Festa Social e Ato Religioso – Morenada Los Catedráticos Gestão 2013...............................................................236 Figura 52 - Bolivianos participam de novena das Virgens de Copacabana e Urkupiña.............................................................................................237

Figura 53 - Coroação de Maria feita por criança boliviana.......................................242

Figura 54 - Bolivianos na São Silvestre....................................................................246

Figura 55 - Diablada na Virada Cultural 2014..........................................................247

Figura 56 - Festival Etnias 2013...............................................................................249

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LISTA DE SIGLAS

ADRB – Associação de Residentes Bolivianos

ASSEMPBOL – Associação dos Empreendedores Bolivianos da Rua Coimbra

BoA – Boliviana de Aviación

BOLBRA – Associação Comercial Bolívia-Brasil

FURBRA – Federação Única dos Residentes Bolivianos no Brasil

MNR – Movimento Nacionalista Revolucionário

RMSP – Região Metropolitana de São Paulo

CEAGESP – Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo

UNICEF – Fundo das Nações Unidas para Infância

ONU – Organização das Nações Unidas

IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

FMI – Fundo Monetário Internacional

CAMI – Centro de Apoio ao Migrante

CDI – Comitê para Democratização da Informática

CEM – Centro de Estudos Migratórios

COETRAE – Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo

CRAS – Centro de Referência de Assistência Social

UBS – Unidades Básicas de Saúde

CEPAL – Censo de Población y Vivienda

CELADE – Centro Latinoamericano y Caribeño de Demografía

GCM – Guarda Civil Metropolitana

ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio

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APRESENTAÇÃO

A presente tese busca questionar a imigração boliviana em São Paulo: as

identidades, histórias de vida, trabalho e tradições. Para tal, apresenta como objetivo

geral contribuir para o estudo acerca desse recente fluxo imigratório entre Bolívia e

Brasil. Por meio das atividades cotidianas de trabalho e lazer, analisa-se a

manutenção da identidade do grupo e suas formas de fixação na sociedade de

acolhimento.

Justifica-se tendo em vista que, quando mencionada a temática da imigração

ao longo da história no Brasil, pensa-se em muitos grupos imigratórios: portugueses,

italianos, árabes, judeus, espanhóis, coreanos, japonês, entre outros – todos em

algum momento já contemplados pela historiografia com diferentes abordagens

sociais, políticas, econômicas e culturais, de acordo com as perspectivas e

necessidades dos países envolvidos.1 Contudo, em um breve levantamento de

dados sobre o número de dissertações e teses defendidas na PUC/SP a partir de

2005 acerca da temática da imigração, constatou-se pouca produção com foco no

tema que se pretende aprofundar.

De acordo com pesquisa realizada a respeito do objeto de estudo

(e/imigrantes bolivianos), foram localizadas quatro dissertações de mestrado nas

áreas de Psicologia Social e Ciências Sociais, Geografia e História da Educação e

apenas uma tese na área da Psicologia Social. Ressalta-se o fato de, até o

momento, não haver produção sobre esse fluxo migratório no doutorado de História.

1 Como, por exemplo, na área da saúde pública, o artigo “Imigração e médicos italianos em São

Paulo na Primeira República”, de Maria do Rosário R. Salles e Luiz A. de Castro Santos, de 2001. Da mesma autora destaca-se também “Território e experiência imigratória: os refugiados em São Paulo no pós-segunda Guerra Mundial”, de 2008, que apresenta dados sobre os imigrantes da Europa do Leste refugiados em São Paulo entre 1947 e 1951, comentando que vários se fixaram na região do Bom Retiro, Barra Funda, Santa Cecília, Higienópolis e adjacências. Já sobre a imigração japonesa destaca-se a pesquisadora Célia Sakurai, com várias obras, entre elas “Os Japoneses” e artigos como “Primeiros polos da Imigração Japonesa para o Brasil”. Outro pesquisador, Boris Fausto, com vasta produção sobre a temática da história da imigração – como “Historiografia da Imigração para São Paulo”, “História do Brasil”, “Revolução de 30”, “Fazer a América: a imigração em massa para América Latina” e “Negócios e ócios - histórias da imigração” –, trata de diversos fluxos migratórios para o Brasil em diferentes épocas (sírios, poloneses, judeus, italianos, portugueses, alemães), mas nada foi encontrado sobre o recente fluxo migratório de bolivianos para São Paulo.

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Estudar a e/imigração dos bolivianos para São Paulo foi uma escolha que

partiu do primeiro contato com a cultura dos meus novos vizinhos. Como moradora

do bairro da Barra Funda e filha de representante comercial da área têxtil, nutria

curiosidade sobre o modo de vida e de trabalho desses e/imigrantes de costumes

diferentes que vêm demarcando seu território nos bairros, a exemplo do Bom Retiro,

onde já somavam 18,5% da população de migrantes residentes em 2000.2

Como professora e pesquisadora, essa temática não se deu por acaso.

Surgiu dos estudos de percepção de vizinhança desde a graduação em Turismo. Já

no mestrado em Turismo, na área de concentração Planejamento e Gestão

Ambiental e Cultural, foi a vez de enfocar o olhar espacial, as percepções sobre o

outro e sobre os equipamentos turísticos, as relações de exclusão e confinamento

provocadas pela especulação imobiliária e pelo crescimento da cidade.

Com a presença marcante desses novos moradores no bairro da Barra

Funda, e diante da possibilidade de continuidade dos estudos, agora voltados para a

imigração, viria então a proposta de questionar a imigração boliviana. Esses

e/imigrantes representam um número significativo de trabalhadores na área da

confecção, trazendo contribuições para a economia, mesmo sendo

indocumentados3. Ainda não foram estudados com maior aprofundamento, ficando

as pesquisas sem dar a devida relevância às suas histórias, memórias e

percepções. A história de vida contada pelos próprios protagonistas traz novas

possibilidades de análise e percepções da imigração ainda não reveladas nos

estudos produzidos.

As pesquisas já realizadas sobre a e/imigração boliviana retratam diversos

assuntos – religiosidade, trabalho, educação, territorialidade, redes, alteridade,

preconceito, lazer, trajetórias, questão de gênero e segunda geração – nos campos

da Sociologia, Antropologia, Educação e do Direito. Assim, possibilitam um maior

aprofundamento nas percepções do próprio e/imigrante sobre seu processo

e/imigratório, sobre a imagem que possuem de si e da sociedade de acolhimento,

2 BRASIL. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censos Demográficos 2000 e 2006.

Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 15/08/2011. 3 Indocumentado: termo utilizado para definir o estrangeiro que entra no país com visto de turista e

nele permanece após seu vencimento. Se descoberto por um agente da Polícia Federal, receberá uma notificação para deixar o país em oito dias, como determina a lei 6.815, de 1980. SILVA, Sidney A. da. Bolivianos. A presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Lazuli, 2005, p.17.

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sobre as estratégias que foram e são traçadas para perpetuar a emigração boliviana

para o Brasil no campo da história.

Levando em conta os estudos já produzidos, a tese tem como principal

referência as pesquisas que abordam aspectos do cotidiano dessa emigração:

trabalho, religião e estratégias de manutenção da identidade cultural.4 Entre as

questões relativas às atividades de trabalho, ressaltam-se a subcontratação5, o

nicho étnico na costura6 e a perspectiva dos direitos humanos.7 Por sua vez, os

estudos demográficos auxiliam na compreensão da relação do e/imigrante com o

espaço.8 Outros apresentam a segunda geração dos e/imigrantes em São Paulo,

seus desejos e como se relacionam com os demais e/imigrantes latinos e com os

jovens brasileiros.9

No que diz respeito à temática das relações e tensões entre a comunidade

e/imigrante e a sociedade de acolhimento10, colaboram as pesquisas que tratam do

preconceito, da xenofobia11, das relações de alteridade e vitimização12. No campo da

saúde, foram identificados estudos que investigam a qualidade e a acessibilidade

4 SILVA, Sidney A. da. Bolivianos. A presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora

Nacional, Lazuli, 2005. Idem. Costurando sonhos. Trajetória de um grupo de imigrantes bolivianos em São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1997. Idem. Bolivianos em São Paulo: entre o sonho e a realidade. Estudos Avançados. São Paulo, vol. 20, nº 57, 2006. Idem. A migração dos símbolos: diálogo intercultural e processos identitários entre os bolivianos em São Paulo. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, vol. 19, nº. 3, jul./set. 2005, p.77- 83. Entre outros textos utilizados na tese. 5 FREIRE DA SILVA, Carlos. Trabalho informal e redes de subcontratação: dinâmicas urbanas da

indústria de confecções em São Paulo. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Departamento de Sociologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. 6 SOUCHAUD, Sylvain. “A confecção: nicho étnico ou nicho econômico para a imigração latino-

americana em São Paulo?” In: BAENINGER, Rosana (Org.). Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População - Nepo/ Unicamp, Fapesp, CNPq, Unfpa, 2012. 7 AZEVEDO, Flávio Antonio Gomes de. A presença de trabalho forçado urbano na cidade de São

Paulo: Brasil/Bolívia. Dissertação (Mestrado em Integração da América Latina), Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina (PROLAM), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. 8 ROLNIK, Iara. Projeto migratório e espaço: os bolivianos na região metropolitana de São Paulo.

Dissertação (Mestrado em Demografia), Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010. 9 HUAYHUA, Gladys Llajaruna. Primeira e segunda geração de jovens imigrantes argentinos,

bolivianos e peruanos em São Paulo: um estudo psicossocial da identidade e aculturação. Tese (Doutorado em Psicologia Social), PUC-SP, São Paulo, 2007. 10

BAENINGER, Rosana; SIMAI, Szilvia. Práticas discursivas da negação do racismo em São Paulo. In: BAENINGER, Rosana (Org.). Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População - Nepo/ Unicamp, Fapesp, CNPq, Unfpa, 2012. 11

PUCCI, Fabio Martinez Serrano. Bolivianos em São Paulo: redes, territórios e a produção da alteridade. Buenos Aires: Clasco, 2013. Disponível em: <http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/clacso-crop/20131013074834/Pucci_trabajo_final.pdf>. Acesso em: 09/03/2015. 12

VIDAL, Dominique. “Convivência, alteridade e identificações: brasileiros e bolivianos nos bairros centrais de São Paulo”. In: BAENINGER, op. cit., 2012.

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dos serviços de saúde pública prestados aos bolivianos13, bem como que relatam as

relações e os atendimentos aos e/imigrantes nas unidades básicas de saúde14.

Contribuem também estudos sobre a formação da imagem negativa do boliviano em

São Paulo, voltados para a mídia jornalística15. E sobre a visibilidade que possuem e

querem divulgar de si16.

Autores como Stuart Hall17, Bhabha18, Canclini19 e Raymond Willians20 são

inspiradores e auxiliam a reflexão sobre a construção da identidade desses

e/imigrantes que, por diferentes condições, foram obrigados a se deslocar (migrar)

de seu país para São Paulo, o que eles entendiam por sua identidade ou seus

valores – símbolos de identificação ficaram deslocados, fragmentados no novo

cotidiano. Em suas memórias encontram-se traços de uma identidade nacional, do

que foi sua identidade e hoje já não é mais.

Esta pesquisa busca trazer novas inquietações para o processo de

e/imigração, apontando novas percepções para a História Social e Cultural, pois se

volta para a visão do outro, como tece suas redes de sociabilidade, como consegue

manter suas tradições e busca demonstrar sua importância étnica numa cidade com

tanta multiplicidade cultural. Desse modo, se distingue de outras abordagens que

privilegiam questões econômicas e políticas dos processos de e/imigração, pois trata

de um fluxo e/imigratório recente e constante, demandando um maior

13

MARTINEZ, Vanessa Nogueira. Equidade em saúde: o caso da tuberculose na comunidade de bolivianos no município de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública), Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. 14

MOTA, André; MARINHO, Maria Gabriela S. M. C.; SILVEIRA, Cássio. Saúde e história de migrantes e imigrantes. Direitos, instituições e circularidades. São Paulo: Faculdade de Medicina da USP; UFABC - Universidade Federal do ABC; CD.G Casa de Soluções e Editora, 2014. 15

MANETTA, Alex. Bolivianos no Brasil e o discurso da mídia jornalística. In: BAENINGER, Rosana (Org.). Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População - Nepo/Unicamp, Fapesp, CNPq, Unfpa, 2012. 16

SANTOS, Willians de Jesus. A Imigração Boliviana em São Paulo e a Cultura Visual sobre sua presença no Espaço Público. Anais do II Seminário Internacional História do Tempo Presente. Florianópolis - SC, Programa de Pós-Graduação em História (PPGH), Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), 13 a 15 de outubro de 2014. 17

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11ª. ed., 1ª. reimp. Rio de Janeiro: DP&A, 2011. 18

BHABHA, Homi K. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001. 19

CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP, 2000. 20

ESCOSTEGUY, Ana Carolina Damborirema. Cartografia dos estudos culturais: Stuart Hall, Jesus Martín-Barbero e Nestor Garcia Canclini. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação), ECA-USP, São Paulo, 1999.

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aprofundamento nas histórias dos sujeitos envolvidos e nas relações desenhadas no

espaço urbano.

Para tal, os objetivos específicos propostos são: levantar e contextualizar

dados sobre o fluxo migratório estabelecido da Bolívia para o Brasil a partir de 1950

e intensificado nos anos 80 e 90; traçar as rotas do fluxo migratório e discutir a

relação trabalho/destino; debater os conceitos de territorialidade, desterritorialização

e pertencimento relacionando-os à experiência do e/imigrante; analisar as

impressões dos moradores, transeuntes e comerciantes brasileiros dos bairros a

respeito dos novos sujeitos históricos; discutir a manutenção dos costumes

tradicionais relacionados à família, ao trabalho e às atividades de lazer na sociedade

de acolhimento; verificar a percepção dos já estabelecidos no Brasil com relação à

preservação dos costumes e da cultura boliviana; identificar como as manifestações

culturais – “Festa das Alasitas” e lojas com produtos e serviços específicos para

bolivianos – existentes nos bairros marcados pela presença dos e/imigrantes podem

auxiliar a tecer as redes de sociabilidade entre bolivianos e paulistanos e manter as

tradições da cultura andina; e verificar se as ações de associações – Associação

dos Residentes Bolivianos, Associação dos Empreendedores Bolivianos da Rua

Coimbra (ASSEMPBOL), Associação Padre Bento da Feira Kantuta, Pastoral do

Migrante, Centro de Apoio ao Migrante (CAMI), entre outras – colaboram na quebra

da imagem negativa que se construiu em torno dos e/imigrantes bolivianos em São

Paulo, associados ao trabalho análogo ao escravo e ao tráfico de mão de obra para

as oficinas de costura.21

Quanto às hipóteses de pesquisa, pode-se supor que as condições de vida,

a exploração da mão de obra e o trabalho nas oficinas de costura oprimem e

transformam as tradições da cultura andina, ou que as condições e as motivações

do deslocamento fazem com que cada processo migratório seja diferente,

caracterizando a relação cotidiana do e/imigrante com o espaço e com a

comunidade que o recebe, bem como a forma como rememora suas tradições

culturais.

21

Imagem reafirmada em: PYL, Bianca; HASHIZUME, Maurício. Roupas da Zara são fabricadas com mão de obra escrava. 16/08/2011. Disponível em: <http://www.reporterbrasil.org.br>. Acesso em: 18/09/2011. No mesmo sítio encontramos uma sequência de reportagens atuais sobre o assunto e outros flagras da mesma repórter sobre exploração de mão de obra de imigrantes bolivianos pelas marcas Collins (em 10/05/2011), Pernambucanas (19/04/2011), Marisa e C&A (em 06/05/2010) e até para confecção de coletes de recenseadores do IBGE (em 20/10/2010).

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Foram definidas três questões norteadoras principais. Será que a busca

incansável pela mobilidade social e estabilidade financeira tem o poder de modificar

as tradições da cultura boliviana? Os estereótipos e a imagem negativa de

exploração associada aos trabalhadores bolivianos e seus descendentes residentes

no Brasil influenciam a descaracterização de traços da cultura andina aqui

praticada? Os sujeitos históricos estudados transmitiram às gerações posteriores as

tradições andinas?

O recorte temporal foi estabelecido tendo em vista o período em que os

depoentes emigraram para o Brasil: décadas de 80, 90 e 2000. O recorte geográfico

se deu pela concentração espacial de e/imigrantes em São Paulo nos bairros

centrais, como Pari, Canindé, Brás, Bom Retiro e adjacências, e também pela

localização das entidades e associações de apoio frequentadas por esses sujeitos.

Na trajetória da pesquisa, optou-se pela História Oral22 e, como instrumentos

de análise, foram incorporados os tópicos-guia, procedimento de pesquisa relatado

por Gaskell23. Dessa forma, pretende-se recuperar histórias de vida na Bolívia, do

deslocamento até o Brasil, as primeiras percepções de São Paulo, o trabalho nas

oficinas (quando ocorreu) e o cotidiano nas habitações coletivas ou o trabalho, os

momentos de lazer, a relação com as associações e com os serviços públicos, as

22

Em 1950 se iniciaram os estudos de História Oral. Hoje é possível encontrar pesquisas nos Estados Unidos, na Europa e na América Latina. Uma primeira geração de estudiosos era da Universidade de Columbia, em Nova York, em 1948; a segunda teve origem no México. (GRELE, 2001; MEIHY, HOLANDA, 2011) Na Itália cita-se Alessandro Portelli, que usa o método para reconstruir a História de Terni. Joutard (2001, p.201) utiliza os termos verdade do povo e testemunho oral, pois justifica que por intermédio da História Oral o historiador consegue realizar diferentes construções historiográficas não se baseando apenas nos registros escritos, documentais e oficiais. Segundo Meihy (2011, p.105), a história oral combinou três funções complementares: registrar fatos e histórias, divulgar experiências relevantes e estabelecer ligações com o meio urbano, a fim de promover o incentivo da compreensão e registro da história local e imediata. Na terceira geração de historiadores orais destacam-se Paul Thompson, na Inglaterra, Mercedes Vilanova, na Espanha, e Danièle Hanet, na França. Na América Latina (Equador, Bolívia e Nicarágua) o foco das pesquisas em história oral foram os hábitos de vida dos camponeses. Na Costa Rica a Escola de Planejamento e Promoção Social da Universidade Nacional, em 1983, lançou um projeto com o objetivo de tentar escrever a história do país através da narrativa do povo. (FERREIRA, FERNANDES, ALBERTI, 2000) No Brasil, em 25 de junho de 1973, foi criado o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV). Cada centro de pesquisa utiliza critérios analíticos adequados às diferentes sociedades pesquisadas, o que possibilita a troca positiva de experiências sobre a história oral. Cf.: MEIHY, José Carlos Sebe Bom; HOLANDA, Fabíola. História Oral: como fazer, como pensar. 2ª. ed. São Paulo: Contexto, 2011. 23

GASKELL, George. Entrevistas Individuais e Grupais. In: BAUER, Martin W.; GASKELL, George. Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

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dificuldades, ou não, para manter as características culturais, a família e a tradição.

O resultado é apresentado no decorrer dos capítulos da tese, tornando assim

[...] possível ao estudioso perceber no passado os germes de uma outra história, capaz de levar em consideração os sofrimentos acumulados e de apresentar uma nova face às esperanças frustradas, fundando um outro conceito de tempo, “o tempo de agora”.24

Embora os depoimentos coletados sejam pautados em memórias, não são

isentos de impressões e reinterpretações do passado. Esse novo conceito de tempo

erigido por entrevistas possibilita a compreensão dos processos migratórios dos

e/imigrantes bolivianos, cada qual com sua trajetória própria.

A essencialidade do indivíduo é salientada pelo fato de a História Oral dizer respeito a versões do passado, ou seja, em última análise, o ato e a arte de lembrar jamais deixam de ser profundamente pessoais. A memória pode existir em elaborações socialmente estruturadas, mas apenas os seres humanos são capazes de guardar lembranças. Se considerarmos a memória um processo, e não um depósito de dados, poderemos constatar que, à semelhança da linguagem, a memória é social, tornando-se concreta apenas quando mentalizada ou verbalizada pelas pessoas. [...] é um processo individual, que ocorre em um meio social dinâmico, valendo-se de instrumentos socialmente criados e compartilhados. [...] recordações podem ser semelhantes, contraditórias ou sobrepostas. Porém, em hipótese alguma, as lembranças de duas pessoas são [...] exatamente iguais.25

Os critérios de seleção para escolha dos depoentes foram estabelecidos a

partir dos objetivos propostos na tese. Para alcançá-los, estratégias metodológicas

foram desenhadas – por exemplo, para uma maior aproximação da comunidade

boliviana se fez necessária a participação em eventos e a presença em locais

24

BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. Obras Escolhidas. Vol. 1. São Paulo: Brasiliense, 1996, p.229-31. 25

PORTELLI, Alessandro. Tentando Aprender um Pouquinho. Algumas reflexões sobre a ética na História Oral. Projeto História. São Paulo, vol. 15, Programa de Estudos Pós-Graduados em História da PUC-SP, abril 1997, p.16.

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frequentados por esses sujeitos. A partir desses encontros, líderes comunitários e

membros atuantes foram identificados e convidados a participar do projeto.

Verificada a relevância da visibilidade que o estudo traria para o grupo, novos

colaboradores surgiram com suas histórias e, aos poucos, “linhas e tecidos soltos”

se costuraram em “peças-piloto” de processos emigratórios que deram origem à

produção em rede de novos fluxos para São Paulo.

Para a seleção dos depoentes foram observados os seguintes critérios:

tempo de permanência no país de no mínimo 10 anos26, situação migratória

regularizada, ser maior de 18 anos, ser membro atuante na comunidade ou ter

protagonizado em algum momento ações em conjunto com a rede. A coleta das

entrevistas se concentrou nos anos de 2012 e 2013, marcadas individualmente, nos

locais escolhidos pelos depoentes, como residências, escolas, centros culturais e

associações de apoio. O material foi gravado em áudio e sua publicação, autorizada.

Posteriormente, após a digitalização dos depoimentos, alguns relatos foram

complementados pelos próprios colaboradores por e-mail, para uma redação final.

Na transcrição a prioridade foi transcrevê-los na íntegra, porém, para

utilização na tese, cortes e trechos foram propostos a fim de dar mais clareza ao

texto, de acordo com a temática abordada em cada item. Com relação ao idioma, os

sujeitos históricos estabelecidos há mais de 10 anos no país se comunicam em

português – algumas expressões e sotaques foram notados e preservados na

transcrição. Apenas uma colaboradora, idosa, rememorou passagens da sua vida na

Bolívia em espanhol e usou algumas expressões em quéchua, traduzidas

automaticamente por seu filho brasileiro.

Os protagonistas dessa história são bolivianos e brasileiros filhos de

bolivianos, membros atuantes da comunidade e referências para os e/imigrantes

recém-chegados:

• Francisca Tordoya - Emigrou com o marido em 1979. Natural de Quillacollo,

província rural de Cochabamba. Professora formada na Bolívia, nunca lecionou no

Brasil. Trabalhou em casa com costura, produção de sorvetes e teve um restaurante

26

O tempo de permanência fora estabelecido durante o processo do doutorado, pois, num primeiro momento, não era uma exigência. Mas se mostrou necessário quando identificado que muitos bolivianos recém-chegados, ou com menos tempo no país e situação migratória não regularizada, tinham receio de participar da pesquisa, inviabilizando assim o estudo.

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boliviano. Hoje, aposentada, cuida da família e dos netos. Devota da Virgem de

Urkupiña, realiza novenas em sua casa. Entrevistada em 08/11/2012.

• Amadeo Clemente Loyaza - Boliviano, natural de Yungas, La Paz. Carpinteiro e

músico. Veio a primeira vez para o Brasil em 1979, para divulgar a música boliviana,

e retornou para ficar em 1982. Membro atuante na comunidade, participa dos

eventos culturais, fundador do Grupo Raízes. Entrevista concedida em 24/11/2012.

• Santiago Tordoya - Boliviano, natural de Cochabamba, na província rural de

Quillacollo, nascido em 1948. Mecânico e aposentado. Veio a primeira vez para

passar o Carnaval em São Paulo em 1970. Retornou, casou-se na Bolívia e emigrou

com a esposa boliviana definitivamente em 1979. Entrevista realizada em

08/11/2012.

• Jaime Adolfo Oblitas - Boliviano, nascido em La Paz em 25/04/1958, reside há

35 anos em São Paulo. Apaixonado por carros, veio para o Brasil para estudar

mecânica. Possui uma oficina de funilaria e mecânica e é presidente do grupo

Sociedad Folklórica Boliviana. Entrevista realizada em 04/05/2013.

• Franz Ever Quety Rada - Boliviano descendente de quéchuas, solteiro, 30 anos.

Migrou em 2000 para o Brasil, passou por oficinas de costura, trabalhou no comércio

e hoje é estudante universitário em um Instituto Federal e trabalha na área de

telecomunicações. Entrevista concedida em 12/05/2012.

• Verônica Quispe Yujara - Boliviana, solteira. Emigrou aos 8 anos de idade para o

Brasil, ajudou os pais na oficina de costura da família. Formou-se dentista e atua em

clínica particular e postos de saúde. Hoje coordena o Projeto Si Yo Puedo, que

atende imigrantes aos domingos na Praça Kantuta com o objetivo de lhes dar

informações para se sentirem acolhidos no país – informações sobre documentação,

estudo, regularização trabalhista e apoio aos imigrantes que trabalham em

condições análogas à escravidão. Em 2013 o projeto formou a primeira turma de

alunos nas aulas de português. Sua família possui barraca de alimentos na Praça

Kantuta e atua na organização da feira. Entrevista concedida em 20/06/2013.

• Ariel Tordoya - Filho de pais bolivianos, nascido no Brasil. Solteiro, 31 anos. Ex-

bailarino do grupo Sociedad Folklórica Boliviana. Formado em Sistemas de

Informação. Entrevista realizada em 08/11/2012.

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• Jasmim Loyaza - Filha de emigrante boliviano. Solteira, 21 anos. Formada em

Recursos Humanos e bailarina em grupo de dança boliviano. Entrevista concedida

em 06/10/2012.

• Raissa Oblitas - Bailarina e coordenadora-coreógrafa do grupo Sociedad

Folklórica Boliviana. Filha de pai boliviano e mãe brasileira. Tem 21 anos, é

estudante de Física na USP. Entrevista concedida em maio de 2013.

Também foram realizadas entrevistas em visitas a associações de apoio,

como o CAMI e a Pastoral do Migrante, com o objetivo de conhecer as atividades

desempenhadas junto aos e/imigrantes bolivianos. Para uma complementação da

análise, fez-se necessária ainda uma imersão nas experiências cotidianas relatadas

nos depoimentos. Para tal, como método também se utilizou a observação dirigida,

nos eventos frequentados e/ou organizados pela comunidade, públicos e/ou

particulares, quando convidada. Em visitas a praças, parques, feiras e shoppings

adotados como pontos de encontro e de descontração nos momentos de folga,

conversas informais trouxeram elementos que complementaram as análises sobre o

cotidiano do e/imigrante boliviano em São Paulo.

Outros sujeitos históricos que colaboraram indiretamente para as análises

sobre o cotidiano foram os vizinhos, moradores e comerciantes não bolivianos dos

bairros estudados. Com o objetivo de perceber a sociabilidade, as tensões e os

conflitos presentes nas relações ali estabelecidas, observações e conversas

informais se desenharam em oficinas mecânicas, unidades básicas de saúde,

padarias, lan houses, igrejas, farmácias, oficinas de costura, postos de gasolina, na

rua passeando com as crianças ou com a cachorra, no salão de cabeleireiro e

demais locais frequentados cotidianamente pela pesquisadora, vizinha de famílias

bolivianas. Outra maneira de inserção na vida da comunidade e de notar as relações

estabelecidas com a sociedade de acolhimento foi acompanhar postagens do grupo

em redes sociais e sites específicos voltados para os interesses dos bolivianos em

São Paulo.

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Para iniciar uma tese sobre a história de processos emigratórios da Bolívia

para o Brasil, mais precisamente para São Paulo, torna-se essencial esboçar

aspectos da estrutura social do país, que formam parte da identidade dos

protagonistas dessa história. Atualmente na Bolívia encontram-se cerca de 50

comunidades histórico-culturais distintas, divididas no território nacional. A porção

leste concentra a maioria dessas famílias, e a oeste possui as duas maiores

comunidades, as que falam quéchua e aimará27.

As populações identificadas como quéchuas apresentam maior porosidade e

chegam a fundir-se em estruturas culturais urbanas, mestiças, rurais, de classes, e

não só entre camponeses. Também existem aqueles que permanecem

cotidianamente nas microidentidades étnicas dos ayllus28. Já os aimarás

apresentam-se como uma unidade coesa e politizada. Criaram há décadas formas

de organização social e política embasadas em suas crenças, dando corpo político

visível à etnicidade. Diferentemente de outras identidades culturais indígenas,

possuem uma elite intelectual atuante na rede sindical, conseguindo instituir-se

como a única identidade nacional indígena da atualidade.

Além desses grupos, a sociedade boliviana é composta pelos descendentes

dos colonizadores espanhóis e por mestiços de brancos, indígenas e negros. Então,

pode-se afirmar que no país existem quatro regimes civilizatórios. O primeiro abarca

entre 20 e 30% da população e possui o castellano como idioma oficial para estudo.

Concentra-se em atividades assalariadas das áreas da mineração, serviços

públicos29, sistema bancário e manufatura industrial. O segundo representa 68% da

população é o setor que vive da informalidade com trabalhos domésticos,

artesanatos e pequenas propriedades rurais. No terceiro encontram-se os ayllus,

força de trabalho de massa, caracterizados pelas sociedades comunais e gestão

familiar. E, por último, as comunidades da civilização amazônica, que, itinerantes na

atividade produtiva, não reconhecem o Estado e os limites por ele estabelecidos.30

27

Quéchua e aimará: línguas de grupos étnicos que formaram parte do império inca no século XV. 28

Ayllus: estruturas desenhadas pelos diferentes grupos étnicos para organizar a vida em comunidade, detalhadas no decorrer da tese. 29

Nos concursos para ingressar nos cargos públicos o idioma oficial (castellano) é utilizado nas provas, o que limita e dificulta a participação dos diferentes grupos étnicos que não detêm os mesmos saberes da sociedade “branca”. 30

LINERA, Alvaro Garcia. A Potência Plebeia: ação coletiva e identidades indígenas, operárias e populares na Bolívia. Tradução de Mouzar Benedito e Igor Ojeda. São Paulo: Boitempo, 2010.

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De acordo com o censo boliviano31, mais de 60% da população se considera

indígena ou descendente de grupos étnicos. Nota-se que mais de 2/3 dos habitantes

do país pertencem às três últimas faixas civilizatórias, e que a estes são atribuídos

os piores índices de desenvolvimento humano da América Latina.32 Para uma

população de origem majoritariamente indígena já acostumada a migrar para áreas

com mais recursos e condições favoráveis para plantar e se estabelecer no período

das safras, continuar o processo de migração e atravessar a fronteira para o Brasil é

visto como algo natural para a aquisição de bens que a terra atual (Bolívia) não está

oferecendo, bem como para promoção da qualidade de vida da família.

A partir dos costumes de migração dos antepassados e das diferentes

dificuldades experienciadas pelos protagonistas é que surge o desejo de migrar para

um local que lhes ofereça “terras férteis” para plantar e colher bons frutos. Fatores

como proximidade, idioma e pessoas já estabelecidas são levados em consideração

no momento da escolha do destino, destacando-se assim o Brasil, em especial São

Paulo, capital com a maior concentração de e/imigrantes33 bolivianos, palco das

histórias que serão lidas nos três capítulos a seguir.

Essas histórias foram alinhavadas e costuradas no decorrer da tese, que

ampara em detalhes os constantes processos emigratórios de bolivianos para São

Paulo. O Capítulo 1, intitulado “Um país chamado Bolívia: Imigração entre medos e

sonhos”, se subdivide em quatro itens: “Medo de ficar: sociedade de origem”; Medo

no partir: rotas e trajetórias”; “Sonho do „El dorado‟: ilusões e experiências”; e

“Tramas das redes: acolhimento e tensões”. Nesse primeiro capítulo pretende-se

apresentar o país, Bolívia, realizar uma breve explanação histórica para se

compreender como a colonização espanhola influenciou a composição da sociedade

boliviana, mesclada entre índios (povos originários) e brancos descendentes dos

31

BOLIVIA. INE - Instituto Nacional de Estatística. CEPAL/CELADE. Censo Nacional de población y vivienda 2012. La Paz, 2013. Disponível em: <http://www.ine.gob.bo>. Acessos em: 10/09/2011. 32

Dados do Fundo Monetário Internacional de 18/04/2013 e da CIA World Factbook de 2012. INTERNATIONAL MONETARY FUND. Per capita income Bolivia. 18/04/2013. Disponível em: <http://www.imf.org>. Acesso em: 06/06/2014. 33

Para uma compreensão total do processo migratório, utiliza-se “e/imigrante” sempre que se faz referência ao sujeito histórico que está em trânsito, pois se entende que esse processo de deslocamento não é permanente, podendo mudar de estágio a qualquer momento. Assim, contemplam-se os momentos de ir e vir, as ausências, os encontros e os desencontros propiciados pela emigração.

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colonizadores, e contextualizar os aspectos sociais, políticos e econômicos que

motivam os deslocamentos em massa.

Nas subdivisões do capítulo são trabalhados os depoimentos, os dados

oficiais estatísticos, bibliografias pertinentes e materiais de divulgação das possíveis

redes de emissão ampliadas de bolivianos para São Paulo. Ao traçar a vinda dos

bolivianos, busca-se apreender em suas memórias aspectos que implicaram a saída

de seu país, dificuldades, tristezas, incertezas e alegrias na busca de novos

caminhos.

Já o Capítulo 2 – “Um destino chamado São Paulo: angústias e incertezas” –

se divide em três itens: “Sociedade de „acolhimento‟: chegada e instalação”;

“Redesenhando o cotidiano: trabalho e lazer”; e “Identidades e Identificação:

processos em construção”, que abarca também o subitem “Retorno: relações,

tensões e expectativas”. Esse capítulo destina-se às novas experiências vivenciadas

pelos e/imigrantes em São Paulo, sejam essas baseadas em encontros,

hospitalidade e/ou hostilidade. Os conceitos de redes, identidade, identificação e

pertencimento dialogam diretamente com depoimentos que versam sobre o

cotidiano de trabalho, os relacionamentos na nova terra e a possível perda de uma

identidade boliviana. As associações dedicadas a apoiar os migrantes e

e/imigrantes, religiosas ou não, os grupos de dança e musicais, oficinas de costura e

familiares são identificados enquanto redes de acolhimento.

Para análise do cotidiano propôs-se dividi-lo em duas categorias: uma para o

trabalho e outra para atividades diárias do e/imigrante, que englobariam estudo,

relacionamentos com a vizinhança, manifestações de fé, tradições e costumes das

famílias, práticas de lazer, futebol aos domingos, hábitos alimentares, entre outras.

Numa tentativa de tecer considerações sobre o processo emigratório de

bolivianos para São Paulo, apresenta-se o Capítulo 3 – “Nem lá nem cá: traçando

territorialidades”, dividido em três partes: “Territorialidades transitórias: tempos de

festejar”; “Rupturas: representações e resistências”, que contempla também o

subitem “Buscas: valorização e reconhecimento social”; e, por fim, “Trânsitos:

invisibilidade e visibilidade”. O capítulo elege como temática central os eventos

frequentados e organizados pela comunidade boliviana, pois são uma forma de

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veiculação da imagem da e/imigração, independentemente do caráter: festivo,

religioso, esportivo ou outros.

Com um fluxo de e/imigração crescente e constante, os e/imigrantes que

aqui estão fixados se identificam com a cidade e tentam estabelecer

relacionamentos com a sociedade de acolhimento em que residem, trabalham ou

estudam. Traçam estratégias e diálogos com o poder municipal a fim de romper as

barreiras do preconceito já enraizado.

Em “Territorialidades transitórias: tempos de festejar”, além de aportes

teóricos, são identificados os locais de encontro, a Praça, os bairros com

concentração de e/imigrantes, as igrejas, os restaurantes e outros espaços de

representação da cultura andina em São Paulo. Enfocam-se as territorialidades

transitórias expressas nas festividades bolivianas. Já em “Rupturas: representações

e resistências” e “Buscas: valorização e reconhecimento social” busca-se retomar as

discussões acerca do relacionamento com a sociedade de acolhimento, no intuito de

desenhar as ações que levam ao reconhecimento social dentro e fora da

comunidade boliviana, enfocando-se os depoimentos sobre as manifestações

culturais, a participação nos eventos e a valorização das novenas. E no item

“Trânsitos: invisibilidade e visibilidade” destacam-se as estratégias de inserção e

fixação dos representantes da comunidade boliviana na sociedade paulistana em

momentos diversos do cotidiano almejando uma visibilidade positiva.

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CAPÍTULO I – UM PAÍS CHAMADO BOLÍVIA:

E/IMIGRAÇÃO ENTRE MEDOS E SONHOS

Este capítulo apresenta a sociedade de partida de tantos bolivianos que se

deslocam para São Paulo. Para isso, traz uma contextualização sobre a formação

histórica e política do país, contemplando aspectos sociais, econômicos e

geográficos que caracterizaram e motivaram a migração de milhares de indivíduos.34

Sustentava o sonho do deslocamento, pautado pela origem étnica e cultural

do povo boliviano, uma complexa relação entre diferentes universos culturais

forçados a dialogar constantemente com a herança pré-colombiana e a hispano-

ocidental, relação essa marcada por conflitos com o homem branco, que impôs seu

modo de vida, de produção, de organização social e de valores religiosos aos povos

indígenas.35

[...] um esquema sociocultural que pudesse dar conta da complexidade inerente a sociedade boliviana [...] propõe o seguinte quadro: as classes altas e parte das médias estariam configuradas pela cultura hispano-criolla, a cultura dominante. Por outro lado, a maior parte das médias e parte das baixas são portadoras da cultura chola36. E, finalmente, as classes baixas seriam a expressão das culturas kichua-aymara e outros grupos silvícolas, os quais são considerados inferiores pelos próprios indígenas aymarás e quéchuas.37

Ao traçar a vinda dos e/imigrantes, o estudo busca apreender em suas

memórias aspectos que implicaram a saída de seu país, dificuldades, tristezas,

incertezas e alegrias na busca por novos caminhos. Esboçam-se também as redes

34

Dados oficiais estimam que 487.995 habitantes, de sua população de 10.027.254, composta por 4.998.989 homens e 5.028.265 mulheres, vivem fora do território nacional. BOLIVIA. INE - Instituto Nacional de Estatística. CEPAL/CELADE. Censo Nacional de población y vivienda 2012. La Paz, 2013. Disponível em: <http://www.ine.gob.bo>. Acesso em: 06 /06/2014. 35

SILVA, Sidney Antonio da. Costurando Sonhos: Trajetória de um grupo de imigrantes bolivianos que trabalham no ramo da costura em São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1997. 36

Cholo: termo “atribuído aos índios que passam por um processo de assimilação, e se aproximam rapidamente ao grupo cultural dos mestiços, porém que ainda não se identificam com os mesmos. Pode ser classificado como mais ou menos „criollo‟, dependendo do grau de sua orientação em direção à cosmovisão mestiça”. Ozzie Simmons, 1965. Apud: Ibidem, p.68-69. 37

M. Mário Aragón, 1987, p.65-66. Apud: Ibidem, p.65.

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lícitas e não documentadas identificadas nas diferentes trajetórias e/imigratórias

estudadas.

1.1 MEDO DE FICAR: SOCIEDADE DE ORIGEM

[...] eu queria sair do país, porque naquela época tinha uma confusão muito forte no país, sempre teve, tivemos umas pequenas guerras sociais, a guerra do gás, tinha muita morte, muitas mortes, enfrentamentos entre policiais e o exército. E isso me atrapalhava muito, também as pessoas viviam com medo, estava causando muito mal estar, não dava para você ter uma vida normal, estava estressado. Sendo que é um país pobre já passa por situações difíceis, imagina uma greve. O país tem esse negócio de greve, greve, greve, o que atrapalha muito a economia, o desenvolvimento do país. Era terrível.38

A instabilidade econômica e social mencionada pelo depoente não é recente

no país, e sim fruto de um longo processo histórico de constantes perdas territoriais

e econômicas. Desde a independência a Bolívia atravessou vários momentos de

dificuldades internas e conflitos com países vizinhos – com destaque para a Guerra

do Pacífico (1879-1884), na qual perdeu a saída para o mar para o Chile; a perda do

território do Acre para o Brasil em 1903; e a Guerra do Chaco, em 1932, com o

Paraguai, na qual também perdeu parte de seu território. Essas constantes perdas

territoriais e econômicas fizeram o governo boliviano aumentar os valores dos

impostos. A arrecadação era investida no setor da mineração, o único que se

sustenta até hoje; os demais setores necessitaram de apoio financeiro estrangeiro.39

O período de 1880 a 1920 foi marcado por mudanças significativas no

governo. O país foi governado por civis do Partido Conservador e depois, do Partido

Liberal. A mineração da prata declinou, dando lugar à exploração do estanho, que

lhe conferiu visibilidade na América Latina até 1930, quando entrou em crise ao

38

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. Boliviano, solteiro, 30 anos, migrou em 2000 para o Brasil, passou por oficinas de costura, trabalhou no comércio e hoje é estudante universitário em um Instituto Federal e trabalha na área de telecomunicações. 39

SILVA, Sidney A. da. Bolivianos - A presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Lazuli, 2005.

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atingir seu limite máximo de produção. Acordos realizados com o Brasil (Tratado de

Petrópolis de 1903) e com o Chile (Tratado de Paz de 1904) propiciaram a expansão

da malha ferroviária que unia as principais cidades bolivianas no período.

Até a metade do século XX a Bolívia foi atingida por uma sucessão de

golpes militares e crises econômicas. Com a extrema concentração da terra e a

dilapidação dos recursos naturais, muitas minas foram fechadas. Em 1952 iniciou-se

a Revolução Camponesa, articulada pelo Movimento Nacionalista Revolucionário

(MNR), em luta pela reforma agrária.

Desse momento em diante, ser cidadão na Bolívia significava participar de

um sindicato, votar e lutar por seus direitos. Diversas lutas se desenharam, como:

em 1986, a Marcha pela Paz, organizada pelo sindicato dos mineiros; em 2000, a

Guerra pela Água, na qual os habitantes de Cochabamba se revoltaram contra o

aumento das tarifas da empresa Águas Del Tunari, que resultou na expulsão da

empresa Transnacional; ainda em 2000, o movimento Aimarás do Altiplano, que

realizou um cerco a La Paz e bloqueou a entrada de alimentos na capital; em 2003,

o levante popular que depôs o então presidente Gonzalo Sánchez Lozada; em 2004

e 2005, a guerra do gás e um novo presidente foi eleito, representando a maioria da

população, o índio Evo Morales Ayma.40

As revoltas eram acompanhadas de greves contra os cortes de benefícios

sociais, solicitações por aumento de salários e estabilidade trabalhista. Esse

contexto de lutas, resistências sociais e políticas fez com que boa parte da

população boliviana buscasse saída na emigração a países que lhe oferecessem

oportunidades. Entre eles o Brasil, destino interessante – ao ser comparado à

Bolívia, um país economicamente pobre (segundo dados da ONU, registra um dos

dez piores IDHs da América Latina e 51,3% de sua população vive em situação de

vulnerabilidade social, abaixo do nível de pobreza41, com renda per capta em 2013

de US$ 5,099 e nominal de US$ 2,53242 –, já que está entre os 10 melhores IDHs da

40

LINERA, Alvaro Garcia (Org.). A Potência Plebeia: ação coletiva e identidades indígenas, operárias e populares na Bolívia. Prefácio de Pablo Stefanoni. Tradução de Mouzar Benedito e Igor Ojeda. São Paulo: Boitempo, 2010. 41

A Bolívia ocupa a 6ª colocação, posição que se refere a um IDH médio no valor de 0,675, o que coloca o país no 108º lugar no ranking mundial. UNITED STATES OF AMERICA. Central Intelligence Agency - CIA. The World Factbook. CIA, jan. 2012. 42

INTERNATIONAL MONETARY FUND. Per capita income Bolivia. 18/04/2013. Disponível em: <http://www.imf.org>. Acesso em: 06/06/2014.

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América Latina e tem 21,4% de sua população em estado de vulnerabilidade social,

vivendo abaixo do nível da pobreza, com renda per capta de US$ 10,328.43

Nota-se que a decisão de partir era tomada em função da soma das

condições econômicas, das constantes revoltas e da instabilidade política. Os dados

oficiais medidos pelo último Censo realizado na Bolívia, no ano de 2012,

apresentaram que cerca de meio milhão de bolivianos estavam vivendo fora do

território desde 2001, porém informações extraoficiais sugerem que até 1/3 da

população esteja fora do território. “‘Medio millón de personas han dejado el país

desde el censo 2001, la mayoría de Santa Cruz, Cochabamba y La Paz.‟ Este dato

está subestimado, y hay que tenerlo muy en cuenta.”44 Os bolivianos encontrados

em São Paulo entraram no Brasil e saíram do país natal com facilidade e, mesmo

antes de partirem dos centros urbanos, já haviam deixado suas províncias de origem

rural.45

A Bolívia é um país multiétnico, sendo que, no Censo de 2005, 62% da

população se declarou indígena. Identificam-se hoje na Bolívia 38 povos autóctones

(indígenas), entre eles os quéchuas (38%) e os aimarás (25%), os mais numerosos.

No território boliviano se falam no mínimo 26 línguas, que se subdividem em 127

dialetos já classificados.46 Destes, apenas dois são reconhecidos como idiomas

43

INTERNATIONAL MONETARY FUND. Per capita income Bolivia. 18/04/2013. Disponível em: <http://www.imf.org>. Acesso em:o6/06/2014. UNITED STATES OF AMERICA. Central Intelligence Agency - CIA. The World Factbook. CIA, jan. 2012. 44

Os dados do Censo e de outros órgãos apresentam disparidades, pois há um fluxo contínuo de migrações internas de áreas rurais para as urbanas e de entradas e saídas de bolivianos do país. LOS TIEMPOS DIGITAL. Datos oficiales del censo: Bolivia tiene 10.027.254 habitantes. Los Tiempos. Cochabamba, 31/07/2013. 45

SILVA, Sidney A. da. Bolivianos - A presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Lazuli, 2005. CAMPOS, Geraldo Adriano Godoy de. Entre devires e pertencimento: a produção da subjetividade entre imigrantes bolivianos em São Paulo. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – PUC/SP, São Paulo, 2009. XAVIER, Iara Rolnik. Projeto migratório e espaço: os migrantes bolivianos na região metropolitana de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Demografia) – Unicamp, Campinas, São Paulo, 2010. A migração é uma prática do povo andino. Durante o período do Império Inca, os nativos já migravam de uma região a outra para produzir alimentos de acordo com as condições climáticas e para construir novas localidades a fim de expandir o império. Nas terras onde a Bolívia se localiza viveram culturas que deixaram traços na vida cotidiana marcados até hoje. São heranças de formas de cultivo, de fabricação de produtos têxteis e técnicas de metalurgia. As principais culturas nativas identificadas são: Chavín, Tiahuanaco, Aymaras e Incas. Portanto, os fluxos migratórios se apresentam tanto internamente (êxodo rural) como em direção ao exterior. Lazo, 2001. Apud: PAIAO, Letícia de Andrade Vilela Fonseca. Mulheres Imigrantes: articulação política e desejo - Um estudo psicanalítico em torno da imigração. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) – PUC/SP, São Paulo, 2009, p.18. KLEIN, Herbert S. Bolívia: do período pré-incaico à independência. São Paulo: Brasiliense, 2004. 46

Andrade, 2007, p.17; Aragón, 1987, p.62. Apud: SILVA, Sidney A. da. Bolivianos - A presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Lazuli, 2005, p.8.

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oficiais, além do espanhol, do quéchua e do aimará, porém são pouco utilizados

pelas elites.

Do ponto de vista geográfico, a Bolívia está situada na América do Sul, com

altitude média de 3.900 metros e 1.098.580 km2, divididos em três regiões distintas:

o altiplano, os vales e as planícies. O altiplano ou região andina concentra 16% do

território e abrange as cidades de La Paz – sede do governo –, Potosí e Oruro e

também o lago mais alto do mundo, o Titicaca. Os vales ou região subandina, com

14% do território e cerca de 30% da população, estão a 2.460 metros de altitude.

Neles localizam-se os povoados de Cochabamba, Chiquisaca, parte de Potosí, a

região de Tarija e os vales Yungas, mais úmidos pela proximidade com a Amazônia.

Já a maior parte do território boliviano está nas planícies, cerca de 70%, que se

dividem em duas zonas distintas: ao norte a planície de Mojos ou Del Beni, e ao sul

a planície seca do Chaco, que vai de Santa Cruz até as fronteiras com o Brasil, a

Argentina e o Paraguai.

Observa-se no mapa político da América do Sul a Bolívia e suas fronteiras

com o Brasil. São 3.423,20 km de extensão de regiões fronteiriças, compreendidas

em rios, canais, lagoas e linhas convencionais. Para o e/imigrante representam

portas de acesso a uma melhor qualidade de vida, ao trabalho e aumento nas

possibilidades de consumo. Segundo relato da depoente, na Bolívia o trabalhador

ganha para suprir suas necessidades primárias básicas – trabalha, mas não

consegue comprar uma pizza para a família no fim de semana ou um pacote de

bolacha para os filhos, porque não sobra dinheiro para “luxo”. “Aqui no Brasil, pode

pagar pouco, mas dá para comprar um danone, um brinquedo [...].”47

47

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. Boliviana, solteira, emigrou aos 8 anos de idade para o Brasil. Hoje coordena o Projeto Si Yo Puedo, que atende imigrantes aos domingos na Praça Kantuta com o objetivo de lhes dar informações para se sentirem acolhidos no país – informações sobre documentação, estudo, regularização de condições trabalhistas e apoio aos imigrantes que se encontram em condições análogas à escravidão. Em 2013 o projeto formou a primeira turma de alunos nas aulas de português.

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Figura 1 - América do sul Político – Bolívia e suas fronteiras.48

Administrativamente, a Bolívia é subdividida em nove departamentos, que

equivalem aos estados brasileiros. São eles: La Paz (La Paz), Oruro (Oruro), Potosí

(Potosí), Cochabamba (Cochabamba), Chuquisaca (Sucre), Tarija (Tarija), Santa

Cruz (Santa Cruz), Beni (Trindade) e Pando (Cobija). A capital está em Sucre e a

48

GEO - CONCEIÇÃO. Posição geográfica do Brasil/ Pontos extremos/ Coordenadas geográficas e fusos horários. 26/02/2011. Disponível em: <http://geoconceicao.blogspot.com.br/2011/02/pontos-extremoscoordenadas-geograficas.html>. Acesso em: 23/04/2015.

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sede do governo, em La Paz. É das capitais de La Paz, Cochabamba e Santa Cruz

que mais emigram pessoas, e também são elas que mais recebem migrantes das

regiões rurais da Bolívia.49

Figura 2 - Bolívia – departamentos.50

49

SILVA, Sidney A. da. Bolivianos - A presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Lazuli, 2005. 50

MAPS OF WORLD. Political Map of Bolivia. Disponível em: <http://images.mapsofworld.com/wp-content/uploads/2011/09/bolivia-political.jpg>. Acesso em: 14/04/2015.

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34

A economia do país concentra-se na extração de minerais – como estanho,

gás natural, gás líquido e petróleo –, madeira, látex e agricultura. A produção

industrial se sobressai nas áreas alimentícia, têxtil e à metalurgia. Um terceiro setor

vem tentando se estabelecer com o turismo, destacando-se como atrativos: as

festas de carnaval de Oruro, festas devocionais de agosto a Virgem de Urkupiña e a

Nossa Senhora de Copacabana, o Salar de Uyuni, o Valle de La Luna, o Caminho a

Los Yungas, o sítio arqueológico pré-colombiano de Tiwanaku e outros.

A população é em sua maioria jovem adulta – cerca de 60% tem entre 15 e

64 anos51 – e urbana. A baixa renda per capta e as limitadas ofertas de trabalho

seriam responsáveis pelo aumento de e/imigrantes a cada ano. Nesse sentido, cabe

questionar se somente as reduzidas ofertas de trabalho incentivariam o processo

migratório dos bolivianos. O que motivaria o cidadão a sair de seu país e migrar para

uma nova nação? Seria o medo de ficar a principal razão para o processo

migratório? Ou o medo de não conseguir sustentar a si e aos seus familiares? “[...]

quando eu tinha 5 anos foi uma época que meu pai veio embora também. Aí eu

lembro das maiores limitações lá, meus pais nunca tiveram dinheiro, mas não eram

miseráveis.”52

O e/imigrante boliviano sai de seu país em busca de novas oportunidades de

vida para si e para sua família, de um país onde possa desfrutar direitos básicos e

segurança. As diferenças sociais, políticas e econômicas encontradas entre as

diversas regiões, sejam elas de um mesmo país, como campo e cidade, ou de

continentes diversos, motivam há décadas o sonho da estabilidade econômica e de

um futuro promissor.

Para Sayad (2000), o fenômeno migratório está sempre associado a uma ausência: trabalho. É pela falta dele que milhares de pessoas abandonam o espaço físico no qual está construído seu sentido de ser e de pertencer ao mundo. Necessidade que se transforma em ilusão de uma

51

BOLIVIA. INE - Instituto Nacional de Estatística. CEPAL/CELADE. Censo Nacional de población y vivienda 2012. La Paz, 2013. Disponível em: <http://www.ine.gob.bo>. Acesso em: 06/06/2014. Observa-se que os dados apresentados no Censo Boliviano consideram população jovem adulta em idade produtiva em uma única faixa de 15 a 64 anos. 52

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013.

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possibilidade criadora de mobilidade social, pretensamente a ser encontrada em outra cidade ou país.53

No caso da Bolívia, o povo andino há séculos já se deslocava dentro do

próprio território – com o passar do tempo, isso só aumentou. No século XX, anos

80, a mobilidade interna entre campo e cidade se dava devido às dificuldades do

esgotamento do campo e do avanço do minifúndio.54 Posteriormente, o Decreto

Supremo 21.060, instituído em 1985 pelo governo de Paz Estenssoro, modificou a

legislação laboral de mineiros e operários fabris e permitiu a demissão das

categorias. Essa massa de trabalhadores passou a engrossar o setor de serviços

informais e a aumentar o fluxo emigratório. Foram, portanto, os trabalhadores

informais aimarás e quéchuas que se tornaram e/imigrantes não documentados e

ampliaram os deslocamentos para São Paulo, onde, movidos pela necessidade,

enfrentavam as longas jornadas das oficinas de costura, o trabalho malremunerado

e ficavam à mercê do tráfico humano para prostituição e até do narcotráfico.55

A cidade de El Alto, localizada na região metropolitana de La Paz, destaca-

se como a principal receptora dos migrantes provenientes do interior para a capital.

La Paz e região são ainda as principais localidades emissoras do fluxo de

trabalhadores: de cada dez lares da área metropolitana, em três identifica-se uma

pessoa que migrou para trabalhar em São Paulo. Com mais intensidade a partir de

1985, a migração em busca de trabalho foi aumentando e se tornou uma

característica da sociedade boliviana atual.56

53

DADALTO, Maria Cristina. Imigração e permanência do sonho. Matrizes. São Paulo, vol. 7, nº. 2, USP, jul./dez. 2013, p.249-263. 54

As terras do altiplano boliviano foram repartidas em parcelas pela reforma agrária de 1953. Com o passar dos anos, esses lotes foram sendo incorporados a pequenas e médias propriedades, dando origem aos minifúndios. Esse modelo de repartição de terras não tem como absorver mais mão de obra do que a já empregada, então chega ao seu limite de contratação e a população não absorvida nos trabalhos do campo se vê obrigada a se deslocar para a cidade. ARROYO JIMÉNEZ, Marcelo (Coord.). La migración internacional: una opción frente a la pobreza. Impacto socioeconómico de las remesas en el área metropolitana de La Paz. La Paz: PIEB, 2009. 55

Ibidem. 56

Ibidem.

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36

As instabilidades apresentadas desde a independência, somadas às

diferenças sociais, motivaram e motivam a população boliviana a migrar. Nos anos

5057, acordos bilaterais entre o Brasil e a Bolívia abriram a estudantes bolivianos de

medicina, direito e outros cursos a possibilidade de concluir seus estudos no Brasil,

onde muitos ficaram. Não era apenas pela proximidade do país que se dava

preferência ao Brasil para estudar, trabalhar e depois se fixar, mas também pelas

tensões políticas encontradas na Bolívia. Outra opção seria deslocar-se para a

Argentina ou os Estados Unidos, mas a situação para os e/imigrantes também não

estava propícia nesses países – na Argentina havia a ditadura e nos Estados

Unidos, restrições e perseguições aos latinos.

Observa-se no depoimento o anúncio da decisão de partir da Bolívia para o

Brasil ou para a Argentina por causa das perseguições aos e/imigrantes:

“Mãe, vem até o quartel que eu preciso conversar.” Ela veio e eu falei “Mãe, eu vou embora” (choro e emoção). E ela disse “Eu não acredito”, e eu, “Mas eu vou. Eu preciso” (silêncio). [...] [O depoente comenta que sua mãe perguntou] “Filho, pra onde?” E pediu para não ir para Argentina, pois havia muito boliviano voltando de lá, e diziam que não tinha trabalho, e muita perseguição aos estrangeiros.58

57

Década em que se tem notícia dos primeiros intercambistas do programa cultural Brasil-Bolívia. Em 1958, um convênio bilateral foi firmado e fez parte de um conjunto de acordos entre Brasil-Bolívia denominado Ata de Roboré. Visava objetivos diversos como resolver questões em torno da exploração de petróleo, pendências na demarcação de limites entre os países, na área de transporte ferroviário, comércio, promover o intercâmbio cultural, entre outras medidas. “Além disso, Andrade (2004) mostra que, já no início da década de 1950, também houve um projeto de cooperação científica Brasil-Bolívia na área de Física, revelando que o histórico de acordos entre os dois países pode ser ainda mais amplo. Em trabalhos sobre a ocupação de uma das áreas da fronteira Brasil-Bolívia (o caso do estado do Mato Grosso do Sul), Manetta (2009) indica também a existência de intercâmbios comerciais entre os dois países na década de 1960, relacionados especificamente às áreas fronteiriças, embora não explicite se existiram.” XAVIER, Iara Rolnik. Projeto migratório e espaço: os migrantes bolivianos na região metropolitana de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Demografia) - UNICAMP, Campinas, 2010, p.44-45. 58

Depoimento de Jaime Adolfo Oblitas Alvares, em entrevista concedida à autora em 04/05/2013. Nascido em La Paz em 25/04/1958 e residente há 35 anos em São Paulo. Presidente do grupo Sociedad Folklorica Boliviana.

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37

De acordo com dados do censo boliviano de 201259, os principais destinos

dos e/imigrantes que vivem fora da Bolívia são: a Argentina, com 186.512, o Brasil,

com 64.340, o Chile, com 29.021, o Paraguai, com 858, o Peru, com 3.819, além da

Espanha, com 116.520, e dos Estados Unidos, com 20.491 e/imigrantes.

Os registros oficiais60 citados a seguir demonstram a frequência desse fluxo

migratório para o território brasileiro. Houve um aumento de bolivianos residentes no

país no período de 1938 a 1969, sendo que nas décadas de 1930 e 1940 entraram

261 e/imigrantes, em 1947 foram 256, em 1948 foram 306 e em 1949, apenas 129.

Entre 1950 e 1951 entraram 855 e nos anos seguintes os números diminuíram,

chegando a 45 em 1969.61 De acordo com os registros da chegada de e/imigrantes

bolivianos no país62, percebe-se um fluxo pouco expressivo nas primeiras décadas

do século XX, se intensificando a partir de 1970, com 10.712 bolivianos residindo no

Brasil, passando para 12.980 em 1980, 15.691 em 1990 e 20.398 em 2000.

Sob outra forma de análise, o censo demográfico de 2000 destaca que, de

um total de 20.387 bolivianos que residem no Brasil, 1.893 chegaram ao país entre

1950 e 1969. Nota-se forte concentração de bolivianos nos estados de fronteira

desde a década de 30, sobretudo nos anos de 1980 a 2000. E nas capitais São

Paulo e Rio de Janeiro, a partir da década de 1990 esses números apresentaram

amplo crescimento, em detrimento das regiões fronteiriças.63

No Estado do Mato Grosso do Sul foram identificados 259 bolivianos

residentes na década de 80 e 555 em 2000; no Mato Grosso eram 158 na década

de 80 e 420 em 2000; no Acre totalizavam 118 em 80 e 389 em 2000; e em

Rondônia, 395 em 80 e 944 em 2000. Já no Rio de Janeiro foram registrados 138

59

BOLIVIA. INE - Instituto Nacional de Estatística. CEPAL/CELADE. Censo Nacional de población y vivienda 2012. La Paz, 2013. Disponível em: <http://www.ine.gob.bo>. Acesso em: 06/06/2014. 60

XAVIER, Iara Rolnik. Projeto migratório e espaço: os migrantes bolivianos na região metropolitana de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Demografia) - Unicamp, Campinas, 2010. 61

BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Censos Demográficos 2000 e 2006. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 15/08/2011. 62

CELADE - Centro Latinoamericano y Caribeño de Demografía. Pueblos indígenas y afrodescendientes de América Latina y el Caribe: información sociodemográfica para políticas y programas. Santiago del Chile, 2006. Disponível em: <http://www.eclac.org>. Acesso em: 10/09/2011. 63

O Censo de 2010 identificou os principais países de origem dos e/imigrantes internacionais do Brasil entre 2005 e 2010. Na 5ª posição encontra-se a Bolívia, com 8% da população total de 15.753 pessoas. Os demais países de origem em ordem classificatória são: Estados Unidos da América (25%), Japão (20%), Paraguai (12%), Portugal (11%), Reino Unido (6%), Espanha (6%), Itália (5%), Argentina (4%) e França (3%).

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38

na década de 80 e 550 em 2000; e em São Paulo havia 1.360 bolivianos na década

de 80 e 4.974 em 2000, sendo que o maior agrupamento de e/imigrantes bolivianos

se dava na sede da área metropolitana – estavam presentes em 82 dos 96 distritos

da cidade de São Paulo e em 23 municípios dos 39 que compõem a região

metropolitana de São Paulo (RMSP).

As duas maiores zonas de concentração em São Paulo em termos

residenciais eram o centro (com 27,2% deles) e a zona Norte (com 26,4%), seguidos

pela zona Leste, com 19,6% dos bolivianos, pela zona Sul, com 9,2%, e zona Oeste,

com 4,3%. Somando percentual muito próximo, temos a RMSP Nordeste (onde se

encontra o município de Guarulhos), com 4,3%. E as últimas áreas em que se pode

considerar que havia uma participação mais significativa eram a RMSP Sudoeste

(3,1%), principalmente composta pelo eixo do ABC (municípios de Santo André, São

Bernardo e São Caetano), mas também Mauá e Diadema, e a RMSP Oeste (2,8%),

com maior fixação nos municípios de Osasco e Jandira.64 Nota-se assim entre os

bolivianos uma tendência a se difundirem em espaços privilegiados do mercado de

trabalho paulista.65

Os dados populacionais existentes sobre a imigração boliviana residente no

Brasil e, mais precisamente, em São Paulo são díspares, cada órgão oficial

(Consulado da Bolívia no Brasil, Polícia Federal), instituição e associação que

atende e apoia o e/imigrante apresenta números diferentes, que variam de 80.000 a

200.000 indivíduos. A imprecisão se dá pelas constantes entradas e retornos,

movimento propiciado pela proximidade dos países e pela dificuldade de adaptação,

como se depreende dos relatos:

No ano de 1979, vim pela primeira vez ao Brasil, fui tocar no Rio de Janeiro. Fiz uns trabalhos de carpintaria por lá e retornei. Estava desesperado para voltar, peguei meu dinheiro e fui embora. Fiquei cerca de 3 meses.66

64

XAVIER, Iara Rolnik. Projeto migratório e espaço: os migrantes bolivianos na região metropolitana de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Demografia) - Unicamp, Campinas, 2010. 65

BRAGA, Fernando Gomes. Conexões territoriais e redes migratórias: uma análise dos novos padrões da migração interna e internacional no Brasil. Belo Horizonte: UFMG/Cedeplar, 2011. 66

Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012. Boliviano, natural de Yungas, La Paz. Carpinteiro e músico. Veio a primeira vez para o Brasil em 1979, para divulgar a música boliviana, e retornou para ficar em 1982.

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Eu gostava do meu trabalho da oficina, mas pedi pra acertar e fui trabalhar com o outro. Já tava lá há 4 meses. Aí de uma hora pra outra a saudade era grande, da família, da Bolívia, e eu resolvi voltar. Não sabia se ia voltar pro Brasil.67

[...] Eu queria mudar, estava desesperado mesmo. Então era junho, eu pensei “Se eu não gostar eu volto, fico uns dois meses”. Pensei “Tem oportunidade de ir para o Brasil ou para a Argentina”, pensei “Se não gostar, é pertinho”.68

Os motivos que levam à busca por uma mudança de vida são diversos e

cada sujeito histórico traz colaborações únicas para o entendimento do processo

migratório da Bolívia para o Brasil: o cotidiano de alguns dos e/imigrantes na Bolívia,

as jornadas de trabalho, as privações e o trabalho informal, histórias que motivaram

o sonho da emigração.

Nessa época, eu lembro das maiores limitações lá, minha mãe sem formação nenhuma, cuidava de três crianças sozinha. Trabalhando no comércio informal, como tantas famílias, lá. Ela tinha uma barraca de frutas, uma vendinha. Então ela acordava 5 horas da manhã para fazer as compras, na feira, como CEAGESP, aí ela arrumava tudo na vendinha, ficava até as 10 da manhã e voltava para fazer almoço pra nós. Depois voltava pra barraca e vinha de novo umas cinco, seis horas da tarde, e ficava depois até as 10 da noite. E era assim... Nós tínhamos pouco dinheiro, só mesmo pra se alimentar, e quem ajudava a cuidar de nós e acabou criando mesmo era minha irmã mais velha, que tinha uns 13 anos quando meu pai veio para o Brasil.69

As lembranças das dificuldades passadas pela família trazem indícios de

valorização ou percepção da importância das atividades desempenhadas por cada

membro. A mãe se desdobrava nas atividades cotidianas para garantir as mínimas

condições de sustento, já que o pai havia emigrado. E a irmã mais velha acabava

assumindo a posição de mãe, se responsabilizando pelo cuidado dos irmãos

menores e pelos afazeres domésticos. Observa-se que as atividades

67

Depoimento de Santiago Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. Boliviano, natural de Cochabamba, na província rural de Quillacollo, nascido em 1948. Mecânico e aposentado. Veio a primeira vez para passar o Carnaval em São Paulo em 1970. Retornou, casou-se na Bolívia e emigrou com a esposa boliviana definitivamente em 1979. 68

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 69

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013.

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desempenhadas pela irmã de 13 anos não eram consideradas pela família como um

trabalho, e sim como uma ajuda para a manutenção da mínima ordem da estrutura

familiar, enquanto pai e mãe saíam em busca do sustento.

A utilização do método da história oral70 no presente estudo propiciou um

contato maior com a história de vida de cada um desses sujeitos históricos, que

dificilmente teriam suas percepções e experiências retratadas.

A primeira coisa que diferencia história oral, é que ela nos diz menos a respeito dos acontecimentos em si do que do seu significado. Isto não quer dizer que a História Oral não possua interesse factual, entrevistas muitas vezes revelam fatos desconhecidos ou aspectos desconhecidos de fatos conhecidos, e elas sempre jogam uma luz nova sobre aspectos inexplorados da vida cotidiana das classes não hegemônicas.71

As tensões sociais e políticas vivenciadas pelo depoente, como greves,

levantes populares e a instabilidade econômica, geraram um sentimento de

insegurança e insatisfação, que também motivou a emigração.

Eu nasci no interior da Bolívia, a mais ou menos 2 horas, imagina daqui é como Campinas a São Paulo, próximo a

capital, uma cidadezinha de importância [...] Caranavi72, é um

conjunto de cidades que fica no noroeste de La Paz, é

70

PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho. Algumas reflexões sobre a ética na História Oral. Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-graduados em História da PUC-SP. São Paulo, vol. 15, abr. 1997. Idem. Sonhos ucrônicos: memórias e possíveis mundos dos trabalhadores. Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados de História da PUC-SP. São Paulo, vol. 10, jul./dez. 1993. Idem. A Filosofia e os Fatos - Narração, interpretação e significado nas memórias e nas fontes orais. Tempo. Revista do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, vol. 1, nº. 2, Relume, Dunara, dez. 1996. Idem. História Oral como gênero - Forma e significado na História Oral: a pesquisa como um experimento em igualdade. Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados de História da PUC-SP. São Paulo, vol. 14, 1997. BOSI, Ecléa. O Tempo Vivo da Memória - Ensaios de Psicologia Social. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. FREITAS, Sonia Maria. História Oral. São Paulo: Humanitas, 2002. Idem. História Oral: possibilidades e procedimentos. São Paulo: LTC, 2002. THOMPSON, Paul. A voz do passado: História Oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. 71

Alessandro Portelli, 1981. Apud: FREITAS, op. cit., p.82. 72

Províncias do Departamento de La Paz: Caranavi, Abel Iturralde, Aroma, Bautista, Saavedra, Eliodoro Camacho, Franz Tamayo, Gualberto Villarroel, Ingavi, Inquisivi, José Manuel Pando, José Ramón Loayza, Larecaja, Los Andes, Manco Kapac, Muñecas, Nor Yungas, Omasuyos Pacajes, Pedro Domingo Murillo, Sud Yungas e Lago Titicaca.

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frequentada por turismo, lá son preocupados com turismo, lugar turístico de paisagem de natureza, e... é muito famoso pela carretera da morte (risos). A cidade tem muitos frutos, uma particularidade do estado, “do departamento”, porque é o fim, bom, na verdade, ela é a porta da Amazônia, é diferente, é muito quente. [...] vim era 2000, eu queria sair do país, porque naquela época tinha uma confusão muito forte no país, sempre teve, tivemos umas pequenas guerras sociais, a guerra do gás, tinha muita morte, muitas mortes, enfrentamentos entre policiais e o exército. E isso me atrapalhava muito, também as pessoas viviam com medo, estava causando muito mal-estar, não dava para você ter uma vida normal, estava estressado, sendo que é um país pobre, já passa por situações difíceis, imagina uma greve. O país tem esse negócio de greve, greve, greve, o que atrapalha muito a economia, o desenvolvimento do país. Era terrível.73

Cabe frisar que a subjetividade do expositor é elemento único e precioso das

fontes orais.74 Na fala do depoente observa-se o processo de emigração motivado

pelas dificuldades cotidianas. O e/imigrante jovem se vê tentado a sair por não ter a

possibilidade de trabalhar e estudar, mas rememora com carinho sua cidade natal e

destaca sua importância turística. Fica nítida na fala a sensação de insegurança

frente aos acontecimentos políticos e às revoltas populacionais, já apontados como

causas do incremento do fluxo migratório na década de 2000.75

Assim, uma das estratégias do povo andino para driblar os problemas

sociais e conquistar melhores condições de vida é o deslocamento entre os

departamentos do campo para a cidade. O depoente rememora as dificuldades, a

falta de emprego, mas ressalta que, por possuir uma profissão – funileiro –,

conseguiu uma colocação no mercado de trabalho, diferentemente de outros

trabalhadores do campo que migram sem formação e tendo como única opção

trabalhar no comércio informal das ruas.

73

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 74

PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho. Algumas reflexões sobre a ética na História Oral. Projeto História. Revista do Programa de Estudos Pós-graduados em História da PUC-SP. São Paulo, vol. 15, abr. 1997. 75

ARROYO JIMÉNEZ, Marcelo (Coord.). La migración internacional: una opción frente a la pobreza. Impacto socioeconómico de las remesas en el área metropolitana de La Paz. La Paz: PIEB, 2009. SILVA, Sidney A. da. Bolivianos - A presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Lazuli, 2005. LINERA, Alvaro Garcia (Org.). A Potência Plebeia: ação coletiva e identidades indígenas, operárias e populares na Bolívia. Prefácio de Pablo Stefanoni. Tradução de Mouzar Benedito e Igor Ojeda. São Paulo: Boitempo, 2010.

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Meu pai faleceu eu era pequeno, e aí, vendo que minha mãe se sacrificava muito, comecei a trabalhar muito cedo. Desde pequeno, aproximadamente aos 7 anos de idade, comecei a pensar que a minha mãe se sacrificava bastante e nós éramos 4 irmãos. E minha mãe, viúva, a renda não dava, era pouca, então comecei a trabalhar muito cedo. Comecei a trabalhar e saí da cidade onde eu morava, ia para outro departamento, Santa Cruz de La Sierra, já tinha profissão definida, funilaria de carros, ganhava mais ou menos, já era bastante requisitado. Assim, não sofri tanto assim, mas não arrumei serviço logo. Mas não porque o país não é o paraíso, passava por problemas, mas o problema era arrumar serviço na hora. Cheguei a dormir na rua, mas não pelos problemas do país, era mais por minha necessidade.76

Nesse relato percebe-se novamente o trabalho iniciado de forma prematura

na vida do depoente, mas com a atividade vista como uma colaboração para com a

família, uma preocupação de filho com a mãe viúva.77 Identificam-se nas histórias

coletadas muitos casos de crianças auxiliando os pais, dentro e fora do contexto

familiar, com e sem remuneração, inclusive em São Paulo, nas oficinas de costura.

Entretanto, na fala dos depoentes essas atividades não são identificadas como

exploração do trabalho, e sim como uma forma de aprender afazeres ou mesmo

adquirir responsabilidades para a vida adulta.78

A origem étnica de mais de 60% da população boliviana, somada às

condições do trabalhador rural, com pouca instrução, dificulta a inserção desses

migrantes no mercado formal urbano.

A estigmatização por meio da indianidade naturalizou práticas de exclusão econômica e legitimou monopólios político-culturais na definição de regras de competição social, contribuindo assim, não apenas para expressar determinadas condições sócioeconômicas de exclusão e dominação,

76

Depoimento de Santiago Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 77

Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), trabalho infantil é toda forma de trabalho realizada por menores de 12 anos de idade, em quaisquer atividades econômicas, e todo trabalho que não seja leve efetuado por indivíduo com idade entre 12 e 14 anos. Para fins de pesquisa de campo, a UNICEF define o indicador de trabalho infantil como o percentual de crianças de 5 a 15 anos envolvidas com atividades laborais. “[...] Encontra-se sob a seguinte classificação: trabalho de crianças de 5 a 11 anos - trabalho de pelo menos uma hora de atividade econômica ou 28 horas de trabalho doméstico na semana; trabalho de jovens de 12 a 14 anos por pelo menos 14 horas de atividade econômica ou 42 horas de atividade econômica e trabalho doméstico combinados na semana.” UNICEF. Disponível em: <http://www.unicef.org/infancia>. Acesso em: 15/05/2014. 78

Ver capítulo 2.

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racionalizando-as, como também para ajudar a construir objetivamente essas condições socioeconômicas.79

Até 1951 apenas 2 a 3% da população total da Bolívia votava80 e era

considerada cidadã. A revolução de 1952 trouxe avanços no processo de

homogeneização cultural e instituiu o voto universal, incluindo as diferentes etnias

nas tomadas de decisões. Porém, eram obrigadas ao idioma oficial, o castelhano,

caso quisessem adquirir a educação estatal e alguma possibilidade de ascensão

social. Esse novo processo deu às diferentes etnias a nova identificação social de

“irmãos camponeses”. Apesar disso, ainda mantêm múltiplas dificuldades de

reivindicar políticas devido ao baixo nível de educação.

A dificuldade de quebrar o estigma de família camponesa sem instrução

aparece no relato do depoente de origem quéchua, ao se esforçar para buscar um

ascendente espanhol para se diferenciar de outros e/imigrantes da mesma origem

étnica: “[...] Acredito que eu também tenha uma gotinha de descendência de

espanhóis. E uma mistura de índios com caboclos, duas etnias diferentes. Não

tenho a linha dos Aimarás, teria eu de quéchua.”81

Verifica-se que a mobilidade entre campo e cidade na busca por

oportunidades de vida também é utilizada por muitos e/imigrantes para esconder a

origem rural e étnica, identificando como pontos de partida da Bolívia para o Brasil

os centros urbanos, habitados em sua maioria por mestiços, descendentes de

brancos espanhóis e grupos étnicos, em oposição aos núcleos rurais, com pouca

presença de mestiços e maioria de descendentes de quéchuas e aimarás, a fim de

evitar julgamentos discriminatórios já enraizados na sociedade boliviana oficial.

A sociedade oficial significa, para o indígena, o mesmo que a morte representa para os aferrados à vida: ambos os casos são entendidos como negação de qualquer existência possível. Assim como a vida é a fuga permanente da morte, nos países latinos americanos o “social” é a perpétua prevenção do “índio”

79

LINERA, Alvaro Garcia (Org.). A Potência Plebeia: ação coletiva e identidades indígenas, operárias e populares na Bolívia. Prefácio de Pablo Stefanoni. Tradução de Mouzar Benedito e Igor Ojeda. São Paulo: Boitempo, 2010, p.168. 80

Ibidem. 81

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.

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no ordenamento público; o progresso é o extermínio do indígena ou sua domesticação civilizatória.82

Na sociedade boliviana as diferentes etnias, em sua maioria, encontram-se

desclassificadas.83 Ou melhor, a elas foi designado um lugar de “amigo campesino”,

camponês, subalterno, de empregos malremunerados, criando obstáculos para sua

ascensão social, devido à baixa escolaridade, entre outros fatores. A alternativa de

mudança encontrada por muitos está em migrar. No caso destacado, emigrar para

estudar e, depois, voltar. A volta se daria numa condição diferenciada, com um

diploma de ensino superior e recursos para comprar uma casa e montar um negócio

próprio.

[...] eu estava morando em La Paz, na época. Morei em La Paz 3 anos, mais ou menos. Praticamente toda a infância e o colegial passei no interior, onde morava, onde nasci e depois fui para cidade maior, que seria La Paz. Então naquela época tinha muita greve, e isso atrasa o país. Eu estava trabalhando em La Paz, saí do exército e fiquei em La Paz, que é uma cidade maior, e eu sempre tive o sonho de poder estudar. Eu não sou de uma família rica, meus pais tiveram problemas, são órfãos, índios, tiveram dificuldades, doentes, por isso também eu queria, de alguma maneira, sair de lá. Estudar [...] para depois voltar.84

82

LINERA, Álvaro (Org.). A Potência Plebeia: ação coletiva e identidades indígenas, operárias e populares na Bolívia. Prefácio de Pablo Stefanoni. Tradução de Mouzar Benedito e Igor Ojeda. São Paulo: Boitempo, 2010, p.152. 83

“As imagens da exclusão expressas nas noções de „desqualificação social‟ (Paugam, 1991), „desfiliação‟ (Castel, 1995), divisão entre os „úteis‟ e os „normais inúteis‟ (Donzelot e Estèbe, 1991) e „empobrecimento‟ (Salama e Valier, 1995) constituem alguns esforços analíticos da literatura sociológica francesa para expressar processos de transição social. [...] Robert Castel, na Métamorphose de la question sociale (1995), recompõe a relação entre trabalho e sociabilidade, mostrando como a coesão social se construiu a partir da inserção dos indivíduos na divisão social do trabalho e revelando um processo de formação de uma zona de vulnerabilidade, reveladora da desconstituição (negativa) dessa relação.” Ao criticar a perspectiva estática da noção de exclusão, propõe a noção de "desfiliação" para recuperar a dimensão de processo na formação da vulnerabilidade dos trabalhadores nas redes de sociabilidade. IVO, Anete B. L. Questão social e questão urbana: laços imperfeitos. Caderno CRH. Salvador, vol. 23, nº. 58, abr. 2010. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0103-49792010000100002>. Acesso em: 11/07/2014. 84

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.

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O complexo contexto experienciado pelo depoente em meados da década

de 90 e início de 2000 influenciou sua decisão de partir. Ele relata ter presenciado

muitas manifestações por direitos políticos, por direito a água, por melhorias na

infraestrutura das cidades, por melhores salários, além de levantes populares

étnicos por reconhecimento enquanto cidadãos, e não apenas enquanto “povo

originário”85, e manifestações requerendo melhores condições para educação, pois

quem fala e escreve castelhano tem mais oportunidade de mobilidade social do que

quem não escreve e só fala ou quem não fala nem escreve. Aqueles que possuem

uma segunda língua, o inglês, são mais valorizados, ainda que a hierarquização da

língua leve a novos processos de exclusão não armados mais suaves e

aparentemente naturais.86

Eles são comerciantes, vivem da agricultura. São descendência indígena, mas [...] lá na Bolívia é engraçado, mesmo que tenha descendência indígena, tem uma diferença de etnia, do lado altiplano e do lado amazônico.87

Os grupos étnicos do lado do altiplano sofrem mais discriminação88 por

serem considerados sujos89 pelos moradores da capital e dos centros urbanos.

Como a região é mais fria, a água é escassa e nas periferias não são encontrados

banheiros nas casas, e sim pontos de higiene coletivos nos bairros, com sanitários e

chuveiros, os banhos são realizados com uma frequência menor. De acordo com 85

Categoria de análise proposta pelo Censo Boliviano de 2010 para a população pesquisada se identificar enquanto sua origem, já que o país é composto por muitos grupos étnicos. 86

LINERA, Álvaro (Org.). A Potência Plebeia: ação coletiva e identidades indígenas, operárias e populares na Bolívia. Prefácio de Pablo Stefanoni. Tradução de Mouzar Benedito e Igor Ojeda. São Paulo: Boitempo, 2010. 87

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 88

“A divisão entre os que vivem no Altiplano e no Oriente boliviano remonta ao Império Incaico, o qual foi derrotado pelos moxos e tupi-guaranis, na região dos Andes oriental, gerando assim uma conflitiva luta pelo poder na sociedade boliviana, em que cada grupo passou a ver o outro com certa desconfiança e inúmeros preconceitos.” A. M. Stearman, T. Saignes, 1985. Apud: SILVA, Sidney Antonio da. Costurando Sonhos: Trajetória de um grupo de imigrantes bolivianos que trabalham no ramo da costura em São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1997, p.73. 89

Os odores invadem a respiração e fazem as pessoas sentirem emoções extremas, dicotômicas, como atração e menosprezo, nojo e prazer, amor e ódio. Assim, a percepção do cheiro consiste não só na sensação gerada pelos próprios odores, mas também nas experiências e emoções que lhes estão associadas. Classen, 1996, p.12. Apud: SOARES JÚNIOR, Azemar dos Santos. Corpos hígidos: o limpo e o sujo na Paraíba (1912-1924). Dissertação (Mestrado em História) - UFPB/CCHLA, João Pessoa, 2011, p.9. A interpretação que se dá ao corpo, assim como aos odores, vem impregnada de valores culturais, percepções sociais e históricas. VIGARELLO, G. O Limpo e o Sujo: uma história de higiene corporal. Tradução de Mônica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

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relatos, no inverno toma-se um banho por semana. Para lavar as roupas também se

encontram tanques comunitários. Por isso o depoente destacou sua descendência

de etnias do lado amazônico, segundo ele, mais quente e com o costume de banhar-

se.

Discutir a higiene do corpo é adentrar o campo dos bons e maus odores, é

perceber que os corpos são:

[...] educados por toda realidade que os circunda, por todas as coisas com as quais convivem, pelas relações que se estabelecem e espaços definidos e delimitados, por atos de conhecimento, uma educação que se mostra como face polissêmica e se processa de um modo singular: dar-se não só por palavras, mas por olhares, gestos, coisas, pelo lugar onde vivemos.90

Eu sou do lado amazônico, uma mistura, na verdade, dos dois, porque meus pais é descendente. Acredito que eu também tenha uma gotinha de descendência de espanhóis. E uma mistura de índios com caboclos, duas etnias diferentes. Não tenho a linha dos Aimarás, teria eu de quéchua. E um pouquinho de espanhol. E mais do lado indígena amazônico, e então é diferente. É uma mistura e por isso que tem uma mistura de costumes. Tem gente que pergunta pra mim “Por que você não sabe falar o Aimará? Por que você tem esse costume e não esse?” [...] meus pais falam espanhol. Como eu falei, tem uma mistura, então, o que acontece, meu vó paterno falava quéchua, do sul do país, mas o marido dela era do norte e só falava espanhol, era descendente de espanhol e só falava espanhol. Imagina a mistura! A mãe da minha mãe era indígena e só falava essa língua, e o pai era também uma mistura de espanhol com indígena.91

Outro aspecto recorrente na fala do depoente é sua preocupação com a

ascendência espanhola, a fim de se diferenciar de outros e/imigrantes que não

possuem o “sangue dos colonizadores” – o discurso se apresenta de maneira a

enaltecer sua origem. Também destaca a mistura étnica de seus antepassados

quéchuas e aimarás, numa constante busca por um capital étnico que lhe represente

valores simbólicos objetivos e subjetivos. Como o e/imigrante está distante de seus

90

SOARES JÚNIOR, Azemar dos Santos. Corpos hígidos: o limpo e o sujo na Paraíba (1912-1924). Dissertação (Mestrado em História) - UFPB/CCHLA, João Pessoa, 2011. 91

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.

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laços de parentesco e dos membros de sua comunidade, procura reconhecimento

através de um grupo, uma crença comum, um inconsciente coletivo.

O que importa nesse repertório de etnicidade é que ele consiga formar uma memória coletiva que remeta a uma linha de ancestrais e que permita ao grupo imaginar uma trajetória singular, diferenciando-se de outros.92

O depoente não percebeu que sua etnia miscigenada entre “povos

originários” e colonizadores foi utilizada como justificativa para o ato de exclusão

pela sociedade, pois, ao se dissociar a comunidade de origem indígena da base

estrutural da sociedade branca boliviana, criaram-se os processos de exclusão,

discriminação e exploração social, que enfatizaram e impulsionaram os processos

migratórios.

Fica claro que teriam mais oportunidades aqueles que acumulassem capital

cultural93 a partir de práticas socialmente valorizadas pela sociedade. Assim, com a

educação legítima os mestiços estariam mais bem colocados no mercado de

trabalho.

Podem-se considerar dois aspectos distintos, mas intimamente ligados no

conceito de capital cultural, são eles:

[...] “incorporado” que significa “capacidades culturais específicas de classe transmitidas intergeracionalmente através da socialização primária” e há o aspecto “institucionalizado” que representa títulos, diplomas e outras credenciais educacionais. O capital institucionalizado estaria ligado ao capital incorporado na medida em que a escola se estrutura para facilitar o trânsito no processo escolar àqueles

92

LINERA, Alvaro Garcia (Org.). A Potência Plebeia: ação coletiva e identidades indígenas, operárias e populares na Bolívia. Prefácio de Pablo Stefanoni. Tradução de Mouzar Benedito e Igor Ojeda. São Paulo: Boitempo, 2010, p.173. 93

A teoria do capital cultural de Bourdieu é utilizada para analisar situações de classes, distinguindo-as por gostos, estilos, valores e estruturas psicológicas que decorrem de condições específicas de vida dessas classes. O capital as diferencia e lhes confere poderes sociais fundamentais: o capital econômico, o capital informacional e o capital social, que é a união dos dois anteriores. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.

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indivíduos que possuem determinado tipo de capital incorporado.94

O capital cultural adquirido nos bancos escolares reflete a valorização dada

à cultura dominante, ao passo que aos grupos étnicos possuidores de outros hábitos

e costumes se torna mais difícil a subjetivação da cultura95, sobrando pouca ou

quase nenhuma chance de inserção econômica e social.

A subjetividade carrega a noção de "sujeição", marcada pela imposição coercitiva de modelos culturais hegemônicos, através dos quais objetiva-se moldar, regular e controlar. Todavia, o processo de subjetivação não é um destino inexorável de serialização de indivíduos, comporta possibilidades de apropriação e reapropriação, subentendendo sujeitos agentes que recusam, selecionam e escolhem. Escolhas estas que, embora não sejam ilimitadas, abrem possibilidades para construção e reconstrução, permitindo a autonomia criativa. A produção de subjetividades envolve instâncias individuais, coletivas e institucionais, circunstâncias histórico-sócio-culturais e biográficas (trajetória de vida e de trabalho) que atingem instituições, percepções e articulações. Num processo em que elementos são captados e reproduzidos, também rejeitados, adaptados, trocados, selecionados e eleitos, envolvendo contradições e tensões através das quais sujeitos reformulam suas propostas, práticas, representações e sentimentos.96

A tais grupos percebe-se que o capital cultural adquirido vem de disposições

internalizadas, expressas no conceito de habitus97, e reflete-se em seu cotidiano.

94

C. Jopke, 1986, p.58. Apud: SILVA, Gilda Olinto do Vale. Capital cultural, classe e gênero em Bourdieu. Informare. Cadernos do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação. Rio de Janeiro, vol. 1, nº. 2, UFRJ, jul./dez. 1995, p.25. Disponível em: <http://repositorio.ibict.br/bitstream/ 123456789/215/1/OlintoSilvaINFORMAREv1n2.pdf>. Acesso: 22/08/2014. 95

MATOS, Maria Izilda Santos de; SOARES, Ana Carolina Eiras Coelho. Gênero e subjetividades. Projeto História. São Paulo, nº 45, dez. 2012. Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/ revph/article/viewFile/15003/11198>. Acesso em: 23/08/2014. 96

Ibidem. 97

Habitus significa um sistema de disposições duráveis e transponíveis que integra experiências passadas e orienta novas percepções, apreciações e ações do cotidiano. BOURDIEU, Pierre. La distinción. Critérios y bases socialies del gusto. Madrid: Taurus, 1988.

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49

Ao ser questionado sobre o idioma em que foi alfabetizado, o depoente

comenta que a língua oficial é que unifica as regiões, pois os costumes são muito

diferentes entre os povos.

[...] naquelas regiões era só espanhol. Só que é o norte de La Paz uma região cálida, mas na região altiplânica eles falam Aimará e muito pouco espanhol. Na parte fria dos Andes, mesmo. Eles têm tudo diferente, outra cultura, muito próximo no departamento, mas costumes completamente diferentes. É muito mais ainda a região andina, tem povos, etnias muito diferentes, a vestimenta, costumes, comida e tal [...]. Quando morei em La Paz percebi a diferença, tive amigos de diferentes lugares. La Paz fica a três horas dos povoados, que são bem diferentes, muita cultura, artesanato, bem bacana, muito diferente. Essa região altiplânica influencia muito nas outras regiões, é muito fria, não tem praticamente terra, o altiplano não dá frutas. Então, eles estão migrando muito. A migração leva os costumes diferentes. Como eu aqui, e eles lá para o norte também.98

Ressalta-se que a questão cultural, conforme revelam os costumes

mencionados pelo depoente, é marcada pela região e pelo modo de vida desses

povos. Os Collas vivem no altiplano e os Cambas, nos trópicos.99 “Para Aragón, as

sociedades do altiplano caracterizam-se pela agricultura, e por isso é comum o culto

a fertilidade da terra (Pachamama), enquanto as sociedades dos trópicos

caracterizam-se pela pecuária.”100

O clima nessas regiões também influenciou a forma de viver desses povos.

No altiplano a aridez da terra e as baixas temperaturas os obrigaram à coletividade

como estratégia de sobrevivência. Já os Cambas, com terras mais férteis e amplos

espaços geográficos, caracterizam-se pelo individualismo, pelo desprendimento e

pela mobilidade constante. Aponta-se que a forma como esses povos se relacionam

com a terra tem influência direta em seus comportamentos em sociedade e com a

98

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 99

Indígenas identificados como Collas são aqueles que viviam em uma das quatro partes do império incaico que se chamava Colla Suyo – as outras eram Antesuyo, Contesuyo e Chinchai Suyo. Já os Cambas vivem no oriente boliviano. O termo também significa “moreno” pela influência africana na região. M. de Murua, 1987, p.350; A. M. Stearman, T. Saignes, 1985. Apud: SILVA, Sidney Antonio da. Costurando Sonhos: Trajetória de um grupo de imigrantes bolivianos que trabalham no ramo da costura em São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1997. 100

Ibidem, p.73.

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família. Collas seriam “bons pais e esposos”101, devido ao senso de organização

comunitário, um indivíduo mais sujeito à autoridade e à disciplina, e Cambas,

“insubordinado”, não se preocupa com o futuro.102

Um estudo que analisa o custo social de se pertencer aos grupos étnicos na

Bolívia103 apresenta como fator característico a discriminação salarial. Segundo a

pesquisa, 67% dos empregos mais vulneráveis e precários são ocupados por esses

povos, assim com 28% dos semiqualificados e apenas 4% dos empregos

qualificados. O estudo aponta também a renda dos migrantes de diferentes

descendências, que recebiam, à época do levantamento, três vezes mais que os

migrantes descendentes dos grupos étnicos autóctones (quéchuas e aimarás) para

realizar as mesmas tarefas; e destaca que as mulheres recebiam 60% do salário dos

homens.

As situações econômicas, sociais, históricas, políticas e a exclusão étnica

relatadas, somadas às histórias de parentes, amigos e conhecidos sobre a migração

e ao desejo de melhorar a qualidade de vida, motivam o deslocamento e reforçam

cada vez mais o medo de ficar no país e de sua falta de perspectiva. O depoente

comenta sobre uma prima que morava há muitos anos na Espanha, estava bem de

vida e que isso o motivara também a migrar.

Foi uma história, eu trabalhava e era muito puxado, eu queria fazer faculdade. Mas não estava dando certo, muitas manifestações e revolta, instabilidade social, e eu estava ficando desesperado. No trabalho que eu fazia os salários são baixos, eu estava como um cachorro pegando o rabo, dando voltas e voltas.104

As dificuldades experienciadas pelos depoentes os levaram a optar pela

partida. A decisão de sair da Bolívia foi tomada em conjunto com suas famílias,

criando-se a expectativa de um breve retorno promissor. Nesse momento, o medo 101

M. G. Hollweg, 1977, p.142-143. Apud: SILVA, Sidney Antonio da. Costurando Sonhos: Trajetória de um grupo de imigrantes bolivianos que trabalham no ramo da costura em São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1997, p.73. 102

Ibidem, p.73-74. 103

ZAMORA, Jimenez Elisabeth. El costo de ser indígena em Bolivia: discriminación salarial versus segregación laboral. Revista de la Sociedad Boliviana de Economía Política. La Paz, vol. 1, 2000. 104

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.

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de ficar e a falta de perspectivas se transformaram nas motivações para a

concretização do processo emigratório para São Paulo. Iniciava-se uma nova fase

da trajetória de emigração: o medo de partir.

1.2 MEDO NO PARTIR: ROTAS E TRAJETÓRIAS

O contexto do medo na partida e no processo de ausência que se inicia no

momento em que o e/imigrante decide deixar seu país pode ser muito diversificado

para cada sujeito histórico envolvido. Nesse sentido, a

[...] evidência oral pode conseguir algo mais penetrante e mais fundamental para a história. Enquanto os historiadores estudam os atores da história a distância, a caracterização que fazem de suas vidas, opiniões e ações sempre estará sujeito a ter descrições defeituosas, projeções da experiência e da imaginação do próprio historiador: uma forma erudita de ficção. A evidência oral, transformando os “objetos” de estudo em “sujeitos”, contribui para uma história que não só é mais rica, mais viva e mais comovente [...].105

A história oral106 possibilita ao pesquisador apreender e analisar fatos e

dados históricos mediante as experiências do entrevistado. Só assim considera-se

uma interpretação mais ampla das trajetórias de vida e da experiência diaspórica107,

reconstruída no discurso do e/imigrante, que concebe sua identidade com base em

sua origem (terra natal) e no lugar onde constrói sua vida e inserção social. O

conceito de diáspora é construído pelas fronteiras deslocadas e pelas que

permaneceram intactas para o indivíduo.

A experiência do deslocamento ressalta a habilidade dos grupos em recriar

sua cultura em diversos locais. Assim, as diferentes vivências dos sujeitos históricos

105

THOMPSON, Paul. A voz do passado: História Oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p.137. 106

FREITAS, Sonia Maria. História Oral. São Paulo: Humanitas, 2002. 107

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.

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podem servir para romper a dualidade entre comunidades de minorias e sociedades

de maiorias.108

[...] Nesse caso, a diáspora seria um discurso híbrido que viaja, um fenômeno que encoraja “multilocale attachments, dwelling and travelling wiltheir and across nations”. O discurso e a experiência diaspórica contemplariam um sentido de diferença mais diversificado para os atores sociais envolvidos, quebrando a relação dual entre comunidades [...].109

Os relatos sobre a saída são repletos de sentimentos contraditórios, de

angústias, de medo e de euforia.110 E muitos desses relatos chegam aos ouvidos

dos novos e/imigrantes e os fazem decidir sobre que destino suas viagens tomarão.

Viemos por terra, como todos vêm, umas 90 horas de viagem, mais de 3 dias, de La Paz até Cochabamba, depois Santa Cruz, dorme lá e pega o trem111, que só sai às 6 horas da manhã e vem até a fronteira, até Corumbá, que do lado de lá chama Quijarro, e lá você faz toda a papelada. Viemos de uma maneira legal, porque éramos crianças e minha mãe tinha medo de vir de outro jeito. E aí lá pegávamos o ônibus para

108

THOMPSON, E. P. Costumes em comum: Estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. DOMINGUES, Petrônio. Cultura popular: as construções de um conceito na produção historiográfica. História. Franca, vol. 30, nº. 2, dez. 2011. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0101-90742011000200019>. Acesso em: 04/04/2015. 109

Geertz, 1989, p.250. Apud: LACERDA, Eugênio Pascele. O Atlântico Açoriano: uma antropologia dos contextos globais e locais da açorianidade. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - UFSC, Florianópolis, 2003, p.38. Disponível em: <http://www.musa.ufsc.br/docs/ eugenio_tese.pdf>. Acesso em: 5/04/2015. 110

Para analisar a memória de um fato ocorrido com o depoente, segundo Halbwachs, deve-se considerar que esse depoimento só tem sentido em relação ao grupo do qual o sujeito faz parte (memória coletiva), pois supõe um acontecimento real vivido em comum e, por isso, depende do quadro de referência. Comenta também em relação à memória individual, pois considera que ela exista, mas “está enraizada dentro dos quadros diversos que a simultaneidade ou a contingência reaproxima momentaneamente”. HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, p.13. O autor continua explanando a respeito da memória individual e diz que ela é um ponto de vista sobre uma memória coletiva, podendo mudar dependendo das funções e das relações que o depoente possui com o meio ou com a situação vivida. Ao tratar sobre memória coletiva, comenta que esta evolui segundo suas leis e até algumas lembranças individuais podem penetrá-la, mas, quando colocadas em conjunto, não serão mais experiências individuais, e sim coletivas. 111

O trem é conhecido como o Trem da Morte, porém o nome correto é Expresso Oriental. A fama de Trem da Morte se deu por causa de uma epidemia de malária que ocorreu durante a construção da ferrovia, acarretando a morte de trabalhadores bolivianos. SEVERO, Claudia. Trem da Morte – Tudo sobre... 18/03/2015. Disponível em: <http://mochilabrasil.uol.com.br/destinos/trem-da-morte>. Acesso em: abril de 2014.

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Mato Grosso do Sul. E meu pai foi pegar a gente. Minha mãe trouxe até a panela de pressão (risos), parece que era impossível comprar as coisas aqui. Ela veio de mudança, e aí o dinheiro acabou. Outra lembrança que eu tenho é dos meus pais vendendo a aliança de casamento para comprar o resto das passagens até São Paulo, mas aí a gente conseguiu chegar.112

A e/imigrante era criança quando ocorreu o deslocamento, então sua

percepção do tempo e dos fatos era influenciada pela visão dos pais, avós ou

cuidadores. À medida que foi crescendo, suas memórias sobre a saída da Bolívia

mudaram, o foco de observação se alterou com as experiências vividas e o aumento

do círculo social. E aí “o tempo não flui uniformemente, o homem tornou o tempo

humano em cada mundo sociedade. Cada classe o vive diferentemente, assim como

cada pessoa”113.

O fato marcante naquele momento foi a mãe vir com a panela de pressão, o

que para ela, criança, parecia estranho, não poderiam comprar uma panela no

Brasil? Hoje já interpreta de maneira diferente, como uma partida definitiva da

Bolívia, e cita as dificuldades financeiras. Outra lembrança destacada foi a venda

das alianças para concretizar o sonho da emigração em família. Então, as memórias

são:

[...] um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente [...] a memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações [...] a memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto.114

112

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 113

BOSI, Ecléa. O Tempo Vivo da Memória - Ensaios de Psicologia Social. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003, p.53. 114

NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo, nº. 10, PUC/SP, 1993, p.7.

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O depoente faz uma seleção das memórias115 de acordo com o grau de

envolvimento e a importância que tenham para si, sendo configuradas de diferentes

formas e sob diferentes perspectivas para cada pessoa mesmo que o fato seja o

mesmo. Daí se dá a dificuldade em categorizar as experiências individuais e

coletivas. Pensar na importância da memória coletiva é, antes de tudo, reconhecer

sua relevância para a sociedade.

[...] a memória coletiva não é apenas uma conquista: é também um instrumento e um objetivo de poder. As sociedades nas quais a memória social é principalmente oral, ou as que estão em vias de constituir uma memória coletiva escrita, permitem melhor compreender esta luta pelo domínio da recordação e da tradição, esta manipulação da memória.116

Cada processo migratório é único sob a perspectiva do sujeito histórico,

independentemente de tê-lo realizado sozinho ou em grupo. As formas de entrada

no país (Brasil) podem ser as mesmas, mas o sentimento que motiva cada

deslocamento se diferencia. No caso do relato anterior o objetivo da viagem era a

reunificação familiar, pois o pai já havia emigrado para São Paulo e regularizado sua

situação migratória.

Outro relato de viagem é feito pela mãe de um emigrante que realizou a

travessia da fronteira como turista, via Paraguai, com sua esposa e deixou o neto

com a avó:

115

Destaca-se que a “memória é o campo de nossa reflexão e diálogo”, na qual se pode interpretar que o social são as possibilidades construídas diariamente, priorizando-se e reavivando-se recordações e contos de sujeitos excluídos ao longo do processo histórico. Khoury também contribui quando afirma que a história oral “é um campo de exercício do direito de falar, de expressar as interpretações e perspectivas de cada um”, sendo um instrumento expressivo e construtivo da presença social, o que ocorre durante as entrevistas quando os sujeitos passam a falar, refletir e rememorar sobre si mesmos, possibilitando a ampliação e a duração dos horizontes da história e da memória. FENELON, Déa; MACIEL, Laura Antunes; ALMEIDA, Paulo Roberto de; KHOURY, Yara Aun (Orgs.). Muitas memórias, outras histórias. São Paulo: Olho d‟Água, 2004. 116

LE GOFF, Jaques. História e memória. Vol. II - Memória. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2000, p.57.

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Ele e sua esposa foram pela estrada, passaram por Santa Cruz e depois foram ao Paraguai e atravessaram para o Brasil. Tem uma pessoa boliviana em São Paulo que chamou eles. Falei com eles por telefone e disseram que estão mal, inchados e cansados, cheios de picadas de mosquitos. [...] Estão em uma casa e vão trabalhar lá em uma oficina de costura. [...] Ele tem um sonho de trabalhar e mandar dinheiro.117

Nesse relato a motivação foi o trabalho e a busca de melhores condições de

vida para a mãe e para o filho que ficaram na Bolívia.

[...] história vivida que se distingue da história escrita: ela tem tudo o que é preciso para constituir um quadro vivo e natural em que um pensamento pode se apoiar, para conservar e reencontrar a imagem de seu passado.118

E/imigrantes comentaram que entrar no país pelo Paraguai era mais fácil

para quem não possuía documentos. Um relatou que estava com um grupo de mais

cinco bolivianos e esperou dois dias em Assunção por atravessadores que iriam

levá-los ao Brasil. Contou que passou por uma rígida revista dos policiais antidrogas

da fronteira e, como lhes disse que viajava para fazer compras, teve de mostrar seu

dinheiro, então parcialmente “confiscado”. Lá aguardou dois dias para seguir a

Ciudad Del Leste, passar a fronteira e pegar o ônibus para São Paulo, no qual

haviam muitas mercadorias contrabandeadas.

Outras histórias com acidentes e mortes na travessia foram mencionadas,

além da cobrança realizada pelos atravessadores119, que chegavam a pedir 120

dólares para cruzar a fronteira.

Conheci pessoas que vinham para o Brasil, disseram que era rápido e que eu ia ter emprego. Mas eu não fui mula de nada, nada de drogas. (risos) Eu tinha pouco dinheiro e decidi “Então vou”, da noite para o dia. Peguei minhas coisinhas e vim com

117

Apud: CAMPOS, Geraldo Adriano Godoy de. Entre devires e pertencimento: a produção da subjetividade entre imigrantes bolivianos em São Paulo. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais), São Paulo, PUC-SP, 2009, p.35. 118

HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, p.71. 119

Atravessador: também conhecido como coiote ou gato, auxilia no deslocamento ilegal de e/imigrantes. Suas práticas podem estar relacionadas ao tráfico e ao contrabando de seres humanos.

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eles, conheci um dia, no outro vim com eles. Pensei “Não tenho nada aqui, se eu não gostar volto”. [...] e, aliás, não tinha tirado passaporte, vim como mochileiro, fui passando de cidade em cidade. Não vim de avião, foi ônibus, mochileiro mesmo. De cidade em cidade, gastando pouco, não tinha muito dinheiro, então eu só tinha eu, não tinha ninguém por mim. E as outras pessoas também vieram assim. Uma era um sobrinho que já tinha estado aqui e voltado. E um casal. Aí eu aproveitei e vim junto. Eles falaram de trabalho, mas não explicaram direito.120

No relato observa-se uma prática comum entre os bolivianos: pessoas que

entram e saem do país sazonalmente. Elas se deslocam para São Paulo, passam a

temporada de alta demanda no setor da costura – os meses de setembro, outubro e

novembro (meses que antecedem as vendas do Natal) – e retornam para a Bolívia.

São conhecidas pelos “oficinistas”121 como trabalhadores sazonais. O depoente

pensava que, se não gostasse de São Paulo ou do serviço, voltaria, pois ainda não

tinha conhecimento sobre as dificuldades que encontraria para inserção na

sociedade de acolhimento e ao chegar à oficina.

Ao ser questionado sobre a existência de “coiotes” ou atravessadores, o

depoente menciona um procedimento rotineiro nas oficinas de costura. O

empregador, auxiliado pelo atravessador, retém os documentos dos e/imigrantes até

que lhe devolvam o valor gasto na viagem, financiado pelo empregador, e paguem

pelas despesas com alojamento e alimentação, garantindo assim mão de obra

barata por um determinado tempo.

Existem dois tipos de atravessadores: aquele que faz o deslocamento do

e/imigrante na fronteira do país de origem com o país destino, ou seja, depois da

entrada o e/imigrante segue viagem sozinho; e outro que acompanha o viajante até

o local de trabalho.

Tem, sim, tem. E até é verdade, quando cheguei aqui, um tempo depois, tive contato com isso. Eu via pessoas que pegavam o documento e não devolviam até que você

120

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 121

Termo utilizado no ramo para definir o proprietário ou o responsável pelas atividades e trabalhadores da oficina de costura.

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cumprisse um determinado tempo com eles. E assim... são coisas delicadas de falar.122

As rotas de emigração não documentada via Corumbá e via Paraguai e os

procedimentos realizados nos postos de inspeção foram descritos até a entrada dos

e/imigrantes nas fronteiras do Brasil e a chegada a São Paulo. Há dois caminhos

principais para a viagem de ilusões, mas os percursos são considerados inseguros

pelos e/imigrantes, devido à presença de aliciadores e de policiais nos postos de

inspeção, que a qualquer momento poderiam interromper o projeto do viajante.

Relatos dão conta ainda dos gastos crescentes da viagem, pois valores eram

deixados nas mãos de intermediários e propinas tinham de ser pagas para que não

ocorressem denúncias sobre o grupo que se deslocava.

Para chegar ao Brasil, o e/imigrante indocumentado transita dentro de uma

“rede” ou “trama” de serviços lícitos e ilícitos. A Rota Corumbá se inicia com a

emissão de documentos falsos pelos recrutadores e segue com o transporte de trem

de Santa Cruz a Porto Quijarro, incluindo um serviço improvisado de hospedagem.

O e/imigrante se depara com postos policiais, nos quais se declara turista e registra

os documentos falsos. Passa por quatro inspeções até chegar a São Paulo, num

percurso que leva 23 horas.

Já pela Rota Paraguai o e/imigrante chega a São Paulo em 11 horas, porém

é considerada mais perigosa devido a muitos relatos de aliciadores de mão de obra

que prendem os documentos dos e/imigrantes e não pagam pelos trabalhos

realizados. A trajetória também se inicia com a emissão de documentos falsos em

Santa Cruz, depois os viajantes seguem de ônibus para o Chaco Paraguaio, onde se

realiza o primeiro controle migratório. Chegam a Assunção e adquirem passagens

para Ciudad del Este – Foz do Iguaçu. Ao desembarcar em Foz do Iguaçu, se

hospedam e aguardam o horário do ônibus para São Paulo.

122

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.

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58

Figura 3 - Viagem de ilusões.123

123

NAVIA, Roberto. Esclavos made in Bolivia. Cuarto Intermedio. Cochabamba, nº. 84, ago. 2007.

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Na rota de trem de Puerto Quijarro (Bolívia) para Corumbá (Brasil)124

percebem-se diferenças étnicas entre os bolivianos nos costumes, nos hábitos

alimentares, nos trajes, nos comportamentos e principalmente nos variados projetos

a serem realizados no Brasil. Nas entrevistas realizadas foi possível identificar, por

exemplo, muitas mulheres que viajam sozinhas no intuito de realizar atividades

comerciais em Corumbá e retornar, famílias se deslocando para encontrar com

parentes já estabelecidos em São Paulo, bem como homens jovens sozinhos à

procura de trabalho.

A estação de trem é um marco da imigração, pois, ao mesmo tempo que dá

início à concretização do “sonho da emigração”, recebe aqueles que já o

vivenciaram e estão retornando. É o fim de um ciclo de tentativas frustradas no país

de origem. A estação ainda pode ser vista como metáfora do processo migratório,

local de chegadas e partidas, de encontros e despedidas.

Figura 4 - Terminal Ferroviário de Puerto Quijarro.125

124

SILVA, Sidney A. Costurando sonhos: Trajetória de um grupo de imigrantes bolivianos em São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1997. 125

SEVERO, Claudia. Trem da Morte – Tudo sobre... 18/03/2015. Disponível em: <http:// mochilabrasil.uol.com.br/destinos/trem-da-morte>. Acesso em: abril de 2014.

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60

O salão de embarque e desembarque da estação de trem de Puerto Quijarro

é onde os projetos migratórios se redesenham, famílias se despedem e se

encontram. É ponto de partida do deslocamento de bolivianos que vislumbram a

possibilidade de construir um futuro diferente para si e seus familiares.

Figura 5 - Salão de embarque e desembarque

do Terminal Ferroviário de Puerto Quijarro.126

A viagem de trem dura em média 18 horas em meio a áreas rurais da região.

Empregos informais são criados em torno do percurso ao Brasil. Há vendedores

ambulantes dentro do trem e nas estações oferecendo aos gritos limonada –

“Limonada, limonada...” –, café, soda (refrigerantes), empanadas127, espetinhos de

frango, carne, peixe frito e mais uma infinidade de opções, incluindo pratos feitos.

Em sua maioria, os produtos são confeccionados de forma caseira – as limonadas

são transportadas em baldes abertos e vendidas em sacos plásticos com canudo.

126

SEVERO, Claudia. Trem da Morte – Tudo sobre... 18/03/2015. Disponível em: <http:// mochilabrasil.uol.com.br/destinos/trem-da-morte>. Acesso em: abril de 2014. 127

Ibidem.

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61

O comportamento dos bolivianos durante a viagem chama atenção:

“Incansáveis, correm de vagão em vagão, sobem e descem nas paradas, gritam, se

esbarram, quase sentam no seu colo.”128 A Polícia Nacional e/ou do Exército circula

pelo trem e pode conferir a passagem dos passageiros a qualquer momento. Outro

fator destacado é a (in)segurança na viagem – eventuais furtos e falta de luz à noite

são mencionados nos relatos.

Os vagões são separados por categorias: na Super Pullman não é permitida

a entrada de vendedores e os bancos são reclináveis; nas classes Pullman e

Primera a diferença se dá pelo número de passageiros por banco – na Pullman os

bancos são para duas pessoas e em um ângulo de 90 graus, enquanto na Primera

os bancos são iguais, mas podem abrigar três pessoas e existem assentos em que o

viajante fica de costas; também há a opção extra, noturna, que sai às 18h30min de

Quijarro com apenas dois vagões, o Ferrobus.

Os projetos de emigração podem ser realizados individualmente ou em

família, mas sempre o grupo familiar está envolvido na empreitada migratória, sendo

o motivo a busca por uma vida mais confortável, apoiando ou financiando o sonho

do emigrante. As esposas concordaram com a partida dos maridos e assumiram os

filhos. Os avós, em muitos relatos, ficaram responsáveis pela criação das crianças

enquanto seus pais emigraram.

Nas duas experiências relatadas a seguir o objetivo da viagem para o Brasil

não foi apenas a busca por trabalho ou as dificuldades financeiras enfrentadas na

Bolívia. No primeiro caso, a motivação foi uma necessidade de independência e

afirmação. O jovem de família abastada emigrou para desenhar seu próprio destino,

estudar e construir uma carreira.

128

SEVERO, Claudia. Trem da Morte – Tudo sobre... 18/03/2015. Disponível em: <http:// mochilabrasil.uol.com.br/destinos/trem-da-morte>. Acesso em: abril de 2014.

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Entrei com 18 anos no quartel, fiquei um ano. Nesse tempo eu refiz toda a estrutura da minha vida. “Eu não vou interferir na vida da minha família”, pensei. Minha mãe é muito nova, casou agora, tem dois filhos, são meus irmãos por parte de mãe. Eu decidi seguir a minha vida, pegar as minhas coisinhas e seguir meu rumo. Tive muitas frustrações [...] depois de um ano eu liguei para minha mãe e disse “Mãe, vem até o quartel que eu preciso conversar”. Ela veio e eu falei “Mãe, eu vou embora” (choro e emoção). E ela disse “Eu não acredito”. E eu “Mas eu vou. Eu preciso” (silêncio).129

Já o segundo relato traz o sonho de um músico e carpinteiro que, com sua

banda, buscava conhecer o mundo e divulgar a cultura boliviana.

Eu tinha um grupo de música boliviana em La Paz. Tinha vontade de sair pra tocar e conhecer o mundo: Argentina, Brasil, Europa... E o primeiro lugar que vim foi o Brasil. No ano de 1979 vim pela primeira vez ao Brasil. Fui tocar no Rio de Janeiro, fiz uns trabalhos de carpintaria por lá e retornei. Estava desesperado para voltar, peguei meu dinheiro e fui embora. Fiquei cerca de três meses. Depois uns colegas do grupo vieram para São Paulo e me chamaram para tocar com eles. Então, em 1982 vim. Vim uma parte de ônibus e depois de trem cheguei pelas cinco da manhã, na estação da Luz, me hospedei em uma pensão, ou hotelzinho, porque o que eu tinha era a minha música, o sonho, e não dinheiro. Levantei pelas oito da manhã e ensaiei até as três da tarde com meus colegas e já fui me apresentar à noite. Porque não tinha dinheiro, precisava de dinheiro.130

129

Depoimento de Jaime Adolfo Oblitas Alvares, em entrevista concedida à autora em 04/05/2013. 130

Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012.

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Figura 6 - Grupo Raça Índia – momentos antes da apresentação.131

Figura 7 - Apresentação do Grupo Raça Índia na Praça da República.132

131

Foto cedida pelo depoente Clemente Amadeo Loyaza. 132

Foto cedida pelo depoente Clemente Amadeo Loyaza.

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A carência monetária não era a única razão para e/imigração, muitas vezes

a busca se dava por um lugar de destaque, uma aceitação social não encontrada no

país de origem. O reconhecimento e o status econômico e social motivavam o

emigrado a permanecer no destino (Brasil) até poder voltar ou mandar dinheiro

mensalmente para os familiares que ficaram, sendo assim reconhecido como

vitorioso na experiência migratória.

Outro medo enfrentado pelos e/imigrantes no momento de partir era a falta

de informação sobre as leis migratórias, o que os deixava vulneráveis. Os

e/imigrantes de diferentes etnias e origem rural sofreram mais com a ignorância das

leis de migração do que os e/imigrantes oriundos dos polos urbanos e com mais

estudo. O depoimento menciona trabalhadores que foram encontrados nas oficinas

de costura de São Paulo.

[...] a maioria eles trazem pessoas da roça, son burricos e coitados, jamais estiveram em uma cidade maior da própria Bolívia. E vêm para São Paulo, uma cidade terceira maior do mundo, imagina... Eu mesmo que já tinha estudado e viajado senti um choque. Aqui é muito grande. Eles, coitados, têm medo, e as pessoas aqui, nem todas são bonzinhas.133

Observa-se no depoimento que o próprio e/imigrante internalizou o discurso

de discriminação e reforça a ideia recorrente na mídia de que os bolivianos são

coitados, explorados por seus compatriotas ou outros imigrantes ou mesmo pelas

confecções. Cria-se um estigma de vitimização do e/imigrante, mas questiona-se até

que ponto esse estigma pode negar a autonomia do trabalhador boliviano enquanto

indivíduo capaz de fazer suas próprias escolhas.

O sujeito histórico que enfrentou o deslocamento do interior da Bolívia para a

cidade de La Paz ou Santa Cruz, procurou emprego e uma forma de emigrar para o

Brasil, chegou a São Paulo e trabalha no ramo das confecções fez suas escolhas no

processo. Pagou por documentação, viagem, possui responsabilidade por suas

escolhas. Deduz-se então que possa reclamar por melhores condições de trabalho,

requerer contratos em carteira, pagar impostos sobre a produção e exigir seus

133

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.

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direitos de cidadão. Percebem-se aí sujeitos ativos no processo migratório, e não

passivos ou alheios aos problemas decorrentes do deslocamento.

Como o fluxo migratório entre a Bolívia e o Brasil é intenso, vários acordos já

foram traçados para viabilizar as políticas de acolhimento aos estrangeiros em

território nacional e regularizar a situação do e/imigrante boliviano, dando-lhe direitos

e deveres semelhantes aos do cidadão nacional, para que possa obter trabalho e se

sustentar de forma “digna”134. E assim, com o passar do tempo (8 a 10 anos), caso

queira, possa requerer seu visto de permanência no Brasil. Mesmo após a

transformação de um visto temporário em visto permanente, a manutenção deste

poderá ser condicionada ao exercício de atividade certa e fixação em determinada

região por até cinco anos.135

A Lei 6.815, ou Estatuto do Estrangeiro, criada em 19 de agosto de 1980, se

baseia na Doutrina de Segurança Nacional do período militar (ditadura) e tem como

objetivo “criminalizar” o e/imigrante indocumentado, trazendo linhas de conduta e

comportamento com foco na segurança nacional, e não no ser humano em

deslocamento. A legislação visa proteger o Brasil nas esferas política, econômica,

social e cultural, a fim de manter a ordem e a segurança do país.

A visão do Estado sobre o e/imigrante fica clara no artigo 7, pois destaca

que só será concedido visto àqueles que não forem nocivos à ordem pública ou aos

interesses nacionais. Também ressalta que tipo de e/imigrante é conveniente:

134

Segundo dados do Censo de 2010, ao realizar-se a comparação sobre as condições de vida dos e/imigrantes bolivianos e dos moradores da RMSP, percebe-se que a maior parte dos bolivianos vive em condições precárias de trabalho – 65% é a porcentagem dos que trabalham por conta própria ou sem carteira assinada, muito superior à média encontrada na Região Metropolitana de São Paulo, onde 60% da população economicamente ativa se insere no mercado formal. Os bolivianos, em média, ganham R$ 1.200,00 em seu principal trabalho, abaixo da média na RMSP, que é de R$ 1.800,00. Entretanto, os e/imigrantes recém-chegados ganham em média R$ 800,00. “Entre os domicílios da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) e os domicílios chefiados por bolivianos não há nenhuma desproporção na faixa de zero a meio salário mínimo, ou seja, a faixa em que se concentram a população em situação de miséria. O descompasso entre os dois grupos é maior na faixa de meio a um salário mínimo, na qual 37% dos bolivianos se encontram (contra 25% da média na RMSP). Nas demais faixas a diferença é pequena, mas também considerável. Por exemplo, cerca de 10% dos bolivianos recebem entre 02 e 10 salários mínimos, enquanto na RMSP a média é de 23%. Além disso, apenas 1% dos domicílios bolivianos recebem mais do que 10 salários mínimos, contra os 3% da RMSP.” PUCCI, Fabio Martinez Serrano. Bolivianos em São Paulo: Redes, Territórios e a Produção da Alteridade. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO), 2013. Disponível em: <http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/clacso-crop/201310130748 34/Pucci_trabajo_final.pdf>. Acesso em: : 09/03/2015. 135

REDE MIGRANTES QUE VISIBILIDADE QUEREMOS. Dicas para os imigrantes: Viver e se integrar em São Paulo. Ministério da Justiça Material, Secretaria Nacional da Justiça, Departamento de Estrangeiros, 2012.

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aquele que invista no país ou que ofereça algum benefício para o avanço

tecnológico, científico, a captação de recursos e a produtividade como mão de obra.

Sendo assim, o e/imigrante boliviano pobre e de baixa qualificação tem como

estratégia ingressar como turista.

O prazo do visto de turista é de 90 dias, mas existem relatos de e/imigrantes

que receberam visto por tempo inferior. A lei não permite a legalização do

indocumentado, que permanecerá sem documentos, podendo regularizar sua

situação somente em caso de anistia geral. O estrangeiro com visto vencido, ao sair

do país, recebe multa e só pode regressar depois de quitá-la. A imposição do

pagamento gera um fluxo de trabalhadores e/imigrantes sem documentação.

A situação irregular da documentação da mão de obra é favorável para os

empregadores, que lucram sobre a produtividade desses sujeitos e, ao pagarem

menos por peça produzida, garantem maior competitividade no setor de confecções.

Também existem outros interessados no trânsito ilegal de pessoas tanto no Brasil

como na Bolívia, como os que ganham com o comércio de documentos falsos e com

as tarifas específicas criadas para burlar a vigilância das fronteiras. Assim, somente

os acordos e anistias alimentam os projetos de muitos e/imigrantes, que, depois de

regularizar sua situação no país, resolvem ficar ou buscar a família com o objetivo

de se estabelecer. A reunificação familiar é um ponto-chave.

No fim das contas acabou facilitando porque teve anistia de 88, ele se documentou e criou coragem para trazer a família. Mas ele trouxe a família porque já estava documentado. O amigo dele era mais jovem e esclarecido do que ele e o ajudou nesse processo de regularização.136

Na anistia ampla de 1998, cerca de 20.000 bolivianos, das 39.000 pessoas

beneficiadas137, se regularizaram em todo o território brasileiro. Esse número

poderia ter sido muito maior, segundo as organizações de apoio ao e/imigrante,

porém a cobrança de taxas de até 250 reais por pessoa dificultou o processo. O

136

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 137

MENDES, Vannildo. Brasil anistia 41.816 estrangeiros em situação irregular. Agencia Estado. 06/01/2010. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-anistia-41816-estrangeiros-em-situacao-irregular,491657>. Acesso em: 15/04/2015.

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acordo bilateral de regulamentação migratória, com validade até setembro de 2008,

permitiu que bolivianos e brasileiros que tivessem entrado até 2005 em ambos os

países regularizassem sua situação138.

Na anistia migratória de julho de 2009, o maior grupo de estrangeiros a

solicitar permanência no país foi o de bolivianos: 17.000 das 41.000 solicitações.

Outros grupos presentes no ramo das confecções e do comércio que se destacaram

foram os paraguaios, com 4.100 pedidos, e os chineses, com 5.100.139

Além dos altos custos do processo de regularização no país, os depoentes

relataram dificuldades para obter informações nos órgãos competentes (Polícia

Federal e Consulado), como na seguinte experiência:

Aí fui fazer a documentação, já estava há quatro ou cinco anos aqui. Na época saiu uma lei para acordo bilateral, tinham muitos brasileiros na Bolívia, coronéis, fazendeiros e nós aqui. Aí aproveitei para regularizar a situação. Uma burocracia terrível, muito gasto e o pessoal desinformado. Aí que conheci a polícia federal. Nossa! Nós somos mal tratados, é terrível, é terrível. Acho que pelo fato de ser estrangeiro, as pessoas maltratam você, é um atendimento precário. A polícia federal é o pior lugar que você, como estrangeiro, possa precisar, é uma experiência desumana, desumano. E você não tem pra quem falar isso. Os repórteres não vão dar atenção. Era terrível, terrível... Destratavam você. Eles quase que te agrediam verbalmente. Tratavam mal, faziam voltar duas ou três vezes, porque não davam a resposta certa. Eles falavam estúpidos,

138

Principal ponto do Acordo Bilateral com a República da Bolívia sobre regularização migratória assinado em 15/08/2005 e com vigência em ambos os países em 15/09/2005. O objetivo era regularizar a situação dos emigrantes de ambos os países que tivessem entrado no país até 15/08/2005 e estabelecia o prazo de 180 dias após a assinatura do acordo para que solicitassem nos Postos da Polícia Federal a regularização. A Polícia Federal emitia um protocolo para que o estrangeiro ficasse em situação regular até a análise final do processo pelo Ministério da Justiça. Para abertura do processo exigiam-se documentos pessoais, atestado de antecedentes criminais, pagamento de taxas (prazo de 90 dias para pagar a multa por estada irregular), duas fotos coloridas. Precisavam comprovar a entrada no território com carimbo no passaporte, cartão de entrada/saída, comprovante de pagamento de aluguel, luz, água, telefone ou mensalidade escolar, nota fiscal ou equivalente de compra de bem móvel ou imóvel, comprovante de atendimento de saúde, atestado médico, carteira de vacinação ou qualquer outro documento que comprovasse a estada. Assim, gozariam dos mesmos direitos e estariam sujeitos às mesmas obrigações laborais dos trabalhadores nacionais do Estado receptor. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Acordo sobre Regularização Migratória Brasil/Bolívia. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/trab_estrang/acordo. pdf>. Acesso em: maio de 2013. 139

SOUCHAUD, Sylvain. A confecção: nicho étnico ou nicho econômico para imigração latino-americana em São Paulo. In: BAENINGER, Rosana (Org.). Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População - Nepo/ Unicamp, Fapesp, CNPq, UNFPA, 2012.

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não tinham o mínimo de competência e humanidade para tratar com o próximo.140

Questionado sobre se conhecia o Consulado da Bolívia e se buscara

informações e apoio para seu processo regulatório nesse órgão, o depoente diz:

Cheguei a ir, eles son uma porcaria também. Muita burocracia, não sabem o que fazer também. Porque são estrangeiros e não têm muito poder aqui. E falavam “Não, você tem que fazer assim...” e só emitem um salvo-conduto para viajar. Só isso que eles sabem fazer e pra tudo cobram uma taxa. Uma desgraceira total, uma burocracia que pelo amor de Deus [...]141

Sobre o tempo esperado para o fim do processo de legalização, o depoente

comentou:

Demorou. Todos os documentos que eles pediram, a gente não tem. Pediram holerite, absurdo! Comprovantes... E a gente não tinha nem como trabalhar direito. Tive que fazer declaração de renda, tudo de faz de conta. Porque imagina quem não tem habilidade para costura, imagina quanto recebia por produção. Sabe a cadeia alimentar, eu tava era, tipo, o último da cadeia, o cocô do último da cadeia. Mais de um ano para cada documento, demora mais de um mês na polícia federal. Além de ter uma fila imensa, eles te maltratarem e quase cuspirem no teu rosto. E para piorar essa situação a maioria dos meus conterrâneos não tem educação e é son perdidos. Demora, te dão um protocolo, que não serve pra nada, não dá para abrir conta, não tem benefício nenhum. É pior que um cachorro. Demora pra chegar um ano, e o provisório dura dois anos. Mas agora peguei o permanente, e dura dez anos, depois tenho que fazer tudo de novo.142

140

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 141

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 142

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.

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As dificuldades vivenciadas pelos e/imigrantes bolivianos nos órgãos

mencionados não se restringem apenas a esse grupo. Outros grupos de

estrangeiros e mesmo de nacionais, ao procurarem informações e auxílio de

consulados e da Polícia Federal, também tiveram suas necessidades emergenciais

negligenciadas. Os serviços prestados nessas instituições dependem da burocracia

administrativa e da força de acordos políticos entre os países emissores e o

acolhedor. Quanto ao volume das filas e à demora no atendimento às solicitações, a

Polícia Federal e o Consulado informaram que os prazos são pré-fixados e

dependem do processo de análise da documentação. Nota-se que o foco do

atendimento não é o bem-estar do ser humano em deslocamento, e sim os

processos administrativos, de acordo com a ótica do depoente.

As várias histórias sobre processos migratórios bem ou malsucedidos

permeiam o imaginário dos e/imigrantes e transformam as poucas informações em

certezas na busca por um futuro promissor. Ao mesmo tempo, também se

transformam em armadilhas nas mãos dos atravessadores e recrutadores de

trabalhadores para o setor de confecções de São Paulo.

1.3 O SONHO DO “EL DORADO”143: ILUSÕES E EXPERIÊNCIAS

Ao traçar a trajetória de vinda dos bolivianos, o presente estudo busca

apreender em suas memórias aspectos que implicaram a saída de seu país,

dificuldades, tristezas, incertezas e alegrias na procura por novos caminhos.

143

A origem dessa imagem pode ser atribuída ao imaginário dos colonizadores europeus, pois acreditavam que existia um lugar repleto de riquezas, ouro e pedras preciosas cujo nome seria El Dorado. Durante o século XV, o local procurado se transformou no reino do “Príncipe Dourado”, que habitaria um domínio às margens de um lago salgado. Inúmeras expedições o buscaram sem sucesso. Depois, a partir da segunda metade do século XIX, milhares de europeus partiram em busca do sonho da abundância em novas terras e o traduziram na expressão “Fare l‟América”, “Fazer a América”, o que se pode entender como o “El Dorado Americano”. SILVA, Sidney Antonio da. Bolivianos em São Paulo: entre o sonho e a realidade. Estudos Avançados. São Paulo, vol. 20, nº. 57, mai./ago. 2006.

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O pai veio para o Brasil em 1977, era alfaiate na Bolívia e estava sem serviço. Soube que um sobrinho tinha vindo pra cá e voltado pra lá muito bem de vida, com dinheiro, comprado uma casa... E aí a minha mãe encheu o meu pai e disse que ele também tinha que vir. A minha mãe sempre teve o sonho de morar fora da Bolívia, sempre, sempre. Ela já tinha pensado em ir para a Argentina, mas, como deu certo de o meu pai encontrar com esse primo dele e falar que era alfaiate, que fazia costura fina e que queria trabalhar, esse primo trouxe ele pra cá.144

A decisão de emigrar, deixar o lar e a família, está embasada em um

imaginário positivo sobre o destino, o Brasil, delineado como um país promissor

economicamente, com oportunidades de emprego e crianças correndo livres pelas

praias. O carnaval, a natureza e o futebol também motivam o deslocamento, criando

a esperança de uma vida diferente, sem restrições financeiras.

Quando arrumei serviço, pronto, uma empresa de serviços de fabricação de carros, era uma empresa argentina, comecei a me estabelecer na empresa. Comecei a arrumar minha vida, e lá falavam muito do Carnaval no Brasil, e eu, curioso, jovem, 20 e poucos anos de idade, pensei “Quero conhecer o Brasil, esse carnaval, tudo”. Trabalhei, saí de férias e vim para o Carnaval. Tinha só trem, demorava cinco dias para chegar na divisa com o Brasil, Corumbá. Quando cheguei, vi que era diferente da Bolívia, mais conservado. Depois peguei o trem e vim pra São Paulo. Saí na Luz, fiquei em um hotelzinho. A festa de carnaval estava no auge. Conheci uns bolivianos no hotel e saí pra farra do Carnaval. Acabou todo o meu dinheiro depois de uns dias. E aí eu falei “E agora?”, não tinha dinheiro nem pra pagar o hotel. Não falava português, não tinha como voltar nem onde ficar. Pensei até em trabalhar de graça no hotel, mas “Vou ter que procurar serviço aqui...”.145

Hoje, motivados pelos acordos bilaterais, pelas anistias, pelo Mercosul146 –

que propiciou o livre passe nas fronteiras dos países que o compõem e se define

144

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 145

Depoimento de Santiago Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 146

A integração regional incentivada pelo bloco Mercosul, cujo intuito inicial era o crescimento comercial e econômico, hoje também dispõe de regras para facilitar o fluxo migratório dos nacionais dos Estados-partes e dos Estados-associados (Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru), de modo que as questões migratórias representam uma nova forma de integração entre esses países. No âmbito do Mercosul, o Brasil implementou um tratado que prevê a legalização dos imigrantes

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como estratégia do governo brasileiro para humanizar as discussões acerca das

questões migratórias, adotando uma postura de cooperação e respeito entre os

povos – e pela imagem positiva construída pela mídia brasileira, e/imigrantes deixam

a Bolívia todos os anos em busca do “El dorado brasileiro”, mais precisamente o

paulistano. O fluxo se concentra nos bairros centrais da cidade de São Paulo, que

abarcam grande parte das oficinas de costura e do comércio varejista e atacadista

de confecções.

Esse fluxo de emigração da Bolívia para São Paulo teve início quando

bolivianos passaram a ser contratados por coreanos nas confecções. Assim,

deixavam seu país para aqui exercer a atividade de costura, fato esse que ainda

ocorre nos dias atuais.147 Aliás, o ramo das confecções não absorve somente a mão

de obra boliviana nas oficinas de costura e no comércio do setor têxtil, mas também

trabalhadores paraguaios, uruguaios, chilenos e colombianos, além dos tradicionais

árabes e coreanos, que já tinham presença marcante nos bairros do Bom Retiro,

Brás e Pari.

Contudo, promessas e expectativas podem se reverter em tristes histórias

de insucesso e frustrações.

[...] ele ligou pra minha mãe e disse que queria voltar: “Tá muito difícil aqui, não tem serviço, eu acho que vou voltar.” Já estava há dois anos, tinha juntado uma grana, porque praticamente os dois anos que ele ficou não mandou nada, uma vez minha tia levou um pouco de dinheiro, mas só. Mas, de resto, quem bancou a gente lá foi minha mãe. Eu me lembro, nossa, eu tava com a minha mãe na rua quando a gente foi fazer a ligação. E aí eu lembro dela gritando: “Você é louco, você não vai vir pra cá, se voltar não tem mais casa, não tem família, você foi tentar a vida e não passear por dois anos! Não quero saber, não venha pra cá.” Nesse dia minha mãe chegou nervosa e mandou nós arrumar as nossas coisas e disse que íamos para o Brasil. Disse “Seu pai quer vir embora, ele tá

nacionais dos países do Mercosul, Bolívia e Chile, que pretendam ingressar ou que se encontram ilegalmente no país de recepção - o Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados-partes do Mercosul, Bolívia e Chile, aprovado por meio do decreto nº 6.975, de 07/10/2009, e assinado por ocasião da XXIII Reunião do Conselho do Mercado Comum, realizado em Brasília, nos dias 05 e 06 de dezembro de 2002. Esse tratado está vigente no Brasil. MERCOSUR. Disponível em: <http://www.mercosur.int>. Acesso em: 21/05/2013. 147

SOUCHAUD, Sylvain. A confecção: nicho étnico ou nicho econômico para a imigração latino-americana em São Paulo? In: BAENINGER, Rosana (Org.). Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População - Nepo/Unicamp, Fapesp, CNPq, UNFPA, 2012.

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louco, nós vamos pra lá”. Era Natal, a gente pensou “Ela comemorou, bebeu alguma coisa, por isso tá falando assim”. “A gente vai embora pra lá, a gente vai conseguir.” Minha mãe acha que, mentalizando o que quer, você consegue. Nós estávamos no meio da rua, chorando, com as malas para ir embora. Mas aí ela acalmou, e voltamos. Mas, depois disso, menos de um mês, meu pai recebeu a proposta de compra da oficina e aí nós viemos.148

Nota-se que a empreitada emigratória era um sonho familiar, todos os

membros da família estavam envolvidos para que o sucesso fosse atingido.

Nenhuma das partes poderia fraquejar ou desistir, acordos não escritos foram

estabelecidos. Dois anos já haviam se passado e a mãe assumira as

responsabilidades na Bolívia para que o pai conquistasse o sonho do “El Dorado”. O

trabalho realizado em São Paulo gerou um ganho, mas pouco ou nada foi destinado

à família durante o período mencionado. Houve apenas uma remessa informal,

deixando assim a expectativa por novas remessas e oportunidades de consumo.

A falta da família e o sentimento de solidão desmotivavam o e/imigrante, que

trazia consigo o sonho de uma vida diferente para si e para seus familiares. A

vontade de obter sucesso econômico rapidamente e voltar vitorioso para sua terra

natal estava se tornando um pesadelo e o sonho de retorno – inerente à condição de

e/imigrante – adiava-se, poderia até mesmo nunca ser realizado. Apresentava-se

constantemente a questão do não pertencimento do e/imigrante, afinal, o retorno,

seu principal anseio, vivia o angustiando e parecia estar cada vez mais impossível.

Desenhava-se a ficção de uma volta e, ao mesmo tempo, a ficção de uma

naturalização ambígua.149

Como o projeto emigratório era familiar, a única alternativa encontrada pela

esposa/mãe foi vir para o Brasil, reunificar a família e dar a esperança que faltava ao

marido para conquistar o sonho do “El Dorado”, já que na Bolívia não enxergava tal

possibilidade.

148

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 149

SAYAD, Abdelmalek. A imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998, p.20.

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[...] meu pai trabalhou como costureiro por três anos, só que aí o patrão dele, que era um coreano, disse que ia mudar e entregar o apartamento onde tinha a oficina. E ofereceu se ele e o amigo que vieram juntos não queriam ficar com o imóvel. Aí combinou um aluguel, luva, pra eles ficarem com a oficina e com o imóvel. E meu pai agarrou essa oportunidade. Deve ter sido em março de 79.150

Os e/imigrantes mais antigos já estabilizados no país e com família vão se

distanciando do sonho de retornar, esse não é mais um projeto prioritário. Muitos

concentram seus esforços no projeto pessoal e familiar de possuir a própria oficina

de costura, passando assim de costureiros a “oficinistas”. Adotam como estratégia a

combinação do trabalho familiar com a contratação de mão de obra irregular,

sobretudo de compatriotas, uma vez que as relações de trabalho são mediadas por

relações de favor, parentesco, compadrio, amizade e conterrâneidade. E, por

fornecer-lhes a segurança de uma casa e alimentação, contribuem para a

manutenção de uma rede de trabalhadores indocumentados na área da costura. Por

sua vez, os mais jovens, ao perceberem que a conquista dos recursos para a tão

sonhada mobilidade financeira é árdua, repensam o sonho da travessia e começam

a vislumbrar, além da compra de sua própria oficina, a possibilidade de estudar no

Brasil e até uma mudança de área de trabalho.

Para alguns desses e/imigrantes o retorno ao país de origem não ficou

esquecido, foi apenas adiado ou deixou de ser prioridade em função das inúmeras

situações cotidianas enfrentadas. Para outros, foi sim deixado de lado e novos

sonhos foram desenhados em São Paulo: a casa própria, o casamento e os filhos

brasileiros substituíram as incertezas e a expectativa do retorno para a Bolívia. E

para aqueles e/imigrantes que formam a massa dos trabalhadores sazonais da

costura, esse medo e expectativa do retorno se reconstroem a cada nova travessia

de fronteira.

A seguir, a depoente comenta que, quando seus filhos estavam em idade

escolar, por vários anos não pôde ir à Bolívia no período que mais lhe agrada, o das

festas da Virgem de Urkupiña, da qual é devota fervorosa.

150

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013.

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A primeira vez que vim pro Brasil foi muito triste. Me casei e vim com meu marido. Eu vim em 1979 com meu marido, de trem, desci na Luz, fui para o hotel e fiquei o dia inteiro só com uma Coca-Cola. Tinha medo. Não entendia nada. Ele saiu para procurar trabalho e eu fiquei no quarto até de noite. Demorou mais de um ano para eu me acostumar. Chorava todos os dias. Sempre ia para visitar a família, mas, como tinha quatro crianças e ia no mês de agosto, eles perdiam aula e tive que parar de ir e passar a visitar só no fim do ano. Conheci o Santiago na Bolívia e vim com ele.151

O sonho do “El Dorado”, o medo do estranho, da sociedade receptora e o

pesadelo da falta de trabalho são elementos presentes nos relatos coletados.

Como já tava aqui, não conhecia nada, fiquei desesperado, porque o câmbio do dinheiro desvalorizou meu dinheiro, fiquei com muito menos. E quando cheguei me deparei com uma situação hostil. Infelizmente, nem todas as pessoas são boazinhas aqui.152

Um migrante é essencialmente uma força de trabalho provisória, temporária

e em trânsito. Então, partindo dessa premissa, não se concebe a e/imigração sem o

trabalho. Assim,

[...] um imigrante só tem razão de ser no modo provisório e com a condição de que se conforme ao que se espera dele; ele só está aqui e só tem razão de ser pelo trabalho e no trabalho; porque se precisa dele, enquanto se precisa dele, para aquilo que se precisa dele e lá onde se precisa dele. [...] Foi o trabalho que o fez nascer o imigrante, que o fez existir; é ele quando termina que faz morrer o imigrante, que decreta sua negação ou que o empurra para o não-ser.153

151

Depoimento de Francisca Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. Emigrou com o marido em 1979. Natural de Quillacollo, província rural de Cochabamba. Professora formada na Bolívia, nunca lecionou no Brasil. Trabalhou em casa com costura, produção de sorvetes e teve um restaurante boliviano. Hoje, aposentada, cuida da família e dos netos. 152

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 153

SAYAD, Abdelmalek. A imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998, p.54-55.

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A principal motivação para o deslocamento é o trabalho. Para o e/imigrante a

falta de trabalho é encarada como “morte”, pois a concretização de seu projeto se

torna cada vez mais distante e a possibilidade de retorno rápido à terra natal vai se

perdendo a cada dia que passa sem trabalhar.

Não, não tinha onde ficar. Foi complicado, fiquei desesperado, desesperadíssimo. Então, como tinha conhecido aquele casal, aí eram as únicas pessoas que eu podia ter contato. Aí fui, pedi um teto, eles precisavam de mão de obra e aí fiquei. Não sabia o que fazer. Porque, imagina, o que fazer sem trabalho, sem lugar para ficar? Ficar na rua? Ia virar o quê? Assaltante, marginal. É um caminho sem volta. E a maioria de nós bolivianos... Podemos ser pobres, ter dificuldades, mas você já viu um mendigo boliviano pedindo comida? Jamais, é uma grande vergonha. Nós passamos fome, mas trabalhamos. Pedir é uma vergonha, a pior vergonha. Lá também é assim. É cultural. Trabalhar mesmo pobre é honrável. Você pode estar em uma situação desfavorável, mas você tem que estar trabalhando.154

Para quem migra, conseguir um trabalho é condição essencial para manter a

estada no novo país, mas nem sempre é fácil. As barreiras impostas pela sociedade

receptora dificultam a inserção dos e/imigrantes no mercado de trabalho.

Especificamente no caso dos bolivianos, são dirigidos ao trabalho nas oficinas de

costura, mesmo que por pouco tempo. Nos relatos o depoente menciona ter

procurado emprego em bares na área central, mas a resposta era sempre negativa e

vinha acompanhada da indicação de buscar por seus patrícios no Pari, que lhe

dariam emprego na costura. O idioma, os costumes distintos, a discriminação e a

imagem negativa relacionada ao narcotráfico prejudicam a inserção do e/imigrante,

num primeiro momento, em um setor do mercado de trabalho diferente do têxtil, ao

qual os trabalhadores bolivianos são automaticamente associados.155

Ao procurar os conterrâneos, em muitos casos, como o relatado a seguir, o

e/imigrante se depara com falsas promessas de ganho rápido e de altas retiradas

pela produção, promessas essas também veiculadas em rádios e jornais de La Paz

154

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 155

SOUCHAUD, Sylvain. A confecção: nicho étnico ou nicho econômico para a imigração latino-americana em São Paulo? In: BAENINGER, Rosana (Org.). Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População - Nepo/Unicamp, Fapesp, CNPq, UNFPA, 2012.

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e Santa Cruz.156 Mas, como se observa no relato acerca do cotidiano nas oficinas de

costura, o sonho do “El Dorado” fica cada vez mais distante com a apreensão de

documentos, as jornadas de trabalho exaustivas, a fome e os maus-tratos fazendo

parte desse então pesadelo do “El Dorado”.

Eles ficavam com os documentos das pessoas, com os meus documentos, mas eles diziam que eu tinha dívida e, para segurança, eles diziam que tinham que ficar com os documentos. [...] acordava e costurava até de noite. Eu não tava entendendo. Eu nunca tinha costurado, eu jamais ia pensar, nunca na minha vida. Lá a costura está ligada à mulher. Eu jamais tinha pensado em costurar. Confecção é muito diferente.157

Cria-se uma relação de dependência entre o “oficinista” e o costureiro, pois,

em alguns casos, o empregador financia os custos da viagem até o Brasil,

proporciona estadia e alimentação. Os imigrantes já chegam endividados e

dependem da habilidade com as agulhas para sobreviver.158

A cadeia de subcontratação de oficinas de costura trabalha sob o ritmo e o

controle altamente hierarquizado da empresa contratante, que aplica seus sistemas

just in time e inclui auditorias de qualidade na forma de vistorias. Somente os

costureiros mais habilidosos conseguem produzir o suficiente para lucrar algo. A

grande maioria dos trabalhadores fica sujeita à superexploração.

Não tinha salário, era por produção. Como eu não costurava, eu auxiliava, carregava, limpava, tinha um salário fixo, menos, não dava nem pra comer, tinha que pagar hospedagem, comida, fiquei endividado. Tentei costurar, mas não tenho habilidade. Eu fiquei endividado.159

156

SILVA, Sidney A. da. Bolivianos - A presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Lazuli, 2005. 157

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 158

Em reportagem do programa "Acontece na Band" sobre a imigração ilegal em São Paulo, apresentada em palestra na Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo, em 08/02/2008, um boliviano relatou que recebia de R$ 0,30 a R$ 1,00 pela costura de uma peça de roupa, que era vendida por R$ 59,00. AATSP. Trabalho escravo na cidade de São Paulo. Vídeo. 08/02/2008. Disponível em: <http://www.youtube.com/user/AATSP>. Acesso em: 14/05/2012. 159

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.

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São constantes as denúncias de auditores da Secretaria de Inspeção do

Trabalho realizadas ao Ministério do Trabalho e Emprego do Estado de São Paulo

dando conta de que marcas160 como C&A, Marisa e Zara utilizam oficinas com

trabalhadores indocumentados em sua produção. As marcas se defendem dizendo

que são oficinas subcontratadas. O mercado da confecção utiliza serviços

terceirizados, quarteirizados e até quinteirizados, na tentativa de amenizar a

responsabilidade, justificando não conhecer os fornecedores de mão de obra

subcontratados.

Os gastos com água, luz e aluguel da máquina de costura também são

embutidos na conta do e/imigrante, que, no final do mês, não sabe quanto irá

receber, uma vez que o empregador trabalha com o sistema de caderneta.

Tinham rapazes comigo que vieram na mesma situação. Eles chegaram comigo, também faziam faculdade e vieram pra cá, queriam se aventurar. Sem documentos, estavam desesperados. A gente se conheceu na casa, queriam fugir e voltar para a Bolívia.161

O fato relatado pelo depoente marca a perda da identidade do imigrante, que

se vê sem documentos, endividado, estando nas mãos dos agenciadores162 e não

consegue achar uma saída. Pensam em fugir da “casa”, ou seja, da oficina onde

estavam presos. O sonho do “El Dorado” paulistano se torna um pesadelo.

160

PASSA PALAVRA. Tramas da exploração: a migração boliviana em São Paulo. 07/11/2010. Disponível em: <http://passapalavra.info/wp-content/uploads/2010/11>. Acesso em: 14/05/2012. 161

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 162

Vários outros grupos de imigrantes podem ser identificados em processos de imigração apadrinhados, como os italianos que foram trabalhar nos EUA, principalmente em serviços públicos, ficando à disposição dos consignatários locais até que pagassem integralmente os custos de suas viagens. TRUZZI, Oswaldo. Redes em processos migratórios. Tempo Social. Revista de Sociologia da USP. São Paulo, vol. 20, nº. 1, jun. 2008. Entre os e/imigrantes portugueses também era uma prática comum realizar chamados nas aldeias para que conterrâneos viessem trabalhar em São Paulo nas adegas, padarias e outros comércios. Tal prática gerava mais confiabilidade ao processo de contratação. MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: deslocamentos, experiências e cotidiano - São Paulo séculos XIX e XX. Bauru, SP: EDUSC, 2013.

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[...] quando o diferencial de poder é muito grande, os grupos na posição de outsiders avaliam-se pela bitola de seus opressores. Em termos das normas de seus opressores, eles se consideram deficientes, se vêem como tendo menos valor.163

As condições de trabalho impostas e a falta de documentação são formas

encontradas pelos empregadores para subordinar os empregados, tornando-os mais

submissos e impondo sua superioridade pelo medo. Os trabalhadores

indocumentados vivenciam sua inferioridade de poder como um sinal de

depreciação humana.

Afixar o rótulo de “valor humano inferior” a outro grupo é uma das armas usadas pelos grupos superiores nas disputas de poder, como meio de manter sua superioridade social. Nessa situação, o estigma social imposto pelo grupo mais poderoso ao menos poderoso costuma penetrar na auto-imagem deste último e, com isso, enfraquecê-lo e desarmá-lo.164

Na travessia ocorre a passagem do e/imigrante para um território

estrangeiro, o que proporciona uma quebra simbólica165 do que antes causava

estranhamento e do que agora passa a ser estranho, o diferente e o outro.

Os e/imigrantes mencionados enxergavam na possibilidade do retorno a

única saída para a situação que se desenhara.

163

ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000, p.28. 164

Ibidem, p.24. 165

Autores como Stuart Hall, Homi Bhabha, Néstor Canclini e Raymond Willians auxiliam a reflexão sobre a construção da identidade desse imigrante, pois, se é obrigado por diferentes condições a se deslocar (migrar) de seu país para São Paulo, tudo o que ele entende por ser sua identidade, ou seus valores, símbolos de identificação, ficam deslocados, fragmentados no novo cotidiano que se apresenta. Em suas memórias encontram-se traços de uma identidade nacional, do que foi sua identidade e hoje já não é mais. BHABHA, Homi. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001. CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas: Estratégias para Entrar e Sair da Modernidade. 3ª. ed. São Paulo: EDUSP, 2000. HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. 4ª. ed. RJ: DP&A, 2000. WILLIAMS, Raymond. Cultura. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

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O retorno é naturalmente o desejo e o sonho de todos os imigrantes, é como recuperar a visão, a luz que falta ao cego, mas como cego, eles sabem que esta é uma operação impossível. Só lhes resta, então, refugiarem-se numa intranquila nostalgia ou saudade da terra.166

Mas retornar para a Bolívia também não seria a completa solução, pois

desejavam retornar ao ponto de partida, mas não nas mesmas condições da partida

nem ao mesmo tempo ou ao mesmo espaço. Aquele tempo e espaço, com as

vivências e experiências, deveriam ficar para trás.

O espaço se confirma mais facilmente do que o tempo a todas as idas e vindas que aí se podem inscrever, contudo, sob a condição de que nada contrarie essa relativa liberdade de movimento, que aí não se tracem fronteiras, esses produtos de um ato jurídico de delimitação, produtos ao mesmo tempo de um direito propriamente regalista (direito de regere fines e regere sacra) e do poder nomotético de decretar a união e a separação.167

Com a liberdade cerceada, os trabalhadores bolivianos mencionados

passaram a vivenciar a nostalgia do deslocamento, a saudade e a supervalorização

da terra natal, sendo possível identificar traços de uma visão idílica. Para conquista

do “El Dorado”, esses e muitos outros e/imigrantes se viram em algum momento

obrigados, por situações alheias à sua vontade e adversas, a enfrentar experiências

não imaginadas, como as apresentadas no relato sobre exploração do trabalho e

privação da liberdade de ir e vir. A fuga da oficina se apresentou como única

alternativa para a retomada da busca pelo sonho.

Aí conheci outro rapaz, jogando bola. E ele falou que tinha uma oficina de costura, e me convidou para trabalhar com ele. Eu não tinha saída. Aí, pensei que não queria voltar, e ele também era novo. E eu fui. Não sabia como ir embora daquele lugar, tinha dívidas. Mas pensei “Quer saber, pá... Vou!”. Não peguei

166

SAYAD, Abdelmalek. A noção do retorno na perspectiva de uma antropologia total do ato de migrar. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, Ano XIII, Número especial, CEM - Centro de Estudos Migratórios, jan. 2000, p.11. 167

Pierre Bourdieu, 1980, p.66-69. Apud: Ibidem, p.12.

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os documentos, fui embora. A maioria dos bolivianos que estavam lá eram ignorantes, simples. Eu fui embora.168

Ao sair da oficina o e/imigrante se deparou novamente com a situação de

recém-chegado e questionamentos e inseguranças voltaram: não sabia para onde ir,

o que fazer, onde ficar. A rede de e/imigrantes já estabelecidos se fez presente e

teve papel fundamental na busca de alternativas. Novas perspectivas surgiram após

o processo de adaptação em outra oficina, expectativas anteriores à emigração se

reconstruíram e o e/imigrante voltou a vislumbrar possibilidades.

Esse colega me tratou super bem, foi muito diferente. Tentou me ensinar a costurar, foi muito bom, ele me ajudou. Mas eu não consegui costurar, entón ajudava como podia. Agora tenho amizade e carinho por eles. Lá fiquei uns dois anos, era bom. Ele, talvez por ter passado já pela mesma situação que eu antes, ele era bacana. Tinha salário, eu tava morando lá porque eu tinha que pagar a dívida que eu tinha lá na outra oficina. Até que um dia fui, voltei, paguei a dívida e busquei meus documentos. Peguei uma cesta de comida e dei pra eles, porque eles precisavam mais. Então, depois, passei por outros trabalhos. O trabalho que eu fazia na Bolívia era em gráfica e aqui eu não achava. Então, demorou um pouquinho pra arrumar trabalho. E como eu não sabia falar muito português, quando eu cheguei aqui, aí eu tava ficando muito depressivo, eu não tava sustentando aquela situação. Aí eu saí. Aí eu fui vender livros de porta em porta. E comecei a praticar mais o português, falava com as pessoas e tal. Aí comecei a frequentar a Igreja, a comunidade, a cultura boliviana. Resolvi estudar, comecei Pedagogia, mas não conseguia pagar. Então parei. Estudar é complicado para qualquer pessoa, trabalhar e estudar é complicado, mesmo que não seja boliviano. Se não tiver alguém pra te sustentar é complicado. Aí comecei a trabalhar e a fazer um curso de Telecomunicações e conheci amigos. Namorei. Ela entendeu minha situação, a família dela também. São bacanas, me acolheram, agora tenho amizade com ela. Trabalhei no Rio de Janeiro, as pessoas são picaretas, ficaram me devendo e eu voltei. Agora estou na Ericsson, estudando, ganho melhor e já posso mandar alguma ajuda para os meus pais.169

168

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 169

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.

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Esse relato permite observar as dificuldades vivenciadas pelo depoente nos

primeiros anos no país, até conseguir iniciar um processo de adaptação. Os sonhos

de estudar, mandar dinheiro para a família e se relacionar com outras pessoas

muitas vezes ficavam guardados à espera de uma oportunidade na nova terra. O

sentimento de estar deslocado, não se reconhecer e não ser reconhecido se fazia

presente. O depoente, como tantos outros e/imigrantes, também trouxe à tona a

questão da perda da identidade170, que só foi reconquistada após uma maior

aproximação com a comunidade boliviana, a partir do momento em que passou a

frequentar a igreja, conheceu outros patrícios também jovens e membros de

associações folclóricas. Mas, com o passar do tempo e a persistência, o e/imigrante

começou a vislumbrar o brilho ainda distante de seu sonho dourado.

Quando os grupos outsiders têm que viver no nível de subsistência, o montante de sua receita prepondera sobre todas as suas outras necessidades. Quanto mais eles se colocam acima do nível de subsistência, mais a sua própria renda – seus recursos econômicos – serve de meio para atender outras aspirações humanas que não a satisfação das necessidades animais ou materiais mais elementares, e mais agudamente os grupos nessa situação tendem a sentir a inferioridade social – a inferioridade de poder e de status de que sofrem. E é nessa situação que a luta entre estabelecidos e outsiders deixa de ser, por parte desses últimos, uma simples luta para aplacar a fome, para obter os meios de subsistência física, e se transforma numa luta para satisfazer também outras aspirações humanas.171

No país de origem percebe-se uma mudança positiva com os benefícios das

remessas dos emigrados. A migração reestrutura o mercado interno de consumo,

aumenta as possibilidades de renda dos domicílios, aquece o mercado imobiliário e

170

As questões acerca da categoria “identidade” serão retomadas e aprofundadas no próximo capítulo, utilizando-se como base de discussão da temática os pensamentos de Homi Bhabha, Stuart Hall, Néstor Canclini e Norbert Elias. 171

ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000, p.33.

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interfere nas decisões de compra das famílias, no seu estilo e nas suas escolhas de

vida.172

A família Tordoya, muito devota da Virgen de Urkupiña, participa quase

todos os anos das festas devocionais realizadas em sua cidade natal. Para tal, a

família optou por manter fechada a casa dos pais já falecidos, assim, sempre que

viaja para a Bolívia, tem um local para se hospedar e se reunir.

Tenho casa lá, casa de meus pais, fica fechada e eu e meus irmãos ficamos quando precisamos. Sempre gosto, fico com meus parentes, nunca falei mal da Bolívia. Sempre passei bem quando fui pra lá. Vou quase todos os anos nas festas de Agosto.173

A depoente relata que, após alguns anos de trabalho, conseguiu juntar

recursos para comprar uma segunda residência na Bolívia, a qual colocaria para

alugar. Mas esse sonho de investir no país foi interrompido por um assalto na saída

da casa de câmbio. Destaca-se a insegurança sentida pelos e/imigrantes no

momento de enviar suas remessas ou trocar dinheiro:

Somos um alvo fácil para os assaltantes, porque não somos daqui e não temos como comprovar a origem do dinheiro para registrar a queixa do assalto. [...] tive uma decepção muito grande quando fui assaltada. Estava comprando uma casinha na Bolívia e, quando fui trocar o dinheiro na casa de câmbio, fui assaltada.174

A depoente também comenta que ela e seus familiares consomem

regularmente produtos de origem boliviana. Em sua casa não falta folha de coca

para o chá, milho para as refeições, pimenta e os temperos indispensáveis para dar

um sabor especial à comida. Então, ao viajarem para a Bolívia, costumam levar

172

BRAGA, Fernando Gomes. Conexões territoriais e redes migratórias: uma análise dos novos padrões da migração interna e internacional no Brasil. Tese (Doutorado em Demografia) - UFMG/ Cedeplar, Belo Horizonte, 2011. 173

Depoimento de Francisca Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 174

Depoimento de Francisca Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012.

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consigo uma lista de compras com itens para si, para os mais próximos e até para

revender nos eventos destinados à comunidade. Uma forma encontrada para

economizar, já que aqui, segundo a depoente, os valores pagos pelos produtos são

bem superiores aos praticados na Bolívia. “[...] às vezes, quando preciso, vou a

Kantuta. Mas quando viajo também trago as coisas para cozinhar. Porque aqui

também sai mais caro.”175

Em São Paulo é possível ouvir propagandas de empresas de remessas nas

rádios destinadas ao público latino, bem como ver anúncios nos jornais, sites e nas

redes sociais utilizadas por e/imigrantes. Nos bairros centrais do Brás, Bom Retiro e

Barra Funda estão disponíveis em locais como lan houses, restaurantes e nas

próprias casas de remessas. Depoentes também mencionaram que remessas são

enviadas por pessoas conhecidas que se deslocam entre o Brasil e a Bolívia ou

mesmo portadores contratados para esse fim.

Como em todas as áreas, existem as empresas regularizadas e as

clandestinas, que cobram entre 6 e 10% do valor da remessa para realizar a

entrega, oferecem contatos mútuos dos dois lados da fronteira, dispensam

operações bancárias e, assim, conseguem driblar os controles fiscais.

Antes havia serviços irregulares para enviar dinheiro, mas cobravam muito caro. Era preciso buscar na casa da pessoa que levou o dinheiro e pagar na hora de enviar e receber, lá na Bolívia. Demorava entre duas semanas e dois meses. No banco, é só ir buscar na agência.176

As remessas recebidas de familiares do exterior somaram em 2010 $US 939

milhões, em 2011 $US 1,1 bilhão, em 2012 $US 1 bilhão e em 2013 $US 883

milhões177, observando-se uma redução no envio de dinheiro para as famílias

bolivianas. Segundo o ex-presidente do Banco Central da Bolívia, as remessas de

janeiro de 2013 foram as mais baixas registradas nos últimos cinco anos, o que

175

Depoimento de Francisca Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 176

Apud: FAGUNDEZ, Ingrid. Remessas de estrangeiros tem maior alta em 7 anos e supera US$ 1 bilhão. Folha de São Paulo. Mercado A10. São Paulo, 17/02/2015. 177

VASQUEZ, Walter. Remesas caen por desempleo em España y limitantes em Argentina. La Razon. La Paz, 07/03/2012. Disponível em: <http://www.la-razon.com>. Acesso em: 25/06/2014.

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representa um reflexo da crise enfrentada nos anos anteriores (2011 e 2012) na

Europa, principalmente na Espanha, país responsável por 46,6% das remessas que

chegaram em 2011 – enquanto os Estados Unidos responderam por 19,7%, o Brasil

por 2,8%, a Argentina por 13,2% e os outros países, 17,7%. Em janeiro de 2013 as

remessas tiveram a seguinte distribuição: Espanha 47%, Estados Unidos 20%, a

Argentina concentrou 15%, o Brasil 3% e outros países 15%. Atualmente as

remessas representam 4,34% do Produto Interno Bruto (PIB) da Bolívia.

As regiões que mais receberam remessas foram Cochabamba, com 30,2%,

e La Paz, com 15,5%, os demais departamentos do país receberam 14,45% das

remessas enviadas por trabalhadores bolivianos em 2011.178 Quanto ao destino

dado pelas famílias a esse dinheiro vindo do exterior, verifica-se que se distribui

entre gastos diários (45%), educação (21%), negócios (17%), poupança (12%) e

compra de casa ou propriedade (4%).

No ano de 2014 ocorreu um aumento nas remessas por vias formais e o

Banco Central Boliviano declarou que 7,6% do dinheiro enviado por e/imigrantes

partiu do Brasil rumo à Bolívia. “Há cinco anos, grandes empresas começaram a

entrar no mercado. Como elas usam a rede bancária da Bolívia, é mais seguro,

rápido e tem maior alcance. O prazo para envio é de minutos.”179

As empresas de remessas já reconheceram o potencial da demanda e se

instalam onde está o público-alvo, como na Festa das Alasitas180 realizada em

janeiro de 2014. Ao lado das barracas de miniaturas e de quitutes tradicionais o

visitante encontrava estandes de empresas de remessas, com funcionários

bolivianos e algumas pessoas vestidas com trajes típicos posando para fotos.

178

LAZCANO, Miguel. Envío de Remesas en 2011 superó los $US 1.000 millones. La Razón. La Paz, 28/01/2012. Disponível em: <http:www.la-razon.com>. Acesso em: 25/06/2014. 179

Apud: FAGUNDEZ, Ingrid. Remessas de estrangeiros tem maior alta em 7 anos e supera US$ 1 bilhão. Folha de São Paulo. Mercado A10. São Paulo, 17/02/2015. 180

Festa da comunidade boliviana para celebrar o deus da abundância, tratada em detalhes no capítulo 3 da tese.

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1.4 TRAMAS DAS REDES: ACOLHIMENTO E TENSÕES

Para o e/imigrante boliviano efetivar sua partida e dar início ao tão sonhado

projeto imigratório, além do esforço sentimental para se desprender da família,

amigos e parentes, da motivação e expectativa ante a imagem positiva do país de

destino e da especulação sobre histórias de e/imigrantes bem-sucedidos, precisa

também de uma quantia mínima de dinheiro para suprir os gastos da viagem,

alimentação, regularização da documentação e informações sobre o percurso e

destino final. Daí a importância das redes de relações sociais estabelecidas desde a

origem até o destino. As redes apoiam o emigrante a decidir sobre seu processo

migratório e o auxiliam a criar estratégias para concretizar seu projeto. Também

possuem papel fundamental na tarefa de inseri-lo na nova sociedade, “são a

mediação da relação do migrante com a sociedade de adoção”181.

Por rede social entende-se:

[...] o conjunto das pessoas em relação às quais a manutenção de relações interpessoais, de amizade ou de camaradagem, permite esperar confiança e fidelidade. Mais do que em relação aos que estão fora da rede, em todo caso. [...] Estabelecendo relações que são determinadas pelas obrigações que contraem ao se aliarem e dando uns aos outros, submetendo-se à lei dos símbolos que criam e fazem circular, os homens produzem simultaneamente sua individualidade, sua comunidade e o conjunto social no seio do qual se desenvolve a sua rivalidade.182

Identificam-se algumas funções das redes quando definidas como

“agrupamentos de indivíduos que mantêm contatos recorrentes entre si, por meio de

laços ocupacionais, familiares, culturais ou afetivos”183. Esses laços articulam os

significados do processo migratório, auxiliam na busca por recursos e recepção na

181

DORNELAS, Sidney Marco. Redes Sociais na migração: questionamentos a partir da Pastoral. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, Ano XIV, nº. 40, CEM - Centro de Estudos Migratórios, mai./ago. 2001, p.6. 182

Caillé, 1998, p.18-19. Apud: Ibidem, p.5. 183

Kelly, 1995, p.219. Apud: TRUZZI, Oswaldo. Redes em processos migratórios. Tempo Social. Revista de Sociologia da USP. São Paulo, vol. 20, nº. 1, jun. 2008, p.203.

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sociedade de chegada. Assim, a migração em rede184 envolve o deslocamento de

indivíduos motivados por uma série de arranjos e informações fornecidas por

parentes e conterrâneos já estabelecidos no destino pretendido.

Em um fluxo migratório que não é pioneiro, mas feito em cadeia, as famílias

vão se estabelecendo e divulgando as vantagens dessa migração para os

conterrâneos, como oportunidades de emprego, meios de se deslocar, locais para

se alojar, contatos pessoais, amigos já estabelecidos e as possibilidades de troca de

favores. Sabe-se ainda

[...] de pelo menos outros três tipos: a) emigração por meio de mecanismos de assistência impessoais; b) emigração por meio de mecanismos semi-espontâneos, em que o processo começa incentivado por informações de parentes e de conterrâneos, ou “públicas”, mas o movimento é produto de iniciativas e de recursos de um indivíduo ou de uma família isoladamente; c) emigração por intermédio de padroni ou de outros sistemas mais difusos de mediação e clientelismo, nos quais a gestão do processo está em mãos de intermediários externos à cadeia.185

No momento do deslocamento, o emigrante boliviano se depara com o

desafio de transpor as fronteiras com o Brasil, fazendo divisa com cinco estados

brasileiros: Acre, Amazonas, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. São

cinco os documentos que regulamentam essa faixa de fronteira: Tratado de

Amizade, Limites e Comércio (27/03/1867); Tratado de Petrópolis (17/11/1903);

Tratado de Natal (25/12/1928); Notas Reversais (29/04/1941); e Acordo de Roboré -

Nr. 1 C/R (29/03/1958).186

As possibilidades de acesso ao Brasil se dão pelas cidades de Corumbá

(Mato Grosso do Sul), Cáceres (Mato Grosso), Brasileia (Acre), Assis Brasil (Acre),

Guajará-Mirim (Amazonas, por via fluvial) e Manaus (Amazonas, por via fluvial).

184

Tilly, 1978. Apud: TRUZZI, Oswaldo. Redes em processos migratórios. Tempo Social. Revista de Sociologia da USP. São Paulo, vol. 20, nº. 1, jun. 2008, p.200. 185

Devoto, 1988. Apud: Ibidem, p.202-203. 186

CONCEIÇÃO, Carla Fischer. A Imigração Boliviana em São Paulo. s/d. Disponível em: <http://www.cursokapa.com.br/gallery_sub_article.asp?codigo=30&status=4>. Acesso em: maio de 2012.

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Considera-se ainda a cidade de Foz do Iguaçu (Paraná), na fronteira

Brasil/Paraguai, com acesso pela Ponte da Amizade. O mapa apresentado a seguir

ilustra os pontos de entrada e a rota realizada por alguns colaboradores depoentes e

grande parte dos e/imigrantes bolivianos.

Figura 8 - Rotas e pontos de entrada.187

Eu cheguei em Santa Cruz, aí eu pensei em ir por Corumbá, porque tinham me mostrado um caminho pra vir no Brasil que podia ser por Corumbá ou pelo Paraguai. Aí por Corumbá o pessoal falou que é muito perigoso, demais, muito mais que pelo Paraguai. Pelo Paraguai era mais sofrido, porque era menos perigoso. Por Corumbá tinha muitos assaltantes. Eles são diferentes dos outros brasileiros, tem muitos bandidos,

187

SILVA, Sidney Antonio da. Bolivianos em São Paulo: entre o sonho e a realidade. Estudos Avançados. São Paulo, vol. 20, nº. 57, mai./ago. 2006, p.159.

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88

assaltam ônibus. Entrei pelo Paraguai, parei no Paraná e depois vim para São Paulo.188

Constatou-se que existem redes de agenciamento de mão de obra189 na

Bolívia, em cidades como La Paz e Santa Cruz de La Sierra, onde ofertas de

trabalho no Brasil, em São Paulo, são divulgadas nos jornais e rádios locais e ainda

em anúncios na rodoviária. Em busca de trabalhadores para oficinas de costura

também é possível encontrar “boas” ofertas de emprego com moradia e ganho

acima da média com os atravessadores. Só que estes cobram pela viagem e pelo

emprego.

O custo da viagem para o emigrante pode variar, dependendo do trajeto

escolhido e do risco de ser detido por um agente federal. Se for por Corumbá (MT)

pode chegar a US$ 120 dólares; se for pelo Paraguai, para cruzar a fronteira e entrar

no Brasil por Foz do Iguaçu (PR), o emigrante pode pagar até US$ 160 dólares. A

falta de controle nas fronteiras brasileiras propicia o trânsito de trabalhadores

indocumentados ao Brasil.190

As redes, que podem ou não ser institucionalizadas, permitem aos

indivíduos capazes de acessá-las favorecimentos na viagem e/ou a inserção nas

sociedades de destino, pois reduzem os riscos e possibilitam vínculos entre a origem

e o destino, que geram o efeito multiplicador dos movimentos de associatividade

entre migrantes e não migrantes. Caracterizam-se também por serem

autossustentáveis, pois cada novo indivíduo que emigra e se estabelece reduz o

custo de hospedagem e alimentação de migrações subsequentes para familiares e

amigos, além de facilitar a inserção no mercado de trabalho, impulsionando assim

cada vez mais o projeto migratório.191

188

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 189

SILVA, Sidney Antonio da. Bolivianos em São Paulo: entre o sonho e a realidade. Estudos Avançados. São Paulo, vol. 20, nº. 57, mai./ago. 2006. 190

Outro grupo de e/imigrantes observado desde 2010 no Acre, nas cidades de Brasileia e Assis Brasil, é o de haitianos. Segundo Ferraz e Prado, as redes criminosas que transportam os imigrantes do Haiti até o Acre chegam a cobrar US$ 4.000,00 pelo trajeto. FERRAZ, Lucas; PRADO, Avener. “Coiotes” promovem tráfico de haitianos. Folha de São Paulo. São Paulo, 27/05/2014. 191

Boyd, 1989, p.641. Apud: TRUZZI, Oswaldo. Redes em processos migratórios. Tempo Social. Revista de Sociologia da USP. São Paulo, vol.20, nº. 1, jun. 2008.

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No momento atual de globalização, facilidade de deslocamento e de

circulação de informações, esses fluxos migratórios legais e ilegais podem ser

denominados de redes transfronteiriças.192 Elas expandem ainda mais a mobilização

de recursos e pessoas entre os territórios, uma vez que estabelecem mecanismos

de perpetuação dos movimentos dos sujeitos históricos que intermedeiam os fluxos

de migrantes retornados, agenciadores, familiares, trabalhadores temporários, entre

outros.193

O conceito de fronteira encontra-se em constante mutação: ora o que se

entende por fronteiras são apenas os limites físico-geográficos, ora são os limites

político-administrativos e as diferenças culturais entre os países.194 A globalização

criou o “cidadão do mundo”, possibilitou a troca de experiências e a busca por

diferentes oportunidades de vida em outros lugares. Mas, como os projetos

migratórios não são iguais para todos, na medida em que dependem muito das

condições do e/imigrante, existem aqueles que são excluídos do processo. Criam-se

então redes paralelas como forma de sobrevivência e até resistência do sonho da

imigração, redes essas que vêm sendo nomeadas de “Globalização por baixo”

(globalization from below).195 Ou seja, ao mesmo tempo que há uma grande procura

por migrar para a Europa e a América do Norte, existe também uma contínua

movimentação em direção aos países que fazem fronteira e conectam as

populações de ambos os lados, como é o caso do Brasil e da Bolívia, circuitos Sul-

Sul.196

192

HAESBAERT, R.; BÁRBARA, M. J. S. Redes Transfronteiriças no Mercosul. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, Ano XIV, nº. 40, CEM - Centro de Estudos Migratórios, mai./ago. 2001, p.29. 193

SAYAD, Abdelmalek. A imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998. 194

SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Edusp, 2002. SANTOS, Milton. Por uma geografia nova. 4ª ed. São Paulo: Hucitec, 1996. 195

PORTES, Alejandro. Globalization from below: the rise of transnational communities. Princeton: Princeton University Press, 1997. BRECHER, Jeremy; COSTELLO, Tim; SMITH, Brendan. Globalization From Below. Cambridge: South End Press, 2000. 196

MAZZOCCANTE, Heloisa. Estado nacional e migração Bolívia - Brasil: categorização e recategorização da população migrante. Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas. Brasília, vol. 2, nº. 2, 2008. SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Orgs.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010.

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Tentativas em vão de se desligar da rede foram apontadas em relatos,

porém o que se encontrou foi resistência em acolher o e/imigrante por parte da

sociedade receptora: “[...] cheguei e perguntava na rua se tinha trabalho. E o

pessoal falava „Tem uns patrícios seus, vai trabalhar com eles‟.”197 Nas tramas das

redes paralelas é que se encontra a atuação dos aliciadores, as histórias de

mulheres que se veem obrigadas a vender o próprio corpo para pagar a travessia,

de extorsões e corrupção. A única maneira encontrada para quebrar ou se prevenir

desse ciclo é contar com as redes de parentes e conhecidos já estabelecidos no

destino.

Nesse sentido, pode-se afirmar que as “redes de parentes e amigos

estabelecidas nas localidades de origem atuam como pré-requisitos, entre

imigrantes, para fixação na cidade, facilitando a busca de moradia e ocupações para

os que chegam”198. Por meio dos laços de solidariedade se desenha o compromisso

da acolhida, e a segurança do lar é oferecida ao e/imigrante recém-chegado.

Entretanto, nem sempre essa relação se dá sem conflitos. Aqueles que hoje

recebem já foram acolhidos em outro momento, e suas experiências migratórias

fazem parte de suas histórias de vida e se traduzem na maneira como irão

recepcionar esse novo e/imigrante.

Aquele que acolhe, que é, portanto em situação sedentária, é de fato um migrante, um estrangeiro em espera, enquanto aquele que é recebido, portanto em posição de nômade, é de fato um sedentário em espera. Temos aqui uma simetria potencial: um é a imagem diferida ou virtual do outro. Estamos na presença de temporalidades invertidas: o sedentário e o nômade são um e outro, mas de uma maneira diferida. Um pode tornar-se o outro e reciprocamente. Um e outro estão engajados num vasto sistema de troca cuja contrapartida é diferida e assumida num processo temporal indefinido.199

197

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 198

COSTA, Maria Cristina Silva. Nós das Redes. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, Ano XIV, nº. 40, CEM - Centro de Estudos Migratórios, mai./ago. 2001, p.25. 199

RAFFESTIN, Claude. Réinventer l‟hospitalité. Communications. Paris, nº. 65, Editions du Seuil, 1997, p.167. Apud: BUENO, Marielys Siqueira. Material usado em aula. Trecho traduzido pela professora. São Paulo, Universidade Anhembi Morumbi, 2008.

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Num processo de migração laboral, as trocas de favores se dão, na maioria

dos casos, em forma de prestação de serviços. No relato a seguir nota-se o

acolhimento familiar e a exploração sob a ótica do e/imigrante recém-chegado.

Então meu pai teve um pouquinho de vantagem porque ele trabalhou com parentes dele, mesmo que tenham se aproveitado dele, que tenham cobrado a passagem [...]. O sobrinho do meu pai acolheu ele e o amigo dele, então ele nunca ficou em nenhum albergue, mas ele foi ajudado sim.200

Nem sempre a relação estabelecida entre o anfitrião e o e/imigrante se dá

por solidariedade, sendo muitas vezes caracterizada por conflitos e exploração.201

Os e/imigrantes já estabelecidos hospedam e contratam os recém-chegados para

trabalhar em suas oficinas e lojas, mas pagam pouco ou nada pelo serviço prestado,

que não tem hora para acabar, uma vez que a oficina costuma ser também a

residência desses e/imigrantes. Com essa atitude, o já estabilizado consegue um

ganho sobre o trabalho realizado pelo conterrâneo.

Para muitos o estabelecimento das redes de acolhimento de recém-

chegados se trata de uma estratégia para aumentar o lucro na produção. Os dados

do Censo de 2010 sobre a renda média mensal dos e/imigrantes confirmam essa

prática quando indicam o salário de R$ 800,00 para os recém-chegados em São

Paulo, enquanto para os estabelecidos há mais de cinco anos na cidade valor seria

R$ 1.200,00.

Outros grupos ao longo da história da imigração para o Brasil também

contavam com o apoio dos e/imigrantes já radicados. Uma prática comum era

mandar buscar jovens, parentes ou conhecidos na aldeia para trabalhar nos

negócios, pois eram considerados de confiança. Também se verifica que essa ajuda

em forma de emprego e aprendizado de um ofício, em alguns casos, se

200

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 201

GOMES, Sueli de Castro. Nas redes do comércio de retalhos. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, Ano XIV, nº. 40, CEM - Centro de Estudos Migratórios, mai./ago. 2001.

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transformava em exploração. O apoio e o paternalismo coexistiam com a exploração

pelo trabalho, pouco ou nada remunerado.202

A rede familiar proporciona segurança emocional e referências do local de

origem. “Ah! Depois de mim, veio irmãos, sobrinhos, veio muitos”, disse Santiago

Tordoya quando questionado sobre a vinda de outras pessoas da família. Sua

esposa acrescentou que, depois de vir para o Brasil, dois irmãos que já haviam

migrado para a Argentina vieram visitá-la após seu casamento e aqui ficaram.

Segundo a depoente, não conseguiram mais se distanciar da família, da qual

recebiam o apoio necessário para enfrentar as adversidades da vida na cidade

grande, que impõe limites com códigos próprios, hostiliza, ignora, segrega e isola

aqueles não detêm conhecimentos tecnológicos, condições financeiras e saberes

necessários para conviver no meio urbano.

Essa noção de limite não é somente material, mas também imaterial ou abstrata, remetendo a valores e a códigos que tem valor legal no interior por oposição ao exterior. Quem está no interior se refere a esses valores e a esses códigos e interpreta o que vem do exterior em função desse sistema de valores e de códigos. Este é um mecanismo que mostra o sentido ou não sentido com relação ao que vêm do exterior. [...] A semiosfera é esse espaço semiótico fora do qual a semiotização não é possível. Sua fronteira tem um caráter abstrato, já que o fechamento da semiosfera é revelada pelo fato que ela não pode ter relações com o que lhe é estrangeiro. Para que os elementos do exterior adquiram para ela uma realidade, é preciso “traduzi-los” na linguagem do espaço interno ou semiotizar os fatos não semióticos.203

Assim, a rede de parentesco oferece a sensação de segurança e

tranquilidade aos seus membros, pois traduz a linguagem da cidade com o propósito

de amenizar os contrastes e a adaptação do recém-chegado ao novo contexto

social. “Quando alguém briga, é destratado, perde emprego ou quer se reconciliar e

202

MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: deslocamentos, experiências e cotidiano - São Paulo séculos XIX e XX. Bauru, SP : EDUSC, 2013. 203

RAFFESTIN, Claude. Réinventer l‟hospitalité. Communications. Paris, nº. 65, Editions du Seuil, 1997, p.167. Apud: BUENO, Marielys Siqueira. Material usado em aula. Trecho traduzido pela professora. São Paulo, Universidade Anhembi Morumbi, 2008.

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até pedir conselho, é aqui em casa que vem. Minha mãe e meu pai são o elo da

nossa família.”204

Observa-se que o fluxo migratório de origem rural, num primeiro momento,

se desloca para os centros urbanos do próprio país e, depois, para outros países,

como o Brasil.205 Outra característica dessa massa de migrantes é sua etnia, já que

carrega consigo hábitos muito específicos e diferentes dos costumes dos moradores

das áreas urbanas. Depoentes de origem rural relataram a infância em famílias

numerosas, o trabalho para ajudar os pais a criar os irmãos mais novos e a vida em

comunidade como estratégia para diminuir as necessidades básicas do dia a dia.

Minha infância foi alegre, posso dizer. Eu tinha tarefas desde pequeno, não só brincava. Tinham lembranças de meu pai pela casa. Éramos 8 irmãos, 7 mulheres e eu. Tinham quadros do meu pai, telas, tinha o piano, o meu pai era muito culto. Meu pai faleceu, eu era muito pequeno. Então minha mãe era pai e mãe ao mesmo tempo. E me ensinava a ter responsabilidade porque eu era o único homem da casa. Tinha que ajudar a cortar e trazer a lenha, cuidar das plantações, ajudar a carregar o caminhão de frutas.206

Ambos os depoentes do gênero masculino que perderam o pai na infância

se viram com a responsabilidade de auxiliar a mãe na manutenção da família.

Percebe-se a distinção dos papéis masculino e feminino na base da educação

desses sujeitos. As mulheres cozinham, cuidam das crianças; os homens cuidam

das plantações, negociações e buscam trabalho remunerado desde muito cedo para

auxiliar na criação dos irmãos menores.207

204

Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. Filho de pais bolivianos, nascido no Brasil. Solteiro, 31 anos. Ex-bailarino do grupo folclórico Sociedad Folklorica Boliviana. Formado em Sistemas de Informação. 205

PERES, Roberta Guimarães. Presença boliviana na construção de Corumbá - Mato Grosso do Sul: espaço de fronteira em perspectiva histórica. In: BAENINGER, Rosana (Org.). Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População - Nepo/Unicamp, Fapesp, CNPq, UNFPA, 2012. 206

Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012. 207

Notou-se um pensamento sexista e uma postura machista dos depoentes no decorrer das entrevistas, fruto da educação pautada nas tradições andinas, que consideram que a mulher deve ser submissa ao homem e às suas vontades.

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Sim, nasci em Cochabamba, creio que não foi muito ruim. Uma família de pessoas humildes. Na Bolívia é assim: a família é muito dedicada aos filhos, teve a rigidez da época e... Meu pai faleceu eu era pequeno, e aí, vendo que minha mãe se sacrificava muito, comecei a trabalhar muito cedo. Desde pequeno, aproximadamente aos 7 anos de idade, comecei a pensar que a minha mãe se sacrificava bastante. Nós éramos quatro irmãos. E minha mãe, viúva. A renda não dava, era pouca, então comecei a trabalhar muito cedo.208

As necessidades básicas do dia a dia mencionadas, como tomar banho,

lavar as roupas e adquirir água potável, devido à característica física da região, se

tornavam difíceis de realizar individualmente. Desse modo, a comunidade se

organizava em “redes” de solidariedade, a fim de amenizar as dificuldades e facilitar

as atividades cotidianas.

A minha casa em La Paz, onde passei a infância, era assim... La Paz é uma cidade no meio de 10 mil montanhas, então no meio de um buraco fica a cidade de La Paz. Então a gente morava bem na periferia, que era no alto de uma das Serras, e a nossa rua era toda de pedra, não era paralelepípedo, era pedra mesmo. E até hoje lá na periferia as casas não têm banheiro, existem banheiros coletivos de região em região que as pessoas usam e têm chuveiro para tomar banho. Como faz frio, geralmente se toma dois ou três banhos na semana, não mais que isso, e em casa faz a higiene com toalha. Nossa casa era até grande, só que moravam três famílias. Eram três casas, uma na frente, uma no meio e uma no fundo, onde a gente morava. [...] E tinha um poço também. Pra nós era uma fartura, porque para os outros tinha que ir buscar na mina a água potável, que também era coletiva, com balde. E nós podíamos fazer as coisas em casa mesmo, lavava roupa, podia se lavar, tomava banho de bacia com uma casinha de lençol. Lá tem pouca água para a maioria das pessoas e não podem fazer o que nós fazíamos.209

A noção da vida em comunidade extrapola os limites da propriedade

individual, da residência, do núcleo familiar e ganha a rua, fazendo surgir uma

grande família, uma herança da tradição e dos costumes dos povos originários que

208

Depoimento de Santiago Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 209

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013.

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seguem o pensamento dos Ayllus210. Por ayllu compreende-se a base de uma

estrutura econômica e social coletiva baseada no cultivo da terra, que proporciona

frutos para toda a sociedade. Nesse pensamento não existe a visão da propriedade

privada, a terra é um bem de todos, é comum a todos.

Para muitos grupos andinos o maior bem é a terra, todos os valores estão

pautados no culto a Pachamama (Mãe Terra), mas a ideia de terra enquanto um

bem comum, não um bem privado. Da mesma forma, tudo o que ela produz não

possui um único dono, é de toda a sociedade. Daí surgirem grandes conflitos com a

cultura branca, individual e capitalista.

Durante a minha infância, a minha mãe falava, e eu falo para os meus filhos, “Devemos ser humildes, mas humilhar-se jamais”. E a importância de estudar e trabalhar. A minha mãe era revolucionária, meu pai também. Eu na minha adolescência, jovenzinho, na época da ditadura, uma vez sequestrei com uns colegas o prefeito da cidade que pegou nossos tratores para trabalhar em outra cidade sem autorização. Enquanto ele não devolveu, nós não o soltamos. Não fazia mal, dava comida, não toquei em um fio de cabelo. Mas não aceitávamos ser explorados e nem que o governo ou qualquer um pegasse o que era nosso. Queríamos ter um compromisso por escrito que ele ia devolver. Não pensava em política, só queria o melhor para minha família e para minha cidade.211

Observa-se a preocupação do depoente com a comunidade, o “pensamento

revolucionário” em prol do coletivo, mesmo que para tal tenha necessitado cometer

um ato ilícito, um sequestro.

O testemunho oral tem sido amplamente considerado como fonte de informação sobre eventos históricos. Ele pode ser encarado como um evento em si mesmo e, como tal, submetido a uma análise independente que permite recuperar não apenas os aspectos materiais do sucedido, como também a atitude do narrador em relação a eventos, à subjetividade, à

210

HERNÁNDEZ, Gonzalo Cárdenas. Del Ayllu al Socialismo. Nuestra Historia. Ano 1, nº 1, Pachamama Ediciones, mai. 2006. 211

Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012.

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imaginação e ao desejo, que cada indivíduo investe em sua relação com a história.212

No relato emergem fatos como o nascimento de uma criança pelas mãos da

avó do depoente, chamada às pressas para realizar o parto de uma mulher da

vizinhança.213 A cena com gritos, sangue e o bebê foi marcante para o depoente

ainda criança, com três anos.

A vida em comunidade proporciona uma noção de família extensa em que

todos se ajudam e colaboram na criação das crianças, no momento da colheita, na

divisão da água e nas mais diversas atividades do cotidiano. Em cada uma dessas

situações nota-se a importância da organização da vida em comunidade e da

estrutura familiar, mesmo em atividades como lavar as roupas ou tomar banho. No

caso do processo migratório, percebe-se a valorização das redes de parentesco não

só de primeiro grau ou entre consanguíneos, mas também entre conhecidos e

amigos, para viabilizar a trajetória de sucesso do e/imigrante, sua inserção no

mercado de trabalho e prestar auxílio nos primeiros passos no destino, em questões

como moradia e documentação.

As relações do e/imigrante com a sociedade de adoção214 lhe propiciavam

acessar essa rede e dinamizavam as possibilidades de se deslocar até o Brasil.

Assim como as notas em jornais, sites e revistas voltadas para a comunidade

boliviana, fazendo menção à oferta de empregos em São Paulo, às remessas

enviadas pelos e/imigrantes para os parentes na Bolívia e a serviços específicos

destinados ao público.

212

PORTELLI, Alessandro. Sonhos ucrônicos: memórias e possíveis mundos dos trabalhadores. Projeto História. São Paulo, vol. 10, jul./dez. 1993, p.41. 213

Depoimento de Jaime Adolfo Oblitas Alvares, em entrevista concedida à autora em 04/05/2013. 214

DORNELAS, Sidney Marco. Redes Sociais na migração questionamentos a partir da Pastoral. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, Ano XIV, nº. 40, CEM - Centro de Estudos Migratórios, mai./ago. 2001, p.5.

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Figura 9 - Ofertas de emprego.215

Figura 10 - Envio de remessas.216

É possível observar a articulação das redes de parentesco nos depoimentos.

Os familiares que vieram foram chamados, convidados ou estimulados, como na

seguinte experiência: “Todos, meu pai foi quem trouxe a família toda pra cá. Meu pai

veio passear e acabou ficando. E minha mãe veio pela paixão pelo meu pai.”217

Destaca-se também a importância dos laços familiares para o reconhecimento no

215

EL CHASQUI SRL. San Pablo, Ano 3, ed. 18, fev. 2013. 216

NOSOTROS IMIGRANTES. Ano II, ed. 10, fev./mar. 2013. 217

Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012.

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grupo e pelo grupo. As famílias mais antigas da comunidade que participam

ativamente nas novenas, nas reuniões das pastorais, nas associações destinadas a

apoiar e acolher os e/imigrantes e nas associações comerciais por eles frequentadas

fortificam a rede de parentesco.

Os meus pais são muito antigos aqui. E os mais antigos que estão ativamente nas comunidades os conhecem e nos recebem em família. É muito bom.218

O e/imigrante destacou o acolhimento e o reconhecimento do grupo, a

identificação entre os pares. As famílias mais antigas se reconhecem e se apoiam

para manter a dita ordem e superioridade dos já estabelecidos.

O sentimento comum de “fazer parte”, de responsabilidade e dedicação à comunidade natal criava sólidos vínculos entre as pessoas que ali haviam crescido e, provavelmente, prosperado juntas. É possível que nem todas ali gostassem pessoalmente uma das outras, mas partilhavam de um intenso sentimento de identidade grupal. Identificavam-se objetivamente como “famílias antigas” e subjetivamente como nós.219

Observa-se a expansão da rede, já que esta não se desenha somente na

partida e no acolhimento aqui no Brasil, também se verifica quando o e/imigrante

decide retornar ou visitar os familiares que ficaram na Bolívia.

Fiquei três meses na Bolívia e não queria mais voltar. O que me marcou foi o carinho dos parentes. Assisti muitas manifestações culturais e fiquei com vontade de dançar. Aí quando cheguei aqui fui procurar um grupo para dançar. Eles investem muito aqui para que as festas sejam da mesma maneira. Eu fiquei na casa de meus parentes. Agora quando os parentes vêm pra cá nós também recebemos. Os parentes vêm agora para o casamento da minha irmã e vão ficar aqui. Veio

218

Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 219

ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000, p.103.

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também um amigo de um parente do meu pai para se tratar no Hospital das Clínicas.220

As redes ainda possibilitam que parentes ou amigos de e/imigrantes venham

realizar tratamentos de saúde no Brasil221, utilizando o sistema público. Como no

caso mencionado, em que um amigo da família ficou quatro meses hospedado na

casa do depoente, no início sozinho, mas depois com esposa e filha, e retornaram

após o tratamento.

Outro caso destacado foi o da avó do depoente, que também veio ao Brasil

para se tratar de um câncer. A família pretendia que ela ficasse, mas a senhora não

conseguiu se adaptar e, terminado o tratamento, também retornou. “Minha mãe veio

pro Brasil para passear e se tratar, fez um tratamento de câncer, mas não se

acostumou aqui, ficava muito triste e teve que voltar.”222

Da mesma forma que grupos de outras nacionalidades, esses e/imigrantes

também relatam o envio de cartas de apresentação/chamada223 escritas por amigos

e parentes da Bolívia aos bolivianos que aqui já se encontravam para proporcionar

mais confiança e explicar a situação e a necessidade de acolhimento.

Já acolhemos algumas pessoas. A maioria das pessoas ligou e combinou. Mas a primeira pessoa que chegou, tocou a campainha e disse que tinha uma carta pra minha mãe. Nós estávamos morando com a minha vó. Minha mãe tava separada do meu pai. A moça tinha uma carta da minha tia falando para receber aquela pessoa que vinha para trabalhar e estava com muita dificuldade lá na Bolívia. A minha mãe ia fazer o quê? Colocou ela pra dentro. Não era conhecida. Foi uma carta que explicava que ela tinha crescido com a minha tia. Essa moça começou a trabalhar com costura, mas era muito explorada. Mas quando ela legalizou sua situação,

220

Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 221

Em relação ao acesso à saúde, há o trabalho de Pucci. O objetivo é, entre outros, investigar possíveis disparidades no acesso a serviços públicos de saúde entre bolivianos e brasileiros. Além disso, averigua até que ponto há algum diferencial na qualidade do atendimento oferecido para os dois grupos. PUCCI, Fabio Martinez Serrano. Bolivianos em São Paulo: Redes, Territórios e a Produção da Alteridade. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO), 2013. Disponível em: <http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/clacso-crop/20131013074834/Pucci_ trabajo_final.pdf>. Acesso em: 09/03/2015. 222

Depoimento de Francisca Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 223

MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: deslocamentos, experiências e cotidiano - São Paulo séculos XIX e XX. Bauru, SP: EDUSC, 2013.

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começou a estudar. E agora ela faz peças-piloto. Quer ser estilista, mas agora ela está bem, vai e volta quando quer. Recebe pessoas da Bolívia. Mas não é muito comum, a maioria que vem pra trabalhar com costura, volta. Não aguenta. São explorados por outros bolivianos, a maioria se dá mal. Ela recebeu um irmão que também passou pela costura e depois outras áreas.224

Nesse caso relatado o acolhimento se deu sem convite – a anfitriã se sentiu

obrigada a receber. A carta de apresentação mencionada configurou um pedido que

não poderia ser recusado. Assim, aquele que foi recebido se beneficiou de

privilégios e da tolerância da família, que por um tempo lhe forneceu alimentação,

segurança e hospedagem. Observa-se também uma continuidade do fluxo

migratório, pois a e/imigrante que foi acolhida pela família da depoente, hoje já

estabilizada no país, recebe outros conterrâneos. Como trabalha na área da costura,

intermedeia o contato entre os recém-chegados e os donos de oficina,

caracterizando-se como um fio nas redes de mão de obra e comerciais. A depoente

ainda destaca que esses profissionais vêm e vão, reafirmando o fluxo sazonal

destinado à produção e o ritmo de trabalho intenso das oficinas.

Outras redes são constituídas pelos veículos de informação e pelas redes

sociais, utilizados para difundir e projetar ações cotidianas da comunidade boliviana.

Trazem discursos e expressam comportamentos sobre as práticas sociais dos

e/imigrantes que revelam suas opiniões, crenças, valores e atitudes. Desse modo,

relações sociais são construídas e transformadas pelos grupos participantes, que

“compartilham” e “curtem” fatos que envolvam a presença de conterrâneos, como

denúncias de jornadas de trabalho abusivas, inauguração de empresas bolivianas

em São Paulo, festas religiosas, assuntos referentes a encontros sobre imigração,

entre outros. É possível perceber nos fios das redes sociais e dos sites destinados

especificamente ao grupo as inquietações e os sonhos, que, ao serem

compartilhados, deixam de ser individuais e passam a ser coletivos.

Nos sites e jornais, matérias são editadas de acordo com os interesses,

sejam esses de órgãos oficiais, associações ou empresas. Portanto, nota-se uma

224

Depoimento de Jasmin Loyaza, em entrevista concedida à autora em 06/10/2012. Filha de imigrante boliviano. Solteira, 21 anos. Formada em Recursos Humanos e dançarina de grupo folclórico boliviano.

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preocupação225 com o conteúdo da mensagem para que não prejudique a imagem

do grupo. Mesmo quando se trata de uma denúncia de exploração, toma-se o

cuidado de não culpabilizar o e/imigrante no discurso, a finalidade é estabelecer a

comunicação entre a coletividade para que fatos como esse não ocorram mais.

Nesse sentido, assevera que a comunicação é o fenômeno social por meio do qual os indivíduos, vivendo em coletividade, buscam relacionar-se uns com os outros. E, envoltos na interação, definem regras e normas de vida em sociedade, além de criar formas de pensar que lhes permitam reconhecerem-se como participantes de uma identidade cultural comum.226

Os discursos encontrados em veículos de informação227 voltados para a

comunidade boliviana, como sites, revistas, jornais e redes sociais (como páginas no

Facebook), destacam elogios aos e/imigrantes e exaltam seus esforços em manter

as relações com o país de origem: “Los trabajadores „que se han ido al exterior, han

logrado ubicarse bastante bien, porque son gente muy laboriosa y eso les ha

permitido seguir enviando remesas a sus familiares‟.”228

Também podem ser constatadas muitas atividades envolvendo a

comunidade latina, com o intuito de fortificar a rede e mostrar que em São Paulo os

e/imigrantes conseguem obter serviços específicos para suas necessidades

cotidianas, como atendimento odontológico para latinos, unidades básicas de saúde

voltadas para atender a mulher boliviana, além de ofertas de emprego, cultos

religiosos realizados em espanhol, divulgação de festas e datas comemorativas da

225

Essa preocupação se dá em matérias publicadas nos veículos de comunicação voltados para a comunidade boliviana, pois nos demais, destinados ao público em geral, predomina o discurso sensacionalista, sem profundidade e que não retrata com total veracidade as experiências vivenciadas pelos e/imigrantes. 226

Charaudeau, 2003. Apud: DADALTO, Maria Cristina. Imigração e permanência do sonho. Matrizes. São Paulo, vol. 7, nº. 2, USP, jul./dez. 2013, p.253. 227

Site <http://boliviacultural.com.br>; jornal El Chasqui SRL - o mensageiro del pueblo boliviano; jornal Nosotros Imigrantes; páginas no Facebook Bolivia Cultural, Radio Play Bolivia, ADRB - Associação de Residentes Bolivianos, Bolivianos em SP Brasil, com 5.001 membros, Praça-Kantuta e, entre as páginas dos grupos folclóricos, Grupo Folklorico Kantuta Bolivia e Sociedad Folklorica Boliviana. 228

Entrevista realizada com o ex-presidente do Banco Central da Bolívia Armando Méndez. Cf.: VASQUEZ, Walter. Remesas caen por desempleo en España y limitantes en Argentina. La Razon. La Paz, 07/03/2012. Disponível em: <http://www.la-razon.com>. Acesso em: 25/06/2014.

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comunidade e até mesmo comunicados do Consulado Geral da Bolívia em São

Paulo.229

Figura 11 - Serviços odontológicos direcionados à comunidade latina.230

Figura 12 - Serviços de saúde direcionados a latinos.231

229

Ver comunicado em anexo. 230

EL CHASQUI SRL. San Pablo, Ano 3, ed. 18, fev. 2013. 231

EL CHASQUI SRL. San Pablo, Ano 3, ed. 18, fev. 2013.

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Figura 13 - Distribuidora de produtos bolivianos.232

Ao analisar essas páginas e matérias nos sites e jornais da comunidade,

nota-se como o grupo – a rede – se posiciona, que imagem quer passar de si, como

deseja ser reconhecido dentro da própria rede e pela sociedade de acolhimento em

esfera pública nacional e local. Entende-se que a mídia se constitui como fonte de

informação e de representação sobre os e/imigrantes, um campo legitimador da

percepção, do sentimento coletivo e dos mitos edificados. Também possui especial

contribuição na formação de um imaginário sobre a migração e os fluxos migratórios

para São Paulo.

O meio de transporte utilizado pelos colaboradores do presente estudo e por

grande parte dos e/imigrantes que se encontram em São Paulo era o rodoviário. A

empresa Viação Andorinha realiza o deslocamento de passageiros entre o Brasil e a

Bolívia há 66 anos, com saídas diárias de São Paulo, terminal Barra Funda, para

Corumbá, Puerto Quijarro e Puerto Suárez, identificadas como um só local no site da

companhia Divisa BR/BO. A tarifa para o trecho é de R$ 230,00. Quando o

232

EL CHASQUI SRL. San Pablo, Ano 3, ed. 18, fev. 2013.

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passageiro parte do Rio de Janeiro, o valor da passagem sobe para R$ 320,00, com

paradas em São José dos Campos, São Paulo e Campo Grande.233

O trajeto também é realizado por transportes particulares234, como carros e

vans, que podem ser alugados, conforme identificado em pesquisa de campo na

Praça Kantuta235. Os veículos percorrem 2.146 km, sendo as principais vias

utilizadas nesse percurso: SP-150 (Anchieta), Interligação Imigrantes-Anchieta na

Baixada Santista, SP-160 (Imigrantes), SP-021 (Rodoanel), SP-280 (Castelo

Branco), SP-209 (João Hipólito Martins), SP-300 (Marechal Rondon), BR-262 e RN-

4. Passando pelas cidades de Botucatu, Bauru, Lins, Araçatuba, Andradina, Três

Lagoas, Água Clara, Ribas do Rio Pardo, Campo Grande, Miranda, Corumbá,

Puerto Suárez, El Carmen, Roboré, San José de Chiquitos, Quimone, Pozo del

Tigre, Pailón e Santa Cruz de la Sierra. Em todas as cidades mencionadas permite-

se o embarque e desembarque de passageiros.

Também se utiliza o transporte aéreo, realizado pelas empresas Gol Linhas

Aéreas236 e Boliviana de Aviación (BoA) 237. A BoA opera de Cobija, Cochabamba,

La Paz, Santa Cruz, Sucre, Tarija, Trinidad com destino ao Aeroporto Internacional

de Guarulhos - São Paulo, sendo de Santa Cruz de la Sierra para São Paulo de

segunda, quarta, sexta e domingo, e de Cochabamba às terças, quintas e sábados.

E a Gol linhas aéreas opera de Santa Cruz de la Sierra para São Paulo com voos

diários. Voando de La Paz, aeroporto de El Alto, para São Paulo (GRU), as

companhias LAN, Gol, Avianca, Copa, Aeromexico e TACA operam alternando

horários de voos diários, com escalas e mudanças de aeronaves.

233

PENSE POSITIVO, PENSE VIAGENS. Disponível em: <http://www.pensepositivopenseviagens. com.br>. Acesso em: 08/06/2014. 234

As rotas clássicas são por San Pedro de Atacama, no Chile, adentrando a Reserva Natural Eduardo Avaroa, e por Corumbá, no Brasil, para pegar o trem entre Quijarro e Santa Cruz, o famoso Trem da Morte. SP SEM SEGREDOS. Disponível em: <http://www.emsampa.com.br/rotas_ rodoviarias_II/saopaulo_scruzsierra.htm>. Acesso em: 14/06/2014. 235

Praça localizada no Bairro do Canindé, à rua Pedro Vicente. Utilizada aos domingos como ponto de encontro, local de lazer e comércio da comunidade boliviana residente em São Paulo. Mais detalhes sobre a Praça, um território boliviano em São Paulo, serão apresentados no próximo capítulo da tese. 236

SP SEM SEGREDOS. Disponível em: <http://www.emsampa.com.br/voos/aeroporto_sp_ guarulhos.htm>. Acesso em: 14/06/2014. 237

BOLIVIANA DE AVIACIÓN. Disponível em: <http://www.boa.bo/brasil/inicio>. Acesso em: 14/06/2014.

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Agências de viagem e operadoras podem auxiliar o e/imigrante nesse

momento, fornecendo-lhe informações e proporcionando-lhe a venda de bilhetes.

Foram identificadas algumas agências de turismo que realizam a emissão de

bilhetes aéreos para São Paulo, porém o foco de suas atividades são as viagens

turísticas. O Diretório de Agências de Viagem na Bolívia238 disponibiliza 29 agências

para o viajante, sendo que destas apenas 13 podem ser identificadas por realizarem

viagens internacionais, as demais se apresentam como agências de receptivo. E

apenas uma, a Brasil Tropical Tours, oferece serviço de transporte terrestre para o

Brasil, incluindo a venda de passagens de trem e do ônibus Andorinha.

Ao identificar as redes que trouxeram ou intermediaram a vinda dos

bolivianos, percebeu-se que muitos influenciaram novos emigrantes, os estimularam

ou refrearam seus projetos de emigração, criaram expectativas e auxiliaram sua

inserção na comunidade receptora. Identificaram-se também aqueles que migraram

sozinhos, mas construíram sua trajetória dentro de um contexto social apresentado

no país de origem. Portanto, pode-se notar que não é um indivíduo que emigra, e

sim uma rede que propicia sua emigração e realiza o processo em conjunto com o

e/imigrante. “A noção de redes é crucial a todos que almejam entender migrações –

históricas ou contemporâneas – como um processo social.”239

238

BOLIVIA CONTACT. Diretório das Agências de Viagem da Bolívia. Disponível em: <http://www.boliviacontact.com/AgenciasdeViagens.html>. Acesso em: 03/07/2014. 239

TRUZZI, Oswaldo. Redes em processos migratórios. Tempo Social. Revista de Sociologia da USP. São Paulo, vol.20, nº. 1, jun. 2008, p.199.

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CAPÍTULO 2 – UM DESTINO CHAMADO SÃO PAULO:

ANGÚSTIAS E INCERTEZAS

Este capítulo destina-se a rastrear as novas experiências vivenciadas pelos

e/imigrantes bolivianos em São Paulo, destino da viagem que para muitos é apenas

um processo passageiro, envolvendo hospitalidade, hostilidade e encontro. Discute

ainda as lutas diárias travadas para recriar a identidade.

Conceitos de redes, identidade, identificação e pertencimento dialogam

diretamente com trechos dos depoimentos que versam sobre o cotidiano de trabalho

e os relacionamentos na nova terra. Como redes de acolhimento apresentam-se as

associações destinadas a atender os migrantes e e/imigrantes, religiosas ou não, os

grupos de dança, oficinas de costura e as famílias.

Para a análise da categoria cotidiano, a proposta é dividi-la de duas

maneiras: de um lado o trabalho e de outro, as atividades diárias do e/imigrante –

estudo, relacionamentos com a vizinhança, manifestações de fé, tradições e

costumes das famílias, práticas de lazer, futebol aos domingos, características

gastronômicas, entre outras.

2.1 SOCIEDADE DE “ACOLHIMENTO”: CHEGADA E INSTALAÇÃO

As teias da rede se desenharam do ponto de origem, como mencionado no

capítulo anterior, até o destino final. Mas ao chegar a São Paulo o e/imigrante ainda

necessitava de apoio para se estabelecer na cidade, para conseguir o primeiro

emprego e iniciar sua caminhada até o sonho do “El dorado paulista”. Para muitos o

primeiro contato com a metrópole foi viabilizado pelas redes, fossem de associações

ou de parentesco. Outras histórias revelaram a força da rede de amigos e parentes

num primeiro momento e, após a estabilidade do e/imigrante, uma aproximação com

as associações voltadas para a comunidade migrante – “Sim, quando eu estava

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mais o menos estável. Aí eu conheci um monte. Na associação dos bolivianos tenho

um monte de amigos.” 240

O fator tempo é o critério que delimita esse processo da acolhida.241 Dentro

das instituições de apoio esse tempo é predeterminado em no máximo 90 dias242,

prazo para que o hóspede se estabeleça em um emprego e em uma nova

hospedagem. Rompe-se assim o vínculo entre o anfitrião e o hóspede. “O status de

hóspede encontra-se no meio do caminho entre o de estrangeiro hostil e o de

membro da comunidade.”243 Um status temporário e predefinido nas instituições de

apoio pelas regras de imigração do território receptor.

Entre as associações mencionadas em relatos destacam-se os trabalhos do

Centro de Apoio ao Migrante (CAMI), do Projeto Si Yo Puedo na Praça Kantuta e da

Pastoral do Imigrante, voltados para o atendimento e acolhimento de migrantes e

e/imigrantes. O CAMI244 iniciou suas atividades em 2005 com uma perspectiva de

atendimento aos latino-americanos. Um acordo entre o Brasil e a Bolívia propiciou o

início dos trabalhos, tendo como intuito principal a inserção sociopolítica do

e/imigrante. Para isso oferece aulas de português, informações para a regularização

migratória, auxílio em questões trabalhistas e violência doméstica. Possui convênios

com o Comitê para Democratização da Informática (CDI)245 para aulas de

informática e português.

240

Depoimento de Santiago Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 241

A noção da acolhida passa por dois momentos: um da hospitalidade (anfitrião e hóspede) e outro da integração do hóspede com a comunidade receptora, o tornando um membro integral. Hospitalidade: relacionamento entre anfitrião e hóspede. LASHLEY, Conrad; MORRISON, Alison (Orgs.). Em busca da hospitalidade: perspectivas para um mundo globalizado. Barueri, SP: Manole, 2004, p.21. Por hospitalidade entende-se: “[...] ato humano, exercido em contexto doméstico, público e profissional, de recepcionar, hospedar, alimentar e entreter pessoas temporariamente deslocadas de seu habitat natural.” CAMARGO, Luis Octavio de Lima. Hospitalidade. São Paulo: Aleph, 2004, p.52. 242

Tempo estabelecido pelas leis de imigração para validade da concessão do visto de turista. Após 90 dias o estrangeiro deve regularizar sua situação migratória, seja retornando ou solicitando um visto temporário para trabalho. Assim, as leis da hospitalidade estão subjulgadas às formas políticas e jurídicas de cada Estado. 243

MONTANDON, Christiane Binet. Uma construção do vínculo social. In: MONTANDON, Alain (Dir.). O Livro da Hospitalidade: Acolhida do estrangeiro na história e nas culturas. Tradução de Marcos Bagno e Lea Zylberlicht. São Paulo: Editora SENAC, 2011, p.1.173. 244

CAMI - Centro de Apoio ao Migrante, localizado na Rua Guaporé, 353, Ponte Pequena. E-mail: [email protected] / tel.: (11) 2694-5428. Entrevista com a advogada Marina Novaes, concedida à autora em 04/03/2013. 245

Comitê para Democratização da Informática (CDI): ONG com cursos de informática que objetiva dar oportunidades para as pessoas de baixa renda. Site: www.cdi.org.br.

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Observa-se que são parceiros na luta contra o trabalho em condições

análogas à de escravo. A depoente destaca a ação dos agentes sociais, que

identificam os e/imigrantes que saem do centro e vão para as periferias para

trabalhar e morar. A interlocução com os e/imigrantes é facilitada por quatro agentes

sociais bolivianos.

[...] estes vão até as oficinas conversar com proprietários e funcionários, verificam as condições de trabalho e moradia. Verificam as instalações, a legalidade dos contratos e percebem as necessidades dos imigrantes. Deixam contatos para conversas posteriores. Informam sobre o Centro de apoio, sobre a rádio A Voz do Migrante e sobre o jornal Nosotros. Percebe-se um número maior de homens do que de mulheres nas oficinas e nos atendimentos.246

Nota-se a relevância das parcerias com outras redes de apoio:

Trabalhamos conjuntamente com o Centro de Estudos Migratórios (CEM)247, Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo (COETRAE)248 [...] e o Ministério do trabalho.

246

Entrevista com a advogada Marina Novaes, em entrevista concedida à autora em 04/03/2013. Trabalha com atendimento e apoio jurídico aos e/imigrantes que procuram o CAMI. 247

CEM - Centro de Estudos Migratórios. “O Centro de Estudos Migratórios (CEM) surgiu em 1969. Pertence à Congregação dos Missionários de São Carlos / Escalabrinianos, cuja finalidade é atuar junto aos migrantes. Integra a Federação dos Centros de Estudos Migratórios João Batista Scalabrini, que congrega os demais Centros de Estudos da Congregação, presentes em vários países (São Paulo, Nova York, Paris, Roma, Buenos Aires, Manila). Conta com uma biblioteca especializada em migrações e desde 1988 publica TRAVESSIA - Revista do Migrante.” USP. FFLCH - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Diversitas - Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos. CEM - Centro de Estudos Migratórios. 30/01/2012. Disponível em: <http://diversitas. fflch.usp.br/cem>. Acesso: 17/04/2015. 248

COETRAE - Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo. “O Decreto nº 57.368, de 2011, instituiu junto à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, a Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo - COETRAE/SP, que tem como objetivos: I - avaliar e acompanhar as ações, os programas, projetos e planos relacionados à prevenção e ao enfrentamento ao trabalho escravo no Estado de São Paulo, II - elaborar e acompanhar o cumprimento das ações constantes do Plano Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo, propondo as adaptações que se fizerem necessárias; III - acompanhar a tramitação de projetos de lei relacionados com a prevenção e o enfrentamento ao trabalho escravo; IV - apoiar a criação de comitês ou comissões assemelhadas nas esferas regional e municipal para monitoramento e avaliação das ações locais; V - manter contato com setores de organismos internacionais, no âmbito do Sistema Interamericano e da Organizações das Nações Unidas, que tenham atuação no enfrentamento ao trabalho escravo, dentre outros.” SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania. Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo. Disponível em: <http://www.justica.sp.gov.br/portal/site/SJDC/menuitem.7e46e7e22f62a4d7d30d0cf6390f8ca0/?vgnextoid=a7d80195a1d70410VgnVCM10000093f0c80aRCRD&vgnextfmt=default>. Acesso: 17/04/2015.

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Também realizamos uma parceria com ONGs, uma delas em Guarulhos, com o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS)249 e com as Unidades Básicas de Saúde.250

Verifica-se ainda a participação em fóruns sobre a temática da imigração e

exploração, além do trabalho de divulgação do CAMI nos consulados. A rede de

contatos do Centro de Apoio ao Migrante se formou a partir dos comitês de que

participa, como enfrentamento ao tráfico em nível municipal, agentes do Ministério

do Trabalho, ONGs, a Pastoral, as associações de saúde, os albergues.

Agora estamos ampliando a rede com associações que cuidam de imigrantes de Angola, Equador, porque nós somos um lugar para atender imigrantes, e não só para latinos. Temos materiais em todos esses locais e temos deles também para fazer a divulgação dos serviços e apoio prestado.251

Um diferencial do trabalho do CAMI é a preocupação em estabelecer uma

aproximação entre os estrangeiros e o Centro de Apoio. Para tal, utiliza um

questionário como ferramenta de comunicação, em que o e/imigrante aponta seus

interesses, sendo o material produzido de acordo com a demanda. Esse trabalho é

realizado em organizações dos bairros e igrejas aos finais de semana.

É... e aí a gente faz aos finais de semana. Este ano ainda não começou, mas o semestre passado foi assim. Todo final de semana com oficinas informativas. De temas: regularização de situação imigratória, regularização de pessoa jurídica, segunda via de documentos, via definitiva de documentos. E para isso

249

CRAS - Centro de Referência de Assistência Social “é uma unidade pública estatal descentralizada da Política Nacional de Assistência Social (PNAS). [...] atua como a principal porta de entrada do Sistema Único de Assistência Social (Suas), dada sua capilaridade nos territórios e é responsável pela organização e oferta de serviços da Proteção Social Básica nas áreas de vulnerabilidade e risco social. O principal serviço ofertado é o de Proteção e Atendimento Integral à Família (Paif), cuja execução é obrigatória e exclusiva. Este consiste em um trabalho de caráter continuado que visa fortalecer a função protetiva das famílias, prevenindo a ruptura de vínculos, promovendo o acesso e usufruto de direitos e contribuindo para a melhoria da qualidade de vida”. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome. Centro de Referência de Assistência Social - Cras. 22/06/2015. Disponível em: <http://mds.gov.br/assuntos/assistencia-social/unidades-de-atendimento/ cras>. Acesso: 17/04/2015. 250

Depoimento da advogada Marina Novaes, em entrevista concedida à autora em 04/03/2013. 251

Depoimento da advogada Marina Novaes, em entrevista concedida à autora em 04/03/2013.

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eles precisam comprovar meios de subsistência, abrir uma empresa. Então eles usam o manual, que acaba sendo um guia para essas oficinas e palestras, porque aí tem como se regularizar, como se manter no Brasil... Enfim, fala também sobre cidadania, arte. Tudo isso a partir da vontade do entrevistado, porque os cursos são montados de acordo com o que eles têm de dúvida.252

Quanto à participação dos e/imigrantes nas oficinas, aumenta

gradativamente com o passar dos finais de semana, pois, ao se identificarem com os

temas, fazem a divulgação dentro das comunidades.

No começo foi boca a boca mesmo. Também temos o jornal, cerca de 10 mil exemplares, também temos a rádio que faz a divulgação, na Kantuta e em festas e outras rádios também. Além da própria organização. Temos feito em Carapicuíba, Itaquaquecetuba e em outras localidades também.253

Alguns relatos mencionam a busca por ajuda financeira para se estabelecer

no Brasil ou mesmo para retornar à Bolívia: “Fui até a associação, mas, é aquela

coisa, eles te ajudam orientando, mas eles não dão ajuda financeira ou trabalho.

Hoje não sei, mas na época eles orientavam, só isso.”254 Sobre esse fato, a

representante do Centro de Apoio comenta:

É difícil, a gente direciona para o consulado e vê o que pode fazer, nós não temos verba pra isso. É uma ação pública que vai ajudá-lo. Mesmo para se regularizar, ele que deve conseguir o dinheiro, nós não temos como. As taxas somam em torno de 200 reais, se tiver cinco pessoas na família, eles muitas vezes não têm como pagar.255

252

Depoimento da advogada Marina Novaes, em entrevista concedida à autora em 04/03/2013. 253

Depoimento da advogada Marina Novaes, em entrevista concedida à autora em 04/03/2013. 254

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 255

Depoimento da advogada Marina Novaes, em entrevista concedida à autora em 04/03/2013.

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Além do trabalho realizado nas oficinas, o Centro de Apoio executava em

média 40 atendimentos por dia sobre as mais variadas necessidades dos

e/imigrantes, incluindo assuntos de relacionamento com a vizinhança, reclamações

de maus-tratos em serviços públicos, como escolas e departamentos de polícia, e

solicitações de ordem trabalhista. Os bolivianos que efetuavam reclamações de

ordem trabalhista as faziam quando deixavam de receber pela produção entregue.

[...] eles só reclamam algum direito quando deixam de pagar. Aí sim eles falam em muito trabalho, exploração e reclamam da falta de pagamento. Mas trabalho escravo, não, aqui eu nunca ouvi essa palavra. Eu ouvi uma vez de uma pessoa do Ministério Público, mas dos imigrantes não. Eles vêm reclamando por dívidas pequenas, 1.000 reais, 500 reais. Tem pessoas que falam que o patrão fala que o Brasil é muito perigoso, “Deixa que eu guardo seu dinheiro”, e depois não devolve. Ao invés de pagar, dão vales, 50 reais por final de semana. E aí eles nunca sabem quanto têm para receber. Os valores que o patrão apresenta não batem, e aí vêm reclamar porque se sentem lesados.256

As instituições religiosas que acolhem e orientam também são destacadas

em depoimentos, entre elas a Igreja Nossa Senhora da Paz257, sede da pastoral do

e/imigrante, mencionada por todos os colaboradores, que em algum momento de

suas vidas a visitaram, participaram de missas, cultos e festas ou até cederam um

pouco de seu tempo em trabalhos voluntários para acolher conterrâneos.

Acho importante para manter a cultura. A igreja tem bastante força com a comunidade. Todo último domingo do mês tem o culto em espanhol. Outros peruanos, paraguaios... também frequentam as missas. Não são só bolivianos.258

256

Depoimento da advogada Marina Novaes, em entrevista concedida à autora em 04/03/2013. 257

Localizada na Rua do Glicério, 225, Liberdade. Site: http://www.missaonspaz.org / tel.: (11) 3340-6950. 258

Depoimento de Francisca Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012.

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Depois do ato litúrgico é oferecido almoço com comidas típicas e realizam-se

apresentações de dança de cada país participante, dando principal destaque ao país

escolhido para organizar o evento.

Eu ajudei outras pessoas, fui tocar nas associações de imigrantes de graça, para arrecadar dinheiro para ajudar. Lá no Glicério. O trabalho das associações é importante, dão orientação, ajudam a arrumar trabalho. Orientam com a documentação, dão apoio mesmo.259

O trabalho realizado pela pastoral dos imigrantes latino-americanos na Igreja

Nossa Senhora da Paz de São Paulo teve início nos anos 70 com os missionários

scalabrinianos. Inicialmente atendia exilados políticos do Cone Sul, chilenos,

uruguaios e argentinos. E atualmente acolhe e atende paraguaios, bolivianos,

colombianos, peruanos, africanos, haitianos, ganeses e outros.260

Além do serviço religioso, a pastoral oferece orientação jurídica e psicológica

gratuita e disponibiliza seus espaços para manifestações culturais de diferentes

tradições religiosas. Como as festas organizadas pelos e/imigrantes chilenos em

julho em homenagem a Nossa Sa. do Carmo; a de Nossa Sa. de Copacabana e

Urkupiña em agosto por bolivianos; a de Santa Rosa de Lima e Senhor dos Milagres

em agosto e outubro por peruanos; e a de Nossa Sa. de Caacupê em dezembro

pelos peruanos. Esses encontros propiciam uma maior integração entre os

e/imigrantes e demais frequentadores da igreja, desencadeando outros eventos,

como as novenas realizadas nas residências dos participantes no primeiro sábado

de cada mês.

259

Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza (músico), em entrevista concedida à autora em 24/11/2012. 260

Essa Pastoral surgiu de uma preocupação da Igreja Católica com a mobilidade humana e foi expressa no documento Pastoralis Migratorum Cura, do Papa Paulo VI, em 1969. Antes desse documento a iniciativa de assistência social e religiosa a migrantes foi do Bispo de Piacenza (Itália) João Batista Scalabrini, que em 1887 fundou uma Congregação de Missionários e Irmãs para acompanhar os imigrantes italianos rumo à América. No Brasil esses grupos estão presentes em várias cidades, como: Caxias, Porto Alegre, Curitiba, Foz do Iguaçu, Rio de Janeiro, São Paulo, Manaus, Guajará-Mirim, Cuiabá e podem se expandir de acordo com os interesses da igreja e necessidades apresentadas pelas comunidades. SILVA, Sidney A. da. Bolivianos. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.

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Eu participo das festas, por exemplo, a de Nossa Senhora de Copacabana, que é em agosto, que tem que fazer novenas. Começa em novembro e vai até agosto. Recebo a santa da Igreja da Paz, vem o padre fazer a missa aqui. E às vezes até alugo um salãozinho.261

Identifica-se na igreja a constante prática da hospitalidade262, pois acolhe a

comunidade de fiéis para aproximá-los da Divindade. Considerada um lugar de

hospitalidade espiritual, as práticas ali estabelecidas remetem aos ensinamentos

cristãos de amar, acolher e respeitar o próximo. Uma acolhida fraternal que ajuda a

inserir o e/imigrante no novo contexto.

As obras realizadas pelas instituições religiosas, sejam católicas ou não,

propiciam aos e/imigrantes um pouco do conforto necessário a essa nova jornada,

por se basearem nos atos da misericórdia – dar de comer, de beber, recolher, vestir,

visitar e encontrar os necessitados.263 A exemplo da Assembleia de Deus do bairro

do Bom Retiro, que realiza cultos em espanhol aos sábados e domingos. Após o

culto de domingo, oferece um almoço comunitário aos participantes. E inclui os

e/imigrantes nas visitas realizadas aos presídios.

Nessa perspectiva, os encontros também contribuem para ampliar as redes

de solidariedade entre os e/imigrantes, bem como para manter e difundir as

tradições culturais dentro e fora do grupo. Desse modo, auxiliam na criação e

manutenção de outras associações, como a Associação dos Residentes Bolivianos

(ADRB), fundada em 1969, tendo por objetivos a promoção cultural, recreativa e

social de seus compatriotas – possui uma publicação mensal e gratuita, o jornal La

Puerta del Sol. Também com os mesmos objetivos, em 1975 foi fundado o Círculo

Boliviano. Já com o aumento de costureiros em São Paulo, em 2001 fundou-se a

Associação Comercial Bolívia-Brasil (Bolbra), a fim de minimizar e resolver os

conflitos entre bolivianos e coreanos, empregadores e empregados do ramo das

confecções. Em 2003 surgiria outra, a Federação Única dos Residentes Bolivianos

261

Depoimento de Francisca Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 262

PEROL, Céline. Amar e Agir. In: MONTANDON, Alain (Dir.). O Livro da Hospitalidade: Acolhida do estrangeiro na história e nas culturas. Tradução de Marcos Bagno e Lea Zylberlicht. São Paulo: Editora SENAC, 2011. 263

Seis atos da misericórdia enunciados por São Mateus, enumerados nos livros de Jó (29,12-17; 31, 16-20) e de Tobias (19-20; 4, 17-18). Cf.: Ibidem, p.1.273.

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no Brasil (FURBRA), com o objetivo de superar as diferenças sociais e ideológicas

entre os bolivianos em São Paulo.

No âmbito cultural também podem ser encontradas várias agremiações em

São Paulo. O primeiro grupo foi fundado na cidade em 1976, o Raza Índia. Interpreta

músicas e danças tradicionais de várias partes da Bolívia, utiliza instrumentos de

sopro como a quena e a zampoña, instrumentos de corda como o charango e para

percussão, o bombo.264 Um dos seus fundadores comenta o trabalho realizado pelos

atuais componentes para manter e divulgar a cultura boliviana:

Todos os grupos nasceram praticamente do meu. Eu os conheço desde o começo, conheço os mais velhos, as pessoas que começaram a dançar e a cantar a música boliviana. Obviamente que os mais velhos já não dançam, mas continuam cuidando dos grupos. Conheço seus filhos, netos, é muito bom ir aos encontros e as pessoas te reconhecerem, te cumprimentarem. Às vezes me chamam e eu toco com eles. São muito importantes, com eles a cultura não acaba. Estão sempre pesquisando para ensinar os mais jovens e dão continuidade ao trabalho que comecei. Fico feliz, eu particularmente me orgulho de ser boliviano e de trazer o orgulho para o povo boliviano.265

A fim de divulgar a cultura da Bolívia, outros grupos surgiram, com destaque

para o Kantuta, fundado em 1988, que foca suas apresentações em danças

tradicionais266 como a diablada, a morenada, tinkus, caporales e cueca. Já em 2003

nasceu o Sociedad Folklórica Boliviana, formado por dissidentes do Kantuta e do

264

Instrumentos musicais de sopro dos Andes (quena e zampoña), as flautas podem ser de cana, osso ou madeira; o bombo leguero é um bumbo de couro de ovelha ou guanaco; e o charango é um instrumento cordófono de dez cordas ou mais feito com carapaça de tatu (chamado de "Quirquincho") ou de madeira. 265

Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012. 266

As danças tradicionais bolivianas apresentadas pretendem contar um pouco da história do povo, do processo de colonização, do cotidiano, da mineração e do cortejo entre os namorados. Como: Caporales, uma dança que se inspirou nos passos da morenada, do tundiquis, do negritos; e Saya afro – ambas satirizam o período colonial e a escravidão, representam os negros e o capataz no cotidiano das fazendas, no trabalho nas minas e na agricultura. A Cueca é dançada em pares e representa o cortejo entre os casais; já a Diablada é uma dança inspirada na lenda de Huari, um deus que representa a força do fogo e das montanhas e quis destruir os urus (um povo), mas uma divindade do bem ñusta o derrota e espanta o mal, materializado nas figuras de um sapo, um lagarto, uma víbora e formigas. A dança tem origem com os mineradores e expressa a rebeldia do povo andino em aceitar a imposição do catolicismo estabelecida pelos colonizadores. A constante luta entre o bem e o mal e os sete pecados capitais fazem parte da Diablada. INTEGRACIÓN NACIONAL: VIRGEN MARÍA ASUNCIÓN. Bolívia, nº 2, Ano 2, Difusion Nacional, agosto de 2011.

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Raíces de Bolívia. A coordenadora e dançarina do Sociedad Folklórica rememorou

seu primeiro contato com a dança e a música boliviana:

Quando eu tinha 6 anos, meu pai me levou à comemoração feita no Memorial da América Latina pelo Dia da Independência da Bolívia, onde havia apresentações de grupos de música e dança folclórica. Foi nesse momento que iniciou o meu contato com a cultura, tradições e valores do meu pai, pois me encantei e comecei a dançar em um grupo de danças folclóricas e sigo até hoje dançando. No Sociedad Folklórica temos ensaios todos os sábados, onde atuo como coordenadora e dançarina. É uma responsabilidade muito grande aliada de uma paixão. Desde os 6 anos de idade, ininterruptamente, danço música folclórica boliviana e não penso em meu cotidiano sem essa atividade. Para mim, é mais do que dançar. É dignificar uma cultura que considero minha, valorizar e mostrar as tradições de um povo que, apesar de ser financeiramente pobre, é rico de valores e que se preocupa em preservar tudo aquilo que foi cultivado e passado por seus ascendentes.267

Além desses também se destacam o Fraternidade Folclórica Morenada

Bolivia Central, fundado em 2001, e o Unión Fanáticos, de 2002, ambos dedicados à

dança da morenada. E há outras formas de organização, como os grupos voltados

para animação musical (Santa Fé, Latin Band, Los Duques, entre outros),

instrumentais como o Sensación e uma gama de bares, restaurantes e danceterias

espalhados pela cidade em que se pode ver, ouvir e saborear a cultura boliviana. É

possível constatar marcas na paisagem urbana que refletem a presença dos

e/imigrantes nos bairros.268

Muitos jovens, como eu, têm contato com as tradições bolivianas devido a esses grupos, que também se preocupam em preservar e divulgar a cultura e por eles possuem orgulho de serem descendentes de bolivianos.269

267

Depoimento de Raissa Oblitas, em entrevista concedida à autora em maio de 2013. Bailarina e coordenadora-coreógrafa do grupo Sociedad Folklórica Boliviana. Filha de pai boliviano e mãe brasileira, 21 anos, estudante de Física da USP. 268

As marcas na paisagem são contempladas no próximo capítulo, no item que versa sobre as territorialidades bolivianas. 269

Depoimento de Raissa Oblitas, em entrevista concedida à autora em maio de 2013.

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Outro filho de e/imigrantes bolivianos comenta a relevância das agremiações

em sua formação pessoal. Diz conhecer vários grupos e participar ativamente de um

nos últimos dois anos que, além da dança, faz mostras sobre a cultura boliviana:

“Gosto não só da cultura, mas de participar dela, é muito legal. Continuar

aprendendo é muito bom.”270 Observa-se a busca do grupo pela valorização cultural

e pela preservação da imagem positiva do e/imigrante.

Ele me ensinou muito com relação a timidez e, enfim, a valorizar cada vez mais a cultura como patrimônio, como algo que você tem que preservar, passar boa impressão e também como algo que não pode ser esquecido, tem que ser cultivado.271

Para a coordenadora do grupo Sociedad Folklórica, a pesquisa realizada

para montagem de cada apresentação traz o aprendizado que sustenta a

manutenção das tradições, pois os bailarinos não apenas repetem movimentos, mas

entendem o significado de cada passo.

O grupo é [...] pra mim muito importante, é a minha herança. Todo mundo que eu tenho contato sabe o que eu faço, que eu danço. Então tudo o que eu tenho aprendido no grupo eu quero passar para os meus filhos. O grupo é a minha marca. Cada dança tem uma história, a gente apresenta no palco o fundamento, os passos, tudo tem um motivo. Eu quero passar para os meus filhos não só o conhecimento, mas a minha história, a minha origem.272

O grupo encomenda as vestimentas das apresentações diretamente da

Bolívia e as cede aos bailarinos para os shows buscando manter as características

tradicionais do país.

270

Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 271

Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 272

Depoimento de Jasmin Loyaza, em entrevista concedida à autora em 06/10/2012.

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Figura 14 - Bailarinos do Sociedad Folklorica Boliviana

com trajes típicos da dança Caporelles.273

Através das danças folclóricas é possível perceber a “modernização” das tradições. A Bolívia é um país de um povo que valoriza muito sua cultura, seus valores e suas tradições, preservando-as até hoje. É incrível ver as mulheres do campo, chamadas de “cholas”, vestidas como a 100, 150 anos atrás. Mesmo com a globalização, a culinária, as vestimentas, as brincadeiras, as danças são semelhantes aos antepassados do povo boliviano e fazem parte do cotidiano.274

273

Apresentação realizada no 41º Festival de Danças Folclóricas Internacionais (22 e 23/09/2012, Auditório Bunkyo, São Paulo). Foto: Arquivo próprio. 274

Depoimento de Raissa Oblitas, em entrevista concedida à autora em maio de 2013.

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Observa-se a prática associativa como uma prática de luta, de união e força

para os e/imigrantes. Nos ensaios dos grupos os participantes se reconhecem

enquanto unidade, embora de culturas distintas, e não mais se sentem isolados na

sociedade. Nas viagens realizadas para as apresentações os bailarinos percebem o

reconhecimento de outros grupos, sentem a força e a segurança de estarem filiados

a uma associação que se preocupa com a manutenção das tradições culturais da

Bolívia e com a reconstrução de uma imagem positiva, desligada da construída

sobre a exploração da mão de obra na costura.

Por associativismo entendemos a formação e funcionamento do que em sociologia é normalmente denominado “associação voluntária”, ou seja, um grupo formado por pessoas que se associam com base em um interesse comum e cuja participação não é obrigatória nem determinada por nascimento, e que existe independente do Estado. Além disso, trata-se de “uma entidade organizada de indivíduos coligados entre si por um conjunto de regras reconhecidas e repartidas, que definem os fins, os poderes e os procedimentos dos participantes, com base em determinados modelos de comportamento oficialmente aprovados”.275

As associações também proporcionam diversão. Nos finais de semana e

após o trabalho, ensaios, festas e peças de teatro276 são realizadas pelos grupos de

bolivianos, atividades que modificaram trajetórias individuais em ações conjuntas

com seus pares.

Para os imigrantes, a necessidade de adaptação levava ao estreitamento de laços familiares e comunitários. Dessa forma foram criadas redes de solidariedade através de múltiplas estratégias, como cultos e manifestações religiosas [...], associações filantrópicas e de beneficência [...], sociedades

275

FONSECA, Vitor Manuel Marques da. Imigração: Identidade e Integração, 1903-1916. In: MATOS, Maria Izilda Santos de; SOUSA, Fernando de; HECKER, Alexandre (Orgs.). Deslocamentos & Histórias: Os Portugueses. Bauru, SP: EDUSC, 2008, p.358. 276

Entre elas a peça teatral “Caminos Invisibles... La Partida”, apresentada no SESC Bom Retiro, em 07/08/2013. A obra retrata as histórias de e/imigrantes bolivianos em oficinas de costura de São Paulo, destaca o processo de saída de La Paz, as angústias e ilusões, a chegada à oficina, as adaptações e choques culturais e o sonho do retorno. Com atores bolivianos de várias idades, expressa a realidade vivenciada por muitos e/imigrantes, inclusive pelos atores.

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culturais, musicais (clubes, bailes, filarmônicas, bandas, corais), recreativas e esportivas.277

Outra forma de acolhimento e atendimento ao e/imigrante foi o Projeto Si Yo

Puedo, que realiza atendimentos aos domingos na Feira da Kantuta.278 Esse projeto

originou-se da preocupação com a formação dos jovens bolivianos da segunda

geração. A fundadora relatou a percepção do desaparecimento de colegas

bolivianos das salas de aula, à medida que ia completando os estágios de formação

educacional. No ensino fundamental havia mais crianças, no médio e na escola

técnica já não os encontrava, no cursinho e na faculdade de Odontologia, menos

ainda. “Depois fui fazer a pós em Porto Alegre e acabei esperando um pouco para

pôr o projeto em prática. Quando voltei, em março de 2012, fiz um mural com as

vagas de cursos, trabalho e montei a barraca na Kantuta.”279

Quando eu fui trabalhar na zona norte, tem uma área que eu atendo que 30% dos meus pacientes são imigrantes: paraguaios, peruanos, haitianos e bolivianos. Eu percebi que os imigrantes da segunda geração e até a terceira geração de bolivianos estavam abandonando o estudo muito cedo e reproduzindo a rotina dos pais, casavam cedo e mantinham oficinas. O máximo que eu vi de diferente nos últimos cinco ou seis anos foi que jovens que dominavam o idioma saíram para as ruas para vender a produção. Agora em formação [estudo], não tava acontecendo nada.280

O intuito do projeto é ajudar a família e o jovem a se valorizar e voltar para a

escola, “[...] abrir a cabeça, discutir a visão de mundo, fazer com que os pais

acompanhem mais os filhos na trajetória escolar e na área da saúde”281. Ao atendê-

los nos postos de saúde em que trabalha, a depoente compreendeu que muitos

277

MATOS, Maria Izilda Santos. A cidade, a noite e o cronista. Bauru, SP: EDUSC, 2007, p.52. 278

A Feira teve início em 2001 e acontece aos domingos na Rua Pedro Vicente, no bairro do Pari, das 11 às 19 horas. Com mais de 80 barracas voltadas para a comunidade boliviana, oferece comida típica, música, produtos típicos e festa folclórica. CIDADE DE SÃO PAULO. 187 feiras de artesanato e antiguidades. Disponível em: <http://www.cidadedesaopaulo.com/sp/br/o-que-visitar/187-feiras-de-artesanato-e-antiguidades>. Acesso em: 15/10/2012. SÃO PAULO (Estado). Biblioteca Virtual do Governo do Estado de São Paulo. Feiras de artesanato. Disponível em: <http://www.bibliotecavirtual.sp.gov.br/turismo-capital-feirasdeartesanato.php>. Acesso em: 15/10/12. 279

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 280

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 281

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013.

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abandonavam os estudos por vergonha e pela recepção hostil de colegas de classe

por serem estrangeiros.282 Afinal, “ser estrangeiro é responder a quatro critérios: ser

desconhecido, vir de fora, estar de passagem, não ser conforme aos hábitos do

lugar [...]”283. Para os jovens, em especial, que estão na fase de formar vínculos e

ampliar sua percepção de mundo, essa situação se apresenta como muito

indesejável e beira o insustentável, forçando-os a tomar a atitude extrema de

abandonar as salas de aula.

O projeto identifica como os pilares de sua ação as vagas para estudo,

informações sobre regularização de documentos e ofertas de trabalho. A segunda

geração, que era o foco inicial da proposta, não a procura muito, mas sim aqueles

e/imigrantes recém-chegados que se deparam com o as exigências do mercado de

trabalho.

Assim, o projeto tomou o rumo de orientação profissional e vocacional e pela busca do emprego formal. Eu recebo muitas ofertas para trabalho, falam sobre casas separadas da oficina com piscina, bilhar... Eu não ponho no mural se não for oferta de trabalho formal com carteira assinada.284

Entre as atividades desenvolvidas, o projeto também oferece aulas de

português para os e/imigrantes que se candidatam a postos de trabalho formal e não

conseguem vagas de emprego por não compreender o idioma. “Nós não somos

assistencialistas, mas tentamos encurtar os caminhos para o imigrante. Explico

como é para entrar no ensino técnico, na universidade e direciono sonhos para que

eles não se decepcionem mais.”285

Identifica-se nas formas de apoio mencionadas (instituições religiosas ou

não, casas de apoio e projetos) uma linha de pensamento voltada para divulgar e

explicar ao e/imigrante seus direitos e deveres no país. Entre as informações

282

As questões referentes ao relacionamento dos e/imigrantes com a comunidade local serão apresentadas no item 2.3 deste capítulo. 283

GRASSI, Marie Claire. Uma figura da ambiguidade e do estranho. In: MONTANDON, Alain (Dir.). O Livro da Hospitalidade: Acolhida do estrangeiro na história e nas culturas. Tradução de Marcos Bagno e Lea Zylberlicht. São Paulo: Editora SENAC, 2011, p.56. 284

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 285

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013.

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destacam-se assuntos relativos ao processo de regularização de documentos,

anistias, orientações sobre busca de trabalho, acesso aos serviços públicos como

educação e saúde e auxílio jurídico e psicológico, quando necessário. As instituições

de caráter religioso se dedicam ao acolhimento, oferecendo aos necessitados abrigo

e alimentação. Preocupam-se também em inserir esse indivíduo na sociedade e na

comunidade cristã. No caso da pastoral, o e/imigrante pode ficar hospedado por até

três meses. De acordo com a instituição, antes de esse tempo acabar o e/imigrante

consegue um emprego e, se indocumentado, dá início ao processo de regularização

de sua situação migratória, seja ela transitória ou não.

Percebe-se a prática da dádiva, e não somente da hospitalidade, entre os

e/imigrantes já estabelecidos, que retribuem suas conquistas auxiliando no processo

de acolhida e inserção dos recém-chegados na comunidade, mantendo assim o

processo contínuo e espontâneo de dar, receber e retribuir.286 A dádiva, por um lado,

pode ser considerada como um ato individual e livre e, por outro, um ato coletivo e

engajado socialmente. Como esse ato liga duas ou mais pessoas, pode ser visto

como o ciclo da sociabilidade entre e/imigrantes já estabelecidos e os recém-

chegados, entre os recém-chegados e a comunidade local e entre os estabelecidos

e a comunidade local. Também se pode considerar dádiva como “toda prestação de

serviços ou de bens efetuada sem garantia de retribuição, com o intuito de criar,

manter ou reconstituir o vínculo social”287. Ressalta-se que todo ato de hospitalidade

inicia-se com uma dádiva, e é a partir desse ato que o processo de retribuição

constitui vínculos sociais e o estreitamento das relações.

Em diferentes momentos do cotidiano dos e/imigrantes identifica-se a tríade

dar-receber-retribuir: no âmbito das festas religiosas, nas comemorações entre

amigos e familiares, no apoio às instituições e no apoio recebido das instituições.

Em relatos de reconhecimento à nação que os acolheu, dizem que aqui

conseguiram uma casa, a família e cresceram. E que agora querem devolver tudo o

que conseguiram ao país.

286

CAMARGO, Luis Octavio de Lima. Hospitalidade. São Paulo: Aleph, 2004. GODBOUT, Jacques T. O espírito da dádiva. Rio de Janeiro: Editora Getúlio Vargas, 1999. FERNANDEZ, Leandro R. G. Hospitalidade e encontro: o relacionamento entre moradores e turistas de segunda residência em Praia Grande. Dissertação (Mestrado em Turismo), Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2009. p.49-70. 287

Caillé, 2002, p.142. Apud: CAMARGO, op. cit., p.19.

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O projeto é minha válvula de escape, é o que me faz sentir útil para a comunidade. Eu adoro trabalhar, não faço diferença nenhuma no atendimento às pessoas. O projeto me faz sentir que eu estou retribuindo tudo de bom que consegui em São Paulo, a escola estadual, a universidade. É uma forma de devolver para o Estado o que ele fez por mim e ajudar outros imigrantes a não serem uma vergonha, e sim motivo de orgulho na mídia.288

Esse sentimento de reconhecimento da dádiva recebida se faz presente no

cotidiano do e/imigrante boliviano e pode acarretar o desejo de retribuir à

comunidade com o “presterío” ou apadrinhamento de uma festa boliviana, como

expresso no relato da família que participa das novenas de Nossa Senhora de

Copacabana, recebendo a imagem e organizando uma festa para a Santa em sua

residência ou em um salão; “Temos que agradecer às graças a Santa.”289

A conquista da ascensão econômica na sociedade de acolhimento pode até

se concretizar, como nesse caso, porém o reconhecimento social se torna mais

difícil, já que no Brasil todos são vistos enquanto estrangeiros.290 As estratégias

traçadas por esses e/imigrantes visam romper com o anonimato voltando-se para

seus grupos, através da recriação de valores culturais, como é o caso dos

presteríos291 e das relações de apadrinhamento entre os compatriotas,

estabelecidas no âmbito religioso, de trabalho, popular e na vida familiar. Esses

valores são trazidos do país de origem e nem todos os e/imigrantes se submetem a

negociar seus costumes para a formação de uma identidade híbrida.292 Observa-se

288

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 289

Depoimento de Francisca Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 290

Ser estrangeiro possui dois lados. O bom, por ser de fora, não possuir vínculos e poder se aventurar; também há a valorização de tudo e todos que vêm de fora desde que sejam produtos ou pessoas advindas de países economicamente ricos ou com diversidade cultural, exóticos para a sociedade receptora. Por outro lado, é ser estranho, não passar credibilidade, confiança, não possuir vínculos que passem uma noção de segurança. GRASSI, Marie Claire. Uma figura da ambiguidade e do estranho. In: MONTANDON, Alain (Dir.). O Livro da Hospitalidade: Acolhida do estrangeiro na história e nas culturas. Tradução de Marcos Bagno e Lea Zylberlicht. São Paulo: Editora SENAC, 2011. BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade das relações humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.

ELIAS, Norbert. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações

de poder a partir de uma pequena comunidade. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000. 291

Presterío: festeiro que é escolhido para organizar uma festa, como forma de agradecer a uma santa ou santo de sua devoção uma graça alcançada. Nessa festa o festeiro deve dispor de altos valores para retribuir a graça, oferecendo comida, bebida e música em abundância. SILVA, Sidney A. da. Bolivianos. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005, p.36. 292

SILVA, Sidney A. da. Costurando Sonhos: trajetória de um grupo de imigrantes bolivianos em São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1997.

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que os esforços se redobram para que as tradições sejam mantidas e divulgadas

para a comunidade boliviana, ao mesmo tempo que estão abertos para as

influências que vivenciam no país.

As tradições se mantêm, mas as proporções são cada vez maiores. Semana passada teve uma festa no salão Golden House da Marginal que veio a Ivete Sangalo cantar. A festa é aberta, não tem muito controle. Era uma festa que finalizava a novena e oferecia a recepção dos convidados.293

Sobre as práticas de apadrinhamento realizadas aqui em São Paulo:

São iguais as da Bolívia, só que aqui tem muito mais pompa. É o deslumbre pelo poder aquisitivo, porque lá a tradição é batizar com um ano, fazer o casamento... Lá tem o apadrinhamento, os padrinhos ajudam a fazer festa, só que tudo é muito caro. Então procura-se um padrinho para o salão, padrinho para decoração, padrinho da comida, padrinho da bebida e assim vai. Todos topam, só que nesse dia que todo mundo topou e a festa aconteceu você assumiu uma dívida de um dia pagar o salão para o padrinho de salão e assim vai. Pode ser um casamento de um, a criança que hoje tem 2 anos, mas quando ele casar os pais deles virão até você.294

Percebe-se que a prática de apadrinhamento já está enraizada no cotidiano

dos bolivianos estudados, sendo um costume trazido dos antepassados que

perpetua as trocas entre os indivíduos, cria situações de débito com aqueles que

estão provendo o benefício momentâneo, mantendo assim o ciclo da tríade dar-

receber-retribuir, mesmo que sua manutenção implique sacrifício.295 “Nesse sentido,

as sociedades andinas, particularmente no âmbito rural, têm pautado sua

293

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 294

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 295

Em outras palavras, a prática do apadrinhamento encontra respaldo na teoria da dádiva iniciada por Marcel Mauss e aceita como um fato social total por ser observada em diversas sociedades e se perpetuar na contemporaneidade.

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organização sobre o valor básico da reciprocidade, o qual fundamenta as relações

econômicas, sociais e culturais.”296

A lógica da reciprocidade andina se dá em dois níveis: um entre os

indivíduos e unidades familiares; e outro com as unidades familiares e a autoridade

central. Entre os indivíduos se expressa na forma de ajuda mútua (ayni), no trabalho

por bens (minka) e na simples troca (trueque). Já para com a comunidade e

autoridade se dá em forma de mutirões.297

A dádiva, manifestada na tríade dar-receber-retribuir, fundamenta a

hospitalidade como forma de manutenção dos vínculos sociais. Para tal,

apresentam-se seis leis não escritas, mas que, se violadas, remetem os indivíduos e

as sociedades ao campo da hostilidade.298 Essas leis são expressas de forma cíclica

e possibilitam a criação de vínculos. Se em algum momento um elo se parte, é a

recusa e todo o processo se perde. Não é diferente do caso do apadrinhamento,

pois no cotidiano dos e/imigrantes observa-se a constante prática do dar-receber-

retribuir. E mais, identifica-se o reconhecimento social mediante os atos de

apadrinhamento e presteríos, o que solidifica os laços dentro da comunidade

boliviana. Esse sacrifício resulta em prestígio e reconhecimento da doação pelo

grupo. Ressalta-se ainda que dificilmente esse ayni será interrompido, pois para os

aimarás a quebra do ciclo, ou o ayni interrompido, pode causar algum mal ou

enfermidade à pessoa ou à família daquele que deveria retribuir.299

Para que o ato da hospitalidade seja eficaz, as características de um bom

anfitrião – acolhedor, e não somente hospedeiro – devem estar presentes. O

anfitrião proporciona mais do que o simples alimentar e hospedar, deve acolher com

compaixão, agradar e servir de maneira atenciosa e cortês.300

296

SILVA, Sidney Antonio da. Virgem/Mãe/Terra: Festas e tradições bolivianas na metrópole. São Paulo, HUCITEC/FAPESP, 2003, p.168. 297

Ibidem. 298

São elas: a hospitalidade começa com uma dádiva; a dádiva implica sacrifício; toda dádiva traz implícito algum interesse; o dom deve ser recebido, aceito; receber implica aceitar uma situação de inferioridade diante do doador; e quem recebe, deve retribuir. CAMARGO, Luis Octávio de Lima. Hospitalidade. São Paulo: Aleph, 2004. 299

Juarez, 1995, p.250. Apud: SILVA, op. cit., 2003. 300

TELFER, Elizabeth. A filosofia da hospitalidade. In: LASHLEY, Conrad; MORRISON, Alison (Orgs.). Em busca da hospitalidade: perspectivas para um mundo globalizado. Barueri, SP: Manole, 2004.

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Como mencionado, toda dádiva implica sacrifício, prover o acolhimento é um

ato de sacrifício, mas recebê-lo também. A compensação da acolhida em si não é

instantânea nem almejada pelo anfitrião, a simples presença do hóspede e a troca

de experiências já são vistas enquanto retribuição. Para quem é acolhido sempre

fica a sensação de permanecer em débito, por isso a oferta de presentes como

agradecimento é prática comum e mantém os vínculos sociais estabelecidos. Já sob

a ótica do anfitrião boliviano, acolher um conterrâneo também e/imigrante se torna

dispendioso e ele espera, sim, a retribuição da hospedagem, da alimentação e da

acolhida, mas na maioria das vezes com sua força de trabalho (minka) ou nas

formas de ayni e trueque, seguindo os costumes aimarás. Essa retribuição, quando

não necessária de maneira instantânea (minka), se dará em momento oportuno em

uma festa de casamento, batizado ou nas relações de apadrinhamento para primeiro

emprego ou para conquista da oficina de costura. Também se observaram relações

de exploração do trabalho não como compensação por uma dádiva recebida, mas

sim como capital, uma “moeda de troca”.

Nessa perspectiva, o apadrinhamento faz parte das “estratégias de

sobrevivência e de reprodução cultural de um grupo que convive com dois sistemas

simbólicos e econômicos”301, com os quais são obrigados a interagir em São Paulo:

o sistema étnico da reciprocidade e da redistribuição e o sistema capitalista,

baseado na competição e no acúmulo de bens.

Nos momentos das festas devocionais, percebe-se o orgulho em ser o

anfitrião e o nítido desejo de agradar à comunidade boliviana ofertando o que a

família tem de melhor aos convidados em retribuição pelas dádivas recebidas.

Nesses encontros nota-se muita hospitalidade, uma vez que os convidados atribuem

qualidades ao anfitrião como generosidade e desejo de agradar.302

Não obstante, o mais importante a se ressaltar é que a retribuição da dádiva não encerra o processo da hospitalidade humana. Ao contrário, nesse sentido, a hospitalidade assume a face mais nobre na moral humana, a de costurar, sedimentar e

301

MEDINA, 1988, p.51. Apud: SILVA, Sidney Antonio da. Virgem/Mãe/Terra: Festas e tradições bolivianas na metrópole. São Paulo: HUCITEC/FAPESP, 2003, p.170. 302

LASHLEY, Conrad; MORRISON, Alison (Orgs.). Em busca da hospitalidade: perspectivas para um mundo globalizado. Barueri, SP: Manole, 2004.

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vivificar o tecido social e colocar em marcha esse processo sem fim que alimenta o vínculo humano.303

Para o indivíduo em trânsito, os vínculos sociais assumem relevância, pois

traçam indícios da forma de vida que levará nos próximos anos, com mais ou menos

conforto, mais ou menos momentos de descanso aprazíveis e, principalmente, o

apoio emocional e o acolhimento que a comunidade de conterrâneos poderá lhe

oferecer durante sua jornada.

2.2 REDESENHANDO O COTIDIANO: TRABALHO E LAZER

Apresenta-se neste momento do estudo o cotidiano de uma expressiva

parcela dos e/imigrantes bolivianos em São Paulo, para não dizer da maioria. Como

em qualquer processo migratório motivado pela busca de oportunidades, os

e/imigrantes se dedicam integralmente à aquisição de recursos financeiros e, nesse

caso especificamente, como o projeto era familiar, todos os membros da família,

incluindo as crianças, possuíam papel relevante na conquista do sonho.

Quando eu cheguei aqui tinha 7 anos, então eu acabei tendo muito a atribuição de tradutora e guia da família, porque meu pai era o dono da oficina e trabalhava muito. A minha irmã tinha 14 anos, mas tinha tamanho pra ficar em uma máquina, ela começou a trabalhar. Eu é que ficava pela rua com a minha mãe, tentando fazer as compras e ver como funcionavam as coisas e ver onde tinham as coisas mais baratas. Eu tinha naquela época 7 anos e acabei pegando o idioma. Eu lembro que a gente ia numa feira lá no Center Norte, porque a gente achava que era mais barato, e voltava de metrô com o carrinho de feira. Mas será que era tão diferente assim o preço pra ir até o Center Norte? Precisava ir de metrô até lá? Eu não pagava, mas a minha irmã pagava. Hoje eu penso pra eu que precisava fazer isso, mas era indo atrás do melhor preço. Então eu tive essa tarefa, acabei aprendendo a costurar, com 10 ou 12 anos. Acabei aprendendo a costurar, mas eu nunca trabalhei de fato, como muitas crianças trabalhavam, porque eu sempre arrumava cursos, estudava muito, voltava do curso tarde.

303

CAMARGO, Luis Octávio de Lima. Hospitalidade. São Paulo: Aleph, 2004, p.24.

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Então eu também fazia essa parte pesada com a minha mãe de compras, eu que ia com ela. Então eu tive o privilégio de não ser obrigada a ir pra máquina de costura, a trabalhar de fato.304

O relato traduz o cotidiano de muitas crianças bolivianas encontradas nas

oficinas de costura, que são ao mesmo tempo local de trabalho, moradia e lazer. A

busca por um futuro promissor, com condições de vida diferentes das atuais, acaba

prejudicando o presente dos mais jovens, que se veem obrigados a ajudar seus

familiares nas jornadas de trabalho prolongadas das oficinas para aumentar o

volume da produção e o lucro nas vendas, o que os faz retardar ou até abandonar

os planos de estudo. Nota-se que as crianças mencionadas realizavam atividades

diferentes, na máquina e fora dela. Porém, a depoente considerava trabalho de fato

aquele dedicado à costura, minimizando assim o peso das atividades que

desenvolvia.

Há relatos de mães que deixam os filhos pequenos trancados nos quartos

da oficina o dia inteiro com um videogame para se distraírem, já que estar entre as

máquinas oferece perigo, atrapalha a produção e incomoda os patrões.305 A jornada

de trabalho das mulheres acaba sendo mais longa que a dos homens, pois, além da

costura, se encarregam da alimentação, da limpeza, dos cuidados com as crianças e

com os idosos.306 O depoente307 relatou que na oficina em que trabalhava, que

pertencia a um grupo familiar, algumas crianças estudavam, outras iam para a

creche e as maiores ou recém-chegadas ajudavam nos serviços gerais.

A respeito do número de horas que mulheres e homens destinam ao

trabalho familiar doméstico, destaca-se que as mulheres dedicam muito mais tempo

do que os homens a essa atividade. Estudos revelam que as bolivianas dedicam

cerca de 35 horas por semana e os homens, apenas 9 horas, já que se concentram

mais nas atividades econômicas remuneradas (42 horas semanais) que as mulheres

304

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 305

AZEVEDO, Flávio Antonio Gomes de. A presença do trabalho forçado urbano na cidade de São Paulo: Brasil/Bolívia. Dissertação (Mestrado em Integração da América Latina), PROLAM/USP, 2005. 306

A jornada estendida das mulheres na costura também é discutida em: MATOS, Maria Izilda Santos de. Trama e Poder. A Trajetória e polêmica em torno das Indústrias de Sacaria para o Café (São Paulo 1888-1934). Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996. 307

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.

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(26,6 horas). Porém, somadas as horas destinadas às atividades remuneradas e às

domésticas, percebe-se que a jornada semanal das mulheres é mais longa.308

Segundo os relatos, não há diferença de trabalho por gênero dentro das

oficinas, homens e mulheres podem realizar as mesmas tarefas. O serviço é pago

pela produção e sua distribuição se dá pelo ofício, por facilidade, não por gênero.

Dentro da oficina existem três tipos básicos de máquina309: a reta, a overloque e a

galoneira. “A maioria dos homens trabalha na reta, as mulheres que trabalham na

reta são muito boas e acabam ganhando igual aos homens. Poucos homens

trabalham com overloque ou galoneira.”310 Ocorre o sistema de rodízio em algumas

funções para que a encomenda seja entregue na data certa. Aqueles que não

possuem habilidade com as máquinas realizam serviços gerais, só que ganham

menos por esse trabalho.

Não tinha salário, era por produção. Como eu não costurava, eu auxiliava, carregava, limpava, tinha um salário fixo, menos, não dava nem pra comer, tinha que pagar hospedagem, comida... fiquei endividado. Tentei costurar, mas não tenho habilidades manuais. Admiro quem tem essa habilidade. Nessa oficina eu fiquei uns seis meses. Eles ficavam com os documentos das pessoas, com os meus documentos, mas eles diziam que eu tinha dívida e, para segurança, tinham que ficar com os documentos. Os donos da oficina eram bolivianos.311

Destaca-se o fato de que os donos da oficina mencionada eram bolivianos,

e/imigrantes que já haviam passado pelo modelo de exploração/trabalho e agora

308

OIT - Organização Internacional do Trabalho. Igualdade no Trabalho: Enfrentar os desafios. Relatório Global de Acompanhamento da Declaração da OIT relativa aos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho. Conferência Internacional do Trabalho, 96ª. Sessão, Relatório I - B. Genebra, 2007. Disponível em: <http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/pdf/igualdade _07.pdf>. Acesso em: 22/11/2013. 309

Tipos básicos de máquina de costura para confecção: Reta, usada para costura simples, sendo que algumas costuras retas não podem ser cortadas; Galoneira, usada para tecidos leves e médios, é ideal para bainhas, colaretes, golas e barras, faz ponto corrente; Overloque é a costura por fora, serve para modelar e é usada em tecidos planos com certa elasticidade, como algodão, tricoline, malhas e outros. JOCA - Máquinas de costura industrial. Disponível em: <http://maquinas decosturaindustrial.com>. Acesso em: 30/07/2014. 310

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 311

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.

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incorporavam a prática a que foram submetidos inicialmente, ora pelos coreanos,

ora por outros conterrâneos.312

O cotidiano de trabalho dos e/imigrantes bolivianos nas oficinas desde sua

montagem até a rotina de serviços era ditado pelo ritmo da música latina.

As famílias de migrantes têm oficina de fundo de quintal. Pega-se um cômodo da casa, coloca-se algumas máquinas, pega outro cômodo, coloca alguns beliches e aí acomoda quem vai trabalhar.313

A maior dificuldade de um e/imigrante em São Paulo não é o trabalho, e sim

a habitação. Ele pode até vir sem nenhuma qualificação, mas em geral trabalho

encontra. Já o problema da habitação se apresenta sem solução não pelo fato do

aluguel, e sim pelas outras exigências feitas para locação do imóvel, como

apresentação de fiadores e de documentos como comprovante de renda. Por esse

motivo as oficinas oferecem trabalho e moradia no mesmo local, o que num primeiro

momento facilita a fixação do e/imigrante no destino, contudo também o expõe à

exploração por meio de longas jornadas de trabalho, condição favorecida com a

união entre espaço doméstico e espaço de trabalho.314

Pode-se diferenciar o trabalho doméstico do trabalho domiciliar. São

consideradas trabalho doméstico atividades não remuneradas destinadas ao

cuidado pessoal e da família para manutenção da saúde e da higiene, como lavar,

passar, cozinhar, organizar a residência e o cuidado com os filhos. Já por trabalho

domiciliar entendem-se aquelas atividades realizadas no espaço doméstico, mas

com fim lucrativo.

312

SOUCHAUD, Sylvain. A confecção: nicho étnico ou nicho econômico para imigração latino-americana em São Paulo? In: BAENINGER, Rosana (Org.). Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População - Nepo/Unicamp; Fapesp; CNPq; Unfpa, 2012. 313

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 314

A discussão acerca da falta de separação do tempo de trabalho remunerado e do não remunerado realizado dentro do lar também pode ser encontrada em outros momentos da história da costura em São Paulo, como em: MOURA, Esmeralda Blanco B. de. Trabalhadoras no lar: reflexões sobre o trabalho domiciliar em São Paulo nos primeiros anos da República. Disponível em: <http://www. dhi.uem.br/publicacoesdhi/dialogos/volume01/vol04_atg7.htm>. Acesso em: julho de 2014.

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Trabalho domiciliar deve ser entendido como aquele realizado na habitação do trabalhador, por encomenda da empresa ou de seus intermediários, envolvendo geralmente a realização de uma tarefa parcial do processo produtivo, último elo da cadeia produtiva, cujo pagamento era feito geralmente por peça. [...] Essas instâncias de organização da produção configuravam-se como alternativas de emprego particularmente importantes para as mulheres de setores populares, por permitirem a combinação das atividades domésticas com o trabalho remunerado.315

Existe também o trabalho doméstico remunerado e exercido por um

empregado doméstico, como jardineiro, copeira, cozinheira, faxineira, babá, entre

outras funções.

Tinha no total mais ou menos 12 pessoas, tinham crianças, trabalhavam e moravam lá mesmo. Trabalhavam domesticamente, acordavam e na mesma casa, era a oficina. Eu acordava e costurava até de noite. Trabalhávamos das 7 da manhã até de noite. Não podia sair, diziam que a polícia federal ia prender, e só devolvia o documento quando pagasse a dívida, mas não dava, a comida era muito cara.316

Outro aspecto destacado pelos depoentes que marcou sua passagem pelas

oficinas de costura foi a alimentação. Nota-se que o hábito alimentar não se apaga

com o processo migratório, e sim realça as origens dos e/imigrantes. Os relatos

caracterizam a importância da manutenção dos hábitos alimentares para preservar

as tradições bolivianas, revelando que traços marcantes da culinária eram utilizados

como estratégia para manter costureiros na oficina.

A comida a minha mãe nunca abriu mão e ela diz que é justamente assim, ela diz que não perdeu a identidade culinária porque ela nunca foi a empregada. Porque quando você é empregada na oficina, você é forçada a cortar custos. Se você é forçada a cortar custos, você compra por atacadão, arroz, um tipo de carne moída ou um tipo de frango e aí vai,

315

MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e cultura – história, cidade e trabalho. Bauru: Educs, 2002, p.90-91. 316

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.

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repetindo sempre a mesma coisa. Então acaba saindo mais barato. Como a minha mãe sempre foi a cozinheira e sempre gostou de cozinhar, então ela cozinhava para os funcionários, mas sempre incrementava com uns temperos que a gente conhecia. Mesmo que fosse arroz com frango, ela punha o aji, que é a nossa pimenta. Ela dava um jeito de mandar buscar ou comprava, ou os meus tios mandavam de lá, ou alguém viajava, ela sempre mandava trazer. Então ela sempre colocava um tempero diferente, nunca deixou isso se perder, a questão da comida. Hoje mesmo em casa a gente cozinha feijão em dia de festa, porque comemos comida boliviana todos os dias.317

No momento em que o indivíduo se desloca de seu país de origem, traz

consigo seus gostos e preferências alimentares. Não é apenas o sabor ou a maneira

de cozinhar, mas sim a memória desse sabor, a memória da família e a da terra

natal que estão relacionadas em cada prato. A comida “traduz uma identidade,

revela a cultura regional, familiar, que implica na formação do gosto”318.

O hábito alimentar é apontado como o último a ser abandonado pelo

e/imigrante. Percebe-se na comida e na forma de cozinhar os alimentos a

manutenção dos hábitos e costumes do local de origem de cada e/imigrante.319 O

relato permite verificar uma preocupação da cozinheira em adaptar as receitas

quando não conseguia os ingredientes originais dos pratos, prática observada

também em outras oficinas de costura, uma cozinha dinâmica que vai se

transformando de acordo com as necessidades apresentadas no cotidiano. E, ao se

servir saltenhas com menos pimenta para os trabalhadores brasileiros, nota-se a

reinvenção das tradições320 e costumes para satisfazer a todos.

317

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 318

Muitos pesquisadores apontam a comida como um traço marcante da identidade cultural de um povo, entre eles: ELIAS, Norbert. O processo civilizador – Uma história dos costumes. Vol.1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990. CERTEAU, Michel de; GIARD, Luce; MAYOL, Pierre. A invenção do cotidiano. 2- Morar, Cozinhar. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. CORNER, Dolores Martin Rodriguez. Da fome à gastronomia: os imigrantes Galegos e Andaluzes em São Paulo (1946-1960). Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo, 2011. MILANESE, Graziela Arabe. Hospitalidade e comensalidade nas feiras de rua da cidade de São Paulo: Feira Kantuta e cultura boliviana. Dissertação (Mestrado em Hospitalidade), Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2012. MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: Deslocamentos, Experiências e Cotidiano - São Paulo séculos XIX e XX. Bauru, SP: EDUSC, 2013. 319

MATOS, op. cit., 2013. 320

HOBSBAWM, Erick; RANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.

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A experiência inversa, a fome e a pouca oferta de alimentos aos

trabalhadores da oficina, os motivava a pensar em procurar outro local para

trabalhar, já que as idas necessárias ao supermercado reduziam ainda mais os

ganhos no final do mês.

Eles davam comida, mas era uma comida, nossa, ruim, pouca. Eles eram muito mão de vaca, comiam a mesma coisa, mas, sei lá, era ruim. Comiam mal, senti muita fome, não tinha liberdade, não podia comer o que queria e nem tinha, porque eles compravam pouco, racionalizado. Era um absurdo, eu sentia muita fome, terrível. [...] pelo amor de Deus, era um pouquinho de arroz, duas batatas e uma salsicha, às vezes um ovo. Eles eram uma família muito mão de vaca. Essa coisa não gostei, depois comecei a sair, ir no mercado e comprar coisas para comer. Aí fiquei com mais dívida.321

A repulsa à comida oferecida pode ser observada quando o e/imigrante não

se reconhece nos pratos ofertados, pois a “comida é mais do que um alimento, vai

além das proteínas e as vitaminas [...]. Ela se reveste na cultura de quem a prepara,

nos ingredientes aceitos ou rejeitados pelo grupo, nos odores e sabores próprios”322.

O alimento estranho e o ambiente hostil colaboravam para o processo de

rejeição.

A busca pelo conhecido era constante, minha mãe segurou muitos costureiros aqui em casa pela comida. Como meu pai administrava mal, eles podiam não ganhar muito, nunca fizeram rios de dinheiro, até porque todo mundo trabalhava. Minha irmã trabalhava, eu trabalhava e minha mãe cozinhava. Mesmo assim a gente nunca conseguiu ganhar muito dinheiro. E aí muitos trabalhadores ficaram lá muitos anos por causa do jeito da minha mãe. Então a busca sempre existe, se as pessoas vão para uma oficina que não faz o que a minha mãe fazia, eles têm que procurar um lugar pra comer comida boliviana, senão não aguenta. Domingo é a fuga da semana deles.323

321

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 322

CORNER, Dolores Martin Rodriguez. Da fome à gastronomia: os imigrantes Galegos e Andaluzes em São Paulo (1946-1960). Tese (Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo, 2011, p.18. 323

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013.

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O ambiente familiar destacado, somado ao reconhecimento pelos sabores

ofertados, proporcionava a sensação de acolhimento e remetia os costureiros a

lembranças de sua terra. Nota-se que muitos ficavam por causa da comida, e não

dos ganhos, colocando o bem-estar à frente dos recursos financeiros, já que não

possuíam garantia de que aumentariam seus ganhos com outro trabalho. A comida

passa a ser um símbolo identificação cultural324 na nova conjuntura apresentada a

esse e/imigrante.

No contexto da e/imigração, esses trabalhadores estão em constante

transformação, mesclam sua cultura com a das pessoas que encontram e a

absorvem. Assim, os traços culturais se modificam continuamente e o e/imigrante

mantém sempre uma dupla pertença: a dos traços do país de origem, das ligações

afetivas com a cultura e da terra dos ascendentes; e a dos novos hábitos adquiridos

em São Paulo.325

O paladar muitas vezes é o último a se desnacionalizar, a perder a referência da cultura original. A culinária atua como um dos referenciais do sentimento de identidade: é por sua característica portável [...] que ela pode se tornar referencial de identidade em terras estranhas.326

O ritmo de trabalho nas oficinas é ditado pela música latina. As músicas são

escolhidas para motivar a alta produtividade durante o dia e, para acalmar,

“descansar”, à noite a costura é embalada pelos ritmos românticos. Segundo relatos

e observações em oficinas, à noite o ritmo de trabalho desacelera para que os

vizinhos não ouçam o som das máquinas e aqueles moradores da oficina que não

estão costurando possam descansar. Os costureiros focam seus esforços nos

acabamentos, em pregar botões, passar e dobrar peças, outras atividades com nível

reduzido de som.

324

BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. 325

TRINDADE, Maria Beatriz Rocha. Recriação de Identidade em Contexto de migração. In: LUCENA, Célia Toledo; GUSMÃO, Neusa Maria (Orgs.). Discutindo Identidades. São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2006. 326

DUTRA, Rogéria. A boa mesa mineira, um estudo da cozinha e identidade. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), URFJ/ Museu Nacional, Rio de Janeiro, 1991. MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: Deslocamentos, Experiências e Cotidiano - São Paulo séculos XIX e XX. Bauru, SP: EDUSC, 2013, p. 219.

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134

As músicas de uma oficina são de rádio, naquela época era fita. A novidade quando alguém chegava na oficina era trazer as músicas. As músicas são a coisa mais importante na oficina, porque elas ditam o trabalho. À noite geralmente põe música romântica, durante o dia é mais agitada. [...] Eu tenho vários CD’s.327

Observa-se que a depoente adquiriu o gosto e o costume de ouvir música

latina por ter sido criada dentro da oficina de costura. Passada essa fase, conforme

comenta, não perdeu o contato com a música, já que possui vários CD‟s de bandas

bolivianas de diversos estilos e também os usa como forma de motivar seu trabalho

e ditar o ritmo das atividades cotidianas: “No carro, só rádio latina e CD. No

consultório e para fazer a faxina da casa, sempre ouço.” 328

A questão da moradia e do trabalho conjugados nas oficinas de costura é

delicada e pode ser discutida por diferentes óticas: de um lado, a dos empregadores,

que visam o lucro e, para tal, têm a redução de custos como principal estratégia; de

outro, a dos costureiros e demais prestadores de serviços gerais das oficinas, que

visam as facilidades e as dificuldades na conquista de um sonho. Mesmo quando

ocorre a exploração, muitos vêm como positivo o fato de morarem na oficina com

outros costureiros, uma vez que não gastam com condução, podem se ajudar no

trato com as crianças e realizam um rodízio nas tarefas de limpeza. Há ainda a ótica

das instituições e associações de apoio e acolhimento ao e/imigrante, órgãos

públicos (Consulados, Polícia Federal) e sociedade civil, além dos interesses dos

promotores da e/imigração ilegal.

Uma vez participei de uma apreensão do Ministério do Trabalho e a grande preocupação dos imigrantes era como eles ficariam com a oficina fechada, quem ia comprar comida pra eles, como iriam fazer para ir ao mercado – teriam que gastar com condução se não morassem no trabalho, como fariam? É assim como todo mundo faz, não é porque são imigrantes que vão fazer diferente.329

327

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 328

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 329

Depoimento da advogada Marina Novaes, em entrevista concedida à autora em 04/03/2013.

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Ao comparar a situação de bolivianos e outros e/imigrantes recém-chegados

nos atendimentos realizados, a depoente aponta que os processos de contratação

eram diferentes:

Os paraguaios, por exemplo, já vêm com tudo mais definido, trabalham com carteira assinada, não dormem onde trabalham. Quando no atendimento surge esse assunto, a orientação se dá pela mudança de residência, e os bolivianos falam que eles são burros, porque acordam e já estão no trabalho, não precisam gastar, e os paraguaios não.330

Percebe-se que a dependência gerada pela garantia de moradia e

alimentação na oficina facilita a exploração do trabalho e deixa os e/imigrantes mais

vulneráveis.

[...] é um conforto, uma preguiça deles, eu vejo como falta de empreendedorismo da parte deles, não se organizam para melhorar. Comparados com outros imigrantes que vieram e cresceram, estes não se organizam, são mais acomodados com a situação. Concorrem com eles mesmos, abaixam os preços para pegar a costura ao máximo, tirando uns dos outros. Já ouvi depoimentos, eles falando “Se eu não pegar por esse preço, outro vai pegar, então eu tenho que pegar”.331

Já para a coordenadora do Projeto Si Yo Puedo e e/imigrante, o problema

da habitação é ainda maior, pois há um movimento por parte das associações, do

Ministério do Trabalho e de ONGs para mudar a forma de trabalho nas oficinas e

não permitir que ocorra a moradia no mesmo local. Mas, segundo ela, será um

processo muito demorado, haja vista que os e/imigrantes chegam e não têm onde

ficar. Os abrigos públicos são destinados aos sem-teto e a moradores de rua e não

possuem condições para absorver essa demanda de trabalhadores estrangeiros.

330

Depoimento da advogada Marina Novaes, em entrevista concedida à autora em 04/03/2013. 331

Depoimento da advogada Marina Novaes, em entrevista concedida à autora em 04/03/2013.

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Hoje em dia, por causa da regulamentação e do combate ao trabalho escravo, isso tende a acabar, pra fazer a quebra das jornadas de trabalho. Porém, eles podem até fazer a quebra, mas vai levantar ainda mais forte a demanda e o problema da habitação. Então não tem saída pra isso. Se eles não têm documento, eles não alugam. Se não têm comprovante de renda, eles não alugam. Se ele não trabalha, e aí? Ele vira morador de rua? Você quer que ele seja um trabalhador que tenha uma reflexão sobre sua jornada de trabalho digna ou um morador de rua?332

Observa-se que o trabalhador boliviano ainda opta por trabalhar e morar no

mesmo local. Está consciente da exploração que pode ocorrer, mas julga serem

necessárias algumas privações de liberdade temporárias para aumentar a renda e

facilitar sua estada na cidade de São Paulo. Prefere dormir pouco dentro da oficina,

mas em segurança em vez de se deslocar no meio da noite para uma região de

periferia distante ou para um quarto de cortiço no Centro sem segurança e

privacidade, pois sem comprovação de renda, sem fiador nem contrato de aluguel só

conseguiria alugar esse tipo de habitação. O deslocamento na cidade também é

levado em consideração: o tempo e o valor das passagens são um custo a mais e

devem ser descartados.333

“Na ótica capitalista, a moradia tem um valor de desfrute e um valor de

negociação. Quando ela é ofertada ao operário, mediante um aluguel módico, passa

a intervir no processo de produção [...].”334 É o que se pode observar nas oficinas de

costura que concentram mão de obra e/imigrante, onde muitos optam por morar no

local de trabalho, como os operários fabris que se adequavam às regras das vilas

construídas por seus patrões porque “o custo da moradia absorvia metade do salário

do trabalhador”335, nada diferente do que foi exposto – dificuldades para locação e

custo de vida elevado.

332

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 333

BLAY, Eva Alterman. Eu não tenho onde morar: vilas operárias na cidade de São Paulo. São Paulo: Nobel, 1985. TEIXEIRA, Palmira Petratti. A Vila Maria Zélia: A fascinante história de um memorial ideológico das relações de trabalho na cidade de São Paulo. ANPUH - XXV Simpósio Nacional de História, Fortaleza, 2009. Disponível em: <http://anpuh.org/anais/wp-content/uploads/ mp/pdf/ANPUH.S25.0155.pdf>. Acesso em: 10/06/2014. 334

TEIXEIRA, Palmira Petratti. A fábrica do sonho – Trajetória do Industrial Jorge Street. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990, p.70. 335

TEIXEIRA, op. cit., 2009, p.3.

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O dia de folga dos bolivianos é o domingo. De segunda a sábado poucos

são vistos pelos bairros estudados, se encontram dentro das oficinas e comércios.

Quando avistados, estão de passagem ou indo ao atendimento de saúde.336 Agora,

no domingo é diferente: esses e/imigrantes tomam o espaço público. Podem ser

avistados nas ruas, nas praças, nos parques, nos shoppings e principalmente nas

quadras de futebol, gratuitas ou particulares.337 O jogo de futebol é prática muito

apreciada pelos membros da comunidade. Famílias inteiras em torno da bola – a

mãe com os filhos pequenos, pais, tios e avós se reunindo para um lanche e para o

lazer.

Eu caminhava muito e hoje caminho mais ainda, faço cooper e meus colegas gostam muito de futebol. Eu sou caneludo: não vou na bola, vou no pé. Eu fico no gol, não sei jogar direito. Os bolivianos jogam muito, todas as quadras de final de semana ficam locadas até a madrugada, não achamos nenhuma para alugar. Bolivianos fazem campeonatos... tomam conta. Também, coitados de nós, só tem o domingo, trabalham todos os dias das 7 às 10 da noite e saem desesperados para tirar o estresse deles. Se arrumam com camisetas, meias, tudo. E também aproveitam para beber. Bebem se perdem, bebem se ganham. Isso eu não gosto, mas tudo é desculpa para beber.338

Outra prática é o uso, muitas vezes excessivo, de álcool nesses momentos

de lazer. Surgem comentários sobre a imagem negativa339 que se forma em torno de

si e dos conterrâneos acerca da bebida, bem como preocupação com a quebra

336

As Unidades Básicas de Saúde do Bom Retiro, Cachoeirinha e Casa Verde possuem um fluxo expressivo de atendimento a e/imigrantes bolivianos. 337

Os parques identificados em pesquisa foram: Parque Ibirapuera, Parque da Juventude, Parque Estadual Alberto Löfgren, Parque do Trote, Parque do Carmo e o Parque da Luz. Para prática esportiva do futebol de salão encontram-se o Centro Esportivo Sul-Americano, o Vavá Sport Center, La Bombonera, Cancha Praça Kantuta, Cancha Tomás Mazoni. Além de espaços improvisados ao longo da Marginal Tietê. SILVA, Antonio Sidney. Bolivianos. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005. 338

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 339

A heteroimagem construída pelos paulistanos acerca dos e/imigrantes bolivianos se baseia em reportagens expostas na mídia sobre trabalhadores escravos que muitas vezes são explorados por conterrâneos. Destacam-se também problemas pontuais de relacionamento com vizinhos, acarretados pelo lixo, barulho das oficinas e abusos com a bebida. Porém, tais textos não especificam os casos e generalizam o comportamento a toda a comunidade. Percebe-se que a autoimagem desse e/imigrante vem sendo trabalhada cotidianamente em seus grupos associativos para que não se contamine com os estereótipos negativos já enraizados. SIMAI, Szilvia; BAENINGER, Rosana. Racismo e sua negação: O caso dos imigrantes bolivianos em São Paulo. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, Ano XXIV, nº. 68, CEM - Centro de Estudos Migratórios, jan./jun. 2011, p. 49-62.

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desse estereótipo. Mas ao mesmo tempo se justifica o consumo de álcool e drogas

como uma fuga da rotina de trabalho e do isolamento/distanciamento da família

causado pelo processo emigratório.

Eu mesmo tava ficando deprimido. Essa situação é favorável para que as pessoas fiquem dependentes de drogas, ou álcool, coisa que para os bolivianos é muito fácil, para esquecerem daquelas coisas ruins, caírem na bebida.340

Outra justificativa para o hábito de se embriagar revelada em depoimento é o

fator cultural. O costume de beber muito no país de origem, segundo o depoente,

remonta ao processo de colonização.

Sim, tem o lado da bebida como cultura. Na Bolívia o pessoal bebe muito, é um reflexo do início da conquista espanhola também, porque as pessoas que ficaram e colonizaram a América eram assassinos, mercenários, bandidos, castigados [...].341

O depoente não luta contra o estereótipo formado na sociedade de

acolhimento de que os bolivianos bebem muito, ao contrário, tenta justificá-lo e,

como reação, exclui os conterrâneos de seu convívio. Inicia-se um processo de

negação dos costumes do próprio grupo, com o intuito de se aproximar da

comunidade receptora.

Os jogos nos parques, quadras e praças propiciam o fortalecimento das

redes existentes e a constituição de novas redes. São momentos de troca de

informações sobre ofertas de emprego, regularização da documentação, exploração

laboral, dicas de serviços voltados especificamente para a comunidade, além de

encontros entre famílias que proporcionam futuros vínculos afetivos. Também foram

340

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 341

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.

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observadas conversas entre mães e filhos sobre bullying, agressões nas escolas e a

forma mais adequada de superá-los ou enfrentá-los.342

Outra atividade de lazer identificada na comunidade boliviana é a visita à

Praça Kantuta343, com atividades especiais todos os domingos. Entre os eventos

destacam-se apresentações de grupos de dança, sermões religiosos, apresentações

musicais e celebrações de datas comemorativas religiosas ou não do Brasil e da

Bolívia, como dia das mães, dia dos pais, carnaval, finados, natal, dia da

independência e outros. Na Praça são promovidas ainda feiras de bebidas, comidas

e artigos bolivianos. Os e/imigrantes recém-chegados são mais assíduos por

buscarem vínculos: “Em qualquer lugar que você vá na Bolívia você pode encontrar

feiras como essa. Com comida, barracas, música, grupos dançando na rua.” 344 Além

do entretenimento, a feira também proporciona encontros, oportunidades de trabalho

e de cursos.

Já fui na Kantuta, frequentei um tempo atrás, hoje em dia é muito raro eu ir, porque já tenho amigos brasileiros e vou em outros lugares.345

Frequento, às vezes vou à Kantuta, quando quero comer ou comprar um CD.346

Já fui, mas agora não frequento mais. Frequentava quando tinha o restaurante, comprava ingredientes, CDs para o restaurante.347

Frequentava bastante a Feira da Praça Kantuta, mas atualmente a faculdade me exige bastante tempo no final de semana, o que acaba dificultando a frequentar.348

A percepção dos depoentes quanto ao local mudou à medida que foram se

estabelecendo em São Paulo e constituindo outros vínculos sociais, então alguns

342

Bullying e xenofobia: aspectos do relacionamento com a comunidade receptora que serão tratados no próximo item deste capítulo. 343

Kantuta é o nome de uma flor muito comum no altiplano boliviano e cujas cores remetem à bandeira boliviana, vermelha, amarela e verde. 344

Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012. 345

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 346

Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012. 347

Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 348

Depoimento de Raissa Oblitas, em entrevista concedida à autora em maio de 2013.

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deixaram de frequentar a feira. Porém, outra mudança significativa foi observada na

passagem de visitante para expositora e membro da comissão organizadora da

feira:

Tô na Kantuta todo domingo desde março de 2012. Antes eu vinha porque minha mãe sempre trabalhou, mas eu vinha como turista, pra almoçar ou pra levar minha mãe embora. Nunca, não me lembro de nenhum dia de passar o dia inteiro lá antes do Projeto. Na verdade, o uso da Kantuta é um uso de parque, e não de praça. Eu falo que nós precisamos disso para conseguir os banheiros. Nós passamos o dia, almoçamos, brincamos, jogam bola, andam de bicicleta... É um uso de parque! Então, desde março do ano passado, quanto mais eu vou, mais eu gosto da Kantuta, acho o espaço muito democrático, as coisas acontecem, são diferentes grupos. Não existe uma manifestação sem motivos, é um espaço que acolhe. Por exemplo, o domingo começa [...] com dança folclórica, com ensaio dos Caporales, depois vem uma dupla sertaneja, em seguida a moçada da segunda geração sobe ao palco e canta rap. Por volta das 16h vem a igreja evangélica pra fazer chamamento, chamar mais pessoas para a igreja. [...] E no fim da tarde [...] tem recrutamento/ aliciamento, perto das 18h, 19h. Essa foi uma preocupação muito grande que eu tive na hora de colocar o Projeto.349

A depoente destaca os acontecimentos corriqueiros da feira num dia de

domingo comum. Descreve atividades culturais diversas para todas as idades,

música, religião e até o aliciamento de trabalhadores para as oficinas de costura. O

momento do aliciamento também foi constatado em pesquisa de campo. Um furgão

estacionou no início da Rua Pedro Vicente, dele desceram três homens, dois com

panfletos que aparentavam ser brasileiros e um com traços de e/imigrante coreano.

Rapidamente um grupo de bolivianos se aproximou para tomar informações, alguns

estavam com bagagens, todos pareciam ansiosos e tensos. Parte deles entrou no

veículo, as portas foram abertas e fechadas rapidamente, outros voltaram para a

feira. Foi possível perceber o teor da conversa, “trabalho”, mas pouquíssimas

informações eram passadas aos futuros costureiros. Próximo também estavam

estacionados carros com papéis nos vidros contendo anotações sobre ofertas de

trabalho com moradia.

349

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013.

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Percebe-se na programação dos eventos da feira a preocupação da

organização com problemas cotidianos enfrentados pelos e/imigrantes em São

Paulo e o incentivo à quebra do silêncio quanto ao tráfico de pessoas, exploração do

trabalho e emigrações não documentadas. Como observado no 3º Festival de

Música e Poesia dos Imigrantes, cuja temática proposta para os trabalhos

apresentados foi “Migração, trabalho e tráfico de pessoas”. Como incentivo à

produção artística e à denúncia, as premiações foram realizadas em dinheiro.

Figura 15 - Folder de divulgação do evento.350

No impresso do evento destacam-se as diversas atividades oferecidas na

Praça e relembra-se a história da conquista desse espaço em São Paulo. Muitas

lutas foram travadas com a comunidade local, que rejeitava a presença dos

e/imigrantes na Praça Padre Bento, que se tornara um território351 da comunidade.

350

BOLÍVIA CULTURAL. Disponível em: <http://www.boliviacultural.com.br>. Acesso em: 12/09/2014. 351

Território: local em que os sujeitos históricos vivenciam e identificam no espaço experiências individuais e coletivas do grupo. Demarcam suas fronteiras com marcas na paisagem como grafites

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Localizada no bairro do Pari, em frente à Igreja Santo Antonio do Pari, foi o primeiro

espaço a abrigar a Feira Kantuta, que teve início em 1993, com a Barraca da Sra.

Berta Valdez, que vendia anticucho (espeto de carne de coração de boi

acompanhado com batatas e molho de amendoim ardido). O espaço propiciava o

encontro, troca de informações e manifestações culturais dos bolivianos residentes

em São Paulo.352

As constantes pressões geraram conflitos entre os feirantes e os vizinhos,

por motivos diversos – o som, o lixo, o aumento no fluxo de visitantes –, o que

culminou na solicitação de retirada da feira da Praça Padre Bento. E a solução

encontrada para a questão foi dada pela paróquia local, que sugeriu a união dos

feirantes em uma associação que os representasse e solicitasse seus direitos de

“cidadãos” e uso do espaço público em outro local que permitisse o encontro da

comunidade e suas manifestações culturais.

A depoente rememora que encontraram a praça entre as ruas Pedro

Vicente, Carnot e Olarias, ainda sem nome, uma área utilizada para reciclagem de

lixo das oficinas de costura durante a semana, mas sem uso aos domingos.

Ressalta a felicidade de sua mãe ao descobrir o local, o sentimento de possuir um

espaço em São Paulo identificado como sendo da cultura boliviana. Para tal, viajou

para a Bolívia e trouxe, na esperança de demarcar a praça, duas mudas de Kantuta,

uma flor com as cores da bandeira boliviana, um símbolo de seu país.

[...] minha mãe tem barraca na Kantuta e vende produtos culinários, mas não vende comida. Na verdade, meus pais foram os fundadores, estão no meio do grupo de fundadores da Associação que inicialmente funcionou na Praça Padre Bento. Aí minha mãe percebeu que aquela praça virou um ponto de encontro e percebeu a potencialidade de vender comida. Então minha mãe montou uma barraca pra vender comida lá. Aí outras pessoas viram e começaram a fazer outras barracas. Até que a associação do bairro fez um abaixo-assinado pra tirar a gente de lá, porque a gente estava enfeando a praça. Aí

em muros, estabelecimentos comerciais, placas de serviços prestados por e para a comunidade e/imigrante e outros códigos facilmente identificados pelos seus pares. Rolnik, 1992. Apud: MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e cultura – história, cidade e trabalho. Bauru: Educs, 2002. Michel Certeau, Milton Santos e Antonio Arantes também compartilham dessa interpretação sobre territorialidade. 352

BRASIL. IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Praça Padre Bento. Ficha de identificação de lugares - Inventário Nacional de Referências Culturais, nº 146, 2009, p.2.

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a Igreja entrou no meio e os feirantes perceberam que precisavam se organizar, porque iam tirar a gente de lá. Aí o restaurante da minha mãe, que era na praça, virou ponto de encontro pras reuniões dos feirantes. Todos foram orientados que precisavam fazer uma associação e entraram com pedido de funcionamento na Subprefeitura da Mooca. Encontraram alguns apoios e conseguiram negociar que tivesse só a feira, mas o resto não. Então tiveram que conseguir outra praça. Aí um dia nós saímos em uma perua e vimos as praças da rua Catumbi, da Marginal, mas nenhuma delas agradava. Essa daqui era ponto de reciclagem durante a semana. Horrível, né. Porém, era muito perto da Praça Padre Bento, e de fim de semana eles não trabalhavam, não faziam a reciclagem da semana dos lojistas. Então o pessoal brilhou os olhos, porque principalmente não tinha nome. “Então pode ser essa.” Não tinha vizinhos, só a escola e a fábrica. E foi pedido para o funcionário da subprefeitura se poderíamos dar um nome para a praça. E ele disse “Não tem... então pode”. Aí nós demos o nome de Kantuta, uma flor representativa do nosso país e que tem as três cores da nossa bandeira. Aí, nesse ano, 2001, eu viajei com minha mãe para a Bolívia. Ela estava superfeliz porque tinha conquistado a praça, queria dar um presente de inauguração para a praça e me fez trazer duas mudas da flor de lá. Trouxemos, três dias carregando uma muda de planta... Trouxe, plantei, mas ela morreu, porque é uma flor de clima frio, não de calor.353

A Feira Kantuta se estabeleceu no bairro do Pari em 2001, realizada aos

domingos, das 11 às 19 horas, com cerca de 80 barracas que oferecem comida

típica, roupas, produtos bolivianos, CD‟s, corte de cabelo, lazer e entretenimento

para a comunidade boliviana, mas também conta com a presença da peruana,

paraguaia e chilena. Possui caráter festivo, como outras feiras de artesanato

encontradas em São Paulo.354 Em 28 de fevereiro de 2003, recebeu autorização de

funcionamento oficial da subprefeitura da Mooca e, em meados de 2004, um decreto

da Secretaria do Governo Municipal da cidade de São Paulo, nº 45.326, de 24 de

setembro de 2004, firmou:

353

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 354

As feiras de rua têm intuito predominantemente comercial, mas em algumas se observam relações de sociabilidade e acolhimento entre os sujeitos históricos participantes. Podem ser classificadas em feiras livres e feiras de artesanato e possuem como diferença, além dos produtos ofertados, os locais onde são instaladas e os dias de funcionamento. As livres são encontradas nas vias públicas em dias de semana e finais de semana, já as de artesanato acontecem aos finais de semana e em praças públicas.

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[...] fica denominado Praça Kantuta [...] o espaço livre sem denominação delimitado pelas Ruas Pedro Vicente, Carnot e das Olarias e por equipamentos institucionais [...] situado no Distrito do Pari, da Subprefeitura da Mooca [...].355

A Feira já começava a ser reconhecida como território do grupo boliviano.

Assim, no sentido de registrá-la como referência cultural na cidade de São Paulo, o

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), na Ficha 50 de

Identificação de Lugares do Inventário Nacional de Referências Culturais, apresenta

a necessidade de mais estudos para complementar a identificação ou para fins de

registro ou tombamento de espaços como a Kantuta que proporcionam relações de

sociabilidade entre brasileiros e latino-americanos, sejam estas comerciais, de

serviços ou de trocas culturais.356 E assim a descreve:

[...] é composta por cerca de 54 barracas, que se dividem em: comidas típicas bolivianas, artesanato, cereais, doces e bolos, dvd‟s e cd‟s, livros e revistas, sucos, brinquedos, pães, barbeiros. [...] No fundo da praça, há um pequeno palco, onde ocorrem discursos e falas relacionadas a temas de interesse da Associação e algumas apresentações culturais, como danças típicas. O público é composto de maioria latino-americana (bolivianos, peruanos, paraguaios) e observa-se o crescimento da visitação de brasileiros à feira, principalmente nas barracas de comidas.357

355

SÃO PAULO (Município). Pesquisa de Legislação Municipal. Decreto nº. 45. 326. São Paulo, 24/09/2004. Disponível em: <http://prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/ abastecimento/feiras_livres/histórico/índex.php?p=6637>. Acesso em: maio 2012. 356

BRASIL. IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Feira Kantuta. Ficha de identificação de lugares - Inventário Nacional de Referências Culturais, 2009, p.7. 357

Ibidem, p.2.

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Figura 16 - Barracas da Kantuta.358

As barracas de alimentação são dispostas lado a lado, propiciando a

interação entre os visitantes e suas famílias. Apresentações de grupos de dança se

dão em “tropa”359 pela rua, o que facilita a apreciação pelos visitantes mesmo que

estejam se alimentando.

Destaca-se o espaço de acolhimento que promove aos imigrantes deslocados de seu país de origem, múltiplos meios de expressarem a sua cultura, recobrarem a autoestima, encontrando os compatriotas para momentos de convivialidade e partilha de sua cultura original, levando-se em conta a hospitalidade e a comensalidade no local.360

358

Arquivo próprio, 2013. 359

Tropa: formação do corpo de dançarinos para a realização da apresentação. Os bailarinos encontram-se enfileirados e se movimentam assim pela rua, como se fossem soldados marchando. 360

MILANESE, Graziela Arabe. Hospitalidade e comensalidade nas feiras de rua da cidade de São Paulo: Feira Kantuta e cultura boliviana. Dissertação (Mestrado em Hospitalidade), Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2012, p.46.

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Figura 17 - Variedade de produtos da feira.361

Observa-se a variedade de produtos ofertados na Feira, seja para consumo

imediato, como os tradicionais sucos de linaza (linhaça), quinua (quinoa) e mani

(amendoim), os refrigerantes peruanos, a cerveja Pacenã, os biscoitos de milho e

macarrão, seja para levar para casa, como grãos de milho desidratados com

diferentes cores e formatos, tubérculos, porções de carne, biscoitos, pães, uma

diversidade de ervas, chás como o de coca, temperos e pimentas típicas dos países

andinos, como o aji amarillo, tão apreciadas pelos bolivianos.

Figura 18 - Barracas de chicha (sucos).362

361

MILANESE, Graziela Arabe. Hospitalidade e comensalidade nas feiras de rua da cidade de São Paulo: Feira Kantuta e cultura Boliviana. Dissertação (Mestrado em Hospitalidade), Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2012. 362

Ibidem.

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147

A oferta de alimentos na Feira remete às bases da cultura andina, dos

produtos da terra e suas variedades. Mantém o sentido de identidade do grupo e

representa um Patrimônio Histórico Cultural Boliviano adaptado à cidade de São

Paulo. O alimento pronto que identifica a cultura andina é a salteña.

Comida preparada e apreciada por todo o território boliviano. No formato de um “pastel” assado, de massa de farinha de trigo, com recheios que podem ser de frango, carne, queijo. Como o recheio é muito líquido e quente, as pessoas costumam derramá-lo ao morder a salteña; por isso, às vezes os grupos apostam que quem derramar primeiro, paga a rodada de salteñas. Também costuma-se comê-la com colher.363

Figura 19 - Salteña Fricassé – Barraca Don Carlos.364

A saltenã da Barraca de Don Carlos é um salgado que segue a receita

tradicional boliviana. Vai ao forno com caldo especial feito à base de carne ou frango

e os seguintes ingredientes: batata, azeitona, ovo, passa, salsinha, cebolinha e

temperos bolivianos – além do milho e da cebola, os temperos utilizados são o

colorau, o aji amarillo, o cominho e a pimenta-do-reino.

363

BRASIL. IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Feira Kantuta. Ficha de identificação de lugares - Inventário Nacional de Referências Culturais, Anexo nº. 191, Bem identificado nº 205, Culinária boliviana, 2009, p.2. 364

Don Carlos é um dos fundadores da Associação Gastronômica Cultural e Folclórica Boliviana Padre Bento e um dos fundadores da Feira Kantuta. MILANESE, Graziela Arabe. Hospitalidade e comensalidade nas feiras de rua da cidade de São Paulo: Feira Kantuta e cultura boliviana. Dissertação (Mestrado em Hospitalidade), Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2012.

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148

Entre os serviços disponíveis na Praça durante a Feira, um dos mais

procurados é o de corte de cabelo – nas barracas das peluquerias, identificam-se

filas de espera. Enquanto aguardam, os frequentadores e clientes degustam iguarias

típicas bolivianas.

[...] na Kantuta, os salgadinhos são menos industrializados, menos modernos, mais artesanais. Antigamente era fava frita no óleo, banana-da-terra, pipocas estouradas, vários tipos de pipoca, macarrão, milho estourado [...] o melhor suco é linhaça, sempre foi linhaça.365

Figura 20 - Banner do salão de cabelereiro da Feira Kantuta.366

365

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 366

Arquivo próprio, 2012.

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149

No banner do salão, com algumas imagens de penteados, cortes e serviços

oferecidos aos clientes, nota-se a preocupação com a estética dos cabelos. São

exibidos cortes lisos, estruturados, modernos, com coloração ou mechas claras,

exaltando uma aparência diferente daquela tradicional da Bolívia (cortes

arredondados para os homens e longos para as mulheres, ambos com coloração

natural, em sua maioria negra e castanha), adotada como estratégia pelos recém-

chegados para tentar se misturar, ou passar despercebidos pelos paulistanos,

disfarçando os fenótipos étnicos.

Em conversa na Feira, os cabeleireiros mencionaram que os mais jovens

gostam de cortar os cabelos como os jogadores de futebol, solicitam “luzes” e usam

máscaras e pomadas para fixar e moldar os fios de acordo com os penteados da

moda. Alguns clientes afirmaram preferir cortar o cabelo com profissionais

bolivianos, pois conhecem mais a estrutura de seus fios por serem da mesma

nacionalidade. Relataram que, ao tentar cortar com brasileiro, não saíram satisfeitos

com o corte, então, sempre que podem, voltam ao salão da Feira.

Figura 21 - Barraca do salão de cabelereiro.367

367

Arquivo próprio, 2012.

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150

Ainda em relação ao padrão de estética e beleza exposto no banner e às

demais opções de cortes e penteados oferecidas no salão, nota-se uma preferência

pelo estilo europeu, com modelos brancos, de cabelos lisos, cortes curtos, em sua

maioria seguindo as tendências atuais. As tranças, os adereços e os cortes

masculinos que remetem aos povos andinos não foram identificados nos pôsteres,

banners e catálogos colocados à disposição dos clientes.

Por outro lado, percebe-se a preocupação dos depoentes com a

manutenção das tradições e dos costumes adquiridos na Bolívia quando famílias

inteiras (avós, pais e netos) realizam refeições na Feira dominical, assistem e

participam das danças com os grupos de bailarinos e incentivam os filhos a praticar

os passos. Para muitos, conforme relatos, os momentos de lazer são raros e o

contato com a cultura dos antepassados fortifica as características identitárias das

gerações do presente. Para outros, o simples fato de se reconhecerem em um

território que reproduz os usos e as práticas das feiras antes frequentadas na

Bolívia, com o ritmo latino, os traços semelhantes nos rostos dos visitantes, os

motiva a retornar no próximo final de semana. Alguns não expressam preocupação

com a manutenção das tradições e dos costumes em São Paulo, apenas frequentam

para ampliar laços com a comunidade e saborear os pratos típicos.

A depoente relembra que, com tantos afazeres domésticos e o trabalho

domiciliar para aumentar a renda, sobrava-lhe pouco tempo para repassar a cultura

boliviana para seus filhos: “A cultura, as danças, só. Não tinha muito tempo para

dedicar aos filhos, sempre com muito trabalho.”368 Mas, com a idade e a chegada da

neta, a rotina mudou: “Tenho mais tempo para ficar com ela, não quero que ela faça

nada, quero brincar. Não posso ver uma criança chorando que já penso nela e choro

também.”369 Ela aguarda todos os dias a neta retornar da escola e, enquanto sua

filha não chega para buscá-la, oferece-lhe o jantar, brinca, ensina espanhol, músicas

e danças bolivianas. “A minha sobrinha fala algumas coisas em espanhol e dança e

canta muito bem. Alguns bolivianos quando a veem pensam que ela é boliviana.”370

368

Depoimento de Francisca Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 369

Depoimento de Francisca Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 370

Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012.

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Cada criança está inserida numa dada família e cultura e vai estruturar a sua vida psíquica e cultural através da herança psíquica e cultural recebida desde o nascimento e transmitida de geração em geração. Esse processo [...] acontece na relação com o outro, no tempo e no espaço intergeracional, permitindo construir a humanidade, a individualidade e a identidade de cada um, possibilitando a construção do ser humano.371

As mulheres na velhice se sensibilizavam por já não serem mais produtivas,

não poderem gerar filhos e criá-los, e experimentavam uma situação de dupla

vulnerabilidade: a de ser mulher e idosa. Porém, o que se observa com o

envelhecimento da população e o aumento da expectativa de vida é uma mudança

nesse papel, agora o idoso está inserido na família com responsabilidades

financeiras e papel relevante na criação dos mais jovens.372 Na pesquisa notou-se a

importante presença da avó boliviana no cuidado com as crianças e na manutenção

da herança cultural às novas gerações.373 A presença do idoso auxilia na

transmissão das tradições culturais, o que somente seria possível no contexto da

comunidade boliviana, que, mesmo sem perceber, reproduz aspectos de caráter

social e cultural da vida cotidiana das gerações passadas em suas novas

estruturas.374

Ramos (2005, p.210) sugere que nas famílias são produzidas múltiplas formas e práticas de solidariedade intergeracional, tratando-se de uma solidariedade, dedicação e ajuda considerada “natural”, que não se questiona. E a mesma autora diz-nos ainda que: “No espaço familiar constroem-se laços de solidariedade e identidades, tecem-se vínculos e relações privilegiadas, desenvolvem-se competências emocionais e sociais...” e que, através das gerações, transmitem valores morais, humanitários, educativos e culturais.375

371

RAMOS, Natália. Avós e netos através da(s) imagem(s) e das culturas. In: RAMOS, N.; MARUJO, M.; BAPTISTA, A. A voz dos Avós - Migração, memória e patrimônio cultural. 2ª. ed. Coimbra: Gráfica de Coimbra 2 / CEMRI / Universidade Aberta / Pro Dignitate, fev. 2014, p.41. 372

RAMOS, MARUJO, BAPTISTA, op. cit., 2014. 373

DEBERT, Guita Grin. Gênero em Gerações. Cadernos Pagu. Campinas, vol. 13, Núcleo de Estudos de Gênero/UNICAMP, 1999, p.8. 374

WILLIANS, 1989, p.49; Idem, 1993, p.6. Apud: ESCOSTEGUY, Ana Carolina Damborirema. Cartografia dos estudos culturais: Stuart Hall, Jesús Martin-Barbero e Néstor Gárcia Canclini. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação), ECA/USP, 1999, p.21. 375

RODRIGUES, João Paulo Vieira. Práticas e saberes das avós no cuidar das crianças: uma abordagem intergeracional. In: RAMOS, MARUJO, BAPTISTA, op. cit., p.71.

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152

O filho mencionara projetos futuros em que pretende utilizar todo o

aprendizado e a experiência de vida de sua mãe.

[...] tenho vontade de montar uma empresa e não quero descartar a cultura boliviana nesse aspecto. Não quero usar a minha mãe, mas todo o conhecimento dela. Acho que não pode se perder. Hoje com a curiosidade pela culinária diferente e a situação financeira dos moradores de São Paulo, eu acho que daria muito certo. Nós tivemos o restaurante por 8 anos. A parte técnica de cozinhar, não entendo, mas os eventos, a cultura, eu entendo.376

Observa-se que “[...] cada mãe contém a filha em si mesma e cada filha

contém a mãe”, assim como “cada mulher se projeta recuando na mãe e avançando

na filha”377. No caso pesquisado, trabalha-se com a relação de mãe e filho, mas as

representações se dão da mesma maneira. Os conhecimentos tradicionais, os

costumes e hábitos cotidianos da mãe estão presentes na educação e forma de ver

o mundo do filho, traçando a cultura híbrida de um brasileiro filho de e/imigrantes

bolivianos.

Nos momentos de festa e manifestações religiosas, os e/imigrantes reforçam

suas raízes culturais, valorizam as tradições e os costumes de seus antepassados e

anseiam que seus descendentes o façam do mesmo modo. O dia de Finados (2/11)

é um evento marcante nessa família. O trabalho começa no Dia de Todos os Santos

(1/11), quando todos se preparam para receber as almas defuntas, que vêm visitar

os vivos para lhes desejar fartura e fertilidade. “Essa festa na Bolívia coincide com a

troca das estações, da seca para as chuvas, indicando descanso e crescimento.”378

Expressa ainda a preocupação do povo andino com a fertilidade e a boa vida na

terra. Não se entende a morte como o fim de um ciclo, e sim como um retorno a um

estágio inicial, como se voltassem de onde um dia partiram para viver na terra.

376

Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 377

Carl Gustav Jung, 1990. Apud: BASSOFF, Evelyn. Mães e Filhas. São Paulo: Saraiva, 1990, p.239. 378

SILVA, Antonio Sidney. Costurando sonhos. Trajetória de um grupo de imigrantes bolivianos em São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1997, p.225.

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Ahhh, as festas de finados, dos mortos, isso eu faço. Faço as comidas, ponho as frutas que a minha mãe gostava, que o meu pai gostava, os doces, tudo o que meus pais gostavam. Faço os bonequinhos na forma de pessoas como eles. Arrumo tudo, ponho a santa, as velas... E não deixo ninguém comer, monto a mesa pra eles.379

A mesa montada para receber as almas se chama “tumba” ou “altar de todos

os santos”, com os alimentos e as bebidas que os antepassados preferiam em vida.

Alguns elementos são indispensáveis, como as velas, a chicha380, as frutas, balas e

folhas de coca. Encontram-se também cervejas e pães antropomórficos, na forma de

homens, mulheres, e zoomórficos, na forma de animais, representando os bens que

o finado possuía em vida. Elementos religiosos estão presentes: a imagem de Nossa

Senhora de Copacabana, a cruz e a escada, que facilita a subida da alma de volta

para o céu.

Figura 22 - Altar de todos os santos.381

379

Depoimento de Francisca Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 380

Chicha: bebida fermentada feita de milho. 381

EABOLIVIA.COM. Disponível em: <http://www.eabolivia.com/images/stories/eabo/todos-santos-lapaz.jpg>. Acesso em: 06/05/2015.

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Figura 23 - Pães antropomórficos.382

Percebe-se a presença da fé católica, as tradições familiares e a crença de

que, com o passar do tempo e a ausência dos pais, mais valor será dado a cada

uma delas:

Coisas que são realmente relacionadas à religião, como a fé, como acreditar na Santa383, o dia de finados... eles acham muito importante, e eu acredito que, quando eles faltarem, vou fazer e vou dar mais valor a tudo isso. Hoje fico mais acomodado porque vejo que minha mãe faz. Mas me lembro de criança quando ela arrumava a mesa toda com vários tipos de comida e não deixava a gente mexer. Outras coisas

382

SOL DE PANDO. Disponível em: <http://www.soldepando.com/wp-content/gallery/tanta-wawas/t08.jpg>. Acesso em: 06/05/2015. 383

A devoção à Virgem de Copacabana teve início em 1581, quando Tito Yupanqui tomou a iniciativa de esculpir uma imagem da Virgem Maria inspirado na imagem da Virgem da Candelária. Sua obra ficou pronta em 1583, data de sua entronização em Copacabana, às margens do Lago Titicaca. Local considerado sagrado pelos incas, onde adoravam o Sol, a Lua e a deidade Copacabana. A devoção à Virgem de Urkupiña teve início em Quillacollo, cidade próxima a Cochabamba. Segundo a lenda, uma pastora avistou uma senhora com uma criança nos braços em cima de uma pedra num monte. Teria dado uma pedra para a pastora, a qual se transformou em dinheiro. Daí surgiu a tradição de retirar pedras desse monte e pedir à Virgem que as transforme em bens. Em quéchua, “Orko pina” quer dizer aquela que está sobre o monte. SILVA, Sidney Antonio da. Bendición Mamita: festas devocionais entre os bolivianos em São Paulo. In: LUCENA, Célia Toledo; GUSMÃO, Neusa Maria Mendes (Orgs.). Discutindo Identidades. São Paulo: Humanitas/ CERU, 2006, p.177-192.

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peculiares, de manhã minha mãe nos acordava com gemada de cerveja preta. E nos aniversários minha mãe sempre fazia um prato que eu gostava muito, sopa de maní384. E depois, quando adolescente, eles resgataram muita coisa para colocar no restaurante. Até a forma de confraternizar com os clientes no carnaval com as bisnagas de água. E o balanço. Meu tio ia tocar e confraternizar com os amigos.385

As aproximações culturais entre costumes e tradições de brasileiros e

bolivianos podem ser notadas nas festas devocionais, nas festas de carnaval386 e

até mesmo no uso de símbolos. Por exemplo, a Lhama branca, sacrificada à

Pachamama na ocasião do plantio, aparece como mediação entre a morte e a vida,

da mesma forma que o Boi encontrado no Boi-bumbá de Parintins e no Bumba meu

boi da região nordeste.387

Quanto mais inserido no contexto social, quanto maior o grau de

reconhecimento e identificação cultural, mais próximo o sujeito histórico estará do

seu território, esteja ele no país de origem ou não.

2.3 IDENTIDADE E IDENTIFICAÇÃO: PROCESSOS EM CONSTRUÇÃO

Eu me sinto tão à vontade aqui que é praticamente meu lar, me sinto como se tivesse nascido aqui também. Se não fosse meu rostinho... Às vezes eu me vejo no espelho e “Pô, eu sou diferente. É verdade, eu sou boliviano mesmo”.388

Observa-se a necessidade de recriar a identidade, pois, em determinado

momento da adaptação, o e/imigrante não se vê mais só como boliviano, mas sabe

que precisa buscar constantemente suas raízes. Passa por uma fase de negação de

384

Sopa de maní, ou sopa de amendoim, especialidade de Cochabamba, bem como a tradicional bebida fermentada de milho, a Chicha. 385

Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 386

Durante as festas de Carnaval de 2012 e 2013 observou-se a presença e participação de foliões brasileiros nos blocos e nas brincadeiras realizadas na Praça Kantuta. 387

SILVA, Sidney Antonio da. A migração dos símbolos: diálogo intercultural e processos identitários entre os bolivianos em São Paulo. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, vol. 19, nº. 3, Fundação SEADE, p.77-83, jul./set. 2005, p.77-83. 388

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.

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alguns costumes389 que podem ser prejudiciais para sua imagem no país que o

acolheu, embora necessite de identificação para se reconhecer como sujeito.

[...] estava perdendo a identidade pelo dia a dia, pela correria. Eu fui perdendo, não estava nem falando espanhol direito de tão adaptado que eu me sinto. Minha cabeça mudou. Aí, é como eu falei pra você, tem algumas coisas que eu não gosto, a bebedeira... Eu comecei a me afastar daquelas coisas, as festas, bebedeiras. Sabe, daquela imagem negativa, eu detesto. Fazer o quê? Mas aquela vez eu vi um grupo folclórico na Oficina Oswald de Andrade, no Bom Retiro, uma apresentação boliviana, achei superbacana, muito organizadinho. Eu vi só pelo simples olhar que as pessoas eram diferentes, já mais instruídas. E, sabe, você percebe, me senti identificado com a cultura que eles estavam mostrando, a cultura boliviana. Bonita, legal, o que deveria ser realmente mostrado. E aí o que mais me surpreendeu: eu vi dois loiros. “Quem que é esse cara loiro aí?” Aí fui e perguntei como que era. Aí eu soube que a menina loira era namorada de um rapaz boliviano e o outro cara era filho de um boliviano.390

Percebe-se o dilema vivenciado por muitos e/imigrantes na busca do sonho

do “El dorado”, a entrega total à sociedade receptora para se adaptar, criar vínculos

e se estabelecer financeiramente, mesmo que para atingir esse estágio necessitem

se afastar de suas origens. Busca-se apagar traços culturais, na tentativa de

apressar a inserção. Essa dualidade de sentimentos – negação e pertencimento –

se faz presente no cotidiano, sendo possível notá-la na opinião do depoente sobre o

que deveria ser mostrado da cultura boliviana aos moradores de São Paulo, como o

trabalho realizado pelo Sociedad Folklórica, composto em sua maioria por jovens

bolivianos da segunda geração, estudantes universitários e profissionais liberais.

A imagem negativa mencionada diz respeito ao uso excessivo de álcool em

apresentações e festas organizadas por outros grupos bolivianos. Tais eventos

seriam marcados por exaltação de ânimos, brigas, jovens alcoolizados caídos pelo

389

Uma estratégia utilizada pelos e/imigrantes recém-chegados para se adaptar à nova sociedade é se transvestir de paulista: as mulheres abandonam as tranças, cortam os cabelos, passam a utilizar calça jeans e roupas mais coloridas, deixam de lado as tradicionais polleras (saia longa com pregas e aveludada); os homens adotam o jeans e camisas mais leves e coloridas em substituição às calças sociais e sóbrias em tons escuros. SILVA, Sidney A. da. Bolivianos. A presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Lazuli, 2005, p.28. Aspecto também observado na visita ao CAMI. 390

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.

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chão, sujeira acumulada nas ruas, gerando incômodo e reprovação do

comportamento por parte da vizinhança.

Nota-se a presença de membros não bolivianos no grupo de dança, o que

denota a aproximação entre as diferentes culturas e a forte presença boliviana na

cidade de São Paulo. Outra descendente de bolivianos, mas brasileira reconhece no

trabalho do grupo sua origem e destaca sua relevância para a manutenção,

adequação e/ou a formação de uma identidade boliviana em São Paulo.

O grupo é [...] pra mim muito importante, é a minha herança. Todo mundo que eu tenho contato sabe o que eu faço, que eu danço. Então tudo o que eu tenho aprendido no grupo eu quero passar para os meus filhos. O grupo é a minha marca. Cada dança tem uma história, a gente apresenta no palco o fundamento, os passos, tudo tem um motivo. Eu quero passar pros meus filhos não só o conhecimento, mas a minha história, a minha origem.391

A concepção de identidade pode ser analisada por diferentes perspectivas

que vão desde a construção da autoimagem até as relações intergrupais e sociais.

Pode se dar através do sujeito do iluminismo – indivíduo totalmente centrado e

unificado; do sujeito sociológico – indivíduo não é autossuficiente e está aberto aos

valores sociais; e do sujeito pós-moderno, isento de identidade fixa, permanente,

transformado constantemente pelo meio.392

O sujeito concebe sua identificação com o mundo desde o nascimento, por

intermédio das relações estabelecidas no âmbito familiar e, posteriormente, na

sociedade em que se insere. Pode ser entendida, então, como um produto

inacabado que será tecido nas tramas das relações interpessoais num determinado

espaço/tempo.

391

Depoimento de Jasmin Loyaza, em entrevista concedida à autora em 06/10/2012. 392

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11ª. ed., 1ª. reimp. Rio de Janeiro: DP&A, 2011.

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[...] a construção da identidade é um fenômeno que se produz em referência aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por meio da negociação direta com outros [...] ninguém pode construir uma auto-imagem isenta de mudança, de negociação, de transformação em função dos outros.393

A necessidade de identificação do sujeito emigrado com o grupo pode se dar

ainda à medida que esse imigrante se vê como membro de uma determinada

minoria que, para ser reconhecida e respeitada enquanto categoria, precisa se unir

para se fortificar. Percebe-se, não só nos bairros estudados, uma tendência à

hostilidade, ao reconhecimento negativo das diferenças por parte da comunidade

local e também uma forte rejeição a qualquer e/imigrante laboral desprovido de

capital e com traços étnicos marcantes.

Num contexto de emigração, o e/imigrante traz consigo seus valores,

costumes e tradições. Valores esses, porém, desconexos com a nova realidade

encontrada no país de destino.

[...] tem dois lados, por um lado tem suas dificuldades que não son pocas [...] tem muita coisa ruim ainda, ser estrangeiro é ser banido, é ser barrado. Ser estrangeiro é, aqui no Brasil, preconceito, é tristeza, é muita coisa que te machuca, que te magoa, tal, como ser humano [...]. Às vezes você fala “Eu não pedi para ter nascido em determinado lugar”. Mas, em contrapartida, ser estrangeiro aqui no Brasil é conhecer pessoas novas, diferentes culturalmente, pessoas alegres ou tristes, mas que de alguma maneira tentam te apoiar e te dão um pouquinho de alegria, descontração. É assim, ser sincero, chorar de tristeza, de fraternidade. Ser estrangeiro é uma coisa boa, é tentar ser feliz. E rir com as alegrias dos outros, com os costumes, pessoas que gostam de você porque você não é daqui, porque você é diferente. Porque todos de alguma maneira não son daqui, é uma mistura, uma coisa rara, bonita, é uma exclusividade que não é exclusividade, é uma mistura de cores e sabores realmente. É muito diferente. Muito difícil ser estrangeiro no Brasil! Poxa, nossa... Difícil, não vou poder explicar. É um misto de sensações, é muita coisa, é como a

393

Pollack, 1992, p.204. Apud: MANCUSO, Maria Inês R. Memória, representação e identidade. In: LUCENA, Célia Toledo; GUSMÃO, Neusa Maria Mendes (Orgs.). Discutindo Identidades. São Paulo: Humanitas/CERU, 2006, p.67.

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palavra saudade, que não tem descrição, mas que você sente.394

O indivíduo de fora, estrangeiro, causa certo estranhamento às pessoas da

comunidade receptora, pois seus costumes, sua fala, seus traços físicos o marcam

como diferente. A diferença pode ser atrativa para alguns, por trazer curiosidade

sobre o modo de vida daquele “forasteiro”, e ao mesmo tempo pode ser um fator de

repulsa para outros, que, por medo do desconhecido, evitam, excluem, discriminam

e ignoram a presença do estranho.395

As ansiedades acumuladas tendem a ser descarregadas sobre os “forasteiros”, eleitos para exemplificar a “estranheza”, a falta de familiaridade, a opacidade do ambiente de vida, a imprecisão do risco e da ameaça em si. Quando se expulsa das casas e das lojas uma categoria selecionada de “forasteiros”, o fantasma atemorizante da incerteza é exorcizado por algum tempo – queima-se simbolicamente o monstro assustador da insegurança.396

Com o início do processo de adaptação ao novo território, se reconstroem as

tradições bolivianas. “Ele desarticula identidades do passado, mas abre

possibilidades de novas articulações – a formação de novas identidades, a produção

de novos sujeitos.”397

Então isso é muito engraçado, porque na verdade meus pais, diferente de todas as famílias lá... Porque lá todas as famílias participam das festas, da Semana da Pátria, do Carnaval. E eles até faziam isso lá. Porém, quando vieram pra cá, focaram muito no trabalho e não seguiram de jeito nenhum. Então, pra gente, de dança folclórica eles passaram muito pouco. Eu acabei conhecendo e me aproximando mais das minhas próprias raízes depois que eu me graduei, porque até então eu

394

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 395

BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade das relações humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. 396

Ibidem, p.129. 397

Laclau, 1990, p.40. Apud: HALL, Stuart. A Questão da Identidade Cultural. Textos Didáticos. Campinas, nº. 18, UFHC/Unicamp, fev. 1998, p.15.

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pouco conhecia. Como a gente trabalhou 10 anos na oficina...398

Podem ser inúmeras as reflexões sobre a reconstrução das tradições por

esse e/imigrante. Com foi levado por diferentes condições a se deslocar (emigrar) de

seu país para São Paulo, tudo o que ele entendia por tradições, ou seus valores e

símbolos, fica deslocado, fragmentado no novo cotidiano que se apresenta. Em suas

memórias encontram-se traços de uma nacionalidade, do que foi sua referência e

hoje já não é mais.399

[...] a imagem que o grupo tem de si mesmo é marcada pela ambiguidade, devido às diferenças étnico-culturais e sociais existentes na Bolívia, que por sua vez acabam se reproduzindo aqui em São Paulo. Com efeito, esses imigrantes vêem a si mesmos em primeiro lugar como pacenhos, cochabambinos, cruzenhos, orurenhos, potosinos etc., e depois como bolivianos. Porém, quando alguém do Altiplano (colla) ou dos Vales (qochalo) se refere aos oriundos do Oriente boliviano, então aparece outra forma de identificação, em geral de cunho depreciativo e hostil, que é a categoria camba.400 Portanto a identidade bolivana só vem à tona quando esses entram em contato com o outro enquanto brasileiro, em que estes passam a vê-los a partir das imagens preconceituosas que se tem dos mesmos.401

Observam-se referências ao hibridismo cultural por sentir-se adaptado ao

novo cotidiano e à sociedade receptora:

398

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 399

BHABHA, Homi K. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001. CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP, 2000. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11ª. ed., 1ª. reimp. Rio de Janeiro: DP&A, 2011. 400

Colla e Camba: são formas de se reconhecer as pessoas por região. As que vivem no altiplano até os vales são collas, por outro lado as que vivem nos trópicos são identificadas como cambas. Essa divisão remonta ao império incaico, o qual foi derrotado pelos moxos e tupi-guaranis, gerando conflitos, lutas pelo poder e inúmeros preconceitos. Cambas significa moreno em guarani, há uma influência africana na região. SILVA, Sidney Antonio. Costurando sonhos: trajetória de um grupo de imigrantes bolivianos em São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1997, p.72-73. 401

Ibidem, p.179.

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161

As pessoas me lembram de que eu sou boliviano, porque às vezes eu me esqueço que sou. Praticamente eu esqueço, eu falo do mesmo jeito que meus amigos, xingo, brinco em português. No próprio trabalho eu falo de igual pra igual. Se não fosse meu rostinho... Às vezes eu me vejo no espelho e “Pô, eu sou diferente. É verdade, eu sou boliviano mesmo”.402

Afirma-se uma concepção de identidade fragmentada, nunca singular, mas

multiplamente construída ao longo dos discursos, das práticas e posições que

podem se cruzar ou ser antagônicas, estando em constante transformação. Vincula-

se o processo da globalização à formação da identidade do e/imigrante. Sua base é

construída dentro de um contexto histórico e institucional específico, se dá apenas

por meio da relação com o outro, é um ato social e de poder.403 À medida que o

depoente foi se estabelecendo na cidade, no emprego e novos vínculos sociais se

formaram, iniciou-se um processo de reconstrução de uma identidade boliviana fora

da Bolívia. Como consequência da adaptação, o idioma e alguns costumes podem

ser deixados de lado, mas nunca esquecidos.

É possível verificar ainda a percepção do depoente acerca do

reconhecimento social na comunidade boliviana: “Os meus pais são muito antigos

aqui. E os mais antigos que estão ativamente nas comunidades os conhecem e nos

recebem em família. É muito bom.”404

[...] o sentimento de fazer parte de um grupo era, obviamente,

um ingrediente essencial do prazer proporcionado pelas atividades comunitárias de lazer, quer tivessem um caráter informal, como os encontros de vizinhos nas compras [...], quer com um caráter mais organizado, como as reuniões das associações locais.405

402

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 403

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11ª. ed., 1ª. reimp. Rio de Janeiro: DP&A, 2011. SILVA, Tomaz Tadeu da. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Stuart Hall, Kathryn Woodward. 7ª. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. 404

Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 405

ELIAS, Norbert. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000, p.93.

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162

A identidade é fruto de um pensamento estratégico e posicional do sujeito

que vivencia a situação e traz consigo novas acepções sobre o conceito de cultura,

pois se pode considerá-la enquanto verbo, e não substantivo, já que tem ação, é

dinâmica e transnacional. Quando os delocamentos põem em choque as diferenças

culturais, como resultado do contato com novas culturas ou identidades, criam-se

construções desterritorializadas, híbridas.406

A cultura transnacional e tradutória é um drama cotidiano para o e/imigrante,

que precisa negociar entre as culturas e tradições locais e as de sua origem. Novos

significados se formam no processo de reterritorialização, devido às diferenças na

língua e nos modos de vida das comunidades, contribuindo para a construção de

valores éticos e estéticos que não pertencem a nenhuma cultura específica, são

dados pela experiência da travessia.407

Eu nunca me senti estrangeiro, eu sou muito brasileiro, eu sou um brasileiro que nasceu na Bolívia. Eu domino as duas línguas. E pronto, falo que sou mais brasileiro que muito brasileiro e, se alguém fala mal ou alguma coisa de mim, eu digo “Você conhece a Bolívia?”. Precisa ter um mínimo de conhecimento pra falar de alguém ou algum lugar. Quando eu estou passeando na Bolívia, sinto falta do Brasil, me emociono em ouvir o hino brasileiro e o hino da Bolívia também. Quando estou na Bolívia e escuto o hino brasileiro, começo a chorar, chorar. Eu amo o Brasil, não tenho nada que falar do Brasil, porque aqui me ensinou a vida, eu tenho as minhas coisas. Até porque, se o Brasil ou a Bolívia tem problemas, são os comandantes, e não o país.408

O relato expressa a dupla pertença, um dilema vivido pelo e/imigrante

durante sua trajetória de vida. A partir do momento em que se empenha para se

estabelecer no novo país, se identifica com os costumes, com a língua, cria vínculos

afetivos, adota a nova pátria como sendo seu lar. Mas sempre rememora sua origem

e busca formas de se ressocializar na própria cultura. O distanciamento da terra

406

BHABHA, Homi K. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001. 407

SOUZA, Lynn Mario T. Menezes de. Hibridismo e tradução cultural em Bhabha. In: ABDALA JÚNIOR, Benjamin (Org.). Margens da cultura: mestiçagem, hibridismo & outras misturas. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004, p.-113-133. Disponível em: <http://www.uesc.br/icer/resenhas/ hibridismo_traducao.pdf>. Acesso em: 24/04/2012. 408

Depoimento de Santiago Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012.

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natal e as vitórias no novo país de residência propiciam uma visão idílica das

localidades – uma é interpretada sob a perspectiva da saudade e a outra, das

conquistas diárias: “Eu me sinto bem aqui. Sinto falta do Brasil quando estou lá e de

lá quando estou aqui. Eu gosto muito do Brasil.”409

Essas sensibilidades contribuíram para a construção de uma visão idílica da terra natal, convivendo em tensão com a consciência das dificuldades políticas, sociais e econômicas concretas na terra. Desenvolveram estrategicamente sentimentos de duplo pertencimento, ao mesmo tempo em que estavam “nem lá nem cá” – o sentimento angustiante de estar entre dois mundos, não pertencer mais ao país de origem, nem à “sociedade de acolhimento”.410

Nota-se uma ânsia pelo retorno às origens, sente-se a necessidade de

consumir produtos bolivianos e o que é ofertado acaba sendo aceito mesmo se

diferindo do original. No caso da comida, traz apenas traços da culinária boliviana

que remetem às suas memórias gustativas, porém o depoente reconhece que só

terá a real experiência gastronômica no seu país.

[...] tem umas lojinhas sim [...] tem outros lugares, não só a Kantuta. Eu gosto de alguns pratos, já como, já sei como é. E quando como aqui, é como comer uma feijoada no Japão, com os ingredientes do Japão. Muito diferente. É... você não vai encontrar uma comida gostosa de lá aqui. Tem que ir lá. É difícil de fazer, minha futura esposa, vou educá-la a fazer.411

Ao “se definir uma identidade mediante um processo de abstração de traços

(língua, tradições, condutas estereotipadas) frequentemente se tende a desvincular

essas práticas da história de mistura em que se formaram”412. Por outro lado, “não é

409

Depoimento de Francisca Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 410

MATOS, Maria Izilda Santos de. Além mar: entre o lar e o balcão. Portugueses em São Paulo. Revista Cordis: Revista Eletrônica de História Social da Cidade. São Paulo, nº. 2, maio de 2009, p.16. Disponível em: <http//:www.pucsp.br/revistacordis>. Acesso em: 25/05/2015. 411

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 412

CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP, 2000.

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possível falar das identidades como se tratasse apenas de um conjunto de traços

fixos, nem afirmá-las como essência de uma etnia ou de uma nação”. Portanto,

Por hibridação se pode entender que é um processo ao qual é possível ter acesso e que se pode abandonar, do qual podemos ser excluídos ou ao qual nos podem subordinar, para assim entender as posições dos sujeitos a respeito das relações interculturais.413

Nesse sentido,

A cultura é algo usual, ordinário: esse é o fato primordial. Toda sociedade humana tem sua própria forma, seus próprios propósitos, seus próprios sentidos. Toda sociedade humana expressa essas características em suas instituições, nas artes e na aprendizagem. O fazer de uma sociedade é a descoberta de sentidos e direções comuns, e o seu crescimento é um ativo debate e um aperfeiçoamento que ocorrem sob a pressão da experiência, do contato e da descoberta, que se inscrevem, assim, em seu território. [...] Uma cultura possui dois aspectos: os sentidos e direções conhecido, aos quais seus membros estão acostumados as novas observações e sentidos, que são oferecidos e testados. Esses são os processos usuais, ordinários, das sociedades e das mentes humanas. Vemos através deles a natureza de uma cultura: que é sempre tradicional e criativa [...] Usamos a palavra cultura nestes dois sentidos: para indicar um modo de vida global – os sentidos comuns, para indicar as artes e a aprendizagem – os processos de descoberta e de esforço criativo [...]. A cultura é algo ordinário, em toda sociedade e em todo individuo.414

A preocupação em manter a cultura andina mesmo distante de seu país se

revela no desejo de passar os conhecimentos e as tradições de seu povo para os

descendentes, como uma estratégia de recriação de uma identidade ou de

identidades bolivianas em São Paulo.

413

CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP, 2000. 414

WILLIANS, 1993, p.6. Apud: ESCOSTEGUY, Ana Carolina Damborirema. Cartografia dos estudos culturais: Stuart Hall, Jesús Martin-Barbero e Néstor Gárcia Canclini. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação), ECA/USP, 1999, p.21.

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[...] nós estamos num mundo globalizado. Eu acredito que cada um tem que preservar sua cultura. Porque se a gente não cultivar, quem vai continuar cultivando aquilo lá? A cultura vai acabar. Aqui em São Paulo não tem uma raça definida, tem americano, tem asiático, tem de tudo. Tem nordestino e tem boliviano.415

Eu vou ensinar minha esposa a falar espanhol, vou ensinar as coisas e os costumes bolivianos, que são muito ricos. Tem que preservar, eu sinto. É uma cultura milenar, muito rica, por que não transmitir isso? Eu preciso passar isso para meus filhos também. Vou com certeza, mas outras pessoas não. Sentem vergonha de ter nascido na Bolívia, querem apagar aquilo, mas o rosto não engana. É a identidade.416

Ao mesmo tempo que se expressa o desejo de fortificar as manifestações da

cultura boliviana em São Paulo, outros estrangeiros traçam a estratégia de um

distanciamento do grupo para não serem contaminados pelos estereótipos que lhe

são atribuídos pela sociedade local.417

2.3.1 Retorno: relações, tensões e expectativas

Ser boliviano é uma grande responsabilidade. Porque qualquer coisa que você faça, cometa uma falha na rua, não é o Amadeo que fez, e sim o boliviano. Um trabalho malfeito, não é o Amadeo, é o boliviano. Tudo o que eu faço primeiro penso na Bolívia. Eles gostam de mim pela forma como eu sou, e eu me orgulho disso, eu sou boliviano. Gostam do meu trabalho e eu digo “Eu sou boliviano”. Mostro minha cultura e eles gostam, vão aprendendo sobre a Bolívia.418

415

Depoimento de Santiago Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 416

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 417

O estereótipo é uma forma de representar o meio ambiente por categorias. Com a finalidade de simplificar, atribuem-se características generalizadas positivas ou negativas a grupos de pessoas. O estereótipo negativo é usado de forma pejorativa, modificando e deturpando a verdade. Possui origem nas tradições culturais de cada comunidade social. Tajfel, 1982, p.147. Apud: HUAYHUA, Gladys Llajaruna. Primeira e segunda geração de jovens imigrantes argentinos, bolivianos e peruanos em São Paulo: um estudo psicossocial da identidade e aculturação. Tese (Doutorado em Psicologia Social), São Paulo, PUC- SP, 2007, p.33. O estereótipo do e/imigrante boliviano dado pela sociedade local é de indígena, pobre e que vem procurar emprego em oficinas de costura até como escravo de coreanos e outros bolivianos. 418

Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012.

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As relações de vizinhança foram estabelecidas de modo singular no

cotidiano de cada um dos sujeitos históricos. “Sempre fui muito bem recebido. Não,

nunca sofri preconceito. Eu respeito meus vizinhos, não faço barulho, tento não

incomodar, e aí posso cobrar respeito”419, diz o mesmo depoente citado

anteriormente. Porém, as tensões/relações de vizinhança identificadas em pesquisa

evidenciam as diversas opiniões sobre os e/imigrantes estudados. Por exemplo,

durante uma ação do Ministério do Trabalho na Avenida Rudge, alguns vizinhos se

mostraram contrários à presença de bolivianos no bairro, o que permite notar um

clima “pouco amistoso” no Bom Retiro. A chegada de coreanos e de bolivianos

transformou o território em um polo da indústria de produção. Francisco Ceará, dono

de pequena oficina, reclama do preço dos aluguéis: “Alugava esta casa aqui por R$

600. Agora, pago R$ 1.500.” Sobre os bolivianos, diz não ter preconceito e os

identifica como trabalhadores quietos. Diz que trabalham feito condenados e

comenta: mais gente, mais dinheiro.420

Segundo a Unidade Básica de Saúde (UBS) do Bom Retiro, à época da

consulta encontravam-se cadastrados como paciente cerca de 4.000 latinos –

somavam-se peruanos e paraguaios, mas a maior parte era boliviana. Esses sujeitos

procuram a UBS logo que chegam a São Paulo para se cadastrar e retirar o cartão

do SUS, já que o trabalho e a moradia em oficinas de costura insalubres os deixam

mais suscetíveis à tuberculose, além das queixas de dores musculares, associadas

às longas horas de trabalho nas máquinas de costura: “[...] adoecem de tuberculose.

Geralmente [...] eles se queixam de tosse e dores nas costas [...].”421 A profissional

comenta que, mesmo sabendo da gravidade da doença, os bolivianos têm

dificuldade de sair da oficina para tomar medicação no posto. Então, os agentes de

saúde vão até lá para conscientizar o dono do estabelecimento e os costureiros da

necessidade do tratamento.

O espaço de moradia se mistura com o de costura, os afazeres domésticos

se somam às longas jornadas de trabalho. Dentro das residências as salas

principais, arejadas e iluminadas, concentram as máquinas e são destinadas à

produção – o descanso e a alimentação não são considerados prioridades por parte

419

Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012. 420

BRUNING, Felipe Vanini. Fiscais ligam Zara a trabalho degradante. Folha de São Paulo. São Paulo, 18 de agosto de 2011. 421

Informações cedidas durante visita técnica realizada na UBS do Bom Retiro, em fevereiro de 2013.

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de oficineiros e costureiros, até adoecerem. Como as condições de limpeza e

higiene são precárias, as doenças não ou mal curadas logo se espalham. Percebe-

se no uso como moradia e nas práticas cotidianas a origem dos problemas de

salubridade das oficinas.

Moro aqui há uns 6 ou 7 anos e nunca tive problema, talvez porque eu sou reservado, não sou fechado, sou reservado. Agora tem um vizinho bom aqui, meu amigo, brinco, respeito. As pessoas cumprimentam. Passam e “Oi”, “Oi”, “Oi”. Que é isso de “Oi”, “Oi”, “Oi”? Eu falo “Boa tarde!”, “Boa noite!”, e eles falam “Boa tarde”. A gente ensina, e eles aprenderam (risos).422

A vizinhança os vê sob a influência do estereótipo negativo, evitando

aproximação. Num primeiro momento, o grupo muitas vezes reafirma uma baixa

autoestima, recolhendo-se em suas casas e se escondendo. Mas, com o passar do

tempo e mais estabelecidos na comunidade receptora, iniciam o processo de

enfrentamento aos preconceitos.

Ahhh, assim, é normal... Eu cumprimento as pessoas, elas me cumprimentam. É lógico, os menos instruídos têm mais preconceito. Quando eu cheguei ali tinha preconceito, mas agora eles foram me conhecendo, viram que eu estudo, que eu trabalho e agora me respeitam pra caramba.423

Observa-se que grande parte dos bolivianos justifica sua estada no Brasil

citando os estudos, pois acreditam que falar sobre suas dificuldades para trabalhar e

sobreviver no país de origem traria mais obstáculos ao relacionamento com a

comunidade.424

422

Depoimento de Santiago Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 423

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 424

Pesquisas realizadas com 200 bolivianos no Bom Retiro confirmam a busca por trabalho como principal motivo da saída da Bolívia, com 71%, seguido de 12% para estudar e 10% para reencontrar familiares. SILVA, Claudio Ferreira. Perfil: Maioria dos imigrantes bolivianos tem entre 20 e 24 anos. Folha de São Paulo. São Paulo, 09/12/2007. Disponível em: <http://feeds.folha.uol.com.br/fsp/ dinheiro/fi0912200718htm>. Acesso: 08/05/2014.

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[...] mantêm a crença de que se alguém se apresenta como uma pessoa que quer estudar, isso resulta em uma imagem positiva, contrariamente ao que acontece com os migrantes econômicos, os quais são vistos de forma negativa. Migrantes econômicos são associados a pobreza e problemas.425

Quanto ao preconceito ao e/imigrante no processo de deslocamento, o

sentimento de exclusão pode se expressar de três formas: pela endofobia, quando

há rejeição às pessoas do grupo a que pertence, revelando um desejo de integração

à sociedade receptora e indicando uma estratégia de fuga da discriminação; pela

exofobia, que é uma reação de rejeição ao estrangeiro em relação aos membros da

comunidade que o recebe; e pela xenofobia, que é expressa pela rejeição ao

estranho, ao estrangeiro, por motivos relacionados a insegurança e mudanças

sociais e econômicas.426

Os residentes mais antigos (brasileiros) dos bairros frequentados por

bolivianos identificam nos e/imigrantes uma ameaça, pois os veem enquanto

concorrentes ao mercado de trabalho e os culpam por aumentar as filas nos serviços

de saúde e educação. Relatos mencionam o agravo da violência devido a brigas

entre paraguaios e bolivianos e um aumento da sensação de insegurança.427

Bom esse bairro tem a cara dos judeus. Eu acredito que eles foram os primeiros habitantes estrangeiros que vieram para esse bairro, assim, construindo o bairro com suas confecções, suas fábricas e depois disso vieram os coreanos e agora os bolivianos, é... então está mesclado, vamos dizer assim, o bairro do Bom Retiro, pode-se dizer que tem essa mescla de estrangeiros.428

425

SIMAI, Szilvia; BAENINGER, Rosana. Racismo e negação: O caso dos imigrantes bolivianos em São Paulo. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, Ano XXIV, nº. 68, CEM - Centro de Estudos Migratórios, jan./jun. 2011, p.59. 426

MÁRMORA, Lelio. Migraciones: prejuicio y antiprejuicio. Mimeo, 1995. Disponível em: <http://news.daia.org.ar/img/migraciones_prejuicio%20y%20antiprejuicio.pdf>. Acesso em: 24/06/2012. 427

Percepções obtidas durante conversas informais em estabelecimentos comerciais, unidades básicas de saúde e praças públicas dos bairros do Bom retiro, Canindé e Pari. 428

Depoimento de profissional da saúde da UBS do Bom Retiro. Cf.: MOTA, André; MARINHO, Maria Gabriela S. M. C.; SILVEIRA, Cássio (Orgs.). Saúde e história de migrantes e imigrantes. Direitos, instituições e circularidades. São Paulo: USP, Faculdade de Medicina UFABC, Universidade Federal do ABC, CD.G Casa de Soluções e Editora, 2014, p.134.

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Outro prestador de serviços de saúde da UBS do bairro comenta sobre o

grande número de estrangeiros e a respeito da imagem do Bom Retiro: “[...] é um

bairro de bolivianos, judeus, coreanos [...] vi que eles estão muito presentes. O

tempo inteiro, ao caminhar, você só vê essa imagem.”429

Observam-se tensões também nas falas de outros sujeitos históricos dos

bairros estudados: “Sou rabino no Bom Retiro. Aquilo já foi bairro típico de judeu,

mas agora mistura judeus, italianos, coreanos e bolivianos.” Sobre a interação entre

esses grupos, respondeu: “Não há.” Perguntado se gostaria que houvesse, a

resposta foi: “Não. Sou ultraortodoxo. Não havendo atrito já está bom.”430 Por outro

lado, alguns depoentes comentam o acolhimento da sociedade local:

As pessoas ficavam admiradas com nossa música. Gostavam muito. Gostavam da dança. Nos acolheram muito bem. Em São Paulo não tinham grupos bolivianos, nós éramos os primeiros. Então as pessoas achavam grandioso nosso trabalho, choravam com a nossa música. Tinham muitas lembranças. Tinham músicas alegres, tristes, perguntavam de onde éramos, que instrumentos eram aqueles. Nós tocávamos todos os dias na São Bento, em bares, em restaurantes, em festas, em colégios.431

Essa dualidade de sentimentos e percepções também se revelava em outros

momentos do cotidiano, como na vida estudantil. A depoente relata sua experiência

na escola pública como aluna e agora como responsável por um estudante e

observa a mudança no tratamento dado aos e/imigrantes:

Eu fui de uma época em que, na escola pública, meus professores se preocupavam, me ajudaram a aprender a escrever o português e passar da terceira para quarta série no meio do semestre para que eu não ficasse atrasada. E hoje em

429

Cf.: MOTA, André; MARINHO, Maria Gabriela S. M. C.; SILVEIRA, Cássio (Orgs.). Saúde e história de migrantes e imigrantes. Direitos, instituições e circularidades. São Paulo: USP, Faculdade de Medicina UFABC, Universidade Federal do ABC, CD.G Casa de Soluções e Editora, 2014, p.134. 430

Depoimento de Paulo Roberto Blinder, 47 anos, rabino. Cf.: SENRA, Ricardo. Humanomania. Sãopaulo. São Paulo, Folha de São Paulo, 06 a 12 de abril de 2014, p.26. 431

Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza (músico), em entrevista concedida à autora em 24/11/2012.

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dia a realidade das escolas públicas é bem diferente. Nas reuniões dos meus sobrinhos, no Colégio Padre Anchieta, eu soube até de morte de crianças bolivianas, cobrança de pedágio de imigrantes para entrar na escola. E que a diretora estava pensando em fazer as reuniões de pais separadas (pais bolivianos de pais brasileiros). Eu penso não é o Brasil, não é o mesmo país, a violência aumentou muito. Então ser boliviano hoje é entender que você vai precisar de muita coragem, esforço redobrado para conseguir se integrar. Acho que ser boliviano hoje é isso. Porque se você não tiver isso, então será muito difícil.432

Observaram-se ações preconceituosas não só por parte dos alunos, mas

também por parte da direção da escola, que não sabia como tratar as diferenças

estabelecidas entre os estudantes. Rememoram-se reuniões de pais brasileiros e

bolivianos separadas, fato esse que não auxiliava no processo de integração do

e/imigrante, e sim ampliava sua exclusão.

Quanto mais as pessoas permanecerem num ambiente uniforme – na companhia de outras “como elas”, com as quais podem “socializar-se” de modo superficial e prosaico sem o risco de serem mal compreendidas nem a irritante necessidade de tradução entre diferentes universos de significações –, mais tornam-se propensas a “desaprender” a arte de negociar um modus covivendi e significados compartilhados.433

As diversas ações propostas pelas associações de apoio aos e/imigrantes

se fazem necessárias como tentativas de intervenção nos comportamentos que

constantemente expressam mixofobia em relação ao estranho. Ações como eventos

em áreas urbanas, incentivo à utilização do espaço público aberto e convidativo e

projetos que promovam a inserção do e/imigrante no mercado de trabalho formal

auxiliam na quebra do estereótipo negativo já enraizado na comunidade receptora.

432

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 433

BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade das relações humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004, p.135.

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Se houvesse a integração, não haveria necessidade do projeto. Eu falo da democratização da informação pelo projeto, porque as pessoas olham para minha cara e falam do anúncio “Precisa-se de garçom, treina-se no trabalho”. E eles falam: “Eu posso?” Isso para mim, é claro, não há integração. Nós percebemos nas políticas públicas também, não só para imigrantes, mas para acolher e para valorizar a diversidade cultural. Que iniciativas tem nas escolas? Eu acho de uma violência tão grande saber que 80% das crianças do Padre Anchieta são de culturas de língua hispânica e, mesmo assim, jogá-los numa sala de aula sem suporte nenhum de português. É uma violência muito grande.434

Aponta-se como positiva a inserção do e/imigrante nos bancos

universitários, pois assim amplia seu leque de relacionamentos e se insere em

outros contextos sociais, galgando novas oportunidades de trabalho e reconstruindo

não só a sua imagem, mas a imagem de novos fluxos emigratórios.

Também, mas agora não mais, tenho amigos. O pessoal alopra, mas eu não deixo quieto não. Aí eles vêm que o conhecimento é tudo e que não tem diferença. Não tenho problemas na escola e nem no trabalho.435

Percebe-se a falta de preparo dos jovens para enfrentar situações

constrangedoras embasadas nas diferenças étnicas e a busca constante de

identificação entre seus pares, por isso o abandono dos estudos e o casamento

prematuro.

Aí, quando eu fui atender no posto da Cachoeirinha foi que eu vi que tinha um monte de jovens de 14, 15 anos casando e só trabalhando. Acompanhei casos e descobri que um dos motivos do abandono dos estudos era o bullying sofrido nas escolas.436

434

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 435

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 436

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013.

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A adolescência é a fase preparatória para a vida adulta, na qual o jovem

estabelece suas relações sociais, bem como os vínculos ou as rupturas que farão

parte de sua identidade adulta, sendo cruciais para a formação da identidade do

jovem, seja ele e/imigrante, filho de e/imigrantes ou não. Esse é o momento de

afirmação enquanto indivíduo, o desejo de se posicionar se faz presente no tempo e

no espaço. Por isso a prática do bullying é tão prejudicial e perigosa, o adolescente

“diferente” não sabe como lidar com o preconceito latente. Em determinados

momentos se escondem, em outros enfrentam as perseguições.

Relatos de espancamentos, cobrança de pedágio e exposições vexatórias

foram constantes. Brigas e pais revoltados com as situações conflituosas nas

escolas também apareceram em conversas informais no domingo na Praça.437

Hoje ser boliviano no Brasil, aqui em São Paulo, é bem difícil. Ser boliviano e pobre é pior. A questão da cor também é um impeditivo, tem alguns que são miscigenados com espanhóis, aí nem parecem bolivianos, são mais brancos. O idioma é um marco, se eles começam a se comunicar melhor, a situação pode melhorar. Porque, além de ser boliviano, pobre, ter a cor escura, não saber falar português é o último grau da vulnerabilidade.438

Os jovens bolivianos identificados em pesquisa se fecham em suas

comunidades bolivianas, nos bairros do Brás, Mooca, Belém, Bom Retiro e Vila

Maria, que concentram as oficinas de costura. Aos finais de semana se encontram

com outros jovens em festas para latinos e na Kantuta. Os universitários

pertencentes à segunda geração, também aos finais de semana, participam de

atividades em associações formadas pelos próprios pais para manter a cultura

boliviana em São Paulo. Nos relatos percebe-se que tanto os jovens da primeira

geração como os da segunda geração já sofreram discriminação por parte de

437

HUAYHUA, Gladys Llajaruna. Primeira e segunda geração de jovens imigrantes argentinos, bolivianos e peruanos em São Paulo: um estudo psicossocial da identidade e aculturação. Tese (Doutorado em Psicologia Social), PUC-SP, São Paulo, 2007. OLIVEIRA, Lis Regia Pontedeiro. Encontros e Confrontos na Escola: Um Estudo Sobre as Relações Sociais entre Alunos Brasileiros e Bolivianos em São Paulo. Dissertação (Mestrado em Educação: História, Política, Sociedade), PUC-SP, São Paulo, 2013. 438

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013.

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brasileiros, em diferentes momentos do cotidiano: no mercado, na escola, no

hospital, no trabalho e ao transitar pela rua.

Sabe trabalhei com pessoas em São Paulo que tinham esse preconceito latente comigo, mas eu... Aí eu falo o que tenho em mente: “Quem aqui é realmente brasileiro? O índio, vocês são de fora.”439

Eu já fui mal atendido no supermercado, na polícia federal, no hospital, as pessoas brigam com você, querem te bater, ficam te agredindo verbalmente. Porque não tenho ojos verdes, pele clara e nariz fino, as pessoas me olham diferente, me sinto excluído. Aí falam grosserias para você. Sentia muito mais antigamente. Ainda percebo no dia a dia, mas todos os dias eu contorno isso de uma forma diferente.440

Aqueles que se identificam como mestiços com espanhóis e brancos, que

conseguem esconder os traços étnicos e falam bem o português se inserem com

mais facilidade no mercado de trabalho e nos grupos sociais de brasileiros, pois

burlam o estereótipo negativo da falta de hábitos de higiene, da pobreza e dos

traços indígenas. Percebeu-se que não são aceitos pelos paulistanos e que suas

práticas de lazer se resumem a atividades realizadas dentro do próprio grupo.

As lutas a respeito da identidade étnica ou regional, quer dizer, a respeito de propriedades (estigmas ou emblemas) ligadas à origem através do lugar de origem e dos sinais duradouros que lhes são correlativos, como o sotaque, são um caso particular das lutas das classificações e lutas pelo monopólio (caso) de fazer ver e fazer crer, de dar a conhecer e de fazer reconhecer, de impor a definição legítima das divisões do mundo social e, por este meio, de fazer e de desfazer os grupos.441

Os novos sujeitos históricos demandam serviços e expressam suas formas

de viver e ver o mundo, fazem e pertencem à história dessas localidades, aspecto

identificado na percepção acerca do atendimento público na área da saúde:

439

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 440

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 441

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico: memória e sociedade. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1989, p.113.

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[...] dificilmente vou ao hospital, porque vejo como são maltratados os bolivianos, mas precisei. Então fui e, quando era minha vez, perguntei pro médico “Que remédio é esse?”, e ele nem me ouviu. Fui mal atendido, tipo um gado, e fui maltratado pela enfermeira. E eu perguntei pra ela “Me diga os compostos do remédio, vou ter reação ou não?”, coisas assim [...] e ela viu que eu tinha uma cara diferente, um sotaquinho. E estupidamente, foi grosseira comigo. Disse “Procura na internet”. E aí surgiu um desconforto. Ela falou “Da onde que você veio? Esse povo não tem o que fazer. Vem aqui, e são estrangeiros, utilizam nossos serviços...” e começo a falar mal [...]. Eu fiquei com tanta raiva!442

Sentem as mesmas necessidades que os brasileiros, passam pelas mesmas

filas de espera e constrangimentos que o sistema de saúde pública oferece. Porém,

observam-se agravantes decorrentes da condição de e/imigrante. O idioma, os

traços étnicos e os costumes muitas vezes não são compreendidos pelos

atendentes.

A falta de inserção na sociedade paulistana e as dificuldades de concretizar

o sonho motivam o fechamento do ciclo emigratório, que se dá com o retorno.

Aqueles e/imigrantes que se deslocaram para o Brasil com o intuito de prosperar

financeiramente e conseguiram trabalho, enviam remessas para os familiares,

encerram o processo emigratório e retornam. Aqueles que formaram família no

Brasil deixam o sonho de retornar para a velhice ou o reduzem para os períodos de

férias, quando viajam a seus departamentos de origem para visitar familiares.

Sempre tenho vontade de voltar para a Bolívia, mas, como tenho família aqui, vou ficando. Aqui tive oportunidades, na Bolívia também tem oportunidades, mas é mais difícil. Mas me aposento em breve e penso em voltar para minha cidade. Já fiz muito pelo Brasil e agora quero fazer um pouco pelo meu país.443

Mesmo que tardia, a decisão de voltar sempre faz parte do processo

emigratório. Nota-se que o ato de retornar já está implícito no próprio ato de emigrar.

Mesmo antes de partir os e/imigrantes já traçaram toda a sua jornada pensando nas 442

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 443

Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012.

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estratégias e metas que deveriam ser alcançadas para concretizar o retorno.

Provações e tentações apareceriam no trajeto, mas deveriam ser superadas para

que o objetivo final se se concretizasse: a volta à terra natal.

Não voltei, sempre tem alguma coisa que me impede, mas desse ano não passa, eu vou visitar. Porque sempre tenho o que fazer, mas mesmo que eu me case, ou com filhos, eu vou voltar.444

Os propósitos traçados na partida da Bolívia eram: conquistar oportunidades

de trabalho, dinheiro, enviar remessas para os que ficaram e voltar numa condição

diferenciada da que partiram. “[...] consiste, de uma certa forma, querer fazer uma

revanche social, mas também deixar claro para si e para os outros o sentido de sua

emigração e de sua ausência [...]”445, a fim de conquistar o reconhecimento social do

grupo que ficou.

Eles querem que eu volte, volte para casa, para ficar com eles. Porque estar sozinho num lugar sem família... Querem que eu fique com eles, falam “Aqui é seu lugar. Aí está sozinho sem família”. É praticamente uma verdade, é... verdade.446

Para que haja o deslocamento o sujeito histórico necessita romper os

vínculos sociais com a terra natal e com a família, deixa a ausência no local de

origem para que possa gerar a presença no destino. Esse e/imigrante passa a viver

a dualidade de pertencimento, o ser estrangeiro e não pertencer ao lugar onde está

e o pertencer e ser natural a um local onde não está presente fisicamente. Seus

sentimentos e emoções estão interligados à sua comunidade de origem, mas seu

físico, sua força e seu trabalho estão destinados à sociedade escolhida no processo

emigratório. O estar presente e ausente permanece no cotidiano do emigrado.

444

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 445

SAYAD, Abdelmalek. “O Retorno, elemento constitutivo da condição do imigrante”. Travessia -Revista do Migrante. São Paulo, Ano XIII, Número especial, CEM - Centro de Estudos Migratórios, jan. 2000, p.16. 446

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.

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O retorno é naturalmente o desejo e o sonho de todos os imigrantes, é como recuperar a visão, a luz que falta ao cego, mas, como cego, eles sabem que esta é uma operação impossível. Só lhes resta, então, refugiarem-se numa tranquila nostalgia ou saudade.447

Nos relatos nota-se que, mesmo adaptados a São Paulo e com família,

sentem a necessidade de voltar. E para aqueles que emigraram sozinhos, sem

parentes, para trabalhar, o retorno deveria ser o mais rápido possível para que não

perdessem suas raízes com seus grupos familiares nem com os locais de origem.

Assim o sentimento de estar deslocado não se reafirmaria no país de origem.

Tenho vontade de voltar para passear, fazer turismo ou abrir algum negócio. Me identifiquei. Aqui é confortável, me sinto bem. Então quando você se sente bem, confortável naquele lugar, você quer ficar. Mas você tem uma lembrança de onde você veio.448

Sim, já recebi e sempre aconselhei para que retornassem para o país de origem. Porque aqui é bom para quem tem uma profissão, mas para quem vem pra costura ou sem profissão é muito difícil se reerguer. Aconselho para ganhar um dinheiro e voltar. Eu dava trabalho e casa.449

Menciona-se a ação da rede de acolhimento não só para hospedar e

empregar, mas também para proporcionar o conforto de um conselho, o retorno,

para aqueles que não conseguem se fixar em São Paulo. Destacam-se as

dificuldades financeiras encontradas pelos que possuem pouca ou nenhuma

qualificação, ao passo que aqueles com algum conhecimento sobre costura e

confecção se inserem rapidamente no mercado de trabalho.

Por outro lado, também é possível identificar certa hierarquia entre os

e/imigrantes já estabelecidos e os recém-chegados sem profissão definida e com

baixa qualificação. Estes estariam fortificando os estereótipos negativos criados pela

447

SAYAD, Abdelmalek. “O Retorno, elemento constitutivo da condição do imigrante”. Travessia -Revista do Migrante. São Paulo, Ano XIII, Número especial, CEM - Centro de Estudos Migratórios, jan. 2000, p.11. 448

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 449

Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012.

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sociedade hospedeira: “[...] são burricos, coitados, perdidos [...] tem algumas coisas

que eu não gosto, a bebedeira [...] detesto.”450

Postos no papel de outsiders, os recém-chegados são percebidos pelos estabelecidos como pessoas “que não conhecem seu lugar”; agridem-lhes a sensibilidade, portando-se de um modo que ao seu ver, traz claramente o estigma da inferioridade social [...].451

A questão do retorno pressupõe diferentes relações com o tempo, com o

espaço e com as pessoas. Com o tempo porque o e/imigrante se remete a um

passado, projeta um futuro e desenha seu presente e suas ações de acordo com as

necessidades do passado e com o que almeja alcançar no futuro. As relações com o

espaço atual e com a terra natal são redefinidas no cotidiano pelas situações

apresentadas. Já as relações com os grupos sociais se estabelecem à medida que

são relevantes para amenizar a falta que sente de seus pares que ficaram e os jogos

de interesses estabelecidos para a conquista dos sonhos emigratórios.

Às vezes sinto saudades da Bolívia, no começo sentia mais. Agora, quando ouço uma música, começo a lembrar das coisas, bate uma saudade mesmo, um sentimento que arrepia, começo a chorar. Às vezes acho que porque você cresceu, sentiria muito mais se fosse embora daqui do Brasil, sentiria muito. Eu já fui para o Rio de Janeiro e meu coração ficou partido de saudade daqui, e voltei. Verdade, me asfixiava naquele lugar, mas tinha que voltar. Deixa a poluição, deixa a rinite, deixa o trânsito, mas eu tinha que voltar.452

Assim como a emigração traz a sensação da ausência da Bolívia, também

cria laços na sociedade de acolhimento, relações com o espaço e com as pessoas.

Aos e/imigrantes que aqui formaram família se torna cada vez mais difícil deixar o

Brasil, mesmo que por pouco tempo. Os vínculos de parentesco ficam divididos

450

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 451

ELIAS, Norbert. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000, p.174. 452

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012.

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entre os dois países, como um dia no passado já haviam ficado quando deixaram os

pais e o país. E agora, se retornassem, deixariam os filhos e netos. Existe a vontade

de voltar ao grupo social a que pertenciam antes da partida, mas esse tempo, esse

espaço e essas pessoas não seriam os mesmos. E o próprio e/imigrante, após o

processo, também não é o mesmo. Afinal,

Não se habita impunemente um outro país, não se vive no seio de uma outra sociedade, de uma outra economia, em um outro mundo, em suma, sem que algo permaneça desta presença, sem que sofra mais ou menos intensa e profundamente, conforme as modalidades do contato, os domínios, as experiências e as sensibilidades individuais, por vezes, mesmo não se dando conta delas, e, outras vezes estando plenamente consciente dos efeitos.453

Conforme mencionado em entrevista, a depoente casou-se, emigrou para o

Brasil, se fixou em São Paulo, teve quatro filhos aqui, brasileiros filhos de pais

bolivianos. Estes cresceram e estão criando suas próprias famílias com brasileiros.

Os laços e a rede de parentesco se ampliaram no Brasil, e estão ficando cada vez

mais frágeis na Bolívia.

Agora que vai casar minha filha mais nova, penso em voltar para a Bolívia, mas não consigo ficar longe deles, acho que só vou me separar quando morrer. Não consigo ficar muito tempo longe deles.454

Aqueles e/imigrantes que optaram por voltar para a Bolívia foram recebidos

como vitoriosos, pois conseguiram concretizar o sonho da família e retornaram para

seu lugar de origem. Já outros que não retornaram e apenas visitam os familiares

quando possível sentiram certa rejeição por parte dos que ficaram.

453

SAYAD, Abdelmalek. “O Retorno, elemento constitutivo da condição do imigrante”. Travessia -Revista do Migrante. São Paulo, Ano XIII, Número especial, CEM - Centro de Estudos Migratórios, jan. 2000, p.14. 454

Depoimento de Francisca Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012.

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Com o passar do tempo, a estabilidade e a vida em seu rumo fica difícil uma tentativa de retorno. A terra natal fica “esquecida” ou “adormecida” por conta de outras questões. A fixação definitiva é uma regra praticamente geral, pois se observa ao longo dos processos que a emigração familiar tendia a dificultar o retorno, com os filhos nascidos e sendo educados em outro país, gerava um agravante na decisão de retornar. Para os que têm sucesso a tendência a buscar um retorno diminuía ainda mais.455

Mas, para o país, o número de emigrantes também tem seu lado positivo,

haja vista que o contínuo envio de remessas garante possibilidades de consumo. Ao

retornarem, entretanto, esses emigrados necessitam se reinserir na sociedade e na

economia. Percebe-se uma inclinação do governo de Evo Morales a fixar a mão de

obra jovem capacitada nos postos de trabalho internos, a fim de alavancar a

economia do país e melhorar as condições de vida da população – e para que o

capital humano seja reinvestido na própria Bolívia.

Os que voltam se concentram no trabalho informal ou na abertura de

pequenos negócios. E aqueles que retornam com pouco capital para investir

acabam voltando para o Brasil na próxima temporada da costura. São os chamados

trabalhadores sazonais ou temporários, passam três meses em São Paulo e

retornam para seus departamentos. Esses não possuem um projeto migratório de

permanência, de fixação, e sim uma expectativa de retorno para a Bolívia.

A maioria deles não tem muita oportunidade na Bolívia, e se alguém aqui já se deu melhor; então fala, comenta, e então todo mundo quer vir. Estão buscando uma vida melhor, né? A maioria deles vem sem intenção de ficar no Brasil, só trabalhar por um tempo e voltar para lá.456

455

ANGELO, Elis Regina Barbosa. Trajetórias dos imigrantes açorianos em São Paulo: processos de formação e transformação nas histórias de vida, nas tradições e nas identidades. Relatório de Qualificação (Doutorado em História), PUC-SP, São Paulo, 2010, p.264. 456

MOTA, André; MARINHO, Maria Gabriela S. M. C.; SILVEIRA, Cássio (Orgs.). Saúde e história de migrantes e imigrantes. Direitos, instituições e circularidades. São Paulo: USP, Faculdade de Medicina UFABC, Universidade Federal do ABC, CD.G Casa de Soluções e Editora, 2014, p.147.

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Identifica-se que os bolivianos que vêm para trabalhar na costura retornam

com mais frequência para suas cidades na Bolívia. Os donos de oficina mencionam

as constantes idas e vindas de costureiros para os preparativos da “produção de

natal”. O intervalo dos retornos a São Paulo varia de seis meses a um ano. A cada

nova temporada de trabalho redesenham-se as expectativas do processo

e/imigratório, os medos, os sonhos e a saudade.

O desejo de retornar se faz presente mesmo para aqueles que estão

conseguindo concretizar seu sonho em São Paulo – estudando, trabalhando e

enviando parte do que ganham aos pais. O depoente rememora que a trajetória

emigratória o fez crescer, conhecer um novo país, outra forma de se sociabilizar,

uma cultura diferente da sua, e o preconceito que sofreu e sofre fortificou sua

identidade boliviana.

É... eu penso em voltar só para morrer, onde eu nasci, queria passar meus últimos dias lá, quando estiver mais velho e saber que meus dias estão contados, então gostaria de morar lá e morrer lá, aí voltaria.457

Então, para morrer em paz, pretende retornar às suas raízes, ao seu lugar,

aos seus vínculos. Pois mesmo “adaptado”, “naturalizado”, o e/imigrante ainda se

sente deslocado por não ser natural desse país, e sim ter sua presença autorizada

legalmente.

Toda presença estrangeira, presença não-nacional dentro da nação, é pensada como presença necessariamente provisória, mesmo quando esse provisório possa ser indefinido, possa prolongar-se indefinidamente, criando desta forma uma presença estrangeira permanentemente provisória, ou em outros termos durável, mas vivida por todos de maneira provisória, adequada aos olhos de todos por intenso sentimento provisório.458

457

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 458

SAYAD, Abdelmalek. “O Retorno, elemento constitutivo da condição do imigrante”. Travessia -Revista do Migrante. São Paulo, Ano XIII, Número especial, CEM - Centro de Estudos Migratórios, jan. 2000, p.14, p.20-21.

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Mesmo com uma presença provisória, esses sujeitos modificaram a

estrutura dos bairros em que residem e trabalham: serviços de educação e saúde

foram e continuam sendo adaptados para “acolhê-los” ou para eliminar as diferenças

entre os grupos sociais envolvidos (brasileiros e estrangeiros), políticas públicas

relacionadas à temática da imigração e estratégias de aproximação são discutidas

em associações e comunidades. Percebe-se uma constante movimentação de

forças para a quebra da imagem estereotipada e a aceitação da comunidade

boliviana – não mais invisível, e sim massiva na sociedade paulistana.

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CAPÍTULO 3 – NEM LÁ NEM CÁ: TRAÇANDO TERRITORIALIDADES

O terceiro e último capítulo tem como objetivo mostrar que o fluxo de

imigração da Bolívia para o Brasil é crescente e constante, bem como que os

e/imigrantes que aqui estão fixados já se identificam com a cidade e tentam

estabelecer relacionamentos duradouros com a comunidade dos bairros onde

residem, trabalham ou estudam. Estratégias estão sendo elaboradas pelo grupo

boliviano para que diálogos com o poder municipal se tornem mais frequentes e

auxiliem na difícil tarefa de romper as barreiras do preconceito contra o e/imigrante

pobre, trabalhador e índio.

O capítulo elege como temática central os eventos com a participação da

comunidade boliviana, sejam de caráter festivo, religioso, esportivo ou outros, pois

são formas de veiculação da imagem da e/imigração. A partir dessa temática abrem-

se quatro vertentes – as territorialidades, as rupturas, as buscas e os trânsitos – que,

além de aportes teóricos, apontam os locais de encontro: a praça, os bairros, as

igrejas, os restaurantes, os eventos com concentração de e/imigrantes e outros

espaços que configuram a marca da cultura andina em São Paulo. Nos depoimentos

destacam-se as manifestações culturais, a valorização das novenas e as estratégias

de inserção e fixação dos representantes da comunidade boliviana na sociedade

paulistana – como a proposta de inserção de datas comemorativas da Bolívia no

calendário oficial de eventos de São Paulo, participação em comemorações da

cidade e em festas específicas de e/imigrantes com a presença do público

paulistano.

3.1 TERRITORIALIDADES TRANSITÓRIAS: TEMPOS DE FESTEJAR

Destaca-se o conceito de territorialidade, pois este estudo baseia-se no

processo de emigração de bolivianos para São Paulo, na concentração dessas

pessoas nos bairros centrais ou não e nas interferências espaciais, sociais, culturais

e econômicas advindas dessa constante e crescente e/imigração.

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Os homens “vivem”, ao mesmo tempo, o processo territorial e o produto territorial por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou produtivas. Quer se trate de relações existenciais ou produtivistas, todas são relações de poder, visto que há interação entre os atores que procuram modificar tanto as relações com a natureza como as relações sociais. [...] a vida é tecida por relações, e daí a territorialidade poder ser definida como um conjunto de relações que se originam num sistema tridimensional sociedade-espaço-tempo em vias de atingir a maior autonomia possível, compatível com recursos do sistema.459

Nota-se que os que aqui estão fixados já se identificam com a cidade e

tentam estabelecer relacionamentos duradouros com a comunidade dos bairros

onde residem, trabalham ou estudam. Os novos sujeitos históricos demandam

serviços, expressam suas formas de viver e ver o mundo e ainda protagonizam

histórias nessas localidades. Constataram-se “territórios” bolivianos nos bairros

estudados, como no Canindé a Praça Kantuta, no Bom Retiro os restaurantes,

bares, entre outros espaços para chamadas internacionais e pequenos comércios de

doces e tubérculos específicos da culinária boliviana. Na rua Barra do Tibaji (Bom

Retiro) e na rua Coimbra (Brás) encontraram-se salões de cabeleireiro ou

peluquerías, lan houses e lojas de produtos típicos, tudo voltado para o público

boliviano. E muitos desses estabelecimentos eram gerenciados e/ou são

propriedade de bolivianos, o que confirma a territorialidade do e/imigrante.

Saí na Luz, fiquei em um hotelzinho, a festa de carnaval estava no auge. Conheci uns bolivianos no hotel e saí pra farra do carnaval. Acabou todo o meu dinheiro depois de uns dias. E aí eu falei “E agora?”, não tinha dinheiro nem pra pagar o hotel. Não falava português, não tinha como voltar nem onde ficar. [...] “Vou ter que procurar serviço aqui.” Perguntava como chamava chapista aqui? Talher de funilaria, martillo? E aí me falaram que era funileiro e me indicaram a rua Newton Prado, que era cheia de oficina. Aí arrumei serviço, com um judeu, que me deu uma Kombi pra desamassar e fazer o serviço e foi embora. Bom aí eu peguei o carro e fiz todo o serviço, quando ele voltou, ficou bravo, me xingou, disse que não era pra eu ter feito tudo, era só uns podrinhos, amassadinhos e não tudo [...]. Então eu disse que ia embora, ele não quis acertar e disse que eu dei prejuízo pra ele. Bom, fui embora, não tinha dinheiro pra hotel, pra nada. Desci a rua Anhaia, cheguei até a Neves de

459

RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do Poder. Tradução de Maria Cecília França. São Paulo: Ática, 1993, p.158-160.

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Carvalho Pinto e vi outra oficina, comecei a trabalhar [...]. Sabe eu cheguei a dormir três noites no Parque da Luz, com minha malinha [...].460

O depoente rememorou sua chegada a São Paulo, na estação da Luz, para

o Carnaval, depois a procura de emprego nos bairros da Luz e do Bom Retiro, nas

ruas que até hoje concentram oficinas mecânicas e de funilaria, além de lojas de

vestuário e acessórios para oficinas de costura. Em ambos os comércios identifica-

se a mão de obra estrangeira, além da nacional – entre coreanos, chineses e judeus

destacam-se os bolivianos, paraguaios e peruanos.

Esses estabelecimentos comerciais geridos ou de propriedade de

e/imigrante afirmam as tramas das redes que ao mesmo tempo acolhem e

“exploram” a mão de obra dos compatriotas. Oferecendo, por meio de processos de

identificação com as experiências vivenciadas pelo grupo, a sensação de

reterritorialização ao recém-chegado.

Acho que a primeira impressão que a gente teve quando chegamos no Bom Retiro, um bairro organizado, pelo menos naquela época não tinha esse negócio da cracolândia. Viemos do metrô e passamos pela praça e pela rua Três Rios, nós olhávamos os prédios e achávamos muito bonito. Com mais de dois andares, as ruas muito largas... Porque lá é tudo muito estreito, não existe avenida com duas mãos, isso não existe. Então eu lembro que a gente saiu do lado errado da Tiradentes. Quando a gente saiu e viu aquele mundarel de carro... Era um lugar muito rico, pra nós era muito rico. Quando a gente chegou na casa, então, não tínhamos nada, assim, cama, nada, mas nossa... A gente achava o lugar muito lindo, lindo, principalmente porque era no segundo andar. Era um prédio velho, muito antigo. Mas pra gente era muito lindo. Nós nunca tínhamos morado no segundo andar, e lá a gente morava. Pra nós a primeira impressão foi “Viemos para um país muito rico”.461

460

Depoimento de Santiago Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 461

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013.

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As impressões da chegada a São Paulo reforçavam o imaginário do Brasil

criado na partida da Bolívia: país rico com oportunidades. A depoente rememora o

movimento de carros e pessoas, as ruas e as edificações que constituíram as

primeiras percepções de São Paulo como uma cidade rica, bem diferente do

contexto de partida.

Nota-se que a família foi direcionada pela rede para o bairro do Bom Retiro,

local de concentração das oficinas de costura. Pois o pai, como mencionado no

capítulo 2, abriria seu negócio e a mãe e as filhas estavam vindo para ajudá-lo. O

bairro também propiciava a oferta de serviços, produtos e costureiros bolivianos, o

que reforçava a escolha pelo local.

À medida que se nota o novo uso dado pelos bolivianos aos

estabelecimentos dos bairros e a presença marcante desses e/imigrantes

modificando as referências urbanas da cidade de São Paulo, destaca-se a

[...] noção de territorialidade, identificando o espaço enquanto experiência individual e coletiva, onde a rua, a praça, a praia, o bairro, os percursos estão plenos de lembranças, experiências e memórias. Lugares que, além de sua existência material, são codificados num sistema de representação que deve ser focalizado pelo pesquisador, num trabalho de investigação sobre os múltiplos processos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização.462

Quanto mais inserido no contexto social, quanto maior o grau de

reconhecimento e identificação cultural, mais próximo o indivíduo estará do “seu”

território, esteja ele no país de origem ou não.463 O e/imigrante está criando

“territórios” bolivianos, espaços de representação de sua cultura na cidade de São

Paulo e, assim, consegue se enxergar como parte integrante da sociedade.

462

ROLNIK, Raquel. História urbana: história na cidade. In: FERNANDES, Ana; GOMES, Marco Aurélio. Cidade e história: modernização das cidades brasileiras nos séculos XIX e XX. Salvador: UFBA, 1992. Apud: MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e cultura – história, cidade e trabalho. Bauru: Educs, 2002, p.36. 463

Da mesma maneira que Rolnik, outros autores como Michel Certeau, Milton Santos e Antonio Arantes também colaboram para essa discussão, pois definem claramente os conceitos de espaço e lugar, dando a estes a diferença tênue entre o uso e o grau pertencimento por parte do homem.

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Observaram-se grafites em muros dos bairros do Bom Retiro464, Barra

Funda465, Canindé e Pari que servem como símbolos de identificação cultural466 aos

bolivianos, como as imagens da Cholita, da Lhama e Del Diablo no muro que

circunda a Praça Kantuta. A presença desses grafites enquanto símbolos de

identificação cultural marca o espaço, traz a sensação de pertencimento e de uma

identidade nacional boliviana, reaviva memórias vivenciadas antes da partida e,

principalmente, é elemento de diferenciação étnica e cultural.

Figura 24 - Grafite na Praça Kantuta.467

Tais grafites modificaram a paisagem urbana, deixaram marcas das relações

expressas no tempo e no espaço. Representam uma vida social gravada na

paisagem (nos muros), que é condicionada permanentemente pelas relações sociais

464

Na rua José Paulino, local de concentração de lojas de roupas e oficinas de costura, encontram-se várias imagens de cholitas, llamas e da flor kantuta nos muros. 465

Na rua Cônego Vicente Miguel Marino, em uma praça com campo de futebol que concentra bolivianos aos domingos, também foram observados elementos representativos da cultura andina nos muros e bancos. São eles: a bandeira da Bolívia, a llama, o Sol e a cholita. 466

SILVA, Sidney da. A migração dos símbolos: diálogo intercultural e processos identitários entre os bolivianos em São Paulo. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, vol. 19, n. 3, jul./set.2005, p.77-83. 467

Arquivo próprio, mar. 2013.

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ali estabelecidas e vice-versa. “Le paysage est une entitlé relative et dynamique, ou

nature et société, regard et enrironnement sont em constante interaction.”468

Percebe-se então nessa paisagem não apenas uma representação, um

mecanismo de projeções subjetivas e culturais, mas sim o produto de relações

vivenciadas pelos sujeitos históricos que frequentam tal local. A leitura desses

grafites apresenta mais do que simples desenhos sobre a cultura andina, são

estratégia encontrada pelos grupos para impor sua presença na sociedade de

acolhimento, pois expressam valores, crenças, mitos e utopias.469

A Lhama branca, no caso das culturas andinas, representa a relação vital do

homem com a terra, pois depende dela para sobreviver. Nas ocasiões de plantio a

Lhama é sacrificada e seu sangue é derramado sobre a terra em oferenda a

Pachamama (Mãe Terra), uma maneira de agradecer a abundância e garantir a boa

colheita. As comunidades que vivem da terra não entendem a fartura da colheita

como uma simples resposta da natureza pela ação do plantio, e sim uma relação de

reciprocidade estabelecida nos rituais de fertilidade, quando a família se desprende

de um bem (lhama) e o oferece à Mãe Terra, que lhe retribuirá com bons frutos.

As crianças se trajam como camponeses (grupos étnicos de origem rural). A

menina, com o cabelo dividido ao meio e longas tranças laterais, veste o chapéu que

a identifica como cholita. Em cada departamento da Bolívia as cholas estão

presentes.470 São mulheres trajadas com saias rodadas, xales multicoloridos nos

ombros, blusas lisas ou com estampas pequenas e, na maior parte do tempo,

apresentam cabelos divididos ao meio, com tranças – que podem ser enfeitadas nas

pontas com flores e bijuterias – e o tradicional chapéu-coco. Essa vestimenta foi

imposta por Carlos II em fins do século XVIII, inspirada nos vestidos regionais das

468

Berque, 1994, p.6. Apud: YANCI LADEIRA, Maria. Paisagem: entre o sensível e o factual - uma abordagem a partir da geografia cultural. Dissertação (Mestrado em Geografia Humana), USP, São Paulo, 2010, p.10. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/.../2010_YanciLadeira Maria.pdf>. Acesso em: 27/05/2015. 469

CORRÊA, Roberto Lobato; ROSENDHAL, Zeny (Orgs.). Apresentando leituras sobre Paisagem. Paisagem, Tempo e Cultura. 2ª ed. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2004. 470

Em cada departamento boliviano encontram-se cholas diferentes. A chola paceña (La Paz) usa saia longa até os pés e um chapéu-coco grande com ar britânico. Em Cochabamba as cholitas usam chapéu com aspecto praieiro e saias mais curtas, mostrando as pernas. As roupas se adéquam ao clima das regiões. Em alguns departamentos, como em Oruro, as mulheres usam lenços na cabeça, e em Pando as tranças também se apresentam únicas e de lado. PICCOLO, Anninha. Quem são as cholas? 08/01/2010. Disponível em: <http://Trotamerica.wordpress.com>. Acesso em: 24/07/2015.

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camponesas espanholas de Estremadura, Andaluzia e País Basco. O penteado, por

sua vez, foi imposto pelo vice-rei Toledo.471

O menino está com uma touca colorida que lembra as toucas tricotadas de

lã utilizadas em La Paz, calça e camisa, traje considerado comum para os homens.

Eles costumam cobrir a cabeça com um chapéu472 ou um boné de baseball e vestir

roupas lisas e simples, normalmente em tons escuros nos departamentos com clima

mais frio e em tecidos leves como algodão e claros nos locais mais quentes. Uma

característica marcante do traje dos homens é o uso de sandálias de couro,

observado em todos os departamentos. Outro símbolo cultural que identifica o povo

andino está nas mãos do garoto: é a flauta de pã andina, também conhecida como

siku pelos aimarás, um instrumento musical de sopro que consiste num feixe de

cana, com caules de diferentes tamanhos grudados lado a lado, e não possui bocal,

é soprado com os lábios tangenciando as extremidades superiores.

O próximo grafite representa a deidade que pode ser conhecida como El

Diablo, El Supay ou El Tio.473 Considerada dona dos minérios que estão no subsolo,

é cultuada pelos mineiros e não é vista como um ser maligno. Para os povos

andinos, todas as divindades possuem um lado bom e um ruim, não separam o bem

do mal. Por isso os mineradores se sentem protegidos pela divindade do subsolo ou

mundo inferior, como a identificam. Em Potosí existem muitas estátuas desse

espírito das minas – aos pés delas os mineiros colocam oferendas, como cigarros,

folhas de coca e chicha, pois acreditam que El Tio deve ser alimentado para não se

vingar em seus súditos.474

471

GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Coleção L&PM Pocket. Vol. 900. Porto Alegre: L&PM, 2010. 472

O chapéu dos homens varia de acordo com o clima apresentado nos departamentos, como: touca de lã em La Paz, chapéu de palha em Pando, de couro ou palha em Oruro e Santa Cruz, toucas de tecido mais fino e feltro em Potosí. Cf.: TROTAMÉRICA. Disponível em: <http://Trotamerica. wordpress.com>. Acesso em: 24/07/2015. 473

Após o encontro com os colonizadores e a imposição religiosa e cultural, a divindade El Supay passou a ser relacionada ao demônio da cosmologia cristã pelos evangelizadores. Na visão de mundo dos aimarás, tudo se relaciona de forma harmônica: a divindade, o cosmo e a comunidade humana. Não existe a visão dicotômica presente na concepção cristã de bem e mal, de sagrado e profano, céu e inferno. SILVA, Sidney Antonio da. Virgem Mãe Terra. Festas e Tradições Bolivianas na Metrópole. São Paulo: Hucitec, Fapesp, 2003. 474

CURIONAUTAS.COM.BR. El Tio De La Mina. Disponível em: <http://www.curionautas.com.br>. Acesso em: 24/07/2015.

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Figura 25 - El tio - Grafite na Praça Kantuta.475

Toda combinação territorial cristaliza energia e informação, estruturadas por códigos. Como objetivo, o sistema territorial pode ser decifrado a partir das combinações estratégicas feitas pelos atores e, como meio, pode ser decifrado por meio dos ganhos e dos custos que acarreta para os atores.476

475

Arquivo próprio, mar. 2013. 476

RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do Poder. Tradução de Maria Cecília França. São Paulo: Ática, 1993, p.158.

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Ao criar territórios próprios os e/imigrantes marcaram fronteiras simbólicas

no espaço urbano, que podem ser positivas, mas também negativas, ao passo que

delimitam uma região para concentração da comunidade, a excluindo do uso de

outras porções do território. Assim considera-se a noção de espaço existencial e de

“existência espacial”477.

Essa experiência é a relação com o mundo: no sonho e na percepção, e por assim dizer anterior à sua diferenciação, ela exprime “a mesma estrutura essencial do nosso ser como ser situado em relação com o meio” – um ser situado por um desejo, indissociável de uma “direção da existência” e plantado no espaço da paisagem. Deste ponto de vista, “existem tantos espaços quantas experiências espaciais distintas”.478

A Bolívia já não é mais vista como seu território, o Brasil é o novo território,

daí as tentativas de reterritorialização, por meio das aproximações culturais entre

costumes e tradições bolivianas e brasileiras. Percebem-se diferentes interpretações

do espaço, pois cada leitura realizada depende da vivência do indivíduo, são

percepções únicas das ações e experiências de cada sujeito histórico.

Não há um “confinamento territorial” dos e/imigrantes bolivianos479 em um

determinado bairro, estão concentrados na região central, que já detém a

infraestrutura necessária para a confecção e venda de artigos têxteis. Mas nota-se

que existe uma migração para as periferias das regiões norte e leste, devido à

subcontratação de mão de obra no setor das confecções e ao valor reduzido dos

lotes e imóveis nesses locais.480 “A maioria está no Brás, na Mooca, no Pari e no

Bom Retiro (regiões leste e central), mas há um movimento em direção a Guarulhos

477

CERTEAU, Michael de. A invenção do cotidiano. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994, p.202. 478

Ibidem, p.202. 479

PUCCI, Fabio Martinez Serrano. Bolivianos em São Paulo: redes, territórios e a produção da alteridade. Buenos Aires: Clacso, 2013. Disponível em: <http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/clacso-crop/20131013074834/Pucci_trabajo_final.pdf>. Acesso em: 09/03/2015. 480

ROLNIK, Iara. Projeto migratório e espaço: os bolivianos na região metropolitana de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Demografia), Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010.

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e a outros bairros da zona leste, como a Penha. Também vemos migração para o

interior do Estado.”481

O fato de não haver um confinamento, no entanto, não exclui a segregação

espacial. Estudos apontam para uma segregação voluntária482, uma vez que os

e/imigrantes optariam por estar entre seus pares em locais que já representam a

rede com seus costumes, evitando possíveis conflitos com os demais sujeitos que

residem, transitam e/ou frequentam outros espaços públicos.

Os locais identificados na cidade criam a sensação de pertencimento, muitas

vezes são cenários, reproduções e até invenções sobre a cultura andina. Porém,

trazem a ideia de reterritorialização para aquele que deixou seu país e agora procura

“seu” território em São Paulo.

O conceito de territorialidade refere-se, então, às relações entre um indivíduo ou grupo social e seu meio de referência, manifestando-se nas várias escalas geográficas – uma localidade, uma região ou um país – e expressando um sentimento de pertencimento e um modo de agir no âmbito de um dado espaço geográfico. No nível individual, territorialidade refere-se ao espaço pessoal imediato, que em muitos contextos culturais é considerado um espaço inviolável. Em nível coletivo, a territorialidade torna-se também um meio de regular as interações sociais e reforçar a identidade do grupo ou comunidade.483

Estratégias de fixação da comunidade boliviana vêm sendo traçadas por

seus líderes comunitários e pelos próprios e/imigrantes. Num primeiro momento, os

depoimentos mostraram a rede enquanto estratégia de sobrevivência em São Paulo,

uma forma de impor as diferenças culturais e reafirmar a origem étnica.

Posteriormente, nos depoimentos de e/imigrantes mais jovens e da segunda

geração e em veículos de comunicação utilizados pela comunidade, observou-se um

481

Depoimento de Jaime Valdívia Almanza, cônsul-geral da Bolívia em São Paulo. Cf.: BALAGO, Rafael. “Hoje, os bolivianos investem na cidade”. Sãopaulo. São Paulo, Folha de São Paulo, 21 a 27 de abril de 2013, p.20. 482

MARQUES, Eduardo. Elementos conceituais da segregação, da pobreza urbana e da ação do Estado. In: MARQUES, Eduardo; TORRES, Haroldo (Orgs.). São Paulo: segregação, pobreza e desigualdades sociais. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2005. 483

ALBAGLI, Sarita. Território e territorialidade. In: BRAGA, Cristiano; LAGES, Vinicius Nobre; MORELLI, Gustavo (Orgs.). Territórios em movimento: cultura como estratégia de inserção competitiva. Brasília: Relume Dumará, 2004, p.27.

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movimento em busca da integração, um incentivo às ações empreendedoras484 e ao

aumento da instrução e capacitação universitária.485 Experiências positivas de

conquistas são veiculadas 'entre e por e/imigrantes, a fim de estimular o trabalhador

e ao mesmo tempo romper com o estigma de exploração: “Conheço um empresário

que veio clandestino há 15 anos e outro dia financiou uma casa de R$ 500 mil. Além

da oficina, ele tem um restaurante. Hoje, os bolivianos investem na cidade.”486

O pensamento empreendedor somado à exposição dos seus costumes e

tradições auxiliam o e/imigrante a criar suas marcas de identificação no espaço,

redesenhando assim as territorialidades bolivianas em São Paulo. Estratégias de

superação do estigma da pobreza, da etnicidade e da exploração.

O espaço é determinado pelo fator tempo, sendo então dinâmico e mutável.

Notou-se que os conflitos e as ações dos sujeitos recriaram e contextualizaram os

espaços estudados, como o Memorial da América Latina durante os festejos das

Alasitas487, ou a Praça Kantuta e seus arredores aos domingos e, mais

intensamente, no período do Carnaval, quando procissões correm as ruas do bairro,

corsos infantis desfilam, adultos e crianças brincam com bisnagas d‟água e sprays

de espuma e o pepino488 se diverte com as cholitas e entretêm os participantes do

evento.

A festa também pode ser considerada uma forma de demarcar o território,

haja vista que, por um determinado período de tempo, aquele espaço faz lembrar a

cultura andina. Os elementos, os signos conhecidos e identificados pelos

e/imigrantes estarão presentes, delimitando o espaço, ditando as regras e os usos

484

O site Bolívia Cultural é um exemplo. 485

O projeto Si Yo Puedo é um exemplo. 486

Depoimento de Jaime Valdívia Almanza, cônsul-geral da Bolívia em São Paulo. Cf.: BALAGO, Rafael. “Hoje, os bolivianos investem na cidade”. Sãopaulo. São Paulo, Folha de São Paulo, 21 a 27 de abril de 2013, p.20. 487

A Festa de Alasitas ou das miniaturas realiza-se anualmente em 24 de janeiro, quando se festeja o dia da divindade andina da abundância, denominada Ekeko. Nesse dia as miniaturas de casa, carro, máquina de costura, diploma, alimentos, entre outras, deverão ser compradas antes do meio-dia e abençoadas por um padre católico, bem como por um yatiri (sacerdote andino), que faz o ritual da ch’alla, ou seja, uma oferenda à Pachamama (Mãe Terra), para que os desejos do devoto se tornem realidade. Alasita, no idioma aimará, significa cómprame. É uma representação em miniatura de tudo que a pessoa deseja possuir pela mediação do deus da fortuna. SILVA, Antonio Sidney. Virgem/Mãe/Terra. Festas e tradições bolivianas na metrópole. São Paulo: Hucitec, Fapesp, 2003, p.84, 245. 488

Pepino: palhaço que abre e fecha a festa do carnaval, brinca e alegra os foliões. CASERITA.COM. Pepino, el rey del Carnaval Paceño. s/d. Disponível em: <http://info.caserita.com/Pepino-el-rey-del-Carnaval-Paceno-a353-sm126>. Acesso: mar. 2015.

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do local. As tradições são reinventadas no tempo de festejar, pois, por mais

próximas que estejam dos costumes da Bolívia, estão sendo realizadas aqui em São

Paulo, com adequações ao espaço, ao público, à vizinhança e à lei municipal

vigente.489

Para entendermos a importância dos momentos de festa na vida dos imigrantes, é necessário explicitarmos também os vários elementos veiculados através deles. Nesse sentido, para Marcel Mauss (1974), as festas são um “fato social total” através do qual são mostrados elementos de organização social, interesses econômicos e políticos, tensões entre os sistemas de crenças envolvidos, expressões estéticas, ritmos, emoções, sabores, cores, entre outras coisas.490

3.1.1 Tempo de festejar - Festa das Alasitas

A Festa das Alasitas é uma tradicional festa boliviana celebrada no dia 24 de

janeiro em louvor a Virgem Nossa Senhora de La Paz.491 Seus primeiros registros

datam da época colonial e suas origens e mitos se encontram ao redor do deus

Ekeko (deus da abundância ou da fartura) desde o período pré-colombiano.492

Nessa festa há a presença de um padre católico e de um sacerdote andino, ambos

realizam a benção aos objetos de desejo e sonhos dos participantes.

489

É possível categorizar as tradições inventadas em: tradições que estabelecem ou simbolizam coesão social ou as condições de admissão de um grupo ou de comunidades reais ou artificiais; as que estabelecem ou legitimam instituições, status ou relação de autoridade; e as que possuem o objetivo de socialização, inclusão de ideias, sistemas de valores e padrões de comportamento. HOBSBAWM, Eric; RANGER, Tarence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984, p.9-23. 490

SILVA, Sidney A. da. Bolivianos. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005, p.46. 491

Em La Paz também é celebrada nesse dia e o festival estende-se por duas semanas. Na praça onde a festa é realizada existe uma estátua da divindade com a seguinte inscrição “La municipalidade de La Paz erige este monumento al Ekeko, dios Aymara de la felicidad, fecundidad y abundancia, símbolo de más apreciadas tradiciones Kollaa del Chuqui, como algurio de prosperidad y felicidad Del pueblo paceño”. SILVA, Sidney Antonio. Virgem/Mãe/Terra: Festas e tradições bolivianas na metrópole. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2003, p.83. 492

BRASIL. Ministério da Cultura. Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN. Festa de Alasitas - Patrimônio Identificado 19. Anexos: Bens Culturais Inventariados. MINC/IPHAN, SP/01/01/09/F1-A3.

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Para os bolivianos em geral, não existe nenhuma incompatibilidade entre rituais andinos e católicos pois, para eles, sagrado e profano, mágico e religioso, cultura e religião, não são realidades que se antagonizam, mas se complementam ou, pelo menos, convivem.493

O padre católico realiza a benção com água benta e o sacerdote completa o

ritual com o ch’alla494 a Pachamama, realizado com cerveja, bem como o ch’alla a

miniaturas. Para um ch’allar individual, especial, os sacerdotes cobram uma taxa de

R$ 5 a R$ 10 por benção. Depois da aspersão dos objetos, formam um círculo ao

redor das miniaturas para brindar. Se amigos se aproximam, também fazem parte do

ritual, aspergem as miniaturas, brindam e desejam saúde uns aos outros, sendo

uma oportunidade de desejar que os sonhos do compatriota se realizem.

Figura 26 - A benção católica tradicional na Bolívia.495

493

SILVA, Sidney Antonio. Virgem/Mãe/Terra: Festas e tradições bolivianas na metrópole. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2003, p.238. 494

“Libação com bebida alcoólica realizada em várias ocasiões às deidades andinas, entre elas a Pachamama.” Ibidem, p.246. 495

AGUIRRE, Liliana; QUIROZ, Mauricio. Llovieron anhelos en el inicio soleado de la Alasita. La Razón. La Paz, 25/01/2013. Disponível em: <http://www.la-razon.com/la_revista/Llovieron-anhelos-inicio-soleado-Alasita_0_1767423249.html>. Acesso em: 06/052015.

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Na imagem observa-se o padre benzendo objetos levantados pelos

participantes do evento, entre eles documentos, carteiras de trabalho, casas,

aguayos com alimentos. Já na figura a seguir dois homens representam o deus da

fartura “Ekeko” e carregam muitos objetos de desejo em miniatura: utensílios

domésticos, alimentos, cigarros, peças de vestuário, carros. Estão trajados de

acordo com a representação do deus496, que é encontrado na forma de um boneco

de gesso, com traços ocidentais, sorridente e de braços abertos, insinuando um

abraço. As roupas são tradicionais: sandália de couro, gorro de lã ou touca, poncho

nos ombros e uma sacola repleta de objetos em miniatura que representam os

desejos das pessoas.

Figura 27 - Homens representando Ekeko, deus da abundância –

Festa das Alasitas, La Paz - Bolívia.497

A primeira versão da celebração em São Paulo foi realizada em 1999, na

Praça do Pari, com poucas barracas e participantes. Foi ganhando adeptos a cada

496

Sua representação em período anterior à conquista espanhola não utilizava vestimentas, era feita em ouro, prata, estanho, pedra e até mesmo em barro com traços indígenas e ostentava um proeminente falus, que simbolizava a fertilidade e a virilidade. Após a conquista, a igreja católica tentou erradicar esse culto, mas não conseguiu. Então foi apresentada uma releitura da estatueta vestida, mestiça, deixando de lado o simbolismo da fertilidade e da virilidade masculina para enfocar a imagem de provedor da família pela fartura. Desde então é representada como na foto. BAENINGER, Rosana (Org.). Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População - Nepo/Unicamp, Fapesp, CNPq, Unfpa, 2012, p.22. 497

Cf.: DAVIS, Mary. Ekeko in the flesh - alasitas, Bolivia. 2014. Disponível em: <https://www. pinterest.com/pin/389561436490776486>. Acesso em: 06/05/2015.

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nova edição e posteriormente, em 2002, passou a ser realizada na Praça Kantuta,

que também não deu conta de acolher o número expressivo de participantes,

acarretando problemas na vizinhança. Desde então, a Festa das Alasitas não possui

um local fixo para ser realizada. Em 2008 ocorreu na Rua dos Trilhos 869, em um

local próximo à Subprefeitura da Mooca, tendo sido organizada pela Associação

Gastronômica, Cultural e Folclórica Boliviana Padre Bento, responsável pela Feira

da Praça Kantuta. Nos anos de 2012 e 2013, na Rua Maria Cândida, 90 – travessa

da Avenida General Ataliba Leonel (próximo à estação Carandiru do metrô) –,

concentrando, em 2012, 20 mil pessoas.

Como em 2013 a expectativa de público foi superada, outras associações –

Associação dos Empreendedores Bolivianos da Rua Coimbra (ASSEMPBOL) e

Associação Padre Bento, da Feira Kantuta e Feira Gastronômica Cultural Patujú, no

bairro de São Mateus – também se dispuseram a organizar a Festa. Então, em 2014

e 2015, as celebrações ocorreram em três locais diferentes da cidade de São Paulo:

no Memorial da América Latina, no Parque Dom Pedro II e na Feira Patujú.498

Destacou-se, em 2014, a inclusão da Festa das Alasitas no calendário oficial de

eventos da cidade de São Paulo pelo prefeito Fernando Haddad, já que nos dois

anos anteriores, no Parque Dom Pedro, os e/imigrantes haviam sido banidos pela

Subprefeitura da Mooca e pela Guarda Civil Metropolitana (GCM) e as miniaturas,

confiscadas pela fiscalização.499

“É um fato histórico”, classifica Luís Vásques, da Assempbol. “Saímos da repressão para a aprovação total. Felizmente os tempos mudaram, e estamos gratos à administração por ter trazido um novo olhar para os imigrantes.”500

Tal fato reconheceu a presença da massa e/imigrante boliviana na cidade,

dando-lhe um espaço oficial para exposição de sua cultura e costumes, conferindo-

498

Ver nos Anexos 2, 3 e 4 folders de divulgação dos eventos. 499

BREDA, Tadeu. Finalmente reconhecidos pela prefeitura, bolivianos de São Paulo querem mais direitos. 24/01/2014. Disponível em: <http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2014/01/ finalmente-reconhecidos-pela-prefeitura-bolivianos-de-sao-paulo-querem-mais-direitos-8009.html>. Acesso em: 28/04/2015. 500

Ibidem.

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lhe o mesmo direito ao uso da cidade dado aos cidadãos e iniciando um processo de

inserção como membros da sociedade paulista.

O evento costuma se iniciar às 10 horas e durar todo o dia, com venda de

comidas e bebidas tradicionais. Destacam-se as filas para consumir a salteña e o

suco de pêssego com pedaços da fruta, as apresentações de dança e a missa

campal ao meio-dia, para benzer as miniaturas, que podem ser confeccionadas em

gesso, madeira e couro. Estas representam os desejos de consumo dos

participantes, podendo simular animais, eletrodomésticos, automóveis, móveis,

malas de viagem, dólares e até divindades – identificaram-se inclusive bonequinhos

de casais e de famílias.

Figura 28 - Barracas de venda da Festa das Alasitas.501

Neste dia as pessoas e os artesãos preparam suas lojas e barracas na chamada “Praça das Alasitas”. E nestas barracas pode-se comprar todo tipo de objetos que as pessoas desejam: objetos para casa, para os veículos, produtos alimentícios, móveis, maletas de viagem e muitas outras coisas. Todos esses objetos são miniaturas, onde os visitantes vêem seus desejos e sonhos refletidos nos próprios objetos. Desta forma, a tradição exige que se cumpram estes desejos, o visitante da

501

JORNAL DO BRÁS. Bolivianos festejam Alasitas. Edição 244. 05/02/2014. Disponível em: <http://www.jorbras.com.br/portal/images/edicao244/alasitas-8.jpg>. Acesso em: 05/05/2015.

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festa das Alasitas, terá que comprar seus objetos desejados ao meio dia e colocá-los para que um padre os benza.502

Figura 29 - Alasitas.503

Entre os objetos de desejo mais comuns, se sobressaem na imagem carros

e casas, dinheiro, brinquedos e malas de viagem. A seguir observa-se um carrinho

de mão repleto de materiais de construção. Em conversas com vendedores das

barracas de miniaturas, foi possível constatar que o carrinho de mão possui muita

saída, pois os bolivianos almejam construir a casa própria e a oficina de costura,

deixando de lado o aluguel e a função de costureiro e passando para donos da

própria oficina, o que resultaria em ascenção social e reconhecimento por parte da

comunidade.

502

REVELAÇÃO ON-LINE. Danças populares alegram a Bolívia. Universidade de Uberaba, s/d. Disponível em: <http://www.revelacaoonline.uniube.br/cultura03/bolivia2.html#acima>. Acesso em: 05/05/2015. 503

ALASITAS. Disponível em: <http://4.bp.blogspot.com/-jxvfMPSc6-I/T6NkQA6y5tI/AAAAAAAAATI/ mH2ARZQ-I24/s1600/IMG01158-20120503-1512.jpg>. Acesso em: 05/05/2015.

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Figura 30 - Carrinho de mão – Alasitas.504

Mesmo não tendo um local fixo para realização, o evento é sempre

demarcado pelas barracas, palco e decoração específica. Aguayos505 enfeitados

com objetos da cultura boliviana são estendidos no chão, representando as portas

de entrada e de saída da festa. Também ocorre o hasteamento da bandeira

boliviana num dos postes de iluminação, na parte central da Praça. As barracas de

comida se localizam ao redor da bandeira e oferecem pratos tradicionais como o

fricassé, o chicharrón, a sopa de maní, o pollo frito, as salteñas, a salchipapa... Para

beber, cervejas, refrigerantes, água e o suco de durazno506 (pêssego). Também é

possível comprar, em tamanho normal ou miniatura, bolos, pães e gelatinas

coloridas.

504

3RD CULTURE CHILDREN. Photo Journal: Alasitas, the Aymara Festival of Abundance. 04/02/2013. Disponível em: <https://3rdculturechildren.files.wordpress.com/2013/02/img_5737.jpg>. Acesso em: 05/05/2015. 505

Tecidos retangulares multicoloridos utilizados em diferentes ocasiões da vida sociocultural e religiosa boliviana. SILVA, Sidney Antonio. Virgem/Mãe/Terra: Festas e tradições bolivianas na metrópole. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2003, p.245. 506

Fricassé: cozido à base de carne de porco – lombo e costelas –, acompanha milho e batatas. O chicharrón é um assado de bacon e outros pedaços de carne de porco regado com chicha e suco de laranja; acompanha milho, batatas e banana. Sopa de maní: sopa feita à base de amendoim. Pollo frito: frango frito. Salchipapa: mistura de salsicha e batata frita, ideal para petiscar.

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A música que embala o evento é latina. Bandas e grupos de dança animam

os participantes e o hino nacional boliviano emociona os presentes. O cerimonial é

organizado e gerido pela Associação Padre Bento, responsável pelos comerciantes

da Kantuta, e no palco as autoridades representativas da comunidade boliviana

abrem o evento. O padre faz uma benção e o hino boliviano é tocado. Os devotos

que ainda não possuem as alasitas compram as miniaturas e as colocam em

aguayos no chão, por acreditarem que é preciso tocar na terra para ter as bênçãos

de Pachamama – também aspergem com álcool (cerveja ou outra bebida alcoólica)

e fazem brindes.

Em meio à festa, em determinado momento, aparecem homens vestidos

como o deus Ekeko, carregando sacolas com os objetos de desejo dos

participantes. Tais homens “benzem” os objetos, as pessoas querem tocá-los. Nota-

se a presença do incenso, que simboliza o sagrado em um espaço “profano”507, e

serpentina e papel picado são lançados pelos dançarinos e participantes. Ao “deus

Ekeko” oferece-se bebida e cigarro, uma forma de lhe agradar para que atenda aos

pedidos. O “deus”, por sua vez, abre uma bolsa e entrega notas de dólares e outras

moedas em miniatura para os participantes – todos as disputam. Ao final ocorre a

dança da cueca508 ao som da composição musical de Viva mi patria Bolivia.509

507

A queima de incenso é um costume antigo. Desde os egípcios acredita-se que os deuses se sentem agraciados com a oferta das fragrâncias, enquanto os maus espíritos são afugentados. Entre os israelitas queimar incenso era um dos principais deveres no tabernáculo, um ato de adoração ou de oferta sagrada. Também foi um dos presentes ofertados a Jesus no seu nascimento. Ainda hoje muitas cerimônias e rituais religiosos utilizam o incenso para estabelecer uma comunhão entre os homens e o cosmo. “A fumaça aponta para o mistério de Deus, ajuda a transcender”, diz Maria Ângela Vilhena, professora do Departamento de Teologia e Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Nas festas bolivianas o incenso aparece fazendo ligação entre os deuses (católicos ou aimarás) e os homens, sejam essas práticas comemorativas na rua (espaço profano) ou em espaço sagrado, como a igreja. GNOTÍCIAS. Aprenda o significado do incenso em diferentes culturas. Redação Gospel+. 10/10/2008. Disponivel em: <http://noticias.gospelmais.com. br/aprenda-o-significado-do-incenso-em-diferentes-culturas.html>. Acesso em: 17/08/2015. 508

“A cueca é uma das danças mais tradicionais da Bolívia e sua origem provavelmente estaria na dança espanhola da Jota Aragonesa, em que a cueca teria sido uma adaptação nativa daquela dança, substituindo-se as castanholas pelo lenço. A dança é executada em pares, frente a frente, com o lenço sendo agitado no alto pela mão direita. O homem cerca a mulher de um lado e de outro. Esta, por sua vez, vaidosa se esquiva. O homem corteja a companheira, que ao fim se rende ajoelhando-se aos seus pés. É, portanto, uma dança que representa o namoro.” SILVA, Sidney A. da. Uma face desconhecida da metrópole: os bolivianos em São Paulo. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, Ano VIII, nº. 23, CEM - Centro de Estudos Migratórios, set./dez. 1995, p.19. 509

Cerimonial observado em pesquisa de campo e na obra: SILVA, Sidney Antonio. Virgem/Mãe/ Terra: Festas e tradições bolivianas na metrópole. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2003.

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A Festa das Alasitas permite identificar os desejos do e/imigrante boliviano

em São Paulo, como ascensão econômica e fartura, presentes nas miniaturas de

dinheiro, de mantimentos e principalmente de máquinas de costura, além de

independência e livre trânsito, notados nas miniaturas de casas, diplomas e carros.

Sonhos que, segundo as tradições bolivianas, são materializados nas miniaturas e,

com as bênçãos do padre católico e do sacerdote andino, podem se realizar.

Percebe-se na festividade ainda a imagem que o boliviano residente em São

Paulo quer passar de si, com uma linguagem própria, uma mistura de fé católica

com o mágico e o profano. Ele dialoga com seus pares, mas não exclui os

paulistanos, que presenciam a cerimônia com curiosidade e também podem adquirir

miniaturas que expressem seus desejos.

Naquele determinado espaço e tempo, o cerimonial da Festa das Alasitas

transporta os participantes para a Bolívia, reaviva memórias e ressocializa o

e/imigrante com sua própria cultura, muitas vezes adormecida no cotidiano de

trabalho das oficinas de costura.

3.1.2 Tempo de festejar - Carnaval da Kantuta

De acordo com a Ficha 50, nº 01, de Identificação de Lugares do IPHAN de

2009, a festa de carnaval é realizada na Praça Kantuta desde 2008 com a seguinte

programação: inicia-se com o corso infantil, em seguida ocorre a procissão a Virgem

de Socavón510, protetora de Oruro, e se encerra com o desfile das fraternidades, que

510

Virgem de Socavón ou Virgem da Candelária é a padroeira de Oruro e protetora do Carnaval. Sua imagem representa a Virgem Maria com o menino Jesus nos braços. Começou a ser festejada em Oruro após sua aparição para um ladrão de mina. Os festejos representam o embate entre o bem e o mal. Sua aparição data de 1789. Conta a lenda que um ladrão chamado Anselmo Selarmino vivia em um buraco abandonado numa mina e roubava para repartir entre os pobres. Certa noite, foi ferido mortalmente. Em agonia, foi levado por uma virgem do povo até sua morada. No dia seguinte, mineiros acharam o cadáver e uma imagem da Virgem da Candelária na cabeceira da cama do ladrão. Diante da descoberta, resolveram rezar para ela durante três dias ao ano desde o sábado do carnaval, usando disfarces à semelhança do diabo. Ao ritmo de uma cativante música, há a entrada de carregamentos e ceras, com ornamentos regionais, presentes de prata, viandas e bebidas. De 1900 a 1940 surgiram as primeiras fraternidades devotas da virgem, formadas exclusivamente por homens, como tropas de Diabos, Morenos e Tobas, para desfilar até a antiga Capela do Buraco. Após 1940 as fraternidades se abriram para toda a comunidade. BOLÍVIA CULTURAL. Conheça as

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apresenta danças tradicionais da Bolívia, como a morenada, caporales, tinkus,

diablada, entre outras. Destaca-se a despedida do carnaval, da mesma forma que

ocorre na Bolívia, no primeiro domingo da quaresma, o Domingo de Tentación,

referindo-se às tentações passadas por Cristo no deserto.

Percebe-se que a programação do evento compreende em um dia a mesma

ordem de atividades vista durante os quatro dias de festa do Carnaval Paceño.

El Carnaval Paceño consiste en una alegre entrada que se inicia un domingo antes de carnaval, con el desentierro del Pepino. Continúa el sábado con la entrada del corso infantil. El domingo de carnaval, chutas, cholas y pepinos desfilan con sus respectivas fraternidades a ritmo de Morenada, Kullawada, Caporal, Saya afroboliviana, Moceñada, Tarkeada, etc. El lunes tiene lugar la tradicional Jisq‟a Anata, donde se festeja la llegada de la temporada de cosechas. El martes de challa, los creyentes bailan, comen y beben en abundancia, al mismo tiempo que ofrendan a la Pachamama. El domingo de tentación, una semana después de carnaval, se entierra al Pepino. [...] Cholitas y ch‟utas se visten de negro, fingiendo luto, y junto con la multitud simulan llanto mientras cargan la tumba donde yace el disfraz del Pepino. Luego de un largo recorrido, entierran sus restos en el Cementerio General de la ciudad de La Paz.511

raízes do Carnaval Boliviano. 09/12/2012. Disponível em: <http://www.boliviacultural.com.br/ ver_noticias.php?id=348>. Acesso em: 17/08/2015. 511

CASERITA.COM. Pepino, el rey del Carnaval Paceño. s/d. Disponível em: <http://info.caserita. com/Pepino-el-rey-del-Carnaval-Paceno-a353-sm126>. Acesso em: mar. 2015.

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Figura 31 - Pepino.512

O Pepino marca a Festa de Carnaval. Existem diferentes versões para a

origem do personagem. Acredita-se que nasceu de uma sátira do Arlequim espanhol

dos carnavais da época da República e que seu nome seja inspirado no trabalho

desenvolvido por um palhaço uruguaio, José Pepe, que, com sua trupe, satirizava e

organizava espetáculos baseados em paródias sobre a cultura andina. Outra versão

sobre sua origem misteriosa conta que é fruto da mistura do Pierrot francês, do

Arlequim espanhol e do espírito brincalhão andino “El Kusillo” e remontaria ao século

XIX: “Para el antropólogo David Mendoza, el Pepino surge como una cópia del bufón

512

Arquivo próprio, fev. 2015.

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o el pierrot que se lucía en las fiestas de la clase alta. Pero com El tiempo, la figura

fue apropriada por los paceños, adoptando características peculiares.”513

Nos bailes de carnaval das elites paceñas, aqueles trajados de Pepino

conseguiam adentrar os salões, mesmo sem convite, já que sua máscara os

auxiliava a burlar a segurança.514 Tem aparência similar à de um palhaço, brinca

com os foliões, com um ar risonho, brincalhão e atrevido, incomoda os namorados,

joga água e farinha nas pessoas, protege seu anonimato atrás da máscara: “Al ritmo

de bombos y platillos, el travieso personaje golpea con un „chorizo‟ a los activos

espectadores de la entrada y luego les salpica con un preparado a base de harina

[...].”515 No início da festa faz-se a encenação do desenterro do “Pepino”, que

festejará até o final do dia; ao anoitecer acontece a cerimônia de encerramento, com

a simulação do enterro do palhaço, que só será ressuscitado no próximo Carnaval.

El Pepino en la ciudad de La Paz seguramente tuvo que atravesar por diferentes vicisitudes para su definitiva consolidación como personaje principal de los carnavales. Desde la reapropiación del vestuario de Pierrot hasta la incursión en danzas populares, el Pepino fue una reinvención original, con sello creativo eminentemente paceño. Uno de los creadores de la máscara del pepino empleando el yeso fue en 1956, por Antonio Viscarra Morales, con tres cuernos, de quien una de las primeras comparsas que utilizaron este material creado de forma novedosa, fue la comparsa de los carniceros de La Paz, denominados “Los Romperragas”, quienes habrían relanzado la figura del Pepino en los carnavales de la época. La sonrisa en la máscara del Pepino, así como la nariz respingada serían una apropiación del gesto radiante pintado en el rostro del Pierrot.516

Nota-se que na Kantuta o Pepino possuía um papel de anfitrião do Carnaval.

Além de brincar e entreter os convidados, chamava a atenção dos turistas, que

pediam para fotografá-lo e questionavam sua presença.

513

FOROS BOLIVIA. Historia del pepino en carnavales de Bolivia. 2012. Disponível em: <http://foros.eabolivia.com/bo/folklore-en-bolivia/72-historia-del-pepino-en-carnavales-de-bolivia. html>. Acesso: 17/08/2015. 514

Ibidem. 515

CASERITA.COM. Pepino, el rey del Carnaval Paceño. s/d. Disponível em: <http://info.caserita. com/Pepino-el-rey-del-Carnaval-Paceno-a353-sm126>. Acesso em: mar. 2015 516

EL DIARIO. Pepino, rey del carnaval paceño. La Paz, 17/02/2015. Disponível em: <http://www.eldiario.net/noticias/2015/2015_02/nt150217/cultural.php?n=38&-pepino-rey-del-carnaval-pacenio>. Acesso em: 09/08/2015.

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Figura 32 - Pepino, cholitas e turistas.517

Sua vestimenta, incluindo a máscara com sorriso radiante, foi criada em

1956 por um artesão paceño que se inspirou na imagem do Pierrot. Desde então é

adotada como traje oficial do rei do carnaval. As cores podem variar, mas o modelo

da máscara e da roupa, não. Após a entrada do Pepino, que sempre está

acompanhado das cholas com vestimentas tradicionais, vem o corso infantil, um

desfile e o concurso de fantasias, com prêmios para as crianças que apresentam os

trajes das danças das fraternidades dos adultos.

O palco foi situado na Rua Pedro Vicente, bem ao lado da entrada do

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, de frente para a

Praça Kantuta. As crianças subiam e desfilavam as tradições culturais dos

antepassados, enquanto os pais e demais participantes aplaudiam. As barracas da

Feira Kantuta se mantiveram nesse dia de festa, só que com novos produtos, de

acordo com a temática do evento. Notaram-se trajes de Pepino à venda, fantasias

diversas – como de cholitas e outras comuns à cultura, como piratas e super-heróis

– e outros adereços: cornetas, confetes, serpentinas, bisnagas d‟água e “sprays” de

espuma. Percebeu-se empolgação por parte dos foliões durante as brincadeiras de

spray e água, muito comuns na Bolívia. A seguir, imagem de barraca com produtos

517

Arquivo próprio, fev. 2015.

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variados – fantasias de Pepino, chapéus – e vendedores fantasiados de egípcios.

Notam-se entre os itens sprays (ao fundo), aguayos pendurados e meias finas.

Figura 33 - Variedades de produtos.518

Observou-se também um comportamento diferenciado com relação aos

brasileiros que participavam da festa ou àqueles que eram facilmente identificados

como não bolivianos: com esses era evitada a brincadeira com spray, água e

confete. Nessa atitude percebe-se a falta de integração e os diferentes costumes

entre os frequentadores. Contudo, a tradição da “molhança”519, ou brincadeira com

água, ainda persiste e é admirada pelos frequentadores do carnaval boliviano.

518

Arquivo próprio, fev. 2015. 519

Uma tradição praticamente extinta no carnaval brasileiro, marcava a celebração do entrudo no Rio de Janeiro, no século 19. SILVA, Sidney. A migração dos símbolos: diálogo intercultural e processos identitários entre bolivianos em São Paulo. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, vol. 19, nº. 3, jul./set. 2005, p.77-83.

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Figura 34 - Brincadeiras de carnaval.520

Na sequência da programação, após o corso infantil, vem a procissão a

Virgem de Socavón e a benção dos padres católicos aos presentes. Os participantes

pareciam ansiosos à espera da procissão. Membros da organização e líderes da

comunidade boliviana carregaram o andor e demais itens do cortejo, como o quadro

com a imagem da Santa.

Figura 35 - A espera da procissão.521

520

Arquivo próprio, fev. 2015. 521

Arquivo próprio, fev. 2015.

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Figura 36 - Procissão da Virgem de Socavón.522

Logo atrás vinham os padres abençoando a festa, seguidos por devotos

também responsáveis pela organização do evento, que auxiliavam quando

necessário no transporte do andor.

522

Arquivo próprio, fev. 2015.

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Figura 37 - Padres católicos abençoam a festa.523

Após a procissão, vieram em “tropa” as fraternidades, dançando, cantando e

brincando com os participantes. Ao som de músicas tradicionais bolivianas, o

Carnaval transcorreu até o final do dia.

Figura 38 - Desfile das fraternidades.524

523

Arquivo próprio, fev. 2015. 524

Arquivo próprio, fev. 2015.

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Notam-se os trajes tradicionais masculinos (calça escura, camisa e sandália

de couro) e femininos (cholas), com tranças, xales ou lenços, sandálias e pequenas

bolsas com confete e serpentina que eram lançados aos participantes e

espectadores.

Figura 39 - Danças tradicionais.525

Observa-se no comportamento dos participantes, na organização do evento

e na oferta de produtos nas barracas que a preocupação com a reconstrução dos

costumes e das tradições bolivianas se fez presente.526 Nota-se ainda que os

e/imigrantes, porém, encontram-se receptivos a novas influências, em função das

aproximações culturais advindas do processo emigratório, como se pode verificar

nas fantasias dos foliões e em barracas de comida e bebida.

525

Arquivo próprio, fev. 2015. 526

Uma reconstrução das tradições e dos costumes pois se adaptam às realidades encontradas no cotidiano em São Paulo. Muitos são de origem rural, tendo um cotidiano e formas de organização de vida comunitária que se diferem em muito do cotidiano urbano. Nos momentos de festa, a música, a comida, as danças auxiliam na reativação da memória de um “ser” boliviano e, para aqueles nascidos aqui, desenha memórias nunca vivenciadas, mas cria sensações de pertencimento. HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (Orgs.). A invenção das tradições. São Paulo: Paz e Terra, 2008.

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Figura 40 - Boliviana vendendo churrasco.527

Figura 41 - Foliões.528

Observam-se muitos filhos e netos de bolivianos com outras fantasias: de

princesas, super-heróis e variados personagens do universo infantil para além da

cultura boliviana.

527

Arquivo próprio, fev. 2015. 528

Arquivo próprio, fev. 2015.

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No momento das festas mencionadas (Alasitas e Carnaval), o espaço se

transforma de acordo com o uso proposto pelo público organizador e frequentador.

Foram identificadas famílias paulistanas participando desses eventos e, por

conseguinte, interferindo nas tradições presentes nas festas, principalmente nas

alimentares, como no caso da oferta de caipirinhas, churrasquinhos e frango assado

em algumas barracas. Seria essa uma ressignificação do alimentar no evento

boliviano para atender às necessidades dos diferentes frequentadores, ou uma

forma de diálogo entre os costumes e tradições bolivianos e da sociedade paulista?

Figura 42 - Máquina de frango assado.529

Famílias almoçando frango assado e batatas fritas e, do outro lado da rua,

ao mesmo tempo, nota-se uma chola organizando seu almoço com alimentos

tradicionais dispostos no chão, que seriam partilhados entre os membros de sua

família. Na toalha havia espigas de milho, batatas, mandioca, miúdos de frango e

boi, carne de porco frita e ovos, alimentos apreciados que compõem vários pratos

consumidos no dia a dia na Bolívia.

529

Arquivo próprio, fev. 2015.

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Figura 43 - Alimentos tradicionais.530

[...] tais festas ressaltam também a questão étnica, veiculada por meio dos símbolos, língua, ritmos, danças, indumentária, comida e bebida típicas. Isso porque, em outros espaços, esses traços diacríticos são ocultados aos olhos de estranhos, em razão da discriminação sofrida pelos imigrantes.531

Acredita-se que a inclusão desses alimentos e bebidas não tradicionais da

Bolívia represente uma aproximação entre as culturas, uma maneira de o anfitrião

proporcionar acolhimento aos diversos públicos frequentadores. Pode ser entendida

ainda como parte de um processo cultural e histórico dinâmico, a partir do momento

em que os bolivianos também se adaptam, “se traduzem”, aos costumes e aos

sabores apreciados pelos paulistanos532, pois no cotidiano são obrigados a negociar

entre as duas culturas: a absorvida desde o nascimento e a que se apresenta no

novo contexto vivenciado.

530

Arquivo próprio, fev. 2015. 531

SILVA, Sidney Antonio. Virgem/Mãe/Terra: Festas e tradições bolivianas na metrópole. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2003, p.204. 532

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2011.

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[...] da Tradução. Este conceito descreve aquelas formações de identidade que atravessam e intersectam as fronteiras naturais, compostas por pessoas que foram dispersadas para sempre de sua terra natal. Essas pessoas retêm fortes vínculos com seus lugares de origem e suas tradições, mas sem a ilusão de um retorno ao passado. Elas são obrigadas a negociar com as novas culturas em que vivem, sem simplesmente serem assimiladas por elas e sem perder completamente suas identidades. Elas carregam os traços das culturas, das tradições, das linguagens e das histórias particulares pelas quais foram marcadas. A diferença é que elas não são e nunca serão unificadas no velho sentido, porque elas são, irrevogavelmente, o produto de várias histórias e culturas interconectadas, pertencem a uma e, ao mesmo tempo, a várias “casas” ( e não a uma “casa” particular). As pessoas pertencentes a essas culturas híbridas têm sido obrigadas a renunciar ao sonho ou à ambição de redescobrir qualquer tipo de pureza cultural “ perdida” ou de absolutismo étnico. Elas estão irrevogavelmente traduzidas. A palavra “tradução”, observa Salman Rushidie, “vem, etmologicamente do latim, significando “transferir”, “transportar entre fronteiras”. [...] Eles devem aprender a habitar, no mínimo, duas identidades, a falar duas linguagens culturais, a traduzir e a negociar entre elas. As culturas híbridas constituem um dos diversos tipos de identidade distintivamente novos produzidos na era da modernidade tardia.533

A Rua Pedro Vicente, tomada pelos foliões, torna-se um “território boliviano”

em São Paulo. Ao fundo da imagem nota-se a bandeira boliviana; nas laterais, as

barracas de comida e bebida, trazendo os diferentes aromas e sabores da Bolívia

aos participantes. O som da música latina os embala e transporta para os carnavais

de rua de La Paz. Os festejos recriam os espaços, produzem novos usos e deixam

marcas culturais na paisagem urbana.

533

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2011, p.88-90.

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Figura 44 - Vista da Rua Pedro Vicente tomada pelos foliões.534

Assim, o e/imigrante boliviano, mesmo “traduzido”, expõe sua cultura e

marca presença na cidade de São Paulo. Nos momentos de festa veiculam-se

identidades, sejam de paceños ou cochabambinos, que são absorvidas pela

comunidade como identidades nacionais, étnicas, sociais ou culturais e se

convertem em estratégias de luta e resistência contra os estigmas enraizados na

sociedade de acolhimento – a imagem negativa que preocupa, incomoda e

acompanha o boliviano no cotidiano, ora na escola, ora no trabalho, pelas ruas ou

nas ações de seu grupo.

3.2 RUPTURAS: REPRESENTAÇÕES E RESISTÊNCIAS

Os elementos fixos, fixados em cada lugar, permitem ações que modificam o próprio lugar, fluxos novos ou renovados que recriam as condições ambientais e as condições sociais, e redefinem cada lugar. Os fluxos são um resultado direto ou indireto das ações e atravessam ou se instalam nos fixos, modificando sua significação e o seu valor, ao mesmo tempo em que, também, se modificam.535

534

Arquivo próprio, fev. 2015. 535

SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço. São Paulo: Edusp, 2002, p.61-62.

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Sob o aspecto da dinâmica que se estabelece entre os sujeitos históricos e

os locais que habitam ou em que transitam, pode-se considerar um sistema com

sujeitos fluxos e fixos. Os fixos seriam a sociedade de acolhimento e os fluxos, os

e/imigrantes em trânsito. Mesmo que não queiram, esses sujeitos compartilham o

mesmo espaço e estabelecem relações, sejam de hospitalidade e/ou hostilidade.

Não procurei, foi a situação que se apresentou assim. Conheci pessoas que vinham para o Brasil, disseram que era rápido e que eu ia ter emprego. Mas eu não fui mula de nada, nada de drogas.536

O depoente justifica sua condição de e/imigrante econômico e enfatiza não

ter trazido nada ilícito, pois já constatou a percepção negativa da sociedade de

acolhimento com relação à emigração boliviana.

Isto se deve ao fato de que a imprensa local tem veiculado com frequência notícias que mostram o envolvimento de membros do grupo com o tráfico de trabalhadores e com a escravização de seus próprios compatriotas nas oficinas de costura da cidade.537

Uma das imagens negativas relacionadas à comunidade é quanto à venda e

uso de drogas: “[...] sempre respeitei as pessoas para poder exigir respeito. Às

vezes algumas pessoas falavam da cocaína, mas sem conhecer.”538 Como o chá de

folha de coca é hábito cultural dos povos andinos, sendo utilizado para vários fins –

como broncodilatador, para facilitar a respiração nas elevadas altitudes da

Cordilheira, remédio para os males do estômago e, se mascado, previne cáries

536

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 537

SILVA, Sidney. A imigração dos símbolos: diálogo intercultural e processos identitários entre os bolivianos em São Paulo. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, vol 19, nº. 3, jul./set. 2005, p.77. Algumas reportagens: GERAQUE, Eduardo. Paraguaios disputam lugar de bolivianos no Bom Retiro. Folha de São Paulo. Cotidiano. São Paulo, 7 de agosto de 2011, p.C6. ROCHA, Marília. Roupa de marca era feita com trabalho análogo a escravo. Folha de São Paulo. Mercado. São Paulo, 16/02/2013, B3. ROLLI, Cláudia. Marca de luxo é ligada a trabalho degradante. Folha de São Paulo. Mercado. São Paulo, 27/07/2013, p.B1. Idem. Mais grifes de luxo são alvo de investigação. Folha de São Paulo. Mercado. São Paulo, 27/07/2013, p.B2. BRITO, Agnaldo. Lei bane empresas que usarem em SP trabalho análogo à escravidão. Folha de São Paulo. Mercado. São Paulo, 29/01/2013, p.B1. 538

Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012.

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dentárias e ajuda a controlar a fome –, e a Bolívia está na rota dos países

produtores e exportadores de drogas ilícitas para o mundo, muitas vezes seu povo é

associado ao narcotráfico. O fator do Índice de Desenvolvimento Humano e a renda

per capta baixa também auxiliam na formação da imagem negativa de e/imigrantes

pobres, com baixa qualificação e despreparados para viver em cidades como São

Paulo, já que a maioria vem de origem rural.

Assim, como falei, as pessoas que vêm da Bolívia sem conhecer a cidade, como falei, na própria Bolívia tem diferenças. Umas moram na cidade, outras não. As da região fria não tomam banho, son meio porquinhos, sujas... E tem isso, tem essa imagem, mas nem todo mundo é assim. Son da roça, não tiveram educação, não sabem nem falar o espanhol [...] e daí que surge essa imagem negativa.539

Em pesquisa nos bairros estudados com os moradores não bolivianos,

vizinhos de oficinas e moradias de e/imigrantes, podem-se constatar diferentes

percepções acerca do relacionamento na vizinhança. Frases como “São quietos,

não perturbam” e “Fazem sujeira, jogam tudo na rua” foram ditas.

[...] Eu já sofri preconceito. Quando tem algum atrito, as pessoas às vezes falam “Boliviano safado”. Usam a condição de imigrante para ofender. A massa de bolivianos que vem para São Paulo tem um comportamento tímido e submisso, bebem muito e se transformam. A questão da higiene também é um aspecto negativo.540

Outros vizinhos falaram “pobres coitados”, uma imagem que a comunidade

boliviana quer quebrar a qualquer custo.

[...] a maioria de nós bolivianos podemos ser pobres, ter dificuldades... Mas você já viu um mendigo boliviano, pedindo, pedindo comida? Jamais, é uma grande vergonha. Nós

539

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 540

Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012.

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passamos fome, mas trabalhamos. Pedir é uma vergonha, a pior vergonha.541

E para isso muitos fazem referência aos antepassados, os Incas, que lhes

ensinaram valores de conduta: ama keilla, ama suya, ama lulla (não sejas mentiroso,

preguiçoso e ladrão).542

[...] algumas vezes pensavam que eu era o boliviano padrão, quieto, tímido e, quando percebiam que era diferente, dava problema [...] Eu nunca sofri uma agressão diretamente. Quando eu era discriminado, eu revertia facilmente. Porque as pessoas que discriminam são mal informadas.543

A principal estratégia do grupo que tenta se estabelecer é usar a informação

a seu favor, a fim de minimizar as diferentes formas de exploração sofridas pelos

e/imigrantes. A comunicação com a sociedade de acolhimento é outra estratégia

adotada, buscando-se imprimir uma imagem positiva e desmistificar a ideia de que

todo índio boliviano seria “preguiçoso, bêbado, trabalhador explorado, sujo”, entre

outros estigmas enraizados.

O grupo passou a se organizar para defender seus interesses a partir do

momento em que a imprensa vinculou a imagem dos e/imigrantes bolivianos com a

utilização de mão de obra análoga à escrava.

Nesse sentido, a construção de uma nova identidade social tornou-se uma das questões centrais para o referido grupo. [...] Entre as formas adotadas por eles para propiciar este processo de recriação de identidades estão a valorização das línguas originárias, como o quéchua, o aimará e o guarani, elementos do folclore, como as várias danças regionais, e, sobretudo, as festas devocionais, seja entre bolivianos, chilenos, paraguaios e peruanos.544

541

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 542

SILVA, Sidney A. da. Bolivianos: a presença da cultura andina. São Paulo: Editora Nacional, 2005. 543

Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 544

SILVA, Sidney A. da. Hispano-americanos em São Paulo. Alcances e limites de um processo de integração. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, Ano XII, nº. 33, CEM - Centro de Estudos Migratórios, jan./abr. 1999, p.30.

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Para tal, realizam, participam e planejam inúmeros eventos que apresentem

outras faces da e/imigração boliviana, como o Seminário Vozes e Olhares Cruzados,

promovido pela Missão Paz, as Novenas, o grupo “Eu amo a Bolívia” na Corrida

internacional de São Silvestre, integração com escolas de samba e outros.

Meu sonho é fazer um evento grande sem fins lucrativos, e sim que usufrua dos benefícios que o governo tem para incentivo à cultura, para investir e direcionar esses recursos para trazer artistas de lá e mostrar os daqui, que são anônimos, são pessoas sem reconhecimento por falta de investimentos. Eu já tentei com o grupo, avançou um pouco. Eu quero, dessa forma, ajudar a comunidade boliviana a manter a cultura viva. Esse trabalho é importante e onde existem problemas sociais de discriminação, tem que acabar.545

Segundo seus próprios membros, a comunidade boliviana está passando

por um processo de inserção na sociedade de acolhimento, assim como ocorreu

com os demais e/imigrantes de São Paulo. Porém, destacaram que “a sociedade

brasileira ainda não aceitou a imigração boliviana como as outras, porque vem gente

humilde”546.

Os imigrantes, em boa parte, são de cidades pequenas nos Andes e tradicionalmente introspectivos. Há também as barreiras usuais da língua, costumes. Mas os que cresceram aqui já absorveram a educação local. Em certas escolas públicas de ensino fundamental, há 80% de bolivianos. O desafio agora é a autonomia.547

Para obter autonomia e diminuir a discriminação, os e/imigrantes almejam

poder votar nas eleições: “Sem esse direito, ficamos invisíveis para os políticos.”548

545

Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 546

Depoimento de Victor Palenque, 58 anos, administrador de empresas. Cf.: PEREIRA, Elves. A Bolívia é aqui. Sãopaulo. São Paulo, Folha de São Paulo, 16 a 22 de julho de 2013. 547

Depoimento de Jaime Valdívia Almanza, ex-cônsul-geral da Bolívia em São Paulo. Cf.: BALAGO, Rafael. “Hoje, os bolivianos investem em São Paulo”, afirma cônsul-geral da Bolívia. Sãopaulo. São Paulo, Folha de São Paulo, 21 a 27 de abril de 2013. 548

Depoimento de Luís Vásquez, presidente da Associação de Empreendedores Bolivianos da Rua Coimbra (Assempbol). Cf.: BREDA, Tadeu. Finalmente reconhecidos pela prefeitura, bolivianos de São Paulo querem mais direitos. 24/01/2014. Disponível em: <http://www.redebrasilatual.com.br/

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Conquistaram o poder de votar e ser votado nos Conselhos Participativos da cidade,

mas lutam por mais, querem os mesmos direitos dos nacionais: votar e se

candidatar em outras esferas. “Nosso compromisso é pra valer”549, afirma-se. “Os

bolivianos que vêm pra cá, vêm pra trabalhar. Eu me orgulho de estar deixando uma

semente boa aqui. Eu exijo respeito, respeito os outros e me respeitam também”550,

ressalta o depoente.

Queria mais que votar, queria ser vereador no Brasil, porque aí penso que poderia mudar alguma coisa. Aqui precisa de pessoas honestas para o país ir pra frente. Não pode ter medo de lutar. A população brasileira, quando vê que você não tem medo, te apoia.551

Dialogar com a sociedade de “acolhimento”, romper com a imagem negativa

e com os preconceitos já enraizados são alguns dos objetivos ainda não alcançados

pela comunidade boliviana, pelas autoridades e entidades que lidam todos os dias

com os e/imigrantes. Nota-se a longa caminhada a ser percorrida e as pedras que

estarão no caminho nestes comentários postados em rede social acerca da inclusão

da Festa das Alasitas no calendário oficial da cidade de São Paulo:

como diz o Catra: VAI COMEÇAR A PUTARIA aliás, já começou o titulo dessa reportagem me fez rir: como assim querem direitos? Bolsa Bolivianos? e o final da reportagem então anula ela toda: "É o aniversário da Bolívia”, conta, sem a menor preocupação de esconder a saudade. então eles sentem SAUDADE da Bolivia? voltem pra lá, ué, quem os está segurando? Contagem regressiva pra aparecer os defensores. [...] governo tirando grana do teu bolso pra dar pro teu vizinho e pra ele próprio, e bolivianos pelas ruas falando que "Bolivia era bem melhor que aqui" e vcs lambendo as bolas deles, pois são um povo receptivo.552

cidadania/2014/01/finalmente-reconhecidos-pela-prefeitura-bolivianos-de-sao-paulo-querem-mais-direitos-8009.html>. Acesso em: 28/04/2015. 549

Depoimento de Luís Vásquez, presidente da Associação de Empreendedores Bolivianos da Rua Coimbra (Assempbol). Cf.: Ibidem. 550

Depoimento de Santiago Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 551

Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012. 552

Texto apresentado da forma como foi digitado pelo comentador da reportagem, apenas houve um corte, em mudança de assunto. Cf.: BREDA, Tadeu. Finalmente reconhecidos pela prefeitura, bolivianos de São Paulo querem mais direitos. 24/01/2014. Disponível em: <http://www.rede

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As postagens que expressam xenofobia não são ignoradas pela comunidade

boliviana, que se revolta e também de vale de seu direito de resposta. Assegurada

pelo anonimato da rede, a boliviana responde:

bolivianos tbm pagam impostos, tem direitos tbm, são trabalhadores, se vc pensa assim Luiz Inacio, na quantidade de brasileiros vagabundos que existe nessa jossa de país? porque falar assim dos bolivianos??? vai falar mal dos seus que nao passam de pilantras, preguiçosos, que vivem a custa do bolsa esmola e do ajuda-vagabundo-na-prisao vc pensa que é melhor em que?? prostitutas mirins dançando quadradinho de oito la nao existe, pense na sua vida mediocre antes de falar dos outros.553

Esse embate representa o que corre no cotidiano dos e/imigrantes bolivianos

em São Paulo: uma falsa aceitação da sociedade de “acolhimento”, vedando as

percepções acerca do processo emigratório para o Brasil. As relações nem sempre

formam vínculos positivos, podendo se caracterizar como relações de hostilidade

costuradas nos momentos de demanda por serviços públicos, por emprego e até

mesmo nos momentos de festa.

O preconceito está em todo lugar, é uma coisa que cabe a você. Eu sentia preconceito quando cheguei. Mas hoje em dia não, eu me valorizo. Eu sei das minhas raízes, eu sei da minha capacidade. O preconceito acredito eu que é um problema seu.554

A agressividade expressa outra face da relação, a hostilidade, aquela que

não revela vínculos positivos. “Ir ao encontro de alguém era uma expressão contida

no termo latino adgredior, do qual resultou o nosso termo agressão.”555 As atitudes

hostis são um risco no relacionamento, pois a “hostilidade é outra face da

hospitalidade”, podendo estar presente no ato da troca da hospitalidade, tanto para

quem dá como para quem a recebe.

brasilatual.com.br/cidadania/2014/01/finalmente-reconhecidos-pela-prefeitura-bolivianos-de-sao-paulo-querem-mais-direitos-8009.html>. Acesso em: 28/04/2015. 553

Texto apresentado da forma como foi digitado pela comentadora. Cf.: Ibidem. 554

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 555

CAMARGO, Luiz Octávio de Lima. Hospitalidade. São Paulo: Aleph, 2004, p.21.

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Nota-se a existência de um relacionamento entre a comunidade boliviana e a

sociedade paulista, mesmo que conflituoso e hostil, pois a hospitalidade e a

hostilidade são “irmãs gêmeas”, caminham lado a lado. A falta de um

relacionamento, o oposto da hospitalidade, seria a indiferença, o ato de ignorar a

presença do outro.556

[…] uma das principais funções da hospitalidade é fazer amigos e se familiarizar com estrangeiros e inimigos. Esta menção serve para retirar das sombras a hostilidade, “irmã gêmea” da hospitalidade. Mas, a surpresa inicial de que a hostilidade e a hospitalidade poderiam se relacionar tão intimamente é diminuída pela constatação de que ambas são meios alternativos de expressar o relacionamento com o outro. Desse ponto de vista, o “oposto” de conceder hospitalidade não é tanto declarar guerra, mas apenas optar por ignorar a existência do outro.557

O fato de o relacionamento entre e/imigrante boliviano e morador local

resultar em encontros, desencontros e em momentos de indiferença dá margem à

prospecção de vínculos sociais entre os sujeitos históricos envolvidos, pois a

hostilidade pode significar apenas uma face da relação que está em processo de

construção.

Líderes comunitários e representantes de associações de apoio trabalham

em conjunto para auxiliar os e/imigrantes recém-chegados que, desprovidos de

capital, necessitem de trabalho, moradia e informações para regularizar sua situação

migratória. Estes são os que mais sentem o peso dessa relação em constante

construção, sofrendo preconceito por ainda não estarem adaptados às regras da

sociedade de acolhimento.

As aulas de português oferecidas pelo Projeto Si Yo Puedo aos domingos,

os cursos de idiomas e informática nas associações e em algumas escolas públicas

da região central e materiais de apoio como o “Manual práctico para oficinas textiles

556

FERNANDEZ, Leandro R. G. Hospitalidade e encontro: o relacionamento entre moradores e turistas de segunda residência em Praia Grande. Dissertação (Mestrado em Turismo), São Paulo, Universidade Anhembi Morumbi, 2009. 557

SELWYN, Tom. Uma antropologia da hospitalidade. In: LASHLEY, Conrad; MORRISON, Alison (Orgs.). Em busca da hospitalidade - Perspectivas para um mundo globalizado. Barueri, SP: Manole, 2004, p.36.

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y pequeñas empresas urbanas”, produzido pelo CAMI e pelo Serviço Pastoral dos

Migrantes, que traz informações sobre legislação para imigrantes no Brasil – como

empreender, direitos, deveres e segurança no trabalho –, são ferramentas que os

auxiliam a resistir e romper com a imagem negativa, diretamente ligada às condições

de trabalho que enfrentam.

Não é por acaso que esses rostos em grande parte latinos, mas também africanos e asiáticos, são muito mais visíveis no centro de São Paulo durante o domingo, o único dia de folga. Estudos já realizados sobre o tema revelam jornadas de 12 a 17 hs, o padrão de remuneração pelo salário por peça (R$ 0,15 a R$ 4 a peça) condicionado à produtividade do trabalhador e à demanda do mercado; fábricas-dormitório, espaços pequenos com concentração de máquinas de costura e de trabalhadores; muito barulho, pouco ar e iluminação. Essas condições precárias de trabalho e de vida são ainda mais agravadas pela situação de indocumentados.558

A regularização migratória é outra estratégia incentivada pelo poder público

e pelas associações de apoio, já que o deslocamento até o Brasil se dá na maioria

das vezes por terra e na condição de turistas. Uma vez aqui instalados, os

e/imigrantes acabam se envolvendo no cotidiano de trabalho e perdem os prazos

para regularizar sua estada no país ou optam pela não regulamentação. Com isso,

multas são geradas e a situação da indocumentação se agrava. Sem

documentação, o indivíduo fica exposto a serviços mal remunerados e condições

insalubres de trabalho e moradia.

Todavia, ter uma situação regularizada não é sinônimo de direitos assegurados. O anistiado recebe um visto temporário e posteriormente deve comprovar os “vínculos no país” (trabalho, residência) para mantê-lo ou transformá-lo em permanente. Em particular, a exigência de um contrato de trabalho como condição para obter o direito de residência permanente no país não rompe com o vínculo de dependência do trabalhador imigrante para com o seu empregador, tampouco com o controle das condições de vida dos imigrantes por esse último,

558

VILLEN, Patricia. Polarização do mercado de trabalho e a nova imigração internacional no Brasil. s/d, p.7. Disponível em: <http://www.estudosdotrabalho.org/texto/gt5/polarizacao.pdf>. Acesso: 19/05/2015.

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em particular no que tange ao tipo mais vulnerável de imigração.‟559

Sabe-se que somente a regularização da situação no país não mudará a

imagem negativa já instituída sobre a imigração boliviana. Contudo, trará uma real

noção da presença dessa população em território nacional, favorecendo a criação de

políticas e ações de integração entre a comunidade e a sociedade de acolhimento.

A presença boliviana traduzida em números oficiais – através do controle

das entradas, das solicitações de regulamentação da estada no país, do registro de

filhos em território brasileiro, das matrículas das crianças nas escolas – permitiria

identificar as reais necessidades dos e/imigrantes nas áreas da saúde, educação,

política, trabalho, segurança, dando voz para se expressarem e questionarem a

legislação migratória vigente. Por meio do processo de regularização, os

e/imigrantes conquistam direitos trabalhistas e de livre deslocamento entre os

países, diminuindo também as entradas ilegais e a exploração de mão de obra no

setor da costura.

3.2.1 Buscas: valorização e reconhecimento social

Uma maneira encontrada pela comunidade boliviana de romper com os

estigmas estabelecidos pela sociedade de “acolhimento” foi apresentar a riqueza

cultural de suas tradições, costumes e manifestações de fé. A alegria do e/imigrante

que vem para trabalhar e consegue realizar seus sonhos em terras estrangeiras é

reforçada nas festas devocionais – e não a imagem de trabalhador explorado, pobre,

sem capacitação e necessitado.

559

VILLEN, Patricia. Polarização do mercado de trabalho e a nova imigração internacional no Brasil. s/d, p.8. Disponível em: <http://www.estudosdotrabalho.org/texto/gt5/polarizacao.pdf>. Acesso em: 19/05/2015.

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Figura 45 - Alegria do festejar.560

Nas festas bolivianas, o que chama a atenção é a quantidade de pessoas de diferentes classes sociais, faixas etárias e origens étnicas que elas são capazes de aglutinar. Também é notável a diversidade de tradições, ritmos, sabores e objetos da cultura material veiculados nessas festividades. Nesse sentido, graças à sua polissemia – que lhes permite exprimir uma pluralidade de significados – os símbolos constituem-se um importante canal de diálogo para grupos de imigrantes em vias de inserção num novo contexto.561

As festas apresentam elementos como a dança, os ritmos, os sabores de

várias localidades da Bolívia e, para o indivíduo em trânsito, representam um

momento de retorno às origens. São aglutinadoras e auxiliam os e/imigrantes na

afirmação da tradição, tanto os descendentes nascidos no Brasil como os recém-

chegados e os já estabelecidos. As comemorações e novenas realizadas em

espaços públicos atraem curiosos, turistas e agregam também outros e/imigrantes

latinos.

560

BALTAZAR, Thiago. Alegria do festejar - Bolivianos participam de novena das virgens de Copacabana e Urkupiña. 14/11/2011. Disponível em: <http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias. php?id=831>. Acesso em: 06/05/2015. 561

SILVA, Sidney da. A imigração dos símbolos: diálogo intercultural e processos identitários entre bolivianos em São Paulo. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, vol. 19, nº. 3, 2005, p.79-80.

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Anos atrás quem dançava era velho, hoje os jovens participam. Movimento bacana do grupo Kantuta, antes era formado por médicos, um grupo elitizado, que foi criado para relembrar as danças. Mas aí os jovens entraram e formaram novos grupos, o San Simón e o Sociedad, e aí começou a trazer mais jovens. Então de quatro anos pra cá dá status ser de um grupo folclórico. Antes os jovens não participavam. Hoje vemos jovens e crianças participando. Os jovens trazem brasileiros para o grupo também, trazem pessoas de outros grupos gregos, chilenos... Eu dancei dois anos no Sociedad, me afastei por conta do projeto, que também é aos domingos, mesmo dia dos ensaios do grupo.562

Jovens de descendência boliviana compõem grupos de dança e realizam

apresentações em colégios públicos da região central, que promovem festivais com

o intuito de integrar os alunos de diferentes etnias. Eles dançam em tropa ao ritmo

de caporales, as dançarinas representam cholitas, com tranças e o tradicional

chapéu-coco. Os trajes de festa são utilizados apenas em apresentações, por isso

notam-se saias bem curtas (minipolleras), que, de acordo com as bailarinas, são

utilizadas para alongar as pernas e mostrar a beleza da mulher boliviana,

abrilhantando a performance do grupo.

Em entrevista, uma dançarina do grupo Kantuta mencionou que os jovens

preferem dançar caporales, por seu ritmo animado, com movimentos arrojados, e

por ser uma dança juvenil e ao mesmo tempo sensual, já que as bailarinas usam a

minipollera.563

562

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013. 563

Cf.: SILVA, Sidney Antônio da. Bolivianos: a presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.

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227

Figura 46 - Jovens bailarinos.564

Eu não sei muito bem, mas talvez seja a forma como a gente incentiva eles, eu acho que eles gostam. A minha netinha é filha de descendente boliviana com brasileiro, e ela gosta. Canta em espanhol, dança, ela pronuncia em quéchua, canta... Não sabe o significado, mas ela canta. Eu acho que ela vai seguindo as minhas tradições.565

As festas propiciam o aprendizado da cultura dos antepassados e uma

afirmação das tradições. Alguns depoentes relataram que na Bolívia não faziam

parte de fraternidades, dançavam, mas não como aqui, com coreografias, trajes e

preocupação com os passos coreografados.566 Destacaram também a relevância do

estudo da origem de cada dança, como a morenada e a diablada, que são

originárias do contexto de escravidão de índios e negros nas minas de prata da

Bolívia.567

564

SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Programa Escola da Família. Comunidade boliviana apresenta dança típica na região central da capital. 24/01/2013. Disponível em: <http://www.educacao.sp.gov.br/fotos.php?id=26>. Acesso em: 06/05/2015. 565

Depoimento de Santiago Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012. 566

Depoimentos de Franz Ever Quety Rada, Veronica Quispe e Raissa Oblitas, em entrevistas concedida à autora em 12/05/2012, 20/06/2013 e maio de 2013, respectivamente. 567

SILVA, Sidney da. A imigração dos símbolos: diálogo intercultural e processos identitários entre bolivianos em São Paulo. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, vol. 19, nº. 3, 2005.

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Com o ingressar de um indígena na presidência da Bolívia, a questão da valorização e preservação da tradição indígena ficou ainda mais forte. E acredito que hoje as famílias têm ainda mais orgulho de sua história e de suas conquistas.568

O estigma étnico reforça a imagem socialmente enraizada da e/imigração

boliviana. Independentemente da condição econômica e social, os bolivianos são

identificados como “índios” por seus traços fenótipos herdados de vários grupos

étnicos que compõem o povo boliviano. Rememorar as origens étnicas e resgatar as

tradições é marcar presença na sociedade de acolhimento: “As vezes me dizem: O

senhor é índio? Sim, lhe digo. Antes achava feio que me chamassem de índio.

Agora me orgulho que me chamem de „índio‟.”569

Apresentar a cultura boliviana para os vizinhos é uma estratégia de interação

utilizada pela família Tordoya. A mãe convida as vizinhas para participar das

novenas e dos momentos de festa, e elas, conforme relata, gostam da comida, da

bebida e da música boliviana. Destaca-se o fato de gostarem da alegria da novena.

Poucos brasileiros sabem como os bolivianos praticam as novenas: fazem orações,

agradecimentos, discutem uma temática relacionada ao cotidiano do grupo e

terminam com música, oferta de petiscos tradicionais (salteñas, salshipapas, pães e

bolos), bebidas como cerveja paceña e chicha e muita dança. “Um dia saímos

cheios de confetes e entramos no terminal de Diadema. A moça do caixa disse:

„Carnaval nesta época?!‟ „Nós viemos de uma Novena‟, eu disse. „Novena!?‟, a moça

quase desmaiou.”570

568

Depoimento de Raissa Oblitas, em entrevista concedida à autora em maio de 2013. 569

Depoimento de Jorge, comerciante boliviano. Cf.: SILVA, Sidney A. Costurando Sonhos: trajetória de um grupo de bolivianos em São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1997, p.189. 570

Depoimento de Maria. Cf.: Idem. Bolivianos: a presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005, p.59.

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229

Figura 47 - Novena a Nossa Senhora de Copacabana - Passantes em festa.571

A imagem mostra o cortejo realizado após a novena a Nossa Senhora de

Copacabana. Notam-se os trajes tradicionais femininos e masculinos, além de

confetes e papéis coloridos picados (mixtura) lançados pelos participantes nos

passantes (organizadores da novena) e demais membros do cortejo.

Vale ressaltar [...] que estas festas constituem um espaço de intensa sociabilidade e comunhão de valores, como, a reciprocidade criada entre eles, o sentido da ausência de limites, expresso na abundancia da comida e sobretudo da bebida, a qual não pode faltar, constituindo assim um momento privilegiado em que as várias identidades regionais se fundem em uma única identidade: a de ser boliviano em São Paulo, com todas as suas implicações. Tal identidade se expressa através de vários símbolos utilizados na festa como a própria imagem da Santa, a qual é trazida da Bolívia, a bandeira nacional, a música folclórica, cujo ponto culminante da festa é a dança de uma cueca entre os passantes, os vários enfeites e até mesmo a bebida com as cores nacionais. Todo este contexto simbólico contribui para que venha à tona, a qual é manipulada pelos mesmos em vista da criação de uma nova imagem de si mesmos perante a sociedade local.572

571

RAMOS, Daniela. Bolivianos celebram Virgem de Copacabana com alegria e devoção. Diário Corumbaense. Corumbá - MS, 06/08/2014. Disponível em: <http://www.diarionline.com.br/index. php?s=noticia&id=70388>. Acesso em: 05/05/2015. 572

SILVA, Sidney A. da. Uma face desconhecida da metrópole: os bolivianos em São Paulo. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, Ano VIII, nº. 23, CEM - Centro de Estudos Migratórios, set./dez. 1995, p.19.

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Nas festas das novenas, e/imigrantes bolivianos não medem esforços para

receber com fartura os demais membros da comunidade, pois querem retribuir todas

as graças que receberam da Virgem. Ao repartir seus ganhos e felicidade ofertando

música, comida e bebida, manipulam a criação de uma nova imagem – a de

vitoriosos – perante o grupo e a sociedade de acolhimento. Faz parte da tradição

agradecer pelo convite para participar da festa presenteando o anfitrião (ayni), como

uma ajuda, em geral com caixas de cerveja, propiciando assim mais fartura da

bebida no decorrer da comemoração.

Figura 48 - Procissão em louvor a Virgem de Copacabana,

na Praça Cívica do Memorial da América Latina.573

Nota-se a presença do padre católico à frente da procissão, junto aos

organizadores da cerimônia, que carregam o andor em forma de barco574, em alusão

573

JORNAL MOMENTOS. Eventos – São Paulo – II Festa Cultural da Comunidade Boliviana. Disponível em: <http://www.jornalmomentos.net/construtor/MyImages/Bol2.jpg>. Acesso em: 05/05/2015. 574

O material e a forma de barco desse andor se remetem às embarcações construídas por grupos étnicos que habitam as ilhas artificiais do lago Titicaca, denominadas Uros. As ilhas, casas, embarcações, artesanatos e demais utensílios são produzidos à base de totoras, uma planta comum em pântanos da América cujo talo mede de 1 a 3 metros. EL COMERCIO. Manejo de totora en lago Titicaca fue declarado patrimonio cultural. Lima - Peru, 25/01/2013. Disponível em:

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à sua aparição às margens do lago Titicaca, uma bandeira e flores em homenagem

à Virgem. Os homens estão de terno e as mulheres, com a tradicional pollera que

compõe o traje das cholas. Percebe-se o uso de confetes, serpentinas e papéis

picados (mixtura), presentes nas festividades religiosas da Bolívia e reproduzidos

aqui.

Os eventos continuam os mesmos daquela época. As danças –morenadas, caporales, tinkus – não mudaram. “Só agrandou. Antigamente, eram dez, vinte pessoas. Hoje tem oitenta, cem. E as vestimentas „cambiaron‟ um pouquinho.”575

Figura 49 - Procissão na Igreja Nossa Senhora da Paz.576

Na tarde de 28 de maio de 2011, sábado, na Paróquia de Nossa Senhora da

Paz, no Glicério, aconteceu a celebração solene da Fraternidad Juventud Intocables.

Entre os integrantes, mulheres com polleras laranja e homens com ternos escuros

abençoados perante a comunidade boliviana com as graças da Virgem de

Copacabana e Virgem de Ukipiña. Ao final, saíram em procissão pelo pátio da Igreja,

<http://elcomercio.pe/peru/lima/manejo-totora-lago-titicaca-fue-declarado-patrimonio-cultural-noticia-1528166>. Acesso em: 09/09/2015. 575

GUTIERREZ, Felipe. Dom Alberto, o colunista social dos bolivianos. Sãopaulo. São Paulo, Folha de São Paulo, 26 de junho a 2 de julho de 2011, p.43. 576

BOLÍVIA CULTURAL. Procissão na Igreja Nossa Senhora da Paz. s/d. Disponível em: <http://www.boliviacultural.com.br/images/intocables_missa_001.jpg>. Acesso em: 06/05/2015.

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seguindo o grupo musical Hiru Hicho, vindo diretamente da Bolívia para animar a

festa. Todos puderam a assistir à dança morenada. Cervejas e o guia de bolso

Bolívia Cultural, veículo de comunicação destinado à comunidade boliviana, eram

distribuídos aos presentes.

No início do processo emigratório boliviano, de 1950 a 1970, as novenas e

datas comemorativas nacionais bolivianas eram menos frequentadas, as redes de

e/imigrantes estavam se organizando e se adaptando. Com o passar do tempo, a

fixação da primeira geração e o aumento constante do fluxo emigratório, de 1980 em

diante os eventos ganharam um público cativo, preocupado com a manutenção das

tradições pela segunda geração e com a continuidade dos costumes bolivianos em

São Paulo. Por isso Dom Alberto, que acompanha registrando profissionalmente os

eventos bolivianos desde 1970, destacou que as datas comemorativas não se

alteraram, mas o volume de frequentadores, bailarinos e os trajes, sim.

Membros de grupos de dança mencionaram em depoimento o preparo das

coreografias, os ensaios para as apresentações e os investimentos anuais em trajes

vindos diretamente de oficinas de costura de La Paz (Bolívia).577 Essa atenção com

os passos coreografados e os trajes dos bailarinos cada vez mais elaborados,

coloridos e em perfeito estado para cada exibição denota um cuidado com a imagem

que o grupo quer passar, se reafirmando enquanto estrangeiro, boliviano e indígena,

mas rompendo com o estigma de pobre, malcuidado, sem higiene e sem cultura.

Estudos sinalizam perspectivas positivas em direção ao rompimento da

imagem negativa, com um novo olhar apontando o estrangeiro enquanto exótico e

provedor de enriquecimento cultural, como apresentado em três trechos de

entrevistas coletadas em grupos focais:

[...] a cultura deles é muito antiga e tem-se a impressão de que as pessoas carregam essa coisa antiga, indígena, em suas vidas e cultura [...] então, eles são muito ricos culturalmente. [...] a primeira coisa que veio à minha mente foi a feira de artesãos aqui em São Paulo. Moderador: Você esteve lá? Não, nunca, mas sei que existe. Isso me fez pensar sobre a riqueza cultural que eles trazem para cá, mas ao mesmo tempo sei que

577

Depoimentos de Jaime Adolfo Oblitas Alvarez, Franz Ever Quety Rada e Raissa Oblitas, em entrevistas concedidas à autora em 04/05/2013, 12/05/2012 e maio de 2013, respectivamente.

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essa feira é resultado de muitos bolivianos que vêm aqui e se envolvem em trabalhos muito difíceis [...] sofrendo muito. Eles trabalham e moram no mesmo lugar. A primeira coisa que pensei, quando começamos a falar, foi nos produtos feitos à mão, que eles vendem aqui [...] acredito que sejam muito unidos. É isso que eu vejo, eles parecem uma espécie de tribo, a família toda caminha junto, possuem olhos mais orientais, vestem roupas coloridas e vendem seus artesanatos.578

O reconhecimento social é almejado pelos e/imigrantes, assim como a

aceitação na comunidade local – muitas vezes, escondem ou negam problemas por

medo da rejeição que encontram.

Criei esse projeto Bolívia Cultural, onde (sic) mostro que a Bolívia não é apenas o que muitas pessoas veem... [...] Há muitos brasileiros que entram no site e enviam e-mails dizendo que não sabiam que a Bolívia era tão bonita, etc... [...]579

O reconhecimento econômico pode até ser alcançado dentro ou fora da

rede. Porém, o social, mesmo entre os compatriotas, pode não ocorrer. Uma

maneira de conquistar destaque na comunidade boliviana é fazer parte do grupo que

organiza as novenas e as festas às Virgens de Copacabana e Urkupiña,

dependendo do local de origem do e/imigrante, paceño ou cochabambino – no caso

da família Tordoya, cochabambinos e devotos da Virgem de Urkupiña.

578

Depoentes sem identificação. Cf.: SIMAI, Szilvia; BAENINGER, Rosana. Racismo e sua negação: o caso dos imigrantes bolivianos em São Paulo. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, nº. 68, janeiro a junho de 2011, p.52. 579

Depoente sem identificação. Cf.: Ibidem, p.59.

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Para os festeiros (prestes), essa festa é o espaço de reconhecimento de seu prestígio dentro do grupo, pois para realizar uma é preciso, em primeiro lugar, aceitar participar do intercâmbio de dons, ou seja, da lógica da distribuição de bens inerente à instituição do presterío.580

É através dessa lógica de distribuição de bens que se estreitam os laços de

compadrio, pois o festeiro, ao aceitar participar da organização da festa, passa

encargos para outro membro e ambos, automaticamente, se tornam compadres.

Seguindo esse preceito de compadrio, notam-se alguns conflitos internos na escolha

dos passantes e organizadores das Festas da Virgem quando estão fora do núcleo

familiar. Nas festividades realizadas na Paróquia Nossa Senhora da Paz, por

exemplo, ocorrem exigências e interferências por parte da Igreja na programação e

organização do evento, como na escolha do festeiro, que deve pertencer à

comunidade há pelo menos dois anos e ser casado na igreja católica.

Ressalta-se também que o custo elevado do evento limita a participação da

comunidade que frequenta a igreja, somente aqueles que possuem mais recursos

conseguem marcar presença, em sua maioria comerciantes e donos de oficinas de

costura. No convite apresentado a seguir nota-se o destaque que é dado aos

festeiros e aos seus filhos, no centro; à esquerda identifica-se a imagem da Virgem

de Copacabana e duas fotos de La Paz; e à direita, os grupos de dança e bandas

presentes no evento.

580

SILVA, Sidney A. Bolivianos: a presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005, p.57.

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Figura 50 - Convite para Novena e Festa - altos custos. 581

581

Cf.: PINTEREST. Altos custos. Convite para Novena e Festa. Disponível em: <http://farm4. staticflickr.com/3806/10994767583_c59f1e19db_o.jpg>. Acesso em: 05/05/2015.

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Outro convite de luxo para festa de encerramento de novena, entregue

somente aos membros de destaque da comunidade boliviana, salientava a foto do

grupo que se apresentaria, a programação do evento – detalhada com calendário

das atividades –, letras de músicas, orações, a imagem da Santa e um CD.

Figura 51 - Convite para Festa Social e Ato Religioso –

Morenada Los Catedráticos Gestão 2013.582

582

TEODORO, Gi. Convite a Festa Social e Ato Religioso – Morenada Los Catedráticos Gestão 2013. 09/04/2013. Disponível em: <http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=1924>. Acesso em: 05/05/2015.

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Todas as novenas se iniciam nove dias antes do evento (dia da Santa

Padroeira). Uma imagem peregrina “visita” primeiramente os festeiros e, depois,

migra para as casas de outros organizadores e membros da comunidade. Nelas são

realizadas as reuniões evangelizadoras e discutidas temáticas e técnicas do evento

que se seguirá. Ao final de cada encontro já se nota a convivialidade, com a oferta

de alimentos, música e danças regionais.

A seguir é possível observar o destaque dado aos organizadores do evento.

No último dia realiza-se a Festa das Padroeiras – após a missa na Paróquia, a festa

acontece no salão paroquial ou outro local escolhido pelos festeiros. Na imagem

estão os dois casais de festeiros com o padre, todos paramentados de acordo com a

temática andina.

Figura 52 - Bolivianos participam de novena das

Virgens de Copacabana e Urkupiña.583

No dia da festa, aqueles que ajudaram na realização do evento recebem um

tratamento diferenciado em relação aos demais convidados. São colocados em

mesas separadas com adereços diferentes, flores e aguayos. Em alguns eventos

também é servida uma comida mais elaborada para os organizadores: para eles,

empratada (prato típico boliviano) e para os participantes num geral, salgados

583

BALTAZAR, Thiago. Bolivianos participam de novena das virgens de Copacabana e Urkupiña. 14/11/2011. Disponível em: <http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=831>. Acesso em: 05/05/2015.

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(salteñas) em formato coquetel. Tal fato é notado e interpretado de formas distintas

pelos convidados. Alguns pensam que “la fiesta es una forma de congratular y

agradecer a quien há participado de alguma cosa de Ella. Entonces, hay gente que

cree que esto debe ser abolido. Yo digo no, las personas deben ser convidadas a

participar y tener su lugar”584. Já outros acham que deveriam estar todos na mesma

condição agradecendo pelas graças recebidas. E ainda uma ex-passante afirma que

gostaria de um agradecimento separado, em outro dia, na igreja.585

Nos momentos de festa os e/imigrantes relembram suas tradições,

transmitem os costumes que permaneceram guardados, produto de experiências

anteriores, do habitus que leva à necessidade de “apreender as relações de

afinidade entre o comportamento dos agentes e as estruturas e condicionamentos

sociais”586. Encontram amigos e familiares, renovam vínculos sociais e amadurecem

aqueles já estabelecidos. Conseguem promover a visibilidade de sua cultura em

outro país, deixando sua marca na sociedade de acolhimento, pois “as festas são

veiculadoras de identidades, sejam elas nacionais, étnicas, culturais ou sociais”587.

Entretanto, ao cruzar as fronteiras da Bolívia, as tradições expressas nas

festas das Virgens recebem ressignificações no novo contexto cultural. A ajuda

(ayni) ofertada ao festeiro aqui se traduz em dezenas de caixas cerveja; a música

não será só a tradicional, mas também de bandas nacionais de sucesso; os

padrinhos do evento necessitam dispor de altos valores para poder participar, o que

restringe a escolha do próximo festeiro. E o objetivo da festa de agradecimento

pelas graças recebidas parece se perder no desejo de reconhecimento e status que

esses eventos denotam pelo alto custo que geram ao seu organizador e padrinhos.

Veicula-se a imagem de pessoas vitoriosas que conquistaram o sonho do “El dorado

paulista”, estimulando assim outros e/imigrantes que ainda não atingiram a

estabilidade financeira a continuar em sua busca.

584

Cf.: SILVA, Sidney A. Virgem/mãe/Terra: Festas e tradições bolivianas na metrópole. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2003, p.162. 585

Ibidem. 586

SETTON, Maria da Graça J. A teoria do habitus em Pierre Bourdieu: uma leitura contemporânea. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, nº. 20, maio/ago. 2002, p.62. CORNER, Dolores. Da fome à gastronomia: Os imigrantes Galegos e Andaluzes em São Paulo. Tese (Doutorado em História Social), PUC/SP, São Paulo, 2011, p.75. 587

SILVA, Sidney A. Bolivianos: a presença da cultura andina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005, p.59.

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Por estarem num outro contexto, dialogam com diferentes visões de mundo:

a visão local da sociedade de acolhimento urbana, focada no trabalho e na

valorização da ascensão econômica; e a visão global, na qual se inserem as

tradições bolivianas, que aqui precisam ser ressignificadas para se preservar. O

cerimonial se mantém como na Bolívia, há a instituição do presterío, a missa, a

comunhão da hóstia consagrada, a comensalidade com comidas e bebidas

tradicionais, a oferta dos aynis e o ritual de passagem da festa para o próximo

festeiro.

Para os brasileiros que frequentam os eventos e participaram informalmente

da pesquisa, essa forma de agradecer à Virgem e festejar causou inicialmente certo

estranhamento, pois dançar em frente à imagem e alimentar-se dentro da igreja não

são práticas comuns nos rituais das missas católicas. E mais, assistir à imagem da

Santa sendo levada a um salão de festas com banda, confete e serpentina foi

impactante e, ao mesmo tempo, curioso.

Na Igreja Nossa Senhora da Paz, após a entrada da Virgem no salão e os

agradecimentos, o padre realiza, ao lado dos festeiros, a passagem da festa para o

próximo casal organizador. Os casais brindam, dançam, cha’llamar os aynis e, por

volta da meia-noite, o padre solicita a retirada da Santa do salão, sinalizando que o

fim da festa se aproxima, e esta retorna ao seu altar debaixo de lamúrias. A festa

continua por mais duas horas, aproximadamente, já com a equipe de limpeza

atuando.

Nas festas, portanto, uma multiplicidade de relações se configura

simultaneamente, pois é acionada a lembrança de outras novenas e eventos

vivenciados na Bolívia. Construções de memórias nunca experimentadas são

elaboradas pela segunda e terceira gerações, ao passo que sentimentos como

estranhamento, admiração e curiosidade são despertados entre os poucos

espectadores brasileiros. Divulgar, convidar e abrir o evento para todos os públicos –

bolivianos, peruanos, chilenos, brasileiros e estrangeiros em geral que frequentam a

Paróquia – é uma das estratégias para romper com estereótipos negativos

enraizados na sociedade paulista e um passo a favor da interação entre os grupos.

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3.3 TRÂNSITOS: INVISIBILIDADE E VISIBILIDADE

Teve a época na qual eu cheguei, que foi 89/90, em que as famílias bolivianas eram poucas no bairro e, quando vazava a informação de uma família boliviana, a notícia que corria era de que a família trabalhava muito, e pouco os via na rua. Nas escolas tinham poucos, então nós tínhamos uma visibilidade positiva. Nós tínhamos problemas internos nas casas que não eram vistos, o trabalho escravo não era tão divulgado na mídia. E aí passou a migração na década de 90 para um boom. Mas antes éramos invisíveis. As pessoas sabiam que tinha, mas não dava tanta visibilidade. Aí passamos para a fase visível, porque chegou uma massa de trabalhadores, continuou uma fase positiva. Mas a mídia enxergou os problemas da comunidade maior e começou a fase da visibilidade negativa.588

A depoente identificou uma mudança na visibilidade da comunidade

boliviana. No início, antes da entrada de uma parcela expressiva de trabalhadores,

ou seja, até 1980, os e/imigrantes bolivianos não figuravam em capas e matérias de

jornais. Depois, quando a emigração constante se avolumou e pôde ser notada em

massa pelas ruas, postos de saúde e escolas públicas, esses sujeitos ganharam as

páginas policiais, de economia e cotidiano dos jornais de maior circulação da cidade

de São Paulo. As temáticas, no entanto, eram a exploração do trabalho e a

imigração não documentada, o que, segundo ela, auxiliou na construção de uma

imagem negativa da comunidade.

Entre as estratégias traçadas pelo grupo emigrado para se estabelecer na

sociedade de acolhimento e romper a imagem negativa está a veiculação/

manutenção das tradições e manifestações culturais, expressas em festas,

religiosas ou não, frequentadas e/ou realizadas em São Paulo. Essa se torna a

principal ação para a preservação de uma identidade boliviana grupal, não a de

paceños ou cochabambinos, mas sim a de bolivianos. Pois passam por

ressignificações, são adaptadas ao novo contexto que se apresenta ao e/imigrante

e, mesmo desconexas do cotidiano de trabalho vivenciado nas oficinas de costura,

marcam a presença desses sujeitos históricos na cidade.

588

Depoimento de Verônica Quispe Yujara, em entrevista concedida à autora em 20/06/2013.

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[...] nesse contexto, a excepcional visibilidade que o ciclo de festas devocionais realizadas [...] confere aos bolivianos e outros grupos hispano-americanos. Tal ciclo inicia-se em julho, com a festa da Virgem do Carmo, realizada pelos chilenos; seguidas pelas festas bolivianas das Virgens de Copacabana e Urkupiña, no mês de agosto; pela festa peruana do Senhor dos Milagres, no fim de outubro; e finalizando com a festa da Virgem de Caacupê, realizada pelos paraguaios no início de dezembro.589

Essas festividades promovem a imagem positiva de sua emigração,

possibilitam encontros com a sociedade de acolhimento e a aproximação dos

costumes de bolivianos e brasileiros. “Participo bastante, e fico meio dividido com

meus amigos brasileiros e bolivianos. Esse ano eu vivi três meses seguidos em

festas bolivianas, de junho até setembro. As festas da Santa.”590

Observou-se nos bairros estudados (Barra Funda e Bom Retiro) que os

e/imigrantes participam ativamente de atividades religiosas da Paróquia de Santo

Antônio da Barra Funda, frequentam as missas e incentivam seus filhos a

frequentarem a iniciação religiosa católica promovida pela igreja. Crianças de 5 a 7

anos foram identificadas na pré-catequese, aquelas de 7 a 10 anos, na catequese e

outras com mais de 10 anos estavam cursando a Perseverança, um estágio

intermediário de preparo para a crisma. De acordo com os monitores da catequese,

algumas crianças possuem um comportamento mais introspectivo, acarretado pela

timidez e pela dificuldade com o idioma, porém participam das dinâmicas e, nos

momentos de descontração, brincam e dançam como as outras, interagindo com o

grupo. Constatou-se uma dificuldade dos monitores, que apontaram que

determinadas crianças possuem bíblia em espanhol, o que atrapalha um pouco o

andamento das aulas, porém a responsável pelo curso já estaria providenciando o

material em português, sem custo para aqueles que não pudessem comprar.

Além da participação nas atividades da catequese e nas missas, notou-se

em destaque a presença da comunidade boliviana nas comemorações do dia das

mães, quando as crianças realizaram a coroação de Nossa Senhora homenageando

todas as mães ali presentes.

589

SILVA, Sidney Antonio da. A migração dos símbolos: diálogo intercultural e processos identitários entre os bolivianos em São Paulo. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, vol. 19, nº. 3, jul./set. 2005, p.79. 590

Depoimento de Ariel Tordoya, em entrevista concedida à autora em 08/11/2012.

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242

Figura 53 - Coroação de Maria feita por criança boliviana.591

Ponto alto da festa do dia das mães, a cerimônia de coroação de Maria foi

realizada por um menino boliviano que participa da catequese, enquanto outras

crianças e/imigrantes carregaram o terço e auxiliaram no cerimonial. Crianças

brasileiras também participaram, mas o destaque foi a coroação realizada pelo

menino vestido de anjo, no centro da imagem. Ao fundo, no altar, e na lateral direita

também nota-se a presença de bolivianos. Segundo o pároco, essas crianças

591

Arquivo próprio, 10/05/2015.

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pertencem a famílias de bolivianos com situação já regularizada no país. A paróquia

atende outras 20 famílias em situação irregular, sendo o trabalho com estas

diferenciado. Primeiramente se estabelece uma relação de confiança, já que os

e/imigrantes temem denúncias, depois é solicitada alguma documentação para fazer

o registro das famílias, contudo, “muitos ainda não batizaram seus filhos por medo.

Algumas missas são rezadas em espanhol, por um padre convidado que também

fala aimará”592, com o objetivo de estabelecer um relacionamento mais duradouro e

auxiliá-las no processo de inserção na comunidade paulistana e cristã.

Quanto à manutenção das tradições bolivianas em São Paulo, outro

depoente acredita que não irão desaparecer e a aproximação cultural com a

sociedade de acolhimento proporcionará um maior diálogo entre as culturas.

[...] eu acho praticamente impossível desaparecer, acho que podem até ter algumas mudanças, mas não desaparecer. O povo boliviano que vem pra cá traz suas festas religiosas, suas comemorações. Acho bem provável que o povo brasileiro acabe adotando umas comemorações nossas. O brasileiro gosta da música e da dança boliviana. Sabe, no caporales tem brasileiros que dançam. Já teve grupos de música, aqui em São Paulo, cantando música boliviana perfeitamente. Acredito que com o tempo as escolas de samba terão os bumbos e as saponhas bolivianas.593

No carnaval de São Paulo de 1999, o grupo folclórico Kantuta foi convidado,

pela primeira vez, para desfilar na escola de samba Leandro de Itaquera. Depois,

em 2001 e 2003, a escola reiterou o convite e os bolivianos marcaram presença no

evento.594

592

Depoimento informal do padre responsável pela paróquia Santo Antonio da Barra Funda, em conversa com a autora em 16/08/2015. 593

Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012. 594

SILVA, Sidney A. Virgem/mãe/Terra: Festas e tradições bolivianas na metrópole. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2003, p.31. Enredos defendidos pela escola de samba Leandro de Itaquera: 1999 – Educação: um salto para a Liberdade “Por Paulo Freire” (compositores Mauro Pirata, Tony Almeida e Beto Muniz); 2001 – Os seis segredos do Rio Ariaú (compositores Xixa, Jailson, Júnior de Guararema); 2003 – Qualidade de Vida, Direito do Povo (compositores André Muniz, Du Bebeto, Pecê Ribeiro, Jurandir, Diane e Bombril). SASP - Sociedade Amantes do Samba Paulista. Acervo – Carnavais. s/d. Disponível em: <http://www.sasp.com.br/A_CARNAVAIS.asp#.Vi_5CytBo6V>. Acesso em: 27/05/2015.

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Em 2015 o bloco carnavalesco Filhos de São Jorge, de Guarulhos, resolveu

tratar da temática da e/imigração boliviana em seu samba-enredo. Assim, a cultura

andina ganhou destaque em um megaevento de visibilidade internacional com o

samba “Brasil, Bolívia um povo irmão, Brasil, Bolívia um só coração, Guarulhos,

Oruro num só ideal a tradição do nosso Carnaval”.595

Batam palmas minha gente Que o show vai começar Novamente filhos de São Jorge Faz a galera delirar Quando atravessei fronteiras Em busca de oportunidades Vi em terra brasileira Reluzir minha diversidade Fiz da costura minha profissão Sempre com fé em oração A Virgem do Socavón Minha Santa de devoção Pachamama que é bom Tio, Supay que é do mal Brasil, Bolívia vem também Brilhar nesse Carnaval Chiru Chiru com seu gesto nobre Fez como Robin Hood que doava aos pobres Sou trovador faço serenata Nossa riqueza é o minério de prata Uma taça de Chicha para comemorar Em ouro seu folclore popular Batam palmas minha gente Que o show vai começar Novamente filhos de São Jorge Faz a galera delirar

595

Compositores do samba-enredo: Ricardinho Poete, Cô do Manga e Fernandinho.

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Observam-se vários elementos da cultura boliviana na letra do samba-

enredo. De acordo com a entrevista596 de Dorival Vieira, presidente da agremiação,

os compositores pesquisaram por quatro meses em associações, no Consulado e se

aproximaram do site Bolívia Cultural e da marca “Eu amo Bolívia”. Foram

estabelecidas parcerias para levar para a avenida alegorias e fantasias que

remetessem à tradição religiosa católica andina, à economia da Bolívia, ao cotidiano

nas oficinas de costura, ao processo de emigração para o Brasil e uma proposta de

interação entre as comunidades boliviana e paulistana.

Outro evento que vem sendo frequentado por e/imigrantes bolivianos nos

últimos quatro anos é a corrida de São Silvestre, mas no ano de 2014 a participação

se deu de forma mais organizada. Com camisetas da campanha “Eu amo Bolívia”,

cerca de 120 pessoas entre atletas e expectadores participaram do evento: “Para

nós imigrantes é importante ocupar os espaços públicos. Quanto mais expusermos

nosso lado positivo, melhor. Essa é uma oportunidade de mostrar o perfil positivo de

nossa comunidade.”597

Corredores se surpreenderam com a aceitação dos paulistanos e relataram

com alegria os momentos da participação:

Quando chegamos na meta tiraram muitas fotos da gente, com a camiseta em destaque... todos gritavam BOLIVIAA!!!... BOLIVIAAAA!!!... as câmeras fotográficas quase nos engolem... [...] Foi boa a sensação dos brasileiros perceberem nossa participação… leiam a camiseta e gritem Bolívia, foi o melhor… verdadeiramente foi uma surpresa muito boa.598

596

Cf.: MIRANDA, Angelina. A Bolívia vai ser homenageada no Carnaval 2015. 10/12/2014. Disponível em: <http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=2761>. Acesso em: 08/01/ 2015. 597

Depoimento de Antonio Andrade, imigrante latino, fundador do site Bolívia Cultural e organizador do grupo de corredores da São Silvestre de 2014. Cf.: BOLÍVIA CULTURAL. Imigrantes bolivianos fazem bonito na São Silvestre 2014. 04/01/2015. Disponível em: <http://www.boliviacultural. com.br/ver_noticias.php?id=2768#.VK6RvfKOqMY.email>. Acesso em: 08/01/2015. 598

Depoimento de Rodrigo Lima, imigrante boliviano de 25 anos. Cf.: Ibidem.

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Figura 54 - Bolivianos na São Silvestre.599

Fato que se destacou foi que, após a corrida, os bolivianos levaram brindes

e um lanche para ser compartilhado entre amigos, o tradicional “ajtapi” (almoço

comunitário aimará), e no Viaduto do Chá, ao meio-dia, encontravam-se aguayos

com carne de porco, frango, batatas e outras comidas típicas bolivianas. Uma

tradição vista com curiosidade pelos paulistanos.

A Virada Cultural de São Paulo de 2014 também foi marcada pela presença

de grupos musicais e de dança bolivianos, resultado de reivindicações de

e/imigrantes à Prefeitura pelo uso dos espaços públicos e por mais direitos. O

Diablada 10 de Febrero se apresentou no Sesc Pompéia no dia 17 de maio, às 19

horas. Em sua formação, conta com bailarinos não só bolivianos, mas também

brasileiros e estrangeiros de outras nacionalidades. Nasceu para promover a cultura

orureña da Bolívia, representando com diabos e anjos a disputa entre bem e mal,

em que o arcanjo Gabriel vence e conduz os demônios derrotados. Apresenta o

ritmo diablada.600

599

BALTAZAR, Thiago. Imigrantes latinos em São Paulo se organizam para correr na São Silvestre. 27/12/2013. Disponível em: <http://mural.blogfolha.uol.com.br/2013/12/27/imigrantes-latinos-em-sao-paulo-se-organizam-para-correr-na-sao-silvestre/>. Acesso em: 15/05/2015. 600

BOLÍVIA CULTURAL. "Diablada 10 de febrero" participa da virada cultural 2014. 14/05/2014. Disponível em: <http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=2620>. Acesso em: 15/05/ 2015.

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A apresentação do grupo no Sesc chamou atenção com a utilização de

máscaras de diabo e pirofagia. Em alguns momentos da coreografia, os bailarinos

lançavam jatos de fogo de suas máscaras, simbolizando a fúria dos demônios na

luta contra o arcanjo Gabriel.

Figura 55 - Diablada na Virada Cultural 2014.601

[...] faço parte de um grupo de danças folclóricas, conheço muitos jovens que são filhos de bolivianos e continuam as tradições, principalmente porque também são envolvidos com grupos de danças e músicas folclóricas. O que percebo hoje em São Paulo é que, com o rápido aumento da comunidade boliviana na cidade, está havendo a inserção da cultura desses imigrantes, como ocorreu com a comunidade italiana e japonesa, por exemplo.602

Solicitaram também que sua Festa de Independência pudesse ser realizada

no Sambódromo da cidade, substituindo a organizada no Memorial da América

Latina, a fim de dar maior visibilidade e concentrar mais participantes em um novo

espaço mais confortável.603

601

BOLÍVIA CULTURAL. "Diablada 10 de febrero" participa da virada cultural 2014. 14/05/2014. Disponível em: <http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=2620>. Acesso em: 15/05/ 2015. 602

Depoimento de Raissa Oblitas, em entrevista concedida à autora em maio de 2013. 603

BOLÍVIA CULTURAL, op. cit., 14/05/2014.

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[...] a partir da conquista do espaço público, através das danças folclóricas, por exemplo, que os brasileiros puderem conhecer e claro discursar sobre tais práticas. Além de que se os bolivianos são sujeitos de “ação autônoma” (VIDAL, 2012, p.101), como afirma o autor, pois agenciam sua inserção no trabalho, são também produtores de relações sociais e significados agenciados através dos usos e significações diversas sob as danças e as festividades que realizam nos espaços públicos da cidade, recebendo visibilidade a partir daí, fazendo da cultura um eixo de visibilidade alternativo ao que lhe demarca como “escravo de oficinas”.604

Os grupos de dança também viajam pelo país para participar de eventos que

abordam as temáticas da imigração, cultura ou festas das nações, como relatado:

“Isso mesmo, faço parte desse grupo para não perder minha identidade, é minha

cultura, não vou para ver amigos, mas vou para apresentações do meu grupo. Já me

apresentei em Minas Gerais, no sul também...”605

Bailarinos do Grupo Folclórico Raízes de Bolívia, do Centro Cultural

Boliviano do Paraná606 (CCB-PR), em apresentação no Festival Etnias,

apresentaram a dança do tinku. Esse ritmo, que representa o trabalho agrícola nas

plantações de batata e trigo, teve origem na região norte de Potosí. Os bailarinos

encenam as oferendas a Pachamama para obter uma boa colheita e a luta de

grupos rivais de camponeses pelo controle da plantação e das comunidades.

Homens e das mulheres exibem trajes confeccionados com tecidos coloridos e

flanelados, utilizam gorro de lã ou chapéu de camponês, assim como sandálias de

couro, mesmo com meias, hábito dos camponeses nos dias frios. As mulheres

vestem um “ajsu”, vestido inteiro com variedades de bordados, aguayo e sombrero

com tiras de tecido e xales multicoloridos. A dança é rápida, com movimentos

agressivos e acompanhada por gritos.

604

SANTOS, Willians de Jesus. A Imigração Boliviana em São Paulo e a Cultura Visual sobre sua presença no Espaço Público. Anais do II Seminário Internacional História do Tempo Presente. Florianópolis - SC, Programa de Pós-Graduação em História (PPGH), Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), 13 a 15 de outubro de 2014. 605

Depoimento de Franz Ever Quety Rada, em entrevista concedida à autora em 12/05/2012. 606

O Grupo Folclórico Raízes de Bolívia faz parte do CCB-PR, fundado em 11/09/2004. Tem como objetivo divulgar a cultura boliviana através da dança e da música. CENTRO CULTURAL BOLIVIANO DO PARANÁ. Disponível em: <www.http://ccbparana.org>. Acesso em: 22/05/2015.

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Figura 56 - Festival Etnias 2013.607

El ritmo de ladanza esligero, ágil, corrido com um balanceo constante, casi siempre el tronco del cuerpo está inclinado hacia adelante. Los movimientos implican pequeños saltos acrobáticos, expresando siempre agressividad, los cuales van acompañados de gritos.608

Membros mais antigos da comunidade estimulam seus filhos e netos a

participar dos grupos de dança como estratégia para divulgar uma imagem positiva e

preservar a cultura boliviana em São Paulo.

[...] sempre estimulei a ouvir a música, a praticar a dança. E minhas filhas já frequentaram os grupos folclóricos. A mais nova parou de dançar, mas a mais velha dança e gosta muito da cultura, da música, da comida. Ela fala que os filhos dela também vão continuar a tradição.609

A imagem construída nas festas a partir das manifestações culturais traz

visibilidade a uma “bolivianidade” ou “nueva bolivianidad”610, ação alinhavada pelos

607

GUIA UOL. Confira os grupos do 52º Festival Folclórico e de Etnias do Paraná. 01/07/2013. Disponível em: <hhttp://guia.uol.com.br/album/2013/07/01/confira-os-grupos-do-52-festival-folclorico-e-de-etnias-do-parana.htm>. Acesso em: 22/05/2015. 608

CONCEPTO COMUNICACIONES. Danzas Bolivianas em Urkupiña. Consultora Multidisciplinaria. Revista nº 2, Ano 2. Direção de Carlos Vidal Rocha Fernandez. Bolívia, agosto de 2011, p.37. 609

Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012. 610

SANTOS, Willians de Jesus. A Imigração Boliviana em São Paulo e a Cultura Visual sobre sua presença no Espaço Público. Anais do II Seminário Internacional História do Tempo Presente.

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e/imigrantes que almejam novos vínculos além dos estabelecidos na rede ou nas

esferas de trabalho e estudos. Os protagonistas do processo emigratório buscam

agora romper com os estigmas negativos, se estabelecer na sociedade de

acolhimento de forma digna e ver sua cultura representada no calendário oficial de

eventos da cidade, nos espaços públicos e em eventos não só destinados à

comunidade boliviana. É uma estratégia de mudar a imagem atual de “trabalhador

explorado” para a de membro de uma “cultura exótica”611.

Entende-se por “bolivianidade” o que se apresenta nas danças, no

significado das músicas, nos vestuários utilizados pelos bailarinos nos shows, na

alimentação ofertada nas festas. Elementos e símbolos de várias localidades da

Bolívia que lhes permitem se reconhecer enquanto bolivianos, mesmo que aqui

estejam ressignificados como sendo únicos para recriar a cultura boliviana em um

contexto muitas vezes marcado por ambiguidades e tensões.

Afinal, a unidade social durante o processo migratório se faz também através da celebração de festas típicas, da alimentação, da religião, língua, etc, quer dizer, dos chamados sinais diacríticos utilizados em meio as relações sociais no processo imigratório. Ou seja, por meio da bolivianidade os imigrantes constituem Relações Sociais.612

A festa, como já mencionado, é uma ação estratégica para tornar mais

positiva a imagem dos grupos e/imigrantes fixados, mas também é uma forma de

rememorar o cotidiano da terra natal sem gastar com o deslocamento da viagem.

Ela ainda permite notar os vínculos já estabelecidos entre os bolivianos e a

sociedade de acolhimento, sejam de ordem econômica, cultural ou familiar. Marca

Florianópolis - SC, Programa de Pós-Graduação em História (PPGH), Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), 13 a 15 de outubro de 2014. 611

As pesquisas e entrevistas realizadas apontaram a necessidade de mudança da imagem do e/imigrante na sociedade de acolhimento. Observou-se a intenção dos líderes da comunidade em intensificar a percepção das diferenças culturais entre brasileiros e bolivianos, estimulando a valorização e a preservação da cultura andina mesmo que traduzida. Identificaram que o preconceito que sofrem advém da falta de conhecimento dos brasileiros sobre a cultura andina e que por isso precisam divulgá-la. 612

SANTOS, Willians de Jesus. A Imigração Boliviana em São Paulo e a Cultura Visual sobre sua presença no Espaço Público. Anais do II Seminário Internacional História do Tempo Presente. Florianópolis - SC, Programa de Pós-Graduação em História (PPGH), Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), 13 a 15 de outubro de 2014, p.5.

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de presença física, o espaço público ou privado em que ocorre reproduz aspectos

culturais e reafirma identidades em resposta à estigmatização social a que são

submetidos.

Com efeito, podemos dizer que a migração dissolve relações sociais, mas não dissolve a festa, que é recriada não somente como necessidade do elemento lúdico ou como expressão de valores culturais e religiosos, mas, sobretudo, como conquista de um espaço próprio de um grupo que luta pelo reconhecimento social de sua diferença.613

Para além das festas, a comunidade boliviana alcançou visibilidade na mídia

televisiva. Puderam ser identificados personagens andinos na novela das nove Amor

à Vida614, da Rede Globo, apresentada entre maio de 2013 e janeiro de 2014. Tais

personagens mostravam as duas imagens (a positiva e a negativa): um trabalhador

dedicado e uma mulher ligada ao narcotráfico. Mesmo mesclando elementos da

cultura peruana e boliviana, a novela retratou a presença andina em São Paulo, com

algumas cenas trazendo o sotaque, a moda, as curiosidades, o artesanato e os

dramas vividos pelos e/imigrantes.

Houve ainda a produção de uma série de documentários615 sobre a

população andina na última década, um material que representa o imaginário visual

613

SILVA, Sidney Antonio da. Costurando Sonhos: trajetória de um grupo de imigrantes bolivianos que trabalham no ramo da costura em São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1997, p.267. 614

Novela de: Walcyr Carrasco. Colaboração: Dayse Chaves, Elaine Garcia, Daniel Berlinsky e Marcio Haiduck. Direção: Marcelo Travesso, Marco Rodrigo, Marco Figueiredo, André Felipe Binder e André Barros. Direção-geral: Mauro Mendonça Filho. Direção de núcleo: Wolf Maya. Autorização especial: SATED RJ. Direção de fotografia: Sérgio Marini. Produção de arte: Yurika Yamasaki. Produção de elenco: Bruna Bueno. Edição: Carlos Thadeu, Valéria Barros, Roberto Mariano, William Alves Correia e Andre Leite. Produção executiva: Verônica (gerência) e Flávio Nascimento (direção). Todos os direitos reservados: CopyRight 2000-2014, Globo Comunicação e Participação S.A. Rio de Janeiro, 2013. GSHOW. Amor à Vida. Disponível em: <http://gshow.globo.com/novelas/amor-a-vida/index.html>. Acesso em: 17/05/2015. 615

Entre eles: • Mãe Terra Bolivianos em São Paulo. DVD (48 min.). Projeto Experimental de Jornalismo. Laboratório de Rádio e TV - Faculdade Casper Líbero. São Paulo, 2003. Realização e direção: Aline Sgarbi Tokimatsu e Cristiane Gazana. Texto e roteiro: Aline Sgarbi Tokimatsu e Cristiane Gazana. Locução: Cristiane Gazana. Imagens: Aline Sgarbi Tokimatsu, Cristiane Gazana, Dário Dias, José Navarro Filho, Pedro Mario e Osmar Bento. Edição: Aline Sgarbi Tokimatsu, Cristiane Gazana, Claudinei Rodrigues, Luis Henrique de Souza e Luiz Paulo Couto. Arte: Cristiane Gazana e Luiz Paulo Couto. Sonoplastia: Claudiney Rodrigues e Luiz Paulo Couto. • Nação Oculta - Os Bolivianos em São Paulo. DVD (57 min.). São Paulo, Mosaico Filmes, 2008. Direção, produção e fotografia: Diego Arraya. Edição: Fernando Dourado e Marcelo Dourado. Pós-produção e áudio: Nilson Tasae. Direção de arte: Rodrigo Arraya e Fabio Biofa. • Sí Yo Puedo - O Sonho Boliviano em São Paulo. DVD (34 min.) Trabalho de Conclusão de Curso dos Alunos de Jornalismo da Faculdade

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sobre os processos migratórios de bolivianos para o Brasil. Sejam individuais ou

coletivas, as histórias de vida dos protagonistas são contempladas em detalhes.

Destacam-se os motivos dos deslocamentos, a situação econômica da Bolívia, as

características geográficas, paisagens e os principais polos emissores: La Paz e

Cochabamba. Os aspectos da religião, as festas e a cultura apareceram

paralelamente a discussões acerca do trabalho nas oficinas, preconceito e interação

com a sociedade de acolhimento.

Outras produções sobre o grupo em jornais, telejornais e revistas, já

mencionadas, expuseram o e/imigrante de forma pejorativa, com uso recorrente de

conceitos taxativos de origem étnico-racial, sociocultural e jurídica, como índios,

traficantes, sujos, indocumentados, clandestinos, entre outros, reforçando a

percepção negativa sobre as populações em trânsito.616

A imagem do e/imigrante se constrói e se reconstrói em momentos diversos

da vida cotidiana, como o relatado:

[...] fiquei chateado com os organizadores da prova do ENEM que fizeram uma questão dizendo que na Bolívia 80% da população é miserável. E isso não é verdade. As pessoas deveriam se informar melhor antes de divulgar uma informação dessas, fazer uma pesquisa... Podem pesquisar na internet, viajar pra lá, ver qual é a realidade. Mas não falar que 80% da

Casper Líbero. Orientação de Tatiana Ferraz. São Paulo, 2012. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=de-rQS3pGg0>. Acesso em: 10/12/ 2014. Produção: Marcel Buono, Victor Lombardi, Vinicíus Victorino e Victor Valencio. Roteiro, produção e edição: Marcel Buono, Victor Lombardi, Vinícius Victorino e Victor Valencio. Locução: Marco Antonio Abreu. Arte: Sabrina Cessarovice. Edição e Pós-produção: Fabio Balek. • 100% Boliviano, Mano. DVD (18 min.). Disponível em: <http://www.brasildefato.com.br/node/26107>. Acesso em: 15/01/2014. Argumento: Luciano Onça. Direção e roteiro: Alice Riff e Luciano Onça. Produção executiva: Grão Filmes. Supervisão jornalística: Pública Agência de Jornalismo Investigativo. Fotografia: Alice Riff, Luciano Onça, Thiago Carvalhaes e Marcel Nascimento. Pesquisa: Luciano Onça. Montagem: Alice Riff. Videografismos: Vapor 324. Realização: Grão Filmes e Pública - Agência de Jornalismo Investigativo. BRAS, J.; RUFINO, M.; PERTINHEZ, S.; LIMA, V. Povos invisíveis. Cultura em Primeiro Plano. Aprendiz Comgás. São Paulo, 2011. 616

MANETTA, Alex. Bolivianos no Brasil e o discurso da mídia jornalística. In: BAENINGER, Rosana (Org.). Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População - Nepo/Unicamp, Fapesp, CNPq, Unfpa, 2012, p.257-270. Recentemente “Crô - O Filme” trouxe à tona nas telas de cinema de todo o país, novamente, discussão acerca da imigração não documentada, do tráfico de mão de obra e da exploração dos trabalhadores bolivianos nas oficinas de costura, solidificando ainda mais a visibilidade negativa e vitimização que envolvem os processos emigratórios da Bolívia para o Brasil. Escrito por Aguinaldo Silva e dirigido por Fábio Barreto, é uma comédia inspirada no personagem Crodoaldo Valério, da telenovela Fina Estampa, exibida na Rede Globo. Estreou nos cinemas brasileiros em 29 de novembro de 2013. No primeiro fim de semana foi visto por 337 mil pessoas e arrecadou cerca de R$ 4,4 milhões.

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população é miserável. O país é pobre, mas não miserável. Então isso me entristece muito e eu quero que um dia os jovens pensem e conheçam a verdadeira Bolívia.617

O depoente se incomodou com o texto de apoio proposto para o tema da

redação do Exame Nacional do Ensino Médio de 2012 (ENEM), que retratava a

Bolívia como um país de população miserável, o que só reforçaria a visibilidade

negativa do e/imigrante em São Paulo.618

Milhões de estudantes brasileiros tiveram contato neste final de semana com um tema atual e que ganha visibilidade: a imigração de centenas de trabalhadores que estão sendo atraídos para o Brasil. O tema proposto para a redação do Exame Nacional de Cursos (Enem) foi “O movimento imigratório para o Brasil no século XXI”.619

A busca constante pela visibilidade positiva – mesmo que pautada pela

reconstrução ou até reinvenção de uma bolivianidade, de estereótipos culturais

positivos, da visão de um povo com costumes e tradições exóticos – se faz presente

no cotidiano do e/imigrante boliviano em São Paulo. A comunidade escolhe o quer

mostrar de sua cultura para os brasileiros, uma cultura dinâmica e mutável

reconstruída na vivência do processo emigratório.

Como recuperar algo que não é estático, que não tem contornos definidos, que não é jamais pronto e acabado? A cultura sem a sua essência apriorística é um processo

617

Depoimento de Clemente Amadeo Loyaza, em entrevista concedida à autora em 24/11/2012. 618

Texto mencionado pelo depoente, intitulado “Trilha da Costura”: “Os imigrantes bolivianos, pelo último censo, são mais de 3 milhões, com população de aproximadamente 9,119 milhões de pessoas. A Bolívia em termos de IDH ocupa a posição de 114º de acordo com os parâmetros estabelecidos pela ONU. O país está no centro da América do Sul e é o mais pobre, sendo 70% da população considerada miserável. Os principais países para onde os bolivianos imigrantes dirigem-se são: Argentina, Brasil, Espanha e Estados Unidos. Assim sendo, este é o quadro social em que se encontra a maioria da população da Bolívia, estes dados já demonstram que as motivações do fluxo de imigração não são políticas, mas econômicas. Como a maioria da população tem baixa qualificação, os trabalhos artesanais, culturais, de campo e de costura são os de mais fácil acesso.” Cf.: INFOESCOLA. Tema de redação do Enem 2012. s/d. Disponível em: <http://www.infoescola.com/provas/tema-de-redacao-do-enem-2012/>. Acesso em: 18/05/2015. 619

PANASSOLO, Camila. Imigração ganha visibilidade com redação do Enen. 05/11/2012. Disponível em: <http://www.maisnova.fm.br/Noticia/contai/imigracao-ganha-visibilidade-com-redacao-do-enem>. Acesso em: 18/05/2015.

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dinâmico, incessante de construção e reconstrução de invenção e reinvenção.620

Afinal, a continuidade dos processos tradicionais e das manifestações

culturais pode ter passado por diversas reconstruções na própria Bolívia, imersas

em um movimento dinâmico, repleto de invenção e reinvenção, para se chegar ao

que se apresenta na atualidade em São Paulo.

Apreender a cultura em movimento e apresentá-la com cada peça

alinhavada, cada botão pregado e em cada sonho de “El dorado” ainda não

conquistado é a encomenda que se apresenta ao grupo em vias de inserção,

impulsionado pela expectativa de reconhecimento social e aceitação pela sociedade

de acolhimento. Essa dupla pertença vivenciada pelos e/imigrantes traduz o

hibridismo cultural em que estão imersos – o querer regressar ao local de origem, o

querer se estabelecer em São Paulo, o desejo de reconhecimento e aceitação como

e/imigrado – e é representada em todos os eventos marcados pela presença

boliviana e realizados aqui.

Observaram-se inúmeras ações praticadas pela comunidade boliviana para

o rompimento da imagem negativa na sociedade de acolhimento, entre elas: projetos

sociais, participação em eventos específicos sobre imigração tanto de cunho social

como acadêmicos, criação de veículos de comunicação (sites e rádios), promoção

de eventos culturais da própria comunidade, viagens de grupos musicais e de dança

pelo país para divulgar a cultura boliviana, além da participação em pesquisas e

documentários que apresentam o cotidiano do e/imigrante em São Paulo, e não

somente denúncias de exploração do trabalho, que fortificam a vitimização no

processo emigratório e a visão negativa já instituída.

Afinal, após 58 anos de registros constantes e crescentes de fluxos

emigratórios da Bolívia para o Brasil, com cerca de 200 mil bolivianos identificados

como residentes em território nacional621, o desafio da reconstrução do imaginário

em torno do e/imigrante e dos processos de emigração se faz cada vez mais

presente. Pois a imagem que se tinha anos atrás da e/imigração, ou o que se

620

FLORES, Maria Bernadete Ramos. Oktoberfest: Turismo, festa e cultura na estação do chopp. Coleção Teses. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1997, p.13. 621

Dados obtidos em instituições de apoio, Consulado Geral da Bolívia no Brasil e Censo 2012 - BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2012. IBGE, 2012.

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entendia sobre ela, passa por constante transformação, assim como o perfil do

e/imigrante encontrado em São Paulo, que, com o passar do tempo, transitou pelas

categorias de estudante, profissional, trabalhador indocumentado, trabalhador

sazonal, residente e morador fixo com vínculos familiares de até três gerações.

Cada sociedade, portanto, possui seu imaginário embora o limite entre o real e o imaginário seja tênue e variado nos diversos momentos históricos. Todavia, o território atravessado por esse limite é o campo da experiência humana, do social coletivo ao particular íntimo.622

Para essa concepção acerca dos e/imigrantes, diferentes recortes de espaço

e tempo são utilizados pela sociedade de acolhimento e pelos próprios bolivianos,

criando as representações daquilo que pensam de si e dos outros. “Assim, cada

sociedade cria suas representações do mundo pois percebe-se nessas imagens as

estratégias que determinam as posições dos grupos sociais, suas relações na trama

da sociedade.”623 Imagens formadas e transformadas no seio dos grupos e que

podem ser absorvidas de diferentes maneiras pelas camadas que os compõem.

Constatou-se que, mesmo com as diversas ações estratégicas

desenvolvidas pelo grupo emigrado, o rompimento da imagem negativa e a

aceitação na sociedade de acolhimento ainda são fatos distantes. De acordo com os

colaboradores brasileiros e estudos mencionados acerca da temática, a comunidade

paulistana nota a presença dos e/imigrantes, mas não os reconhece enquanto

membros de tal sociedade. Os estigmas relacionados à condição de estrangeiro –

“estranho, em trânsito, sem vínculos, que não inspira nem merece confiança” – se

somam aos destinados aos e/imigrantes bolivianos – “sujos, preguiçosos,

explorados pelos compatriotas” –, dificultando o diálogo e marcando as relações

entre “estabelecidos e outsiders”624.

622

PATLAGEAN, Evelyne. “A história do imaginário”. In: LE GOFF, J. A história nova. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p.292-318. Apud: SOLLER, Maria Angélica; MATOS, Maria Izilda S. (Orgs.). O imaginário em debate – gênero, música, pintura, boêmia. São Paulo: Olho d‟Água, 1998, p.11. 623

SOLLER, MATOS, op. cit., p.11. 624

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Este capítulo não pretendeu esgotar a discussão sobre a imagem e

visibilidade da comunidade boliviana em São Paulo, apenas buscou costurar as

estratégias que foram sendo alinhavadas pelos sujeitos históricos envolvidos no

processo, sejam e/imigrantes, descendentes nacionais, poder público ou sociedade

civil, que convivem cotidianamente nesse contexto de conflitos e sociabilidades,

reconstruindo o imaginário de si e dos outros. Estabelecendo diálogos, mesmo que

forçados, entre indivíduos por vezes silenciados e a sociedade que os “acolhe”, com

a hospitalidade paulistana e toda a carga de hostilidade que essa relação contém.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A aproximação com as histórias de vida dos diferentes protagonistas desta

tese sobre processos e/imigratórios da Bolívia para o Brasil, mais precisamente para

São Paulo, buscou abrir novas perspectivas sob o olhar da história social e cultural.

Por meio das atividades cotidianas de trabalho e lazer, analisou as questões de

identidade do grupo e suas estratégias de fixação na sociedade de acolhimento.

Observou os receios na partida, as trajetórias percorridas até a chegada e

encontro com as redes de acolhimento. As tensões e desencontros vivenciados no

cotidiano e expressos nos depoimentos, eventos, redes sociais e imagem construída

em torno desses processos. Questionou as tentativas de inserção do grupo na

sociedade de acolhimento, as rupturas e as ações por uma visibilidade positiva não

só para os e/imigrantes, mas para o país de origem.

Algumas questões foram eleitas, como: a contextualização do fluxo

migratório estabelecido da Bolívia para o Brasil, o desenho das rotas e a relação

trabalho/ destino, relações e tensões com a sociedade de acolhimento, manutenção

dos costumes tradicionais relativos à família, ao trabalho e às atividades de lazer e

ações em prol do rompimento da imagem negativa que cerca a imigração e os

e/imigrantes bolivianos em São Paulo. Nesse sentido, a sociedade de partida, os

medos e os sonhos dos bolivianos que desembarcaram em São Paulo foram

questionados por meio de entrevistas e da análise da documentação complementar,

contribuindo para a contextualização do fluxo emigratório e para traçar suas as

rotas.

Cada processo emigratório é único, mas está pautado em redes, que

também puderam ser redesenhadas, desde a partida, o percurso e a opção por São

Paulo. Constatou-se que os dados oferecidos pelas associações de apoio, Polícia

Federal, Consulado Boliviano e Censo são díspares e não representam com

exatidão o fluxo emigratório e a fixação desses e/imigrantes. Outras questões

relacionadas às constantes entradas e saídas identificadas foram: fluxo sazonal de

trabalhadores para suprir as oficinas de costura, proximidade geográfica, porosidade

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da fiscalização nas fronteiras e as dificuldades encontradas para regularização da

documentação.

Observou-se também o ir e vir por motivos pessoais, incluindo a saudade de

casa, da família e dos amigos, sendo que o sentimento de ausência e não

pertencimento à sociedade de acolhimento também motivou deslocamentos de

retorno. Para o e/imigrante boliviano, esse ir e vir é um processo natural, que vem de

seus antepassados (quéchuas e aimarás, descendentes dos incas), povos que

migravam para plantar e estabelecer suas comunidades (ayllus), devido às

condições climáticas encontradas no território. Mesmo sendo percebido como

natural, todavia, não deixa de carregar medos, expectativas e a esperança de

retorno.

A vivência em oficinas de costura de São Paulo, as extensas jornadas,

formas de contratação e o dia a dia do trabalhador foram marcantes nas trajetórias

dos sujeitos históricos que protagonizaram este estudo. Pois, quando

indocumentados, enfrentam situação de fragilidade e depreciação, fortificando a

imagem negativa constituída nesse processo.

Foram discutidos os conceitos de rede, identidade, identificação e

pertencimento com base no cotidiano dos protagonistas, o que permitiu rastrear as

experiências vivenciadas pelo e/imigrantes bolivianos, bem como suas lutas diárias

dentro e fora das tramas das redes. As experiências relataram os encontros e

desencontros, desde as ações realizadas pelos centros de apoio e acolhida aos

e/imigrantes, passando pelas dificuldades para atendimento nos serviços públicos

de saúde, segurança e educação, até chegar às tensões com a vizinhança e nas

redes sociais.

O estudo possibilitou apontar o cotidiano das oficinas de costura e aspectos

relacionados aos costumes andinos – como cuidados com a família, práticas

religiosas, o presterío, hábitos alimentares –, oferecendo material de análise e

permitindo vislumbrar ressignificações dos costumes andinos como uma estratégia

para “recriar” identidades.

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Destacou-se o dia de folga – domingo – como momento de reencontro com

amigos, conterrâneos e costumes em um “território” boliviano, a Kantuta. Local onde

o e/imigrante revive a bolivianidade, isto é, ouve música latina, dança com as

fraternidades, saboreia pratos tradicionais, bebe chicha e cerveja paceña, compra

CDs e outros produtos bolivianos, faz remessas para os departamentos de origem,

sobe no palco e se pronuncia, ouve e conversa em castelhano, quéchua e aimará.

Enfim, rememora sua terra e o “ser” boliviano nesse espaço que também propicia

trocas formais e informais de objetos e informações, encontros, namoros e oferta de

empregos.

Foi possível constatar rejeição e preconceito em torno da e/imigração e dos

e/imigrantes bolivianos, expressos em variados níveis, como bullying, xenofobia,

hostilidade e agressão em diferentes momentos do cotidiano, nos serviços de saúde,

no trabalho, na escola e no supermercado. Os fatores principais para o preconceito

vinculam-se ao estigma étnico, pois os bolivianos carregam traços indígenas

marcantes. Aqueles que são mestiços, com a pele mais clara, e já falam bem o

português se inserem com mais facilidade no mercado de trabalho e nas redes

sociais de brasileiros.

Assim, a fim de tecer uma linha de análise sobre os processos emigratórios

da Bolívia para o Brasil, com base nas histórias contadas e vivenciadas pelos

próprios sujeitos históricos, buscou-se, por meio dos eventos realizados e/ou

frequentados pelos bolivianos, apresentar as estratégias delineadas pelo grupo para

se inserir na sociedade de acolhimento e quebrar sua visibilidade negativa.

Destacaram-se grafites, festas devocionais e profanas como exemplos dessas

estratégias, ações em busca de um relacionamento positivo e da desmitificação de

que todo boliviano seria “sujo, preguiçoso, trabalhador explorado e bêbado”, imagem

negativa enraizada que dificulta a inserção e aceitação do grupo.

Os eventos realizados em agradecimento pelas dádivas recebidas

(novenas) podem ser observados como uma das vias de inserção e de busca pelo

reconhecimento social, nas tramas da rede ou não. Nesses eventos os e/imigrantes

demonstram a alegria de ter alcançado seu sonho. Assim, veiculavam uma nova

imagem de si e do grupo, a de vitorioso, e não mais de explorado, pobre e sem

capacitação.

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As festas propiciam o aprendizado da cultura dos antepassados, a

manutenção das tradições e dos costumes, mesmo ressignificados. Valorizam o

e/imigrante que partiu de sua terra em busca de um sonho. São momentos de

sociabilidade e formas de veicular uma imagem diferente da instituída. Desse modo,

os líderes da comunidade fazem questão de participar e organizar diversos eventos,

esportivos, religiosos, de datas comemorativas – dia dos pais, independência da

Bolívia, dia das mães, Páscoa, São Silvestre –, visando mudar a imagem negativa

que cerca a e/imigração boliviana, dando visibilidade positiva, enaltecendo aspectos

culturais, mesmo pautados na diversidade e costumes considerados exóticos pelos

paulistanos. A comunidade boliviana, após quase 60 anos de registros oficiais de

fluxos e/imigratórios, seleciona o que quer mostrar de sua cultura, busca destacá-la

como dinâmica, construída e reconstruída, muitas vezes “traduzida” na sociedade de

acolhimento.

Sabe-se que os processos e/imigratórios são únicos e influenciam as ações

cotidianas dos sujeitos na sociedade de acolhimento, marcados pela busca da

estabilidade financeira. Porém, esses e/imigrantes não apagam todas as suas

raízes, seus traços identitários são reconstruídos, “representados”, “traduzidos” nas

práticas religiosas e nas festividades. Nesse processo, foi observada preocupação

por parte das primeiras gerações com a continuidade das tradições andinas

(costumes alimentares, músicas, formas de dançar, práticas e cultos religiosos) e

notou-se que alguns descendentes de segunda e terceira geração vivenciam um

processo de “hibridismo cultural”. Valorizam as tradições dos antepassados e

absorvem costumes da sociedade de acolhimento, reinventando um sujeito

boliviano-brasileiro e/ou brasileiro-boliviano.

Este estudo não teve a pretensão de fechar discussões ou de tecer

conclusões sobre a e/imigração boliviana para São Paulo, e sim de trazer novos

olhares que motivem futuras pesquisas sobre deslocamentos e relacionamentos

humanos. Outras possibilidades analíticas podem surgir a partir das questões aqui

colocadas, pois os estudos sociais e culturais se redesenham a cada geração de

e/imigrantes. Notou-se, por exemplo, a presença marcante das mulheres como

protagonistas de processos e/imigratórios. Apesar de observadas as questões de

gênero, estas não foram o foco deste estudo, cabendo a realização de futuras

análises que também incluam as relações familiares, criação e educação dos filhos,

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as relações e tensões nas escolas, a xenofobia e o bullying. As danças, a

gastronomia e a religiosidade também abrem perspectivas para novas pesquisas à

medida que essas representações ocorrem fora do contexto original e marcam o

cotidiano desta comunidade.

Pode-se afirmar que este trabalho tratou de um momento vivido pelos

e/imigrantes bolivianos que não se distancia dos acontecimentos contemporâneos

presenciados em todo o mundo. Afinal, as mercadorias circulam livremente e os

sujeitos ainda são impedidos de circular, de fugir, de sonhar com oportunidades

melhores e buscá-las onde quer que estejam, conquistando para si um “lugar” para

chamar de seu, onde se reconheçam, se identifiquem e criem laços pautados em

vivências cotidianas, seja em sua terra natal ou na de sua escolha. Almeja-se que

este trabalho continue e estimule novas pesquisas que deem voz aos silenciados,

contando a história dos bastidores de processos de emigração, a fim de transformar

preconceitos e medos enraizados nas sociedades que detêm a liberdade de ir e vir.

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Jornalismo. Laboratório de Rádio e TV - Faculdade Casper Líbero. São Paulo, 2003.

Realização e direção: Aline Sgarbi Tokimatsu e Cristiane Gazana.

• Nação Oculta - Os Bolivianos em São Paulo. DVD (57 min.). São Paulo,

Mosaico Filmes, 2008. Direção, produção e fotografia: Diego Arraya.

• Sí Yo Puedo - O Sonho Boliviano em São Paulo. DVD (34 min.) Trabalho de

Conclusão de Curso dos Alunos de Jornalismo da Faculdade Casper Líbero.

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Orientação de Tatiana Ferraz. São Paulo, 2012. Disponível em:

<http://www.youtube.com/watch?v=de-rQS3pGg0>. Acesso em: 10/12/ 2014.

Produção: Marcel Buono, Victor Lombardi, Vinicíus Victorino e Victor Valencio.

• 100% Boliviano, Mano. DVD (18 min.). Disponível em: <http://www.

brasildefato.com.br/node/26107>. Acesso em: 15/01/2014. Argumento: Luciano

Onça. Direção e roteiro: Alice Riff e Luciano Onça.

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ANEXOS

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Anexo 1- Comunicado do Consulado

Fonte: http://boliviacultural.com

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293

Anexo 2 - Folder de divulgação da Festa das Alasitas 2014 na

Feira Gastronômica Cultural Patujú

Local: Feira Patujú - Endereço: Av. Mendes da Rocha 1.014, Jardim Brasil - São

Paulo - SP / Horário: a partir das 10 horas / Entrada: Gratuita

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Anexo 3 - Alasita 2014 no Memorial da América Latina (Associação Padre Bento)

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Anexo 4 - Alasita 2014 na Associação ASEMPBOL