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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Sonia Maria da Silva Junqueira EXPERIÊNCIAS DE ESTUDANTES NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO DE DERIVADA EM AULAS DE CÁLCULO 1 DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA São Paulo 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Sonia Maria da Silva Junqueira

EXPERIÊNCIAS DE ESTUDANTES NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO DE

DERIVADA EM AULAS DE CÁLCULO 1

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

São Paulo 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Sonia Maria da Silva Junqueira

EXPERIÊNCIAS DE ESTUDANTES NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO DE

DERIVADA EM AULAS DE CÁLCULO 1

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATÉMÁTICA

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para a obtenção do título de Doutora em Educação Matemática, sob orientação da Professora Doutora Ana Lúcia Manrique. Ivani Catarina Arantes Fazenda.

São Paulo 2014

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Banca Examinadora:

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Ao distanciar-se do mundo, constituindo-se na objetividade,

surpreende-se, ela, em sua subjetividade. Nessa linha de

entendimento, reflexão e mundo, subjetividade e objetividade

não se separam: opõem-se, implicando-se dialeticamente.

Paulo Freire

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Dedicatória

Aos meus pais,

Antonio e Margarida, pelo afeto, dedicação e generosidade, exemplos para minha

vida;

A minha filha Mariana,

pelas críticas despretensiosas e paciência com as leituras;

A meu filho Gabryel,

pela compreensão, carinho e disponibilidade de sempre;

A meu esposo Márcio,

pelo companheirismos de todas as horas e apoio incondicional.

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Agradecimentos

À Deus, pelo sentido da vida, por esse momento e pela experiência.

À professora Ana Lúcia Manrique, pela amizade, orientação, dedicação, e por acreditar nas

possibilidades.

Aos professores Benedito Antonio da Silva, Maria Cristina Bononi Baruffi, Alessandro

Jacques Ribeiro e Sandra Lúcia Ferreira Acosta Soares, pelos direcionamentos no exame

de qualificação.

Aos professores Arlindo José de Souza Junior, Armando Traldi Junior, Benedito Antonio da

Silva e Sandra Lúcia Ferreira Acosta Soares, por aceitarem o convite para banca

examinadora e pelas preciosas sugestões.

Aos estudantes investigados, os sujeitos da experiência, pela confiança e fundamental

colaboração.

À Universidade Federal do Pampa – Unipampa, pelo tempo concedido em afastamento das

atividades profissionais para conclusão desse estudo.

Aos colegas da Unipampa, em especial para Dionara, Cristiano e Guilherme, pela

disponibilidade assumindo as minhas funções, tornando possível o afastamento.

Aos coordenadores, professores e colegas do Programa de Estudos Pós-graduados em

Educação Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pela especial

convivência e contribuições.

À Suzanne, Secretária do Programa, pela competência e cordialidade de sempre.

Aos caros, Amarildo, Thais e Yara, pelas colaborações com a revisão do texto e tradução.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa

concedida.

Aos amigos, em especial à Rosana, por acreditar sempre e pelas palavras de incentivo em

diferentes momentos.

À minha família, pelo amor, apoio e compreensão nas frequentes ausências.

Obrigada!

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SONIA MARIA DA SILVA JUNQUEIRA

A PRÁTICA INTERDISCIPLINAR NO MESTRADO ACADÊMICO: IMPLICAÇÕES NO DESENVOLVIMENTO PESSOAL E PROFISSIONAL DOS ESTUDANTES

RESUMO

Com o objetivo de apontar possibilidades de experiências de estudantes em aulas de Cálculo 1, especificamente, em relação ao conteúdo Derivada, as escolhas teóricas foram conduzidas em torno da relação dialógica de Buber, a relação inter-humana, também das escolhas que conduzem a vida humana Bauman e May e da dimensão da experiência de Larrosa, o campo de subjetividades no qual se assenta a problemática do Cálculo 1. Delineou-se uma pesquisa qualitativa com dados quantitativos, com aspectos interpretativos e descritivos, por meio dos quais se planejou uma análise de conteúdo constituída junto a 186 estudantes de cursos de Engenharias e Licenciaturas, matriculados em uma Universidade Pública Federal. A coleta de dados ocorreu em três abordagens, sendo a primeira e segunda reveladoras de hipóteses subjetivas identificáveis a partir dos relatos dos sujeitos investigados, e a terceira, conduzida por representações exteriorizadas em Mapas Conceituais Iniciais. Concluiu-se que a experiência em aulas de Cálculo 1 tem sentidos de reciprocidade, na ação de mão dupla que engloba conteúdos e sujeitos da experiência; de unicidade, pela subjetividade e identidade de cada sujeito; de imprevisibilidade, pelas incertezas, perigos e possibilidades da experiência; de temporalidade, pois prescinde o reconhecimento de tempos e espaços distintos aos sujeitos da experiência. Os sujeitos investigados deixaram transparecer aspectos aparentemente contraditórios, que, todavia, denotaram complementaridades. Apontaram que estudantes com uma base “mais fraca” em Matemática alcançaram tanto resultados positivos quanto negativos, e que buscas pessoais contribuíram em favor da adaptação e desenvolvimento na disciplina, demonstrando aspectos de corresponsabilidades, embora não unânimes entre os sujeitos, revelando também marcas de um processo particular de escolhas. Ainda, evidenciou-se que o fortalecimento de mecanismos de transparência e de comunicação institucionais pode contribuir para o processo de formação desses sujeitos. Diante do Cálculo 1, os estudantes revelaram emoções, sentimentos. Diante da Derivada se mostraram incipientes, entretanto, revelaram marcas de experiências que se consolidam na construção desse conhecimento. Palavras-Chave: Experiência. Cálculo 1. Derivada. Relação Dialógica. Subjetividades.

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SONIA MARIA DA SILVA JUNQUEIRA

THE INTERDISCIPLINARY PRACTICE IN ACADEMIC MASTERS: IMPLICATIONS IN PERSONAL AND PROFESSIONAL DEVELOPMENT OF STUDENTS

ABSTRACT

Aiming to point the possibilities of students’ experiences in Calculus 1 classes, specifically regarding the derivative content, the theoretical choices were conducted around the dialogic relationship of Buber, the inter-human relationship, and also from the choices that lead the human life according Bauman e May and the dimension of the experience of Larrosa, the field of subjectivity in which the problematic Calculus 1 lies. A qualitative with quantitative data survey was delineated having interpretative and descriptive aspects through which a content analysis was planned Bardin and carried out with 186 students majoring engineering, mathematics, physics and chemistry enrolled in a Public Federal University. The data collection was done through three different approaches, the first and the second revealed subjective hypothesis identified from the investigated subjects’ talk, and the third, conducted by representations shown in Initial Concept Maps. It was concluded that the experience in Calculus 1 classes has been of reciprocity, in a two-way action that includes contents and subjects of the experience; of singleness, by the subjectivity and identity of each subject; of unpredictability, by the uncertainties, dangers and possibilities of the experience; of temporality, because it dispenses the recognition of distinct time and space to the subjects of the experience. The investigated subjects showed aspects apparently contradictory that however, denoted complementarities. They showed that students who had a “weaker base” in mathematics reached as many positive results as the negative ones, and that personal goals contributed to the adaptation and development in the school subject, showing aspects of co-responsibilities although they were not the same among the subjects, revealing marks of a process particular in choices as well. Yet, it was highlighted that the strengthening of the transparency mechanism and institutional communication could contribute to the process of development of those subjects. Facing Calculus 1, the students showed emotions, feelings. Facing the derivative they were incipient. However, they revealed marks of experiences that consolidate themselves in the construction of knowledge.

Key-words: Experience. Calculus 1. Derivative. Dialogic Relationship. Subjectivities.

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SUMÁRIO

1 A PROBLEMÁTICA DO CÁLCULO 1 ..................................................................... 13

1.1 Por que Cálculo 1? Por que Derivada? ............................................................ 13

1.2 A questão e o objetivo da pesquisa ................................................................. 21

1.3 Revisão de Literatura ....................................................................................... 23

1.3.1 A pesquisa de Rezende ............................................................................. 25

1.3.2 A pesquisa de Traldi .................................................................................. 28

1.3.3 A pesquisa de Dall’Anese .......................................................................... 31

1.3.4 A pesquisa de Vieira .................................................................................. 33

1.4 O Dimensionamento da pesquisa .................................................................... 37

2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS .............................................................................. 40

2.1 A Relação dialógica ......................................................................................... 40

2.1.1 A relação dialógica de Buber ..................................................................... 41

2.1.2 Liberdade, escolhas e a relação “alguém com os outros” .......................... 46

2.1.3 As presenças “Eu-Tu”, “Eu-Isso” e “Alguém-Outros” ................................. 51

2.2 O sujeito e a experiência de si – o Eu .............................................................. 57

2.2.1. Ver a si próprio.......................................................................................... 60

2.2.2 Procedimentos discursivos ........................................................................ 61

2.2.3 Ver além das evidências ............................................................................ 63

2.3 “A experiência é isso que me passa” ............................................................... 65

2.3.1 A experiência e as aulas de Cálculo 1 ....................................................... 69

3 ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS ..................................................................... 73

3.1 A Análise de Conteúdo e as fases da análise .................................................. 74

3.1.1 Aproximação do objeto de pesquisa .......................................................... 76

3.1.2 Os sujeitos e a Instituição em pesquisa ..................................................... 78

3.1.3 O instrumento de coleta de dados ............................................................. 82

3.2 Mapas Conceituais e Mapas Conceituais Iniciais ............................................ 84

4 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE E APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS ...... 91

4.1 Aspectos teóricos na condução das unidades de análise ................................ 91

4.2 Unidades de análise textuais ........................................................................... 94

4.2.1 Unidade 1: O estudante e a sua formação básica ..................................... 95

4.2.1.1 Considerações sobre a unidade 1 .......................................................... 96

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4.2.2 Unidade 2: O estudante e o professor de Cálculo 1 ................................ 107

4.2.2.1 Considerações sobre a unidade 2 ........................................................ 108

4.2.3 Unidade 3: O estudante e a Instituição ....................................................... 116

4.2.3.1 Considerações sobre a unidade 3 ........................................................ 117

4.2.4 Unidade 4: O estudante e o Cálculo 1 ..................................................... 126

4.2.4.1 Considerações sobre a unidade 4 ........................................................ 127

5 MAPAS CONCEITUAIS E OS SUJEITOS DA EXPERIÊNCIA ............................ 136

5.1 Sobre Mapas Conceituais e Mapas Conceituais Iniciais ............................ 137

5.2 MCIs e o enfoque Regras de Derivação ........................................................ 143

5.2.1 A análise para Regras de Derivação ....................................................... 146

5.3 MCIs e o enfoque Conceito da Derivada ....................................................... 160

5.3.1 A análise para Conceito de Derivada....................................................... 165

5.4 MCIs e o enfoque Aplicação da Derivada ...................................................... 174

5.4.1 A análise para Aplicação de Derivada ..................................................... 178

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 189

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 202

APÊNDICE 1 – Instrumento de Coleta de Dados .................................................... 206

ANEXO I – Parecer Comitê de Ética ....................................................................... 210

ANEXO II - Termo de Consentimento Livre Esclarecido ......................................... 212

ANEXO III - Declaração de Consentimento............................................................. 213

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Relação Dialógica .................................................................................... 52

Figura 2 – Relação Dialógica em Aulas de Cálculo 1 ................................................ 54

Figura 3 – Interação em Processo de Ensino e Aprendizagem de Cálculo 1 ............ 56

Figura 4 – O lugar da experiência em aulas de Cálculo 1 ......................................... 71

Figura 5 – Proposições com diferentes níveis de clareza semântica ........................ 86

Figura 6 – Três estruturas típicas de MCs: (a) radial, (b) linear e (c) rede ................ 88

Figura 7 – Exemplos de proposições com diferentes níveis de clareza semântica

quanto ao termo de ligação no contexto da Derivada. ............................................ 139

Figura 8 – Exemplo de OM...................................................................................... 140

Figura 9 – Exemplo de NM ...................................................................................... 140

Figura 10 – (EP005/MCI)......................................................................................... 148

Figura 11 – (EC013/MCI) ........................................................................................ 149

Figura 12 – (LM013/MCI) ........................................................................................ 152

Figura 13 – (EP030/MCI)......................................................................................... 155

Figura 14 – (LM002/MCI) ........................................................................................ 159

Figura 15 – Taxa de variação instantânea .............................................................. 163

Figura 16 – (EA001/MCI)......................................................................................... 167

Figura 17 – (EA009/MCI)......................................................................................... 169

Figura 18 – (LM012/MCI) ........................................................................................ 171

Figura 19 – (LM034/MCI) ........................................................................................ 172

Figura 20 – (LF005/MCI) ......................................................................................... 179

Figura 21 – (EQ045/MCI) ........................................................................................ 181

Figura 22 – (EP004/MCI)......................................................................................... 183

Figura 23 – (ER007/MCI) ........................................................................................ 184

Figura 24 – (EQ041/MCI) ........................................................................................ 186

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Número de sujeitos investigados por curso ............................................. 79

Quadro 2 – Resultados finais de acordo com o percentual de sujeitos e o número de

vezes que cursaram a disciplina de Cálculo 1........................................................... 79

Quadro 3 – Resultados gerais em aprovação e reprovação em Cálculo 1, dos cursos

investigados, no período de 2009/Sem.1 a 2012/Sem.1 ........................................... 80

Quadro 4 – Distribuição do número de alunos por curso e contribuição da formação

básica para a disciplina de Cálculo 1 por abordagem ............................................... 97

Quadro 5 – Distribuição do número de alunos por curso e contribuição do professor

de Cálculo 1 para a disciplina de Cálculo 1 por abordagem ................................... 109

Quadro 6 - Distribuição do número de alunos por curso e contribuição da Instituição

para a disciplina de Cálculo 1 por abordagem ........................................................ 119

Quadro 7 – Descrição dos Conteúdos Programáticos para a disciplina de Cálculo 1,

comum a todos os cursos pesquisados. ................................................................. 122

Quadro 8 – Distribuição do número de alunos por curso e contribuição do conteúdo

na disciplina de Cálculo 1 por abordagem .............................................................. 129

Quadro 9 – Organização de acordo com o número de elaborações de Mapas

Conceituais Iniciais (MCIs), Outros Mapas (OM), Não Mapas (NM) e Mapas em

Branco (MB). ........................................................................................................... 142

Quadro 10 – Resultados a partir dos MCIs considerados conforme os agrupamentos

para Regras de Derivação....................................................................................... 145

Quadro 11 – Resultados a partir dos MCIs considerados conforme os agrupamentos

para Conceito da Derivada ...................................................................................... 164

Quadro 12 – Resultados a partir dos MCIs considerados conforme os agrupamentos

para Aplicação da Derivada .................................................................................... 177

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1 A PROBLEMÁTICA DO CÁLCULO 1

A problemática do Cálculo 1 intitula o primeiro Capítulo deste trabalho e abre

o caminho para uma apresentação não convencional para a Educação Matemática,

por meio da qual se pretende conduzir o leitor a uma experiência única, submergida

por escolhas, ressignificações, descobertas e possibilidades em um constante

movimento dialógico. Para tanto, sabe-se, inconcluso ao longo de toda essa

construção.

1.1 Por que Cálculo 1? Por que Derivada?

O Cálculo 1, que representa um curso inicial de Cálculo Diferencial e Integral,

foi escolhido como pano de fundo para esta investigação1; tal escolha se deve em

parte, pela constatação de que, em um grande número de cursos em que essa

disciplina é ministrada ocorre certa recorrência estrutural, seja na forma como é

ministrada, na abrangência dos objetivos geral e específicos e do ponto de vista da

linearidade dos conteúdos. Aspectos confirmados em levantamento inicial2 realizado

a partir da análise de Planos de Ensino de Cálculo 1 de diferentes Universidades

públicas e privadas brasileiras.

Ao longo dessa etapa inicial de investigação, que se pode nomear de pré-

análise, elegeram-se oito Planos de Ensino elaborados para a disciplina de Cálculo

Diferencial e Integral 1, objetos esses, acessados por meio da rede mundial de

computadores e que foram disponibilizados por diferentes instituições públicas e

particulares brasileiras, ou por professores da disciplina Cálculo Diferencial e Integral

1 Projeto de pesquisa aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa PUC/SP, Parecer nº 265654 em data: 10/12/2012 (Anexo I) 2 Realizado com resultados publicados no 3º Sipemat, encontrados em Junqueira e Manrique (2012).

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1. A referência a essa pré-análise corrobora a justificativa na escolha pelo tema de

investigação. Optou-se, então, por apresentar algumas considerações a respeito.

Nesse estudo preliminar foram encontrados aspectos que demonstraram que

disciplinas de Cálculo 1, em geral, são ministradas atendendo a um número variado

de cursos, tais como, as Licenciaturas em Matemática, Física e Química e as

Engenharias da Computação, Produção, Elétrica, entre outros cursos correlatos.

Uma especial atenção foi dada ao fato de um dos Planos de Ensino destinar-se a 25

cursos diferentes, entre eles, Ciências da Computação, Ciências Autuárias, as

Engenharias Ambiental, Civil, Cartográfica, de Controle e Automação, de Produção,

aos Bacharelados em Química, Física, Estatística, Matemática e as Licenciaturas em

Química, Física, Matemática, destacando que, em algumas modalidades, as turmas

se apresentavam em diurnas ou noturnas. Essa pré-análise revelou também uma

aproximação na comparação realizada sobre os conteúdos programáticos, as

formas de abordagem e os métodos de avaliação, atribuindo certa uniformidade à

disciplina de Cálculo 1.

Encontrou-se na estrutura desses planos a recorrência de uma etapa inicial

de estudo e aprofundamento sobre os vários tipos de Funções Reais, anteriormente

estudadas com maior ênfase no Ensino Médio, para em seguida, uma abordagem

dos estudos introdutórios de Limites, seguido de Derivada e, em alguns casos,

chegando a uma introdução às Integrais.

Desse modo, ao fazer-se a escolha pela disciplina de Cálculo 1, como pano

de fundo da investigação, considerou-se uma estrutura que apresenta certa

uniformidade pedagógica e curricular; e portanto, algum aspecto encontrado na

investigação que se pretende realizar poderia contribuir para a pesquisa na área da

Educação Matemática, no âmbito da investigação dos processos de ensino de

Cálculo Diferencial e Integral 1 e da formação de professores que ministram aulas

dessa disciplina, embora se reconheça que a presente investigação ocorra em um

campo pontual3 de pesquisa.

3 A coleta de dados para esta investigação se deu em uma Universidade Pública brasileira, que será devidamente caracterizada no Capítulo II.

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Outro importante aspecto que favoreceu a opção pelo Cálculo 1 foi motivado

pela pesquisa de mestrado realizada por Junqueira (2010). Na ocasião, entendeu-se

que a disciplina de Cálculo Diferencial e Integral, em sua constituição histórica,

mantinha uma estrutura “solidificada” com uma abordagem bastante favorecida por

elementos da racionalidade técnica, sob a qual se verificou uma espessa massa de

alunos reprovados. Procurou-se, nessa perspectiva, mostrar que o trabalho com o

Cálculo 1 tem seguido uma estrutura sólida no sentido dado por Bauman, que insiste

em manter a forma original, mesmo diante dos desafios e dilemas a superar no

decorrer dos cursos de Cálculo 1. Assim, a disciplina de Cálculo 1 pareceu inserida

em um contexto pedagógico e institucional que pouco se modificou ao longo de

décadas, mantendo sua forma inalterada (JUNQUEIRA, 2010) e que, embora revele

explicitamente em seus próprios resultados, corroborados por pesquisas (BARUFI,

1999; REZENDE, 2003; DALL’ANESE, 2006; VIEIRA, 2013), a necessidade de

alguma ação transformadora parece obstinada em permanecer com a mesma

composição inicial.

Não se pretende, com o presente estudo, discutir se a mudança de “forma”

dos cursos de Cálculo Diferencial e Integral é necessária ou não, assim como, se

trará benefícios, ou não, aos processos de ensino e/ou aprendizagem de Cálculo 1.

No entanto, a solidificação no sentido de (BAUMAN, 2001) entendida como uma

abordagem bastante favorecida por elementos da racionalidade técnica4, destaca-se

como cenário provável do ensino e aprendizagem do Cálculo 1 que, abordagem

essa nem sempre assumida por professores e estudantes dessa disciplina; além de

constituir-se, ao longo de décadas, como objeto de interesse e investigação para

pesquisadores da área da Educação Matemática.

Embora se perceba grande desenvolvimento de pesquisas nesse campo de

investigação, intenções parecem convergir pouco para uma efetiva inovação na

forma como são conduzidas as aulas de Cálculo 1. Em geral, destacam-se os

estudos que sugerem como inovação a implantação ou aplicação de alguma

Tecnologia de Informação e Comunicação, como softwares matemáticos, ambientes

4 A racionalidade técnica, conforme Ramalho, Nuñes e Gauthier (2004) está vinculada as relações de poder, interesses e hábitos específicos, e atinge, em diferentes proporções, tanto os professores formadores/formados quanto o próprio processo formativo. Baseia-se no “treinamento das habilidades”, na qual o professor é um executor/reprodutor (“técnico”) de saberes produzidos por especialistas na condução do processo de ensino e/ou aprendizagem.

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16

virtuais de aprendizagens, entre outros, com algum fim didático e/ou epistemológico.

Pesquisas na área contribuem para a transformação da estrutura pedagógica e/ou

curricular da disciplina de Cálculo 1, ou seja, sinalizam para possibilidades de

avanço, testam resultados e sugerem formas de trabalho com vistas à inovação. Há

indícios de que se está avançando, porém, lentamente.

Nesse contexto, buscou-se com o intuito de definir o problema de pesquisa

por estudos exploratórios sobre os processos que envolvem a disciplina de Cálculo

1, especialmente, pelos dos altos índices de reprovação, de evasão e de queixas

dos estudantes em relação às dificuldades encontradas ao cursarem essa disciplina.

Reconhece-se que o caráter multifacetado da disciplina de Cálculo 1 deva

afetar não apenas a vida acadêmica dos estudantes, mas também as expectativas

destes e de seus professores, de forma nem sempre positiva. Acredita-se que em

algum momento, os sujeitos, que passaram por essa disciplina, possam dar pistas

de como aconteceu essa passagem e das implicações nos processos de sua

formação. Contudo, na presente pesquisa, opta-se por focar os sujeitos em

formação, assim, não se pretende analisar os sujeitos formadores. E para dar uma

maior sustentação a essa escolha, recorreu-se a um estudo exploratório inicial.

O estudo exploratório apontou Silva (2011) que destaca a Comissão

Internacional de Instrução Matemática (ICMI) que em 1997 decidiu organizar um

estudo sobre o ensino e aprendizagem da Matemática no nível universitário. Esse

autor aponta que em 2001, Derek Holton publicou o trabalho “The Teaching and

Learning of mathematics at University Level”, em que apresenta reflexões pessoais a

partir de tal estudo. Um dos pontos ressaltados por Holton (2001 apud SILVA, 2011),

refere-se aos esforços para se ensinar Matemática e manifesta a intenção de

enfatizar a importância tanto da palavra ‘ensinar’ quanto da palavra ‘Matemática’.

Nessa perspectiva, ensinar significa uma troca que se baseia na tomada de

consciência dos conhecimentos e necessidades dos estudantes, o que possibilita o

estabelecimento de algum diálogo5. Em relação ao processo de ensino, o professor

identifica este processo e tenta aplicar teorias de aprendizagens atualizadas. Quanto

à Matemática, julga que devem ser feitas tentativas a fim de encorajar os alunos

5 A relação dialógica estará presente na fundamentação teórica.

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para que descubram resultados por eles próprios, permitindo que percebam que

essa ciência é mais do que um conjunto de habilidades/algoritmos cuja reprodução é

tradicionalmente solicitada nas avaliações.

Para Silva (2011), a comunidade científica está atenta às questões que

envolvem o processo de ensino e aprendizagem da Matemática e, em particular, do

Cálculo no nível universitário e ressalta que este processo se compõe de diversas

dimensões como: as dificuldades inerentes aos próprios conceitos da Matemática,

as expectativas dos atores envolvidos no processo (aluno ingressante na

universidade, professor do ensino superior, professor da educação básica), dentre

outras.

Em continuidade, na dimensão da afetividade6, em tese realizada com

ingressantes no ensino superior e estudantes na disciplina de Cálculo 1, Garzella

(2013) fala acerca dos impactos negativos ocasionados pelas práticas pedagógicas

adotadas por docentes da disciplina de Cálculo 1 e da notória taxa de reprovação no

processo de ensino e/ou aprendizagem e na vida acadêmica e pessoal dos

estudantes, sujeitos de investigação em seu estudo. Segundo essa pesquisadora,

tais impactos negativos ocorrem de maneira indiscriminada nas instituições e

responde pela oferta de um número crescente de turmas por semestre, na tentativa

de atender aos reprovados, por atrasos na conclusão dos cursos e ainda por

elevado número de evasões da disciplina e, consequentemente, da universidade.

Embora reconheça também o perfil multifacetado do problema, os resultados dessa

pesquisa apontam para as formas de organização da disciplina e a qualidade da

mediação desenvolvida pelo professor em sala de aula como fortes determinantes

do aproveitamento insatisfatório de parcela significativa de alunos, além dos

impactos afetivos dessa experiência, marcadamente negativos em suas vidas

acadêmicas.

Sob outra perspectiva, mas de igual importância, Reis (2001) em sua tese

doutoral, analisa entrevistas semiestruturadas realizadas junto a autores de livros de

Cálculo e de Análise. Por meio de seu trabalho revela a tensão que se estrutura

entre o que se poderia chamar de extremos do ensino dessas disciplinas – o rigor e

6 WALLON (1971); MAHONEY; ALMEIDA (2004); LEITE (2006) compõem o referencial teórico acerca da afetividade na pesquisa realizada por GARZELLA (2013).

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a intuição. O autor levanta aspectos que revelam como o ensino de Cálculo está

organizado, e destaca duas vertentes de caracterização do pensamento diferencial

que dialogam com os seus objetivos: o pensamento intuitivo, presente na busca pela

produção de significados, e o pensamento rigoroso, presente na busca por

justificações e afirmações. Considera, ainda, que encontrou maior interlocução na

constatação de que a transição do pensamento matemático elementar para o

avançado7 não deve vir necessariamente acompanhada de uma transição do

pensamento intuitivo para o rigoroso. Afirma ainda, que pesquisadores 8defendem

que atividades intuitivas devem preceder atividades que contenham definições e

provas formais. Os impactos na formação e a estrutura rígida da disciplina de

Cálculo 1 são notadas por Reis (2001), para o qual, os professores universitários

reproduzem em suas aulas a sua formação técnico-formal, que também será

reproduzida pelos alunos, futuros professores quando formados. Nesse caso, a

relação dialógica pode ser identificada também na subjetividade construída pela

ação pedagógica: “façam como eu faço” ou “eu faço como meu professor”.

Acredita-se que as argumentações e inquietações de Reis (2001), Silva

(2011) e Garzella (2013) abonem a decisão e escolha pela disciplina de Cálculo 1

como cenário da presente pesquisa, pois nelas se reconhece as próprias

inquietações diante das problemáticas que se colocam.

Tais posicionamentos dão indícios de uma relação dialógica constituída por

contra sensos em aulas de Cálculo 1. Assim, pode-se admitir que se há esse

conflito, então, estão em jogo identidades que devam ser respeitadas. Alcançar o

conhecimento de um objeto matemático requer o diálogo entre essas identidades,

diálogo esse, que permite a experiência entre os vários sujeitos da experiência e os

saberes em jogo.

7 Tall (1995) expressa que o pensamento matemático avançado, faz uso de estruturas cognitivas produzidas a partir de um grande número de atividades matemáticas, buscando um sistema sempre crescente de teoremas demonstrados. Como hipótese, se aceita que, no indivíduo, o crescimento cognitivo do pensamento matemático elementar para o pensamento matemático avançado ocorra a partir da “percepção de” objetos do mundo exterior e da “ação sobre” esses mesmos objetos, construindo estruturas de conhecimento segundo dois desenvolvimentos paralelos, do visual-espacial para o verbal-dedutivo; o outro é constituído por encapsulações sucessivas de processo-para-conceito, acompanhadas do uso de símbolos manipuláveis. 8 Pesquisadores dos grupos do aporte teórico do Modelo dos Campos Semânticos; os do Professor

Roberto Baldino; os apresentados no 8º. International Congress on Mathematical Education; e os realizados dentro da linha do Advanced Mathematical Thinking.

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Diante desse processo de experiência, discutido em (LARROSA, 2002, 2011),

busca-se a descrição do diálogo que permeia a construção do objeto matemático em

aulas de Cálculo 1.

É dessa forma que se faz necessária a definição de ao menos um conteúdo a

ser explorado nesse contexto, pois a abrangência do Cálculo 1 tornaria o trabalho

exaustivo. Optou-se, então, pela Derivada. No entanto, por que Derivada?

Optar por Derivada se deve também ao fato de tal conteúdo constar em

cursos iniciais de Cálculo Diferencial e Integral. O estudante de Cálculo 1, em geral,

tem contato com a Derivada depois de certo período de aulas da disciplina. Na

maioria das vezes a Derivada é apresentada após a discussão de Limite. Assim, ao

optar por Derivada, tem-se a possibilidade de contar na investigação com um sujeito

capaz de trazer elementos de um período maior de contato com essa disciplina, pois

interessa também, o percurso desse estudante em aulas de Cálculo 1.

Da mesma forma, a Derivada contribui pelo elemento sintetizador que esse

conteúdo assume, verificado também nos Planos de Ensino da disciplina de Cálculo

1 da Instituição lócus desta investigação. Em geral, em um curso inicial de Cálculo

1, a partir do estudo da Derivada é que os alunos são levados às resoluções de

problemas e às aplicações do conhecimento que deveria ser construído ao longo da

disciplina, e talvez até à consciência do motivo de ter que estudar Cálculo 1.

Não é uma regra, mas em geral, antes da abordagem da Derivada, o curso é

essencialmente teórico, e embora se explore o caráter intuitivo para a compreensão

de conceitos, admitem-se também recorrentes definições e demonstrações de

teoremas, ficando as aplicações para a etapa final da disciplina, concomitante com o

estudo da Derivada. No entanto, não se pretende defender aqui que a ênfase nos

processos de aplicação de conceitos signifique uma maior compreensão do objeto

matemático em estudo. Concorda-se que os aspectos que remetem à construção de

cada etapa do aprendizado em Matemática, inclusive as que envolvem a aplicação,

mas também o rigor matemático, precisam ser presentes em aulas de Cálculo 1.

Concorda-se também que, conforme sugere Niss (2003) é nessa interação, entre os

vários domínios dos sujeitos acerca da Matemática e suas diferentes possibilidades,

que a competência matemática poderá ser constituída.

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Segundo a pesquisa realizada por Ramos (2009) junto a estudantes de um

curso de Licenciatura em Matemática, os que passaram por um curso de Cálculo e

que estudaram aplicações da Derivada, em sua maioria, sabem calcular Derivadas

por meio de regras, mas não conseguem estabelecer as relações entre a função f e

a função Derivada de f. Segundo esse autor, esses estudantes apresentam

dificuldade tanto na manipulação dos resultados obtidos, como no âmbito conceitual

sobre as relações existentes entre uma função e sua Derivada; assim como no

entendimento do conceito de Derivada para efetuar o tratamento de questões

propostas.

Nessa direção, de acordo com Costa e Alvarenga (2010), em relação ao

conceito de Derivada, os estudantes apresentam dificuldades na definição e não

fazem associações em relação às propriedades da Derivada. Os estudos desses

autores foram aplicados a estudantes dos cursos de Ciências Exatas da

Universidade Federal do Sergipe com o objetivo de identificar os erros cometidos e

as dificuldades desses sujeitos na disciplina de Cálculo Diferencial e Integral 1, nos

cursos em que essa disciplina é ministrada.

Nos apontamentos de Pereira Filho, Kaiber e Lélis (2012), realizados com

estudantes de Cálculo Diferencial e Integral 1, do primeiro ano de um curso de

Engenharia Civil no Tocantins, foram relatados que os estudantes pesquisados não

dominam as habilidades esperadas para o trabalho com essa disciplina,

principalmente no que diz respeito a desenvolver atividades algébricas baseadas em

regras. Esses autores acreditam que seja possível engajar os estudantes nos

procedimentos algébricos para que cresça a compreensão dos conceitos, e

ressaltam que mais importante que detectar e apontar os estudos feitos sobre

análise de erros em Matemática é, apossar-se das contribuições dos mesmos

estudos, para indicativos de outros estudos que possam traduzir a realidade e

caminhos que contribuam na construção do conhecimento.

Dessa forma, com base nesses estudos, são observados acerca da Derivada,

que, além dos erros relacionados à manipulação e ao domínio algébricos, e de

aplicação de regras e fórmulas, os sujeitos não estabelecem as relações existentes

entre uma função e a sua Derivada, apresentam dificuldades na compreensão do

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conceito de Derivada para efetuar o tratamento de uma questão e têm dificuldades

na associação de algumas das propriedades da Derivada de uma função.

Segundo Rezende (2003), para muitos estudantes a definição formal de

Derivada não terá sentido se não for consubstanciada com redes de significações

deste conceito; não apenas, como por exemplo, na relação física (velocidade) e

Derivada (taxa de variação), mas, a partir das ideias geradoras e construtoras do

campo semântico da noção de Derivada. Nesse sentido, esse pesquisador

argumenta que não é meramente assistindo a uma demonstração de um

teorema/proposição que o estudante construirá sua rede de significações. Para

muitos, o sentido pode estar até na simples interpretação do resultado da

demonstração.

Se tais dificuldades são apontadas nos estudos apresentados há que se

considerar que a experiência que fazem estudantes ao passar pela disciplina de

Cálculo 1, e ao depararem-se com um conteúdo novo, no caso a Derivada, possa

talvez levá-los a atingir outras significações nessa passagem, e que não unicamente

a construção do conhecimento do novo. Nesse sentido, aponta-se que há frequentes

conflitos.

1.2 A questão e o objetivo da pesquisa

De fato, é possível que estudantes, mesmo depois de concluída a disciplina

de Cálculo 1, não consigam uma associação entre o conceito de Derivada e o

tratamento de um problema, ou apresentem dificuldades em associar as

propriedades da Derivada de uma função à função que foi diferenciada, entre tantas

outras formas que possam apresentar-se como frequentes dificuldades na relação

entre esses sujeitos e tal objeto.

Nesse aspecto, interessa que o processo de ressignificação do conceito de

Derivada é subjetivo, único e pessoal, ou seja, cada sujeito faz sua leitura e

interiorização possíveis nesse processo que é genuinamente transformador. Cada

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sujeito da experiência tem à disposição, os meios para atingir essa ressignificação;

contudo, esses meios não são os mesmos e nem prescindíveis da mesma

magnitude para que cada um deles atinja a compreensão esperada do conceito de

Derivada. Assim, tem-se como objetivo de pesquisa, apontar possibilidades da

experiência nos processos de construção do conhecimento em aulas de Cálculo 1,

especificamente neste estudo, para o conteúdo Derivada.

Nessa acepção, inquieta-se em alguns questionamentos: Que experiência

ocorre na passagem dos estudantes pela disciplina de Cálculo 1? Que

transformações decorrem dessa experiência e o que essa produz na forma como

encaram a Matemática a partir de então? O que se modifica no estudante de Cálculo

1 após a conclusão dessa disciplina? Algo acontece? Nada acontece?

Assim, ao tentar constituir a questão de pesquisa, percorre-se um longo

caminho. Entende-se que o sujeito da experiência (LARROSA, 2011) se transforma

ao ser atravessado por um “algo novo”, que pode ser um conhecimento novo; e

nesse processo de ressignificação o sujeito modifica sua forma anterior, é

transformado, e leva em si uma marca dessa passagem. Não obstante, nem sempre

a marca que acompanha esse sujeito da experiência é a marca que se espera que

seja deixada, por exemplo, pelas aulas de Cálculo 1, e nesse aspecto, esse é um

campo de incertezas e perigo.

Segundo Larrosa (1994), uma determinada experiência de si é o que visa

todo processo de formação dos sujeitos, ou seja, de formação da identidade desse

sujeito; por esse lado, o que se espera de um “sujeito formado” é que tenha

determinados comportamentos a partir de uma determinada relação consigo mesmo.

Parte do comportamento esperado, no caso do Cálculo 1, pode incluir que o

sujeito tenha domínio do conceito de Derivada, assim como, que ele seja capaz de

fazer uso de regras de derivação, de relações entre a função e sua Derivada, de

aplicações e de formas de tratar questionamentos relacionados à compreensão

desse conceito.

Nessa direção, define-se a seguinte questão de pesquisa:

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“O que estudantes revelam sobre o estudo do conteúdo Derivada na

disciplina de Cálculo 1 e sobre suas experiências nesta disciplina?”

Os sujeitos deixam transparecer elementos ligados às regras, à definição ou

às aplicações da Derivada, ou, nada deixam transparecer, nesse contexto. Contudo,

também deixam transparecer elementos que apresentam indícios de uma complexa

relação com a disciplina de Cálculo 1.

É desejável, por meio desta investigação, contribuir para a área de pesquisa

que se insere a partir do campo da Educação Matemática, quer seja nos processos

de formação de professores, bem como, na estrutura curricular, como forma de

fortalecer mecanismos que tornem o ensino de Cálculo 1 um processo menos

conturbado que o estado atual encontrado na problemática em que se coloca essa

disciplina.

Desse modo, é relevante suspeitar que os sujeitos da experiência, em aulas

Cálculo 1, possam ser transformados, seja na sua compreensão de um novo objeto

de conhecimento, como exemplo, a Derivada, ou em relação a outros aspectos

dialógicos e subjetivos que permeiam essa experiência específica. E nesse terreno

conflitante, pode constituir-se a contribuição almejada.

1.3 Revisão de Literatura

Na presente etapa deste trabalho, apresenta-se a Revisão de literatura

realizada, como meio de estruturar e de demonstrar uma intenção de contribuição

acadêmica em torno do Cálculo 1, especificamente do estudo da Derivada, tendo em

vista a experiência que os estudantes vivem na passagem por essa disciplina.

Entende-se que uma visão abrangente de pesquisas e contribuições

anteriores seja prioritariamente necessária para bem conduzir essa investigação e

possa preparar para desenvolvimento de estudos posteriores, além de comprovar a

relevância acadêmica do presente trabalho, pois se abrem caminhos por um cenário

já plenamente constituído.

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Nessa intenção, recorreu-se a uma busca seletiva por trabalhos que

indicassem familiaridade com o tema mencionado; ou seja, que tivessem relação

com a investigação de compreensões sobre o Cálculo Diferencial e Integral e, de

modo mais específico, à Derivada.

Foram encontradas e selecionadas algumas publicações na temática do

ensino e/ou aprendizagem de Cálculo Diferencial e Integral, que apresentam certa

ênfase na importância da compreensão dos conceitos e na valorização de

aplicações desses conceitos, assim como, a sugestão para buscar o

enfraquecimento das abordagens que desenvolvam habilidades manipulativas e

algorítmicas. Além de estudos relativos aos conceitos fundamentais e clássicos do

Cálculo, em alguns trabalhos se verificam a predominância do uso de recursos

tecnológicos, como uso de tecnologias informáticas. Embora não se tenha intenção

nessa direção de pesquisa, os contextos em que tais trabalhos foram desenvolvidos

em muito contribuem para a pesquisa que se pretende realizar.

Assim, para a presente revisão se elegeram quatro pesquisas nacionais

devido à familiaridade de contextos e possibilidades de comparações dentre essas

produções, as quais levam em conta o ensino de Cálculo Diferencial e Integral e

esta investigação. Entende-se que, do ponto de vista do conteúdo programático, o

curso inicial de Cálculo embora semelhante, dentro ou fora do Brasil, se depara com

fatores que interferem na aprendizagem dos conteúdos abordados em aulas dessa

disciplina, e que são estruturalmente distintos nos contextos nacional e internacional;

tais como: a formação básica dos estudantes; a infraestrutura física e humana das

universidades; os projetos pedagógicos dos cursos de graduação e a formação dos

professores desses cursos.

Nesse sentido, pela aproximação e familiaridade com a temática do Cálculo

Diferencial e Integral e objetivo da presente pesquisa, que considera o processo de

experiência (LARROSA, 2002, 2011) dos estudantes em aulas de Cálculo 1 a partir

da descrição do diálogo que permeia a construção do objeto matemático em aulas

de Cálculo 1, especificamente, a Derivada; foram selecionados os estudos de

Rezende (2003), Traldi (2006), Dall’Anese (2006) e Vieira (2013). Nesse processo

de revisão se destacam, de cada uma das pesquisas mencionadas, os pontos

considerados de maior interesse, quer pela correlação com o objetivo de

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investigação, ou pelas evidências decorrentes dos contextos em que se

desenvolvem.

1.3.1 A pesquisa de Rezende

Segundo Rezende (2003) muitas pesquisas apontam que um dos grandes

desafios no ensino superior de Matemática ainda é o “fracasso” no ensino de

Cálculo; o que, segundo esse autor, é devido às dificuldades de natureza

epistemológica desse ensino. Nesse sentido, esses aspectos não se restringem à

ordem cultural, econômica ou social brasileira, pois são também vivenciados em

países desenvolvidos.

A pesquisa de Rezende foi elaborada a partir do entrelaçamento dos fatos

históricos e pedagógicos, por meio de um mapeamento das dificuldades de

aprendizagem de natureza epistemológica do ensino de Cálculo, tendo como pano

de fundo as dualidades essenciais e os mapas históricos conceituais do Cálculo.

Assim, apresentou cinco macro-espaços de dificuldades de aprendizagem de

natureza epistemológica do ensino de Cálculo, identificados pelas cinco dualidades

fundamentais do Cálculo e do seu ensino: discreto/contínuo;

variabilidade/permanência; finito/infinito; local/global; sistematização/construção.

Em vista do interesse de pesquisa, apresenta-se uma síntese dos macro-

espaços de dualidades apontados por esse autor; pois em cada uma dessas

dimensões foram evidenciados elementos que possam estar relacionados com a

perspectiva de análise pretendida nesse estudo, que também parece colocar-se em

dualidades.

Quanto ao macro-espaço da dualidade discreto/contínuo, Rezende aponta

que há uma total ignorância caracterizada pelo hiato entre os campos da aritmética e

da geometria no ensino básico de Matemática e pelo círculo vicioso presente na

significação de número real realizada pelos alunos; admitindo que o domínio

numérico da quase totalidade dos alunos se restrinja aos números racionais, pois

não sabem responder o que um número real e porque, conforme Caraça (1989,

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apud REZENDE, 2003), não conhecem o conceito de continuidade de seu processo

de construção.

No que tange à dualidade variabilidade/permanência, no âmbito do ensino

superior de matemática, há predominância da abordagem estática sobre a

abordagem dinâmica das ideias básicas do Cálculo. No conceito de Derivada, por

exemplo, prevalecem os seus aspectos formal (como sua definição em termos de

limite) e geométrico (como o coeficiente angular da reta tangente) sobre a sua

interpretação em termos de taxa de variação instantânea. Nesse sentido, interpretar

o conceito de Derivada unicamente como “coeficiente angular da reta tangente”

significa ignorar o problema histórico essencial da “medida” instantânea da

variabilidade de uma grandeza, ocorrendo o mesmo com a noção de função. No

estudo das funções reais a variável “x” é assumida tacitamente como a “variável

independente universal”. A ideia de função é estabelecida não no contexto da

“variabilidade”; mas em termos de uma correspondência estática entre os valores

das variáveis “x” e “y”. O gráfico da função é, em geral, “plotado” através de uma

tabela em que valores “notáveis” atribuíveis e a curvatura das curvas, que compõem

o gráfico da função, são geralmente induzidos pelo professor que tenta convencer o

aluno, pelo acréscimo de mais pontos, ou mesmo através de um sofisticado

programa computacional, que a única possibilidade é a dele - professor. Nessa

direção, são estudadas as propriedades algébricas do conceito construído. Estudam,

por exemplo, os zeros de uma função, mas não os seus pontos críticos. Dessa

forma, assegura que a razão principal para as dificuldades de aprendizagem na

resolução de problemas de taxas relacionadas e de otimização é, efetivamente, o

desvio epistemológico do conceito função dado na educação básica.

Quanto ao macro-espaço da dualidade finito/infinito, destaca que, apesar da

complexidade do conceito de infinito, é no mínimo curioso que estudantes não

tenham sequer consciência das dificuldades referentes à noção de infinito, mesmo

tendo já realizado um curso de Cálculo ou mesmo de Análise, levando esse

pesquisador a concluir que cursar ou não as referidas disciplinas, tal como se

encontram organizadas, não faz diferença para a instrução do aluno nesse assunto,

conforme evidências em Sierpinska (1987, apud REZENDE, 2003) e Rezende

(1994). Nesse sentido, os estudantes não reconhecem as situações de

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indeterminação presentes em cada um dos limites e procuram traduzir e “resolver”

as indeterminações através de uma espécie de álgebra do infinito, por meio da qual

o infinito passa a se comportar como número. Não realizam suas interpretações e

tipificações no contexto da dualidade discreto/contínuo; não reconhecem, enfim, as

especificidades do infinito matemático contínuo. Ainda, a ideia de infinito não

participa e nem contribui de forma significativa na construção das redes de

significações estabelecidas num curso usual de Cálculo.

O macro-espaço local/global invadiu o campo matemático e estabeleceu

com este uma relação de simbiose que possibilitou o desenvolvimento de novas

interpretações e significações no campo da epistemologia. É um produto da

percepção humana do espaço, mas que não se esgota nela. No desenvolvimento

histórico da geometria, Petitot (1985, apud REZENDE, 2013) localizou a contribuição

essencial do Cálculo para o surgimento das primeiras relações solidárias entre o

local e o global. E, é a partir do conceito de função, introduzido no núcleo semântico

do Cálculo por Euler e Lagrange, que vai constituir, junto à noção de limite, a nova

estrutura do Cálculo, que começa a preocupar-se com as questões essenciais dessa

dualidade. De tais correlações inerentes à dualidade local/global se originam

algumas das maiores dificuldades de aprendizagem dos alunos de Cálculo. No

ensino de Matemática, em geral, a participação dessa dualidade é retardada ao

máximo. No entanto, ao ingressar no curso superior e fazer um curso inicial de

Cálculo, o estudante se depara com diversas situações do contexto dessa

dualidade, uma imersão que suscita nos alunos dificuldades de interpretação dos

conceitos e resultados “normalmente” apresentados em um curso de Cálculo.

Os conceitos do Cálculo são definidos, na sua maioria, localmente –

continuidade num ponto, diferenciabilidade num ponto etc.– e estendidos, em geral,

de forma “natural” para o seu estado global – a função é diferenciável se ela o for em

cada ponto do seu domínio; mas, por outro lado, muitos dos seus resultados são de

natureza global - “se f’ > 0 em um intervalo I, então f é crescente em I”. As

deformações vão desde aplicações ingênuas das regras de diferenciação em

cálculos de Derivadas em circunstancias não muito apropriadas até o uso de

interpretações equivocadas do Teorema Fundamental do Cálculo.

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Quanto ao macro-espaço da dualidade sistematização/construção, esse par

constitui, via de regra, a realização didática do ensino de Cálculo. Em livros textos,

por exemplo, os conceitos são definidos formalmente e os resultados são

demonstrados passo a passo segundo um modelo axiomático que parte da definição

formal de limite e de alguns “postulados fundamentais”, oriundos da Álgebra

Moderna e da Análise Matemática. Nesse sentido, exercícios de cálculos e de

fixação são acrescentados ao final de cada tópico do conteúdo programático para

que o “treinamento” possa ser realizado. Nesta etapa, a influência das técnicas

algébricas é facilmente evidenciada: fatorar polinômios, por exemplo, torna-se

imprescindível para que se efetuem os cálculos de limites. A definição formal de

Derivada não terá sentido algum para o aluno, se não for consubstanciada com as

redes de significações deste conceito com a geometria e com a física. Contudo, para

uma inversão de tal polaridade é preciso trazer à tona a discussão fundamental

acerca da oposição entre o “conhecimento sistematizado” (o dos livros didáticos e

notas de aulas do professor) e o “conhecimento real” (o que traz consigo a sua

história e o seu campo de significações) do Cálculo.

Segundo Rezende para resolver o problema do ensino de Cálculo é preciso

fazer o conhecimento do Cálculo emergir de onde foi submetido pelos atuais ensinos

de Matemática.

1.3.2 A pesquisa de Traldi

A pesquisa de Traldi (2006) destaca que diferentes estudos discutem o

processo de ensino e aprendizagem de conceitos relacionados ao Cálculo

Diferencial e Integral (CDI), como Função, Limite, Números Reais, Continuidade,

Derivadas e Integrais, permitindo a possibilidade de diferentes propostas

fundamentadas nos processos cognitivos abordados por essas investigações.

O estudo realizado por esse autor objetivou a compreensão das

possibilidades de construir-se um grupo de trabalho colaborativo constituído por

professores que ministram a disciplina de CDI, buscando entender a explicitação do

conhecimento desse professor e o desenvolvimento profissional desse formador,

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pela explicitação também das suas dúvidas, prática letiva e entendimento de

conceitos não discutidos ao longo de sua formação formal, processo que esse autor

sugere levar a uma reelaboração de suas concepções acerca do processo ensino-

aprendizagem.

Os resultados dessa pesquisa apontam para diferentes possibilidades de

transição do trabalho coletivo para o colaborativo, e entre elas, Traldi destaca: os

objetivos em comum, a troca de experiência necessária e de discussão de

conhecimentos didáticos específicos do CDI, a busca de apoio para enfrentar

mudanças curriculares, o clima de camaradagem e a busca de conhecimentos

específicos.

Traldi considera que a didática deve ajudar o professor a tomar decisões que

influenciarão a outros; decisões que devem, portanto, ser acertadas, sobretudo, na

forma como influencia na formação do aluno, com uma totalidade pessoal e social.

As decisões não podem ser atos impositivos, mas partidos de reflexões sobre o processo ensino-aprendizagem, não presos de forma categórica a uma única alternativa (TRALDI, 2006, p. 48).

E sobre esses aspectos didáticos relativos ao CDI destaca contribuições

acerca da revisão das questões relacionadas ao Pensamento Matemático

Avançado, e também de diferentes teóricos, em relação ao que classifica como

riqueza da área. Os elementos apontados por Traldi são pontos que evidenciam a

complexidade e fragilidades das relações envolvendo a área do CDI.

Dessa forma, apresenta que as pesquisas evidenciam que a área de Cálculo Diferencial e Integral é uma área rica: a) rica em noções, ora em conformidade e ora em contradição com as ideias intuitivas dos alunos, o que deve ser levado em conta no seu ensino sob pena de causar obstáculos; b) que apresenta uma diversidade de registros de representações em que seus conceitos são apresentados; c) que tem um caráter unificador que se manifesta, desde que sua abordagem no ensino leve em conta as diversas dimensões Matemáticas de um dado conceito (no quadro da álgebra, da geometria, da geometria analítica); d) que aborda noções que são estudadas na educação básica, número real, infinito, continuidade, limite, função; e) que tem aplicações em outras áreas do conhecimento, conforme Cornu (1991), Sierpinska (1985), Tall (1991), Azcárate e outros (1996) e Vinner (1991) (TRALDI, 2006, p. 28).

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Em relação ao conceito de limite, concorda-se com Traldi, que Cornu (1991) e

Sierpinska (1985) após estudos acerca das concepções dos alunos, afirmam que a

grande dificuldade envolvendo o processo de ensino e aprendizagem desse

conceito, se encontra no fato de tratar-se de um conceito extremamente amplo, que

impossibilita a generalização de aspectos cognitivos a partir da sua definição

Matemática. Ou seja, saber o que diz a definição do conceito de limite não garante

que ocorra a construção da concepção fundamental desse conceito pelos alunos. A

primeira ideia é intuitiva, os estudantes acreditam ter adquirido o conhecimento do

conceito formal, sendo capazes de realizar atividades que exijam propriedades e a

ideia intuitiva de limite. Nesse aspecto, o processo ensino-aprendizagem do conceito

de limite produz professores conscientes de que a maior parte dos alunos seja

incapaz de dominar o conceito; no entanto, a fim de evitar grande número de

reprovações, propõem exercícios e ensinam os alunos a resolvê-los, buscando a

garantia de alunos aprovados, mesmo que não tenham construído compreensão do

conceito.

A posição desses autores, apresentada por Traldi demonstra que as escolhas

dos professores frente à iminência da reprovação em massa, aparentemente,

evidenciam como agentes externos ao processo ensino-aprendizagem do Cálculo

podem limitar a liberdade de ação dos professores, e consequentemente, a

qualidade do trabalho realizado.

E, sobre o processo de ensino e/ou aprendizagem da Derivada, aponta três

diferentes níveis dos aspectos cognitivos dos alunos e sua evolução, segundo

Azcárate e outros (1996, apud TRALDI, 2006); i) o nível “primitivo” correspondente a

alunos que apresentam uma incapacidade de interpretação do conceito de variação

instantânea de uma função; ii) o nível “aproximação”, correspondente a alunos que

para o conceito de velocidade instantânea têm generalizado sua concepção da

noção de velocidade média entre pontos, e que por coerência se utilizam dessa

apropriação para resolução de situações pontuais por aproximação e; iii) o nível

“limite” relativo a alunos que já têm construídas as concepções de velocidade

instantânea e a noção de taxa de variação de uma função em um ponto dado, e

esses são capazes de descrever e representar situações de variação instantânea de

uma função dada por seu gráfico.

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Corroborando o caráter da complexidade do processo de ensino-

aprendizagem do CDI e dos apectos didáticos relacionados nesse processo,

concorda-se com a posição de Traldi, fundamentada em Elbaz (1983, apud Traldi,

2006), de que todas as espécies de conhecimento do professor estão integradas e

filtradas pelos valores e crenças pessoais, constituindo-se em um saber que orienta

a prática profissional e que é de natureza essencialmente prática, mais implícito do

que explícito. Dessa forma, concorda-se também que o conhecimento profissional

dos professores, como dos futuros profissionais, seja tanto pessoal, quanto social.

1.3.3 A pesquisa de Dall’Anese

A pesquisa de Dall’Anese (2006) objetivou identificar e analisar argumentos e

metáforas utilizadas por um grupo de alunos de um curso de pós-graduação em

Educação Matemática para taxa de variação, com a finalidade de entender como

aprendem esse tópico. A análise realizada se baseou na Teoria da Cognição

Corporificada e no Modelo da Estratégia Argumentativa.

Embora esse estudo não tenha sido conduzido em um curso inicial de

Cálculo, esse pesquisador destaca que o tópico sobre taxa de variação é conteúdo

programático do Calculo Diferencial e Integral I, curso oferecido, geralmente, no

primeiro semestre de cursos de graduação da área de Ciências Exatas e, nesse

sentido, se aproxima do foco de interesse desta investigação.

Dall’Anese expõe que indicadores estatísticos apontam para os problemas de

ensino e aprendizagem da disciplina de CDI, tanto no âmbito nacional, quanto no

internacional. E, nesse aspecto, destaca intenções de melhoria9 nesse ensino no

cenário nacional, como a proposta de reestruturação a partir da implantação de

módulos de aprendizagem virtual e emprego de recursos computacionais. No âmbito

internacional, destaca o movimento que ficou conhecido como “Cálculus Reform

9 PRODENGE – Programa de Desenvolvimento das Engenharias.

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Moviment”10, com propostas de mudanças para o ensino de Cálculo; com atividades

propostas para o uso de computadores em exercícios, prática e ideias do Cálculo.

Por meio de seu estudo, propõe-se a olhar para a fala dos alunos de um

curso de Pós-graduação em Educação Matemática, na medida em que informam

sobre os objetos matemáticos que estão sendo constituídos em suas atividades em

aula e em tarefas que envolvam a Derivada de uma função real. Em sua análise

busca compreender o discurso do aluno, que é um recorte das falas e interações de

um grupo de alunos sobre a taxa de variação, sejam essas falas, gestuais, escritas

ou pictóricas. Nesse contexto, pretende-se, na presente investigação, encontrar

aspectos sobre o que deixam revelar os depoimentos dos sujeitos investigados,

estudantes de graduação, em relação ao estudo da Derivada em aulas de Cálculo 1.

Dall’Anese destaca a pesquisa de Nascimento (2001), acerca de professores

que constatam as dificuldades de alunos em curso inicial de CDI, devido ausência

de conceitos naturais e intuitivos embutidos nas estruturas numéricas, geométricas e

variacionais, decorrente da forma como professores da educação básica cumprem o

conteúdo matemático.

Nessa direção, desenvolve uma importante síntese de resultados de

pesquisas, que também são pertinentes a investigação que se pretende realizar;

resultados esses, obtidos a partir de publicações em encontros internacionais como

PME, ICME, ICTM11 e de artigos em periódicos; e dos quais se destacam: 1) Que a

ênfase no aspecto processual pode levar os estudantes à associar a aplicação de

regras e procedimentos ao conceito de Derivada, o que não impede o sucesso nas

tarefas, mas contribui para as falhas em tarefas que envolvem aspectos conceituas

(MANRIQUE; ALMOULOUD, 1998; TALL, 1991, 1997; EVEN; SCHHWARZ, 2003;

AMIT; WINNER, 1990; ARTIGUE, 1991; ORTON, 1983; CASSOL, 1997); 2) A

dificuldade dos alunos em relacionar a ideia de reta tangente à uma circunferência

10 Calculus Reform (Reforma do Cálculo) foi um movimento internacional iniciado na década de 1980, motivado por vários fatores, dentre os quais se destacam a compreensão conceitual dos temas inerentes à disciplina, as questões pragmáticas ligadas à sua aplicabilidade em outros campos profissionais e aos baixos índices de aproveitamento constatados em sua aprendizagem. Tinha como características para o aprendizado de conceitos, teoremas e resolução de problemas; o uso de tecnologias, softwares e calculadoras gráficas (TUCKER e LEITZEL, 1995). 11 (PME) International Conference for the Psycology of Mathematics Education; ( ICME) International Congress on Mathematical Education; (ICTM) International Conference on the teaching of Mathematics.

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com reta tangente a outras curvas; para estes, a reta tangente à curva é aquela que

tem em comum a esta curva apenas o ponto de tangência (SIERPINSKA, 1995;

VINNER, 1991; DALL’ANESE, 2000); 3) As dificuldades dos alunos em estabelecer

relações entre diferentes formas de representação da Derivada, como exemplo entre

o coeficiente angular da reta tangente e a Derivada num ponto (MEYER, 2003).

O processo de compreensão da taxa média e taxa instantânea de variação,

segundo Dall’Anese não se restringe a passagem de uma fórmula analítica a outra

ou de um gráfico para uma fórmula. Nesse sentido, apontou que existe uma

diferença entre os mecanismos cognitivos para compreensão do gráfico e da fórmula

analítica que contribui para a dificuldade dos alunos com esse tópico e, dessa forma,

a definição formal não é a única responsável por essa dificuldade.

A partir do auxílio da tecnologia informática sugeriu um ambiente onde o

movimento fictivo12, intrínseco da linguagem, se transformou em um movimento

factivo, quando retas secantes coincidiam com uma reta tangente por sucessivas

aproximações e quando a reta tangente à curva num ponto podia se mover, ao

mesmo tempo em que podiam ser vistos os valores do coeficienteangular dessas

retas.

1.3.4 A pesquisa de Vieira

Destaca-se da pesquisa de Vieira (2013) o primeiro Capítulo de sua

investigação, em que apresenta as dificuldades no Ensino de Cálculo Diferencial e

Integral decorrentes de quatro naturezas distintas. A primeira relacionada com a

Educação de uma forma geral; a segunda, oriunda das dificuldades no ensino da

Matemática; a terceira associada aos livros didáticos e uma quarta, de natureza

epistemológica. A sua direção de investigação contribui para esta pesquisa no

sentido de que vai a paralelo às hipóteses que se têm sobre alguns mecanismos que

diretamente influenciam o desenvolvimento dos estudantes em aulas de Cálculo 1.

12 Movimento fictivo é um mecanismo cognitivo nas quais cenas estáticas são descritas em termos dinâmicos, estudado pela primeira vez por LenTalmy (2000) e, especificamente na matemática, por Lakoff e Núnez (2000) e Núnez (2004), conforme apresenta Dall”Anese (2003).

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Vieira argumenta que educar é um processo social cuja busca resulta na

aproximação entre o conhecimento do professor e do aluno, e que existem

diferentes formas de análise dessas relações sociais em um contexto escolar.

Segundo esse autor, a sociedade atual parece não mais enxergar a Educação como

uma promessa de melhoria das condições de vida, e não é raro encontrar

professores desiludidos com o processo de degradação de sua imagem social.

A escola do século XXI, segundo esse pesquisador, embora constituída de

pessoas, seres que interagem e que buscam incessantemente novos

conhecimentos; mantém-se ainda muito ligada à base tradicional dos processos de

ensino.

Destaca ainda, que os problemas gerados em sala de aula em sua maioria

são considerados de responsabilidade do professor, ocasionando crise e conflitos

escolares, de fundo social e de valores humanos. E menciona que um grande passo

para a melhora do sistema educacional fundamental, médio ou superior no Brasil,

pode ser dado com o uso das novas e atuais tecnologias de informação. Nesse

sentido, ressalta que um novo desafio docente na educação no estudo do Cálculo

Diferencial e Integral será a construção de uma melhor apropriação do objeto de

estudo por meio do uso das novas tecnologias.

Das dificuldades no ensino da Matemática coloca, entre outros fatores, as

metodológicas, as de elaboração e da linguagem dos livros didáticos e as de

formação de professores. Nesse aspecto, destaca a Matemática ser considerada vilã

(VITTI, 1999 apud VIEIRA, 2013) e o problema do contexto (BRASIL, 1998 apud

VIEIRA, 2013). Acrescenta que o ensino da Matemática parece estar dividido entre

conceituação, manipulação e aplicação; e dessa maneira coloca também a forma

como se enquadra o ensino do Cálculo.

Nesse andamento, menciona que pesquisas apontam que o conceito de

função tem sido uma das principais fontes de obstáculos epistemológicos para a

aprendizagem dos conceitos básicos do Cálculo. A origem desse conceito está

relacionada à observação das variações quantitativas presentes nos fenomenos

naturais; no entanto, no ensino médio, é entendido como uma relação entre dois

conjuntos A e B, de forma que a cada elemento de A coresponda um elemento de B.

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Em relação às dificuldades associadas aos livros didáticos, destaca que, em

geral, estes se constituem na apresentação do Cálculo sistematizado, formal e

logicamente organizados, como resultado do trabalho de pensadores, filósofos e

matemáticos em mais de vinte séculos, frequentemente apresentada pela

sequência: Números Reais, Funções, Limites, Derivadas e Integrais. Ou o Cálculo

em construção, apresentado por uma temática que não obedece necessariamente à

estruturação lógica; mas o desenvolvimento do Cálculo ou a sua

contemporaneidade, baseado numa metodologia problematizada, com situações que

deflagram o processo de construção do conhecimento. O livro didático, segundo

esse autor, tenta mostrar um caminho com vistas à viabilizar a concepção de como o

conhecimento no Cálculo pode ou deve ser construído.

No ambiente da universidade, ressalta que muitos cursos de Cálculo

Diferencial e Integral sob a influência desses recursos, permanecem os mesmos,

trazendo abordagens idênticas às realizadas há décadas; e aponta que as

Tecnologias da Informação poderiam representar fortes mediadoras na negociação

dos significados do Cálculo Diferencial e Integral.

Sobre as dificuldades de natureza epistemológica destaca Tall (1976 apud

VIEIRA, 2013) no sentido de que o cérebro humano não é uma entidade puramente

lógica. Seu funcionamento é complexo e, usualmente, é uma variação da lógica

matemática; sendo que a lógica pura nem sempre é a razão das inspirações, nem a

causadora de erros.

Aplicando essa reflexão ao estudo do CDI, principalmente, no que se refere

ao estudo da Função, e a fim de evitar ideias erroneamente formadas sobre o

significado de função, propõe trabalhar a relação da variabilidade, da variação de

dependência, de taxa de variação, já a partir do ensino fundamental.

Atualmente, segundo esse pesquisador, o aluno constrói a imagem de que

uma função é apenas uma expressão contendo x e y e, desse fato, torna-se

intensamente sofrida a ideia de variabilidade, uma vez que a função é, nesse

sentido, a própria expressão. Dessa forma, a dificuldade aumenta à medida que

passa para outros assuntos, como por exemplo, ao estudo de pontos críticos. Nessa

direção, salienta que a definição formal de função em pouco contribui para a

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significação desse conceito, que sequer é lembrado diante do “fato” de a função

constituir-se como uma fórmula. Acredita que, frente aos problemas usualmente

propostos, são por vezes utilizados procedimentos parecidos que levam à sensação

de “bem conhecer” um determinado assunto; porém, a partir de pequenas

mudanças, esse entendimento de como agir se torna ausente.

Destaca, também, que um conflito pedagógico frequentemente encontrado

nos cursos de Cálculo é o descompasso entre o que o professor faz - em geral

demonstrar resultados, e o que pede que o aluno faça - exaustivas listas de

exercícios. Ainda destaca que, a fim de tentar minimizar os resultados catastróficos

dos cursos de Cálculo no ensino superior, é comum a realização de cursos

preparatórios, como Pré-Cálculo, Cálculo Zero, Matemática Básica, entre outros. No

entanto, os resultados apresentados em tais disciplinas niveladoras é similar aos

obtidos nos cursos de Cálculo que com ou sem elas continuam a apresentar

resultados preocupantes.

Nesse sentido, Vieira aponta que Rezende (2003) reflete sobre a

responsabilidade dos professores de Cálculo em explicitar as concepções

epistemológicas que perpassam suas ações docentes, ao discutir sobre as

dualidades sistematização/construção; variabilidade/permanência; global/local;

discreto/contínuo; finito/infinito e construção/significação.

Viera deseja ir além em sua pesquisa e mostrar que as TI’s medeiam e

facilitam quaiquer dessas dualidades em cursos de CDI, pois se constituem como

uma nova teconologia da inteligência13 e como protagonistas na construção do

conhecimento, o humano midiático14 da atualidade.

Na presente investigação, não se orienta para a direção das TI’s, mas as

contribuições de Vieira corroboram a intenção de pesquisa, pois dão a dimensão do

cenário que envolve o encontro com o objeto novo em aulas de Cálculo 1 pelos

sujeitos da experiência.

13 Levy (1994). 14 Borba e Villarreal (2005).

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1.4 O Dimensionamento da pesquisa

Na presente introdução, Capítulo 1 desta pesquisa, apresentam-se a

motivação, o problema e objetivo de pesquisa, assim como a questão central desta

investigação, que busca a partir da lógica do Diálogo e da Experiência encontrar

indícios dos conhecimentos, inquietações e experiências que os estudantes de

Cálculo 1 deixam revelar a partir de sua passagem por essa disciplina, e apresentar

os aspectos desse estudo, que se interpõem a partir desse encontro. Inclui-se

também, a revisão da Literatura que procurou levantar pesquisas direcionadas para

a investigação no âmbito do Cálculo Diferencial e Integral.

A respeito das escolhas teóricas, no Capítulo 2, apresentam-se a

interpretação da relação dialógica do sujeito com o outro e com o objeto, baseada

nas concepções de Buber (2009) e de Bauman e May (2010), admitindo-se ainda

um interlocução dessa perspectiva teórica com a concepção de Larrosa (2002,

2011) acerca da experiência. A partir dessas perspectivas, fundam-se a construção

teórica desta investigação.

As escolhas metodológicas serão apresentadas no Capítulo 3, incluindo o

método escolhido; a forma de seleção dos sujeitos; a caracterização desses sujeitos

da experiência e da Instituição que os representa – representante dessa

comunidade plural; além da justificativa pela opção de uso de Mapas Conceituais

como um dos instrumentos de coleta dos dados.

Os procedimentos de análise dos dados e a apresentação de resultados a

partir das abordagens que coletam relatos dos sujeitos investigados, classificados

em unidades de análise textuais, serão apresentados no Capítulo 4.

No Capítulo 5, apresenta-se a análise dedicada aos Mapas Conceituais,

assim como a discussão em torno do que se denominou de Mapas Conceituais

Iniciais.

Conclui-se esta pesquisa com as considerações finais e conjecturas e as

possíveis contribuições deste estudo.

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Assim, no próximo Capítulo, apresenta-se a fundamentação teórica. Inicia-se

com uma interpretação da relação dialógica do sujeito com o outro e com o objeto,

uma relação baseada nas concepções de Buber e de Bauman e May. Na sequência,

busca-se um diálogo mais abrangente entre essas concepções e a compreensão de

Larrosa (1994) sobre a experiência de si, o campo das subjetividades e da

experiência (LARROSA, 2002, 2010). Apresenta-se um modelo teórico a fim de

expor lugares e dispositivos que constrõem e medeiam a relação do sujeito consigo

mesmo e o seu processo de experiência e que, portanto, podem estar presente na

construção do conhecimento da Derivada.

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2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Neste Capítulo são apresentados os pressupostos teóricos sustentados nas

contribuições filosóficas de Buber (2009) acerca da relação dialógica representada pelo

modo fenomenológico da existência humana, o modo do Eu-Tu, e o modo coisificado,

reflexivo, da atitude Eu-Isso. Valem-se também das contribuições de Bauman e May

(2010) acerca das escolhas, como presenças em uma relação dialógica. Ainda, das

contribuições de Larrosa (1994, 2002, 2011) sobre a experiência dos sujeitos na interação

dialógica, que embora envolva escolhas nem sempre pessoais, sustenta a experiência

que é individual e intransferível.

2.1 A Relação dialógica

Considera-se uma perspectiva filosófico-sociológica, posta diante da complexa

rede de subjetividades que compreende uma relação dialógica, uma relação de

reciprocidade, de um compartilhar em mão dupla, e que não acolhe apenas um encontro

impessoal e desprovido de afetividade, pois ocorre em meio a intrincada interação entre

professores, estudantes, Instituição e conteúdo nos processos de ensino e aprendizagem

de Cálculo 1.

Admite-se que essa relação dialógica compreenda um contexto histórico; um

encontro denominado de diálogo humano, em que alguns limites à liberdade se

posicionem como entraves ao fato de o homem ser o sujeito da própria prática, portanto,

corresponsável nesse processo, e no qual se aceita como sujeito cuja liberdade é

estranhamente limitada, tendo em vista que suas ações subjazem a certo grau dessa

liberdade.

Nesse sentido, Freire (1979) expõe que o homem se revela como um ser situado

no mundo, em um dado espaço/tempo, com uma ação embasada na reflexão sobre esse

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mundo em transformação, com a finalidade de contribuir para essa transformação, o que

implica que também esteja submetido às limitações do mundo. Assim, a aprendizagem e

o ensino devem pautar-se em uma pedagogia que leve à superação da relação opressor-

oprimido, não havendo restrições formais da instrução, ou seja, uma pedagogia baseada

na dialogicidade – o diálogo entre professor e aluno que possa levar à ação fundante de

uma educação problematizadora focalizada no desvelamento da realidade que se presta

ao aluno - ou seja, o reverso da educação bancária.

Enquanto na prática “bancária” da educação, antidialógica por essência, por isso não comunicativa, o educador deposita no educando o conteúdo programático da educação, que ele mesmo elabora ou elaborada para ele, na prática problematizadora, dialógica por excelência, este conteúdo, que jamais é “depositado”, se organiza e se constitui na visão do mundo dos educandos, em que se encontram seus temas geradores (FREIRE, 1987, p. 102).

Não se desconsidera a relação que Freire (1979) expõe, e sim, consideram-se as

várias nuances de uma relação entre indivíduos, uma relação que assume

comportamentos supostamente contraditórios, perpassando todos os aspectos presentes

nesse processo, até mesmo, opressão, medo, intolerância, como também, motivação,

fortalecimento, incentivo, encorajamento.

Concorda-se que a dialogicidade é uma questão básica para essa abordagem

sociocultural; e que a relação “professor – aluno – instituição – conteúdo” deveria ser

horizontal, com o objetivo de desenvolvimento de uma consciência crítica e libertadora,

que valoriza a linguagem, pela qual os elementos dessa relação procuram a superação da

consciência ingênua para a percepção das contradições sociais.

Nessas circunstâncias, a relação dialógica que ora se apresenta, é uma

abordagem que coloca cada indivíduo no centro da condução de seu próprio processo de

construção de conhecimento e que procura preconizar a experiência desses sujeitos. E,

nessa direção, elegem-se as perspectivas de Buber (2009), Bauman e May (2010) e

Larrosa (1994, 2002, 2011) para encaminhar essa construção teórica.

2.1.1 A relação dialógica de Buber

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O pensamento de Buber (1878-1965) sofreu forte influência da corrente hassídica15

da mística judaica, comumente caracterizada como filosofia do encontro ou do diálogo. O

pensamento de Buber é dificilmente situável dentro de alguma corrente filosófica do

século XX. Ele conviveu com a comunidade hassídica enquanto criança e após a idade

adulta. Voltou-se também para o pensamento contemporâneo. A mensagem do

hassidismo parece ter fecundado e provocado o pensamento de Buber16.

Buber estudou nas universidades de Viena, Berlim, Leipzig e Zurique e adquiriu

uma notável formação filosófica, artística e literária. Alguns dos nomes que mais

influenciaram diretamente a obra de Buber são Feuerbach, Kant, Nietzsche e

Kierkegaard.

Buber não se filia diretamente a algum movimento filosófico, mas se aproxima de

algumas correntes e métodos; destacam-se: o existencialismo, pois Buber se atém à

realidade concreta e prioriza a práxis; o personalismo, pois em sua obra destaca a

pessoa; o intuicionismo, pela primazia à atitude pré-reflexiva não conceitual existente

entre o homem e o ente que se lhe defronta na relação dialógica.

A filosofia do diálogo exige a intersubjetividade como fato antropológico

fundamental. A relação primordial de Buber torna o fundamento de todas as relações

humanas, assim como é primordial que o homem encontre o seu sentido e se

comprometa com a própria existência no mundo. Em contrapartida, a relação inter-

humana, é compreendida por Buber de duas maneiras: tomando-os por objetos, ou se

colocando na presença deles; expressas pelo que chama de palavras-princípio, Eu-Tu e

Eu-Isso, as quais, considera portadoras do ser, não exprimindo algo existente fora delas,

mas fundamentando uma existência.

O fundamento da antropologia de Buber (2009) está na relação dialógica, a relação

intersubjetiva, inter-humana. Para ele não há existência humana sem comunicação e

diálogo, e os objetos não existem fora dessa interação. Dialógico é, nesse sentido, uma

15 O Hassidismo, corrente mística judaica, reage contra o modo messiânico de se distinguir um homem do outro, ou uma época de outras, ou uma ação de outras. Foi tal ensinamento de um vínculo inseparável entre o mundo e o homem que exerceu uma influência marcante sobre Buber a ponto de este afirmar que o destino inevitável do homem é amar o mundo, pois não é em um pretenso "além" do mundo, mas no seu "interior" que o homem pode encontrar o divino. Von Zuben, N. A. Introdução do tradutor para a obra Eu e Tu. São Paulo: Cortez & Moraes, 2006. 16 Sobre o hassidismo de Buber, ver também, CROMBERG, M. U. Crisálida da filosofia: a obra Eu e Tu de Martin Buber ilustrada por sua base hassídica. São Paulo: Associação Editorial Humanitas: Fapesp, 2005.

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característica de compartilhamento de sentidos entre o que se chama de relação Eu-Tu, e

que se dá no instante da vivência. Nesse sentido, essa relação é o modo da vivência de

possibilidade, do fenomenológico, de valor existencial, do ontológico. E o relacionamento

Eu-Isso, o modo objetivante.

Buber (2009) faz distinção entre esses dois modos humanos de existir, o modo Eu-

Isso e o modo Eu-Tu. O modo Eu-Isso (modo coisificado) de existir, é o modo explicativo,

acontecido, onde vigora a causalidade, a dicotomia sujeito-objeto, a utilidade e os usos; é

o modo da consciência teórica. Nesse modo é possível a técnica como procedimento de

repetição praticado pelo sujeito sobre o objeto.

Por outro lado, o modo Eu-Tu não admite a dicotomia sujeito-objeto, não é

pragmático. É o modo de existir do devir, do acontecer, da ação enquanto desdobramento

de possibilidades; é o modo humano de existir da cognição, da consciência

fenomenológica, pré-reflexiva, momentânea, na duração do desdobramento da ação.

A grande contribuição de Buber (2009) com sua ontologia do humano se constitui

no reconhecimento da relação Eu-Tu como dialógico. No modo Eu-Tu, o Eu se remete ao

Tu e o Tu se remete ao Eu, como possibilidades, e na reciprocidade, Eu e Tu se envolvem

em uma esfera compartilhada de ação e de produção de sentido, de logos; DIA LOGOS.

Dessa forma, propõe-se a realização da vida dialógica, uma existência fundada no

diálogo.

Uma das manifestações antropológicas mais concretas da existência da esfera "entre" é o fenômeno da resposta. Neste nível palavra e práxis se confundem, isto é, no nível do dialógico, ou em outros termos dialogos é diapráxis, já que existe uma interação "entre" Eu e Tu (ZUBEN, 2009, p. 33 – grifos do autor)

O modo Eu-Tu pode ocorrer na relação com a natureza não humana, com a

natureza humana (inter-humano) ou com o sagrado17. Na esfera do inter-humano, o

momento de vivência do Eu-Tu pode se dar na relação com uma pessoa em particular,

com uma multiplicidade de pessoas, ou na relação consigo mesmo, pois provém da

multiplicidade de possibilidades que se organizam para uma interação dialógica.

17 De acordo com Veríssimo (2010), Martin Buber focaliza em especial o sagrado pela perspectiva do encontro – como presença, existência. Nessa perspectiva a experiência do sagrado é para o humano uma vivência que o eleva a uma condição mais digna, retirando-o do dualismo no qual simplesmente é matéria vã e perecível em confronto com uma visão de sagrado superior.

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As possibilidades não são criadas, mas também não acontecem sem a presença

humana. A interação dialógica é a consciência de sentido, seja em “si mesmo”, ou com

uma pessoa, ou com uma multiplicidade de pessoas. Assim, o momento de vivência Eu-

Tu é o momento de consciência fenomenológica, não teórica, consciência dialógica, e não

no sentido reflexivo, coisificado que tem o modo Eu-Isso.

Em especial, interessa-se pela relação entre os atores envolvidos no processo

ensino-aprendizagem de Cálculo 1 e nesse pensar sobre a relação entre indivíduos.

Assim, parte-se de Buber (2009)18 com a obra Eu e Tu, pois além de respeitáveis suas

contribuições para a Filosofia e para a Educação; esse autor apresenta uma ampla

discussão de aspectos acerca da dialogicidade. Nesta obra expõe um importante ensaio

alusivo à subjetividade, à ética e à relação, para o qual o Eu-Tu e o Eu-Isso são os termos

da dialética. Toma-se essa direção, pois se entende que é a partir de um processo de

interação dialógica, que sujeitos são capazes de ser transformados ou modificados. É a

partir da relação dialógica que o sujeito se dá a conhecer, e conhece o novo.

Busca-se inicialmente o entendimento da função da palavra, que para Buber (2009)

não é representar ou nomear as coisas, mas fundamentar a existência do homem, e

nesse sentido, ele percorre um caminho diferente do tradicionalmente percorrido pelas

filosofias do sujeito. Ao contrário de postular como relação primordial o sujeito cogniscente

e o objeto conhecido, Buber descreve a relação inter-humana, o modo Eu-Tu, como

origem e fundamento da existência humana.

O mundo é duplo para o homem, segundo a dualidade de sua atitude. A atitude do homem é dupla de acordo com a dualidade das palavras-princípio que ele pode proferir. As palavras-princípio não são vocábulos isolados, mas pares de vocábulos. Uma palavra-princípio é o par Eu-Tu. A outra é o par Eu-Isso no qual, sem que seja alterada a palavra-princípio, pode-se substituir Isso por Ele ou Ela. Deste modo, o Eu do homem é também duplo (BUBER, 2009, p. 43).

Um dos modos do Eu-Tu é o encontro onde a totalidade do homem está presente e

onde existe total reciprocidade. Presume-se, que uma relação onde ocorra a experiência

da transformação, seja um dos modos do Eu-Tu. Dessa forma, a relação Eu-Tu acontece

na presença, ou seja, quando um Tu se apresenta ao Eu. Presença que não pode ser

18 Título original: Ich und Du (Heidelberg: ed. Lambert Schneider, 1974) Trad. Newton Aquiles Von Zuben. 10 ed. rev., São Paulo: Centauro, 2009. (3ª Reimpressão).

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entendida como um instante cronológico, mas o instante que se presentifica e atualiza o

homem. A palavra proferida é uma atitude efetiva, eficaz e atualizadora do ser, é um ato

do homem através do qual ele se faz homem e se situa no mundo com os outros.

Eu não experiencio o homem a quem digo Tu. Eu entro em relação com ele no santuário da palavra-princípio. Somente quando saio daí posso experienciá-lo novamente. A experiência é o distanciamento do Tu (BUBER, 2009, p. 47).

Relação é reciprocidade. Buber (2009) exemplifica que se pode apreender a

imagem de uma árvore, pode-se senti-la como movimento, filamento fluente de vasos

unidos a um núcleo, sucção de raízes, respiração das folhas. Pode-se classificá-la numa

espécie e observá-la como exemplar de um tipo de estrutura e de vida. Pode-se dominar

sua presença e sua forma que não se reconhece mais nela senão a expressão de uma lei.

Pode-se volatilizá-la e eternizá-la, tornando-a um número, uma mera relação numérica. A

árvore permanece, em todas essas perspectivas, tem seu espaço/tempo, mantém sua

natureza e sua composição. Contudo, simultaneamente, ao observar a árvore, pode

acontecer que um Eu seja levado a entrar em relação com ela; assim, ela não é mais um

Isso, não é um jogo de uma representação ou um valor emotivo. Ela se apresenta diante

do Eu e tem algo a ver com ele, e o recíproco é verdadeiro.

A estrutura da relação dialógica apresentada por Buber (2009) é dual. Há dois

mundos, a relação para Eu-Tu e o relacionamento para Eu-Isso, sendo Tu e Isso duas

fontes pelas quais a eficácia da palavra que se desenvolve constitui a existência humana.

O que emerge do Isso – “das coisas”, provém de um modo convergente da fonte primária

que é o Tu, logo, o Isso é posterior ao Tu.

O Tu é primordial e consequentemente o Isso é posterior ao Tu. "No princípio é relação". A abordagem reflexiva, cognoscitiva de objetos, do Isso, só poderá ser levada a efeito na medida em que passa pelo lugar ontológico do encontro de duas pessoas (BUBER, 2009, p. 26 – grifo do autor).

Eu-Tu e Eu-Isso significam dois mundos, o da relação – para o Eu-Tu; e o mundo

do Isso, o da atitude cognoscitiva, objetivante – o Eu-Isso. Para Buber, essas duas

atitudes são radicalmente distintas, o homem toma uma atitude ou outra, alternadamente.

Eu-Tu e Eu-Isso não são conceitos que exprimem algo externo; a primeira é a relação

ontológica, esteio para o diálogo, e a segunda, o lugar da experimentação, do

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conhecimento, da utilização, ou seja, o vínculo objetivante. “O mundo como experiência19

diz respeito à palavra-princípio Eu-Isso. A palavra-princípio Eu-Tu fundamenta o mundo

da relação” (BUBER, 2009, p. 45).

Buber (2009) reconhece a liberdade como ponto de partida imprescindível para o

ato educativo, contudo não a vê como fundamento da vida verdadeira, assim como, na

vivência educativa. Ainda, contribui para a compreensão dos limites da liberdade ao

sugerir que o ser humano não reside sedentariamente no indivíduo, nem na esfera

coletiva, existindo uma proclamação do social em detrimento do pessoal.

O homem livre é aquele cujo querer é isento de arbitrário. Ele crê na atualidade, isto é, ele acredita no vínculo real que une a dualidade real do Eu e do Tu, crê no destino e também que ela tem necessidade dele; ela não o conduz em inteiras, mas o espera; o homem deve ir ao seu encontro, mas não sabe ainda onde ela está (BUBER, 2009, p. 78).

A relação dialógica para Buber é aquela que toma lugar principal na formalização

da existência do próprio homem, ou seja, na passagem inter-humana; é um evento

dialógico pelo qual os homens têm assegurada a liberdade de se estabelecerem frente à

subjetividade e à objetividade. Nesse sentido, o Eu-Tu é essa reflexão da relação inter-

humana.

2.1.2 Liberdade, escolhas e a relação “alguém com os outros”

Contribuem nesse debate sobre a relação dialógica, Bauman e May (2010), pois

revelam que a sociologia poderia fornecer observações sobre as experiências humanas e

mostrar as implicações de atos e decisões que conduzem a vida do homem. No dizer

desses autores, pensar sociologicamente significa entender aqueles de quem se cercam,

em suas esperanças, desejos, inquietações e preocupações. Ademais, refletem sobre o

modo como a sociologia pode contribuir objetivamente para a vida pessoal, pois

estabelece limites, molda perspectivas, desenha opções e, também, ressalta

impossibilidades.

Por esse lado, cada um é um ator habilidoso, cujas realizações e o que se é,

dependem do que fazem os outros. Esses autores afirmam que a maior parte das

pessoas já viveu a angustiante prova da ruptura da comunicação. Ainda dessa

19 Aqui experiência está subentendida como significado da experimentação.

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perspectiva, a sociologia está introduzida no cotidiano, sem a qual, aliás, seria impossível

de conduzir-se na companhia do outro.

Para Bauman e May (2010) se vive atualmente um processo de interação com

outros indivíduos e de direcionamentos para a liberdade de escolha. De certa forma, todos

são livres para escolher e acompanhar suas escolhas até o fim. No entanto, qual o limite

dessa liberdade? Qual o raio de alcance dessas escolhas? A quem se atinge quando são

feitas as escolhas?

[...] a liberdade de escolha não garante nossa liberdade de efetivamente atuar sobre essas escolhas nem assegura a liberdade de atingir os resultados desejados. Mais que isso, demonstramos que o exercício de nossa liberdade pode ser um limite à liberdade alheia (BAUMAM; MAY, 2010, p. 36).

Como representantes de grupos formais e informais constituídos, pode-se

concordar com Bauman e May (2010), que de certa forma, continuamente, ocorrem

ajustamentos a determinadas condições de atuação no interior de um grupo. Assim, atua-

se na fronteira do que fica estabelecido para a função que se deseja desempenhar, e que

se esperam desempenhadas.

Pode-se concordar também, que de certa forma, se é “treinado” segundo os meios

e significados dos agrupamentos, para se tomar, assim, o lugar para a prática da própria

“liberdade”; limitados, porém, a ideias e territórios específicos; pelas perspectivas de

setores representativos da instituição ou do grupo ao qual se pertença.

Nossas ações, assim, tornam-se dependentes do julgamento de pessoas, uma avaliação sobre a qual exercemos controle limitado. Essas pessoas estabelecem as regras do jogo e são, ao mesmo tempo, os árbitros de seu cumprimento. Estão posicionadas por suas instituições para exercer um critério e, quando o fazem, estabelecem os limites de nossa liberdade (BAUMAM; MAY, 2010, p.33).

Nesse sentido, em Educação, a liberdade é sempre limitada a fatores internos ou

externos à ação pedagógica. Todavia, acredita-se que quando um indivíduo consegue

transformar-se a partir dessa relação que é dialógica, nisso consiste a autêntica liberdade

do encontro mútuo entre o ser e o saber.

Baumam e May (2010) admitem que, o que envolve a capacidade de alterar-se ou

modificar-se diante das próprias competências, pode não ter relação com a busca por

atingir metas, e reforçam que nem sempre o resultado depende exclusivamente de si.

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Nem todas as pessoas que buscam os mesmos objetivos conseguem conquistá-los, porque o número de recompensas disponíveis é limitado. Nesse caso, competimos uns com os outros, e o resultado pode depender apenas parcialmente de nossos esforços (BAUMAM; MAY, 2010, p. 35).

Aparentemente nem sempre ocorre o encontro com total reciprocidade. Na relação

de alguém com os outros, existe uma situação de dependência, pois são os outros que

pronunciam o veredicto quanto à suficiência dos esforços empenhados, e assim, avaliam

se apresentam as características certas para tomada de certa posição. Também, fica-se a

mercê de fatores materiais que acomodam a própria capacidade de alcançar objetivos.

Contudo, isso não significa que as pessoas não sejam livres. As próprias escolhas

e a liberdade estão moldadas pela força das contingências, e saber pensar o equilíbrio da

relação entre a liberdade pessoal e dependência dos outros é atingir o viver bem; assim

como, manter-se em apenas um dos lados desses dois aspectos significa um maior

afastamento do caminho desse viver bem. Em contrapartida, fatores conformadores já se

constituíram em objeto de estudo anterior, quando se buscou a modernidade líquida

(BAUMAM, 2001) como cenário da constituição de identidade de cursos de Licenciatura

em Matemática (JUNQUEIRA, 2010).

Retoma-se, assim, a ideia da fluidez para essa nova discussão, pois essa permeia

as relações sociológicas, uma vez que se está submetida a graus de liberdade

constantemente vigiada, o que leva a se pensar sobre os limites estabelecidos nas

relações inter-humanas.

Uma nova compreensão gerada dessa maneira pode tornar nossa comunicação com “os outros” mais fácil e mais inclinada a conduzir ao mútuo entendimento. Medo e antagonismo podem ser substituídos por tolerância. Não há maior garantia de liberdade individual que a liberdade de todos (BAUMAM; MAY, 2010, p. 27 – grifo do autor)

E, nesse sentido:

Essas são consequências duradouras de escolhas anteriores que, acumuladas, têm efeitos em ações futuras. Nossa liberdade de agir no presente é desse modo conformada por nossas circunstâncias passadas e experiências acumuladas (BAUMAM; MAY, 2010, p. 34)

Opta-se, muitas vezes, por fugir das incertezas e, prefere-se uma imagem mais

comum que proporcione a ilusão de pertencer a um determinado grupo; repetem-se, por

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isso, comportamentos, pois esses podem levar a crer que se tem exato conhecimento de

quem se é e de onde se está. No entanto, continua-se, muitas vezes sem nenhuma

certeza.

Ter a sensação de ser livre e concomitantemente não ser, entretanto, é parte comum de nossas experiências cotidianas – é também uma das questões que mais confusão provocam, desencadeando sensações de ambivalência e frustração, tanto quanto de criatividade e inovação (BAUMAM; MAY, 2010, p. 31).

Vive-se em constante interação com os outros, e livres para escolher e seguir

essas escolhas até o fim, no entanto, as próprias escolhas nem sempre são decisões

conscientes. Em muito, decorrem de hábitos e, de modo similar, evita-se quebrar regras,

que em geral orientam, não só as ações, mas a forma como são coordenadas com as

ações de outras pessoas que podem antecipar atitudes em diversas situações. Nesse

sentido, Bauman e May (2010) sinalizam que uma coisa é ter a habilidade de alterar ou

modificar competências, outra, muito diferente é ser capaz de alcançar as metas

almejadas. Assim, para alcançar a capacidade de agir livremente é preciso mais do que o

livre arbítrio.

Bauman (2013), em “Sobre a educação e juventude”, declara que no mundo

contemporâneo, compele-se a assumir a vida pouco a pouco, conforme se apresenta,

esperando que cada fragmento seja diferente do anterior, o que exige, constantemente, a

aquisição de novos conhecimentos e habilidades. Nessa direção, cita Gregory Baterson,

famoso pela identificação de tendências culturais ainda embrionárias, que a mais de meio

século, observou a iminente “revolução educacional”, proposta em três níveis presentes

no processo de ensino e/ou aprendizagem. No primeiro nível, o mais baixo, os alunos

seguem repetindo palavra por palavra o que os professores dizem - “aprendizagem

rotineira” - caracterizada por memorizar, construir fortificações contra qualquer informação

transgressora ou inadequada, portanto, irrelevante. Num segundo nível, mais elevado,

situa a formação de estruturas e predisposições cognitivas capazes de orientação em

situação pouco conhecida, assim como a absorção, assimilação e incorporação de novos

conhecimentos. E, um terceiro nível, mais elevado ainda, que controla os momentos em

que “dados anômalos” se tornam numerosos para serem descartados ou negligenciados.

Nesse nível se faz necessária uma revisão radical da estrutura cognitiva para acomodar e

dar significado a esses dados. Mais tarde, Thomas Kuhn (2000 apud BAUMAN, 2013)

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chamou esse momento de “revolução científica” e sugeriu que todo processo de

conhecimento tende a passar de uma revolução dessas para outra.

Para Bauman (2013, p. 25), na atualidade, todos estão lançados nessa condição

perpetuamente revolucionária. E, aponta que o único propósito invariável da educação

era, é e continuará a ser, a preparação dos jovens para a vida segundo as realidades que

tenderão a enfrentar, ou seja, a realidade de incertezas. Para essa preparação, os jovens

precisam da instrução: “conhecimento prático, concreto e imediatamente aplicável”. E,

para ser “prático”, o ensino de qualidade precisa provocar e propagar a abertura, não a

oclusão mental.

A metáfora dos mísseis descreve uma transformação no cenário social dos dois

principais conjuntos de atores da educação: professores e estudantes. No momento em

que os mísseis balísticos iniciam seu movimento, a direção e a distância de seu percurso

já haviam sido determinados, pode-se calcular com pouco ou nenhum erro, o local em que

o míssil vai aterrissar. Devido a essas qualidades os mísseis balísticos se tornaram ideais

nas guerras de posição – alvos fixos e mísseis, os únicos em movimento. Contudo, por

essas mesmas qualidades, tornaram-se inúteis quando alvos invisíveis aos atiradores

começaram a se mover, imprevisivelmente. Então, foi necessário um “míssil inteligente”,

que pudesse mudar de direção em pleno vôo, dependendo das mudanças e

circunstâncias de seus alvos, ou seja, que identificasse o movimento de seus alvos e que

fosse capaz de aprender com eles o necessário sobre direção e velocidade atuais do alvo.

Na medida em que o alvo continua em movimento e mudando de direção e velocidade, a

plotagem de cada ponto precisa ser sempre atualizada e corrigida, seguindo uma

estratégia de “racionalidade instrumental” às avessas. Os alvos são selecionados

enquanto os mísseis inteligentes avançam, e são os meios disponíveis que decidem qual

fim será escolhido. Assim, a inteligência do míssil e sua eficácia se beneficiarão se seu

equipamento for de natureza generalista ou indeterminada, sem foco em uma categoria

específica de objetivos, nem excessivamente ajustado para atingir um alvo em particular.

Os mísseis inteligentes aprendem no percurso. Assim, como os mísseis

inteligentes, o que é necessário aos atores da educação é que lhes sejam fornecidas a

capacidade de aprender, e aprender depressa. Contudo, o que é menos visível, segundo

Bauman (2013), e não menos crucial que a capacidade de aprender depressa, é a

capacidade de esquecer instantaneamente o que foi aprendido antes. “Os mísseis

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inteligentes não teriam esse qualificativo se não fossem capazes de “mudar de ideia” ou

revogar “decisões” anteriores sem remorsos nem reconsiderações” (BAUMAM, 2013, p.

21 – grifos do autor).

Nesse aspecto, Bauman (2013) chama atenção para a supervalorização da

informação. Para ele, os filósofos da educação da era sólido-moderna, viam os

professores como lançadores de mísseis balísticos, as realizações de ponta da inventiva

técnico humana da era moderna. Por outro lado, essa visão é muito mais antiga do que a

era moderna. No mundo contemporâneo, o mundo da fluidez, o mundo líquido moderno; o

ato de fazer escolhas, sob condições de incurável incerteza, está constantemente

presente na vida humana.

O que separa a atual agonia da escolha e dos desconfortos que sempre atormentaram o homoeligens, o “homem que escolhe”, é a descoberta ou suspeita de que não há regras prefixadas e objetivos universalmente aprovados a se seguir, que pudessem absorver os escolhedores das consequências adversas de suas opções (BAUMAN, 2013, p. 23 – grifo do autor).

Nesse sentido, o mínimo que se pode esperar é que os sujeitos sejam conduzidos

ao tipo de ensino e/ou aprendizagem conforme apresentado no segundo nível de

Baterson, ou seja, destinada à produção de “mísseis inteligentes”.

2.1.3 As presenças “Eu-Tu”, “Eu-Isso” e “Alguém-Outros”

O dialógico é para Buber (2009) a forma explicativa do fenômeno inter-humano e,

assim, implica a presença ao evento de encontro mútuo. Nesse sentido, presença

significa presentificar e ser presentificado. Contudo, nesse diálogo de presenças, fazem-

se escolhas, nem sempre conscientes, porém necessárias.

Assim, conduzidos pelo aspecto filosófico e sociológico apresentado por Buber

(2009) e Bauman e May (2010), propõe-se, na Figura 1, um diagrama para apresentar a

compreensão que se teve dessa relação dialógica que permeia os processos de ensino

e/ou aprendizagem e a presença inter-humana nessa relação.

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Figura 1 – Relação Dialógica Fonte: elaborado pela autora

Idealiza-se um esquema que coordene a concepção filosófica de Buber (2009) – a

relação Eu-Tu, com as concepções sociológicas de Bauman e May (2010) – a relação

Alguém-Outros.

Esse modelo de interação entre sujeitos envolve “regras”, segundo o grupo ao qual

pertencem os sujeitos. No entanto, os círculos vazados não limitam os indivíduos em

grupos fechados, permitindo a liberdade de escolhas, a flexibilidade e a mobilidade.

Porém, só se é considerado membro de um grupo, ao submeter-se às regras desse grupo

específico – eis o limite da liberdade. As setas representam aspectos subjetivos, externos

e internos à relação dialógica.

Pode-se admitir que a relação dialógica entre os conjuntos de atores de ambos os

círculos encontra na intersecção Eu-Tu a total reciprocidade (BUBER, 2009) e o mútuo

entendimento (BAUMAM; MAY, 2010). E, da interação dialógica onde ocorre o mútuo

entendimento, ou seja, o lugar do encontro, onde a totalidade do homem está presente e

onde existe total reciprocidade, origina-se um processo competente de ensino

aprendizagem, um processo capaz de transformar e de modificar os sujeitos.

Segundo Zuben (1984), o pronome pessoal Tu empregado por Buber não se refere

necessariamente a pessoas, assim como o Isso da relação Eu-Isso não se refere

unicamente a coisas ou objetos. “Ambos, Tu e Isso podem referir-se a pessoas, seres da

natureza, objetos de arte e mesmo Deus” (ZUBEN, 1984, p. 5).

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Em “Diálogo e existência no pensamento de Martin Buber”, Zuben (1984) aponta

que se pode perceber que Eu-Tu e Eu-Isso ultrapassam ou se distinguem do modo

ordinário de se abordar as coisas e as pessoas, dirigindo-se a atenção sobre relações de

outro tipo que se estabelecem entre o homem e os seres que o envolvem no mundo

cotidiano, no seu universo cultural individual ou social, e não sobre seres ou objetos

individuais ou sobre as suas conexões causais.

Para Buber, a esfera primordial, quando se trata de relações humanas, é a esfera do "entre", lugar primordial e existencial onde acontecem os eventos autenticamente inter-humanos (ZUBEN, 1984, p. 5 – grifo do autor).

Assim, constituí-se um novo diagrama de forma a inserir o “Isso”, ampliando a

concepção inicial apresentada na Figura 1; pois a afirmação da primazia do diálogo no

qual o sentido mais profundo da existência humana é revelado não deve levar à

conclusão de que a atitude Eu-Isso seja algo negativo, inferior ou um mal. Ao contrário,

ela é uma das atitudes do homem face ao mundo, graças à qual a compreensão das

aquisições da atividade científica e tecnológica da história da humanidade é possível.

A diferença entre as atitudes não é ética mas ontológica. Não se deve distingui-las em termos de autenticidade ou inautenticidade. Enquanto humanas, as duas atitudes são autênticas. Quando, por esta razão, a relação perde o seu sentido de construtora do engajamento responsável para com a verdade do inter-humano, aí então, o Eu-Isso é destruição do si-mesmo, e o homem se toma arbitrário e submetido à fatalidade (BUBER, 2009, p. 30).

Dessa forma, acrescenta-se o círculo que se denomina objetos, o lugar do “Isso”;

que no caso específico, contém o Cálculo 1.

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Figura 2 – Relação Dialógica em Aulas de Cálculo 1 Fonte: Elaborado pela autora

Nesse modelo, representa-se a interação dialógica que envolve o ensino e a

aprendizagem de Cálculo 1. Completa-se que é, nessa interação dialógica entre o Eu-Tu

e o Eu-Cálculo, que as transformações decorrentes dos processos de ensino e

aprendizagem de Cálculo 1 podem representar momentos de experiência.

Nessa relação, o diálogo é a forma explicativa do fenômeno inter-humano, que

implica a presença ao evento de total reciprocidade (BUBER, 2009). No encontro mútuo, a

transformação implica presença e a reciprocidade é a marca definitiva da atualização do

fenômeno da relação.

Pode-se admitir que, nesse processo de transformação, o indivíduo se depare com

a possibilidade ilimitada de comunicação, pela subjetividade que dialoga com a

objetividade. A distância entre o homem e a objetividade é a possibilidade dialética de

subjetivação.

É este o domínio da subjetividade, onde o Eu toma consciência simultaneamente tanto de seu vínculo quanto de sua separação. A autêntica subjetividade só pode ser compreendida de um modo dinâmico, como a vibração de um Eu no seio de sua verdade solitária. É aqui, também, o lugar onde irrompe e cresce o desejo de

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uma relação cada vez mais elevada e absoluta, o desejo de uma participação total com o Ser. Na subjetividade amadurece a substância espiritual da pessoa (BUBER, 2009, p. 80).

A dinâmica do movimento de subjetivação significa a mobilidade da existência do

homem como ser, para com outro ente homem, respeitando a manifestação ontológica do

“entre” Eu e Tu. Segundo Buber (2009), o homem transformado em Eu e que pronuncia o

Eu-Isso se coloca diante das coisas em vez de confrontar-se com elas na ação recíproca.

Nesse sentido, toma uma atitude de passividade, sem, contudo ficar indiferente.

No relacionamento Eu-Isso, se o “Isso” está na presença do sujeito-Eu, não se

pode afirmar que o Eu está na presença do Isso. O Eu é determinado pela presença do

outro que está em sua presença-Tu. A alteridade é, portanto, constituinte dessa relação, é

como ser outra coisa que não o Eu, é como dizer algo que seja radicalmente outro. Para

Zuben (1984), talvez essa seja a base da afirmação de que o homem é um ser social.

Nessa direção, entende-se que em uma relação dialógica onde a totalidade do

homem e a reciprocidade mútua estão presentes, o professor pode tornar-se aluno e o

aluno, professor, pois, conforme Bauman (2013, p. 20) “aprendem no percurso”. Uma

relação como essa não passa sem que ocorram experiências. Nesse sentido, admite-se,

ainda, que outros fatores contribuam para a complexidade dos processos de ensino e

aprendizagem de Cálculo 1, e esses se fazem também presentes na relação entre o aluno

e Instituição.

A Instituição ocupa, dessa forma, também papel fundamental, pois pode tornar

mais simples os espaços para que o diálogo, presente na relação dos sujeitos com o

objeto, ocorra, contribuindo significativamente para que haja a reciprocidade e o

entendimento mútuos. A Instituição pode permitir a estrutura necessária para a condução

dos processos de ensino e/ou aprendizagem, contribuindo assim de forma expressiva

para esse encontro.

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Dessa forma, admite-se a necessidade de complementar-se o diagrama proposto

na Figura 2; e opta-se por incluir o círculo em que a Instituição passa a fazer parte da

intersecção, ocupando também um espaço central nessa relação.

Figura 3 – Interação em Processo de Ensino e Aprendizagem de Cálculo 1 Fonte: Elaborado pela autora

Tem-se presente que se adentra em um campo complexo e ambíguo de estudo, e

assim, levado e submetido aos próprios confrontos e a relações repletas de

subjetividades.

Destarte, nessa composição teórica, busca-se o movimento do desconstruir e

reconstruir uma visão que, ao próprio olhar, não pode ser fincada em concepções

unilaterais. Pretende-se apresentar o movimento do Eu nessa relação que pode ocorrer

entre o Eu-Tu, o Eu-Isso, o Alguém-Outros, ou entre todos, simultaneamente.

O Eu, que se estabelece como sujeito desta investigação, é o sujeito em

“formação”, inserido no processo de ensino e/ou aprendizagem de Cálculo 1, que se

(auto) narra, que faz a experiência de si.

Dessa forma, sobre a constituição da experiência e da experiência de si, Larrosa

(1994, 2002, 2011) apresenta o campo onde se produzem subjetividades, ou seja, um

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modelo teórico que pretende mostrar a lógica geral dos dispositivos pedagógicos que

constroem e permeiam a relação do sujeito consigo mesmo, e que se pretende

apresentar.

2.2 O sujeito e a experiência de si – o Eu

Concorda-se que conhecer o eu e conhecer o mundo envolve o desenvolvimento

de um meio objetivante de apreensão da realidade, meio este que não exclui o

conhecimento da subjetividade, porém, busca materializá-la no conhecimento.

Pode-se dizer que essa dialética da relação de conhecer desenvolva a superação

da tradição e exija a comunicação com o diferente, com o novo, permitindo o encontro

onde a totalidade do homem e a reciprocidade mútua estão presentes.

É nesse sentido que se acolhe os aspectos apontados por Larrosa (1994)

compostos pela recontextualização e o entrecruzamento de regimes discursivos diversos;

implicando, assim, algum tipo de relação do sujeito para consigo mesmo, e pelos quais

alguns exemplos poderiam ser dados por: "autoconhecimento", "autoestima",

"autocontrole", "autoconfiança", "autonomia", "autorregulação" e "autodisciplina",

permitindo a experiência.

Segundo Larrosa (1994, p. 38), as formas de relação do sujeito consigo mesmo

podem ser expressas quase sempre em termos de ação, com um verbo reflexivo:

“conhecer-se, estimar-se, controlar-se, impor-se normas, regular-se, disciplinar-se”, e

desconsiderando os diferentes tipos de fenômenos que designam, todos esses termos

se avaliam como antropologicamente relevantes na medida em que marcam componentes

que estão mais ou menos subentendidos naquilo que se entende significar ser humano,ou

seja, ser uma "pessoa", um "sujeito" ou um "eu". Todos esses termos quando usados no

contexto pedagógico se articulam normativamente e podem ser elaborados como se

fossem características normativas do sujeito formado ou equilibrado, para os quais as

práticas educativas deveriam contribuir para constituir, melhorar, desenvolver e,

eventualmente, modificar esses sujeitos.

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Conforme Larrosa (1994), o sujeito construído como o objeto teórico e prático das

pedagogias se individualiza pelo "sujeito individual", caracterizado por certas formas

normativamente definidas de relação consigo mesmo.

O "sujeito individual" descrito pelas diferentes psicologias da educação ou da clínica, esse sujeito que "desenvolve de forma natural sua auto-consciência" nas práticas pedagógicas, ou que "recupera sua verdadeira consciência de si" com a ajuda das práticas terapêuticas, não pode ser tomado como um "dado" não-problemático. Mais ainda, não é algo que possa analisar-se independentemente desses discursos e dessas práticas, posto que é aí, na articulação complexa de discursos e práticas (pedagógicos e/ou terapêuticos, entre outros), que ele se constitui no que é (LARROSA, 1994, p. 40 – grifo do autor).

Larrosa (1994, p. 43) propõe um exercício de desfamiliarização, a fim de ver a ideia

que o sujeito tem de si mesmo. A História ou a Antropologia mostram a diversidade das

auto-interpretações, mas o que se faz, o modo como se comporta e o como se é, na

medida em que isso tem a ver com como se interpreta a si mesmo, também pode ser

posto em uma perspectiva histórico-antropológica, segundo esse autor.

A experiência de si, historicamente constituída, é aquilo a respeito do qual o sujeito oferece seu próprio ser quando se observa, se decifra, se interpreta, se descreve, se julga, se narra, se domina, quando faz determinadas coisas consigo mesmo, etc. E esse ser próprio sempre se produz com relação a certas problematizações e no interior de certas práticas (LARROSA, 1994, p. 43).

Ainda segundo esse autor, a análise da experiência de si tem como objetivo avaliar

as problematizações através das quais o ser se dá como podendo e devendo ser

pensado, e as práticas a partir das quais essas problematizações se formam.

Nesse sentido, concorda-se que se esbarrará nas problematizações presentes nos

processos de ensino e/ou aprendizagem de Cálculo 1, pois se entende que a construção

do conhecimento novo, possibilitada em aulas de Cálculo 1, está marcada pelas práticas e

problematizações que delas decorrem.

Assim, pondera-se que é possível refletir a partir do que os sujeitos podem deixar

revelar da experiência de si, considerando as aulas de Cálculo 1, no entanto, será preciso

atravessar os discursos.

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Considerando uma aproximação foucaultiana, uma inversão condensada em duas

regras metodológicas é apresentada por Larrosa (1994). A primeira regra se refere a

interrogar os universais antropológicos em sua constituição histórica, isso significa não

tomar como ponto de partida as presentes concepções dominantes da natureza humana,

mas problematizar as ideias com respeito à autoconsciência, à autonomia ou à

autodeterminação, analisando as condições históricas de sua constituição na imanência

de determinados campos de conhecimento. A segunda regra seria tomar as práticas

concretas como domínio privilegiado de análise, não considerando as práticas como

espaço de possibilidades, como entorno organizado ou oportunidades favoráveis para o

desenvolvimento da autoconsciência, da autonomia ou da autodeterminação, mas como

mecanismos de produção da experiência de si, como dispositivos, por meio dos quais se

constitui uma vinculação entre certos domínios de atenção.

Em resumo, o ser humano, na medida em que mantém uma relação reflexiva

consigo mesmo, não é senão, o resultado dos mecanismos por meio dos quais essa

relação se produz e se intercede. Nesse sentido, não há lugar, segundo Larrosa (1994),

para os universais antropológicos, nem tão pouco para ocultar o caráter constitutivo, e não

meramente mediador, da pedagogia.

Nessas circunstâncias, os mecanismos são aqueles nos quais o ser humano se

observa, se decifra, se interpreta, se julga, se narra ou se domina, ou seja, basicamente,

aqueles nos quais aprende (ou transforma) determinadas maneiras de observar-se, julgar-

se, narrar-se ou dominar-se. Dessa forma, para Larrosa:

Um dispositivo pedagógico será, então, qualquer lugar no qual se constitui ou se transforma a experiência de si. Qualquer lugar no qual se aprendem ou se modificam as relações que o sujeito estabelece consigo mesmo (LARROSA, 1994, p. 57).

De certa forma, tomar os dispositivos pedagógicos como constitutivos da

subjetividade é adotar um ponto de vista pragmático sobre a experiência de si. É

reconhecer a contingência e historicidade desses mesmos dispositivos e adotar uma

perspectiva genealógica. A pedagogia é, desse modo, não apenas um espaço neutro ou

não problemático de desenvolvimento ou de mediação, ou um mero espaço de

possibilidades para o desenvolvimento, ou a melhoria do autoconhecimento, da

autoestima, da autonomia, da autoconfiança, do autocontrole, da autorregulação; mas

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sim, uma produtora de formas de experiência de si nas quais os indivíduos podem tornar-

se sujeitos de um modo particular.

Em contrapartida, colocam-se os sujeitos dessa investigação como sujeitos

submetidos a dispositivos de construção e de mediação da experiência de si, e capazes

de encontrar elementos particulares e (auto) formadores nessa experiência. O sujeito

investigado ao apresentar seus relatos, quando se observa, se decifra, se interpreta, se

descreve, se julga, se narra, se domina, também toma consciência dessa transformação;

e o faz do textual para o representativo, numa tentativa de busca pela objetivação,

considerando que partem de memórias narradas em forma de pequenos textos, ou

relatos, para memórias representadas por meio de Mapas Conceituais Iniciais (MCIs)

sobre Derivadas.

Nesse caminho, um diálogo do Eu consigo mesmo pode ser identificado. O sujeito,

que é o próprio sujeito da experiência (LARROSA, 2002, 2011), expõe a si mesmo

quando se observa revivendo etapas de um dado conhecimento. Ele se julga, analisa a si

próprio e se observa. Ao mesmo tempo em que julga, analisa e observa o outro. Quando

faz esse movimento vê a si mesmo e vê o outro, reflete a si próprio e reflete o outro.

2.2.1. Ver a si próprio

Segundo Larrosa (1994), ver a si próprio é uma das formas privilegiadas de

metaforização do conhecimento, de compreensão do autoconhecimento, mas o

autoconhecimento aparece também como uma modalidade particular da relação sujeito-

objeto.

"Reflectere" significa "virar" ou "dar a volta", "voltar para trás" e, também, "jogar ou lançar para trás". Por outro lado, o termo tem explícitas conotações óticas na medida em que designa a ação mediante a qual as superfícies polidas fazem voltar a luz. Nesse último sentido, e por extensão, "reflexão" significa também a reprodução dos objetos nas imagens oferecidas por um espelho e o processo que tem lugar entre um objeto e sua imagem tal como esta aparece em uma lâmina polida (LARROSA, 1994, p. 59).

Dessa conotação ótica, o autoconhecimento aparece de forma análoga à

percepção que a pessoa tem de sua própria imagem, na medida em que pode perceber a

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luz que foi lançada para trás por um espelho. Ou seja, haveria um desdobramento entre a

própria pessoa e uma imagem exterior de si. Desse modo, o autoconhecimento é uma

modalidade particular da relação sujeito-objeto. Nesse caso, o objeto percebido é a

própria imagem exteriorizada que, por certa propriedade da luz ao bater em superfícies

polidas, está diante do sujeito que vê. Para que o autoconhecimento seja possível, então,

requer-se certa exteriorização e objetivação da própria imagem, um algo exterior,

convertido em objeto, no qual a pessoa possa ver a si mesma.

No entanto, Larrosa (1994) aponta que a metaforização ótica do autoconhecimento

tem um sentido que não utiliza explicitamente o movimento reflexivo da luz. O

autoconhecimento é, nesse caso, algo como um “voltar o olho da mente para dentro”.

Haveria assim uma espécie de percepção interna dirigida das coisas exteriores, para si

mesmo. “Em si próprio haveriam "coisas" que se fazem visíveis ao se lhes prestar

atenção, ao dirigir a elas o próprio olhar” (LARROSA, 1994, p. 59 – grifo do autor). Essa

seria uma estrutura similar sujeito-objeto, ou seja, um processo de objetivação, embora

sem a exteriorização implícita na metáfora do espelho.

Essas coisas que existem dentro de mim são de alguma forma privadas, só eu posso vê-las, só eu tenho acesso a elas embora, isso sim, possa comunicá-las e "torná-las visíveis para os outros", através de algum procedimento, linguístico ou não, de exteriorização (LARROSA, 1994, p. 59 – grifo do autor).

Nessa acepção, a observação interna reproduziria o esquema ótico sujeito-objeto,

onde o objeto seria o conjunto de "coisas" que há dentro de si e que só pode ser visto

quando se volta o olho da mente para dentro. Contudo, passíveis de se tornarem visíveis

por meio de algum procedimento de exteriorização.

2.2.2 Procedimentos discursivos

Para Larrosa (1994), nos discursos a distribuição histórica do que se vê e do que

se oculta vai a paralelo à distribuição do que se diz e do que se cala. O visível com o

dizível, formas legítimas de olhar se relacionam com as formas legítimas de dizer. O

discurso é, segundo esse autor, numa perspectiva foucaultiana, o resultado sempre

conflitivo do entrecruzamento de regimes discursivos diversos, que dizem, e que fazem

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falar, que lêem e interpretam seus signos, e que a classificam em função do que expressa

de si mesmo.

Contudo, deve-se levar em conta a autonomia do discurso e a instrução

metodológica de analisá-lo em si mesmo, pois tem suas próprias regras. O enunciado se

relaciona com outros enunciados e não com coisas, com conceitos ou com ideias. O

discurso é condição de possibilidade tanto do mundo de coisas quanto da constituição de

um falante singular ou de uma comunidade de falantes. O sujeito é uma variável do

enunciado.

As "coisas", os "estados de coisas" ou os "conceitos" que se nomeiam não são exteriores ao discurso; são, antes, variáveis do enunciado, a rigor, objetos discursivos. É o discurso, em suma, quem constitui um domínio de objetos como seu correlato (LARROSA, 1994, p. 28 – grifo do autor).

Deve-se ter em conta também a contingência de qualquer distinção entre

linguagem referencial e imaginativa (ciência e literatura) ou entre linguagem

representativa e mascaradora (ciência e ideologia). Tais distinções na perspectiva

foucaultiana são internas ao discurso, são variáveis do discurso. De determinados

regimes discursivos com suas regras se podem determinar o que é um discurso

verdadeiro, fictício ou ideologicamente enviesado. Não se trata, contudo, de diferenciar o

que há de cada uma dessas variantes no discurso, mas sim de determinar as regras

discursivas nas quais se estabelecem.

Nesse sentido, Larrosa (1994) considera que o funcionamento do discurso é

inseparável dos dispositivos materiais nos quais se produz; da estrutura e do

funcionamento das práticas sociais20 nas quais se fala e se faz falar, e nas quais se fazem

coisas com o que se diz e se faz dizer, conforme as práticas sociais analisadas por

Foucault. Da mesma forma, dada em relação aos procedimentos óticos da visibilidade, os

procedimentos discursivos criam ao mesmo tempo o sujeito e o objeto da enunciação.

Nessa perspectiva, tanto o sujeito quanto o objeto são funções do enunciado.

O discurso da pedagogia tal como é tratado em Vigiar e Punir, sobretudo em relação a esse aparato ao mesmo tempo ótico e enunciativo que é o exame,

20 [...] (um confessionário, um manicômio, uma prisão, um hospital, etc.) máquinas óticas e enunciativas que produzem, ao mesmo tempo, o sujeito que vê e as "coisas" visíveis, significantes e significados (LARROSA, 1994, p. 29).

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constitui simultaneamente a subjetividade do professor e a do aluno (FOUCAULT, 1975 apud LARROSA, 1994, p. 29).

Esclarece ainda, que aprender um discurso legítimo e suas regras não significa

aprender elementos de expressão de si próprio, o que ocorre antes é que, ao aprender a

gramática da auto-expressão, constitui-se ao mesmo tempo o sujeito que fala e sua

experiência de si; pois considera a estrutura geral do expressar-se como a dobradura

reflexiva, sobre si próprio, dos procedimentos discursivos que constituem os dispositivos

de construção e mediação da experiência de si.

Desse modo, o discurso é um operador que constitui ou modifica tanto o sujeito

quanto o objeto da enunciação, o que conta como experiência de si. Ao inserir-se no

discurso, e participar das práticas de descrição e re-descrição de si próprio, aprendendo

as regras da gramática desse discurso, de seu vocabulário e de sua sintaxe, é que a

pessoa se constitui e transforma sua subjetividade.

2.2.3 Ver além das evidências

Muitas vezes em pesquisas, as afirmações, conclusões e indagações nas falas dos

sujeitos parecem evidentes. Assim como, pode ser evidente também, a forma como uma

auto-representação busca descrever momentos da relação dialógica inserida no processo

ensino e/ou aprendizagem de Cálculo 1.

Segundo Larrosa (1994) as evidências são o que todo mundo vê, o que é

indubitável para o olhar, ou, o que tem que aceitar-se apenas pela autoridade de seu

próprio aparecer. Assim, uma coisa é evidente quando se impõe ao olhar com tal

claridade que toda forma de dúvida é impossível. “És o que não vês?! Sim, aí está, olha, é

assim, aí o tens, é evidente! Só um louco ou um cego não o veria!” (LARROSA, 1994, p.

83).

Grande é, sem dúvida, o poder das evidências. Larrosa (1994) destaca que

Foucault se empenhou em mostrar a contingência das evidências e a complexidade de

sua fabricação. Nesse sentido, o que todo mundo vê nem sempre se viu assim. O que se

vê, pode também não ser o que parece.

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Se o que é evidente, é o resultado de certa disposição do espaço, de uma

particular exposição das coisas e de uma determinada constituição do lugar do olhar,

então, quanto não se parece evidente uma suposição ou uma afirmação; mas, cabe

questionar a veracidade dessa suposição ou afirmação, pois as subjetividades também

constituem uma lente.

Dessa forma, precisa-se admitir a composição do olhar para a pesquisa que se

pretende desenvolver, a perspectiva, ou seja, a forma de constituir esse lugar do olhar. E

assim, admite-se inclusive naquilo que parece evidente, que se é muito menos livre do

que se pensa.

Contudo, Larrosa (1994) identifica que o olhar está constituído por todos esses

aparatos que fazem ver e ver de uma determinada maneira. Mas o que se propõe um

autor que pretende romper as evidências?

Talvez nos ensinar que nosso olhar é também mais livre do que pensamos. E isso porque o que o determina não é tão necessário nem tão universal quanto acreditamos. O que determina o olhar tem uma origem, depende de certas condições históricas e práticas de possibilidade e, portanto, como todo o contingente, está submetido à mudança e à possibilidade da transformação. Talvez o poder das evidências não seja tão absoluto, talvez seja possível ver de outro modo (LARROSA, 1994, p. 84).

Os lugares comuns do discurso são os que todos dizem, ou os que todos sabem.

Algo é um estereótipo quando convoca mecanicamente o assentimento, quando é imediatamente compreendido quando quase não há nem o que dizer (LARROSA, 1994, p. 84).

Nesse sentido, o que mostra que os homens são menos livres do que pensam,

segundo Larrosa (1994), são os procedimentos que fabricam os estereótipos do discurso

humano, os preconceitos da moral e os hábitos dos modos de se conduzirem, quando

falam, julgam ou fazem coisas. E que mostram também, sua contingência e a

possibilidade de falar de outro modo, de julgar de outro modo, de conduzir-se de outra

maneira.

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Todas as operações de fabricação e captura do duplo21, de constituição e

mediação da experiência de si, indicam o poder das evidências, os estereótipos, os

preconceitos e os hábitos em si mesmos. Mas assinalam também sua finitude e

contingência. Sua análise não promete um duplo mais autêntico ou mais real ou mais

próximo ao que de verdade se é. Não promete uma identidade "verdadeira" à qual, sim,

poderiam se sujeitar.

2.3 “A experiência é isso que me passa”

Larrosa (2011, p. 2) pronuncia: “a experiência é isso que me passa”. Que fique

claro, não se confunda com experimento. Em “Experiência e Alteridade em Educação”, de

forma densa, Jorge Larrosa expõe um resgate ou o que se pode chamar de

ressignificação da experiência. Menciona o uso e abuso da palavra experiência em

Educação, que é quase sempre empregada de forma banalizada, sem a consciência de

suas possibilidades teóricas, críticas e práticas. E com relação ao “isso” da frase

pronunciada apresenta o princípio da alteridade da experiência:

A experiência é “isso que me passa”. Vamos primeiro com esse isso. A experiência supõe, em primeiro lugar, um acontecimento ou, dito de outro modo, o passar de algo que não sou eu. E “algo que não sou eu” significa também algo que não depende de mim, que não é uma projeção de mim mesmo, que não é resultado de minhas palavras, nem de minhas ideias, nem de minhas representações, nem de meus sentimentos, nem de meus projetos, nem de minhas intenções, que não depende nem do meu saber, nem de meu poder, nem de minha vontade. “Que não sou eu” significa que é “outra coisa que eu”, outra coisa do que aquilo que eu digo, do que aquilo que eu sei, do que aquilo que eu sinto, do que aquilo que eu penso, do que eu antecipo, do que eu posso, do que eu quero (LARROSA, 2011, p. 5 – grifo do autor).

O que pode ser também reconhecido como princípio da exterioridade ou da

alienação, significando que não há experiência sem a presença do outro, ou de um algo,

ou de um isso, de um acontecimento definitivo ou exterior ao Eu, estrangeiro ao Eu,

estranho ao Eu, ou seja, aquilo que está fora do sujeito.

21 Entre o sujeito e seu duplo que se tornou visível como imagem no espelho, entre o sujeito e aquilo de si mesmo que se tornou visível ao dar-se ao olhar, se intercala um critério (LARROSA, 1994, p. 35).

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Na experiência, a exterioridade, a alteridade, ou a alienação não devem ser

apropriadas, mas devem manter-se como são. A experiência não reduz o acontecimento,

mas o sustenta como irredutível.

Nessa direção, sua justificativa para o “me”, da mesma frase, leva ao princípio da

“Reflexividade, Subjetividade, Transformação”. A experiência supõe que algo que não é o

Eu, ou seja, um acontecimento exterior ao Eu, que ao passar, não se coloque apenas

diante do Eu, mas o atravesse.

A experiência supõe, como já afirmei, um acontecimento exterior a mim. Mas o lugar da experiência sou eu. É em mim (ou em minhas palavras, ou em minhas ideias, ou em minhas representações, ou em meus sentimentos, ou em meus projetos, ou em minhas intenções, ou em meu saber, ou em meu poder, ou em minha vontade) onde se dá a experiência, onde a experiência tem lugar (LARROSA, 2011, p. 6).

A experiência se dá por vontade do próprio Eu. Isso porque esse sujeito sensível,

vulnerável e ex/posto, é um sujeito aberto a sua própria transformação, ou seja, à

transformação de suas palavras, de suas ideias, de seus sentimentos, de suas

representações. É, portanto, o Eu, o lugar da experiência. Assim, Larrosa define o

“princípio de subjetividade”, ou “princípio de reflexividade” ou da “transformação”.

E com relação ao “passar”, define que a experiência é um passo, uma passagem,

um percurso. Se a palavra experiência tem o ex de exterior, tem também esse per, com

significado de travessia, passagem, caminho, viagem. Assim, a experiência supõe uma

saída de si para outra coisa, como se fosse uma passagem para o isso de “isso que me

passa”. Assim, Larrosa (2011) define o princípio da passagem, mas dá também outro

sentido a esse território de insegurança, de perigo e de incerteza.

Se a experiência é “isso que me passa”, o sujeito da experiência é como um território de passagem, como uma superfície de sensibilidade em que algo passa e que “isso que me passa”, ao passar por mim ou em mim, deixa um vestígio, uma marca, um rastro, uma ferida (LARROSA, 2011, p. 5 – grifo do autor).

Daí que o sujeito da experiência não seja, em princípio, um sujeito ativo, um agente

de sua própria experiência, mas um sujeito paciente, passional, contudo, não pode ser

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confundido com passivo, pois não fica indiferente à passagem. Ou, dito de outra maneira,

a experiência não se faz, mas se padece. A este segundo sentido do passar de “isso que

me passa” chama de “princípio de paixão”.

E, dessa forma, apresenta as várias dimensões da experiência. Exterioridade,

Alteridade e Alienação, relativo ao acontecimento, com o que é da experiência, com o isso

do “isso que me passa”; Reflexividade, Subjetividade e Transformação, referindo-se ao

sujeito da experiência, com o quem da experiência, com o me de “isso que me passa”; e

Passagem e Paixão, determinando o movimento da experiência, o passar do “isso que me

passa”.

Larrosa (2011) argumenta ainda, que a palavra experiência está contaminada de

empirismo, portanto, se confunde com experimento; e completa que está também

contaminada pelo pragmatismo, portanto, se confunde com a prática. É preciso apartar

esses sentidos que contaminam à experiência.

A experiência não é a prática, embora se admita que a prática possa dar lugar à

experiência. E, assim, apresenta mais quatro palavras a fim de dar sentido à experiência,

definidas como: Singularidade, Irrepetibilidade, Pluralidade e Liberdade.

A experiência é sempre singular, o que quer dizer que, para cada sujeito, a

experiência é única. A experiência se abre ao real como singular, isto é, como

acontecimento, e acontecimento precisamente singular, e desse modo, é inidentificável,

irrepresentável, incompreensível, incompatível, irrepetível. A experiência também

singulariza o acontecimento. A possibilidade da experiência supõe a suspensão de uma

série de vontades: a vontade de identificar, a vontade de representar, a vontade de

compreender. A possibilidade da experiência supõe, em suma, que o real se mantenha

em sua alteridade constitutiva.

O sujeito da experiência, esse sujeito que temos caracterizado já como aberto, vulnerável, sensível e ex/posto, é também um sujeito singular que se abre à experiência desde sua própria singularidade. Não é nunca um sujeito genérico, ou um sujeito posicional. [...] A possibilidade da experiência supõe, então, a suspensão de qualquer posição genérica desde a que se fala, desde a que se pensa, desde a que se sente, desde a que se vive. A possibilidade da experiência supõe que o sujeito da experiência se mantenha, também ele, em sua própria alteridade constitutiva (LARROSA, 2011, p. 15).

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A experiência supõe o princípio da Irrepetibilidade. Se um experimento tem que ser

repetido e sempre igual, ao contrário a experiência é irrepetível. E cita Levinas sobre a

experiência de se ter um filho, pois embora se possam ter vários filhos, a experiência de

cada filho é sempre única e irrepetível.

Levinas (1997) diz que todo filho é (como a experiência), de alguma maneira, o primeiro filho, que todo filho é filho único. Porque a experiência da paternidade ou da maternidade é, em cada caso, distinta. Quando alguém tem três filhos, ele não faz três vezes a mesma experiência (LARROSA, 2011, p. 13).

Argumenta que experiência sempre tem algo de surpreendente, como a leitura de

um poema, sempre tem algo de novo. Pensa-se que seja como ouvir uma música

orquestrada, em que cada um é capaz de construir imagens distintas enquanto é

envolvido pela sonoridade.

Para Larrosa (2011), muitas coisas que se aprende na experiência são coisas que

anteriormente já eram conhecidas, mas das quais não se davam conta. A experiência é

esse “dar-se conta”, como ocorre em uma descoberta.

A experiência também é plural, mesmo sendo singular. É uma soma de

singularidades, é a pluralidade. Uma comunidade de experiência (Larrosa, 2011) é uma

comunidade plural, ou seja, é aquela comunidade que não se define pelo que os

indivíduos têm em comum, pois a única coisa que compartilham é o espaço onde

desfecham suas experiências que são únicas, singulares.

E a experiência supõe a liberdade. Mas não a liberdade dependente, e sim o estar

livre. O sujeito da experiência é livre, pois se a experiência ocorre, ela é livre. Nesse

sentido, o sujeito da experiência não depende da tutela de outrem. Sentir-se livre é não

ter certeza do resultado de um acontecimento.

E talvez por isso, tenta-se muitas vezes proteger os sujeitos da experiência, pois

consideram que os protegem de perigos e incertezas, ou seja, do que não há como

prever. A experiência supõe um risco, uma aventura, uma passagem para a incerteza.

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2.3.1 A experiência e as aulas de Cálculo 1

Em “La experiencia da leitura. Estúdios sobre literatura y formación”, Larrosa (2004)

anuncia que pensar a leitura, do ponto de vista da experiência, não do ponto de vista da

compreensão, mas da experiência e, concretamente, do ponto de vista da experiência de

formação, trata-se de pensar a transformação do sujeito – a leitura é algo que forma. E

pensar a leitura como formação implica pensá-la como uma atividade, que tem a ver com

a subjetividade do leitor, com o aquilo que o leitor é, não somente com o que sabe.

Nessa perspectiva, a leitura como formação apresenta uma relação entre o texto e

a subjetividade, uma relação traduzida como uma experiência de um modo particular. A

experiência é “aquilo que me passa”. Nessa relação o importante não é o texto, mas a

relação com o texto.

Complementa que esse saber da experiência tem características essenciais, de um

saber finito, ligado ao amadurecimento do individuo e revelador da própria finitude

humana. É um saber particular, subjetivo, relativo, pessoal - duas pessoas, embora

enfrentem o mesmo acontecimento, não fazem a mesma experiência. Ainda, nada se

pode garantir, ou seja, nada se pode aprender da experiência do outro a menos que essa

experiência seja de algum modo, revivida. O saber da experiência não está, como o

conhecimento científico, fora dos sujeitos.

Desse modo, busca-se uma forma de apropriar-se do campo da realização da

leitura exposto por esse autor, e pensar em situações ou eventos pelos quais se passam

em aulas de Cálculo 1, e que até possam nada significar, ou em nada sensibilizar, por não

produzirem nenhuma transformação nos sujeitos; e, nesse sentido, não alterariam sua

condição inicial, ou seja, não seriam capazes de alterar a forma anterior, ou de

transformar os sujeitos.

Muitas vezes os estudantes assim se posicionam em relação às aulas de Cálculo 1,

dizendo que nada lhes acontece. Admitem que nenhuma influência foi exercida sobre

eles, ou que nada do que estudaram se agregou a seus conhecimentos, assim, não

restaria sequer uma marca.

Nesse aspecto, poder-se dizer que não fizeram a experiência com o conhecimento

novo proporcionado em aulas de Cálculo 1. Mas, como seria possível chegar ao final de

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um curso de Cálculo 1 sem ter feito uma passagem, ou uma travessia, sem ter sofrido

qualquer forma de transformação? Argumenta-se que alguma coisa aconteça, ou seja,

que a experiência ocorra, mesmo que não seja da forma planejada.

Para Larrosa (2004), o professor, ao querer transmitir a seus alunos o que um texto

diz, tenta antecipar o resultado de uma leitura, e nessa tarefa as atividades de leitura dos

alunos seriam simples experimentos, simples meios para chegar-se a um saber previsto

de antemão e construído segundo critérios de verdade e objetividade.

Dessa forma, professores de Cálculo 1, analogamente, ao tentarem transmitir a

seus alunos os conteúdos dessa disciplina, como o conceito de Derivada, ou as Regras

de Derivação, assim como as Aplicações da Derivada, não seriam também simples

antecipadores de resultados, ou fazedores de experimentos na busca por resultados

esperados e objetivados em seus planos de ensino? Estariam, portanto, impedindo a

experiência e contribuindo para que nada acontecesse a esses alunos em relação ao

conhecimento matemático específico das aulas de Cálculo 1?

Segundo Larrosa (2004), o professor tem sua experiência de leitura e pode mostrá-

la; mas tal atitude não significa mostrar um saber a que se tenha chegado ainda que dito

como provisório, particular ou relativo. Assim como, ensinar a ler não é colocar o saber do

professor contra o saber ainda insuficiente do aluno, mas sim, colocar uma experiência

junto a outra.

Nessa compreensão, o professor de Cálculo 1 também pode ser submetido. E,

assim como o professor de leitura, pode mostrar sua experiência, colocando-a junto à do

aluno. Essa seria uma relação capaz de levar à descoberta, ao surpreendente, ao novo, à

experiência que transforma, que modifica, que agrega e que deixa sua marca.

Não há sentido em querer proteger-se, ou proteger o outro da experiência, embora

isso seja recorrente nesses espaços de condução muitas vezes guiada, em que se

mostram experiências anteriores, a fim de dar uma direção, ou seja, atingir um resultado

comum, porquanto pode apenas significar um risco, um perigo, pois não se pode prever a

experiência do sujeito.

No entanto, permitir a experiência não é privilégio do professor, pois tudo há de

considerar-se nesse acontecer. O espaço da aula de Cálculo 1 é um espaço plural, no

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qual se encontra uma comunidade plural, que se admite, conforme Larrosa (2011), não

definir-se pelo que os sujeitos têm em comum, mas pela possibilidade de experiência de

cada um, que são singulares, pois cada sujeito a vivencia de forma distinta, única. A forma

como um sujeito se apropria dos acontecimentos do Cálculo 1, como exemplo, do

conceito de Derivada, é singular, é única e é agregadora para a formação desse sujeito,

quer seja ele estudante de Cálculo de cursos de Engenharia, estudante de curso de

Licenciatura em Matemática, ou seja um futuro professor de Matemática, ou o próprio

formador nesses cursos. Assim, a todos é possível a experiência da descoberta em aulas

de Cálculo 1.

Contudo, dado que a experiência é uma relação, o importante não é o conteúdo,

mas a relação com o conteúdo, e nesse aspecto, não somente a Matemática é agregada,

mas também sentimentos, emoções, sentidos, angústias entre outros. Ao passar por

experiências em Cálculo 1, estudantes e professores são transpassados por essas

marcas. E é nesse sentido que se pretende reconstruir as proposições evidenciadas pelos

sujeitos, e propor que existe uma relação dialógica que considera a existência dos sujeitos

da experiência e os coloca como lugar da experiência (LARROSA, 2011). Dessa forma,

apresenta-se uma última construção dada pela Figura 4.

Figura 4 – O lugar da experiência em aulas de Cálculo 1 Fonte: Elaborado pela autora

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Na intersecção de todos os círculos pontilhados estão os sujeitos da experiência,

ou seja, os principais protagonistas da relação dialógica ocorrida nos processos de ensino

e/ou aprendizagem de Cálculo 1. Nesse sentido, Professor e Estudantes representam o

lugar da experiência nas aulas de Cálculo 1. O sujeito da experiência é o sujeito livre,

capaz da mobilidade, da fluidez, da flexibilidade. Os círculos pontilhados representam a

possibilidade da mobilidade, da escolha.

Mas, a experiência não depende de outrem, ou de qualquer objeto, pois o lugar

onde se personifica é um território livre, como dito, representado pelos próprios sujeitos da

experiência, nesse caso, os dois conjuntos de atores capazes dessa realização no

momento da duração da aula de Cálculo 1.

Todavia, não há experiência sem a presença do outro, ou de um algo, ou de um

isso, de um acontecimento definitivo, ou exterior ao sujeito que a vivencia, portanto,

estranho, ou seja, aquilo que está fora.

Nesse sentido, a influência de elementos internos ou externos a essa relação que é

dialógica está representada pelas setas, apontadas ora para dentro dos círculos, ora para

fora, representando interações intrínsecas e extrínsecas, que contribuem para que os

sujeitos tenham cada um, a sua experiência particular.

O sujeito da experiência, aquele que é atravessado por ela, jamais é um sujeito

passivo, indiferente, pois ela, em aulas de Cálculo 1, de alguma forma acontece, deixa

sua marca.

No próximo Capítulo, apresentam-se as escolhas metodológicas. Intenciona-se

exibir os elementos que contornaram os estudos e que permitiram conduzir uma linha

metodológica para esse trabalho. Assim como, pretende-se evidenciar o perfil dos sujeitos

investigados e a caracterização do lugar de pesquisa.

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3 ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS

Esta investigação tem a intenção de impetrar uma pesquisa qualitativa, com

dados quantitativos, em uma dimensão interpretativa e descritiva. Nesta

investigação, recorre-se a uma análise de conteúdo, conforme sugere Bardin22

(2009), e cujos aspectos teóricos, de maior proeminência ao trabalho, serão

destacados no decorrer deste Capítulo. Pretende-se, defender suposições que

admitam aos indivíduos a capacidade de procurar entender o mundo com o qual

interagem, observados os significados subjetivos de suas experiências. Diante

desses significados, apontam-se suposições que ao contrário de estreitar o próprio

ponto de vista, apresentam a complexidade do fenômeno filosófico e social

colocados sob a investigação.

Entende-se que frequentemente, significados subjetivos são negociados

social e historicamente, e são formados pela interação entre os indivíduos,

submetidos a normas históricas e sociais. Dessa forma, admitem-se as

subjetividades dos sujeitos investigados e do pesquisador, que devem ser

reconhecidas, e devem moldar interpretações e posicionamentos na condução da

análise pretendida e das considerações e resultados alcançados.

A estrutura de análise deve constituir-se em duas etapas. Uma primeira

análise relacionada às unidades textuais, propostas a partir dos relatos dos sujeitos

investigados em resposta às abordagens 1 e 2, quando estes serão solicitados a

comentar sobre a disciplina de Cálculo 1, e a comentar sobre seu desempenho nesta

disciplina. Especificamente, nessa etapa, analisar-se-á os relatos de 186 estudantes

de Cálculo 1. E, uma segunda etapa, relacionada à análise de Mapas Conceituais

Iniciais. Nessa etapa, por meio do critério especificado no Capítulo 5, reduzir-se-á o

tamanho da amostra, a fim de atingir o objetivo pretendido nesta pesquisa.

22 Optou-se pela reimpressão revista e atualizada de 2009 da obra de Bardin, do original

L'Analyse de contenu, Presses Universitaires, France, 1977.

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74

Ressalta-se que a estrutura proposta para esta investigação implica apenas

em uma demarcação dos espaços de análise, não havendo uma ordem ou

hierarquia entre os contextos propostos.

3.1 A Análise de Conteúdo e as fases da análise

A fim de dar uma forma ao processo de análise se pretende conduzir uma

análise de conteúdo. Nesse sentido, a obra “Análise de Conteúdo” de Laurence

Bardin (2009) sugere a base consistente no rigor metodológico e na organização dos

dados com o propósito da compreensão aprofundada do método, e ao mesmo

tempo, apresenta um caminho multifacetado ao pesquisador.

Segundo Bardin (2009), a Análise de Conteúdo é desenvolvida como um

conjunto de técnicas de análise de comunicações, que utiliza procedimentos

sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, ou seja, um

método que, historicamente e cotidianamente, produz sentidos e significados a partir

da diversidade de amostragem presentes no meio acadêmico.

Em sua obra Bardin se aprofunda na questão do método e técnicas, no que

diz respeito à organização da análise; à codificação de resultados; às

categorizações; às inferências; e à informatização da análise das comunicações.

Para Bardin (2009), a Análise de Conteúdo deve ter como ponto de partida uma

organização.

Nessa perspectiva, a Análise de Conteúdo se faz pela prática, e suas

diferentes fases – desde que construídas a partir de uma amostragem representativa

do universo – se organizam em torno de três diferentes pólos: “1. A pré-análise; 2. A

exploração do material; e 3. O tratamento dos resultados: a inferência e a

interpretação” (BARDIN, 2009, p. 121).

A pré-análise compreende a organização das fontes de informação e demais

materiais selecionados, a fim de alcançar a apropriação do objeto e fixação do

campo no qual o pesquisador deve focar sua atenção. Corresponde a um período de

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intuições, com fins operacionais a fim de sistematizar as ideias inicias, de modo a

dar consistência ao desenvolvimento do plano de análise que será posteriormente

seguido.

A exploração do material faz referência a uma descrição analítica, por meio da

qual e a partir do material reunido que constitui o corpus da pesquisa, inicialmente

orientado pelas hipóteses de pesquisa e referencial teórico, dão origem a quadros de

referências e suposições coincidentes ou divergentes. Para Bardin (2009), se tais

operações forem convenientemente exploradas, a análise, propriamente dita, não

será mais do que a administração sistemática das decisões tomadas.

Por fim, o tratamento dos resultados obtidos e interpretações, ou seja, a

conclusão a partir da análise. Nessa fase, os resultados são tratados de forma a se

tornarem significativos (falantes). Nesse sentido, o analista, de posse dos resultados

significativos pode fazer inferências e adiantar interpretações acerca dos objetivos

previstos.

Nessa direção, elege-se um corpo formado por estudantes matriculados em

cursos superiores de Engenharias de Alimentos, de Energia Renováveis e de

Ambiente, de Computação, de Produção e Química, e de Licenciatura em

Matemática, Física e Química de uma Universidade Pública Federal. Os estudantes

em questão foram selecionados a partir de um convite direcionado aos sujeitos que

já haviam cursado a disciplina de Cálculo 1 na Instituição em que se coletou os

dados para esta pesquisa.

A escolha por tal campo específico do conhecimento diz respeito a que, nesse

domínio, encontra-se solidificada uma problemática que se coloca sobre essa

disciplina, mencionada na introdução deste trabalho e corroborada na revisão de

literatura. Parte-se, portanto de um cenário no qual a disciplina de Cálculo 1 abarca

resultados fortemente negativos que são visíveis no desempenho de estudantes

dessa disciplina e que, por conseguinte, refletem-se nos resultados das Instituições

de formação superior. Contudo, esta investigação não intenciona revelar os motivos

de resultados aparentemente catastróficos colocados do ponto de vista acadêmico,

mas sim, deseja apresentar o que os investigados revelam sobre o conteúdo de

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76

Derivada estudado na disciplina de Cálculo 1 e sobre suas experiências nesta

disciplina.

3.1.1 Aproximação do objeto de pesquisa

Na ocasião, três estudantes do curso de Licenciatura em Matemática, que

doravante serão identificados pelos codinomes de Mariana, Gabriela e Carlos a fim

de preservar suas identidades, foram envolvidos na elaboração de um memorial de

formação, constituído ao longo de três meses. Esses estudantes se encontravam

matriculados a partir do 6º semestre do curso de Licenciatura em Matemática, ou

seja, entrando em fase de conclusão do curso, sendo esse, um dos critérios de

escolha desses sujeitos. Acerca de suas próprias dificuldades em Cálculo 1

revelaram a complexidade dessa relação dialógica. Referiram-se às próprias

dificuldades, quando essas existiram; e às dificuldades de outros, quando não

encontradas complicações em sua própria relação com a disciplina; no entanto,

sempre oferecendo justificativas fora do Cálculo 1 para essas dificuldades.

Primeiramente nos limites mais simples o problema foi o “trabalho” com polinômios, pois a maioria precisava de simplificação para que o limite existisse. Nesse caso, acredita-se na deficiência da escola básica, mas mesmo assim se o professor de cálculo fosse preparado para tal, provavelmente se daria conta que o problema era anterior (Mariana).

O grau de dificuldade, na minha visão, aumentou quando passamos ao cálculo diferencial. Quando o foco das aulas passou a ser então as aplicações, aí todo o transtorno passou. Pude enfim, parar de realizar a maioria dos cálculos mecanicamente, e passei a ter consciência do que estava fazendo e só então verdadeiramente pude considerar que havia aprendido, absorvido finalmente a essência do que me foi transmitido (Gabriela).

Como monitor, percebi que muitos dos alunos que ingressaram em um curso de Ciências Exatas, independente de ser um curso de Engenharia ou de Licenciatura, vem com muita dificuldade de conhecimento de conceitos de matemática básica, dificultando o seu rendimento e até mesmo seu prosseguimento na Universidade, tornando a disciplina de Cálculo I (tão fundamental para o prosseguimento de qualquer curso) em uma “vilã” e em uma grande dor de cabeça tanto para os alunos como para os professores (Carlos).

Tentou-se, junto a esses primeiros sujeitos, levar ao dimensionamento de

fatos relacionados especificamente à Matemática inserida no contexto das aulas de

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Cálculo 1. No entanto, não falaram muito sobre a Matemática dessas aulas.

Continuadamente, e de forma um tanto superficial, até mencionaram conteúdos que

remetessem ao Cálculo 1. Cabe destacar a compreensão de Mariana apontada no

recorte anterior, “nos limites mais simples o problema foi o “trabalho” com

polinômios, pois a maioria precisava de simplificação para que o limite existisse”,

evidenciando um entendimento distorcido para o cálculo do limite das formas

indeterminadas. Os três estudantes tomaram grande parte do memorial descrevendo

sentimentos, emoções, a relação professor-aluno, a empatia ou não com a disciplina,

dando uma impressão inicial de que talvez não soubessem falar sobre o Cálculo 1,

como se lhes faltassem as palavras, ou o entendimento, talvez a compreensão do

conteúdo.

Enfim, esta disciplina marcou minha vida acadêmica tanto para ampliar meus conhecimentos (constatando a Matemática mais como uma ciência), como para desenvolver em mim um olhar de educador (Carlos)

[ ...] na disciplina de Cálculo I vivenciávamos um novo momento de angústia, com aulas “engessadas” numa abordagem tradicional baseada em quadro e giz, e com pouca ou nenhuma sensibilidade do educador para perceber o quanto aqueles conteúdos que pra ele eram como “2+2=4” se tornavam uma barreira em nosso desenvolvimento enquanto acadêmicos... (Gabriela)

As subjetividades se personificaram nesse momento, e por meio de seus

relatos falaram da base matemática que não tiveram, da didática de alguns

professores, das dificuldades com as listas de exercícios, ou seja, de forma a

apresentar uma justificativa para os resultados nem sempre positivos na disciplina.

Contudo, foi demonstrado também certo encantamento pela disciplina, e até certo

“deslumbramento”. Por não ter dificuldades, o estudante Carlos se demonstrou

seguro ao falar dos conteúdos trabalhados em Cálculo 1, e apontou as dificuldades

que observou em outros estudantes da disciplina.

Dessa forma, percebe-se como oportuno repetir a coleta de dados, porém,

não mais por meio de memoriais, embora permitindo as pequenas narrativas em

forma de comentários ou relatos, pois em alguns aspectos as falas se mostraram

recorrentes nos três memoriais. Assim, acrescentaram-se outros critérios, de forma a

levar o sujeito investigado a revelar aspectos da sua experiência como estudante da

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disciplina, que inclui considerar aspectos específicos do Cálculo 1, ou seja,

relacionados a algum conteúdo abordado nessa disciplina.

3.1.2 Os sujeitos e a Instituição em pesquisa

A partir de então, propôs-se para a fase principal de coleta de dados,

considerar um número maior de sujeitos e de cursos em que a disciplina de Cálculo

1 tivesse sido ministrada, assim como, a considerar um maior número de semestres

em que esses sujeitos pudessem estar matriculados, com o objetivo de atingir dados

mais representativos do todo. Dessa forma, não se priorizou mais o curso de

Licenciatura em Matemática e nem o sujeito concluinte, mas os sujeitos que haviam

concluído a disciplina de Cálculo 1 em algum curso da Universidade em pesquisa.

Nesse aspecto, levantaram-se informações acerca do perfil dos sujeitos

investigados, e um panorama geral da Instituição no que diz respeito aos resultados

de estudantes matriculados em um dos cursos de graduação mencionados.

Para Bardin (2009), diz-se rigorosa uma amostragem se a amostra for uma

parte representativa do universo inicial, e nesse sentido.

Nem todo o material de análise é susceptível de dar lugar a uma amostragem, e, nesse caso, mais vale abstermos-nos e reduzir o próprio universo (e, portanto, o alcance da análise) se este for demasiado importante (BARDIN, 2009, p. 123).

Nessa perspectiva, a amostra contou com um número de 186 estudantes

matriculados nos cursos de: Engenharia de Alimentos (EA); Engenharia de

Computação (EC); Engenharia de Produção (EP); Engenharia de Energias

Renováveis e de Ambiente (ER); Engenharia em Química (EQ); Licenciatura em

Física (LF); Licenciatura em Matemática (LM) e Licenciatura em Química (LQ),

distribuídos de acordo com o número de sujeitos investigados em cada curso

conforme apresentado no Quadro 1.

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79

Quadro 1 – Número de sujeitos investigados por curso

CURSOS EA EC EP EQ ER LF LM LQ Total

Número de sujeitos 13 13 41 50 13 10 39 07 186

Sobre os sujeitos investigados foram levantados aspectos relacionados aos

resultados finais obtidos na disciplina de Cálculo 1, representados pelos dados

apontados no Quadro 2, onde se pode notar que um percentual de

aproximadamente 60% diz respeito a estudantes que foram aprovados na primeira

vez que cursaram a disciplina, em que um percentual próximo aos 40% teria sido

reprovado pelo menos uma vez em Cálculo 1.

Os dados a seguir apresentam a distinção para o número de reprovações

nessa disciplina. A respeito dos percentuais apresentados, referem-se a períodos

distintos, portanto, não podem indicar uma estatística sobre o perfil geral dos

resultados da Instituição ou para os cursos pesquisados.

Quadro 2 – Resultados finais de acordo com o percentual de sujeitos e o número de vezes que cursaram a disciplina de Cálculo 1.

CURSOS Nº de

Sujeitos %

Quantidade de vezes que cursou Cálculo 1

1 vez

% 2

vezes %

3 vezes

% 4

vezes %

EA 13 6,99 5 38,50 6 46,20 1 7,69 1 7,70

EC 13 6,99 6 46,20 6 46,20 1 7,69 0 0,00

EP 41 22,04 22 53,70 15 36,60 4 9,76 0 0,00

EQ 50 26,88 33 66,00 14 28,00 2 4,00 1 2,00

ER 13 6,99 7 53,90 4 30,80 1 7,69 1 7,70

LF 10 5,38 7 70,00 3 30,00 0 0,00 0 0,00

LM 39 20,97 26 66,70 11 28,20 2 5,13 0 0,00

LQ 7 3,76 3 42,90 3 42,90 1 14,30 0 0,00

Total 186 100 109 58,60 62 33,30 12 6,45 3 1,60

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Sobre o total de aprovação e reprovação gerais nos cursos em questão,

relativos à disciplina de Cálculo 1, têm-se informações a respeito dos dados totais e

atinentes ao período compreendido entre os anos 2009/semestre1 a

2012/semestre1, conforme Quadro 3 a seguir. Para os ano de 2012, semestre 2 e

2013, até o momento dessa coleta de dados, não se obteve informações oficiais.

Quadro 3 – Resultados gerais em aprovação e reprovação em Cálculo 1, dos cursos investigados, no período de 2009/Sem.1 a 2012/Sem.1.

CÁLCULO 1 2009

Sem. 1 2009

Sem. 2 2010

Sem. 1 2010

Sem. 2 2011

Sem. 1 2011

Sem. 2 2012

Sem. 1 Total no período

Nº de Aprovados 95 32 87 105 79 79 108 585

% de Aprovados 49,48 32,32 28,62 52,5 24,01 44,63 26,93 45,73

Nº de Reprovados 97 67 217 95 250 98 293 1117

% de Reprovados 50,52 67,68 71,38 47,5 75,99 55,37 73,07 85,86

Total parcial (TP) 192 99 304 200 329 177 401 1702

% sobre TP 11,28 5,82 17,86 11,75 19,33 10,4 23,56 100

Fonte: Dados Intitucionais

Ainda, a respeito desses dados, nota-se que no semestre 1 de 2012, a

disciplina de Cálculo 1 foi ministrada a 401 estudantes. Nos sete semestres

considerados no período, a disciplina foi ministrada para uma média de 243 alunos

por semestre. Entende-se como relevante apontar essas informações a fim de

apresentar uma comparação plausível acerca do número de estudantes

considerados na amostra deste trabalho, pois embora os sujeitos não sejam

estudantes de um mesmo semestre na disciplina de Cálculo 1, o número de 186

sujeitos que aceitaram o convite para participar desta pesquisa é significativo.

Acerca da Instituição, ou do campus no qual foi perpetrada a coleta de dados

para a presente pesquisa, trata-se de um dos campi de uma Instituição Pública

Federal brasileira, relativamente nova em relação ao tempo em funcionamento, pois

faz parte do programa de expansão das universidades federais no Brasil. Tal

Instituição foi criada com o intuito de minimizar o processo de estagnação econômica

onde está inserida, com a finalidade de viabilizar o desenvolvimento regional, como

um agente de definitiva incorporação da região em que se localiza. Pode-se, além

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dessa função, apontar que a Instituição em pesquisa atende a estudantes de várias

regiões do Brasil, e passa por um crescente aumento do número de estudantes

matriculados em seus cursos de graduação desde sua criação.

A Instituição em foco tem se mostrado em amplo desenvolvimento.

Atualmente, possui 60 cursos de graduação, 26 de pós-graduação, entre esses 10

mestrados e 1 doutorado. Entre os anos de 2010 e 2012, foram criados 12 novos

cursos de graduação. Verifica-se um crescimento contínuo do número de estudantes

ingressantes e matriculados na Instituição, conforme aponta a Divisão de Dados

Institucionais, e observados os dados de estudantes matriculados, verificou-se um

número de 6.445 matriculados nos cursos de graduação em 2010; 8.030 em 2011 e

9.342 no ano de 2012, demonstrando um crescimento de aproximadamente 45% no

número de matrículas nos cursos de graduação nesse período.

Em relação ao número de estudantes ingressantes nesse mesmo período,

correspondem a 2.855, 2.989 e 3.542, respectivamente; representando um

crescimento de 24% no número de ingressantes na Instituição. Cabe destacar, que o

campus no qual se realizou a coleta de dados, em número de estudantes

ingressantes, apresentou para os anos de 2010, 2011 e 2012, os números 569, 559

e 606, respectivamente, no que se refere a matrículas em cursos de graduação. E

no que diz respeito ao número de estudantes concluintes, desse mesmo campus,

para os anos de 2010, foram 15; para 2011 totalizou 114 e para 2012 foram 117

estudantes concluintes nos cursos de graduação.

Nesse mesmo período o número total da evasão no campus chegou a 257

para o ano de 2010; 462 para 2011 e 553 para 2012; sendo que a área de Ciências

Exatas e da Terra atingiu o maior índice em comparação as outras áreas,

alcançando o total de 189 evadidos em 2010; 241 em 2011 e 412 em 2012. Chama-

se a atenção para esse contexto, pois se acredita que a problemática do Cálculo

seja um dos aspectos a contribuir para esses resultados.

Em tempo, cabe mencionar que a fim de preservar a identidade dos sujeitos

investigados, optou-se por não identificar a universidade em pesquisa. E, para

facilitar a sempre necessária retomada dos dados no processo de análise, os

sujeitos investigados serão nomeados pelas inicias de seus cursos e pelo número do

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sujeito na organização dada para tratamento dos dados brutos. Dessa forma, ao

referir-se a (EC004), significa que se está remetendo ao estudante investigado de

número 4 do grupo de estudantes matriculados no curso de Engenharia de

Computação. Igualmente, ao referir-se a EC004/AB1 se trata do relato desse

estudante em resposta à abordagem 1 de coleta de dados, analogamente, em

EC004/AB2, referindo-se à abordagem 2. E, ainda nessa direção, ao referir-se a

EC004/MCI significa que se está referindo ao mapa conceitual inicial elaborado por

esse sujeito.

3.1.3 O instrumento de coleta de dados

Intenciona-se lançar mão de um instrumento de coleta de dados que seja

capaz de suscitar a memória dos sujeitos pesquisados frente a sua passagem pela

disciplina de Cálculo 1, mas tal instrumento também deve ser propício a levar esses

sujeitos a lembrança de aspectos específicos do contexto matemático dessa

passagem. Desse modo, preferiu-se abdicar do trabalho com os memoriais,

inicialmente pensado na fase de teste desta investigação, e optar por um

instrumento mais direto, por meio do qual se acreditou ser possível chegar a dados

relevantes aos objetivos desta pesquisa.

Desse modo, o instrumento de coleta de dados foi estruturado de forma a

conter abordagens abertas, previamente definidas, porém capazes de remeter os

sujeitos pesquisados a uma relação informal sobre a temática em questão. Por outro

lado, que também fosse capaz de levar esse sujeito a revelar elementos do contexto

matemático de sua etapa como estudante da disciplina de Cálculo 1, e mais

especificamente acerca do tema Derivada.

Para viabilizar esse processo, apresentou-se aos sujeitos um Instrumento de

coleta de dados (Apêndice 1) por meio do qual se teve acesso a dados que

explicitaram além do perfil desses sujeitos; outras três abordagens de coleta de

dados, relacionadas ao objeto da investigação e que serão descritas a seguir.

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Abordagem 1 – Comente sobre a disciplina de Cálculo 1. Essa abordagem é

apresentada aos estudantes a fim de que teçam, a partir de suas memórias,

comentários característicos à disciplina de Cálculo 1. “Falem da disciplina”.

Abordagem 2 – Comente sobre seu desempenho na disciplina de Cálculo 1.

Por meio dessa abordagem, espera-se que os sujeitos apresentem elementos que

remetam ao seu próprio desempenho na disciplina de Cálculo 1. “Falem de si”.

Abordagem 3 – Desenhe um mapa conceitual sobre Derivadas de Função

Real. Nessa abordagem os sujeitos são direcionados a explicitar suas concepções

acerca da Derivada. “Falem da Derivada”.

As três abordagens foram apresentadas aos diversos agrupamentos de

sujeitos desta investigação, em momentos de aulas que foram disponibilizadas pelos

seus respectivos professores. A participação dos estudantes foi voluntária.

Acerca da aplicação do instrumento, em relação às abordagens 1 e 2, as

frases foram lidas, antes de os sujeitos iniciarem o preenchimento de seus dados e

comentários. Assim, por meio desse instrumento os estudantes informaram acerca

de si, sobre o ano de ingresso nos cursos, quantas vezes cursaram a disciplina de

Cálculo 1, em que semestre e cursos se encontravam matriculados e teceram os

comentários pertinentes a essas abordagens.

Com relação à abordagem 3, após a leitura das abordagens 1 e 2, os sujeitos

foram orientados, de forma introdutória, a como elaborar um mapa conceitual. Os

estudantes foram orientados sobre as principais características dos mapas

conceituais e sobre como se pode elaborar um mapa conceitual. No instrumento,

apresentou-se como exemplo, um modelo de mapa conceitual que não se

relacionava à Matemática. Cabe destacar que muitos estudantes mencionaram

nunca haver feito um mapa conceitual antes. Após essa etapa de orientação, os

estudantes foram solicitados a desenhar um mapa conceitual sobre Derivada.

A intenção nesta etapa era de conseguir que os estudantes elaborassem o

que se definiu como Mapas Conceituais Iniciais, tal discussão será retomada no

Capítulo 5 deste trabalho.

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Importante ressaltar acerca do instrumento de coleta de dados, que as três

abordagens foram apresentadas aos estudantes de forma sequencial. Em seguida à

apresentação do instrumento e respectivas abordagens, os estudantes investigados

conduziram suas respostas com pequenos relatos para as abordagens 1 e 2, e

elaboraram os mapas para a abordagem 3, na ordem em que preferiram.

Os estudantes, em diferentes grupos, ocuparam para essa tarefa o espaço de

no máximo duas aulas de cinquenta minutos cada uma; sendo que o tempo de

respostas de cada um variou significativamente, com estudantes entregando suas

observações em pouco mais de trinta minutos, e outros ocupando todo o tempo

aproximado das duas aulas.

3.2 Mapas Conceituais e Mapas Conceituais Iniciais

O processo de aprendizagem baseado no recurso do mapeamento conceitual

se estrutura fundamentalmente na visão ausubeliana estudada por Joseph Novak

(2010). Desse modo, entende-se que a Teoria da Assimilação por meio da

Aprendizagem e da Retenção Significativas foi o referencial teórico subjacente à

proposição do mapeamento conceitual em Ausubel (2000); Novak (2010) e Novak e

Cañas (2010). Contudo, nesse trabalho, recorre-se ao uso de Mapas Conceituais

como instrumento de produção de dados de pesquisa.

Nesse sentido, uma análise de conteúdo por meio de mapas conceituais é

viável no sentido dado por Moreira (2006). Concorda-se, no que se refere ao uso de

mapas como instrumentos didáticos, de avaliação ou de análise de conteúdo, que

esta separação seja um pouco artificial, pois segundo Moreira (2006), os mesmos

mapas usados no planejamento curricular podem ser empregados como recursos

instrucionais. Pretende-se, portanto, nesse aparte de apresentação das escolhas

metodológicas, tecer em aspectos gerais, a compreensão acerca da teoria e uso dos

mapas conceituais e as finalidades específicas para esta pesquisa.

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O mapeamento conceitual é uma técnica que permite o uso da representação

gráfica para a organização do conhecimento, e que possibilita o entendimento da

estrutura cognitiva idiossincrática de um indivíduo sobre determinado conhecimento

ou área desse conhecimento, conforme afirma Novak (2010).

É, nessa perspectiva, um conjunto de conceitos imersos em uma rede de

proposições, constituídas por um conceito inicial, um termo de ligação e um conceito

final, sendo que o termo de ligação deve expressar a relação entre os conceitos

inicial e final. Em geral, os conceitos são posicionados dentro de figuras como

retângulos, círculos ou outras; mas isso não é uma regra, e as relações entre os

conceitos são indicadas por linhas que interligam os conceitos e nas quais são

postas as palavras ou frases de ligação, que especificam os relacionamentos entre

dois conceitos.

Segundo Novak (2010), o conceito pode ser definido como uma regularidade

percebida em eventos ou objetos, designada por um rótulo. Na maior parte dos

conceitos, o rótulo é uma palavra, embora algumas vezes possam ser usados

símbolos ou mais de uma palavra. As proposições, nessa teoria, são enunciações

sobre algum objeto ou evento nesse universo, seja ele natural ou artificial. As

proposições, em geral, contêm dois ou mais conceitos conectados por palavras ou

frases de ligação a fim de compor uma afirmação com sentido. Tais proposições, por

vezes, são chamadas de unidades semânticas ou unidades de sentido.

De acordo com Cicuto e Correia (2013), baseados em Novak (2010), os três

principais padrões de Mapas Conceituais apresentam proposições: i) limitadas

(proposição com baixa clareza semântica); ii) inadequadas (proposição com erro

conceitual) e iii) adequadas (proposições sem erro conceitual). Segundo esses

autores, Novak (2002, apud CICUTO; CORREIA, 2013) propôs o termo Estruturas

Hierárquicas Inapropriadas ou Limitadas (LIPHs), do inglês Limited or Inappropriate

Propositional Hierarchies, para referir-se aos tipos de erros encontrados nos Mapas

Conceituais que podem ser identificados como proposições com falta de clareza

semântica ou erros conceituais, revelando assim uma compreensão limitada ou

inapropriada sobre o tema mapeado.

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Os termos de ligação inadequados podem diminuir a precisão da mensagem

das proposições, o que pode ser percebido durante a simples leitura de um mapa.

Nesse sentido, as Estruturas Hierárquicas Inapropriadas ou Limitadas (LIPHs) nos

MCs podem ser, “identificadas como proposições com falta de clareza semântica ou

erros conceituais, revelando uma compreensão limitada ou inapropriada sobre o

tema mapeado” (CICUTO; CORREIA, 2013, p. 6).

Cicuto e Correia (2013) dão exemplos de proposições com diferentes níveis

de clareza semântica, de acordo com o termo de ligação utilizado: (a) não é uma

proposição; (b) proposição limitada; (c) proposição inapropriada; e (d) proposição

apropriada, apresentados na Figura 5, a seguir:

Figura 5 – Proposições com diferentes níveis de clareza semântica Fonte: Cicuto e Correia (2013, p. 6)

Ainda de acordo com esses autores, a Teoria Educacional de Novak (2010)

inclui uma visão humanista para o processo de ensino-aprendizagem, por meio da

qual os seres humanos pensam, sentem e agem, e todos esses elementos devem

ser combinados na criação de novos conhecimentos. Portanto, o desafio educacional

é gerenciar as seguintes formas de aprendizagem: 1) A aquisição de conhecimento

(aprendizagem cognitiva); 2. A mudança na emoção ou sentimentos (aprendizagem

afetiva); e 3. O ganho de aptidão física ou motora (aprendizagem psicomotora).

Apontam, ainda, que Novak (2010 apud CICUTO; CORREIA, 2013) propõe

uma nova definição para a aprendizagem significativa que deve promover a

integração construtiva entre o pensar, o sentir e o agir, levando ao engrandecimento

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humano e colocando os indivíduos como responsáveis pela condução do seu

processo de aprendizagem, permitindo ainda que a aprendizagem ocorra e atenda

às demandas da sociedade do século XXI, conforme Visser e Visser-Valfrey (2008

apud CICUTO; CORREIA, 2013).

Segundo Novak e Cañas (2010), existe uma importante relação entre a

psicologia do aprendizado tal como vista nos dias atuais e o consenso crescente

entre filósofos e epistemólogos, de que a criação de novos conhecimentos é um

processo que envolve conhecimentos e emoções. Para esses autores, mapas

conceituais podem ajudar a identificar conceitos amplos e gerais possuídos pelo

estudante antes de eles aprenderem conceitos mais específicos.

[...] a criação de novos conhecimentos é um processo construtivo que envolve tanto nosso conhecimento quanto nossas emoções ou nosso impulso de criar novos significados e novos modos de representar esses significados. Os próprios alunos envolvidos na criação de bons mapas conceituais estão se dedicando a um processo criativo, o que pode ser desafiador, especialmente se esses alunos passaram a maior parte da vida aprendendo mecanicamente (NOVAK; CAÑAS, 2010, p. 15).

Um mapa conceitual deve, nesse sentido, referir-se a uma situação ou evento

que se pretende compreender por meio da organização do conhecimento na forma

desse mapa.

Uma importante característica dos Mapas Conceituais se refere à

representação hierárquica dos conceitos, tomando forma com os conceitos mais

inclusivos e gerais no topo dos mapas e os mais específicos e menos gerais

dispostos hierarquicamente abaixo deste. A estrutura hierárquica de uma área

específica de conhecimento também depende do contexto no qual o conhecimento

está sendo aplicado ou considerado. Consequentemente, o ideal é que mapas

conceituais sejam elaborados a partir de alguma questão particular a qual se procura

responder, denominada de questão focal.

Mapas conceituais também se caracterizam pela inclusão de cross links, ou

ligações cruzadas, que são as relações ou ligações entre os conceitos nos diferentes

segmentos ou domínios do mapa conceitual, segundo Novak (2010). Tais ligações

podem auxiliar o analisador de um mapa a ver como um conceito, em um domínio de

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conhecimento representado no mapa se relaciona a um conceito em outro domínio

ali mostrado. Na elaboração de um conhecimento novo, as ligações cruzadas muitas

vezes representam saltos criativos por parte do produtor de conhecimento.

Conforme aponta Novak (2010), não existem regras fixas para a construção

de mapas conceituais, da mesma forma que não existe uma maneira única, ou a

melhor maneira de representação de um mapa conceitual. Segundo esse autor, o

importante é o sentido que deve ter um mapa conceitual para a utilidade a que se

destina.

Pesquisadores como Kinchin, Hay e Adams (2000 apud AGUIAR; CORREIA,

2013) sugerem que alguns mapas conceituais são elaborados apresentando formas

“radiais” e ou “lineares”, e que esses são persistentes durante o processo educativo

dos alunos que optaram pela aprendizagem mecânica.

Figura 6 – Três estruturas típicas de MCs: (a) radial, (b) linear e (c) rede

Fonte: Aguiar e Correia (2013, p. 7)

Segundo Aguiar e Correia (2013), o aumento do domínio de um tema pode

levar a representação sequencial de conceitos como de um MC linear, partindo de

uma estrutura que inicialmente teria sido dada da forma radial, do mesmo modo que,

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o estabelecimento de relações entre conceitos pode romper essa linearidade e levar

a construção de mapas conceituais com uma estrutura parecida com rede.

Considera-se, ainda, que a exploração acerca dos Mapas Conceituais

apontou que esses podem ser pensados como ferramentas para negociar

significados, para apresentar as representações explícitas, abertas dos conceitos e

proposições que uma pessoa tem sobre determinado tema, como uma técnica para

exteriorizar o entendimento conceitual e proposicional que uma pessoa tem sobre

determinado conhecimento. Destinam-se, desse modo, a representar relações

significativas entre conceitos na forma de proposições, ou seja, são dispositivos

esquemáticos para representar um conjunto de significados de conceitos encaixados

em um sistema referencial proposicional, conforme Novak e Gowin (1984).

Entende-se que a análise de um mapa conceitual é essencialmente

qualitativa, e não há distinção entre mapa conceitual correto e incorreto. Cabe

destacar, contudo, que esta pesquisa se fixará nos primeiros mapas conceituais

elaborados, o que se denominará de Mapas Conceituais Iniciais (MCIs).

Nesse sentido, Novak (2002) chamou de Mapas Conceituais Preliminares23 a

primeira tentativa de elaboração de um mapa conceitual concluído por uma pessoa

sobre determinado conteúdo. Dessa forma, uma vez concluído um mapa conceitual

preliminar é necessário revisá-lo a fim de adicionar novos conceitos. Para esse

autor, bons mapas geralmente resultam de três ou mais versões. Reconhece-se que

a aprendizagem é um processo contínuo e pode ser estimulada por meio de

organizadores gráficos, sendo importantes as etapas frequentes de revisão e

alteração dos mapas conceituais. Inclusive, considera-se que os processos com

mapas conceituais manuscritos são limitados, quando utilizados em processos de

aprendizagem, uma vez que deveriam ser passados a limpo para incluir as

modificações decorrentes da evolução nesse processo.

Contudo, na presente abordagem em que não se tem uma intenção

instrucional no trabalho com os mapas, optou-se apenas pelos mapas conceituais

manuscritos. Insiste-se que não se lançará mão da reelaboração dos mapas

23 Não se optou por essa nomenclatura, pois esta sugere a necessidade de outras elaborações, e no caso da presente pesquisa se fixará apenas nos primeiros e únicos mapas elaborados pelos sujeitos, tais mapas não serão submetidos à reelaborações.

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conceituais, e não se irá buscar uma diferenciação ou classificação em bons mapas

sobre Derivada, pois se ambiciona identificar as “marcas” reveladas pela exposição

permitida a partir dos primeiros mapas conceituais desses estudantes investigados.

No Capítulo 5, serão apresentados os critérios ou forma como se elegeram os MCIs

a partir das elaborações dos sujeitos investigados.

Dessa forma, espera-se por meio desse recurso, aproximar-se do objetivo de

pesquisa que pretende considerar as experiências dos sujeitos em aulas de Cálculo

1, especificamente para o conteúdo Derivada. Entende-se que o sujeito investigado

ao expor o seu MCI, também expõe suas concepções objetivas mais relevantes, e o

fato de não refazer esse mapa e de não ser direcionado para uma determinada

estrutura específica nessa construção permite que seja exposta a essência desse

processo de experiência com o conhecimento novo, no caso, a Derivada.

Apresentar-se-á, no próximo Capítulo, a primeira parte da análise, construída

a partir dos relatos dados pelos estudantes investigados em resposta às abordagens

1 e 2. Espera-se também exibir as unidades de análise textuais segundo as escolhas

teóricas e reportadas aos aspectos dialógicos entre o estudante investigado e a sua

formação básica em Matemática; e o professor de Cálculo 1; e a Instituição de

formação; e com o próprio Cálculo 1.

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4 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE E APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

Expõem-se as unidades textuais para análise segundo as escolhas teóricas.

As exposições decorrem dos resultados encontrados a partir de dados classificados

em cada uma das unidades de análise consideradas, em que se reportou aos

aspectos dialógicos entre o estudante investigado e: a sua formação básica em

Matemática; o professor de Cálculo 1; a Instituição de formação e com o próprio

Cálculo 1.

4.1 Aspectos teóricos na condução das unidades de análise

Buscou-se na construção das unidades de análise textuais por elementos

convergentes encontrados a partir do referencial teórico que estruturou este trabalho.

Inicia-se pelo sentido da linguagem, conforme argumenta Buber (2009), promovidos

em uma relação dialógica. Acrescentam-se aspectos da relação de “Alguém com os

outros”, conforme propõem Bauman e May (2010), e que interiorizam também uma

relação dialógica. E, finaliza-se pelas observações de Larrosa (2002, 2011) acerca

da experiência nessa relação.

Parte-se, portanto, de perspectivas subjetivas para investigar também

aspectos objetivos do ensino de Cálculo 1, especificamente, sobre a Derivada.

Contudo, entende-se que uma relação objetivante é, também, subjetivante (BUBER,

2009). Dessa forma, não há objetividade sem os aspectos subjetivos dessa

construção.

Do ponto de vista do processo de ensino da Derivada, os aspectos subjetivos

ficaram aparentes nos relatos dos estudantes de Cálculo 1 apresentados por meio

do instrumento proposto na fase principal da coleta de dados desta pesquisa. Os

sujeitos investigados são estudantes de cursos de graduação em Engenharias e

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Licenciaturas da Instituição lócus desta investigação, conforme apresentado no

Capítulo da metodologia.

Na busca pela formulação das unidades de análise textuais, remeteu-se a um

processo de singularização, por meio do qual se classificam os relatos dos sujeitos a

partir dos aspectos por eles explicitados em pequenos textos. E a partir da

experiência dos sujeitos investigados: a) como estudantes da disciplina de Cálculo 1;

b) na relação do sujeito em formação com o sujeito formador e com a instituição

formadora; c) na compreensão do conteúdo Derivada.

Em torno desses momentos se encontra uma relação genuinamente dialógica,

cujos termos da dialética compreendem sujeito e sujeito; sujeito e objeto, sujeito e

objeto e sujeito. Interações emitidas nas presentes relações dialógicas do modo “Eu-

Tu”, o modo fenomenológico de ser; “Eu-Isso”, o modo coisificado de ser, e de

“Alguém com os outros”, o modo sociológico de ser. São essas interações, que

permitem ao estudante a experiência, quando revive o processo de construção de

seu conhecimento, ao narrar-se ou ao construir os seus mapas conceituais.

Uma das bases do pensamento buberiano, provinda da experiência concreta

com a vida, o logos e a práxis, propõe ao homem a vida fundada no diálogo, postas

frente à categoria fundamental do Eu-Tu, o que possibilita admitir que a ação

educativa é uma reflexão elaborada por meio de um princípio dialógico, que permite

também, perguntar até que ponto há uma esfera dialogal, de abertura, de respeito e

de responsabilidades na relação entre os sujeitos.

Para auxiliar a realização das melhores possibilidades existenciais do aluno, o professor deve apreendê-lo como esta pessoa bem determinada em sua potencialidade e atualidade, mais explicitamente, ele não deve ver nele uma simples soma de qualidades, tendências e obstáculos, ele deve compreendê-lo como uma totalidade e afirmá-lo nesta sua totalidade (BUBER, 2009, p. 131).

Nesse sentido, o diálogo não é um conjunto semântico de oralidade, mas um

evento inesperado que implica uma relação de reciprocidade mútua entre os

sujeitos, e que por meio de um encontro de diálogo extremamente autêntico permite

uma relação genuína entre pessoas.

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A sociologia poderia fornecer observações sobre as experiências e mostrar as

implicações de atos e decisões que conduzem a vida humana. É assim, um espaço

de atividade contínua que compara o aprendizado com novas experiências, segundo

Bauman e May (2010). Nessa direção, vive-se em um constante processo de

interação com outros indivíduos e de direcionamentos para escolhas a acompanhar

até o fim, ou não; de forma que uma compreensão gerada dessa maneira poderia

tornar a comunicação com “os outros”, mais fácil e mais inclinada a conduzir ao

mútuo entendimento.

Poucas vezes se considera necessário ultrapassar o nível das preocupações

cotidianas para ampliar o horizonte das experiências, atitude que exigiria tempo e

recursos de que muitos podem não possuir ou com que não se dispõem a arcar.

Dada, porém, a tremenda variedade de condições de vida e de experiências no

mundo, cada uma é necessariamente parcial e talvez até unidimensional.

Nessa perspectiva, de acordo com Bauman e May (2010) essas questões só

podem ser examinadas quando juntas, ou seja, se comparadas às experiências

prospectadas a partir da multiplicidade de mundos. Somente dessa forma as

realidades delimitadas da experiência individual poderiam ser reveladas, assim como

a complexa rede de dependência e interconexões na qual elas estão envolvidas.

Esses autores também argumentam que, quando ocorrem disjunções entre as

expectativas e a experiência, pode-se refletir sobre a possibilidade de os grupos a

que se pertence não serem aqueles pelos quais se opta por livre escolha. Dessa

forma, uma transformação exigirá grande esforço de mobilidade perante os grupos.

Nessa direção, o sujeito contemporâneo nem sempre consegue que a

experiência aconteça. Larrosa (2011) assegura que sendo a experiência o que

atravessa, passa e deixa sua marca, nem tudo o que passa efetivamente, deixa

vestígios. A experiência é conduzida pela incerteza, ou seja, há um campo de

possibilidades cujos resultados não são antecipáveis. Nisso é diferente do

experimento, cujas regras são pré-definidas e, geralmente, seus resultados são

controlados. O sujeito da experiência não é ativo, mas é um sujeito que se expõe, é

receptivo. É o sujeito que não se define por imposição ou pela posição que toma,

mas sim pela exposição de si.

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Assim, pretende-se apresentar o que esses sujeitos da experiência expõem

ou deixam revelar em seus relatos, tendo como cenário as aulas de Cálculo 1, e

como objeto específico para os MCIs, a Derivada.

Entende-se que os sujeitos da experiência são capazes de demonstrar

elementos particulares e auto formadores ao fazer a experiência de si quando se

observam, se decifram, se interpretam, se descrevem, se julgam, se narram. São

capazes de se particularizarem, sem, contudo, deixar de estar em constante contato

com os “outros”, que estão presentes nessa relação dialógica, que é única, no

entanto, não é solitária.

Neste estudo, os sujeitos descrevem suas impressões de forma textual e de

forma representativa, pois partem de memórias expostas, em forma de pequenos

textos ou relatos, para o que se considera “outra forma de narrativa” ou texto,

representada pelos Mapas Conceituais Iniciais sobre Derivadas, cuja análise será

apresentada no próximo capítulo deste trabalho.

É nesse caminho que o aspecto dialógico é ressignificado, e que o sujeito ao

expor a si mesmo, revive etapas da construção de um dado conhecimento, que

envolve outros sujeitos. Quando faz esse movimento vê aos outros e a si mesmo, e

dessa forma pode refletir, ora o outro, ora a si próprio.

4.2 Unidades de análise textuais

Apresenta-se a seguir a descrição das unidades de análise textuais. Os

aspectos considerados como indicadores de pertencimento a cada uma das

unidades estão marcados e influenciados pela subjetividade da pesquisadora. As

classificações que deram origem às unidades levaram em conta a recorrência nos

relatos dos sujeitos investigados relativas às suas respostas às abordagens 1 e 2:

“Comente sobre a disciplina de Cálculo 1” e “Comente sobre o seu desempenho em

Cálculo 1”, referidas no capítulo da metodologia, sofrendo assim o enquadramento

mais conveniente, desse ponto de vista.

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Constituí-se, assim, unidades que sugerem certo antagonismo, que envolvem

aspectos que ora sinalizam para uma experiência aparentemente negativa, que de

certo modo não possibilitou o encontro desses sujeitos com as especificidades do

Cálculo 1; e ora para aspectos que dão evidências de que os sujeitos possam ter

tido uma experiência positiva, no que diz respeito ao seu contato com as

especificidades dessa disciplina e à construção de um conhecimento novo. Contudo,

entende-se que diferentemente do antagonismo obvio que parecem revelar,

apresentam de si, fatores de complementaridade.

4.2.1 Unidade 1: O estudante e a sua formação básica

Nessa classificação são considerados os relatos dos sujeitos que remetem a

uma relação dialógica entre o estudante e sua formação na Educação Básica. A

forma como os estudantes investigados classificam sua própria formação parece, em

algumas relatos, responsabilizar as deficiências e defasagens decorrentes dessa

etapa de sua educação formal, pelas razões que, além de tornarem o Cálculo 1, uma

disciplina que se impõe em grandes obstáculos aos estudantes, acarretam muitas

vezes um desempenho insuficiente. Porém, em algumas descrições, salientam que

buscaram essa base necessária, encontrando esse suporte em vídeo-aulas na

internet, aulas particulares, ajuda dos monitores, revisão com os professores, entre

outras.

Nesse sentido, essa unidade acolhe as deficiências e defasagens

reconhecidas pelos sujeitos e explicitadas em suas preleções, em expressões como:

“Falta de base do Ensino Médio; Escola fraca; Falta de base matemática”, e isso

remete a uma classificação na unidade 1 de análise, pois tais relatos apontam para a

possibilidade de que tais sujeitos possam ter passado por uma experiência que não

lhes tenha agregado conhecimentos novos em relação à disciplina de Cálculo 1.

Admite-se que nesses casos, a passagem por essa disciplina possa ter deixado

marcas fora do contexto matemático, tais como: angústia, insegurança e reprovação

(não apenas acadêmica) desses sujeitos.

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Colocam-se, também nessa classificação, os relatos que demonstraram

reconhecimento de uma boa base matemática de nível médio, pois, argumentações

presentes nas falas de alguns estudantes dão indícios de uma forma de relação

dialógica ocorrida entre os sujeitos e sua formação básica que aponta para o

reconhecimento de uma formação condizente com as suas expectativas. Nesse

aspecto, o estudante classifica sua formação básica como eficiente e acredita que

não encontrou dificuldades ao longo da disciplina devido à boa base matemática,

sobretudo, obtida em nível médio. Nessa relação dialógica, evidenciam-se elementos

que possam apontar para a reciprocidade mútua e o respeito às identidades.

Expressões como: “Boa base do Ensino Médio; Escola de qualidade; Boa base

matemática” são elementos que também dão forma a essa unidade de análise.

4.2.1.1 Considerações sobre a unidade 1

Na sequencia, o Quadro 4 exibe uma comparação quantitativa em relação ao

número de sujeitos que em seus depoimentos apresentaram características que se

aproximam das mencionadas sobre os sujeitos pesquisados quando se referem a

sua educação básica. Destaca-se, que foi ressaltado pelos próprios sujeitos, o nível

médio como principal representação dessa formação.

A fim de atingir uma diferenciação pelo caráter apontado nessas

argumentações, recorre-se a duas colunas classificatórias no Quadro 4, indicando

como negativa ou positiva a contribuição da formação básica desses sujeitos para o

seu desenvolvimento em Cálculo 1. Nessa etapa, foram considerados os relatos

dados pelos estudantes pesquisados em relação à abordagem 1 e 2, “Comente

sobre a disciplina de Cálculo 1” e “Comente sobre o seu desempenho em Cálculo 1”.

Os relatos não estão fechados em um único aspecto, podendo ocorrer de um

mesmo estudante participar em posições antagônicas nessa relação, por essa razão,

não se pode presumir que tais argumentações sejam em sua totalidade

contraditórias ou divergentes, pois dizem respeito a etapas ou momentos distintos da

memória dos sujeitos.

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Quadro 4 – Distribuição do número de alunos por curso e contribuição da formação básica para a disciplina de Cálculo 1 por abordagem24.

Nº SUJEITOS POR CURSO

ABORDAGEM 1 ABORDAGEM 2

Negativa % Positiva % Negativa % Positiva %

EA 13 6 46,15 0 0,00 4 30,77 0 0,00

EC 13 8 61,54 2 15,38 3 23,08 0 0,00

EP 41 13 31,71 3 7,32 11 26,83 2 4,88

EQ 50 20 40,00 4 8,00 2 4,00 6 12,00

ER 13 9 69,23 0 0,00 4 30,77 0 0,00

LF 10 4 40,00 0 0,00 3 30,00 0 0,00

LM 39 12 30,77 1 2,56 4 10,26 1 2,56

LQ 7 4 57,14 0 0,00 2 28,57 0 0,00

TOTAL 186 76 40,86 10 5,38 33 17,74 9 4,84

Admite-se, contudo, que tais argumentações demonstrem visões

complementares, pois tais sujeitos se referem, de forma geral, a aspectos que se

conectam a episódios distintos de sua passagem como estudante na disciplina de

Cálculo 1.

Desse modo, o processo de comparação se assenta em aspectos

quantitativos e qualitativos de investigação, iniciado na comparação do volume das

respostas dadas pelos sujeitos investigados em relação às abordagens 1 e 2.

Ressalta-se que o Quadro 4 compara os resultados que foram classificados

pela pesquisadora como pertencentes à unidade 1, a unidade que analisa a relação

entre o sujeito e sua formação básica, ou seja, à contribuição dessa formação para o

desenvolvimento dos sujeitos em Cálculo 1 do ponto de vista desses sujeitos. Sendo

assim, não há como excluir as subjetividades decorrentes da visão da pesquisadora.

Os dados apontados indicam um percentual relativamente alto de estudantes,

que expuseram como insuficiente a base matemática, dada no Ensino Médio, para

dar conta da disciplina de Cálculo 1; sendo esse, segundo os próprios sujeitos, um

dos motivos das inúmeras dificuldades encontradas ao longo da disciplina e,

consequentemente, do baixo desempenho desses estudantes.

24 Ressalta-se que o somatório dos sujeitos computados nas abordagens 1 e 2 diferem do total de sujeitos investigados, pois alguns estudantes não se enquadraram para as opções “negativa” e “positiva” e outros foram computados em ambas as possibilidades em função de seus relatos.

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Admite-se, contudo, que o “pensar” sobre essa disciplina parece ter remetido

esses sujeitos a outras lembranças que não são necessariamente sobre os

conteúdos matemáticos abordados em aulas de Cálculo 1.

Dos 186 sujeitos pesquisados, 40,86% mencionaram a possibilidade de um

Ensino Médio deficitário quando solicitados a comentar sobre a disciplina de Cálculo

1. Em relação ao próprio desempenho em Cálculo 1, um percentual menor, 17,74%

dos indivíduos mencionou não ter tido base no Ensino Médio para cursar essa

disciplina.

[...] infelizmente não saímos do Ensino Médio preparados para a disciplina de cálculo 1 (EQ049/AB1).

Mas as minhas dificuldades provinham das deficiências do Ensino Médio, tornando tudo muito novo. Acredito que mesmo que essa disciplina já tenha sido superada, algumas dificuldades ainda persistam (LM028/AB2).

Posturas como essas colocam os sujeitos diante de uma representação que

fazem da própria formação e que parece não ser favorável ao seu próprio

desenvolvimento no curso, e diante da qual se pronunciam, dão justificativas, e

apresentam suas fugas e formas de contornar ou tentar resolver o problema.

O meu desempenho não foi muito satisfatório, pois nunca tinha visto nada sobre cálculo diferencial, ou seja, minha base não era boa o suficiente para fazer uma disciplina de cálculo I bem feita. Precisei rever vários conceitos básicos (EP022/AB2).

Diante da justificativa das ações humanas, Bauman e May (2010) se

pronunciam e, desse modo, as formas segundo as quais se vive, o conforto e a

segurança são expostos ao que se enxerga como desafios, e assim, se é chamado a

explicar e justificar suas ações.

Os valores adotados para orientar e justificar as ações transformam-se no curso da interação social em diferentes contextos. As pessoas são influenciadas de maneiras específicas. Isso se manifesta por meio de uma alteração na hierarquia da importância atribuída a determinados valores. O que significa que elas selecionam, conscientemente ou por padrão, alguns fins em vez de outros (BAUMAN; MAY, 2010, p. 104).

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Se por um lado, buscam sempre justificar as ações, e nas muitas formas, as

causas dessas ações geralmente são colocadas fora da responsabilidade do agente

da ação, por outro lado, muitas vezes por meio das ações tomadas, remetem a

meios para tentar resolver as situações às quais se encontram expostos, mesmo que

essa exposição, no entender do sujeito da ação, não tenha causa na própria

vontade, mas na vontade alheia.

Contudo, se a representação do sujeito apontou em alguns momentos para a

defasagem do Ensino Médio como um dificultador de sua passagem pelo Cálculo 1,

por outro lado, se identifica que também se tornaram presentes, argumentos pelos

quais os sujeitos admitem ter encontrado no Ensino Médio a base matemática

necessária para cursar a disciplina de Cálculo 1 sem maiores dificuldades, embora

em um número bem menor, 5,38% dos estudantes pesquisados em relação à

abordagem 1 e 4,84% em relação à abordagem 2. Mesmo sendo esse um número

relativamente pequeno, cabe destacar que existe esse número de sujeitos para os

quais a sua preparação em nível médio foi suficiente, e, portanto, manter revisões de

conteúdos dessa etapa em aulas de Cálculo 1 poderia ser um dispositivo

desnecessário e desmotivador para esses estudantes.

Graças a uma base forte de matemática, tive facilidade em aprender os conteúdos de Cálculo I, sem ter estudado tanto, passei com uma média acima de 7,0 (EQ036/AB2).

A 1º parte é a mais fácil devido ao fato desse assunto já ser abordado no segundo grau, a dificuldade está na parte de limites e Derivadas. A meu ver essas partes apresentam maior dificuldade porque é gasto boa parte do semestre revendo funções e sobra pouco tempo para as partes não vistas anteriormente (limites e Derivadas) (EP018/AB1).

Embora alguns sujeitos tenham se referido a uma formação suficiente, tais

dados podem indicar que haja sim, uma lacuna na formação da maior parte dos

estudantes em relação à Matemática, ao menos no que diz respeito aos estudos

realizados na Educação Básica, pois um índice superior a 40% sinaliza para isso.

Contudo, não se pode garantir a partir dos dados coletados, que essa defasagem

ocorra em razão de alguma precariedade em nível médio, embora os conteúdos

apontados como deficitários pelos sujeitos estejam ligados à fundamentação em

Funções, ou seja, a um conteúdo estudado com maior ênfase nos três anos do

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Ensino Médio. Assim como, não se pode deixar de considerar que, se existe tal

defasagem, talvez ela possa ser anterior a essa etapa da Educação Básica.

Mas, é preciso destacar também o fato de que mais de 50% dos estudantes

investigados não se referiram ao Ensino Médio, nem de forma positiva, nem de

forma negativa. O que poderia ter levado esses sujeitos a não mencionarem o

Ensino Médio, pode, no entanto, esconder modos diversos de ver a problemática em

que se colocam ou são colocados, quando diante do ensino de Cálculo 1.

Acredita-se que uma das razões possa ter relação com as disciplinas

niveladoras, que poderiam ter suprido essa defasagem, ou as outras formas

encontradas pelos sujeitos que tenham provido essa necessidade. Mas, acredita-se

também, que se não mencionaram o Ensino Médio, tal fato pode significar que

outros aspectos se colocam como mais relevantes para esses sujeitos. Dessa forma,

para esse percentual descrito, não se pode admitir que exista defasagem decorrente

da fraca base de Matemática do nível médio.

Acrescenta-se que os dados apresentados podem indicar a importância da

oferta de disciplinas niveladoras, uma recorrência comum nas universidades, e que

intenciona suprir a defasagem da base matemática dos estudantes ingressantes a

fim de assegurar a suficiência desses em disciplinas como Cálculo 1. Em vários

momentos, os estudantes mencionaram a importância de ações como essas para

seu desenvolvimento em Cálculo 1.

[...] há pouca ou nenhuma atenção àquele aluno que saiu de uma instituição de ensino que não lidava com um nível de matemática bom, somente nesse semestre foi implantado o pré cálculo para os alunos obterem um nivelamento, dessa forma podendo ter maior aproveitamento na disciplina (EP026/AB1).

A primeira vez que eu fiz foi um "choque", pois havia muita coisa do Ensino Médio e fundamental, eu já não lembrava mais, só consegui obter êxito na disciplina após fazer um curso de nivelamento fora da universidade (ER003/AB2).

Não obstante, quanto à oferta de disciplinas niveladoras, a Instituição lócus

desta pesquisa oferece em atuais projetos de ensino, cursos de nivelamento e

monitorias em Cálculo 1.

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101

Nesse sentido merece especial atenção o curso de Licenciatura em

Matemática, pois a disciplina de Teoria Elementar das Funções (TEF) é ofertada no

primeiro semestre desse curso como disciplina obrigatória. A ementa da TEF propõe

o estudo de “Conjuntos e suas operações; A reta real; Intervalos; Módulo e suas

propriedades; Desigualdades; Funções: definição, domínio, imagem e gráfico;

Funções linear, quadrática, exponencial, logarítmica, trigonométrica, polinomial e

hiperbólica; Funções pares e ímpares; Funções injetivas, sobrejetivas e bijetivas;

Composição de funções; Funções Inversas; Outros tópicos e História da Matemática

pertinente ao conteúdo.”

Na Instituição, a TEF é pré-requisito para o Cálculo 1 para os estudantes da

LM, entretanto, verifica-se que 30,77% dos pesquisados, mencionam encontrar

dificuldade em Cálculo 1 em decorrência de suas defasagens advindas de estudos

deficitários em nível médio. E, em relação ao próprio desempenho em Cálculo 1,

10,26% se referiram à base fraca do nível médio como justificativa de suas

dificuldades.

Nesse sentido, apontam-se alguns aspectos. Em primeiro lugar, e com base

nas exposições desses estudantes da LM, há relativa possibilidade de que a TEF

não esteja suprindo as defasagens decorrentes de um Ensino Médio deficiente, pelo

menos no que se refere ao estudo das Funções. Em segundo lugar, que uma

disciplina de nivelamento com vistas a atender às defasagens em funções não seria

uma saída plausível para o problema do desempenho insatisfatório dos estudantes

em Cálculo 1, pois as dificuldades permaneceram para um número representativo de

estudantes, o que poderia indicar que a defasagem é ainda anterior. E, em terceiro

lugar, não se acredita que medidas pontuais como oferecer uma disciplina de

nivelamento dêem conta da complexidade dos problemas advindos da formação

básica desses estudantes.

Cabe, entretanto, uma pequena discussão dos aspectos mencionados. De

acordo com o Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Matemática da

Instituição em pesquisa, o objetivo da disciplina TEF é aprofundar o estudo de

Funções Reais, suas classificações e a construção de gráficos; resolver problemas

envolvendo funções; e visar à construção do alicerce para a compreensão dos

demais componentes curriculares. Assim, se atingido tal objetivo, a defasagem

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102

advinda da escolarização básica não seria um problema em Cálculo 1 para os mais

de 30% dos estudantes.

Porém, concorda-se que os mesmos motivos que permitem que o objetivo da

TEF não seja atingido para um percentual significativo de estudantes da LM, possam

ser também a razão das insuficiências em Cálculo 1.

E, nesse caso, acredita-se que talvez Função não seja o principal problema.

Talvez a dificuldade não esteja em tal conteúdo. Dessa forma, uma possibilidade

pode ser encontrada a partir de pesquisas a fim de identificar os tópicos da

Matemática básica que se apresentam como barreiras à compreensão de conteúdos

da Matemática superior. Tem-se certo que há obstáculos25 nesse percurso, que

podem não ser apenas em razão da qualidade do Ensino Médio. E não se pode

deixar de mencionar que, em geral, os estudantes que optam por um curso de

Engenharia ou, por exemplo, de Licenciatura em Matemática, Química ou Física, têm

relativa inclinação para a Matemática, e em geral passam por uma seleção cuja

exigência é maior em relação às disciplinas específicas.

Talvez a dificuldade desses estudantes em relação ao Cálculo 1 possa estar

sim na Matemática, mas não em um conteúdo específico ou imediato, como um

elemento em aberto em uma sequência de conteúdos, proposta por vezes como um

caminho pelo qual se espera conduzir o sujeito da aprendizagem para alcançar um

conhecimento matemático novo, maior, “superior”. Pois, todo conhecimento se liga

ao mundo do Isso - do objeto a conhecer, nada se integra à soma de conhecimento

senão for antes um Isso. Porém, não se trata de uma simples coisificação. Segundo

Buber (2009) o conhecer não se restringe à comparação de coisas entre coisas.

Toda resposta amarra o Tu ao mundo do Isso. Tal é a melancolia do homem, tal é também sua grandeza. Pois, assim, surgem no seio dos seres vivos o conhecimento, a obra, a imagem e o modelo. [...] Primeiramente o conhecimento: é na contemplação de um face-a-face, que o ser se revela a quem o quer conhecer. O que o homem viu pode considerá-lo como um objeto, compará-lo com outros objetos, ordenar objetivamente, porque nada pode ser integrado na soma de conhecimento, senão na qualidade de um Isso. Na contemplação, porém, não se tratava de coisa entre coisas, de um processo entre processos, era exclusivamente a presença (BUBER, 2009, p. 66).

25 Obstáculo epistemológicos, obstáculos didáticos, obstáculo sociais.

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Assim sendo, algo mais pode estar dificultando essa “passagem” e

impossibilitando aos estudantes a experiência do encontro com o conhecimento

novo em Cálculo 1, ou seja, de ir além de sua forma atual, de mudar de forma em

decorrência desse conhecimento novo e possível em aulas de Cálculo 1.

A experiência aquilo que “nos passa”, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao nos passar, nos forma e nos transforma. Somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto à sua própria transformação (LARROSA, 2002, p. 25-26).

Nessa direção, Rezende (2003) aponta que grande parte das dificuldades de

aprendizagem no ensino de Cálculo seja essencialmente de natureza

epistemológica, cujas raízes do problema estão além dos métodos e das técnicas,

sendo inclusive anteriores ao próprio espaço-tempo local do ensino de Cálculo. No

âmbito do ensino superior de Matemática, esse autor argumenta que há uma

predominância da abordagem estática sobre a abordagem dinâmica das ideias

básicas do Cálculo, por exemplo, para o conceito de Derivada, prevalecendo o seu

aspecto formal sobre o geométrico. Aponta que ocorre algo parecido com funções,

por meio do desvio epistemológico do conceito de função realizado ao longo da

educação básica de modo tendencioso para o campo algébrico, caracterizando

assim, um dos macro-espaços de dificuldades de aprendizagem de natureza

epistemológica do ensino de Cálculo, o macro-espaço da variabilidade/permanência.

A partir dos relatos dos sujeitos e da classificação apontada no Quadro 4 é

possível também evidenciar outro aspecto presente nessa relação dialógica entre o

sujeito e sua formação básica, e que parece apontar para certa exclusão da co-

responsabilidade dos sujeitos investigados em relação a seu papel na própria

formação.

Nota-se, ao tomar-se como base apenas os estudantes investigado dos

cursos de Engenharias, que aproximadamente 43% desses estudantes expõem que

a falta de base decorrente do Ensino Médio é uma das razões para os problemas

enfrentados na disciplina de Cálculo 1. Quando se referem ao próprio desempenho,

aproximadamente 19% desses estudantes apontam a falta de base em nível médio

como razão para o seu baixo rendimento em Cálculo 1. Em relação às licenciaturas,

quando se posicionam quanto à falta de base de Ensino Médio, encontram-se,

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104

aproximadamente 35% desses estudantes na abordagem 1 e pouco mais de 16% na

abordagem 2.

A partir dos índices mencionados podem ser evidenciados que os dois grupos

de sujeitos, tanto o das licenciaturas, quanto o das engenharias, parecem concordar

em parte com as dificuldades encontradas na disciplina de modo geral e que uma

das razões do baixo desempenho desses estudantes possa ser colocada sobre a

base matemática dada no Ensino Médio. Pode-se apontar também, ainda com base

nesses dados, que mesmo havendo um número significativo de sujeitos que se

posicionam negativamente frente a sua formação básica na abordagem 2, há uma

representação que, embora aponte para essa posição na abordagem 1, não se

posiciona da mesma forma na abordagem 2.

Com base nos dados brutos são verificados que apenas 14 do total de 186

estudantes investigados colocaram, simultaneamente, a defasagem decorrente do

Ensino Médio como uma das razões das dificuldades na disciplina e de seu próprio

desempenho em Cálculo 1. Nesse aspecto, questiona-se se haveria alguma ligação

entre essas posições e o índice de aprovação/reprovação desses sujeitos.

Verifica-se, também, que desses 14 sujeitos que mencionaram a base fraca

do Ensino Médio nas abordagens 1 e 2, simultaneamente; 1 é estudante do curso de

EA, 4 são do curso de EC, 2 do curso de EP, 3 do curso de ER, 2 do curso de LF, 1

do curso de LM e 1 do curso de LQ. Desses 14 sujeitos, 3 cursaram pelo menos 3

vezes a disciplina de Cálculo 1, enquanto 7 cursaram 2 vezes a disciplina até obter a

aprovação, indicando que pelo menos 10 dos 14 estudantes reprovaram a disciplina

de Cálculo 1 pelo menos 1 vez. Intui-se, desta forma, que a reprovação na disciplina

de Cálculo 1 possa estar na base dos relatos em que a defasagem matemática de

nível médio foi apontada pelos estudantes nas duas abordagens.

Quando se busca pelos estudantes que mencionaram a base fraca do nível

médio apenas na abordagem 1, encontra-se um total de 62 estudantes, sendo 37

que não reprovaram em Cálculo 1, 18 que cursaram 2 vezes a disciplina até obter a

aprovação; 4 que reprovaram 2 vezes e foram aprovados na terceira vez; e 3 que

aprovaram na quarta vez que cursaram a disciplina. Nesse aspecto, chama atenção

o número de estudantes que foram aprovados na primeira vez que cursaram a

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disciplina, pois esse número excede o número de reprovados pelo menos uma vez, e

pode dar indício de uma justificativa para o estudante não apontar a falta de base do

nível médio em resposta à abordagem 2, pois esta diz respeito ao seu próprio

desempenho.

Com relação aos estudantes que mencionaram a falta de base de nível médio

apenas na abordagem 2, quando comentam sobre o próprio desempenho em

Cálculo 1, encontra-se 18 estudantes, dos quais 8 foram aprovados na primeira vez

que cursaram a disciplina; 6 foram aprovados na segunda vez; e 4 na terceira vez.

Nota-se que ao contrário do aspecto anterior, o número de alunos reprovados na

disciplina de Cálculo 1 excede ao número de alunos que aprovaram na primeira vez,

o que pode corroborar a explicativa anterior e complementar como razão da inclusão

dessa posição em resposta à abordagem 2, quando os sujeitos comentam sobre o

próprio desempenho em Cálculo 1.

Todavia, chama-se novamente atenção ao fato de os estudantes pouco se

posicionarem em relação ao Ensino Médio como um fator positivo para o estudo de

Cálculo 1. Nota-se ao revisitar os dados que entre os estudantes que mencionaram

não ter encontrado dificuldades na disciplina, um percentual bastante pequeno

relacionou ter uma forte base de Ensino Médio como um aspecto favorável ao

desenvolvimento em aulas de Cálculo 1.

Dessa forma, as dificuldades apontadas pelos investigados parecem

constituídas extrinsecamente, ou seja, fora do campo de responsabilidade desses

sujeitos; enquanto fatores ligados ao seu bom desempenho parecem estar

vinculados a aspectos intrínsecos, representados pela busca e dedicação dos

próprios sujeitos na superação dos obstáculos.

Foi bom, porém devido a algumas dificuldades em operações matemáticas que não tinha conhecimento sofri um pouco, assim estudando em dobro para correr atrás do que eu não tinha conhecimento (EP026/AB2).

Na primeira vez que fiz Cálculo I senti dificuldade por ter tido um Ensino Médio fraco, pois na parte de funções não tive um aproveitamento muito bom. Já na parte de limites e Derivadas acabei por dominar até bem a matéria, mas como não tinha ido bem na primeira parte acabei não passando. Na segunda vez fui atrás de livros para me ajudar a entender a parte de funções, desse jeito consegui passar, mas tive que me esforçar muito (ER005/AB2).

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Deste modo, qual é o papel dos sujeitos na busca dos conhecimentos quando

esses parecem ausentes ou insuficientes para a continuidade de seus estudos em

um curso superior? Nesse sentido, também se questiona onde, como ou quais as

experiências individuais marcaram o movimento de superação desses estudantes.

É preciso, assim, apontar para a urgência da corresponsabilização dos

sujeitos em relação à sua formação básica como suporte para a entrada na

educação superior. Pois, se por ora, a formação básica possa estar comprometida; e

nesse momento não se tem interesse em abalizar motivos ou indicar culpados; é,

contudo urgente resgatá-la, para a continuidade dos processos educativos. Aponta-

se que a forma como o sujeito busca suprir a deficiência nessa formação deve estar

em conformidade às suas necessidades e possibilidades, seja para a participação

em atividades promovidas pela Instituição ou por professores ou a partir de recursos

pessoais de busca para o autoconhecimento.

Nesse sentido, atitudes que levem à superação dos obstáculos que se

colocam aos processos formativos devem ser incentivadas. Dessa forma, concorda-

se com projetos institucionais de nivelamento, além de outros programas e projetos

que possam ser oferecidos aos sujeitos em formação, como modo de colaborar

nessa busca. Acredita-se, contudo, que esse processo é também pessoal e

intrínseco e exige comprometimento e corresponsabilização de todos.

É oferecido aos atores, por assim dizer, escapar ao fardo da liberdade, que inclui a responsabilidade pelas ações praticadas. Dessa maneira, o dever moral mistura-se em meio à tensão com o desejo de autopreservação derivado do pertencimento ao grupo. Essa identidade de grupo (como vimos) pode ser conquistada com consequências desastrosas para aqueles definidos como “os outros”, ou “eles” (BAUMAN; MAY, 2010, p. 109 – grifo do autor).

Discorda-se, de que a falta de base seja a razão para que futuros

profissionais sejam submetidos a uma formação simplificada, reduzida em sua

abrangência e que não gere a necessária transformação dos sujeitos. Discorda-se

ainda, de que os sujeitos sejam submetidos a uma formação que não produza um

profissional qualificado e competitivo para os desafios da contemporaneidade.

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O sujeito da experiência tem algo desse ser fascinante que se expõe atravessando um espaço indeterminado e perigoso, pondo-se nele à prova e buscando nele sua oportunidade, sua ocasião (LARROSA, 2011, p. 25).

Assim como, não se pode aceitar que ao final de anos em processo de

formação, tantos sujeitos revelem tamanha insegurança e insuficiência em relação a

um conteúdo que se coloca como de imensa relevância à formação desses futuros

profissionais.

4.2.2 Unidade 2: O estudante e o professor de Cálculo 1

Na unidade 2, classificam-se aspectos relativos à relação dialógica entre o

estudante e o professor de Cálculo 126. Acredita-se que a forma como o estudante

vê refletida a figura desse professor se expõe a partir dos relatos dos sujeitos

investigados em modos distintos, porém recidivas para determinados grupos de

sujeitos.

Percebe-se, em alguns relatos, que os sujeitos apontam que o professor de

Cálculo 1: “não tem boa didática; não é experiente (aqui no sentido de prática); não

tem sensibilidade”; entre outros elementos relativos ao trabalho docente. Nesse

sentido, é uma relação dialógica tensa, conflituosa e, por vezes, hostil, por meio da

qual responsabilizam o professor pela não ocorrência do resgate da base

matemática necessária para a aprovação na disciplina de Cálculo 1 e preparação

para a sequência dos estudos nos outros Cálculos.

Por outro lado, alguns estudantes confirmam em seus relatos que aspectos

determinantes para o bom desenvolvimento em Cálculo 1 se relacionem diretamente

com: “A ótima didática do professor; O professor experiente; O professor sensível.”

Nessa classificação, destacam que o professor, suas exigências e abordagens

metodológicas são tidas como responsáveis também pelo desempenho satisfatório

do estudante nessa disciplina.

26 Na Instituição em que se deu essa investigação, os professores são em sua maioria mestres ou doutores em Matemática ou Educação Matemática, havendo professores com experiência anterior na Educação Básica; professores com experiência no ensino de Cálculo de mais de 10 anos; e professores que trilharam exclusivamente o caminho acadêmico até seu ingresso na universidade e relativamente novos na Instituição, sendo este último em maior número.

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4.2.2.1 Considerações sobre a unidade 2

Os sujeitos investigados colocam no professor da disciplina de Cálculo 1 dois

aspectos distintos acerca da passagem por essa disciplina.

O primeiro aspecto evidenciado nos relatos se apresenta muitas vezes em

tom de desabafo, colocando o professor na posição de um “algoz”, e cujas

exigências e atitudes são qualificadas como desumanas, ou responsáveis pelas

reprovações e abandonos na disciplina de Cálculo 1; devido sobretudo, ao que

consideram “falta” de didática e metodologia. Dessa forma, esses sujeitos depositam

no professor a responsabilidade pela disciplina ser de difícil compreensão e

aprendizagem.

No segundo aspecto, mencionam que justamente porque tiveram um bom

professor de Cálculo 1, com ótima metodologia e didática, é que conseguem

entender a disciplina com coerência e perceber a relação entre os conteúdos, assim

como, sua aplicabilidade. Em alguns relatos, essa posição é tomada pelo mesmo

sujeito investigado, quando se refere a dois momentos – espaço/tempo - distintos em

Cálculo 1. Importante mencionar também que estudantes distintos mostraram essa

postura, que aparentemente se contradiz, ao se referirem a um mesmo professor.

Contudo, merece destaque que em algumas respostas, a classificação “bom

professor” foi paralela à constatação de “aprovação” na disciplina. Sendo o contrário

também mencionado, ou seja, “professor ruim” paralelo à informação “reprovado na

disciplina”.

Cursei com três professores diferentes e o terceiro foi o melhor, os outros foram os piores (LM001/AB1).

Conforme exposto no Quadro 5, a seguir, as porcentagens apontam que

21,51% dos investigados, em resposta à abordagem 1, consideraram que os

professores, devido a didática e ou metodologia ruins, são os responsáveis pelas

dificuldades geralmente encontradas ao cursar Cálculo 1.

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Quadro 5 – Distribuição do número de alunos por curso e contribuição do professor de Cálculo 1 para a disciplina de Cálculo 1 por abordagem27.

Nº SUJEITOS POR CURSO

ABORDAGEM 1 ABORDAGEM 2

Negativa % Positiva % Negativa % Positiva %

EA 13 1 7,69 0 0,00 4 30,77 4 30,77

EC 13 3 23,08 2 15,38 3 23,08 5 38,46

EP 41 10 24,39 4 9,76 7 17,07 6 14,63

EQ 50 10 20,00 2 4,00 10 20,00 11 22,00

ER 13 5 38,46 0 0,00 4 30,77 4 30,77

LF 10 1 10,00 1 10,00 0 0,00 2 20,00

LM 39 8 20,51 4 10,26 10 25,64 9 23,08

LQ 7 2 28,57 1 14,29 1 14,29 2 28,57

TOTAL 186 40 21,51 14 7,53 39 20,97 43 23,12

Por outro lado, 7,53% dos estudantes encontraram em seus professores de

Cálculo 1 o suporte para cursar a disciplina com relativo sucesso. Em resposta à

abordagem 2; 20,97% se manifestaram negativamente, enquanto 23,12% apontaram

que o professor foi uma parte importante de seu bom desempenho na disciplina. A

alusão à figura do professor aparece tanto na abordagem 1, quando os estudantes

foram solicitados a comentar sobre a disciplina de Cálculo 1, quanto na abordagem

2, quando solicitados a comentar sobre o seu desempenho nesta disciplina. Em

nenhum momento, contudo, os investigados foram solicitados a comentar sobre seus

professores de Cálculo 1.

Como mencionado, cabe destacar que em vários relatos, a referência ao bom

professor apareceu relacionada à aprovação do estudante na disciplina, assim como,

a proposição em contrário, vinculada à reprovação. No entanto, foi possível observar

também relatos em que o estudante se coloca satisfeito com os métodos e didática

do professor, mesmo não tendo um bom desempenho ou tendo sido reprovado na

disciplina.

Desisti 2 vezes, pois não pratiquei o conteúdo e não aprendi o conteúdo proposto pelo professor, ficando desmotivado: Quando peguei um professor com uma didática diferenciada aprendi o conteúdo e passei (EC005/AB1).

27 Ressalta-se que o somatório dos sujeitos computados nas abordagens 1 e 2 diferem do total de sujeitos

investigados, pois alguns estudantes não se enquadraram para as opções “negativa” e “positiva” e outros foram computados em ambas as possibilidades em função de seus relatos.

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O fato de ter reprovado tem a ver com a forma de ensino que tive, talvez culpa do professor por não estar atuando, na época, em sua área de graduação. No caso em que fui aprovado consegui acompanhar a matéria com auxílio do professor que tinha bastante experiência na área (ER006/AB2).

Na primeira vez que cursei a disciplina não obtive nenhum aproveitamento, pois não consegui entender praticamente nada em relação ao conteúdo, acredito que parte do motivo de não entender nada, tenha vindo do professor, pois na segunda vez que cursei a disciplina com outros professores tive um ótimo aproveitamento e passei com notas excelentes (LM025/AB2).

Destaca-se também os aspectos mencionados pelos estudantes de

Engenharia de Energia Renováveis (ER), no Quadro 5, em que mais de 38%

apontaram, na abordagem 1, o professor como um fator a contribuir para as

dificuldades em Cálculo 1, entretanto, nenhum estudante manifestou o contrário

nesta abordagem. Importante mencionar que tais sujeitos ingressaram no curso de

ER em anos distintos, portanto, cursaram essa disciplina em anos diferentes, sendo

grande a chance de que não estejam se referindo a um mesmo professor; em razão

da mobilidade regularmente encontrada nessa universidade quanto à permanência

do professor na mesma disciplina.

Busca-se assim uma caracterização mais explícita desses dados. O

percentual de 38% se refere a 5 estudantes da ER, e a partir de seus relatos,

destacam-se os pontos principais de suas respostas `a abordagem 1, e

acrescentam-se informações sobre o perfil desses sujeitos e suas respostas à

abordagem 2.

Para o sujeito (ER010), os professores precisariam dar atenção especial aos

estudantes, ter paciência e apresentar uma explicação precisa e clara dos

conteúdos. O estudante em questão cursou 4 vezes a disciplina de Cálculo 1, tendo

ingressado no curso em 2009. Na abordagem 2 manifesta que cursou 4 disciplinas

de Cálculo 1 diferentes, e destaca o papel de cada um dos professores nessa longa

passagem.

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A primeira vez que fiz no primeiro semestre de 2009, o professor mal ensinava e tocava o conteúdo como se nós alunos já dominássemos a matéria [...] No segundo semestre de 2009 (2ª vez), outra vez a professora considerou o aluno gênio. Utilizando aulas expositivas e sem clareza nas suas explicações, apenas 3 alunos passaram numa turma de 50. Minha terceira vez, já lembrava e havia aprendido alguns conceitos das experiências passadas, porém, talvez pelo fato de estar desmotivado por tanta reprovação acabei reprovando novamente, mas com um excelente professor. Quando finalmente aprovei na disciplina estudando e mais focado e claro com um professor consciente, consegui aprovar (ER010/AB2).

Segundo ER011, o professor de Cálculo 1 era engenheiro e devido às “falhas”

do início, tem dificuldade agora em Cálculo 3. Esse estudante cursou a disciplina

uma vez em 2009, ano de seu ingresso. Na abordagem 2 parece valorizar o nível de

cobrança do professor, mas não os métodos.

O meu desempenho em Cálculo 1 foi bom, devido ao nível de cobrança, pois tínhamos até matéria de Cálculo 2, passei com nota 6,8. Acredito que poderia ter sido melhor aproveitada se fosse melhor dada (ER011/AB2).

Para ER009, o professor mais “tranquilo de passar” não é o que “ensina

melhor”, pois deixa o aluno passar despreparado. “Professor difícil” cobra o conteúdo

completo, mas às vezes não tem dinâmica para dar aulas. Esse estudante cursou

Cálculo 1 uma vez, em 2012, e menciona na abordagem 2 que teve um bom

professor que cobrou o conteúdo integralmente, revisava conteúdos importantes e

dava exercícios.

Em cálculo 1, peguei uma professora boa que nos cobrava conteúdo de forma integral. Inicialmente foi passado o que deveríamos saber e um resumo do mais importante para conhecermos o cálculo 1. Tive de estudar, fazer os exercícios (ER009/AB2).

O professor de Cálculo 1, para ER008, tem que ensinar muito conteúdo em

pouco tempo, dando a matéria de um modo “bruto” (grifo do sujeito). Esse estudante

ingressou em 2010, e foi aprovado na terceira vez que cursou Cálculo 1, quando,

enfim, segundo menciona em seu relato, conseguiu entender melhor o que o

professor explicava.

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Meu desempenho na disciplina de Cálculo I foi muito bom, apesar de ter concluído na terceira tentativa, tive um aproveitamento muito bom. Nas duas primeiras tentativas minha principal dificuldade foi de assimilar o conteúdo, além do fato de não estar ainda adaptado ao "ritmo" da faculdade. Já na terceira tentativa o conteúdo estava assimilado, e assim pude compreender melhor o que o professor explicava (ER008/AB2).

De acordo com ER007 as dificuldades impostas pelo professor criam uma

barreira entre ele e os alunos. Esse estudante ingressou em 2010 e cursou uma vez

Cálculo 1. Na abordagem 2 manifesta o grande número de repetentes matriculados

em sua turma e o pouco tempo disponibilizado à cadeira.

Eu fui relativamente bem, a minha turma era composta basicamente de repetentes, as exceções era eu e dois alunos. Devido ao semestre ter sido reduzido, ou pouco tempo disponibilizado para a cadeira, achei que o final da disciplina não foi tão proveitoso (ER007/AB2).

É possível notar, a partir dos relatos destacados, que os sujeitos ao

encontrarem algo de negativo em sua passagem pelo Cálculo 1 demonstram,

explícita ou implicitamente, que tal fato está ligado ao professor que ministrava a

disciplina. Mesmo aprovado na primeira vez que a cursou, ER007 demonstrou que

não estava satisfeito em relação à forma como essa tinha sido trabalhada. Isso pode

significar que talvez esse sujeito esperasse ter um melhor desempenho. Nesse

sentido, observa-se uma responsabilização colocada exclusivamente no professor,

e, por conseguinte a retirada da responsabilidade do estudante nessa passagem.

Falta corresponsabilização aos sujeitos?

Enquanto sujeitos deixam de assumir a sua parcela de encargos perante a

disciplina de Cálculo 1, podem estar sobrecarregando outros grupos de sujeitos, que

dessa forma, pelo excesso, também ficam limitados no desenvolvimento de suas

ações. Nesse sentido, Bauman e May (2010) contribuem ao mencionar do que pode

depender a escolha de ação de uma pessoa livre para assumir responsabilidades.

Assim, enquanto todas as pessoas são livres e não podem ser outra coisa senão livres – elas são obrigadas a assumir responsabilidade por tudo que fizerem –, algumas são mais livres que outras, porque seus horizontes e escolhas de ação são mais amplos, e elas, por outro lado, podem depender da restrição dos horizontes de outros (BAUMAM; MAY, 2010, p. 48).

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Outro fator que pode ser considerado a partir dos relatos dos sujeitos

investigados diz respeito às listas de exercícios propostas pelos professores. Um

número significativo de estudantes relacionou o bom professor com a proposição de

listas de exercícios, uso de apostilas e resolução de exercícios em aula, podendo

indicar que tais práticas dos professores sejam, de certa forma, validadas por grande

número estudantes de Cálculo 1. O fato de o professor não dar listas de exercícios

foi apontado, em alguns relatos, como indicador de uma “didática ruim”. Contudo, se

o professor ofereceu listas extensas ou não fez a correção de todas as questões,

segundo os sujeitos investigados, esse procedimento também foi negativo e

dificultador da aprendizagem desse estudante em Cálculo 1. Desse modo, evidencia-

se indícios de algumas marcas do trabalho educativo nos estudantes.

No começo encontrei algumas dificuldades o que é normal, mas percebi que consegui aprender com as práticas dos exercícios. Pois o professor nos dava lista para fazer. E resolvendo as listas propostas eu consegui aprender (LM010/AB2).

[...] 4ª vez - aprovada; e com facilidade, o método da professora era por apostilas; explicava os conceitos e fazíamos exercícios na aula (EQ024/AB2).

Na primeira vez que fiz cálculo 1 reprovei. Eram feitos poucos exercícios em aula e o professor, que era um engenheiro por formação, parecia mais interessado no resultado final da questão do que no seu desenvolvimento. O fato parece importante, visto que, quando fiz cálculo 1 pela segunda vez, com um professor formado na área da matemática, eram feitos vários exercícios em sala de aula com formação de grupos de estudo. O professor utilizava uma apostila com vários exemplos e exercícios, o que ajudava nos estudos (EA013/AB1).

Em alguns relatos essa didática “melhor” também aparece corroborada pela

proposição de listas, uso de apostilas e resolução de exercícios. Dessa forma,

questiona-se: O que é a Didática no contexto da aula de Cálculo 1?

Marcas do trabalho educativo parecem sinalizar para a presença de uma

Didática do Cálculo 1, inserida na relação com a qualidade da exposição do

professor de Cálculo 1; no foco nos conteúdos dessa disciplina; no fazer muitos

exercícios ou a deixar que os estudantes os façam em aula; além dos procedimentos

de passar listas de exercícios; corrigir essas listas e produzir apostilas de Cálculo 1.

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Candau (1984) aponta que não se pode reduzir a didática28 ao aparato da

técnica. Parece ainda haver uma falta de clareza entre os sentidos de metodologia e

de didática, que ao serem confundidos pelos sujeitos investigados, dão a entender

que o processo de construção do conhecimento em aulas de Cálculo 1 seja um mero

campo de técnicas.

Em relação às licenciaturas que totalizaram 56 estudantes nos três cursos

investigados, e em resposta à abordagem 1, 11 desses 56 estudantes, ou seja cerca

de 20%, apresentaram uma postura de desaprovação da didática do professor de

Cálculo 1, por outro lado, 6 desses estudantes, ou seja, pouco mais de 10% se

posicionaram favoravelmente nessa direção. Ainda em relação às licenciaturas, os

dados apontam também que 11 sujeitos investigados desabilitam a didática do

professor, na abordagem 2, enquanto 12 estudantes se posicionam de forma

favorável em relação à didática do professor nessa abordagem..

Ainda nessa consideração, nota-se uma elevação no número de relatos em

favor do professor na abordagem 2 e, procura-se clarear essa constatação. Os

dados demonstram que 14 estudantes das licenciaturas mencionam positivamente o

trabalho do professor. Sendo apresentado como fator positivo: as listas de exercícios

(4); a boa explicação do conteúdo (3); a disponibilidade do professor (2); o bom ou

ótimo professor (1); saber o conteúdo (1); a ênfase em determinado conteúdo (1); a

didática do professor (1); e o bom professor devido ao ótimo aproveitamento do

estudante na disciplina (1).

Evidencia-se, nessa dialogicidade, as dimensões em que os estudantes

classificam o “bom” professor de Cálculo 1. Todos os aspectos giram em torno de

uma relação dialógica, contudo, que não parece exprimir reciprocidade. Pois, o modo

como o sujeito classifica o “bom professor” pode não estar em consonância com o

entendimento que esse professor tem do que seja “bom professor”.

28 A didática não poderá continuar sendo um apêndice de orientações mecânicas e tecnológicas. Deverá ser, sim, um modo crítico de desenvolver uma prática educativa, forjadora de um projeto histórico, que não se fará tão-somente pelo educador, mas pelo educador, conjuntamente, com o educando e outros membros dos diversos setores da sociedade (CANDAU, 1984, p. 30).

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Pergunta-se: O que se passa na relação entre os homens? Realiza-se sempre numa reciprocidade total? Pode ou deve ela sempre realizar-se assim? Não depende ela, como aliás, tudo o que é humano, das limitações de nossa deficiência e não está submissa às restrições das leis internas de nossa existência com o outro? (BUBER, 2009, p. 121).

Para Buber (2009) há diversos modos EU-TU, que por sua natureza não se

realizam na plena mutualidade, e que conservam suas características próprias.

Interessante quando um dos sujeitos reflete explicitamente “o bom professor”

em decorrência de ter tido ótimo desempenho na disciplina, ou adjetiva o sentido de

didática, dando essa qualidade ao professor que considera bom. Nesse sentido,

também se destaca a mesma qualidade para o professor que dá listas de exercícios.

[...] Com a nova professora, conforme o conteúdo era dado, comecei a ligar os pontos e compreender a disciplina, e percebi que o problema estava na explicação do professor anterior, por que as coisas que eu não sabia até então, eram simples. Com esta nova professora pude abrir a mente e entender Cálculo I (EA009/AB2).

A partir dos relatos, corroboram-se as expectativas de que o professor, que

para um determinado aluno é considerado ótimo, para outro, não necessariamente o

será. Portanto, uma busca por mecanismos que padronizem as ações dos

professores poderia não implicar uma inovação nos processos de ensino de Cálculo

1, ou melhores resultados nessa disciplina.

Nessa perspectiva, até que ponto uma inovação é válida, se formas

tradicionais de abordagens de conteúdo, como propor e recorrer à resolução de

listas de exercícios parece “qualificar um bom professor”? Nessa direção, Reis

(2001) questiona a impressão que os estudantes têm de terem aprendido o conteúdo

ao conseguirem resolver os exercícios, impressão essa que para esse autor, parece

compartilhada por muitos professores e autores de livros de Cálculo. No entanto,

outros olhares são possíveis, assim como se considera válida toda proposta de

inovação e tão pouco se desvaloriza as formas tradicionais de abordagens de

conteúdo.

Desse modo, diante da complexa rede de subjetividades que compreende a

relação dialógica em aulas de Cálculo 1, encontra-se uma relação de reciprocidade,

de compartilhamentos, e que não acolhe apenas um encontro impessoal e

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desprovido de afetividade. Nesse sentido, Buber (2009) expõe sobre as

subjetividades na relação educativa.

Para auxiliara realização das melhores possibilidades existenciais do aluno, o professor deve apreendê-lo como esta pessoa bem determinada em sua potencialidade e atualidade, mais explicitamente, ele não deve ver nele uma simples soma de qualidades, tendências e obstáculos, ele deve compreendê-lo como uma totalidade e afirmá-lo nesta sua totalidade. Isto só se lhe torna possível, no entanto, na medida em que ele o encontra, cada vez, como seu parceiro em uma situação bipolar. E, para que sua influência sobre ele tenha unidade e sentido, ele deve experienciar esta situação, a cada manifestação e em todos os seus momentos, não só de seu lado, mas também do lado de seu parceiro; ele deve exercitar o tipo de realização que eu chamo envolvimento. Entretanto, se acontecer com isso, de ele despertar também no discípulo a relação Eu-Tu, de tal modo que este o apreenda e o confirme igualmente como esta pessoa determinada, a relação específica educativa poderia não ter consistência se o discípulo, de sua parte, experimentasse o envolvimento, isto é, se ele experiências se na situação comum, a parte própria do educador (BUBER, 2009, p. 121-122).

Assim, colocam-se as considerações subjacentes à experiência de cada um

dos sujeitos na passagem pela disciplina de Cálculo 1, como sujeitos e lugar da

experiência na relação dialógica que se estabelece nesse espaço de convivência e

conflito de identidades.

4.2.3 Unidade 3: O estudante e a Instituição

Na proposição pensada para esta unidade, a relação dialógica e subjetivante

que se manifesta ao longo da passagem dos sujeitos pela disciplina de Cálculo 1

inclui a Instituição. No entanto, o que a Instituição tem a ver com o desenvolvimento

e/ou desempenho dos estudantes na disciplina de Cálculo 1?

Admite-se que a relação dialógica desejada entre a Instituição e o estudante é

a de garantia ao acesso às informações e às estruturas necessárias para a

permanência e passagem com sucesso desses estudantes pelas cadeiras ofertadas

nos diversos cursos em que se matriculam. Nessa direção, admite-se também, que

as formas de organização e implantação do currículo são rudimentos dessa relação

dialógica. Dados coletados nesta pesquisa deixam transparecer que elementos

relativos à estrutura curricular da disciplina de Cálculo 1 são mencionados ora como

facilitadores da aprendizagem na disciplina, ora como dificultadores desse processo.

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Dessa forma, tal unidade foi conduzida pela recorrência nos relatos dos

estudantes investigados que exemplificaram aspectos dificultadores do

desenvolvimento dos investigados, tais como: “a falta de informação para o calouro;

a dificuldade de adaptação ao ritmo da universidade; o fato de a universidade ser

diferente do Ensino Médio; o excesso de conteúdos na cadeira de Cálculo 1; a falta

de um curso de Pré-Cálculo”. Desse modo, permitindo-se ao propor esta unidade,

pensar na relevância da Instituição para o ingresso e permanência desses na

universidade e, sobretudo, no acompanhamento ao longo dos semestres iniciais

como aluno de um curso superior, etapa essa em que é ministrada a disciplina de

Cálculo 1. Em alguns relatos, esse canal de comunicação pareceu inexistente ou

corrompido.

Entretanto, há que se levar em conta também, os aspectos nesses relatos que

se mostraram como positivos em torno dessa relação, tais como: “a informação dada

aos calouros; a qualidade da estrutura para estudos; os elementos facilitadores da

adaptação dos ingressantes”. Tais mecanismos são reconhecidos pelos investigados

e dão indícios da forma como esses compreendem a disposição da Instituição para

atender aos ingressantes, bem como para dar o acompanhamento necessário

durante esse processo. Entende-se que os aspectos positivos apontados podem

colaborar para tornar mais familiar o ambiente novo, e nesse sentido, contribuir para

o desenvolvimento do estudante na disciplina de Cálculo 1.

Considera-se também, que essa relação dialógica inclui as decisões da

Instituição quando busca: “informar a fim de evitar a perda de prazos dos estudantes;

aperfeiçoar os processos de matrículas; orientar a respeito do acesso a documentos;

orientar para a participação em projetos; orientar para o acesso a materiais para

estudos, entre outros”.

4.2.3.1 Considerações sobre a unidade 3

Leva-se em conta, para as considerações relativas à unidade 3, as falas dos

sujeitos que indicaram a Instituição como um elemento a interferir negativa ou

positivamente na passagem dos estudantes pela disciplina de Cálculo 1. Dessa

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forma, novamente se encontra aspectos que ora colocam as contribuições da

Instituição como adversas ao desenvolvimento e desempenho dos estudantes na

disciplina, e ora como um elemento que, ao contrário, contribui para que os sujeitos

não encontrem ou superem as dificuldades.

Destaca-se que a referência à Instituição foi de relativa significância em

comparação aos outros aspectos apontados, devido ao fato de pouco ter sido citada

e em vista dos relatos em que apareceu implicitamente; mas houve uma recorrência

e, portanto, os dados foram colocados em análise.

Conforme apresenta o Quadro 6, o que permitiu pensar a Instituição como

elemento a contribuir negativamente junto a disciplina de Cálculo 1 foi apontado nos

relatos de 14,52% dos investigados, que deram indícios dessa correlação de forma

explícita, ou implicitamente. Por vezes o estudante se refere ao choque de realidade

ao ingressar, ou seja, expõe que encontrou uma realidade diferente ao deparar-se

com a matemática universitária e foi incomodado por essa situação.

Na abordagem 1, um estudante do curso de Licenciatura em Física deixa

transparecer sua impressão quanto a iniciativa da Instituição em oferecer uma

revisão que considera necessária para reforçar a base matemática. Lembra-se,

nesse sentido, que os conteúdos programáticos da disciplina de Cálculo 1, comuns a

todos os cursos que ofertam essa disciplina, constituem uma iniciativa institucional,

obviamente que corroborada pela comunidade docente.

A disciplina mostra primeiramente uma revisão sobre funções, gráficos de funções para então começar as Derivadas. Muitas vezes a falta de base do aluno em funções o prejudica [...] Alguns cursos disponibilizam a cadeira de pré-cálculo o que ajuda muito antes de começar cálculo 1, pois reforça a base sobre funções (LF010/AB1).

Em continuidade, na analise dos dados relativos à abordagem 2, verifica-se

que 12,37% dos investigados colocam na universidade um dos motivos de seu

desempenho insatisfatório na disciplina de Cálculo 1, enquanto nenhum manifesta a

relação com a universidade como algo positivo para seu próprio desempenho.

Conforme Bauman e May (2010), as próprias ações são pensadas tendo como

modelo as ações dos outros, e para isso, sacam-se sempre de ferramentas

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explicativas, ou justificadoras. Desse modo, tornam-se perfeitamente comparáveis

aos sujeitos, as ações da Instituição e os resultados de suas próprias ações.

Em geral agimos para alcançar um estado de coisas, seja visando possuir um objeto, receber elogios, impedir que aconteça algo que não nos agrada ou ajudar um amigo. Naturalmente, o modo como pensamos nossas ações é o modelo pelo qual damos sentido às ações dos outros. Nessa medida, a única maneira que temos para conferir sentido ao mundo humano à nossa volta é sacar nossas ferramentas explicativas estritamente no interior de nossos próprios mundos da vida (BAUMAM; MAY, 2010, p. 21).

Na sequência, apresenta-se o Quadro 6 cuja classificação é uma tentativa de

organizar os relatos que indicaram a Instituição como um elemento a interferir

negativa ou positivamente nos resultados dos sujeitos na disciplina de Cálculo 1.

Quadro 6 - Distribuição do número de alunos por curso e contribuição da Instituição para a disciplina

de Cálculo 1 por abordagem29.

Nº SUJEITOS POR CURSO

ABORDAGEM 1 ABORDAGEM 2

Negativa % Positiva % Negativa % Positiva %

EA 13 1 7,69 0 0,00 2 15,38 0 0,00

EC 13 3 23,08 0 0,00 1 7,69 0 0,00

EP 41 7 17,07 0 0,00 3 7,32 0 0,00

EQ 50 2 4,00 0 0,00 4 8,00 0 0,00

ER 13 3 23,08 0 0,00 4 30,77 0 0,00

LF 10 3 30,00 1 10,00 2 20,00 0 0,00

LM 39 5 12,82 0 0,00 5 12,82 0 0,00

LQ 7 3 42,86 0 0,00 2 28,57 0 0,00

TOTAL 186 27 14,52 1 0,54 27 12,37 0 0,00

Seriam os aspectos positivos inexistentes para a Instituição? A Instituição

contribui apenas negativamente para a formação dos sujeitos? Cabe lembrar que as

abordagens colocadas aos sujeitos pediam que comentassem sobre a disciplina de

Cálculo 1 e sobre seu desempenho em Cálculo 1, portanto, não foi solicitado que se

remetessem à Instituição. Ademais, mais de 75% dos investigados não se

manifestaram em relação à Instituição. Dessa forma, não se tem elementos para

responder a tais questionamentos, além de que a Sociologia contribui para o

entendimento da forma como se percebem as ações dos outros.

29 Ressalta-se que o somatório dos sujeitos computados nas abordagens 1 e 2 diferem do total de sujeitos

investigados, pois alguns estudantes não se enquadraram para as opções “negativa” e “positiva” e outros foram computados em ambas as possibilidades em função de seus relatos.

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Tendemos a perceber tudo que acontece no mundo em geral como resultado da ação intencional de alguém, que procuramos até encontrar, acreditando, então que nossas investigações tiveram êxito. Assumimos que a boa vontade está por trás dos eventos para os quais somos favoravelmente predispostos e que há más intenções por trás daqueles que nos desagradam. Em geral, as pessoas têm dificuldade em aceitar que uma situação não seja efeito de ações intencionais de alguém identificável (BAUMAN; MAY, 2010, p. 22).

Outro aspecto apontado pelos estudantes e considerado nesta classificação

diz respeito à organização da estrutura curricular dos cursos, como exemplo, o fato

de o Cálculo 1 ser disciplina de 1º semestre em sete dos oito cursos citados na

presente pesquisa, excluindo-se destes, apenas o curso de Licenciatura em

Matemática. E, nesse sentido, cabe destacar a referência ao grande volume de

conteúdos cobrados na disciplina.

É a disciplina que estuda funções, limites e Derivadas. [...] No caso das engenharias é apresentada no primeiro semestre ao aluno, causando às vezes um impacto e fazendo com que algumas pessoas até desistam do curso (EA004/AB1).

Os investigados imprimem também responsabilidade à Instituição quando

sinalizam para a falta ou troca de professores durante o mesmo semestre. Sabe-se

que é uma prática institucional recorrer à divisão da disciplina por mais de um

professor. Acredita-se, nesse sentido, que a divisão de uma disciplina por mais de

um professor possa até trazer benefícios quanto às diferentes possibilidades de

abordagens pedagógicas. Contudo, para alguns dos sujeitos pesquisados esse

procedimento é apresentado de forma negativa. Assim, não há como desviar-se de

outras ocorrências também justificáveis pela Instituição, como o afastamento de um

professor para tratar assuntos particulares ou de interesse institucional. Destaca-se

ainda, o fato isolado da greve dos professores federais ocorrida em 2012, que

também foi mencionado.

[...] Porém, durante a disciplina teve alguns contratempos, como a greve que interrompeu a disciplina no meio do semestre e a troca de professores durante o curso, mudando bastante o conceito de aula (LM007/AB1).

Meu desempenho foi bom, também meu cálculo não foi muito completo, pois sofremos com trocas de professores ao longo do semestre. Tive dificuldade com limites, porém Derivada e seus conceitos foi fácil (EC012/AB2).

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Desse modo, até que ponto os estudantes estão informados acerca de ações

que são institucionais, mas que implicam consequências diretas no desenvolvimento

das aulas? Quando estudantes questionam a troca de professores, têm clareza dos

motivos institucionais envolvidos? Acredita-se que a transparência e clareza das

informações possam colaborar para a melhor continuidade dos processos de

formação. Pensar sociologicamente é dar sentido à condição humana por meio de

uma análise das numerosas teias de interdependência, que segundo Bauman e May

(2010) são as árduas realidades a que se referem para explicar os motivos e os

efeitos de suas ativações.

Em relação aos conteúdos programáticos, na Instituição em pesquisa, para as

disciplinas comuns – Álgebra Linear, Cálculos I, II e III, Cálculo Numérico, Equações

Diferenciais, Geometria Analítica e Probabilidade e Estatística, há um plano oficial

com a descrição dos conteúdos a ser cumpridos pelos professores que ministram

essas disciplinas.

Quanto a esse fato, os estudantes em seus relatos utilizaram expressões que

sinalizam para a dificuldade em vencer o conteúdo, deixando claro que o tempo de

um semestre em aulas e o excesso de conteúdos pudessem ser motivos de

dificuldade na disciplina.

Fui bem em cálculo 1, tive mais dificuldades em limites, mas hoje sinto falta de ter tido mais tempo em aulas. Para quem tem dificuldades na área de exatas um semestre para cálculo 1 é pouco tempo (LF004/AB2).

[...] Sem essas "bases" o tempo disponível para vencer o conteúdo, tempo esse que já é reduzido, torna-se insuficiente para o aprendizado satisfatório do conteúdo (EC006/AB1).

O Quadro 7 apresenta a descrição dos conteúdos programáticos definidos

pela Instituição para a disciplina de Cálculo 1.

A disciplina de Cálculo 1 ministrada na Instituição em pesquisa possui uma

carga horária de sessenta horas semestrais, alocadas em quatro créditos semanais.

Pode-se aceitar que grande parte da carga horária da disciplina seja utilizada para o

trabalho com funções, ou seja, indicando que ocorra uma retomada de conteúdos

relativos ao Ensino Médio, para depois adentrar a introdução ao Limite, restando

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algo em torno de 1/3 do tempo semestral para a abordagem da Derivada. Assim

sendo, se o trabalho com funções pudesse ser abreviado, talvez contribuísse para

uma maior disponibilização para o estudo do Limite e da Derivada, melhorando o

fator tempo para vencer o conteúdo. Contudo, como abreviar o trabalho com

funções, sendo o objeto do Cálculo 1 justamente o estudo de funções,

principalmente quando se tem evidências das defasagens dos sujeitos ingressantes

em relação a esse conteúdo?

Quadro 7 – Descrição dos Conteúdos Programáticos para a disciplina de Cálculo 1, comum a todos os cursos pesquisados.

1. CONJUNTOS NUMÉRICOS 1.1. Conjuntos. 1.2. Conjuntos numéricos. 1.3. O conjunto dos números reais. 1.4. Intervalos e desigualdades. 2. FUNÇÕES 2.1. Definição, domínio, imagem e gráfico. 2.2. Funções injetora, sobrejetora, bijetora e inversa. 2.3. Função crescente e decrescente. 2.4. Função par e ímpar. 2.5. Função afim ou de primeiro grau. 2.6. Função quadrática ou de segundo grau. 2.7. Função exponencial. 2.8. Função logarítmica. 2.9. Funções trigonométricas. 2.10. Funções trigonométricas inversas. 3. LIMITE E CONTINUIDADE 3.1. Definição e propriedade de limite. 3.2. Limites laterais. 3.3. Limites fundamentais. 3.4. Limites infinito. 3.5. Assíntota vertical e horizontal. 3.6. Limites no infinito. 3.7. Continuidade de funções reais. 3.8. Teorema do Valor Intermediário. 4. DERIVADA 4.1. Definição de Derivada e reta tangente. 4.2. Derivada de funções elementares. 4.3. Regra do produto e quociente. 4.4. Regra da Cadeia. 4.5. Derivada de funções implícitas. 4.6. Derivada da função inversa. 4.7. Derivadas de ordem superior. 4.8. Taxas de variação. 4.9. Diferencial e aplicações. 4.10. Teorema de Rolle e do valor médio. 4.11. Crescimento e decrescimento de uma função.

4.12. Concavidade e pontos de inflexão. 4.13. Traçando o esboço do gráfico de uma função através de Derivadas. 4.14. Problemas de maximização e minimização. 4.15. Formas indeterminadas - Regras de L'Hospital.

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Admite-se também, que o tempo gasto por um professor para ministrar um

determinado conteúdo varie consideravelmente, levando-se em conta aspectos

como o perfil desse professor; dos vários alunos do curso; do próprio curso e até

mesmo da Instituição.

Outra consideração que remete à Instituição tem relação com a oferta de um

curso de “Pré-Cálculo”. Vários estudantes consideraram apontaram esse curso como

suporte para o estudo de Cálculo 1. Contudo, verifica-se que já ocorreu, e ainda

ocorre na Instituição em pesquisa, de ser oferecido o curso de nivelamento, atitude

que tem seu valor, uma vez que alguns estudantes mencionaram que, após

frequentar esse curso, houve uma redução de sua dificuldade na disciplina.

No entanto, verifica-se também que a procura e permanência do estudante

em cursos desse tipo, como é o caso de um Curso de Nivelamento ou de Pré-

Cálculo, é bastante restrita, pois há obstáculos organizacionais que às vezes

impossibilitam a participação de muitos estudantes, como o choque de horários com

outras disciplinas obrigatórias, além dos obstáculos pessoais.

Também nessa direção, está a capacidade de comunicação entre a Instituição

e os estudantes. Embora a Instituição mantenha um canal de notícias via internet, há

evidências de sujeitos que, por falta ou dificuldade de acesso, não encontram

informação a respeito de horário e funcionamento desses cursos.

Foi a minha insônia por dois semestres, no qual encontrei grande dificuldade por curso médio não me preparar, e na universidade não ter Pré-cálculo (EQ021/AB1).

Na Instituição em pesquisa, a oferta do Curso de Pré-Cálculo está, em geral,

vinculada a um projeto de ensino, que é implantado por professores do curso de

Licenciatura em Matemática, e ofertada em horários em que haja disponibilidade

para os professores e bolsistas do projeto. Nesse sentido, pela incompatibilidade de

horário, tem-se observado que a procura por esses cursos nem sempre compreende

um número significativo de estudantes. Outro aspecto diz respeito aos estudantes

que deixam de frequentar esses cursos, pois a partir do momento que encontram

segurança em um determinado conteúdo, para o qual buscaram apoio, passam a

dedicar-se a outras prioridades, pois já supriu a necessidade pontual ou mais

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urgente desse estudante. Nessa direção, a Sociologia tenta explicar no que se

baseiam as escolhas voluntárias dos indivíduos.

Além disso, baseia-se no fato de que a escolha é voluntária porque o ator a praticou por livre opção, sem ser incentivado, empurrado, puxado ou tiranizado, nem o fez por hábito ou súbita irrupção de paixão. Ao escolher os cursos de ação por meio de deliberação consciente e racional, também se antecipa prováveis resultados. Isso exige o exame da situação real na qual a ação terá lugar e dos efeitos que com ela espera-se alcançar. Para tanto, normalmente leva-se em conta tanto os recursos disponíveis quanto os valores que orientam nossas condutas (BAUMAN e MAY, 2010, p. 100).

Portanto, uma saída institucional para reduzir os resultados negativos em

Cálculo 1 seria a criação de uma disciplina de Pré-Cálculo obrigatória na grade

curricular desses cursos? Pois, nesse caso, sem o obstáculo do horário

incompatível, talvez pudesse contribuir para atenuar os déficits na base dos

estudantes e para a redução do conteúdo programático de Cálculo 1, uma vez que

os conteúdos apontados no Quadro 7, nos itens 1 e 2, tratam de revisão do Ensino

Médio. Talvez dessa forma, colaborasse para que melhores resultados fossem

alcançados na disciplina de Cálculo 1.

Acredita-se que essa ação isolada, não é por si só garantia de melhora no

quadro de resultados. Remete-se, dessa forma, aos aspectos já apontados nas

considerações sobre a unidade 1 que trata da relação do estudante com sua

formação básica, no que diz respeito à disciplina de TEF. Ademais, devem-se

considerar os vários fatores organizacionais que envolvem a criação de uma nova

disciplina na grade curricular de um curso.

Volta-se também, a partir dos relatos de alguns sujeitos investigados, a

atenção para o aspecto que diz respeito à adaptação desses estudantes nessa

etapa de formação superior, pois, conforme citado pelos sujeitos, ao ingressar na

universidade encontram um cenário diferente daquele vivenciado no Ensino Médio,

além de vários outros problemas que se particularizam nas dificuldades vivenciadas

por esses estudantes.

A primeira vez em que cursei a disciplina de Cálculo 1, ocorreram problemas familiares e precisei ir para a minha cidade de origem [...] (EP027/AB2).

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Muitos dos estudantes ingressantes em universidades públicas vêm de outras

cidades ou estados e não estão familiarizados com a nova realidade social, cultural e

econômica que encontram ao ingressar na universidade. É nesse turbilhão de novos

fatos e de assumir novas responsabilidades que se deparam com a disciplina de

Cálculo 1. Bauman e May (2010) contribuem acerca de fatores materiais que

conformam a capacidade de se alcançar objetivos.

Apesar da importância do aspecto determinação, o que dizer se nos faltam meios para efetivar nossas decisões? [...] O que demonstramos aqui é o fato de que a liberdade de escolha não garante nossa liberdade de efetivamente atuar sobre essas escolhas nem assegura a liberdade de atingir os resultados desejados (BAUMAN; MAY, 2010, p. 33).

Um dos relatos se refere ao Cálculo 1 como um dos primeiros choques pelo

qual os estudantes passam quando chegam à Universidade. Sendo considerado um

dos “primeiros choques”, significa que há outros, e a conotação da palavra choque

permite considerar que haja indícios de desconforto e insegurança nessa relação.

A primeira vez que cursei foi quando ingressei, foi um choque a realidade da matemática universitária e a forma como o professor abordava os conteúdos e a impessoalidade, optei por desistir da disciplina [...] (LF002/AB1).

Nesse sentido, o papel da Instituição parece imprescindível desde a chegada

e ao longo da passagem dos estudantes pela disciplina de Cálculo 1. E, assim,

contribui para que nesse processo se tornem mais bem preparados e familiarizados

com a estrutura institucional; com as questões administrativas e pedagógicas; com

as escolhas e opções de matrículas, diminuindo-se assim, uma possível sobrecarga

no semestre. Inclusive, que sejam orientados no que se refere aos aspectos

pessoais que também contribuem para a permanência com sucesso desses

estudantes na Instituição e na cadeira de Cálculo 1, evitando-se desse modo, que

grupos formais e informais se constituam pelas expectativas que lançam sobre os

sujeitos, instalando-se os hiatos de compreensão no interior dessa relação entre os

estudantes e a Instituição. “Quando esses hiatos de compreensão se instalam entre

grupos, costumam ser preenchidos por suposições estereotípicas” (BAUMAM; MAY,

2010, p. 34).

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126

Neste contexto, salienta-se que não cabe unicamente à Instituição resolver os

problemas relacionados à disciplina de Cálculo 1. Todos os envolvidos nessa relação

dialógica devem contribuir nessa busca que é urgente e necessária por ter-se em

mente a constituição de um profissional qualificado e preparado para a

contemporaneidade. Igualmente, o relato seguinte exprime a importância de todos os

envolvidos na relação dialógica promovida em processo de construção do

conhecimento possibilitado por meio das aulas de Cálculo 1.

Na primeira vez que cursei a disciplina, eu era calouro e ainda não conhecia o "ritmo" de uma universidade, [...] eu não entendia a explicação do professor. [...] Como não tinha nota suficiente para realizar prova substitutiva, já havia reprovado automaticamente, porém, para mim já era algo esperado, nesse semestre reprovei em Cálculo I [...] Consegui mudar a nota para 7,0. Para a terceira prova, estudamos pesado eu e minha namorada, a prova poderia ter consulta ao caderno e livros, o que não ajudou muito, pois estava muito difícil, era janeiro e o último dia do semestre, eu precisava de 3,5 para passar, e aprovei com 6,67 de média (EA009/AB2).

4.2.4 Unidade 4: O estudante e o Cálculo 1

Constituí-se esta unidade para a configuração que ora coloca o sujeito na

posição em que esse considera a sua relação com o conteúdo específico de Cálculo

1 em uma expectativa negativa, devido as suas dificuldades de compreensão e aos

obstáculos para conseguir a aprovação na disciplina; e ora coloca o sujeito satisfeito

com essa relação considerada por si positiva, tanto na passagem pela disciplina,

quanto na possibilidade de novas aprendizagens específicas do Cálculo.

Para organizar a compreensão de acordo com os relatos dos investigados,

inicialmente, foram consideradas as menções dadas em listas ou em rol de

conteúdos que frequentemente são abordados em aulas de Cálculo 1, vencidos com

ou sem dificuldades pelos estudantes. Ou seja, considera-se os relatos que

mencionaram conteúdos de Cálculo 1 e que, de certa forma, poderiam ser

indicadores da dificuldade do estudante na disciplina, podendo assim representar

grandes obstáculos a serem vencidos; ou, que por outro lado, indicasse que a partir

do estudo dos conteúdos citados, o estudante conquistou sua segurança em face

dessa disciplina.

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Para essa classificação, considera-se também, palavras e expressões que

pudessem remeter a uma posição favorável ou não do estudante ao comentar sobre

a disciplina ou seu desempenho em Cálculo 1.

Nesse aspecto, foram consideradas, além de palavras e expressões como

dificuldade, dificuldade de assimilação do conteúdo, susto, medo, angústia,

reprovação, sujeito desmotivado – ou seja, alguns elementos negativos; também,

palavras e expressões com conotações positivas, como: facilidade, fácil

entendimento, disciplina tranquila, aprovação, segurança, motivação, sucesso.

Dessa forma, essa unidade textual diz respeito às considerações dadas pelos

investigados que, ora os colocam como sujeitos para os quais a disciplina de Cálculo

1 representou uma difícil travessia e pouco acrescentou em termos da especificidade

matemática abordada; e ora os colocam como sujeitos para os quais a disciplina de

Cálculo 1 oportunizou o encontro que deixa revelar a facilidade desse sujeito ao

longo de seu desenvolvimento nessa disciplina, e que pode ter acrescentado o

conhecimento novo esperado.

4.2.4.1 Considerações sobre a unidade 4

A partir do instrumento de coleta de dados, sugeriu-se que o estudante

comentasse sobre a disciplina de Cálculo 1 e sobre seu desempenho nessa

disciplina. Supunha-se que aspectos relativos aos conteúdos específicos do Cálculo

1 fossem levantados; no entanto, muitos relatos apontaram para aspectos subjetivos

desse encontro. Surgiram termos como: “Disciplina assustadora”; “Vem como um

susto”; “Foi minha insônia”, “Os exercícios são difíceis”; “Tem muitas fórmulas”; “Há

muito conteúdo”. No entanto, os relatos dos estudantes foram marcados também por

expressões positivas acerca de suas passagens pelo Cálculo 1, como exemplo:

“Disciplina tranquila”; “Conhecimento básico para formação profissional”;

“Aprovação”; “Revisão do Ensino Médio”; “Conteúdo fácil”; “Tive bom desempenho”.

A seguir, um fragmento do comentário feito por um estudante da Engenharia de

Produção, ilustra esse fato. Do comentário, destaca-se as palavras: “calma” e

“tranquilidade”, e o aspecto positivo evidenciado na relação desse sujeito com a

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disciplina de Cálculo 1. Nesse sentido, Buber (2009) colabora ao apontar que a

palavra, a relação e a reciprocidade são os atos do homem.

Diante da imediatez da relação, todos os meios tornam-se sem significado. Não importa também que meu Tu seja ou possa se tornar, justamente em virtude de meu ato essencial, o Isso de outros Eus ("um objeto de experiência geral"). Com efeito, a verdadeira demarcação, sem dúvida flutuante e vibrante, não se situa entre a experiência e a não-experiência, nem entre o dado e o não dado, nem o outro mundo do ser e o mundo do valor, mas em todos os domínios entre o Tu e o Isso; entre a presença e o

objeto (BUBER, 2009, p. 49).

Há indícios de que para esse sujeito a passagem pela disciplina de Cálculo 1

possa ter deixado marcas relativas às especificidades do conhecimento em

construção, pois o mesmo pondera que levou consigo uma grande carga de

conhecimento.

[...] Passei com calma e tranquilidade pela disciplina, trazendo comigo uma grande carga de conhecimento. Me saí bem nas provas e no final passei com muita tranquilidade na disciplina (EP001/AB2).

Porém, pouco ou quase nada foi dito a respeito da especificidade de

conteúdos geralmente abordados em aulas de Cálculo 1. Em alguns relatos houve

alusão aos tópicos mais gerais, listados como um rol de conteúdos, tais como:

Funções, Limite e Derivada. Entende-se, dessa forma, que esses estudantes

possam ter sinalizado para o formato em que se lhes apresentou a disciplina, ou

seja, a ordem dos aspectos curriculares que acompanharam ao longo da disciplina

de Cálculo 1, iniciado pelo estudo de Funções, seguido de Limite e finalizado em

Derivada. Nesse sentido, confirmam o que apresentam os planos de ensino.

No Quadro 8 é apresentada uma classificação proposta a partir dos

comentários postos pelos pesquisados, levando-se em conta os mecanismos que,

na compreensão da pesquisadora, colocaram os sujeitos classificados de forma

positiva ou negativa perante o seu desenvolvimento na disciplina de Cálculo 1.

Considera-se nessa classificação, mais particularmente, aspectos ligados ao

conteúdo relativo ao Cálculo 1 e à forma como este contribui para o desenvolvimento

do estudante na disciplina. Destaca-se que os sujeitos investigados podem ter se

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posicionado tanto negativamente, quanto positivamente, ou em ambas as

classificações, pois as abordagens 1 e 2 a que foram submetidos permitiram essa

abertura e mobilidade.

O Quadro 8 apresenta o percentual desse encadeamento, mostrando que

58,06% do total de investigados foram recorrentes em apontar para as dificuldades

percebidas na disciplina de Cálculo 1.

Quadro 8 – Distribuição do número de alunos por curso e contribuição do conteúdo na disciplina de Cálculo 1 por abordagem30.

Nº SUJEITOS POR CURSO

ABORDAGEM 1 ABORDAGEM 2

Negativa % Positiva % Negativa % Positiva %

EA 13 5 38,46 3 23,08 9 69,23 7 53,85

EC 13 7 53,85 1 7,69 7 53,85 8 61,54

EP 41 19 46,34 8 19,51 24 58,54 18 43,90

EQ 50 35 70,00 18 36,00 26 52,00 25 50,00

ER 13 9 69,23 2 15,38 5 38,46 7 53,85

LF 10 7 70,00 1 10,00 8 80,00 3 30,00

LM 39 26 66,67 9 23,08 23 58,97 21 53,85

LQ 7 5 71,43 0 0,00 5 71,43 1 14,29

TOTAL 186 108 58,06 42 22,58 107 57,53 90 48,39

Nessa direção, destacam-se os cursos de EQ, ER, LF, LM e LQ. São cinco

cursos cujos percentuais atingiram índices superiores a 65% na abordagem 1.

Verifica-se, nessa classificação, que um número também significativo, porém menor,

mostrou-se de forma positiva, 22,58% na abordagem 1. Do mesmo modo, encontra-

se para a abordagem 2, quando os sujeitos são questionados sobre seu próprio

desempenho, um percentual de 57,53% para a posição negativa, e de 48,39% para

a positiva.

Destaca-se, em relação à abordagem 2, os cursos de EA e novamente as LF

e LQ, que também apresentaram índices bastante elevados ao relacionar o conteúdo

da disciplina de Cálculo 1 como uma dificuldade de desempenho do estudante.

30 Ressalta-se que o somatório dos sujeitos computados nas abordagens 1 e 2 diferem do total de sujeitos

investigados, pois alguns estudantes não se enquadraram para as opções “negativa” e “positiva” e outros foram computados em ambas as possibilidades em função de seus relatos.

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Assim como apontado nas análises das demais unidades, sobressaem-se os

aspectos que se contrapõem e também se complementam a partir dos relatos dos

investigados. Apontam-se duas palavras presentes e que dão sentido às vezes

contraditório ou de certo contrassenso às expressões dos sujeitos, são elas:

“reprovação” e “aprovação”. A palavra aprovação parece representar sentimento de

satisfação, de autoestima elevada, indicando assim que ser “aprovado de primeira”

carrega em si uma conotação positiva perante colegas e professores.

Como sou um privilegiado de ter passado na primeira vez que fiz, posso dizer que o meu desempenho foi bastante satisfatório. Me deu uma boa base para o Cálculo II, posso ficar contente por ter aprendido limites, e principalmente Derivadas, assim como posso falar que domino Derivadas, tenho certeza que minha passagem pelo Cálculo I não foi em vão, pois até agora não estou com dificuldade em Cálculo II, acredito que foi pelo bom desempenho que tive em Cálculo I. Para finalizar vou dizer que: fiquei muito satisfeito com o meu desempenho, pois como já falei estou em um grupo seleto de poucos que conseguiram vencer a disciplina na primeira vez que cursou a mesma (LM013/AB2).

Ser reprovado, entretanto, significa a negação de tudo isso. Se o fato,

aprovado em Cálculo 1 e de “primeira”, pode representar muito mais do que uma

etapa vencida na formação desses sujeitos; ser reprovado na primeira, segunda, ou

terceira vez, pode ser a causa de inseguranças e desistências. Um dos estudantes

na abordagem 2 escreveu apenas “Fui aprovado na 1ª tentativa” (EP029/AB2), e de

fato, para muitos, somente isso basta.

Contudo, em alguns casos, embora aprovados “de primeira”, os estudantes

externaram insegurança e atribuíram à aprovação, ora o fator sorte, ora o fato de ter

decorado o conteúdo, ora o seu empenho pessoal, além de outros aspectos que

revelam um desempenho mediano por parte desses sujeitos. Consideram ainda que

o conteúdo de Cálculo 1 é bastante complexo e requer o conhecimento anterior

(referindo-se ao Ensino Médio – principalmente ao conhecimento de Funções) e

aplicação de muitas fórmulas, além de muita dedicação para fazer os exercícios

propostos.

Foi uma das disciplinas que mais penei para ser aprovado e mesmo assim considero despreparado para enfrentar outras cadeiras que utiliza o conhecimento de cálculo 1, pois às vezes a maneira como o professor explica que a torna mais complicada do que já é, mas creio que o conteúdo é um conteúdo um tanto difícil também (ER012/AB2).

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A expressão “fórmula” apareceu sempre acompanhada de uma conotação

negativa.

Disciplina que pra mim foi bastante difícil. Acho um tanto complexo o conteúdo, [...] A disciplina em si é composta por muitas fórmulas, o que já traz mais uma dificuldade. Sabê-las e saber aplicá-las (EP014/AB1).

Na primeira vez o Cálculo I, a dificuldade foi em relação a limites e Derivadas, alguns conceitos me eram difíceis de entender, porém, funções, por ser um conteúdo já visto na escola, consegui entender perfeitamente. Na segunda vez, função e limites foram relativamente fáceis, porém devido muitas regras e fórmulas na Derivada, no meu foi um pouco complicada (EQ020/AB2).

Conforme já referido, parece existir em alguns relatos um aspecto

contraditório, contudo esse aspecto é complementar, pois trata de momentos

distintos desse estudante na disciplina.

Mas, antes de tudo, cada sentimento tem seu lugar no seio de uma tensão de polaridade; ele toma sua cor e seu sentido não somente em si próprio, mas também em seu pólo oposto; cada sentimento é condicionado pelo seu contrário (BUBER, 2006, p. 91).

Por exemplo, o estudante menciona sua dificuldade na disciplina em um

primeiro contato, e nesse sentido, pode tal fato significar que esse estudante se

deparou com o conhecimento novo. Em uma segunda vez no curso, ao considerar

por si próprio que encontrou facilidade, admite-se que pudesse ter construído

alguma percepção a respeito.

A reprovação, dessa forma, para alguns estudantes está na base de um

processo de amadurecimento, e não poderia significar algo negativo ou angustiante.

Bem, a disciplina de Cálculo 1, na primeira vez em que cursei, me pareceu bem difícil, por nela conter conceitos por mim jamais vistos em matemática. De início começando com tipos de funções, pareceu-me até fácil, mas quando começou a se falar de limites, limites laterais, limites infinitos e Derivadas, entrei em colapso. Entretanto, quando o fiz pela segunda vez, ele não parecia tão assustador assim, já tinha respostas na ponta da língua, e precisei "estudar" bem menos do que a primeira vez. Enfim, acho até que gostei de repetir Cálculo 1, pois saí dali aprendendo fielmente tudo que a disciplina me proporcionou (LM006/AB1).

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Em um primeiro momento encontrei dificuldade tanto que acabei reprovando na disciplina. No segundo semestre já conhecendo a matéria e trazendo algum conhecimento anterior não encontrei dificuldade e passei para o cálculo II (EP013/AB2).

Salienta-se a concepção de conhecimento prévio31, pois em uma segunda vez

cursando a mesma disciplina, a familiaridade com determinados conceitos já vistos

pode ter permitido essa “maior facilidade” no aprendizado desses estudantes.

Conforme alude Ausubel (2003), conhecimento prévio é definido em função de uma

mudança, na qual certa estrutura cognitiva inclusiva pré-existente está em relação a

um novo conhecimento; no processo de ressignificação desse conhecimento,

ambos, estrutura prévia e conhecimento novo, são modificados e se influenciam

mutuamente durante a experiência de aprender significativamente.

Outro aspecto que se destaca nos relatos dos sujeitos diz respeito ao fato de

o estudante considerar a disciplina de Cálculo 1 importante para sua evolução no

curso, mencionando que essa disciplina serve como base para cursar os Outros

Cálculos ou outras disciplinas, contudo, poucos foram os sujeitos que se referiram à

importância da disciplina para o exercício futuro de sua profissão. Nesse sentido,

pode não haver para alguns estudantes correspondência entre cursar tal disciplina e

sua formação profissional.

A disciplina de Cálculo 1 dá o start ao aluno. É uma das matérias mais importantes em toda a estrutura acadêmica, tendo em vista que ela é a base para o restante do curso (EQ014/AB1).

A cadeira de Cálculo 1 é o primeiro "back" ao entrar na vida acadêmica, pois vem o temido limite, Derivada e suas teorias. Mas para passar pro Cálculo 2 é necessário saber entender e não decorar as regras e exercícios (EQ008/AB1).

Os estudantes, em geral, não vêem ligação entre a sua passagem pela

disciplina de Cálculo 1 e o caráter global de seu curso de graduação. Raros são os

relatos que apontam para a contribuição de tal disciplina para o exercício futuro da

31 Os conhecimentos prévios dos alunos são formados no “predomínio do perceptivo, no uso do raciocínio causal simples, na influência da cultura e da sociedade (canalizadas através da linguagem e dos meios de comunicação), influência da escola” (POZO, 1998, p. 88). E, em Pozo et al (2009), essas causas são classificadas em três grupos que dão origem a diferentes concepções prévias: origem sensorial (concepções espontâneas); origem cultural (concepções induzidas); e origem escolar (concepções analógicas).

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profissão. A seguir um desses exemplos é apresentado no fragmento de (LM010),

que cita a importância do conhecimento específico sobre funções e Derivadas para o

exercício docente.

É uma disciplina que permite ampliar nossos conhecimentos sobre funções e Derivadas. Sendo assim de suma importância para nós, futuros docentes (LM010/AB1).

A partir dos relatos dos estudantes se encontram expressões que trazem

consigo uma conotação positiva; como anteriormente mencionado em relação à

palavra aprovação. Outros exemplos correlatos podem ser apontados, tais como:

dificuldades superadas, motivado, disciplina mais amada, que podem permitir inferir-

se que os sujeitos passaram pelo Cálculo 1, encararam as primeiras dificuldades, e

foram capazes de avançar com relativa segurança. Contudo, em outros relatos, os

sujeitos também dão exemplos de palavras e expressões que revelam o aspecto

negativo pelo qual observam a disciplina de Cálculo 1, tais como: disciplina

assustadora, temida, insônia, colapso, na primeira vez foi lunático. O fragmento do

relato de (EC004) exprime esses dois aspectos na mesma resposta.

Acredito que seja a disciplina mais amada e odiada ao mesmo tempo (EC004/AB1).

Parece que a disciplina de Cálculo 1 desenha um Capítulo bipolar na

formação dos sujeitos, e nesse sentido contribui Buber (2009) ao referir-se a alma

humana.

[...] a relação perfeita só pode ser concebida como bipolar, como uma "coineidentia oppositorum", como união dos sentimentos contrários (BUBER, 2009, p. 91).

Ao se referirem à disciplina de Cálculo 1 ou a sua passagem por essa

disciplina, os estudantes deixam transparecer aspectos angustiantes desse

encontro, assim como aspectos motivadores. Nesse sentido, nesse jogo de

sentimentos, o que deixam revelar de suas experiências, ou seja, no sentido daquilo

que os atravessa, e que deixa suas marcas?

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A experiência, assim, se abriga nos aspectos subjetivo, reflexivo e

transformador na passagem desses estudantes pela disciplina de Cálculo 1, e esses

sujeitos são capazes de apresentar elementos constitutivos dessa passagem.

É em mim (ou em minhas palavras, ou em minhas ideias, ou em minhas representações, ou em meus sentimentos, ou em meus projetos, ou em minhas intenções, ou em meu saber, ou em meu poder, ou em minha vontade) onde se dá a experiência, onde a experiência tem lugar (LARROSA, 2011, p. 6).

A questão, contudo, é que é bem maior o volume de aspectos negativos que

os positivos apontados nesses relatos. Nesse sentido, é importante verificar se os

aspectos negativos possam ser as principais marcas deixadas pela disciplina de

Cálculo 1.

Contava-se que tais estudantes, quando solicitados a comentar sobre Cálculo

1, falassem dos aspectos gerais dessa disciplina, por exemplo: de componentes de

sua estrutura curricular; ou acerca da estrutura de um determinado tópico estudado

nessa disciplina. Da mesma forma, quando solicitados a comentar sobre seu

desempenho era esperado que mencionassem suas dificuldades ou facilidades,

porém que essas estivessem vinculadas a uma abordagem específica do conteúdo

dado na disciplina, como por exemplo: a dificuldade em compreender o conceito de

Derivada, ou a dificuldade em resolver um problema envolvendo taxa relacionada, ou

em analisar e elaborar o gráfico de uma função, entre outros.

No entanto, os relatos apontam superficialmente para as dificuldades

específicas e, mais prementemente, para expressões subjetivas e negativas que

parecem deixar muitas marcas na vida acadêmica desses estudantes. Pois, se nada

ou pouco lembram sobre os conteúdos específicos do Cálculo 1, então a experiência

desses estudantes pode estar se consolidando apenas com essas marcas.

O sujeito da experiência tem algo desse ser fascinante que se expõe atravessando um espaço indeterminado e perigoso, pondo-se nele à prova e buscando nele sua oportunidade, sua ocasião. [...] Não um sujeito que permanece sempre em pé, ereto, erguido e seguro de si mesmo; não um sujeito que alcança aquilo que se propõe ou que se apodera daquilo que quer; não um sujeito definido por seus sucessos ou por seus poderes, mas um sujeito que perde seus poderes precisamente porque aquilo de que faz experiência dele se apodera. Em contrapartida, o sujeito da experiência é também um sujeito sofredor, padecente, receptivo, aceitante, interpelado, submetido (LARROSA, 2011, p. 25).

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Nesse sentido, acredita-se que as marcas não sejam apenas negativas, e

Buber (2009) contribui para essas considerações, pois aponta que:

Muitos movimentos, chamados reflexos, são um instrumento indispensável à pessoa na construção de seu mundo. Não é verdade que a criança percebe primeiramente um objeto, e só então entra em relação com ele. Ao contrário, o instinto de relação é primordial, como a mão côncava na qual o seu oponente possa se adaptar (BUBER, 2009, p. 59).

Assim, concluí-se ao final dessa etapa, que é preciso buscar também os

aspectos objetivantes da relação entre os sujeitos da experiência com o objeto

matemático possibilitado em aulas de Cálculo 1. Dessa forma, propõe-se no

próximo Capítulo, a análise dos Mapas Conceituais sobre Derivadas como uma

forma de buscar esses aspectos, que também devem estar presentes na relação

dialógica, que se mostrou essencialmente subjetiva entre os sujeitos da experiência

em aulas de Cálculo 1.

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5 MAPAS CONCEITUAIS E OS SUJEITOS DA EXPERIÊNCIA

A fim de trazer os relatos dos sujeitos investigados para o âmbito do contexto

matemático das aulas de Cálculo 1, optou-se pela utilização de Mapas Conceituais

como um dos instrumentos de coleta de dados. A partir dos resultados apresentados

a seguir, pretende-se expor elementos que remetam à construção do conhecimento

sobre o tema Derivada e que ficaram encobertos pelas falas desses estudantes,

quando confrontados nas abordagens 1 e 2, conforme relatos analisados no Capítulo

4 deste trabalho.

Acredita-se que esses sujeitos, por meio de seus Mapas Conceituais devam

exteriorizar os aspectos matemáticos do contexto das aulas de Cálculo 1 e possam

revelar aspectos da experiência, conforme Larrosa (2002, 2011), diante do tema

Derivada. Entende-se que, dessa forma, o sujeito da experiência se exponha a um

processo relacional dialógico, e se pretende na presente etapa destacar o

relacionamento “Eu-Derivada”, no sentido do Eu-Isso dado por Buber (2009), ou

seja, o relacionamento entre o sujeito com o objeto matemático a Derivada; porém, a

experiência não se restringe à coisificação, ao objeto a conhecer, e nesse sentido,

compreende uma relação Eu-Tu, pois transcende, transforma. É a partir da relação

dialógica que o sujeito dá a conhecer-se, e conhece o novo, e a relação Eu-Tu,

assim como o relacionamento Eu-Isso, são os termos dessa dialética.

Ainda, essa exposição dos sujeitos é um processo de escolha, em que a

exteriorização do relacionamento com o objeto está limitada a fatores externos e

internos que influenciam as opções do sujeito da experiência. São opções pessoais,

inerentes a cada um dos sujeitos, desse modo, admite-se também, a limitação do

instrumento de investigação (BAUMAN; MAY, 2010). Vale ressaltar, porém, que por

mais simples que seja essa exposição, ou exteriorização, é possível encontrar

indícios das evidências mais essenciais da experiência consolidada por esses

sujeitos, e nesse sentido, o processo todo já está justificado.

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5.1 Sobre Mapas Conceituais e Mapas Conceituais Iniciais

Conforme apresentado nas escolhas metodológicas, a visão ausubeliana do

processo de aprendizagem estudada por Joseph Novak fundamentou o uso de

Mapas Conceituais (MC) como uma forma de favorecer a aprendizagem significativa.

Nesse sentido, o mapeamento conceitual talvez não represente uma boa opção para

esta investigação, pois o objetivo deste estudo não se refere à aprendizagem

significativa. Contudo, o recurso dos mapas conceituais como uma técnica que

permite o uso da representação gráfica para a organização do conhecimento, e que

possibilita o entendimento da estrutura cognitiva idiossincrática de um indivíduo

sobre determinado conhecimento ou área desse conhecimento (NOVAK, 2010) há

de constituir-se em importante instrumento para a análise. Acredita-se que o recurso

aos mapas conceituais permitirá o contato com as exteriorizações relevantes dos

investigados a respeito do tema Derivada, como uma exteriorização do

relacionamento Eu-Derivada. No entanto, nesta etapa de análise, considerar-se-á

Mapas Conceituais Iniciais (MCIs) construídos pelos sujeitos.

Inicialmente, para cada um dos 186 investigados nesta pesquisa foi solicitado

que desenhassem um mapa conceitual sobre Derivada. Foram consideradas 171

elaborações, excluindo-se 15 do total de 186, representados pelas folhas deixadas

em branco nessa abordagem. Contudo, alguns dos mapas desenhados para a

Derivada, devido às características estruturais, não se enquadraram como um mapa

conceitual e, dessa forma, buscou-se um meio de seleção para essas elaborações.

Cabe destacar que foram considerados, para fins desta investigação, os

primeiros mapas conceituais elaborados. Nesse sentido, a construção ou elaboração

dos mapas ocorreu em um único momento, sem um trabalho prévio ou em

continuidade para a retomada e reelaboração de novas versões, considerando-se

apenas a primeira versão de cada um dos mapas elaborados.

Desse modo, foram computados os mapas elaborados por estudantes que

cursaram Cálculo 1, matriculados em um dos cursos de graduação em Engenharia

ou Licenciatura de uma Universidade Pública Federal, lócus desta pesquisa, cujo

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perfil foi apresentado no Capítulo da metodologia. Ressalta-se que esses estudantes

cursaram a disciplina de Cálculo 1em espaços/tempo diferentes.

A fim de encontrar uma forma de selecionar os MCIs pretendidos para

investigação, sondou-se aspectos presentes na Teoria dos Mapas Conceituais que

pudessem colaborar para este processo de análise e, desse modo, apropriou-se da

compreensão das Estruturas Hierárquicas Inapropriadas ou Limitadas (LIPHs),

conforme Novak (2002) citado por Cicuto e Correia (2013). As LIPHs podem ser

entendidas como ferramenta adicional nesta análise. Contudo, não se intenciona

apresentar como as LIPHs são externalizadas a partir dos MCIs, mas sim, apoiar-se

nas proposições com clareza semântica; e para isso, recorrer-se-á aos três

principais padrões de MCs, ou seja, os que apresentam proposições: i) limitadas

(proposição com baixa clareza semântica); ii) inadequadas (proposição com erro

conceitual) e iii) adequadas (proposições sem erro conceitual).

Dessa forma, exemplos de proposições com os diferentes níveis de clareza

semântica são apresentados, conforme Cicuto e Correia (2013), e que de acordo

com o termo de ligação e considerado o contexto da Derivada, podem ser

classificados como: (a) não é uma proposição; (b) proposição limitada; (c)

proposição inapropriada; e (d) proposição apropriada. Para esse fim, valeu-se de

exemplos obtidos por meio dos mapas elaborados pelos investigados.

A seguir, na Figura 7, apresenta-se como podem ser exteriorizadas

proposições com diferentes níveis de clareza semântica. No item (a) expõe-se um

exemplo que não é proposição em razão da ausência do termo de ligação. Os

demais itens, (b), (c) e (d) foram tomados como proposições limitada, inapropriada e

apropriada, respectivamente.

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Figura 7 – Exemplos de proposições com diferentes níveis de clareza semântica quanto ao termo de ligação no contexto da Derivada.

Fonte: Baseado no modelo de Cicuto e Correia (2013, p. 6).

Pretende-se ainda, destacar que para Cicuto e Correia (2013), tornar as

LIPHs visíveis pode ajudar professores a fornecerem feedbacks precisos para os

estudantes; porém, deseja apropriar-se desse conceito para, então, por meio desse

processo de análise, permitir a exposição das formas mais gerais da relação dos

sujeitos com o objeto Derivada em aulas Cálculo 1. Buscou-se ainda, evidenciar de

que forma as experiências dos “sujeitos da experiência” possam estar se

consolidando em aulas dessa disciplina e, desse modo, contribuir para a tomada de

decisão não só de professores, mas dos conjuntos de atores envolvidos nesse

processo de construção do conhecimento.

A fim de selecionar os MCIs se recorreu ao enquadramento das proposições

de acordo com o nível de clareza semântica, considerando-se apenas como MCIs as

elaborações que apresentaram ao menos uma proposição, podendo ser essas

proposições limitada, inapropriada ou apropriada.

Assim, os mapas elaborados que não apresentaram proposições foram

considerados como “Outros Mapas” (OM)32. Algumas exteriorizações dos sujeitos,

devido a não permitirem uma classificação como mapas, foram enquadradas em

“Não Mapas” (NM)33. As folhas deixadas em branco, ou seja, sem resolução alguma,

32 Como Outros Mapas (OM) estão os mapas mentais e diagramas simples. 33 Como Não Mapas (NM) estão, como exemplo, os textos, as resoluções do cálculo da derivada de uma função e menções do tipo “não sei fazer uma mapa conceitual”.

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computaram-se como mapas em branco (MB)34. A seguir, apresenta-se um exemplo

de OM e um exemplo de NM, conforme Figuras 8 e 9.

Figura 8 – Exemplo de OM Fonte: (EQ008)

Figura 9 – Exemplo de NM Fonte: (EC008)

34 Nesse caso, apenas se usou a nomenclatura para diferenciar a contagem, pois uma representação, mesmo que NM ou OM podem exteriorizar algo da relação do sujeito com o objeto, contudo, o mesmo não acontece com as folhas deixadas em branco.

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141

Porém, para enquadrar as exteriorizações demonstradas pelos sujeitos

mapeadores35 em uma classificação quanto à Derivada, buscou-se pelos aspectos

que colocam as proposições externalizadas em pelo menos um dos dois seguintes

modos. O primeiro, como proposição apropriada, ou seja, com clareza semântica e

sem erro conceitual no contexto matemático da Derivada; e o segundo, como

proposição limitada, ou seja, com baixa clareza semântica. Nesse ínterim, analisou-

se as proposições se apropriadas e/ou limitadas quanto ao nível de clareza

semântica em relação ao termo de ligação, e se apropriadas e/ou limitadas para o

contexto da Derivada. Não se computou para essa classificação em relação à

Derivada as proposições inapropriadas, ou seja, com erros conceituais para o

contexto da Derivada, contudo, um mapa pode ter sido considerado MCI mesmo que

tenha apresentado apenas proposições inapropriadas.

Assim, a leitura inicial para classificação dos MCIs se baseou nas proposições

apropriadas e/ou limitadas, conforme apontam Cicuto e Correia (2013), quanto ao

nível de clareza semântica, a que se acrescentou a adequação conceitual ao

contexto da Derivada.

Desse modo, a partir desses MCIs se reclassificam os que apresentaram

indícios de: (i) Regras de Derivação; (ii) Conceito de Derivada; (iii) Aplicações da

Derivada. Para cada um desses indicativos, acolheu-se uma classificação interna

para as proposições e que oportunamente serão descritas no decorrer deste

Capítulo. Verificou-se que os MCIs podem apresentar proposições que se

enquadram, simultaneamente, em até os três principais padrões de MCs, como

limitado, inapropriado e apropriado. No entanto, tal consideração não invalida a

leitura parcial das proposições adequadas e/ou limitadas para a classificação em (i),

(ii), e/ou (iii).

Ademais, os MCIs que apresentaram todas as proposições inapropriadas não

foram invalidados, pois embora não sejam computados em um dos três itens acima,

contribuem na exteriorização de fatores também relevantes que poderão ser

apresentados ao longo desta análise.

35 Os sujeitos investigados no presente estudo.

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Nessa direção, verificou-se que em relação aos 186 investigados, 15 não

desenharam mapas deixando a folha correspondente para essa abordagem em

branco; 110 tiveram seus mapas classificados como MCIs, 48 tiveram os mapas

classificados como Outros Mapas (OM) e 13 como Não Mapas (NM). Assim, de

acordo com a sistematização proposta, concluiu-se a contagem dos MCIs e

elaborou-se a seguinte organização, conforme se apresenta no Quadro 9.

Quadro 9 – Organização de acordo com o número de elaborações de Mapas Conceituais Iniciais

(MCIs), Outros Mapas (OM), Não Mapas (NM) e Mapas em Branco (MB).

CURSOS Nº DE

SUJEITOS MCI % OM % NM % MB %

EA 13 07 53,85 02 15,38 00 00,00 04 30,77

EC 13 06 46,16 05 38,46 02 15,38 00 00,00

EP 41 24 58,83 11 26,83 02 04,88 04 09,76

EQ 50 36 72,00 10 20,00 02 04,00 02 04,00

ER 13 04 30,77 07 53,85 00 00,00 02 15,38

LF 10 03 30,00 04 40.00 00 00,00 03 30,00

LM 39 28 71,80 07 17,95 04 10,25 00 00,00

LQ 07 02 28,57 02 28,57 03 42,86 00 00,00

TOTAL 186 110 59,14 48 25,81 13 06,99 15 08,06

Optou-se, no Quadro 9, pela apresentação dos dados por cursos, pois dessa

forma a organização pode favorecer o processo de análise. A partir do Quadro 9, se

verifica que os cursos de LM e EQ apresentaram o maior número de MCIs,

proporcional ao número de mapas elaborados pelos pesquisados do curso. Dos 110

MCIs considerados, esses dois cursos contribuíram com 64 elaborações, chegando

próximo de 60% do total. Por outro lado, os cursos de LQ, LF e ER foram os que

apresentaram o menor número de elaborações, e proporcionalmente, em relação ao

número de sujeitos em cada um desses cursos, ficaram abaixo dos 31% em cada

caso. Por se tratar de uma tarefa de elaboração imediatamente após a entrega dos

instrumentos de coleta de dados, e por não ser mapas conceituais um recurso usual

em aulas desses cursos, considerou-se a possibilidade de alguns estudantes

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143

encontrarem limitações na elaboração de seus mapas, e nesse sentido, o resultado

de 110 MCIs elaborados foi representativo.

Na sequência, apresenta-se a análise das três classificações, começando por

(i) Regra de Derivação, em seguida (ii) Conceito de Derivada e finalizando com (iii)

Aplicação da Derivada. Ressalta-se que foram considerados para cada uma das

classificações, 60 com Regras de Derivação; 39 com referência ao Conceito de

Derivada e 25 com consideração acerca da Aplicação da Derivada. Cabe lembrar

que um mesmo mapa pode apresentar referência a mais de uma classificação, e a

separação proposta apenas tem o fim de dimensionar uma possibilidade de análise.

5.2 MCIs e o enfoque Regras de Derivação

Em relação aos aspectos observados nos MCIs dos estudantes investigados

quanto à exteriorização de Regras de Derivação, construiu-se uma segunda

classificação interna a esse contexto, proposta em cinco diferentes agrupamentos,

de acordo com as presença e clareza semântica das proposições.

Para dar continuidade à análise foram levados em conta os MCIs que se

enquadraram em pelo menos um dos agrupamentos apresentados, quanto à clareza

semântica e adequação para o contexto matemático da Derivada. Para efeito de

esclarecimentos, seguem as descrições para a componente analisada Regra de

Derivação e o enquadramento dado para a classificação em cada um dos cinco

agrupamentos adotados nesta classificação.

Agrupamento I – Enquadram-se os MCIs com proposições apropriadas e/ou

limitadas que evidenciaram notações36 para a Derivada, ou se referiram a nomes

usuais dados às Regras de Derivação. Porém, enquadrar um mapa nesse

36 Em geral, em aulas sobre Regras de Derivação são abordados que, para a função y=f(x), a notação de Leibnitz usa os símbolos dx e dy para representar incrementos infinitamente pequenos de x e y, assim como ∆x e ∆y representam incrementos finitos de x e y. A notação de Lagrange para a derivada de f(x), dada por y’= f’(x) equivale à razão incremental dx/dy (razão entre os incrementos infinitesimais de Leibnitz). A notação de Cauchy é representada por Dy= Df(x). Um ponto colocado sobre o símbolo do objeto cuja derivada é tirada é a notação devida a Newton, y ̇ (maneira original de Newton se referir às fluxões).

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agrupamento não significa afirmar que o mapeador tenha apropriação da

manipulação com tais símbolos, nem que tenha domínio da regra mencionada,

apenas significa que é capaz de apresentar uma proposição adequada a esse

respeito. Ou seja, o sujeito reconhece a existência de tal simbologia ou regra e a

relaciona com seu estudo sobre a Derivada de forma clara. Nada mais se pode

afirmar.

Agrupamento II – Enquadram-se os MCIs em que se identificaram

proposições apropriadas e/ou limitadas que apresentam relação com o cálculo de

Derivadas de funções elementares, como a Derivada de funções polinomiais, função

potência de expoente real, função racional e função algébrica. Esse agrupamento

considera os aspectos elementares em relação à aplicação das Regras de

Derivação, e, portanto, alguns desdobramentos dessas funções, como a Derivada da

composição dessas funções não serão considerados nesse agrupamento. Porém, os

casos relacionados à Derivada da soma, subtração, produtos e ou quocientes

dessas funções se enquadram, assim como, a representação de fórmulas

correspondentes a cada um desses casos.

Agrupamento III – Enquadram-se os MCIs nos quais foram identificadas

proposições apropriadas e/ou limitadas que apresentam o cálculo de Derivadas de

funções elementares, como a Derivada de função Exponencial, Logarítmica e

Trigonométrica, bem como as Derivadas das demais funções elementares que são a

soma, subtração, produtos e quocientes destas funções elementares.

Agrupamento IV – Enquadram-se os MCIs identificados com proposições

apropriadas e/ou limitadas que apresentam o cálculo de Derivadas da composição

das funções elementares, conforme citado nos agrupamentos II e III, e também as

proposições adequadas relacionadas ao cálculo das Derivadas de funções implícitas

e as de ordem superior; quando essas apresentarem cálculos por meio da regra,

excetuam-se, assim, as referências ao nome da Regra ou a relação apresentada em

ordem n de Derivadas.

Agrupamento V – Enquadram-se os MCIs nos quais foram identificadas

proposições apropriadas e/ou limitadas que apresentam o cálculo de Derivadas de

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funções elementares inversas, bem como as demais funções elementares que são a

soma, subtração, produtos, quocientes e composição destas funções.

Identificou-se, nesse sentido, em alguns MCIs proposições adequadas no

contexto da Derivada, mas que apresentaram clareza semântica limitada quanto aos

termos de ligação utilizados, por exemplo: “Regra da Cadeia → para que serve →

Derivar funções compostas”. Em outros casos, houve a adequação quanto à

Derivada e até alta clareza semântica quanto aos termos, porém descritos dentro de

uma única caixa, não exteriorizando uma proposição do tipo “conceito – termo de

ligação – conceito”, conforme sugere a Teoria dos Mapas Conceituais (NOVAK e

CAÑAS, 2010). Entretanto, isso ocorreu em algumas representações classificadas

como MCIs pelos critérios anteriormente apresentados. Nesses casos, e por se tratar

de MCIs, tais instrumentos foram considerados e computados para o item a que se

enquadrassem no respectivo agrupamento.

Destaca-se o Quadro 10 com os resultados obtidos a partir da contagem dos

MCIs que apresentaram proposições que se relacionam a Regras de Derivação e os

seus respectivos cômputos nos diferentes agrupamentos.

Quadro 10 – Resultados a partir dos MCIs considerados conforme os agrupamentos para Regras de Derivação.

REGRAS DE DERIVAÇÃO

MCIs Regras de

Derivação 37 em MCIs

(%)38 Agrupamentos

I II III IV V

EA 07 04 57,14 03 02 00 00 00

EC 06 05 83,33 04 05 01 00 00

EP 24 16 66,67 07 07 00 00 00

EQ 36 21 41,66 17 06 00 02 00

ER 04 01 25,00 01 01 00 00 00

LF 03 02 66,67 02 01 00 00 00

LM 28 17 60,71 11 12 03 00 00

LQ 02 00 00,00 00 00 00 00 00

TOTAL 110 60 54,55 45 34 04 02 00

37 Os números nessa coluna diferem do somatório dos agrupamentos, pois alguns MCIs foram computados em mais de um agrupamento. 38 Percentagem relativa ao número de MCIs com Regras de Derivação em comparação com o total de MCIs considerados.

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146

Cabe acrescentar que as proposições inapropriadas não foram computadas

em nenhum dos agrupamentos, todavia poderão aparecer lado a lado com

proposições apropriadas e limitadas em MCIs considerados, e desse modo, indicar

aspectos que possam colaborar para o andamento da análise e as considerações

pretendidas ao final deste estudo.

No encaminhamento dado para Regra de Derivação, conforme as

proposições exteriorizadas nos MCIs e em relação aos agrupamentos I, II, III, IV e V;

45 foram classificados no agrupamento I; 34 no agrupamento II, 04 no agrupamento

III, 02 no agrupamento IV. No agrupamento V não foram classificados MCIs.

5.2.1 A análise para Regras de Derivação

A partir da classificação posta no Quadro 10, o maior valor de ocorrência foi

evidenciado para o agrupamento I, que englobou proposições adequadas e/ou

limitadas que mencionaram Regras de Derivação e/ou que apresentaram notação

para a Derivada. Assim, dos 110 MCIs selecionados, encontrou-se essa relação 45

vezes. Para ser classificado nesse agrupamento o mapeador não precisou

apresentar desenvoltura com o cálculo das Regras de Derivação, mas revelou

conhecer a existência de tais regras. As formas, ou nomes usuais, mais apontados

foram: regra do produto, regra do quociente e regra da cadeia. Quanto às notações,

as mais apresentadas foram y’e f’(x).

Identificou-se também, 34 MCIs que se enquadraram no agrupamento II, nos

quais foram identificadas proposições adequadas e/ou limitadas que apresentaram

elaborações do cálculo de Derivadas de funções elementares, destacando-se a

Derivada de funções polinomiais. Nos MCIs computados nessa classificação

também foram considerados os casos relacionados à soma, subtração, produtos e

quocientes das funções descritas no agrupamento II, assim como a representação

das fórmulas correspondentes em cada caso.

Os casos classificados no agrupamento III foram poucos, apenas 4 MCIs que

apresentaram cálculo de Derivadas de funções trigonométricas, exponenciais e ou

logarítmicas, indicando que dos 110 MCIs menos de 4% fizeram menção ao cálculo

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147

dessas Derivadas. Observaram-se nos MCIs as Derivadas das funções y=sen (x),

y=cos (x), y=ex e de y=ln(x), ou seja, os casos mais simples de Regras de Derivação

para esse tipo de funções.

No agrupamento IV, embora muitos estudantes tenham citado a Regra da

Cadeia, assim como, Derivadas de funções implícitas e Derivadas de funções

superiores em seus MCIs, e por isso tenham sido enquadrados no agrupamento I,

apenas em dois casos houve a resolução da respectiva Derivada da função por meio

de uma dessas regras, indicando que menos de 2% dos MCIs se enquadram nessa

classificação.

Não foram encontrados MCIs que pudessem ser enquadrados no

agrupamento V, ou seja, que apresentassem a resolução de Derivada de função

inversa por meio de sua regra de derivação.

Alguns MCIs foram encadeados sequencialmente, de forma linear, quando um

conceito se liga apenas ao conceito anterior. Evidenciou-se que um grande número

dos MCIs apresentou características radiais – quando os conceitos são ligados a um

conceito central, mas não ligados entre si – e lineares em suas representações,

conforme descrevem Aguiar e Correia (2013), e em um número bem menor, porém

significativo, verificou-se uma forma próxima da estrutura em rede – o

estabelecimento de relações entre conceitos, rompendo a linearidade – conforme se

vê nas Figuras 10 e 11.

Em relação a EP005/MCI (Figura 10), pode-se aceitar que o mapeador

apresenta uma estrutura próxima a de rede, porém ainda bastante limitada em

relação aos conceitos, restringindo-se praticamente a um único contexto, o das

Regras de Derivação. Ainda assim, no campo mais básico dessa abordagem,

apenas se referindo aos nomes de algumas dessas regras. No entanto, em um

determinado movimento neste mapa, o mapeador intentou apresentar uma aplicação

relacionada à Derivada no contexto da Física, contudo não há uma continuidade

nessa construção, que se exterioriza por meio de uma proposição limitada que

relaciona o conceito Derivada a uma frase completa na caixa, no lugar do segundo

conceito, essa última, indicando que toda uma subseção desse mapa poderia ser

construída a partir da frase na caixa. Cabe destacar a sugestão do mapeador,

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148

“Calcular a fórmula da posição em função da fórmula da velocidade”. Esse estudante

cursava o terceiro semestre da EP na época da coleta de dados, por essa razão,

provavelmente tenha cursado Cálculo II, e sua inversão pudesse indicar uma relação

com o estudo das Integrais, ou ainda, pudesse indicar uma relação com as

disciplinas de Física I e II, pois são concomitantes com as disciplinas de Cálculo I e II

para esse curso; porém não se pode afirmar se essa construção foi intencional.

Figura 10 – (EP005/MCI)

Encontrou-se uma exteriorização similar no mapa de EC013/MCI (Figura 11),

em que o mapeador também se fixa no contexto das Regras de Derivação, se

restringindo basicamente a esse contexto. A exceção, em relação ao mapa de

EP005/MCI, é que nesse caso, o mapeador acrescentou notações para distinguir f(x)

e sua Derivada f’(x) e algumas fórmulas correspondentes.

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Há também uma iniciativa aparentemente abandonada de encontrar um

caminho de exteriorização por meio de gráficos, mas o mapeador desiste dessa

abordagem e dá continuidade pela direção das Regras de Derivação.

Figura 11 – (EC013/MCI)

Porém, o que exteriorizam estes mapas parece dar sentido a um vínculo

objetivante, quando se encontram postos no modo Eu-Isso diante do objeto

Derivada, como lugar da experimentação e não da experiência, e nesse sentido,

podem significar apenas a coisificação tanto do sujeito quanto do objeto. A

experiência somente faz sentido no modo Eu-Tu, como consciência fenomenológica,

dialógica. Nesse sentido, não se pode ignorar as subjetividades dos sujeitos, ou seja,

tudo o que está relacionado com a ação que se desenvolve ao exteriorizar suas

escolhas.

Verificou-se que EC013 ingressou no curso de EC no ano de 2011, cursava o

quinto semestre na ocasião da coleta de dados. O sujeito EP005 ingressou em 2012

e cursava o terceiro semestre de EP na mesma ocasião. Esses dois estudantes

foram aprovados em Cálculo 1 na primeira vez que cursavam a disciplina e, embora

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tenham estudado Cálculo 1 em turmas e anos diferentes, assim como, tenham tido

uma evolução em seus cursos também em espaço/tempo diferentes, ambos

apresentam certa semelhança em seus MCIs. Remetem-se às Regras de Derivação

quando solicitados a desenhar um mapa sobre Derivada, e suas representações são

elementares – superficiais – não há aprofundamento nas representações desses

sujeitos. Pode-se então inferir que passaram por experiências semelhantes em

Cálculo 1?

Conforme Larrosa (2011), não há como saber da real experiência de cada um

desses sujeitos, percebe-se porém, em ambos, um crescente em relação à

construção do conhecimento Derivada. Em EC013/MCI o mapeador parte do

conceito “funções” como o conceito mais inclusivo e chega até o conceito “Derivada”.

Liga esses conceitos por meio de uma seta, com sentido do primeiro para o

segundo, indicando uma hierarquia nessa construção, com isso demonstra que em

um primeiro momento estudou funções, para depois estudar a Derivada, o que

corrobora o mencionado anteriormente sobre os planos de conteúdos programáticos

para disciplina de Cálculo 1. Por meio do movimento, pelo qual este mapeador

descreve sua concepção de Derivada, pode-se admitir certa valorização das técnicas

básicas de derivação. Contudo, quem valoriza?

Nessa direção, EP005/MCI também apresenta seu mapa recorrendo às

técnicas, contudo, em uma de suas proposições diz: “Derivadas → Quais as regras

que lembro → Regra...”. Por que o mapeador anuncia que se lembra das Regras da

Cadeia, Regra do Quociente e a Regra do Produto? Justifica na sequência que tais

regras servem para derivar funções e funções compostas. Portanto, ele não

simplesmente cita essas regras, sabe para que deve utilizá-las e para quais

objetivos. Desse modo, contribui a compreensão de Zuben, (2009) para os termos

da dialética de Buber.

Eu-Isso é proferido pelo Eu como sujeito de experiência e utilização de alguma coisa. A inteligência, o conhecimento conceitual que analisa um dado ou um objeto é posterior à intuição do ser. Eu-Isso é posterior ao Eu-Tu. O Eu de Eu-Isso usa a palavra para conhecer o mundo, para impor-se diante dele ordená-lo, estruturá-lo, vencê-lo, transformá-lo. Este mundo nada mais é que objeto de uso e experiência (ZUBEN, 2009, p. 26).

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Contudo, questiona-se: “Por que maior segurança em Regras de Derivação?”

Então, corrobora-se em seus MCIs a valorização dessas técnicas?

Acredita-se que mais do que uma valorização das Técnicas ou Regas de

Derivação, esse fato represente que o sujeito, antes de analisar e representar o

objeto passou por uma experiência autêntica diante do conhecimento novo, uma

experiência intensa que foi constituída por Regras de Derivação. Por isso, a

segurança em apresentar esse caminho de construção em seu MCI. Para outros

sujeitos poderia se dar de outra forma, que não por Regras de Derivação, pois a

experiência supõe a suspensão de qualquer posição genérica, conforme aponta

Larrosa (2011).

Entretanto, os MCIs dos estudantes investigados exteriorizam, de forma geral,

uma relação em construção, e de evolução que, geralmente, se inicia nesse

conhecimento. Por exemplo, o mapa de LM013/MCI (Figura 12) em uma estrutura

radial para a linear, mostra também indícios de certezas nessa construção, indicando

que a escolha por essa face da Derivada seria a “mais fácil”, logo, não a única.

Nesse sentido, Larrosa (2011) destaca que a experiência como soma de

singularidades é também plural.

Nessa direção, ressalta-se a afirmação exteriorizada pelo mapeador

LM013/MCI na proposição: “Derivadas → obs: → para mim o mais fácil do conteúdo

de Cálculo 1”. Ainda, em seus relatos para as abordagem 1 e 2 desta pesquisa, esse

estudante mencionou ter ficado muito satisfeito com seu desempenho em Cálculo 1.

Diz ter aprendido Limite e principalmente Derivada, bases do Cálculo II, além de ser

um privilegiado, por fazer parte do seleto grupo de alunos que conseguiram vencer a

disciplina na primeira vez cursada.

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Figura 12 – (LM013/MCI)

Notadamente, este estudante está convicto de que sabe Derivada e

exterioriza sua compreensão sobre Regras de Derivação. Contudo, da mesma forma

em que outros MCIs, esse sujeito se limita a descrever as regras mais elementares e

utiliza apenas uma forma de notação. Seu mapa também apresenta proposições

limitadas, dentre as quais tenta apresentar fórmulas para as regras que conhece. A

proposição “Regra da Cadeia → só em algum caso → substituir por u”, é limitada do

ponto de vista da teoria de Novak e inadequada se considerado o contexto da

Derivada. Contudo, o que mais pode exteriorizar este mapa? A liberdade de escolha

desse sujeito?

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Para Bauman e May (2010), nos processos de interação com os indivíduos há

direcionamentos para as escolhas realizadas, para as quais são livres para

acompanhá-las até o fim, porém a liberdade de escolha não garante a liberdade de

atuação sobre elas e nem assegura a liberdade de atingirem-se os resultados

desejados. Em Educação, essa liberdade sempre está limitada a fatores internos ou

externos à ação pedagógica.

Concorda-se com Rezende (2003), que calcular exaustivamente Derivadas de

funções através das regras usuais de derivação não leve o aluno a construir

efetivamente o significado desta operação, e as deformações decorrentes desse tipo

de abordagem contribuam para aplicações ingênuas das regras de diferenciação em

cálculos de Derivadas e em circunstâncias nem sempre apropriadas.

Nesse sentido, Vieira (2013) evidencia que o processo de significação do

conceito de Derivada parece simplesmente realizado por meio do exaustivo uso de

Regras de Derivação, não incentivando o aluno a construir efetivamente esse

conceito.

Em geral, o estudo da Derivada é iniciado por uma abordagem geométrica do

conceito de Derivada, seguida por algumas demonstrações de Derivadas a partir da

definição por Limite, para depois ir para as técnicas de Derivação, comumente

permanecendo um tempo maior nessa última abordagem, que nas duas anteriores.

Nessa etapa, é perceptível também uma maior motivação de grande parte de

estudantes em relação à resolução de exercícios por meio de técnicas de derivação,

pois é muito mais simples que a derivação pela definição, considerando o cálculo

com limites, que muitas vezes apresentam a necessidade de algum artifício

algébrico. É, portanto, desse modo que se entende que o trabalho com as Técnicas

de Derivação corresponde a um campo de representações aparentemente mais

simples e pode ser visto como o lugar onde se inicia o reconhecimento mais

“prazeroso” do estudante quando posto diante do conhecimento “novo”, a Derivada.

Nesse viés, acredita-se que na relação dialógica de alguns sujeitos com o

tópico Regras de Derivação possam estar se consolidando experiências, e não

apenas no que se refere ao emprego de símbolos e manipulações algébricas, mas

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154

como uma porta de entrada à compreensão mais abrangente da rede de

significações que engloba o conhecimento da Derivada.

Nota-se ainda, a partir dos MCIs que apontam para as Regras de Derivação,

que os mapeadores não fizeram referência às demonstrações dessas regras,

apenas apresentaram suas fórmulas, ou algum cálculo desenvolvendo a Derivada de

uma função, em geral, de uma função polinomial. Os mapeadores omitem qualquer

forma de demonstração, embora tenham sido apontados o grande número de

demonstrações realizadas em aulas de Cálculo 1, nas abordagens 1 e 2.

Um enfoque poderia ser dado, por exemplo, em decorrência da apresentação

das demonstrações das Regras de Derivação, por meio de uma demonstração

anterior e consistente do Teorema da Derivabilidade e Continuidade39. Contudo,

para que esse fato possa realmente contribuir no fortalecimento da rede de

significações, na qual se insere a Derivada, é necessário cuidado, e aprofundamento

nessa tarefa. Não basta fazer a demonstração desse teorema, como uma repetição

de procedimentos sistematizados. É preciso levar os estudantes ao diálogo com o

objeto que se expõe. É preciso que o estudante seja capaz de falar desse teorema,

e que o teorema “fale” ao estudante, ou seja, faça-lhe “sentido”, atravesse-lhe como

a compreensão na leitura de um texto (LARROSA, 2011). Por exemplo, o recíproco

deste teorema é falso e pode ser explorado. Do mesmo modo, pelo contra recíproco,

o estudante pode ser capaz de ver que se uma função f não é contínua para x=x0,

então f’(x0) não existe. E por que não ampliar essa discussão para a continuidade da

função, ou seja, considerar aspectos da condição local e também global.

Nesse sentido, Rezende (2003) aponta que o estudante em um curso inicial

de Cálculo se depara com diversas situações do contexto da dualidade local/global,

o que suscita em dificuldades de interpretação dos conceitos e resultados

“normalmente” apresentados em um curso de Cálculo. Para esse autor os conceitos

do Cálculo são definidos, na sua maior parte, localmente – continuidade num ponto,

diferenciabilidade num ponto etc.– para depois serem estendidos para o seu estado

global – a função é diferenciável se ela o for a cada ponto do seu domínio etc. Essa

dificuldade pode ser observada em EP030/MCI (Figura 13), pois neste caso, o

39 Se uma função tem derivada finita em um ponto, então é contínua nesse ponto.

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estudante reconhece que a Derivada existe em um ponto, mas voltando ao aspecto

da dualidade local/global, não está explícito se f é reconhecida pelo mapeador como

uma função diferenciável nesse ponto de seu domínio em que a Derivada existe, ou

se a função f representada pela curva é diferenciável em todos os pontos de seu

domínio.

Os estudantes investigados não exteriorizam em seus MCIs indícios do

reconhecimento da continuidade de uma função. Para apresentar a estrutura do

resultado matemático, o estudante não dá indícios do conhecimento acerca das

condições locais e/ou globais de suas hipóteses, nem das correlações entre elas.

Figura 13 – (EP030/MCI)

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156

Ao calcular uma Derivada, por meio de Regras de Derivação, o estudante

compreende as condições necessárias para que essa Derivada exista e possa então

ser calculada?

Entende-se que essa compreensão seja possível, e possa ocorrer mesmo na

simples aplicação de uma regra, mas para isso o relacionamento Eu-Isso – o

relacionamento do sujeito com o objeto – precisa ser intensificado e explorado de

forma abrangente e consistente a fim de que se alcance uma relação Eu-Tu, que

transcenda o sentido da coisificação. Dessa forma, o sujeito poderá ser conduzido às

diferentes possibilidades de experiência.

No entanto, como conduzir os sujeitos da experiência de Cálculo 1 a escolher

outros caminhos de aprendizado, ou a situações que exijam cada vez mais

disponibilidade, aprofundamento e corresponsabilidade desses sujeitos, pois essas

também são condições para a experiência. Bauman (2013) colabora para o

entendimento das escolhas dos sujeitos.

O que separa a atual agonia da escolha e dos desconfortos que sempre atormentaram o homo eligens, o “homem que escolhe”, é a descoberta ou suspeita de que não há regras prefixadas e objetivos universalmente aprovados a se seguir, que pudessem absorver os escolhedores das consequências adversas de suas opções (BAUMAN, 2013, p. 23 – grifo do autor).

Em EP030/MCI, embora de forma ainda ingênua, o mapeador exterioriza sua

compreensão da ideia de função como uma relação de dependência entre as

variáveis x e y. No movimento demonstrado, novamente o estudante parte do

conceito mais inclusivo, funções, para chegar aos conceitos mais específicos:

Derivada e gráfico. Embora essa seja uma construção linear, podem-se admitir

indícios de uma construção inicial do conhecimento de Derivada sendo bem

conduzida, até então; pois o estudante consegue exprimir com clareza semântica a

sua relação com o objeto, além de utilizar-se de mais de uma forma de registro para

expressar sua posição diante do objeto. Curiosamente, nas abordagens 1 e 2 esse

sujeito mencionou a fragilidade de sua formação básica e uma consequente

reprovação na disciplina, contudo, superada na segunda vez que cursou Cálculo 1, o

que admite, garantiu sua aprovação na primeira vez em Cálculo 2.

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157

Nesse sentido, destaca-se a falta de base em nível médio fortemente

reiterada nas abordagens 1 e 2 deste estudo. Qual a implicação que essa falta de

base pode acarretar na construção de significações para a Derivada? De que forma

as dificuldades dos sujeitos podem estar vinculadas a sua passagem pelo nível

médio?

Segundo Rezende (2003), para assimilar a estrutura de um resultado

matemático, por exemplo, o estudante precisa também conhecer as condições

locais/globais para o desenvolvimento de suas hipóteses, dos seus resultados e das

correlações entre eles. Assim, se tal habilidade não foi devidamente desenvolvida

em etapa anterior de sua educação superior, que pode ter sido constituída

unicamente na Educação Básica, as consequências para o Cálculo podem ser

catastróficas, conforme sugere.

De fato, a ausência das ideias e problemas essenciais do Cálculo no ensino básico de matemática, além de ser um contra-senso do ponto de vista da evolução histórica do conhecimento matemático, é, sem dúvida, a principal fonte dos obstáculos epistemológicos que surgem no ensino superior de Cálculo (REZENDE, 2003, p. 331).

Nesse sentido, Nascimento (2001 apud DALL’ANESE, 2006) expõe acerca

de professores que constatam que as dificuldades de alunos em Cálculo 1 devido à

ausência de conceitos naturais e intuitivos embutidos nas estruturas numéricas,

geométricas e variacionais, decorrente da forma como professores da educação

básica cumprem o conteúdo matemático.

Acredita-se na validade do apontado por esses autores e corroborado por

suas bem conduzidas pesquisas. Admite-se, também, que as deficiências

apresentadas nas representações dadas por alguns mapeadores têm em sua base a

queixa comum de um ensino básico deficiente. Esse fato foi apontado por um

elevado número de estudantes ao comentar sobre a disciplina de Cálculo 1 e ao

relatar sobre seu próprio desempenho nessa disciplina, nas abordagens 1 e 2. Cabe

mencionar que para os MCIs observados, com exceção do curso de Licenciatura em

Matemática, todos os demais cursos têm no primeiro semestre a disciplina de

Cálculo 1.

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Nessa direção, verifica-se que EP005 comentou sobre suas dificuldades na

disciplina de Cálculo 1, que foi para ele devida ao tempo de saída do Ensino Médio,

pois fazia quase 10 anos que não entrava em sala de aula, a última vez tinha sido

em um Instituto Federal. Declarou-se inseguro ao entrar na universidade, mas

conseguiu a aprovação na primeira vez que cursou a disciplina. Nesse sentido,

EC013 relatou ter sido aprovado na primeira vez que cursou a disciplina, o que lhe

exigiu muito conhecimento do nível médio, encontrando aí bastante dificuldade, mas

que superou após fazer sozinho estudos da base da matemática que lhe faltava. Do

mesmo modo, EP030 apontou as dificuldades decorrentes de sua falta de base

matemática de nível médio, reprovou em Cálculo 1 uma vez e buscou em estudos

complementares diminuir sua defasagem e, LM002 foi aprovado em Cálculo 1 na

primeira vez que cursou a disciplina, com uma boa nota, mas declarou que apenas

decorava os conteúdos para a prova, não mencionou falta de base de nível médio.

Tem-se assim, quatro situações distintas, porém que se aproximam pela

elaboração de seus mapas. Todos esses mapeadores exteriorizaram aspectos que

valorizam as Regras de Derivação. Constatou-se que LM002/MCI (Figura 14)

conduziu uma resolução de exemplos de casos de derivação no final do seu mapa,

apresentando o cálculo da Derivada de funções básicas, logarítmica, exponencial,

polinomial e trigonométrica. Porém, para todos os exemplos dados considerou

funções simples cujas Derivadas são imediatas. Iniciou seu mapa com a proposição

de que Derivadas são determinadas através de regras. Nessa direção, EP030/MCI

mencionou a inclinação da reta tangente e se referiu à notação y=f’(x) e ao gráfico

de uma função f genérica correspondente, e uma forma de notação para Derivada,

apresentou um mapa simples com aspectos de linearidade; e EC013/MCI também

não avançou no aprofundamento em relação às Regras de Derivação, referiu-se à

Derivada do produto geral de duas funções e da divisão geral de duas funções. O

mapa de EP005/MCI não foi diferente em relação ao aprofundamento em relação às

Regras de Derivação, restringindo-se essencialmente a apontar as regras que

conhecia e os possíveis usos dessas regras.

Desse modo, tais MCIs poderiam colocar os sujeitos em uma mesma

dimensão de abordagem do aspecto Regras de Derivação, em que não

apresentaram um maior aprofundamento, ou não se referiram a nenhuma condição

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para que qualquer uma das regras apontadas pudesse estar definida, porém foram

diferentes em relação à bagagem que trouxeram em relação à base matemática.

Figura 14 – (LM002/MCI)

Notadamente, com ou sem uma base matemática fortalecida no Ensino

Médio, por meio dos MCIs, os sujeitos exteriorizaram um aspecto da construção

desse conhecimento que parece revelar apenas os pontos mais elementares dessa

abordagem, como se sinalizassem para uma construção inicial desse conhecimento.

Por exemplo, LM002/MCI mencionou o grande número de demonstrações feitas em

aula de Cálculo 1 nas abordagens anteriores, mas também se limitou ao contexto da

superficialidade em seu mapa. Nesse sentido, pode significar que apenas a

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superficialidade, os casos mais simples, os níveis mais elementares deixam suas

marcas?

As marcas da superficialidade ficaram realmente evidentes nos MCIs desses

estudantes. Mas, esses mapas indicam também que sujeitos com formação básica

distintas estejam construindo mapas similares. Cabe o entendimento de que um

grupo de estudantes aparentemente adentra ao conhecimento da Derivada pelo

caminho das técnicas de Derivação. Acredita-se, contudo, não ser essa a única

abordagem a que são expostos. Provavelmente por opção, por escolha, podem ter

tornado esse caminho por julgá-lo o de melhor acesso, significando que nesse

espaço se encontram mais seguros, mais confortáveis.

Compreende-se, então, que há uma direção nesse processo de construção do

conhecimento da Derivada, que para alguns estudantes investigados parece iniciar-

se pela abordagem das Regras de Derivação. Nesse sentido, vê-se algo de positivo,

há como evoluir, mesmo que com estudantes de Cálculo 1 que apresentam

relevantes dificuldades decorrentes de uma educação básica deficiente. Mesmo com

estudantes que escolham o caminho mais “tranquilo” para dar os primeiros passos

na direção do novo conhecimento. Os aspectos apontados por Rezende (2003)

contribuem nesse sentido, assim como várias outras pesquisas direcionadas para

focos distintos da problemática do Cálculo 1, como exemplo Traldi (2006),

Dall’Anese (2006) e Vieira (2013), apresentadas na revisão de literatura.

5.3 MCIs e o enfoque Conceito da Derivada

Elegeu-se, em continuidade para o processo de análise, o enfoque Conceito

da Derivada, pois este, desempenha um papel central no currículo da disciplina de

Cálculo Diferencial e Integral 1 e, por conseguinte, está presente nas abordagens em

aulas dessa disciplina, cenário desta investigação. Nesse propósito, entende-se que

o conceito de Derivada é passível de ser definido de diferentes formas e é

recomendável que as diferentes formas sejam correlacionadas. Infere-se que

podem, em aulas de Cálculo 1, ocorrer disjunções nas abordagens, evidenciando-se

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os aspectos formal, dinâmico e estático desse entendimento e, apenas em virtude da

análise que se pretende realizar, far-se-á uso dessas disjunções. Porém, considera-

se que os MCIs em análise nesta etapa podem trazer elementos simultâneos de

mais de um desses aspectos. Assim como, entende-se que o fato de um MCI

apontar para apenas uma dimensão do Conceito da Derivada, não signifique que o

sujeito tenha apenas essa única compreensão.

Nesse propósito, compuseram-se três agrupamentos para o enfoque Conceito

da Derivada, representados em agrupamentos: (I)l; (II) e (III) que serão descritos a

seguir. A partir desses agrupamentos os MCIs dos estudantes investigados serão

classificados.

Agrupamento I (Formal) – Enquadram-se os MCIs em que os sujeitos

investigados apontaram para uma possibilidade de compreensão conceitual da

Derivada, porém, restrita à definição formal, dada por meio do Limite, ou seja,

remeteram à fórmula que compara a Derivada f’ de uma função f em (Conjunto

dos Números Reais), considerando-se um intervalo I do conjunto e uma função f

de I em . Nesse aspecto, se um ponto , diz-se que f é derivável em a, se

existir o limite e o mesmo for finito, conforme Stewart (2006) pode ser definida como:

onde, h = x – a.

Nesta expressão o limite indica a Derivada da função f no ponto a,

representada por f′(a). A Derivada de f em a, se existir, é única, o que também é

verdade se I fosse um conjunto qualquer de números reais e se a fosse um ponto

não isolado de I. Porém, buscar-se-á nos mapas por proposições adequadas e/ou

limitadas, conforme já estabelecido para Regras de Derivação, desse modo,

possíveis erros ou falta de clareza em algumas proposições podem ser encontradas

e consideradas.

Agrupamento II (Estático) – Enquadram-se os MCIs em que se percebem

aspectos de uma compreensão direcionada para a comumente chamada de

Interpretação geométrica estática da Derivada, ou seja, uma interpretação

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geométrica da taxa de variação onde intuitivamente se trabalha com a noção de

Limite. Nessa direção, incluem-se aspectos que remetam a indícios da compreensão

que, em geral, é resultado de uma abordagem que se inicia pelo estabelecimento de

que a Derivada de uma função f em um ponto a fornece o coeficiente angular

(inclinação) da reta tangente ao gráfico de f no ponto (a, f(a)). Nesse intento, dada

uma curva que representa o gráfico de f, se conhecido um ponto P(a, f(a)), então a

equação da reta tangente à curva em P é dada por y - f(a) = m (x - a), onde m é o

coeficiente angular da reta tangente. Assim, basta o sujeito conhecer o coeficiente

angular m da reta e um de seus pontos, para conhecer a sua equação. Para obter m

para que essa reta seja tangente à curva em um ponto P, considera um outro ponto

arbitrário sobre a curva, Q, cujas coordenadas são (a + ∆x, f(a+ ∆x)). A reta secante

à curva que passa por P e Q fornece o m (inclinação da reta secante). A variação do

coeficiente angular da reta secante fazendo Q se aproximar de P, ou seja, tomando

∆x cada vez menor, permite indicar que quando P está próximo de Q, o coeficiente

angular m da reta secante deve estar arbitrariamente próximo do coeficiente angular

m da reta tangente, ou seja, o coeficiente angular m da reta secante tem um limite m,

o que implica dizer que a reta tangente é a posição limite da reta secante quando Q

tende para P. Uma consequência imediata dessa interpretação da Derivada é que

uma função só é derivável (ou diferenciável) em um ponto de seu domínio se existir

uma reta tangente ao seu gráfico por este ponto. Acredita-se que alguns mapas

possam apresentar indícios de aspectos dessa interpretação e, do mesmo modo que

para o agrupamento II, possivelmente serão encontradas proposições adequadas

e/ou limitadas, porém, interessa para esse estudo se exteriorizam em MCIs indícios

dessa compreensão do conceito da Derivada.

Agrupamento III (Dinâmico) – Enquadram-se os MCIs dos estudantes que

em suas representações remeteram à interpretação da Derivada como taxa de

variação instantânea da função. Entende-se que algumas abordagens sobre o

conceito de Derivada se encontrem fortemente relacionadas a essa compreensão,

como exemplos de um importante indicador gerencial em que a variação de uma

função e a medida desta variação se fazem necessárias em um determinado

momento. Buscar-se-á por aspectos representados nos MCIs que apontem para

essa compreensão e que relacione a Derivada de uma função ao limite das taxas

médias de variação sobre intervalos cada vez menores. Se o intervalo for [x1, x2],

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então ∆x = x2 – x1, e a variação no valor de y será ∆y= f(x2) – f(x1). A taxa de

variação instantânea será dada pela expressão a seguir:

Em conexão com a interpretação anterior, se esboçada a curva y=f(x), então a taxa

de variação instantânea de f será a inclinação da tangente a essa curva no ponto

onde x=a. Assim, quando a Derivada for grande, os valores de y mudarão

rapidamente, ocorrendo o contrário para quando a Derivada for pequena, conforme

Stewart (2006).

Figura 15 – Taxa de variação instantânea Fonte: Stewart (2006, p. 161)

Contudo, a busca por proposições adequadas e/ou limitadas nos MCIs

permitirá que representações incompletas sejam computadas, portanto as

proposições adequadas e/ou limitadas, ou seja, ainda que explicitem baixa clareza

semântica para o contexto matemático da Derivada serão consideradas, assim como

A figura mostra que

valores de y mudam

rapidamente em P e

lentamente em Q.

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os MCIs que simplesmente apresentarem referência à Derivada como taxa de

variação instantânea da função, ou que denote indícios dessa compreensão.

A seguir, apresenta-se o Quadro 11 com os resultados computados em cada

um dos agrupamentos para MCIs que apresentaram indícios de Conceito da

Derivada na análise de suas proposições. Ressalta-se que um mesmo mapa pode

apresentar elementos de um ou mais agrupamentos, o que não invalida a contagem

para o item. Assim como, alguns MCIs podem apresentar elementos de outros

agrupamentos e ser contado, simultaneamente, em Regras de Derivação e Conceito

da Derivada, por exemplo.

Quadro 11 – Resultados a partir dos MCIs considerados conforme os agrupamentos para Conceito

da Derivada.

CONCEITO DE DERIVADA

MCIs Conceito de

Derivada40 em MCIs

(%)41 Agrupamentos

I II III

EA 07 03 57,14 01 03 00

EC 06 02 33,33 00 02 01

EP 24 02 8,33 00 02 00

EQ 36 18 50,00 04 16 04

ER 04 01 25,00 00 01 00

LF 03 02 66,67 01 02 00

LM 28 10 35,71 01 08 03

LQ 02 00 0,00 00 00 00

TOTAL 110 38 34,54 07 34 08

A partir dos dados no Quadro 11, verifica-se que a coluna Conceito da

Derivada em MCIs indica o número de mapas nos quais foram encontradas, em

proposições adequadas e /ou limitadas, indícios de uma compreensão do estudante

em que este recorre a elementos da abordagem por conceitos pensada em pelo

menos uma das formas dos três agrupamentos apresentados. Desse modo, um

mesmo mapa pode conter elementos de mais de um agrupamento, como ocorreu

40 Os números nessa coluna diferem do somatório dos agrupamentos, pois alguns MCIs foram computados em mais de um agrupamento. 41 Percentagem relativa ao número de MCIs com Conceito de Derivada em comparação com o total de MCIs considerados.

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para o curso de LF em que em três MCIs considerados, dois apresentaram indícios

de Conceito de Derivada. Ou ainda, um conjunto de MCIs considerado pode não

apresentar esses elementos em nenhum dos mapas, como o caso da LQ.

5.3.1 A análise para Conceito de Derivada

Conforme apresenta o Quadro 11, evidenciou-se que o agrupamento II

englobou o maior número de proposições adequadas e/ou limitadas com indícios de

elementos de uma construção conceitual da Derivada. Dos 110 MCIs selecionados,

34 receberam esse enquadramento. Cabe lembrar que um mesmo mapa pode ter

sido computado em um ou mais agrupamentos, pois apenas se levou em conta, se o

mapeador exteriorizou indícios dessa compreensão que se alinha ao conceito de

Derivada nas dimensões, conforme apontado nos agrupamentos I, II e III.

Identificou-se também, que apenas 07 dos 110 MCIs considerados se enquadraram

no agrupamento I, e 08 no agrupamento III. Nos MCIs computados a interpretação

da Derivada, conforme apresentada no agrupamento II, ultrapassou em muito a

compreensão formal em termos de Limite dada no agrupamento I e a compreensão

dinâmica como taxa de variação instantânea, conforme explicitada no agrupamento

III.

Verificou-se que o agrupamento II foi o mais presente nos MCIs dos

investigados, nesse sentido, concorda-se com Rezende (2003) que interpretar o

conceito de Derivada tão somente como coeficiente angular da reta tangente

significa ignorar o problema histórico essencial da medida instantânea da

variabilidade de uma grandeza. A presença marcante do agrupamento II pode indicar

que a abordagem por meio da interpretação geométrica estática do conceito da

Derivada seja frequente em aulas de Cálculo 1 e possa ocorrer de forma destacada

das mencionadas nos agrupamentos I e III.

No entanto, a mesma presença pode indicar, assim como em Regras de

Derivação, que a compreensão do conceito da Derivada possa estar se

consolidando por esse caminho, pois talvez esse se abra aos estudantes com uma

maior significação em seu processo de construção do conhecimento, favorecendo a

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compreensão desses estudantes a respeito da Derivada. Provavelmente, entender o

processo mencionado no agrupamento II seja uma tarefa razoável para os

estudantes, pois ao apontar para elementos geométricos da construção do conceito,

os estudantes podem encontrar sentido para o aspecto formal dado em termos do

Limite, quando muitas vezes, Derivadas são “provadas” por meio de um “jogo” que

relaciona o valor encontrado por meio de regras de derivação ao valor encontrado

pela definição da Derivada. Isso pode não fazer muito sentido para os estudantes, no

entanto, por meio da interpretação conforme se apresenta no agrupamento II,

intuitivamente percebem o Limite quando fazem Q se aproximar de P.

Desse modo, essa abordagem remetida a uma interpretação geométrica

estática pode estar consolidando experiências (LARROSA, 2002, 2011) para esses

sujeitos em aulas de Cálculo 1, e talvez por isso, esse número representativo de

estudantes apresentaram elementos desse agrupamento em seus MCIs.

Contudo, verifica-se também o aspecto da superficialidade. Os MCIs

considerados em Conceito de Derivada, em sua maioria, apresentaram indícios de

uma compreensão superficial, inconclusa, limitada e insuficiente. A presença de

proposições limitadas justifica esse fato, como exemplo EA001/MCI (Figura 16) em

seu MCI exterioriza proposições que apresentam baixa clareza semântica quanto

aos conceitos e termos de ligação utilizados, e são insuficientes no contexto

matemático em que se insere o estudo da Derivada. O que até pode ser devido a

sua não familiaridade com a representação por meio de mapas conceituais, mas

pode significar também a insegurança deste estudante em relação à compreensão

da Derivada. Em seu MCI foi econômico quanto ao número de proposições, que

seguiram uma representação radial, ou seja, com proposições ligadas ao conceito

central, contudo, não necessariamente ligadas entre si; e linear, quando cada

conceito se liga unicamente ao anterior. Seu mapa se caracterizou pela limitação no

número de conceitos.

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Figura 16 – (EA001/MCI)

Cabe mencionar que os termos de ligação inadequados diminuem a precisão

da mensagem exteriorizada com as proposições, conforme Cicuto e Correia (2013).

A partir do MCI apresentado na Figura 16, evidenciou-se também, que uma das

proposições “Derivada fácil ou difícil solução”, não apresentou verbo no termo

de ligação, o que compromete sua clareza semântica, é, portanto, uma proposição

limitada. Em continuidade a essa proposição, o mapeador faz uma relação entre

conceitos, mas não coloca o sentido na seta, e, portanto não passa a real intenção

de sua mensagem, “solução-depende-função ou função-depende-solução”? A

presença das proposições limitadas permitiu diferenciar as Estruturas Hierárquicas

Inapropriadas ou Limitadas no mapeamento, segundo Novak (2002). Desse modo, a

clareza da proposição “Derivada descreve a reta tangente” é facilmente

destacada na rede de proposições, evidenciando que nessa direção, o mapeador

demonstra o principio de uma compreensão. Uma construção do conhecimento da

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Derivada parece apontar para o caminho do conceito, contudo, infere-se que ainda é

incipiente, fragmentada, em construção. Nesse sentido, a experiência é uma

possibilidade, pois ocorre na descoberta, na transformação diante do novo.

O sujeito EA001 ingressou no curso de EA no ano de 2008, quando cursou

Cálculo 1 a primeira vez. Relatou que de uma turma de 30 alunos ele foi um dos 7

aprovados na disciplina. Em relato dado para a abordagem 2 mencionou que embora

tenha sido aprovado, não aprendeu o suficiente, pois, diz-se ainda encontrar

dificuldades ao deparar-se com Derivadas, quando de sua participação nesta

pesquisa. Acredita também que essa dificuldade seja decorrência de uma formação

básica deficiente. Assim, infere-se que a superficialidade apresentada em

EA001/MCI pode estar relacionada muito mais a sua compreensão limitada sobre o

conteúdo, do que a sua habilidade para elaborar mapas conceituais.

Embora essa característica da superficialidade apresentada nos MCIs tenha

estado muito presente, também foram encontrados mapas mais conclusivos,

demonstrando uma maior segurança dos sujeitos em relacionar sua compreensão

sobre o tema Derivada. Apontado por Larrosa (2002, p. 24), o sujeito da experiência

pode ser entendido como “uma superfície sensível que aquilo que acontece afeta de

algum modo, produz alguns efeitos, inscreve algumas marcas”, desse modo,

entende-se que a segurança possa estar relacionada a essas marcas ou vestígios

deixados pelas aulas de Cálculo 1.

Em EA009/MCI (Figura 17) o mapeador inicia sua construção pela afirmação

dada pela proposição “Derivadas significam a inclinação da reta tangente a

uma curva”, e dessa forma indica um caminho de construção do conhecimento da

Derivada mais fundamentado do que EA001. Embora se utilize de uma frase dentro

da caixa para o segundo conceito, o que poderia ser expandido, gerando novas

conexões em seu mapa a partir do conceito inclinação, verifica-se que a construção

continua em uma estrutura próxima de um mapeamento em rede, por meio da qual o

sujeito faz outras relações, revelando um contexto de representações que aponta

para regras através de fórmulas, procedimento que é deixado; mas também aponta

para aplicações da Derivada, com um exemplo em Física, o que relaciona de forma

cíclica no mapa à ideia conceitual sobre a Derivada apresentada no início do seu

mapa, revelando uma elaboração mais abrangente, mais inclusiva.

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Figura 17 – (EA009/MCI)

As iniciativas abandonadas pelo mapeador, uma para Regra de Derivação e

uma rasura na base do mapa, dão indícios da forma como o estudante pensou ao

conduzir sua elaboração. Ao pensar, toma decisão, redireciona sua compreensão.

Essas iniciativas mostram direções tomadas pelo sujeito, cuja habilidade para tomar

decisões é uma escolha consciente, um exercício de liberdade (BAUMAN; MAY,

2010). Entretanto, até que ponto essa liberdade se coloca sob as limitações do

conhecimento desse estudante?

Nessa direção, destaca-se o mapeamento de LM012/MCI (Figura 18), pois

este mapeador também organiza uma estrutura em rede, e se utiliza de conceitos,

em geral, colocados em uma única palavra, demonstra um modelo hierárquico com

conceitos mais inclusivos no topo e conceitos específicos ou pouco abrangentes na

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base do mapa, embora mapas conceituais não necessariamente prescindam de

apresentar esse tipo de hierarquia (MOREIRA, 2012)42.

Neste mapa, há a presença de exemplos, uma característica observada em

alguns mapas elaborados por estudantes da LM, como em LM002/MCI43; destacou-

se este aspecto pela coincidência dos cursos, pois talvez em pesquisas futuras

possam ser revisitados elementos didáticos pedagógicos evidenciados em mapas

conceituais ou mapas conceituais iniciais.

Entende-se também que a utilização dos exemplos pelo mapeador reforçou a

sua segurança na exteriorização apresentada. Outra característica que remete à

segurança se refere ao traçado acentuado das linhas e ausência de rasuras. Pode-

se inferir que em LM012/MCI as decisões do mapeador foram conscientes. Mais

elementos dessa segurança são evidenciados pelas linhas finalizadas com setas

indicando um sentido entre os conceitos. O conceito de Derivada é nesse sentido,

apresentado por meio de uma aquisição diferenciada progressiva44, pois este

mapeamento se tornou cada vez mais elaborado à medida que o estudante

estruturou sua representação.

Do ponto de vista do contexto matemático, embora incipiente, este mapeador

apresentou uma sistematização adequada em relação à Derivada, suas proposições

foram apropriadas quanto à clareza semântica e quanto ao conteúdo explicitado, e

aparecem em maior número de conceitos. A partir de uma proposição fica evidente

em seu mapa que a compreensão da Derivada está associada à compreensão de

Limite que decorreu das funções, segundo LM012/MCI. O que sustenta essa opção

do mapeador pode estar fundamentado na forma como se constitui a identidade da

disciplina de Cálculo 1.

42 Adaptado e atualizado, em 1997, de um trabalho com o mesmo título publicado em O ENSINO,

Revista Galáico Portuguesa de Sócio-Pedagogia e Sócio-Linguística, Pontevedra/Galícia/Espanha e Braga/Portugal, N° 23 a 28: 87-95, 1988. Publicado também em Cadernos do Aplicação, 11(2): 143-156, 1998. Revisado e publicado em espanhol, em 2005, na Revista Chilena de Educação Científica, 4(2): 38-44. Revisado novamente em 2012. 43 Ver em análise para Regra de Derivação (Figura 14). 44 Processo característico da dinâmica da estrutura cognitiva, no curso da aprendizagem significativa, os conceitos que interagem com o novo conhecimento e servem de base para a atribuição de novos significados vão também se modificando em função dessa interação, esse processo é denominado de Diferenciação Progressiva, segundo Moreira (2012).

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171

Figura 18 – (LM012/MCI)

Nessa direção, a hierarquia demonstra uma organização dos conceitos do

mais para o menos inclusivo, tornando seu mapa claro para o leitor, evidenciando

também o aspecto cronológico dos conteúdos programáticos, aspecto esse

corroborado pelo plano comum da disciplina.

Segundo Vieira (2013), uma sequência temática que se coloca como:

Números Reais, Funções, Limite, Derivada e Integral, constitui a apresentação de

um Cálculo sistematizado, formal e logicamente organizado resultado do trabalho de

filósofos, pensadores e matemáticos por mais de 20 séculos. Uma proposta que,

para esse autor se baseia no fato, questionável, de que “a lógica interna consistente

precisa garantir a aprendizagem significativa por parte dos estudantes” (VIEIRA,

2013, p. 41).

Outro MCI bastante significativo é representado por LM034/MCI (Figura 19). A

estrutura apresenta um mapeamento radial e linear. Este mapeador explicita

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172

reconhecimento de regras de derivação e também se volta para Conceito e

Aplicação da Derivada. No que diz respeito ao Conceito da Derivada se pode

evidenciar a proposição “Derivadas nos dão equação da reta tangente”. Essa

proposição está apropriada (NOVAK, 2002; CICUTO; CORREIA, 2013), pois o verbo

no termo de ligação torna possível entender completamente a mensagem, porém o

mapeador complementa a informação, com “a equação pode ser obtida pela fórmula

ponto inclinação”. Este mapeador também se utilizou de exemplos em seu mapa, e

quando faz esse complemento, parece ser seu intento reafirmar a proposição

destacada. Conforme apontado anteriormente, os exemplos estão presentes em

vários MCIs de alunos da LM. Este mapeador ingressou na LM em 2012, e cursou

Cálculo 1 uma vez no 1º semestre de 2013. Mencionou em relato que embora tenha

considerado complicado no início, o Cálculo 1 é interessante, e foi a disciplina que

mais gostou de cursar até o momento45.

Figura 19 – (LM034/MCI)

45 Julho de 2013, ocasião em que ocorreu a coleta dos dados deste mapeador.

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173

Infere-se que LM034/MCI vivenciou uma relação com a Derivada de forma

abrangente, mas que talvez possa não ter sido integradora nas significações que

envolvem esse conhecimento. Pois, em seu mapa apontou para as três direções:

Regras, Conceito e Aplicação, porém essas três direções não foram interligadas,

uma vez que permaneceu com uma estruturação radial e linear até o fim. Contudo, é

possível afirmar apenas a partir de um único MCI que o estudante tenha sido

exposto a uma visão abrangente, mas não integradora na construção de um

determinado conhecimento?

De fato não se tem certeza da integração ou não. Em suas escolhas para este

mapa expõe as três formas, o que pode apontar para a forma como esse sujeito

consegue visualizar a Derivada, o que não é garantia de que não consiga fazer

integrações entre Regras, Conceito e Aplicações da Derivada.

Vieira (2013) sugere em relação à disciplina de Cálculo o domínio da técnica

sobre o significado. Os resultados encontrados na presente investigação também

apontam para essa possibilidade.

Porém, se não é possível afirmar a integração dos enfoques mencionados, a

partir do mapeamento de LM034/MCI, pode-se confirmar a abrangência das aulas de

Cálculo 1 quando este sujeito remete às três direções de abordagem dessa

disciplina. Nesse sentido, seu mapa é abrangente; o que corrobora o ponto de vista

em relação às escolhas dos sujeitos, quando uns apresentam uma única

possibilidade ao exteriorizar sua compreensão de Derivada, enquanto outros optam

por várias direções. Entende-se que as escolhas exteriorizadas pelos sujeitos em

seus MCIs sobre Derivada vão ao encontro do que representa suas possibilidades

de experiência com esse conteúdo; em outras palavras, as possíveis marcas

deixadas na relação dialógica ocorrida na passagem desses estudantes pela

disciplina de Cálculo 1.

Presume-se, assim, como Rezende (2003) e Vieira (2013), que a noção de

Derivada está, sobretudo, relacionada à taxa de variação instantânea, e nessa

perspectiva, possa ter sentido em diversas áreas do conhecimento. Contudo, esses

autores salientam a prevalência da definição formal do conceito de Derivada em

termos de Limite e sua interpretação geométrica estática como coeficiente angular

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da reta ao gráfico de uma função em um dado ponto. Os dados desta pesquisa

confirmam mais fortemente essa argumentação geométrica, e acrescentam que,

embora a visão geométrica estática prevaleça, a superficialidade dessa perspectiva

também está presente, assim como a superficialidade da visão formal e dinâmica.

Os investigados deixam revelar por meio de seus MCIs que o conhecimento

construído ao longo da disciplina deixou apenas as marcas mais elementares.

Desse modo, julga-se a necessidade de fortalecer os meios para que essas

marcas (LARROSA, 2011) sejam mais profundas e menos elementares. Vieira

(2013) sugere que as teias da rede de conhecimento precisam se tornar grandes

mediadoras na negociação de significados e unir a Matemática e a Informática para

fortalecer a apropriação do conhecimento. Nesse sentido, sugere-se também um

maior cuidado e atenção à relação dialógica (BUBER, 2009) presente nesse

encontro de possibilidades que se forma em aulas de Cálculo 1.

5.4 MCIs e o enfoque Aplicação da Derivada

Na etapa final deste processo de análise se apresenta o enfoque Aplicação de

Derivada, no qual se acredita seja classificado um número mais reduzido de MCIs,

uma vez que a aplicação da Derivada pode exigir do sujeito uma compreensão mais

bem elaborada do que se refere a Regras de Derivação e ao Conceito de Derivada,

o que não foi demonstrado em um número significativo de MCIs.

Concebeu-se quatro agrupamentos para o enfoque Aplicação da Derivada,

representados em agrupamentos: (I) Gráficos; (II) Problemas Elementares; (III)

Taxas Relacionadas e (IV) Otimizações, que serão descritos a seguir. Essa divisão

foi pensada levando em consideração um caminho de abordagem bastante presente

em aulas de Cálculo 1. A partir dos agrupamentos os MCIs dos investigados foram

classificados e analisados. Cabe lembrar que, conforme os enfoques anteriores, um

mesmo MCI pode exteriorizar aspecto de um ou mais agrupamentos, e quando

ocorrer tal situação, será computado em todos os agrupamentos para os quais

apresentar implicação.

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175

Agrupamento I – (Gráficos) – Enquadram-se os MCIs dos estudantes que

exteriorizaram aspectos que remetem à ideia de construção de gráficos a partir de

Derivadas. Ou seja, a partir de seus MCIs os investigados apontaram, por meio de

proposições limitadas e/ou apropriadas, para aspectos que remetem ao uso de

Derivadas para auxiliar a construção de gráficos, pois a Derivada como um

importante recurso para análise de funções contribui para essa elaboração.

Considerou-se que a partir da interpretação estática que faz da Derivada, o

estudante possa ser levado a apresentar aplicações desse conteúdo como um

recurso auxiliar ao esboço de curvas, por exemplo, quando a partir da Derivada

mencionar pontos onde a tangente é horizontal à curva, ou seja, onde a Derivada da

função no ponto de abscissa é zero; ou para encontrar os intervalos para os quais a

função está acima da reta tangente, ou abaixo dessa reta etc. Assim, se o estudante

na referência à análise e elaboração de gráficos de funções apresentar proposições

limitadas e/ou apropriadas que indiquem: o crescimento ou decrescimento da

função; valores críticos e máximos e mínimos relativos; testes da Derivada primeira e

segunda; concavidade e ponto de inflexão de uma curva, para o fim exclusivo de

elaborar um gráfico, então, seu MCI será considerado neste agrupamento. Contudo,

a menção a qualquer um desses aspectos é suficiente para classificar um

mapeamento, portanto, possivelmente representações inconclusas e elementares

poderão ser consideradas como um MCI classificado nesse agrupamento.

Agrupamento II – (Problemas Elementares) – Enquadram-se as

exteriorizações nos MCIs que apontaram para a resolução de problemas cuja

solução pode ser dada por meio da identificação da taxa de variação instantânea de

uma função. Tais problemas são facilmente resolvidos pelos estudantes, aplicando-

se apenas a Derivada de uma função Polinomial, um procedimento que remete

também ao domínio da técnica. Problemas desse tipo são frequentes em aulas de

Cálculo 1, geralmente, vinculados ao contexto da Física, Economia, Biologia etc., por

exemplo, a situação a seguir: “Suponha que a equação horária do movimento de um

corpo é dada por s(t) = t2 + 3t + 5 e que se deseja saber a velocidade do corpo no

instante t=3s. Encontre essa velocidade”. O estudante chega rapidamente ao

resultado derivando uma vez a função s(t) em função do tempo e fazendo as

substituições necessárias. Nesse contexto, enquadram-se também as proposições

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176

limitadas e/ou apropriadas em que os estudantes mencionam a aplicação da

Derivada à Física, Química, Economia etc.

Agrupamento III – (Taxas Relacionadas) – Enquadram-se neste

agrupamento os MCIs por meio dos quais os estudantes exteriorizaram ideias

relativas a problemas com variáveis relacionadas, por exemplo, se mencionaram que

se uma variável x é função do tempo t, então a taxa de variação de x em relação ao

tempo é dada por dx/dt, e dessa forma, quando duas ou mais variáveis, todas em

função de t, são relacionadas por uma equação, a relação entre suas taxas de

variação pode ser obtida diferenciando a equação em relação a t. Nessa direção,

provavelmente tais estudantes relacionem suas representações a problemas

clássicos do tema como o problema do cone invertido, do balão esférico etc. Indícios

dessa abordagem remetem a passos, geralmente conduzidos em aulas de Cálculo

1,na seguinte sequência: fazer uma figura; definir variáveis, em geral, em função de

t; escrever os fatos numéricos conhecidos sobre as variáveis e suas Derivadas em

relação à t; obter uma equação em função de t; derivar em relação a t ambos os

membros da equação encontrada; substituir valores de quantidades conhecidas e

resolver o problema. Assim, se os estudantes estabelecerem proposições limitadas

e/ou apropriadas que apontem para essas representações, seus MCIs serão aqui

computados, também os mapas que exteriorizarem apenas menções a problemas

com taxas relacionadas.

Agrupamento IV – (Otimizações) – Enquadram-se os MCIs por meio dos

quais os estudantes exteriorizam aspectos que remetem às aplicações de máximos

e mínimos absolutos das funções que os representam, ou seja, com o objetivo de

determinar máximo e/ou mínimo da função recorrem a otimizações fazendo uso da

Derivada. Considera-se também que para determinar os pontos de máximo e mínimo

globais de uma função contínua seja necessário comparar valores que a função

assume nos pontos críticos, com os respectivos valores nos extremos do intervalo,

quando a função é contínua definida em um intervalo fechado, podendo assim,

assumir valores máximo e mínimo globais ou nos pontos críticos, ou nos extremos

do intervalo. São, nesse caso, situações em que se busca resolver problemas tais

como: maximizar áreas, volumes, lucros e minimizar distâncias, tempo e custos.

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177

Problemas desse tipo46, embora abrangentes uma vez que podem ir desde

problemas geométricos a problemas que dizem respeito à Física, Engenharia,

Biologia, Economia etc, são propostos em aulas de Cálculo 1. O maior desafio é

converter o problema em um problema de otimização matemática estabelecendo a

função que deve ser maximizada ou minimizada. Considera-se provável encontrar

nos MCIs a evidência de aspectos que remetam a essa construção, porém admite-se

que possam não significar representações completas; assim, serão consideradas

também as exteriorizações por meio de proposições limitadas e/ou apropriadas nos

MCIs que remetam parcialmente às situações de otimização, como a simples

menção ou referência à situação.

Apresenta-se o Quadro 12 com os resultados computados em cada um dos

agrupamentos para MCIs que apresentaram indícios de Aplicação da Derivada.

Enfatiza-se que um mesmo mapa, pode apresentar elementos de um ou mais

agrupamentos, o que não invalida a contagem para o item. Assim como, podem

apresentar elementos dos demais enfoques já considerados na presente análise.

Quadro 12 – Resultados a partir dos MCIs considerados conforme os agrupamentos para Aplicação da Derivada.

46 “Um fazendeiro tem 2400 pés de cerca e quer cercar um campo retangular que está na margem de um rio reto. Ele não precisa de cerca ao longo do rio. Quais são as dimensões do campo que tem a maior área?” (STEWART, 2006, p. 332). 47 Os números nessa coluna diferem do somatório dos agrupamentos, pois alguns MCIs podem ter sido computados em um ou mais agrupamentos. 48 Percentagem relativa ao número de MCIs com Aplicação da Derivada em comparação com o total de MCIs considerados em cada curso investigado.

APLICAÇÃO

DA DERIVADA MCIs

Aplicação da

Derivada 47 em

MCIs

(%)48

Agrupamentos

I II III IV

EA 07 02 28,57 01 01 00 00

EC 06 02 33,33 00 02 00 00

EP 24 06 25,00 01 05 00 02

EQ 36 07 19,44 00 05 01 01

ER 04 01 25,00 00 01 00 00

LF 03 02 66,67 00 01 01 00

LM 28 04 14,29 01 04 00 00

LQ 02 00 00,00 00 00 00 00

TOTAL 110 25 22,73 02 19 02 03

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178

A partir da classificação prévia dos MCIs que exteriorizam aspectos da

aplicação da Derivada se construiu o Quadro 12. A evidência de um percentual bem

mais reduzido nos agrupamentos desse enfoque foi confirmada nesse levantamento,

pois apenas 25 dos 110 MCIs considerados, aproximadamente 23%, apontaram

para essa direção. Desses 25 MCIs, 2 remeteram para o agrupamento I, 19 para o

agrupamento II, 2 para o agrupamento III e 3 para o agrupamento IV, ressaltando-se

que um mesmo mapa pode ter sido considerado em mais de um agrupamento.

Entende-se que o receio dos estudantes em expor, em seus mapas, aspectos

da Aplicação da Derivada possa estar relacionado a uma compreensão limitada

sobre o conteúdo matemático, uma vez que a superficialidade em relação à Derivada

foi demonstrada em diferentes MCIs considerados para os enfoques Regras de

Derivação e Conceito da Derivada, confirmado também, por relatos obtidos nas

abordagens 1 e 2. Contudo, não se pode excluir a possibilidade da limitação de

alguns sujeitos na tarefa de elaboração de mapas, nessa direção, pesquisas futuras

que não considerem apenas uma única versão dos mapas (considerou-se apenas os

MCIs) pode ser um importante mecanismo de investigação e de confirmação de

alguns dos aspectos levantados nesta pesquisa. Admite-se, também, que a maior

escassez nos mapas para aspectos da Aplicação da Derivada esteja também

relacionada ao pouco tempo disponibilizado para essa abordagem em aulas de

Cálculo 1, uma vez que esse enfoque é comumente trabalhado em aulas finais

dessa disciplina, um período conturbado em que muitos estudantes estão muito mais

preocupados com os resultados finais na disciplina, do que com o conhecimento em

construção.

5.4.1 A análise para Aplicação de Derivada

Destaca-se, a partir do Quadro 12, o curso de LF com o maior percentual de

MCIs com aspectos para Aplicação da Derivada em relação aos cursos investigados.

Da LF, 2 dos 3 MCIs considerados apontaram para Aplicação da Derivada, tendo

apontado também para Conceito da Derivada, e 1 MCI para Regra e Conceito da

Derivada, além da referência à Aplicação.

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Embora seja possível expressar o aspecto quantitativo, os mapas computados

para o curso de LF no enfoque Aplicação da Derivada foram bastante incipientes.

Em um desses mapas estruturalmente radial e linear LF005/MCI (Figura 20) se

encontra a proposição “Taxas relacionadas → encontra-se → Volumes e Áreas”. O

mapeamento em questão foi considerado no agrupamento III, contudo, a

exteriorização apresentada sinaliza que esse estudante possa ter passado por um

processo em que o estudo do tema Taxas Relacionadas tenha sido explorado por

meio de exemplos. Este estudante mencionou, em seus relatos às abordagens 1 e 2,

que cursou duas vezes a disciplina de Cálculo 1, e que foi aprovado com

desempenho “não muito bom”, saindo da disciplina com grandes dificuldades em

Limite e Derivada, e que passou por uma aprendizagem mecânica direcionada a

fazer provas.

Figura 20 – (LF005/MCI)

Este mapeador exteriorizou em seu mapa o que julga encontrar ao resolver

problemas com taxa relacionada – a proposição destacada em questão aponta com

relativa clareza semântica para essa compreensão de análise. Dessa forma, intui-se

também que a ideia de computar a taxa de variação de uma grandeza em termos de

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uma taxa de variação de outra grandeza mais facilmente medida, para assim achar a

equação que relacione tais grandezas e então diferenciar, deva estar distante da

relação feita por esse estudante.

Nesse sentido, Vieira (2013) apresenta os resultados da pesquisa de Cabral

(1988), em que a pesquisadora focaliza, para um universo de respostas de

estudantes a problemas com taxas relacionadas, quatro níveis de significação: o

aritmético, o algébrico, o funcional e o diferencial, determinando entre eles, uma

hierarquia epistemológica, sendo os dois primeiro níveis os mais comuns. Para

Cabral (1998, apud VIEIRA, 2013, p. 37), “os alunos não conseguem verificar as

quantidades variáveis envolvidas tampouco a relação entre elas”, não sendo

possível assim a quantificação do processo de variação de uma grandeza em

relação à outra.

De outro modo, LM034/MCI49 expõe em seu mapeamento que “Derivadas →

podem ser → usadas na Física”. Em seguida a essa proposição que é apropriada,

busca uma relação entre os conceitos usadas na Física e os conceitos: velocidade,

aceleração e arranco; tomando como termos de ligação as expressões: calculando a

1ª Derivada; calculando a 2ª Derivada e calculando a 3ª Derivada, respectivamente.

No entanto, não faz qualquer referência à função que deve ser diferenciada uma,

duas ou três vezes. Acredita-se que esse estudante saiba tratar-se da função

posição, porém, não expõe isso em seu mapa.

Nessa direção, LM012/MCI50 também sugere as expressões: velocidade,

aceleração e arranco como exemplos de variação instantânea da função.

Novamente não faz nenhuma relação com a função posição. Outros MCIs apontam o

uso da Derivada na Física para achar a velocidade e a aceleração, porém apenas

mencionam a aplicação, tais como: EQ048/MCI com a proposição “Física → para →

achar a velocidade e aceleração”, e EC009/MCI, com “Derivada → serve para →

Aplicações físicas”. Nessa direção, destaca-se que EQ045/MCI (Figura 21) em um

49 Ver MCI (Figura 19) no item 5.3.1 deste Capítulo. 50 Ver MCI (Figura 18) no item 5.3.1 deste Capítulo.

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mapeamento linear arrisca em uma tentativa de ligação cruzada51, para expor a

utilidade da Derivada no cálculo de velocidades e acelerações.

Figura 21 – (EQ045/MCI)

Nesse contexto, que para fins de análise foram contados no agrupamento II,

verificou-se que à menção à Física, está muito mais presente do que se comparada

a exemplos da Economia, Biologia, ou outras áreas do conhecimento para as quais

os problemas com interpretações firmadas a partir de taxas de variação também

podem ser facilmente resolvidos com o cálculo de uma Derivada. No entanto, a

Física ocupa um papel de destaque. Nesse sentido, admite-se que o estudante de

Cálculo 1, em geral, também é estudante de Física 1, e desse modo, pode haver a

51 Ligações cruzadas são importantes ferramentas auxiliaresna identificação de como um conceito em um domínio de conhecimento se relaciona a outro em outro domínio de conhecimento (NOVAK; CAÑAS, 2010, p.10).

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maior relação entre esses contextos, pois o estudo da Derivada que é teorizado em

uma disciplina é concomitantemente aplicado em outra. O apelo interdisciplinar

parece, nessa direção, fortalecer o aspecto dialógico dos modos Eu-Isso e Eu-Tu

(BUBER, 2009), pois na duração desse momento de relação entre o sujeito e o

objeto pode ocorrer também a relação entre o sujeito e o próprio sujeito, uma

ressignificação por meio da qual, imediatamente, o sujeito é capaz de relacionar o

conteúdo a prática, vendo um sentido, um significado. Assim, pode-se inferir que

situações em que aplicações sejam concomitantes à teoria sejam positivas para a

experiência dos sujeitos (LARROSA, 2002, 2011).

Portanto, esses estudantes têm lembranças de que as Derivadas podem ser

aplicáveis à Física, e nesse sentido constroem significações para esse

conhecimento; no entanto, seus mapas foram elementares, incompletos,

inconclusos, como os são, os sujeitos da experiência, pois na experiência são

submetidos a constantes descobertas.

Já EP004/MCI (Figura 22) em seu mapeamento com estrutura radial e linear

menciona em proposição apropriada que na Física, a “Equação da posição →

derivando → Equação da velocidade”. Este mapeador se utilizou de muitas frases

completas dentro das caixas e de poucas proposições, indicando que possa ter

limitação para a elaboração de “bons mapas”52; porém seu mapa demonstra uma

relação mais bem elaborada com o contexto matemático da Derivada.

Este mapeador recorreu a uma lista de conceitos antes de fazer sua

representação. Priorizou regras e aplicações. Mencionou a aplicação na Física,

conforme proposição em destaque, e destacou também um exemplo de problema de

otimização, sendo, por isso, seu mapa computado nos agrupamentos II e IV. Esse

estudante cursou Cálculo 1 uma única vez, e seu desempenho não foi excepcional,

segundo seus relatos obteve os melhores resultados na disciplina de Cálculo 1 em

questões para calcular limites de funções usando a Regra de L’Hospital.

Em relação ao exemplo apontado por este mapeador, cabe destacar a

linearidade em “Derivadas → aplicando → encontra-se o máximo e o mínimo”.

52 Neste estudo não se priorizou a elaboração de bons mapas, mas aos mapas elaborados uma única vez pelos sujeitos, que se convencionou chamar de mapas conceituais iniciais.

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Nesse sentido, esta proposição pode indicar apenas que o estudante reconhece que

existem problemas com máximo – “armazene o máximo” e; mínimo – “usando o

mínimo de material”; no entanto, com um olhar um pouco mais ampliado sobre o

mapeamento se verifica que exterioriza também, que tal fato ocorre como

decorrência da aplicação da Derivada. Assim, a ingenuidade pensada para o uso do

exemplo deve ser retirada, pois embora apresente um mapa ainda inconsistente,

este sujeito expõe aspectos de sua experiência em aulas de Cálculo 1.

Figura 22 – (EP004/MCI)

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Destaca-se também o mapeamento de ER007/MCI (Figura 23) em que as

relações do sujeito com o objeto parecem mais explícitas. Esse mapeador também

representa a Derivada como uma aplicação usada na Física para o cálculo da

velocidade e da aceleração. Contudo, identificam-se algumas ligações cruzadas que

convergem para aspectos apontados nas abordagens 1 e 2 desta pesquisa. ER007

ingressou na universidade em 2012 e cursou com aprovação Cálculo 1 em seu

primeiro semestre na instituição.

Figura 23 – (ER007/MCI)

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Em seu MCI, (ER007) expõe que “Funções – é a maior dificuldade →

Matemática Básica”, a única proposição em que coloca um sentido. No topo do

mapa, destaca que o cálculo da Derivada está diretamente relacionado com a

Matemática Básica. Desse modo, entende-se que o sujeito parece querer enfatizar a

relação onipresente da formação básica com a disciplina de Cálculo 1. A

dialogicidade presente na relação desse sujeito com aspectos da formação básica

assenta a importância dessa formação para a compreensão da Derivada.

Contudo, pondera-se que a formação obtida na educação básica não deve ser

entendida como um empecilho para o desenvolvimento dos estudantes em aulas de

Cálculo 1, tampouco para a compreensão da Derivada, pois embora seja um grande

dificultador desse processo, mecanismos que incluem as corresponsabilizações dos

sujeitos da experiência em aulas de Cálculo 1 devem ser priorizados a fim de que

sejam vencidas as defasagens decorrentes de processos de formação deficientes.

Em outro mapeamento, EQ041/MCI (Figura 24) destaca a clareza da

representação. Esse mapeador ingressou na universidade em 2010, e cursou pela

segunda vez a disciplina de Cálculo 1 em 2012, devido ao período em que optou

pelo trancamento de matrícula. Em seus relatos para as abordagens 1 e 2

mencionou que o conteúdo da disciplina de Cálculo 1 requer prática de exercícios.

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Figura 24 – (EQ041/MCI)

Esse estudante exterioriza em seu MCI que Derivadas de funções determinam

pontos críticos e taxas de variação, e ajudam em problemas práticos de taxas

relacionadas, das quais também resultam retas tangentes à curva, sendo a sua

Derivada obtida pela fórmula apresentada como uma taxa de variação instantânea,

em que ∆x representa uma pequena variação em x, próximo de xo. O mapeamento

em questão apresenta clareza semântica para a interpretação acima, assim como,

aponta para uma direção de leitura, pois apresenta uma estrutura hierarquicamente

organizada com elementos de diferenciação progressiva. Este mapeamento inicial

deixa clara a compreensão do sujeito também no contexto matemático da Derivada,

pois para os conceitos que utiliza, faz relações, utilizando-se de termos de ligação na

sua maioria apropriados, o que demonstra a segurança com as representações

exteriorizadas. No aspecto computado para o enfoque Aplicação da Derivada este

MCI se enquadrou nos agrupamentos III e IV devido a relação dada entre taxa de

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variação e taxa relacionada, e também por mencionar pontos críticos como

decorrência de Derivadas de funções. Contudo, tal mapeamento não permite, por

exemplo, verificar a real compreensão do sujeito em relação ao ponto crítico. Ponto

crítico ou estacionário pode ser entendido como um ponto do domínio de uma função

onde a primeira Derivada é nula, e essa informação não foi explicitada por

EQ041/MCI. Assim como, não há indícios se o mapeador reconhece que pontos

críticos são sempre pontos de máximo ou de mínimo relativos, ou pontos de inflexão,

este último não significando que a primeira Derivada seja nula.

Nesse sentido, da mesma forma que não se pode ter a real noção da

compreensão desse sujeito no que se refere ao conhecimento relacionado à

Derivada, não há também a real medida de sua experiência; assim como, não pode

ser dimensionada para os demais sujeitos por meio de seus mapeamentos iniciais

submetidos a esta análise. Sabe-se, contudo, que a experiência ocorre, pois as

marcas que expressam em seus MCIs remetem para essa percepção. Algumas

dessas marcas, no entanto, podem ser provisórias – mecanismos decorados são

descartados se entram em desuso. Mas algumas marcas são definitivas, e essas,

mesmo que passem por vários outros processos de aprendizagem tendem apenas a

firmar-se cada vez mais.

Ao final deste capítulo, tem-se como certeza apenas que as subjetividades

permaneceram sempre presentes ao longo desse processo de análise; análise essa

que se percebeu, assim como os MCIs, ser inconclusa, incompleta, inacabada.

Limitou-se, portanto, a apresentar alguns mapas que aqui foram destacados, pois

englobar todos os mapas considerados seria quase impossível aos prazos e

limitações desta pesquisa. Desse modo, também se recorreu a escolhas, por meio

das quais se apegou aos mapas que por algum sentido foram mais representativos,

contudo, tem-se clareza que essas escolhas podem ter encoberto outras

possibilidades de investigação. Assim, conclui-se esta etapa levada pela

colaboração de Paulo Freire acerca do que é puramente uma manifestação humana.

Na verdade, diferentemente dos outros animais, que são apenas inacabados, mas não históricos, os homens se sabem inacabados. Têm consciência de sua inconclusão. Aí se encontram as raízes da educação mesma, como manifestação exclusivamente humana (FREIRE, 1987, p. 41).

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Nesse sentido, acredita-se que a valorização da relação dialógica que leve a

situações de consciência da inconclusão permanente na relação professor-Derivada-

estudante seja imprescindível para conduzir os estudantes às escolhas pessoais e

fundamentais para a autêntica construção do conhecimento, ou seja, para conduzir

os estudantes à experiência particular em relação ao conhecimento novo

possibilitado em aulas de Cálculo 1.

No próximo capítulo, apresentam-se as conjecturas e considerações acerca

dos resultados obtidos em virtude da conclusão da presente pesquisa.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pretende-se apresentar algumas considerações e conjecturas a respeito da

pesquisa realizada que se iniciou a partir da lógica de uma problemática que parece

firmar-se sobre a construção do conhecimento em aulas de Cálculo Diferencial e

Integral 1. Problemática essa corroborada pelos estudos de Rezende (2003), Traldi

(2006), Dall’Anese (2006), Vieira (2013), além de outros, importantes à justificativa e

ao desenvolvimento desta pesquisa.

Diante de tal problemática, buscou-se responder, “O que estudantes revelam

sobre o estudo do conteúdo Derivada na disciplina de Cálculo 1 e sobre suas

experiências nesta disciplina”.

Embasaram teoricamente esta pesquisa, as contribuições de Buber (2009)

acerca da relação dialógica, representada pelos modos fenomenológico da

existência humana, o modo do Eu-Tu, e o modo coisificado, reflexivo, da atitude Eu-

Isso, ou seja, os modos da relação inter humana; as contribuições de Bauman e May

(2010) acerca dos limites das escolhas ocorridas nas interações humanas e as

contribuições de Larrosa (2002, 2011) sobre a experiência. Os sujeitos da

experiência nesse encontro dialógico, impõem-se em uma relação singular, particular

e intransferível, em meio a qual se consolidam aspectos que envolvem a construção

do conhecimento em aulas de Cálculo 1.

A experiência, embora livre, tem sentidos. Cada sujeito da experiência,

exposto neste estudo, deixou revelar dimensões da dialogicidade ocorrida em aulas

de Cálculo 1. Dessa forma, conjecturam-se algumas dessas dimensões ou sentidos

da experiência.

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Presume-se, em primeiro momento, que um meio para que ocorra uma

passagem com sentido53 pelo Cálculo 1 possa estar na interação dos elementos da

relação dialógica.

Na interação, ocorre um processo de inter-relação, ou seja, uma relação

mútua entre dois ou mais elementos, onde a existência de um implica na existência

do outro. Nesse caso, entende-se que a interação entre dois ou mais elementos,

implica que um elemento prescinde do outro para ter sentido, significado. Parece

ambíguo, mas em um processo em que não se permite a exclusão do outro, os

conteúdos se postos aqui como elementos de uma relação dialógica seriam, então,

dependentes entre si, como se estivessem interligados, metaforicamente, como os

órgãos em um corpo humano, ou como os fios em uma rede, entrelaçados,

enredados e integrados.

No entanto, seria ingênuo admitir que a problemática que se coloca acerca da

passagem dos estudantes pelo Cálculo 1 estaria restrita à interação entre os

conteúdos a que são submetidos os sujeitos da experiência. E é nesse entendimento

que se conjectura um dos sentidos da experiência em Cálculo 1, a reciprocidade.

A reciprocidade é um dos princípios para que a experiência dos sujeitos em

Cálculo 1 ocorra em relação à apropriação do conhecimento novo, ou aquele que

modifica e que advém desse estudo. Assim, não se imagina a interação restrita a

conteúdos; mas sim é preciso buscar a interação que engloba conteúdos e os

sujeitos da experiência como elementos dessa inter-relação. E nesse sentido,

evidencia-se um dos modos de ser da existência humana, apontados por Buber, o

modo Eu-Isso de ser. Mas, esse é o modo da coisificação, do relacionamento entre

sujeito e objeto, e nesse modo não cabe à experiência, pois essa prescinde da

transformação. E a transformação prescinde do modo Eu-Tu, como possibilidade,

relação é reciprocidade.

Desse modo, Eu e Tu se envolvem em uma esfera compartilhada de ação e

de produção de sentido, ou seja, de diálogo. Assim, sujeitos e objetos formam entre

si um processo de interação compreendida em uma relação de reciprocidade e de

53 Trata-se de como se dá sentido ao que se é e ao que acontece, de como se correlacionam as palavras e as coisas, de como são nomeados o que se vê ou o que se sente, e de como se vê e sente aquilo que se nomeia, conforme retrata Larrosa (2011).

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complementaridade para o sujeito, pois o objeto-conteúdo é o que se pretende

conhecer e o sujeito não existe sem o objeto a ser conhecido, assim como o objeto

não é conhecido sem o sujeito. É nessa interação onde a reciprocidade está

presente que tem sentido à experiência.

No relacionamento recíproco, para Bauman e May (2010, p. 60), embora cada

lado da interação seja assimétrico, “ao longo de períodos abrangentes, as ações de

ambos os lados se contrabalançam, porque cada um tem a oferecer algo de que o

outro lado precisa”. A reciprocidade é a marca definitiva da atualização do fenômeno

da relação, segundo Buber (2009), onde é possível a aceitação e a confirmação

ontológica dos dois pólos envolvidos no evento da relação.

Mas, algo mais pode dificultar a “passagem” pelo Cálculo 1, e impossibilitar

que, nesse encontro com o conhecimento novo, seja pelo caráter psicológico,

didático ou epistemológico, transformações relevantes para a construção do

conhecimento ocorram. Algo mais parece limitar o sujeito da experiência de ir além

de sua forma atual, de transformar-se, ou seja, de alterar ou ampliar a forma de sua

compreensão em decorrência do encontro com o conhecimento novo possibilitado

em aulas de Cálculo 1. Contudo, alguma transformação sempre acontece.

Embora ocorram transformações, não há como medir a experiência que

transforma e deixa marcas. Nem como assegurar que de fato tenha ocorrido. Muito

menos há como comparar níveis da experiência dos sujeitos da experiência, em

aulas de Cálculo 1, ou fora delas. A incomensurabilidade da experiência diz respeito

a sua particularidade, característica ou condição de que não se pode medir uma

experiência se comparada a outra experiência. Nessa direção, não há possibilidade

de arrazoamentos, pois cada sujeito da experiência em Cálculo 1 é único, assim

como singular é a experiência de cada um. Segundo Larrosa (2011), a singularidade,

assim como a pluralidade, são também princípios da experiência. Assim, conjectura-

se a unicidade como outro sentido da experiência em relação ao conhecimento novo

propiciado em aulas de Cálculo 1.

A unicidade da experiência em aulas de Cálculo 1 tem relação com a

subjetividade e identidade dos sujeitos ao passar por uma experiência, e como tal

não pode ser medida, ou comparada, pois não apresenta parâmetros que possam

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ser considerados válidos para esse fim. Mesmo porque, não se trata de um

experimento, mas sim da experiência.

Dessa forma, os sujeitos, repletos de suas subjetividades, têm sua

experiência ou não com o conhecimento novo em aulas de Cálculo 1, e não há

aparato, ou dispositivo, ou indicador que possa medir esse índice. Ou seja, não

existe um experiencímetro54. Nem mesmo se espera que seja criado. Não

funcionaria tal instrumento, pois suas limitações seriam inúmeras em vista das

infinitas possibilidades de manifestação da experiência dos sujeitos, mesmo quando

considerados apenas os aspectos matemáticos da dimensão do Cálculo 1, pois a

incomensurabilidade da experiência não significa incomunicabilidade.

Conforme propõe Larrosa (2011, p. 15), a possibilidade da experiência supõe

“a suspensão de qualquer posição genérica” e, nesse sentido, não há como prever

as experiências que farão os sujeitos em aulas de Cálculo 1. Não há como fazer

generalizações, assim, outro sentido da experiência é a imprevisibilidade.

A imprevisibilidade da experiência em aulas de Cálculo 1 impede dizer quais

experiências ocorrerão ao final de uma aula, por exemplo, sobre Derivada. Portanto,

propor objetivos, e definir um plano de ação para esses objetivos, não significa que

um alvo mirado seja o alcançado. Contudo, podem acertar outros alvos, dessa forma

os planos podem prever possibilidades. A imprevisibilidade da experiência em aulas

de Cálculo 1 expõe uma relação de incertezas e possibilidades, e exige a

criatividade dos membros dessa comunidade de experiência, que pode constituir-se

por estudantes de Cálculo 1, ou professores de Cálculo 1, ou ambos.

Presume-se que estudantes em aulas de Cálculo 1 definam uma comunidade

de experiência. Comunidades de experiência são comunidades plurais, que não se

definem pelo que os indivíduos têm em comum, pois a única coisa que compartilham

é o espaço onde vivenciam suas experiências que são únicas, singulares

(LARROSA, 2011). Ainda, o saber da experiência é um saber particular, subjetivo,

relativo, pessoal – duas pessoas, embora enfrentem o mesmo acontecimento, não

54 Essa palavra foi pensada para designar um instrumento capaz de medir a experiência, ou seja, um instrumento que não existe, logo, tal palavra também não existe. Não foram encontrados registros dessa palavra em dicionário formal da língua portuguesa, portanto, apropriou-se do termo para representar o instrumento impossível.

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necessariamente fazem a mesma experiência. Nesse sentido, há para Bauman e

May (2010, p. 79) comunidades em que se mantêm pessoas reunidas com a

finalidade específica de realizar tarefas, “a finalidade é limitada, o controle sobre o

tempo, a atenção e a disciplina de seus membros também podem ser restringidos”, e

a “autolimitação talvez seja a característica mais explícita e definitiva desse tipo de

comunidade”. Esse tipo de comunidade parece absorver apenas parcialmente as

pessoas. E, diante dessa condição parcial, a experiência exige a criatividade dos

sujeitos.

A criatividade é desse modo, um desdobramento da imprevisibilidade da

experiência. A experiência em aulas de Cálculo 1 exige uma ação criativa. Não só de

professores de Cálculo 1, que também são sujeitos da experiência nesses espaços,

mas também dos estudantes. O estudante criativo em aulas de Cálculo 1 é o sujeito

aberto ao novo, portanto, é aquele que faz descobertas, que é curioso, que é crítico

em relação aos significados dos processos de conhecer, e que busca sempre pelas

melhores formas de dialogicidade com outros sujeitos, consigo mesmo e com os

objetos que pretende conhecer. É o sujeito corresponsável, que também faz

escolhas, toma decisões diante de sua participação no evento dialógico. A

criatividade é essencial à experiência, pois subjaz a descoberta, o encontro com o

imprevisível, quando mesmo sob condições nem sempre favoráveis, o sujeito da

experiência se arrisca. Sujeitos criativos se arriscam. Sujeitos da experiência são

criativos.

Complementa-se que o saber da experiência tem características essenciais,

trata-se de um saber finito, ligado ao amadurecimento de um indivíduo particular,

revelador da própria finitude humana, e, portanto temporal. Desse modo, outro

sentido da experiência em aulas de Cálculo 1 é a temporalidade.

A temporalidade da experiência em aulas de Cálculo 1 implica a existência e o

reconhecimento de tempos e espaços diferentes para cada sujeito da experiência,

mesmo que tenham sido expostos aos mesmos estímulos e as mesmas situações

em sua comunidade de experiência. Assim, buscar consolidar transformações dos

sujeitos da experiência significa ter em mente que nesse processo, a seu tempo,

cada sujeito da experiência passa por transformações singulares de acordo com a

experiência particular de cada um. Não há processo que garanta que, em findado um

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determinado tempo/espaço, sujeitos da experiência estariam atravessados pelas

mesmas experiências, ou sequer há garantias de que passarão por qualquer

experiência. Acrescenta-se que nada se pode garantir e nada se pode aprender da

experiência do outro, a menos que essa experiência seja de algum modo, revivida. O

saber da experiência não está, como o conhecimento científico, fora do sujeito da

experiência. O saber da experiência não está no objeto, mas no próprio sujeito da

experiência. Assim, cada sujeito há seu tempo é tomado pelos acontecimentos

relevantes do encontro dialógico a acontecer em aulas de Cálculo 1, e desse modo,

de posse do acontecido, são capazes de narrar ou exibir algumas marcas

decorrentes dessa passagem.

A partir dessas conjecturas iniciais, assentam-se sentidos da experiência em

aulas de Cálculo 1 declarados como reciprocidade, unicidade, imprevisibilidade e

temporalidade, e alguns desdobramentos desses sentidos, como a

corresponsabilidade, complementaridade e a criatividade dos sujeitos da

experiência. E diante dessas possibilidades da experiência, dá-se prosseguimento

às considerações resultantes desta investigação, que são incompletas e parciais.

Concorda-se com a possibilidade de que a dificuldade dos estudantes frente à

disciplina de Cálculo 1 esteja também posta na Matemática em si; mas não em um

conteúdo específico, como por exemplo, em um aspecto estudado no Ensino Médio,

ou em decorrência de uma modalidade anterior a sua primeira etapa como estudante

do Cálculo 1. Assim como se entende, que ações pontuais, a fim de resolver um, ou

outro foco específico da problemática posta frente à disciplina de Cálculo 1, não

sejam suficientes se não for uma atitude assumida e coordenada coletivamente, ou

seja, aquela que prescinde de corresponsabilidades dos sujeitos.

Embora este estudo mirasse os estudantes de Cálculo 1, estende-se a

corresponsabilidade à abrangência para os sujeitos da relação dialógica nos

processos de ensino e/ou aprendizagem de Cálculo 1. Dessa forma, são sujeitos

dessa corresponsabilidade: professores, instituições formadoras, estudantes e o

próprio Cálculo 1; esse último, cabe distinguir, em face da sua estrutura curricular e

epistemológica.

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O cenário de pesquisa não se limitou ao Cálculo 1, ou a Derivada, mas contou

com elementos de uma relação genuinamente dialógica, que compreende interações

que permitem ao estudante, o sujeito da experiência, quando revive o processo de

construção de seu conhecimento, ao narrar-se, ou ao construir os seus mapas

conceituais; revelar marcas de sua passagem e experiência nessa construção.

A partir da primeira etapa de análise, tem-se uma constatação, sujeitos da

experiência parecem muitas vezes contraditórios, imprecisos, partem de

contrassensos, todavia exteriorizam suas impressões mais particulares. Nesse

processo de análise dos relatos, vários pontos chamaram atenção, justamente pelo

aspecto que se colocava como contraditório, que não necessariamente significou

uma contradição. Em muitos momentos exibiam aspectos de complementaridade.

Os pontos mais fortemente mencionados nos relatos dos estudantes quando

solicitados a comentar sobre a disciplina de Cálculo 1 ou sobre seu desempenho

nessa disciplina, não foram, necessariamente, aspectos específicos dessa disciplina,

mas sim dizem respeito à formação básica dos estudantes e a seus professores de

Cálculo 1.

Não houve um consenso entre os sujeitos. Estudantes com uma base “mais

fraca” em Matemática decorrente de um Ensino Médio talvez insuficiente, ou mal

aproveitado, mostraram resultados positivos (aprovações) e negativos (reprovações)

alcançados ao longo da disciplina. Assim, o sucesso no resultado não é um privilégio

apenas do estudante “bem formado”. Porém, concorda-se plenamente que uma base

bem conduzida ao longo de todas as etapas de formação básica dos estudantes

seria a principal e talvez a única possibilidade para atingir-se uma educação de

qualidade em nível superior de ensino, e consequentemente, uma formação plena

capaz de realmente preparar os sujeitos em formação para os desafios da

contemporaneidade. No entanto, acredita-se que a dificuldade dos estudantes não

se estabeleça simplesmente pela defasagem de conteúdos. Pois dessa forma,

bastariam encontrar os tópicos da Matemática básica que se apresentam como

barreiras à compreensão de conteúdos da Matemática superior e propor situações

que assegurem essa compreensão. Muitos outros obstáculos devem estar

solidificados nesse percurso, e não se constituíram apenas em razão da qualidade

do Ensino Médio ou da formação básica dos sujeitos. Assim, atitudes que levem à

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superação dos obstáculos que se colocam aos processos formativos devem ser

incentivadas. São obstáculos epistemológicos, mas também os de natureza

histórica, social, cultural, que dividem o cenário político das transformações

educacionais no Brasil ao longo de décadas. Ou seja, pontos para novas

investigações, e dos quais não se tem no momento nada a dizer.

Outro ponto importante se refere à menção de muitos estudantes em buscar

por si próprios, alternativas para suprirem suas defasagens em Matemática. Alguns

estudantes demonstraram que por meio de suas capacidades criativas contribuíram

em favor de sua auto adaptação. Nesse sentido, tem-se novamente um sujeito

corresponsável. Porém, muitos dos estudantes apresentaram suas justificativas e

fugas do problema. Evidencia-se assim, um processo particular de escolhas e de

fatores limitadores dessas escolhas, ou seja, são razões puramente sociológicas

impostas aos indivíduos quando tomam decisões, quando fazem suas escolhas.

O professor de Cálculo 1 foi apontado por alguns sujeitos investigados como o

único responsável pelo fracasso dos estudantes nessa disciplina, embora evidências

do contrário também pudessem ser asseguradas, ainda que observadas em uma

parcela menor. Conjectura-se que a ausência de corresponsabilidade dos sujeitos

esteja na base da manifestação que responsabiliza unicamente o professor por uma

ou outra condição. Ainda, em vários momentos, professores foram classificados

como bons ou ruins, de acordo com suas práticas, embora não tenha se assegurado

um ponto em comum, pois para alguns, o que significou ser “bom” não

necessariamente o foi para outros. Desse modo, conjectura-se que pode não existir

um bom método, ou uma boa forma de dar uma aula de Cálculo 1. Nessa direção,

devem-se explorar diferentes métodos, ou seja, optar por variadas formas de

conduzir os processos de experiência em aulas de Cálculo 1, pois cada estudante

reage de uma forma única, que é inidentificável e imprevisível ao professor.

Outro ponto relevante diz respeito à Instituição formadora, conjectura-se que

sua parcela nesse processo de corresponsabilidades deve ser levada por

mecanismos de transparência e de comunicação. Além de garantir elementos de

participação ativa dos processos organizacionais com vistas a possibilidades e não a

mecanismos atravancadores e burocráticos que em nada colaboram para a

finalidade pedagógica. É papel da Instituição também contribuir nessa

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corresponsabilidade para que ao longo dos processos formadores os estudantes se

tornem mais bem preparados e familiarizados à estrutura institucional e inclusive

sejam orientados no que se refere aos aspectos pessoais que também envolvem a

permanência com sucesso desses estudantes na Instituição e na cadeira de Cálculo

1, evitando-se que os hiatos de compreensão que se instalam entre grupos, sejam

preenchidos por suposições estereotípicas.

Finaliza-se essa parte com o ponto referente ao Cálculo 1 propriamente dito,

pois os sujeitos da experiência se colocam, em sua maioria, inseguros diante desse

objeto. Diante do Cálculo 1 os sujeitos sentem medo, angústia, frustração,

insegurança, e entre outros sentimentos negativos, são reprovados na disciplina. Um

número bem menor, de “privilegiados”, passa exatamente pelo oposto do

mencionado. Então, tem-se uma mesma situação, uma mesma disciplina e pelo

menos duas possibilidades de experiência bem delineadas. O que autoriza

considerar que estudantes de condições distintas possam passar por um mesmo tipo

de experiência, e que estudantes com condições similares possam passar por

experiências distintas. E vice versa, pois a experiência é imprevisível, e

surpreendente.

Infere-se, ainda, acerca do sentimento auto motivador relacionado a uma

aprovação em Cálculo 1, ou desmotivador quando ocorrido o contrário, e quanto

esses sentimentos influenciam a posição dos sujeitos quando se dirigem à própria

formação básica, ou a seus professores de Cálculo 1. O reconhecimento de uma

realidade oposta daquela que parece óbvia também esteve presente. Assim,

conjectura-se em razão da temporalidade da experiência em Cálculo 1, em vista do

“estar pronto”, da maturidade de cada sujeito que, a seu tempo, revelam que a

reprovação não pode ser essencialmente vista como algo negativo. A reprovação,

dessa forma, para alguns estudantes está na base de um processo de

amadurecimento, e não se restringe a algo negativo ou angustiante. A reprovação é

em si uma experiência e como tal deixa suas marcas e até marcas positivas de

superações posteriores.

Desse ponto em diante, pretende-se rever aspectos da análise realizada em

segundo momento em virtude dos Mapas Conceituais Iniciais elaborados pelos

sujeitos da experiência.

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Presume-se a exposição ou a exteriorização de representações dos sujeitos

da experiência acerca da ideia que têm sobre Derivada, um tópico estudado na fase

final da disciplina de Cálculo 1. Acredita-se que os sujeitos da experiência revelaram

os aspectos mais essenciais e elementares presentes na construção desse

conhecimento e que essas possam ter sido as marcas deixadas por esse estudo, em

particular. Esses expõem, também, um processo dialógico, essencialmente subjetivo

do relacionamento que se constituiu entre o sujeito e a Derivada.

Os sujeitos da experiência exibem um processo individual de escolhas.

Independentemente das escolhas realizadas institucionalmente acerca do caminho

de construção do conhecimento do objeto em estudo, indivíduos, que são os sujeitos

da experiência, optam pelas melhores formas para si, de se expressarem; e revelam

suas impressões mais pertinentes acerca do que sabem sobre a Derivada. Por

vezes são incipientes. Em outras são limitados. E em outras são mais gerais. Jamais

são completos, talvez por ser uma das características do humano, a incompletude.

Contudo, mesmo diante da incompletude e das incertezas, fazem escolhas e se

arriscam.

Por meio dos MCIs analisados, verifica-se opções, ou escolhas por caminhos

conscientes de elaboração dos mapas, no entanto, há desistências, como se

encontrassem o imprevisível, o inesperado. E, nesses casos, fazem novas escolhas.

Presume-se que o alcance dessas escolhas se deva muito mais por suas limitações

pessoais diante do conteúdo da Derivada, do que de sua insegurança diante da

elaboração de mapas conceituais.

Um ponto ficou evidente, independente da relação do sujeito com sua

formação básica, com o seu professor de Cálculo 1, com a Instituição em que está

em formação, ou com a própria Derivada, sujeitos da experiência exteriorizam

aspectos de superficialidade em seus MCIs. Não houve a explicitação de um

aprofundamento nos mapas, embora alguns mapas expusessem mais relações entre

os conceitos, além de um número maior de conceitos e de termos de ligação

apropriados; ainda assim, não existiu aprofundamento significativo em termos de

Regras, Conceitos ou Aplicações da Derivada nos agrupamentos investigados. A

superficialidade parece ter sido a marca mais evidente.

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Conjectura-se, assim, que a experiência dos sujeitos em face da Derivada

possa estar, consolidando-se a partir do que é mais simples, indicando que a forma

superficial possa constituir o início desse processo de construção do conhecimento.

Precisam-se alcançar meios para experiências mais densas e significativas aos

sujeitos da experiência.

Desse modo, a experiência pode estar limitada às marcas mais elementares

das Regras básicas de Derivação, assim como a algum entendimento acerca da

ideia da Derivada como inclinação de uma reta tangente a uma curva em um ponto,

ou a que por meio da Derivada se pode encontrar, por exemplo, a aceleração se

conhecida a velocidade de uma partícula. Obviamente, essas “marcas” não são as

únicas pretensões de instituições formadoras e de seus representantes, muito

menos devem desejar uma formação superficial os estudantes dos cursos

investigados neste trabalho. Contudo, tais marcas são evidentes, e uma opção é

buscar formas de consolidar experiências mais intensas aos sujeitos da experiência.

Conjectura-se que para consolidarem-se experiências mais profundas há de se

respeitar as experiências mais elementares, pois essas parecem ser as primeiras

portas para as experiências mais densas desses sujeitos.

Dessa perspectiva, cabe uma reflexão acerca do evidenciado a partir das

Regras de Derivação. A simples coisificação do objeto poderia ser admitida,

sobretudo pela evidência de aspectos que possam levar a interpretação de uma

valorização de atividades mecânicas ou de repetição, como de incentivo à resolução

de exercícios. Também, em virtude do maior índice de Regras de Derivação na

apresentação dos MCIs, em relação aos aspectos Conceito ou Aplicação da

Derivada, pode-se admitir certa valorização das técnicas.

Para Buber (2009), o modo Eu-Isso significa o lugar da experimentação, do

conhecimento, da utilização, ou seja, o vínculo objetivante. Apesar disso, a

experiência somente faz sentido no modo Eu-Tu, pois neste modo, tem-se o

momento de vivência, de consciência fenomenológica, não teórica, mas dialógica.

Evidencia-se assim, que os sujeitos quando remetidos ao modo Eu-Isso, na simples

elaboração de um MCI sobre Derivada, se arriscam, tomam decisão, fazem suas

escolhas e, se encontram também na condição significante da relação Eu-Tu. Na

duração desta ação, Derivada é mais do que objeto. Na duração desta ação, para os

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sujeitos da experiência, Regra de Derivação pode ser mais do que a simples

manipulação de técnicas.

Nesse sentido, os estudantes exteriorizam os conhecimentos construídos

acerca da Derivada com os quais têm maior segurança, como em geral o fazem

quando se pronunciam em sala de aula, quando os questionamentos muitas vezes

reafirmam aquilo que já sabem, ou quando sobre as reais e ou principais dúvidas,

preferem consultar um colega, ou um monitor. Não é diferente em aulas de Cálculo

1. Em geral, a verificação de que um grande número de estudantes tem dúvida em

determinado conteúdo se reflete no silêncio, na ausência do diálogo, do que em

perguntas. Portanto, se a relação que se apresenta por meio dos MCIs desses

sujeitos aponta a valorização das Técnicas de Derivação isso pode corroborar que

essa forma tenha sido realmente um dos passos mais simples para esses

estudantes.

Conjectura-se assim, que para alguns estudantes, o único caminho para de

fato passar por uma experiência em relação ao objeto Derivada seja por meio de

Regras de Derivação. Diante da simples atividade de “calcular uma Derivada”,

mesmo que pela aplicação de uma Regra de Derivação, o estudante precisa recorrer

a conceitos anteriormente construídos, e dessa forma faz uma “demonstração”,

demonstra para si. Mesmo que de uma forma mais simples, sem o rigor que pede

uma real demonstração matemática. Por exemplo, ao aplicar a Regra de Leibniz

para calcular uma Derivada compreende o uso dessa regra e não de outra para

determinado contexto, isso já é em si uma justificativa.

Nessa direção, Rezende (2003, p. 329) sinaliza que, ao focalizar o

macro/espaço sistematização/construção, deve-se “construir os campos de

significações dos resultados e ideias básicas do Cálculo para, num momento

posterior, buscar a sistematização desses elementos”.

Acredita-se, dessa forma, que o trabalho com as Técnicas de Derivação

possa e deva significar muito mais do que um espaço para resolução mecânica de

exercícios. Esse é um espaço que pode fortalecer uma maior interação entre o

sujeito e o objeto Derivada, em sua totalidade, e nesse sentido, deve ser explorado e

ser desenvolvido em um processo integrado de construção do conhecimento. Nesse

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201

sentido, Regras de Derivação, Conceito de Derivada e Aplicação da Derivada devem

ser apresentadas por meio de uma relação dialógica, através da qual, objetos se

relacionam entre si, de forma integrada e coordenada.

Diante do exposto, é necessário aproveitar os diferentes caminhos de entrada

e de passagem e explorar as várias possibilidades para que o sujeito da experiência

possa crescer em seu conhecimento e possa ter experiências relevantes nessa

construção. Ainda assim, não será possível medir a real experiência de sujeitos da

experiência em aulas de Cálculo 1, contudo é possível admitir que vários caminhos

para a consolidação da experiência estarão abertos. Admite-se a provisoriedade de

algumas marcas nesse processo, mas também a efetividade de algumas

experiências.

Para Larrosa (2002), o sujeito da experiência é o espaço onde têm lugar os

acontecimentos; é o território de chegada ou o espaço do acontecer. É, portanto, o

espaço das incertezas, das escolhas, das dúvidas, mas também das decisões. O

sujeito da experiência é o sujeito exposto.

E nesse processo contribui novamente Paulo Freire (1996) pois sua

dialogicidade pareceu rondar cada página construída ao longo deste trabalho.

Assim, assume-se também como sujeito da experiência, um ser histórico e

socialmente constituído em um território de passagem e de alteridade.

Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os educandos em relação uns com os outros e todos com o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto. A assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É a "outredade" do "não eu", ou do tu, que me faz assumir a radicalidade de meu eu (FREIRE, 1996, p. 23-24 – grifos do autor).

Assim, reconhece-se ao finalizar essas considerações e conjecturas, como

sujeito da experiência, um sujeito que também se arrisca, que faz escolhas e que se

expõe. Nenhuma certeza nessa passagem, apenas sensações surpreendentes,

geradoras de sentimentos e de constatações, algumas óbvias, e outras não tão

evidentes.

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202

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APÊNDICE 1 – Instrumento de Coleta de Dados

1 – Perfil

Nome: _________________________________________________________

Ano de nascimento: ______________ Sexo:_____________Data: _________

Curso:_________________________________________ Período:_________

Ano de ingresso no curso: _________________________________________

Já cursou a disciplina de Cálculo 1?

sim ( ) não ( )

Quantas vezes: __________________________________________________

Quando: ________________________________________________________

Abordagem 1

Comente sobre a disciplina de Cálculo 1.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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207

Abordagem 2

Comente sobre seu desempenho na disciplina de Cálculo 1.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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Exemplo de Mapa Conceitual

Mapa conceitual sobre representação da estrutura de conhecimento necessária para a compreensão de por que existem as estações.

Fonte: Novak, 2010.

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Abordagem 3

Desenhe um mapa conceitual sobre Derivadas de Função Real.

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ANEXO I – Parecer Comitê de Ética

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE

CATÓLICA DE SÃO PAULO-

PUC/SP

PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP

DADOS DO PROJETO DE PESQUISA Título da Pesquisa:AS SUBJETIVIDADES NO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS

MATEMÁTICAS DO FUTURO EDUCADOR MATEMÁTICO: O CASO DO ENSINO DE CÁLCULO EM CURSOS DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA

Pesquisador: Sonia Maria da Silva Junqueira Área Temática: Versão: 1

CAAE: 07999212.0.0000.5482 Instituição Proponente: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC/SP Patrocinador Principal: Financiamento Próprio

DADOS DO PARECER

Número do Parecer: 265.654 Data da Relatoria: 10/12/2012

Apresentação do Projeto: Trata-se de protocolo de pesquisa para elaboração de Tese de Doutorado no Programa de Estudos

Pós-Graduados em Educação Matemática (PEPG em EDM), vinculado à Faculdade de Ciências

Exatas e Tecnologia (FCET) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Projeto de pesquisa de autoria de Sonia Maria da Silva Junqueira, sob a orientação da Profa. Dra.

Ana Lúcia Manrique. O presente projeto tem como objetivo desenvolver investigação no campo das competências

matemáticas do futuro educador matemático e das relações dialógicas envolvidas na construção

dessas competências. A fundamentação teórica considera, principalmente, os estudos de Mogens

Niss sobre competências matemáticas, os aspectos relativos à relação dialógica de Martin Buber e a

relação social do ponto de vista de Bauman e May. Pretende-se, por meio deste trabalho, encontrar pontos de convergências a partir do ensino de

Cálculo Diferencial Integral e o desenvolvimento de competências matemáticas, e dessa forma,

verificar as competências matemáticas específicas desenvolvidas a partir do ensino dessa disciplina. Objetivo da Pesquisa: A pesquisa tem como objetivo primário a investigação no campo das competências matemáticas

Endereço: Rua Ministro Godói, 969 - sala 63 C Bairro: Perdizes CEP: 05.015-001 UF: SP Município: SAO PAULO

Telefone: (11)3670-8466 Fax: (11)3670-8466 E-mail: [email protected]

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211

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE

CATÓLICA DE SÃO PAULO-

PUC/SP

Continuação do Parecer: 265.654 do futuro educador matemático e das relações envolvidas na construção dessas competências.

Para isso, nosso plano de fundo será a disciplina Cálculo Diferencial e Integral, por meio da

qual, esperamos verificar como competências matemáticas são desenvolvidas a partir do

ensino dessa disciplina.

Avaliação dos Riscos e Benefícios: Não foram identificados possíveis riscos aqueles que vierem a participar da proposta. No que diz respeito aos benefícios, verificamos que não são diretos, todavia, é um estudo de

relevância e benefícios de cunho social. Comentários e Considerações sobre a Pesquisa: A exposição do Projeto é clara e objetiva, feita de maneira concisa e fundamentada, permitindo

concluir que o trabalho tem uma linha metodológica bem definida, na base do qual será

possível retirar conclusões consistentes e, portanto, válidas. Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória: Apresentados a contento, conforme orienta a Resolução CNS/MS n° 196/96, os Regimento e

Regulamento Interno do Comitê de Ética em Pesquisa, campus Monte Alegre da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo - CEP-PUC/SP e o Manual Ilustrado da Plataforma Brasil,

disponíveis para consulta no site: www.pucsp.br/cometica Recomendações: Recomendamos que o desenvolvimento da pesquisa siga os fundamentos, metodologia,

proposições, pressupostos em tela, do modo em que foram apresentados e avaliados por este

Comitê de Ética em Pesquisa. Qualquer alteração deve ser imediatamente informada ao CEP-

PUC/SP, indicando a parte do protocolo de pesquisa modificada, acompanhada das

justificativas. Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações: Sem pendências ou inadequações, portanto, recomendamos a aprovação integral da proposta. Situação do Parecer: Aprovado Necessita Apreciação da CONEP: Não Considerações Finais a critério do CEP:

Endereço: Rua Ministro Godói, 969 - sala 63 C Bairro: Perdizes CEP: 05.015-001 UF: SP Município: SAO PAULO

Telefone: (11)3670-8466 Fax: (11)3670-8466 E-mail: [email protected]

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ANEXO II - Termo de Consentimento Livre Esclarecido

Caro colaborador,

Meu nome é Sonia Maria da Silva Junqueira sou aluna de Doutorado, sob

orientação da Profa. Dra. Ana Lúcia Manrique, do Programa de Pós-Graduação em

Educação Matemática da Faculdade de Ciências Exatas e Tecnologia da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP.

Venho convidá-lo para participar da pesquisa de minha tese de doutorado, que tem

como objetivo investigar aspectos relativos às Competências Matemáticas de futuros

educadores matemáticos desenvolvidas a partir da disciplina de Cálculo 1, em cursos de

Licenciatura em Matemática. Acreditamos que nossa pesquisa possibilitará novas reflexões

sobre os processos de formação inicial de futuros professores de matemática.

A participação nesta pesquisa consiste em disponibilizar planos de ensino

preparados para a disciplina de Cálculo 1, responder a questionários e/ou entrevistas semi-

estruturadas para complementar informações que não possam ser acessadas pela simples

leitura dos planos de ensino e, quando for o caso, elaborar memoriais de formação.

Saliento que as informações obtidas nesta pesquisa serão divulgadas para fins

estritamente acadêmicos, e para tanto asseguro o sigilo sobre sua participação. Os dados

não serão divulgados de forma a possibilitar sua identificação, para preservar sua

identidade, serão utilizados nomes fictícios.

Seus dados serão mantidos sob minha guarda e responsabilidade.

Além disso, estarei disponível para quaisquer esclarecimentos antes, durante e após

a conclusão da pesquisa sobre a metodologia e outros assuntos a ela correlatos, podendo

ser contatado através dos dados que seguem:

Pesquisador Comitê de Ética em Pesquisa55

SONIA MARIA DA SILVA JUNQUEIRA Cel. (12) 91218878 e-mail: [email protected]

Comitê de Ética em Pesquisa da PUC/SP R. Ministro Godói, 969 – sala 63C 05015-001 – Perdizes – São Paulo – SP Tel. (11) 3670-8466 e-mail: [email protected]

Você também poderá a qualquer tempo, com ou sem justificativa, retirar o seu

consentimento de participação desta pesquisa sem qualquer ônus e/ou penalização.

Desde já agradeço a sua colaboração para a realização deste trabalho.

55 Esta pesquisa foi encaminhada para análise e revisão do Comitê de Ética em Pesquisa da PUC/SP - Campus Monte Alegre,

obtendo aprovação em 10/12/2012 sob o protocolo de pesquisa e parecer nº 265.654.

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ANEXO III - Declaração de Consentimento

Fui alertado que não posso esperar benefícios pessoais advindos desta

pesquisa.

Recebi os esclarecimentos necessários de que não existem possíveis

desconfortos e riscos decorrentes do estudo.

Estou ciente de que minha privacidade será respeitada, ou seja, meu nome

ou qualquer outro dado ou elemento que possa, de qualquer forma, me identificar

será mantido em sigilo.

Também fui informado de que posso me recusar a participar do estudo ou

retirar meu consentimento a qualquer momento, sem precisar justificá-lo, e de que,

por desejar sair da pesquisa, não sofrerei qualquer prejuízo.

É garantido o livre acesso a todas as informações e esclarecimentos

adicionais sobre o estudo e suas conseqüências durante a pesquisa; enfim, tudo o

que eu queira saber antes, durante e depois da minha participação.

Enfim, tendo sido orientado quanto ao teor de tudo o que aqui é mencionado

e compreendido sobre a natureza e o objetivo do referido estudo, manifesto meu

livre consentimento em participar, estando totalmente ciente de que não há nenhum

valor econômico a receber ou a pagar por minha participação.

Por estar assim ciente

Assinam o presente em (02) duas vias de igual teor, na presença de duas

testemunhas

Sonia Maria da Silva Junqueira Autora da pesquisa

CPF: 057.863.658-16 RG: 18.225.695-9 SP

Nome: Sujeito participante da pesquisa

CPF: RG:

Testemunha 1: CPF: RG:

Testemunha 2: CPF: RG: