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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP PAULO FREITAS BARROS UM SENHORIO ORIGINADO PELA PALAVRA DO SENHOR ESTUDO EXEGÉTICO DO SALMO 110 MESTRADO EM TEOLOGIA BÍBLICA SÃO PAULO 2014

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Page 1: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO … Freitas... · AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), ao Prof. Dr. Matthias Grenzer,

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

PAULO FREITAS BARROS

UM SENHORIO ORIGINADO PELA PALAVRA DO SENHOR

ESTUDO EXEGÉTICO DO SALMO 110

MESTRADO EM TEOLOGIA BÍBLICA

SÃO PAULO

2014

Page 2: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO … Freitas... · AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), ao Prof. Dr. Matthias Grenzer,

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

PAULO FREITAS BARROS

UM SENHORIO ORIGINADO PELA PALAVRA DO SENHOR

ESTUDO EXEGÉTICO DO SALMO 110

MESTRADO EM TEOLOGIA BÍBLICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

como exigência parcial para a obtenção do título de

Mestre em Teologia Bíblica sob a orientação do

Prof. Dr. Matthias Grenzer.

SÃO PAULO

2014

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Banca Examinadora

______________________________________

______________________________________

______________________________________

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AGRADECIMENTOS

Agradeço

a Deus,

à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),

ao Prof. Dr. Matthias Grenzer, por me orientar com competência e paciência,

aos professores do Programa de Estudos Pós-Graduados Teologia da PUC-SP,

à ADVENIAT, pelo apoio financeiro aos meus estudos bíblicos,

à minha amiga e primeira incentivadora desta pesquisa Celina Daspett,

aos meus amigos sacerdotes e incentivadores desta Pesquisa Pe. Ademir José de Souza,

Pe. Edilson de Souza Silva, Pe. Edvaldo Oliveira Silva, Pe. Márcio Santos Ramos,

Pe. Roberto Vieira Silva,

a Anoar J. Provenzi e Maria Goreth Escorcio de Souza Zacarias, pela formatação e pela

revisão,

à minha amiga Thais Pires da Silva, pelas traduções da língua inglesa,

e aos meus queridos pais, Maria Luzia de Barros e Severino Freitas de Barros.

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Resumo: O objetivo da presente dissertação de mestrado é analisar exegeticamente as

dimensões teológicas do Salmo 110. A partir dos estudos filológicos do texto

originalmente composto em hebraico, é apresentada uma nova tradução, a mais literal

possível. No mais, o estudo abrange o contexto histórico-cultural do Salmo 110, bem

como a sua reflexão teológica sobre o rei e o Senhor, Deus de Israel. Acolhendo o

princípio da exegese canônica, o estudo aqui apresentado se baseia, sobretudo, na

observância dos paralelismos na Bíblia Hebraica, imaginando-se que os textos

bíblicos se expliquem de forma mútua. Finalmente, será pesquisado como os textos

do Novo Testamento trabalham com a reflexão teológica presente no Salmo 110.

Palavras-chave: Salmo 110; realeza; oráculo do Senhor

Abstract: The objective of this master’s thesis is an exegetical analysis in which will be

described the theological dimensions of Psalm 110. Based on philological studies of

ancient Hebrew a new translation of this Psalm is presented, as literal as possible. The

study covers the historical and cultural context of the Psalm 110 as well as the

theological thoughts related to the king and the Lord, God of Israel. Through the

principle of canonical exegesis, the study includes the observance of parallels

between biblical texts, which explain each other. Psalm 110 will also be researched

within the texts of the New Testament, thereby demonstrating its importance for the

reflection about Jesus Christ.

Keywords: Psalm 110; kingship; oracle of the Lord

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SUMÁRIO

Agradecimentos ........................................................................................................................................................... 4

Introdução .................................................................................................................................................................... 8

Capítulo 1 Um oráculo do Senhor convidando ao domínio (v. 1-3) ....................................................................... 10

1.1 O texto hebraico ................................................................................................................................................ 10

1.2 A tradução para o português ............................................................................................................................. 11

1.3 De, para ou sobre Davi ..................................................................................................................................... 11

1.4 Oráculo do SENHOR ........................................................................................................................................... 12

1.5 O destinatário do oráculo ................................................................................................................................. 15

1.6 Sentado à direita do SENHOR ............................................................................................................................. 18

1.7 Os inimigos como escabelo para os pés ............................................................................................................ 22

1.8 O bordão forte ................................................................................................................................................... 26

1.9 Comandar ou dominar? .................................................................................................................................... 28

1.10 O povo como uma oferenda voluntária ........................................................................................................... 30

1.11 Ornatos de santidade ...................................................................................................................................... 32

1.12 A força da juventude ....................................................................................................................................... 35

Capítulo 2 Um juramento do Senhor (v. 4-7) .......................................................................................................... 37

2.1 O texto hebraico ................................................................................................................................................ 37

2.2 A tradução para o português ............................................................................................................................. 37

2.3 O juramento do SENHOR .................................................................................................................................... 38

2.4 A ausência de arrependimento no SENHOR........................................................................................................ 39

2.5 Um sacerdócio eterno ....................................................................................................................................... 40

2.6 Ao modo de Melquisedec ................................................................................................................................... 44

2.7 O SENHOR está à tua direita .............................................................................................................................. 47

2.8 Destroça reis no dia de sua ira ......................................................................................................................... 47

2.9 Sentencia nações ............................................................................................................................................... 53

2.10 Encheu de cadáveres ....................................................................................................................................... 56

2.11 Destroçou cabeças .......................................................................................................................................... 58

2.12 Sobre a terra imensa ....................................................................................................................................... 59

2.13 No caminho, bebe da torrente ......................................................................................................................... 63

2.14 Elevar a cabeça ............................................................................................................................................... 66

Capítulo 3 Considerações finais ............................................................................................................................... 69

3.1 Salmo 110 no Antigo Testamento ...................................................................................................................... 69

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3.2 Salmo 110 no Saltério ....................................................................................................................................... 72

3.3 Salmo 110 no Novo Testamento ........................................................................................................................ 73

Referências bibliográficas ......................................................................................................................................... 82

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INTRODUÇÃO

“Curto pelo número de palavras, mas grande pelo peso das sentenças”.1 É dessa forma

que Santo Agostinho comenta as palavras do Salmo 110. Trata-se do Salmo mais citado nas

tradições do Novo Testamento. Percebe-se que o Salmo 110 chamou, repetidamente, o interesse

de seus leitores, sejam estes os autores dos escritos neotestamentários ou os teólogos de grande

expressão no decorrer da história do cristianismo.

A pesquisa apresentada aqui se dedica, em forma de Dissertação de Mestrado, a uma

leitura pormenorizada do Salmo 110. Nesse sentido, são acolhidas as Ciências Bíblicas. No caso,

parte-se da leitura do Salmo originalmente escrito em hebraico. Quer dizer, acolhendo os estudos

filológicos do hebraico antigo, é apresentada uma tradução nova do Salmo 110, sendo que esta

quer ser o mais literal possível.

Num segundo momento, parte-se para o estudo do contexto histórico-cultural do Salmo

110. Suas imagens, pois, e sua reflexão encontram interessantes paralelos nas culturas vizinhas

do antigo Israel, especialmente no antigo Egito. Tentamos trazer algumas imagens, no sentido de

valorizar o material iconográfico existente. Afinal, não são somente os textos antigos que nos

falam daquele tempo, mas também as imagens e, em outros casos, a cultura material que

sobreviveu os séculos.

Além disso, será pesquisado, sobretudo, o que está sendo pensado no Salmo 110, seja em

relação ao rei seja em relação ao Senhor, Deus de Israel. Enfim, é o objetivo deste estudo

descrever as dimensões teológicas do Salmo 110.

Para isso, segue-se o texto do Salmo 110, palavra por palavra, versículo por versículo e

estrofe por estrofe. No primeiro capítulo, serão estudados o título (v. 1a) e a primeira estrofe (v.

1b-3c) do poema em questão. No segundo capítulo, a segunda estrofe do Salmo 110 (v. 4a-7b) é

o alvo da atenção. Finalmente, o terceiro capítulo faz considerações finais mais amplas que

fecharão o estudo, sendo que o Salmo 110 é revisitado dentro de seu contexto bíblico, seja em

meio às tradições do Antigo Testamento, seja em vista de seu uso nas tradições do Novo

Testamento.

1 AGOSTINHO, Comentário aos Salmos 101-150, p. 270.

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De um modo especial, o estudo brota da observância dos paralelismos. Acolhe-se o

princípio da exegese canônica, no sentido de os textos bíblicos se explicarem mutuamente. O que

parece ser um trabalho exaustivo e árduo para o leitor comum, no caso da exegese bíblica se

torna uma possibilidade de descobrir, de forma mais exata, o que originalmente foi pensado

pelos autores das tradições bíblicas. Enfim, esta pesquisa se baseia, por excelência, no trabalho

de concordância. Ou seja, nesta Dissertação de Mestrado é realizado um exercício exegético,

tendo o Salmo 110 como objeto de estudo.

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CAPÍTULO 1

UM ORÁCULO DO SENHOR CONVIDANDO AO DOMÍNI O

(V . 1-3)

1.1 O texto hebraico

Os Salmos, originalmente, foram compostos na língua hebraica. Portanto, são

apresentados aqui o texto do hebraico dos primeiros três versículos do Salmo 110, os quais

compõem a primeira parte ou estrofe da oração. No caso, o texto é organizado por meios

versículos ou hemistíquios, os quais representam as pequenas unidades de sentido. Daqui para

frente, o estudo acolherá a numeração aqui definida.

Esta apresentação do texto hebraico do Salmo 110 já inclui as decisões referentes às

questões de crítica textual. Contudo, no decorrer do estudo, as escolhas serão justificadas. Quer

dizer: onde existem variantes significativas nos manuscritos hebraicos ou nas antigas traduções,

estas serão apresentadas e avaliadas.

v. 1a rAmz>mi dwId"l.

v. 1b ynIdoal; hw"hy> ~aun> v. 1c ynIymiylibve v. 1d ^yb,y>aotyvia'-d[; v. 1e `^yl,g>r:l. ~doh] v. 2a ^Z>[u-hJem; v. 2b !AYCimi hw"hy> xl;v.yI v. 2c `^yb,y>ao br<q,B. hdEr> v. 3a tbod"n> ^M.[; v. 3b ^l,yxe ~AyB. v. 3c vd<qo-yrEd>h;B. v. 3d rx'v.mi ~x,r<me v. 3e `^yt,dUl.y: lj; ^l.

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1.2 A tradução para o português

Segue-se uma tradução o mais literal possível da primeira parte do Salmo 110. Nem

sempre é possível manter a mesma sequência das palavras na frase, pois regras diferentes regem

a língua hebraica e a língua portuguesa. Mesmo assim, é possível transpor a maioria das

expressões e dos elementos estilísticos, ao traduzir o texto hebraico para o português. Em

especial, pode-se dar maior atenção ao vocabulário. Em princípio, vale a pena traduzir um termo

hebraico sempre com a mesma palavra em português, a fim de que os paralelismos possam ser

observados quando o Salmo 110 for lido em português.

v. 1a Sobre Davi. Um Salmo.

v. 1b Oráculo do Senhor para meu senhor:

v. 1c “Senta-te à minha direita,

v. 1d enquanto ponho teus inimigos

v. 1e como escabelo para teus pés!”

v. 2a Desde Sião,

v. 2b o Senhor estende o bordão de tua força.

v. 2c Domina em meio a teus inimigos!

v. 3a No dia de teu vigor,

v. 3b teu povo será como oferendas voluntárias,

v. 3c com ornatos de santidade.

v. 3d Desde o ventre da aurora,

v. 3e há para ti o orvalho de tua infância.

1.3 De, para ou sobre Davi

O Salmo 110 apresenta, nas suas primeiras palavras, um título formado em hebraico por

duas expressões: dwId"l. e rwOmz>mi (v. 1a). A segunda palavra não oferece maiores dificuldades.

O termo (rwOmz>mi) pode ser traduzido como um Salmo, ou seja, um canto musicado, pois a raiz

verbal deste substantivo (rmz) traz a ideia de tocar um instrumento musical, cantar ou,

respectivamente, musicar.

A primeira palavra, por sua vez, oferece diversas possibilidades de compreensão,

dependendo de como o ouvinte-leitor interpreta a preposição que introduz o nome de Davi. No

caso, a preposição l, em hebraico, transmite, basicamente, a ideia de em relação a. Quer dizer:

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pressupõe-se uma relação entre Davi e a oração poética que se segue em Salmo 110. Como, no

entanto, entender, de forma pormenorizada, tal relação?

Existe a possibilidade de entender que o Salmo seja de Davi. O ouvinte-leitor receberia a

impressão de que o rei Davi – como aquele que canta, de forma exemplar, os Salmos – seria o

autor ou aquele que pronuncia as palavras presentes em Salmo 110.

Existe, por sua vez, uma segunda possibilidade de compreender a preposição l. Esta,

pois, na língua hebraica, também pode assumir o significado de para1 ou sobre.

2 Nesse sentido, a

oração presente no Salmo 110 seria para Davi ou um discurso sobre Davi? É possível imaginar

um rei que se tornou ou está se tornando o sucessor de Davi, continuando a história da dinastia

davídica que teve as suas origens em Davi, sendo que este governou, durante quarenta anos, no

final do século XI e nas primeiras décadas do século X a.C.

Acolhendo, neste estudo, a segunda compreensão da preposição l, imaginando um novo

Davi, sucessor, herdeiro ou quem continua a história da realeza deste rei, o Salmo 110 se abre à

ideia de querer insistir na “volta de um reinado renovado” daquele que representa, de forma

paradigmática, a realeza na cultura israelita.3 Alguém como Davi iria exercer, em tempos

posteriores, um domínio (v. 2c), o qual teria a marca do combate vitorioso aos inimigos (v. 1d.

2c) do povo (v. 3b). Dessa forma, quem reza no Salmo 110 se dirigiria a um sucessor do rei

Davi, real ou imaginado, apresentando-lhe um oráculo (v. 1b-e) e um juramento (v. 4) do

SENHOR, assim como descrevendo seu exercício de poder (v. 2-3.5-7).

1.4 Oráculo do SENHOR

O Salmo 110 inicia com a expressão oráculo do Senhor. O termo hebraico para oráculo é

~aun>. Partindo da ideia de que a palavra oráculo, na mitologia antiga, geralmente indica uma

resposta de uma divindade a quem a consultou, nasce a pergunta se o significado da palavra

hebraica é exatamente o mesmo.

1 KIRST, Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p. 107.

2 SCHÖKEL, Diccionario bíblico hebreo-español, p. 329-331.

3 HOSSFELD; ZENGER, Psalmen 101–150, p. 198.

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A etimologia do termo hebraico é incerta. Geralmente, a palavra oráculo (~aun>) é

relacionada com uma palavra árabe, que significa sussurrar.4 A vocalização em hebraico, por sua

vez, faz o ouvinte-leitor imaginar um particípio passivo no Qal, sendo que este termo indica a

conjugação “simples” do verbo. Nasce, portanto, uma compreensão da palavra no sentido de ela

indicar algo que foi sussurrado. Contudo, o termo oráculo (~aun>), morfologicamente analisado, é

um substantivo masculino no singular.

Provavelmente, o termo oráculo não foi usado, desde o princípio, como acontece, em

geral, nos escritos proféticos, sendo que a expressão indicava uma palavra de magia ou de

necromancia; em outros momentos, se fala do oráculo de um vidente.5 Talvez o profeta Amós

tenha sido o primeiro a utilizar o termo hebraico oráculo (~aun>) para indicar a ideia de que é o

SENHOR quem fala, em primeira pessoa, através do profeta.6

A palavra oráculo (~aun>) se faz presente em apenas dois Salmos. Além do texto aqui

estudado, o Salmo 36 trabalha com a mesma expressão, sendo que o orante afirma: No interior

de meu coração, está um oráculo de rebeldia para o perverso ou No interior de meu coração,

está o oráculo de rebeldia do perverso (Sl 36,2). Percebe-se a ideia da presença de uma voz ou

declaração (~aun>), personificada no coração de quem reza. Pode tratar-se de um dito em direção

a quem está sendo avaliado como perverso, ou ainda de um dito que partiu do perverso e agora

se torna presente no coração de quem reza aqui. Em todo caso, no Salmo 36, o oráculo não é

divino. Não se trata de um dito proferido pelo Deus de Israel, mas de um dito humano,

contrariamente ao que se percebe no Salmo 110.

Observando o uso do termo oráculo (~aun>) na Bíblia Hebraica, observa-se, de forma

marcante, a presença desta expressão nas tradições proféticas. O termo oráculo (~aun>) aparece

trezentos e setenta e duas vezes: uma vez em Gênesis, cinco vezes em Números, uma vez em

1Samuel, uma vez em 2Samuel, quatro vezes em 2Reis, vinte e cinco vezes em Isaías, cento e

setenta e cinco vezes em Jeremias, oitenta e cinco vezes em Ezequiel, quatro vezes em Oseias,

uma vez em Joel, vinte e uma vezes em Amós, duas vezes em Abdias, duas vezes em Miqueias,

4 JENNI; WESTERMANN, Diccionario teológico-manual del Antiguo Testamento, tomo II, p. 15.

5 JENNI; WESTERMANN, Diccionario teológico-manual del Antiguo Testamento, tomo II, p. 16.

6 JENNI; WESTERMANN, Diccionario teológico-manual del Antiguo Testamento, tomo II, p. 17.

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duas vezes em Naum, cinco vezes em Sofonias, doze vezes em Ageu, vinte vezes em Zacarias,

uma vez em Malaquias, duas vezes nos Salmos, uma vez em Provérbios e uma vez em

2Crônicas.7

Analisando as trezentos e setenta e duas presenças do termo oráculo8 (~aun>) na Bíblia

Hebraica, em trezentos e sessenta e quatro casos, é indicado um dito do Senhor, enquanto apenas

seis presenças da palavra oráculo visam a um dito proferido pelo homem (Nm 24,3.4.15.16; Sl

36,2; Pr 30,1). Todavia, no que se refere ao Salmo 110, o orante apresenta, de forma expressa,

um oráculo divino, atribuindo-o ao Deus de Israel, falando de um oráculo do Senhor (v. 1b).

O tetragrama que indica o nome do Deus de Israel (hwhy), aqui traduzido como SENHOR,

escrito com maiúsculas, é o nome próprio que mais aparece nos textos da Bíblia Hebraica. O

número total de presenças do tetragrama, somente no livro dos Salmos, é de quinhentas e

noventa e oito vezes. Em toda a Bíblia Hebraica, o tetragrama aparece seis mil e sete vezes.

Somente o profeta Jeremias supera o número de usos do tetragrama comparado ao livro dos

Salmos. Além disso, ainda existe a presença do nome do Deus de Israel de forma abreviada,

grafado com apenas as duas primeiras letras (hy). Das quarenta e seis presenças dessa forma

abreviada do tetragrama na Bíblia Hebraica, quarenta e uma estão no livro dos Salmos.

O nome Senhor (hwhy) encontra uma explicação, em forma de uma etimologia popular,

no livro do Êxodo. Na história da vocação de Moisés, este pergunta a Deus: Quando eu for aos

israelitas e disser: “O Deus de vossos pais me enviou até vós”, e me perguntarem: “Qual é o

seu nome?”, o que direi? (Ex 3,13). A resposta de Deus é: Sou (quem) sou ou Serei quem serei,

uma vez que a ação verbal do imperfeito, em hebraico, descreve uma ação imaginada como

ainda não concluída, seja no passado, no presente ou no futuro. Em hebraico se lê:

hy<h.a, hy<h.a,

Contemplando a forma da primeira pessoa do singular, na ação verbal do imperfeito da

família chamada de Qal, três das quatro letras também se fazem presentes no tetragrama:

7 JENNI; WESTERMANN, Diccionario teológico-manual del Antiguo Testamento, tomo II, p. 15.

8 LISOWSKY, Konkordanz zum Hebräischen Alten Testament, p. 886-888.

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hwhy

Justamente essa semelhança provoca a etimologia popular. Quer dizer: o ouvinte-leitor,

ao escutar o nome de Deus, é convidado a lembrar-se do verbo ser ou estar (hyh). Mais

especificamente, deve se lembrar da definição do nome de Deus conforme Ex 3,14: Sou quem

sou. Todavia, aqui é importante mencionar que o verbo ser, em hebraico, indica uma relação

(“ser para”), diferentemente da cultura grega, na qual o verbo ser insiste na ideia da essência

(“ser em si”). Nesse sentido, a expressão Sou quem sou traz consigo a ideia de o SENHOR ser

aquele que se faz presente na história de seu povo, no sentido de assumir uma relação com este

último. Ou seja: trata-se da promessa de o SENHOR estar com o seu povo, fazendo-lhe companhia

em seu caminho rumo à liberdade.9

Na versão da antiga tradução grega da Bíblia Hebraica, chamada de Septuaginta ou,

traduzido para o português, de Setenta, com a abreviação LXX, o tetragrama (hwhy) é sempre

traduzido como SENHOR (ku,rioj), sendo que tal palavra ocorre seis mil cento e cinquenta e seis

presenças.10

1.5 O destinatário do oráculo

Antes de tudo, é preciso explicar o uso do termo senhor em hebraico. O substantivo é

apresentado, nos escritos da Bíblia Hebraica, tanto no singular – senhor (!wOda') – como no plural

–senhores (~ynIdoa]).

O substantivo pode receber, como todos os outros, pronomes pessoais sufixados. Dessa

forma, também pode ser acrescentado o pronome pessoal da primeira pessoa do singular. Assim,

chega-se às seguintes formas: meu senhor (ynIdoa]) e meus senhores (yn:doa]).

Observa-se, no entanto, uma forma especial do termo meu senhor na Bíblia Hebraica,

sendo que nele o pronome pessoal sufixado não é vocalizado com o “a” mais curto, chamado de

9 No que se refere ao tetragrama, ver as explicações mais extensas em HARRIS; ARCHER; WALTKE,

Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p. 345-348. 10

KITTEL et alii, Grande Lessico del’ Nuovo Testamento, vol. V, p. 1392.

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“pátah”, mas sim com o “a” mais longo, chamado de “qames” (yn"doa]).11 Essa forma, traduzida

aqui como Senhor, tendo a primeira letra escrita com maiúscula, funciona como um “epíteto

divino”, no sentido de referir-se ao Deus de Israel, cujo nome, formado pelo tetragrama (hwhy), é

apresentado como SENHOR, sendo todas as letras escritas com maiúsculas.12

A Septuaginta,

tradução grega da Bíblia Hebraica, feita nos séculos III a II a.C., traduz a expressão hebraica

Senhor (yn"doa]) como Senhor (ku,rioj) – e não como meu Senhor. Assim, chega-se à seguinte

conclusão: “Embora yn"doa] possa significar meu Senhor em algumas passagens nas quais se fala

com Deus (p. ex., Gn 15,2), mais provavelmente significa Senhor de tudo em todos os outros

lugares, imaginando-se o a mais longo como um indicador que denota ênfase”.13

A tabela

apresentada a seguir quer ilustrar o que foi descrito agora.

Hwhy SENHOR

yn"doa] (meu) Senhor

ynIdoa] meu senhor

yn:doa] meus senhores

O termo Senhor (yn"doa]), indicando o Deus de Israel, respectivamente, o SENHOR (hwhy),

na Bíblia Hebraica, ocorre seiscentas e três vezes. Nos Salmos somente, são cinquenta

ocorrências. A pronúncia hebraica, no caso, é Adonai.

No que se refere ao Salmo 110, é interessante observar que também a forma meu senhor

(ynIdoa]) ocorre uma vez (v. 1b). No caso, a pronúncia da palavra hebraica seria Adoni. Mais

ainda: no Salmo 110, o termo é prefixado pela preposição a ou para (l), sendo que, literalmente,

se observa a expressão para o meu senhor (ynIdoal;) (v. 1b). Neste momento, torna-se interessante

uma pesquisa que verifica o uso do termo senhor quando não se refere a Deus. Ou seja: quem,

11

LAMBDIN, Gramática do hebraico bíblico, p. 29. 12

WALTKE; O’CONNOR, Introdução à sintaxe do hebraico bíblico, p. 124. 13

WALTKE; O’CONNOR, Introdução à sintaxe do hebraico bíblico, p. 124.

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além de Deus, é chamado de senhor ou, de forma mais definida, de meu senhor nas tradições da

Bíblia Hebraica?

Conferindo todas as presenças da palavra senhor (!wOda') na Bíblia Hebraica, observa-se

que o termo, por trezentas e trinta e duas vezes, indica uma pessoa, sem que seja Deus. Em geral,

trata-se de alguém que exerce certo poder ou domínio, pois a expressão senhor pode ser

compreendida também como dono, chefe ou patrão.14

Nesse sentido, a palavra senhor (!wOda')

também é utilizada para alguém se referir ao rei, sendo que isso ocorre na Bíblia Hebraica

sessenta e duas vezes. Eis as referências: 1Sm 24,9; 26,17.19; 2Sm 2,7.10; 4,8; 9,9.102x

; 10,3;

11,9.11.13; 12,8; 13,33; 14,9.12.15.17.18.19.22; 15,15.21; 16,4; 18,28.31.32; 19,20.21.27.282x

.

29.31.36.38; 24,32x

.21.22; 1Rs 1,22x

.13.18.202x

.21.24.272x

.31.36.372x

; 2,38; 2Rs 6,12.26; 8,5; Is

36,8; Jr 38,9; Sl 45,12; 1Cr 21,23 (meu senhor = ynIdoa]).

No Salmo 110, o termo para (o) meu senhor (cf. v. 1b: ynIdoal;) aparece como sufixo do

pronome pessoal da primeira pessoa do singular, traduzido aqui como meu, e com a preposição

prefixada (l), que atrai o artigo definido, traduzida aqui como para (o). Como, em português,

comumente se evita a definição dupla, o artigo definido não é apresentado, de forma expressa, na

tradução do Salmo 110 colocada neste estudo, pois o pronome possessivo meu já serve como

definição. Todavia, a expressão para meu senhor (v. 1b: ynIdoal;) indica a direção do discurso de

quem reza aqui e a relação de pertença do orante a quem este chama de meu senhor.

A Bíblia Hebraica emprega o termo para meu senhor (ynIdoal;) vinte e quatro vezes (Gn

24,36.54.56; 32,5.6.19; 44,9.162x

.33; 1Sm 24,7; 25,27.28.30.312x

; 2Sm 4,8; 19,29; 1Rs 1,22x

;

18,13; 20,9; 1Cr 21,3; Sl 110,1). Aqui é interessante observar, de um modo específico, o

personagem que é chamado de meu senhor, sendo que este se torna o destinatário da mensagem.

No caso, são: Abraão (Gn 24,36.54.56), Esaú (Gn 32,5.6.19), José (Gn 44,9.162x

.33), Saul (1Sm

24,7), Davi (1Sm 25,27.28.30.312x

; 2Sm 4,8; 19,29; 1Rs 1,22x

; 1Cr 21,3;), Elias (1Rs 18,13) e

Ben-Adad, rei de Aram (1Rs 20,9). Chama a atenção do ouvinte-leitor que doze, ou seja, a

metade das ocorrências, têm um rei como ponto de referência: Saul, uma vez; Davi, dez vezes;

Ben-Adad, uma vez. Com isso, torna-se mais provável que, também no primeiro versículo do

Salmo 110, o rei seja o destinatário de quem reza aqui, embora não apareça a palavra “rei”, nem

14

KIRST, Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p. 3.

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18

seja mencionado o nome de um rei no discurso do orante, pois este, aparentemente, se dirige a

seu rei chamando-o de meu senhor (ynIdoa]).

Contudo, vale a pena lembrar, em meio a esta discussão, que, no título da oração presente

no Salmo 110, aparece o nome do rei Davi (v. 1a). Com isso, já ocorre um direcionamento da

atenção do ouvinte-leitor. Ou seja: o orante se dirige ao rei, falando para este. Ao mesmo tempo,

porém, também fala sobre o rei, transmitindo, a seu senhor, um oráculo que tem a sua origem

naquele que é o SENHOR por excelência.

1.6 Sentado à direita do SENHOR

Nas tradições da Bíblia Hebraica, o verbo sentar ou sentar-se (bvy), no grau do Qal,

aparece oitocentos e vinte e oito vezes. No livro dos Salmos, ocorrem quarenta e quatro

presenças. No Salmo 110, observa-se, primeiramente, a forma do imperativo singular do

masculino: Senta-te! (v. 1c). Quer dizer: um homem é convidado ou até intimado a sentar-se à

direita do Senhor. É a única vez que, nos Salmos, se emprega uma forma do imperativo do verbo

sentar ou sentar-se. Nas demais tradições da Bíblia Hebraica, isso, porém, ocorre outras trinta e

seis vezes (Gn 20,15; 22,5; 27,19; 29,19; 34,10; 35,1; 38,11; Ex 16,29; 24,14; Nm 22,19; Jz

17,10; 1Sm 1,23; 22,23; 2Sm 10,5; 11,12; 15,19; 2Rs 2,2.4.6; 14,10; 25,24; Is 47,1.5; 52,2; Jr

13,18; 29,5.28; 35,15; 36,15; 40.9.10; 48,18; Sl 110,1; Rt 3,18; 4,1; 1Cr 19,5; 2Cr 25,19).

Neste momento, é interessante observar quem recebe a ordem de se sentar e de quem

recebe tal ordem. No caso, Abraão, os servos de Abraão, Isaac, Jacó, os filhos de Jacó, Tamar,

os anciãos, os enviados de Balac, um jovem levita de Belém, Ana, Abiatar, os servos de Davi,

Urias, Etai, Eliseu, Amasias, os oficiais das tropas judaítas, Babilônia, Jerusalém, o rei Joaquin

e sua mãe, os exilados na Babilônia, Baruc, Rute e o parente de Booz escutam de outras pessoas

que eles devem sentar ou assentar-se.

Contudo, além do primeiro versículo no Salmo 110, existem apenas outras cinco

referências, onde Deus, respectivamente, o SENHOR, Deus de Israel, dá a alguém a ordem de

sentar-se ou assentar-se. No caso, Deus ordena a Jacó que se assente em Betel (Gn 35,1). Em Ex

16,29, o SENHOR, através de Moisés, ordena que os israelitas fiquem sentados no dia do sábado.

No livro do profeta Jeremias, por sua vez, os exilados recebem a ordem de se assentarem na

Babilônia (Jr 29,5). Da mesma forma, os homens de Judá e os habitantes de Jerusalém devem

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ficar assentados em sua terra (Jr 35,15). E, por último, a filha de Dibon, uma cidade em Moab,

escuta o oráculo do Senhor dos exércitos celestes, apresentado como rei, no sentido de receber a

ordem de se assentar em solo sedento (Jr 48,18).

Figura 1 Da esquerda para a direita: Ramsés e Hórus

15

15

Imagem tirada de KEEL, Die Welt der altorientalischen Bild symbolikund das AlteTestament, p.

240.

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20

Enfim, o oráculo do Senhor, presente no primeiro versículo do Salmo 110, traz, de certa

forma, uma ideia que é única nas tradições da Bíblia Hebraica e que pode ser descrita como

“uma exaltação excepcional do aspecto de uma entronização de um rei”.16

O Deus de Israel

manda alguém sentar-se a seu lado direito. Em nenhum outro lugar nas Sagradas Escrituras de

Israel, ocorre este tipo de ordem, pois, nos paralelismos acima apresentados, Deus apenas ordena

certas pessoas a se sentarem em lugares que já fazem parte do ambiente em que vivem ou se

encontram. Contudo, ao imaginar que o rei de Israel tome assento à direita do Senhor, Deus de

Israel, pensa-se em um ato de entronização. Afinal, é comum, na cultura religiosa do antigo

Israel, imaginar que Deus se encontra assentado em seu trono celeste.

Todavia, conhece-se, da cultura do Antigo Egito, a imagem do rei assentado à direita de

um deus ou de deuses. Nesse sentido, a Figura 1, apresentada acima, mostra um relevo

trabalhado em pedra de areia de Medinet Habu, do século XII a.C., com o faraó Horemhab

(1319-1307 a.C.) sentado ao lado direito do deus egípcio Hórus.17

Uma outra imagem (Figura 2),

expressando a mesma ideia, é de Abu Simbel, do período de Ramsés II (1279-1213/2 a.C.).

Neste caso, Ramsés II está sentado, tendo à direita Rá, o deus do sol, e à esquerda os deuses

Amon e Ptah.

16

GÖRG, Religionen in der Umwelt des Alten Testaments III, p. 86. 17

Imagem tirada de KEEL, Die Welt der altorientalischen Bild symbolikund das AlteTestament, p.

240.

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21

Figura 2 Da esquerda para a direita: Rá, Ramsés, Amon e Ptah

18

O termo aqui traduzido como direita também poderia ser compreendido como destra ou

sul (!ymiy"). Na Bíblia Hebraica, ocorre cento e quarenta vezes. Duas delas estão no Salmo 110,

exatamente nos v. 1c.5a. Nos dois casos, encontra-se o substantivo direita com o pronome

pessoal da primeira pessoa sufixado, no sentido de minha direita. Contudo, enquanto no v. 1c se

fala da direita do SENHOR, o v. 5a visa à direita do rei. Quer dizer, primeiramente, o rei é

intimado a sentar-se à direita do SENHOR, para experimentar, posteriormente, que o SENHOR está

à sua direita.

Nos Salmos, o termo direita (!ymiy") ocorre quarenta e duas vezes (Sl 16,8.10; 17,7; 18,36;

20,7; 21,9; 26,10; 44,4; 45,5.10; 48,11; 60,7; 63,9; 73,23; 74,11; 77,11; 78,54; 80,16.18;

89,13.14.26.43; 91,7; 98,1; 108,7; 109,6.31; 110,1.5; 118,15.162x

; 121,5; 137,5; 138,7; 139,10;

142,5; 144,82x

.112x

). Apesar de todas estas ocorrências, a ideia de se sentar à direita do Senhor,

provavelmente, tenha sido absorvida do contexto egípcio, como indicado pela imagem acima

apresentada. No Egito, pois, como também em Israel, à direita indica o ponto cardeal na direção

sul. Contudo, isso parece tornar-se mais significativo no país vizinho de Israel, uma vez que, no

18

GÖRG, Religionen in der Umwelt des Alten Testaments III, p. 113 (Figura 5).

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sul, se encontra a nascente do rio Nilo.19

É interessante observar também que o sul está à direita

de quem olha na direção do nascer do sol. A partir disso, nas civilizações antigas, à direita

parece receber a conotação simbólica de ser o lado melhor, no sentido de indicar o lado

favorável.20

Tal conotação parece continuar a prevalecer em muitas culturas atuais.

No que se refere aos paralelismos na Bíblia Hebraica, é interessante observar como 1Rs

2,19 apresenta Betsabeia, mãe do rei Salomão, como aquela que é convidada, por seu filho, a

sentar-se à direita do trono dele. É o único momento, além do que se ouve ou lê em Sl 110,1,

onde alguém é convidado a tomar assento num trono, ao lado direito de quem está governando.

Surge, dessa forma, a impressão de certa participação da honra e dignidade atribuída ao rei.

Outro paralelismo de maior importância se encontra em 1Rs 22,19. Neste caso, um profeta

chamado Miqueias apresenta sua visão do SENHOR, Deus de Israel, assentado sobre seu trono,

com todo o exército celeste estando de pé acima dele, a sua direita e esquerda. Novamente,

passa-se à ideia de uma determinada participação do poder do rei celeste. Ao mesmo tempo, essa

participação indica estar a serviço do SENHOR. Enfim, surge a impressão de que não se vacila,

enquanto se permanece à direita do SENHOR (Sl 16,8); mais ainda, à direita do SENHOR,

perpetuamente, estão delícias (Sl 16,11). Ou seja: à direita do SENHOR indica, aparentemente, a

salvação, a força, o poder divino, a proteção ou a libertação, como pode ser verificado no Salmo

108: Para que teus amados sejam libertos, salva por tua direita! (Sl 108,7). Caso contrário, os

Salmos não falam da esquerda do SENHOR Deus.

1.7 Os inimigos como escabelo para os pés

Na Bíblia Hebraica, o termo inimigo (byEao) aparece por duzentas e oitenta e duas vezes.

Trata-se de um verbo substantivado. Mais exatamente, é o particípio ativo no grau do Qal. Nos

Salmos, o inimigo ocorre setenta e três presenças (Sl 3,8; 6,11; 7,6; 8,3; 9,4.7; 13,3.5; 17,9;

18,1.4.18.38.41.49; 21,9; 25,2.19; 27,2.6; 30,2; 31,9.16; 35,19; 37,20; 38,20; 41,3.6.12; 42,10;

43,2; 44,17; 45,6; 54,9; 55,4.13; 56,10; 59,2; 61,4; 64,2; 66,3; 68,2.22.24; 69,5.19; 71,10; 72,9;

74,3.10.18; 78,53; 80,7; 81,15; 83,3; 89,11.23.43.52; 92,10; 102,9; 106,10.42; 110,1.2; 119,98;

127,5; 132,18; 138,7; 139,22; 143,3.9.12).

19

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. III, p. 767. 20

BOTTERWECK; RINGGREN, FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. III, p. 768.

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No Salmo 110, por duas vezes, o orante pensa nos inimigos do rei. Na primeira vez, eles

fazem parte do oráculo divino (v. 1b-e), apresentado ao rei por quem reza aqui (v. 1d). Na

segunda vez, os inimigos aparecem no discurso do orante, sendo que este expõe agora seu

próprio pensamento ao rei (v. 2c). Nas duas ocasiões, fala de inimigos no plural. Não é um

inimigo somente, mas é uma pluralidade de opositores. Além disso, a inimizade destes últimos

tem como ponto de referência o rei. São os inimigos dele. Por duas vezes, pois, o orante emprega

o pronome pessoal sufixado da segunda pessoa masculina do singular, como se quisesse lembrar

o seu senhor da seguinte realidade: há os teus inimigos (v. 1d e 2c). Todavia, analisando, neste

momento, o oráculo do SENHOR, a ação contra os inimigos do rei parte de Deus mesmo. Quer

dizer, é o SENHOR quem se propõe a combater os opositores do rei, pondo estes como um

escabelo debaixo dos pés do governante (v.d-e).

Em vista da compreensão dessa imagem literária, ajuda, novamente, o estudo da

iconografia do antigo Egito. Numa pintura de um túmulo do século XV a.C., o jovem príncipe

Amenófis III, sentado no colo de sua mãe, põe seus pés sobre um conjunto de nove inimigos que,

tradicionalmente, representam, na cultura egípcia, a totalidade dos povos estrangeiros.

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24

Figura 3 Inimigos debaixo dos pés do faraó

21

Além de o domínio do jovem faraó ser expresso pelo fato de os inimigos se encontrarem

debaixo dos pés de quem está com o poder, este último, além disso, segura a corda com que

amarra pelo pescoço aqueles que lhe são subjugados. A mesma ideia de os inimigos se

encontrarem debaixo dos pés do governante se faz presente num par de sandálias,

provavelmente, do ano de 1330 a.C., encontrado no túmulo de Tutancâmon.

21

Ver a imagem e as explicações em SCHROER; STAUBLI, Simbolismo do corpo na Bíblia, p. 239.

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25

Figura 4 Pisando nos inimigos

22

Na compreensão do antigo Egito, o domínio dos inimigos é visto como necessário, a fim

de manter a ordem do cosmo.

O escabelo, imaginado como acessório do trono do rei, é mencionado apenas seis vezes

em toda a Bíblia Hebraica (Is 66,1; Sl 99,5; 110,1; 132,7; Lm 2,1; 1Cr 28,2). Nas cinco

referências paralelas ao Salmo 110, o escabelo é sempre pensado como pedestal, no qual o Deus

de Israel apoia os seus pés. Para o profeta Isaías – no caso, o Trito-Isaías, um dos repatriados

após o exílio babilônico –, a terra inteira se torna o escabelo para os pés divinos, sendo que os

céus são o seu trono (Is 66,1). Talvez se trate de uma visão crítica no que se refere ao projeto da

reconstrução do Templo em Jerusalém. No Salmo 99, o SENHOR, como rei, se assenta entre

querubins, sendo que, por consequência, a terra treme (Sl 99,1). Imaginam-se tronos

22

Ver a imagem e as explicações em SCHROER; STAUBLI, Simbolismo do corpo na Bíblia, p. 238.

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acompanhados, em cada lado, por leões alados com face humana, chamados de querubins.

Todavia, cultiva-se a fé de que o SENHOR, Deus de Israel, assumirá a realeza a partir de Sião,

quer dizer, a partir do Templo de Jerusalém. No Salmo 132, o povo dos peregrinos, subindo ao

Templo de Jerusalém, se propõe a dobrar-se diante do escabelo dos pés de seu Deus, pedindo

que este e a arca de sua força se levantem (Sl 132,7-8). Mais ainda: nas tradições religiosas do

antigo Israel, a própria arca é contemplada como um pedestal que serve ao SENHOR como

escabelo para os seus pés (1Cr 28,2). Todavia, também é possível que o SENHOR, no dia de sua

ira, se esqueça deste escabelo (Lm 2,1).

Contudo, resta a pergunta: essa imagem indica um domínio violento do SENHOR?

Voltando outra vez à reflexão presente no Salmo 99, vê-se que a força do SENHOR Deus como rei

se fundamenta em seu amor histórico ao direito (Sl 99,4). Nesse sentido, ele se propõe a

estabelecer uma ordem neste mundo que prevê a retidão e a prática da justiça prevista pelo

direito como princípios de qualquer tipo de convivência (Sl 99,4). Portanto, prostrar-se ao

estrado dos pés de quem se assenta sobre os querubins (Sl 99,5) indica, simbolicamente, a

disposição de se subjugar à ordem e ao governo do SENHOR, o rei celeste. Sabendo que o direito

de Deus insiste na liberdade dos que são oprimidos, este ato de submissão significa recuperar a

liberdade. Em contrapartida, para quem insiste na opressão e no cultivo da inimizade em relação

aos que defendem a justiça, a submissão será experimentada de outra forma. Quer dizer: existem

duas alternativas. Ou prostrar-se ao escabelo dos pés do SENHOR (Sl 99,5), ou ser colocado,

como um escabelo, debaixo dos pés de quem governa para impor a justiça divina (v. 1d-e), seja

este o próprio SENHOR Deus ou o rei de Israel que, no caso, participa do governo do rei celeste.

1.8 O bordão forte

O termo que pode ser traduzido como bordão, báculo, bastão ou cetro, mas também tribo

(hJe(m), ocorre duzentas e vinte e quatro vezes na Bíblia Hebraica. O maior número de

ocorrências se dá no livro dos Números: setenta e seis vezes. Nos Salmos, a expressão aparece

apenas duas vezes (Sl 110,2; 105,16), sempre como substantivo masculino singular na forma do

construto. Sl 105,16 afirma: Ele chamou a fome sobre a terra e cortou todo bastão de pão, no

sentido de cortar todo sustento de pão. No caso, imagina-se que Deus, em seu poder, possa

trazer fome para a terra.

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O termo força ou poder (Z[) ocorre noventa e cinco vezes na Bíblia Hebraica, sendo que,

nos Salmos, há quarenta e quatro presenças (Sl 8,3; 21,2.14; 28,7.8; 29,1.11; 30,8; 46,2;

59,10.17.18; 61,4; 62,8.12; 63,3; 66,3; 68,29.34.352x

.36; 71,7; 74,13; 77,15; 78,26.61; 81,2;

84,6; 86,16; 89,11.18; 90,11; 93,1; 96,6.7; 99,4; 105,4; 110,2; 118,14; 132,8; 138,3; 140,8;

150,1).

Entre essas citações, Sl 110,2 é o único lugar nos Salmos onde a ideia da força se

encontra ligada ao bordão ou cetro estendido a partir de Sião. Contudo, há outros Salmos nos

quais se cultiva a ideia de que a origem de toda força está em Deus. Nesse sentido, o orante

afirma em Sl 62,12: A Deus pertence a força. Algo bem semelhante se ouve ou lê em Sl 68,36: É

o Deus de Israel que dá ao povo força e poder. Aqui se verifica que o SENHOR partilha sua força

e seu poder com o seu povo. Em Sl 86,16, o orante ressalta o aspecto da possibilidade de o

SENHOR partilhar seu poder, pedindo a este: Concede tua força ao teu servo.

No início do Salmo 110, o orante apresenta um discurso do SENHOR, no qual o Deus de

Israel usa a primeira pessoa do singular (ver a expressão minha direita; v. 1c) e o verbo ponho

(v. 1d). Em seguida, quem reza aqui fala sobre o SENHOR. Assim, parece ocorrer uma mudança

de orador no início do v. 2, por mais que existam discursos na Bíblia Hebraica nos quais o

SENHOR use a terceira pessoa do singular para descrever uma ação sua. No caso do Salmo 110,

porém, é mais fácil imaginar que, a partir do v. 2a, não se escuta mais a voz do SENHOR,

transmitida pelo orante, mas sim a voz do orante enquanto destaca suas próprias palavras.

No que se refere à sequência dos elementos da frase no v. 2a-b, quem reza aqui, em vez

de começar com o verbo, realça o objeto direto na primeira posição. Traduzido literalmente,

guardando a posição de cada palavra na frase hebraica, seria: O bordão de tua força, o Senhor

estende desde Sião. Com isso, o senhor do orante, ou seja, o rei, se torna semelhante a Moisés e

Aarão. Podemos ainda destacar que foi com seu bordão que Moisés e Aarão feriram as águas do

Egito, transformando-as em sangue (Ex 7,15.17.19.20). E, pela ordem do SENHOR, transmitida

por Moisés, Aarão também fez subir rãs dos rios, canais e lagoas com o bordão estendido (Ex

8,1). Com o mesmo instrumento, dando continuidade à sequência das pragas, Aarão também

feriu a terra, para que houvesse mosquitos em toda a terra do Egito (Ex 8,12.13). Além disso,

estendendo seu bordão para os céus, Moisés fez com que o Senhor enviasse trovões, chuva de

pedras e fogo (Ex 9,23). De forma semelhante, ao Moisés estender o bordão sobre a terra, o

SENHOR enviou um vento oriental que trazia gafanhotos consigo (Ex 10,13). Finalmente, com o

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bordão na mão estendida, Moisés dividiu as águas do Mar dos Juncos (Ex 14,16). Também usou

o bordão de Deus para fazer jorrar água do rochedo em Massa e Meriba (Ex 17,5-6) e combater,

de forma vitoriosa, os amalecitas (Ex 17,9). Resumindo: “Na narrativa do êxodo, o bordão [...]

se torna o sinal eficaz de que Moisés e Aarão estão atuando conforme a iniciativa de Deus”.23

Seguindo, novamente, a meditação realizada pelo orante no Salmo 110, o SENHOR mesmo

se propõe a estender o bordão do rei (v. 2b). Trata-se de um bordão forte, ou seja, um bordão

que representa a força do rei. Que a situação pudesse ser contrária fica claro quando são

observadas as outras quatro presenças desta expressão metafórica na Bíblia Hebraica. No caso,

Jeremias diz sobre Moab, nação vizinha de Israel, que seu bordão forte e sua vara ornamentada

foram quebrados (Jr 48,17). O SENHOR, simplesmente, cortou o varapau enfeitado, que é um

símbolo externo do poderio ou uma insígnia do domínio pretendido.24

Também Ezequiel acolhe

a imagem numa lamentação sobre os chefes de Israel, sendo que a mãe de Israel era como

videira. Esta última estava cheia de galhos fortes e vigorosos, que se tornavam bastões ou cetros

de governantes (Ez 19,11). Infelizmente, é necessário traduzir a mesma palavra hebraica ora

como bordão ora como galho ou ramalho, sendo que, em português, se perde a audibilidade ou

visibilidade do paralelismo. Enfim, basta, neste momento, acompanhar Ezequiel somente um

instante para descobrir a continuação de sua reflexão. Fogo devorou o ramalho, respectivamente,

o bordão forte (Ez 19,12). Assim, não ficou nenhum galho, ou seja, nenhum bordão forte e,

consequentemente, nenhum cetro para governar (Ez 19,14).

No entanto, o orante no Salmo 110 prevê outro destino para o rei. É o SENHOR quem, a

partir de Sião (v. 2a), estende o bordão, ou seja, a força, daquele que é chamado a governar (v.

2b), para que este possa mandar em seus inimigos (v. 2c).

1.9 Comandar ou dominar?

O verbo governar, dominar, controlar ou comandar (hdr) ocorre vinte e cinco vezes na

Bíblia Hebraica, sendo que, nos Salmos, a raiz verbal ocorre quatro vezes (Gn 1,26.28; Lv

25,43.46.53; 26,17; Nm 24,19; 1Rs 5,4.30; 9,23; Is 14,2.6; Ez 29,15; 34,4; Sl 49,15; 68,28; 72,8;

23

UTZSCHNEIDER; OSWALD, Exodus 1–15, p. 317. 24

FISCHER, Jeremia 26–52, p. 513.

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29

110,2; Lm 1,13; Ne 9,28; 2Cr 8,10). A forma do verbo dominar ou comandar em Sl 110,2b é o

imperativo masculino singular.

Alguns paralelismos recebem destaque por ajudarem a esclarecer o que, provavelmente,

está sendo pensado em Sl 110,2. Em Gn 1,26, o primeiro casal criado por Deus ouve deste:

Dominem sobre os peixes do mar. Quer dizer: o homem é convidado a participar do domínio que

Deus tem sobre a criação. No entanto, não se prevê um governo ou domínio no sentido de

subjugar ou oprimir algo ou alguém, mas um exercício de poder que nasce do temor do SENHOR:

Não o dominarás com tirania, mas terás o temor de Deus (Lv 25,43). Além disso, lê-se no livro

do Levítico a respeito da sociedade israelita o seguinte: Sobre os vossos irmãos, pessoa alguma

deve exercer um domínio (Lv 25,46). Quer dizer: uma das características da sociedade alternativa

em Israel é que nenhum israelita pode ser dominado, ou seja, governado com violência. Mais

ainda: nenhum povo estrangeiro poderá dominar, de forma definitiva, o povo eleito.

Contrariamente, porém, se prevê um domínio. Veja, por exemplo, Nm 24,19: Ó Jacó, domina

sobre teus inimigos! Contudo, acolhendo o modelo de justiça previsto por Deus para este mundo,

em princípio, não se trata de um domínio que insiste na aniquilação do outro, a não ser que este

insista, de forma definitiva, na oposição a Deus e a seu projeto. Uma palavra do profeta Ezequiel

destaca o mesmo pensamento: O Egito será o mais insignificante dos reinos e nunca se elevará

acima das nações; eu o reduzirei a um pequeno número, para que não volte a dominar sobre

outras nações (Ez 29,15).

No que se refere aos Salmos, o termo governar, dominar ou comandar (hdr), além de Sl

110,2, aparece outras três vezes nos Salmos. Sl 49,15 diz: São como o rebanho destinado ao

Xeol; a Morte os leva a pastar; os homens retos os dominarão. Este Salmo pensa nos que

confiam na riqueza e, dessa forma, desprezam Deus. Enfim, sublinha-se que o domínio ou o

governo pertence a quem é capaz de insistir na retidão. Sl 72,8 afirma: Que domine de mar a

mar, desde o rio até os confins da terra. Provavelmente, esteja-se imaginando a região que tem o

Mar Mediterrâneo ao oeste e o Golfo Pérsico ao leste, ou seja, do rio Nilo ao rio Eufrates.25

O

orante fala aqui sobre um rei prometido que irá governar com justiça, julgará a causa dos pobres,

salvará os indigentes e esmagará seus opressores. É interessante observar que, neste mesmo

Salmo, o orante diz: Todos os reis se prostrarão diante Dele, as nações todas o servirão. Enfim,

o orante no Salmo 72 contempla o governo do rei de Israel como uma dádiva ou bênção para

25

BROWN et alii, Novo Comentário Bíblico de São Jerônimo; Antigo Testamento, p. 1057.

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30

todos os israelitas, mas também para as nações estrangeiras, conforme Sl 72,17: Nele serão

abençoadas as raças; todas as nações o proclamam feliz. Talvez aqui possamos verificar o que

deseja o orante do Salmo 110, com o seu governo: a opressão ou a paz do seu povo? Enfim,

aparentemente, prevê-se um governo que visa à promoção da justiça, promovendo, dessa forma,

uma paz abundante, e não a tirania. É para favorecer a justiça e a paz, em Israel e fora dele, que o

SENHOR, Deus de Israel, estende o bastão de seu rei a partir de Sião, para que exerça um

domínio favorável aos governados por ele (Sl 110,2).

1.10 O povo como uma oferenda voluntária

Continuando a pesquisa, o ouvinte-leitor do Salmo 110 se depara com o termo povo (~[;),

o qual aparece no texto hebraico como substantivo masculino singular no construto, por receber

o sufixo pronominal da segunda pessoa do masculino singular (teu povo). O termo povo ocorre

mil setecentos e noventa e oito vezes na Bíblia Hebraica. Cento e vinte presenças se encontram

nos Salmos (Sl 3,7.9; 7,9; 9,12; 14,4.7; 18,28.442x

.48; 22,7.32; 28,9; 29,112x

; 35,18; 44,13;

45,6.11.13.18; 47,2.4.102x

; 49,2; 50,4.7; 53,5.7; 56,8; 57,10; 59,12; 60,5; 62.9; 66,8; 67,42x

.5.62x

;

68,8.312x

.36; 72,2.3.4; 74,14; 77,15.16.21; 78,1.20.52.62.71; 70,13; 73,10; 74,18; 80,5;

81,9.12.14; 83,4; 85,3.7.9; 87,6; 89,16.20.51; 94,5.8.14; 95,7.10; 96,3.5.7.10.13; 97,6; 98,9;

99,1.2; 100,3; 102,19.23; 105,1.13.20.24.25.43; 106,4.34.40.48; 107,32; 108,4; 110,3; 111,6.9;

113,8; 114,1; 116,14.18; 125,2; 135,12.14; 136,16; 144,2.152x

; 148,142x

; 149,4). Em geral, na

Bíblia Hebraica, o termo povo, indica o povo de Israel, enquanto todos os outros povos são

chamados de nações. O orante do Salmo nos diz: Orgulho de todos os seus fiéis, dos israelitas, é

seu povo íntimo (Sl 148,14). Este SENHOR quer cumprir a justiça para com o seu povo: Devoram

o meu povo como se comessem pão (Sl 14,4). Também caminha com seu povo: Ó Deus, quando

saíste à frente do teu povo (Sl 68,8), assim como governa seu povo com justiça (Sl 72,2). No

mais, o SENHOR É visto como o guia de Israel: Ele guiou seu povo no deserto, porque seu amor é

para sempre (Sl 136,16). Assim, o orante demonstra que este SENHOR deseja o melhor ao seu

povo e ainda mais estará do lado do pobre: Pois tu salvas o povo pobre (Sl 18,28). Parece que

este possui atributos diferentes dos reis que governam no mundo, pois o SENHOR vem em favor

de um povo e não em seu benefício próprio. Dessa forma, faz sua bênção permanecer sobre o seu

povo: E sobre teu povo, tua bênção (Sl 3,9).

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O termo oferta espontânea, sacrifício espontâneo, oferta voluntária, holocausto

voluntário ou donativo espontâneo (tb"d"n>) no v. 3a do Salmo 110 é um substantivo no feminino

plural absoluto. Ocorre vinte e cinco vezes na Bíblia Hebraica (Ex 35,29; 36,3; Lv 7,16;

22,18.21.23; 23,38; Nm 15,3; 29,39; Dt 12,6.17; 16,10; 23,24; Os 14,5; Sl 54,8; 68,10; 110,3;

119,108; 2Cr 31,14; 35,8; Ez 46,12; Esd 1,4; 3,5; 8,28; Am 4,5), sendo que há quatro ocorrências

nos Salmos.

A oferta voluntária (hb"d"n>) não é requerida pela lei. É algo dado além da prescrição da

lei, no sentido de partir da postura generosa da pessoa.26

Nesse sentido, é interessante observar a

seguinte história:

Moisés chamou, pois, Beseleel e Ooliab e todos os homens hábeis aos quais o Senhor havia dado

sabedoria, a todos cujo coração os impelia a entregar-se à realização de algum trabalho. Eles receberam,

na presença de Moisés, todas as oferendas que os israelitas haviam trazido para a realização das obras do

culto do santuário. Contudo, os israelitas continuavam trazendo espontaneamente suas ofertas todas as

manhãs. Todos os peritos que realizavam os trabalhos do santuário interromperam cada um sua tarefa que

estavam fazendo, vieram e disseram a Moisés: “O povo traz muito mais que o necessário para realizar a

obra que o SENHOR ordenou que fizesse”. Então ordenou Moisés, e sua ordem foi proclamada no

acampamento, dizendo: “Nenhum homem ou mulher faça mais obra alguma para oferta do santuário”.

Assim, o povo foi proibido de trazer mais, pois já havia o suficiente para realizar todas as obras e ainda

sobrava (Ex 36,2-7).

Essa oferta voluntária (hb"d"n>) poderia também ser de sacrifícios de animais:

Fala a Aarão, a seus filhos, a todos os israelitas, e lhes dirás: “Qualquer homem da casa de Israel, ou

qualquer estrangeiro residente em Israel, que trouxer sua oferenda a título de voto ou de dom voluntário e

fizer um holocausto ao Senhor para ser aceito deverá oferecer um macho sem defeito, novilho, carneiro ou

cabrito. Não oferecereis coisa alguma que tenha defeito, porque não seria aceita a vosso favor (Lv 22,18-

20).

É interessante ainda ressaltar que neste tipo de sacrifício voluntário (hb"d"n>), diferente

dos demais, poderia ser oferecido um animal com defeito: Poderás oferecer como dom

26

BROWN et alii, Novo Comentário Bíblico de São Jerônimo; Antigo Testamento, p. 169.

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voluntário um animal anão disforme, de gado graúdo ou miúdo, mas para cumprimento de um

voto não será aceito (Lv 22,23).

O termo oferta voluntária (hb"d"n>) é usado na Festa das Tendas: Estas são as solenidades

do Senhor, para as quais convocareis os israelitas, assembleias santas destinadas a apresentar

oferendas queimadas ao Senhor, holocaustos, oblações, sacrifícios, libações, segundo o ritual

próprio de cada dia, além dos sábados do Senhor, das dádivas, dos votos e das oferendas

voluntárias que fareis ao Senhor (Lv 23,37-38).

É interessante destacar ainda um fato importante deste tipo de sacrifício ou oferta

voluntária. É que a mesma também faz parte de uma festa tradicional em Israel, ou seja, de

Pentecostes, a Festa da Colheita: Contarás sete semanas. A partir do momento em que lançares

a foice nas espigas, começaras a contar sete semanas. Celebrarás então a Festa das Semanas

em honra do Senhor teu Deus. A oferta espontânea que tua mão fizer deverá ser proporcional ao

modo como o Senhor teu Deus te houver abençoado (Dt 16,9-10).

Contemplando o texto do v. 3b no Salmo 110 – Teu povo será como oferendas

voluntárias! Pode-se atestar que esta é a única ocorrência na Bíblia Hebraica, onde se usa a ideia

de um povo ser como uma oferenda voluntária.

Pesquisando os termos povo (~[;) e oferendas voluntárias (hb"d"n>), é possível imaginar

que o orante deste Salmo pense no povo escolhido, o qual pertence ao SENHOR. Sendo este uma

oferta voluntária e levando em consideração a prescrição presente em Lv 22,23, onde o

hagiógrafo diz que esta oferta voluntária pode conter defeitos e imperfeições e mesmo assim

pode ser aceita, talvez o orante do Salmo queira também ressaltar o aspecto de que, mesmo

sendo um povo frágil, pequeno e infiel, o povo pode ser uma oferta voluntária e agradável ao

SENHOR.

1.11 Ornatos de santidade

O termo ornato (rd"h") aparece como um substantivo no masculino plural construto,

sendo o único caso em que o mesmo aparece como feminino plural.27

No mais, ocorre ainda

trinta vezes na Bíblia Hebraica (Lv 16,14; Dt 33,17; Is 2,10.19.21; 5,14; 35,22x

; 53,2; Ez 16,14;

27

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. II, p. 385.

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27,10; Mq 2,9; Sl 8,6; 21,6; 29,4; 45,4.5; 90,16; 96,6; 104,1; 110,3; 111,3; 145,5.12; 149,9; Jó

40,10; Lm 1,6; Pr 20,29; 31,25; 1Cr 16,27). Nos Salmos, portanto, ocorrem treze presenças.

O ornato (rd"h"), em Sl 104,2, se refere a Deus, a criação do céu e da terra, com sua

absoluta majestade: Envolto em luz como num manto, estendendo os céus como tenda, sendo um

sinal da dignidade real.28

Em Sl 21,6, se lê: Grande é sua glória com tua salvação; tu o vestiste

com honra e esplendor. É o SENHOR quem reveste os reis com honra e esplendor. Mais uma vez,

pode-se entender que o Salmo 110 é considerado régio. Seus termos remontam a palavras

empregadas no momento da coroação de um rei (Sl 21,6).

Como citado acima, o Salmo 110 apresenta o termo ornato no plural. Provavelmente,

quem reza aqui esteja se referindo aos paramentos reais. O plural seria por causa das várias

partes das vestes de um rei.29

Ressalte-se ainda que o ornato (rd"h") é dom de Deus. Assim, o homem participa de seu

senhorio do SENHOR e é coroado com a glória de Deus: E o fizeste pouco menos do que um deus,

coroando-o de glória e beleza (Sl 8,6). O SENHOR partilha, pois, sua glória com o homem.

Pode-se dizer ainda que o termo ornato, esplendor, honra e glória (rd"h") é usado

também no sentido de qualidade interior, embora, na grande maioria de suas presenças, o termo

se refira a algo exterior. No entanto, existe também a ideia contrária. Veja Pr 31,25: A mulher

está vestida de força e dignidade; ela sorri diante do futuro.

Na Torá, o termo ornato, esplendor, honra e glória (rd"h") aparece ligado à Festa das

Tendas: No primeiro dia tomareis frutos formosos, ramos de palmeiras, ramos de árvores

frondosas e de salgueiros das ribeiras, e vos regozijareis durante sete dias na presença do

Senhor vosso Deus (Lv 23,40). Os profetas também usam o termo, pensando numa manifestação

do esplendor do SENHOR: Alegrem-se o deserto e a terra seca, rejubile-se a estepe e floresça;

como narciso, cubra-se de flores, sim, rejubile-se com grande júbilo e exulte. A glória do Líbano

lhe será dada, bem como a beleza do Carmelo e do Saron. Eles verão a glória do Senhor, o

esplendor do nosso Deus (Is 35,1-2). Trata-se aqui de um dom que Deus pode conceder ao

deserto.

28

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. II, p. 384. 29

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. II, p. 385.

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O Trito-Isaías diz: Ele cresceu diante dele como renovo, como raiz em terra árida; não

tinha beleza nem esplendor que pudesse atrair o nosso olhar, nem formosura capaz de nos

deleitar (Is 53,2). Um dos Cânticos do Servo Sofredor do SENHOR, por sua vez, usa o termo para

demonstrar que não foi encontrado esplendor na aparência deste servo.

O termo santidade (vd<qo) ocorre quatrocentos e dezessete vezes na Bíblia Hebraica. Nos

Salmos, há quarenta e cinco ocorrências (SI 2,6; 3,5; 5,8; 11,4; 15,1; 20,3.7; 28,2; 29,2; 30,5;

33,21; 43,3; 47,9; 48,2; 51,13; 60,8; 63,3; 68,6.18.25; 74,3; 77,14; 78,54; 79,1; 87,1; 89,21.36;

93,5; 96,9; 97,12; 98,1; 99,9; 102,20; 103,1; 105,3.42; 106,47; 108,8; 110,3; 114,2; 134,2; 138,2;

145,21; 150,1).

Analisando alguns paralelismos, percebe-se que o termo santidade (vd<qo) indica algo

circunscrito, ou seja, separado.30

É usado quando se refere à consagração de um rei: Fui eu que

consagrei meu rei sobre Sião, minha montanha sagrada! (Sl 2,6). A mesma ideia pode ser

verificada em Sl 89,21: Encontrei o meu servo Davi e o ungi com meu óleo santo. Ainda pode-se

encontrar o termo santidade em referência a um monte: Em alta voz eu grito ao Senhor e Ele me

responde do seu monte sagrado (Sl 3,5). Também o templo quer refletir a santidade do SENHOR:

Quanto a mim, por teu grande amor entro em tua casa: eu me prostro em teu sagrado templo,

cheio de temor (Sl 5,8). Ou: Ouve minha voz suplicante quando grito a ti, quando levanto as

mãos para o teu Santo dos Santos (Sl 28,2). O termo santidade também pode caracterizar um

caminho: Ó Deus, teu caminho é santo! Que deus é grande como Deus? (Sl 77,14). Enfim, o

termo está ligado ao SENHOR em quase todas as suas ocorrências: Por minha santidade jurei uma

vez: jamais mentirei a Davi! (Sl 89,36).

Contudo, pode-se verificar que, quase sem exceção, o termo santidade se encontra em um

contexto religioso e cúltico, qualificando objetos, lugares e pessoas que são purificados e,

portanto, consagrados, ou seja, destinados à divindade.31

Assim, surge um relacionamento com

ou uma proximidade ao SENHOR. Nos Salmos, o ponto principal está na santidade de Deus e em

sua presença no santuário.

Portanto, quem reza no Salmo 110 comunica que existe uma pessoa ou um rei que se

reveste da santidade do SENHOR, com ornatos ou vestimentas sagradas que foram santificadas,

30

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. VII, p. 837. 31

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. VII, p. 839.

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separadas, destinadas ao próprio Deus, participando, dessa forma, de sua santidade, entrando

numa relação íntima com o SENHOR.

1.12 A força da juventude

O termo orvalho (lj;) ocorre trinta e uma vezes na Bíblia Hebraica (Gn 27,28.39; Ex

16,13.14; Nm 11,9; Dt 32,2; 33,13.28; Is 18,4; 26,192x

; Os 6,4; 13,3; 14,6; Mq 5,6; Ag 1,10; Sl

110,3; 133,3; Jó 33,28; 38,28; Pr 3,20; 19,12; Ct 5,2; Jz 6,37.38.39.40; 2Sm 1,21; 17,12; 1Rs

17,1; Zc 8,12). Nos Salmos, o termo possui apenas duas ocorrências. Em Sl 110,3, o termo

orvalho (lj;) aparece como substantivo masculino, no singular construto.

O termo orvalho (lj;) indica a condensação do vapor da água da atmosfera, o qual se

deposita em gotículas sobre superfícies horizontais e resfriadas (terra, telhados, folhagens etc.),

pela manhã e à noite; pode também ser nominado de relento, que é uma espécie de chuva muito

fina, comum nas madrugadas de verão.32

Contudo, é necessário verificar alguns textos onde ocorre o termo orvalho (lj;). O

orvalho (lj;) é visto como uma dádiva ou uma bênção de Deus: Que Deus te dê o orvalho do

céu e as gorduras da terra, trigo e vinho em abundância (Gn 27,28). Quando o orvalho se vai,

aparece a bênção do maná: Quando se evaporou a camada de orvalho que caíra, apareceu na

superfície do deserto uma coisa miúda, granulosa, fina como a geada sobre a terra (Ex 16,14).

O termo orvalho pode ser comparado à Palavra de Deus: Desça como chuva minha doutrina,

minha palavra se espalhe como orvalho, como chuvisco sobre a relva que viceja e aguaceiro

sobre a grama verdejante (Dt 32,2). Pode ser também visto como algo que passa rapidamente.

Por isso, é usado para metaforicamente mostrar o que é passageiro e de frágil existência, como o

amor prometido a Deus: Que te farei, Efraim? Que te farei, Judá? O vosso amor é como a nuvem

da manhã, como o orvalho que cedo desaparece (Os 6,4). Este orvalho (lj;) parece ter sua fonte

no SENHOR: O resto de Jacó será, no meio de numerosos povos, como um orvalho vindo do

Senhor, como gotas de chuva sobre a erva, que não espera no homem e não conta com o filho do

homem (Mq 5,6). O termo orvalho ainda é comparado à ação do próprio Deus, que traz vida ao

32

HOUAISS, Dicionário da língua portuguesa, p. 1401.

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povo de Israel: Eu serei como orvalho para Israel, ele florescerá como lírio, lançará suas raízes

como Líbano (Os 14,6). Mais uma vez, o termo orvalho recebe destaque ligado a um rei. O não

cair do orvalho, por sua vez, é sinal de maldição e de castigo:33

Montanhas de Gelboé, nem

orvalho nem chuva se derrame sobre vós, campos férteis, pois foi maculado o escudo dos heróis!

O escudo de Saul não foi ungido com óleo (2Sm 1,21). O termo orvalho aparece como sentença

de correção de Deus dada pelo profeta Elias sobre Israel: Elias, tesbita, um dos habitantes de

Galaad, disse a Acab: “Pela vida do Senhor, o Deus de Israel, a quem sirvo: não haverá nestes

anos nem orvalho nem chuva, a não ser quando eu o ordenar” (1Rs 17,1).

Além de Sl 110,3, o termo orvalho ocorre nos Salmos somente mais uma vez. É no

Salmo que inspira viver a fraternidade, vendo que esta é como uma bênção: É como o orvalho do

Hermon, descendo sobre os montes de Sião; porque aí manda o Senhor a bênção, a vida para

sempre (Sl 133,3).

O termo infância ou juventude (^yt,dUl.y:) ocorre apenas duas vezes na Bíblia Hebraica:

em Sl 110,3 e em Ecl 11,9.10. No Salmo 110, aparece como substantivo feminino singular

construto, com o sufixo pronominal da segunda pessoa masculina singular.

O termo infância ou juventude no livro do Eclesiastes (Coélet) aparece no contexto em

que conselhos são dados aos jovens: Alegra-te, jovem, com tua juventude, sê feliz nos dias da tua

mocidade, segue os caminhos do teu coração e visão dos teus olhos, saibas, porém, que sobre

todas essas coisas Deus te convocará para o julgamento (Ecl 11,9). O hagiógrafo continua

pedindo que se afaste do sofrimento e avisa que a juventude é passageira, comparando-a com os

cabelos negros: Afasta do teu coração o desgosto, e o sofrimento do teu corpo, pois a juventude

e cabelos negros são vaidade (Ecl 11,10).

O que se pode dizer sobre o v. 3 do Salmo 110 é que este filho possui uma relação

particular com Deus e recebe do próprio SENHOR a legitimação do seu reinado ou governo, em

um tipo de adoção que é única.34

33

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. III, p. 403. 34

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. III, p. 744.

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CAPÍTULO 2

UM JURAMENTO DO SENHOR

(V . 4-7)

Novamente, é preciso, também no início deste segundo capítulo da pesquisa, uma

tradução da segunda e última estrofe do Salmo 110, sendo que esta unidade literária é formada

por quatro versículos (Sl 110,4-7).

O ouvinte-leitor pode reconhecer a estrutura literária do texto em questão com certa

facilidade. No caso, a primeira estrofe inicia com a expressão Oráculo do Senhor (v. 1b). Segue-

se um discurso direto do Deus de Israel (v. 1c-d). A segunda estrofe, por sua vez, anuncia,

inicialmente, um juramento divino: O Senhor jurou (v. 4a). Outra vez, se segue um curto

discurso direto de Deus (v. 4c-d).

2.1 O texto hebraico

v. 4a hw"hy> [B;v.nI v. 4b ~xeN"yI al{w> v. 4c ~l'A[l. !heko-hT'a; v. 4d `qd<c,-yKil.m; ytir"b.DI-l[

v. 5a ^n>ymiy>-l[; yn"doa] v. 5b `~ykil'm. APa;-~AyB. #x;m' v. 6a ~yIAG]]]]B; !ydIy" v. 6b tAYwIg> alem' v. 6c varo #x;m' v. 6d `hB'r: #r<a,-l[; v. 7a hT,v.yI %r<D<äB; lx;N:mi v. 7b `varo ~yrIy" !Ke-l[;

2.2 A tradução para o português

v. 4a O Senhor jurou

v. 4b e não se arrepende:

v. 4c “Tu és sacerdote para sempre,

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v. 4d do modo de Melquisedec”.

v. 5a O Senhor está à tua direita;

v. 5b destroçou reis no dia de sua ira.

v. 6a Sentencia nações,

v. 6b encheu de cadáveres,

v. 6c destroçou cabeças,

v. 6d sobre a terra imensa.

v. 7a No caminho, bebe da torrente;

v. 7b por isso, eleva a cabeça.

2.3 O juramento do SENHOR

A segunda parte do Salmo 110 inicia com um juramento do Senhor. É exatamente por

causa disso que o poema se divide em duas partes. Tem-se a impressão de que o texto reinicia. Já

houve um oráculo do Senhor (v. 1b-e), que foi apresentado como discurso direto. Agora é dito

que o Senhor jurou (v. 4a). E o que jurou, novamente, é apresentado como discurso direto (v. 4c-

d).

O termo jurar ([bv) ocorre cento e oitenta vezes na Bíblia Hebraica, sendo que doze nos

Salmos (Sl 15,4; 24,4; 63,12; 89,4.36.50; 95,11; 102,9; 110,4; 119,106; 132,2.11). O escrito

bíblico que possui mais ocorrências do termo jurar ([bv) é o livro do Deuteronômio. São trinta

e três presenças. Em Sl 110,4, o verbo jurar apresenta a forma no grau do Nifal, na ação verbal

do perfeito, na terceira pessoa masculino do singular. No caso, a língua hebraica conjuga o verbo

jurar no Nifal, embora este grau, em geral, indique as vozes reflexiva e passiva.

Alguns paralelismos apresentados pelos Salmos podem ajudar na compreensão do termo

jurar ([bv). Firmei uma aliança com meu eleito; jurei a Davi, meu servo (Sl 89,4). Uma coisa

jurei por minha santidade, jamais mentirei para Davi (Sl 89,36). No caso, imagina-se que a

rebeldia e culpa do rei não vão anular as promessas divinas (v. 34-35). Faz parte da santidade

que Deus se mantenha solidário e, em última instância, “fiel” a si mesmo, sendo que Deus

mesmo se torna testemunha celeste daquilo que prometeu e jurou. Senhor, onde estão tuas

antigas lealdades? Juraste a Davi em tua fidelidade! (Sl 89,50). O orante pergunta pelo projeto

original de Deus para com os seus servos, partindo da lembrança da aliança com Davi e, com

isso, do tempo da monarquia davídica (1007-587 a.C.). Contudo, quem se lamenta aqui quer

apresentar a Deus também o fato de que, ao se ridicularizar a história do povo de Deus, se negam

também a atuação e a existência do Deus de Israel. Neste sentido, por causa de sua própria

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presença neste mundo, Deus deveria agir novamente de acordo com suas antigas lealdades.1

Contudo, estas três citações do termo jurar ([bv) parecem indicar uma eleição irrevogável de

Deus, mostrando que a promessa feita à estirpe de Davi tem validade eterna.2

Verifica-se que, por três vezes em um mesmo Salmo, a figura de Davi se torna referência

para um juramento pelo SENHOR. De forma semelhante, o orante do Salmo 110 imagina que este

está sendo investido pelo próprio SENHOR, a fim de que exerça o governo em Israel e Judá. Mais

ainda: o rei se torna alvo de um juramento imutável, do qual Deus não irá desistir: O Senhor

jurou uma verdade para Davi, dela não desistirá: Alguém do fruto de teu ventre porei sobre teu

trono (Sl 132,11).

2.4 A ausência de arrependimento no SENHOR

O termo arrepender-se, consolar ou compadecer (~xn) ocorre cento e duas vezes na

Bíblia Hebraica, sendo que nos Salmos há doze presenças (Sl 23,4; 69,21; 71,21; 77,3; 86,17;

90,13; 106,45; 110,4; 119,52.76.82; 135,14). No Salmo 110, o verbo aparece no Nifal

imperfeito, na terceira pessoa do masculino singular.

Aparentemente, visa-se à fidelidade do SENHOR, no sentido de este se propor a manter a

instituição da realeza em Sião.3 Será ele que construirá uma casa para o meu Nome, e

estabelecerei para sempre o seu trono. Eu serei para ele um pai, e ele será para mim um filho:

se ele fizer o mal, castigá-lo-ei com vara de homem e com açoites de homens. Mas a minha

proteção não se afastará dele, como a tirei de Saul, que afastei de diante de ti (2Sm 7,13-15).

Nesse sentido, Sl 110,4 talvez acompanhe a lógica interna imaginada em Nm 23,19: Deus

não é homem, para que minta, nem filho de Adão, para que se retrate. Por acaso ele diz e não o

faz, fala e não realiza? Ou seja: prevalece a ideia da irrevogabilidade dos desígnios do SENHOR,

sendo ele aquele que não se arrepende.4

Todavia, não é impossível imaginar que o Deus de Israel se arrependa. No caso existe até

a possibilidade de o SENHOR, na sua qualidade de criador, arrepender-se de tudo o que fez,

inclusive do homem (Gn 6,6-7). Contudo, o mesmo Deus também promete que o dilúvio não se

1 GRENZER, Os Salmos, p. 120.

2 BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. V, p. 1012.

3 GRENZER, Os Salmos, p. 152.

4 BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. V, p. 769.

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repetirá, por mais que o homem, com a sua disposição de ser violento, seja capaz de provocar

catástrofes abrangentes (Gn 9,11). Quer dizer, espera-se que a fidelidade divina seja irrevogável.

2.5 Um sacerdócio eterno

O termo sacerdote (!heko) ocorre setecentas e trinta e seis vezes na Bíblia Hebraica. Há

apenas cinco ocorrências nos Salmos (Sl 78,64; 99,6; 110,4; 132,9.16). No Salmo 110, verifica-

se o substantivo masculino, no singular do absoluto (v. 4c).

Quanto aos paralelismos, observa-se que, na Torá, Melquisedec é o primeiro sacerdote

(!heko) a ser mencionado: Melquisedec, rei de Salém, trouxe pão e vinho; ele era sacerdote do

Deus Altíssimo (Gn 14,18).

No antigo Egito, o termo sacerdote significava o puro ou o servo de Deus.5 Eles

possuíam título de realeza.6 Para os sumérios, não existe distinção entre cargos estatais e

sacerdotais. Em muitos de seus rituais, os sacerdotes celebravam nus.

O ofício do sacerdote no antigo Israel parece ser hereditário, conforme podemos

verificar: Moisés despiu Aarão das suas vestes e as vestiu em Eleazar, seu filho; e lá morreu

Aarão, no cume do monte. Então Moisés e Eleazar desceram da montanha (Nm 20,28).

Havia a função sacrifical do sacerdote (!heko): Eis o que oferecerás sobre o altar: dois

cordeiros machos de um ano, cada dia, e de modo perpétuo (Ex 29,38). Também podemos

identificar o sacerdote (!heko) como sendo o homem do santuário. Entre diversos ritos de

purificação, podemos destacar aqui sacrifícios exercidos pelo antigo Israel, sacrifício de ciúme:

Contudo, se um espírito de ciúme vier sobre o marido e o tornar ciumento da sua mulher que está

contaminada, ou ainda, se este espírito de ciúme, vindo sobre ele, torná-lo ciumento de sua mulher que

está inocente: tal homem conduzirá sua mulher diante do sacerdote e fará por ela uma oferenda de um

décimo de medida de farinha de cevada. Sobre ela não derramará azeite e nem porá incenso, pois é uma

oblação de ciúme, uma oblação comemorativa que deve trazer à memória um pecado (Nm 5,14-15).

Trata-se de um grande papel exercido pelos sacerdotes do antigo Israel: o de serem

mediadores entre Deus e o povo.

5 BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. IV, p. 232.

6 BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. IV, p. 233.

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Outra função exercida pelos sacerdotes (!heko) no antigo Israel era emitir oráculos. Todas

as vezes que o povo tinha uma questão importante para decidir procurava o sacerdote para que

em sua qualidade de mediador oficial interceder a Deus. Para isso, era usada uma técnica sacra

de tirar sorte usando o Urim e o Tummim.7 Um dos textos mais antigos onde se encontra essa

função atribuída ao sacerdote (!heko) é quando Moisés proclama no momento de sua morte: Dá a

Levi teus Urim e teus Tummim, ao homem que amas, que puseste à prova em Massa e com

querelaste junto às águas de Meriba (Dt 33,8). O rei Saul também interroga o SENHOR: SENHOR,

Deus de Israel, por que não respondeste hoje ao teu servo? Se o pecado recai sobre mim ou

sobre o meu filho Jônatas, ó SENHOR, Deus de Israel, dá Urim; se a falta foi cometida pelo teu

povo de Israel, dá Tummim. Saul e Jônatas foram apontados, e o povo ficou livre (1Sm 14,41).

Também poderiam ser usados o Efod e o Terafim: Este homem, Mica, tinha uma casa de Deus;

ele fez um Efod e um Terafim, e deu a investidura a um dos seus filhos, que veio a ser seu

sacerdote (Jz 17,5). O profeta Oseias promete que, devido à sua infidelidade, Israel vai ficar sem

o Efod e sem o Terafim: Porque, por muitos dias, ficarão os israelitas sem rei, sem chefe, sem

sacrifício, sem estela, sem Efod e sem Terafim (Os 3,4).

O sacerdote (!heko) possuía ainda a função sagrada de ensinar a Lei: Moisés escreveu,

então, esta Lei e deu-a aos sacerdotes, os filhos de Levi, que carregavam a Arca da Aliança do

Senhor, como também a todos os anciãos de Israel (Dt 31,9). Sim, eles observam a tua palavra e

mantêm a tua aliança. Eles ensinam tuas normas a Jacó e tua Lei a Israel. Eles oferecem

incenso às tuas narinas e holocaustos sobre o teu altar (Dt 33,9b-10). Parece que Moisés aqui dá

à tribo sacerdotal a tríplice função: (1) o oráculo divino, (2) o ensino e o (3) serviço do altar. Em

sua boca estava um ensinamento verdadeiro, em seus lábios não se encontrava perversão; em

paz e retidão caminhava comigo e fazia muitos retornarem da iniquidade. Porque os lábios dos

sacerdotes guardam o conhecimento, e de suas bocas procura-se ensinamento, pois ele é o

mensageiro do Senhor dos exércitos (Ml 2,6-7).

O sacerdote era aquele que abençoava o povo: Moisés o consagrou e o ungiu com o óleo

santo. Foi para a aliança eterna, assim como para sua raça, enquanto durarem os céus, para

que ele presida o culto, exerça o sacerdócio e abençoe o povo em nome do Senhor (Eclo 45,15).

Invocar sobre uma pessoa o nome de Deus é estabelecer uma relação pessoal entre Deus e essa

7 BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. IV, p. 238.

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pessoa. Com efeito, a bênção não é outra coisa senão uma relação viva com Deus. O povo de

Israel compreendia que a bênção divina era uma condição necessária e fundamental da qual

depende o verdadeiro êxito da existência.8

Vislumbrando essas funções exercidas pelo sacerdote (!heko), podemos, então, verificar

as ocorrências desse termo nos Salmos e compreender com maior clareza o que tinha em mente o

orante do Salmo 110. No Salmo 78: Seus sacerdotes caíram pela espada e suas viúvas nem

podiam chorar (Sl 78,64). Embora favorecido pela posse da terra, o povo de Israel continuou a

ser revoltado, não acolhendo o projeto jurídico que nasceu com a experiência do êxodo (v. 56-

57). Em especial, o orante menciona a idolatria, quer dizer, a presença de imagens de divindades

estrangeiras e a prestação de cultos a tais deuses nos lugares altos (v. 58). Tudo isso, por sua vez,

fez com que o SENHOR, Deus de Israel, não evitasse determinadas catástrofes na história de seu

povo (v. 59). Como exemplo, é mencionado o santuário de Silo, o qual caiu nas mãos dos

filisteus (v. 60; 1Sm 4,1-11; Jr 7,12; 26,6), sendo que também a Arca, força e esplendor do

SENHOR, acabou nas mãos do inimigo (v. 61). Em seguida (v. 62-64), quem reza aqui se lembra,

aparentemente, da queda do Reino do Norte, o qual, após a morte do rei Salomão, foi dividido

em dez tribos israelitas (2Rs 9). Na segunda metade do século VIII a.C., por sua vez, o Reino do

Norte sucumbiu diante dos ataques da Assíria (2Rs 17).9 E os sacerdotes estavam também

envolvidos nessa infidelidade, e por isso também sofreram as circunstâncias de suas ações.

O Salmo 99 nos mostra dois personagens importantes do AT. Também são chamados de

sacerdotes: Moisés e Aarão estiveram entre seus sacerdotes; e Samuel, entre os que invocavam

seu nome. São os que invocavam o Senhor e ele lhes respondia (Sl 99,6). Quem reza aqui ilustra

agora como Israel recebeu o direito do SENHOR. Moisés, Aarão e Samuel, ao exercerem seu

sacerdócio e invocarem o nome de Deus (Ex 24,3-8; Lv 8,1; 1Sm 7,9-10), receberam o projeto

jurídico como resposta por parte do SENHOR, o qual, durante o êxodo, se fez repetidamente

presente na coluna de nuvem (Ex 33,7-11; 34,5). No mais, insiste-se na importância de os

sacerdotes tornarem visível a justiça, pois nesta existe a salvação (v. 9.16). Assim, o povo dos

fiéis terá motivo de júbilo.10

8 VANHOYE, Sacerdotes antigos e sacerdote novo, p. 61.

9 GRENZER, Os Salmos, p. 104.

10 GRENZER, Os Salmos, p. 131.

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O Salmo 132 apresenta duas ocorrências do termo sacerdote (!heko): Vistam-se de justiça

os teus sacerdotes e entoem júbilo os teus fiéis! (Sl 132,9). Também a resposta do SENHOR é

apresentada em forma de um juramento. Sua salvação ganha visibilidade quando os pobres

comem. Assim, os fiéis, encabeçados pelos sacerdotes, podem festejar, enquanto os inimigos são

envergonhados. O rei deve ser vigoroso, sobretudo, para fazer justiça aos pobres (Sl 72,1-4.13).

Vestirei seus sacerdotes de salvação e seus fiéis jubilarão intensamente (Sl 132,16). Aqui

podemos verificar um desejo do SENHOR: que seus sacerdotes tenham como veste a justiça!

Também podemos perceber um paralelismo com outros Salmos: Tua justiça é justiça para

sempre e tua instrução é verdade (Sl 119,142). Atesta a eternidade da justiça (hq'd'c.), com a

qual o sacerdote está revestido. Quem reza o Salmo também diz: Justiça e direito são o

fundamento de teu trono; lealdade e verdade precedem tua face (Sl 89,15), o que demonstra a

dignidade e a realeza da qual esse sacerdote se reveste.

O livro do Êxodo nos faz compreender melhor o que reza o orante de Sl 110,4: O

sacerdócio lhes pertencerá então por um decreto perpétuo (Ex 29,9). Com estes paralelismos

podemos perceber este sacerdócio prometido pelo SENHOR e o seu desejo de que seja sinal de

sua ação em favor dos oprimidos e dos pobres, sendo fiel à natureza de sua consagração.

O termo eterno, para sempre, nunca, jamais e perpétuo (~l'A[) ocorre quatrocentas e

vinte e três vezes, e mais vinte vezes em aramaico,11

na Bíblia Hebraica. Nos Salmos, faz-se

presente cento e trinta e oito vezes, tendo aqui seu maior número de ocorrências (Sl 5,12; 9,6.8;

10,16; 12,8; 15,5; 18,51; 21,5; 24,7.9; 25,6; 28,9; 29,10; 30,7.13; 31,2; 33,11; 37,18.27.28;

41,13.14; 44,9; 45,3.7.18; 48,9.15; 49,9.12; 52,10.11; 55,23; 61,5.8; 66,7; 71,1; 72,17.19;

73,12.26; 75,10; 77,6.8; 78,66.69; 79,13; 81,16; 85,6; 86,12; 89,2.3.5.29.37.38.53; 90,2; 92,9;

93,2; 100,5; 102,13; 103,9.17; 104,5.31; 105,8.10; 106,1.31.48; 107,1; 110,4; 111,5.8.9; 112,6;

113,2; 115,18; 117,2; 118,1.2.3.4.29; 119,44.52.89.93.98.111.112.142.144.152.160; 121,8;

125,1.2; 131,3; 133,3; 135,13; 136,1.2.3.4.5.6.7.8.9.10.11.12.13.14.15.16.17.18.19.20.

21.22.23.24.25.26; 138,8; 139,24; 143,3; 145,1.2.13.21; 146,6.10; 148,6). Em Sl 110,4, a palavra

eternidade é um substantivo masculino singular absoluto.

Relembrando que o Salmo 110 inicia recordando o rei Davi, encontramos muitos

paralelismos sobre a promessa de eternidade dada à sua dinastia: Betsabeia inclinou o rosto em

11

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. VI, p. 526.

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terra, prostrou-se diante do rei e disse: “Viva para sempre o rei Davi, meu senhor!” (1Rs 1,31).

A tua casa e a tua realeza subsistirão para sempre diante de ti, e o teu trono se estabelecerá

para sempre (2Sm 7,16). Também nos Salmos o termo eterno, para sempre, nunca, jamais e

perpétuo (~l'A[) aparece ligado a Davi: É quem engrandece as salvações (vitórias) de seu rei e

quem pratica, para sempre, a lealdade com seu ungido, com Davi e sua descendência (Sl 18,51).

Possui também alguns paralelismos mais relevantes nos Salmos, os quais podemos observar para

compreender melhor o que diz quem reza Sl 110,4: O Senhor se assenta eternamente, é quem

firma seu trono para o julgamento (Sl 9,8). Podemos perceber que o termo eterno, para sempre,

nunca, jamais e perpétuo (~l'A[) aqui está ligado ao governo divino, firmado sobre o

julgamento. Os que confiam no Senhor são como o monte Sião: não vacila, para sempre

permanece (Sl 125,1). O termo eterno é visto aqui como promessa de firmeza àqueles que

confiam no SENHOR.

Contudo podemos perceber claramente que esta ideia de sacerdócio eterno é única nos

Salmos, como aconteceu com diversos termos aqui pesquisados. Esse Salmo se mostra como um

texto único em seus termos e ideias. Essa promessa de um sacerdócio eterno toma aqui um papel

importante em Sl 110,4, pois o mesmo nasce de uma promessa do SENHOR, a qual ele não parece

ter a intenção de revogar tal juramento.

2.6 Ao modo de Melquisedec

O termo modo, maneira ou ordem (hr"b.DI) ocorre, na Bíblia Hebraica, cinco vezes (Sl

110,4; Ecl 3,16; 7,14; 8,2; Jó 5,8), sendo que, no Salmo 110, é apresentado como substantivo

feminino singular construto.

No livro do Eclesiastes: Observo outra coisa debaixo do sol: no lugar do direito

encontra-se o delito, no lugar da justiça, lá se encontra o crime (Ecl 3,16). Vê a obra de Deus:

quem poderá endireitar o que ele curvou? (Ecl 7,14). Quanto a mim! Observa a ordem do rei, e

por causa do juramento divino (Ecl 8,2). No livro de Jó: Mesmo assim eu recorreria a Deus, a

ele exporia minha causa (Jó 5,8). O termo modo, maneira ou ordem (hr"b.Di) usado em Sl 110,4

talvez signifique as características encontradas em Melquisedec (qd<c,(-yKil.m;), em Gn 14,18.

Este modo é na verdade a direção do seu sacerdócio: salvar da opressão e da guerra os pobres e

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desfavorecidos. Por isso, está revestido de justiça. Parece que os textos do AT não veem a

mendicância como algo bom: Filho, não vivas mendigando, é melhor morrer do que mendigar

(Eclo 40,28).

O termo Melquisedec (qd<c,(-yKil.m;) é um nome de origem cananeia12

e ocorre apenas

duas vezes na Bíblia Hebraica. Uma em Gn 14,18: Melquisedec, rei de Salém, trouxe pão e

vinho; ele era sacerdote do Deus Altíssimo. A outra está em Sl 110,4, sendo um substantivo,

nome próprio.

Podemos neste momento adentrar no contexto onde aparece este Melquisedec (qd<c,(-

yKil.m;). Em Gn 14,18-20, que poderia ser nominado como a campanha dos quatro reis, é a única

vez que Abrão é apresentado fazendo uma guerra. Esta será a primeira vez que aparecerá o termo

guerra13

na Bíblia Hebraica, relacionada com as políticas dos reinos do Oriente.14

Para entendermos melhor este texto, faz-se necessário ver alguns versículos anteriores.

No capítulo 13 do livro do Gênesis, vemos a separação das terras de Abrão e Ló, separação esta

que nasce do desejo de Abrão viver como irmãos: Abrão disse a Ló: “Que não haja discórdia

entre mim e ti, entre meus pastores e os teus, pois somos irmãos” (Gn 13,8). E, no capítulo 14,

vamos verificar que Abrão entra em uma guerra, não para escravizar, oprimir, massacrar, saquear

um povo, mas com o único intuito de libertar Ló, seu parente. E podemos então perceber uma

característica deste personagem, que arriscou sua própria vida para salvar Ló, mesmo não sendo

soldado: Quando Abrão soube que seu parente fora levado prisioneiro, fez sair seus aliados,

seus familiares, em número de trezentos e dezoito, e deu perseguição até Dã (Gn,14,14). Nesse

seu retorno da guerra com os despojos e Ló, seu parente, ele terá um encontro com um rei-

sacerdote, de origem misteriosa, cuja genealogia e nascimento não são descritos, nem o momento

de sua morte,15

como acontece com os personagens do AT: Melquisedec, rei de Salém, trouxe

pão e vinho; ele era sacerdote do Deus Altíssimo (Gn 14,18). Podemos ver um encontro com um

personagem misterioso, que não possui uma história anterior e nem posterior na Bíblia Hebraica,

Melquisedec (qd<c,(-yKil.m;). Por isso, o hagiógrafo aqui trata de sublinhar alguns aspectos da vida

deste personagem. Primeiramente, podemos analisar o significado do seu nome, Melquisedec

12

ARANA, Para compreender o livro do Gênesis, p. 202. 13

VOGELS, Abraão e sua lenda, p. 86. 14

ARANA, Para compreender o livro do Gênesis, p. 198. 15

ZEDDA, Lettera agli Ebrei, p. 77.

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(qd<c,(-yKil.m;), meu rei é justiça. Como sacerdote do Deus Altíssimo, sendo esta a primeira vez

em que ocorre o termo sacerdote na Bíblia Hebraica, encontramos em seu nome um paralelismo

no Salmo: Vistam-se de justiça os teus sacerdotes e entoem júbilo os teus fiéis! (Sl 132,9).

Talvez o hagiógrafo aqui queira mostrar que a veste mais preciosa de um sacerdote é a justiça.

Sendo este homem rei, não se menciona aqui quais eram as suas vestes, como sempre são

descritas as vestes dos sacerdotes da tribo de Levi.

Outro ponto que podemos verificar é que ele era rei de uma cidade chamada Salém, que

também pode ser identificada como terra da paz. Assim, podemos dizer que seja não somente rei

de justiça, mas também rei da paz. Nesse sentido, o Salmo também lembra: Deus é conhecido

em Judá, seu nome é grande em Israel. Sua cabana ficou em Salém e sua habitação, em Sião (Sl

76,2-3). Quem reza o Salmo identifica essa cidade como casa de Deus. Contudo, podemos ainda

ressaltar um outro aspecto: esta é a primeira vez que se oferece pão e vinho na Bíblia Hebraica,

sacrifício oferecido para Abrão. Encontramos um paralelismo aqui com este alimento, mostrando

que Melquisedec acolhe Abrão com a verdadeira hospitalidade oriental, uma refeição digna de

um rei:16

Jessé tomou um jumento, pão, um odre de vinho, um cabrito, e mandou seu filho Davi

levar tudo a Saul (1Sm 16,20). Este Melquisedec (qd<c,(-yKil.m;) lhe concederá uma bênção pela

sua vitória: Ele pronunciou esta bênção: “Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo que criou o

céu e a terra, e bendito seja o Deus Altíssimo que entregou teus inimigos às tuas mãos. E Abrão

lhe deu o dízimo de tudo (Gn 14,19-20).

Podemos pensar, agora, nas características que uniram esses dois personagens a ponto de

Abrão dar o dízimo de tudo que possuía a Melquisedec (qd<c,(-yKil.m;). Podemos ainda dizer que

este é um caso único na Bíblia Hebraica, pois o dízimo é sempre das colheitas, enquanto neste

texto de Gn 14,20 é dado o dízimo dos despojos. Aqui podemos identificar uma temática que

perpassa todo o AT: a ajuda de Deus na luta contra a opressão e escravidão. Talvez seja a virtude

da misericórdia que una Melquisedec a Abrão. Este sacerdote revestido de justiça percebe que

Abrão luta a favor dos menos favorecidos e que ele foi uma bênção para as nações, ao corrigir

uma situação de injustiça para com os oprimidos pela escravidão.

16

VOGELS, Abraão e sua lenda, p. 89.

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Contudo, podemos ainda dizer que na consagração de Aarão e dos seus filhos não se faz

menção de um juramento do Senhor de forma irrevogável dando-lhes um sacerdócio eterno.17

Parece que o orante em Sl 110,4 queria estabelecer uma diferença entre o sacerdócio dos filhos

de Levi e o que vem de Melquisedec.

2.7 O SENHOR está à tua direita

Neste momento podemos ver a repetição dos termos SENHOR (yn"doa]) e direita, que

também poderia ser compreendido como destra ou sul (!ymiy"), já ocorridos no Salmo 110 em v.

1b: Oráculo do Senhor para meu senhor e no v. 1c: Senta-te à minha direita. Acontece,

entretanto, uma mudança de local no início v. 1b, onde ocorre um convite do SENHOR para ao seu

lado governar e subjulgar seus inimigos. Quem reza aqui diz em v. 5a: O Senhor está à tua

direita. Agora é o próprio SENHOR, que está à direita deste personagem, que parece ser um rei-

sacerdote e que não mais possui os seus inimigos como escabelo ou estrado de seus pés, mas

destroça os reis no dia de sua ira.

2.8 Destroça reis no dia de sua ira

O termo destroçar, ferir, aniquilar, esmagar ou massacrar (#xm) aparece catorze vezes

na Bíblia Hebraica. Nos Salmos, ocorre cinco vezes, das quais duas no Salmo aqui pesquisado

(Sl 18,39; 68,22.24; 110,5.6). Em Sl 110,5b.6c, ocorre como um verbo no Qal perfeito na

terceira pessoa do singular masculino. Podemos dizer que este é um verbo raro na Bíblia

Hebraica.18

Faz-se necessário, aqui, ressaltar alguns paralelismos importantes para uma maior

compreensão dessa atitude descrita: Eu vejo, mas não agora, eu contemplo, mas não de perto:

um astro procedente de Jacó se torna chefe, um cetro se levanta procedente de Israel. E esmaga

as têmporas de Moab e o crânio de todos os filhos de Set (Nm 24,17). Aqui é descrito um

oráculo que parece mostrar um rei vindo de Israel que irá esmagar as cabeças de seus inimigos.

Tu saíste para salvar o teu povo, para salvar o teu ungido; destroçaste o teto da casa do ímpio,

17

CROCETTI, La lettera agli Ebrei, p. 95. 18

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. IV, p. 1100.

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desnudando os fundamentos até à rocha (Hab 3,13). Deus aqui se mostra como protetor e

salvador de seu povo e de seu ungido, indo ao íntimo da maldade do ímpio e revelando os

fundamentos de suas atrocidades. Deus, certamente, destroça a cabeça de seus inimigos, o

crânio cabeludo de quem anda com suas culpas (Sl 68,22). Deus aqui se mostra diretamente

como soberano sobre seus inimigos.

Este verbo parece expressar profundamente a ilimitada soberania do SENHOR sobre seus

inimigos, que na verdade são aqueles que desejam esmagar o seu povo e seus escolhidos. Neste

Salmo, é o rei quem será destroçado.

O termo rei (jlm) ocorre duas mil quatrocentas e cinquenta e oito vezes na Bíblia

Hebraica, estando entre os termos mais citados do AT, sendo que nos Salmos ocorre sessenta e

seis vezes (Sl 2,2.6.10; 5,3; 10,16; 18,51; 20,10; 21,2.8; 24,7.8.9.102x

; 29,10; 33,16; 44,5;

45,2.6.10.12.14.15.16; 47,3.7.8.9; 48,3.5; 61,7; 63,12; 68,13.15.25.30; 72,12x

.102.11; 74,12;

76,13; 84,4; 89,19.28; 95,3; 98,6; 99,4; 102,16; 105,14.20.30; 110,5; 119,46; 135,10.112x

;

136,17.18.19.20; 138,4; 144,10; 145,1; 148,11; 149,2.8). Em Sl 110,5b, ocorre como um

substantivo masculino plural absoluto.

No mundo egípcio, o rei é deus e filho de um deus. O bom governo deste rei favoreceria

também a fertilidade da natureza: as inundações do Nilo e o crescimento dos cereais. Os reis no

Egito eram recebidos como portadores de um novo tempo de prosperidade, com abundantes

colheitas, fortunas e alegria em seu reino.19

Para os sumérios, a monarquia desceu do céu e, portanto, era de instituição divina.

Segundo eles, os reis recebiam a sua dignidade do próprio deus.20

O rei é considerado

excepcionalmente sábio e ama o direito e despreza o mal; mantém a lei e a ordem; protege as

viúvas os órfãos; é o pastor do próprio povo; para o povo é como um pai e uma mãe.

No AT o sujeito humano principal em todas as construções sintáticas imagináveis é

naturalmente o rei (jlm),21

quem também é usado para adjetivar o próprio SENHOR: Presta

atenção a meu grito de socorro, meu rei e meu Deus, porque oro a ti! (Sl 5,3). O orante aqui

chama Deus de rei. Esta terminologia talvez revele a proximidade ao Templo de Jerusalém, cujas

origens se encontram vinculadas à casa real. Em outro momento, encontramos o rei (jlm) que

19

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. IV, p. 102. 20

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. IV, p. 102. 21

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. IV, p. 112.

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confia no SENHOR: Porque o rei está confiante no SENHOR; com a lealdade do Altíssimo, não

vacila (Sl 21,8). Como os demais fiéis, também o rei somente não vacila caso confie na

solidariedade graciosa do SENHOR. Em princípio, o rei é o exemplo de um fiel. Com este sentido

paradigmático, o israelita compreendia a figura do rei, sobretudo, nos séculos após o fim da

monarquia. Em outro momento pode acontecer de o rei acreditar mais em seu poder militar:

Não existe rei que possa ser salvo por uma tropa numerosa; um valente não é liberto através de seu vigor

enorme. O cavalo é uma ilusão falsa quanto à salvação; não põe em segurança com a abundância de seu

vigor. Eis que o olho do Senhor está sobre os que o temem, em favor dos que aguardam por sua lealdade, a

fim de libertar sua alma da morte e fazê-los viver durante a fome (Sl 33,16-19).

Podemos ver ainda que quem reza o Salmo pede ao SENHOR que salve o seu rei: Senhor,

salva o rei! Que nos responda no dia em que clamarmos! (Sl 20,10). Mas pode acontecer de este

rei ser repreendido por sua infidelidade ao SENHOR no momento em que este rei quer oprimir o

povo de Deus de que se tornou o defensor: Não permitiu que um ser humano os explorasse e

repreendeu reis por sua causa (Sl 105,14).

Os profetas também irão criticar os reis e suas ideologias: Eles instituíram reis sem o meu

consentimento, escolheram príncipes, mas eu não tive conhecimento. De sua prata e de seu ouro

fizeram ídolos para si, para que sejam destruídos (Os 8,4). Eu te dou um rei em minha ira, eu o

retomo em meu furor (Os 13,11). Eis o que vos fez Betel, por causa de vossa enorme

perversidade. Ao amanhecer, o rei de Israel será totalmente destruído (Os 10,15). Apesar destas

críticas e promessas de destruição, o rei parece ser desejado por Deus: Para que se multiplique o

poder, assegurando o estabelecimento de uma paz sem fim sobre o trono de Davi e sobre o seu

reino, firmando-o, consolidando-o sobre o direito e sobre a justiça. Desde agora e para sempre,

o amor ciumento do Senhor dos Exércitos fará isso (Is 9,6).

Contudo, existe um momento em que quem reza o Salmo apresenta um rei acima de todo

poder régio desta terra, talvez um personagem messiânico: Eu, porém, o apresento como

primogênito, como altíssimo em relação aos reis da terra (Sl 89,28), que parece transparecer no

Salmo 110. Contudo, podemos encontrar paralelismos que usam da mesma ideia do orante do v.

5b do Salmo 110 quando este SENHOR afasta deste mundo seus reis opressores: Quem feriu

grandes reis, porque sua lealdade é para sempre! Matou reis magníficos, porque sua lealdade é

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para sempre! (Sl 136,17-18). E desta forma podemos dizer que o Salmo 110 v. 5c é o único

momento em que o SENHOR, destroçou reis no dia de sua ira.

O termo dia, existência, hoje, quando, um ano, cada dia e longevidade (~Ay) ocorre duas

mil cento e noventa vezes na Bíblia Hebraica, ocupando o quinto lugar na classificação dos

substantivos mais frequentes no AT.22

Nos Salmos, ocorre cento e onze vezes. No Salmo 110 v.

3a e v. 5b, ocorre como um substantivo masculino singular no construto (Sl 2,7; 7,12; 18,1.19;

19,32x

; 20,2.10; 21,5; 23,62x

; 25,5; 27,4.5; 32,3; 34,13; 35,28; 37,13.18.19.26; 38,7.13; 39,5.6;

41,2; 42,4.11; 44,2.9.16.23; 49,6; 50,15; 52,3; 55,24; 56,2.3.6.10; 59,17; 61,72x

.9; 68,20;

71,8.15.24; 72,7.15; 73,14; 74,16.22; 77,3.6; 78,9.33.42; 81,4; 84,11; 86,3.7; 88,2.10.18;

89,17.30.46; 90,4.9.10.12.14.15; 91,16; 92,1; 93,5; 94,13; 95,7.8; 96,22x

; 102,32x

.4.9.12.24.25;

103,15; 109,8; 110,3.5; 116,2; 118,24; 119,84.91.97.164; 128,5; 136,8; 137,7; 138,3; 139,12.16;

140,3.8; 143,5; 144,4; 145.2; 146,4).

O termo dia, existência, hoje, quando, um ano, cada dia e longevidade (~Ay), possui sua

base natural na luz, podendo também o dia trazer o calor. Quase sempre, o dia está em oposição

à noite.23

Contudo, o dia inteiro não é determinado somente pelas horas de luz, mas também nas

luzes da noite, da lua e das estrelas.24

Podemos verificar alguns paralelismos importantes para melhor compreender o termo dia

(~Ay) nos Salmos, partindo do v. 5b: Destroçou reis no dia de sua ira. Em um primeiro momento

identificamos um Deus que no dia do mal protege seus fiéis: Porque, no dia do mal-estar, me

oculta em sua cabana; esconde-me no esconderijo de sua tenda, eleva-me sobre um rochedo (Sl

27,5). Um dia para sussurrar a justiça: Então, minha língua sussurrará tua justiça, o teu louvor,

todo o dia (Sl 35,28). Também, todo o dia, minha língua sussurra tua justiça, porque se

envergonharam, porque ficaram frustrados os que meu mal procuraram (Sl 71,24). Em outro

momento se tem um dia para sussurrar ciladas: Os que procuram por minha alma puseram

armadilhas, e os que buscam meu mal-estar falaram sobre infortúnios; o dia inteiro sussurram

embustes (Sl 38,13). O dia para o SENHOR rir dos homens: O Senhor ri dele, porque viu que virá

seu dia (Sl 37,13). Haverá também o dia da tristeza: Fiquei depravado, me curvei ao extremo; o

dia inteiro andei cabisbaixo (Sl 38,7). O orante mostrará a fragilidade do homem: Eis que os

22

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. III, p. 660. 23

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. III, p. 671. 24

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. III, p. 673.

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dias que me deste são de uns palmos; minha duração, diante de ti, é como um nada. Todo ser

humano que se põe de pé não é mais do que uma ilusão (Sl 39,6). Como capim, são os dias de

um ser mortal; como a flor do campo, assim brota. Deixa de existir, quando um vento passa por

ela; e dela não se aprecia mais o seu lugar (Sl 103,15-16). O ser humano ficou parecido com

uma ilusão; seus dias são como uma sombra que passa (Sl 144,4).

Mas o Senhor também diz que o homem fica feliz se olhar o pobre: Feliz quem percebe o

necessitado! O Senhor o porá em segurança no dia do mal (Sl 41,2). O orante mostra o SENHOR

como aquele que é fiel todos os dias: Ó valente, por que te orgulhas da maldade? Deus é leal

todo o dia (Sl 52,3). O orante do Salmo diz que o dia por sua vez foi feito pelo SENHOR: Teu é o

dia, tua também é a noite; tu firmaste luz e sol (Sl 74,16). O orante parece ressaltar que o dia

para o SENHOR, é como se não fosse, pois ele é o eterno: Porque mil anos são aos teus olhos

como o dia de ontem que passou, como uma vigília durante a noite (Sl 90,4).

O orante também faz um pedido ao SENHOR, para que destrua os ímpios pela terra: E tu,

Deus, que os faças descer ao poço da cova! Homens sangrentos e embusteiros não devem

alcançar seus dias! Eu, porém, confio em ti (Sl 55,24). O SENHOR mostra que seus planos estão

acima dos do homem: Exala seu espírito e retorna para seu solo; naquele dia, seus planos terão

perecido (Sl 146,4). O orante faz uma comparação entre o dia e a noite, os quais na Babilônia e

na Assíria sempre estão em oposição.25

Parece que para o SENHOR a luz do dia e a noite são a

mesma coisa: Também as trevas não se fazem trevas diante de ti e a noite ilumina como o dia.

Como as trevas, assim é a luz (Sl 139,12).

A partir destes paralelismos, podemos verificar que o orante do Salmo 110 v. 5b mostra

uma novidade. Em nenhum momento nos Salmos o termo dia, hoje, quando, longevidade, (~Ay)

aparece coligado ao termo ira. Demonstra-se, assim, mais uma vez uma ideia única nos Salmos:

um dia não de ira mas de cumprir a justiça para com os que lhe pertencem.

O termo ira, narinas, face, cólera e inflamar (@a;) ocorre duzentas e setenta e sete vezes

na Bíblia Hebraica. Nos Salmos, ocorrem trinta e cinco vezes (Sl 2,5.12; 6,2; 7,7; 10,4; 18,9.16;

21,10; 27,9; 30,6; 37,8; 55,4; 56,8; 69,25; 74,1; 76,8; 77,10; 78,21.31.38.49.50; 85,4.6; 86,15;

90,7.11; 95,11; 103,8; 106,40; 110,5; 115,6; 124,3; 138,7; 145,8). No Salmo 110 v. 5b ocorre

25

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. III, p. 654.

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como um substantivo masculino singular no construto sufixado da terceira pessoa do feminino

singular.

Nesse momento, podemos verificar os paralelismos encontrados em relação ao termo ira

(@a;), comparando Sl 110,5b aos demais Salmos. Essa ira (@a;), pode ser vista como uma

correção do SENHOR, o qual se mostra, assim, um educador: Senhor, não me repreendas com tua

ira e não me corrijas com tua fúria! (Sl 6,2). Esta ira pode também ser encontrada como um

pedido de libertação da opressão, demonstrando assim um Deus guerreiro que olha a causa do

justo: Ergue-te, Senhor, em tua ira! Levanta-te contra as arrogâncias de meus agressores!

Desperta, meu Deus! Ordenaste um julgamento (Sl 7,7).

Esta ira também pode ser motivo de afastamento do SENHOR: Não escondas tua face de

mim; não inclines teu servo na ira! Tornaste-te meu auxílio; não me deixes e não me abandones,

ó Deus de minha salvação! (Sl 27,9). Esta ira pode durar um pequeno instante demonstrando um

Deus compassivo: Porque está, por um instante, em sua ira, e por uma vida inteira em seu favor.

À tarde, pernoita o choro; de manhã, há júbilo (Sl 30,6). O orante dá a entender que Deus usa de

compaixão e que é lento para ira: Tu, porém, és meu Senhor, um Deus compassivo e

misericordioso; lento para ira e de imensa lealdade e verdade (Sl 86,15).

Contudo, ainda, este Deus pode enviar mensageiros de sua ira: Enviava sua ira inflamada

contra eles; cólera, indignação e aflição, um envio de mensageiros de males (Sl 78,49). A

mesma face divina pode expressar ira e provocar a destruição entre os que insistem no ódio. Por

mais que, nas culturas do antigo Oriente, a tarefa de combater o caos e a desordem seja do rei,

quem reza aqui faz questão de imaginar esta batalha como elemento da realeza divina: Como

uma fornalha, os transformarás, para o tempo de tua presença. O Senhor os devorará em sua

ira, e um fogo os consumirá (Sl 21,10).

Contudo, ainda podemos verificar que muitos não estarão com Deus em sua casa: De

modo que jurei em minha ira: “Não entrarão no meu repouso!” (Sl 95,11).

Portanto, podemos verificar que não existe nos Salmos uma ideia idêntica à do orante do

Salmo 110 de um v. 5b: Destroçou reis no dia de sua ira, mas podemos perceber que estes reis

oprimiram primeiramente o povo deste SENHOR, e por isso recebem igual sentença, não como

vingança ou castigo, mas como cumprimento da justiça divina.

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2.9 Sentencia nações

O termo sentenciar, julgar, defender e processar (!yd) ocorre vinte e três vezes na Bíblia

Hebraica. Nos Salmos, ocorre oito vezes (Sl 7,9; 9,9; 50,4; 54,3; 72,2; 96,10; 110,6; 135,14). No

Salmo 110 v. 6a, é um verbo no Qal imperfeito terceira pessoa do masculino singular.

No AT, podemos ver a sabedoria do hagiógrafo quando este estabelece a relação entre

maior e menor em uma sentença colocando cada um em seu devido lugar: O que aconteceu já

recebeu um nome, e sabe-se o que é um homem: não pode sentenciar quem é mais forte do que

ele (Ecl 6,10). Mas pode acontecer de um homem ser o juiz do próprio homem: Dã sentencia o

seu povo como cada tribo de Israel (Gn 49,16). O profeta dirá que para um homem conhecer

verdadeiramente o SENHOR é necessário sentenciar a causa dos desfavorecidos: Ele julgou a

causa do pobre e do indigente. Então tudo corria bem. Não é isto conhecer-me? Oráculo do

Senhor (Jr 22,16). Podemos ainda dizer que esta sentença não é algo a se fazer quando se quer ou

quando é favorável, mas desde o nascer do sol: “Casa de Davi!” Assim diz o Senhor:

“Sentenciai pela manhã o direito e arrancai o explorado da mão do opressor, para que a minha

cólera não saia como o fogo e queime sem que ninguém possa apagar, por causa da maldade de

vossas ações” (Jr 21,12). No Oriente antigo, é recorrente a afirmação de que Deus sentencia com

exatidão e que nunca o faz injustamente.26

Podemos neste momento verificar os paralelismos do termo sentenciar, julgar, defender e

processar (!yd) nos Salmos. Em todas as vezes em que o termo sentenciar, julgar, defender e

processar (!yd) aparece nos Salmos, quem sentencia é o SENHOR, seja diretamente, seja pela

prece do orante: O Senhor sentencia povos. Julga-me, Senhor, conforme minha justiça e minha

integridade, que há em mim! (Sl 7,9). Quem reza aqui formula preces dirigidas ao SENHOR.

Como um guerreiro, Deus deve se opor aos agressores do justo. O orante parece imaginar que já

exista um tribunal (celeste) estabelecido, no qual o juiz divino promove seus julgamentos em

relação à comunidade de todas as nações.

Contudo, por mais que aponte para sua justiça e integridade, será a qualidade do justo

Deus, sobretudo a capacidade de ele de examinar de forma incorrupta e profunda o ser humano,

que garantirá a qualidade do resultado do processo. O SENHOR possui a justa medida da sentença

26

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. II, p. 218.

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que será estabelecida por ele: Ele julga o mundo com justiça, sentencia os gentios com retidão

(Sl 9,9). Dizei entre as nações: “O Senhor se mostrou rei!” Por isso, o mundo está firme, não

vacila; povos sentencia com retidão (Sl 96,10). Quem reza aqui cultiva, pois, a esperança de que

o Deus de Israel, revelando a sua realeza, provoque uma maior estabilidade no mundo, por

promover julgamentos e sentenças baseados em sua retidão.

Justamente assim, com sua capacidade de pacificar a terra inteira, revela sua

superioridade. Porque o Senhor defende seu povo e se compadece de seus servos (Sl 135,14). A

consequência destes feitos históricos do SENHOR é o cultivo da memória de seu nome, uma vez

que defende seu povo mesmo quando este se torna infiel. Afinal, o SENHOR impõe a ordem que

deseja.

Portanto, podemos, assim, perceber que quem reza no v. 6a do Salmo 110 não quer

mostrar uma vingança ou uma demonstração de seu poder aos povos, mas protege aqueles que

escolheu e lhes é fiel sentenciando os opressores.

O termo nação (yAG) ocorre quinhentas e quarenta e nove vezes na Bíblia Hebraica. Nos

Salmos, ocorre cinquenta e nove vezes (Sl 2,1.8; 9,6.16.18.20.21; 10,16; 18,44.50; 22,28.29;

33,10.12; 43,1; 44,3.12.15; 46,7.11; 47,9; 59,6.9; 66,7; 67,3; 72,11; 78,55 79,1.6.102x

; 80,9;

82,8; 83,5; 86,9; 94,10; 96,3.10; 98,2; 102,16; 105,13.44; 106,5.27.35.41.47; 110,6; 111,6;

113,4; 115,2; 117,1; 118,10; 126,2; 135,10.15; 147,20; 149,7). No Salmo 110 v. 6a, tem-se um

substantivo masculino plural absoluto.

Podemos neste momento verificar alguns paralelismos que os Salmos nos apresentam

com uso do termo nação (yAG). Este termo quer mostrar um uso no AT em que um povo é

considerado uma nação do ponto de vista político ou racial, sendo que o mais frequente é

designar uma unidade étnica27

e possuir um território próprio28

e uma língua comum.29

Podemos ainda dizer que o culto a deuses nacionais era para cada nação um modo

importante de exprimir seu senso de comunidade.30

Podemos iniciar com uma questão feita pelo

orante que imagina uma revolta dos povos não israelitas contra o SENHOR e o seu ungido: Por

que as nações ficaram inquietas e os gentios ainda sussurram em vão? (Sl 2,1). O SENHOR, por

27

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. I, p. 1973. 28

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. I, p. 1977. 29

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. II, p. 1978. 30

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. II, p. 1978.

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sua vez, corrige as nações que oprimem; não há inimigo que Deus não possa dobrar, por mais

que sejam cidades, capitais de impérios: Repreendeste nações, fizeste perecer um perverso,

apagaste seu nome para sempre e eternamente. As devastações do inimigo acabaram para

sempre. Arrasaste cidades. Sua memória pereceu com eles (Sl 9,6-7).

Agora quem reza aqui pede ao SENHOR que as nações descubram que são limitadas:

Ergue-te, Senhor! Que um ser mortal não se considere forte! Que as nações sejam julgadas

diante de tua face! Impõe-lhes, Senhor, temor! Que as nações reconheçam que elas são um ser

mortal (Sl 9,20-21). Segundo o orante, pode acontecer também que essas nações pereçam: O

Senhor é rei, eternamente e para sempre; nações pereceram do meio de sua terra (Sl 10,16).

O orante deixa claro que o SENHOR tem autoridade e poder para frustrar os planos das

nações. Não existe povo que pudesse opor-se, de forma definitiva, aos planos divinos e, com

isso, a seu povo eleito: O Senhor anulou o plano das nações, frustrou os planos dos povos (Sl

33,10). O orante ressalta ainda a figura da nação infiel; quem reza aqui é vítima de acusações

falsas e repressões por parte de opositores que insistem na desigualdade: Ó Deus, julga-me e

disputa minha disputa em meio a uma nação infiel! Que me faças escapar do homem embusteiro

e iníquo! (Sl 43,1).

O orante agora deixará claro que o SENHOR está acima das nações: Recuai e sabei que eu

sou Deus! Elevo-me sobre as nações, elevo-me sobre a terra (Sl 46,11). O orante mostra um

pouco de ironia quando fala que o SENHOR ri das nações: Tu, porém, Senhor, ris deles, caçoas de

todas as nações (Sl 59,9).

O orante agora afirma que o SENHOR escolheu uma nação dentre todas as da terra, Israel,

e reflete sobre a última etapa do projeto do êxodo. Após a saída do Egito e a passagem pelo

deserto, Deus fez seu povo chegar à terra prometida, garantindo aos anteriormente oprimidos a

posse do bem imóvel necessário para a sobrevivência. Isso, porém, significa também que as

demais nações precisam abrir espaço para quem, até então, era escravo: Expulsou nações diante

deles e, com uma corda, lhes mediu uma herança; fez morar as tribos de Israel em suas tendas

(Sl 78,55).

O orante vai mostrar também que quiseram apagar a lembrança de Israel, mas o SENHOR

os defendeu: Disseram: “Ide! Façamo-los desaparecer como nação! E o nome de Israel não seja

mais lembrado!” (Sl 83,5). Mas quem reza aqui vai mostrar que o SENHOR trata diferentemente

Israel quando este é fiel aos seus desígnios: Não agiu assim com nenhuma nação, pois não

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conheceram seus julgamentos (Sl 147,20). Mas a partir do momento que Israel se torna infiel

perde a proteção do Senhor, quando se junta a povos infiéis: Mas se misturaram com as nações e

aprenderam as suas práticas (Sl 106,35). Por isso, Israel é entregue à sua própria sorte:

Entregou-os na mão das nações; e os governaram aqueles que os odeiam. Seus inimigos os

pressionaram; foram submetidos à sua mão (Sl 106,41-42).

Apesar de Israel ser a nação escolhida pelo SENHOR, o orante deixa uma lacuna em

aberto. O SENHOR deseja que todas as nações lhe pertençam como herança: Ergue-te, ó Deus,

julga a terra, porque tu recebes todas as nações em herança (Sl 82,8). Todos os confins da terra

se lembrarão e voltarão ao SENHOR. Todas as famílias das nações se prostrarão diante de ti.

Porque o reino é do SENHOR; é quem governa entre as nações (Sl 22,28-29).

Podemos ainda verificar que Deus faz uma aliança com Abraão mostrando seu desejo de

que o mundo seja uma multidão de nações: Quanto a mim, eis a minha aliança contigo: serás

pai de uma multidão de nações. E não mais te chamarás Abrão, mas teu nome será Abraão, pois

eu te faço pai de uma multidão de nações (Gn 17,4-5).

A partir desses paralelismos, podemos perceber que o orante em Sl 110,6a diz que o

SENHOR tem poder de julgar as nações com retidão, porque estas lhe pertencem. Quem reza aqui

tem noção dos acontecimentos do povo de Israel e dos povos dos confins da terra.

2.10 Encheu de cadáveres

O termo encher, completar e preencher (alm) ocorre duzentas e quarenta e três vezes na

Bíblia Hebraica. Nos Salmos, ocorre vinte e uma vezes (Sl 10,7; 17,14; 20,5.6; 26,10; 33,5; 38,8;

48,11; 71,8; 72,19; 74,20; 80,10; 81,11; 83,17; 104,24; 107,9; 110,6; 119,64; 126,2; 127,5;

129,7). Em Sl 110,6b, é um verbo no Qal perfeito, terceira pessoa do masculino singular.

Podemos agora verificar alguns paralelismos com o Salmo 110 v. 6b usando o termo

encher, completar e preencher (alm) em outros Salmos. O orante do Salmo mostra que o

homem pode encher sua boca de perversões e suas mãos de corrupção: Maldição encheu sua

boca, embustes e fraude. Vã fadiga e desgraça estão debaixo de sua língua (Sl 10,7). Nas mãos

deles, pois, está a intriga; sua destra se encheu de suborno (Sl 26,10). Os pastos da terra estão

cheios de violência: Contempla a aliança! Porque os lugares da terra ficaram cheios de trevas,

são pastagens de violência (Sl 74,20).

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O SENHOR, por sua vez, quer demonstrar que ele também está pleno, mas não da

perversidade do coração humano, mas de fidelidade: É quem ama justiça e direito. A terra ficou

plena da lealdade do Senhor (Sl 33,5). O orante agora, usando o termo direita, irá dizer que esta

se enche da justiça: Deus, assim como teu nome, teu louvor chega até os confins da terra; tua

direita ficou cheia de justiça (Sl 48,11). O orante também quer mostrar que o SENHOR, liberta da

escravidão e sacia da fome o seu povo: Eu sou o Senhor, teu Deus, quem te fez subir da terra do

Egito! Alarga tua boca e vou enchê-la (Sl 81,11). Segundo o orante, é o SENHOR que enche de

riso a boca de seu povo, ou seja, quem traz a alegria, e provavelmente isto aconteça por terem

recebido favores do SENHOR: Então nossa boca se enchia de riso e nossa língua de júbilo (Sl

126,2). Contudo, o orante agora suplica que a glória do SENHOR possa habitar na terra: Para

sempre seja bendito o nome de sua glória! E que sua glória encha toda a terra! Amém e amém!

(Sl 72,19).

Podemos verificar que o termo encher, completar e preencher (alem') ocorre uma única

vez nos Salmos ligado ao termo cadáver (tAYwIg>). Trata-se da única vez nos Salmos em que estes

termos aparecem unidos, querendo demonstrar algo totalmente diferente dos paralelismos

pesquisados. Agora o SENHOR tem uma vontade diferente, pois a terra se enche de cadáveres.

O termo corpo e cadáver (tAYwIg>) aparece dez vezes na Bíblia Hebraica (Gn 47,18; Jz

14,8.9; Ne 9,37; Sl 110,6; Dn 10,6; 1Sm 31,10.12; Ez 1,11.23). Nos Salmos ocorre apenas em Sl

110,6b, sendo um substantivo feminino plural absoluto. Podemos verificar um texto que pode dar

uma maior compreensão do que reza o orante do Salmo 110 v. 6b quando diz: Encheu de

cadáveres, pois parece que o orante quer mostrar que um rei e seus filhos foram encontrados

pelo SENHOR como indignos de uma sepultura: Depuseram suas armas no templo de Astarte e

fixaram o seu cadáver no muro de Betsã. Todos os valentes se puseram a caminho e, depois de

terem andado a noite toda, retiraram do muro de Betsã os corpos de Saul e os dos seus filhos.

Voltando a Jabes, aí eles os queimaram (1Sm 31,10.12). E, para o rei receber tal punição do

SENHOR, fez o que lhe desagradou. Podemos verificar isso em Samuel, que fala através de uma

necromante ao rei Saul, que será também cremado, o que era reservado somente para os

criminosos31

como punição (Js 7,25):

31

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. I, p. 1994.

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Respondeu Samuel: “Por que me consultas, se o Senhor se afastou de ti e se tornou teu adversário? O

Senhor fez por outro como te havia dito por meu intermédio: tirou das tuas mãos a realeza e a entregou a

Davi, porque não obedeceste ao Senhor e não executaste o ardor de sua ira contra Amalec. Foi por isso

que o Senhor te tratou hoje assim. Como consequência, o Senhor entregará, juntamente contigo, o teu povo

Israel nas mãos dos filisteus. Amanhã, tu e os teus filhos estarão comigo, e o exército de Israel também: O

Senhor o entregará nas mãos dos filisteus” (1Sm 28,16-19).

Sepultar os mortos era de grande importância para os israelitas: Samuel tinha morrido, e

todo Israel o tinha lamentado, e o sepultaram em Ramá, sua cidade (1Sm 28,3). Até aos

inimigos era concedida a dignidade de uma sepultura: A seguir, entrou Jeú e, depois de ter

comido e bebido, disse: “Ide ver aquela maldita e dai-lhe sepultura, pois é filha de rei” (2Rs

9,34). Para alguns era negada sepultura. Por isso, não ser sepultado era um sinal do castigo do

SENHOR,32

como dirão os Profetas: Tu, porém, foste lançado fora da tua sepultura, como ramo

abominável rodeado de gente imolada, trespassada à espada, atirada sobre pedras da fossa

como carcaça pisada aos pés (IS 14,19). E haverá, naquele dia, vítimas do Senhor de uma a

outra extremidade da terra; eles não serão chorados, nem recolhidos e nem sepultados. Serão

como esterco sobre a superfície da terra (Jr 25,33). Portanto, podemos perceber a partir destes

paralelismos o que o orante do Salmo 110 v. 6b quer dizer, quando estes cadáveres não são

sepultados.

2.11 Destroçou cabeças

O termo destroçar, ferir, aniquilar, esmagar ou massacrar (#xm), já pesquisado no

versículo v. 5a, ocorre novamente no v. 6c do Salmo 110 como um verbo no Qal perfeito terceira

pessoa do singular masculino.

O termo cabeça, chefe, cume, líder, maior, mais elevado, começo e início (varo) ocorre

quinhentas e oitenta e uma vezes na Bíblia Hebraica. Nos Salmos, ocorre trinta e duas vezes (Sl

3,4; 7,17; 18,44; 21,4; 22,8; 23,5; 24,7.9; 27,6; 38,5; 40,13; 44,15; 60,9; 66,12; 68,22; 69,5;

72,16; 74,14; 83,3; 108,9; 109,25; 110,6.7; 118,22; 119,160; 133; 2; 137,6; 139,17; 140,8.10;

141,52x

), sendo aqui um substantivo masculino absoluto. No Salmo 110 ocorre duas vezes no v.

6c e no v. 7b.

32

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. I, p. 1993.

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Podemos encontrar alguns paralelismos de ideia com o termo cabeça, chefe, cume, líder,

maior, mais elevado, começo e início (varo) nos Salmos. Quem reza aqui pede que caia sobre a

cabeça de quem é perverso a violência: Que sua vã fadiga volte sobre sua cabeça! Que sua

violência desça sobre seu crânio! (Sl 7,17). Agora quem reza aqui mostra que Deus, além de

destruir as cabeças dos inimigos, joga seus corpos aos cães: Deus, certamente, destroça a cabeça

de seus inimigos, o crânio cabeludo de quem anda com suas culpas. O Senhor disse: “De Basã

farei voltar! Farei voltar dos precipícios do mar, a fim de que banhes teu pé em sangue; a língua

de teus cães terá sua ração da parte dos inimigos” (Sl 68,22-24). O orante diz aqui que Deus

destrói as cabeças até mesmo dos monstros marinhos, simbolizando as forças caóticas que o

SENHOR esmaga: Tu esmagaste as cabeças do Leviatã, dando-as como comida ao povo das

hienas (Sl 74,14). O profeta Isaías também faz uso da figura de um monstro marinho que será

morto pelo SENHOR: Naquele dia, punirá o SENHOR, com sua espada dura, grande e forte,

Leviatã, serpente escorregadia, leviatã, serpente tortuosa; matará o monstro que habita o mar

(Is 27,1).

Portanto, podemos entender que o orante do Salmo 110 v. 6c, quer mostrar que este que

destroça cabeças é o SENHOR, pois esta ação significa o total extermínio de um inimigo.33

Ele

esmaga as forças caóticas, aqui demonstrado o poder dos reis que esmagam o povo de Deus.

2.12 Sobre a terra imensa

O termo terra (#r<a,) ocorre duas mil quatrocentos e cinquenta e três vezes na Bíblia

Hebraica. Nos Salmos ocorre cento e noventa vezes (Sl 2,2.8.10; 7,6; 8,2.10; 10,16.18; 12,7;

16,3; 17,11; 18,8; 19,5; 21,11; 22,28.30; 24,1; 25,13; 27,13; 33,5.8.14; 34,17; 35,20;

37,3.9.11.22.29.34; 41,3; 42,7; 44,4.26; 45,17; 46,3.7.9.10.11; 47,3.8.10; 48,3.11; 50,1.4; 52,7;

57,6.12; 58,3.12; 59,14; 60,4; 61,3; 63,2.10; 65,6.10; 66,1.4; 67,3.5.7.8; 68,9.33; 69,35; 71,20;

72,6.8.162x

.19; 73,9.25; 74,7.8.12.17.20; 75,4.9; 76,9.10.13; 77,19; 78,12.69; 79,2; 80,10;

81,6.11; 82,5.8; 83,19; 85,2.10.12.13; 88,13; 89,12.28.40.45; 90,2; 94,2; 95,4; 96,1.9.11.13;

97,1.4.5.9; 98,3.4.9; 99,1; 100,1; 101,6.8; 102,16.20.26; 103,11; 104,5.9.13.14.24.32.35;

105,7.11.16.23.27.30.32.35.36.44; 106,17.22.24.27.38; 107,3.34.35; 108,6; 109,15; 110,6; 112,2;

113,6; 114,7; 115,15.16; 116,9; 119,19.64.87.90.119; 121,2; 124,8; 134,3; 135,6.7.12; 136,6.21;

33

SCHROER; STAUBLI, Simbolismo do corpo na Bíblia, p. 112.

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138,4; 139,15; 140,12; 141,7; 142,6; 143,3.6.10; 146,6; 147,6.8.15; 148,7,112x

.13). Em Sl

110,6d, ocorre como um substantivo feminino singular absoluto.

Além de nos Salmos, o AT também faz uso do termo terra (#r<a,) por diversas vezes em

outros lugares. A terra é o lugar de habitação dos homens vivos.34

Ela foi criada pelo SENHOR:

Deus chamou ao continente, terra, e à massa das águas, mares, e Deus viu que isso era bom (Gn

1,10). Sendo assim, o SENHOR é único proprietário da terra: Agora, se ouvirdes a minha voz e

guardardes a minha aliança, sereis para mim uma propriedade peculiar entre todos os povos,

porque toda a terra é minha (Ex 19,5).

Mas pode acontecer de o SENHOR desejar destruir a terra que lhe pertence por causa do

homem: O SENHOR viu que a maldade do homem era grande sobre a terra, e que era

continuamente mau todo desígnio de seu coração. O Senhor arrependeu-se de ter feito o homem

sobre a terra, e afligiu-se o seu coração. E disse o SENHOR: “Farei desaparecer da superfície do

solo os homens que criei e, com os homens, os animais, os répteis e as aves do céu, porque me

arrependo de tê-los feito” (Gn 6,5-7).

Os profetas também colocam o homem em questão quando fazem uso do termo terra

(#r<a,): Eles transformam o direito em veneno e lançam por terra a justiça (Am 5,7). Mas a

terra será para o homem, através de Abraão, um sinal de bênção e de felicidade: A ti e à tua raça

depois de ti darei a terra em que habitas, toda a terra de Canaã, como possessão perpétua, e

serei o vosso Deus (Gn 17,8).

O orante do Salmo 110 v. 6d, ao usar o termo terra (#r<a,) traz o peso dessa palavra ao

longo de toda a Bíblia Hebraica. O orante primeiramente quer mostrar que Deus existe antes da

terra: Antes que as montanhas nascessem, antes que terra e mundo fossem dados à luz, desde

sempre e para sempre, tu és Deus (Sl 90,2). O orante mostra ainda que esta terra foi criada por

Deus: Desde junto do Senhor, está meu auxílio, aquele que faz os céus e a terra (Sl 121,2). Esta

terra (#r<a,) não pertence a um povo ou nação, mas ao próprio Deus: A terra e o que a plenifica

são do Senhor, o mundo e os que nele moram (Sl 24,1).

Mas, apesar de ter criado e de lhe pertencer, ele está muito acima: Recuai e sabei que eu

sou Deus! Elevo-me sobre as nações, elevo-me sobre a terra (Sl 24,1). Parece que para o orante

o único rei soberano da terra é o SENHOR: Porque Deus é o rei de toda a terra! Salmodiai algo

34

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. I, p. 848.

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perceptível! (Sl 47,8). O orante ainda diz que esta foi criada para sempre: E construiu seu

santuário como as elevações, como a terra, a qual fundou para sempre (Sl 78,69). O SENHOR,

sendo o grande soberano do universo, olha para os habitantes desta terra: Olhou, do local de sua

moradia, para todos os moradores da terra (Sl 33,14). Se o os observa, talvez seja para ver o

que estes fazem em sua propriedade e de maneira especial parece olhar para os reis que ele

permite cuidar do seu povo e tenta corrigi-lo: E agora, reis, percebei! Deixai-vos corrigir, juízes

da terra! (Sl 2,10). Mas estes reis parecem conspirar contra Deus e seu ungido. Aqui o orante

parece falar de um Messias enviado com a missão de governar, ou pode estar falando dos reis

ungidos para cumprirem sua vontade, mas que se rebelaram contra o SENHOR: Os reis da terra se

posicionam, pois os dignitários conspiraram juntamente contra o Senhor e seu ungido (Sl 2,8).

Segundo o orante, os reis terão seus tronos derrubados: Fizeste cessar seu brilho e

arrojaste seu trono ao chão (Sl 89,45). O orante mostra o fim daqueles que são perversos: Por

isso, Deus te derrubará para sempre; te arrastará e te arrancará da tenda; te desarraigará da

terra dos vivos (Sl 52,7). A face do Senhor está contra os que praticam o mal, a fim de eliminar

sua lembrança da terra (Sl 34,17). E então começamos a deslumbrar o que se reza em Sl 110,6:

estes reis fizeram algo grave contra Deus e seu povo e por isso recebem de Deus não uma

vingança mas sim o cumprimento de sua justiça. Mas podemos dizer que Deus tem também outra

intenção ao destroçar os reis da terra: Ao erguer-se Deus para o julgamento, para salvar todos

os oprimidos da terra (Sl 76,10). E por isso Deus é temido pelos reis da terra: Pois rebaixa o

espírito dos notáveis; é temido pelos reis da terra (Sl 76,13).

O SENHOR entra nesta guerra para doar esta terra que lhe pertence ao povo que ele ama:

Os oprimidos possuirão a terra e se deleitarão com uma paz abundante (Sl 37,11). Este Deus

deseja que exista apenas um tipo de habitante em sua terra, os justos: Os justos possuirão a terra

e, continuamente, morarão nela (Sl 37,29). E agora podemos compreender mais profundamente

o desejo do orante de Sl 110,6. Deus quer instaurar uma terra de paz perante as perversidades

dos reis, mas o orante deixa ainda uma centelha de esperança no momento em que o orante pede

ao SENHOR pelos reis da terra, acreditando que um dia eles possam escutar a sua voz: Senhor,

que todos os reis da terra te agradeçam, porque escutaram as palavras de tua boca! (Sl 138,4).

O termo imenso, numeroso, muito, grande, múltiplo e abundante (br:) ocorre

quatrocentas e sessenta e cinco vezes na Bíblia Hebraica. Nos Salmos ocorre cinquenta e oito

vezes (Sl 3,2.3; 4,7; 18,15.17; 19,11.12.14; 22,13.26; 25,11; 29,3; 31,14.20; 32,6.10; 34,20;

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35,18; 36,7; 37,16; 40,4.6.10.11; 48,3; 55,19; 56,3; 62,3; 65,10; 68,12; 71,7.20; 77,20; 78,15;

86,5.15; 89,8.51; 93,4; 97,1; 103,8; 106,43; 107,23; 109,30; 110,6; 119,156.157.162.165; 120,6;

123,3.4; 129,1.2; 135,10; 144,7; 145,7; 147,5). Em Sl 110,6d, é um adjetivo feminino singular

absoluto.

O termo imenso, numeroso, muito, grande, múltiplo e abundante (br:), na Torá, é usado

para mostrar a bênção de Deus sobre o povo: Deus os abençoou e lhes disse: “Sede fecundos,

multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a; dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e

todos os animais que rastejam sobre a terra” (Gn 1,28). A bênção aqui demonstrada pelo termo

imenso, numeroso, muito, grande, múltiplo e abundante (br:) constitui um elemento importante

da primeira execução da obra da criação e lhe dá a capacidade de sobreviver continuamente.35

Esta bênção significa para o homem uma continuidade,36

um novo início dentro da criação.37

Os paralelismos que encontramos nos Salmos quanto ao termo imenso, numeroso, muito,

grande, múltiplo e abundante (br:) não tratam da ideia usada por Sl 110,6: Sentencia nações,

encheu de cadáveres, destroçou cabeças, sobre a terra imensa. Mas podemos ainda verificar

outros atributos que acompanham a imensidão desta terra. O orante em alguns momentos reza:

Muitos estão dizendo de minha alma: “Não existe salvação para ele em Deus!” (Sl 3,3). E

ainda: Muitos estão dizendo: “Quem nos faz ver o bem? A luz de tua face, Senhor, fugiu de nós!”

(Sl 4,7). Por isso o SENHOR cumprirá a justiça e o direito pela imensidão da terra: Tua justiça é

como os montes de Deus; teu direito é um oceano imenso; Senhor, salvas o ser humano e o

animal (Sl 36,7).

O orante também mostra que a culpa de quem reza pode ser imensa, e por isso pede

misericórdia a quem pode conceder: Por causa de teu nome, Senhor, perdoas minha culpa,

porque ela é imensa (Sl 25,11). O orante coloca sua confiança no SENHOR: Muitas são as dores

do perverso, mas lealdade cerca quem confia no Senhor (Sl 32,10). O SENHOR cuida da

imensidão da terra derramando sua água: Cuidaste da terra e a regaste; muito a enriqueces. O

canal de Deus ficou cheio de água; firmas seu grão, porque é assim que a firmas (Sl 65,10). Mas

parece que o orante de Sl 110,6 queira demonstrar que de muitos modos o SENHOR tentou

persuadir os reis a mudarem de atitude, mas estes quiseram permanecer em sua revolta: Muitas

35

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. VII, p. 155. 36

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. VII, p. 156. 37

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. VII, p. 156.

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vezes, os libertava, mas, por meio de seus planos, eles se revoltavam; e sucumbiram em sua

culpa (Sl 106,43). E parece ter sido a culpa que o orante mostra neste Salmo que fez com que os

reis da terra tenham seus cadáveres destroçados pela terra imensa. Com isso, parece que o

orante deseja apagar sua memória para que a paz reine na terra: Feriu numerosas nações e

matou reis poderosos (Sl 135,10).

Dessa forma, o SENHOR libertará o justo dos reis da terra. Parece que o orante quer

deixar claro que a lembrança que terão do SENHOR não será a do Deus vingador, mas sim a da

imensidão de sua bondade e da alegria de sua justiça: Que comuniquem a lembrança de tua

imensa bondade e jubilem por tua justiça! (Sl 145,7).

2.13 No caminho, bebe da torrente

O termo caminho, distância e viagem (%r<D<ä) ocorre seiscentas e noventa e três vezes na

Bíblia Hebraica. Nos Salmos, ocorre sessenta e seis vezes (Sl 1,1.62x

; 2,12; 5,9; 10,5;

18,22.31.33; 25,4.8.9.12; 27,11; 32,8; 35,6; 36,5; 37,5.7.14.23.34; 39,2; 49,14; 50,23; 51,15;

67,3; 77,14.20; 80,13; 81,14; 85,14; 86,11; 89,42; 91,11; 95,10; 101,2.6; 102,24; 103,7;

107,4.7.17.40; 110,7; 119,1.3.5.14.26.27.29.30.32.33.37.59.168; 128,1; 138,5; 139,3.242x

; 143,8;

145,17; 146,9). No Salmo 110, v. 7a, ocorre como um substantivo singular absoluto.

Podemos verificar alguns paralelismos dos Salmos com o Salmo 110 v. 7b para uma

maior compreensão do termo caminho, distância e viagem (%r<D<ä). O Salmo 1 parece trazer à

tona os dois caminhos, o do justo e o do ímpio, e parece usufruir do significado do termo tanto

como curso da vida como quanto a conduta de vida,38

dando a entender que os reis do versículo

v. 5b do Salmo 110 são ímpios que perecem e que quem caminha no v. 7b seja um homem justo:

Porque o Senhor é quem conhece o caminho dos justos; o caminho dos perversos, porém, perece

(Sl 1,6). O SENHOR guarda, cuida, guia e observa o caminho daqueles que o temem. A

permanência dos justos só é possível porque o SENHOR se relaciona favoravelmente com eles:

Deus, seu caminho é íntegro; o dito do Senhor é depurado. Ele é um escudo para todos os que

nele se abrigam (Sl 18,31). O SENHOR indica o caminho a ser seguido: Bom e reto é o Senhor;

por isso, é quem instrui pecadores no caminho. Faz caminhar os oprimidos no direito e ensina

seu caminho aos oprimidos (Sl 25,8-9).

38

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. II, p. 317.

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O olhar do SENHOR está sobre os justos: Vou te fazer perceber; vou te ensinar sobre o

caminho em que deve caminhar; vou te aconselhar, tendo meu olho sobre ti! (Sl 32,8). O

SENHOR coloca seus mensageiros para protegê-lo: Porque ordena seus mensageiros a teu

respeito, a fim de te guardar em todos os teus caminhos (Sl 91,11). Mas parece que o orante

também quer demonstrar o que acontece com aquele que escolheu seguir o caminho contrário ao

do SENHOR: Que seu caminho seja de trevas e de deslizes, pois é o mensageiro do Senhor quem

os persegue (Sl 35,6). Espera no Senhor e guarda o seu caminho! Assim te elevará, para

possuíres a terra. Então verás os perversos serem eliminados (Sl 37,34).

Mas o orante do Salmo 110 v. 7a parece nos dar a entender que aquele que aqui caminha

não é um ímpio, mas sim um ministro seu: Meus olhos estão postos nos fidedignos da terra, para

se assentarem comigo; quem anda no caminho da integridade, este, para mim, ministra (Sl

101,6). E este caminho fará com que ele receba aquilo que o coração de quem aqui reza acolha o

que mais deseja ser feliz. Assim, podemos dizer que este caminho não é somente um espaço

físico, mas o coração do homem, quando este escolhe o caminho do SENHOR: Escolhi o caminho

da fidelidade, coloquei teus julgamentos diante de mim (Sl 119,30). Feliz todo aquele que teme o

Senhor, que anda nos seus caminhos (Sl 128,1). E assim podemos dizer que este personagem que

caminha no v. 7a encontrou a maior riqueza, ao escolher caminhar seguindo os preceitos do

SENHOR: No caminho de tuas normas, me deliciei, acima de toda fortuna (Sl 119,14).

O termo beber, ser bebido (htv) ocorre duzentas e uma vezes na Bíblia Hebraica. Nos

Salmos, ocorre cinco vezes (Sl 50,13; 69,13; 75,9; 78,44; 110,7). No Salmo 110 v. 7a, ocorre

como um verbo Qal imperfeito terceira pessoa masculino singular.

Podemos verificar um paralelismo no AT, onde temos a figura de um grande profeta que

também bebe da torrente:

Elias, tesbita, um dos habitantes de Galaad, disse a Acab: “Pela vida do Senhor, o Deus de Israel, a quem

sirvo: não haverá nestes anos nem orvalho nem chuva, a não ser quando eu o ordenar”. A palavra do

Senhor foi-lhe dirigida nestes termos: “Vai-te daqui, retira-te para o oriente e esconde-te na torrente de

Carit, que está ao leste do Jordão. Beberás da torrente e ordenei aos corvos que lá te deem alimento”.

Elias partiu, pois, e fez como o Senhor ordenara, indo morar na torrente de Carit, ao leste do Jordão. Os

corvos lhe traziam pão e carne de manhã, pão e carne de tarde, e ele bebia da torrente (1Rs 17,1-6).

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Agora vamos ao encontro de alguns paralelismos onde ocorre o termo beber, ser bebido

(htv) nos Salmos. Em primeiro lugar, podemos dizer que o orante quer mostrar que Deus não

precisa de alimento como o homem, mostrando sua soberania sobre toda a criação. É impossível

oferecer algo a Deus, pois tudo, desde sempre, pertence ao criador: Acaso devoro a carne de

touros ou bebo o sangue de bodes? (Sl 50,13). O orante está sendo ridicularizado pelas

autoridades assentadas junto ao portão, onde as questões econômicas, sociais e jurídicas são

discutidas. Em especial, é ridicularizado por causa de seus gestos religiosos e simbólicos, como o

jejum e o pano de saco (Sl 69,8.11.12.13): Os que se assentam ao portão confabulam contra

mim; há canções de deboche dos que bebem cerveja (Sl 69,13).

O orante apresenta sua visão do julgamento promovido pelo SENHOR, trazendo, como

imagem para a ira divina, uma taça cheia de bebida embriagante (Sl 11,6; 16,5). Ao precisar

esvaziá-la até o fim, quem a bebe cambaleará, expondo-se de forma vergonhosa (Is 51,17; Jr

25,15-28; Ez 23,31-34; Hab 2,15-16): Porque uma taça está na mão do Senhor, vinho que

fermentou cheio de especiaria. E deste derramou. Sorvem apenas a sua borra; todos os

perversos da terra bebem (Sl 75,9). Agora o orante mostra algo terrível: uma torrente

transformada em sangue impedindo que alguém possa beber. O pensamento do orante volta-se

para o comportamento errado de Israel, tendo como referência o período em que os libertados da

escravidão no Egito atravessaram o deserto (Sl 78,40-43). Em especial, andaram esquecidos dos

sinais realizados em forma de pragas por Deus em meio aos egípcios (Ex 7,14-25): Transformou

em sangue seus rios, e, de suas torrentes, não podiam beber! (Sl 78,44). Assim, podemos

afirmar que o Salmo 110 v. 7a é uma ideia única nos Salmos de alguém que bebe de uma torrente

como sinal da dignidade que recebe de Deus.

O termo torrente, vale com leito de curso de água, riacho, corrente de água, poço,

galeria e mina de água (lx;n:) ocorre cento e vinte oito vezes na Bíblia Hebraica. Nos Salmos,

ocorre oito vezes (Sl 18,5; 36,9; 74,15; 78,20; 83,10; 104,10; 110,7; 124,4). No Salmo 110 v. 7a,

ocorre como um substantivo masculino singular absoluto.

O termo torrente, vale com leito de curso de água, riacho, corrente de água, poço,

galeria e mina de água (lx;n:) ocorre na Torá como a água que no tempo das chuvas desce das

montanhas com grande violência:39

Quanto ao pecado que havíeis cometido, o bezerro, tomei-o

39

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. V, p. 758.

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e queimei-o. Esmaguei-o, moendo-o completamente até reduzi-lo a pó, e o atirei depois no

ribeiro que desce da montanha (Dt 9,21).

Podemos verificar alguns paralelismos onde ocorrem o termo torrente, vale com leito de

curso de água, riacho, corrente de água, poço, galeria e mina de água (lx;n:) nos Salmos,

percebendo que às vezes esta torrente portará consigo a morte e não a vida: As cordas da morte

me envolveram e as torrentes do maligno me espantavam (Sl 18,5). Então as águas nos teriam

arrastado; uma torrente teria atravessado nossa garganta (Sl 124,4). O SENHOR pode fazer a

torrente de vida secar (Ex 14; Js 3-4): Tu fendeste manancial e torrente; tu secaste correntezas

duradouras (Sl 74,15). O SENHOR, mostrando seu poder sobre a criação, pode fazer correr uma

torrente da rocha (Ex 16; Nm 11,4-35): Eis que bateste num rochedo e manaram águas;

torrentes transbordam. Será que também seja capaz de dar pão, aprovisionar inclusive carne

para seu povo? (Sl 78,20). A torrente é uma criação do próprio SENHOR: É quem faz jorrar

mananciais nos cursos de água, que correm entre os montes (Sl 104,10). O orante também

mostra como a torrente pode ser também um lugar de delícias: Com a banha de tua casa, se

embriagam; tu os fazes beber da torrente de tuas delícias (Sl 36,9).

2.14 Elevar a cabeça

O termo elevar, ser exaltado, pôr-se de pé, erguer-se, levantar-se, ensoberbecer-se, ser

altivo, orgulhoso, excelso e suspender (~wr) ocorre cento e cinquenta e seis vezes na Bíblia

Hebraica. Nos Salmos, ocorre quarenta e quatro vezes (Sl 3,4; 9,14; 12,9; 13,3; 18,47.49; 21,14;

27,5.6; 30,2; 34,4; 37,34; 46,11; 57,6.12; 61,3; 66,7.17; 74,3; 75,5.6.8.11; 89,14.17.18.20.25.43;

92,11; 99,5.9; 107,25.32; 108,6; 110,7; 112,9; 113,7; 118,16.28; 131,1; 140,9; 145,1; 148,14).

No Salmo 110 v. 7b, ocorre como um verbo Nifal imperfeito terceira pessoa masculino singular.

Os profetas fazem uso também do termo elevar, ser exaltado, pôr-se de pé, erguer-se,

levantar-se, ensoberbecer-se, ser altivo, orgulhoso, excelso e suspender (~wr), quando se

referem a Deus indicando sua soberania, poder, grandeza e domínio sobre os povos:40

Porque

assim diz aquele que está nas alturas, em lugar excelso, que habita a eternidade e cujo nome

40

BOTTERWECK; RINGGREN; FABRY, Grande Lessico dell’ Antico Testamento, vol. VII, p. 309.

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santo: “Eu habito em lugar alto e santo, mas estou junto com o humilhado e desamparado, a fim

de animar os espíritos desamparados, a fim de animar os corações humilhados!” (Is 57,15).

Para uma maior compreensão do termo elevar, ser exaltado, pôr-se de pé, erguer-se,

levantar-se, ensoberbecer-se, ser altivo, orgulhoso, excelso e suspender (~wr), podemos neste

momento verificar alguns paralelismos que nos ajudam na compreensão de Sl 110,7b. O orante

apresenta Deus como a plenitude de toda elevação: Recuai e sabei que eu sou Deus! Elevo-me

sobre as nações, elevo-me sobre a terra (Sl 46,11). Viva o SENHOR! Bendito seja meu rochedo! E

seja exaltado o Deus de minha salvação (Sl 18,47).

O orante mostra que na verdade é Deus quem abaixa e eleva o homem: Porque é Deus

quem julga; a um abaixa e a outro eleva (Sl 75,8). O orante ainda quer mostrar que é o SENHOR

quem ergue o seu povo: É quem me faz escapar de meus inimigos; também me elevas em relação

aos que se erguem contra mim; me libertas do homem violento (Sl 18,49). O orante reza aqui que

sua cabeça se eleva acima de seus inimigos: Agora minha cabeça se eleva sobre meus inimigos

ao meu redor. E quero sacrificar, em sua tenda, sacrifícios de aclamação (Sl 27,6).

O orante também mostra que o injusto não erguerá sua cabeça, mas somente o justo terá

sua cabeça erguida, assim mostrando algumas características do personagem do v. 7b do Salmo

110: Despedaço todas as frontes dos perversos; será elevada a fronte do justo (Sl 75,11). Mas

tu, SENHOR, és um escudo para mim, minha honra e quem eleva minha cabeça (Sl 3,4). O orante

quer ressaltar ainda que este que terá sua cabeça elevada é um escolhido do SENHOR: Outrora,

falaste aos teus fiéis em uma visão e disseste: “Ajustei a coroa sobre o valente; elevei o

escolhido do meio do povo” (Sl 89,20). Contudo, o SENHOR ergue também o pobre de sua

situação humilhante lhe restaurando a dignidade retirada pelos opressores: É quem ergue do pó o

necessitado; do esterco, eleva o pobre (Sl 113,7). Por fim, o orante quer deixar claro que é o

SENHOR quem eleva seu povo e partilha do seu poder com o povo que se tornou próximo dele:

Exaltou o poderio de seu povo; haja louvor por parte de todos os seus fiéis, por parte dos filhos

de Israel, o povo próximo a ele (Sl 148,14). Portanto, o orante de Sl 110,7 parece ter esses

referenciais ao usar o termo elevar, mais do que erguer a cabeça e que a mesma foi levantada por

Deus para o mesmo caminhar em direção de seus preceitos.

O termo cabeça, chefe, cume, líder, maior, mais elevado, começo e início (varo), já

pesquisado no v. 6c, reaparece no v. 7b do Salmo 110. Agora podemos explorar outros

paralelismos, pois esse termo toma uma nova conotação diferente de sua ocorrência anterior no

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v. 6c (destroçou cabeças). Agora o orante diz no v. 7b: elevou a cabeça. No primeiro, a injustiça

destroçou cabeças; agora essa cabeça é elevada pelo próprio Deus: Mas tu, Senhor, és um escudo

para mim, minha honra e quem eleva minha cabeça (Sl 3,4). A cabeça do ser humano desde

sempre foi considerada a mais proeminente das partes do corpo. Ela representa o ser humano por

inteiro:41

Porque o precedes de boas bênçãos, pões a coroa de ouro refinado sobre sua cabeça

(Sl 21,4). É nessa parte do corpo que é derramado o perfume: Preparas diante de mim uma mesa,

em frente dos que me agridem. Untaste minha cabeça com perfume; minha taça está

transbordante (Sl 23,5). O orante mostra que a fraternidade enche de honra a cabeça: É como

perfume bom sobre a cabeça, que desce pela barba, a barba de Aarão, que desce até a orla de

suas vestes (Sl 133,2). Portanto, quem reza aqui parece deixar claro que é o SENHOR que protege

e eleva sua cabeça para que ele permaneça em seu caminho: Senhor, meu Senhor, força de minha

salvação, mantiveste minha cabeça guarnecida no dia do armamento (Sl 140,8).

41

SCHROER; STAUBLI, Simbolismo do corpo na Bíblia, p. 111.

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CAPÍTULO 3

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Onde está a origem do poder de quem governa? Nas democracias atuais, imagina-se que

tal poder se fundamenta no povo, o qual, no momento das eleições, escolhe os seus governantes.

Nas monarquias do Antigo Oriente, por sua vez, o pensamento era outro. Os reis ou as rainhas

eram vistos como instituídos pelos deuses. Nesse sentido, Israel não se diferencia dos seus

vizinhos. Contudo, a visão específica de Israel a respeito do SENHOR modifica,

significativamente, a reflexão do povo deste Deus em vista do poder, das tarefas e funções que o

rei poderia ter. Ou seja: a soberania do rei de Israel teria as suas origens na palavra do SENHOR.

O Salmo 110 defende esta visão teológica. Não se trata de uma voz isolada. Pelo

contrário, acolhe, de forma particular, um pensamento que permeia a reflexão teológica presente

nas tradições bíblicas. Nesse sentido, em forma de resumo, vale destacar, nestas considerações

finais, a posição que o Salmo 110 assume no Antigo Testamento, no Saltério e em relação ao

Novo Testamento.

3.1 Salmo 110 no Antigo Testamento

Com os textos dos Salmos, Israel formulava sua resposta à proposta que Deus lhe tinha

feito no decorrer da história. Na sua grande maioria, o que está no centro de cada Salmo é a

presença do SENHOR, Deus de Israel.1 Percebemos, ao ler os Salmos, que o orante possui uma

profunda relação de amizade com o SENHOR. Partindo desta constatação, podemos vislumbrar a

importância deles para o AT.

O termo salmo (rwOmz>mi) é compreendido como canto musicado, pois a raiz verbal deste

substantivo (rmz) traz a ideia de tocar um instrumento musical, cantar ou, respectivamente,

musicar.

Assim podemos recordar um paralelismo da Torá onde o povo de Deus canta pela

primeira vez, exatamente no momento em que Deus exerceu seu poder e venceu o faraó dando

1 BERGANT; KARRIS, Comentário bíblico, p. 185.

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ao seu povo a libertação e a alegria da liberdade. Por isso o hagiógrafo da Torá nos diz que

Moisés e o povo entoaram um cântico: Então, Moisés e os israelitas entoaram este canto ao

Senhor: “Cantarei ao Senhor, porque se vestiu de glória; ele lançou ao mar o cavalo e o

cavaleiro” (Ex 15,1).

Muitos Salmos recordam este acontecimento crucial para todo AT: A libertação do povo

da escravidão do Egito. Mas de maneira especial podemos destacar este longo relato do orante

dos Salmos:

Quem feriu os egípcios em seus primogênitos, porque sua lealdade é para sempre!

Mas fez sair Israel do meio deles, porque sua lealdade é para sempre!

Com mão forte e braço estendido, porque sua lealdade é para sempre!

Quem partiu o Mar dos Juncos em partes, porque sua lealdade é para sempre!

Fez passar Israel por meio dele, porque sua lealdade é para sempre!

Mas o faraó e seu exército sacudiu contra o Mar dos Juncos, porque sua lealdade é para sempre!

Quem faz andar seu povo no deserto, porque sua lealdade é para sempre!

Quem feriu grandes reis, porque sua lealdade é para sempre!

Matou reis magníficos, porque sua lealdade é para sempre!

Seon, rei dos amorreus, porque sua lealdade é para sempre!

E Og, rei de Basã, porque sua lealdade é para sempre!

Deu a terra deles por herança, porque sua lealdade é para sempre!

Uma herança para Israel, seu servo, porque sua lealdade é para sempre!

Lembrou-se de nós em nossa humilhação, porque sua lealdade é para sempre!

E nos livrou de nossos adversários, porque sua lealdade é para sempre!

É quem oferece pão para toda a carne, porque sua lealdade é para sempre!

Agradecei ao Deus dos céus, porque sua lealdade é para sempre! (Sl 136,10-26).

Além de expressar, a história do povo de Deus nos transmite de maneira muito profunda

os sentimentos humanos, os quais são apresentados a Deus como oração.

Dessa maneira, podemos perceber a grande importância dos Salmos para o AT, onde o

orante reza a história, a lei e os feitos do Deus de Israel, e não somente isto, mas inicia um

diálogo com Deus. Existe uma forte relação dos Salmos com todos os livros do AT. Para

compreendê-los, é necessário ler os demais livros, pois quem aqui reza está embebido de toda a

sabedoria do AT.

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A partir desta breve reflexão, podemos verificar muitos paralelismos que ocorrem entre o

Salmo 110 e os demais textos do AT.

Verificando o v. 1a-e, percebemos sua riqueza literária e teológica e sua imensa

contribuição para todo o AT. Nele notamos que os termos aparecem centenas de vezes no AT:

Sobre Davi. Um Salmo. Oráculo do Senhor para meu senhor: “Senta-te à minha direita,

enquanto ponho teus inimigos como escabelo para teus pés!” (Sl 110,1). Podemos verificar sua

impressionante arte literária ao trazer a memória do ouvinte leitor, a figura de um homem que foi

ungido pelo SENHOR para governar o seu povo.

O Salmo 110, ao recordar do rei Davi (dwId"l.), como já foi dito anteriormente nesta

pesquisa, parece querer mostrar um novo Davi, sucessor, herdeiro ou alguém que continua a

história da realeza deste rei, e na volta de um reinado renovado, pois o rei Davi representa a

realeza na cultura de Israel.

No v. 1a, vemos um oráculo (~aun>), mostrando que o SENHOR constituirá um reinado e

compartilhará o seu poder e seu domínio com este rei, que estará sentado em lugar de honra à

direita do SENHOR, talvez porque ele seja amigo de Deus. Sendo assim, é uma realeza diferente

de todas as outras, e esta terá o seus inimigos como objeto para descanso de seus pés.

O orante mostra ainda uma característica sobre Deus: aquele que sabe o futuro nunca

perderá uma guerra. Quem reza aqui parece ter a certeza de sua vitória sobre os seus inimigos

tanto na primeira estrofe quanto na segunda.

Esses inimigos serão revelados no v. 5b, onde o orante mostra que os inimigos do povo se

tornaram os inimigos do SENHOR e que eles serão destroçados. Então vemos que na verdade são

os reis que tiranizaram e oprimiram o povo de Deus. O Salmo 110 parece acontecer em meio a

uma guerra. Quantas vezes o povo de Deus esteve em guerras contra seus inimigos! Parece que o

orante deste Salmo viveu muitas guerras e viu muitos inocentes caírem no campo de batalha.

O orante do Salmo 110, além de proclamar um oráculo do SENHOR no v. 1a-e, anunciará

também um juramento do SENHOR: O Senhor jurou e não se arrepende: “Tu és sacerdote para

sempre, do modo de Melquisedec” (v. 4). Ao recordar a figura de Melquisedec, jura um

sacerdócio eterno, recorda o patriarca Abraão: Melquisedec, rei de Salém, trouxe pão e vinho;

ele era sacerdote do Deus Altíssimo. Ele pronunciou esta bênção: “Bendito seja Abrão pelo

Deus Altíssimo que criou o céu e a terra, e bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou teus

inimigos entre tuas mãos”. E Abrão lhe deu o dízimo de tudo (Gn 14,19-20).

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Esse talvez seja o ponto mais significativo dos paralelismos entre o Salmo 110 e os

demais textos do AT. Nesse encontro, que acontece após uma guerra, mostra-se o porquê da

guerra (Gn 14,1-16): não para tiranizar, oprimir, mas somente para salvar seu parente, pois este

havia sido sequestrado como prisioneiro. Há então uma possibilidade, talvez usada no Salmo

110, de ser uma guerra para salvar os inocentes e os oprimidos. Esse aspecto irá perpassar todo o

AT.

3.2 Salmo 110 no Saltério

O Salmo 110, dentro do Saltério, parece fazer parte de um conjunto intitulado de “Salmos

Reais”. O termo rei ($l,m,) ocorre sessenta e seis vezes nos Salmos. Os Salmos Reais se unem

pela figura de um rei messias e libertador que, às vezes, é o porta-voz ou se torna centro das

atenções. Talvez tenham sido usados nas entronizações dos reis de Israel (Sl 2; 18; 20; 21; 45;

72; 101; 110; 132; 144,1-11).

A figura do rei que aparece nestes Salmos muitas vezes é chamada de “filho adotivo de

Deus”. Seu reinado não terá fim, e seu poder será estendido até os confins da terra, onde fará

triunfar a paz e a justiça, sendo assim um o salvador do povo. Isso mostra também o que

esperava Israel do seu rei.

Ao ser ungido por Deus, o rei se torna um Messias do SENHOR. O primeiro foi Davi: E,

quando teus dias estiverem completos e vieres a dormir com teus pais, farei permanecer a tua

linhagem após ti, aquele que terá saído das tuas entranhas e firmarei sua realeza. Será ele quem

construirá uma casa para meu Nome, e estabelecerei para sempre o seu trono. Eu serei para ele

pai e ele será para mim filho (2Sm 7,12-14).

O segundo Salmo do Saltério absorve as tradições da dinastia de Davi: Eu mesmo

consagrei meu rei sobre Sião, o monte de minha santidade! Vou proclamar a prescrição do

Senhor! Disse a mim: “Tu és meu filho, hoje eu te gerei! Pede a mim e te darei as nações como

herança, os confins da terra como tua propriedade! Com um cetro de ferro, as despedaçarás;

como o vaso de um oleiro, as quebrarás” (Sl 2,7-9). O orante quer deixar claro que o rei vence

porque o SENHOR lhe dá a vitória: É quem engrandece as vitórias de seu rei e quem pratica, para

sempre, a lealdade com seu ungido, com Davi e sua descendência (Sl 18,51). O orante também

reza pelo rei: Senhor, salva o rei! Que nos responda no dia em que clamarmos! (Sl 20,21). Este

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rei coloca sua confiança no seu SENHOR e por isso vencerá: Porque o rei está confiante no

Senhor; com a lealdade do Altíssimo, não vacila (Sl 21,8).

O orante agora parece dedicar um Salmo para apoiar o rei: Meu coração eclodiu uma

palavra boa; eu estou declarando meus feitos para o rei! Minha língua é como a pena de um

escriba hábil (Sl 45,2). Agora o orante mostra a figura de um rei prometido, onde não é o rei que

decide o que é justo, mas deve governar com justiça, ou seja, segundo os mandamentos do

SENHOR: Ó Deus, dá ao rei teus julgamentos e, ao filho do rei, tua justiça (Sl 72,1). O orante

pede mais uma vez pelo rei e desta vez por Davi: O Senhor jurou uma verdade para Davi, dela

não desistirá: “Alguém do fruto de teu ventre porei sobre teu trono” (Sl 132,11).

Agora quem reza quer deixar claro que aquele que dá a vitória a Davi e sua dinastia é

sempre o SENHOR, e não sua inteligência, ou poder bélico: Aquele que dá a salvação aos reis é

quem livra Davi, seu servo, da espada maligna (Sl 144,10).

Estes Salmos parecem manter viva a esperança do povo nas promessas feitas à dinastia do

rei Davi, parece que este messianismo se define como a espera de um rei futuro, de um último rei

que haveria de trazer a salvação definitiva e instauraria o reino de Deus sobre a terra. E este é um

dos pontos onde podemos dizer que o Salmo 110 contribui para o Saltério ao manter viva a

esperança de um reino que virá da vontade do Senhor como demonstrado no Salmo 110, onde o

homem poderá caminhar de cabeça erguida em sua plena dignidade: No caminho, bebe da

torrente; por isso, eleva a cabeça (Sl 110,7).

3.3 Salmo 110 no Novo Testamento

O Salmo 110 é o texto do Saltério que mais aparece no NT. Para ter uma maior

compreensão destas ocorrências onde o hagiógrafo absorve a ideia do Salmo 110, podemos agora

brevemente verificar todas as trinta e três vezes que a mesma ocorre.

O Evangelho segundo Mateus coloca o Salmo 110 por duas vezes nos ditos de Jesus. O

hagiógrafo do Evangelho segundo Mateus parece deixar muito claro ao citar Sl 110,1b-1e, que

este personagem é Jesus, que interroga os fariseus, e que, embora seja descendente de Davi pela

sua origem humana, possui também um caráter divino, que o tornava superior a Davi, pois este

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profetizava a seu respeito. Assim, percebemos uma falência doutrinal dos líderes religiosos de

sua época2 sobre a figura do Cristo e de seu reinado:

Estando os fariseus reunidos, Jesus interrogou-os: “Que pensais a respeito do Cristo? Ele é filho de

quem?” responderam-lhe: “De Davi”. Ao que Jesus lhes disse: “Como então Davi, falando sob

inspiração, lhe chama Senhor, ao dizer: O Senhor disse ao meu Senhor: senta-te à minha direita, até que

eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés? Ora, se Davi o chama Senhor, como pode ser filho?” E

ninguém podia responder-lhe nada. E a partir daquele dia, ninguém se atreveu a interrogá-lo (Mt 22,41-

46).

Na segunda citação do Salmo 110, Jesus está sendo acusado pelo Sinédrio: Ora, os chefes

dos sacerdotes e todo o Sinédrio procuravam um falso testemunho contra Jesus, a fim de matá-

lo, mas nada encontraram, embora se apresentassem muitas falsas testemunhas (Mt 26,59-60).

Então o sumo sacerdote, procurando uma forma de condenar Jesus, diz: Eu te conjuro pelo Deus

Vivo que nos declares se tu és o Cristo, o Filho de Deus (Mt 26,63). Em sua resposta Jesus

afirma que ele é o SENHOR que se senta à direita do SENHOR em Sl 110,1c, reivindicando diante

do Sinédrio sua dignidade divina: Jesus respondeu: “Tu o disseste. Aliás, eu vos digo que, de ora

em diante, vereis o Filho do Homem sentado à direita do Poder e vindo sobre as nuvens do céu”

(Mt 26,64). A parte final da resposta de Jesus parece usar um paralelismo profético: Eu

continuava contemplando, nas minhas visões noturnas, quando notei, vindo sobre as nuvens do

céu, um como Filho de Homem. E ele adiantou-se até o Ancião e foi introduzido à sua presença

(Dn 7,13). E, a partir deste momento, Jesus é visto como um blasfemo, e a punição para este

delito na Torá era a pena de morte: Aquele que blasfemar o nome do SENHOR deverá morrer, e

toda a comunidade o apedrejará. Quer seja estrangeiro ou natural, morrerá, caso blasfeme o

Nome (Lv 24,16; Mt 26,66).

No Evangelho segundo Marcos, ocorre o uso da ideia de Sl 110,1, por três vezes, sendo

que duas estarão nos ditos de Jesus e uma será uma narrativa.

Na primeira citação do Salmo 110, o hagiógrafo parece também querer mais uma vez

demonstrar que Jesus é o Cristo, o Messias, afirmando que Jesus é o SENHOR ao usar o termo

grego (ku,rioj). Assim, Jesus toma uma posição acima de Davi. É interessante perceber ainda

2 BROWN et alii, Novo Comentário Bíblico de São Jerônimo; Novo Testamento e artigos

sistemáticos, p. 201.

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que o hagiógrafo do Evangelho segundo Marcos, ao colocar este discurso de Jesus no Templo,

parece querer afirmar que o autor do Salmo 110 foi o rei Davi:3

E prosseguiu Jesus ensinando no Templo, dizendo: “Como podem os escribas dizer que o Messias é filho

de Davi? O próprio Davi disse, pelo Espírito Santo: O Senhor disse ao meu Senhor: Senta-te à minha

direita até que eu ponha teus inimigos debaixo dos teus pés. O próprio Davi o chama Senhor; como pode,

então, ser seu filho?” E a numerosa multidão o escutava com prazer! (Mc 12,35-37).

Na segunda citação do Salmo 110 no Evangelho segundo Marcos, Jesus está sendo

condenado pelo Sinédrio como ocorre em Mt 26,64. Ele é questionado pelo sumo sacerdote: És

tu o Messias, o Filho do Deus Bendito? (Mc 14,61). E Jesus usa agora uma nova terminologia

quando diz: Eu sou, onde parece desvendar radicalmente o mistério deste personagem de Sl

110,1, ao fazer talvez aqui um paralelismo com o livro da Torá no momento em que o Senhor

revela-se a Moisés: Disse Deus a Moisés: “Eu sou aquele que é”. Disse mais: “Assim dirás aos

israelitas: Eu sou me enviou até vós” (Ex 3,14). E, no momento em que Jesus se autointitula

SENHOR, é condenado à morte por blasfêmia como em Mt 26,61.

Na terceira citação do Salmo 110 no Evangelho segundo Marcos, acontece a narrativa da

ascensão de Jesus após sua ressurreição, onde será acolhido em um lugar de glória e de honra à

direita de Deus no céu. Mais uma vez o hagiógrafo usa o Sl 110,1c: Ora, o Senhor Jesus, depois

de lhe ter falado, foi arrebatado ao céu e sentou-se à direita de Deus (Mc 16,19).

O Evangelho segundo Lucas por duas vezes também acolherá Sl 110,1 em seus escritos.

Na primeira citação do Salmo 110, Jesus afirma mais uma vez como nos Evangelhos segundo

Mateus e Marcos que este descendente não é somente filho, mas é o SENHOR de Davi:4 Disse-

lhes então: “Como pode dizer que o Cristo é filho de Davi? Se o próprio Davi diz no Livro dos

Salmos: O Senhor disse ao meu Senhor: Senta-te à minha direita, até que eu ponha teus inimigos

como escabelo para teus pés. Davi, portanto, o chama Senhor; então, como pode ser seu filho?”

(Lc 20,41-44).

A segunda citação do Salmo 110 no Evangelho segundo Lucas, mais uma vez como em

Mt 26,64 e Mc 14,62, mostra Jesus diante de todos os membros do Sinédrio diferente dos demais

3 BROWN et alii, Novo Comentário Bíblico de São Jerônimo; Novo Testamento e artigos

sistemáticos, p. 117. 4 BROWN et alii, Novo Comentário Bíblico de São Jerônimo; Novo Testamento e artigos

sistemáticos, p. 293.

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relatos dos sinóticos. É que este relato acontece pela manhã, não há falsas testemunhas e nem

acusação de que Jesus disse que destruiria o Templo. Desta vez não é ressaltada somente a figura

do sumo sacerdote, mas também o conselho dos anciãos do povo e dos escribas. Parece que

Lucas quer mostrar que Jesus foi julgado por Israel:5 “Se tu és o Cristo, dize-nos!” Ele

respondeu: “Se eu vos disser, não acreditareis, e, se eu vos interrogar, não respondereis. Mas,

doravante, o Filho do Homem estará sentado à direita do poder de Deus!” (Lc 22,67-69).

Com a verificação das ocorrências de Sl 110,1 nos Evangelhos Sinóticos, podemos

perceber sua grande importância pelo fato de aparecerem nos momentos mais importantes da

vida de Jesus, sua Paixão e Ressurreição, dando a este Salmo um lugar de destaque. Nos

Evangelhos Sinóticos, ele parece ter sua finalidade única e a sua plena compreensão na pessoa de

Jesus. Sl 110,1 usado nos Evangelhos Sinóticos talvez queira demonstrar ao ouvinte leitor o que

o SENHOR fará com aqueles que possuem o poder de governar, e dar a pena de morte aos

inocentes: O Senhor está à tua direita; destroçou reis no dia de sua ira (Sl 110,5). É interessante

perceber que o Salmo 110 não ocorre no Evangelho segundo João.

O livro dos Atos dos Apóstolos por cinco vezes também fará uso de Sl 110,1. Parece que

o hagiógrafo quer demonstrar a realeza de Jesus. A primeira e a segunda citação do Salmo 110 se

encontram dentro de um discurso feito por Pedro à multidão, afirmando que Jesus foi exaltado à

direita de Deus. Talvez isto possa indicar a ideia usada pelo orante de Sl 110,1c. A segunda

citação do Salmo 110 afirma que este Jesus não é somente o Cristo (cristo,j), mas é o Senhor

(ku,rioj):

Portanto, exaltado pela direita de Deus, ele recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e o derramou, e é

isto o que vedes e ouvis. Pois Davi, que não subiu aos céus, afirma: “Disse o Senhor ao meu Senhor:

Senta-te à minha direita, até que eu faça de teus inimigos um estrado para teus pés”. Saiba toda a casa de

Israel: Deus o constituiu Senhor e Cristo, este Jesus a quem vós crucificastes (At 2,33-36).

Na terceira citação do Salmo 110, parece voltar o cenário da condenação de Jesus

apresentada pelos Evangelhos Sinóticos, pois o relato acontece novamente no Sinédrio, na

presença do sumo sacerdote que prendeu Pedro e os apóstolos. Este afirma outros dois novos

aspectos da pessoa de Jesus: ele é Salvador (swth,r) e pode remir (a;fesij) os pecados. Mas, ao

5 BROWN et alii, Novo Comentário Bíblico de São Jerônimo; Novo Testamento e artigos

sistemáticos, p. 301.

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escutarem este discurso, quiseram matá-los como fizeram com Jesus: “Deus, porém, o exaltou

com a sua direita, fazendo-o chefe e salvador, a fim de conceder a Israel o arrependimento e a

remissão dos pecados. Nós somos testemunhas destas coisas, nós e o Espírito Santo, que Deus

concedeu aos que lhe obedecem”. Ouvindo isso, eles tremiam de raiva e pretendiam matá-los

(At 5,31-33).

Na quarto e na quinta citação do Salmo 110, estamos no momento do martírio de

Estêvão, que será apedrejado. O hagiógrafo identifica o lugar da glória (do,xa) de Deus nos céus

com Jesus, e não no Templo feito por mãos humanas,6 usando Sl 110,1: Estevão, porém, cheio

do Espírito Santo, fitou os olhos no céu e viu a glória de Deus, e Jesus, de pé, à direita de Deus.

E disse: “Eu vejo os céus abertos, e o Filho do Homem, de pé, à direita de Deus” (At 7,55-56).

O estar de pé pode aqui representar que ele recebe o seu mártir ou sua intercessão por seu

confessor ou ainda o exercício do juízo sobre os judeus que o recusaram.7

O Apóstolo dos gentios, Paulo de Tarso também por seis vezes fará uso do texto do

Salmo 110 em suas Cartas. Na primeira citação do Salmo 110, Paulo coloca o ouvinte-leitor

diante do poder de Jesus que intercede junto a Deus pelo povo. Ao citar Sl 110,1c, mostra seu

lugar de honra e glória junto de Deus, de onde pode interceder. Paulo talvez aqui faça alusão à

ideia do sacerdócio de Jesus8 ao trazer o termo interceder (evntugca,nw): Quem condenará?

Cristo Jesus, aquele que morreu, ou melhor, que ressuscitou aquele que está à direita de Deus e

que intercede por nós? (Rm 8,34).

A segunda e a terceira citação do Salmo 110 estão unidas. Paulo afirma quais serão os

inimigos que estarão debaixo dos pés de Jesus, e agora dá um nome ao inimigo misterioso de Sl

110,1d-e, personificando9 assim a Morte (qa,natoj), último inimigo a ser vencido por Jesus:

Pois é preciso que ele reine, até que tenha posto todos os seus inimigos debaixo dos seus pés. O último

inimigo a ser destruído será a Morte, pois tudo pôs debaixo dos pés dele. Mas, quando ele disser: “Tudo

está submetido”, evidentemente excluir-se-á aquele que tudo lhe submeteu. E, quando todas as coisas lhe

6 BROWN et alii, Novo Comentário Bíblico de São Jerônimo; Novo Testamento e artigos

sistemáticos, p. 348. 7 BROWN et alii, Novo Comentário Bíblico de São Jerônimo; Novo Testamento e artigos

sistemáticos, p. 348. 8 BROWN et alii, Novo Comentário Bíblico de São Jerônimo; Novo Testamento e artigos

sistemáticos, p. 565. 9 BROWN et alii, Novo Comentário Bíblico de São Jerônimo; Novo Testamento e artigos

sistemáticos, p. 481.

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tiverem sido submetidas, então o próprio Filho se submeterá àquele que tudo lhe submeteu, para que Deus

seja tudo em todos (1Cor 15,25-28).

A quarta e quinta citação do Salmo 110 se encontram muito próximos. Paulo faz mais

uma vez um paralelismo com Sl 110,1, mostrando que este Jesus está acima de tudo (pa=n) o que

existe, sendo a cabeça da Igreja: Que ele fez operar em Cristo, ressuscitando dos mortos e

fazendo-o assentar à direita nos céus. Tudo ele pôs debaixo dos seus pés, e pôs, acima de tudo,

como Cabeça da Igreja (Ef 1,20.22).

Na sexta citação de Sl 110,1c, Paulo parece colocar uma condição à comunidade cristã de

Colossas para aqueles que ressuscitaram com Cristo, ou seja, aqueles que seguem o caminho de

Cristo, para que não se desviem, mas procurem as coisas do alto (a;nw), onde Cristo está em

lugar de destaque diante de Deus, onde ninguém pode estar, somente o personagem rezado pelo

orante de Sl 110,1 que Paulo identifica como Jesus, sendo aquele que cumpre todas as promessas

messiânicas:10

Se, pois, ressuscitastes com Cristo, procurai as coisas do alto, onde Cristo está

sentado à direita de Deus (Cl 3,1).

Podemos, neste momento, verificar a Carta aos Hebreus, que possui catorze ocorrências

do Salmo 110, sendo, assim, o livro neotestamentário que mais cita este Salmo.

Na primeira citação de Sl 110,1c, o hagiógrafo da Carta aos Hebreus parece identificar

aquele que se assenta à direita, é igual em substância a Deus, mostrando assim a sua origem,11

sustenta o universo com o poder de sua palavra e, além de purificar (kaqarismo,j) dos pecados,

possui um lugar ao lado da Majestade: É ele o resplendor de sua glória e a expressão de sua

substância; sustenta o universo com o poder de sua palavra; depois de ter realizado a

purificação dos pecados, sentou-se à direita da Majestade (Hb 1,3).

Na segunda citação do Salmo 110, o hagiógrafo parece fazer uma comparação do poder

de Jesus e de sua superioridade ante os seres espirituais, os anjos. O hagiógrafo usa de uma

pergunta retórica12

para fazer um confronto argumentativo: A qual dos anjos disse ele jamais:

“Senta-te à minha direita, até que eu reduza teus inimigos a escabelo do teus pés?” (Hb 1,13).

10

BROWN et alii, Novo Comentário Bíblico de São Jerônimo; Novo Testamento e artigos

sistemáticos, p. 615. 11

MANZI, Lettera agli Ebrei, p. 29. 12

MARCHESELLI, Lettera agli Ebrei, p. 135.

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Na terceira e quarta citação do Salmo 110, o hagiógrafo fará uso da segunda estrofe do

Salmo, o juramento do SENHOR, e agora afirmará que o sumo sacerdote ao modo de Melquisedec

(Melcise,dek), personagem que ocorre oito vezes na Carta aos Hebreus (Hb 5,6.10; 6,20;

7,1.10.11.15.17), é identificado como sendo Jesus Cristo. A salvação que Jesus traz a seus

seguidores é eterna porque se baseia em seu sacerdócio eterno.13

Conforme diz ainda, em outra

passagem: Tu és sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedec. Tendo recebido de

Deus o título de sumo sacerdote, segundo a ordem de Melquisedec (Hb 5,6.10). O hagiógrafo da

Hb 5,10 faz uma descoberta extremamente importante, porque reconhece o mistério pascal de

Cristo e o cumprimento do culto sacerdotal, parte essencial do AT.14

Na quinta citação do Salmo 110, o hagiógrafo da Carta aos Hebreus continua a insistir na

pessoa de Jesus como sumo sacerdote ao modo de Melquisedec. O hagiógrafo parece, dessa

maneira, recordar o lugar sagrado do Templo de Jerusalém chamado de Santo dos Santos, no

qual somente o sumo sacerdote possui autoridade e dignidade de entrar uma vez por ano para

expiar os pecados do povo. Mas agora Jesus entra em um templo onde nenhum outro sumo

sacerdote colocou seus pés. Com sua morte e ressurreição, tem acesso à presença de Deus e

agora abre um caminho novo para nós:15

Onde Jesus entrou por nós, como precursor, feito sumo

sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec (Hb 6,20).

Da sexta à décima citação do Salmo 110, o hagiógrafo da Carta aos Hebreus fará uso do

v. 4 em seu discurso argumentativo e retórico para provar aos seus ouvintes que Jesus é o sumo

sacerdote rezado pelo orante de Sl 110,4. Na sexta citação do Salmo 110, o hagiógrafo usa de um

artifício retórico, e por que não exegético, que retorna ao AT para fundamentar sua afirmação

sobre o sacerdócio eterno de Jesus, sacerdócio que no AT era instrumento pelo qual a Lei deveria

atingir sua finalidade: a união do povo com Deus:16

Portanto, se a perfeição fora atingida pelo

sacerdócio levítico, pois é nele que se apoia a Lei dada ao povo, que necessidade haveria de

outro sacerdote, segundo a ordem de Melquisedec, e não “segundo a ordem de Aarão”? (Hb

7,11). Na sétima citação do Salmo 110, mais uma vez se recorda a figura de Melquisedec. Agora

a argumentação do hagiógrafo da Carta aos Hebreus, usando Sl 110,4, dirá que existe outro

13

BROWN et alii, Novo Comentário Bíblico de São Jerônimo; Novo Testamento e artigos

sistemáticos, p. 707. 14

VANHOYE, L’Epistola agli Ebrei, p. 110. 15

MANZI, Lettera agli Ebrei, p. 97. 16

BROWN et alii, Novo Comentário Bíblico de São Jerônimo; Novo Testamento e artigos

sistemáticos, p. 713.

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sacerdote semelhante a Melquisedec, ab-rogando a prescrição anterior ao considerá-la fraca e

sem proveito. Dessa forma, o hagiógrafo quer dizer que o sacerdócio de Jesus suplantou a dos

levitas:17

Pois diz o testemunho: “Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de

Melquisedec” (Hb 7,17).

Da oitava à décima citação do Salmo 110, continuando a argumentação do hagiógrafo da

Carta aos Hebreus, parte-se do seguinte pressuposto: o sacerdócio de Jesus é superior àquele dos

sacerdotes do AT porque foi confirmado pelo juramento de Deus18

em Sl 110,4, acentuando a

instituição de um novo sacerdócio.19

O sacerdócio de Jesus, por exercer uma salvação eterna, se

torna perfeito.20

O hagiógrafo apresenta Jesus como o sacerdote perfeito para sempre,

diferentemente do sacerdócio do AT, pois o SENHOR consagra seu Filho antes da Lei, mostrando

assim sua origem divina:

Para ele, porém, houve um juramento daquele que disse ao seu respeito: “O Senhor jurou e não se

arrependerá: Tu és sacerdote para sempre. Neste sentido é que Jesus se tornou garantia de uma aliança

melhor”. Ele, porém, visto que permanece para eternidade, possui um sacerdócio imutável. Por isso é

capaz de salvar totalmente aqueles que, por meio dele, se aproximam de Deus, visto que ele vive para

sempre para interceder por eles. A Lei, com efeito, estabeleceu sumos sacerdotes sujeitos à fraqueza. A

palavra do juramento, porém, posterior à Lei, estabeleceu o Filho, tornando-o perfeito para sempre (Hb

7,21-22.24-25.28).

Podemos agora verificar algo novo na Carta aos Hebreus. Nesta décima primeira citação

do Salmo 110, na qual o hagiógrafo define o que é mais importante (Kefa,laion) em toda sua

exposição, coloca no centro do seu discurso argumentativo Sl 110,1c, afirmando mais uma vez

que Jesus é o sacerdote que o SENHOR esperava: O tema mais importante da nossa exposição é

este: temos tal sacerdote que se assentou à direita do trono da Majestade nos céus (Hb 8,1).

Na décima segunda e décima terceira citação do Salmo 110, o hagiógrafo parece mostrar

que o sacerdócio de Jesus difere dos sacerdotes do AT, que exerciam de pé seus sacrifícios

constantemente repetidos. Jesus, por sua vez, estando sentado, demonstraria não somente sua

17

BROWN et alii, Novo Comentário Bíblico de São Jerônimo; Novo Testamento e artigos

sistemáticos, p. 713. 18

BROWN et alii, Novo Comentário Bíblico de São Jerônimo; Novo Testamento e artigos

sistemáticos, p. 714. 19

MARCHESELLI, Lettera agli Ebrei, p. 331. 20

MARCHESELLI, Lettera agli Ebrei, p. 331.

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realeza, mas também que a obra sacrifical do próprio Jesus acabou? Talvez seja isso que o

hagiógrafo queira dizer ao citar Sl 110,1: Ele, ao contrário. Depois de ter oferecido um sacrifício

único pelos pecados, sentou-se para sempre à direita de Deus. E então espera que seus inimigos

venham a lhe servir de escabelo para os pés (Hb 10,12-13).

Na décima quarta citação do Salmo 110 da Carta aos Hebreus, o hagiógrafo parece querer

a partir do AT dar uma continuidade à aliança de Deus com o homem através de Jesus, sendo ele

o consumador da mesma, quando cita Sl 110,1c: Com os olhos fixos naquele que é o iniciador e

consumador da fé, Jesus, que em vez da alegria que lhe foi proposta, sofreu a cruz, desprezando

a vergonha, e se assentou à direita do trono de Deus (Hb 12,2).

Verificando as catorze citações do Salmo 110 na Carta aos Hebreus, podemos perceber a

riqueza aqui mostrada pelo hagiógrafo, sendo ele o primeiro a refletir no Salmo 110 a figura não

só da glória do Filho de Deus, mas sendo o único lugar onde Jesus é encontrado como sumo e

eterno sacerdote glorioso. O hagiógrafo da Carta aos Hebreus parece iniciar um longo discurso

exegético para demonstrar a unidade do AT com o NT não somente pelas promessas cumpridas

no NT, mas porque em ambos Deus possui o mesmo plano de salvação.

Temos a última citação do Salmo 110 no NT, que parece aludir não somente à ascensão

de Jesus, mas parece voltar à sua casa, que está acima de todo poder e criatura, seja ela terrena ou

celestial, onde tudo está subjulgado (upota,ssw) a Jesus: Que, tendo subido ao céu, está à

direita de Deus, estando-lhe sujeito anjos, as Dominações e as Potestades (1Pd 3,22).

Pesquisando e analisando todos os termos usados no Salmo 110 no AT e no NT, temos

agora uma impressão mais profunda de sua importância literária, histórico-cultural e religioso-

espiritual na vida do povo de Israel, tanto o antigo quanto o novo.

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