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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Daniela Barros Mendes A constituição do professor que trabalha com literatura infantojuvenil: um estudo na perspectiva de Henri Wallon MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO SÃO PAULO 2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Daniela Barros Mendes

A constituição do professor que trabalha com litera tura

infantojuvenil: um estudo na perspectiva de Henri W allon

MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

SÃO PAULO

2012

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Daniela Barros Mendes

A constituição do professor que trabalha com literatura infantojuvenil: um

estudo na perspectiva de Henri Wallon

MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como

exigência parcial para a obtenção do título de Mestre

em Educação: Psicologia da Educação, sob

orientação da Profa. Doutora Laurinda Ramalho de

Almeida.

SÃO PAULO

2012

Banca Examinadora

________________________________

________________________________

________________________________

Dedico este trabalho ao meu esposo, Emerson, pelo companheirismo, amor,

compreensão, cuidado e apoio em todos os momentos.

A Ana Laura, que é a nossa alegria e que chegou junto com essa grande conquista.

AGRADECIMENTOS

Ao meu esposo pelo apoio e pelo incentivo.

À Professora Doutora Laurinda Ramalho de Almeida, minha orientadora, que me

acolheu desde o nosso primeiro encontro, me incentivou, respeitou meus desejos e

muito me ensinou.

Aos Professores Doutores Mitsuko A. M. Antunes e José Roberto Montes Heloani

por participarem da banca examinadora, pelas sugestões e pelas ricas lições de

sabedoria no exame de qualificação.

À Professora que participou desta pesquisa, à direção e coordenação pedagógica da

escola pela oportunidade de realizar este trabalho.

Aos meus avós maternos, João (in memoriam) e Eunice, meus “pais” e meus

amores, pessoas inesquecíveis e fundamentais em minha vida, pois mesmo sem

terem estudado tinham grande sabedoria.

À minha mãe, pelo seu carinho na infância e por ter me incentivado a gostar ainda

mais de histórias.

Aos meus cunhados, Elisangela e Rafael, e à minha sogra, Evanir, que

demonstraram o quanto é importante ter o apoio da família para realização de

nossas metas.

À minha tia Bene por ter me incentivado a ler e estudar.

Aos meus tios, Luís Antônio e Marina, que tiveram um papel muito importante na

minha formação como pessoa. Por serem professores me incentivaram a ser uma

profissional comprometida com o trabalho.

Aos colegas de mestrado por compartilharem ideias, incertezas e conquistas.

Aos Professores do curso, em especial a Vera Maria de Souza Placco que foi o meu

primeiro contato na PUC, me recebeu muito bem, me respeitou e contribuiu muito

com o meu aprendizado.

À Professora Doutora Juliana Silva Loyola do Programa de Pós-Graduação

Literatura e Crítica Literária (PUC-SP) pela atenção e por ter me indicado alguns

livros no início desta pesquisa.

À Maria Luiza, uma pessoa maravilhosa, com quem pude compartilhar momentos de

alegrias, angústias e dúvidas.

À Thais que contribuiu para que esta pesquisa fosse realizada e demonstrou ser

uma pessoa muito solidária e amiga.

Aos colegas do projeto de pesquisa, em especial a Andrea J. P. Mollica que me

apontou alguns caminhos, a Lilian Corrêia Pessôa que além de ter me incentivado,

me ajudou na finalização deste trabalho e a Fátima Bissoto M. Cintra que fez a

revisão deste trabalho com muita disposição e competência apesar do tempo

reduzido.

Ao Edson Aguiar por sua atenção e competência.

Ao amigo e professor Doutor Clínio Jorge de Souza por ter contribuído com algumas

sugestões.

Aos meus colegas de trabalho que sempre foram muito solícitos e companheiros,

em especial a Vivian Pistelli por ter contribuído com o abstract.

À equipe gestora do colégio pela colaboração e compreensão.

Ao coordenador pedagógico, João Carlos, pela compreensão quanto à minha

ausência nas reuniões pedagógicas por conta das aulas do mestrado. Uma pessoa

muito especial por ser um modelo em minha vida, que além de gestor foi meu

professor no Ensino Fundamental II, me incentivou a gostar ainda mais de literatura

e demonstrou que é possível inovar na área educacional mesmo com poucos

recursos.

A todos os ex-professores que me marcaram positivamente e me encorajaram a

chegar até aqui.

Aos alunos e ex-alunos (Ensino Fundamental e Superior) que me constituíram como

professora e como pessoa.

À equipe da escola que possibilitou a minha pesquisa, em especial à professora do

5º ano que compartilhou a sua história de vida.

À minha amiga Bianca, que sempre esteve ao meu lado, me incentivando a seguir

novos caminhos.

À Deus pela graça inspiradora e por ter me abençoado durante toda a minha vida.

À Capes pelo parcial apoio financeiro.

MENDES, Daniela Barros. A constituição do professor que trabalha com literatura

infantojuvenil, um estudo na perspectiva de Henri Wallon.

RESUMO

O objetivo desta pesquisa foi compreender, priorizando a dimensão afetiva, como o

professor que trabalha com literatura infantojuvenil se constitui, considerando que

para Wallon - referente teórico para este estudo -) a dimensão afetiva, integrada às

dimensões cognitiva e motora, é constitutiva da pessoa. A pesquisa teve uma

abordagem qualitativa e, para a produção de informações, foi realizada uma

entrevista com perguntas direcionadas, e que se caracterizou como narrativa

autobiográfica, já que a professora do quinto ano do Ensino Fundamental I conta a

sua história de vida, desde a sua infância até os dias atuais. As informações

produzidas foram organizadas em um quadro para facilitar a análise e discussão.

Após essa etapa foram levantados seis eixos: convivência com o meio escolar;

professores marcantes; o brincar; contato com os livros; solidariedade; e o papel do

outro na atuação docente. Este estudo apontou que a afetividade interfere nas

relações em sala de aula e que o outro (alunos, ex-professores ou o autor da obra

literária) contribui para a constituição do professor de literatura.

Palavras-chave: dimensão afetiva, literatura infantojuvenil, formação de

professores, Henri Wallon.

MENDES, Daniela Barros. A constituição do professor que trabalha com literatura

infantojuvenil, um estudo na perspectiva de Henri Wallon.

ABSTRACT

The objective of this research was to comprehend, by prioritizing the affective

dimension, how the teacher that works with children's literature constitutes himself,

considering that to Wallon (theoretical reference for the present study) the affective

dimension integrated with the cognitive and motor dimension constitutes the person.

The research had a qualitative approach and in order to gather information an

interview with directed questions was held, such interview was characterized as an

autobiographical narrative since the fifth grade teacher tells the story of her life from

her childhood to present day. The pieces of information were organized in a chart to

facilitate the analysis and discussion. Right after this stage six main points were

raised: living in the school environment; remarkable teachers; playing around;

contact with books; solidarity and the role of other people influencing the teacher's

work. The present study showed that affection influences in classroom relationships

and that the other person (students, former teachers or the author of the literary

work) contributes to the formation of the literature teacher.

Key words: Affective dimension. Children's literature. Teacher formation. Henri

Wallon

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 12

CAPÍTULO 1. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO.............. ................................. 20

1.1 Objetivo do Estudo ............................................................................................. 24

1.2 O percurso metodológico ................................................................................... 27

CAPÍTULO 2. REVISÃO DE LITERATURA ................ .......................................... 30 2.1 A literatura infantojuvenil no Brasil: breve histórico.............................................31

2.2 Monteiro Lobato: incentivador da literatura infantojuvenil no Brasil ...................36

2.3 O que a literatura revela sobre as obras infanto-juvenis na escola ................... 40

2.4 Representações do professor comprometido: o que dizem os estudiosos da área

de educação ............................................................................................................. 43

CAPÍTULO 3 TEORIA PSICOGENÉTICA DE HENRI WALLON . ......................... 45

3.1 Integração funcional ........................................................................................... 46

3.1.1 Afetividade: emoção, sentimentos e paixão .................................................... 48

3.1.2 Ato motor ......................................................................................................... 51

3.1.3 Conhecimento ................................................................................................. 52

3.1.4 Pessoa ............................................................................................................. 52

3.2 O papel dos meios e dos grupos na constituição da pessoa ............................. 53

3.3 A questão do outro na constituição da pessoa .................................................. 55

4. ANÁLISE E DISCUSSÃO ............................ ........................................................ 57

4.1 Convivência com o meio escolar....................................................................... 58

4.2 Professores marcantes ....................................................................................... 59

4.3 O brincar ............................................................................................................. 62

4. 4 Contato com os livros .........................................................................................63

4.5 Solidariedade ...................................................................................................... 67

4.6 O papel do outro na atuação docente ............................................................... 68

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................. ....................................................... 75

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................ ................................................ 79

APÊNDICES ............................................................................................................. 85

A formação psicológica dos professores não pode ficar limitada aos livros. Deve ter

uma referência perpétua nas experiências pedagógicas que eles próprios podem

pessoalmente realizar.

Henri Wallon

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Introdução

Que coisa é o livro? Que contém na sua frágil arquitetura aparente? São palavras, apenas, ou é a nua exposição de uma alma confidente? De que lenho brotou? Que nobre instinto da prensa fez surgir esta obra de arte que vive junto a nós, sente o que sinto e vai clareando o mundo em toda parte?

(DRUMMOND DE ANDRADE, C., 1973, p. 586)

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O objetivo deste estudo é compreender a constituição e atuação do professor

que trabalha com literatura infantojuvenil. Para esclarecer a escolha do problema de

pesquisa, será relatado um pouco de minha própria história de vida, pois o trajeto

percorrido está intrinsecamente ligado à minha formação acadêmica e atuação

profissional.

Foi na infância que começou o meu interesse pela literatura. Recordo-me do

quanto eu gostava de ouvir as histórias contadas pela minha mãe. Ao final, eu pedia

mais... Ao relembrar, percebo claramente o quanto de carinho havia naquele gesto,

sua voz transmitia segurança, companheirismo e atenção. Mesmo depois de um dia

atribulado, ela sempre arrumava tempo para esse momento.

Outra lembrança que me vem à memória é do contato com os livros

paradidáticos, aos dez anos de idade, quando cursava a 4ª série. Eu estudava em

uma escola pública, no interior de São Paulo, e a professora nos levou até a

biblioteca; recordo-me que fiquei parada, sem reação, por alguns minutos, até que

ela nos mostrou onde ficavam os livros que poderíamos pegar e nos informou que

quem quisesse poderia tomá-los emprestado. O fato de saber que eu poderia levar a

obra para a casa e ficar mais tempo com ela, animou-me muito, porque até essa

época só tinha tido contato com contos de fadas e livros curtos. A partir daquele

momento, comecei a ler obras infantojuvenis, e, logo em seguida, fiquei sócia da

biblioteca pública do município passando a ler cada vez mais.

Ao recordar esse episódio, veio à minha memória um outro, que me fez refletir

sobre algo que não havia pensado anteriormente. Essa professora que nos levou até

a biblioteca foi a mesma que me desmotivou a ler livros de Monteiro Lobato. Desde

os cinco anos eu assistia na televisão a série do Sítio do Pica-pau Amarelo. Saía da

escola de educação infantil correndo à frente do meu avô, tudo porque não queria

perder nem um pedaço da história... Quando vi que na lista de material da quarta

série constavam quatro títulos do autor, fiquei muito animada. A professora nos

informou que avisaria quando deveríamos começar a leitura, porém esse dia nunca

chegou. Iniciei a leitura de Reinações de Narizinho no dia em que ela disse que

quem quisesse poderia começar. Não sei o que aconteceu exatamente, no entanto,

não consegui ler mais do que vinte páginas; os outros exemplares nem cheguei a

ler. O interessante é que só li Reinações de Narizinho depois que me tornei

professora e, pensando sobre isso, acredito que não fui motivada, pois eu lia

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rapidamente outras obras. Hoje reflito o quanto é importante o compromisso do

professor quando solicita, por exemplo, a compra de um livro. Deve dar condições

para que os alunos leiam com interesse e de forma significativa a fim de contribuir

para que reflitam sobre a obra e conheçam melhor o autor. É o que procuro fazer

hoje como professora.

Ainda falando sobre a influência dos livros na infância, lembro-me que uma

das minhas tias era professora e me dava alguns exemplares de presente. Ela e

alguns poucos, mas significativos, professores contribuíram para que eu me

tornasse uma apaixonada pela literatura. Uma das cenas de que me recordo com

carinho foi quando um professor de inglês nos propôs o desafio de encenar a peça

Romeu e Julieta, na oitava série; adorei a experiência. Apresentamos somente para

a nossa turma, mas aquele momento foi muito especial para mim; o compromisso

em decorar as falas e o cuidado em escolher o figurino foram experiências

inesquecíveis, afinal, foi a minha primeira apresentação na escola. O interessante é

que, hoje, faço parte da equipe desse ex-professor de inglês, atualmente

coordenador pedagógico do colégio em que trabalho, e percebo claramente que até

hoje ele é um modelo para mim, pois eu o admirava como professor e hoje o admiro

como coordenador. Devo reconhecer que ainda me aperfeiçoo e melhoro a cada dia,

como professora, no entanto, algo que contribuiu para que esse avanço fosse

intenso é o fato de saber que posso contar com ele, pois percebo claramente que

sou respeitada como pessoa e como profissional, algo que nunca tinha sentido

antes. Afinal já havia trabalhado em outras três escolas e três emissoras de tevê e

não tenho boas recordações da maioria dos gestores.

Na minha infância, recordo-me que havia duas profissões que me fascinavam:

professor e repórter. Quando concluí o ensino fundamental, resolvi fazer magistério,

pois me identificava muito com a docência. Nessa época, eu era catequista em uma

comunidade perto da minha casa, função que comecei a exercer aos treze anos,

voluntariamente, e que me motivou a tornar-me professora. No primeiro ano de

magistério, tive uma experiência ruim: trabalhei um mês como estagiária em uma

escola pequena de educação infantil, só que não tive apoio da direção e resolvi sair.

Fiquei muito frustrada, pois percebia que naquele lugar não havia respeito com os

profissionais. Um dos alunos me chutava e a diretora não se importava com isso e

eu não conseguia administrar aquela situação, talvez por imaturidade ou por falta de

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experiência. Recordo-me o quanto fiquei magoada, pois não aceitava a minha falta

de habilidade e ficava pensando sobre o episódio. Comparando a experiência nessa

escola com os encontros com os catequizandos, percebia o quanto eu era dedicada,

habilidosa e o quanto me respeitavam. Como precisava trabalhar para me manter, já

que meu pai sempre reclamava por ter que pagar as minhas despesas básicas,

acabei me tornando estagiária em outras funções.

O interessante é que mesmo sem conhecer a teoria de Wallon1, que escolhi

para referencial teórico desta pesquisa, eu já levava em consideração muito do que

este autor defende, ou seja, tal teoria veio ao encontro de tudo aquilo que acredito

como profissional e como pessoa. Sempre respeitei o aluno e o considerei como um

ser integral, pois acredito que a afetividade influencia no aprendizado, seja de forma

positiva ou negativa. Ao recordar-me da época que fazia estágio, vem à minha

mente a atitude de uma professora que me incomodava muito, pois ela gritava com

os alunos e, certa vez, ela repetiu várias vezes para um deles “você é um burro”. Tal

cena demonstra o quanto essa professora desconsiderava a dimensão afetiva e

quanto desrespeitava aquele estudante. Isso deixou marcas em mim.

Quando cursava o último ano do magistério, em 1996, voltei para a área da

educação, algo que não imaginava que fosse acontecer. Consegui o tão sonhado

emprego, fui trabalhar em um colégio grande como auxiliar de classe. Na época,

trabalhava com alunos do antigo pré II e considero que foi uma experiência

maravilhosa, até hoje me lembro daquelas “carinhas” lindas. Nesse período,

“encontrei-me” como pessoa e como profissional, estava motivada, muito feliz e

sonhava em conquistar um emprego como docente naquela instituição. No fim

daquele ano, eu e outras colegas (auxiliares) recebemos a proposta da

coordenadora para preparar uma aula e recebemos a informação de que assim que

houvesse uma vaga, ela iria analisar o currículo e verificar a possibilidade de

contratar uma de nós. Fiquei muito ansiosa, porém nunca tive um retorno, nem sei

se uma daquelas auxiliares foi realmente contratada. Levei currículos a diversas

escolas, mas não obtive resposta positiva. Em determinado momento, percebi que

não havia boas expectativas para seguir em educação, e estava com muito medo de

não conseguir trabalho na área, já que as respostas que recebia eram negativas ou,

quando positivas, tratavam-se de subempregos nos quais receberia mensalmente 1 A teoria do autor será analisada no capítulo 3 quando abordaremos o referencial teórico.

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um valor menor do que um salário mínimo. Isso era inviável para quem precisava de

dinheiro para pagar o curso superior, uma vez que meus pais não iriam me ajudar;

minha mãe incentivava-me a fazer uma graduação, mas não podia me auxiliar

financeiramente e o meu pai nem se preocupava em contribuir para que eu tivesse

uma vida melhor futuramente. Mais uma vez fui surpreendida pelo destino, pois não

tive escolha e acabei trabalhando temporariamente como telefonista e recepcionista

de um laboratório. Então juntei certa quantia de dinheiro e prestei vestibular para

Comunicação Social com habilitação em jornalismo, retomando um dos meus

sonhos de infância: trabalhar como repórter e, para a minha alegria, no primeiro ano

da graduação, consegui emprego em um banco, o que me proporcionou maior

tranquilidade financeira. Mesmo fazendo Comunicação, eu sentia vontade de dar

aula, queria fazer Letras e exercer as duas profissões.

Quando me formei, fui trabalhar como repórter em uma tevê no sul de Minas

Gerais. Acabei prestando vestibular para pedagogia em uma universidade pública,

porém como não havia me preparado, não passei. Depois de um ano voltei para a

minha cidade natal e resolvi fazer especialização. Nesse período, tinha a intenção

de dar aula no ensino superior, e não descartara a possibilidade de fazer Letras, no

entanto a maioria das pessoas com quem eu tinha contato me desencorajava, dizia

que eu deveria fazer mestrado, só que naquela época era impossível fazer um curso

stricto sensu, já que eu trabalhava em uma emissora de televisão como repórter. Por

ser uma empresa pequena (afiliada) havia apenas uma equipe e, depois de um

tempo, duas para fazer reportagens no município e na região, então concluí que

jamais me liberariam alguns dias para estudar. Apesar do conflito interno, “faço ou

não outro curso superior”, resolvi fazer licenciatura em Letras (Português-Inglês) e

hoje considero que foi a melhor coisa que fiz, pois no fim de 2009, deixei o

jornalismo e retornei à docência. Em 2008 comecei a dar aula para alunos do ensino

médio, em um colégio particular e, em 2009, numa faculdade, funções que eu

conciliava com a tevê, porém chegou um momento em que mudei de empresa e

para exercer a função de repórter teria que mudar de cidade. Resolvi, então,

permanecer somente com o magistério, assim continuaria trabalhando na faculdade

e no colégio, e poderia cursar o mestrado, algo que aspirava há algum tempo.

Em 2010, comecei a trabalhar no colégio em que estou atualmente, que fica

no interior de São Paulo. Nessa escola, dou aula de Língua Portuguesa para o 5º

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ano (Fundamental 1) e 6º e 7º anos (Fundamental 2) e foi por meio dessa vivência

que percebi o quanto a minha atuação, em diferentes momentos, assemelhava-se

com a atuação de alguns daqueles com os quais convivi durante a vida, professores

e minhas três tios professores. Observei também que as decisões que tomava

revelavam a influência dessas pessoas sobre mim em diversos aspectos; um dos

exemplos é o retorno à docência, após quatorze anos.

Hoje, sinto-me realizada profissionalmente, pois tenho muito prazer em

trabalhar com as crianças, principalmente quando o assunto é literatura. Percebo,

claramente, que esses alunos contribuem para a minha constituição e, como

consequência, fazem com que repense e melhore a minha prática. Um dos

momentos mais significativos que reforçam a tese de que eu estava no caminho

certo deste estudo, foi quando uma menina do 5º ano fez um comentário sobre a

obra O Minotauro, de Monteiro Lobato. Fizemos um círculo para conversarmos sobre

o livro (como é de costume após a leitura de uma obra) e ela disse que a parte da

qual mais havia gostado fora o capítulo Labirinto de Creta e comentou que chorou

quando leu a parte em que Emília, Visconde e Pedrinho encontraram tia Nastácia

que estava desaparecida. Foi nesse momento que a mãe da menina entrou no

quarto e ficou surpresa em ver a filha chorando, então elas conversaram sobre o que

havia ocorrido. Por esse relato, podemos dizer o quanto a literatura afeta o leitor, ou

seja, o autor também é um outro significativo para quem lê as suas obras. Conclui-

se que não é possível dissociar qualquer um dos conjuntos funcionais2, pois nesse

caso os alunos estavam lendo um livro em que Monteiro Lobato transporta as

personagens do Sítio do Pica-pau Amarelo para a Grécia Antiga, o que possibilita ao

estudante o conhecimento da mitologia, ao mesmo tempo em que o afetivo está

presente.

Nessa mesma aula, enquanto eu conversava com os alunos do 5º ano, um

menino do 6º ano aproximou-se, ficou ouvindo por alguns minutos, colocou a mão no

meu ombro, deu um beijo no meu rosto e saiu. Relato esses fatos, porque ao

receber essa demonstração de carinho mais uma vez pensei no relacionamento

entre professor e aluno, pois acredito que é possível manter uma relação prazerosa

e produtiva, levando em consideração o afetivo, o motor e o cognitivo.

2 Conjuntos funcionais são: afetivo, motor, cognitivo (ou conhecimento) e pessoa. Posteriormente serão mencionados com mais detalhes.

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O trabalho ora apresentado parte do pressuposto de que os outros (alunos,

ex-professores, tios, pais...) contribuem para a atuação e constituição do professor

que trabalha com literatura infantojuvenil no ensino básico. As questões afetivas são

priorizadas nesta pesquisa, pois acredito que o afetivo é indispensável para dar

direções e energizar o cognitivo e o motor e que a literatura, principalmente a

infantojuvenil, tem na afetividade sua principal dimensão, inclusive de forma

vicariante (re-presentar, interiorizar os afetos presentes na narrativa). Ao priorizar o

professor, optei pela teoria de desenvolvimento de Henri Wallon por considerá-la

mais adequada para dar suporte teórico na compreensão do problema aqui

levantado.

A teoria walloniana tem como ponto principal a integração dos conjuntos

funcionais (afetividade, cognição, motricidade e pessoa) e a integração organismo-

meio. Assim ela possibilita o entendimento do indivíduo em sua totalidade,

compreendendo-o, não apenas do ponto de vista de um dos conjuntos, mas sim por

meio da integração constante entre eles, que resulta em uma pessoa única. O

estudo de Wallon valoriza também o ambiente no qual o indivíduo está inserido, pois

ambos influenciam-se de maneira recíproca, sendo esse elemento igualmente

importante no seu processo de desenvolvimento (MAHONEY e ALMEIDA, 2007)

Wallon pode oferecer subsídios para a compreensão das informações da

minha pesquisa, porque percebo que, ao ler os livros de aventura ou os clássicos

universais adaptados ou até mesmo conversar sobre a obra literária, é possível

observar nas crianças essa integração, pois se for algo interessante, elas se

envolvem. Na convivência com os alunos, podemos ver claramente o quanto a

leitura resulta em conhecimento e o quanto a manifestação dos sentimentos é visível

por meio de um sorriso, pelo envolvimento ou por comentários.

Para atender aos objetivos desta pesquisa, recorremos a outros teóricos

como Coelho (1973, 2000 e 2006), Lajolo (2008), Lajolo e Zilberman (1999),

Zilberman (1993 e 2003) e Cereja (2004 e 2005). Procurando compreender como se

constitui o professor de literatura infantojuvenil, creio que seja possível identificar as

necessidades desse profissional no que se refere à formação continuada.

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Alguns estudos recentes, Coelho (2000), Lajolo (2008), Zilberman (1993 e 2003)

e Cereja (2004 e 2005), entre outros, têm reforçado o que se discute, já há algum

tempo, sobre a importância de refletir a literatura e repensar a forma de ensiná-la.

Este trabalho está estruturado da seguinte maneira:

Capítulo 1 – Procedimento Metodológico. Nesta parte, são apresentadas as

escolhas feitas para a produção de informações, os participantes da pesquisa, os

passos seguidos para a realização da entrevista e o procedimento para a análise

das informações.

Capítulo 2 – Revisão da literatura. Primeiramente, há um breve histórico da

literatura infantil e juvenil no Brasil. Em seguida, apresento o que as obras revelam

sobre a literatura na escola. A ênfase é dada aos trabalhos que forneceram

embasamento para a elaboração do projeto de pesquisa. Nesse capítulo, será

mostrado também o que a literatura revela sobre o que seria um “bom” professor, ou

seja, o que foi constatado até agora sobre o comprometimento dos profissionais e

como seria a forma adequada ou sugerida por especialistas da área para se

trabalhar literatura infantojuvenil.

Capítulo 3 – Referencial teórico. Neste momento, trago alguns pontos da teoria

de desenvolvimento de Henri Wallon, os quais fundamentam a análise, tais como: a

integração organismo-meio, integração entre os conjuntos funcionais e o papel do

outro.

Capítulo 4. Análise e discussão. Apresenta a análise da entrevista de uma

professora à luz da teoria walloniana, dividida em eixos temáticos, tendo em vista o

objetivo deste estudo que consiste em observar o quanto o outro é e está presente

na atuação do professor que trabalha com literatura infantojuvenil e o quanto a

influenciam essas relações.

20

1 Procedimento metodológico. Retomando a

origem do problema para apresentar o delineamento da pesquisa

Compreender como se dá o desenvolvimento das funções do domínio do conhecimento e o papel do movimento e da afetividade para sabermos canalizá-las a favor do processo de aprendizagem é essencial para o desenvolvimento da atividade docente.

(PRANDINI In MAHONEY E ALMEIDA, 2004, p. 45)

21

Como já referido, o interesse pelo tema parte da minha atuação como

professora de literatura infantojuvenil em classes do 5º e 6º anos do Ensino

Fundamental I e II. Na prática docente, como professora de Língua Portuguesa,

pude perceber o quanto o assunto interessa por ser algo lúdico e também por fazer

com que os alunos reflitam sobre a sociedade em que vivem, principalmente após a

intervenção do professor. A leitura de obras direcionadas a esse público faz com que

as crianças reflitam sobre as mais diversas questões sociais e psicológicas, assim

sendo, contribui para que percebam as aflições, as limitações e os desejos das

personagens e façam uma relação com as suas vivências.

Desde que comecei a lecionar em um colégio particular no interior de São

Paulo, propus para as turmas que as aulas de leitura e os momentos de conversa

sobre o livro fossem no quiosque da escola, já que havia essa “abertura” por parte

da direção e da coordenação. Após a leitura das obras, nos reunimos em círculo, é

um momento para dialogarmos e fazermos relações com as nossas experiências de

vida em sociedade. Percebo que o dia da “conversa” é um dos momentos mais

esperados pelos grupos, principalmente pelos alunos do fundamental II, uma vez

que situações como essa são novidade para eles. Faço esse comentário porque

percebo que a partir do 6º ano existe uma tendência, por parte da maioria dos

professores, de tratá-los como “estudantes responsáveis”, assim sendo eles

precisam se organizar e cumprir todas as tarefas pelo fato de terem aula com

docentes especialistas. As aulas desafiadoras e motivadoras são praticamente

extintas pelo fato de não serem vistas como algo tão proveitoso perante o conteúdo

que deve ser repassado durante o ano letivo. Tenho a impressão de que essas

crianças, que gostam de ser chamadas de pré-adolescentes, sentem falta do lúdico

que tanto foi incentivado e incutido nas séries iniciais do ensino fundamental e que,

com o passar do tempo, deixou de ter importância no contexto escolar.

Nessa conversa, todos têm oportunidade de falar, destacar uma parte da

história ou dizer o que mais gostaram e eu, como professora, faço algumas

perguntas para o grupo sobre a obra de uma maneira bem descontraída, já que o

espaço proporciona essa interação. Ao fazer essas questões, proponho para a

classe algumas reflexões sobre a sociedade em que vivemos e percebo que essa

atividade proporciona um melhor entendimento da história, o que os atrai, porque

percebem algo realmente significativo.

22

A partir dessa vivência, surgiram-me muitas indagações no que tange à

questão da formação continuada e da atuação do docente. A interação entre

professor e aluno influencia a prática do docente que trabalha com literatura

infantojuvenil? Os ensinamentos passados nos cursos de licenciatura são suficientes

para a realização desse trabalho? De que maneira os sentimentos do professor

interferem na atuação? Compreender os sentimentos dos professores de literatura

seria importante para refletir sobre o papel da escola quanto à formação crítica do

leitor literário? Como se dá a constituição desse professor? Como o movimento

dessa constituição interfere em sua atuação?

No presente estudo não pretendo responder a todas essas perguntas,

particularmente, porém foi a partir da reflexão sobre elas que cheguei à delimitação

central do problema desta pesquisa. Desse modo, ao longo deste trabalho pretendo

responder às seguintes questões:

Como se dá a constituição do professor que trabalha com a literatura

infantojuvenil? Como o “outro” (alunos, ex-professores, professores, famílias)

contribui nesse para essa constituição? Como o “outro” - a obra literária - entra

nesse processo?

A teoria walloniana oferece recursos para compreender como esse

profissional se constitui nessa interação com os alunos, pois o professor afeta seus

alunos e é por eles afetado. Por esse motivo, o professor deve ser um observador

atento de seus alunos; levar em consideração o que comentam, como se

expressam, como se manifestam, pois essa atitude pode contribuir para que melhore

a sua atuação em classe. Dessa maneira, é possível dizer que o conhecimento não

vem somente dos cursos realizados e dos livros lidos, mas também resulta da

reflexão sobre a própria prática.

Ser professor na proposta de Henri Wallon implica também estar atento para uma observação: A formação psicológica dos professores não pode ficar limitada aos livros. Deve ter uma referência perpétua nas experiências pedagógicas que eles próprios podem pessoalmente realizar. (ALMEIDA, 2004, p. 138)

Almeida argumenta que para que o aluno adquira conhecimento, o professor

precisa atuar como um mediador e, por isso, podemos dizer que o docente é um

23

profissional das relações e a sala de aula é uma oficina de convivência. A autora

destaca a importância de o professor refletir sobre suas vivências e experimentá-las

no contato com os alunos, estabelecendo relações entre teoria e prática. Apesar da

importância da busca pelo conhecimento, a formação psicológica dos profissionais

da educação não pode ficar limitada aos livros. O professor deve conhecer as

teorias de desenvolvimento, de aprendizagem, de personalidade, mas, além disso,

precisa posicionar-se como um “investigador” do ser em desenvolvimento e de sua

prática pedagógica. Dessa forma, o conhecimento que adquire na prática volta para

enriquecer as teorias. Resumidamente, pode-se afirmar que psicologia e pedagogia,

em suas relações, beneficiam-se mutuamente. (ALMEIDA, 2009)

Diante da afirmação acima, podemos refletir o quanto a avaliação da prática é

importante para a constituição da pessoa do professor. A literatura infantojuvenil

pode contribuir para enriquecer essa prática, cabendo ressaltar a importância do

papel do docente. Almeida (2009) destaca que na relação professor-aluno, é o

professor quem acaba selecionando entre os saberes e os materiais de uma cultura

disponíveis em um determinado momento, acrescenta que é esse profissional que

tornará (ou não) esses saberes efetivamente transmissíveis, assim pode-se afirmar

que é ele que faz a aproximação do aluno com a cultura de sua época.

O docente comprometido trabalha a literatura infantojuvenil de forma

intencional, ou seja, ele define objetivos, prepara aulas, busca novas estratégias e

ouve os seus alunos. A forma como se ensina literatura pode variar, destacando que

é importante interagir com os alunos, mas observa-se, nas escolas, que muitos

professores exigem a leitura por parte das crianças ou adolescentes para que “esse

conhecimento” seja “devolvido” em avaliações, ou seja, não proporciona uma

reflexão sobre aquele livro e muito menos propõe questões para debate. Por ser um

método conteudista, acreditamos que essa prática impede que o aluno se

desenvolva e conheça mais sobre a sua sociedade.

Acredito que ao serem trabalhadas, adequadamente, as obras literárias

ampliam o conhecimento dos alunos e contribuem para que se estreite o vínculo

professor-aluno no ensino fundamental. Em minha prática docente, observei que ao

interagir com a classe, os alunos se dedicavam ainda mais durante as tarefas e a

literatura se tornava mais atrativa e reflexiva para o grupo.

24

Ao iniciar o mestrado percebi que a teoria de Henri Wallon poderia me ajudar nessa

discussão, já que ele defende a integração entre os conjuntos funcionais (cognitivo,

motor e afetivo). Tais dimensões estão vinculadas entre si, embora estejam em

constante movimento; “a cada configuração resultante, temos uma totalidade

responsável pelos comportamentos daquela pessoa, naquele momento, naquelas

circunstâncias” (MAHONEY, 2003, p.12).

1.1 Objetivo do Estudo

Este estudo propõe-se a investigar como ocorre a constituição do professor e

qual é o papel do outro nesse processo e, para isso, utiliza a narrativa

autobiográfica. Dessa maneira busca analisar, sob a perspectiva walloniana, a

trajetória desse profissional, os avanços, os retrocessos, suas inspirações e

modelos, fracassos e sucessos, na expectativa de poder contribuir para a melhoria

da prática de professores que trabalham com literatura infantojuvenil.

A autobiografia está inserida num contexto de formação de adultos, e é por

meio dos relatos de suas experiências que o participante da pesquisa traça o seu

itinerário, ação que permite compreender de forma clara as suas escolhas e

planejar o que irá fazer com mais autonomia, seja em sua vida profissional ou

pessoal.

Nesse sentido, pode-se afirmar que pensar sobre sua própria trajetória

contribui para a formação do professor, pois é por meio da narrativa que ele pode se

reapropriar de sua experiência de formação e se constituir como sujeito de sua

própria história.

Trata-se de utilizar a instância do discurso através do qual o indivíduo pode introduzir a sua experiência, e depois, através da análise, de nos colocarmos com ele no lugar de intérprete, para sublinharmos o distanciamento do texto em relação à experiência (não pode introduzir-se toda a experiência da formação numa narrativa), a natureza essencialmente comunicacional da língua e, por fim, o sentido da transformação principal pressuposta em toda a experiência de formação (CHENÉ, 1988, p. 90)

Neste estudo, optou-se pela autobiografia oral por entender que a experiência

de falar sobre si próprio produz uma narrativa sem uma perspectiva de linearidade

25

histórica, de montagem de um quebra-cabeça em que tempo histórico, social e

cultural são invocados e impregnados na singularidade da vida do sujeito que conta

o que lhe ocorreu. Quando entendida e desenvolvida como uma conversa, sem

amarras, é possível fazer uma relação com estudos do imaginário e da história de

vida, que privilegiam abordagens que retratam a dimensão simbólica das histórias

da profissão docente. O contato entre entrevistador e entrevistado permite perceber

o quanto esse instrumento é rico por possibilitar o acesso aos processos psíquicos,

que nos interessam como pesquisadores da psicologia da educação, que são:

sentimentos, emoções e cognições. Almeida (2012) afirma que afetar e ser afetado

vale tanto para o entrevistado como para o entrevistador.

Têm eles diferentes históricos em seu percurso de vida e chegam à situação de entrevista com diferentes perspectivas. É natural, pois, que no transcorrer da entrevista circulem emoções e sentimentos. Até porque, como todo encontro interpessoal, acontece um embate de subjetividades. (p. 19)

Cabe ressaltar que o termo grego é autobiographia, palavra composta por

auto: próprio; bios: vida e graphein: escrita. No dicionário, o termo quer dizer a vida

de um indivíduo escrita por ele mesmo. No dicionário de termos literários, Massaud

Moisés (2002) define a autobiografia “como um relato objetivo e completo de uma

existência, tendo ela própria como centro”, porém sabemos que o sentido é mais

completo do que podemos imaginar, já que se trata de um individuo único. Esse

gênero que até pouco tempo era restrito à literatura, hoje tem contribuído em

diversas áreas, principalmente na educação.

Este sentido determina claramente sua gênese, porém não a especifica como espécie unicamente literária. Ao contrário, amplia a sua possibilidade de existência nas mais variadas áreas de conhecimento: da antropologia à sociologia, da psicanálise à filosofia (RODRIGUES, 2007, p.19).

O método (auto) biográfico relaciona-se de forma expressiva com a

concepção de histórias de vida, defendem Pineau e Ferrarotti (1988). Segundo

Pineau, a história de vida é “um método de investigação-ação que procura estimular

26

a autoformação, na medida em que o esforço pessoal de explicitação de uma dada

trajetória de vida obriga a uma grande implicação e contribui para uma tomada de

consciência individual e colectiva” (apud NÓVOA, 1988).

Desse modo, o caminho percorrido por um indivíduo pode servir de referência

ou reflexão para outros, ou seja, “a união do mais pessoal com o mais universal,

segundo NÓVOA e FINGER (1988, p.14).

Há, porém, estudiosos que apresentam diferenciação entre a narrativa

autobiográfica e a história de vida feita especificamente para uma determinada

pesquisa; Josso (2004, p.31) ressalta:

Notar esta diferença é salientar que as histórias de vida postas ao serviço de um projeto são necessariamente adaptadas à perspectiva definida pelo projeto no qual elas se inserem, enquanto que as histórias de vida, no verdadeiro sentido do termo, abarcam a globalidade da vida em todos os seus aspectos, em todas as suas dimensões passadas, presentes e futuras e na sua dinâmica própria.

Independentemente da terminologia, esta perspectiva de investigação

manifesta uma possibilidade de recorrer à memória que, por meio da narrativa,

articula a subjetividade, as escolhas feitas pelo indivíduo e também os processos de

desenvolvimento da pessoa (professor).

Pereira (2000) aponta a memória como uma contribuição para se

compreender os processos de formação do docente (em tempos e espaços

distintos) ou de como as pessoas se tornaram os professores que são hoje. Perante

questionamentos como esses, trabalhar com a memória tem sido um exercício de

implicar-se também, o que possibilita que o sujeito revisite as imagens, as

representações construídas por quem pesquisa conjuntamente com quem está

sendo pesquisado.

Cabe ressaltar que a memória é um suporte importante na reconstrução das

experiências vividas e, no caso de profissionais da educação, pode se tornar

alicerce de uma formação contínua. Segundo Placco e Souza (2006) revisitar a

memória traz oportunidades para novas interpretações e construção do

conhecimento.

27

Os processos de formação do indivíduo ocorrem em lugares/tempos

diferentes, tendo a memória um trabalho essencial na reconstrução dos referenciais

que se configuram na narrativa autobiográfica que pode ser caracterizada por

narrativa de formação, já que possibilita mudanças significativas no sujeito a partir

do contato consigo mesmo.

Nessa perspectiva, as histórias da infância e dos processos de escolarização

são revisitados na tentativa de buscar as referências construídas, nas quais há

recursos experienciais e representações sobre escolhas, influências, modelos,

preferências e estilos, o que possibilita a reflexão sobre quem é esse professor hoje,

algo que o singulariza como pessoa (OLIVEIRA, 2006). Revisitar o passado e

reconstruir essas imagens com a perspectiva de problematização pode ser algo

muito significativo.

O reconhecimento da potencialidade educativa da autobiografia apoia-se na

tentativa de propor uma reflexão favorecida pela reconstituição da história individual

de relações e experiências (com o conhecimento, a leitura, a escrita e a escola), as

quais permitem reinterpretações férteis do próprio sujeito, dos processos e práticas

de ensinar. Michel Pollark (apud CATANI, 1997) defende que as histórias de vida

nas ciências sociais servem de “instrumentos de reconstrução da identidade e não

apenas como relatos factuais” e comenta também que a narração ordena

acontecimentos que balizaram uma existência e que ao contar a vida, de uma forma

geral, o indivíduo tenta estabelecer certa coerência por meio de laços lógicos entre

acontecimentos significativos com continuidade, resultante da ordenação

cronológica.

1.2 O percurso metodológico. Caracterização da esco la e da professora

selecionada

A pesquisa foi realizada em uma escola particular, mais especificamente uma

instituição religiosa, localizada na Zona Sul da cidade de São Paulo (SP), com 1300

alunos e 103 professores. A escola atende alunos da classe média alta; sendo que a

maioria deles mora na região.

28

A entrevistada foi uma professora do 5º ano do Ensino Fundamental I, formada

em Pedagogia e História, com especialização em Psicopedagogia, tendo

anteriormente cursado magistério (nível técnico). Ela foi indicada pela direção do

colégio por realizar um trabalho muito significativo de literatura infantojuvenil. A

entrevista foi gravada, transcrita e posteriormente analisada.

A entrevista foi agendada por intermédio de uma colega que trabalha nessa

instituição e foi realizada na própria escola, numa terça-feira no período da manhã.

Sentamos uma ao lado da outra, em um banco na capela do colégio, pois esse era

um dos lugares mais tranquilos naquele período.

Foi nessa ocasião que nos conhecemos pessoalmente Num primeiro momento

percebi que a professora estava ansiosa e receosa, inclusive ela verbalizou que

considerava a entrevista uma situação delicada e não saberia se iria ajudar muito,

porém, no decorrer da conversa, percebi que ficou mais tranquila e me senti numa

situação confortável, pois a professora demonstrou que estava disposta a contribuir

e compartilhar a sua história de vida comigo. Antes de iniciar a entrevista acordamos

que seria gravada, pois esse procedimento iria permitir uma análise mais rigorosa e

fiel, e combinamos também que ela não seria identificada, por esse motivo usaria

nomes fictícios para referir-me a ela e aos outros professores. Dei a ela o nome de

Marta.

Ao concluir a entrevista, ouvi repetidas vezes a gravação e fiz a transcrição

cuidadosa para evitar equívocos. Efetuei várias leituras do material transcrito para

iniciar a análise, apreendendo os dados mais importantes, aqueles que pudessem

contribuir mais com a pesquisa.

Durante a análise das falas fui identificando trechos distinguíveis das mesmas

em relação ao problema de pesquisa e, junto com minha orientadora, formatei toda a

entrevista em duas colunas, de tal forma que na coluna da esquerda ficasse o

conteúdo da narrativa e na da direita as ideias mais relevantes em relação a cada

trecho delimitado.

Assim como Henri Wallon define o psiquismo humano como uma unidade que

resulta de diferentes domínios funcionais, esta pesquisa entende que não é possível

fazer uma ruptura entre os aspectos pessoais e profissionais de uma pessoa, neste

caso específico, do professor que trabalha com literatura infantil ou juvenil. Por mais

29

que se admita a existência dos dois aspectos, também reconhece que suas

manifestações acontecem de forma articulada. Desse modo, a atuação profissional

do professor não é isolada do âmbito pessoal e, para que seja possível o

entendimento da primeira, torna-se fundamental incluir o estudo da segunda.

30

2 Revisão de literatura

Uma história não é mais que um grão de trigo. É ao ouvinte, ao leitor que compete fazê-lo germinar. Se não germina, é questão de falta de ar, de sol, de liberdade, de solidão.

(Déon, In SILVA, 1998, p. 69)

31

2.1 A Literatura Infantojuvenil no Brasil: breve hi stórico

As primeiras formas de literatura infantil eram confundidas com aquelas que

eram direcionadas aos adultos e cabe salientar que foram trazidas ao Brasil pelos

primeiros colonizadores portugueses. Essas obras eram compostas por narrativas

orais transmitidas pelo povo e pelas cortes europeias, cujas origens precisas são

desconhecidas, porém essas narrativas são muito antigas e, inclusive, há registro

sobre elas nas primeiras tribos humanas. A origem da literatura infantojuvenil se

confunde com o princípio da própria narrativa, assim pode-se dizer que “contar

histórias” é tão antigo quanto o próprio homem. Porém, há informações sobre o

nascimento da literatura infantil especificamente associada aos contos de fadas.

Os estudos históricos anglo-saxões são os que mais aprofundaram a relação entre os contos de fadas e o nascimento da literatura infantil. Na verdade, a Grã-Bretanha é o único lugar onde os estudos gerais de história literária foram um referencial importante no momento de abordar a reflexão sobre o nascimento e o desenvolvimento dos livros infantis, posto que conta com uma rica discussão a respeito, desde os estudos literários do século XIX, com a intervenção de nomes tão relevantes quanto Coleridge, Dickens, Tolkien, Chesterton ou Stevenson. (COLOMER, 2003, p. 56)

Na maioria das vezes, essas histórias vinculadas ao mítico ou ao sagrado

ganham caráter profano e, após a invenção da escrita3, começam a ser registradas.

Na antiguidade grega, já havia uma quantidade relativa de registros de escrituras

literárias, como: as epopeias, a poesia lírica e o teatro.

Nesse período, surge Esopo, um grande fabulista que viveu provavelmente no

século 6 a.C. De acordo com a lenda, ele foi um escravo que, após ser libertado,

reuniu contos populares da Ásia, Egito e Grécia, já que as fábulas existiam na

Grécia e no Oriente desde a mais remota antiguidade (LAJOLO, 1999). Vale

ressaltar que essas fábulas foram escritas somente duzentos anos depois e reúnem

cerca de trezentas histórias, como A raposa e as uvas, A galinha e a pomba, A

galinha dos ovos de ouro, O leão e o rato, e A águia e a coruja.

3 Estima-se que a escrita foi inventada nos anos 4000 a 3500 a.C pelos sumérios.

32

As personagens principais das fábulas geralmente são animais e nessas

narrativas há sempre um ensinamento, ou seja, a moral da história. Os bichos falam,

são bons ou maus, sábios ou tolos, cometem erros, se assemelham com os homens,

porque a intenção do fabulista era mostrar como o ser humano poderia agir. Por

isso, as fábulas (embora não fossem um gênero exclusivamente infantil) tinham a

função de educar, corrigir e zelar pela formação das crianças, conforme os padrões

da sociedade da época (LAJOLO, 1999). Essa função era também atribuída aos

contos maravilhosos ou contos de fadas, largamente difundidos na literatura popular

de países europeus nos séculos XVII e XVIII.

Quando se busca investigar a origem da conhecida Literatura Infantil deve-se

atentar que o seu início foi no final do século XVII e se estendeu pelo século XVIII, já

que havia a influência dos contos de fadas4. As histórias populares, principalmente

aquelas nas quais se destacavam atitudes exemplares e moralizantes, tiveram

influência da ação catequizadora dos jesuítas até 1759 (época do Brasil Colônia).

O cenário social e político da época contribuiu para o surgimento da literatura

infantil, entre esses acontecimentos estão: o crescimento e diversificação da

população que morava na área urbana, a incorporação progressiva dos imigrantes, a

complexidade da estrutura administrativa e a extinção do trabalho escravo. Nesse

período, além dos livros infantis, os escolares eram fortalecidos pelas diversas

campanhas de alfabetização lideradas por intelectuais, políticos e educadores. Por

outro lado, a literatura direcionada aos adultos era criticada, pois as pessoas

esperavam que o escritor assumisse novas funções perante os comentários de

modernização. Naquele momento, a intenção era criar e divulgar o discurso, os

símbolos e as metáforas da nova imagem do Brasil e destacar o compromisso com a

modernização, segundo Zilberman e Lajolo (1999).

É preciso ressaltar que até esse período não havia literatura infantil no país,

então tudo que ocorria no exterior poderia repercutir no Brasil. A existência de uma

4 Nesse período, os contos de fadas tinham sido adaptados para atender à educação das

crianças. Esses textos tinham o objetivo de transmitir valores morais e os bons sentimentos descritos

em histórias e vidas heróicas e exemplares.

33

rede de bibliotecas públicas na região anglo-saxônica permitiu que surgisse uma

categoria socioprofissional caracterizada por uma formação cultural e pelo contato

direto com os destinatários da literatura infantil e juvenil. As mulheres cultas

contribuíram na formação da literatura direcionada às crianças daquele país. A

preocupação com a leitura resultou na fundação de bibliotecas infantis

experimentais, na criação de instrumentos de animação de leitura e na produção de

uma importante reflexão sobre os critérios de seleção das obras, de acordo com

Colomer (2003).

No século XVIII, são publicadas no mercado livreiro, as primeiras obras

direcionadas ao público infantil: além dos contos de fadas de Perrault, algumas

adaptações de romances de aventuras, como Robinson Crusoé, de Daniel Defoe

(1719) e Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift (1726). Isso ocorre em sociedades

agora burguesas e industrializadas devido ao novo status da criança, à qual é

atribuída uma visão caracterizada pela fragilidade e pela dependência e à qual são

direcionados objetos industrializados (brinquedos), culturais (o livro) e científicos

(pediatria, pedagogia).

Enquanto a literatura infantil europeia iniciou-se em 1697 com a publicação de

Contos da Mamãe Gansa, de Charles Perrault, no Brasil a literatura nasceu bem

depois, somente no final do século XIX, quase no século XX. Antes das últimas

décadas dos anos oitocentos, a circulação de livros infantis era precária e irregular,

a representação era feita pelas edições de Portugal, conforme afirmam Zilberman e

Lajolo (1993).

Perante esse cenário, duas instituições ganham importância na sociedade

daquele momento: a família e a escola. A família era pensada e vivida como fonte de

sobrevivência e transmissora de bens, e como consequência tinha a função de

preservar a infância. Já a escola, até então facultativa, tinha como tarefa preparar a

criança para enfrentar os obstáculos da vida conforme suas regras, juntamente com

a família.

A escola também tinha por finalidade preparar as crianças para a leitura e a

literatura infantil surge para auxiliar nessa incumbência, tendo de respeitar e até

mesmo motivar as características infantis. Por outro lado, adota uma postura rígida,

ou seja, passa a ter uma “utilidade pedagógica”, como consequência proporciona

34

confiança à burguesia, por imitar seu comportamento e estimular os valores

moralizantes dessa classe. A escola tinha como tarefa educativa repassar o gênero

literário.

A aproximação entre a instituição e o gênero literário não é fortuita. Sintoma disso é que os primeiros textos para crianças são escritos por pedagogos e professoras, com marcante intuito educativo. E, até hoje, a literatura infantil permanece como uma colônia da pedagogia, o que lhe causa grandes prejuízos: não é aceita como arte, por ter uma finalidade pragmática; e a presença do objetivo didático faz com que ela participe de uma atividade comprometida com a dominação da criança. (ZILBERMAN, 2003, p. 16)

Lajolo (1999) destaca a diferença entre Chapeuzinho Vermelho, narrada por

Perrault (séc. XVII) e a mesma personagem descrita pelos Grimm e por Andersen

(séc. XIX). No primeiro caso, o autor oferece à menina uma personalidade revestida

de beleza: uma criança atraente e corajosa. No segundo caso, os escritos dão a ela

atributos moralizantes: boa, obediente, carinhosa, entre outras qualidades

associadas aos interesses sociais da época.

Em 1812, os irmãos Grimm (Jacob e Wilhelm) editam a coleção de contos de

fadas que conquistam as crianças. Em contrapartida, destacam-se também outros

autores, entre eles: Hans Christian Andersen (Contos, 1833), Lewis Carroll (Alice no

País das Maravilhas, 1863), Carlo Collodi (Pinóquio, 1883), Jules Verne (Viagem ao

centro da Terra, 1864), Mark Twain (As aventuras de Tom Sawyer, 1876), Robert

Louis Stevenson (A ilha do tesouro, 1882). Esses títulos se tornaram clássicos

universais pelo fato de até hoje serem lidos e apreciados por leitores de vários

cantos do mundo.

Nos séculos XVIII e XIX a literatura infantil fica conhecida como “literatura

infantil feita por adultos”, ou seja, destaca-se a forma como o adulto quer que a

criança veja o mundo, buscando sua “aprovação”. Além disso, a forma literária

permite a representação pela fantasia, o que, com frequência, ultrapassa a criação

de um mundo idealizado.

Zilberman (2003) afirma que o direito das crianças foi sonegado, capacita-se

a transmissão do conhecimento e as suas formas de manifestação segundo a visão

do adulto, o que garante a razão e o poder.

35

Desarmada, a criança não reage; e sua impassibilidade é tomada como sinal de aceitação da engrenagem. Por todos esses aspectos, a escola participa do processo de manipulação da criança, conduzindo-a ao respeito da norma vigente, que é também a da classe dominante, a burguesia, cuja emergência, como se viu, desencadeou os fatos até aqui descritos. (ZILBERMAN, 2003, p. 23)

Apesar de o assunto ser Literatura Infantil, é necessário considerar o cenário

político do Brasil naquela época. A proclamação da República trazia consigo a

imagem de um país ambicioso e era esperada uma acentuada modernização. O

novo regime, que foi liderado por um militar, teve a participação de membros de

vários partidos republicanos regionais. Os governantes estudavam medidas como

exportação do café e substituição da mão de obra escrava pela assalariada, e havia

interesse na economia dos países industrializados, como a Inglaterra. O desejo de

se expandir, atitude influenciada pelo capitalismo, e a necessidade de sobrevivência

fizeram com que a Inglaterra não medisse esforços para patrocinar uma política

favorecedora de diversas camadas médias que eram consumidoras virtuais de sua

produção. Esses grupos eram compostos por imigrantes que não se adaptaram ao

trabalho rural e de ex-empregados envolvidos na comercialização do café. Eles

contribuíram para a multiplicação do número de bancos e casas exportadoras,

ampliaram o quadro de funcionalismo público, estenderam a rede ferroviária e houve

crescimento do movimento dos portos, conforme relata Lajolo (1999).

Perante esse cenário de aceleração urbana (fim do século XIX e início do

XX), o momento se torna ideal para o surgimento da literatura infantil. A princípio, a

literatura infantil foi uma adaptação das obras destinadas aos adultos. Cabe

destacar que nesse período a criança era vista como um “adulto em miniatura” e que

a infância era um momento que deveria ser encurtado o mais rapidamente possível.

Nesse período ainda prevaleciam os padrões europeus e os clássicos infantis da

Europa eram traduzidos e adaptados.

Essas obras refletiam o comportamento esperado naquela época, pois a

educação era rígida, disciplinadora e punitiva e assim utilizava a literatura como algo

exemplar, que procurava levar o pequeno leitor a assumir, de maneira precoce,

atitudes consideradas “ideais” para aquela sociedade, comenta Coelho (2000). Entre

os livros publicados a partir de 1808 estavam: a tradução de As aventuras pasmosas

36

do Barão de Munkausen e, em 1818, a coletânea de José Saturnino da Costa

Pereira, Leitura para meninos, contendo uma coleção de histórias morais relativas

aos defeitos ordinários às idades tenras, e um diálogo sobre geografia, história de

Portugal e história natural.

Os livros nessa época, inspirados em modelos estrangeiros, eram verdadeiras

cartilhas de nacionalidade. O civismo e o patriotismo se destacavam, assim cabe

exemplificar com a obra Por que me ufano de meu país, de Afonso Celso publicado

em 1901, que evidencia o entusiasmo patriótico que contagiou os textos infantis.

Hoje pode-se dizer que a literatura está em constante processo de mudança e

é possível refletir sobre diversos aspectos. No livro Ensino de Literatura: uma

proposta dialógica para o trabalho com literatura, Cereja afirma que a literatura se

transforma o tempo todo e é muito mais complexa do que muitos imaginam.

Uma perspectiva a um só tempo diacrônica e sincrônica, que procura encontrar não apenas as relações da literatura com o seu tempo, mas também os diálogos que a própria literatura mantém dentro dela mesma, dando saltos, provocando rupturas, morrendo e renascendo, se transformando. Aí estaria o verdadeiro sentido de historicidade do texto literário, um sentido de vida, de permanência, que difere do engessamento da historicidade descritiva e classificatória. (CEREJA, 2005, p. 200)

Neste estudo, optamos em abordar brevemente a história da literatura infantil

e juvenil e daremos destaque a Monteiro Lobato por dois motivos: primeiro, porque

ele foi um autor inovador, que permanece como referência literária no Brasil até

hoje, e também porque o escritor foi citado pela entrevistada.

2.2 Monteiro Lobato: inovação e criatividade

Monteiro Lobato foi um inovador e permanece como referência literária no Brasil,

pois antes dele as crianças só conheciam traduções de obras estrangeiras. O autor se

destacou pelo estilo de escrita, principalmente por priorizar a linguagem simples em

que a realidade e a fantasia estavam interligadas. O contista, ensaísta e tradutor

nasceu em Taubaté, interior de São Paulo, no ano de 1882 e faleceu em 1948.

37

A paixão pelos livros começou na infância e o interesse foi aumentando ao ter

acesso à biblioteca que ficava no escritório de seu avô, o Visconde de Tremembé,

numa chácara situada na Rua XV de Novembro, junto ao Largo do Teatro, em

Taubaté, onde passava horas folheando a Revista Ilustrada e o Journal des Voyages.

Era um salão cheio de grossos tomos de revistas da época. Havia a Revista Ilustrada, de Ângelo Agostini, ou a Novo Mundo, de J. C. Rodrigues. Uma coleção do Journal des Voyages foi, no entanto, o meu maior regalo. Cada vez que me pilhava na biblioteca do meu avô, abria um daqueles volumes e me deslumbrava (LOBATO apud DANTAS, 2005, p.25).

Juca, como era conhecido quando criança, filho de José Bento Marcondes

Lobato e Olímpia Augusto Lobato, na infância dividia seu tempo brincando com as

suas irmãs menores, Ester e Judite, na fazenda em que moravam. Anos mais tarde,

esse cenário serviria de inspiração para a criação de suas personagens e de suas

obras infantojuvenis.

Segundo Luiz (2003), o nome de batismo de Monteiro Lobato era José Renato e

não José Bento como o conhecemos. Ele alterou o próprio nome para que pudesse

usar a estimada bengala que pertencera a seu pai e que trazia inscritas as iniciais

J.B.M.L.

Na adolescência, José Bento foi estudar na capital. Lobato queria matricular-se

na Escola de Belas Artes, mas, por imposição de seu avô materno, que assumiu a

tutela do jovem após a morte de seus pais, entrou com 18 anos para a Academia de

Direito, formando-se em 1904. Enfrentou, porém, dificuldades no início, pois em sua

primeira tentativa de admissão aos preparatórios para o curso superior foi reprovado

em português. Mas isso não o desanimou; após a decepção, estudou muito e

conseguiu ser aprovado.

Formado em Direito, Lobato atuou como promotor público até se tornar

fazendeiro, após receber uma herança deixada por seu avô. Com a mudança de estilo

de vida, o escritor passou a publicar seus primeiros contos em jornais e revistas;

posteriormente reuniu uma série deles em Urupês, seu primeiro livro. Nesse período,

Monteiro Lobato escrevia textos a seu amigo Rangel, solicitando-lhe que apontasse os

erros de gramática.

38

Na época, os livros brasileiros eram editados em Paris ou Lisboa e por conta

dessa carência no mercado, Lobato fundou uma editora e tornou-se também editor.

Isso possibilitou que implantasse uma série de mudanças nos livros didáticos e

infantis do país. Cabe destacar que Monteiro Lobato questionava a forma como as

obras infantis eram elaboradas, principalmente quanto à rigidez gramatical e fixidez da

linguagem; propôs, então, que os livros fossem lidos pelos leitores como se alguém

estivesse contando uma história, mais próximos da linguagem viva ou oral.

Ainda subentendida no pensamento lobatiano referente à literatura infantil, fica a proposta do autor de romper com a tradição de textos didáticos ou de formação moral e cívica para crianças, como eram os textos anteriores aos seus. Seu projeto era outro: queria justamente educar seus leitores para exercerem o direito a liberdade e questionarem o que lhes era dado (LOPES, 1999, p.48)

Cabe salientar que, na época, a maioria dos escritores iniciantes dependia

dos poucos editores ligados às casas estrangeiras para publicar suas obras; no

entanto, Monteiro Lobato tornou-se empresário de sua produção intelectual. Dessa

maneira, o empresário e editor Monteiro Lobato instalava-se como tal na segunda

década do século XX. Nesse período, os investimentos, como os do empresário,

dependiam das mudanças conjunturais provocadas pela primeira guerra mundial.

Assim, estimulado pela experiência bem-sucedida de duas primeiras publicações

autofinanciadas (O Saci-Pererê e Urupês), Monteiro Lobato começou comprando,

por dez contos, a propriedade da Revista Brasil, um órgão de prestígio entre os

literatos e que serviria de veículo de divulgação para uma editora de livros, de

acordo com Koshiyama (2006).

Algumas das personagens (principalmente as infantis) renderam muitas histórias

e, inclusive, ganharam espaço na tevê, entre as mais conhecidas estão dona Benta e

seus netos Narizinho e Pedrinho, lembrando que Monteiro Lobato identificava-se com

o menino quando criança. Na obra destacaram-se outras personagens, entre elas

Visconde de Sabugosa, personagem que era uma sábia espiga de milho e que se

destacava por ser um adulto consciente em diversos aspectos; Emília, uma boneca de

pano com sentimentos e ideias independentes e revolucionárias; tia Nastácia, uma ex-

escrava que era muito querida por todos; Saci Pererê, que representava o folclore

39

brasileiro e Cuca, vilã que aterrorizava as pessoas que viviam no sítio; e outras

personagens que participavam das aventuras na zona rural O Sítio do Pica-Pau

Amarelo até hoje encanta crianças e adultos.

Monteiro Lobato foi um dos poucos escritores da época que obtiveram sucesso

em vida, pois a maioria deles teve suas obras conhecidas só após a morte. O autor

demonstra surpresa com a popularidade da personagem Emília em uma carta enviada

a um amigo. Ele destaca também o quanto era consciente da importância de inovar na

área da educação.

A minha Emília está realmente um sucesso entre as crianças e os professores. Basta dizer que tirei uma edição inicial de 20.0000 e o Octales está com medo que não aguente o resto do ano. Só aí no Rio, 4.000 vendidas num mês. Mas a crítica de fato não percebeu a significação da obra. Vale como significação de que há caminhos novos para o ensino das matérias abstratas. Numa escola que visitei, a criançada me rodeou com grandes festas e me pediram: “Faça a Emília do país da aritmética”. Esse pedido espontâneo, esse grito d´alma da criança não está indicando um caminho? (LOBATO apud LAJOLO, 2008, p. 95)

Assim como o sucesso, o fracasso também fez parte da vida do escritor. Na

década de 1930 foi à falência e passou a escrever livros para sobreviver. Devido a

essa necessidade, Lobato planejou com Octales, da Companhia Editora Nacional, o

livro D. Quixote das crianças. A obra, lançada em 1936, foi resultado de um projeto de

leitura, de tradução e de adaptação. De acordo com Lajolo (2008), o educador

contemporâneo pode encontrar, nesse Quixote, possíveis respostas para questões

referentes ao cotidiano escolar, uma delas é: “qual livro indicar?” Inclusive, isso o

levou a refletir sobre a importância dos clássicos e a adequação a cada faixa etária.

Monteiro Lobato escreveu obras infantis, como A Menina do Nariz Arrebitado,

Reinações de Narizinho, As Caçadas de Pedrinho, Emília no País da Gramática,

Memórias da Emília, O Poço do Visconde, O Pica-Pau Amarelo, O Saci, Fábulas do

Marquês de Rabicó, Aventuras do Príncipe, Noivado de Narizinho, O Pó de

Pirlimpimpim, e A Chave do Tamanho, entre outras..

Podemos observar que muitas obras lobatianas relacionam de uma maneira lúdica

a turma do sítio do Pica-pau Amarelo e as personagens de outros livros,

principalmente dos contos de fadas. Alguns estudiosos de Lobato dizem que o escritor

relaciona leitura com alimentação.

40

Se o Visconde pode “sugar” o conhecimento dos livros, se Emília pode fazer livros comestíveis e as crianças podem “beber” as histórias de Dona Benta ou Tia Nastácia, o próprio texto de Lobato, como leitor e escritor está “bebendo” e apropriando-se das histórias dos contos de fadas quando retoma as outras histórias, trazendo as personagens maravilhosas do imaginário europeu para o universo do Sítio (LOPES, 1999, p. 61)

Além dos contos de fadas deve-se destacar a relevância das personagens da

mitologia e do folclore brasileiro. O escritor brasileiro escreveu não só livros infantis

como outras obras literárias, entre as quais se destacam O Choque das Raças,

Urupês, A Barca de Gleyre e o Escândalo do Petróleo (último livro, que demonstra seu

nacionalismo). Nessa obra, Monteiro Lobato posiciona-se de maneira favorável à

exploração do petróleo apenas por empresas brasileiras, uma questão muito delicada

na época por envolver interesses políticos.

A produção e ação de Lobato demonstram as tensões contraditórias que se

debatiam em seu espírito. De um lado, o impulso individualista de raiz romântico-

liberal e de outro a consciência crítica, que alertava para os equívocos, hipocrisias e

injustiças da época. Coelho (2006) faz um breve comentário sobre as acusações de

“preconceituoso”, porém destaca a sua obra.

De qualquer forma, algo é indiscutível: a obra lobatiana (infantil ou adulta) não pode ser desvinculada do momento em que foi construída, sob pena de ser truncada em sua verdadeira significação. Nela estão presentes as ambigüidades e paradoxos que marcaram a realidade brasileira na primeira metade do século XX. (COELHO, 2006, p.638)

2.3 O que a Literatura Revela sobre as Obras Infant ojuvenis na Escola

A literatura infantil e a escola mantiveram sempre uma relação de

dependência mútua, pois a escola utiliza a literatura para difundir conceitos e

sentimentos, atitudes e comportamentos que lhe compete passar para os alunos. Os

livros são utilizados com frequência, seja como material de leitura obrigatória ou

como complemento de outras tarefas pedagógicas.

A escola utilizava a literatura para demonstrar alguns exemplos de

comportamentos que deveriam ser seguidos por todo cidadão. Um exemplo disso,

eram as poesias de Olavo Bilac que serviam de estímulos de civismo, amor aos

41

estudos e respeito aos mais velhos. O príncipe dos poetas e seus colegas de

profissão contavam com os professores para garantir o mercado para obras infantis

(LAJOLO, 2008, p.66).

Atualmente a visão que se tem da literatura é muito diferente da que se tinha

no século passado. Hoje ela é considerada como arte, por ser um fenômeno de

criatividade que representa ou não a vida, o homem e o mundo por meio das

palavras e expressa alguma experiência humana e muito mais. Coelho (2000, p. 27)

afirma que: “Conhecer a literatura que cada época destinou às suas crianças é

conhecer os ideais e valores ou desvalores sobre os quais cada sociedade se

fundamentou (e se fundamentam..).” Estudos na área de comunicação têm

contribuído para essa visão sobre literatura, segundo Colomer (2003).

A noção de “comunicação” permitiu-lhe pôr em ordem os numerosos temas implicados no fenômeno da literatura infantil e assinalar que a finalidade de seu estudo é, “em definitivo, o diálogo que, de uma época para outra, de uma sociedade para a outra, de uma sociedade para outra, se estabelece as crianças e os adultos por meio da literatura” (p. 189).

Os estudos literários devem ser privilegiados na escola de maneira

abrangente, pois estimulam o exercício mental, a percepção da realidade, a

consciência de si em relação aos outros, a leitura do mundo e incentivam o estudo e

o conhecimento da língua, entre outros. Ao proporcionar aulas motivadoras e

espaços para o diálogo, o interesse dos alunos pela leitura pode aumentar com o

passar do tempo.

período de 7 a 12 ou 14 anos é aquele em que a objetividade substitui o sincretismo. As coisas e a pessoa vão pouco a pouco deixando de ser os fragmentos de absoluto que se impunham sucessivamente à intuição. A rede das categorias faz irradiar sobre elas as mais diversas classificações e relações. Mas seu animador é a atividade da criança. A própria atividade entra em sua fase categorial: atribui-se tarefas entre as quais se torna capaz de se dividir, a fim de tirar de cada uma seus possíveis efeitos. O interesse pela tarefa é indispensável e deixa bem para trás o mero adestramento. (WALLON, 2007, p.197)

Contudo, observamos que há falta de clareza sobre o ensino ou incentivo à

literatura. Em muitas escolas, verifica-se um trabalho embasado em atividades de

interpretação de texto, fichas de leitura, resumos e, na maioria das vezes, os livros

42

são “cobrados” em provas, sem uma discussão ou comentários significativos sobre

essas obras.

Acreditamos que o leitor criativo não é somente um decifrador de códigos, um

decodificador da palavra e, sim, alguém que busca compreender o texto, dialogando

com ele, ou seja, ele tenta recriar sentidos implícitos, faz referências e estabelece

relações com outras obras, períodos anteriores e até com a sua própria história de

vida, assim tudo isso pode resultar em conhecimento. Quando se faz uma leitura há

um diálogo constante entre o leitor e o texto ou obra, segundo Mikhail Bakhtin5.

Na perspectiva backhtiana, o outro, na figura do destinatário, se instala no próprio movimento de produção do texto na medida em que o autor orienta a sua fala tendo em vista o público-alvo selecionado. Tem-se, ainda, o outro na figura do interdiscurso, do diálogo que todo texto trava com outros textos. Cabe ao leitor mobilizar seu universo de conhecimento para dar sentido, resgatar essa intediscursividade, a fonte enunciativa desses outros discursos que atravessaram o texto. (BRANDÃO, 2011, p. 17)

Coelho (2000, p. 17) defende que o espaço escolar deve ser “libertário (sem

ser anárquico) e orientador (sem ser dogmático), para permitir ao ser em formação

chegar ao autoconhecimento e a ter acesso ao mundo da cultura que caracteriza a

sociedade a que ele pertence”.

Por meio da literatura é possível se envolver ao ponto de estabelecer uma

vivência íntima e profunda que faz com que o leitor tenha o desejo de prolongar ou

renovar as experiências que veicula.

Constitui um elo privilegiado entre o homem e o mundo, pois supre as fantasias, desencadeia nossas emoções, ativa o nosso intelecto, trazendo e produzindo conhecimento. Ela é criação, uma espécie de irrealidade que adensa a realidade, tornando-nos observadores de nós mesmos. ler um texto literário significa entrar em novas relações, sofrer um processo de transformação. (BRANDÃO, 2011, p.23)

5 Mikhail Bakhtin (1895-1975) foi um pensador russo que se dedicou ao estudo e análise da linguagem com base em discursos cotidianos, literários, artísticos, filosóficos, científicos e institucionais.

43

2.4 Representações do Professor Comprometido segund o os Estudiosos

Atualmente se discute muito sobre o comprometimento/descomprometimento

com a educação. Muitos estudiosos propõem a reflexão sobre a prática pedagógica

como uma importante ferramenta, mas na forma entendida por Pelisson, ou seja:

Para se desenvolver profissionalmente, necessário se faz que tome conhecimento das concepções teóricas atuais, no campo da educação, acompanhe as mudanças que ocorrem nesse meio e, a partir delas, ressignifique suas práticas, num processo contínuo de reflexão, preferencialmente coletivo. (PELISSON, 2006, p. 292)

O profissional da educação deve dominar quais são os conhecimentos

necessários para cada faixa etária, como ocorre o desenvolvimento da criança e

como são processadas essas informações. O professor deve estar preparado para

auxiliar o estudante na busca pelo conhecimento:

Wallon insiste que se pode confiar na atividade da criança, em sua criatividade e em sua espontaneidade para investigar, mas que ela precisa de um mestre, exatamente para ajudá-la a utilizar seus próprios recursos. O professor, por conhecer o processo de desenvolvimento e aprendizagem, está capacitado para reconhecer e atender às necessidades e possibilidades dos alunos. (ALMEIDA, 2004, p.127)

A literatura também pode contribuir para a constituição do professor, pois ao

ouvir os alunos, o docente pode refletir sobre a sua prática e tentar melhorar a sua

atuação em sala de aula.

Outro ponto que se deve destacar é que ao ouvir a opinião dos alunos sobre

uma determinada obra, o professor deve criar condições afetivas para que o aluno

tenha interesse e assim aumente a possibilidade dessas informações se

transformarem em conhecimento, já que o plano afetivo é um lastro para o

desenvolvimento cognitivo, e vice-versa, segundo Wallon.

Cereja (2005) chama a atenção para o papel do professor em classe e os

fatores que dificultam o ensino de literatura de uma maneira significativa; o autor

44

estudou o ensino da literatura no ensino médio, porém as ideias podem ser

consideradas válidas para o ensino fundamental.

O que pudemos observar até aqui é que as práticas de ensino de literatura no ensino médio encontram-se cristalizadas há mais de um século. As razões disso, como vimos, são várias e de ordem histórica, ideológica, política, legal, contextual, etc. Uma mudança de perspectiva e de ação pedagógica é, porém, possível e depende de um fator simples: a consciência do professor do ensino médio sobre para que serve o ensino de literatura. (CEREJA, 2005, p. 198)

Há necessidade de repensarmos o ensino em geral, e para isso há a

necessidade de voltar-se para a formação continuada dos docentes. Muitos

pesquisadores têm apontado alguns caminhos, entre eles a narrativa autobiográfica,

como contribuição para se conhecer melhor, rever algumas questões, refletir sobre

elas, identificar novos caminhos e saídas.

Ao falar da formação da pessoa do professor, vejo um espaço onde o mesmo pode atuar e decidir sobre algumas estratégias de ação, pois acredito que num determinado momentos da história individual seja possível tomá-la nas mãos e modificá-la, resistindo com firmeza e rigor aos percalços, desde aqueles que nos aparecem pelas contingências da situação, até aqueles devidos à nossa resistência à mudança e à aceitação do novo. (JESUS, 2003, p.110)

Um professor comprometido é, então, segundo esses estudiosos, um

professor que confia na capacidade e espontaneidade de seus alunos para imaginar,

criar, investigar; que observa atento seus alunos e respectivos meios para conhecer

seus desejos e expectativas, e que aproveita os espaços para uma atuação de

qualidade.

45

3 Teoria psicogenética de Henri

Wallon (1879/1962) As pessoas do meio nada mais são, em suma, que

ocasiões ou motivos para o sujeito exprimir-se e realizar-se. Mas, se ele pode dar-lhes vida e consistência fora de si, é porque realizou, em si, a distinção do seu “eu” e do que lhe é complemento indispensável: esse estranho essencial que é o “outro”.

(WALLON, 1986, p. 164)

46

A psicogenética walloniana oferece recursos para compreender o processo de

constituição da criança e do adulto. A psicologia genética define o psiquismo na sua

formação e na sua transformação (WALLON, 1975). De acordo com a teoria, essa

transformação ocorre por meio da integração das condições orgânicas do ser

humano com o meio no qual está inserido.

Os dados biográficos do psicólogo, médico, pesquisador e educador podem

ser localizados em várias obras, entre elas: Dantas (1983), Oliveira (2004) e Werebe

(1986), por esse motivo não discorrerei sobre esse aspecto, lembrando apenas que

o autor francês (1879-1962) viveu numa Europa de grande turbulência, tendo

participado das duas grandes guerras: na primeira atuou como médico de batalhão e

na segunda como membro da Resistência Francesa.

Para este estudo destacam-se, particularmente, os seguintes pontos:

a) Integração funcional;

b) O papel dos meios e dos grupos na constituição da pessoa;

c) A questão do outro na constituição da pessoa.

3.1 Integração Funcional

Retomando, a Psicologia Genética estuda o psiquismo em sua formação e

transformação, transformações estas decorrentes da integração organismo-meio. A

integração que permeia a teoria walloniana ocorre de duas maneiras que são

articuladas e dialéticas: a integração organismo-meio e a integração entre os

conjuntos funcionais. A primeira refere-se à integração entre o indivíduo e o meio ao

qual se relaciona (real ou virtual). A outra tem relação com os domínios funcionais

(afetividade, ato motor, conhecimento e pessoa); apesar da especificidade dessas

dimensões, podemos afirmar que elas se integram de tal forma que uma interfere

na(s) outra(s). Só podemos separá-las para fins didáticos, ou seja, para

compreendermos o processo, porém na prática isso não é possível. Conforme

explica Mahoney (2009) qualquer atividade motora tem ressonâncias afetivas e

cognitivas, assim como toda disposição afetiva tem ressonâncias motoras e

cognitivas.

47

A teoria de desenvolvimento de Wallon especifica os seguintes estágios:

a) Impulsivo Emocional (0 a 1 ano);

b) Sensório Motor e projetivo (1 a 3 anos);

c) Personalismo (3 a 6 anos);

d) Categorial (6 a 11 anos);

e) Puberdade e adolescência (11 anos em diante).

Vale ressaltar que o mais importante não é o fator idade e sim as condições

do meio onde a criança está inserida. Neste estudo apenas o estágio categorial será

detalhado, por se tratar da faixa etária dos leitores de obras infantojuvenis.

No estágio categorial, a criança aprende a denominar os objetos que fazem

parte do seu dia a dia, já consegue percebê-los como algo separado de si mesma,

ou seja, consegue discernir e organizar as semelhanças e diferenças desses objetos

e das ações, o que conduz a representações fixas e constantes. A comparação dos

objetos entre si é fundamental para a análise e classificação de tudo que está ao seu

redor.

É com o desenvolvimento da função categorial que a apropriação da

causalidade ocorre, o que possibilita que a criança ligue o efeito à causa que o

produziu. A noção de espaço e tempo passam a se integrar a um sistema,

permitindo que ela relacione as suas implicações com o movimento.

É possível afirmar que a criança continua se desenvolvendo tanto no plano

motor como no afetivo, porém as características predominantes do seu

comportamento são identificadas pelo desenvolvimento intelectual e é nesse

domínio que podem ser percebidos grandes saltos. A criança aprende a se conhecer

como pessoa ao pertencer a diferentes grupos, pois exerce papéis e atividades

variados e isso possibilita que ela tome conhecimento mais completo e concreto de

si própria (AMARAL, 2009).

Nesse estágio,o sincretismo se dissolve; com a aquisição do pensamento

categorial a criança se reconhece como pessoa polivalente, que pode identificar as

diversas características dos objetos e situações e estabelecer relações e distinções

coerentes. Há o aumento de concentração e atenção na tarefa que está sendo

realizada, permitindo que as atividades espontâneas sejam progressivamente

48

substituídas por atividades intencionais. No entanto, o professor não pode descuidar

de outros aspectos:

A reconquista da dimensão melódica da linguagem, como a emancipação do gesto ao controle da vontade constituem objetivos de certas modalidades artísticas. Sua existência demonstra que o desenvolvimento representa também perda ou atrofia de possibilidades, que precisam ser recuperadas e resgatadas. Esta noção, compatível apenas com concepções paradoxais, não lineares, de desenvolvimento, está implícita no alerta feito por Wallon em relação ao sincretismo: é preciso ser capaz de preservá-lo, tanto quanto discipliná-lo, uma vez que dele depende a possibilidade de combinações inteiramente novas e originais de ideias. (DANTAS, 1992, p. 44)

Segundo Wallon, não é possível dissociar na pessoa qualquer um dos

conjuntos funcionais (inteligência, afetividade ou ato motor), pois a criança é

considerada como um todo que continua a se desenvolver, ressaltando que uma

etapa constitui sempre um sistema mais amplo que a idade biológica.

Os estágios são caracterizados por um conjunto de necessidades e interesses que buscam assegurar o desenvolvimento da pessoa. Assim, é necessário ter em conta que a matéria do pensamento não se forma unicamente pelo desenvolvimento do sistema nervoso, mas pela pessoal em sua totalidade, em sua relação com o meio, no qual a criança se integra de acordo com suas possibilidades. (AMARAL, 2009, p. 57)

3.1.1 Afetividade: emoção, sentimentos e paixão

Na psicogenética walloniana, a dimensão afetiva é constitutiva da pessoa. A

primeira fase do primeiro estágio (impulsivo/ afetivo) reduz-se às manifestações

fisiológicas da emoção, o que se caracteriza como o ponto de partida do psiquismo.

Conforme os estudos de Wallon, a cada estágio é possível perceber a

predominância de um dos conjuntos funcionais. Especificamente em relação ao

conjunto afetivo, podemos observar uma predominância nos estágios nos quais o

indivíduo está mais voltado para si mesmo, que é o caso dos estágios: impulsivo

emocional (0 a 1 ano), do personalismo (3 a 6 anos) e do estágio da puberdade ou

adolescência (a partir dos 11 anos).

49

Na fase adulta o indivíduo está mais seguro de si, sendo que já passou pelas

outras etapas do desenvolvimento. A tendência é que ele conheça suas

possibilidades, valores, motivações e sentimentos e assim passa a ter condições de

fazer as escolhas mais adequadas em situações diversas. Nesse momento de

maturidade tem condições de centrar-se em si e também no outro, o que resulta em

um equilíbrio entre o conhecimento de si mesmo e o conhecimento do mundo

(MAHONEY e ALMEIDA, 2007). Porém, isso não significa que o processo de

desenvolvimento tenha chegado ao fim, pois no contato com o meio no qual o

indivíduo está inserido as transformações continuam. Ao mesmo tempo em que é

influenciado, o homem também influencia os outros.

Cabe ressaltar um aspecto importante que a teoria walloniana nos aponta em

relação à afetividade, ela apresenta três momentos de evolução: emoção,

sentimentos e paixão.

A emoção é o substrato orgânico da afetividade; os espasmos iniciais do bebê

vão, de forma progressiva, adquirindo formas próprias de expressão, que variam

conforme as interações que se estabelecem entre o sujeito e as pessoas com quem

ele convive, que são os outros6. Pessôa (2010) explica que os espasmos iniciais

(choro e cólica) implicam-se diretamente com a motricidade da criança, com o seu

tônus (contração e descontração).

Portanto, podemos afirmar que a emoção7 é visivelmente percebida e é

corpórea, pelo fato de se manifestar no corpo. Por conta disso, por exemplo,

observamos que quando uma pessoa está nervosa suas mãos ficam trêmulas ou

apresenta sudorese ou chora. Zazzo (1978, p.98), a partir da teoria walloniana,

afirma que a emoção se manifesta antes da linguagem: “a emoção esboça o

pensamento, a representação que lhe é contraditória e não contrária e dá também

início à distinção do eu e de outrem, preludia as afirmações da personalidade.”

A emoção é o substrato orgânico da afetividade, entretanto, na medida em

que ela se expressa socialmente está sujeita a interpretações pessoais

fundamentadas no social e na cultura, as quais modulam e constituem a dinâmica do

psiquismo humano. Pode-se dizer que a emoção é a exteriorização da afetividade

6 O outro sempre está inserido no meio e, na perspectiva walloniana, os dois estão imbricados e se constituem de forma mútua. 7 Wallon define emoção como um sistema de atitudes.

50

por meio da expressão corporal, motora, visível, ativada pelo fisiológico. A emoção

aparece no bebê na forma de espasmos, que são contrações musculares e viscerais

e também se manifestam como expressões de bem-estar ou mal-estar, assim a

emoção estabelece os primeiros laços com o mundo humano e por meio dele, com o

mundo físico. Segundo Almeida (2010), a emoção é determinante na evolução

mental, pois a criança responde a estímulos musculares (sensibilidade

proprioceptiva), viscerais (sensibilidade interoceptiva) e externos (sensibilidade

exteroceptiva). Aos poucos a criança vai afinando suas trocas com o mundo e é pela

resposta do outro que ela passa a produzir os traços dos estímulos, assim podemos

dizer que as atitudes que resultam da emoção têm influência da percepção e da

interpretação do outro. A voz “trêmula” durante uma exposição, por exemplo, pode

demonstrar ansiedade por se expressar em público ou insegurança por não ter se

preparado para o evento; um sorriso, durante um discurso, pode ser interpretado

como descontração e para outro pode revelar tensão e nervosismo.

O sentimento é a representação da emoção, pois Wallon refere-se às

representações para traduzir a emoção que podem ser elaboradas variavelmente

pelo indivíduo, pois este utiliza a linguagem, os gestos, a arte ou a literatura para

interagir. Essa representação é elaborada mentalmente e pode ou não se tornar

conhecida, o que não é o caso da emoção.

Os sentimentos permeiam as relações sociais que acontecem em diferentes

meios, como é o caso da atuação do professor que trabalha com literatura

infantojuvenil, pois ele é afetado pelos seus alunos e pela obras literárias.

Já a paixão pressupõe o autocontrole do indivíduo para atender a um objetivo;

é a capacidade de tornar secreta a emoção que se faz presente, mantendo em

segredo algo que o sentimento publicaria, assim a paixão torna a emoção silenciosa,

de acordo com a teoria walloniana. Pessôa (2010, p. 54 ) salienta que é preciso

compreender: “ainda que não haja exteriorização, ou seja, uma manifestação

objetiva da emoção, esta não deixa de existir e de ser constitutiva do indivíduo,

podendo, algum momento, vir à tona e tornar-se pública (muitas vezes até de modo

inadequado)”.

Sobre a exigência do autocontrole no convívio social, Wallon nos atenta para

o fato de que a paixão só se manifesta após os três anos de idade.

51

A paixão pode ser intensa e profunda na criança. Mas com ela aparece a capacidade de tornar a emoção silenciosa. Portanto, para se desenvolver, pressupõe o autocontrole da pessoa e não pode vir antes da oposição claramente sentida entre si mesmo e o outro, cuja consciência não se dá antes dos 3 anos. Então a criança se torna capaz de alimentar secretamente frenéticos ciúmes, apegos exclusivos, ambições talvez vagas, mas nem por isso menos exigentes. (WALLON, 2007, p.126)

3.1.2 Ato motor

Na teoria walloniana, o ato motor vai além do deslocamento físico do corpo no

tempo e no espaço.

Para Wallon, o movimento também é entendido na sua expressão simbólica,

já que o homem é o único ser que possui tal capacidade; afirma ele que o ato mental

se desenvolve a partir do ato motor e com o passar do tempo passa a inibi-lo, porém

sem deixar de ser atividade corpórea.

É a motricidade expressiva da mímica, inteiramente ineficaz do ponto de vista instrumental: não tem efeitos transformadores sobre o ambiente físico. Mas o mesmo não acontece em relação ao ambiente social: pela expressividade o indivíduo humano atua sobre o outro, e é isto que lhe permite sobreviver, durante o seu prolongado período de dependência. (DANTAS, 1992, p.38)

Wallon, em sua análise genética, evidencia que a motricidade humana

começa pela atuação sobre o meio social, antes de haver a possibilidade de

modificar o meio físico e esse contato nunca é direito, pois é sempre intermediado

pelo social, tanto na dimensão interpessoal quanto cultural.

De acordo com o psicólogo, o movimento começa na vida fetal e ao longo do

desenvolvimento, o ato motor se aperfeiçoa, o que significa que o bebê apresenta

um movimento global, mas ele passa a ser ajustado com o tempo e o meio influencia

ao proporcionar ou não situações desafiadoras:

A maturação em conjunto com a ação do meio humano, exercendo um sobre o ouro uma influência recíproca, provocará progressos decisivos na evolução da criança. Sob os efeitos dessa influência recíproca, os movimentos impulsivos vão se transformando em movimentos que traduzem meios de expressão e formas de comunicação mais elaborados. (DUARTE; GULASSA, 2009, p.24)

52

3.1.3 Conhecimento

Assim como o movimento, o conhecimento também se apresenta de maneira

global e não muito clara nos primeiros anos de vida, mas ao longo do tempo vai se

aprimorando por meio da interação do indivíduo com o ambiente e com os outros.

No processo de aprendizagem, o conhecimento e a afetividade compõem

uma díade, a qual se alterna com mais clareza durante os estágios iniciais do

desenvolvimento do indivíduo, porém essa relação continua por toda a vida.

Pelo fato de a escola ser o locus da aprendizagem formal, cabe ao professor

buscar maneiras de proporcionar o acesso da criança à literatura de uma maneira

agradável e auxiliá-la na reflexão sobre as obras e a sociedade na qual está

inserida.

3.1.4 Pessoa

Embora com as suas especificidades estruturais e funcionais, o ato motor, o

conhecimento e a afetividade têm um impacto no quarto conjunto: a pessoa, pois, ao

mesmo tempo que este garante a integração dos conjuntos funcionais, é também

resultado dela. Mahoney (2004, p. 19) explica que:

Cada indivíduo tem uma forma própria e única, que caracteriza sua

personalidade em movimento contínuo que vai desde a pessoa orgânica

(predomínio do motor- nos três primeiros meses) até a pessoa moral

(adolescência-predomínio do afetivo), passando pelo sensório-motor e

categorial.

A separação ocorre para que possamos compreender a particularidade dos

domínios, porém na realidade cada um é parte constitutiva dos outros, ou seja, estão

interligados embora haja predominância de um ou de outro, dependendo da

situação. De acordo com Prandini (2004), o imbricamento e o dinamismo dos

conjuntos conferem movimento ao psiquismo do indivíduo. Não ocorre uma simples

junção dos domínios, pois é a maneira pela qual se articulam que configura o

domínio funcional pessoa, que é o todo diante do qual cada um dos outros domínios

deve ser visto, pois para Wallon cada parte deve ser considerada diante do todo do

qual é parte constitutiva, sob pena de, ao contrário, perder seu significado essencial.

53

Pode-se dizer que pessoa é um conceito abstrato, genérico, que se refere ao que há

em comum entre os homens, opondo-se ao conceito de indivíduo, como homem

particular, concreto.

Pessôa (2010) usa a metáfora do caleidoscópio para explicar o conjunto

funcional pessoa. Segundo a autora, os espelhos que há em seu interior podem ser

entendidos como os domínios afetividade, ato motor e conhecimento, e as contas

coloridas representariam características e especificidades de cada um dos domínios.

Já a bela imagem que pode ser vista pelo orifício corresponde ao quarto conjunto

funcional: pessoa. No caleidoscópio há diversas possibilidades de combinações,

inclusão ou exclusão de peças que podem representar os elementos constitutivos

deste domínio funcional, o que representa a individualidade do psiquismo humano e

o quanto as relações com seus pares e com o meio também podem influenciar em

suas atitudes ou decisões, principalmente na adolescência e na fase adulta, pois o

seu objeto não é mais o concreto e o pessoal, mas o metafísico e o universal,

segundo a teoria walloniana.

A pessoa parece então ir além dela mesma. Para as diversas relações sociais que acabara de aceitar e nas quais parecia ter apagado, procura uma significação, uma justificativa. Confronta entre si valores e compara-se com eles. Com esse novo progresso, termina a preparação para a vida que a infância foi. (WALLON, 2007, p. 190)

3.2 O Papel dos Meios e dos Grupos na Constituição da Pessoa

Ao estudar a teoria walloniana, percebemos o quanto o meio é importante

para o processo de desenvolvimento do ser humano. “O meio é o complemento

indispensável do ser vivo. Ele deverá corresponder às suas necessidades e às suas

aptidões sensoriomotoras e, depois, psicomotoras.” (WALLON, 1986, p.168).

Perante essa afirmação, destaca-se que o ser e o mundo em que vive se

complementam, pois há trocas entre eles, assim as suas transformações são

mútuas.

54

O meio é diferente do grupo, pois o meio contém o grupo, inclusive dentro do

meio pode haver diversos grupos, como, por exemplo, a família8 ou os grupos que

se formam na escola ou no ambiente de trabalho e é por conta dessa organização

de trabalho que ocorrem as relações interpessoais e assim os indivíduos se

humanizam.

Wallon (1973a, p.163) apresenta três tipos de meios:

a) meio físico-químico : refere-se às condições do ambiente que são fundamentais para a sobrevivência dos seres vivos, com por exemplo a água, oxigênio etc.;

b) meio biológico : corresponde ao espaço em que convivem várias espécies (oceanos, florestas), o que proporciona um estado de equilíbrio mais ou menos estável;

c) meio social : é um ambiente de convivência de indivíduos. O meio social sobrepõe-se o meio físico.

O psicólogo francês explica que a existência biológica do indivíduo civilizado

já não é exatamente a mesma de um homem reduzido ao estado da natureza, assim

pode-se concluir que ela muda conforme o nível e as formas de civilização. Sabe-se

que a sociedade põe o sujeito em presença de novos meios, de novas necessidades

e possibilidades de evolução, assim a criança ou adolescente pode ter como mudar

a sua realidade, porém isso dependerá também do meio em que vive.

Sobre essa questão Wallon (1973a, p.165) afirma o seguinte:

A constituição biológica da criança ao nascer não será a lei única do seu futuro destino. Os seus efeitos podem ser amplamente transformados pelas circunstâncias sociais de sua existência, donde a escolha pessoal não está ausente.

Para esse teórico, meios e grupos são distintos, porém em alguns casos

podem coexistir como é o caso da família. Um grupo é um conjunto de pessoas, as

quais atuam em função de objetivos determinados e são esses objetivos que

definem a composição do grupo, a divisão de tarefas, os procedimentos que regulam

as relações dos membros entre si e sua hierarquia. O teórico ressalta que assim

8 Segundo Wallon alguns meios são grupos ao mesmo tempo, isso ocorre porque sua existência é baseada na reunião de indivíduos que mantêm relações que determinam o papel ou o lugar de cada um. Exemplo: a família (ALMEIDA, 2009).

55

como os objetivos, a sua constituição também deve levar em consideração os outros

aspectos: faixa etária, aptidões físicas, intelectuais e sociais das crianças.

Segundo a teoria walloniana o grupo é indispensável para a criança pelo fato

de contribuir para a aprendizagem social e, principalmente, para o desenvolvimento

de sua personalidade e para a consciência de si mesma. O grupo a coloca entre

duas exigências opostas e complementares: a necessidade da pertença ao grupo e

a necessidade de mostrar a sua individualidade.

3.3 A Questão do Outro na Constituição da Pessoa

Para Wallon, o psiquismo humano se constitui a partir de um todo sincrético,

que gradativamente caminha para uma diferenciação. Nesse processo, o papel do

outro é fundamental.

À medida que a criança vai reconhecendo a si mesma como eu, passa a

perceber o outro. “A elaboração do Eu e do Outro por parte da consciência faz-se

simultaneamente” (WALLON, 1973, p.159). O Eu e o outro tornam-se perfeitamente

distintos no estágio do personalismo. No estágio categorial, as relações Eu-Outro

tornam-se melhor delimitadas e assumidas.

Para que seja possível articular a proposta deste estudo com as premissas da

teoria walloniana, é preciso pensar na relação professor-Outro, pois o outro o

constitui o tempo todo. Ao relembrar experiências passadas percebe-se a influência

de muitos outros que, da infância à idade adulta, modelam sua prática e fazem com

que reflita sobre ela, ou provocam mudanças em si mesmo e nos seus alunos. Por

outro lado, é preciso considerar que o professor (Marta) no caso em discussão, é o

Outro para seus alunos.

Eu-outro é uma relação que permeia toda a constituição psíquica do ser

humano, desde o seu nascimento (de modo sincrético) até o fim de sua vida.

Entretanto, devem-se levar em consideração as especificidades de tal relação, ou

seja, as possibilidades biológicas do indivíduo e o meio em que está inserido.De

acordo com Zazzo (1978, p.60), Wallon dedicou apenas dois artigos ao estudo

56

dessa relação eu-outro. Esses artigos foram publicados pela revista Enfance9 e são:

O papel do “outro” na consciência do “eu” (1946) e Níveis de flutuações do eu

(1956). Ainda segundo Zazzo (1978) é possível distinguir, na obra de Wallon, três

modalidades de Outro: Outro, Outros, Outro Íntimo ou Socius.

Outro é um conceito amplo e abrangente; refere-se ao outro de um modo

genérico. Já os outros são aqueles com os quais o indivíduo convive e interage de

forma concreta e o outro íntimo ou socius, é “o fantasma de outrem” em nós.

Entende-se, portanto, que o socius é esse outro íntimo que surge a partir do processo de diferenciação eu-outro. Tem em sua constituição elementos das relações com o outro, com a cultura e com os diferentes tipos de meio. Sendo ele um parceiro constante na vida psíquica do indivíduo, cuja constituição se dá de forma dinâmica, sua formação também ocorre de modo contínuo, processual, obtendo uma nova configuração a partir dessas relações que se estabelecem no decorrer da vida humana. Assim, o outro íntimo (socius) articula elementos novos e antigos da experiência do indivíduo, não numa simples agregação ou sobreposição de características, mas uma nova combinação que lhe confere, constantemente, um novo perfil. (PESSÔA, 2011, p.5)

9 Enfance é uma revista francesa fundada por Henri Wallon em 1948 que continua em circulação. Alguns números, considerados especiais, foram transformados em livros: Psicologia e Educação da Infância e Objectivos e Métodos da Psicologia.

57

4

Análise e discussão ... os problemas do presente e os que vislumbramos para um futuro próximo impõem à Psicologia tarefas cada vez maiores e mais desafiadoras; disso decorre a imperativa necessidade de reflexão sobre seu significado e sua responsabilidade na construção do devir histórico.

(ANTUNES, 2007, p. 9)

58

A entrevista gravada (Apêndice A) foi transcrita por mim. Percebi que estava

já iniciando o processo de análise, pois ao transcrevê-la lembrava do jeito de Marta

ao falar, do seu entusiasmo ou frustração, e de trechos da obra de Wallon. Elaborei

então um quadro para facilitar a discussão, com duas colunas: 1) explicitação dos

significados (o significado que eu captei da fala de Marta) e 2) combinações

possíveis (para formar um conjunto que me permitisse definir eixos de análise).

Lendo e relendo esse quadro (Apêndice B), identifiquei seis eixos temáticos:

convivência com o meio escolar, professores marcantes, o brincar, contato com os

livros, solidariedade e o papel do outro na atuação do professor.

Para a discussão foram selecionados os episódios mais representativos de

cada um dos eixos temáticos por dois motivos: primeiramente por ser inviável citar

todos e também porque vários deles são semelhantes.

4.1 Convivência com o Meio Escolar

O primeiro momento da análise está relacionado ao meio escolar, pois Marta

deixa claro que a sua convivência com a escola começou muito cedo, antes mesmo

de frequentá-la por conta do trabalho dos pais.

Tinha uma professora chamada professora Neusa, ela ficava dando aula para

os alunos, eu ficava só olhando, eu tinha 6 anos completos, eu ficava só

olhando até que um dia ela me mandou entrar para dentro da sala de aula.

Entra aqui! Aí me deu um caderno, me deu um lápis e eu comecei, não tinha

nem sete anos ainda e fui... passei para o segundo ano, só que naquela época

não podia estudar quem não tivesse sete anos ou que fosse completar sete

anos até uma determinada idade, então eu não fui para o segundo ano. Na

verdade eu fui para o segundo ano, mas quando viram que eu não tinha idade

tive que voltar... fazer o segundo ano de novo, mas tudo bem.

Por meio desse comentário é possível perceber que a professora Neusa teve

um papel muito importante na vida de Marta, pois a acolheu ao perceber que a

59

menina tinha curiosidade em conhecer o ambiente escolar. Dessa maneira, pode-se

dizer que o meio foi fundamental para que se constituísse como pessoa.

O meio social regula a existência individual, a estrutura familiar, as relações com outros indivíduos e grupos, conforme idade, sexo etc. A linguagem do meio modula os pensamentos, e os instrumentos culturais dão forma aos movimentos. (ALMEIDA, 2008, p. 10)

Faz-se necessário chamar a atenção quanto ao papel da família na trajetória

da entrevistada.

A família não representa uma simples coleção de indivíduos. Diferentemente de outros mais ou menos facultativos, “a família é um grupo natural e necessário. Não que exista uma estrutura imposta pela Natureza e universal. A família é um grupo natural no sentido de que é, para a criança, a questão de “ser ou não ser” o fato de estar inserida por seu nascimento num grupo destinado a assegurar-lhe a alimentação, a manutenção, a primeira educação. (DANTAS, 1983. p. 210)

A família veio de Pernambuco, primeiro o pai que arrumou emprego de

zelador em uma escola pública de São Paulo, depois os cinco filhos e a mulher, que

conseguiu trabalho na mesma escola como merendeira. Marta descreve como era o

primeiro lugar que moraram.

Nós moramos durante seis meses dentro de um quartinho, 4 por 6, uma coisa

assim, um quarto pequeno onde meu pai fazia a limpeza da escola e a gente

dormia na sala de aula, então começou por aí. E de manhã na hora que a gente

levantava, tinha que levantar cedo porque logo começava a aula.

4.2 Professores Marcantes

Ao longo da entrevista foram citados diversos professores que Marta considera

que foram marcantes e ficou claro, em grande parte de sua fala, o papel da

afetividade. A afetividade, para Wallon, refere-se à capacidade que o indivíduo tem

de ser afetado pelo mundo interno e externo, por sensações que podem estar

ligadas a tonalidades agradáveis ou desagradáveis.

60

Na infância, uma das professoras citadas por Marta foi a Clara, pessoa que

ela descreve fisicamente com muito carinho e fica surpresa ao relembrar os detalhes

depois de tantos anos.

Eu lembro que ela era bem branquinha, de olhinho bem azul que namorava com

um professor da escola. Tá vendo? (risos) eu me lembro bastante, viu? Ela me

marcou mais. Eu me lembrava que ela se interessava, queria saber como é que

eu estava, com o meu estudo e eu nessa época não estava mais morando na

escola.

Depois ela ressalta o quanto essa professora a marcou por se interessar por

ela, ou seja, a atitude da professora a afetou profundamente.

Ela me marcou muito porque ela se preocupava comigo, sabia da história da

minha família, então sempre perguntava como estava o meu pai, minha mãe,

meus irmãos. A dedicação dela me lembrou bastante, porque eu me lembro que

ela vinha na mesa, dizia não é assim, escreve direito e isso me marcou

bastante...

O contato com a professora e com o ambiente escolar traz boas lembranças

para Marta, relembrando que num primeiro momento só observava aquele espaço

(sala de aula) e quando foi convidada para entrar sentiu que pertencia a ele, por ter

sido acolhida.

O espaço não é primitivamente uma ordem entre as coisas, mas antes uma qualidade das coisas em relação a nós mesmos e, nesta relação, é grande a parte que cabe a afetividade, à pertença, à aproximação ou ao evitamento, à proximidade ou o afastamento. (WALLON, 2008, p. 206)

Outra professora citada por Marta foi a Nádia, só que esta professora a

marcou de outra maneira, pois era enérgica e exigia mais dos alunos, porém a

cativou pela forma que dava aula.

61

Era durona, sabe uma pessoa mais seca. Não era tão doce como era Clara,

mas era uma pessoa mais seca, mas marcou bastante esse jeito dela ser

porque mesmo sendo seca ela conseguia cativar, ela conseguia passar o

conteúdo dela, sabe? Eu não sei explicar mas nunca esqueci.

Pelo que se observa na fala de Marta, em alguns pontos ela acredita que se

assemelha com a Nádia, pois se preocupa com os alunos, mas é exigente e muitos

a consideram enérgica. Outra professora na qual a entrevistada se inspirou foi a

Margarida, que deu aula no Magistério, demonstrando claramente que a considera

um modelo.

Ela tinha uma visão. Ela sabia de matemática, sabia fazer essa relação de uma

forma tão articulada e tão bem feita, ela tinha visão do que ia acontecer...

acontecer antes, acontecer depois, sabe tudo assim? E isso eu tenho muito

dela, aprendi com ela. Claro que não tão bem quanto ela, é óbvio, né? Nunca

vou ter a experiência que ela teve e que ela tem até hoje, mas que eu aprendi

algumas coisas com ela, essa é a que me marcou mais em termo disso.

Sobre o quarto ano, ela fez poucos comentários, pois teve duas ou três

professoras em tão pouco tempo (não sabe o número certo), mas é possível

observar que isso a incomodou. Só citou a última (Iara) que um dia pediu para os

meninos saírem da classe e conversou com as meninas sobre menstruação e como

ela estava na fase da pré-adolescência achou interessante. Marta finalizou dizendo

que foi só isso que ficou do quarto ano para ela, mais nada.

Já no Ensino Médio cita uma professora de geografia que a marcou de forma

negativa, porém reconhece que contribuiu de alguma maneira para a sua escolha

profissional, não como modelo, mas como desafio.

62

4.3 O Brincar

Ao falar de brincar, Marta deixa claro que a dificuldade financeira não a

impediu de se divertir com os seus irmãos, apesar de não reconhecer isso num

primeiro momento.

Desde que me conheço como gente trabalhando, tá então não foi assim uma

infância com brinquedos, não foi assim uma infância assim com as brincadeiras

éramos nós mesmos que fazíamos nossos brinquedos. Eu lembro que o meu

irmão, vendia doce e a gente pegava as caixinhas de doce e a gente fazia

nossos brinquedos, então fazia a bolsa, a roupinha da boneca com restos de

tecido porque a minha mãe também costurava pra fora. Sempre dentro das

minhas condições foi uma infância cheia de brinquedos.

Para Wallon, o brincar na infância é algo fundamental para o desenvolvimento

da criança.

Substituindo seu verdadeiro objeto, dão-lhe contudo oportunidade para se mostrar e se exprimir. Essa transferência por certo lhe poupa suas consequências reais mais temidas. Conserva contudo sua significação que, embora inconfessada, é ainda mais capaz de suscitar, diversificar e satisfazer as necessidades de uma sensibilização ávida de se experimentar e de se conhecer. (WALLON, 2007, p. 63)

Marta deixa claro por diversas vezes que a infância foi difícil e após comentar

sobre a falta de televisão em casa, comenta sobre a época que morou em um lugar

improvisado, ou seja, não tinha luz, água encanada, nem esgoto e por conta da

situação precária, o pai fez um poço de onde tiravam água para tomar banho,

cozinhar e lavar as vasilhas. Após esse comentário ela fala mais uma vez sobre o

que faziam para se divertir.

Tudo éramos nós que tínhamos que fazer, né. Então, eu lembro muito disso,

que tinha mina de água próxima, então a brincadeira nossa..., isso quando

63

dava tempo de brincar, porque como falei era uma cuidando da outra. Tinha

uma mina, então... lembro que a gente fazia panela de barro, pegava o barro

tinha argila, fazia as panelinhas, então era o dinheiro lembro, por exemplo,

pegávamos a folha e fingíamos que era dinheiro... muito assim a criatividade

aflorando ali no ambiente que nós tínhamos.

4.4 Contato com os Livros

O contato com os livros, primeiramente, foi por um acaso aos 8 ou 9 anos,

pois vinham de brinde junto com a caixa de sabão em pó que a mãe utilizava para

lavar roupas. Ela conta que ficava ansiosa para ver qual era a obra que viria naquele

mês. Depois Marta comenta sobre o livro da sua tia em cuja capa estava escrito “A

Bela e a Fera”

Nesse livro tinham três historinhas, era um livro bem rústico tudo amassado,

todo sujinho, todo caindo, mas eu ainda me lembro daquele livro. A Bela e a

Fera, agora não me lembro o nome da lenda, que a moça ia pegar água no

jarro, encontrava uma velhinha e daí dava água para a velhinha agora não

recordo o nome... e toda vez que ela falava saia pedra, diamantes da boca e

da irmã que era invejosa daí saiam sapos, cobras...

A mãe também contribuiu para que ela se interessasse pelos livros. Como

trabalhava na escola ficava sabendo quando os livros iriam ser descartados, então

ela os levava para os filhos.

Tudo que ela via na escola, por exemplo, vai jogar tal livro daí ela falava:

posso levar pra casa e levava pra casa pra gente pintar, pra gente ler.

Sempre teve muito incentivo, mais por parte da minha mãe do que por parte

do meu pai, é porque o meu pai sempre se preocupou muito em prover a

casa, dar as mínimas condições pra gente sobreviver e a minha mãe também

64

trabalhava, lavava pra fora, cozinhava... fazia um monte de coisa, mas tinha

aquela preocupação de fazer com que os filhos fossem para escola.

A entrevistada ressalta a preocupação dos pais quanto ao estudo dos filhos,

mesmo tendo estudado pouco: o pai cursou até o quarto ano do antigo grupo escolar

e a mãe até o terceiro ano. Além dos livros, a mãe se preocupava em garantir o

acesso à escola e o mínimo de condições possíveis.

Principalmente a minha mãe era uma pessoa que sempre incentivou muito a

gente na escola, então ela fazia de tudo pra gente. A gente tinha caderno...

ela deixava de comprar outras coisas, mas tinha que ter o caderno, tinha que

ter o livro.

Na escola, o acesso aos livros era difícil, segundo Marta, pois estudava em

uma instituição pública e os professores não incentivavam e nem “cobravam”

alguma leitura de livro, tudo era por conta dos alunos, ela afirma, ou seja, quem

quisesse deveria ir em busca desse tipo de conhecimento e foi o que fez na época.

Eu lembro que tinha uma biblioteca... tinha não, tem uma biblioteca em

Diadema, no lugar onde eu moro, onde eu participava principalmente na

época de férias, nós tínhamos a carteirinha, eu e meu irmão nós íamos e

pegávamos livros e fazíamos a leitura, nós fazíamos por nossa conta, não

que a escola sugerisse isso, não tinha muito contato com o livro perante a

escola, a escola não tinha vamos dizer assim uma biblioteca, não tinha uma

biblioteca, a biblioteca que tinha era mais para fazer pesquisa, então não era

um acesso tão grande.. era uma escola pequena não tinha tudo isso.

No Ensino Médio, ela teve um contato maior com os livros, principalmente

com os de literatura. O interessante é que a professora da disciplina buscou uma

solução para que os alunos lessem mais livros, pois um emprestava para o outro, o

que proporcionou aos estudantes de uma escola pública conhecer os clássicos

65

literários, já que a compra dos principais títulos seria inviável por causa do aspecto

financeiro.

As professoras, principalmente a de literatura, cobravam muito, eu lembro que

nós tínhamos uma biblioteca de sala, cada aluno trazia dois, três livros e nós

fazíamos um rodízio desses livros. Aí foi que eu tive um contato maior, que

abriu “meu leque” além daquelas opções que pediam para a gente ler:

Ateneu, Iracema, Senhora, todos esses livros de vestibular a gente lia em

sala de aula fazendo essa troca, além da minha irmã que lia e passava para

mim, assim por diante.

Marta fez, primeiramente, licenciatura em História e quando iniciou percebeu

que o ritmo era muito diferente daquele a que estava acostumada. Afirma que o

primeiro contato foi um choque, mas se adaptou à nova rotina.Foi possível observar

que sentia falta da atenção que os professores do Ensino Médio lhe davam.

Foi um choque a forma de avaliar, de fazer trabalho, porque no Ensino Médio

não era assim, apesar de ter alguns professores chamando a atenção: Não é

assim, faz desse jeito, mas mesmo assim foi algo que foi diferente para mim.

Para Marta, o início do curso superior foi um desafio que lhe causou

desconforto, mesmo entendendo que isso faz parte de nossa vida, e que cada um

age de uma determinada maneira perante um problema. Wallon ressalta esse fato

no processo de desenvolvimento:

A análise das situações, colocando frente a frente as circunstâncias e o indivíduo, põe o problema de saber qual a participação respectiva na acção resultante. É corrente verificar que certas circunstâncias são determinantes para a maior parte dos indivíduos e que, inversamente, cada indivíduo pode ter a sua maneira própria de reagir em circunstâncias muito diversas. (WALLON, 1975, p. 405)

Logo em seguida, Marta cita um professor de História Antiga, pelo qual se

sentiu acolhida e garante que aprendeu muito com ele, inclusive o descreve com

detalhes e demonstra ter por ele uma grande admiração.

66

(...) era um senhorzinho que deveria ter setenta e poucos anos, surdo... surdo

de um ouvido, mas que também tinha uma experiência. Gente! Nas aulas

dele eu “viajava”. Sabe aquela pessoa que começa contar e você imaginar,

sabe? Era aquela aula que eu não faltava, um dia ele dava... de quarta-feira,

ele dava as quatro aulas para a gente e era uma aula... que eu me deliciava

com a aula dele, hoje ele é falecido, mas era ótimo, uma sumidade. Ele

contava que os pais eram donos de fazenda de café e ele para contrariar foi

seguir a profissão de professor e os pais abominavam: Imagina um

fazendeiro, um filho de fazendeiro de café riquíssimo vai ser professor,

imagina década de 40, 50, né?

Assim que concluiu o curso de História, resolveu fazer Pedagogia, só que

Marta fala muito mais sobre o primeiro curso, pois considera que o outro não

acrescentou muito em sua vida, inclusive o compara com o Magistério e garante que

aprendeu mais na formação de nível técnico e no curso de história, inclusive o

professor que cita como marcante no primeira licenciatura, diz que não teve a

mesma importância em sua vida quando lecionou em pedagogia.

no curso de história ele me fascinou bastante, agora no de pedagogia, mesmo

tendo ele eu me decepcionei muito, por quê? Porque eu aprendi muito mais no

meu Magistério do que aprendi no curso de Pedagogia porque para mim era um

curso arcaico, onde o professor chegava e dava... eu formada em história

achava aquilo o cúmulo do absurdo. Tivemos que fazer uma apostila como se

fosse um livro de como dar aula de história, aquela coisa bem arcaica,

“fechadinha”, tinha que ser daquele jeito não pode... não... daquele jeito. Sabe

aquela coisa quadradinha pergunta e resposta, aquela metodologia bem

ultrapassada e coisas que eu tinha visto no magistério não vi nem um décimo

no curso de pedagogia.

Marta deixa claro que o seu curso de Magistério foi dado pelo CEFAM (Centro

de Formação para o Magistério), projeto que previa a formação de professores em

67

tempo integral, com bolsa remunerada para os alunos. Foi de inegável qualidade,

conforme atestam várias pesquisas realizadas sobre ele.

4.5 Solidariedade

A solidariedade esteve presente na vida de Marta, pois tanto ela quanto a

família puderam contar com a ajuda de algumas pessoas. Assim que chegaram a

São Paulo, a família pode morar na própria escola. Primeiro o pai veio e arrumou

trabalho, depois trouxe a esposa e os cinco filhos. A dificuldade era grande, mas

isso fortalecia o relacionamento entre eles, o pai e a mãe provinham o sustento e os

filhos colaboravam.

Tinha um irmão mais velho que eu, tinha dez anos na época eu tinha sete e

tinha uma irmã de quatro e uma cuidava da outra enquanto a minha mãe

trabalhava. Sempre foi assim e... desde que me conheço como gente

trabalhando

A mãe levava para casa livros e revistas que seriam descartados para que os

filhos tivessem acesso a esse material, por acreditar que isso seria bom para o

futuro deles e a irmã assinou uma revista, por meio da qual puderam conhecer

títulos variados da literatura inglesa e brasileira.

[...] a minha irmã mais velha fazia a assinatura da revista do círculo do livro,

era uma revista que nós comprávamos livro, são livros que a gente compra,

daí que eu li todos os livros da Agatha Christie, Castro Alves, Navio Negreiro,

Espuma Flutuante, sabe? Aí foi que eu tive um contato maior, que abriu “meu

leque” além daquelas opções que pediam para a gente ler: Ateneu, Iracema,

Senhora.

68

Marta e a família puderam contar com a ajuda de um vizinho, pois na época

não tinham condições financeiras para comprar um aparelho de tevê, então

assistiam na casa dessa pessoa. Ela conta que o pai só comprar televisão anos

depois, quando ela tinha 10 anos. A menina também teve a ajuda de diversos

professores, que demonstraram carinho e a compreenderam, primeiro foi a Neusa,

que a convidou para entrar na classe, até mesmo antes de completar 7 anos e ainda

ofereceu material para que pudesse participar da aula.

A solidariedade que Marta recebeu na infância vinda de pessoas tão diferentes,

ela levou para sua atuação como professora. Solidariedade é um valor que, para

Wallon, a escola deve incutir nos alunos, não pelo discurso, mas pelas ações.

4.6 O Papel do Outro na Atuação Docente

A influência dos professores em sua prática pedagógica fica evidente em sua

fala. Primeiramente, diz que essa parte é difícil e ri e depois começa falando que vê

nela um pouco da professora Margarida.

Eu me vejo um pouco da Margarida, o encantamento que ela passava pra gente

como professora, ela gostava muito, dedicou a vida toda a aula, não que eu

tenha feito a mesma coisa que ela, mas eu me vejo um pouco dela, de tentar

passar para os meus alunos tudo que eu sei da melhor forma possível, tentando

“encantar” esses alunos através do conhecimento, não encantar forçando.

Em seguida, diz que é exigente e que busca a perfeição, acha que como

professora deve valorizar isso e por esse motivo estabelece limites, exige o

melhor de cada um dos seus alunos.

[...] o aluno precisa: de limite, mas um limite com amor, atenção, seja um

aluno organizado para que ele entenda que essa aprendizagem deve

acontecer pra ele e não pra mim, isso eu tenho bem claro, não é pra mim, eu

69

deixo bem claro em diversos momentos em sala de aula, isso o que estou

fazendo é por vocês e o gozado é que no final do ano eles acabam me

dando um retorno disso, porque os meus alunos...

Fica evidente que Marta espera que os alunos sejam como ela, que busquem

o conhecimento, estudem, “se cobrem” e deem o melhor de si. Wallon discorre sobre

o fato de muitas pessoas se projetarem no outro.

O Eu tanto projecta noutrem os traços da sua personagem, como por vezes não ousa sequer reconhecer-se. Wernicke notara que os doentes que o consultavam apresentavam frequentemente a pessoa que os acompanhava como sendo o doente e eles próprios como sendo o acompanhante. (WALLON, 1975, p. 169)

Wallon usa aqui a comparação do “normal” com o “patológico”, pois sua

abordagem é genética, concreta e multidimensional, mas é possível associá-la ao

caso de Marta. Ela diz que reconhece que tem fama de brava na escola, mas no

decorrer do ano acredita que os pais e os alunos percebem que não é bem assim,

pois ela até se considera uma “manteiga”, “maria-mole” por ser uma pessoa sensível

em diversos aspectos. O seu objetivo é que o aluno seja organizado, que dê o

melhor de si porque eles têm como se dedicar sempre mais.

[...] quando sou enérgica, sou brava, quando quero que eles produzam mais

do que produzem é porque eu sei que são capazes porque se deixar o aluno

faz o mínimo possível e eu acho que não tem o mínimo, o aluno pode muito

mais, talvez a vida tenha me ensinado isso, entendeu? (voz trêmula) Tá

vendo (risos)? Acho que meus pais, acho que meu pai dizia uma coisa assim:

“Deus dá o frio de acordo com o cobertor”, ele tinha razão. Sabe? Eu procuro

passar pro meu aluno justamente isso.

É interessante observar que nesse momento da entrevista, Marta se

emociona, apresenta voz trêmula, ri em seguida, tentando disfarçar e até pede

70

desculpas e tenta se recompor para continuar a entrevista. Mas fica perceptível que

a sua história de vida influencia na sua atuação em sala de aula, pois, seu pai, bem

como o meio em que viveu, ensinaram-lhe muitas coisas. Tudo o que passou em

sua infância fez com que desse mais valor às coisas e assim tenta passar esse

ensinamento para os seus alunos. Mas o fez por acreditar que os alunos possam dar

muito mais do que estão apresentando, por confiar na capacidade de cada um, e

transmite isso para eles.

Que eles sempre podem mais... não é o mínimo. Na minha exigência eu

procuro mostrar isso pra ele, que ele sempre consegue mais do que eles dão.

Esse desenho está bonito, mas o que você pode fazer de diferente? Pode

fazer desse jeito porque vai ficar melhor, por causa disso, por causa daquilo.

Não só cobrando, mas cobrando e mostrar o quanto você pode dar ali, o

quanto pode melhor ali.

Marta demonstra que se preocupa com o conhecimento que os seus alunos

adquirem, e considera o aspecto cognitivo como responsabilidade da escola. Ela

cuida de desenvolver o cognitivo:

O conjunto cognitivo oferece as possibilidades para aquisição, manutenção e transformação do conhecimento, por meio de imagens, noções, ideias e representações. É o conjunto que permite rever e reelaborar o passado, fixar e analisar o presente e projetar o futuro. (ALMEIDA, 2011, p. 10)

Para desenvolver o cognitivo, não deixa de lado o afetivo: valoriza o aluno,

elogia, “puxa” para dar mais de si. Sua preocupação com o aluno a faz ficar

chateada quando um deles é reprovado e se cobra por isso.

[...] ter que repetir um aluno pra mim é a morte, porque eu vejo até onde eu

fui, mas tem um determinado momento que não é sou eu só, tem outros

fatores que influenciam nisso, tem o aluno, tem a família, tem sei lá a questão

71

da escola, o conhecimento desse aluno, tem um monte de coisa...mas pra

mim é frustrante, por quê? Por que eu não consegui fazer com que esse

aluno avançasse mais, entendeu? Essa é a minha exigência, como

profissional, como pessoa e é isso que eu tento passar pra eles.

Até agora foi possível observar que o outro está presente em sua atuação

pedagógica de uma maneira muito significativa.Primeiramente Marta comenta sobre

a professora Margarida que lhe deu aula quando cursava o antigo Magistério,

inclusive admite que busca inspiração nessa profissional. Em seguida, fala sobre o

quanto exige de seus alunos e lembra-se de uma frase que o seu pai dizia que

“Deus dá o frio de acordo com o cobertor” e se emociona. Assim, é possível

observar que o pai está presente em sua vida e a influencia de alguma maneira, por

conta do ensinamento que lhe passou.

Marta tem a intenção de contribuir na formação de outros professores e se

inspira na Margarida, por admirar o seu trabalho.

[...] eu aprendo cada dia que passa com esses alunos que estão ai, e eu

também quero passar um pouco disso que eu sei, então como eu falei a

minha referência é a Margarida mesmo porque ela continua fazendo isso até

hoje, ela tem grupos que ela monta na casa dela de professores, ela nunca

parou de trabalhar, nunca parou de estudar, eu quero fazer alguma coisa em

relação, continuando um pouco com essa linha que ela pegou, mesmo não

tendo uma instituição para fazer isso mas eu posso fazer isso de uma outra

forma, dando curso ou de uma outra forma que eu possa colaborar com isso.

Os alunos também contribuem para que Marta reflita sobre algumas

questões, entre elas a importância de relacionar o assunto do livro com a vida deles.

Ela cita o caso de um menino que é gêmeo. Ele fez um comentário que ela

considerou muito interessante sobre irmãos gêmeos que aparecem no livro Alice no

país dos espelhos.

72

(...) um menino que tem um gêmeo fez um comentário, nossa eles são

gêmeos, mas gêmeos não são iguais, mas eles ficam falando tudo tão

igualzinho. Nossa! Eu sou gêmeo, mas eu não sou igual ao meu irmão, então

foi uma hora de desabafo, porque a gente pára para conversar e ele achava

que todas as pessoas o confundiam com o irmão e ele achava que se o irmão

fizesse uma coisa ele também tinha que fazer então isso incomodava, então

foi a hora que ele exteriorizou isso para fora, porque eu também tenho

gêmeos, então a gente acha que o que um faz o outro também faz sabe, mas

é tudo diferente.

O comentário desse menino nos faz refletir o quanto a escola pode contribuir

para que a educação seja repensada, pois há alguns questionamentos levantados

pelas crianças que vão além do cotidiano escolar. Para Wallon, as relações entre

Psicologia e Pedagogia não são de ciência ou arte aplicada, mas são dois

momentos complementares de uma mesma atitude, e as duas, Pedagogia e

Psicologia, servem de instrumento uma para a outra.

.

Explicitava, dessa forma, sua consideração de que a Educação era fonte de questões para a Psicologia, e esta última, por sua vez, a partir de suas próprias pesquisas, poderia oferecer elementos para mudanças nas práticas pedagógicas. Entendia a escola como lugar privilegiado para estudar a criança, pois, o conhecimento desta exige a colaboração de todos os que estão em contato com ela. (ALMEIDA, 2011, p. 11)

Marta destaca que para alcançar o seu objetivo em relação ao cognitivo, é

necessário fazer perguntas aos alunos para que reflitam e relacionem a obra com a

vida em sociedade, e com suas próprias vidas. Está possibilitando, assim, melhor

integração cognitivo-afetiva:

Quando você dá o que ele precisa aí sim ele já faz a relação direto, tudo bem

é do fundamental 2, mas mesmo assim precisa fazer uns “links”: olha você viu

isso lá em literatura, você viu isso naquela leitura, você viu isso na aula de

geografia, então isso a gente não tem, então a vantagem que foi um dos

73

motivos que me fez ficar no ensino fundamental foi isso, porque eu quando

dava aula no ensino médio, e ensino fundamental 2 aqui, aula de geografia,

eu não tinha essa visão, o aluno era um número, eu dava aula em duas, três

salas e era um número.

O autor da obra literária também pode ser considerado um outro significativo,

pois influencia na atuação da professora. No caso da entrevistada, é Monteiro

Lobato, pois Marta cita Minhas Memórias de Lobato, de Luciana Sandroni, no qual

tem a oportunidade de trabalhar a história do Brasil, a biografia do escritor e garante

que explora ao máximo por considerar que tem muito conteúdo.

Tem uma Emilia contando, conta como essa Emilia surgiu, conta essa Emilia

sendo essa bocuda, mas sendo..., mas na verdade Monteiro Lobato se

espelhando nela para contar os problemas que estavam acontecendo nesse

contexto social, conta a relação de uma avó com uma negra desde os 14

anos, ex-escrava, da falta de respeito da sociedade em relação a ela, da

época que não está escrito, mas está sub-escrito nas estrelinhas que você

tem aí e é esse tipo de livro que eu gosto de ler, que não é a história pela

história, mas sim o que tem por trás disso.

Retomando, o outro está presente em diversos momentos da entrevista, que

são pessoas que foram importantes em sua vida e contribuíram para a sua

constituição como pessoa e como docente: o pai, os professores, os alunos e a obra

literária ou o seu autor. Todos eles influenciam na atuação do profissional da

educação e em diversos momentos parece que se confundem, por conta da forte

ligação, ou seja, passam a constituir-se socius, com quem dialoga em situação de

decisão, de incerteza. Uma citação de Wallon esclarece esse momento:

O Eu e o Outro constituem-se conjuntamente. A primeira forma do Outro é ser o segundo termo do par pelo qual se introduz na consciência a distinção fundamental de serem diferentes entre si, mutuamente independentes e cuja existência já não se confunde

74

com as situações sucessivamente vividas pelo sujeito. (WALLON, 1975, p. 172)

No final da entrevista, Marta faz um comentário que demonstra o quanto foi

importante falar sobre a sua história de vida e sobre a sua atuação em classe.

Você sabe que eu não sabia tudo isso de mim. Nossa! Você foi perguntando

e eu contei tanta coisa que eu sei lá, eu sei que eu aprendi e eu não me dei

conta disso, espero que eu tenha colaborado.

Ao narrar sua trajetória, Marta reconheceu-se como profissional enérgica,

comprometida, preocupada com seus alunos; e reconheceu o papel de muitos

outros em sua formação.

[...] o processo de autoformação significa a recuperação da história de vida escolar de professoras e professores. O recurso aos relatos autobiográficos educativos, bem como o exercício e as práticas de leitura, debates e escrita constituem uma alternativa para a formação de professores e a melhoria da qualidade das práticas pedagógicas. (JESUS, 2003, p.110)

75

Considerações finais [...] nossas primeiras lembranças variam com a idade em que são evocadas, e que toda lembrança trabalha em nós sob a influência de nossa evolução psíquica , de nossas disposições e das situações. A menos que esteja solidamente inserida num complexo de circunstâncias objetivamente identificáveis, o que raramente ocorre quando sua origem é infantil, é muito mais provável que uma lembrança seja à imagem do presente e não do passado.

(Wallon, 2007, p.10)

76

Após muitas discussões, inquietações e dúvidas este trabalho chega ao fim e

agora é o momento dos detalhes finais, o que exige uma retomada de todo o

processo com algumas reflexões. Para tanto, se faz necessário resgatar alguns

aspectos apresentados no início, visto que foram eles os mobilizadores para o

desenvolvimento desta pesquisa.

O estudo foi projetado a partir do pressuposto de que o outro desempenha

papel relevante na atuação de todo profissional, nesse caso especificamente do

professor que trabalha com literatura infantojuvenil, no 5º ano do Ensino

Fundamental I. Dessa maneira, a proposta foi compreender o papel que este outro

exerce na constituição e na atuação do educador, à luz da teoria walloniana.

As informações produzidas e sua análise levaram à compreensão de quão

importante é observar um educador, considerando-o de modo integral. Nesta

perspectiva, muito do que surge nas relações eu-outro pode ser minimizado e

potencializado e por meio dessa “descoberta” pode ocorrer o autoconhecimento e a

reflexão sobre a própria atuação em sala de aula. Por outro lado, serve de alerta

para que os professores atentem para o fato de que, queiram ou não, são outros

significativos para seus alunos.

O relato de Marta ilustra a importância da reflexão sobre a prática pedagógica

e o quanto o outro pode nos afetar em diversos momentos da vida; primeiramente foi

a família, depois os diversos professores que teve, os alunos e também as obras

literárias. Esses outros, que primeiro foram outros nas suas relações interpessoais

(exceto Monteiro Lobato cuja relação se deu com a obra), desempenhavam um

papel significativo, e hoje, em sua atuação como professora são seus outros íntimos,

seus socius.

Ao assumirmos que a pessoa é uma totalidade, a dimensão afetiva não pode

ser posta de lado. Quando a criança imita uma pessoa, Wallon explica que ela é

muito seletiva.

A imitação não é qualquer uma, é muito seletiva na criança. Dirige-se aos seres que têm sobre ela mais prestígio, aqueles que interessam a seus sentimentos, que exercem uma atração da qual geralmente seu afeto não está ausente. (WALLON, 2007, p.67)

77

Talvez tenha sido isso que ocorreu com Marta, pois ela afirma que

tenta ser como muitos dos seus professores, se preocupa com os seus alunos e por

esse motivo exige o máximo de cada um deles.

Outro elemento importante que o delineamento desta pesquisa

evidenciou foi a compreensão da integração organismo-meio, fundamental para uma

prática pedagógica que considere o professor a partir do que ele vivenciou em sua

trajetória de vida. Nesta perspectiva, conhecer algumas experiências relatadas por

Marta, situadas em espaço e tempo determinados permitiu compreender aspectos

essenciais de sua narrativa, destacando-se entre eles: a criatividade ao discutir e

propor atividades sobre o livro de literatura, socialização com os colegas e desejo de

compartilhar suas experiências.

Nesse contexto, devem-se considerar algumas reflexões realizadas ao longo

deste trabalho, uma vez que a compreensão da narrativa de uma professora pode

revelar características comuns à profissão e assim contribuir para a formação

continuada de outros educadores. Nóvoa pontua o quanto esse entendimento auxilia

na atuação pedagógica.

[...] o campo da formação de formadores não pode limitar-se apenas às dimensões técnicas e tecnológicas e necessita de uma compreensão mais profunda dos processos através dos quais as pessoas se formam. (NÓVOA, 2004, p. 11)

Acredita-se que este estudo possa oferecer subsídios para que educadores

compreendam melhor a influência dos outros em sua atuação profissional e pessoal,

pois é possível observar que a família, os ex-professores, os alunos, ex-alunos e

também os autores de obras literárias deixam marcas, o que contribui para a

constituição da pessoa.

No processo de elaboração desta dissertação, percebi que o professor tem

um papel de grande importância, pois ao trabalhar com literatura cabe a ele

direcionar o estudo, questionar alguns trechos da obra e relacionar com a sociedade

e com a vida de seus alunos. Outro ponto que destaco foi a minha participação

como pesquisadora. Observei que, em diversos momentos, a minha história de vida

e a atuação em sala de aula se assemelhavam com as de Marta, o que considero

78

algo muito significativo, pois percebi claramente o quanto os meus ex-professores,

meus familiares e os meus alunos também me constituíram como profissional.

Relendo o que escrevi, termino este trabalho fazendo minhas as palavras de

Marta:

Você sabe que eu não sabia tudo isso de mim. Nossa! [...] eu contei tanta

coisa que eu aprendi e eu não me dei conta disso. [...]

Mas agora que me dei conta de como me constitui como professora, o quanto

outros me afetam e como afeto outros, penso estar mais segura para trabalhar com

meus alunos e produzir conhecimento sobre as relações EU-OUTRO.

79

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85

APÊNDICE A – Transcrição da entrevista com a profes sora

06/10/2011

09h30 – 10h45

1. Como foi a sua infância?

Prof: Mas em termos de...?

Pesq: O que você se recorda... primeiro no geral...

Prof: Bom, de modo geral eu tive uma infância meio difícil. Não foi fácil porque

eu vim de uma família muito humilde, onde a minha mãe e meu pai sempre

trabalharam eu não sou de São Paulo, sou de Pernambuco, então vim para cá com

6 anos de idade. Meus pais eram agricultores, nós estávamos passando por

dificuldades por ser Pernambuco uma região seca, então o meu pai veio primeiro pra

São Paulo e depois nos mandou buscar, era uma família com cinco filhos e... sete

pessoas vamos dizer assim. Nós chegamos aqui em 71... 72, 72 na verdade 72. E

não foi sempre muito tranquila não, tive que trabalhar, ajudar a minha mãe. Desde

os meus oito anos de idade a minha mãe trabalha fora. Quer dizer trabalhava na

roça, mas quando veio para São Paulo só depois que ela veio trabalhar. Trabalhava

dentro de uma escola, era merendeira de escola e eu cuidava... e tinha um irmão

mais velho que eu, tinha dez anos na época eu tinha sete e tinha uma irmã de

quatro e uma cuidava da outra enquanto a minha mãe trabalhava. Sempre foi assim

e... desde que me conheço como gente trabalhando, tá então não foi assim uma

infância com brinquedos, não foi assim uma infância assim com as brincadeiras

éramos nós mesmos que fazíamos nossos brinquedos. Eu lembro que o meu irmão,

vendia doce e a gente pegava as caixinhas de doce e a gente fazia nossos

brinquedos, então fazia a bolsa, a roupinha da boneca com restos de tecido porque

a minha mãe também costurava pra fora. Sempre dentro das minhas condições não

foi uma infância cheia de brinquedos, cheia de...

Televisão, por exemplo, nós assistíamos na casa do vizinho porque só o

vizinho é que tinha televisão.

Quando eu tinha dez anos é que o meu pai conseguiu comprar uma televisão,

entendeu? É... outra coisa que me lembro muito bem é que o lugar onde nós

morávamos... nós fomos a primeira família que fomos morar... num terreno que não

86

tinha nada, não tinha luz, água, não tinha esgoto, então a água era água de poço

mesmo, o meu pai fez o poço e a gente tirava água pra lavar, pra tomar banho, pra

cozinhar,... tudo éramos nós que tínhamos que fazer, né. Então, eu lembro muito

disso, que tinha mina de água próxima, então a brincadeira nossa... isso quando

dava tempo de brincar porque como falei era uma cuidando da outra. Tinha uma

mina, então... lembro que a gente fazia panela de barro, pegava o barro tinha argila,

fazia as panelinhas, então era o dinheiro lembro, por exemplo, pegávamos a folha e

fingíamos que era dinheiro... muito assim a criatividade aflorando ali no ambiente

que nós tínhamos.

2. E os livros como entraram na sua vida (infância)?

Ah... essa foi legal! Eu lembro que na época o Omo, você não vai lembrar...

Começou a vir na caixa de Omo livros de Monteiro Lobato, vinha todo mês que a

minha mãe comprava uma caixa e vinha aquele livrinho e foi aí que comecei...

adorava, daí ficava esperando o livro da próxima caixa, sabe assim? E tinha uma tia

que tinha um livro chamava a Bela e a Fera e nesse livro tinham três historinhas, era

um livro bem rústico tudo amassado, todo sujinho, todo caindo, mas eu ainda me

lembro daquele livro. A Bela e a Fera, agora não me lembro o nome da lenda, que a

moça ia pegar água no jarro, encontrava uma velhinha e daí dava água para a

velhinha agora não recordo o nome... e toda vez que ela falava saia pedra,

diamantes da boca e da irmã que era invejosa daí saiam sapos, cobras...

Essas duas histórias me marcaram bastante, mas o contato com o livro foi

através do livro de Monteiro Lobato da caixinha que vinha com Omo.

3. Isso quando?

Isso com uns 8...9 anos, era mais ou menos isso. Outra: como a minha mãe

trabalhava dentro de uma escola alguns livros eram dados, porque iam ser jogados

fora... é sei lá... a biblioteca ia ser limpa e os livros iam ser jogados fora, o que ela

fazia? daí ela trazia para casa. Meus pais não tiveram instrução, meu pai fez até o

quarto ano do grupo escolar e a minha mãe até o terceiro, mas eram pessoas...

principalmente a minha mãe era uma pessoa que sempre incentivou muito a gente

na escola, então ela fazia de tudo pra gente. A gente tinha caderno... ela deixava de

comprar outras coisas, mas tinha que ter o caderno, tinha que ter o livro. Tudo que

ela via na escola, por exemplo, vai jogar tal livro daí ela falava: posso levar pra casa

87

e levava pra casa pra gente pintar, pra gente ler. Sempre teve muito incentivo, mais

por parte da minha mãe do que por parte do meu pai, é porque o meu pai sempre se

preocupou muito em prover a casa, dar as mínimas condições pra gente sobreviver

e a minha mãe também trabalhava, lavava pra fora, cozinhava... fazia um monte de

coisa, mas tinha aquela preocupação de fazer com que os filhos fossem para escola.

4. Vamos agora para o período escolar. Como era o seu relacionamento com os

professores? Alguns te marcaram?

Ah...bastante! Muitos me marcaram. Eu lembro de uma professora...porque eu

comecei a estudar com minha faixa etária porque eu morei um tempo dentro da

escola. Assim que a gente chegou meu pai trabalhava de guarda da escola e nós

moramos durante 6 meses dentro de um quartinho, 4 por 6, uma coisa assim, um

quarto pequeno onde meu pai fazia a limpeza da escola e a gente dormia na sala de

aula, então começou por aí. E de manhã na hora que a gente levantava, tinha que

levantar cedo porque logo começava a aula tinha uma professora chamada

professora Neusa, ela ficava dando aula para os alunos eu ficava só olhando, eu

tinha 6 anos completos, eu ficava só olhando até que um dia ela me mandou entrar

para dentro da sala de aula. Entra aqui! Aí me deu um caderno, me deu um lápis e

eu comecei, não tinha nem sete anos ainda e fui... passei para o segundo ano, só

que naquela época, não podia estudar quem não tivesse sete anos ou que fosse

completar sete anos até uma determinada data, então eu não fui para o segundo

ano. Na verdade eu fui para o segundo ano, mas quando viram que eu não tinha

idade tive que voltar... fazer o segundo ano de novo, mas tudo bem.

Aí eu “caí” com uma professora chamada Clara, bem “branquinha” eu lembro

que ela era bem branquinha, de olhinho bem azul que namorava com um professor

da escola. Tá vendo? (risos) eu me lembro bastante, viu? Ela me marcou mais. Eu

me lembrava que ela se interessava, queria saber como é que eu estava, com o

meu estudo e eu nessa época não estava mais morando na escola, estava morando

mais longe e até chegar na escola levava uma meia hora assim andando a pé na

estrada, na poeira, levava um bom tempo. Quando chovia eu lembro que a gente ia

descalço, me lembro que era um sapatinho preto, com meinha branca, aquela

sainha bonitinha, então eu levava num saquinho de arroz uma sacolinha plástica, ia

descalça, daí chegava lá na escola lavava os pés pra colocar a meia e o sapato. Ela

me marcou muito porque ela se preocupava comigo, sabia da história da minha

88

família, então sempre perguntava como estava o meu pai, minha mãe, meus irmãos.

A dedicação dela me lembrou bastante, porque eu me lembro que ela vinha na

mesa, dizia não é assim, escreve direito e isso me marcou bastante... Aí no próximo

ano eu não estava mais lá., nos mudamos para uma outra escola porque era mais

acesso com a outra escola porque ficava mais próximo da minha casa. E nessa

escola no segundo ano tive a professora Nádia que também nossa! Marcou bastante

pelo jeito dela dar aula, não pelo... era durona, sabe uma pessoa mais seca. Não era

tão doce como era Clara, mas era uma pessoa mais seca, mas marcou bastante

esse jeito dela ser porque mesmo sendo seca ela conseguia cativar, ela conseguia

passar o conteúdo dela, sabe? Eu não sei explicar mas nunca esqueci, agora no

quarto ano já começa mudar, porque eu me lembro que tiveram duas ou três

professoras no mesmo ano, uma saiu por causa de licença gestante, a outra não sei

por qual motivo saiu também.. eu sei que tive três professoras. A última foi a

professora Iara que não sei porque... também uma coisa que marcou que foi a fase

da adolescência, quer dizer pré-adolescência, entrando na puberdade eu lembro que

teve uma aula que ela tirou todos os meninos da sala de aula e falou sobre

menstruação, isso ficou do quarto ano pra mim, mais nada. Assim em termos de

amizade poucas, tanto que existe até hoje existem ... pessoas desse quarto ano que

eu mantenho contato com elas que moram próximo de casa, sempre estamos nos

falando, que a gente está sempre se revendo. As outras? Acho que as outras cada

uma teve um destino ... não lembro mais.

5. Se fosse para falar dos professores, o qual gostava mais? E o qual gostava

menos nesse período escolar?

Teve uma professora que me marcou bastante, foi no primeiro ano do ensino

médio, professora de geografia, se chamava Marisa, mas marcou negativamente.

Mas para mim foi um desafio, porque eu sempre fui uma pessoa quieta e reservada

em sala de aula, sempre, nunca fui aquele aluno que fala em sala de aula, eu

participo de uma outra forma: olhando, observando, não sou muito de... né... Fico

vermelha a toa... Essa professora duas vezes chamou a minha atenção em sala de

aula, me pegou conversando com colega e ela me repreendeu... assim. Ai não sei o

que bibibi... Pra mim aquilo foi o fim! A partir desse dia não comecei ir tão bem em

geografia, ela era professora de geografia eu “caí” em geografia. Por ironia do

destino cheguei a passar de ano, não fiquei de recuperação, nada disso, mas passei

89

de ano. Ela entrava em sala de aula e eu não... não caia bem a pessoa, não gostava

da atitude que ela tinha e não era só comigo, ela fazia isso para os outros alunos, a

forma com que ela chamava a atenção, isso não, e não queria ouvir o assunto que

eu estava tratando. Nada a ver com a pessoa dela e nem com a aula dela, eram

assuntos de outra coisa, né? Ela propôs um desafio. Eu falei pra mim mesma: vou

provar para essa professora que eu sei e que eu consigo aprender geografia. Daí foi

o motivo pra eu ir para “História” que eu também gostava muito de história, eu ia, fui

bem em história, daí eu falei vou pra história, mas eu procurei um curso que tivesse

também geografia, que não era Estudos Sociais. Na época estava tendo em

algumas faculdades Ciências Sociais e essa não, tinha história e habilitação para

geografia e eu fui e me sai muito bem no curso, graças a Deus. Ela me marcou

muito por causa disso, mas algo me fez impulsionar para buscar alguma coisa ali,

não que tinha me desestimulado ou acabou comigo não, pelo contrário, me fez ir

além do que eu era. Eu tive outros, muitos outros professores que marcaram. Depois

no segundo colegial eu aí tive a opção de fazer exatas, humanas ou magistério onde

eu encontrei uma professora que até hoje é a minha referência em termos de escola

que é a professora Margarida, que me dava aula de didática, deu aula de sociologia

e de outras disciplinas e no terceiro ano nós montamos, nós... quando falo nós, nós,

ela, os alunos dela com a coordenação dela montamos um laboratório de educação

infantil dentro da escola que a gente chamava de Labedi e quem dava aula nesse

laboratório éramos nós (as alunas), de noite (a gente estudava à noite). Nós

fazíamos o planejamento junto com ela, com a orientação elaborávamos os planos,

tudo que tinha que ser feito, as festas... tudo com ela de noite e durante o dia de

manhã é que funcionava o projeto .

Cada aluna tinha o seu dia e o seu horário de dar aula e essa professora me

marcou muito e continua até hoje, porque até hoje mantenho contato com ela, foi ela

que levou, por exemplo, depois de formada em história eu voltei para a mesma

escola que ela ainda trabalhava, onde eu estudava, ela foi a minha colega, porque

ela continuava dando aula, foi ela que me trouxe para o Emilly como coordenadora,

é ela que me levou para uma outra escola e é ela que até hoje mantenho contato. É

essa que mais marcou que foi uma pessoa que marcou, ela não tinha pós

graduação, nem mestrado, bábábá ela não tinha nada, mas ela tinha vivência, ela

tinha não, ela tem a vivência de sala de aula que eu acho o que importa muitas

90

vezes, não é... é lógico que título sempre faz muito bem... Ela tinha uma visão Ela

sabia de matemática, sabia fazer essa relação de uma forma tão articulada e tão

bem feita, ela tinha visão do que ia acontecer... acontecer antes, acontecer depois,

sabe tudo assim? E isso eu tenho muito dela, aprendi com ela. Claro que não tão

bem quanto ela, é óbvio, né? Nunca vou ter a experiência que ela teve e que ela tem

até hoje, mas que eu aprendi algumas coisas com ela, essa é a que me marcou

mais em termo disso.

6. E em relação aos livros no período escolar? Quantos professores, por exemplo,

que te faziam ler? Quais livros leu?

Eu tive até a 8ª série, seria o 9º ano hoje eu lembro que a minha leitura era...

eu corria atrás, não era uma coisa que os professores pediam, era escola do Estado,

não tinha muitos contatos com os livros. Eu lembro que tinha uma biblioteca... tinha

não tem uma biblioteca em Diadema, no lugar onde eu moro, onde eu participava

principalmente na época de férias, nós tínhamos a carteirinha, eu e meu irmão nós

íamos e pegávamos livros e fazíamos a leitura, nós fazíamos por nossa conta, não

que a escola sugerisse isso, não tinha muito contato com o livro perante a escola, a

escola não tinha vamos dizer assim uma biblioteca, não tinha uma biblioteca, a

biblioteca que tinha era mais para fazer pesquisa, então não era um acesso tão

grande.. era uma escola pequena não tinha tudo isso. Daí quando eu cheguei no

colegial, ensino médio hoje, aí sim houve mais contato com a literatura, as

professoras, principalmente a de literatura ela cobrava muito, eu lembro que nós

tínhamos uma biblioteca de sala, cada aluno trazia dois, três livros e nós fazíamos

um rodízio desses livros e a minha irmã mais velha fazia a assinatura da revista do

círculo do livro, era uma revista que nós comprávamos livro, são livros que a gente

compra, daí que eu li todos os livros da Agatha Christie, Castro Alves, Navio

Negreiro, Espuma Flutuante, sabe? Aí foi que eu tive um contato maior, que abriu

“meu leque” além daquelas opções que pediam para a gente ler: Ateneu, Iracema,

Senhora, todos esses livros de vestibular a gente lia em sala de aula fazendo essa

troca, além da minha irmã que lia e passava para mim, assim por diante.

7. Agora vamos falar sobre o Ensino Superior. Conte- me como foi a sua

graduação, no caso as duas. No geral o que pode falar sobre elas

91

História marcou bastante porque foi diferente, na verdade eu estava saindo

de um lugar pequeno, porque a escola que eu estava estudando não era tão

pequena, mas também não tão grande. Era um universo que eu conhecia quase

todas as pessoas, porque as pessoas moravam próximas, então você acabava

conhecendo, era próximo de casa tudo, mas era um lugar... vamos dizer mais

aconchegante, mais próximo de mim, de repente você encontra... vai para um outro

município com gente de todos os lugares. Para mim, foi uma adaptação meio difícil,

não vou dizer que não tenha sido proveitosa e boa para mim naquele momento. Na

época eu tinha 16, 17 anos naquele momento, próximo de completar 18 anos, uma

coisa assim um estremo, onde fui tomar contato com alunos da minha idade, mais

velho e até que tinha idade para ser o meu pai, lembro que tinha um senhor que

tinha idade para ser meu pai. Os professores tinham um ritmo muito diferente, esse

primeiro contato foi um choque, mas nada que eu não tenha me adaptado, eu me

adaptei logo no primeiro bimestre e a coisa foi caminhando e o que eu percebi? Foi

um choque a forma de avaliar, de fazer trabalho, porque no Ensino Médio não era

assim, apesar de ter alguns professores chamando a atenção: Não é assim faz

desse jeito, mas mesmo assim foi algo que foi diferente para mim. O que me

marcou foram as aulas, o que eu aprendi com um professor chamado Paulo,

“História Antiga”, que depois na pedagogia ele volta para me dar sociologia, olha

era um senhorzinho que deveria ter uns setenta e poucos anos, surdo... surdo de

um ouvido, mas que também tinha uma experiência. Gente! Nas aulas dele eu

“viajava”. Sabe aquela pessoa que começa contar e você imaginar, sabe? Era

aquela aula que eu não faltava, um dia ele dava... de quarta-feira, ele dava as

quatro aulas para a gente e era uma aula... que eu me deliciava com a aula dele,

hoje ele é falecido, mas era ótimo, uma sumidade. Ele contava que os pais eram

donos de fazenda de café e ele para contrariar foi seguir a profissão de professor e

os pais abominavam: Imagina um fazendeiro, um filho de fazendeiro de café

riquíssimo vai ser professor, imagina década de 40, 50, né? Na época ele tinha 70,

quase 80 anos para ele foi o cumulo e ele contava a experiência, ele conhecia

artista famoso, falava da época da ditadura teve que fugir da escola... tudo isso me

fascinava. Então, no curso de história ele me fascinou bastante.

Agora no de pedagogia, mesmo tendo ele eu me decepcionei muito, por

quê? Porque eu aprendi muito mais no meu Magistério do que aprendi no curso de

92

Pedagogia porque para mim era um curso arcaico, onde o professor chegava e

dava... eu formada em história achava aquilo o cúmulo do absurdo. Tivemos que

fazer uma apostila como se fosse um livro de como dar aula de história, aquela

coisa bem arcaica, “fechadinha”, tinha que ser daquele jeito não pode... não...

daquele jeito. Sabe aquela coisa quadradinha pergunta e resposta, aquela

metodologia bem ultrapassada e coisas que eu tinha visto no magistério não vi nem

um décimo no curso de pedagogia, porque lá no Magistério eu pude vivenciar, eu

fiz a coisa acontecer, no curso de Pedagogia, não sei, faltou e isso para mim não

foi legal. Eu fiz, hoje eu falo, para ter a habilitação em Administração que eu tenho,

administração e supervisão de ensino só por isso que eu fiz, porque na época eu

trabalhava no Estado também e queria seguir a carreira no Estado também, daí eu

tinha... na hierarquia tinha que ser administração e tudo mais, mas se me

dissessem hoje... Hoje você faria Pedagogia? Eu não faria Pedagogia porque não

me acrescentou muita coisa.

8. Conte-me agora sobre o seu trabalho. Como é? O que faz em sala de aula? O

que gosta mais? Como percebe os seus alunos?

Ah meu Deus (risos)! Essa é uma parte difícil! Difícil sei lá. Eu me vejo um

pouco da Margarida, o encantamento que ela passava pra gente como

professora, ela gostava muito, dedicou a vida toda a aula, não que eu tenha feito

a mesma coisa que ela, mas eu me vejo um pouco dela, de tentar passar para

os meus alunos tudo que eu sei da melhor forma possível, tentando “encantar”

esses alunos através do conhecimento, não encantar forçando. Sou de vez em

quando, sei que sou enérgica porque eu acho que é da minha personalidade a

questão da perfeição, da coisa bem feita, eu acho que tenho que selar nisso e

não selar porque sou brava, é porque eu acho que é isso que o aluno precisa: de

limite, mas um limite com amor, atenção, seja um aluno organizado para que ele

entenda que essa aprendizagem deve acontecer pra ele e não pra mim, isso eu

tenho bem claro, não é pra mim, eu deixo bem claro em diversos momentos em

sala de aula, isso o que estou fazendo é por vocês e o gozado é que no final do

ano eles acabam me dando um retorno disso, porque os meus alunos... eu tenho

uma fama na escola que sou uma professora meio brava tanto é que algumas

mães até nem querem que os filhos caiam comigo e outras pelo contrário até

93

preferem que fiquem comigo, porque eu sou muito brava. Depois no decorrer do

ano vão ver que não é nada disso, muito pelo contrário, acho que sou até muito

“manteiga”, “maria-mole”, enfim acho que sou muito sensível em algumas coisas.

Acho que sou sensível em tudo, choro por qualquer coisa... mas tudo bem. Mas

eu procuro passar pro meu aluno essa organização, essa conscientização que

eles precisam ter, que o ensino não é pra mim, não é pra mãe, não é pro pai é

pra ele. Então, quando sou enérgica, sou brava, quando quero que eles

produzam mais do que produzem é porque eu sei que são capazes porque se

deixar o aluno faz o mínimo possível e eu acho que não tem o mínimo, o aluno

pode muito mais, talvez a vida tenha me ensinado isso, entendeu (voz trêmula)?

Tá vendo (risos)? Acho que meus pais, acho que meu pai dizia uma coisa assim:

“Deus dá o frio de acordo com o cobertor”, ele tinha razão. Sabe? Eu procuro

passar pro meu aluno justamente isso.

(Pausa)

Desculpa... (Chorou – pausa) Que eles sempre podem mais... não é o

mínimo. Na minha exigência eu procuro mostrar isso pra ele, que ele sempre

consegue mais do que eles dão. Esse desenho está bonito, mas o que você

pode fazer de diferente? Pode fazer desse jeito porque vai ficar melhor, por

causa disso, por causa daquilo. Não só cobrando, mas cobrando e mostrar o

quanto você pode dar ali, o quanto pode melhor ali. De certa forma eu sou

exigente até comigo em relação a isso, eu sei até onde eu posso dar e as vezes

eu não consigo e me frustro por causa disso, como profissional. Então, para

mim, um ano... ter que repetir um aluno pra mim é a morte, porque eu vejo até

onde eu fui, mas tem um determinado momento que não é sou eu só, tem outros

fatores que influenciam nisso, tem o aluno, tem a família, tem sei lá a questão da

escola, o conhecimento desse aluno, tem um monte de coisa...mas pra mim é

frustrante, por quê? Por que eu não consegui fazer com que esse aluno

avançasse mais, entendeu? Essa é a minha exigência, como profissional, como

pessoa e é isso que eu tento passar pra eles.

9. O que você leva em consideração ao escolher os livros que os seus alunos vão

ler? No caso específico dos paradidáticos.

94

Na verdade, a gente trabalha em equipe, equipe do 5º ano, onde a gente

faz o quê? A gente tenta... na hora de selecionar um livro primeiro a gente tem

que fazer a leitura, então a gente separa, cada uma lê um livro, ou lê parte de

um livro e faz uma socialização. A gente sempre procura pegar um livro que tem

a ver com o que estamos trabalhando e eu sempre procuro nos livros, além do

conteúdo que está sendo trabalhado alguma coisa que esse aluno vai aprender

enquanto pessoa, por exemplo, a gente lê no primeiro bimestre “Minhas

Memórias de Lobato”, da Luciana Sandroni, se eu não estou enganada e nesse

livro quando eu li, até foi uma sugestão minha para as meninas, é eu falei a

gente tem muito conteúdo de história que a gente pode tratar explorando,

história mesmo, tem muito conteúdo, por exemplo, de literatura que fala Emília e

o Visconde contando a história de Monteiro Lobato, tem um conteúdo aí, a

biografia, contexto e por trás, que é uma biografia contada por um personagem,

mas tem muito mais por trás aí. Tem uma Emilia contando, conta como essa

Emilia surgiu, conta essa Emilia sendo essa bocuda, mas sendo..., mas na

verdade Monteiro Lobato se espelhando nela para contar os problemas que

estavam acontecendo nesse contexto social, conta a relação de uma avó com

uma negra desde os 14 anos, ex-escrava, da falta de respeito da sociedade em

relação a ela, da época que não está escrito, mas está sub-escrito nas

estrelinhas que você tem aí e é esse tipo de livro que eu gosto de ler, que não é

a história pela história, mas sim o que tem por trás disso. Muitas vezes eu paro

nesse trecho com os meus alunos e começo fazer perguntas, perguntas que não

estão ali as respostas, estão aqui dentro deles ou estão no conhecimento que

eles têm para dar a resposta, porque o livro tem que ser uma coisa a mais que

faça eles gostarem de ler também. No primeiro bimestre lemos um determinado

livro, no segundo lemos um outro, no terceiro Sherlock Holmes, cada turma está

com um livro diferente, daí eu fiz pra turma da tarde a seguinte pergunta: Que

livro vocês gostaram mais? Ah, professora, ainda gostei das Minhas Memórias

de Lobato. Por que você gostou? Ah, porque é envolvente, eu não esqueci a

história ...então você tem um relato positivo deles. Sherlock deu para fazer isso

deu, mas é um personagem que nós tínhamos toda a intenção, livro de mistério,

método dedutivo dele, usamos em matemática, tem também contexto, mas pra

ele ficou o quê? Para um dos meninos o que ficou daquele livro foi um

95

determinado fato, porque tinha mais relação com a vida dele, entendeu? Porque

mostrava uma família, uma avó, um menino arteiro fazendo... uma boneca

bocuda fazendo um montão de coisa sem medida, Sherlock não, é uma coisa

mais fechada, que dá para trabalhar outras coisas, mas não era aquilo.

Outra menina disse assim pra mim: “Ah professora, eu gostei mais da

Alice no país dos espelhos, foi o que trabalhamos no segundo bimestre, também

todo esse trabalho que a gente fez né, procurando saber quem é essa Alice, eu

fazia a relação, por exemplo, essa Alice, o que tem a ver com a Emilia? É que a

tradução do Alice que nós lemos foi a tradução do Monteiro Lobato, foi de

propósito, e em alguns momentos da Alice ela parecia a Emília, ela tinha

algumas características que resgatava porque ela é desse jeito, que começa da

Alice, ela numa sala na Inglaterra, um frio e ela brincando com os gatinhos, e ela

falava com os gatinhos como a Emília falava com os besouros, você fez isso

você fez aquilo, aí eles fazem a relação, eles conseguem fazer a relação disso, o

conteúdo não fica só na história, ele vai além disso, e uma outra coisa, eu gosto

de trabalhar muito a poesia, eu acho que a poesia traz um instrumento de

interpretação de texto muito grande, e poesias assim de Carlos Drummond, de

Vinícius de Moraes, mais simples que tenham alguma coisa para mostrar, por

exemplo, aquele José, e aí José de Drummond, quando eles leram pela primeira

vez eles disseram: Ai professora que coisa chata, eu disse: é chato? Vamos ler

de novo, eu comecei a ler, quem é esse José no final, nossa professora parece

que é alguém que já morreu, que chave é essa que se perdeu, sabe então é aí

que eles vão começar, porque a primeira leitura é uma coisa nova, a gente lê a

primeira vez e parece que não fica, a hora que você vai nas entrelinhas, quando

você traz o aluno para esse texto, ele te dá um outro retorno, te dá uma outra

interpretação disso, nesse sentido.

10. Após a leitura desses livros, o que é feito trabalho, prova?

Olha não é nem após é durante a leitura, a gente não faz após a leitura

né, o que a gente faz, uma vez por semana, o que a gente chama de roda de

leitura, onde a gente para ler aquele livro ou para ler outros livros, porque não é

só esse livro que ele lê no bimestre, ele tem acesso a biblioteca e ele troca livro,

96

tem aluno que toda semana troca livro para ler, não precisa ser só aquele, ele

tem outros exemplos de leitura, e durante essa roda de leitura a gente faz todas

essas intervenções, e muitas vezes eu paro, por exemplo o do Sherlok Holmes,

tem a segunda parte, o livro é dividido em duas partes, na segunda parte tem

toda uma página fazendo a descrição do deserto do deserto do Atacama10 se eu

não estou enganada, é nos Estados Unidos, faz toda a descrição do deserto, e

de dois personagens introduzidos, o que eu fiz com uma das turmas... É uma

turma que tem muita dificuldade de se expressar oralmente, e eu gosto de

trabalhar muito desenho com eles, peguei uma folha de papel, e disse quero que

você releiam esse trecho que a gente leu e quero que você refaçam a imagem

que vocês viram nessa página. Você precisa ver o que saiu! Tem um aluno que

tem muita dificuldade com ortografia, coesão textual, mas nenhuma dificuldade

com relação a produção, você precisa ver o desenho dele, o homem, que

apareceu... um homem quase morrendo com uma criança, você precisa ver a

fisionomia que essa criança fez. Então é uma forma de analisar o que ele

entendeu, de mostrar através de um outro recurso, através do desenho a

interpretação dele com relação a isso, então veja, ele não tinha terminado de ver

o livro, outras coisas que a gente faz é intervenção, por exemplo você pode

mandar escrever uma carta para aquele personagem falando de tal atitude, você

pode fazer, por exemplo, um poema fazendo a descrição daquele personagem

foi o que eu fiz, por exemplo, com Humpty Dumpty no livro da Alice, porque lá

descreve tanto o Humpty Dumpty conversando e agora eu quero as

características. Então, nós levantamos todas as características na lousa e a

partir dessas características eles criaram o poema do Humpty Dumpty, então eu

também posso estar trabalhando outro portador de texto ali dentro, do Humpty

Dumpty. A professora de inglês entrou contando quem, realmente, na história da

Inglaterra é o Humpty Dumpty, que na história da Inglaterra é um canhão, então

ela entrou, introduzindo uma música, introduzindo uma história real desse

Humpty Dumpty, então há todo um trabalho também interdisciplinar. O professor

de xadrez, por exemplo, entrou para trabalhar espelho, a reflexão no espelho,

então nós chamamos o professor de física para explicar como é feita a imagem

10 O deserto do Atacama está localizado no Chile e não nos Estados Unidos como foi dito.

97

dentro do espelho, como a minha imagem está refletida, como acontece isso na

física. Eles participaram e eles trouxeram, e aí vai ficar mais fácil quando a gente

continuar lendo o livro, porque daí eles entendem, porque a Alice que ia com a

sanca ela quer ir para trás e não para frente, porque ela está dentro de um

espelho. Então, se ela for pra frente cada vez mais vai ficar distante, se for pra

trás vai chegando cada vez mais perto. Então, veja que o trabalho com a leitura

não é só no fim, tem, por exemplo, os re-contos, que você pode pedir para eles

recontarem uma parte, encenar uma parte do livro, então tem várias coisas que

a gente pode fazer em cima disso, até mesmo avaliação escrita, que é o que a

maioria das escolas fazem, pede pra ler o livro e depois faz... às vezes a gente

faz de um capítulo, de uma parte, trabalha a questão gramatical. Pega uma

parte, um trecho e se tiver trabalhando adjetivo, substantivo são coisas que

estão dentro do seu conteúdo dentro daquele bimestre.

11. Você disse que faz a relação do livro com coisas da vida, não é? Tem algum

comentário que os seus alunos fizeram sobre uma determinada obra que te

marcou? Como foi?

Lembro de um aluno no ano passado, a gente estava trabalhando com a

Alice, a Alice estava sozinha num determinado momento, e de repente ela se

depara com um jardim de lírios e os lírios começam a falar com ela e falam que

as pétalas dela que é o cabelo estava feia e ela não gosta do comentário, e

havia outras cenas de que ela sempre fugia de comentários negativos em

relação ao personagem em relação a ela, e o menino comentou: Ah professora é

tão ruim a gente ouvir comentário ruim da gente, aí eu lembro que foi um

momento em que eu parei e a gente discutiu sobre isso, e a discussão foi como

as pessoas nos enxergam, como que as pessoas nos veem? É realmente do

jeito que eu sou? Do jeito que eu me vejo? E a discussão foi por aí até que

chegou em mim, ai chegou uma menina e falou: sabia professora que no

começo do ano minha mãe não queria que eu caísse com você. Aí eu perguntei:

mas por quê? Porque ela achava que você era muito brava que eu não ia gostar

e hoje eu estou adorando ficar com você, então foi uma situação que aconteceu

e que me chamou a atenção, mas já existiram outras... Do Humpty Dumpty no

livro da Alice também um menino que tem um gêmeo fez um comentário, nossa

98

eles são gêmeos, mas gêmeos não são iguais, mas eles ficam falando tudo tão

igualzinho. Nossa! Eu sou gêmeo, mas eu não sou igual ao meu irmão, então foi

uma hora de desabafo, porque a gente pára para conversar e ele achava que

todas as pessoas o confundiam com o irmão e ele achava que se o irmão fizesse

uma coisa ele também tinha que fazer então isso incomodava, então foi a hora

que ele exteriorizou isso para fora, porque eu também tenho gêmeos, então a

gente acha que o que um faz o outro também faz sabe, mas é tudo diferente.

12. Se você trabalhasse no Fundamental II, no 6º ano, por exemplo, trabalharia

da mesma forma? Você acha que os professores fazem isso?

Não, porque em primeiro lugar nós que somos polivalentes temos a

vantagem de não ficar numa aula fechada, eu posso, por exemplo, pegar o

conteúdo de um livro de história do livro de Monteiro Lobato e trabalhar história

como eu vou trabalhar agora, eu vou retomar isso com Getúlio Vargas, porque

ele fala de Getúlio Vargas no livro dele, fala a questão do petróleo, então eu

retomo agora com eles, se eu fizesse isso, porque essa é minha retomada é nas

aulas de história, lá eu teria aula de português, aula de literatura, onde eu teria

esse meu espaço e eu não saberia como o outro professor iria ter abordado tal

conteúdo ou se já teria abordado tal conteúdo, ou por outro lado o que eu teria

trabalhado iria ficar na minha aula, não teria essa relação, o aluno não

conseguiria fazer essa relação, porque a princípio não precisa do professor para

fazer essa relação para chamar a atenção dele para isso. Quando você dá o que

ele precisa aí sim ele já faz a relação direto, tudo bem é do fundamental 2, mas

mesmo assim precisa fazer uns “links”: olha você viu isso lá em literatura, você

viu isso naquela leitura, você viu isso na aula de geografia, então isso a gente

não tem, então a vantagem que foi um dos motivos que me fez ficar no ensino

fundamental foi isso, porque eu quando dava aula no ensino médio, e ensino

fundamental 2 aqui, aula de geografia, eu não tinha essa visão, o aluno era um

número, eu dava aula em duas, três salas e era um número. E aí, eu não via o

meu aluno na aula de matemática, eu não via o meu aluno na aula de português,

eu não via o meu aluno na aula de física, e muitos conhecimentos que ele tinha

lá ou não tinham tido lá eu podia resgatar aquilo e dar na minha aula de história,

99

por exemplo, e eu não via isso, eu não podia fazer essas relações, que é o que

eu posso fazer agora.

13. E quanto ao futuro, como você se vê? Como se vê como professora?

No futuro eu quero sair da sala de aula, que é um futuro próximo, mas

uma coisa que eu gostei muito de fazer foi de dar aula para o magistério, quando

eu estava dando aula no ensino médio uma das minhas turmas foi a turma de

magistério, eu sei que não tem mais magistério, mas eu pretendo caminhar na

parte de formação de professores, que eu acho que está assim muito ruim, eu

considero uma besteira o que o Estado fez tirando o magistério ou CEFANS da

vida que tinham por aí, acho que foi uma besteira muito grande, porque onde o

professora aprende mesmo, é ali, é lógico, se for bem dado, se for bem

estruturado se tiver exatamente o objetivo de informar professores, agora se tiver

o objetivo de formar ensino médio, fazer a formação de ensino médio, e acabou,

também não resulta. Porque a faculdade, a faculdade de pedagogia não te dá

base nenhuma, não te dá mesmo, eu tenho algumas pessoas da família

formadas em pedagogia que você diz: Meu Deus do céu, você aprendeu isso

onde? Então como é que você vai dar aula? E não tem, continua ainda muito

arcaica a faculdade de pedagogia, eu vou ter que fazer psicopedagogia e eu tive

contato com algumas pessoas que tinham acabado de se formar em pedagogia,

sabe novinhas, sabe, e ouvindo as meninas falando eu; Meu Deus do céu em

que mundo que nós estamos? Não vai ter mais professor, eu vi e eu quero voltar

para a formação de professores, não sei onde, não sei como ainda mas eu

pretendo fazer alguma coisa nesse sentido, ta, eu gosto muito de dar aula, eu

vou sentir muito, talvez eu saia assim um período, me dedique um período a isso

e vejo se realmente é isso, porque eu gosto de dar aula. Dar aula para mim é um

desafio, cada turma que eu recebo é um desafio que eu tenho que vencer, que

eu tenho que ensinar para aqueles alunos mas eu aprendo muito com eles, não

é uma coisa assim que só eu sei, a dona do saber, quem dera, eu aprendo cada

dia que passa com esses alunos que estão ai, e eu também quero passar um

pouco disso que eu sei, então como eu falei a minha referência é a Margarida

mesmo porque ela continua fazendo isso até hoje, ela tem grupos que ela monta

na casa dela de professores, ela nunca parou de trabalhar, nunca parou de

100

estudar, eu quero fazer alguma coisa em relação, continuando um pouco com

essa linha que ela pegou, mesmo não tendo uma instituição para fazer isso mas

eu posso fazer isso de uma outra forma, dando curso ou de uma outra forma que

eu possa colaborar com isso.

Nós estamos finalizando a entrevista você quer comentar alguma coisa?

Você sabe que eu não sabia tudo isso de mim. Nossa! Você foi perguntar

e eu contei tanta coisa que eu sei lá, eu sei que eu aprendi e eu não me dei

conta disso, espero que eu tenha colaborado.

101

APÊNDICE B – Quadro para análise das informações pr oduzidas

Explicitação de significados

Combinações possíveis

• Relata a vinda de Pernambuco para São Paulo

• Infância difícil – a mãe sempre trabalhou fora e ela teve que cuidar dos irmãos.

• a mãe trabalhou como merendeira em uma escola assim que chegou em São Paulo.

• por conta da situação financeira ela e os irmãos construíam os próprios brinquedos, usavam as caixas dos doces que vendiam para construí-los, os retalhos das costuras da mãe para fazer as roupinhas de boneca.

• A família só adquiriu televisão quando ela tinha 10 anos, mas sempre viu no vizinho.

• O lugar onde foram morar não tinha infraestrutura, mas a dificuldade não os impedia de brincar.

• O seu primeiro contato com os livros foi quando a sua mãe comprava Omo (sabão em pó) e recebia como brinde os livros de Monteiro Lobato. Cada mês era um título.

• Outro livro era o da tia, se chamava “A Bela e a Fera”, mas tinham três histórias.

• vivência no meio escolar devido

ao trabalho da mãe (contato com os livros)

• o brincar na infância com os objetos disponíveis

• contato com a vizinhança (solidariedade)

• a dificuldade não foi impedimento para as brincadeiras

• contato com os livros

102

• A mãe trazia para casa os livros que seriam descartados pela escola.

• Os pais não tinham estudo, mas isso não os impediu de incentivar os filhos, principalmente a mãe, que comprava cadernos e levava para casa livros que iam ser jogados. A mãe trabalhava muito, mas sempre se preocupou com os filhos em relação à escola.

• Moraram em um quartinho que ficava na escola, durante 6 meses: o pai era guarda e limpava o colégio.

• Ela diz que muitos professores marcaram a sua vida escolar e lembrou de alguns. Aos 6 anos ela ficava olhando uma professora dando aulas, até que um dia ela a convidou para entrar, quando tinha 6 anos. A professora deu-lhe caderno e lápis e ela começou a estudar, só que teve que fazer o segundo ano duas vezes por conta de sua idade.

• A professora que marcou mais foi a C. A professora se interessava por ela, queria saber como ela estava. Na época já não morava na escola e demorava 30 minutos para chegar.

• Conta que quando chovia ela e os irmãos iam descalços e levava os sapatos em uma sacolinha, lavavam os pés para colocar o calçado.

• A professora marcou porque sabia da história de sua família e se preocupava. “ela vinha na mesa,

• valorização dos livros pela mãe

• valorização dos estudos pela família

• as marcas da primeira professora

• a professora mais marcante: conhecia e compreendia as dificuldades dela e da família.

103

dizia não é assim, escreve direito e isso me marcou bastante.”

• No ano seguinte, não estavam mais lá, foram para outra escola por ser mais próximo do local onde moravam.

• Na outra escola teve a professora N. que também marcou, só que era uma pessoa mais durona, seca. Porém, mesmo assim conseguia cativar, passava o conteúdo.

• Na quarta série teve três professoras, porque duas tiveram que deixar a turma. A última professora foi a I., essa marcou a sua pré-adolescência, pois conversou com as meninas sobre menstruação.

• Algumas amizades ficaram dessa época, ela mantém contato até hoje (moram perto de sua casa).

• No primeiro ano do Ensino Médio teve uma professora de geografia que a marcou negativamente, pois a repreendeu quando ela conversava com uma amiga. Não gostava da forma com que a professora chamava a atenção e começou a ir mal nessa disciplina, mas não ficou de recuperação e nem foi reprovada.

“Eu falei pra mim mesma: vou

provar para essa professora que eu sei e

que eu consigo aprender geografia. Daí

foi o motivo pra eu ir para história que eu

também gostava muito de história, eu ia

bem em história, daí eu falei vou pra

história, mas eu procurei um curso que

tivesse também geografia, que não era

Estudos Sociais na época que estava

tendo em algumas faculdades e ciências

sociais e essa não, tinha história e

habilitação para geografia e eu fui e me

• mudança de escola novamente

• outra professora marcante: professora séria, mas cativante

• comenta sobre as quatro professoras e a última foi a que marcou a sua adolescência

• amizades que ficaram dessa época

• a professora que marcou de forma negativa, porém foi quem a desafiou a fazer o curso de História e Geografia

104

sai muito bem no curso, graças a Deus”.

• Reconhece que a professora marcou de forma negativa, mas foi algo que a fez buscar alguma coisa, a fez “ir além”.

• No segundo ano do ensino médio conheceu uma professora que dava aula de didática e sociologia e montou junto com as alunas um laboratório de educação infantil dentro da escola e quem dava aula eram as alunas.

“nós fazíamos o planejamento junto com

ela, com a orientação elaborávamos os

planos, tudo que tinha que ser feito, as

festas...tudo com ela de noite e durante o

dia, este que funcionava só de manhã

nós.”

• Ela lembra que cada aluna tinha o seu horário e essa professora as orientava quanto à elaboração dos planos, quanto aos procedimentos e festas.

• Essa mesma professora foi quem a contratou na escola em que trabalha atualmente.

• Reforça que essa professora não tinha pós-graduação, mestrado, mas tinha vivência em sala de aula.

Fala da professora:

Ela sabia de matemática, sabia fazer

essa relação de uma forma tão articulada

e tão bem feita, ela tinha visão do que ia

acontecer... acontecer antes, acontecer

depois, sabe tudo assim? E isso eu tenho

• professora que foi um modelo para ela, alguém que a inspirou por incentivar e ensinar os seus alunos

• aprendiz de professora – planejamento

• professora que foi a sua referência – trabalharam juntas

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muito dela, aprendi com ela. Claro que

não tão bem quanto ela, é óbvio, né?

Nunca vou ter a experiência que ela teve

e que ela tem até hoje, mas que eu

aprendi algumas coisas com ela, essa é a

que me marcou mais em termo disso.

• No Ensino Fundamental não lia livros na escola, diz que houve pouco contato; ela frequentava a biblioteca pública junto com o irmão e retiravam os livros, pois na própria escola não tinha.

• No Ensino Médio havia a leitura de livros, inclusive havia uma biblioteca de sala, cada aluno trazia dois, três livros e eles faziam um rodízio desses livros.

• A irmã mais velha assinava a revista do Círculo do Livro, era uma revista que eles compravam, então ela leu todos os livros da Agatha Christie, Castro Alves, Navio Negreiro, Espumas Flutuantes.

• Ensino superior – o curso mais marcante foi o de História. Porém, comenta que foi um momento difícil, pois teve que ir para um lugar maior e distante.

• Os professores tinham um ritmo diferente do que ela estava acostumada; o primeiro contato foi um choque para M, mas depois se adaptou.

• Comenta sobre o professor P que marcou essa fase, ele deu as

• buscava livros de leitura, na biblioteca, pois na escola onde cursou o Fundamental não havia uma biblioteca

• facilidade de acesso aos livros no Ensino Médio – havia biblioteca na escola

• incentivo da irmã – compartilhava os livros que assinava

• graduação: curso de história, apesar da dificuldade do início, numa cidade maior e mais distante

• o medo da mudança da rotina e do “novo”

• professor marcante na graduação: despertava a imaginação e o interesse dos alunos

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disciplinas de História antiga e Sociologia. Diz que era...

“um senhorzinho que deveria ter uns setenta e poucos anos, surdo... surdo de um ouvido, mas que também tinha uma experiência (gente), nas aulas dele eu viajava. Sabe aquela pessoa que começa contar e você imaginar, sabe? Era aquela aula que eu não faltava.”

• Licenciatura em Pedagogia – o curso a decepcionou, pois aprendeu muito mais no Magistério. Em sua opinião, foi um curso arcaico, teve que fazer uma apostila sobre como dar aula de história.

“aquela coisa quadradinha

pergunta e resposta, aquela metodologia

bem ultrapassada e coisas que eu tinha

visto no magistério não vi nem um

décimo no curso de pedagogia, porque lá

no magistério eu pude vivenciar, eu fiz a

coisa acontecer, no curso de pedagogia,

não sei, faltou e isso para mim não foi

legal”

• Só fez pedagogia por conta da habilitação em administração e supervisão do ensino. Hoje diz que não faria pedagogia, porque não acrescentou muita coisa.

• acredita que é difícil falar sobre o seu trabalho. Acha que se assemelha com a professora .., refere-se ao encantamento que ela passava e hoje M. tenta passar para os alunos por meio do conhecimento.

• decepção com o curso de Pedagogia – péssimas recordações

• decepção com o curso de Pedagogia

• comparação com a professora que considera como um modelo para ela

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• Considera-se uma professora enérgica, que acredita ser de sua personalidade, pois busca a perfeição, quer a coisa bem feita, zela pelo aluno pois acha que o aluno precisa de limite, porém limite com amor, e atenção para que seja organizado.

• O gozado é que os alunos com o tempo acabam percebendo que é para o bem deles.

• Muitas mães não querem que ela dê aula para o filho por ser muito brava, mas com o tempo percebem que é muito “manteiga”, “maria mole”, se considera sensível em algumas coisas.

• Ela procura passar para o seu aluno a organização, essa conscientização que eles precisam ter, que ensino não é para ela (professora) , nem para o pai ou mãe e sim para ele mesmo.

• Para ela há necessidade desse posicionamento, por isso é enérgica e brava, quer que os alunos produzam mais do que produzem porque sabe que eles são capazes. Se não exigir, fazem o mínimo possível e a professora acha que eles são capazes de muito mais, talvez a vida tenha me ensinado isso (voz trêmula - se emociona)

• Lembra do pai que falava que “Deus dá o frio de acordo com o cobertor”, ele tinha razão. Sabe? Eu procuro passar pro meu aluno justamente isso. (pausa)

• como se vê: exigente, mas cuidadosa com seu aluno

• aluno percebe que a exigência é para seu bem

• resistência de algumas mães, por sua exigência, e percepção posterior de sua sensibilidade

• percepção de que é enérgica porque acredita que os alunos são capazes e podem dar mais de si; para isso precisam de organização.

• O aluno deve ser cobrado para dar o “seu melhor”

• recordação do pai

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• Pede desculpas e diz que os alunos sempre podem mais... não é o mínimo e é o que tenta mostrar para eles.

• Admite que é assim com ela mesma “eu sei até onde eu posso dar e às vezes eu não consigo e me frustro por causa disso, como profissional. Então, para mim, um ano... ter que repetir um aluno pra mim é a morte, porque eu vejo até onde eu fui, mas tem um determinado momento que não é sou eu só, tem outros fatores que influem nisso, tem o aluno, tem a família, tem sei lá a questão da escola, o conhecimento desse aluno, tem um monte de coisa... mas pra mim é frustrante por quê? Por que eu não consegui fazer com que esse aluno avançasse mais, entendeu? Essa é a minha exigência, como profissional, como pessoa e é isso que eu tento passar pra eles.”

• quanto a escolha dos títulos dos livros paradidáticos comenta que é feita em equipe. Primeiro cada uma lê um livro ou parte dele e socializa. Procuram escolher o livro de acordo com o que vão trabalhar em sala de aula e ela afirma que procura nos livros, além do conteúdo que está sendo trabalhada alguma coisa que esse aluno vá aprender enquanto pessoa .

• Deu como exemplo o livro “Minhas memórias de Lobato”, da Luciana Sandroni, conta que quando leu (foi uma sugestão dela) percebeu que havia muito conteúdo de história que podiam explorar: “história mesmo, tem

• frustração quando reprova um aluno: apesar de sua exigência, seu trabalho, reconhece a importância de outros fatores que influenciam o desempenho do aluno

• escolha do livro para a escola - trabalho em equipe

• Relação de “Minhas memórias de Lobato” com a história do país e com o contexto social.

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muito conteúdo, por exemplo, de literatura que fala Emília e o Visconde conta a história de Monteiro Lobato, tem um conteúdo aí, a biografia, contexto e por trás, que é uma biografia contada por um personagem, mas tem muito mais por trás aí. Tem uma Emilia contando, conta como essa Emília surgiu, conta essa Emília sendo essa bocuda, mas sendo.., mas na verdade Monteiro Lobato se espelhando nela para contar os problemas que estavam acontecendo nesse contexto social, conta a relação de uma avó com uma negra desde os 14 anos, ex-escrava, da falta de respeito em relação a sociedade da época que não está escrito, mas está sub-escrito nas estrelinhas que você tem aí e é esse tipo de livro que eu gosto de ler, que não é a história pela história,mas sim o que tem por trás disso.”

• Conta que ela para em alguns trechos e começa a fazer perguntas, perguntas cujas respostas não estão ali, estão aqui dentro deles ou estão no conhecimento que eles têm, porque o livro tem que ser uma coisa a mais que faça eles gostarem de ler também.

• Conta sobre o comentário de um aluno. Cada turma está com um livro diferente, para uma das turmas que lia o terceiro livro de Sherlock Holmes ela fez a seguinte pergunta: Que livro vocês gostaram mais? Conta que “Ah, professora, ainda gostei das Minhas memórias de Lobato. Por que você gostou? Ah, porque é envolvente, eu não esqueci a história... então você tem um relato positivo deles. Sherlock deu para fazer isso deu, mas é um

• o livro tem que ter forças para ser apreciado

• trabalha com o livro lido: levanta questões

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personagem que nós tínhamos toda a intenção, livro de mistério, método dedutivo dele, usamos em matemática, tem também contexto, mas pra ele ficou o quê? Ficou aquele livro porque tinha mais relação com a vida dele, entendeu? porque mostrava uma família, uma avó, um menino arteiro fazendo... uma boneca bocuda fazendo um montão de coisa sem medida, Sherlock não, é uma coisa mais fechada, que dá para trabalhar outras coisas, mas não era aquilo.”

• Outra menina disse assim para ela: “Ah professora, eu gostei mais da Alice no país dos espelhos foi o que trabalhamos no segundo bimestre, também todo esse trabalho que a gente fez, procurando saber quem é essa Alice, eu fazia relação por exemplo, essa Alice, o que tem a ver com a Emilia, que a tradução do Alice que nós lemos foi a tradução do Monteiro Lobato, foi de propósito, e alguns momentos da Alice ela parecia a Emilia, ela tinha algumas características que resgatava porque ela é desse jeito, que começa da Alice, ela numa sala na Inglaterra, um frio e ela brincando com os gatinhos, e ela falava com os gatinhos como a Emilia falava com os besouros, você fez isso você fez aquilo, aí eles fazem a relação, eles conseguem fazer a relação disso, o conteúdo não fica só na história, ele vai além disso.”

Outro ponto que destaca é o quanto gosta de trabalhar com poesia – “eu acho que a poesia traz um instrumento de interpretação de texto muito grande, e poesias assim de Carlos Drummond, de Vinícius de Moraes, mais simples que tenham alguma coisa para mostrar, por

• o trabalho com os livros leva os alunos a fazerem relações entre as personagens

• a poesia é um bom recurso para ensinar interpretação de textos, mas precisa fazer sentido para o aluno

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exemplo aquele José, e ai José de Drummond, quando eles leram pela primeira vez eles disseram: Ai professora que coisa chata, eu disse: é chato? Vamos ler de novo, eu comecei a ler, quem é esse José no final, nossa professora parece que é alguém que já morreu, que chave é essa que se perdeu, sabe então é aí que eles vão começar, porque a primeira leitura é uma coisa nova, a gente lê a primeira vez e parece que não fica, a hora que você vai nas entrelinhas, quando você traz o aluno para esse texto, ele te da um outro retorno, te da uma outra interpretação disso, nesse sentido.”

• Trabalho realizado com os livros – diz que há a roda de leitura. Uma vez por semana fazem a roda de leitura, eles param para ler o livro. Durante essa roda de leitura a gente faz todas essas intervenções, e muitas vezes ela faz comentários “por exemplo, o do Sherlok Holmes, tem a segunda parte, o livro é dividido em duas partes, na segunda parte tem toda uma página fazendo a descrição do deserto do deserto do Atacama se eu não estou enganada, é nos Estados Unidos, faz toda a descrição do deserto, e de dois personagens introduzidos, o que eu fiz com uma das turmas, é uma turma que tem muita dificuldade de se expressar oralmente, e eu gosto de trabalhar muito desenho com eles, peguei uma folha de papel, e quero que você releiam esse trecho que a gente leu e quero que vocês refaçam a imagem que vocês viram nessa página.”

• ficou impressionada com o desenho de um dos alunos, conta que ele tem muita dificuldade com

• roda de leitura uma vez por semana

• aula de leitura – há intervenções e usa a linguagem do desenho para facilitar a expressão

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ortografia, coesão textual, mas nenhuma dificuldade com relação a produção “você precisa ver o desenho dele, o homem, que apareceu um homem quase morrendo com uma criança, você precisa ver a fisionomia que essa criança fez, então é uma forma de analisar o que ele entendeu, de mostrar através de um outro recurso, através do desenho a interpretação dele com relação a isso”

• Você pode fazer, por exemplo, um poema fazendo a descrição daquele personagem foi o que eu fiz, por exemplo, com Humpty Dumpty no livro da Alice, porque lá descreve tanto o Humpty Dumpty conversando e agora eu quero as características, então nós levantamos todas as características na lousa e a partir dessas características eles criaram o poema do Humpty Dumpty, então eu também posso estar trabalhando outro portador de texto ali dentro, do Humpty Dumpty por a professora de inglês entrou contando quem realmente na história da Inglaterra é o Humpty Dumpty, que na história da Inglaterra um canhão, então ela entrou, introduzindo uma música, introduzindo uma história real desse Humpty Dumpty, então há todo um trabalho também interdisciplinar, o professor de xadrez, por exemplo, entrou para trabalhar espelho, a reflexão no espelho, então nós chamamos o professor de física para explicar como é feita a imagem dentro do espelho, como a minha imagem está refletida, como acontece isso na física, eles participaram e eles trouxeram, e aí vai ficar mais fácil quando a gente continuar lendo o livro, porque daí eles entendem, porque a Alice que ir com a sanca

• desenho – uma outra forma de interpretar uma cena de em livro

• detalhes sobre personagem de um dos livros

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ela quer ir para trás e não para frente, porque ela está dentro de um espelho, então se ela for pra gente cada vez mais vai ficar distante, se for pra trás vai chegando cada vez mais perto.

• Fala sobre o trabalho com os re-contos, nesse caso o professor pede para que os alunos recontem uma parte ou encenem uma parte do livro, diz: “tem várias coisas que a gente pode fazer em cima disso, até mesmo avaliação escrita, que é o que a maioria das escolas fazem, pede pra ler o livro e depois faz... às vezes a gente faz de um capítulo, de uma parte, trabalha a questão gramatical. Pega uma parte, um trecho e se tiver trabalhando adjetivo, substantivo são coisas que estão dentro do seu conteúdo dentro daquele bimestre.”

• Comentário de um aluno sobre o livro da Alice - a Alice estava sozinha num determinado momento, e de repente ela se depara com um jardim de lírios e os lírios começam a falar com ela e falam que as pétalas dela que é o cabelo estava feia e ela não gosta do comentário, e havia outras cenas de que ela sempre fugia de comentários negativos em relação ao personagem em relação a ela, e o menino comentou: professora, é tão ruim a gente ouvir comentário ruim da gente, ai eu lembro que foi um momento em que eu parei e a gente discutiu sobre isso, e a discussão foi como as pessoas nos enxergam, como que as pessoas nos veem? É realmente do jeito que eu sou? Do jeito que eu me vejo?

• Comentário de uma aluna -

• uma estratégia: reconto – o aluno reconta uma parte ou encena, com o grupo.

• relação da história com a vida em sociedade – “professora, é tão ruim a gente ouvir comentário ruim da gente, ai eu lembro que foi um momento em que eu parei e a gente discutiu sobre isso, e a discussão foi como as pessoas nos enxergam, como que as pessoas nos veem?”

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discussão foi por ai até que chegou em mim, ai chegou uma menina e falou: sabia professora que no começo do ano minha mãe não queria que eu caísse com você. Ai eu perguntei: mas por quê? Porque ela achava que você era muito brava que eu não ia gostar e hoje eu estou adorando ficar com você, então foi uma situação que aconteceu e que me chamou a atenção.

Comentários de uma dos gêmeos - dos gêmeos que aparecem no livro da Alice também, um menino fez um comentário, nossa eles são gêmeos mas gêmeos não são iguais, mas eles ficam falando tudo tão igualzinho, nossa eu sou gêmeo mas eu não sou igual ao meu irmão, então foi uma hora de desabafo, porque, a gente para, para conversar e ele achava que todas as pessoas confundiam com o irmão e ela achava que se o irmão fizesse uma coisa ele também tinha que fazer então isso incomodava, então foi a hora que ele exteriorizou isso para fora, porque, eu também tenho gêmeos, então a gente acha que o que um faz o outro também é sabe, mas é tudo diferente.

• Em sua opinião não seria possível trabalhar da mesma maneira numa classe do fundamental 2 – um dos fatores que aponta é que o professor não é polivalente. Dá como exemplo o seu trabalho “posso pegar o conteúdo de um livro de história do livro de Monteiro Lobato e trabalhar história como eu vou trabalhar agora, eu vou retomar isso com Getúlio Vargas, porque ele fala de Getúlio Vargas no livro dele, fala a questão do petróleo”

Faz a relação por trabalhar

• elogio de uma aluna por seu trabalho

• a literatura serve para permitir a expressão de sentimentos sobre si próprio

• No Fundamental 2 é possível aprofundar, pois o professor é responsável por todas as disciplinas

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todas as disciplinas: “precisa fazer uns links, olha você viu isso lá em literatura, você viu isso naquela leitura, você viu isso na aula de geografia, então isso a gente não tem, então a vantagem que foi um dos motivos que me fez ficar no ensino fundamental foi isso, porque eu quando dava aula no ensino médio, e ensino fundamental aqui, aula de geografia, eu não tinha essa visão, o aluno era um número, eu dava aula em duas, três salas e era um número, e ai, eu não via o meu aluno na aula de matemática, eu não via o meu aluno na aula de português, eu não via o meu aluno na aula de física, e muitos conhecimentos que ele tinha lá ou não tinham tido lá eu podia resgatar aquilo e dar na minha aula de historia por exemplo, e eu não via isso, eu não podia fazer essas relações, que é o que eu posso fazer agora.”

• Futuro - pretende sair da sala de aula, em um futuro próximo, mas uma coisa que gostou muito de fazer foi de dar aula para o magistério, quando eu estava dando aula no ensino médio uma das minhas turmas foi a turma de magistério, eu sei que não tem mais magistério, mas eu pretendo caminhar na parte de formação de professores, que eu acho que está assim muito ruim, eu considero uma besteira o que o Estado fez tirando o magistério ou CEFANS da vida que tinham por aí.

• Defende o antigo CEFAM e faz uma crítica ao curso de Pedagogia “Porque a faculdade de pedagogia não te dá base nenhuma, não te dá mesmo, eu tenho algumas pessoas da família formadas em pedagogia que você diz: Meu Deus do céu, você aprendeu isso onde? Então, como

• expectativas de futuro: a sala de aula não a atrai mais, mas gostaria de fazer formação para os professores.

• importância de ter cursado o CEFAM

• críticas ao curso de pedagogia

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é que você vai dar aula? E não tem, continua ainda muito arcaica a faculdade de pedagogia, eu vou ter que fazer psicopedagogia e eu tive contato com algumas pessoas que tinham acabado de se formar em pedagogia, sabe novinhas, sabe, e ouvindo as meninas falando eu; Meu Deus do céu em que mundo que nós estamos? Não vai ter mais professor”

• Quer se dedicar a formação de professores, não sabe como ainda, mas pretende fazer algum trabalho nesse sentido, diz que gosta muito de dar aula e que vai sentir muito se deixar.

Dar aula é um desafio para ela e diz que aprende muito com os alunos “

No final da entrevista - Você sabe que eu não sabia tudo isso de mim. Nossa! Você foi perguntando e eu contei tanta coisa que eu sei lá, eu sei eu aprendi e eu não me dei conta disso, espero que eu tenha colaborado...

• ambivalência: gosta de dar aulas, mas pretende deixá-la.

• entrevista autonarrativas como forma de autoconhecimento