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Pontifícia Universidade Católica De São Paulo PUC SP Agda Malheiro Ferraz de Carvalho Atuação profissional do agente de inclusão escolar: um estudo sobre os sentidos e significados constituídos por um deles Mestrado em Educação: Psicologia da Educação São Paulo 2016

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Page 1: Pontifícia Universidade Católica De São Paulo PUC SP Agda ... · À Mimi pelas ótimas aulas e pelo brilho no olhar. Também agradeço aos demais professores do PED por auxiliarem

Pontifícia Universidade Católica De São Paulo

PUC – SP

Agda Malheiro Ferraz de Carvalho

Atuação profissional do agente de inclusão escolar: um estudo sobre os sentidos e

significados constituídos por um deles

Mestrado em Educação: Psicologia da Educação

São Paulo

2016

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Pontifícia Universidade Católica De São Paulo

PUC – SP

Agda Malheiro Ferraz de Carvalho

Atuação profissional do agente de inclusão escolar: um estudo sobre os sentidos e

significados constituídos por um deles

Mestrado em Educação: Psicologia da Educação

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

como exigência parcial para obtenção do título de

Mestre em Educação: Psicologia da Educação,

pela Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Claudia Leme

Ferreira Davis.

São Paulo

2016

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BANCA EXAMINADORA

_______________________________

_______________________________

_______________________________

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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial

desta dissertação por processos de fotocopiadora ou eletrônicos.

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Essa pesquisa teve financiamento da CAPES sob o registro 2015OB822632.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha família pelo incentivo durante esses dois anos. Eliane, Rui, João,

Bruno, Ana, Caio, Bruna, Tomás e Catarina: cada pergunta sobre o processo, cada olhar

atento enquanto eu explicava e o entendimento sobre ausências fizeram toda a diferença para

eu chegar até aqui. Mamis e João, mais de perto, agradeço pelas dicas, escutas, cafés e colos.

Apoio fundamental!

À Claudia, orientadora sábia, firme e acolhedora: adorei a parceria, aprendi muito e

sou grata pelas conversas, intervenções e leituras. Te admiro pela transparência e pelo olhar

crítico à educação. Obrigada por ter acreditado em mim!

À Ia, pelos encontros às quartas-feiras que foram momentos de transformação. Sua

disponibilidade e atenção colaboraram muito nessa pesquisa. Estendo os agradecimentos ao

grupo de pesquisa pela partilha de conhecimentos.

À Carla Biancha, gênia, pela luta, pelo posicionamento e militância. Gratidão pelas

ricas contribuições desde a especialização, passando por seus textos e pela Banca. Gratidão!

À Mimi pelas ótimas aulas e pelo brilho no olhar. Também agradeço aos demais

professores do PED por auxiliarem minha formação.

Durante esse caminho os amigos foram importantíssimos! Vieram pra ficar. Minha

―irmã alemã‖ Karin e sua sabedoria, Rafaela e as idas e vindas de trem para os estudos e todo

o grupo ―produtivo‖: Henrique, Bruna, Cintia e Mariana. Para Denise, Brisa, Jéssica... desejo

o melhor!

Sandra e Margarete (também a todos da Creche Beth Lobo): pela compreensão e pelo

carinho. Torço por vocês!

Edimara e Priscila saibam que são fundamentais nessa história.

Aos alunos e alunas que há 20 anos estão comigo. Isso tudo é pra vocês!

À Secretaria de Educação de Santo André e profissionais que a constituem: a escolha

por construir minha carreira nesse lugar não se dá apenas pelas concepções acerca da

educação. Se dá também por quem diariamente constrói a educação. Viviane, Sandramara,

Mary, Maralígia, Natália, Patrícia, Rosemeire, Joyce, Ester e tantos outros que são queridos.

Gilmar, Carla e Alessandra, pela mudança que possibilitou e possibilitará que mais

professores continuem estudando. Aos agentes de inclusão escolar que durante seis anos

dividiram alegrias e dúvidas comigo.

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Amo tanto e de tanto amar

Acho que ela é bonita

Tem um olho sempre a boiar

E outro que agita

Tem um olho que não está

Meus olhares evita

E outro olho a me arregalar

Sua pepita

A metade do seu olhar

Está chamando pra luta, aflita

E metade quer madrugar

Na bodeguita

Se os seus olhos eu for cantar

Um seu olho me atura

E outro olho vai desmanchar

Toda a pintura

Ela pode rodopiar

E mudar de figura

A paloma do seu mirar

Virar miúra

É na soma do seu olhar

Que eu vou me conhecer inteiro

Se nasci pra enfrentar o mar

Ou faroleiro

Amo tanto e de tanto amar

Acho que ela acredita

Tem um olho a pestanejar

E outro me fita

Suas pernas vão me enroscar

Num balé esquisito

Seus dois olhos vão se encontrar

No infinito

Amo tanto e de tanto amar

Em Manágua temos um chico

Já pensamos em nos casar

Em Porto Rico

Chico Buarque

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Carvalho, A. M. F. Atuação profissional do agente de inclusão escolar: um estudo

sobre os sentidos e significados constituídos por um deles. 128 f. Dissertação

(Mestrado em Educação: Psicologia da Educação) – Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo, São Paulo, 2016.

RESUMO

O objetivo deste estudo foi ampliar os conhecimentos acerca da atuação profissional

de agentes de inclusão escolar (AIEs), buscando apreender sentidos e significados

dessa atuação. Vale dizer que o termo AIE nomeia os profissionais de apoio ou

auxiliares, que atuam nas escolas regulares, junto aos alunos com deficiência. A

pesquisa foi realizada em um município da Grande São Paulo, onde se entrevistou um

agente de inclusão escolar (José); foi também gravada, transcrita, sistematizada e

analisada na perspectiva seguindo a proposta de Aguiar e Ozella (2006, 2013) e

Aguiar, Soares e Machado (2015), autores vinculados à Psicologia Sociohistórica.

Nesse sentido, construíram-se núcleos de significação, que permitem maior

aproximação das zonas de sentido. Na análise de dados, constatou-se que José chegou

à profissão por meio de concurso público, com poucas informações sobre qual seria

seu trabalho. Ao realizá-lo, percebeu a necessidade de aprimorar suas intervenções

junto aos alunos para que eles participassem efetivamente do processo de ensino-

aprendizagem. As muitas frustrações do entrevistado parecem decorrer da

ambiguidade entre o que ele faz e o que acredita ser sua função, na medida em que se

dá conta das dificuldades enfrentadas pelos alunos com deficiência e, também, das

suas ao com eles lidar. Assim, a compreensão do que é ser e agir como um AIE pode

auxiliar a melhor definir o que se espera desse profissional em termos de atendimento

às necessidades de apoio aos alunos com diferenças funcionais, na expectativa de se

alcançar uma educação efetivamente inclusiva.

Palavras chave: Psicologia Sociohistórica. Sentidos e significados. Agente de inclusão

escolar. Alunos com deficiência.

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Carvalho, A. M. F. Professional practice of school inclusion agent: a study about the

senses and meanings constructed by one of them. 128 p. Dissertation (Masters in

Education: Educational Psychology) – Pontifícia Universidade Católica of São Paulo,

São Paulo (BR), 2016.

ABSTRACT

The aim of this study was to gain knowledge about the professional practice of school

inclusion agents (SIAs), in order to understand the senses and meanings constructed

by one of them about his job. It is worth mentioning that the term SIAs refers to

persons that provide assistance and care to students with disabilities attending regular

schools. The research was conducted in a small county near the city of São Paulo (SP),

where the SIA (Joseph) was interviewed. The data was recorded, transcribed,

systematized and analyzed following the proposal of Aguiar and Ozella (2006, 2013)

and Aguiar, Machado and Soares (2015), authors linked to the Sociocultural

Psychology. It was found that Joseph came to the profession through public tender,

with little information about what his task should be. Doing it, he came to realize the

need to improve his interventions with the students, so that they could be active

participants in the teaching-learning-evaluation process. The respondent‘s many

frustrations seem to arise from the ambiguity between what he does and what he

believes he should do, since he perceived the difficulties faced by students with

disabilities and also those involved in dealing with them. Thus, the understanding of

what is to be and to act as an SIA can help to better define what is expected of them in

terms of providing support and education to students with functional differences, an

essential feature of a truly inclusive education.

Keywords: Sociocultural Psychology. Senses and meanings. School inclusion agents

(SIAs). Professional support. Students with functional disabilities.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 13

2. EDUCAÇÃO ESPECIAL COMO MODALIDADE DE ENSINO E EDUCAÇÃO

INCLUSIVA PROPONDO UMA EDUCAÇÃO PARA TODOS E TODAS ................................. 18

2.1 Política pública: esfera federal ................................................................................................. 18

2.2 Política pública: esfera municipal ............................................................................................ 21

3. REFERENCIAL TEÓRICO: A PERSPECTIVA SOCIOHISTÓRICA ................................... 23

3.1 Contradição ............................................................................................................................... 25

3.2 Historicidade .............................................................................................................................. 26

3.4 Sentidos e Significados .............................................................................................................. 27

4. MÉTODO ......................................................................................................................................... 29

4.1 Bases teórico-metodológicas ..................................................................................................... 29

4.2 Sujeito ......................................................................................................................................... 30

4.3 Local (escola e setor da Secretaria de Educação) ................................................................... 30

4.4 Instrumentos .............................................................................................................................. 30

4.5 Procedimentos ........................................................................................................................... 31

4.6 Referencial de análise – núcleos de significação ..................................................................... 31

5. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS ............................................................ 33

5.1 Informações sobre o município ................................................................................................ 33

5.2 Núcleos de significação e apresentação ................................................................................... 33

5.2.1 Núcleo 1: Trajetória pessoal – “O que a vida me ensinou com esse trabalho é que tenho

essa missão aqui na Terra, com esse trabalho com pessoa com deficiência” .............................. 34

5.2.2 Núcleo 2: Atuação profissional – “No autista, é contenção, é aplicação de atividades; no

caso do cadeirante, é mobilidade, higiene, alimentação, é o que realmente eles precisam” ....... 37

5.2.3 Núcleo 3: Interações sociais no trabalho – “Eles não pedem para eu os ajudarem a aplicar;

eles querem que eu aplique a atividade. Não tem muito essa parceria de o professor também

aplicar a atividade: eles precisam do AIE” .................................................................................. 41

5.2.4 Núcleo 4: Problemas percebidos no trabalho – “O cargo de AIE é visto errado dentro da

escola” .......................................................................................................................................... 46

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................... 49

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 55

APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ..................................................... 59

APÊNDICE B – Questionário ............................................................................................................ 61

APÊNDICE C – Tabulação dos questionários ................................................................................. 63

APÊNDICE D – Roteiro de entrevista .............................................................................................. 72

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APÊNDICE E – Transcrição da entrevista com gerente de educação inclusiva ........................... 73

APÊNDICE F – Roteiro de entrevista – Agente de inclusão escolar José ...................................... 84

APÊNDICE G – Transcrição da entrevista – Agente de inclusão escolar José ............................. 85

APÊNDICE H – Quadro de pré-indicadores, indicadores e núcleos de significação .................. 109

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LISTA DE SIGLAS

AIE Agente de Inclusão Escolar

APAE Associação de Pais e Amigos do Excepcional

ASI Agente Social de Inclusão

CADE Centro de Atenção ao Desenvolvimento Educacional

CNE/CP Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno

DEIF Departamento de Educação Infantil e Ensino Fundamental

EJA Educação de Jovens e Adultos

Emeief Escola Municipal de educação infantil e ensino fundamental

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

PAEI Professor Assessor de Educação Inclusiva

PNE Plano Nacional de Educação

PNEEPEI Plano Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva

PSH Psicologia Sociohistórica

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1. INTRODUÇÃO

Em Santo André, município da Grande São Paulo, a Lei nº 8.144 de 22, de dezembro

de 2000, criou a unidade administrativa CADE – Centro de Atenção ao Desenvolvimento

Educacional – subordinada ao Departamento de Educação Infantil e Ensino Fundamental –

DEIF, da Secretaria de Educação e Formação Profissional. As competências dessa unidade

administrativa pautavam-se, à época, em auxiliar o professor no diagnóstico das dificuldades

no processo de ensino-aprendizagem de alunos com deficiência, orientando-os no sentido de

delinear caminhos para superar as dificuldades de ordem pedagógica ou clínica. Competia,

também, a essa unidade oferecer atendimento tanto clínico, em parceria com a Secretaria de

Saúde, como a formação dos funcionários das unidades escolares.

O grupo de profissionais do CADE era composto por quatro professores habilitados na

área de Educação Especial, cedidos pela Secretaria de Educação e, ainda, por psicóloga,

fonoaudióloga e fisioterapeuta disponibilizadas pela Secretaria de Saúde, como consta da Lei

Municipal já citada. As atribuições desses profissionais intencionavam garantir o atendimento

especializado aos alunos com deficiência, em conformidade com a concepção de educação

inclusiva, promover a formação permanente dos professores e monitores das creches que

recebiam alunos com deficiência e, ainda, mobilizar os recursos humanos intersecretarias.

Após seis anos, uma nova lei retoma as funções do CADE. A Lei nº 8.887, de 10 de

novembro de 2006, trata da criação de quadros e funções gratificadas na prefeitura municipal

e altera a denominação da Gerência de Educação Especial, datada de 2002, para Gerência de

Educação Inclusiva. Foram criados trinta cargos para Professor Assessor de Educação

Inclusiva – PAEI (com exigência de formação em ensino superior) e um cargo de Gerente de

Projetos Educacionais, como chefia direta das PAEIs. Nesses quase quinze anos de existência,

notou-se diversas modificações na atuação do CADE e no perfil e na diversidade dos

profissionais que nele atuam.

Hoje, o grupo é composto por trinta PAEIs, três Coordenadoras de Setor Educacional,

uma Gerente, vinte professoras de salas de recursos multifuncionais, sessenta e quatro

Agentes de Inclusão Escolar (AIE); profissionais que atuam como cuidadores de alunos com

deficiência que necessitam de apoio na mobilidade, de cuidados pessoais e de alimentação nos

ambientes escolares. Há, também, uma parceria, financiada pela Secretaria de Educação com

a Fundação Medicina ABC, que oferece uma equipe técnica de Saúde, formada por

psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogas, neurologista, fisioterapeutas e

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psicopedagogos, somando trinta e quatro profissionais. Cabe a essa equipe apoiar os

professores da sala de recursos, bem como realizar diagnósticos clínicos e intervenções

terapêuticas em alunos.

Quanto à atuação, fica explícita a linha de trabalho das PAEIs em documentos oficiais,

como os Projetos Políticos Pedagógicos das unidades escolares. O foco do trabalho segue

diretrizes construídas nesse processo histórico. Cada PAEI é responsável por, em média,

quatro escolas (entre Creches, Escolas Municipais de Educação Infantil e Ensino Fundamental

e Centros Públicos de Educação de Jovens e Adultos) e o número de alunos com transtorno do

espectro autista, deficiência física, intelectual, auditiva e visual atendidos por tais

profissionais, está em torno de quarenta. Sendo assim, o número de professores de sala

regular, assessorado pelas PAEIs, é quase o mesmo que o número de alunos, salvo exceções

em que há dois ou mais deles sendo atendidos na mesma sala de aula.

Essa função de assessoria educacional busca oferecer apoio e subsídios pedagógicos

para o professor da sala regular da rede municipal de ensino e caracteriza-se como um serviço

itinerante, que pretende colaborar com o processo de Educação na Perspectiva Inclusiva. Ou

seja, a atuação da PAEI dá-se diretamente com alunos, professores e cuidadores no âmbito

escolar e, indiretamente, com os demais atores envolvidos nesse processo: equipe gestora,

demais profissionais das escolas, famílias e equipe clínica.

Cada professor e cada aluno com deficiência têm suas peculiaridades. Mantoan (2001)

aponta que escolas de boa qualidade são abertas às diferenças, reconhecem, respeitam e

acolhem os alunos em suas diferenças, ou seja, são escolas que não são indiferentes às

diferenças. Todo sujeito tem uma história de vida, participando de interações sociais e de

atividades partilhadas, nas quais são constituídos como seres humanos. Ao entrar na escola, as

histórias dos diferentes alunos seguem um curso comum: a história de cada um no contexto

escolar. Os papéis de professor e de aluno constroem-se à medida que se dá o processo de

ensino-aprendizagem-avaliação. O professor, para desenvolver bem a sua prática pedagógica,

necessita ter clareza sobre quais são as situações promotoras da aprendizagem do aluno. É

nessa perspectiva que, entendemos, a PAEI atua, sendo ela própria um agente que pode

contribuir para que os docentes estejam bem instrumentalizados, com conhecimento e

estratégias diversas para lidar com o processo de aprendizagem de todos os alunos, com ou

sem deficiência.

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Em meio a essa história, após concurso público, entrei, em 2006, para o quadro de

professores de educação infantil e ensino fundamental da rede pública de Santo André. Minha

experiência profissional, até então, se deu como professora de educação especial na APAE

(Associação de Pais e Amigos do Excepcional) de Marília, cidade do interior de São Paulo, e

como professora de educação infantil no mesmo município, lugar onde tive a primeira

oportunidade de, em uma sala de ensino regular, dar aulas para alunos com deficiência. A

partir daí, comecei a constatar que há diferença entre educação especial e educação inclusiva,

observando, principalmente, como o grupo de alunos é fator determinante na aprendizagem de

seus pares. Após uma breve passagem atuando como coordenadora pedagógica em uma

creche conveniada no município de São Paulo, cheguei a Santo André. Em três anos na sala

de aula do ensino fundamental, tive, mais uma vez, a oportunidade de lecionar para alunos

com deficiência em minhas turmas. E podia contar com o apoio de PAEI, para pensar nas

intervenções pedagógicas.

Em 2007, a PAEI que me assessorava questionou-me sobre a possibilidade de

contarmos, em minha sala de aula, com a presença de uma Agente Social de Inclusão (ASI).

Essa profissional daria aos meus alunos, um com paralisia cerebral e outra com transtorno do

espectro autista, apoio à mobilidade, alimentação e higiene. Lembro que respondi que não

considerava necessário, pois estávamos (alunos e eu) envolvidos com a dinâmica de sala de

aula e as crianças vinham conquistando, progressivamente, autonomia nessas áreas. De

qualquer forma, essa profissional, a ASI, chegou à escola e eu a via constantemente

conduzindo uma aluna com deficiência física de outra sala e alimentando uma criança com

deficiência intelectual também de outra turma, ambas tarefas feitas anteriormente pelas

professoras dos respectivos alunos.

Em 2008, fui transferida para outra escola; novos alunos, novos desafios, nova PAEI

vieram. Não fui dessa vez questionada sobre a possibilidade de ter ou não uma ASI comigo e

com meus alunos, em sala. Ela estava lá, configurando uma situação já dada como certa nessa

nova escola, para ―cuidar‖ de uma criança sem diagnóstico de deficiência, mas que desafiava

as regras da escola constantemente, apresentando episódios de agressividade e envolvendo-se

em conflitos com seus colegas. Aprendi a lidar com mais um adulto na sala: ela não era

professora e, também, não era aluna. Era uma ―cuidadora‖, claramente colocada lá para conter

o aluno. Eu me questionava sobre minha própria postura nas intervenções com esta criança e

em como incluir essa profissional em meu planejamento. Hoje, avalio que aquele foi um ano

letivo difícil, no que diz respeito às relações interpessoais estabelecidas. Em seu final, fui

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convidada a compor o grupo de profissionais do CADE, como professora do Atendimento

Educacional Especializado, atuando em sala de recursos multifuncional. Foram três anos com

quatro ASIs atuando comigo nessa sala.

A parceria com eles foi diferente. Os atendimentos educacionais aos alunos ocorriam

no contra turno da sala regular e em pequenos grupos de crianças, com, em média, uma hora e

trinta minutos de duração. Os ASIs ajudavam-me a confeccionar material, conduzir os alunos

nos diversos ambientes escolares, trocar fraldas e em outras ações. Foram grandes parceiros

de trabalho. Àquela época, não conseguia imaginar minha atuação na sala de recursos

multifuncional sem a presença deles. Era de fato eu quem pensava as ações e eles me

ajudavam a executá-las. Sozinha, com grupos de seis crianças com transtorno do espectro

autista, por exemplo, eu não conseguiria fazer o que estava previsto.

Em 2012, deixei a sala de recursos multifuncionais para atuar como PAEI, realizando

o serviço itinerante de assessoria em educação inclusiva em quatro escolas, com quarenta e

quatro alunos com deficiência incluídos em salas regulares, nas quais lecionavam trinta e oito

professores. Somavam-se a isso treze gestores de tais escolas, diversos profissionais clínicos

que atendiam os alunos, alguns professores de Educação Física, além de monitores de

informática, das famílias dos alunos e dos professores que realizavam o atendimento em sala

de recursos multifuncional, compondo a rede de apoio. E mais oito ASIs.

A cada ida minha às escolas dava-me conta de um fenômeno: quem respondia mais

questões sobre os alunos com deficiência eram os ASIs. No processo de escolarização, eles

eram a grande referência e eram percebidos como essenciais pelas equipes gestoras e

docentes. Ouvi, por diversas vezes, que sem eles seria impossível incluir as crianças com

deficiência. Em 2013, com a mesma proposta de trabalho, os ASIs passaram a ser

denominados Agentes de Inclusão Escolar – AIEs, nomenclatura estabelecida pela gestão da

Secretaria de Educação para a entrada desses profissionais, por meio de concursos públicos,

em 2011 (iniciando em 2013).

Função semelhante à do AIE também existe em alguns outros municípios brasileiros,

embora com outros nomes: profissional de apoio, auxiliar, cuidador, mediador, agente de vida

escolar, entre outros. Não há um modelo a ser seguido; há pequenas indicações em

legislações. Cada município, estado ou escola particular cria seu modelo de atuação. A

existência desse profissional de educação nas escolas, acompanhando alunos com deficiência,

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tem base legal, mas ela estipula tão somente sua presença, sem informar (ou mensurar) o

tempo junto ao aluno ou, ainda, os critérios para a indicação de sua presença.

Desta forma, fazem-se necessárias pesquisas para compreender como a atividade

exercida por esses profissionais são por eles significadas. Essa compreensão possibilitará uma

atuação mais bem qualificada, que beneficiará o processo de inclusão escolar no município de

Santo André. Essa pesquisa busca, de uma forma mais abrangente, analisar os sentidos e

significados que um AIE constitui para sua atuação profissional. Para essa análise, o proposto

é seguir o trabalho de Aguiar e Ozella (2006, 2013) e Aguiar, Soares e Machado (2015), de

modo que, como outras pesquisas na vertente da psicologia sociohistórica, a intenção é

apreender os sentidos e significados constituídos na e pela atuação do AIE em sala de aula.

Inicialmente, foi feita uma revisão da literatura disponível, bem como das várias

legislações a respeito, além de realizar uma entrevista com uma das idealizadoras da presença

da figura desse profissional de educação – o Agente de Inclusão Escolar. Dessa forma,

esperou-se compreender a expectativa de sua atuação junto aos alunos com deficiência e,

ainda, como ela tem sido inserida no ambiente escolar. O próximo capítulo apresenta o

referencial teórico da pesquisa, com a explicação das categorias sentido e significado e as

categorias próprias da psicologia sociohistórica. O capítulo a seguir traz o método utilizado na

pesquisa para atingir o objetivo do estudo e seus pressupostos, os procedimentos de coletas de

dados e de registro, bem como as características do sujeito pesquisado (AIE), indicando,

ainda, o local das coletas de dados e o referencial de análise. Finalmente, os núcleos de

significação do AIE entrevistado são apresentados e analisados individualmente e, também,

em sua articulação (análise internúcleos) nas considerações finais; procurarei apontar pontos

importantes da investigação que contribuem para a compreensão do fenômeno aqui

apresentado e, ainda, sugerir possíveis caminhos para quem pretende dar prosseguimento a

essa investigação.

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2. EDUCAÇÃO ESPECIAL COMO MODALIDADE DE ENSINO E EDUCAÇÃO

INCLUSIVA PROPONDO UMA EDUCAÇÃO PARA TODOS E TODAS

2.1 Política pública: esfera federal

Para compreender o papel desempenhado pelo agente de inclusão escolar – AIE no

município de Santo André, na grande São Paulo, é necessário discorrer sobre Educação

Especial e sobre Educação Inclusiva. Primeiramente, a Lei 9394/96, Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional (BRASIL, 1996) reza que a Educação Especial é uma modalidade de

Educação oferecida preferencialmente no sistema regular de ensino, que compreende toda a

rede que oferece serviços de apoio, como o atendimento educacional especializado. A rede de

apoio e os serviços de apoio foram organizados pela Resolução do Conselho Nacional de

Educação/ Câmara de Educação Básica número 2/2001 (BRASIL, 2001) com a função de

complementar, suprir e, por vezes, substituir o serviço educacional comum, sempre no intuito

de garantir uma educação que promova o desenvolvimento dos alunos com necessidades

educacionais especiais, descritos da seguinte forma pela Resolução:

Art. 5º Consideram-se educandos com necessidades educacionais especiais os que,

durante o processo educacional, apresentarem: I - dificuldades acentuadas de

aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o

acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois grupos: a)

aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica; b) aquelas relacionadas a

condições, disfunções, limitações ou deficiências; II – dificuldades de comunicação

e sinalização diferenciadas dos demais alunos, demandando a utilização de

linguagens e códigos aplicáveis; III - altas habilidades/ superdotação, grande

facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos,

procedimentos e atitudes.

Art. 6º Para a identificação das necessidades educacionais especiais dos alunos e a

tomada de decisões quanto ao atendimento necessário, a escola deve realizar, com

assessoramento técnico, avaliação do aluno no processo de ensino e aprendizagem,

contando, para tal, com: I - a experiência de seu corpo docente, seus diretores,

coordenadores, orientadores e supervisores educacionais; II - o setor responsável

pela educação especial do respectivo sistema; III – a colaboração da família e a

cooperação dos serviços de Saúde, Assistência Social, Trabalho, Justiça e Esporte,

bem como do Ministério Público, quando necessário. (BRASIL, 2001)

No decorrer da Resolução há ainda apontamentos sobre professores capacitados e

especializados, que confiram flexibilidade ao currículo, adaptando e adequando metodologias

e recursos didáticos, além de realizarem processos de avaliação de acordo com o projeto

político pedagógico da escola. Indica, também, que sejam disponibilizados aos alunos apoios

necessários à aprendizagem, locomoção e comunicação. Posteriormente, neste capítulo, será

abordada novamente a indicação destes ―apoios‖. Uma das definições de Educação Inclusiva

é dada por um documento elaborado pelo grupo de trabalho do Ministério da

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Educação/Secretaria de Educação Especial em 2008, denominado Política Nacional de

Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva – PNEEPEI – documento que é

marco histórico e que reformula e aprimora a Resolução acima citada:

A Educação Inclusiva constitui um paradigma educacional fundamentado na

concepção de direitos humanos que conjuga a igualdade e a diferença como valores

indissociáveis e que avança em relação à ideia de equidade formal ao contextualizar

as circunstâncias históricas de produção da exclusão dentro e fora da escola. Ao

reconhecer que as dificuldades enfrentadas no sistema de ensino evidenciam a

necessidade de confrontar as práticas discriminatórias e criar alternativas para

superá-las, a educação inclusiva assume espaço central no debate acerca da

sociedade contemporânea e do papel da escola na superação da lógica da exclusão.

A partir dos referenciais para a construção de sistemas educacionais inclusivos, a

organização de escolas e classes especiais passa a ser repensada, implicando uma

mudança estrutural e cultural da escola para que todos os alunos tenham suas

especificidades atendidas. (BRASIL, 2008)

O documento PNEEPEI, ao abordar ―especificidades atendidas‖, não faz referência e

não especifica se as mudanças estruturais ou culturais incluem a presença de um profissional

de apoio para os alunos com deficiências nas salas de aulas.

Como este é um trabalho que adota a perspectiva sociohistórica, é importante ressaltar

que a prática educacional vygotskiana, voltada para alunos com deficiência, pauta-se na

compreensão do autor a respeito do desenvolvimento humano. De fato, ele considerava que é

papel da psicologia estudar o desenvolvimento humano e destacava peculiaridades do

desenvolvimento de alunos que, em seu contexto histórico, poderiam ser alvo do olhar

constituído pela sociedade, que denomina os seres humanos como ―normais‖ e ―anormais‖.

Vygotski não faz distinção quanto ao desenvolvimento ontogenético (desenvolvimento

do indivíduo) de alunos com ou sem deficiência. Sendo assim, ele considera que a vida social

desempenha um fator determinante no desenvolvimento. As limitações orgânicas dos sujeitos

são consideradas primárias e as funções superiores, mediadas pelo pensamento, são

consideradas secundárias. Por isso, justifica-se a diferenciação nas abordagens terapêuticas e

pedagógicas, uma vez que a última deve levar em conta a não homogeneização do ensino e as

diferenças individuais que constituem os sujeitos aprendizes. O ―investimento‖ na atuação

pedagógica para alunos com deficiência deve primar pela elaboração das funções mentais

superiores, constituídas no meio social, ou seja, a escola, a família e a comunidade são

constituintes da linguagem, do pensamento e da aprendizagem.

A não segregação escolar do aluno com deficiência é fundamental para que possam

viver suas distintas experiências e com elas aprender. Dessa forma, não há rupturas de laços

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sociais, que privam a criança de conviver com crianças com um aparato cognitivo formado

por funções psicológicas superiores ricas e variadas.

A legislação brasileira, também por meio do PNEEPEI, entre outros documentos

legais, especifica o que entende por deficiência.

Consideram-se alunos com deficiência àqueles que têm impedimentos de longo

prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que em interação com

diversas barreiras podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e

na sociedade. Os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles

que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na

comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e

repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com autismo, síndromes do espectro do

autismo e psicose infantil. Alunos com altas habilidades/ superdotação demonstram

potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas:

intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes. Também apresentam

elevada criatividade, grande envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas

em áreas de seu interesse. (BRASIL, 2008)

A Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que tem valor de

emenda constitucional, em 2009, no seu artigo 24 trata da Educação e, entre diversas

considerações, diz que ―medidas de apoio individualizadas e efetivas sejam adotadas em

ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta de

inclusão plena‖. Há aí mais uma indicação para efetivar e justificar a presença do profissional

que colabora e dá assistência ao aluno com deficiência.

Nas Orientações para Implementação da Política de Educação Especial na Perspectiva

da Educação Inclusiva (BRASIL, 2015) encontram-se orientações do Ministério da Educação,

assim como notas técnicas, pareceres, portarias e resoluções que permeiam a pesquisa relativa

aos profissionais que dão apoio aos estudantes com deficiência. Consta no documento:

Os profissionais de apoio às atividades de locomoção, higiene e alimentação prestam

auxílio individualizado aos estudantes que não realizam essas atividades com

independência. Esse apoio ocorre conforme as especificidades apresentadas pelo

estudante, relacionadas à sua condição de funcionalidade e não à condição de

deficiência. A demanda de um profissional de apoio se justifica quando a

necessidade específica do estudante público alvo da educação especial não for

atendida no contexto geral dos cuidados disponibilizados aos demais estudantes. Em

caso de educando que requer um profissional ―acompanhante‖ em razão de histórico

de segregação, cabe à escola favorecer o desenvolvimento dos processos pessoais e

sociais para a autonomia, avaliando juntamente com a família a possibilidade

gradativa de retirar esse profissional. Não é atribuição do profissional de apoio

desenvolver atividades educacionais diferenciadas, ao aluno público alvo da

educação especial, e nem se responsabilizar pelo ensino deste aluno. O profissional

de apoio deve atuar de forma articulada com os professores do aluno público alvo da

educação especial, da sala de aula comum, da sala de recursos multifuncionais, entre

outros profissionais no contexto da escola. (BRASIL, 2015, p. 70)

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Em 6 de julho de 2015 entra em vigor mais uma lei federal que traz nomenclaturas

similares ao papel desempenhado pelo AIE no município de Santo André. Mais uma que

mostra uma preocupação da sociedade que implica políticas públicas para pessoas com

deficiência, em âmbito escolar. Porém as nomenclaturas constam nas Disposições Gerais (não

constam na parte específica que trata da Educação). Diz a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa

com Deficiência (2009):

XII - atendente pessoal: pessoa, membro ou não da família, que, com ou sem

remuneração, assiste ou presta cuidados básicos e essenciais à pessoa com

deficiência no exercício de suas atividades diárias, excluídas as técnicas ou os

procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas;

XIII - profissional de apoio escolar: pessoa que exerce atividades de alimentação,

higiene e locomoção do estudante com deficiência e atua em todas as atividades

escolares nas quais se fizer necessária, em todos os níveis e modalidades de ensino,

em instituições públicas e privadas, excluídas as técnicas ou os procedimentos

identificados com profissões legalmente estabelecidas;

XIV - acompanhante: aquele que acompanha a pessoa com deficiência, podendo ou

não desempenhar as funções de atendente pessoal. (BRASIL, 2009)

A seguir mostraremos como o que foi demonstrado na primeira parte deste capítulo

influenciou e transformou políticas públicas na rede de ensino de Santo André, bem como

suas articulações para assegurar a presença do profissional de apoio escolar/agente de

inclusão escolar.

2.2 Política pública: esfera municipal

A história do profissional de apoio às demandas dos alunos com deficiência em Santo

André tem início no ano de 2007. Na falta de documentos que comprovem como essa história

foi constituída, recorremos, além dos poucos registros escritos (edital de concurso público e o

Projeto Político Pedagógico das escolas, por exemplo) à uma entrevista (APÊNDICE D) com

a gerente do setor responsável – CADE, que esteve à frente da Gerência de Educação

Inclusiva nos anos de 2002 até 2008, retornando ao cargo de gerente em 2013, onde

permanece até a conclusão dessa pesquisa.

Segundo a gerente ―(...) as pessoas já aceitavam as pessoas com deficiência dentro da

sua sala de aula, mas elas queriam melhores condições para atuar com esse aluno (...)‖. Na

perspectiva da rede municipal e da secretaria de educação, somando-se à outras propostas

(professor itinerante e formação continuada para os professores), o profissional de apoio surge

para compor, com o professor, as ações junto aos alunos que precisavam de apoio para

mobilidade, higiene e alimentação. A gerente exemplifica uma situação: quando o aluno

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precisa utilizar o banheiro, a professora não teria como deixar a sala sozinha para acompanhá-

lo. Assim, a gerente ressalta: ―Mas nunca houve a ideia, nunca houve a ideia de ser alguém

que pudesse tomar o lugar dessa professora no trato com esse aluno. Nunca!‖.

A primeira nomenclatura utilizada para reportar-se ao profissional de apoio, em 2007,

foi agente social de inclusão ASI. O perfil desses profissionais, que não entraram por

concurso público e sim por análise de curriculum, era de um profissional que tivesse pelo

menos o ensino médio completo e experiências prévias na área da saúde, ou na área da

educação ou em ambas. Tiveram formação inicial e encontros periódicos também formativos.

A ideia inicial era ter um ASI por escola. Atualmente há escolas com dois ou mais

profissionais de apoio.

Em 2011 a Prefeitura Municipal divulgou um edital de concurso público para

contratação de novos profissionais de apoio, com nova nomenclatura: agente de inclusão

escolar. O edital número 08/2011 indica que há 64 vagas para o cargo (60 gerais e 4 para

pessoas com deficiência), com jornada semanal de 40 horas, salário de R$ 1519,03 e a prova

objetiva constava com questões de conhecimento básico (Português e Raciocínio Lógico),

conhecimentos de informática (Word e Excel) e conhecimentos específicos com a seguinte

bibliografia:

Lei Federal n.º 8.069/1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente (Livro I:

Título I, Título II arts 7º a 24 e 53 a 59 e Livro II: Título I, Título II e Título III);

BRASIL. Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Especial na

Perspectiva da Educação Inclusiva – PNEEPEI

FAVERO, Eugênia Augusta Gonzaga. Direitos das Pessoas com Deficiência:

Garantia de Igualdade na Diversidade. Rio de Janeiro: WVA, 2004.

As principais atribuições do cargo, segundo o edital, vão ao encontro do exposto em

documentos legais explicitados na primeira parte deste capítulo. Iniciou-se a chamada dos

aprovados no início do ano de 2013. Tiveram breve formação inicial e há encontros mensais

para formação. A gerente conta que além dos AIE atuando como profissional de apoio aos

alunos com deficiência a rede municipal de ensino também tem, desde 2015, estagiários de

pedagogia específicos para salas de aula com alunos com deficiência.

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3. REFERENCIAL TEÓRICO: A PERSPECTIVA SOCIOHISTÓRICA

Este estudo soma-se a outros estudos que se pautam na Psicologia Sociohistórica, na

tentativa de compreender um sujeito em sua história, além das relações por ele estabelecidas

com o mundo social. De forma contínua, essa perspectiva afirma que o fenômeno psicológico

não tem sua gênese no biológico e, sim, nas relações estabelecidas com o mundo. O processo

psíquico constitui-se socialmente e, ao mesmo tempo, forma o social.

Lev Semenovich Vygotski inicia esta vertente da Psicologia na antiga União Soviética,

nas décadas iniciais do século XX. Insatisfeito com as explicações dadas à época para a

consciência e a conduta humanas, retomou a teoria de Marx e Engels, proposta no século

anterior, relembrando que o homem é constituído pelo lugar que ocupa nas relações sociais e

por suas condições materiais. Sendo assim, alguns dos pressupostos centrais da abordagem

vygotskiana são os seguintes:

Todos os fenômenos devem ser estudados como processos em permanente

movimento e transformação.

O homem constitui-se e transforma-se ao atuar sobre a natureza com sua

atividade e seus instrumentos.

Não se pode construir qualquer conhecimento a partir do aparente, pois não

se captam as determinações que são constitutivas do objeto. Ao contrário, é preciso

rastrear a evolução dos fenômenos, pois estão em sua gênese e em seu movimento as

explicações para sua aparência atual.

A mudança individual tem sua raiz nas condições sociais de vida. Assim, não

é a consciência do homem que determina as formas de vida, mas é a vida que se tem

que determina a consciência. (BOCK, 2002, p. 87)

Esta teoria supera a concepção de que o sujeito traz, desde o nascimento, aptidões que

podem vir a ser desenvolvidas ao longo dos anos e na vida adulta. Postulando que nada há no

mundo social que seja natural, a proposta é entender quais são as possibilidades que esse

sujeito teve no decorrer de sua vida para constituir-se como tal. Pode-se, então, afirmar que o

ser humano não nasce humano; ele aprende a ser humano com outros seres humanos, de modo

que se é diferente pela afiliação a grupos sociais distintos e a depender do acesso que se tem à

cultura humana. E cultura, nessa perspectiva, é aquilo que os seres humanos criaram ao longo

da história, tanto no aspecto material, quanto no aspecto não material.

Na vida humana, tudo é movimento, de modo que nada é perene. As condições de vida

do ser humano podem, portanto, ser modificadas. Os conhecimentos e a cultura produzidos

pela humanidade são acumulados e ―transmitidos‖ de geração em geração, o que constitui a

história de cada humano e a história da humanidade. Outro aspecto, a atividade criadora, torna

possível o trabalho (algo que diferencia veemente o homem de outros animais e é entendida

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por Vygotski como uma ―atividade especificamente humana, conscientemente orientada, que

só se tornou possível no âmbito das relações sociais e emergiu na história dessas relações

[...]‖ (2009, p. 11). Cada nova geração de humanos aperfeiçoa e transforma as condições de

trabalho; as crianças e os adultos acumulam experiências em conjunto com outros humanos.

O processo de desenvolvimento está tão intimamente ligado ao aprender que se pode mesmo

dizer que é a aprendizagem que dirige o desenvolvimento, pois o impulsiona, situação que

permite novas aprendizagens que impulsionarão mais uma vez e sempre o desenvolvimento,

abrindo espaço para outras aprendizagens. Ora, aprender é um processo socialmente mediado,

que se dá, em geral, na parceria com sujeitos mais experientes. A aprendizagem pode se dar

mediante o ensino, que evidencia uma intenção educativa, ou por meio da experiência direta

da criança, sem o auxílio de um par ou um adulto mais avançado nesse processo.

O processo de ensino-aprendizagem assegura e possibilita a história. Assim, pode-se

dizer que é por meio da Educação que se conta com a possibilidade de acessar a cultura

historicamente acumulada. Família, professores e parceiros mais experientes têm um papel

determinante nesse processo. São eles que medeiam a relação da criança com o mundo,

permitindo-lhe o sentido, o significado e o uso social dos objetos da cultura. Ao apropriar-se

paulatinamente de sua cultura, por estar nela imerso, aspectos que de outra forma não

surgiriam acabam por se desenvolver, como é o caso da linguagem, da memória voluntária, da

autorregulação da conduta, entre tantos outros. Essa apropriação da cultura ocorre nas e pelas

interações sociais, organizadas em atividades práticas humanas. Assim, o bebê humano

encontra um mundo já constituído ao nascer e, quando dele se apropria, constitui seu plano

interno (ou seu psiquismo): torna-se humano. Esse processo de constituição do humano deve-

se ao que Vygotski denomina de processo de internalização.

Em situações escolares, cada aluno conta com parceiros mais experientes (os

professores e demais profissionais da educação), que ―garantem a apropriação‖ do saber

escolar (e auxiliam a possibilidade de criação), uma versão do conhecimento produzido pelo

conjunto da humanidade. Ao aprender, funções psicológicas superiores são constituídas,

promovendo os aspectos cognitivos que, por sua vez, têm por base aspectos volitivos. Assim,

o desenvolvimento mesmo da ‗inteligência‘ tem origem social, de onde se depreende que

melhor será se houver condições favoráveis para tal.

As categorias da Psicologia Sociohistórica fundamentam-se no materialismo histórico

e dialético. Entende-se por categorias:

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[...] como aspectos do fenômeno, constituídos a partir do estudo do processo, do

movimento, da gênese deste último. As categorias de análise devem dar conta de

explicar o fenômeno estudado em sua totalidade. São construções ideais (no plano

das ideias) que representam a realidade concreta e, como tais, carregam o

movimento do fenômeno estudado, suas contradições e sua historicidade.

Explicando melhor: temos no início de nosso estudo um fato empírico, que está ao

alcance de nossos sentidos. No entanto, os fatos empíricos não podem ser tomados

como o fim de nosso estudo, pois assim ficaríamos no nível das aparências. É

preciso ir adiante e conhecer o fenômeno em sua concretude, ou seja, é preciso que o

pensamento invada o fenômeno e possa desvendar relações e determinações que o

constituem e que não ficam evidentes no imediato, ou seja, no nível empírico.

(AGUIAR, 2001, p. 95)

Nesta pesquisa serão utilizadas as categorias contradição, historicidade, mediação,

sentido e significado. A partir delas e com elas haverá a análise dos dados obtidos,

objetivando apreender os sentidos e significados da atuação profissional do agente de inclusão

escolar.

3.1 Contradição

Há diferentes realidades com íntimas conexões e elas constroem unidades

contraditórias. Na dialética, a contradição é tida como princípio básico do movimento de

existência dos seres. No contexto vygotskiano, a categoria contradição não equivale ao termo

―problema‖ ou ainda ―dúvida‖. Neste contexto, contradição, no curso do desenvolvimento da

realidade, que é contraditória e dialética, refere-se a uma situação interna, mútua e antagônica.

O movimento de superação da realidade se dá pela negação da negação, de modo que o novo

nega o antes estabelecido, mesmo mantendo em si elementos do que foi superado, em um

constante ―vir a ser‖.

Na perspectiva da psicologia sociohistórica, ―todo real é um processo que contém, sem

encerrar, o possível numa unidade de contrários‖ (CURY, 1995, p. 31). Não é possível,

portanto, retirar dele entre as partes, existem tanto contradições como uniões. Os fenômenos

estudados podem ser contraditórios por conterem elementos de reprodução e de

transformação. Segundo o mesmo autor, tomando como exemplo a categoria contradição na

Educação:

A categoria contradição é tomada, aqui, como base de uma metodologia dialética.

Vista como fator do desenvolvimento da sociedade, a contradição não pode ser

negada em seu movimento histórico, o que levaria a uma falsa concepção da

educação, representada ―de modo linear e mecânico‖. (CURY, 1884, p. 31)

É também pela contradição que o sujeito transforma e é transformado pelas condições

historicamente postas em um dado momento e lugar.

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3.2 Historicidade

Essa categoria fala do movimento constante no qual estamos, como humanos,

inseridos: o homem transforma e é transformado pelas condições criadas por ele e por seus

pares, ao longo da existência. Ao olhar para a realidade, nota-se que ela não é estática, que

está em constante movimento. Analisando-a, é importante apreender seu movimento, ou seja,

sua gênese, o processo de transformação e o caminho que ela criou. A essência do fenômeno

estudado deve assim ser estudada, pois a história não se faz apenas com um fato após o outro

e, sim, com fatos que têm uma gênese e um processo de desenvolvimento que lhes são

constitutivos. O homem, da mesma forma, é um sujeito histórico e, como tal, sua gênese e

constituição devem ser analisadas. Na perspectiva da psicologia sociohistórica, a categoria

historicidade auxilia a compreensão de como a mudança, a transformação, foi se constituindo.

Conforme Aguiar e Machado:

Ao discutirmos a categoria historicidade, é fundamental reconhecermos, ainda,

apoiados em Vygotski, suas duas dimensões, dialeticamente ligadas, sendo que uma

constitui a outra como ―dialética geral das coisas‖, no seu sentido geral, e como a

―história humana‖, no seu sentido restrito. (AGUIAR; MACHADO, 2012, p. 30)

As condutas humanas são determinadas pela cultura e pelos ambientes sociais nos

quais o homem vive sua história. Ao utilizar a categoria historicidade, buscamos considerar as

falas do sujeito como históricas, além de permitirem apreender as significações nelas

contidas. A linha teórica que sustenta essa pesquisa objetiva explicar a realidade concreta do

sujeito pesquisado, tendo como ponto de partida a lógica dialética.

A historicidade é um movimento marcado por contradições e não considerá-la dessa

forma, é entender os movimentos de forma cristalizada. No caminho, na trajetória do sujeito e

da humanidade, há elementos históricos que não podem ser negados.

3.3 Mediação

Para Saviani (2015, p. 26) a ―mediação é uma categoria central da dialética que, em

articulação com a ‗ação recíproca‘, compõe com a ‗totalidade‘ e a ‗contradição‘, o arcabouço

categorial básico da concepção dialética da realidade e do conhecimento‖. Em síntese, a

categoria mediação permite conceber o homem como ser social, histórico e cultural. É a

mediação que leva à compreensão de que as relações que constituem o sujeito não são diretas,

ou seja, de que essas relações são mediadas. Dessa maneira, a mediação, como forma de

apreensão do real, colabora na análise da realidade (com suas contradições e materialidades)

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que, sendo um processo dialético, não é linear e imediato. Essa categoria é útil, quando se

trata de apreender os sentidos e significados constituídos por alguém, levando à compreensão

das relações contidas no pensamento, que se concretizam na fala.

Segundo Aguiar e Ozella (2013, p. 302), o sujeito é um ―ser social e singular, síntese

de múltiplas determinações, que constitui sua singularidade nas relações sociais (universal),

por meio das mediações sociais (particularidades/ circunstâncias específicas)‖. Sendo assim, a

particularidade atua como mediação, que é o que organiza — e não apenas relaciona de forma

direta — o singular e o universal. Sem que se considere a particularidade, os sentidos e

significados não podem ser compreendidos. Oliveira expressa bem essa ideia:

Ora, a importância da particularidade (na relação singular-particular-universal) na

análise de um determinado fenômeno está no fato de que ela se constitui em

mediações que explicam os mecanismos que interferem decisivamente no modo de

ser da singularidade. A cuidadosa identificação e caracterização da particularidade é

condição "sine qua non" para compreender-se como se dá essa concretização da

universalidade no vir-a-ser da singularidade. Somente dessa forma é possível a

aproximação do pensamento ao ser concreto da realidade em movimento, ao

movimento processual da tensão entre a universalidade e a singularidade mediada

pela particularidade. (OLIVEIRA, 2005, p. 48)

A constituição do humano não seria possível sem a mediação, pois o homem não

nasce homem: ele se torna homem pela mediação dos grupos sociais em que está inserido.

Sentir, agir e pensar no mundo perpassam as relações estabelecidas no e pelo mundo, pois o

sujeito é ele mesmo uma unidade de contrários, expressão tanto do social como do individual,

apropriadas nas e pelas interações estabelecidas em sua sociedade. A sociedade, portanto,

medeia conhecimentos.

3.4 Sentidos e Significados

Para entender os sentidos e significados, recorremos à Vygotski (2001), para quem

sentido se refere a ―um agregado de todos os fatos psicológicos que surgem na nossa

consciência, como resultada da palavra‖, enquanto o significado é produzido pela história, de

modo que são compartilhados, permitindo a comunicação humana e colaborando na

constituição do psiquismo. Aguiar e Ozella (2006) norteiam o entendimento dessas

categorias:

Dessa forma, na perspectiva de melhor compreender o sujeito, os significados

constituem o ponto de partida: sabe-se que eles contêm mais do que aparentam e

que, por meio de um trabalho de análise e interpretação, pode-se caminhar para

zonas mais instáveis, fluidas e profundas, ou seja, para as zonas de sentido. Afirma-

se, assim, que o sentido é muito mais amplo que o significado, pois o primeiro

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constitui a articulação dos eventos psicológicos que o sujeito produz frente a uma

realidade. (AGUIAR; OZELLA, 2006, p. 227)

Como os significados são compartilhados socialmente, há um movimento quando o

sujeito dele se apropria, pois, quando isso ocorre, imprimem-se nos significados as

experiências e os conhecimentos individuais, constituindo sentidos (individuais). Como a fala

representa o sujeito e o sentido, objetivado na fala, expressa o pensamento do indivíduo,

pode-se dizer que o sentido aponta a subjetividade do sujeito. Como afirmam Aguiar,

Liebesny, Marchesan e Sanchez (2009) ―[...] falar de sentidos é falar de subjetividade, da

dialética afeto/ cognição, é falar de um sujeito não diluído, de um sujeito histórico e singular

ao mesmo tempo‖.

Inseparáveis e diferentes quando comparados, sentidos e significado, como unidade de

contrários, como dupla dialética, constituem a contradição entre pensamento e linguagem. Um

não é sem a outra. Segundo Aguiar e Davis (2011, p. 183), o estudo dos sentidos e

significados ―[...] é um caminho para apreendermos as contradições, movimentos, enfim, as

especificidades que aí ocorrem, de modo a produzir conhecimentos importantes para

intervenções calcadas na realidade concreta‖. Desse modo, pode-se dizer que compreender os

sentidos e significados é essencial para esta pesquisa, já que se pretende alcançar o

entendimento, por meio da análise da entrevista concedida pelo Agente de Inclusão Escolar,

de quem é esse sujeito.

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4. MÉTODO

4.1 Bases teórico-metodológicas

A intenção desta pesquisa é produzir conhecimentos acerca da atuação de um

profissional de apoio aos alunos com deficiência. No caso do município estudado (Santo

André), esses profissionais são denominados agentes de inclusão escolar (AIE). A partir dos

pressupostos da psicologia sociohistórica, serão utilizados procedimentos deles decorrentes,

que se apoiam no materialismo histórico e dialético, origem desses pressupostos. Com isto,

será possível por meio da análise, alcançar aproximações que permitam compreender melhor

esse sujeito social, estudando em especial, suas condições objetivas e subjetivas de vida:

A postura teórica e metodológica da PSH permite, assim, afirmar que serão os

sujeitos, personagens deste espaço, aqueles que revelarão, a partir de sua

subjetividade - de sua biografia social e historicamente constituída - e por meio de

seus sentidos e significados, a realidade social e institucional da escola. (AGUIAR;

DAVIS, 2012, p. 187)

Nas obras vygotskianas, o método tem um papel fundamental para conceber e orientar

pesquisas. Pautando-se em uma concepção de homem que transforma a natureza e é por ela

transformado, entende-se que, para apreender um fenômeno, é necessário que a investigação e

a análise levem em conta que ―o método é, ao mesmo tempo, pré-requisito e produto, o

instrumento e o resultado do estudo‖ (VYGOTSKI, 1991). Como a presente investigação

segue uma abordagem qualitativa, supõe-se que o pesquisador investigue o contexto para, em

um processo permanente de reflexão, orientado pela teoria, possa encontrar respostas, ainda

que provisórias, para o problema estudado:

A pesquisa qualitativa também envolve a imersão do pesquisador no campo de

pesquisa, considerando este como o cenário social em que tem lugar o fenômeno

estudado em todo o conjunto de elementos que o constitui, e que, por sua vez, está

constituído por ele. O pesquisador vai construindo, de forma progressiva e sem

seguir nenhum outro critério que não seja o de sua própria reflexão teórica, os

distintos elementos relevantes que irão se configurar no modelo do problema

estudado. (GONZÁLES REY, 2012, p. 81)

O cenário da pesquisa configura o espaço social no qual se pretende apreender o

fenômeno a ser estudado, uma vez que nele se encontram as múltiplas determinações que o

constituem. De fato, o social atravessa e constitui o sujeito por muitas mediações, de modo

que o ele não pode ser entendido como reflexo do social. Como o real está sempre em

movimento, de modo que há a possibilidade de superar as forças que atuam sobre o humano.

Esse é, na verdade, um pressuposto do materialismo histórico e dialético: como homens,

somos afetados pelo social ao dele nos apropriarmos, convertendo-o em subjetividade. Assim,

para compreender as formas de pensar, sentir e agir dos AIE é necessário olhar para a

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constituição histórica, social e cultural desse sujeitos e, ainda, entendê-los inseridos em uma

rede de ensino e atuando em condições que os afetam e o modificam, de modo que,

modificado, ele também afeta essa rede.

4.2 Sujeito

Os agentes de inclusão escolar que fizeram parte dessa pesquisa desenvolvem suas

ações profissionais na educação básica, atuando em Emeiefs1 (Escola Municipal de Educação

Infantil e Ensino Fundamental), atendendo, ao longo de oito horas diárias de trabalho, alunos

que foram a eles designados pela PAEI. Desses AIEs, um foi selecionado para participar da

pesquisa. A seleção deveu-se à indicação de uma PAEI e, ainda, em função de seu tempo de

serviço e de atender a uma diversidade de alunos em diferentes áreas de deficiência

(intelectual, física, auditiva, visual e transtorno do espectro autista). Trata-se de um homem

que já ocupou um cargo público anterior nessa rede de ensino, de modo que ela lhe é familiar.

A identidade do AIE ficará em sigilo, conforme os termos do consentimento livre e

esclarecido assinado. A partir deste momento, seu nome fictício será José.

4.3 Local (escola e setor da Secretaria de Educação)

A pesquisa foi realizada em uma rede municipal de ensino (Santo André) e, mais

precisamente, em um setor da secretaria de educação, que é responsável pela organização da

educação inclusiva (CADE). O AIE José atua em uma Escola Municipal de Educação Infantil

e Ensino Fundamental (Emeief). Mais dados sobre a rede municipal de ensino estarão no

capítulo posterior.

4.4 Instrumentos

Foram selecionados dois instrumentos de coleta de dados: um questionário de

caracterização dos AIEs e uma entrevista semiestruturada a ser realizada com um deles. O

primeiro instrumento buscou investigar quem são os AIEs que atuam na rede de ensino:

idade, sexo, estado civil, número de filhos, formação (médio ou técnico, graduação e pós-

graduação, todos com ano de conclusão), cursos oferecidos pelo setor de trabalho na

secretaria de educação, experiências profissionais, horário de trabalho, eventuais atuações

paralelas, data de início no cargo, número de alunos que atende e em quais níveis da

educação, bem como as deficiências apresentadas pelos estudantes. Para que os AIEs da rede

1 Apenas uma parte pequena dos AIEs exerce seu ofício em um centro público de educação de jovens e adultos.

2 José. Transcrição da entrevista – Agente de inclusão escolar José. APÊNDICE G.

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municipal pudessem preencher o questionário, foi escolhido um dia de formação em serviço,

data em que eles também assinaram o termo de consentimento dessa pesquisa. Já a entrevista

procurou levantar a história de vida de um dos AIEs e colher seu depoimento sobre sua

atuação profissional, posições perante o trabalho e opiniões relativas à atividade

desenvolvida; o conteúdo foi gravado e transcrito, para posterior análise. Também foi

realizada entrevista com a gerente de educação inclusiva e esta entrevista não será a entrevista

contemplada para análise nos núcleos de significação. Será analisada a entrevista com José.

4.5 Procedimentos

No início da pesquisa, foi realizada uma conversa explicativa sobre objetivos do

estudo com a gerente responsável pelo setor de educação inclusiva, assim como com a

coordenadora deste mesmo setor e com a Professora Assessora de Educação Inclusiva que

nele atuavam. Em seguida, outra conversa de mesma natureza foi entabulada com o secretário

de educação, momento no qual se colheu sua autorização para coletar os dados e divulgar os

resultados da análise. O próximo passo foi coletar os dados. Finalmente, a parte central dos

procedimentos adotados nesse estudo foram as leituras da legislação que regula a Educação

Inclusiva e sua interpretação, dos editais de concursos públicos para atribuição dos AIE na

rede municipal, das atas de formação continuada, bem como a revisão de literatura. Todas

essas leituras contribuíram para a tomada de decisões e certamente orientarão a análise dos

dados coletados.

4.6 Referencial de análise – núcleos de significação

O objetivo da análise a ser feira é por meio da composição de núcleos de significação,

elaborados a partir da narrativa do sujeito, tal como proposto por Aguiar e Ozella (2006,

2013) e Aguiar, Soares e Machado (2015). Com eles, será possível não só sistematizar os

dados para a análise como interpretá-los. Aguiar e Ozella (2006; 2013) propõem um caminho

a ser seguido para alcançar os núcleos de significação. Ele se inicia com as transcrições das

falas do sujeito da pesquisa, as quais devem ser submetidas a diversas leituras para

apropriação do material e identificação de pré-indicadores, ou seja, trechos do discurso

(unidades de significação) do entrevistado que, algumas vezes, aparecem com maior

frequência e grande carga emocional. Esses pré-indicadores deverão ser aglutinados mediante

critérios de proximidade, semelhanças, complementação e contradições, compondo

indicadores. Novamente, seguindo os mesmos critérios, os indicadores devem ser agrupados,

formando os núcleos de significação.

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Construídos os núcleos de significação, cada um deles será, inicialmente, analisado em

separado (no que se denomina análise intranúcleo) e, em seguida, avança-se para a análise

internúcleos, na qual se busca verificar como se dá a articulação dos diferentes núcleos

formados. Supostamente, a análise dos núcleos de significação contém a fala que expressa

uma síntese do pensamento do entrevistado. Caber ressaltar, assim, que o objeto de estudo

não é a fala do sujeito e, sim, o próprio sujeito, entendido como um ser histórico,

contraditório, constituído por múltiplas determinações, que age no social pela produção de sua

subjetividade. De fato, não se pode apreender o sujeito apenas pelo que ele falou. Se o homem

é uma totalidade constituída por partes dialeticamente articuladas, o discurso, a fala, é uma

parte do todo, dele separada para fins de análise. Nesse sentido, a parte não representa o todo,

embora revele alguns de seus aspectos, os quais, por sua vez, revelam as práticas coletivas do

grupo ao qual o sujeito pertence. Pode-se dizer, assim, que o grupo é o mediador da fala do

sujeito e, ao mesmo tempo, constitutivo de sua fala.

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5. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS

5.1 Informações sobre o município

As informações deste item foram colhidas no documento Plano Municipal de

Educação: Diagnóstico; elaborado em janeiro de 2015, é um instrumento para elaboração e

acompanhamento das estratégias e metas do Plano Municipal de Educação - PME.

O município de Santo André tem 704942 habitantes segundo estimativa do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2013.

A Secretaria de Educação conta no seu quadro funcional com 4425 funcionários. Há

1389 professores atuando em educação infantil, 1638 professores atuando nos anos iniciais do

ensino fundamental e EJA e 279 atuando nos anos finais do ensino fundamental da EJA.

Compõem a estrutura física o seguinte número de escolas: 33 creches municipais (com

6026 alunos dos 0 aos 3 anos), 51 emeiefs (com 25620 alunos distribuídos nos anos finais da

educação infantil e no Ensino Fundamental I) e 5 centros públicos de educação de jovens e

adultos – além das salas de EJA nas emeiefs (com 4728 alunos distribuídos na EJA I e na EJA

II.)

Quanto ao número de alunos com deficiência, segundo dados do município, em 2009

contava-se com 505 frequentando escolas municipais; em 2014 esse número amplia para 975.

Estima-se que em 2015 esteja por volta de 1200 (informação do CADE).

5.2 Núcleos de significação e apresentação

Por meio da entrevista com José e análise da mesma constroem-se os núcleos de

significação que permitem desvelar e aproximar às zonas de sentido do AIE entrevistado.

No Apêndice G há a elaboração e a apresentação dos pré-indicadores, indicadores e

núcleos de significação. Foram elaborados 4 núcleos de significação a partir da análise da

entrevista com José. São eles:

Núcleo 1: Trajetória pessoal – “O que a vida me ensinou com esse trabalho é

que tenho essa missão aqui na Terra, com esse trabalho com pessoa com deficiência”2

2 José. Transcrição da entrevista – Agente de inclusão escolar José. APÊNDICE G.

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Núcleo 2: Atuação profissional – “No autista, é contenção, é aplicação de

atividades; no caso do cadeirante, é mobilidade, higiene, alimentação, é o que realmente eles

precisam”

Núcleo 3: Interações sociais no trabalho – “Eles não pedem para eu os

ajudarem a aplicar; eles querem que eu aplique a atividade. Não tem muito essa parceria de

o professor também aplicar a atividade: eles precisam do AIE”

Núcleo 4: Problemas percebidos no trabalho – “O cargo de AIE é visto errado

dentro da escola”

Veremos agora o conteúdo de cada núcleo.

5.2.1 Núcleo 1: Trajetória pessoal – “O que a vida me ensinou com esse trabalho é

que tenho essa missão aqui na Terra, com esse trabalho com pessoa com deficiência”

José (nome fictício) relata, em sua entrevista, que durante a infância e a adolescência,

ele e sua família passaram por dificuldades financeiras. Com a saída do pai de casa, a

manutenção do lar passou a depender do trabalho da mãe que, por meio de seu salário,

conseguiu oferecer gradativamente aos filhos (José tem uma irmã sete anos mais nova do que

ele) melhores condições de moradia. O entrevistado percebe-se como alguém cuidador desde

cedo, pois se sentia responsável por dar atenção à mãe e à irmã, uma fase de sua vida que ele

considera preparatória para sua carreira como profissional da educação. O participante

estabelece um paralelo entre a escola que estudou durante todo o Ensino Fundamental e o

Ensino Médio, que é por ele descrita como ―uma escola de bairro‖, como o é aquela em que

trabalha atualmente. Nesse sentido, aproxima o perfil dos alunos que frequentam as duas

instituições como bastante semelhante ao seu próprio perfil, tanto no aspecto financeiro como

na constituição familiar.

Durante os períodos da infância e da adolescência, José teve contatos esporádicos e,

inclusive, manteve interações com pessoas com deficiência: um primo que teve a perna

amputada; um vizinho com quem brincava; um colega com autismo. Em seu discurso, nota-se

que, nessas três relações, o participante coloca os parceiros em condições de exclusão social.

O primo teve dificuldade em conseguir uma prótese; o vizinho não tinha com quem brincar; o

colega autista era visto como ―estranho‖. As histórias da vida de José, no tempo e momento

em que ocorreram, engendraram seu modo de agir, pensar e sentir. Ou seja, o percurso

histórico de cada indivíduo é dele constitutivo, como bem mostra Díaz (2012):

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Na acepção dialética desta ―historicidade‖, o homem, assim como seu produto (e sua

aprendizagem é um resultado dele), deve ser analisado de acordo com o momento

histórico em que vive, ou seja, considerando as influências sociais e culturais

prevalecentes em sua sociedade e cultura em determinado momento de sua história

individual-social. (DÍAZ, 2012, p. 68)

Em diversos momentos de sua fala, o participante refere-se à fé como algo marcante

em sua vida, uma vez que diz dever-se à religião tanto a escolha da profissão como sua

permanência na área da educação. José revela-se, portanto, alguém bastante místico:

“O que a vida me ensinou com esse trabalho é que tenho essa missão aqui na Terra,

com esse trabalho com pessoa com deficiência” (José)

Para o participante, ele atua profissionalmente como agente de inclusão escolar por ter

algo que lhe permite auxiliar os alunos com deficiência. Segundo relatou, não está lá por

acaso: trata-se de uma missão, pois estabelece conexões entre ―os planos de Deus‖ e sua

colaboração na formação do aluno com deficiência. Pode-se, nesse sentido, observar que se

José acredita em predestinação, o materialismo histórico-dialético considera condição

humana:

Não há nada em termos de habilidade, faculdade, valores, aptidões ou tendências

que nasçam com o ser humano. As condições biológicas hereditárias do homem são

a sustentação de um desenvolvimento sociohistórico, que lhe imprimirá

possibilidades, habilidades, valores, aptidões e tendências historicamente

conquistadas pela humanidade e que se encontram condensadas nas formas culturais

desenvolvidas pelo homem em sociedade. (BOCK, 1997, p.38).

A família, a comunidade, a escola e os amigos são instâncias constituintes da pessoa

que hoje é José. De igual modo, a vida familiar e, ainda, a religião que lhe foi apresentada

pela mãe desde sempre, foram agências formadoras do processo identitário do participante.

Vale mencionar, no entanto, que a identidade se encontra em constante transformação e

movimento: no decorrer da existência humana, novos grupos sociais, com suas respectivas

culturas, engendram a constituição do sujeito e suas opções (dentre elas, por exemplo, a

escolha profissional). Foi assim que, na convivência com uma namorada e sua família, José

optou por prestar alguns concursos para conseguir um emprego, visto que o namoro estava a

exigir perspectivas de futuro e de estabilidade financeira. Caso o participante fosse aprovado

em um dos concursos prestados, esse problema estaria solucionado:

“Aí, eu comecei a namorar uma menina e os pais dela eram muito envolvidos com

esse negócio de concursos. E eles foram me incentivando a fazer os concursos, né?” (José)

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Classificado em dois concursos, ambos na área da educação, José dá início à carreira

como funcionário público. Para ele, o primeiro emprego como funcionário público permitiu-

lhe construir a base necessária para exercer o segundo. E justifica essa visão com base na

principal função exercida em um e no outro: cuidar de crianças, mediante as orientações de

um professor. Foi assim que o participante se tornou um profissional da educação.

As novas identidades profissionais – primeiramente como auxiliar de desenvolvimento

infantil e, mais tarde, como agente de inclusão escolar – permitiram a síntese entre

objetividade e subjetividade: se as demandas dos dois ambientes escolares foram apropriadas

por José, ele pode, também, objetivar seu modo de agir, pensar e sentir profissionalmente, ou

seja, como se identifica e reconhece-se atuando no ambiente escolar. Novos aspectos passam

a fazer parte de sua vida, como a vontade de cursar o ensino superior. José prestou vestibular

em três faculdades distintas e em três cursos diferentes. Um deles ele nem chegou a começar;

os outros não foram concluídos. O participante explica que isso se deveu às muitas dúvidas

em relação ao seu interesse em seguir tais carreiras. Atualmente, pretende retornar ao ensino

superior, mesmo não tendo solucionado a contento suas questões e sem saber ao certo qual

curso deve eleger. Ao que tudo indica, ele considera estudar algo relacionado à sua atuação

profissional atual, mesmo que o título não lhe assegure qualquer aumento em sua

remuneração salarial, já que isso não estava especificado no edital de seu concurso.

Segundo Silvio Bock (2002) ―a melhor escolha profissional é aquela que consegue dar

conta do maior número de determinações para, a partir delas, construir esboços de projeto de

vida profissional e pessoal‖. A experiência acumulada em um determinado trabalho auxilia a

tomada de decisões, pois a escolha e a permanência em uma profissão são modos de intervir

no mundo e, eventualmente, de permanecer ou mudar de nível socioeconômico. O curso

superior, para José, é uma maneira de aproximar-se da área da educação, de alcançar um

maior conhecimento teórico a respeito daquilo que faz – indicando que o participante aprecia

seu campo de atuação, tem gosto em realizar seu trabalho e que ele lhe assegura certa

realização profissional. Atuar junto aos alunos com deficiência revela-se um desafio e um

prazer, aos quais José pretende dar continuidade.

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5.2.2 Núcleo 2: Atuação profissional – “No autista, é contenção, é aplicação de

atividades; no caso do cadeirante, é mobilidade, higiene, alimentação, é o que

realmente eles precisam”

Conforme já relatado na análise do núcleo 1, José inicia sua atuação profissional como

agente de inclusão escolar por ter sido aprovado em concurso público e ter sido chamado para

trabalhar. Antes, ele atuou como agente de desenvolvimento infantil, cargo que demandava

dele funções semelhantes. Neste núcleo serão analisadas as atuações profissionais do

participante, segundo sua ótica. De início, ele menciona que, mesmo tendo lido várias vezes o

edital do concurso, não ficou clara a natureza da tarefa que deveria desempenhar:

“[...] ficou muito vago pra mim. Mesmo lendo o edital, não compreendi bem.” (José)

Na entrevista, José relata que, ao começar a trabalhar, surgiram contradições entre o

que ele entende que deve fazer na escola e o que é dele esperado por outras pessoas

(professores e as famílias dos alunos que atende) e por setores que, através de documentos,

estipulam seu papel (PAEI, a designação dos afazeres no edital e no Projeto Político

Pedagógico). De fato, a atuação profissional de José é definida mais pelas diretrizes traçadas

pelas pessoas supracitadas, do que pelo PAEI e o Projeto Político Pedagógico. José percebe,

no entanto, que ―falta‖ algo nas diretrizes traçadas, seja porque não há parceria dele com os

demais profissionais de educação, seja porque os professores não conhecem os alunos tão

bem como ele diz conhecer, seja pelo processo escolar (e histórico) vivido pelos alunos com

deficiência, nessa instituição. É importante lembrar que se os alunos com deficiência se

encontram em processo de inclusão, é porque eles ainda são excluídos: nesse sentido, inclusão

e exclusão formam um par dialético, pois uma não existe sem a outra:

Quando falamos de inclusão escolar, referimo-nos a todas as formas possíveis por

meio das quais se busca, no decorrer do processo educacional escolar, minimizar os

processos de exclusão, maximizando a participação do aluno no processo educativo

e produzindo uma educação consciente para todos, levando em consideração

quaisquer que sejam as origens e barreiras para o processo de aprendizagem.

(SANTOS, 2008, p. 17)

A fala de José permite inferir que, para ele, o papel de agente de inclusão escolar, tal

como existe na rede em que atua, pretende preencher necessidades, que não são apenas dos

alunos com deficiência, mas também dos professores, gestores e, inclusive, pelo próprio

sistema educacional. Nesse sentido, o previsto se altera quando se materializa na realidade

escolar, uma vez que exige adaptação do AIE ao dia a dia da instituição. Dessa maneira, essa

figura se faz presente na escola para suprir aquilo que tanto professores, como gestores e o

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próprio sistema educacional deixam de fazer ou não sabem como fazer. As atribuições

previstas encontram-se, consequentemente, em um contínuo processo de transformação, uma

vez que dependem das demandas postas pelo ambiente escolar, as quais, por sua vez, são

definidas pelas lacunas que a escola precisa sobrepujar. Daí José dizer que:

“Acredito que o AIE, o que ele deveria fazer na escola, é ter o olhar mesmo, estar ali

para o que precisar.” (José)

Vejamos o que previa o concurso público 08/2011 da Prefeitura Municipal de Santo

André, quanto às atribuições do agente de inclusão escolar:

Oferecer suporte a professores e alunos do ensino regular com foco no

processo de inclusão, inclusive:

Auxiliar a mobilidade do aluno de acordo com suas especificidades (cadeiras

de rodas, andador, muleta, bengalas, etc.);

Efetuar troca de fraldas e roupas, acompanhamento ao banheiro, higiene bucal,

banho quando necessário;

Auxiliar na alimentação, supervisionando os alunos de acordo com suas

especificidades;

Acompanhar as atividades pedagógicas frente ao processo de inclusão

educacional mediante orientação do professor (atividades classe e extraclasse);

Executar quaisquer outras atividades que, por sua natureza, estejam inseridas

no âmbito das atribuições pertinentes à área.

O entrevistado acrescenta a este rol mais uma função: a de conter os alunos com

deficiência. Durante a entrevista, por diversas vezes, ele menciona momentos em que é

preciso estabelecer com um aluno uma relação ―um a um‖, cabendo ao AIE segurá-los,

ampará-los, mantê-los sentados e levá-los a prestar atenção nas atividades escolares.

“Para o T. (aluno) seria contenção, evitar que ele fuja, que saia da rotina da escola,

do que é apresentado para ele, aplicar atividades com o T., aplicar atividades com o P.

(aluno) Como eu falei, como eles são muito hiperativos, não têm foco. Realmente, seria bom

se pessoas auxiliassem aquela atividade a acontecer. Seria isso mesmo: auxiliar a realizar”

(José)

Ao olhar e interpretar os dados obtidos no questionário aplicado aos agentes de

inclusão escolar e confrontar esses dados com o discurso de José, é possível perceber que há

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um grande número de alunos que, possivelmente, não se enquadram no perfil de aluno com

deficiência definido no edital, ou seja, aquele que precisa de apoio ou ajuda nas atividades de

vida diária (higiene, alimentação e mobilidade). Segundo os dados do questionário conta-se,

por exemplo, com 11 alunos na rede municipal de ensino que apresentam, baseando-se em

diagnósticos da área da saúde, transtornos funcionais específicos, como Déficit de Atenção e

Hiperatividade (TDAH), Transtorno Opositor Desafiador e um citado apenas como

―transtorno‖. Mas quais são as necessidades de apoio à higiene, alimentação e mobilidade que

tais alunos teriam? Com esses estudantes, o que cabe como função do agente de inclusão

escolar? Como podem ―acompanhar atividades pedagógicas‖, se o exercício do cargo não

requer formação em pedagogia?

José relata que, durante sua jornada de trabalho, ele acompanha um aluno que tem

paralisia cerebral, deficiência intelectual e transtorno do espectro autista. De acordo com o

relato apresentado, o aluno não usa fralda, alimenta-se sozinho e não enfrenta nenhuma

dificuldade de mobilidade. Fica implícito, assim, que o agente de inclusão escolar está

acompanhando o aluno basicamente para mantê-lo junto à turma (ano/série que frequenta),

para atuar como seu parceiro nas duplas que se formam durante as atividades escolares. O

aluno não interage, portanto, com seus companheiros de sala: José permanece junto ao aluno

com deficiência durante todo o período em que ele fica na escola. O participante deixa

explícito, em sua fala, que só se justifica a carga horária reduzida na escola dos alunos com

deficiência porque há a compreensão de que eles só podem nela ficar se acompanhados por

um agente de inclusão escolar que, no final, acaba sendo a pessoa que deles cuida e por eles

se responsabiliza.

“[...] eu passo o tempo todo sentado ao lado deles” (José)

É importante entender, nesse momento, que espaço é esse que alunos e alunas

frequentam. Nesse sentido, é preciso questionar a concepção de escola que vigora em muitas

escolas. Galdini e Aguiar (2003) referem-se a ela como ―local onde a atividade docente

acontece, onde são veiculados os pressupostos teóricos e metodológicos orientadores do

pensar e do agir das pessoas que constroem o espaço institucional‖. Se o agente de inclusão

escolar é o profissional da educação mais próximo ao aluno, se o professor pouco se aproxima

dessas crianças, se não há, para elas, proposta pedagógica, não parece haver atividade docente

voltada para muitos dos alunos com deficiência. Os alunos estão lá, na escola, mas a escola

não está lá para eles.

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Nos indicadores do núcleo 2, nota-se uma diferenciação entre as tarefas designadas ao

agente de inclusão escolar e as que ele se propõe a fazer, por sua própria iniciativa:

“Tem, no meu lado pessoal, de eu não encarar só aquilo que me foi atribuído, dentro

do que faço, de não ficar só olhando o mínimo” (José)

Mais uma vez, fica claro o envolvimento afetivo de José com os alunos e sua tentativa

de suprir as necessidades que eles apresentam no âmbito educacional. O participante se diz

feliz com a profissão, satisfeito com o salário (por volta de dois salários mínimos) e vê

vantagens no cargo exercido. Vale aqui ressaltar que a profissão de AIE ainda não é

regulamentada: o Projeto de Lei nº 2880/2008 está em trâmite na câmara dos deputados para

definir a profissão de ―cuidador‖:

Parágrafo único – Considera-se Cuidador, o profissional responsável por cuidar da

pessoa doente ou dependente, facilitando o exercício de suas atividades diárias, tais

como alimentação, higiene pessoal, além de aplicar a medicação de rotina e

acompanhá-la junto aos serviços de saúde, ou outros requeridos no seu cotidiano,

excluindo, para tal, técnicas ou procedimentos identificados como exclusivos de

outras profissões legalmente estabelecidas. (BRASIL, 2008)

Como citado aqui, em capítulo anterior, no município pesquisado, o nome dado ao

―cuidador‖ é agente de inclusão escolar, mas há outras denominações, todas elas referindo-se

a pessoas que, no território nacional, desenvolvem essa mesma função: tutor, agente de apoio,

auxiliar de vida escolar, entre outras. Delimitar essa atuação profissional pode ser muito

difícil, talvez por ser uma novidade tanto para quem propõe o serviço, quanto para quem o

executa.

Reportando-se à questão relativa ao gênero, José é um homem atuando em um

ambiente predominantemente feminino, algo que aparece continuamente em todo o seu

discurso, durante a entrevista. Na rede em que atua, o participante está entre os 20 AIE

homens, de um total de 53. Desse modo, além de atuar em uma área nova e de ter que

aprender as tarefas que deve desempenhar, é preciso lidar com os relacionamentos afetivos

dentro e fora da escola, com preconceitos relativos ao seu papel, em geral exercido por

mulheres. Mas José não é minoria apenas como AIE: ele o é também na área da educação:

Podemos observar que o ingresso de educadores em uma profissão majoritariamente

feminina pode modificar a experiência que profissionais, crianças e familiares

vivenciam nas diferentes instituições, porque o ritual e a cultura existentes no

interior da creche são alterados em alguns aspectos. (LOPES, 2010, p. 80)

O fato de ser um homem atuando em um ambiente povoado por mulheres já obrigou o

participante a enfrentar os ciúmes de namoradas, falas depreciativas por parte de seu pai e,

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inclusive, relutância por parte de algumas mães de alunos com deficiência em relação a deixar

seus filhos com José.

“E na creche aprendi. Isso é papel do ser humano. O pai faz isso. Eu sou filho e tenho

filmagens do meu pai fazendo isso comigo. Então, é uma coisa do ser humano. O pai também

dá banho, troca fralda, dá comida. Só que muito homem deixa de lado essas obrigações.

Alguns jogam a responsabilidade pra mulher. Eu sou um pouco mais democrático, como

falam” (José)

Na entrevista, o entrevistado afirma que busca opiniões e ajuda junto à PAEI, às

famílias de alunos, aos professores e colegas de profissão, mas nota críticas quanto ao que se

espera do agente de inclusão escolar:

“Pra colocar na realidade, teria que ter um trabalho por fora ali, a conscientização

da escola, para que desse certo esse trabalho. Teria que estar todo mundo ciente das

obrigações com as pessoas deficientes” (José)

De acordo com José, há uma proposta de formação em serviço para os AIE, com

encontros mensais com a equipe do CADE, muito embora eles nem sempre ocorram

mensalmente. Esses são, para o entrevistado, momentos valiosos de aprendizagem, que lhe

permitem melhor se qualificar e aprimorar sua atuação junto aos alunos. Afirma, ainda, que

esse seria um dos espaços mais ricos para solucionar problemas, para rever-se

profissionalmente, repensar posturas e provocar mudanças nas práticas, levando à escola

propostas que promovam efetivamente a inclusão e a progressiva autonomia dos alunos com

deficiência.

5.2.3 Núcleo 3: Interações sociais no trabalho – “Eles não pedem para eu os ajudarem

a aplicar; eles querem que eu aplique a atividade. Não tem muito essa parceria de o

professor também aplicar a atividade: eles precisam do AIE”

O presente núcleo analisa as interações sociais que José estabelece em seu ambiente de

trabalho. Conforme percebido na configuração dos indicadores, o foco recairá, primeiramente,

no PAEI, na equipe gestora e demais AIEs. Vale lembrar que as relações estabelecidas com

esses e outros profissionais da educação estão imbricadas nas ações que o AIE firma com os

alunos, na forma como José se refere a eles e, ainda, na proposta de trabalho encaminhada e

realizada. De fato, as relações sociais têm papel fundamental na formação do indivíduo, pois é

na e pela convivência que membros de grupos distintos e, portanto, de culturas distintas, se

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afetam e constituem-se mutuamente. Os outros participam da vida do sujeito, criando nela

contradições:

As relações sociais, que fundam os processos individuais, são caracterizadas por

tensões e equilíbrios. Estão vinculadas tanto à solidariedade quanto à coação. O

homem constrói sua individualidade de forma contraditória, pois, ao se singularizar,

ele é apoiado e constrangido. É singularizado pelo nome que recebe, pelo ato de

saudação do outro, pelos papéis atribuídos e expectativas postas. (GÓES, 2000, p.

119)

O ser humano desempenha diversos papéis de acordo com a natureza das relações

mantidas com outros seres humanos, papéis que, ao mesmo tempo, são delas dependentes. No

caso de José, seja na escola, seja nas demais relações sociais, não foi possível estabelecer

relações lineares e uniformes, há conflitos que remetem à relações de poder. Em sua fala, há

uma oscilação entre o que ele aparentemente pensa e a forma como ele designa as ações

daqueles que interferem em seu trabalho. A seguir, exemplos de alguns pré-indicadores que

evidenciam essa situação:

“Olhei, tinham 15 crianças, correndo pra lá e pra cá, se batendo, se jogando no chão,

fazendo bagunça e o menino de cadeira de rodas que travou a cadeira, já era. Então, qual é a

dificuldade de olhar essa criança? Até com o pessoal da diretoria” (José)

E ainda:

“Relação com equipe gestora? Tranquila. Não tenho do que reclamar, graças a Deus.

Ouvi relatos, por aí, que me fizeram ficar feliz. Toda vez que vou solicitar [algo], atendem. E,

também, eu procuro entender que tem coisa que leva maior tempo [para acontecer]” (José)

Nos exemplos citados, assim como se refere à presença e orientação da PAEI ou,

ainda, às relações de poder estabelecidas com professores, o entrevistado por vezes as elogia

e, por vezes, critica-as, dando a entender que há falhas de comunicação, de oferta de auxílio e

de diretrizes para o trabalho que lhe cabe executar. José sabe que sua atuação pode ser

determinante no sucesso do processo de inclusão escolar dos alunos com deficiência, mas está

igualmente ciente de que isso exige a construção de parcerias com outros profissionais da

escola, priorizando o foco na aprendizagem e permanência bem-sucedida de tais alunos na

unidade escolar.

O entrevistado aponta que as tomadas de decisão são lentas, arrastam-se, como se não

fosse primordial traçar um plano pedagógico de ensino e de acompanhamento para os alunos

com deficiência, que fosse capaz de envolver professores, equipe gestora, PAEI e AIEs. Com

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isso, muitas vezes, sente-se frustrado; para ele, se houvesse um maior e melhor envolvimento

desses profissionais, as reais necessidades educacionais dos alunos com deficiências entrariam

na pauta do dia, ensejando novas ideias e novas ações para qualificar o trabalho pedagógico

junto a essa clientela e promover seu bem-estar.

José justifica a ausência de cooperação entre os profissionais envolvidos na educação

das pessoas com deficiência por falta de tempo, excessiva demanda de trabalho e/ ou falta de

informações a respeito do que ocorre com os alunos que, mais frequentemente, encontram-se

envolvidos em queixas diversas. O entrevistado nota que não há, na escola, nos professores e

nem nos demais alunos, interesse e envolvimento com a causa da Educação Especial. Por

diversas ocasiões, durante a entrevista, José questiona-se sobre as possíveis razões que levam

os alunos com deficiência a passar tão pouco tempo na escola (a maioria deles tem horário

reduzido, não ficando, como os demais estudantes, as quatro ou cinco horas previstas).

Novamente, atenta-se ao fato de que para o aluno com deficiência estar lá, é condição sine

qua non a presença do de inclusão escolar. Ainda que ciente, ele não concorda com os

motivos alegados: ampliar o horário de permanência dos alunos no espaço escolar implicaria

contar com mais AIEs na escola, uma lógica que pode ser lida como perversa, pois contraria o

direito à plena educação de todos os alunos.

José indica que a entrada de novos agentes de inclusão escolar não assegura a

permanência do aluno durante todo o período escolar. Dessa maneira, ele alega que o

tratamento igualitário não depende apenas de se contar com mais um AIE, uma vez que a

entrada desse novo agente não implicou ampliação (pelo menos não imediata) dos horários de

frequência dos alunos com deficiências. Para ele, além de mais AIEs, os profissionais da

escola precisariam elencar prioridades e manter um fluxo contínuo de comunicação entre si,

no que tange aos alunos com deficiências. É também possível – e bastante provável – que não

haja interesse na ampliação de horário para tais estudantes, pois ninguém do corpo docente se

envolve, efetivamente, com os alunos com deficiências. Fica subentendido, assim, que eles

têm relações mais estreitas com os AIEs do que com seus professores. Essa suposição

ancorou-se na fala que segue:

“Agora [nós, os AIEs] estamos nos revezando, porque eu não quis: – „olha, você fica

com tal aluno e eu com tal aluno‟. Eu não queria deixar de ficar com esses alunos. A meu ver,

ter outro AIE seria pra ampliar as possibilidades de expandir os horários dos alunos, de

fazer um trabalho mais efetivo com as crianças” (José)

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O laço afetivo de José com os seus alunos é igualmente evidenciado no trecho acima.

O participante não quer assumir o que a escola parece lhe propor: que certos alunos estejam

sob o cuidado de determinados AIEs e apenas deles. A interação de José com os alunos com

deficiência sob sua responsabilidade é intensa e sólida, como deveria ser a do professor-aluno

com todos os seus alunos. Mas, na realidade, não é isso o que acontece: é o participante quem

atua como mediador entre o conhecimento e as crianças, assumindo um trabalho para o qual

não está devidamente capacitado para exercer e que nem mesmo consta de suas atribuições.

Não fosse pelos AIEs, os alunos com deficiência seriam alunos desamparados na sala de aula.

Mas, na situação descrita por José, é na e pela interação que os AIEs mantêm com seus alunos

por onde eles vão mutuamente construindo um vínculo afetivo que é constitutivo de cada um.

Mas cabe perguntar: essa relação de mediação não deveria se dar, prioritariamente, entre

alunos com deficiência e seus professores, tal como se passa com os demais estudantes?

Como bem elucidam Galdino e Aguiar:

A valorização do trabalho docente deve se dar aliada à discussão de seu papel, de

sua responsabilidade como sujeito que interfere na constituição do aluno. Diante

disso, é fundamental que se crie situações de reflexão sobre o significado de suas

ações, sobre o papel do outro na constituição do sujeito, sobre o caráter social da

constituição da subjetividade. (GALDINO; AGUIAR, 2003, p. 100)

José revela, durante a entrevista, o quão insuficiente é seu diálogo com os professores

(sobre os alunos e sobre o que se espera do agente de inclusão escolar), o quão raramente os

docentes o percebem como parceiro na formação do aluno, o quanto eles não valorizam seu

trabalho, indicando uma nova dificuldade dentre as muitas que o participante aponta na

relação AIEs/ professores. Durante a conversa, o entrevistado descreve-se como alguém cujo

trabalho não é sequer apreciado e, menos ainda, prezado. Desse modo, pode-se supor que os

sentidos e significados produzidos e produtores de relações interpessoais no ambiente de

trabalho engendram, nesse agente de inclusão escolar, marcas negativas que podem se

manifestar no cotidiano escolar, em sua atuação e na de outros profissionais da educação:

―Consequentemente, centrar o olhar nos sujeitos que atuam na escola implica compreender,

necessariamente, os sentidos e significados que atribuem aos eventos/ situações/ fenômenos

que aí se passam, ou seja, compreender sua subjetividade‖. (AGUIAR; DAVIS, 2011, p. 188)

E, ao olhar a relação de José com os professores responsáveis pelos alunos que ele

―ampara‖, nota-se que, no dia a dia dessa escola, há a cristalização de um status quo que não

alenta ninguém: o agente de inclusão escolar não participa do conjunto de ações pedagógicas

delineadas para beneficiar o aluno com deficiência. As relações de poder marcadamente

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hierarquizadas finamente excluem os agentes de inclusão escolar das decisões sobre o que e

como ensinar os alunos com deficiência. Com isso todos perdem, uma vez que o AIE é

privado de orientações importantes para a boa realização de seu trabalho. Nessas condições,

eles acabam por criar, sem a devida formação pedagógica, suas próprias estratégias para

interagir e ensinar os alunos. Em muitas ocasiões, José relata como tem que se fiar em sua

intuição para conhecer aquilo que os alunos gostam, o que mantêm sua atenção, o que os

deixa agitados. O relato explicita a dúvida quanto ao papel reservado aos AIEs: eles estão na

escola para ―monitorar‖, ―cuidar‖, ―ensinar‖ ou ―conter‖ os alunos?

Mas José não emprega uma nomenclatura muito distinta para se referir aos alunos com

deficiência que acompanha:

“[...] cada caso de criança especial é uma novidade” (José)

“Tem deficientes intelectuais, tem deficiente auditivo, tem um autista leve [...]” (José)

“[...] eu via as crianças brincando com as crianças deficientes [...]” (José)

O AIE emprega, na maioria das vezes, o termo ―deficiente‖. Em uma oportunidade,

ele diz que, erroneamente, as pessoas se referem a tais alunos como ―especiais‖ (embora ele

mesmo o empregue em seu discurso). Nos documentos oficiais do município, que têm por

base os documentos da União, as palavras empregadas para se referir àqueles com deficiência

é ―pessoa com deficiência‖. O fato de José optar, em sua fala, por dizer ―deficiente‖ alerta

para outros termos, também utilizados de forma incorreta: ―aluno de inclusão‖; ―portador de

deficiência‖, ―o inclusão‖. Há a hipótese de que, nas relações que José cultiva, seja com os

outros profissionais de educação da escola, seja com os que atuam em outras esferas sociais

das quais participa, a maneira menos pejorativa de se referir à pessoa com deficiência não lhe

foi apresentada.

Fato é que, ao usar esses termos, José revela também a visão que paira sobre os alunos

com deficiências atendidos na escola: a de que precisam sempre de ajuda, são

necessariamente dependentes dos demais, não conseguem progredir em suas formas de

pensar, sentir e agir. Como não poderia ser diferente, a relação de José com seus alunos é

também marcada pela verticalidade, ou seja, trata-se de uma relação hierarquizada. Angelucci

(2015), com base em Palácios e Romañach (2006), defende o emprego de uma nova

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terminologia3 para se referir às pessoas com deficiência. Para a autora, mencioná-las como

pessoas com ―diferenças funcionais‖ seria mais adequado, pois ―realizamos o exercício de

pensar uma escola que valorize a diferença entre os sujeitos humanos ao invés de colocar seu

aparato técnico-ideológico a serviço da busca, identificação e aprisionamento simbólico – por

enquanto – dos (as) diferentes‖.

Existem, nas relações com os outros, processos de identificação e de diferenciação. Se

nos tornamos nós mesmos por meio da convivência, da troca, das interações em diversas

situações com os outros, com José não é diferente. Suas relações interpessoais no trabalho

pautam-se por aquilo que é por ele vivenciado e conhecido. Assim, o participante, ao se

apropriar das informações e opiniões que o circundam, abre para si mesmo a possibilidade de

criar novas realidades, de apreender e atribuir sentidos ao que experiencia, seguir suas

preferências, ensaiar tentativas, inventar e reinventar maneiras (sempre culturais) de pensar,

sentir e agir com seus alunos ou com os adultos que o circundam. Por mais complexas e

difíceis que possam parecer, as relações interpessoais não podem ser anuladas, mas podem,

sim, ser transformadas ao transformar José, os outros AIEs e também o cotidiano escolar.

5.2.4 Núcleo 4: Problemas percebidos no trabalho – “O cargo de AIE é visto errado

dentro da escola”

Neste núcleo, José fala e argumenta sobre os problemas que detecta em seu ambiente

de trabalho. Relata aqui seus desejos e aspirações. No primeiro caso, gostaria que houvesse

um projeto pedagógico bem definido e explícito, voltado para as crianças com deficiência e

que cada pessoa atuando no espaço escolar, incluindo gestor e a merendeira, por exemplo,

tivessem ciência de seu papel educador que, antes de tudo, é o de assegurar tratamento igual

para todos:

“[Eu desejo] que a escola inteira esteja consciente, que o papel [junto aos alunos com

deficiência] é de todo mundo. Quando uma criança que não é deficiente põe muita comida no

prato, a merendeira também pergunta se a criança vai comer tudo aquilo” (José)

O papel de todo mundo remeteria, portanto, ao conjunto de pessoas que atuam na

escola. De acordo com o participante, ele se sente desconfortável na escola pelo fato de não se

conhecer e, dessa forma, não reconhecer seu trabalho. Nesse sentido, gostaria de não se sentir

3 Concordamos com a proposta e com a justificativa defendida pela autora porém nesta pesquisa optamos em

utilizar a terminologia "pessoa com deficiência" ou ainda "aluno com deficiência".

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tão solitário em seus fazeres junto aos alunos. Pode-se mesmo dizer que o próprio desse

núcleo reside justamente na ―falta‖, como mote: de conhecimento em relação ao que José se

propõe a fazer na escola, daquilo que deve ser sua tarefa e, ainda, do papel de todos os alunos,

sejam eles ―diferentes‖ ou não:

“Então, no olhar da escola, esses alunos são seus? [São] Tudo meu (risos). Tudo filho

(risos)... Esse lado é difícil, de não ter uma compreensão, de que [as crianças sob sua

responsabilidade] são como qualquer outro aluno e de que devem ser seguidas as normas da

escola. Como qualquer outro aluno, deveriam respeitar mais” (José)

Mesmo iniciando a carreira profissional sem ter plena noção do que ela lhe traria, José

dedica-se a sua tarefa e busca aprender sobre ela. Ao longo de pouco mais de um ano de

atuação, o participante parece dar-se conta de que parte da comunidade escolar, assim como

parte da sociedade civil, atribui à função de AIE um caráter basicamente assistencialista/

paternalista e aos alunos por ele ―cuidados‖ como não alunos, excluídos que são de participar

do processo pedagógico.

A inclusão do aluno com deficiência na escola, encarada aqui como processo, não tem

um fim em si mesma: ela implica, antes, um esforço de ressignificação daquilo que se refere à

pessoa com deficiência, então entendida como uma incapacidade, falta de algo que os demais

alunos têm. Para José, é indispensável superar práticas homogeneizantes e lutar por equidade.

Ao longo da história as pessoas com deficiências têm sido definidas pela ausência de algo

(visão, audição, fala, inteligência, possibilidade de se locomover sozinho, de interagir com seu

ambiente social etc). Essa situação engloba e aprisiona esses seres humanos naquilo que lhes

falta, desconsiderando outras características que lhes são próprias, com o nível

socioeconômico, o gênero, a religião, a cor de pele, entre outras coisas. O resultado, como

bem ilustra Santos (2008) só pode ser um:

Acreditamos que está na educação, sem dúvida, a principal ferramenta para a

transformação social verdadeira que tanto almejamos. Nos dias de hoje, as

desigualdades sociais e o desrespeito às diferenças são banalizados em nosso

cotidiano, e a escola, sem dúvida, reflete e reproduz estas relações. Desta forma,

nossa sociedade e, por conseguinte, nossa escola, está envolvida por uma lógica que

determina a exclusão de alguns grupos para o beneficiamento de outros, em

detrimento de valores igualitários [...] (SANTOS, 2008, p. 11)

E é precisamente nessa luta por transformação social na e pela educação que a

perspectiva inclusiva acaba por minimizar a exclusão. Ora, há aí uma nova contradição: a

presença de um AIE pode contribuir para a construção de uma escola que respeite e aprenda

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com as diferenças? Para José, não. Em sua visão, enquanto os profissionais da escola não

tiverem consciência acerca do papel de cada um, a lógica da ―falta‖ continuará a existir e a

transformar diferenças em deficiências.

Esse descaso da escola para com os alunos com deficiências ficou mais perceptível

para José quando ele precisou ausentar-se da escola e um dos alunos, conforme as palavras do

próprio entrevistado, ―perdeu seus direitos‖, sendo obrigado a ir embora mais cedo e

perdendo, com isso, a aula de educação física. É possível inferir, a partir desse discurso e

relacionando-o a outra fala, que José significa seu cargo como distinto daqueles ocupados

pelos professores, mesmo tendo em vista que ele elabora estratégias para levar os alunos com

deficiência a alcançar aquilo que supõe ser importante para sua aprendizagem e bem-estar.

Assim, José entende que está ali, na escola, para cuidar de tais alunos enquanto cabe ao

professor ensiná-los. Isso o leva a outra conclusão: que há uma dicotomia entre estas duas

ações: cuidar e ensinar. De fato, essa dicotomia só tem lugar em seu imaginário com base na

realidade vivida por José, que se sente sobrecarregado porque os professores não elaboraram

nenhuma proposta pedagógica para os alunos com deficiências e nem deles cuidam, função

que atribuem ao AIE. Mas, como José está envolvido com o que faz, assume como sendo suas

as duas atribuições: cuidar e ensinar. Contraditoriamente, José rompe com essa diferenciação

ao encarregar-se tanto de uma quanto de outra, sem o devido preparo: ele não conta com

nenhuma ajuda ou orientação por parte daqueles designados para orientá-lo (PAEI,

professores e equipe gestora). Ou seja, não há, efetivamente, planejamento para as

intervenções do AIE.

O participante adota, assim, uma visão que se pode dizer bastante crítica, pois ele sem

negar as dificuldades presentes em sua unidade escolar quanto à definição da sua função, ele

nota que os alunos não têm os direitos à educação efetivamente garantidos, reconhecendo que

precisa de orientação e parcerias para melhor atuar em sua função. Por fim, pode-se dizer que

é em função de o entrevistado apreciar o que faz, que este vislumbra mudanças no sentido de

superar a exclusão escolar dos alunos com deficiências e também a sua, da equipe por eles

responsável.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer desta pesquisa, o intuito foi analisar e buscar apreender os sentidos e

significados que um agente de inclusão escolar constitui para sua atuação profissional junto

aos alunos com deficiência, que são por ele acompanhados no cotidiano de uma escola. Aqui,

a título de considerações finais, pretendemos interpretar o conjunto dos núcleos de

significação encontrados, sem almejar conclusões generalizáveis, ainda que, na ótica do

referencial teórico adotado, eventos singulares possam revelar aspectos do todo. Em outras

palavras, é possível desvelar o que é particular, próprio do entrevistado, e,

concomitantemente, entender os demais agentes de inclusão escolar, levando a uma discussão

mais abrangente a respeito da proposta de trabalho e da atuação desses profissionais.

Assim, ao articular os diferentes núcleos de significação, apareceram as muitas

dúvidas de José quanto ao que é, em geral, esperado da atuação profissional do agente de

inclusão escolar, dúvidas essas que parecem ser partilhadas pelos demais componentes da

comunidade escolar. Dessa forma, pergunta-se: quais são, efetivamente, as atribuições do

profissional pesquisado? Profissão nova, com diversos nomes nos vários municípios

brasileiros, ela conta com poucas diretrizes para os muitos afazeres que José diz realizar. Vale

também lembrar que tanto as concepções de educação, como os perfis dos alunos que formam

o público alvo da educação especial (aqui especificamente alunos com deficiência) variam, de

modo que as intervenções necessárias para bem os atender igualmente alteram-se a cada caso.

Trata-se, pois, de uma profissão que, vinda para compor o quadro de profissionais nas

unidades escolares (mais especificamente para prover auxílio no que se refere à mobilidade,

higiene e alimentação dos alunos), acaba, muitas vezes, restringindo as possibilidades de

autonomia, de escolha e de manifestação dos alunos, situação que vai de encontro a proposta

de ―escola inclusiva‖. De fato, na meta 4, do Plano Nacional de Educação (2014) lê-se:

Universalizar, para a população de quatro a dezessete anos com deficiência,

transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação o acesso

à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na

rede regular de ensino, com garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de

recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou

conveniados. (BRASIL, 2014, p. 55)

Em conformidade com o acima mencionado, o município em que José trabalha atende,

em sua rede regular de ensino, alunos da Educação Infantil (dos 0 aos 3 anos) e da Educação

Básica (dos 4 aos 10 anos – anos finais da Educação Infantil e Fundamental I), além de contar

com salas de recursos multifuncionais. Também há um setor voltado, principalmente, para

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propor serviços de apoio à educação na perspectiva inclusiva, por meio de uma equipe

multiprofissional: o CADE. Ao incluir, em 2007, o termo ‗agente social de inclusão‘ para

designar o profissional responsável por dar apoio aos alunos com deficiência, esse setor

buscava adequar-se à sua nova realidade, marcada pela ampliação do número de alunos com

deficiência e pela insistente solicitação dos professores para receberem auxílio para ―lidar‖

com essa clientela.

Passados oito anos, o número de alunos com deficiência, matriculados nessa rede

municipal (Santo André), continua aumentando e, com ele, também as demandas dos

docentes. Paulatinamente, a presença desse profissional passou a ser requisitada por várias

outras redes públicas de ensino, difundindo sua atuação no panorama nacional. Ainda na meta

4 do PNE, encontra-se, na estratégia 4.13, uma citação a respeito desse profissional:

Apoiar a ampliação das equipes de profissionais da educação para atender à

demanda do processo de escolarização dos (das) estudantes com deficiência,

transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação,

garantindo a oferta de professores (as) do atendimento educacional especializado,

profissionais de apoio ou auxiliares, tradutores (as) e intérpretes de libras, guias-

intérpretes para surdos-cegos, professores de libras, prioritariamente surdos, e

professores bilíngues. (BRASIL, 2014, p. 57)

Como se pode ver, a figura do agente de inclusão escolar é mencionada no trecho

acima, quando se refere à necessidade de profissionais de apoio ou auxiliares. No mais, o

texto do PNE é omisso. As atribuições dos profissionais de apoio são definidas em cada

município ou em cada escola, pois é preciso sempre considerar aspectos históricos e culturais

que vão ao encontro do que se almeja para o aluno com deficiência. Como é de se esperar, as

orientações quanto ao trabalho a ser feito pelos AIE são bastante díspares, principalmente

quando vigoram concepções assistencialistas. Em alguns casos, os alunos chegam mesmo a

ficar nas escolas totalmente ao encargo desses profissionais de apoio — e, de fato, sem

propostas, por parte da equipe central do município ou da equipe docente da escola, que se

voltem à promoção da autonomia desses estudantes, à luz de suas condições particulares e

individuais — nem sempre respeitadas, inclusive.

Vê-se, então, que o público alvo da educação especial nem sempre está incluído no

processo educacional, assim não se pode falar em inclusão, e, sim, em integração. Mesmo que

a legislação reze que as crianças e jovens com deficiência devam ter direito, como os demais,

à educação e, preferencialmente, em escolas regulares, isso não implica inclusão:

Na perspectiva da integração, o papel do aluno é adequar-se à estrutura vigente,

aceitando as normas expostas pelo sistema, sendo considerado objeto do currículo.

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O aluno tem que se adaptar ao seu ambiente, como se ―fosse culpado‖ de suas

dificuldades, e apenas a ele coubesse a responsabilidade de se adaptar à escola.

(FOGLI, FILHO e OLIVEIRA, 2008, p. 111)

Quando José descreve as situações em que oferece amparo e auxílio aos alunos, dá a

entender que ele os acompanha constantemente. Assim, se desenharmos mentalmente um

mapa da sala, a imagem é a de fileiras com uma carteira por coluna, exceção à de José, que se

encontra ao lado do aluno com deficiência e com ela pareada. Em sendo esse o cenário, é

surpreendente que o AIE indique que os demais membros da comunidade escolar como não

cientes do que cabe a ele realizar, razão pela qual ele improvisa suas tarefas. Além disso, ele o

faz ao acaso, segundo sua intuição. Desse modo, o conhecimento das especificidades das

condições de cada aluno com deficiência parece não ser compartilhado, pois não há um plano

de acompanhamento individual. O edital para suprimento de cargos de AIE, no município em

que José atua, continha apenas diretrizes generalizadas, especificando apenas que sua função

é dar apoio à higiene, por exemplo, sem nada mencionar quanto às circunstâncias em que isso

deve acontecer.

Com isso, diversas interpretações cabem: pode ser que se entenda que compete ao AIE

a função exclusiva de trocar as fraldas dos alunos. No entanto, quando se espera que eles

passem também pelo desfralde, rumo a uma maior autonomia, como deve o AIE agir? Esse

procedimento deveria constar do plano de acompanhamento individual e dar, a todos aqueles

responsáveis pela educação oferecida nas escolas, uma maior compreensão de seus

respectivos papéis diante dos alunos com deficiência. Efetivamente, ―com relação às escolas,

as políticas de inclusão indicam a necessidade delas se reorganizarem e adequarem-se à

heterogeneidade de seu alunado, evidenciando as necessidades de apoio para implementação

da educação para todos e todas‖. (MELETTI; BUENO, 2011, p. 371-372).

É nas e pelas interações sociais, como nas e pelas atividades realizadas e, também, à

luz das condições de seu trabalho, que José constitui os sentidos e significados do seu fazer

profissional. Esses sentidos e significados são ensejados na prática educacional (pois José atua

como um educador), definida nas políticas públicas, no cotidiano escolar e, em especial, nas

relações interpessoais estabelecidas no ambiente de trabalho. José contém e expressa essas

circunstâncias, permitindo compreender e teorizar melhor sobre sua função e, também, sobre

o lugar ocupado pelo aluno com deficiência na escola e na sociedade: são pessoas vistas

predominantemente pela falta de algo e, portanto, concebidas como incapazes, pois lhes falta

mobilidade; falta-lhes ―saber se comportar‖; falta-lhes conseguir enxergar, ouvir, falar.

Permanece ainda, infelizmente, a ideia de que a pessoa com deficiência é alguém que não

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pode aprender, demandando apenas cuidados. Daí José entender-se e colocar-se meramente

como cuidador, quando, de fato, em diversas situações, ele é o único responsável pelo aluno.

Nesses casos, ele evidencia que para ser aluno não basta estar na escola: não se é aluno se não

há um professor e não se pode realizar uma ação educativa intencional junto aos alunos, sem

que ela seja devidamente explicitada. José é cuidador e professor de fato, mas não de direito,

uma situação que causa, de um lado, desperdício de recursos humanos preciosos aos alunos;

de outro, ressentimentos e excesso de tarefas para quem não está para elas devidamente

preparado.

A presença e a atuação de José na escola revelam, infelizmente, que ainda se mantém,

no campo educacional, a dicotomia entre cuidar e educar. Quando se parte do princípio de que

os adultos presentes no espaço escolar são todos responsáveis pelas crianças e jovens que o

frequentam, o cuidar não pode estar à parte do ato de educar. Se essa discussão há anos

permeia, de maneira explícita, a educação infantil, ela também se faz presente na educação

especial, ainda que silenciosamente. Essa distinção, por sua vez, reafirma a histórica

hierarquia dos afazeres, com os trabalhos intelectuais prevalecendo sobre os manuais, em

termos de prestígio. Ensinar a segurar um garfo parece ser menos importante que ensinar

subtração. A presença do agente de inclusão escolar na sala de aula parece desobrigar o

professor de cuidar e, também, como mostra José, não raro de ensinar o aluno com

deficiência.

Esse descompromisso dos docentes em relação aos alunos com deficiência revela o

lugar que a escola regular lhes reserva: mero expectador daquilo que se passa ao seu redor.

Essa situação, da qual discordamos radicalmente, coloca o AIE como único responsável pelos

alunos que são público alvo da educação especial, como se isso fosse toda a ―educação‖

possível. A luta por uma escola para todos só ganha forma quando ela cumprir bem sua

função social, que é a de levar todas as crianças, com ou sem deficiência, a novas

aprendizagens e a novos patamares de desenvolvimento, transformando seus modos de agir,

pensar e sentir. Concebida como instituição capaz de minimizar as desigualdades sociais, a

escola permanece plena de conflitos quando se trata de lidar com a diversidade de seus

alunos. Nesse sentido, contraditoriamente, a instituição que, idealmente, permitiria uma maior

igualdade é a mesma que, na prática, ressalta as desigualdades. A conversão do AIE em um

―professor de segunda classe‖, porque despreparado para essa função junto aos alunos com

deficiência, é prova disso.

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Como já elucidado anteriormente, os agentes de inclusão escolar não precisam

necessariamente, na rede municipal de ensino que contrata José, dispor de formação

pedagógica para exercer essa profissão. Já para o cargo de professor exige-se habilitação para

o magistério em nível médio, licenciatura em pedagogia ou ambas. A Resolução CNE/CP nº

1/02, que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para Professores da Educação Básica, em

nível superior, curso de licenciatura e de graduação plena, indica que, além da formação

específica relacionada às diferentes etapas da educação básica, os cursos devem contemplar:

―conhecimentos sobre crianças, adolescentes, jovens e adultos, aí incluídas as especificidades

dos alunos com necessidades educacionais especiais‖. (BRASIL, 2008)

Não se pode afirmar, portanto, que todos os professores tiveram acesso às disciplinas

que contemplam as questões da educação especial ou da educação na perspectiva inclusiva, já

que elas só passaram a existir, em alguns cursos, a partir de 2002. Nem mesmo tem-se

certeza, em função da precariedade da formação inicial docente, que os professores dominem

formas alternativas de ensinar, capazes de proporcionar as aprendizagens pretendidas

(GATTI, 2013). Há, na rede municipal aqui tratada, no que tange à educação especial,

professores que só trabalham no atendimento educacional especializado ou que atuam como

PAEI, em parceria com o professor da sala regular, no que diz respeito ao planejamento e às

intervenções, que possam fazer do percurso escolar dos alunos com deficiência um percurso

de aprendizagem. Para tanto, o AIE não pode permanecer alheio ao processo educativo; ao

contrário, deve dele participar, informando, discutindo e inteirando-se das decisões tomadas

sobre os alunos que acompanha. Da mesma forma, no início de sua atuação profissional — ao

entrar para o quadro de profissionais da secretaria de educação — é preciso que ele receba a

devida formação e as informações necessárias para o trabalho que irá realizar, seja por meio

de cursos ministrados durante o período probatório, seja por meio de formações em serviço,

para melhor qualificar suas intervenções.

José reporta-se também à necessidade de um ―olhar‖ para os alunos com deficiência.

Mas que olhar seria esse? Nesse trabalho, algumas interpretações foram levantadas: (a) a

necessidade de aprimoramento nas ações pedagógicas e na divisão de papéis, criando, como é

de se esperar, situações nas quais todos estejam envolvidos, ainda que de maneiras distintas,

no processo de ensino-aprendizagem-avaliação; (b) a combinação perversa que gera a

necessidade de um AIE nas salas de aula revela a valoração distinta de papéis que são

complementares, caso do cuidar e do educar. Ideal seria que o agente de inclusão escolar,

como profissional de apoio e em uma perspectiva inclusiva, estivesse presente na escola e nas

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salas de aula para auxiliar todos os alunos, atuando como um parceiro dos professores. Se

assim fosse, o professor poderia, por exemplo, trabalhar diretamente apenas com os alunos

com deficiência, porque o AIE estaria disponível para auxiliar os demais em exercícios de

resolução de problemas.

O AIE, não se pode negar, é figura central nas escolas regulares, justamente para

maximizar o papel do professor junto a todos os seus alunos. Mas, para isso, é imprescindível

que se crie um espaço de diálogo entre docentes e AIEs, para que uma cooperação mais

transparente e mais acordada se dê. Sem a pretensão de fechar as discussões que permeiam a

atuação profissional do agente de inclusão escolar, esse trabalho, ao refletir e a analisar os

aspectos subjetivos envolvidos nessa atuação, pode contribuir para que se consolide uma

escola que, como bem diz Angelucci, seja ―para todos (as), com todos (as) e sobre todos (as)‖.

(ANGELUCCI, 2014, p. 132)

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REFERÊNCIAS

ANGELUCCI, Carla Biancha. A patologização das diferenças humanas e seus

desdobramentos para a educação especial. In.: 37ª Reunião Nacional da ANPEd, de 04 a 08

de outubro de 2015, UFSC. Florianópolis. Disponível em <http://37reuniao.anped.org.br/wp-

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59

APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Comitê de Ética em Pesquisa

Sede Campus Monte Alegre

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

Declaro que fui satisfatoriamente esclarecido (a) pela pesquisadora Agda Malheiro

Ferraz de Carvalho em relação a minha participação na pesquisa para a dissertação intitulada

―Atuação profissional do agente de inclusão escolar: um estudo sobre os sentidos e

significados constituídos por um deles‖.

Os dados serão coletados através de entrevistas, individuais ou em grupo; não

existindo riscos de qualquer natureza que venham a comprometer a segurança do (a)

entrevistado (a). Sendo assegurado total sigilo em relação à identificação dos participantes.

Estou ciente e autorizo a realização dos procedimentos acima citados e a utilização dos

dados originados destes procedimentos para fins didáticos e de divulgação em revistas

científicas brasileiras ou estrangeiras contanto que seja mantida em sigilo informações

relacionada à minha privacidade. Desta forma, CONCORDO VOLUNTARIAMENTE e dou

meu consentimento abaixo, sem ter sido submetido a qualquer tipo de pressão ou coação.

Declaro ter recebido cópia do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Nome: _________________________________________________________

Telefone para contato: ____________________________________________

______________________________________________

Assinatura

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60

Eu, Agda Malheiro Ferraz de Carvalho, declaro que forneci todas as informações

referentes ao estudo ao sujeito da pesquisa e, caso faça-se necessário qualquer esclarecimento,

entrar em contato com o pesquisador.

Nome: Agda Malheiro Ferraz de Carvalho

Telefone: (11) 985021720

E-mail: [email protected]

___________________________________________

Assinatura

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61

APÊNDICE B – Questionário

Pesquisa: Atuação profissional do agente de inclusão escolar: um estudo sobre os

sentidos e significados constituídos por um deles

Questionário

1. Identificação pessoal

Idade: ________________________________________________________________

Estado civil: ___________________________________________________________

Sexo: ________________________________________________________________

Número de filhos (se houver) e suas idades:

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

2. Formação

( ) Ensino Médio

Ano de conclusão: ______________________________________________________

( ) Ensino Médio Profissionalizante em

______________________________________

Ano de conclusão: ______________________________________________________

( ) Graduação em

_______________________________________________________

Ano de conclusão: ______________________________________________________

( ) Pós-graduação em: ___________________________________________________

Ano de conclusão: ______________________________________________________

Cursos oferecidos pela Gerência de Educação Inclusiva:

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

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62

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

3. Experiências profissionais:

Experiências prévias:

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

Atual

Horário que trabalha na Rede Municipal:

_____________________________________

Atuações paralelas (se houver): ____________________________________________

Data de início na Rede Municipal:

__________________________________________

Atua com quantos alunos diariamente? ______________________________________

Em quais modalidades de ensino?

( ) Educação Infantil ( ) Ensino Fundamental ( ) Educação de Jovens e Adultos

Quais as deficiências desses alunos?

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

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63

APÊNDICE C – Tabulação dos questionários

Idade

20 a 30 22

31 a 40 15

41 a 50 11

51 a 60 4

Não respondeu 1

Tabela 1 - Idade

Estado civil

Solteiro 24

Casado 24

Divorciado 4

Não respondeu 1

Tabela 2- Estado civil

Sexo

Masculino 20

Feminino 31

Não respondeu 2

Tabela 3 - Sexo

Número de filhos

Nenhum 28

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64

Um 10

Dois 8

Três 4

Quatro 2

Não respondeu 1

Tabela 4 - Número de filhos

Formação

Ensino Médio 53

Ensino Profissionalizante 18

Graduação 23

Pós-graduação 2

Tabela 5 - Formação

Cursos profissionalizantes

Mecânica 3

Patologia clínica 1

Eletroeletrônica 1

Administração de empresas 5

Enfermagem 2

Contabilidade 3

Química 1

Secretariado 1

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65

Nutrição 1

Tabela 6 - Cursos profissionalizantes

Graduação

Letras 3

Tecnólogo em marketing 1

Ciências contábeis 1

Matemática 2

Pedagogia 4

Psicologia 4

Direito 1

Automação industrial 1

Química 1

Jornalismo 1

Engenharia 1

Gestão de Recursos Humanos 2

Educação Física 1

Cursando Pedagogia 11

Cursando Biomedicina 1

Cursando Geografia 1

Turismo 0

Tabela 7 - Graduação

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66

Pós-graduação (especialização)

Astronomia 1

Psicopedagogia 1

Tabela 8 – Pós-graduação (especialização)

Ano de conclusão do ensino médio

1970 a 1980 2

1981 a 1990 7

1991 a 2000 7

2001 a 2010 24

Não respondeu 13

Tabela 9 - Ano de conclusão do ensino médio

Ano de conclusão do ensino profissionalizante

1970 a 1980 1

1981 a 1990 6

1991 a 2000 4

2001 a 2010 6

Não respondeu 1

Tabela 10 - Ano de conclusão do ensino profissionalizante

Ano de conclusão da graduação

1981 a 1990 1

1991 a 2000 3

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67

2001 a 2010 8

2011 a 2014 8

Não respondeu 3

Tabela 11 - Ano de conclusão da graduação

Ano de conclusão da pós-graduação

2012 1

Não respondeu 1

Tabela 12 - Ano de conclusão da pós-graduação

Cursos oferecidos pelo CADE

Libras 5

Deficiência Intelectual 1

Deficiência auditiva 1

Deficiência física 1

Deficiência múltipla 1

Deficiência visual 1

Transtorno do Espectro do Autismo 1

Nenhum 42

Tabela 13 - Cursos oferecidos pelo CADE

Experiências profissionais anteriores

Professor de química 1

Auxiliar de desenvolvimento infantil 6

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68

Professor de Ensino Fundamental 1

Professor de Ensino Médio 1

Acompanhante terapêutico 1

Estagiário 3

Pesquisador 1

Contador de acesso 1

Monitor de informática 1

Auxiliar administrativo 6

Comerciário 9

Inspetor de alunos 1

Professora de balé 1

Bancário 2

Autônomo 2

Educador social 2

Artesão 1

Barman 1

Atendente de telemarketing 4

Lavador de carros 1

Recepcionista 2

Educador popular 1

Comissária de bordo 1

Operadora de empilhadeira 1

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69

Agente social de inclusão 1

Engenheiro 1

Não declarado 1

Nenhuma 12

Tabela 14 - Experiências profissionais anteriores

Horário que trabalha na rede municipal

7h – 16h 14

7h:30min – 16h:30min 1

8h – 17h 28

9h – 18h 8

13h – 22h 1

Diversos horários, dependendo do dia 1

Tabela 15 - Horário que trabalha na rede municipal

Atuações profissionais paralelas

Psicóloga 1

Mágico 1

Performer 1

Pesquisador 1

Poeta 1

Contador de acesso 1

Artesão 1

Tabela 16 - Atuações profissionais paralelas

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70

Mês e ano de início na rede municipal

Maio/2013 28

Agosto/2013 1

Setembro/2013 7

Outubro/2013 3

Novembro/2013 4

Dezembro/2013 1

Maio/2014 1

Outubro/2014 4

Fevereiro/2015 2

Março/2015 2

Tabela 17 - Mês e ano de início na rede municipal

Atua com quantos alunos diariamente

3 alunos 3

4 alunos 6

5 alunos 9

6 alunos 8

7 alunos 8

8 alunos 5

9 alunos 2

10 alunos 2

11 alunos 1

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71

12 alunos 3

13 alunos 1

14 alunos 2

15 alunos 2

Não respondeu 1

Tabela 18 - Atua com quantos alunos diariamente

Modalidades de ensino que atua

Educação Infantil 44

Ensino Fundamental 47

Educação de Jovens e Adultos 3

Tabela 19 - Modalidades de ensino em que atua

Diagnósticos na área de saúde (dos alunos atendidos)

Deficiência Física 41

Deficiência Intelectual 42

Deficiência Visual 8

Deficiência Múltipla 7

Transtorno do Espectro do Autismo 40

Transtorno do Déficit de Atenção e

Hiperatividade 7

Transtorno Opositor Desafiador 3

―Transtorno‖ 1

Psicose Infantil 1

Tabela 20 - Diagnóstico da área da saúde (dos alunos atendidos)

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72

APÊNDICE D – Roteiro de entrevista

Roteiro de entrevista semiestruturado – Gerente de Educação Inclusiva

Quando e como estabeleceu-se a necessidade dos profissionais de apoio da

rede

Como era em 2007 e como está em 2015

Quais as dificuldades encontradas com esses profissionais

Quais os benefícios da atuação do AIE

Quantidade de AIE

Formações para AIE

Quais os rumos (novas perspectivas) pretendidos para esse cargo

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73

APÊNDICE E – Transcrição da entrevista com gerente de educação inclusiva

Transcrição da entrevista: gerente de educação inclusiva

Pesquisadora: P

Entrevistada: E

P: Agora que já lemos o termo de consentimento livre e esclarecido, gostaria de

começar a entrevista e agradecer sua disponibilidade. Como eu havia dito meu objetivo com

essa pesquisa é identificar e analisar sentidos e significados que um agente de inclusão

escolar constitui para a prática, para a atuação dele. Você era Gerente de Educação

Inclusiva quando se desenhou a primeira atuação de cuidadores na rede municipal de Santo

André. Eu estava na sala de aula nessa época e me lembro da PAEI da minha escola me

perguntar se eu tinha necessidade da parceria com esse profissional, eu tinha dois alunos

com deficiência, foi assim que soube desses novos profissionais que as escolas teriam. Foi

quando isso, em 2007?

E: Não consigo precisar, foi mais ou menos por aí, nos últimos anos de nosso governo,

aquele governo de continuidade que a gente teve. Mas acredito que foi em 2006 que a gente

idealizou, fez o primeiro processo seletivo e eles ficaram conosco 2007 e 2008.

P: Foi em um processo seletivo?

E: Na verdade foi um processo seletivo, mas ele foi para uma contratação por tempo

determinado. Então as pessoas apresentaram um curriculum, foi uma contratação de tempo

determinado de seis meses, prorrogado por mais seis meses... Ah, é isso mesmo, 2007/2008,

agora ficou mais claro. Que 2007 a prefeitura fez essa contratação, aí em 2008 a prefeitura

não podia mais, porque só era renovável por seis meses e o Instituto Paradigma assumiu os

meninos.

P: Que era um parceiro naquela época da prefeitura nas questões de formação dos

professores da rede, das PAEI...

E: De aquisição de tecnologia assistiva, eles (o Paradigma), formavam tanto as PAEI,

quanto ajudavam a gente a fazer formação para os professores da rede.

P: Então quando os cuidadores vieram qual foi o critério estabelecido para esse

processo seletivo? O que se pensava desse profissional?

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74

E: A necessidade vinha, a rede estava em um tempo bom naquela época, que a rede se

colocava, que as pessoas já aceitavam as pessoas com deficiência dentro da sua sala de aula,

mas elas queriam melhores condições pra atuar com esse aluno, então o que elas nos

cobravam: elas queriam fazer um atendimento de qualidade. E esse atendimento de qualidade

versava para a formação para o professor (professor queria estar formado para atender bem) e

eles diziam para a gente: ―A gente já sabe que o lugar deles é aqui, mas como é que eu faço

para que a aprendizagem aconteça de fato?‖. Isso era muito legal nessa época! E a segunda

situação era que eles cobravam uma mão de obra, alguém que os ajudasse em questões que

para o professor às vezes realmente era um dificultador, que era a troca de fraldas de alunos,

que era a higiene de alunos, onde ele tinha que se ausentar da sala de aula com esse aluno e

muitas vezes a escola não tinha condição de ter alguém que ficasse na sala de aula. Então

longe da ideia do ―trinta mais um‖. Nada disso! Mas a verdade era essa. Ele tinha que sair da

sala de aula e a sala de aula ficava sozinha. Às vezes em locomoção também. Então pensa

aquele monte de criança, ele tendo que levar todas as crianças para um determinado lugar,

aquela outra criança ou jovem adulto mais devagar, enfim, e na alimentação. Isso a gente vê

acontecer muito na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, enfim... Vinte minutos de

merenda, para ele comer ele é muito mais vagaroso, vinte minutos só para comer, então a

professora fica na encruzilhada: fico com ele e deixo a turma ir sozinha, ou eu vou com a

turma e deixo ele ficar aqui... Então a gente sentiu falta dessa mão de obra para ajudar essa

professora nesse sentido. Mas nunca houve a ideia, nunca houve a ideia de ser alguém que

pudesse tomar o lugar dessa professora no trato com esse aluno. Nunca! Tanto que desde a

primeira formação que nós tivemos com os... Lembrando que era ASI naquela época, eles

tinham o nome de Agente Social de Inclusão. Desde a primeira formação com eles a gente

sempre trabalhou isso com eles: que eles não deveriam pegar o lugar da professora nunca,

porque não foi exigido isso ou esse saber para eles entrarem. Que nós pensamos? Que poderia

ser uma entrada mista. Uma entrada mista de alguém que pudesse vir da área da Saúde.

Poderia. E alguém que pudesse ser da área da Educação também. Mas alguém que a gente

pudesse cuidar dessa questão de dar pra eles essa questão de cuidados, porque ele tem um

sentido de cuidador, apesar da gente não gostar muito dessa palavra e transformá-lo em um

agente social de inclusão, dar para ele outro caráter de trabalho, mas no fundo, é para essa

mão de obra. E a gente sempre teve muito medo, desse agente, ou desse novo profissional, de

certa forma ir tomando o lugar da professora, porque a professora iria achar que era muito

mais fácil ele tomar conta, tal. Esse foi nosso grande medo. Então foram dois anos de trabalho

na formação com eles e com as AP (assistente pedagógica, função equivalente a

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coordenadora pedagógica), enfim, com as PAEI, logicamente, para que esse lugar fosse

muito bem estabelecido. Ele é da mão de obra. Que de um lado também é um lugar difícil,

porque você vai falar para o sujeito: ―Você está aqui para trocar, para alimentar e conduzir‖.

Mas é isso! É isso.

P: E eles quando vieram nessa “mistura” de saúde e educação, eles precisavam ter o

ensino médio, precisavam ter...

E: Precisavam ter ensino médio e no curriculum apresentar para a gente experiência ou

na área da saúde ou na área da educação.

P: Foi através de curriculum a seleção?

E: Foi análise de curriculum.

P: E quantos entraram?

E: Nossa... Hoje a gente está com sessenta e quatro. Na época não era isso.

P: Não, né?!

E: Não. Era menos.

P: A gente tem onde buscar esses dados?

E: De quantos entraram? Eu acho que sim. Depois a gente dá uma olhadinha nisso. Eu

lembro que quando eu fui reassumir que eu vi que eram sessenta e quatro. Eu disse: ah, eles

tinham mais. Mas vamos pensar: um para cada Emeief... Acho que eram uns trinta. Trinta

ASI. Se não me engano foi essa ideia. Porque a gente não tinha essa ideia de olhar para a

escola A (Emeief com maior número de alunos no município) e pegar dois por ter muita

gente. O começo foi mesmo de investigação. Se isso iria dar certo, se esse profissional era um

profissional que realmente era necessário na escola; então no começo ele tinha essa

característica.

P: Não com a característica de um agente social de inclusão para cada criança?

E: Nunca foi. Nunca foi.

P: Nesses anos então, 2006, 2007 e 2008, a rede trabalha nessa perspectiva, em um

governo que já tinha uma história no município voltada para a Educação Inclusiva. Em 2009

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assume um novo governo, uma nova gerência na Educação Inclusiva e esses meninos que

estavam como ASI não dão continuidade no governo em 2009?

E: Então, eu não fiquei no governo, mas o que eu sei um pouco da história é que

alguns ficaram. Alguns permaneceram. Eles ampliaram o número de ASI, então eu acho que

nesse sentido é válido, porque hoje a gente sente necessidade em algumas escolas, mesmo

para a troca, mesmo para essa situação que um só, numa escola que tem trinta, ou mais que

trinta (alunos) é pouco, nesse sentido é louvável o que eles fizeram só que eles também deram

uma característica, pelo o que eu sei da história, eles também deram essa característica que se

naquela escola eu tivesse um aluno muito desafiador, eu mando um ASI para lá e fica um por

um e essa escola pára de ser problema para mim.

P: Então essa ideia, parece-me, em 2009, de ter nessa unidade escolar, alguém para

mobilidade, alimentação e higiene, ele passa a ter uma outra característica... De ser também

alguém para o desafiador?

E: Isso.

P: E o desafiador, dentro da deficiência, muitas vezes é uma criança com o

Transtorno do Espectro Autista e muitas vezes crianças que não possuem o diagnóstico...

E: De deficiência.

P: De deficiência. Crianças que podem ter, segundo o DSM, um Transtorno, ou que

estão em investigação para um diagnóstico e aí se atribui essa pessoa para ele?

E: É! Aquelas crianças que são desafiadoras no sentido comportamental. Muitas delas.

Aquelas que não conseguem ficar dentro de sala de aula, aquelas que desafiam mesmo o que é

a escola, o que é ainda hoje a escola, de um atrás do outro, de tempo delimitado dentro de sala

de aula, que não aguentam com isso, aí para dar sossego para essa professora e para essa

escola, a gente coloca um ASI, que virou um babá! Um babá! Agora estou me lembrando de

uma coisa que eu acho que é importante. Em 2009 eu fui professora na rede. Em 2010,

desculpa?! Em 2010 eu tinha dois meninos com deficiência então eu tinha uma ASI que

ficava comigo. E essa ASI ela tinha atividades prontas para os alunos. Ela tinha atividade

pronta.

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P: Essa pessoa que te ajudava na sala e ajudava as crianças, não era alguém tanto

para a professora, mas para as crianças, ela tinha uma proposta pedagógica, ela trazia

atividades?

E: Não sei se eu posso chamar isso de proposta pedagógica. Ela tinha uma pastinha,

onde ela trazia algumas atividades. Na minha sala ela não precisava usar, porque eu pensava

nas atividades para os meninos. Mas ela tinha essa pastinha. Eu via essa pastinha. Então essa

pastinha meio que funcionava, para mim, esse é meu olhar, que se ela fosse à sala da

professora ao lado, que tivesse uma criança com deficiência, e que não tivesse algo pensado

para ela, ela aplicava, entendeu? Então penso eu pode ser que viu em uma revista bacana, em

uma Recreio da vida...

P: Você está dizendo que ela não pensava na necessidade educativa do aluno, uma

atividade que fosse ao encontro de necessidades individuais?

E: O fato talvez de dar para ele uma postura de aluno, no sentido que os outros estão

fazendo alguma coisa em folha e ele também. Mas o que ele está fazendo, qual o objetivo do

que ele está fazendo, não! E a gente não pode esquecer que essa pessoa tinha uma boa

intenção. Porque ela olhava para a falta da escola e dizia: ―Preciso fazer alguma coisa por esse

aluno‖. E ela se preocupava com isso. Procurava atividade, muitas vezes via a atividade da

professora da manhã pedia uma cópia. Havia uma boa intenção desta menina, desta figura de

ASI, mas orientação para elas eu fico me perguntando se elas foram orientadas para isso. Isso

eu não consigo saber.

P: Quem orienta o ASI de 2007 a 2008? Era a PAEI e ele tinha um apoio tanto do

CADE quanto do Instituto Paradigma?

E: É.

P: Em 2009 não há mais o Instituto Paradigma, o CADE em outra configuração,

nessa época talvez a PAEI o orientasse... Mais alguém? Você lembra, você que estava como

professora?

E: Na época de 2006 a 2008 quando eu estava na gerência, além deles serem

orientados pelas PAEI nas escolas, eles tinham formação mensal com a gerência. Comigo a

formação. A formação era minha. Eu fazia a formação com eles junto com a coordenadora,

com a X. Então a gente levava muito isso, essas ideias muito próximas.

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P: Esta gestão então fica de 2009 a 2012. Em 2013 você volta pro CADE, volta para a

Gerência de Educação Inclusiva, e qual panorama você encontra em relação aos Agentes

Sociais de Inclusão?

E: Eu levo um susto, essa é a questão. De um lado eu fico feliz pelo aumento, apesar

de que ninguém conseguiu me explicar ainda de onde surgiu o número de sessenta e quatro...

Não tem lógica, nem de ser dois por escola, enfim, eu não sei de onde surgiu. Só que eu

encontrei muita, mas muita criança sendo cuidada um a um. Quer dizer, eu tinha escola onde

até precisava de mais de um ASI, mas eles não eram para a escola. Eles eram individuais, para

as crianças e muitas vezes aquela diretora se via com três novos personagens, três novos

profissionais dentro de sua escola, mas não para dar conta da escola. Ficou represado em um,

muitas crianças para atender e o outro que cuidava de uma criança só. Nesse sentido que a

gente já conversou. Para mim era: deu muito trabalho, eu ofereço uma babá, com o título de

Agente Social de Inclusão. Então foi esse o panorama que eu encontrei, assim, onde é que foi

tudo aquilo que a gente discutiu, não só com eles. Com a rede, com eles, com as PAEI, onde é

que foi parar toda aquela ideia. Por isso eu digo que foi um susto, uma mudança grande em

quatro anos. Foi um susto!

P: Eles iniciam o ano de 2013 sendo contratados e aí, não me recordo o mês, eles são

desligados da rede.

E: Abril. Abril de 2013.

P: Eles são desligados. Eles estavam contratados por uma ONG, que não era mais o

Paradigma, era uma outra ONG, que a gestão anterior propôs e havia um concurso datado

de 2011 para Agente de Inclusão Escolar.

E: Isso.

P: A rede pensa nesse profissional com outro nome e faz um edital, do que se espera

desse profissional e são chamados em abril de 2013. Eles já começam a ser chamados...

E: Mas eles iniciam mesmo em maio, por conta de todo aquele trâmite de um concurso

público: é chamado, fazem a tramitação de documentação, exames... Eles começam a atuar já

como concursados em maio... E aí... Para mim começam outros problemas que a gente não

imaginava que teria. Esses sessenta e quatro melhores classificados do concurso, eles eram

pessoas muito diferenciadas daquelas que foram contratadas em 2008. Eu tinha gente

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graduada. Pessoas de diversas áreas de conhecimento, de profissão. Então eu tinha um

jornalista ali no meio, eu tinha professor, eu tinha... Uma delas era formada em Física pela

Federal aqui do ABC. Eu tinha engenheiros... Nossa, tinha uma diversidade que quando eu

olhava pra lista eu: gente, como assim? Como as pessoas prestaram um concurso que no edital

estava dizendo que era pra locomoção, higiene e alimentação? Vem uma série de coisas que a

gente poderia versar por aí, como desemprego no país... Mas as pessoas se sujeitaram, por um

salário que não é um salário tão convidativo.

P: Quanto recebe um Agente de Inclusão Escolar?

E: O início deles mil seiscentos e alguma coisa, não chega a mil e setecentos reais. É

um pouquinho mais que um auxiliar administrativo. Mas eu fiquei pensando: o que levou esse

engenheiro, esse jornalista... Enfim outra característica também, diferenciada da que eu tinha.

Porque na época, quando nós iniciamos tínhamos só mulheres. E no concurso, dos sessenta e

quatro primeiros, a gente tinha um grupo, se não me falha a memória, de trinta e quatro

mulheres e de trinta homens. Era quase um por um. E aí vem uma outra característica que a

gente teve que lidar que é o homem cuidando da menina com deficiência.

P: Acredito que antes de 2009 a rede tinha um homem...

E: Ah, verdade! A gente tinha o Z.

P: Então em 2013, quando eles iniciam, a gente tem trinta e quatro mulheres e trinta

homens. Então pensando até em uma questão referente ao gênero do profissional que está na

Educação, que trabalha em escola.

E: Mas eu não vou dizer pra rede, mas para os pais, a gente teve que conversar muito,

falar muito sobre essa questão de gênero, também é um outro caminho que dá para versar

bastante. Mas foi ao ponto de algumas mães que diziam: ―Não quero‖. E elas se colocaram à

disposição de vir para escola fazer aquilo que a escola garantia um profissional.

P: Já que eles lidavam com a higiene, eles tinham que trocar fraldas e as mães não

aceitaram os homens?

E: Não aceitaram.

P: E hoje, dois anos depois, em abril de 2015, nós temos quantos Agentes de Inclusão

Escolar na rede?

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E: Os cargos continuam sendo sessenta e quatro. Só que eu nunca consegui, pelo

concurso público, deixar sessenta e quatro nas escolas todas. Porque o concurso trouxe uma

outra característica de profissional. Esse profissional que vem, que escolhe, mas que acha que

não vale a pena, então eles ficaram muito mais... Me foge a palavra...

P: A gente tem como levantar isso, não tem? De quem foi embora, quanto tempo

depois da chamada oficial?

E: Acredito que sim. A permanência deles na rede ficou muito passageira. Porque eu

entendo que para essa turma, essa primeira turma, que era tão qualificada, era um concurso de

passagem, sabe? Enquanto eu estou desempregado eu fico aqui, mas eu vou tentar outros

concursos. E muitos deles conseguiram outros concursos melhores e abandonaram o de

Agente. Então a gente tem algumas pessoas ali que pela condição, olha para elas e acha que

elas podem, que isso satisfaz do ponto de vista do emprego que eu escolhi, mas têm outros

que você percebe que é uma passagem. Estou lembrando de um que a gente tem que é novo,

que fazia faculdade de Direito. Ele acabou de se formar, já passou na OAB, então assim,

qualquer oportunidade que ele tiver ele vai abandonar. Só que tem um outro problema ligado

a isso que está nos preocupando bastante, que me preocupa bastante que é: hoje, eu trabalhar

com um sujeito que tem... Uma mulher que tem vinte e cinco anos e é Agente de Inclusão

Escolar, tudo bem. Daqui a dez anos, ela tem trinta e cinco anos. Com dez anos nessa lida de

força física. Às vezes tirar o sujeito da cadeira. Só que esse profissional, essa mulher, ela tem

que trabalhar trinta e cinco anos. Então o que vai ser uma ASI, desculpe, agora AIE, com

vinte anos de rede. Eu tenho vinte e cinco anos de rede e eu sei da minha condição física de

hoje, só que o meu trabalho, mesmo se eu estivesse em sala de aula, não é um trabalho tão

braçal. O trabalho deles é. Como vai ser essa pessoa projetando o futuro? Entendeu? Eu vou

ter um monte de gente de licença médica, eu tenho certeza disso. Por isso que eu acho que

esse cargo não era um cargo eletivo para concurso público. Ele deveria ser realmente um

cargo onde as pessoas vão, ficam um pouco de tempo, por conta da sua condição mesmo.

P: Pensando nisso então, eu vou fazer um link do que você falou com o fato da rede

ter hoje estagiários de Educação Inclusiva. A rede municipal tem contratado um número de

estagiários, não só para Educação Inclusiva, mas tem também uma possibilidade: quando

eles vão para atribuição de local de trabalho, eles podem escolher trabalhar nessa área.

Quantos estagiários de Educação Inclusiva têm hoje atuando na rede?

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E: Nossa, a gente ampliou agora, não lembro de cabeça quantos estão chegando. Mas a

X pode pegar isso para a gente, pode ser?

P: Lógico! Mas estão chegando, são alunos de Licenciatura em Pedagogia, também

recebem orientação da PAEI, do CADE, da gerência do CADE e da escola e o trabalho dele

começa a se configurar também para o “pedagógico”?

E: Este sim! O estagiário de Pedagogia. Primeiro, ele é estagiário e precisa estagiar na

área dele que é a área de ser professor e ser orientado por um professor. Então a gente

costuma trabalhar com ele da seguinte forma: os AIE, as primeiras questões são higiene,

locomoção e alimentação e se necessário, com orientação do professor, ele pode ajudar o

professor pedagogicamente. O que significa esse ajudar o professor pedagogicamente? O

professor bolou uma atividade e na hora da aplicação dessa atividade ele e o professor podem

alternar, inclusive. Um dia o AIE aplica com o aluno com deficiência no outro dia o próprio

professor pode aplicar e esse AIE ajudar na condução da sala, até para esse professor ter

proximidade, conhecimento. Então é nesse sentido, não que ele planeje alguma coisa, ele

apenas é mais um para ajudar. Já a estagiária de Pedagogia, ela faz o inverso disso. Ela pode e

deve ser usada (usada no bom sentido, né?!) na questão de ajudar pedagogicamente essa

professora, mas ela também pode alimentar, ela também pode conduzir (na locomoção) e ela

também pode trocar fralda.

P: É um estágio que não é só de observação, mas é também de participação e

regência, se a gente pensar o que a faculdade de Pedagogia espera do estágio dos seus

alunos?

E: É. Eu fico pensando na palavra regência... Para mim fica a regência de sala de aula.

Mas elas vão ter uma atividade pedagógica com o aluno. Mas que também não dá para

esperar, porque a gente também passou por isso, a professora dizendo: ―Escuta, essa estagiária

não propõe nada!‖. Ela é estagiária; quem propõe é a professora... A estagiária pode até ajudá-

la na elaboração de uma atividade se elas tiverem tempo para isso, para fazer o planejamento

juntas, mas não que a estagiária proponha atividade. Com certeza, se ela tiver que agir com

esse aluno, se ela tiver que interagir com esse aluno, ela vai ter muito mais condição de

trabalhar com ele do que o AIE teria em uma situação dessa.

P: Hoje então você não tem sessenta e quatro AIE?

E: Se não me engano são cinquenta e oito.

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P: Com formações em serviço?

E: Têm formações uma vez por mês. O ano passado era meio período, porque também

tirá-los da rede não é tão simples assim, mas esse ano a gente opta por fazer formação do dia

todo com eles.

P: Os temas escolhidos por vocês mediante demanda?

E: Isso tem sido algo que a gente tem pensado bastante com eles também. Porque esse

grupo que a gente tem hoje é um grupo, uma parte desse grupo é bastante politizada. E eles

cobram algumas coisas da rede, inclusive via sindicato, conversando com o Secretário de

Educação e tal, que na verdade não condiz para aquilo que eles foram contratados. Então a

gente está pensando que eles são qualificados, só que assim, eu preciso enquanto

administradora, pensar nessa situação. Eu também não posso oferecer alguma coisa que eu

não posso exigir deles na questão da função deles. Por isso que eu digo que é uma situação

ingrata para esse sujeito. Mas esse sujeito é o sujeito do fazer... Do fazer! É feio isso, muito

feio pensar. Mas de verdade, de verdade eu preciso dele para troca, para alimentação e para

higiene. Então, de perspectiva, e eu fico pensando nisso, a grande perspectiva seria se eu

pudesse ter na escola, conjugado, o AIE e o estagiário. Aí eu poderia pensar que o AIE toma

conta dessas situações de mão-de-obra, digamos assim, braçais, e a estagiária poderia ajudar a

professora nas questões mais pedagógicas mesmos. Tanto que em algumas escolas, em

algumas salas, as professoras pedem pela estagiária, e não pelo AIE, como na EJA, muitas

professoras de EJA pedem pela estagiária, não pelo AIE.

P: Você tem também algumas liminares judiciais exigindo que alunos da rede tenham

o acompanhamento desse profissional, o AIE?

E: Três. Três liminares.

P: As mães entraram na justiça solicitando?

E: Sim. Elas entraram porque elas querem alguém que fique o tempo pajeando o filho

delas e por mais que a gente tenha na nossa defesa de dizer que não, dito isso, colocado que

isso não é autonomia, muito ao contrário, sai do caminho do que a Educação Inclusiva propõe

para esses alunos, as mães pensaram na proteção, na segurança dos seus filhos.

P: Você pensa em ampliar o número de AIE, você pensa em diminuir ou mudar a

função?

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E: No sentido de mudar a função, hoje eu fico pensando muito que eu gostaria que eles

fossem mais próximo do que é em São Paulo, os AVE, que estão lá para fazer isso. Fico

pensando nessa condição. Aumentar o número, para me dar um pouco de folga, porque

quando um sujeito desse tira uma licença médica, que é de direito dele, ele desestabiliza muito

essa escola. Então eu queria ter um contingente que pudesse me dar uma folga, assim. Eu

tenho escolas hoje que estão com um só, mas que precisavam de dois para fazer o trabalho

mesmo dele, trabalho que é necessário. Então ampliar nesse sentido. Ampliar para deixar a

gente mais folgada nessa condição de atuar junto, mas de uma forma um pouco mais

diferenciada.

P: Agradeço imensamente a sua atenção respondendo essa entrevista. Tem mais

alguma coisa que você gostaria de dizer?

E: Imagina. Acho que é só.

P: Obrigada!

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APÊNDICE F – Roteiro de entrevista – Agente de inclusão escolar José

Roteiro de entrevista semi estruturado – Agente de inclusão escolar José

História de vida: onde nasceu, como foi a infância e os primeiros estudos

Quais as atuações profissionais que teve

Qual a formação acadêmica

Como iniciou a atual profissão

Descrição das atribuições profissionais

Pontos positivos e pontos negativos da atuação no cotidiano escolar

Formações em serviço

Relações interpessoais no ambiente de trabalho

Quais atribuições não se enquadram na atuação

Expectativas para o futuro profissional

Avaliação da atuação profissional

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APÊNDICE G – Transcrição da entrevista – Agente de inclusão escolar José

Transcrição da entrevista: agente de inclusão escolar José

P: Como eu te disse essa é uma pesquisa que busca apreender os sentidos e

significados que os agentes de inclusão escolar atribuem à atuação profissional. Eu tenho

aqui um roteiro com algumas perguntas que eu quero fazer pra você e sou muito grata à sua

contribuição. Me conta um pouco da sua vida? Quantos anos você tem, de onde você é...

E: Eu tenho 24 anos, farei 25 em dezembro. Eu cresci em um lugar que não era muito

estruturado. Era bem favela, chão de barro. Mudei pra lá com dois ou três anos de idade,

morava de aluguel lá. E aí foram mudando as coisas, era muita pobreza, meu pai saiu de casa

cedo, deixou minha mãe quando eu tinha quatro anos e quando eu tinha sete anos ele

engravidou minha mãe da minha irmã. Ele abriu um pouco mão e a gente passou algumas

dificuldades. Isso me leva a entender um pouco algumas coisas das crianças na escola, a

classe delas, tal. Aí, depois da minha mãe batalhar bastante, a gente mudar várias vezes de

casa, (quando eu estava) com 14 anos, minha mãe conseguiu comprar a casa dela. Foi bom

pra minha irmã: ela teve uma infância melhor que a minha. Como meu pai não estava em

casa, eu, como filho mais velho, tinha muita responsabilidade. Sempre cuidei da minha irmã,

da casa. Me preparando um pouco para os trabalhos que viriam mais pra frente.

P: Na sua vida você teve contato com pessoa com deficiência?

E: Eu fui lembrar depois que eu entrei (aqui, nesse trabalho). Eu já tava trabalhando e

minha mãe falou de uma criança que tinha na minha infância, que tinha deficiência. Eu era

bem novinho. Todo dia eu ia na porta dele e perguntava pra mãe se podia brincar com ele.

Pegava na mãozinha dele e descia as escadas. Mas só lembrei depois que tinha começado:

essa lembrança tinha sumido. Todo dia o pegava pra brincar. A mãe dele e a benzedeira do

prédio ficavam olhando da janela e eu não entendia direito, eu era criança, o porquê elas

ficavam olhando pra mim. Quando entrei na escola, eu via as crianças brincando com as

crianças deficientes e me perguntava sobre o porquê delas fazerem isso. Qual seria a graça?

Eu via que, às vezes, tinha criança que queria ter contato comigo e vinha ajudar, vinha por

causa de mim. E tinha outras que era por causa da criança. Eu ficava me perguntando. Aí,

aconteceu esses tempos atrás da minha mãe me lembrar dessa lembrança. E me lembrei de

que, quando era criança, eu tinha mesmo essa vontade de brincar. Eu tive outros amigos. Eu

tive um amigo autista, que a gente se identificou - eu tenho meus gostos pessoais, você viu

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que eu vim de skate – e eu jogava vídeo game e o menino autista gostava muito de vídeo

game e eu ficava com ele. As pessoas parecem que têm um bloqueio de conhecer quem elas

acham estranhas; não sei as conclusões que elas tiram, pra criar um bloqueio para socializar

com essas pessoas. Eu nunca tive esses bloqueios na minha vida. Tive vivências com pessoas

deficientes, mas não foi uma coisa forte na minha vida. Tem pessoas que vão pro movimento,

tal, eu não tive isso.

P: Você estudou até que ano?

E: Eu estudei até o final do ensino médio na mesma escola, que era escola de bairro

(encerrando fundamental na escola). Sempre com mesmos amigos, era legal ali. Mas era

aquela coisa de bairro. Eu vejo isso nessa escola que eu estou trabalhando. Mas foi isso: da

primeira série ao terceiro ano do médio na mesma escola. Aí, eu comecei a fazer dois

faculdades: uma de sistema da informação e uma de pedagogia, na Faculdade X, que fica ali

no centro. Fiz oito meses.

P: E o que aconteceu?

E: Ah, eu desmotivei, porque foi um momento confuso da minha vida. Eu entrei nesse

trabalho e gostei muito, me identifiquei pra caramba quando eu entrei na creche, lá na creche

A.

P: Deixa ver se entendi. Você terminou o ensino médio com 17 anos? E trabalhava

com o que?

E: Eu saí trabalhando com cargos de ensino médio mesmo. Vendedor, telemarketing.

Aí, comecei a namorar com uma menina. E eu sempre tive o lado da música na minha vida.

Na escola de bairro, fazia apresentação na escola às vezes.

P: Você é músico?

E: Sim. Hoje eu tenho uma banda que eu toco bateria. Mas eu toco bateria, violão,

guitarra, teclado, baixo...

P: Autodidata ou aprendeu na escola?

E: Só a bateria que eu fiz aula. Que é mesmo uma paixão, que eu quis muito, quis

acelerar o processo de aprendizagem. Também tentei entrar na faculdade de música, tem a

Faculdade Y, fui aprovado, mas não consegui por causa de dinheiro mesmo. Queria muito. Se

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eu tivesse condição naquela época, teria feito. Aí, eu comecei a namorar uma menina e os pais

dela eram muito envolvidos com esse negócio de concursos. E eles foram me incentivando a

fazer os concursos, né? Eu tinha 19 anos. Aí, eu prestei o concurso para agente de

desenvolvimento infantil (ADI) e também esse, pra agente de inclusão escolar (AIE). No de

ADI eu passei em uma classificação boa, dentro do que eles precisavam para início imediato,

trezentas e poucas vagas. Só que no de AIE eram sessenta e poucas vagas e eu peguei a

classificação cento e setenta e pouco. Eu entrei rápido como ADI e foi meio que uma

novidade; eu gostei muito e a família dela me incentivava a estudar pedagogia. Aí, foram os

dois lados. Eu já não estava contente com o relacionamento e parei de dar ouvido para as

coisas que eles falavam e acreditei que eu estava me deixando levar muito pela novidade de

estar trabalhando ali na área de educação. Aí pensei: porque estou aqui vou querer me jogar?

Talvez não seja o que eu queira de verdade. Aí, eu decidi sair e me arrependi bastante de ter

saído da creche, de ADI. Me arrependi muito, mesmo.

P: Você entrou com 20 anos para ser ADI e ficou quanto tempo na creche?

E: Fiquei um ano e oito meses. Saí e fiquei dois anos batendo cabeça, pra ver o que eu

iria fazer da minha vida. Difícil, porque a vida não estava estruturada. Difícil arrumar um

emprego que desse uma condição boa e aplicar o lado pessoal, da música. Aí, eu nem

lembrava mais desse concurso de AIE: pensei que tinha acabado. Perdi contato com a família

da ex-namorada e eles que me lembravam bastante do concurso. Falavam, eles nem sabiam

direito, falavam ―aquele de criança especial‖, né... Falavam pra ter fé, que iriam me chamar.

Me afastei deles e pensei que o trabalho já era. Nem botava mais fé. Um dia, chegou a carta

que estavam me convocando para entrar como AIE, já com 24 anos, que foi esse ano agora.

Quatro anos depois que eu fiz a prova.

P: Um pouco antes do concurso caducar.

E: Um pouquinho antes. Fui um dos últimos a entrar. Foi uma dificuldade para

conseguir entrar, porque eu estava passando uma fase difícil na minha vida. É que eu tenho

bastante fé.

P: Você tem religião?

E: Religião? Eu sou meio o que as pessoas chamam de pirata (risos).

P: Pirata?

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E: Fui criado na religião espírita com minha mãe. Me levava no centro kardecista.

Depois, conheci outros centros espíritas também. Sou pirata, porque não vou em uma casa só.

Acredito muito nos planos de Deus. Aí, ano passado, eu caí, machuquei meu pé e fiquei

quatro meses de muleta. Larguei as muletas em dezembro. E eu queria arrumar emprego até

dezembro, porque era a época que estavam contratando. Janeiro ninguém contrata. Quando

consegui voltar a andar, porque tinha rompido os ligamentos do tornozelo, sem emprego

nenhum - não arrumava, estava bem difícil - chegou a carta do concurso. Se tivesse chegado

um pouquinho antes, eu não teria conseguido entrar. Como eu iria chegar de muleta? Não iria

passar no exame médico. Tudo que tinha que acontecer, aconteceu na hora certa.

P: Deixa entender o seu percurso da faculdade. Você começou qual primeiro?

E: Primeiro, sistemas da informação. Cursei um ano. Saí, porque na Faculdade Z o

curso era novo, os professores eram muito ruins. Sinceramente, tinha dois professores bons.

Uma delas me ajudou muito, cresceu muito minha cabeça. Ela saiu do cargo para ser

coordenadora da faculdade, de tão boa que ela era. Aí, entrou um professor ruim. Me

desmotivou. Eu estava na motivação de terminar essa faculdade. Na sequência, eu prestei

música; passei, mas não consegui fazer. Entrei como ADI e no ano seguinte comecei a

faculdade de pedagogia. Fiz um semestre e meio.

P: Você foi para o curso de pedagogia por estar no cargo de ADI?

E: Sim. Foi o que me levou a querer me formar mais, na área da educação. Gostei

bastante. Só me confundi ali, mas estou pensando em voltar, hoje em dia. Mas já estou com

novas visões também. Esse cargo de AIE ampliou um pouco (o meu pensamento).

P: Ampliou para a Educação ou para outras áreas?

E: Para outras áreas. Tem a área da fisioterapia que a B (PAEI da escola) fala bastante.

Quando eu fui para a última formação para profissionais de educação da rede, eu vi um relato

lá de professor de educação física trabalhando o lado de inclusão, no período da manhã; e o

professor colocou umas fotos minhas trabalhando com um aluno, foto que eu nem lembrava

mais, fiquei até meio emocionado; e, no período da tarde, eu tive o relato de outro professor

de educação física que envolve muito a música nas aulas dele. Vi como ele incluía aquilo ali

e, também, trabalha com os deficientes, mostrou uma menina autista, que todo mundo falava

que não fazia nada, e colocou uma atividade que a menina fez. Vi aquilo e achei incrível! Dá

pra você abraçar todas as áreas. Mas, pretendo me decidir até janeiro, para eu começar a

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faculdade. Estou pensando em fazer ou fisioterapia ou outro curso que envolva pessoas

deficientes. Porque até na religião é importante estar aprendendo. Então, é uma coisa que está

me ajudando como pessoa. Muito! Às vezes, estou mal na minha vida, mas eu entro lá e chega

a criança... Eu nunca tive um emprego que fizesse isso por mim como pessoa. Então, eu quero

explorar essa parte.

P: Na creche tinha criança com deficiência?

E: Tinha um. Mas tive pouco contato com ele. Mas eu lembro que era legal.

P: Então é diferente atuar com crianças com deficiência?

E: Comparando, eu estou gostando mais do cargo que eu estou hoje. Hoje, o ADI

trabalha 6 horas por dia e o AIE trabalha 8 horas por dia. Acho que vai ser uma realidade

distante AIE conquistar 6 horas. O número de funcionários é pouco e não abriu outro

concurso de AIE. Então, não sei nem o que vai acontecer. Mas, mesmo assim, estou

preferindo até pelo fato de poder me identificar mais com uma criança só. Tenho habilidade

de fazer várias coisas de uma vez. Baterista usa várias partes de seu corpo. Em casa, vou fazer

comida e já vou lavando a louça. As pessoas falam que homem não consegue fazer mais de

uma coisa ao mesmo tempo. Mesmo tendo esse lado, eu me dou melhor com esse lado de

fazer uma coisa mais específica, com uma pessoa só. Consigo me dedicar muito mais a eles e

poder estar sempre olhando bem.

P: Comparando com as outras profissões que você teve, você se sente mais útil?

E: Sim. Eu encaro, de acordo com minha visão, que aquele trabalho de ADI foi uma

preparação, porque eram cuidados humanos: eu trocava muita fralda, todo dia 4 ou cinco

crianças para trocar a fralda; quando peguei o berçário, aprendi a cuidar de bebê; dava comida

para quatro crianças ao mesmo tempo, uma loucura; e dava banho. Então, foi uma preparação

tanto para minha vida, para um dia, quando eu for pai e, também, acredito que foi uma

preparação para esse trabalho. Muita gente que entra como AIE e não teve nenhuma

experiência já se assusta. Tipo: ―ai, vai ter que trocar fralda‖, ―tem que levar no banheiro‖,

―tem que dar comida‖. Acham estranho.

P: Então você teve uma experiência prévia. E tudo bem trocar fralda, dar comida?

E: Sim. E na creche aprendi. Isso é papel do ser humano. O pai faz isso. Eu sou filho e

tenho filmagens do meu pai fazendo isso comigo. Então, é uma coisa do ser humano. O pai

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também dá banho, troca fralda, dá comida. Só que muito homem deixa de lado essas

obrigações. Alguns jogam a responsabilidade pra mulher. Eu sou um pouco mais

democrático, como falam.

P: Ficou mais de um ano na creche e saiu por que não estava gostando?

E: Foi mais uma confusão pessoal. Eu estava passando uma fase difícil. Estava

passando um problema com meu pai. Ele não mora aqui. Desde que eu tinha 10 anos de idade,

ele foi pra outro estado. Uma vez por ano, eu ia pra lá, mas o contato era bem distante.

Descobrimos que ele tinha um problema de saúde e, por isso, não boto fé na medicina, pois,

naquela época, os médicos disseram que ele não teria mais um ano de vida. E mexeu muito

comigo. Saí do cargo de ADI e fui morar com ele um tempo. Fiquei uns três meses morando

lá. E ele está lá. Bem.

P: Às vezes, quando a gente trabalha com aluno com deficiência, tem isso, né? Esse

aluno não vai fazer isso, não conseguirá fazer aquilo.

E: Tem muito disso.

P: Como você lida com isso, em relação aos alunos?

E: Conheço um cara que estava desenganado e com fé superou. Isso me marcou

bastante. Quando eu entrei na creche, as pessoas tachavam muito. Não pode fazer isso, não

pode fazer aquilo. Lá na escola Z tem a L. Ela tem quatro anos. Quando ela entrou, a mãe me

entregou um papel. A mãe trabalha lá na escola. A menina nasceu prematura e tem paralisia

do lado esquerdo do corpo. Todo mundo falava que era surda. Ela tem aparelho auditivo. Os

médicos diziam que ela tinha zero por cento de audição. Deficiente auditiva grau profundo. E

a gente via, no dia a dia, que não era verdade. Eu acreditava que ela ouvia. Foi me

confirmando mais com a convivência e as coisas que aconteciam. Às vezes chamo o nome

dela e ela não olha. Um monte de gente da escola apoiando a decisão dos médicos (risos).

Agora, a mãe me falou que fizeram um exame e deu 50% de audição. E pra mim já era claro.

Pra outras pessoas não. Entendo o lado profissional da escola de ouvir os médicos. Mas,

entendo que deveriam estar mais presentes. Inclusive a PAEI. Uma vez, citei em uma

formação que, para ser um trabalho efetivo, deveria ser uma PAEI por escola, para ela estar

todos os dias, acompanhando. Elas pegam umas quatro escolas cada uma. E quantas crianças

têm por escola? E elas não acompanham, que nem eu, os casos mais sérios. Elas acompanham

desde o deficiente intelectual até aquele caso de hiperatividade. É muita criança para uma

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PAEI só atender. Se ela tivesse mais contato, ela também iria saber. Poderia ter descoberto

muito antes a realidade que a L escuta. Dá para trabalhar outros lados dela. Recentemente, eu

descobri que ela sabe cantar. Se o médico ouvisse isso, se a gente conseguisse gravar... Todo

mundo iria se impressionar. Só que ela não expõe isso. Demorou muito para ela cantar perto

de mim. Eu não dava atenção quando ela fazia barulhos aleatórios. Eu descobri que é essa a

hora que ela está com vontade de se expressar e ela canta. E, naquele momento, você explora

o máximo que ela tem. Ela segue as sílabas cantando.

P: Vou voltar um pouco em outra fala sua. A escolha profissional por ser AIE foi

porque prestou um concurso público. Quantos concursos públicos você fez?

E: Prestei um três ou quatro concursos. Mas era aleatório mesmo. Áreas de

administrativo, outro foi para trabalhar em um museu, de nível médio. Não é como uma

pessoa que se forma em pedagogia e presta pra professor ou na área da educação.

P: Mas era por querer ser funcionário público?

E: Tem suas vantagens. Os pais da ex-namorada que falaram que tinha um concurso

para trabalhar com criança. Prefiro trabalhar com gente do que trabalhar com máquina.

P: Você chegou a ler o edital dos concursos? Você lembra o que estava no edital do

concurso de AIE, qual seria sua função?

E: O de ADI eu li bem. Mas o outro, de AIE, era bem parecido. Mas, na época, eu não

sabia no que estava me metendo. Não imaginava... Para o de ADI, eu me preparei bem pra

prova. Tive interesse, mesmo indo no escuro: eu não sabia onde estava me metendo mesmo.

De verdade: quando eu cheguei, eu me surpreendi. Os dois foram o mesmo concurso. Podia

fazer os dois. Eu sabia que um era com crianças deficientes e tal. De inclusão... Mas ficou

muito vago pra mim. Mesmo lendo o edital, não compreendi bem.

P: Quando você foi assumir o cargo, alguém explicou?

E: Explicou. Quem explicou mesmo foi a PAEI. Chegou me apresentando as crianças,

explicando o cargo de AIE, mas tudo que é novidade demora um pouco pra entender. Era uma

chuva de informações: ―Ah, você vai ter que ficar com ele‖. Tá, mas o que é pra fazer com

ele? Não conseguia entender. Ela explicava mais ou menos, ainda assim não ficava tão claro

qual era meu papel. Compreendi o lado mais óbvio, que é o que está no edital. Compreendi

transporte dos cadeirantes, tem a V, que é cadeirante e precisa só do transporte. Eu atendo só

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para tirar da cadeira de rodas, dar comida na boca dela... Só que toda a parte mental dela, o

intelectual dela, está preservado. Foi uma novidade pra mim: será que eu posso fazer só isso

por ela? Só vou poder tirar e colocar na cadeira? E tem crianças como o D, que também é

cadeirante, mas tem uma necessidade diferente; a L, que também é cadeirante, tem uma

necessidade diferente. Então, eu não conseguia entender qual era meu papel ali, no começo.

P: Então, teve explicação da PAEI, teve o edital e teve o dia a dia?

E: Teve o dia a dia. A orientação dada no começo ajudou muito, mas só o dia a dia

mesmo me mostrou o que o cargo é e como o cargo está sendo visto errado dentro da escola.

P: Errado dentro da escola?

E: É.

P: De quando você entrou no cargo para agora, você fez formações específicas na

área, dessas oferecidas pelo CADE?

E: Comecei o curso de Libras, mas infelizmente tive que largar.

P: E vocês têm formação uma vez por mês?

E: Esse final de ano aqui, eu acho que não está tendo, né?!

P: É?

E: Acho que não. Não teve esse mês e não teve mês passado. E não terá mês que vem,

estão falando.

P: Que você acha disso?

E: Acho que não é positivo, né?! A gente deve ser lembrada a todo o momento, tem

que trazer novidades, porque se não se acomoda no cargo, os AIEs.

P: Você sente falta?

E: Pessoalmente, eu sinto. Eu não tive muitas formações. Me falaram de formações

que tiveram antes de eu entrar e eu gostaria muito de ter participado delas. E acredito que, se

tiverem novas formações, nunca é demais. Trazendo pessoas novas, mesmo se for pra falar do

mesmo assunto. Pessoas diferentes terão sempre visões diferentes daquele assunto e sempre

acrescentarão no nosso trabalho, no nosso dia a dia.

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P: Quantos alunos você atende na escola?

E: Eu fico com cinco. Das oito às dez, fico com o T e ele é autista. Voltando a falar

daquilo de médico, o T nunca respondeu muito. Você fala com ele, ele fica parado. A PAEI

começou a falar que ela acreditava que ele era deficiente auditivo também, porque ele não

responde e ficou falando muito, muito, muito disso. Que alguma coisa ele deveria ter (risos).

Eu nunca botei fé nisso. Acreditava que ele ouvia, sim; que era só artimanha dele, pra poder

fazer o que ele quer. Se ele descobriu que se ele ignorar vai dar certo, ele vai ignorar, pra

fazer sempre o que ele quer. Aí, ele foi vendo que não funcionava muito comigo, porque eu

insistia, insistia muito. Persistia bastante, tentava de tudo pra me comunicar com ele e ele

entender aquilo. E, aí, foi que agora ele entende normal, senta no lugar dele; levanta pra dar

uma voltinha, eu chamo, ele se senta, ele faz tudo.

P: Você fica com o T das 8 às 10. Ele anda, ele usa fralda?

E: Usa fralda.

P: Você precisa trocar a fralda dele?

E: Sim.

P: Ele se alimenta sozinho?

E: Precisa de incentivo pra se alimentar.

P: E o que você faz com ele nessas duas horas? Fica com ele na sala?

E: Fico com ele, porque ele se dispersa também, tem esse problema: então, tem que

direcionar, queira ou não. É muito importante o papel de um AIE, porque, com o T, por

exemplo, que é uma criança difícil de se comunicar, eu aprendi muita coisa. Não sei nem te

explicar, como eu sei isso dele hoje, mas de eu ver o T tomando uma atitude, eu já sei o que

ele está querendo, o que ele quer fazer. Um dia, ele pegou na mão da prô e puxou ela assim e

ela resistiu. Foi no parque. Ele queria ir pra outra área, que não pode. Eu estava longe e foi

automático em mim. Eu vi que ela resistiu e ele começou a se estressar, deu um grito, se jogou

no chão. E falei: ―não, prô, ele quer dar uma volta na quadra com você; vai dar uma volta na

quadra e, depois, ele vai te soltar‖. E foi instintivo, eu falei e ela fez: deram uma volta na

quadra, ele soltou e saiu correndo. Era isso. Eu vi uma vez e já sabia que era isso que ele

queria. Ele tem umas coisas estereotipadas e você tem que ir aprendendo tudo, pra que você

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possa ajudá-lo, para que ele se adapte à rotina escolar. Então, na entrada, uma coisa que

demorei, ele chegava e dava problema na entrada. Eu queria levar para o café e ele resistia: se

jogava no chão, tentava entrar na sala de recursos... Todo dia, ele ia pra sala de recursos, eu

bloqueava a entrada dele. Aí, eu ia ver passavam 15, 20 minutos e ele não tinha levantado pra

ir para o café. De tanto eu observar e tentar conhecer as vontades dele, fui encontrando

alternativas pro trabalho dar certo com ele, na escola. Eu consegui entrar no mundo dele. No

dia que eu deixei entrar na sala de recursos foi que mudou tudo de fato: ele pega um

brinquedinho e sai. Ele tenta ir pro parque, se eu for bloquear, ele se joga no chão. Então, fui

aprendendo algumas técnicas, solto e deixo um tempinho pra ele esquecer; na hora que ele se

levanta, tento incentivar...

P: É você e ele? Sozinhos? Você faz a entrada...

E: Faço entrada, tento colocar na fila, na frente da prô dele, mas a prô dele não

enxerga isso. Tento falar pra ela, pra ela ficar com ele, mas ela não enxerga. Ele não fica com

a prô. Me aconselharam o que ir fazendo em alguns momentos, pra ele ficar com ela. Tipo,

falo pra ela: - ―Vou sair pra escovar os dentes‖. Aí, saio, tomo um café, pra tentar que ela

fique com ele (risos). Mas isso demora 10 minutos. Dentro de 2 horas? Nos primeiros dias, eu

não poderia fazer isso. Foi só depois, que eu construí isso, dele ficar sentado no lugar dele. Às

vezes, saio da sala, volto e ele ainda está sentado.

P: Com quem é o vínculo do T na escola?

E: O vínculo dele sou eu. De fato.

P: O T vai embora as 10 e aí...

E: Entra o D. Mas, tem dia que o T. vai embora às 10h30min. Antes, ia só as 10h. Eu

vi que ele ficava com fome, procurava algo pra comer e falei com a escola, com a família e

com a PAEI, para ele fazer o almoço. Então, ele faz o almoço e vai embora 10h15min,

10h20min. E o D entra 10h. E fica sozinho com a professora. Ficava, né, porque agora tem o

outro AIE.

P: Vocês são dois AIEs, na escola?

E: Sim, é recente, têm umas três semanas.

P: E você, então, é o parceiro mais experiente, que o orienta?

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E: É, porque ele não tinha experiência nessa área. Então, é bem diferente meu trabalho

do dele. Mas, eu entendo, entendo bastante. Tento entender o lado das pessoas, porque não

adianta cobrar, se a pessoa não sabe.

P: Vocês dividiram a demanda, quando o outro AIE chegou?

E: Mais ou menos.

P: E você fica com o D das 10 até as 12?

E: Isso. E o T, tem dia que fica na educação física. Tem um dia na semana que ele fica

até 11h30min. Quando não tinha o AIE, o D ficava só com a professora, até esse horário. O T.

fica comigo até ir embora.

P: Quem estipulou esse horário?

E: Quando eu entrei, já estava estipulada a vaga pra escola pra esse horário.

P: Desculpe, eu quis dizer o horário da rotina de trabalho com os alunos.

E: Foi a PAEI que me passou. Já estava isso pronto, os alunos já estavam na escola.

P: Com o D você fica na sala?

E: Sim, o tempo todo sentado ao lado dele.

P: E o que você faz com o D?

E: Praticamente, a mesma coisa que eu faço com o T: fico apresentando as atividades,

ou pego o livro pra gente ver. São muitas coisas que eu tenho que desenvolver.

P: Para eu entender melhor: esses alunos tem um horário que é estipulado com a

PAEI. E esses meninos têm atividades típicas da vida escolar?

E: Mais ou menos.

P: As pessoas vão pra escola pra aprender...

E: É... O alfabeto, português, matemática...

P: Essas atividades que você faz com eles, quem planeja?

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E: Têm algumas atividades que a PAEI estipula: ela traz para a gente confeccionar e a

gente confecciona. Mas, como eu falei: o fato de não ser uma PAEI exclusiva, não ser tão

presente, ela ter tantas crianças, muitas atividades que elas colocam ali pra gente confeccionar

e aplicar com eles não atingem as capacidades deles, hoje. Algumas atividades são

confeccionadas pela PAEI; as professoras desses dois casos que a gente falou até agora, elas

não apresentam nada. Elas não trazem nada que elas viram que é pra trabalhar com um

autista... Isso nunca. Isso não acontece. Elas sentarem comigo e falar ―olha, o que dá pra gente

fazer com ele, de acordo com as capacidades dele, você que está mais do lado dele, o que a

gente poderia fazer e tal‖. Fazer uma pesquisa sobre o que ela poderia trabalhar... Isso não

acontece. O que vai acontecendo mesmo é improvisando no dia a dia. Tem as atividades que a

PAEI traz, mas muitas delas não atingem as capacidades deles. Então, eles não dão atenção,

não conseguem realizar as atividades e, aí, a gente vai improvisando, porque não dá pra ficar

mostrando todos os dias as atividades que eles não conseguem fazer. Não dá! Não dá!

P: Me dá um exemplo do que você traz.

E: Por exemplo, com o D, eu corri atrás. Um professor me disse de uma coisa que ele

já viu com criança que tem paralisia cerebral: é a dificuldade motora delas. Elas têm

dificuldade de pegar em um lápis pra escrever e praticar um pouco esse negócio do registro.

Ele falou pra pegar o lápis e engrossar com E.V.A. pra poder ter mais firmeza. Eu fiz e fico

praticando com ele. Demorou pra ele pegar no lápis; ele só rasgava as coisas e eu tive que

trabalhar o lado físico também.

P: Foi um professor da escola que te ensinou isso?

E: É, um professor coordenador do Mais Educação. Ele já foi professor da escola e

agora fica lá, no contra turno.

P: Você almoça do meio-dia à uma e volta pela tarde com quem?

E: Volto com o P. das 13h às 15h convencionalmente; e tem os dias que ele fica até

15h30. Meia hora eu fico com ele na educação física e meia hora eu não fico, porque a L

chega e o outro AIE fica com o P. na educação física.

P: E em sala com o P.?

E: Ele não está mais de fralda: ele pede para ir ao banheiro. Com ele assim... Ele tem e

não tem. Ele tem muita capacidade, mas é o caso mais grave, porque ele tem três deficiências:

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paralisia cerebral, autismo e deficiência intelectual. É um caso grave, tem o problema de

convulsionar também, de vez em quando. Tem que trabalhar tudo isso. Professor de educação

física, assim que eu entrei, falou que quando ele está muito feliz, ele convulsiona. Então, tem

que trabalhar o emocional dele, também. Ele é hiperativo, tem esse problema no sistema

nervoso, é muito inquieto. Demais, demais! Então, o trabalho também é acalmar ele. Aí, trago

um pouco das minhas habilidades pessoais, toco violão e gosto de tocar violão pra ele, pra ele

acalmar. Não toco dentro da sala, porque as outras crianças estão vendo outras coisas, estão

preparando o material, a sala não está em silêncio. É um terceiro ano, pra ele prestar atenção

na música, fica mais difícil... Vou na sala que tem os violões e sento e toco um pouquinho de

violão pra acalmar ele. Ele entende e ponho a hora que começa e a hora que termina e falo

que acabou. Fico ali até ele entender a hora que acabou, pra ele acompanhar as comandas,

incentivando pra tranquilizar. Chego na sala, trabalho um pouco com massinha pra

tranquilizar. E a professora dele traz atividades pra ele, que ela pesquisa, que ela quer fazer,

ela é bem dedicada. Mas, às vezes, sinto nela que ela não dá conta por falta de assistência

também, porque ela tem outras crianças e tem que dar assistência, também. Preparar o

conteúdo. Ela tem outras crianças que estão se alfabetizando e ela tem que conhecer cada

criança, pra trabalhar o melhor de cada uma. Ela faz grupinhos com os que sabem ler e não

sabem ler. Ela direciona a sala, pra que todos possam ler e escrever. E, fica sobrecarregado,

por causa do P, com o fato de cada caso de criança especial ser uma novidade. Então, ela

encontra em mim a parceria de tranquilizar ele. Eu não chego lá e simplesmente o coloco na

sala.

P: Quando você está em sala com eles, onde você fica?

E: Ao lado deles. Sempre ao lado deles. O T., eu só ficava do lado até ele aprender a

sentar. Eu tento deixar que eles fiquem mais independentes. Eu vivo falando que o que eu

queria que acontecesse, por exemplo, o T., eu gosto muito dele. Mas, o melhor pra ele é que

chegue ao ponto dele fazer tudo sozinho, de poder chegar na escola, ficar na fila esperando.

Quando entrei na escola, ele só corria. Eu ficava olhando pra ele não se machucar. Com meu

jeito, eu fui ensinando a entrar no refeitório, fui trabalhando música; ele sentava e não comia,

eu fui dando na boca dele, fui trabalhando, depois, dele pegar na colher; as mães me vêem

como parceiro, vão me direcionando, pesquiso com elas; o T., antes, não guardava nada. Fui

combinando algumas coisas com a mãe, de ensinar ele a guardar: eu fazia na escola e ela fazia

em casa. Pegar uma caixa pequena, com poucas coisas, pra ele não se cansar e insistir pra ele

guardar tudo.

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P: De onde você tirou essa ideia?

E: Da sala mesmo. De ver que ele dava conta de guardar. Essa ideia foi minha. De um

leve conflito que a gente teve na sala. Não entre eu e o T. ... Na verdade, um dia, ele fez uma

bagunça na sala e eu não vi. Aí, a professora, no outro dia, veio reclamar da bagunça dele, que

ela teve que guardar. Na hora, eu fiquei impaciente e falei que ele estava na escola e que era

responsabilidade dela e minha tudo que ele fizesse. Se eu deixar de guardar algum dia, falei

que era responsabilidade dela também guardar. Ela disse que quando for assim, eu devo

insistir pra ele guardar. Falei: -―claro, vou insistir, mas você tem que insistir junto comigo‖.

Nesse dia, deixei que ele desse a causadinha dele e falei: ―professora, não estou conseguindo

fazer com que ele guarde; você pode me ajudar?‖ Nesse dia, ela ajudou. Foi a primeira vez

que colocou a mão na massa. Sentei do lado dela, para insistir com ele, porque dois é melhor

do que um, com certeza. A gente conseguiu fazer guardar. Aí, também falei isso pra mãe: para

ela também fazer isso.

P: Ok. E depois que o P. vai embora?

E: Vem a L que, antes do recesso escolar, entrava às 15 horas. Aí, a mãe pediu muito

pra ampliar o horário da L, muito. Ela entra às 14h30min.

P: Por que eles têm esse horário reduzido na escola?

E: Um motivo é, de fato, porque a escola não sabe lidar com eles. Eles ficam pouco

tempo. Se a escola soubesse lidar com eles, ficariam mais tempo. A L fica meia hora com o

outro AIE. Antes, ela ficava com a professora essa meia hora sozinha. É um caso a parte,

porque também me apeguei muito a ela e faço coisas totalmente fora do meu edital (risos).

Levo todo dia para andar, coloco aquelas talas, tiro da cadeira, ela desenvolveu muito. Com o

D, eu também faço um pouco disso. As crianças, dentro da escola, elas têm educação física:

elas correm, elas brincam e isso ajuda no desenvolvimento. Tem também a N., que a gente

reveza com ela. Ela tem um negócio que calcificou todas as juntas do corpo, ombro, cotovelo,

mãos... Tem tumores na boca, no rosto, a deficiência é só física. Só ajudo a transferir da

cadeira de rodas pra cadeira que fica na aula, levo pro refeitório, trago de volta etc. Só

transporte e dar comida. Ela usa um garfinho, pra ter mais acessibilidade. Tem a parte da

higiene, que também teria que ser meu papel, como estava no edital. Ela tem 12 anos e está

em uma sala de crianças de nove anos. Onde ela morava antes não tinha acessibilidade para

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ela ir pra escola. Como ela já está na puberdade, queira ou não, ela não quer que nenhum

homem a leve para o banheiro. Então, quem leva é a professora.

P: E a professora faz isso tranquilamente?

E: Mais ou menos. Ela nunca se negou: ela sabe entender que é uma necessidade da

aluna.

P: Como é para você estar em um ambiente predominantemente feminino? É tranquilo

para quem está lá?

E: Você diz isso para as crianças ou para os adultos?

P: Para todos, adultos e crianças.

E: É uma novidade. Desde quando eu entrei como ADI, já foi uma novidade,

principalmente na época de berçário, quando as mães viram que era um homem que iria

trocar. Não dava para eu ficar distinguindo quem é homem ou mulher, para eu trocar. Dava

banho e trocava fraldas de meninos e meninas. Então, já fui sentindo isso quando fui ADI e,

como AIE, também não foi tão drástico, pelo fato de não ter muitas meninas. Mas no caso da

L, por exemplo, que a mãe trabalha na escola, quando ela faz as necessidades dela é a mãe

quem a troca. Abandona o cargo e vai trocar.

P: É a mãe que prefere?

E: Sim, ela não quer que um homem troque. Tem uma criança, que eu fiquei sabendo

que ela iria estudar lá na escola - ela tem paralisia cerebral - e a mãe não quis, porque ficou

sabendo que era um homem. Deixou de por na escola antes, porque o AIE também era um

homem. Ganhou a vaga na escola X e desistiu, porque era um homem que estava trabalhando

lá.

P: Tem algo que você faz lá, que não seria da sua função?

E: Sim, tem muitas coisas. Das coisas que eu faço por vontade própria, incentivar as

crianças com paralisia cerebral na parte física, de andar, o D, que já consegue andar, sempre

trabalhei isso com ele, mas isso é do meu lado pessoal, eu que quero fazer, é da minha

vontade. Por as talas na L é da minha vontade. O lado da música com o P., para tranquilizar, é

da minha vontade também; é o que eu quero fazer com eles. Coisas que os professores não

entendem eu fazer, que não é que eu não queira fazer: é para os professores fazerem, mas eu é

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que faço. Como procurar e aplicar atividades. Eles não pedem para eu os ajudarem a aplicar;

eles querem que eu aplique a atividade. Não tem muito essa parceria de o professor também

aplicar a atividade: eles precisam do AIE. Por exemplo, acontece, com o P, do professor dele

querer trabalhar com guache. Se deixar, ele vai pegar o pote de tinta e virar na mesa, passar a

mão ali e passar a mão em todo mundo. Então, eu ajudo a professora a deixar os materiais

longes; se ele ficar muito agitado, tranquilizo um pouquinho. Com essa professora, eu faço

isso. Infelizmente, com as outras, não faço. Ou passar a mesma atividade que está passando

para os outros alunos, que, na minha opinião, não é nem um pouco efetivo para uma criança

que não pega nada na mão, que tudo que pega, joga pra longe. De vez em quando, pegar na

mão dela pra fazer rabisco, pra incentivar o registro, mas só fica nisso, que é o que as outras

crianças fazem e não o que ela faz, se fosse trabalhar para que tivesse um resultado... Mas é

algo deixado de lado. Além de eu estar fazendo algo que não era para estar fazendo, que sou

eu a aplicar as atividades, que eu deveria auxiliar para aplicar, não está sendo olhado para as

capacidades dele, essas atividades.

P: Você tem contato com outros AIE, além do que trabalha com você?

E: Tenho contato com alguns no horário de almoço, no restaurante da prefeitura, mas é

mais quando tem formação que temos contato. É fora do horário de trabalho, o horário de

almoço. De vez em quando, a gente senta junto; de vez em quando, almoço com o pessoal da

escola. Queira ou não, somos do mesmo cargo, temos muito pra conversar, de experiência pra

trocar.

P: Quais são as dificuldades e quais são as facilidades de ser AIE?

E: Para mim, a facilidade é estar só com uma criança, seja para aplicar uma atividade,

seja para conter. Eles também não vão colocar dois autistas na mesma sala, né? Vão procurar

colocar em outra sala, em outro horário. Mas, a todo o momento, como AIE, você está só com

ela. É uma facilidade, para você se aplicar bem.

P: Atenção individual?

E: Isso, exatamente. Me dedico só para ela, toda a atenção. E, a dificuldade é o que te

falei: é um cargo que as pessoas não conhecem bem. As pessoas não sabem o que o AIE tem

que fazer.

P: Que pessoas?

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E: Muitos professores; às vezes, o pessoal da escola: por exemplo, tive um problema

com a saída do D. Eu sempre saía depois do meu horário e pedi para uma pessoa da secretaria

ficar com ele, para eu ir almoçar, a perua estava atrasada. Aí, a pessoa disse que não dava pra

ficar com ele, porque tinha mais criança ali. Olhei, tinham 15 crianças, correndo pra lá e pra

cá, se batendo, se jogando no chão, fazendo bagunça e o menino de cadeira de rodas que

travou a cadeira, já era. Então, qual é a dificuldade de olhar essa criança? Até com o pessoal

da diretoria...

P: Então, ao olhar da escola, esses alunos são seus?

E: Tudo meu (risos). Tudo filho (risos)... Esse lado é difícil, de não ter uma

compreensão, de (que são) como qualquer outro aluno e de que devem ser seguidas as normas

da escola. Como qualquer outro aluno, deveriam respeitar mais.

P: O que é mais importante para o seu trabalho?

E: O olhar. Você está sempre olhando pra pessoa deficiente como, por exemplo, no

caso do T.; todas as crianças da escola têm duas aulas de educação física, na semana. A turma

dele tinha uma aula quando ele estava na escola e, no outro dia, quando ele não estava na

escola. Mesmo eu estando ali perto, demorou um pouco pra isso chegar aos meus olhos.

Queira ou não, tem aquela rotina louca: dava 10 horas, eu deixava o T. pra pegar o D e nem

via onde a sala do T estava, naquele momento. Eu não estava ligado que ele teria educação

física. A partir do momento que caiu a ficha, que eu vi a sala dele, perguntei pra professora,

começamos a conversar e fomos tentar mudar isso com a direção, aqui e ali, pedimos pra

trocar o horário, pra estender o horário dele. Demorou semanas para organizar, por causa da

outra professora que não trocava o horário. Ela manteve o horário. A direção abriu mão.

Tivemos outra conversa para, então, ampliar o horário dele e acabou que ele ganhou esse

horário. Se não tivesse alguém ali, olhando por ele, ele não receberia isso, que é importante.

P: E o que é menos importante?

E: Boa pergunta (risos). Dentro do profissional, eu não sei te dizer. Tem, no meu lado

pessoal, de eu não encarar só aquilo que me foi atribuído, dentro do que faço, de não ficar só

olhando o mínimo.

P: Como seria na escola, se você não estivesse lá?

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E: Primeiro de tudo, seria uma loucura e os direitos deles deixariam de ser vistos,

como já aconteceu um dia, de eu ter avisado que eu estava ruim. Eu briguei muito para ele ter

outra educação física, mas precisei faltar. Avisei todos, a mãe, mandei mensagem e avisei na

escola. Quando a mãe chegou, a professora avisou que ele não poderia ficar com ele, que era

difícil, pediu pra buscar 10 horas por causa da refeição e ele perdeu a educação física também.

Um dia que eu faltei, ele perdeu o direito dele.

P: Como é seu relacionamento com as famílias dos alunos?

E: É um bom relacionamento. Eles vêem como eu trato os filhos deles. Vejo gratidão

da parte deles e, a partir daí, conquisto a parceria.

P: Com a PAEI, como é o relacionamento?

E: Não tenho nenhum problema; tenho uma relação até que, como dizer, não é estável

a palavra que quero usar... É normal. Não temos problemas, mas eu sinto a distância... Repito

muito: o ideal é que ela estivesse na escola. Agora mesmo, que tem dois AIEs na escola, dava

pra ampliar tranquilamente os horários de muitos alunos. Você perguntou por que ficavam

esse tempo. Porque a escola não está preparada, porque, de verdade, dá pra ficarem. Aí,

dizem: - ―ah, isso tem que ser falado com a PAEI‖. Mas, é tão difícil ela estar na escola e, pra

resolver o assunto de ampliar o horário, a PAEI falou que tem que fazer reunião com o trio da

diretoria. Já é difícil estar a PAEI... Já é difícil estar o trio da diretoria (risos). Como vou

fazer? Esperar um milagre? (risos)

P: O outro AIE da escola tem o mesmo número de alunos atendidos?

E: Agora estamos nos revezando, porque eu não quis: - ―olha, você fica com tal aluno

e eu com tal aluno‖. Eu não queria deixar de ficar com esses alunos. A meu ver, ter outro AIE

seria pra ampliar possibilidades de ampliar os horários dos alunos, de fazer um trabalho mais

efetivo com as crianças.

P: Tem outras crianças com deficiência na escola?

E: Tem deficientes intelectuais, tem deficiente auditivo, tem um autista leve, mas eles

não precisam de AIE: a professora leva muito bem.

P: Com dois AIEs, então, abre possibilidade de trabalho. As outras professoras pedem

ajuda?

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E: Não pedem. Tinha uma aluna, que era atendida na sala de recursos, mas era de

outra escola.

P: Relacionamento com as professoras?

E: Difícil ter caso de conflito com professoras. De vez em quando, eu perco a

paciência e fico tentando colocar ideias nas cabeças delas. Nesse dia, por exemplo, da

bagunça do T., eu fico nervoso, mas é por dentro, ninguém enxerga. Com palavras, eu tento

explicar. Nesse dia, ela colocou o lado dela de fora, como se o aluno não fosse dela e eu fiquei

nervoso. Falei que o aluno era dela. Elas levam a mal a ideia de alguém apontar o que não é

certo, é um pouco de orgulho da parte delas, elas ficam chateadas de alguém que não é

professor. Tentam passar a responsabilidade pra mim.

P: Tem uma relação de poder nisso?

E: Um pouco. Não em todos os casos. O dia que o T. perdeu a educação física, ela

alegou que não tinha condições de ficar com ele, que tem que ficar com outras crianças. Mas,

ela não fica com as outras crianças. Ela fica conversando com a outra professora. Acredito

que elas se imaginam em um patamar, se imaginam, né? Porque é só imaginação delas. E

enxergam, a princípio, a criança deficiente como um problema para elas, vamos dizer assim.

E enxergam o AIE como aquele que vai resolver o problema, que não é da alçada delas

resolver. Ela só vai mandar resolver; tipo: veio reclamar pra eu arrumar a bagunça dele. Ela

também pode fazer isso. Tem, então, esse lado de poder, mas é da cabeça delas, porque isso

não existe.

P: Relação com equipe gestora?

E: Tranquila. Não tenho do que reclamar, graças a Deus. Ouvi relatos, por aí, que me

fizeram ficar feliz. Toda vez que vou solicitar, atendem. E, também, procuro entender que tem

coisa que leva maior tempo.

P: Você me falou já do relacionamento com outros AIEs. E você me falou do que você

faz. E o que deveria fazer um AIE? Você me falou do edital. E se você pudesse fazer um

edital, se você fosse o coordenador dos AIEs... O que um AIE teria que fazer?

E: Pra colocar na realidade, teria que ter um trabalho por fora ali, a conscientização da

escola, para que desse certo esse trabalho. Teria que estar todo mundo ciente das obrigações

com as pessoas deficientes. Acredito que o AIE, o que ele deveria fazer na escola, é ter o

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olhar mesmo, estar ali para o que precisar. Por exemplo, uma questão que eu discordo um

pouco são os horários reduzidos. A sala do D entra às 7 horas. Ele fica em uma cadeira de

rodas, ele não vai passar fome, não estará sozinho em nenhum momento, dezenas de crianças

na sala dele, vai ter a professora ali, do lado dele, o tempo inteiro. E, ao mesmo tempo, o T.

entra às 8 horas e poderia ficar até o meio-dia. Se fosse trabalhado isso de verdade, se a

professora tivesse a responsabilidade de ficar com o aluno cadeirante às 7 horas da manhã, o

AIE faria só o necessário.

P: E o que é necessário?

E: Para o T. seria contenção, evitar que ele fuja, que saia da rotinha da escola, do que é

apresentado para ele, aplicar atividades com o T., aplicar atividades com o P. Como eu falei,

como eles são muito hiperativos, não tem foco, realmente seria bom se pessoas auxiliassem

aquela atividade a acontecer. Seria isso mesmo: auxiliar a realizar. Mas, as crianças poderiam

ficar o tempo todo na escola e o AIE não precisaria ficar o tempo inteiro do lado das crianças.

P: O necessário, então, é estar, mas não estar o tempo todo? Pelo que você está me

falando é contenção...

E: No autista, é contenção, é aplicação de atividades; no caso do cadeirante, é

mobilidade, higiene, alimentação, é o que realmente eles precisam. A gente pode fazer. O

cargo de AIE é um cargo para quem tem o ensino médio, não é um cargo para ensino

superior, como um professor, que o trabalho é ensinar, passar aqueles ensinamentos. Então,

não tem essa história da gente passar, a gente é um cuidador mesmo. Existe esse cargo de

cuidador por aí. De idosos ou de pessoas deficientes. Realmente, o que o AIE faz é:

mobilidade, alimentação, higiene, contenção, auxiliar a aplicar atividades, mas não precisa o

tempo inteiro ficar do lado, como no caso do D, por exemplo, que tem paralisia cerebral. Ele

tem a mesinha dele, a cadeira dele para estar fazendo atividades, a escola está oferecendo

alimentações ao longo do dia. Então, qual é o problema dele ficar o horário inteiro na escola?

A professora passa atividades para os outros alunos; ele não atrapalha a aula; não fica

levantando; tem toda a possibilidade de estar dentro da sala de aula, sem ter alguém pra

auxiliar para que a aula não seja interrompida. É um aluno que pode ficar ali, tranquilo. Na

hora da atividade, se for necessário eu comparecer, na hora de fazer a higiene, sim, é

obrigação do AIE. De fato, é isso.

P: Quais suas expectativas?

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E: Expectativa é que a conscientização atinja todo mundo, ali. De verdade. Todos eles.

P: E pra você? Expectativas para você?

E: Difícil, hein? É uma fase na minha vida de muitas novidades. Esse trabalho entrou

muito forte na minha vida. Então, muitas expectativas que tenho, estou me doando tanto para

esse trabalho, que acaba sendo de trabalho. É essa que atinja a real necessidade dessas pessoas

deficientes. Se a escola inteira souber disso... Outro dia, estava o T sentado no lugar dele, a

PAEI atrás dele e a professora atrás dele. E, aí, eu ensinando o T a sentar no lugar dele, no

refeitório. Simplesmente ele levantou, passou no meio das duas correndo. E eu: - ―caramba,

meu Deus, elas estão ali, porque ninguém segurou ele?‖. E, em outro dia, ele levantou, olhou

pra mim, porque ele é espertinho, esperou eu levantar pra jogar o resto de comida no lixo e

tentou correr. Pensou que estava livre. Aí, a merendeira o parou no meio do caminho. A

merendeira tem essa conscientização, que ele não pode correr. Por que a professora não pode

ter a mesma conscientização? É que a escola inteira esteja consciente, que o papel é de todo

mundo. Quando uma criança que não é deficiente põe muita comida no prato, a merendeira

também pergunta se a criança vai comer tudo aquilo. Então, ela segura o T, quando ele vai

correr. Os professores já que atendem a todos os alunos, tem que atendê-lo também. E os

outros alunos deficientes.

P: Como você se avalia em relação ao seu trabalho?

E: Difícil. É um trabalho que chegou muito forte na minha vida, porque trabalha coisas

que eu sempre quis trabalhar, mas, que agora, que eu estou tendo a oportunidade de trabalhar

isso, melhor. Por exemplo, o P, mesmo. Queira ou não, trabalhar com o P é trabalhar a sua

própria paciência. Não adianta querer levantar o aluno toda vez que ele se jogar no chão. Tem

que convencer com palavras, incentivar a levantar. E eu estou mais paciente. Sei que se eu

levantar, eu estou me atrapalhando lá na frente, porque ele irá acostumar. Tem coisas que

ainda preciso melhorar muito, mas dentro do pessoal.

P: Como você pode melhorar isso?

E: Buscando formações, estar de olhos abertos na vida, olhando pra tudo. Eu não

consigo, eu tento, mas não sou cem por cento. Eu acho que é isso que eles precisam. Mas isso

ninguém consegue. Ninguém é perfeito. Então, não dá pra falar dez, por mais que se dedica.

Não dá pra ser nove, porque tem muito a melhorar. Acho que seria oito, oito e meio. Eu

preciso me formar. Aprender a falar Libras, pelo menos. Na minha opinião, uma boa PAEI

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tem que estar envolvida nesse negócio, tem que falar Libras, pelo menos. Quando você

domina uma coisa, você tem segurança pra fazer. É o que está faltando pra mim. Perdi muito

tempo, entrando em conflito com o T porque eu não sabia como era o autista, como era entrar

no mundo dele. Bati de frente. Mereço um oito.

P: O que as pessoas que você convive fora da escola pensam e falam acerca do seu

trabalho?

E: Minha ex-namorada é uma pessoa um pouco desestabilizada, infelizmente. Quando

eu consegui esse emprego, eu fiz a prova do concurso antes de conhecê-la. Quando aconteceu

de me chamarem, ela não curtiu; não é inveja: são ciúmes, mas o fato de arrumar um emprego

bom, que paga bem, trabalhar de segunda à sexta, com convênio médico, com férias e tal...

P: Então é um bom emprego?

E: Sim! Tem vantagens demais. Salário é bom, graças a Deus. Para um cargo de

ensino médio, no Brasil, está acima da média. Converso com pessoas mais velhas que eu e

que têm ensino médio, eles estão desempregados. Ficam procurando emprego que o salário é

metade do meu salário, às vezes. Eu estou tendo uma grande oportunidade. É um cargo muito

bom. Minha mãe acha legal. Minha ex-namorada, um dia, eu estava doente e ela foi à escola e

viu que era só mulher que trabalhava lá. Ela ficou doida. Não gostou e tivemos vários

desentendimentos. Não deu mais e a gente se separou.

P: Por causa do trabalho?

E: Não foi por causa do trabalho, mas foi um dos motivos. Tenho minhas folgas de

final de semana e ela trabalhava de final de semana. Eu queria curtir, sair e ela brigava. Era só

andar de skate, ensaiar com o pessoal, parar em uma praça e fazer uma música mesmo. O meu

pai, o que me deixou muito triste quando eu era ADI, ele não sabia muito as coisas que eu

fazia. Eu estava muito desmotivado, por causa do preconceito de homem na área de educação

e ele ficou sabendo como era o meu cargo. Eu fui conversar com ele e ele era mais

preconceituoso, eu fiquei sabendo. Ele falou: - ―é sério que você troca criança, dá banho em

criança? Não quero meu filho trabalhando nisso e tal‖. Eu sei que é essa forma que ele olha

para essas coisas. Eu sei que eu sendo AIE ele tem a mesma visão. Mas, não tenho contato

com ele. E minha mãe é um pouco a parte, a gente conversa e ela não demonstra tanto

interesse, mas ela acha legal. Ela não tem o interesse de querer conhecer, ela nem sabe o

nome das crianças que eu trabalho, nem sabe a deficiência que têm. Minha namorada gostava,

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queria ver fotos, se caso tivesse dado certo e a gente tivesse casado, ela iria dar um apoio, ela

achava legal. As pessoas da rua, os amigos, para todo mundo que eu falo com o que eu

trabalho, eu sempre escuto a mesma coisa: - ―caramba, que legal, você trabalha com isso e

isso é muito lindo‖. É uma gratidão que ajuda a querer permanecer nesse trabalho.

P: Acho que, por enquanto, é isso. Das perguntas que eu queria fazer, acho que eu fiz

todas. Tem mais algo que você gostaria de falar?

E: Acho que não... Só isso, mesmo, que a gente conversou até agora. Espero que

ajude. Por exemplo, meu primo teve uma deficiência, ficou sem a perna por causa de um

acidente, quando era criança. Ele fez faculdade, casou, tem filho. Foi difícil conseguir uma

prótese. Uma coisa que mudou minha visão nas formações, muita coisa foi apresentada e, um

dia, a gente foi no Memorial da Pessoa com Deficiência...

P: Quem foi?

E: Os AIEs. Aí, eu fiquei sabendo que tem um movimento das pessoas com

deficiência. Achei muito interessante as próprias pessoas com deficiência correndo atrás de

seus direitos. É uma coisa que tem que ser muito vista. Qualquer deficiência que o ser

humano apresenta já dificulta muito a vida dele. Quando eu mesmo rompi os ligamentos da

perna e tive que ficar de muleta, eu nunca peguei tanto ônibus na minha vida, porque eu

estava acostumado a andar de skate... A demora pra subir uma rua, uma dor no braço... E eu

não estava nem sem uma perna, só estava machucado. Imagina uma pessoa sem se mover,

sem poder falar... É muito difícil. Gostaria muito que isso acontecesse: de ser muito mais

olhado para as necessidades das pessoas com deficiência. É uma coisa que eu não sabia, mas

faz parte do nosso mundo e a gente precisa, todo mundo, não só as pessoas que fazem parte da

área da educação, mas as pessoas dentro de empresa... Antes, não tinham tanta pessoa com

deficiência dentro da escola. Era só isso que eu gostaria de falar, que fosse visto. O que a vida

me ensinou com esse trabalho é que tenho essa missão aqui na Terra, com esse trabalho com

pessoa com deficiência. A gente, que não tem nenhuma deficiência, tem que ajudar, queira ou

não. Amanhã pode ser a gente, também. E a vida vai ser muito mais fácil, se todo mundo tiver

essa consciência.

P: É isso?

E: É isso!

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P: Muito obrigada!

E: De nada! Tomara que ajude.

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APÊNDICE H – Quadro de pré-indicadores, indicadores e núcleos de significação

Pré-indicadores Indicadores

NÚCLEO 1: Trajetória pessoal - “O que a vida me ensinou com esse trabalho é que

tenho essa missão aqui na Terra, com esse trabalho com pessoa com deficiência”

Eu cresci em um lugar que não era muito estruturado.

Vida pessoal

Era muita pobreza [...]

Como meu pai não estava em casa, eu como filho mais velho,

tinha muita responsabilidade.

Sempre cuidei da minha irmã, da casa.

Hoje eu tenho uma banda que eu toco bateria.

[...] fiquei dois anos batendo cabeça, para ver o que eu iria fazer

da minha vida.

[...] sem emprego nenhum, não arrumava, estava bem difícil,

chegou a carta do concurso.

Tudo que tinha que acontecer aconteceu na hora certa.

Sempre cuidei da minha irmã, da casa. Me preparando um pouco

para os trabalhos que viriam mais pra frente.

A entrada na vida

profissional

As pessoas falam que homem não consegue fazer mais de uma

coisa ao mesmo tempo.

Isso é papel do ser humano. O pai faz isso. Eu sou filho e tenho

filmagens do meu pai fazendo isso comigo. Então, é uma coisa do

ser humano. O pai também dá banho, troca fralda, dá comida. Só

que muito homem deixa de lado essas obrigações. Alguns jogam

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a responsabilidade pra mulher. Eu sou um pouco mais

democrático, como falam.

Eu sou um pouco mais democrático, como falam.

Minha ex-namorada, um dia, eu estava doente e ela foi à escola e

viu que era só mulher que trabalhava lá. Ela ficou doida.

[...] eu estava passando por uma fase difícil na minha vida. É que

eu tenho bastante fé.

Escolha e

permanência na

profissão guiadas

pela fé

Acredito muito nos planos de Deus.

Falavam pra ter fé, que iriam me chamar

Conheço um cara que estava desenganado e com fé superou. Isso

me marcou bastante.

O que a vida me ensinou com esse trabalho é que tenho essa

missão aqui na Terra, com esse trabalho com pessoa com

deficiência.

Porque até na religião é importante estar aprendendo. Então, é

uma coisa que está me ajudando como pessoa.

Também tentei entrar na faculdade de música.

Trajetória de

estudos

Aí eu comecei a fazer duas faculdades: uma de sistemas de

informação e uma de pedagogia.

[...] fui aprovado, não consegui por causa de dinheiro [...]

Fiquei um ano e oito meses.

Saí porque na Faculdade Z o curso era novo, os professores eram

muito ruins.

Aí entrou um professor ruim. Me desmotivou.

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Na sequência eu prestei música, passei mas não consegui fazer.

Entrei como ADI e no ano seguinte comecei a faculdade de

pedagogia. Fiz um semestre e meio.

[...] mas estou pensando em voltar hoje em dia. Mas já estou com

novas visões também. Esse cargo de AIE ampliou um pouco.

Estou pensando em fazer fisioterapia ou outro que envolva

pessoas deficientes.

NÚCLEO 2: Atuação profissional – “No autista, é contenção, é aplicação de

atividades; no caso do cadeirante, é mobilidade, higiene, alimentação, é o que

realmente eles precisam”

[...] eu comecei a namorar uma menina e os pais dela eram muito

envolvidos com esse negócio de concursos. E eles foram me

incentivando a fazer concursos [...]

Percurso

profissional

Entrei como ADI mas já estou com novas visões também. Esse

cargo de AIE ampliou um pouco.

Eu saí trabalhando com cargos de ensino médio mesmo.

Vendedor, telemarketing.

Eu entrei nesse trabalho e gostei muito, me identifiquei pra

caramba quando entrei na creche.

Aí eu prestei o concurso para agente de desenvolvimento infantil

e também esse para agente de inclusão escolar.

No de ADI eu passei em uma classificação boa, dentro do que

eles precisavam para início imediato [...]

[...] o de AIE eram sessenta e poucas vagas e eu peguei a

classificação cento e setenta e pouco.

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Difícil arrumar um emprego que desse condição boa [...]

Um dia chegou a carta que estavam me convocando para entrar

como AIE [...] quatro anos depois que fiz a prova.

Eu queria arrumar emprego até dezembro porque era a época que

estavam contratando.

Eu entrei rápido como ADI e foi meio uma novidade [...]

[...] eu estava me deixando levar muito pela novidade de estar

trabalhando ali na área de educação e pensei: ―porque estou aqui

vou querer me jogar?‖. Talvez não seja o que eu queira de

verdade. Aí eu decidi sair e me arrependi bastante de ter saído da

creche, de ADI. Me arrependi muito mesmo.

O de ADI eu li bem. Mas o outro, de AIE, era bem parecido.

[...] eu nem lembrava mais desse concurso de AIE, eu pensei que

tinha acabado

Um dia chegou a carta que estavam me convocando para entrar

como AIE [...] quatro anos depois que fiz a prova.

[...] sem emprego nenhum, não arrumava, estava bem difícil,

chegou a carta do concurso

Comparando, eu estou gostando mais do cargo que eu estou hoje.

[...] estou preferindo até pelo fato de poder me identificar mais

como uma criança só.

Consigo me dedicar muito mais a eles e poder estar sempre

olhando bem.

[...] aquele trabalho de ADI foi uma preparação, porque eram

cuidados humanos, eu trocava muita fralda, todo dia 4 ou 5

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crianças pra trocar a fralda [...]

[...] então foi uma preparação tanto para minha vida (um dia

quando eu for pai) e acredito que foi uma preparação para esse

trabalho.

Muita gente entra como AIE e não teve nenhuma experiência já

se assusta [...].

Foi mais uma confusão pessoal [...] Estava passando um

problema com meu pai [...] Saí do cargo de ADI e fui morar com

ele um tempo.

O de ADI eu li bem. Mas o outro, de AIE, era bem parecido.

Mas na época eu não sabia no que estava me metendo. Não

imaginava.

Tive interesse mesmo indo pro escuro, eu não sabia onde estava

me metendo mesmo.

De verdade: quando eu cheguei eu me surpreendi.

Os dois foram o mesmo concurso. Podia fazer os dois.

[...] ficou muito vago pra mim. Mesmo lendo o edital, não

compreendi bem.

[...] tudo que é novidade demora um pouco pra entender.

Comecei o curso de Libras, mas infelizmente tive que largar.

Formações em

serviço

E vocês têm formação uma vez por mês? Esse final de ano aqui,

eu acho que não está tendo, né?! É? Acho que não. Não teve esse

mês e não teve mês passado. E não terá mês que vem, estão

falando.

Que você acha disso? Acho que não é positivo, né?! A gente

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deve ser lembrada a todo o momento, tem que trazer novidades,

porque se não se acomoda no cargo, os AIEs.

Eu não tive muitas formações. Me falaram de formações que

tiveram antes de eu entrar e eu gostaria muito de ter participado

delas. E acredito que, se tiverem novas formações, nunca é

demais. Trazendo pessoas novas, mesmo se for pra falar do

mesmo assunto. Pessoas diferentes terão sempre visões diferentes

daquele assunto e sempre acrescentarão no nosso trabalho, no

nosso dia a dia.

Buscando formações, estar de olhos abertos na vida, olhando pra

tudo.

Uma coisa que mudou minha visão nas formações, muita coisa

foi apresentada e, um dia, a gente foi no Memorial da Pessoa com

Deficiência.

Quando eu fui para a última formação para profissionais de

educação da rede, eu vi um relato lá de professor de educação

física trabalhando o lado de inclusão, no período da manhã; e o

professor colocou umas fotos minhas trabalhando com um aluno,

foto que eu nem lembrava mais, fiquei até meio emocionado; e,

no período da tarde, eu tive o relato de outro professor de

educação física que envolve muito a música nas aulas dele. Vi

como ele incluía aquilo ali e, também, trabalha com os

deficientes, mostrou uma menina autista [...]

[...] não ficava claro qual era meu papel. Compreendi o lado mais

óbvio, que é o que está no edital; Dificuldade em

entender o que é

esperado para o

AIE

Então eu não conseguia entender qual era meu papel ali no

começo.

Tá, mas o que é pra fazer com ele? Não conseguia entender.

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[...] mas só o dia a dia mesmo me mostrou o que o cargo é [...]

Hoje o ADI trabalha 6 horas por dia, o AIE trabalha 8 horas por

dia. Acho que vai ser uma realidade distante AIE conquistar 6

horas.

Número de horas da

jornada diária

Eu fico com cinco.

Quantidade de

crianças atendidas

na escola que atua

Às vezes estou mal na minha vida, mas eu entro lá e chega a

criança...

Vantagens do cargo

Eu nunca tive um emprego que fizesse isso por mim como

pessoa. Então eu quero explorar essa parte.

Prefiro trabalhar com gente do que trabalhar com máquina.

[...] eu estou gostando mais do cargo que eu estou hoje.

Consigo dedicar muito mais a eles e poder estar sempre olhando

bem.

[...] estou preferindo até pelo fato de poder me identificar mais

com uma criança só.

[...] a facilidade de estar só com uma criança, seja para aplicar

uma atividade, seja para conter.

[...] a todo momento, como AIE, você está só com ela. É uma

facilidade, para você se aplicar bem.

[...] me dou melhor com esse lado de fazer uma coisa mais

específica, com uma pessoa só.

[...] poder sempre estar olhando bem.

Eu atendo só de tirar da cadeira de rodas, dar comida na boca Tarefas

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dela... Só que toda a parte mental dela, o intelectual dela, está

preservado. Foi uma novidade pra mim. Será que eu só posso

fazer isso por ela?

Só ajudo a transferir da cadeira de rodas pra cadeira que fica na

aula, levo pro refeitório, trago de volta etc. Só transporte e dar

comida. Ela usa um garfinho, pra ter mais acessibilidade. Tem a

parte da higiene, que também teria que ser meu papel, como

estava no edital.

Persistia bastante, tentava de tudo pra me comunicar com ele e

ele entender aquilo. E aí foi que agora ele entende normal, senta

no lugar dele, levanta pra dar uma voltinha, eu chamo ele senta,

ele faz tudo.

Fico com ele porque ele dispersa também, tem esse problema,

então tem que direcionar, queira ou não é muito importante o

papel de um AIE, porque com o T. por exemplo, é uma criança

que é difícil de se comunicar, eu aprendi muita coisa, não sei nem

te explicar como eu sei isso dele hoje [...]

Tem, no meu lado pessoal, de eu não encarar só aquilo que me foi

atribuído, dentro do que faço, de não ficar só olhando o mínimo.

Tarefas realizadas

por iniciativa

própria

Então o trabalho também é acalmar ele, aí trago um pouco das

minhas habilidades pessoais, toco violão e gosto de tocar violão

pra ele, pra ele acalmar.

Com meu jeito, eu fui ensinando a entrar no refeitório, fui

trabalhando música; ele sentava e não comia, eu fui dando na

boca dele, fui trabalhando, depois, dele pegar na colher; [...]

Não adianta querer levantar o aluno toda vez que ele se jogar no

chão. Tem que convencer com palavras, incentivar a levantar.

[...] e aí a gente vai improvisando, porque não dá pra ficar Improvisação para

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mostrando todos os dias as atividades que eles não conseguem

fazer. Não dá! Não dá!

realizar as tarefas

(um professor falou) para pegar o lápis e engrossar com E.V.A.

pra poder ter mais firmeza. Eu fiz e fico praticando com ele,

demorou para ele pegar o lápis, ele só rasgava as coisas, tive que

trabalhar o lado físico também.

Importância de

aceitar sugestões

Eu acreditava que ela ouvia. Foi me confirmando mais com a

convivência e as coisas que aconteciam.

A necessidade de

compreender as

crianças

Eu vi uma vez e já sabia que era isso que ele queria.

Eu vi que ele ficava com fome, procurava algo pra comer e falei

com a escola, com a família e com a PAEI para ele fazer o

almoço.

Fui combinando algumas coisas com a mãe, de ensinar ele a

guardar: eu fazia na escola e ela fazia em casa.

Relacionamento

com as mães

[...] as mães me vêem como parceiro, vão me direcionando,

pesquiso com elas; [...]

Aí a mãe pediu muito para ampliar o horário da L., muito.

É um bom relacionamento. Eles vêem como eu trato os filhos

deles. Vejo gratidão da parte deles e, a partir daí, conquisto a

parceria.

O vínculo dele sou eu. De fato.

Vínculo com os

alunos

acompanhados

O olhar. Você está sempre olhando pra pessoa deficiente [...]

Principal função Acredito que o AIE, o que ele deveria fazer na escola, é ter o

olhar mesmo, estar ali para o que precisar.

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Como ela já está na puberdade, queira ou não, ela não quer que

nenhum homem a leve para o banheiro. Então, quem leva é a

professora.

Questão de gênero:

ser homem no

universo feminino

Como é para você estar em um ambiente predominantemente

feminino? É tranquilo para quem está lá? Você diz isso para as

crianças ou para os adultos? Para todos, adultos e crianças. É

uma novidade. Desde quando eu entrei como ADI, já foi uma

novidade, principalmente na época de berçário, quando as mães

viram que era um homem que iria trocar.

Não dava para eu ficar distinguindo quem é homem ou mulher,

para eu trocar. Dava banho e trocava fraldas de meninos e

meninas. Então, já fui sentindo isso quando fui ADI e, como AIE,

também não foi tão drástico, pelo fato de não ter muitas meninas.

Mas no caso da L, por exemplo, que a mãe trabalha na escola,

quando ela faz as necessidades dela é a mãe quem a troca.

Abandona o cargo e vai trocar.

[...] ela não quer que um homem troque.

Tem uma criança, que eu fiquei sabendo que ela iria estudar lá na

escola - ela tem paralisia cerebral - e a mãe não quis, porque

ficou sabendo que era um homem. Deixou de por na escola antes,

porque o AIE também era um homem. Ganhou a vaga na escola

X e desistiu, porque era um homem que estava trabalhando lá.

[...] realmente seria bom se pessoas auxiliassem aquela atividade

a acontecer. Seria isso mesmo: auxiliar a realizar.

Expectativas Expectativa é que a conscientização atinja todo mundo, ali. De

verdade. Todos eles.

Para colocar na realidade, teria que ter um trabalho por fora ali, a

conscientização da escola, para que desse certo o trabalho. Teria

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que estar todo mundo ciente das obrigações com as pessoas

deficientes.

O cargo está sendo visto errado dentro da escola.

Críticas quanto ao

que se espera do

AIE

O cargo de AIE é um cargo para quem tem o ensino médio, não é

um cargo para ensino superior, como um professor, que o

trabalho é ensinar, passar aqueles ensinamentos. Então, não tem

essa história da gente passar, a gente é um cuidador mesmo.

NÚCLEO 3: Interações sociais no trabalho – “Eles não pedem para eu os ajudarem a

aplicar; eles querem que eu aplique a atividade. Não tem muito essa parceria de o

professor também aplicar a atividade: eles precisam do AIE”

Um dia, ele pegou na mão da prô e puxou ela assim e ela resistiu.

Foi no parque. Ele queria ir pra outra área, que não pode. Eu

estava longe e foi automático em mim. Eu vi que ela resistiu e ele

começou a se estressar, deu um grito, se jogou no chão. E falei:

―não, prô, ele quer dar uma volta na quadra com você; vai dar

uma volta na quadra e, depois, ele vai te soltar‖. E foi instintivo,

eu falei e ela fez: deram uma volta na quadra, ele soltou e saiu

correndo.

Relacionamento

com os professores

Faço entrada, tento colocar na fila, na frente da prô dele, mas a

prô dele não enxerga isso. Tento falar pra ela, pra ela ficar com

ele, mas ela não enxerga.

Ele não fica com a prô. Me aconselharam o que ir fazendo em

alguns momentos, pra ele ficar com ela. Tipo, falo pra ela: - ―Vou

sair pra escovar os dentes‖. Aí, saio, tomo um café, pra tentar que

ela fique com ele (risos).

E fica sozinho com a professora. Ficava, né, porque agora tem o

outro AIE.

Quando não tinha o AIE, o D ficava só com a professora [...]

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[...] as professoras desses dois casos que a gente falou até agora,

elas não apresentam nada. Elas não trazem nada que elas viram

que é pra trabalhar com um autista... Isso nunca.

Isso não acontece. Elas sentarem comigo e falar ―olha, o que dá

pra gente fazer com ele, de acordo com as capacidades dele, você

que está mais do lado dele, o que a gente poderia fazer e tal‖.

Fazer uma pesquisa sobre o que ela poderia trabalhar... Isso não

acontece.

[...] é para os professores fazerem, mas eu é que faço. Como

procurar e aplicar atividades.

Eles não pedem para eu os ajudarem a aplicar; eles querem que

eu aplique a atividade. Não tem muito essa parceria de o

professor também aplicar a atividade: eles precisam do AIE.

[...] eu ajudo a professora a deixar os materiais longes; se ele ficar

muito agitado, tranquilizo um pouquinho.

[...] eu estar fazendo algo que não era para estar fazendo, que sou

eu a aplicar as atividades, que eu deveria auxiliar para aplicar [...]

[...] falei que ele estava na escola e que era responsabilidade dela

e minha tudo que ele fizesse. Se eu deixar de guardar algum dia,

falei que era responsabilidade dela também guardar.

Ela disse que quando for assim, eu devo insistir pra ele guardar.

Sentei do lado dela, para insistir com ele, porque dois é melhor

do que um, com certeza.

É um caso a parte, porque também me apeguei muito a ela e faço

coisas totalmente fora do meu edital (risos). Levo todo dia para

andar, coloco aquelas talas, tiro da cadeira, ela desenvolveu

muito. Com o D, eu também faço um pouco disso.

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A partir do momento que caiu a ficha, que eu vi a sala dele,

perguntei pra professora, começamos a conversar e fomos tentar

mudar isso com a direção, aqui e ali, pedimos pra trocar o

horário, pra estender o horário dele.

E a professora dele traz atividades pra ele, que ela pesquisa, que

ela quer fazer, ela é bem dedicada

[...] se a professora tivesse a responsabilidade de ficar com o

aluno cadeirante às 7 horas da manhã, o AIE faria só o

necessário.

Tem a área da fisioterapia que a B (PAEI da escola) fala bastante.

Relacionamento

com as PAEIs

[...] entendo que deveriam estar mais presentes. Inclusive a PAEI.

Uma vez, citei em uma formação que, para ser um trabalho

efetivo, deveria ser uma PAEI por escola, para ela estar todos os

dias, acompanhando.

Elas pegam umas quatro escolas cada uma. E quantas crianças

têm por escola? E elas não acompanham, que nem eu, os casos

mais sérios. Elas acompanham desde o deficiente intelectual até

aquele caso de hiperatividade. É muita criança para uma PAEI só

atender.

Se ela tivesse mais contato, ela também iria saber. Poderia ter

descoberto muito antes a realidade que a L escuta.

Outro dia, estava o T sentado no lugar dele, a PAEI atrás dele e a

professora atrás dele. E, aí, eu ensinando o T a sentar no lugar

dele, no refeitório. Simplesmente ele levantou, passou no meio

das duas correndo. E eu: - ―caramba, meu Deus, elas estão ali,

porque ninguém segurou ele?‖.

Têm algumas atividades que a PAEI estipula, ela traz para a

gente confeccionar e a gente confecciona.

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Quando você foi assumir o cargo, alguém explicou? Explicou.

Quem explicou mesmo foi a PAEI. Chegou me apresentando as

crianças, explicando o cargo de AIE, mas tudo que é novidade

demora um pouco pra entender. Era uma chuva de informações:

―Ah, você vai ter que ficar com ele‖. Tá, mas o que é pra fazer

com ele? Não conseguia entender. Ela explicava mais ou menos,

ainda assim não ficava tão claro qual era meu papel.

A orientação dada no começo ajudou muito, mas só o dia a dia

mesmo me mostrou o que o cargo é e como o cargo está sendo

visto errado dentro da escola.

A PAEI começou a falar que ela acreditava que ele era deficiente

auditivo também, porque ele não responde e ficou falando muito,

muito, muito disso. Que alguma coisa ele deveria ter (risos). Eu

nunca botei fé nisso. Acreditava que ele ouvia, sim; que era só

artimanha dele, pra poder fazer o que ele quer.

Desculpe, eu quis dizer o horário da rotina de trabalho com os

alunos. Foi a PAEI que me passou. Já estava isso pronto, os

alunos já estavam na escola.

Mas, como eu falei: o fato de não ser uma PAEI exclusiva, não

ser tão presente, ela ter tantas crianças, muitas atividades que elas

colocam ali pra gente confeccionar e aplicar com eles não

atingem as capacidades deles, hoje. Algumas atividades são

confeccionadas pela PAEI;

Tem as atividades que a PAEI traz, mas muitas delas não atingem

as capacidades deles.

Não tenho nenhum problema; tenho uma relação até que, como

dizer, não é estável a palavra que quero usar... É normal. Não

temos problemas, mas eu sinto a distância... Repito muito: o ideal

é que ela estivesse na escola.

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Na minha opinião, uma boa PAEI tem que estar envolvida com

esse negócio, tem que falar libras, pelo menos. Quando você

domina uma coisa, você tem segurança para fazer.

Relação com equipe gestora? Tranquila. Não tenho do que

reclamar, graças a Deus. Ouvi relatos, por aí, que me fizeram

ficar feliz. Toda vez que vou solicitar, atendem. E, também,

procuro entender que tem coisa que leva maior tempo. Relacionamento

com equipe gestora Olhei, tinham 15 crianças, correndo pra lá e pra cá, se batendo, se

jogando no chão, fazendo bagunça e o menino de cadeira de

rodas que travou a cadeira, já era. Então, qual é a dificuldade de

olhar essa criança? Até com o pessoal da diretoria...

Tenho contato com alguns no horário de almoço, no restaurante

da prefeitura, mas é mais quando tem formação que temos

contato. É fora do horário de trabalho, o horário de almoço. De

vez em quando, a gente senta junto; de vez em quando, almoço

com o pessoal da escola. Queira ou não, somos do mesmo cargo,

temos muito pra conversar, de experiência pra trocar.

Relacionamento

com AIEs de outras

escolas

E fica sozinho com a professora. Ficava, né, porque agora tem o

outro AIE.

Relacionamento

com o novo AIE da

escola

Vocês são dois AIEs, na escola? Sim, é recente, têm umas três

semanas.

Agora mesmo, que tem dois AIEs na escola, dava pra ampliar

tranquilamente os horários de muitos alunos.

E você, então, é o parceiro mais experiente, que o orienta? É,

porque ele não tinha experiência nessa área. Então, é bem

diferente meu trabalho do dele. Mas, eu entendo, entendo

bastante. Tento entender o lado das pessoas, porque não adianta

Capacitação do

novo AIE

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cobrar, se a pessoa não sabe.

Agora estamos nos revezando, porque eu não quis: - ―olha, você

fica com tal aluno e eu com tal aluno‖. Eu não queria deixar de

ficar com esses alunos. A meu ver, ter outro AIE seria pra

ampliar possibilidades de ampliar os horários dos alunos, de fazer

um trabalho mais efetivo com as crianças.

Divisão dos AIEs

entre as crianças

Quando não tinha o AIE, o D ficava só com a professora, até esse

horário.

Meia hora eu fico com ele na educação física e meia hora eu não

fico, porque a L chega e o outro AIE fica com o P. na educação

física.

A L fica meia hora com o outro AIE.

Deixou de por na escola antes, porque o AIE também era um

homem. Ganhou a vaga na escola X e desistiu, porque era um

homem que estava trabalhando lá.

Mas, a todo o momento, como AIE, você está só com ela. É uma

facilidade, para você se aplicar bem.

E fica sozinho com a professora. Ficava, né, porque agora tem o

outro AIE.

[...] eu via as crianças brincando com as crianças deficientes [...]

Nomenclaturas

utilizadas para

designar alunos

com diferenças

funcionais

Tive vivências com pessoas deficientes [...]

Falavam, eles nem sabiam direito, falavam ―aquela criança

especial‖ [...]

[...] mostrou uma menina autista [...]

Deficiente auditiva grau profundo.

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[...] o caso mais grave porque ele tem três deficiências: paralisia

cerebral, autismo e deficiência intelectual.

[...] olhando pra pessoa deficiente [...]

[...] cada caso de criança especial ser uma novidade.

NÚCLEO 4: Problemas percebidos no trabalho – “O cargo de AIE é visto errado

dentro da escola”

[...] pedi para uma pessoa da secretaria ficar com ele, para eu ir

almoçar, a perua estava atrasada. Aí, a pessoa disse que não dava

pra ficar com ele, porque tinha mais criança ali.

Falta de boa

vontade e falta de

cooperação

É que a escola inteira esteja consciente, que o papel é de todo

mundo. Quando uma criança que não é deficiente põe muita

comida no prato, a merendeira também pergunta se a criança vai

comer tudo aquilo.

[...] mas precisei faltar. Avisei todos, a mãe, mandei mensagem e

avisei na escola. Quando a mãe chegou, a professora avisou que

ele não poderia ficar com ele, que era difícil, pediu pra buscar 10

horas por causa da refeição e ele perdeu a educação física

também. Um dia que eu faltei, ele perdeu o direito dele.

Porque a escola não está preparada, porque, de verdade, dá pra

ficarem. Aí, dizem: - ―ah, isso tem que ser falado com a PAEI‖.

Mas, é tão difícil ela estar na escola e, pra resolver o assunto de

ampliar o horário, a PAEI falou que tem que fazer reunião com o

trio da diretoria. Já é difícil estar a PAEI... Já é difícil estar o trio

da diretoria (risos). Como vou fazer? Esperar um milagre? (risos)

Outro dia, estava o T sentado no lugar dele, a PAEI atrás dele e a

professora atrás dele. E, aí, eu ensinando o T a sentar no lugar

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dele, no refeitório. Simplesmente ele levantou, passou no meio

das duas correndo. E eu: - ―caramba, meu Deus, elas estão ali,

porque ninguém segurou ele?‖.

[...] perguntei pra professora, começamos a conversar e fomos

tentar mudar isso com a direção, aqui e ali, pedimos pra trocar o

horário, pra estender o horário dele. Demorou semanas para

organizar, por causa da outra professora que não trocava o

horário.

Falei que o aluno era dela. Elas levam a mal a ideia de alguém

apontar o que não é certo, é um pouco de orgulho da parte delas,

elas ficam chateadas de alguém que não é professor. Tentam

passar a responsabilidade pra mim.

O dia que o T. perdeu a educação física, ela alegou que não tinha

condições de ficar com ele, que tem que ficar com outras

crianças. Mas, ela não fica com as outras crianças. Ela fica

conversando com a outra professora.

[...] discordo um pouco são os horários reduzidos. A sala do D

entra às 7 horas. Ele fica em uma cadeira de rodas, ele não vai

passar fome, não estará sozinho em nenhum momento, dezenas

de crianças na sala dele, vai ter a professora ali, do lado dele [...]

[...] se a professora tivesse a responsabilidade de ficar com o

aluno cadeirante às 7 horas da manhã, o AIE faria só o

necessário.

A merendeira tem essa conscientização, que ele não pode correr.

Por que a professora não pode ter a mesma conscientização?

Olhei, tinham 15 crianças, correndo pra lá e pra cá, se batendo, se

jogando no chão, fazendo bagunça e o menino de cadeira de

rodas que travou a cadeira, já era. Então, qual é a dificuldade de

olhar essa criança? Até com o pessoal da diretoria...

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As pessoas não sabem o que o AIE tem que fazer.

Falta de

conhecimento do

papel do AIE

Acredito que elas se imaginam em um patamar, se imaginam, né?

Porque é só imaginação delas. E enxergam, a princípio, a criança

deficiente como um problema para elas, vamos dizer assim. E

enxergam o AIE como aquele que vai resolver o problema, que

não é da alçada delas resolver.

Tem, então, esse lado de poder, mas é da cabeça delas, porque

isso não existe.

A professora passa atividades para os outros alunos; ele não

atrapalha a aula; não fica levantando; tem toda a possibilidade de

estar dentro da sala de aula, sem ter alguém pra auxiliar para que

a aula não seja interrompida.

As pessoas não sabem o que o AIE tem que fazer.

Então, ao olhar da escola, esses alunos são seus? Tudo meu

(risos). Tudo filho (risos)... Esse lado é difícil, de não ter uma

compreensão, de (que são) como qualquer outro aluno e de que

devem ser seguidas as normas da escola. Como qualquer outro

aluno, deveriam respeitar mais.

Então, ao olhar da escola, esses alunos são seus? Tudo meu

(risos). Tudo filho (risos)... Esse lado é difícil, de não ter uma

compreensão, de (que são) como qualquer outro aluno e de que

devem ser seguidas as normas da escola. Como qualquer outro

aluno, deveriam respeitar mais. Críticas à visão da

escola sobre os

AIEs O cargo de AIE é visto errado dentro da escola. É um cargo para

quem tem ensino médio, não é um cargo para ensino superior,

como um professor, que o trabalho é ensinar, passar aqueles

ensinamentos. Então, não tem essa história da gente passar, a

gente é um cuidador mesmo.

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Expectativa é que a conscientização atinja todo mundo, ali. De

verdade. Todos eles.

Pra colocar na realidade, teria que ter um trabalho por fora ali, a

conscientização da escola, para que desse certo esse trabalho.

Teria que estar todo mundo ciente das obrigações com as pessoas

deficientes.